Design de jogos na escola: uma proposta de integração entre a pedagogia da autonomia e o construcionismo Game design at school: integrating the pedagogy of freedom and constructionism Renato da Cunha Tardin Costa, Antônio Martiniano Fontoura
construcionismo, pedagogia da autonomia, design de jogos Este artigo analisa as filosofias educacionais pedagogia da autonomia e construcionismo, evidenciando suas especificidades, com o objetivo de identificar uma atividade pedagógica que integre as duas visões. Os autores apresentam a abordagem procedural para jogos digitais e sugerem sua utilização em conjunto com a proposta construcionista para design de jogos digitais.
constructionism, pedagogy of freedom, game design This paper analyzes the educational philosophies pedagogy of freedom and constructionism, highlighting their specificities, aiming the identification of a pedagogical activity that integrates the two views. The authors present a procedural approach to digital games and suggest their use in conjunction with the constructionist proposal for game design.
1 Introdução Em novembro de 1995, a TV PUC de São Paulo promoveu um encontro entre os educadores Paulo Freire e Seymour Papert no programa “O futuro da escola” (Moreno & Rosso, 1995). Naquela oportunidade, os dois puderam expressar e discutir suas idéias sobre o impacto dos novos meios de comunicação nas escolas. No debate fica em evidência a semelhança entre suas filosofias educacionais, contudo, pode-se perceber a diferença de abordagens para promover o que os dois pretendem: mudar a escola. Freire considera a escola uma invenção humana que se justificou historicamente pela necessidade de sistematização do aprendizado. Então, a escola não seria em si mesma errada, mas estaria errada. Para Freire, a mudança da escola passa pela incorporação do pensamento crítico no processo de aprendizado para capacitar os educandos no questionamento da ideologia opressora. Já Papert afirma que a escola – onde as crianças são separadas por idade e encaixadas dentro de um currículo – será substituída pela tecnologia. A mudança da escola aconteceria com a transformação do aprendizado mais abstrato para outro mais concreto, tendo a tecnologia como instrumento. O objetivo deste estudo foi propor uma integração entre as duas filosofias educacionais, a pedagogia da autonomia de Freire e o construcionismo de Papert, por meio de utilização da abordagem procedural para jogos digitais em conjunto com utilização do design de jogos digitais em atividades pedagógicas na escola.
2 Pedagogia da autonomia Pedagogia da autonomia é uma síntese das principais idéias discutidas por Paulo Freire nos seus livros anteriores, apresentadas como saberes necessários à formação docente para orientar a prática educativa em favor da autonomia do educando. Freire (1996) critica a ideologia do discurso neoliberal da época e faz uma contraposição da ética deste mercado, que tem o lucro como maior valor, à sua ética universal do ser humano. Segundo o educador, a melhor maneira de ajudar os educandos a construir sua autonomia é o exemplo de vivência dessa ética pelo professor dentro e fora do ambiente escolar, mostrando a coerência entre o falar e o agir. Além do exemplarismo, a pedagogia da autonomia se manifesta como ação para mudar a escola por meio do respeito aos saberes socialmente construídos do educando e da discussão sobre a razão de ser desses saberes em relação ao ensino dos conteúdos. Estimulase, deste modo, o pensamento crítico sobre a realidade, que acabam transformando o processo de aprendizado em um instrumento de conscientização para mudança do mundo e, conseqüentemente, da escola.
3 Construcionismo Papert (2008) explica que o construcionismo, considerado por ele uma reconstrução pessoal do construtivismo, ‘apresenta como principal característica o fato de examinar mais perto do que outros ismos educacionais a idéia da construção mental’. O autor considera a valorização excessiva do abstrato na educação uma barreira para seu avanço e defende uma inversão epistemológica do processo de aprendizado, transformando o conhecimento abstrato em ferramenta para o desenvolvimento de formas mais concretas de conhecer. O construcionismo parte da suposição que os educandos aprendem melhor construindo o conhecimento específico que precisam, ao invés de apenas recebê-lo já sistematizado. O termo construcionismo está diretamente relacionado com o significado da palavra construção em oposição a transmissão de conhecimento. No entanto, a materialização da filosofia de Papert em prática educativa se dá a partir de uma segunda conotação do termo. Para Papert (2008), o construcionismo também significa conjunto de peças para construção, sejam elas físicas, como o brinquedo Lego, ou virtuais, como as linguagens de programação em informática. Baseados nesse conceito surgiram a linguagem de programação Logo para aprendizado de matemática, desenvolvida pelo próprio Papert, e o conjunto Lego Mindstorms para aprendizados de diversos conteúdos. Design de jogos na escola Em 1991, Yasmin Kafai realizou um projeto chamado Minds in play durante o período que trabalhou com Papert no MIT Media Lab (Etkind, 1992). Kafai (1994) tinha como uma de suas motivações na pesquisa a investigação do processo de design de jogos digitais como fonte de reflexão e aprendizado. O projeto Minds in play acompanhou dezesseis crianças durante seis meses na criação de um jogo digital, usando a linguagem Logo, para ensinar frações aos estudantes do ano escolar anterior. Para a pesquisadora, esse processo de construção é uma forma de expressão pessoal e criativa das crianças e permite a concretização de suas fantasias e realidades fora da escola por meio do relacionamento com o conteúdo da aula e realidades dentro da escola.
4 Aborgadem procedural para jogos Bogost (2008) também considera os jogos digitais uma mídia expressiva. Para Bogost, jogos digitais são representações do comportamento de sistemas. Essa habilidade de reprodução baseada em regras do funcionamento das coisas – sejam mecânicas, como o vôo de aviões, ou organizacionais, como o trabalho em lojas de fotocópias – é chamada de proceduralidade. Então, todo jogo digital possui um sistema base e um modelo procedural desse sistema. Contudo, um mesmo sistema base pode ter vários modelos procedurais, uma vez que cada designer interpreta o sistema base do seu jeito, de modo subjetivo. Bogost usa como exemplo os jogos sobre partidas de futebol, que podem focar mais na estratégia do técnico do time ou no acompanhamento da evolução da carreira de um jogador específico. A característica expressiva dos jogos digitais aparece quando a subjetividade do modelo procedural criado pelo designer, entrando em contato com a subjetividade dos jogadores, encoraja eles a questionarem e tentarem reconciliar suas visões de mundo com as apresentadas pelo jogo. Bogost afirma que a maioria dos jogos digitais possuem modelos procedurais de realidades fantasiosas. No entanto, a proceduralidade também permite que os jogos digitais sejam utilizados como convite aos jogadores para ver a realidade cotidiana de forma nova ou diferente. Permite, portanto, que os jogos digitais sejam mídias persuasivas com seus próprios argumentos procedurais. Para Bogost (2007 apud Mattar, 2010, p. 28) o potencial dos jogos persuasivos está na crítica às visões de mundo estabelecidas pelas organizações, que acontece quando eles: [...] deixam de reforçar um processo como um conjunto de regras arbitrárias a serviço da organização e começam a apresentar uma retórica procedural do modelo de negócios no qual o empregado foi solicitado a trabalhar. Quando o empregado tem uma perspectiva desse modelo de negócio, pode interrogá-lo como um sistema de valor, em vez de uma condição arbitrária de emprego.
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5 Considerações finais Desse modo, os autores propõem a utilização da abordagem procedural para jogos digitais para embasar a proposição da atividade construcionista de design de jogos digitais aos educandos. Essa atividade poderá, potencialmente, oferecer aos alunos uma oportunidade de trazer a realidade de fora da sala de aula para o ambiente escolar ao mesmo tempo em que fazem uma reflexão crítica sobre essa realidade, concretizando a integração entre a pedagogia da autonomia e o construcionismo. Contudo, cabe alertar que é necessário validar essa proposta de integração por meio de estudos com aplicação prática da atividade em sala de aula. A diferença entre a abordagem das duas filosofias educacionais para mudar a escola possivelmente existe devido as diferenças entre as realidades de seus propositores: a brasileira, mais desigual em diversos aspectos, e a norte americana. No entanto, quatorze anos depois do encontro dos educadores pode-se ver a proliferação dos computadores pessoais, Internet e lan houses no Brasil . A escola precisa mudar para se adaptar a nova realidade, ainda desigual e mais tecnológica, e a proposta apresentada aqui se torna mais uma opção de ação que pode ajudar a escola a realizar essa atualização.
Referências Bogost, I. (2008). Persuasive Games. In: Fullerton, T.; Swain, C. & Hoffman, S. Game design workshop: a playcentric approach to creating innovative games. 2 ed. Burlington: Morgan Kaufmann. Etkind, M. (1992). Project headlight: minds in play. [Filme-vídeo]. Cambridge, MIT Media Lab. 9 min. color. son. Disponível em: <http://www.gseis.ucla.edu/faculty/kafai/videos/index.htm>. Acesso: 21 dez. 2009. Freire, P. (2006). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36.ed. São Paulo: Paz e Terra. Kafai, Y. B. (1994). Minds in play: computer game design as a context for children's learning. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates. Mattar, J. (2010) Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall. Moreno, M.; Rosso, M. A. (1995). O futuro da escola e o impacto dos novos meios de comunicação no modelo de escola atual. [Filme-vídeo]. São Paulo, TVPUC-SP. 48 min. color. son. Disponível em: <http://www.paulofreire.ufpb.br/paulofreire/Controle?op=detalhe &tipo=Video&id=37>. Acesso: 21 dez. 2009. Papert, S. (2008). Máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Tradução de Sandra Costa. Edição revisada. Porto Alegre: Artmed.
Sobre os autores Renato da Cunha Tardin Costa, Mestrando, UFPR: Bacharel em Projeto de Produto e Programação Visual pela ESDI/UERJ, Especialista em Ergodesign e Avaliação de Interfaces pela PUC-Rio. Atualmente é webdesigner na Companhia Paranaense de Energia. rctcosta@gmail.com Antônio Martiniano Fontoura, Doutor, UFPR: Professor nos cursos de Design na PUC-PR e Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico na UTFPR. É professor colaborador no Programa de Pós Graduação em Design da UFPR. Tem interesse acadêmico e desenvolve pesquisas no campo da Teoria do Design, Design e Educação e Design e Cultura. amfont@matrix.com.br
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