Pesquisa
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A grande aliada para o sucesso no Por Tiago Bosco
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A pesquisa e os seus métodos muitas vezes são deixados de lado no processo de desenvolvimento de um determinado projeto. Com isso, grande parte dos designers trabalha na base da intuição, sem dar a importante dimensão que tais análises oferecem para o sucesso de um trabalho. Qual seria, então, o verdadeiro valor desses estudos para o dia a dia dos profissionais?
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esquisar significa, de forma bem simples, procurar respostas para indagações propostas. Dentro desse contexto, os métodos de pesquisa aparecem como elementos fundamentais para os designers, que visam, sobretudo, obter melhores resultados em seus projetos. Mas, afinal, há como projetar sem deixar de lado as pesquisas e os seus métodos? Qual a importância desses estudos na concepção de um trabalho? “Todo design é baseado em pesquisa, seja consciente ou inconscientemente. As definições de projeto são tomadas com base em algum conhecimento sobre a realidade. Os níveis de aprofundamento é que variam, de acordo com a expertise do designer em métodos de investigação e a disponibilidade de tempo e recursos para tal. Nem sempre um aprofundamento maior trará melhores resultados em curto prazo. Porém, uma questão pesquisada e não aproveitada num projeto pode servir em outro. A pesquisa é sempre uma forma de desenvolver as habilidades de design de uma equipe ou de um profissional. É uma atividade essencial para a inovação”, comenta Frederick van Amstel, cofundador do Instituto Faber-Ludens de Design de Interação (www.faberludens.com.br), defendendo que a pesquisa não é apenas uma fase de projeto, mas, sim, o próprio projeto. “Cada projeto é uma pesquisa sobre o comportamento dos usuários, os modos de fazer negócios, os limites dos materiais, os valores estéticos e culturais. A cada projeto, o trabalho de pesquisa vai agregando conhecimento ao repertório do designer, elevando seu valor estratégico nas organizações.” Para Robson Santos, consultor de usabilidade e doutor em Design pela PUC-Rio, é importante distinguir métodos de pesquisa de design dos métodos de pesquisa científica. “O designer sempre utiliza algum tipo de método em seu trabalho, mas não necessariamente precisa utilizar métodos de pesquisa científica, uma vez que seu trabalho é de ordem prática, não trabalhando com hipóteses, por exemplo. Assim, o designer precisa ter acesso aos resultados de pesquisas acadêmicas e científicas para auxiliá-lo a encontrar soluções e embasar suas propostas.” Embasamento também é a palavra que resume a importância da pesquisa para o designer, de acordo com Eduardo Loureiro, pós-graduado em Design de Interação pela PUC-Minas e experience designer na 3bits – Estúdio Criativo (http://3bits.net), onde atua em projetos web, instalações interativas e projetos que envolvam novas tecnologias e novas formas de interação. “Pesquisar nada mais é do que obter informações que permitam ao designer trabalhar com certezas e direcionamentos. Se pegarmos o contexto digital onde o resultado do trabalho do designer é um artefato interativo, ou seja, que será usado por outras pessoas, essa etapa do projeto ganha uma importância fundamental. É preciso saber quem são as pessoas que usarão o produto e, mais que isso, é preciso entender suas características, limitações, desejos, anseios e necessidades, para se criar algo que de fato atenda a elas. E isso só é possível fazendo pesquisa,
conhecendo metodologias de pesquisa que possibilitarão ao designer encontrar as informações específicas de que precisa para conceituar e projetar o produto de forma coerente com as necessidades das pessoas que vão utilizá-lo”, afirma. Muitos devem se perguntar se para a conclusão satisfatória de um determinado projeto precisa-se colocar em prática a utilização de métodos de pesquisa e quais métodos/estudos são imprescindíveis e não podem faltar no decorrer de um trabalho. De acordo com Marcelo Gluz, formado em designer pela PUC-Rio e gerente da área de novas mídias dos Canais Globosat, não existe um método imprescindível para qualquer tipo de projeto. Segundo ele, é mais uma questão de encontrar o set de ferramentas adequado para as questões cruciais do seu projeto. “Alguns métodos permearão mais o campo das atitudes; outros, o dos comportamentos. Uns resolvem pontos específicos de produtos que já existem, outros fornecem insights para novos produtos. O mais importante é definir bem qual o problema a se resolver”, opinião compartilhada por Renato Costa, designer pela ESDI/UERJ e especialista em ergonomia e usabilidade, com prática direcionada para avaliação de interfaces, pela PUC-Rio. “Cada contexto projetual pede um conjunto de métodos diferente”, alega. O mais importante estudo que o designer deve fazer é sobre seus próprios limites. O que você sabe e o que você não sabe. É o que orienta Frederick van Amstel. “Isso é importante para desenvolver a humildade, requisito básico para se fazer pesquisa. Se você acha que sabe tudo, de que adianta pesquisar?
“Todo design é baseado em pesquisa, seja consciente ou inconscientemente” Frederick van Amstel
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“Alguns métodos permearão mais o campo das atitudes; outros, o dos comportamentos” Marcelo Gluz
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Métodos existem muitos, mas o importante mesmo é ter metodologia. Não adianta sair por aí aplicando um monte de métodos sem saber como triangular os dados depois, sem saber como organizar os resultados e, principalmente, em aproveitar tais resultados para converter em definições de projeto. Isso exige experiência. Portanto, meu conselho é: comece pequeno.” Ações intuitivas x métodos de pesquisa
Por meio de um post publicado em seu blog, o estudante de design Walter Bispo afirma: “Diante da tendência do ‘design se aprende fazendo’, que atualmente se deve principalmente ao fácil acesso ao computador, aos programas gráficos e à internet e seus tutoriais, o ensino e a pesquisa em design proporcionam diferentes níveis de competência profissional” (http://migre.me/1zxA9). Com base nesse argumento, pode-se debater como a priorização das ações intuitivas em relação aos métodos de pesquisa pode interferir no resultado final de um projeto. Para Frederick van Amstel, aprender fazendo não é ruim. Ainda segundo ele, não existe outra forma de aprender a fazer design. “Pode-se ficar infinitamente teorizando design, mas, enquanto o sujeito não arregaçar as mangas e começar a trabalhar, não vai saber do que está falando. Como costuma dizer Jack Schulze, ‘design é algo que acontece no mundo e nas suas mãos, não na sua boca’ (http://migre.me/27iVi). Se cada projeto é encarado como uma pesquisa, ele agregará conhecimento ao designer, mesmo que seja um conhecimento tácito que não possa ser explicado para outra pessoa. Conheço designers que não conseguem explicar como fizeram um determinado projeto de sucesso e conheço pesquisadores que explicam tudo sobre projetos que não servem para nada. Os extremos são importantes para a sociedade, porém a maioria dos profissionais de design acaba tendo que ficar no meio termo”, afirma. Segundo Eduardo Loureiro, esse modelo empírico do campo do design é reforçado pelo aprendizado autodidata que muitos profissionais possuem, muitas vezes, até por escolha própria. Porém, tal modelo autodidata não representa ou não deveria representar um movimento contraditório à pesquisa. “É fato que a banalização da profissão, devido principalmente a esse tecnicismo vinculado aos softwares utilizados no processo do design, ajudam e muito a propagar uma visão imediatista e não profissional do design. A falta de conhecimento metodológico sobre pesquisa é uma das características de tais indivíduos, que afirmam praticar a profissão mesmo sem o embasamento conceitual dos verdadeiros profissionais da área.” A intuição é importantíssima, mas sem um bom suporte técnico e conceitual ela não nos leva muito longe. É o que diz Marcelo Gluz, que ressalva: “Por outro lado, se o designer está alimentado das informações corretas, sua intuição pode ser o ponto de desequilíbrio da equação. Existe um método de geração de ideias chamado ‘Six Thinking Hats’ que adotamos quando percebemos que a maior parte das reuniões de brainstorm resultava em ideias pouco adequadas ao cenário ou pouco factíveis. Essa ferramenta
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procura justamente equalizar momentos de pensamento intuitivo com momentos de racionalização. Num primeiro momento, os fatos e as informações devem ser amplamente compartilhados e discutidos entre todos os participantes. Dessa maneira, quando a tempestade de ideias começa, nossas cabeças já estão voltadas para a direção certa”, afirma. Teoria x prática
Na edição nº 80 da revista Wide, Lucy Niemeyer, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, comentou em uma entrevista sobre semiótica que teorias discutidas na vida acadêmica de um profissional muitas vezes não merecem uma atenção especial quando um determinado projeto é colocado em prática. Pode-se dizer que o mesmo ocorre com os métodos de pesquisa. É o que diz Robson Santos. “Prazos e orçamentos estreitos, aliados a pressão de clientes, muito frequentemente levam a soluções que, em algum aspecto, podem estar em desacordo com o preconizado na teoria do design. O fato citado por Lucy não é realidade somente em relação à semiótica, mas a outros tópicos, como a usabilidade, a tipografia, a ergonomia, etc. Nesse aspecto, é fundamental que a formação dos profissionais seja a mais adequada, que mais material sobre conceitos seja publicado, que mais eventos sérios e acessíveis sejam colocados à disposição da população profissional.” Fatores como tempo/prazo e custo/orçamento ajudam a determinar tal distanciamento entre academia e mercado, pois esses são justamente os grandes desafios diários das empresas, segundo Eduardo Loureiro. “Isso impacta diretamente na exclusão da pesquisa pelo mercado, pois prazo e orçamento são os argumentos mais recorrentes para que não aconteça a etapa de pesquisa nos projetos. Esse tipo de pensamento só demonstra o pouco conhecimento dos profissionais e das empresas do mercado a respeito das metodologias de pesquisa. Não é preciso fazer pesquisa exatamente da mesma forma que se faz na academia e, de fato, isso é inviável. Na academia, o objetivo é o conhecimento, e por isso as pesquisas e as análises têm que ser muito mais complexas, profundas e metodologicamente rígidas. Já no mercado, o objetivo é comercial, então o tempo para desenvolver uma pesquisa é muito mais curto, razão pela qual ela deve ser muito mais direta e atender exclusivamente aos objetivos do projeto, ou seja, reunir o mínimo de informações necessárias para embasá-lo de forma plena. Portanto, no mercado é preciso conhecer e entender muito bem as metodologias de pesquisa, pois a adequação, a customização, a combinação e até mesmo a criação de novas técnicas de pesquisa são fundamentais para viabilizar a realização de análise do mercado mesmo com suas limitações de tempo e dinheiro.” Testes de usabilidade: gastando menos e obtendo sucesso
Falando em custos, de acordo Steve Krug (no livro Não me faça pensar), só para se ter como exemplo, um teste de usabilidade
pode ser simples e com resultados bem úteis, bastando apenas uma câmera para registrar a sessão, uma sala com uma mesa, computador e cadeiras e apenas três ou quatro usuários para serem entrevistados. Isso, segundo Krug, resulta em uma redução de custos de 15.000 dólares com testes tradicionais para 300 dólares. Sabendo que nem todos os projetos possuem verba suficiente para contratarem testes avançados, é recorrente o debate de que o investimento não precisa ser tão grande para a realização de testes de usabilidade, e os resultados, mesmo assim, são satisfatórios. Marcelo Gluz concorda com esse ponto de vista. “Meu teste de usabilidade favorito é o que a gente costuma chamar de ‘quick and dirty’. Em vez de gerar algumas possíveis soluções e discutir qual seria a melhor delas, vale mais a pena prototipar rapidamente a mais promissora e testar com três pessoas sem envolvimento com o projeto. Analisamos o feedback na hora, ajustamos e testamos com mais três. É incrível como um processo tão simples pode ser tão esclarecedor. Muitas vezes, nem precisamos debater sobre como foi o teste. Assim que ele acaba todos já sabem o que precisa ser feito”, é o que acha Renato Costa. “Os métodos para avaliação de interfaces com alto nível de controle são mais apropriados para pesquisas acadêmicas. Para a prática profissional, vale a regra de que é melhor testar com um usuário do que não testar com nenhum. Porém, independentemente do teste ser caro ou barato, os resultados nem sempre podem ser aplicados ipsis litteris na solução da interface. O designer deve ser crítico e encarar os resultados como um subsídio que pode ser usado ou não na tomada de decisão projetual”. Robson Santos também é partidário dessa ideia. “Concordo que não é necessário uma grande infraestrutura para avaliar um site ou um portal. Ouvir quatro usuários é infinitamente melhor do que não ouvir usuário algum, mesmo que, em termos estatísticos, quatro usuários não representem uma população. De maneira geral, já vale a pena tentar entender como outras pessoas usam ou percebem o produto. Mas, deve-se ter o cuidado de recrutar pessoas que sejam realmente representativas da população usuária”, afirma.
“O designer precisa ter acesso aos resultados de pesquisas acadêmicas e científicas para auxiliá-lo a encontrar soluções e embasar suas propostas” Robson Santos 82 > DESIGN | WIDE |
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Por serem rápidas e baratas, cinco técnicas geralmente são aplicadas no dia a dia, de acordo com Eduardo Loureiro. Confira.
Observação (etnografia)
Ir a campo observar usuários reais usando o produto ou realizando a tarefa com produtos similares ou por meios próprios. Geralmente, precisa-se apenas de máquina fotográfica e caderno de anotações. É uma técnica que exige paciência e discrição para não fazer com que as pessoas alterem seu comportamento devido à observação. Muitas vezes aliamos a observação com a técnica de entrevista contextual, na qual, além de observar, fazemos perguntas para as pessoas. Com a observação é possível identificar comportamentos, costumes e características dos usuários em seu real contexto. Observar como eles realizam a tarefa usando métodos próprios ou produtos concorrentes. Identificar problemas que enfrentam e oportunidades para novos desejos. É uma técnica muito importante bem no início do processo de design, pois é justamente para ajudar na conceituação e na definição estratégica do produto interativo, ou seja, é um ponto de partida para definir os requisitos da interface e as funcionalidades do produto. Em projetos de intranets, esse tipo de técnica é bastante aplicável, uma vez que já se tem os usuários do produto à disposição. Em projetos de websites, o ideal é recrutar os usuários e agendar visitas para observá-los em seus próprios computadores. Pesquisa exploratória online
Uma das grandes tendências na área de pesquisa com usuários é o uso da etnografia por meio da internet, que algumas empresas chamam de netnografia. A grande vantagem é poder compreender o comportamento das pessoas em suas próprias casas e em seus próprios computadores, ou seja, seu contexto, sem que se tenha o peso da presença de um desconhecido no ambiente. Geralmente, a coleta de dados é indireta, por meio de logs, mas a pesquisa também pode ter uma coleta de dados direta e qualitativa. A Pesquisa Exploratória Online consiste em observar o comportamento das pessoas em seus computadores e entrevistálas por meio de um software de webconferência. Dessa forma, é possível ver a tela da pessoa e entender como ela realiza a tarefa usando o website que está sendo pesquisado ou mesmo websites similares e concorrentes. Os resultados são muito ricos justamente pelas pessoas estarem em seu próprio ambiente, e não em um laboratório, o que pode trazer vários insights sobre como as pessoas pensam e se comportam de maneira natural.
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Teste em protótipo online
Essa técnica segue a mesma lógica da Pesquisa Exploratória Online, isto é, utiliza a internet para fazer um estudo, que também pode ser feito presencialmente. Só que, em vez de explorar o universo do usuário para entender seu comportamento e como ele realiza as tarefas que tem a ver com o produto, o objetivo do teste online é o mesmo do teste de usabilidade presencial: validar determinada proposta de interface. Com o software de webconferência é possível observar e falar com as pessoas à medida que elas executam uma série de tarefas no protótipo navegável, que elas usam como se fosse um website. É preciso estabelecer objetivos do teste, que é basicamente definir o que será avaliado, em que grau e quais métricas serão usadas para determinar a qualidade da avaliação, recrutar os usuários, fazer o teste de usabilidade com um roteiro de tarefas e analisar os resultados, tornando-os indicações de mudanças e melhorias na interface. O Teste em Protótipo, como o próprio nome fala, deve se aplicado nas etapas intermediárias de desenvolvimento, quando os primeiros protótipos do produto são criados. Teste em protótipo de papel
Além do Teste em Protótipo Online, que fazemos em protótipos navegáveis, também realizamos testes de usabilidade presenciais em protótipos de papel. Aplicar os testes de usabilidade ainda nessa fase de prototipação de baixa fidelidade é muito importante, pois ajuda a validar os modelos mentais bem no início, antes mesmo da fase de prototipação de média e alta fidelidade. Os passos são basicamente os mesmos, estabelecer objetivos, recrutar usuários, realizar o teste com o roteiro de tarefas, analisar e gerar indicações de melhorias na interface. Card Sorting
Técnica de pesquisa usada para entender como as pessoas (que irão usar o produto que está sendo projetado) organizam informações e como elas categorizam e relacionam conceitos. A técnica é muito simples de ser aplicada e traz resultados significativos. Consiste em pedir às pessoas para agruparem uma série de itens, que representam as informações do produto ou do website, de maneira que faça sentido para elas. Porém, é preciso ter um entendimento do cliente, seu problema, objetivos de negócio, solução e estratégia e, na medida do possível, aliar a
técnica com outras pesquisas com usuários para entendimento de contexto, limitações, necessidades e desejos. É uma técnica para ser usada nas etapas iniciais do projeto, depois que se sabe quais conteúdos, informações e funcionalidades devem ser organizadas. Sempre que podemos aplicamos o Card Sorting presencialmente, pois durante o estudo, com as discussões e as conversas que surgem, é possível colher dados valiosos para identificar como as pessoas entendem a informação. Mas, também aplicamos com frequência o Card Sorting online, porque ganhamos tempo e temos a chance de envolver mais pessoas no estudo. Existem duas ferramentas para isso o Optimal Sort e o Web Sort. Fonte: Eduardo Loureiro.
“A falta de conhecimento metodológico sobre pesquisa é uma das características de tais indivíduos, que afirmam praticar a profissão mesmo sem o embasamento conceitual dos verdadeiros profissionais da área” Eduardo Loureiro 82 > DESIGN | WIDE |
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