Revista MERCOSUL Audiovisual - Patrimônio Audiovisual 2018

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Revista

MERCOSUL AUDIOVISUAL Tema:

Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL

Patrimônio Audiovisual 2018


MINISTRO DA CULTURA Lic. Pablo Avelluto PRESIDENTE DO INCAA Lic. Ralph Haiek

As matérias e resenhas desta edição impressa são publicadas em seu idioma original. Adicionalmente poderão ser acessadas as versões em espanhol-português-inglês na edição digital, disponível em www.recam.org/revista Explicação foto da tapa: Inauguração do Estádio Centenário, Uruguai. ANO: 1930 O Estádio Centenário de Montevidéu foi construído em 1930 com a finalidade de celebrar o primeiro Mundial de Futebol. Convertido em Monumento do futebol mundial e lugar emblemático da cidade de Montevidéu, o presente documento retrata sua inauguração. Cópia digitalizada pelo Programa MERCOSUL Audiovisual, realizada a partir da única cópia nitrato que é conservada por “Cinemateca Uruguaia”.


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Revista

MERCOSUL AUDIOVISUAL Tema:

Patrimônio Audiovisual 2018


Índice

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Apresentação

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Institucional

6-7

n SEÇÃO

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I

Apresentação

10-11

APEX na América Latina

12-25

Francisco Sérgio Moreira: Restauração de filmes, entre a paixão e o conhecimento

26-37

Cinema em casa: património, educação e tecnologia audiovisual

38-49

Pesquisa e preservação de periódicos de cinema brasileiros antigos

50-61

Depois dos fantasmas da guerra

62-71

n SEÇÃO

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II

Experiências

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Film Preservation & Restoration School Latin America, Argentina 2017

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Um eclipse como ponto de partida

75-77

Restauração de som do filme A história oficial

78-80

Projeto Audiovisual MERCOSUL

81-82

Áreas

83

Soma de todos os tempos. Cineop-Mostra de cinema de Ouro Preto

84-85

Dipra

86-87

Revista Filme Cultura: o cinema brasileiro através do Tempos

88-89

Divulgação de arquivos através de redes em “Assunção Audiovisual”

90

Pontos de Vista

91

Acessibilidade do patrimônio audiovisual. Olhar para o futuro sem negligenciar o passado

92-94

Memórias

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Comemorando nosso agosto Augustus

96-98

Memória de María Rita Galvão

99

Juan José (Bubi) Stagnaro (1938-2018)

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Apresentação

Refletir todos os olhares Por Ralph Haiek *

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sta primeira edição da Revista MERCOSUL Audiovisual me alegra e me enche de orgulho por vários motivos. Em primeiro lugar, é o resultado de um trabalho que reflete a união da equipe da Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM), da qual o Instituto de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA) teve a Presidência pro tempore em 2017, quando se tomou a decisão de sua edição. A publicação nasce como espaço de visibilidade do que fazemos e somos, uma janela para contar a atualidade e os temas que representam ao cinema da região. É uma oportunidade de contribuir à reflexão e ao debate plural de ideias sobre a integração audiovisual do MERCOSUL. Aposta, também, a fortalecer a pesquisa a nível regional e a gerar instâncias de intercâmbio e difusão. Com a ênfase posta nos eixos que fazem ao trabalho da RECAM, este número faz foco no Patrimônio Audiovisual. Assim, dentre outras notas, são inclusas as matérias premiadas no concurso com coordenação acadêmica a cargo da Cinemateca e Arquivo da Imagem Nacional (CINAIN), cuja existência também é um orgulho. A Revista MERCOSUL Audiovisual é uma maneira de comunicar o que fazemos, mas também de nos aproximar e nos conhecer entre nós e de enriquecer-nos no intercâmbio cotidiano de perspectivas e enfoques; outro passo no processo de integração das indústrias cinematográficas e audiovisuais da região. Porque integrar-nos, longe de compartilhar um único olhar, é poder refletir todas as vozes, todas as perspectivas. Hoje apostamos a esse caminho.v

* Presidente do INCAA.

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Institucional

N

o final deste ano de 2018, a RECAM comemorará 15 anos de seu reconhecimentoinstitucionalporpartedoMERCOSUL,comoórgãoconsultor e espaço de articulação das políticas públicas regionais na temática audiovisual. A resolução de sua criação lhe outorga a missão de avançar no processo de integração das indústrias cinematográficas e audiovisuais considerando seu duplo aspecto, cultural e econômico, para o fortalecimento do processo de integração e da identidade regional. Para cumprir seus objetivos, as Autoridades de cada país propõem, desenham e acordam seus Programas de Trabalho, orientados a facilitar a circulação de conteúdos próprios, aplicar políticas para a defesa da diversidade e a identidade cultural e gerar condições para melhorar a cadeia de valor e seu acesso ao mercado. Logo no início foi priorizado o Patrimônio Audiovisual, já que as Autoridades de então e de agora têm mantido a firme convicção de que a proteção do Patrimônio, sua conservação e difusão, constituem uma importante ferramenta na hora de fortalecer a identidade, recuperar as histórias comuns e reconhecer-nos nas diferenças para valorizar-nos como região. No ano de 2009 a RECAM começou a execução do Programa MERCOSUL Audiovisual, de cooperação entre o MERCOSUL e a União Europeia, e teve a oportunidade histórica de incluir em um de seus eixos o Patrimônio Audiovisual. As atividades consistiram em elaborar um Plano Estratégico Regional, desenhar uma Base de Dados e produzir um Pack de difusão com materiais restaurados e digitalizados no marco do Programa. Referimo-nos à 1era Seleção de peças Audiovisuais do MERCOSUL “Integrando Miradas” (Integrando Olhares) com mais de 600 minutos de materiais digitalizados, alguns deles restaurados, no qual cada país fez a seleção das peças e podem encontrar-se peças de grande valor para a identidade regional. Também se propôs a instauração do “Dia do Patrimônio Audiovisual do MERCOSUL” para invocar e convocar à comunidade a refletir, favorecer que o tema seja instalado e fomente a tomada de consciência bem como que funcione como formação de públicos, apontando a um olhar reflexivo sobre a realidade audiovisual. Da mesma forma, é uma maneira de reconhecimento às pessoas, organismos de governos e privados, que destinam esforços para a proteção, preservação e difusão do patrimônio. A data foi escolhida considerando que em 2005 a UNESCO declarou o dia 27 de outubro como Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual e desta maneira o MERCOSUL adere às atividades que se realizam no mundo todo. Esta data ganhou especial relevância, inclusive o Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Parte do MERCOSUL celebrado em Montevidéu, esse ano, “expressaram

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sua satisfação com dita Recomendação que tem como objetivo incentivar a comemoração e a realização de atividades para promover a importância da preservação do patrimônio audiovisual do MERCOSUL”. Desde 2013, cada ano se celebra o dia 27 de outubro com projeções, seminários e atividades que mantenham sua vigência. Com imagens dos materiais restaurados e digitalizados, apresentou-se um Spot de difusão para lembrar esse dia. As atividades também tiveram o apoio de organismos do MERCOSUL dando um reforço institucional e transversal à celebração. Com relação à capacitação técnica, a RECAM facilitou o desenvolvimento de oficinas e intercâmbios. Em 2014 a Cinemateca Brasileira de São Paulo, convidou especialistas de todo o MERCOSUL para umas Jornadas de Capacitação em Documentação, Catalogação e Restauração com estudos teóricos e práticas em laboratório.

“Como nos propõe a matéria da seção Pontos de Vista, o desafio é trabalhar pensando e olhando para o futuro sem descuidar o passado.”.

A inícios de 2017 a RECAM apoiou à Escola de restauração fílmica realizada pelo INCAA, com a atribuição de bolsas, a fim de garantir a participação de especialistas do MERCOSUL em uma oficina de grande prestígio internacional no ambiente especializado, que foi oferecida pela primeira vez na América Latina. Assim, nesta síntese, pode-se observar que a cada ano o Patrimônio é reafirmado como eixo de trabalho da RECAM. A apresentação desta primeira edição da Revista MERCOSUL Audiovisual com foco no Patrimônio Audiovisual, é um claro sinal do entendimento entre os países no sentido de valorizar a memória nacional e coletiva, fortalecer capacidades, fomentar os estudos na matéria e gerar oportunidades de trabalho de crescimento conjunto e compartilhado. Como nos propõe a matéria da seção Pontos de Vista, o desafio é trabalhar pensando e olhando para o futuro sem descuidar o passado.

Esperamos que disfrutem esta publicação, produzida graças à importante contribuição de organismos e profissionais. O Apêndice I compreende as cinco matérias acadêmicas ganhadoras do Concurso RECAM celebrado em 2017. O Apêndice II, integrado por varias seções, propõe um recorrido por ações, espaços, olhares e memórias com resenhas da atualidade. Em ambos, a edição implicou a seleção de alguns e, portanto, não pode incluir e abranger todas as contribuições recebidas, mas esperamos que seja uma ferramenta de difusão e debate, e que gere reflexões construtivas necessárias. Convidamo-nos a deixarem suas devoluções no correio revista@recam.org e desde logo os convocamos para a próxima edição que terá como tema “Educação e Infância”.v

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APARTADO I ArtĂ­culos premiados


Apresentação Por Fernando Madedo *

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nche de orgulho às instituições da cultura audiovisual dos nossos países a apresentação da Revista RECAM. Celebramos que para seu primeiro número tenha sido elegido um tema de importância central para o desenvolvimento regional da gestão das imagens em movimento como é o Patrimônio Audiovisual. A presente publicação supõe um espaço de reflexão comum para nossos países nos quais possam abordar-se problemáticas relacionadas com a preservação audiovisual desde distintos enfoques, com um espírito colaboracionista e com o interesse de compartilhar e conhecer experiências de pesquisa bem como de projetos comuns para valorizar o nosso patrimônio audiovisual. Em tal sentido e acorde à línea estratégica que em matéria de políticas públicas vêm implementando as autoridades audiovisuais dos países do MERCOSUL, no meu caráter de Coordenador Acadêmico da Revista RECAM em representação da Cinemateca e Arquivo da Imagem Nacional (CINAIN) de Argentina, temos proposto que a abertura da convocação a matérias não estivesse limitada ao género do ‘paper’ ou a trabalhos acadêmicos que exponham avanços de investigação. O interesse foi orientado à recepção de dois tipos distintos -mas complementares- de projetos como são os de pesquisa e os de gestão. Ambos os tipos de projetos são partes indivisíveis das tarefas dos agentes e instituições que preservam o Patrimônio Audiovisual e cremos que sua promoção redundará no desenvolvimento do campo a nível regional. Isso é assim devido a que nos trabalhos selecionados foram valorizadas as hipóteses de trabalho e/ou objetos de investigação que explicitaram problemáticas transnacionais bem como as ações prospectivas que estiverem orientadas a fortalecer a integração regional dos arquivos audiovisuais do MERCOSUL. Com a intenção de transcender correntes de pensamento tradicionais que colocam ao cinema em uma condição de superioridade dentro do amplo campo do Patrimônio Audiovisual, temos considerado especialmente as investigações e ações prospectivas cujo objeto indague sobre a diversidade das formas audiovisuais (cinema, TV, vídeo, vídeo instalações, vídeo-online, etc.). Por outra parte, a para fins de gerar igualdade de oportunidades e assegurar a

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possibilidade de concretizar os projetos foram levadas em conta as pesquisas que indagam sobre temáticas de vídeo-cinematografias com menor desenvolvimento, e projetos de gestão cujos critérios de razoabilidade estejam explicitados no planejamento do projeto e que permitam sua realização. Uma especial menção deve realizar-se para o excelente trabalho que realizaram os jurados Gloria Diez, pela Argentina, Sylvia Regina Bahiense Naves pelo Brasil, Ray Armele pelo Paraguai e Juan José Mugni pelo Uruguai, que sem dúvidas é um exemplo do trabalho articulado entre nossos países. Da mesma forma, agradeço com muita consideração às autoridades da RECAM por confiar na CINAIN, a Coordenação Acadêmica, e a paciente e fervorosa tarefa da Secretaria Técnica da RECAM, Nancy Caggiano e do Coordenador Alterno pela Argentina Guillermo Saura.v

* Delegado Organizador CINAIN - Cinemateca e Arquivo da Imagem Nacional, Coordenador Acadêmico Revista RECAM

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APEX na América Latina

Em direção à criação de uma rede de colaboração de arquivos audiovisuais

APEX (Audiovisual Preservation Exchange Program) In Latin America: towards the creation of a cooperation network for audiovisual files

APEX en Latinoamérica Hacia la creación de una red de colaboración de archivos audiovisuales Categoria / Categoría / Category: Projeto de gerenciamento / Proyecto de gestión / Management project Autores / Autores / Authors: Juana Suárez, Colombia Pamela Vízner, Chile

Juana Suárez Diretora do Programa de Preservação e Arquivo da Imagem em Movimento MIAP, Universidade de Nova York. Pesquisadora, crítica de cinema, arquivista de cinema e mídia e gestora cultural. Mestre e Doutora em Literatura Latino-americana (University of Oregon & Arizona State University, 2000) e Mestre em Arquivo e Preservação de Imagem em Movimento (New York University, 2013). Autora de várias publicações, dentre elas, Cinembargo Colombia. Ensayos críticos sobre cine y cultura colombiana (Cali, Universidad del Valle, 2009), traduzido para o inglês por Palgrave Macmillan (2012) e Sitios de contienda. Producción cultural y el discurso de la violencia (Madri: Ibero-americana, 2009). Trabalhou em arquivos, universidades nos Estados Unidos e América Latina e ela é consultora para diversos projetos relacionados com coleções audiovisuais.. Directora del Programa de Preservación y Archivo de la Imagen en Movimiento MIAP, Universidad de Nueva York. Investigadora, crítica de cine, archivista de cine y medios y gestora cultural. Magíster y Doctora en Literatura Latinoamericana (University of Oregon & Arizona State University, 2000) y Magíster en Archivo y Preservación de Imagen en Movimiento (New York University, 2013). Autora de varias publicaciones, entre ellas Cinembargo Colombia. Ensayos críticos sobre cine y cultura colombiana (Cali, Universidad del Valle, 2009), traducido al inglés por Palgrave Macmillan (2012) y Sitios de contienda. Producción cultural y el discurso de la violencia (Madrid: Iberoamericana, 2009). Ha trabajado en archivos, universidades en Estados Unidos y Latinoamérica, y ha sido consultora para diversos proyectos relacionados con colecciones audiovisuales.

This researcher is also a film critic, a cultural affairs manager and a film and media archivist. Her studies include a Master’s degree from the University of Oregon and a PhD from Arizona State University (2000). In 2013 she also obtained a Master’s degree in Moving Image Archiving and Preservation from New York University. Suárez has authored several publications that include “Cinembargo Colombia”, and critical essays relating to cinema and culture in Colombia - Cali, del Valle University, 2009 which was also published in English. She works on the research project entitled Film Archives, Cultural History and the Digital Turn in Latin America. Her activity includes work at different archives and universities in the US and Latin America, and consultancy work for different projects concerning audiovisual collections. Pamela Vizner É expert em preservação, gerenciamento e manejo de coleções medievais, desde filmes até materiais gerados em digital e tem um Mestrado em Arquivos e Preservação de Imagens em Movimento pela Universidade de Nova York. Atualmente trabalha como consultora para a companhia AVP, especializada no gerenciamento de sistemas e dados digitais e desenvolvimento de software para esses fins. Pamela trabalhou com uma variedade de organizações culturais de nível internacional. Recebeu o título de Bacharel em Artes com especialização em Som pela Universidade do Chile, onde trabalha como acadêmica no setor de preservação audiovisual. Experta en el cuidado, administración y manejo de colecciones mediales, desde película hasta materiales originados en digital y tiene un Magíster en Archivos y Preservación de Imágenes en Movimiento de la Universidad de Nueva York. Se desempeña actualmente como consultora para la compañía AVP, la que se especializa en la administración de sistemas y datos digitales y desarrollo de software para tales fines. Pamela ha trabajado con una variedad de organizaciones culturales a nivel internacional. Recibió el título de Licenciada en Artes con mención en Sonido de la Universidad de Chile, lugar donde se desempeña como académica en el área de preservación audiovisual.

An expert in the care, management and handling of media-related collections, including film and digital material. She holds a Master’s degree in Moving Image Archiving and Preservation from New York University. She has worked for numerous cultural institutions and is currently teaching Digital Preservation at the University of Chile. Pamela is an associate director at Second Run Media Preservation, an archive consulting company, and also an associate researcher at Media Matters for the project entitled Filmic. She holds a B.A. degree in Arts – Sound from the University of Chile. 13


Resumo O projeto APEX (Audiovisual Preservation Exchange) associado ao mestrado em Arquivos e Preservação de Imagens em Movimento da Universidade de Nova York (NYU) comemora seus dez anos de existência em 2018. O APEX é um modelo de educação sustentável, que fomenta a comunicação e colaboração internacional em temáticas relacionadas com a preservação de meios audiovisuais tais como materiais fílmicos, vídeos e materiais digitais. É uma oportunidade para intercambiar, de forma transversal, práticas, conhecimentos e soluções para problemas comuns, por meio do trabalho direto com coleções audiovisuais, com a participação de profissionais, estudantes, pesquisadores e público em geral. Depois de seu início em Ghana em Accra (Ghana) em 2008, o APEX foi realizado em vários países da América Latina: Colômbia (2013), Uruguai (2014), Argentina (2009 e 2015) e Chile (2016). Em 2017 foi comemorado em Cartagena (Espanha) e a versão 2018 será no Rio de Janeiro (Brasil). O décimo aniversário se apresenta como uma oportunidade para avaliar os resultados obtidos e planejar colaborações futuras a fim de fortalecer os laços profissionais que até agora se formaram. O nosso projeto propõe a organização de um simpósio de dois dias de duração, de forma preliminar ao APEX Rio. Desta vez, o APEX estará trabalhando com as seguintes instituições: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Subgerência de Documentação Especial; a Cinemateca do Museu da Arte Moderna do Rio de Janeiro, o Centro Técnico do Audiovisual do Ministério da Cultura e o projeto Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA) da Universidade Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação (IACS). Rafael de Luna, professor e arquivista da Fluminense, colabora neste ano com a coordenação no Brasil. O simpósio incluirá painéis, mesas redondas e amostras audiovisuais, esperando gerar um documento que sirva como marco para atividades futuras com relação a colaborações que tragam benefícios ao cuidado do patrimônio audiovisual latino-americano. Para este simpósio, contaremos com a presença de membros de organizações que participaram do APEX, especialmente de países membros e associados ao MERCOSUL. Os resultados dos diversos diálogos e mesas de trabalho serão compilados em uma publicação virtual que reunirá tanto as palestras dos participantes, como resumos das mesas de trabalho, balanço de desafios e projetos para o futuro. Essa publicação será constituída como memória e ferramenta de referência de trabalho para os arquivos que participaram e participarão da APEX. Palavras Chave: Arquivos, audiovisuais, colaboração, educação, intercâmbio, patrimônio.

Resumen El proyecto APEX (Audiovisual Preservation Exchange) asociado con la Maestría en Archivos y Preservación de Imágenes en Movimiento de la Universidad de New York (NYU) celebra sus diez años de existencia en 2018. APEX es un modelo de educación sostenible que fomenta la comunicación y colaboración internacional en temáticas relacionadas a la preservación de medios audiovisuales tales como materiales fílmicos, videos y materiales digitales. Es una oportunidad de intercambiar de forma transversal prácticas, conocimientos y soluciones a problemas comunes a través del trabajo directo con colecciones audiovisuales, con la participación de profesionales, estudiantes, investigadores y público general. Tras su inicio en Ghana en Accra (Ghana) en 2008, APEX se ha realizado en varios países de América Latina: Colombia (2013), Uruguay (2014), Argentina (2009 y 2015) y Chile (2016). En 2017 se celebró en Cartagena (España) y la versión 2018 tendrá lugar en Río de Janeiro (Brasil). El décimo aniversario se presenta como una oportunidad para evaluar los resultados obtenidos y planificar colaboraciones futuras con el fin de fortalecer los lazos profesionales que se han formado hasta ahora. Nuestro proyecto propone la organización de un simposio de dos días de duración, preliminar a APEX Río. En esta ocasión, APEX estará trabajando con las siguientes instituciones: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Subgerência de Documentação Especial; la Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, el Centro Técnico do Audiovisual del Ministerio de Cultura y el proyecto Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA) de la Universidad Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação (IACS). Rafael de Luna, profesor y archivista de la Fluminense colabora este año con la coordinación en Brasil. El simposio incluirá paneles, mesas redondas y muestras audiovisuales, y espera generar un documento que sirva como marco 14


a seguir para actividades futuras en la región con relación a colaboraciones que sean de beneficio en el cuidado del patrimonio audiovisual latinoamericano. Para este simposio contaremos con la presencia de miembros de organizaciones que han participado en APEX, especialmente de países miembros y asociados al MERCOSUR. Los resultados de los diferentes diálogos y mesas de trabajo serán compilados en una publicación virtual que reunirá tanto las ponencias de los participantes, resúmenes de las mesas de trabajo, balance de retos y proyectos a futuro. Esta publicación se constituirá tanto como memoria y como herramienta de referencia y trabajo para los archivos que han participado y participarán en APEX. Palabras Clave: Archivos, audiovisuales, colaboración, educación, intercambio, patrimonio.

Abstract The APEX (Audiovisual Preservation Exchange) program of the Moving Image Archiving and Preservation course of New York University (NYU) will celebrate its tenth anniversary in 2018. APEX is a sustainable education model that promotes international cooperation and communication in relation to aspects concerning the preservation of audiovisual media such as films, videos and digital material. This instance –which will imply working directly with audiovisual collections as well as the participation of professionals, students, researchers and the general public– will be an opportunity for a cross-disciplinary exchange of practices, knowledge, and solutions to problems in common. From its beginnings in 2008, different editions of APEX have taken place in different Latin American countries - Colombia (2013), Uruguay (2014), Argentina (2009 and 2015), and Chile (2016). This tenth anniversary brings along the chance to assess the results reached and to plan for future cooperation aimed at strengthening the professional bonds created so far. Our project is oriented at organizing a two-day symposium as part of the program’s tenth edition, which is expected to take place in Havana (Cuba), with the cooperation of the Cuban Institute of Film Arts and Industries (ICAIC according to its Spanish acronym). A final document is expected to be the outcome of the symposium –which will include panels, round tables and audiovisual exhibits– with the possibility of applying it as a framework to guide audiovisual heritage management activities within the region in the future. Members from organizations that have taken part in APEX will be participating at the symposium, including visitors from MERCOSUR’s member countries and associate countries. The results of all dialogs and work done at the event will be compiled in a virtual publication that will include the presentations made by participants, as well as summaries of the activities carried out by work-groups, and an assessment of challenges and projects for the future. The publication will serve both as a report and as a referential and working tool for the archives that have been and will be part of APEX. Keywords: Exchange, education, collaboration, audiovisual

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História e propósitos do APEX O programa de intercâmbio APEX (Audiovisual Preservation Exchange)1 propõe uma alternativa de colaboração, um modelo sustentável de educação em assuntos ligados à salvaguarda da memória audiovisual e o fortalecimento de redes de conectividade entre arquivos audiovisuais, instituições da memória e iniciativas particulares e/ ou comunitárias. Foi concebido pela professora Mona Jiménez, como uma iniciativa de cooperação entre o Mestrado em Preservação e Arquivo da Imagem em Movimento (MIAP por suas siglas em inglês) da Universidade de Nova York (NYU)2 e o Arquivo do Instituto de Estudos Africanos da Universidade de Ghana. O projeto logo reverberou e lançou raízes em vários países latino-americanos. Em 2009, a segunda versão foi realizada no Museu do Cinema de Buenos Aires, graças à visita de arquivistas internacionais que assistiam à conferência da Federação Internacional de Arquivos Fílmicos (FIAF), realizada nessa cidade. Entre 2013 e 2016, foi realizado, respectivamente, na Colômbia, Uruguai, Argentina e Chile. Em 2017, na Espanha. O APEX comprovou ser um modelo de gestão e autogestão frutífero para os países latinoamericanos. O programa começou com a finalidade de criar comunicação produtiva em nível internacional entre arquivistas audiovisuais, administradores, educadores e estudantes, por meio do trabalho prático compartilhado. Desde o princípio, o objetivo foi trabalhar em favor da conservação e preservação das coleções audiovisuais por meio de um diálogo horizontal que permitisse aprender a partir de experiências mútuas, busca de soluções, tanto administrativas como técnicas, e gerar diálogos norte/sul. Esse espírito de colaboração transversal e de diálogo não-hierárquico foi mantido através de suas diversas versões, o que permitiu trabalhar com coleções bem diversas e equipes de trabalho de diferentes origens. Isso fortaleceu a diversidade do programa e estendeu seu alcance além das coleções 16

puramente institucionais, ampliando as definições daquilo que constitui o patrimônio audiovisual, ao incluir coleções familiares e pessoais, coleções de amadores, arquivos comunitários e coleções mais tradicionais de instituições reconhecidas. O APEX não somente incentivou o diálogo internacional, mas também o local, já que as organizações públicas assumem um papel de guia e reitor. Ampliar o espectro de diálogo e inclusão permitiu diversificar a representação da memória, começar conversas sobre sustentabilidade e recursos, e promover novas formas de uso do patrimônio audiovisual. Em seu trabalho com diversas instituições e arquivos, o APEX e seus colaboradores tiveram a possibilidade de trabalhar e considerar o manejo e salvaguarda de materiais em suporte analógico fílmico, tanto em nitrato, acetato, como em poliéster, em formatos menores (8 mm, súper 8, 9.5 mm e 16mm) e maiores, como 35 mm; suporte analógico magnético em diferentes formatos, arquivos digitalizados e nativos digitais, bem como temáticas de preservação digital. As coleções com que se trabalhou são versáteis e abrangem produções jornalísticas, televisivas, criativas, artísticas, bem como novas linguagens e formas de expressão. Em síntese, o APEX é uma oportunidade para trocar conhecimentos, habilidades e soluções para problemáticas comuns na preservação de arquivos audiovisuais, por meio de diálogos e trabalho prático com coleções fílmicas, vídeo e/ou meios digitais. Entre as áreas de apoio estão incluídas identificação e inspeção, inventários/catálogos, administração de meta-dados, digitalização e preservação digital, sem abrir mão da área criativa, trazendo sempre à cena o valor do material de arquivo, bem como os múltiplos favores emprestados à atividade fílmica e à criação artística.v


Organização e Estrutura do APEX Desde 2013, o APEX foi realizado de forma anual, financiado principalmente pela Escola das Artes Tisch da Universidade de Nova York (NYU/Tisch School of the Arts), com o patrocínio de organizações tais como a Film Foundation e seu projeto World Cinema Fund e doações individuais. A isso, somam-se as contribuições das organizações locais que participam do projeto, usualmente materializadas em bens, serviços ou insumos para o desenvolvimento de atividades durante o programa. Os custos do programa são cobertos através da arrecadação de fundos por meio de bolsas de estudo ou solicitações expressas, bem como contribuições particulares e patrocínio das instituições anfitriãs. Espera-se que os arquivos participantes contribuam de alguma forma direta ou em espécie. Em versões anteriores, os nossos associados conseguiram aportar espaços de trabalho, promoção de eventos especiais e alguns conseguiram apoio parcial para custos tais como hospedagem, almoços, lanches ou insumos para arquivo. O aporte do MIAP e de doações cobre os custos dos participantes que vêm de fora do país anfitrião, principalmente estudantes do MIAP. A organização das atividades é liderada por estudantes do programa MIAP e tem o acompanhamento de um professor (ou professores) do programa. Adicionalmente, o programa conta com a participação de ex-alunos do MIAP que atuam como mentores. Em geral, esses alunos participaram ou organizaram o APEX no passado e já estão bem posicionados em cenários de trabalho e/ou com experiência no setor da gestão de arquivos. Isso constitui um modelo único, que tem como objetivo não somente trabalhar no cuidado do patrimônio audiovisual, mas também fomentar a liderança. Como mencionamos, ao organizar o evento, o MIAP procura promover o desenvolvimento profissional dos estudantes. Como tal, o planejamento com o

arquivo ou instituições a visitar é realizado entre um pequeno comitê que reúne os estudantes, professor guia, mentores e organizadores locais. As metas e os projetos programados para execução durante o intercâmbio são determinados em colaboração com a organização (ou organizações) anfitriã e coordenados a interesses e necessidades das instituições. A flexibilidade do programa permite incorporar sugestões das organizações anfitriãs para propor outras atividades relacionadas com a preservação. Na execução de cada edição, o APEX tem incorporado visitas a arquivos, museus, instalações de restauração, oficinas, palestras acadêmicas e mostras audiovisuais. Em geral, cada versão é encerrada com um evento que permite aos grupos de trabalho compartilhar resultados e iniciar conversas relacionadas a problemáticas tais como conservação preventiva, criação de estações de digitalização, preservação de arquivos digitais, bem como planos e cooperações para o futuro. Cada uma das versões do APEX tem combinado as atividades principais com outras do tipo criativo ou expositivo — organizadas pelo grupo correspondente ou assistindo a atividades já preparadas – sobre a memória audiovisual. O APEX se desenvolve em quatro linhas de trabalho: criação de diálogo e colaboração internacional, interregional e local; busca colaborativa de soluções para problemas comuns na administração de materiais audiovisual; educação sobre a importância do patrimônio audiovisual; e educação e criação de lideranças no setor profissional. O intercâmbio é realizado durante duas semanas completas, e as atividades podem ser desenvolvidas em mais de uma localização geográfica dentro do país visitado. O trabalho é realizado com duas ou mais organizações locais, requisito fundamental do programa que garante um diálogo interinstitucional local. O grupo de participantes provenientes de países diferentes ao anfitrião tem reunido entre 12 e 20 pessoas que se dividem em turmas de trabalho. Cada turma trabalha com uma instituição ou organização local, ou em dois 17


ou mais projetos específicos dentro de uma mesma organização. Os participantes locais são, em geral, empregados, arquivistas, membros das instituições participantes e voluntários. Em algumas oportunidades, também se somaram profissionais e interessados de países próximos. Geralmente, o APEX é realizado entre as duas últimas semanas de maio e/ou as duas primeiras de junho, complementando o calendário acadêmico da NYU. Cabe salientar que o idioma nunca foi uma limitação para a realização do projeto, já que sempre temos contado com participantes bilíngues (estudantes de origem latino-americana, mentores e anfitriões), que oferecem suas habilidades para permitir a

comunicação; essas pessoas são, ainda, profissionais do setor e conhecem os temas tratados durante as atividades. O APEX realiza um trabalho preliminar, segundo a descrição elencada pelos anfitriões, de conseguir a colaboração de companhias manufatureiras de insumos de arquivo para poder levar materiais como contêineres, cola para filme, fita perfurada e similares. Também é aceita a colaboração de doadores para viabilizar equipamentos que possam ser de difícil obtenção ou acesso custoso para os anfitriões.v

Impacto no médio prazo Um dos objetivos do APEX no médio prazo é estabelecer redes de colaboração na região que normalmente vão sendo desenvolvidas posteriormente à realização das atividades programadas a cada ano. É de suma importância gerar laços profissionais que permitam aos participantes –tanto dos países organizadores como dos membros da equipe visitante– desenvolver projetos relacionados com coleções audiovisuais fora do âmbito do programa. O APEX fomenta e facilita o enlace, porém nem sempre atua como executor dessas iniciativas. Essas conexões entre diferentes comunidades de arquivistas deram como resultado atividades posteriores tais como projetos colaborativos de preservação e digitalização, apresentações colaborativas em palestras sobre preservação audiovisual, estágios e mostras audiovisuais, dentre outras. Dentro dessas colaborações, cabe salientar a crescente presença de membros da comunidade APEX Latino-américa em associações profissionais como a Association of Moving Images Archivist (AMIA)3 com destacada participação no comitê de educação, no de diversidade e no de promoção 18

internacional. Da mesma forma, o APEX facilitou a presença em encontros como o Orphan Films Symposium (Simpósio sobre Filmes Órfãos),4 divulgando o trabalho de restauração que é realizado em países da América Latina. A rede de comunicação resultou efetiva na proposta de mudanças positivas para instituições como a Federação Internacional de Arquivos Fílmicos (FIAF)5 e sua Coordenadora Latino-americana de Arquivos da Imagem em Movimento (CLAIM), para que ela se encaminhasse para um diálogo mais dinâmico e produtivo, atualizando, ainda, arquivos radiofônicos e instituições da memória, que devem ser inclusos em oficinas e outras iniciativas patrocinadas pela FIAF.v


Projetos Realizados Cada versão do APEX tem tido objetivos específicos que se ajustam às necessidades e interesses dos arquivos e instituições anfitriãs. A organização e refinamento das metas começam nove meses antes e os prazos e estruturas são definidos a grosso modo, como resultado da experiência acumulada durante os anos de planejamento e as agendas da universidade; isso nos confere eficiência e rapidez na execução de objetivos ambiciosos. A primeira versão do APEX, desenvolvida sob liderança dos estudantes do MIAP, foi realizada em Bogotá, na Colômbia, em 2013, graças à colaboração da Fundação PatrimônioFílmicoColombianoePró-imagensColômbia, com a organização de Juana Suárez. O trabalho consistiu na inspeção, reparação, documentação e catalogação de material fílmico patrimonial em 16mm, 35mm e fita de áudio de carrete aberto de ¼”, correspondentes à série de televisão Yuruparí. Além disso foi organizada uma conferência sobre preservação digital na Universidade Jorge Tadeo Lozano e uma mesa redonda sobre produções em pequenos formatos na Cinemateca Distrital de Bogotá. Antes de partir de Nova York, a equipe de APEX preparou quase 43 latas que continham negativos em 16 e 35mm, pertencentes ao arquivo da extinta Companhia de Fomento Cinematográfico (Focine). Esses materiais estavam nas instalações da Katina Productions no SoHo, desde a década de 1980 e esperavam seu processo de repatriação. O maior sucesso da colaboração APEX-Colômbia foi a contribuição do programa para o resgate da série de televisão Yuruparí. Filmada entre 1983 e 1986, a série é composta de 64 capítulos sobre temas etnográficos, que coletam conhecimento, saberes e tradições das culturas afrodescendentes e indígenas. O APEX facilitou redes que permitiram o resgate de 765 fitas de áudio e a outorga de uma bolsa de estudos do programa Save Your Archive da Federação Internacional de Arquivos de Televisão (FIAT/IFTA) para Proimágenes, companhia que, junto com a RTVC Señal Memoria compartilha os direitos desse

arquivo.6 Esses primeiros seis documentários resgatados são agora disponibilizados no website de Señal Memoria.7 Atualmente Señal Memoria e Proimágenes Colômbia estão organizando percursos para que as comunidades que deram origem a esses materiais possam vê-los. Em 2014, o APEX foi realizado em Montevidéu, Uruguai, organizado por Pamela Vízner. O programa contou com a participação da Universidade Católica do Uruguai, com Julieta Keldjian como colaboradora principal, o Arquivo da Imagem e a Palavra do SODRE, a Fundação de Arte Contemporânea (FAC), a Cinemateca Uruguaia e o Arquivo Geral da Universidade da República (AGU, UdelaR). Nessa ocasião, o trabalho com o patrimônio audiovisual foi desenvolvido em torno de coleções de filme (16mm e formatos pequenos) e vídeo analógico em suporte magnético (3/4”, VHS e outros), com ênfase no assessoramento no manejo de coleções e geração de propostas de melhorias para condições de armazenamento, catalogação, digitalização e preservação digital. Graças à participação da FAC, foi possível incluir atividades que utilizassem o suporte fílmico como base criativa, por meio da manipulação de imagens com found footage, trabalho que foi apresentado em uma exposição. Esse novo braço do programa propôs uma interessante interação entre o arquivo, seus usuários e as comunidades. Isso posiciona o patrimônio como um ente vivo e em constante transformação e reinterpretação. Essa oportunidade reforça as intenções do APEX de gerar comunidades participativas e interdisciplinares em função desses meios, onde possa acontecer o diálogo entre profissionais dos arquivos, pesquisadores, usuários e o público em geral.

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Nessa versão do APEX, a formação de liderança profissional foi implementada por meio da organização de oficinas abertas ao público sobre preservação de suporte fílmico, vídeo e digital, ministrados por estudantes do programa. As atividades foram encerradas com a realização de uma mesa redonda, em que os participantes apresentaram o trabalho realizado durante a visita. Para os participantes, essa atividade foi muito positiva, pois permitiu conhecer e discutir o trabalho realizado por cada equipe, impossível de se fazer durante as duas semanas, já que se trabalhou em diferentes locações. Adicionalmente, tratando-se de uma cidade pequena e dada a participação de várias organizações culturais, a mesa redonda deu origem a uma rede de colaboração interna chamada de Mesa Interinstitucional de Arquivos, que atualmente permite que seus membros acedam à digitalização de material fílmico e magnético graças à instalação de um laboratório de uso comum. Desde então, cada APEX é encerrado com um seminário e/ou mesa redonda para avaliar resultados e planejar futuras colaborações e atividades. No ano seguinte, o Museu do Cinema Pablo Ducrós Hicken de Buenos Aires, Argentina, recebeu novamente os participantes do APEX. O Canal 7 da televisão pública (TVP) se somou ao programa. Nessa oportunidade, o trabalho com coleções foi realizado em formatos de filme de 35mm, tanto de base de acetato como nitrato - material de grande interesse por sua antiguidade e fragilidade e seus particulares problemas de conservação. A oportunidade oferecida pelo Museu de confiar a nós suas coleções de nitrato foi inestimável para os participantes, transformando-se em uma experiência educativa única. Por outra parte, o Canal 7 facilitou o acesso a suas coleções de fitas analógicas magnéticas em formato Quad 2”. Esse é o mais antigo formato de vídeo e o trabalho com essa coleção foi igualmente único. Graças à participação do expert Jim Lindner, quem se uniu como voluntário à equipe de trabalho, desenvolvemos uma avaliação da coleção, além de desenhar uma máquina de limpeza para esse formato, trabalho que foi realizado em conjunto com a equipe de engenheiros do Canal. A máquina está em funcionamento desde meados de 2017. 20

O APEX 2015 foi encerrado com um seminário em colaboração com o Campus Global Site de NYU em Buenos Aires e o patrocínio da Embaixada dos Estados Unidos. Esse seminário contou, ainda, com a presença de colegas uruguaios que tinham participado do programa no ano anterior. Assim, cada APEX veio incorporando participantes e redes prévias, sendo construído e projetado sobre sua própria base. É importante registrar que, a partir dessa versão do APEX, o programa aceitou solicitações de estudantes de outros programas de arquivos nos Estados Unidos, a fim de fortalecer os laços entre instituições com interesses afins. A última versão do APEX na América Latina foi realizada em Santiago, no Chile, em 2016 com a colaboração da Biblioteca Nacional de Chile e o canal de televisão comunitário Señal 3 de La Victoria. Foram realizados trabalhos com coleções fílmicas em formatos pequenos (8mm, S8mm e 9.5mm) e coleções de vídeo magnético. O trabalho na Biblioteca foi centralizado na inspeção e reparação de filme, bem como no desenho e teste de um protótipo de telecine, cujo objetivo era oferecer uma alternativa de digitalização focada puramente no acesso, dado que a instituição não conta com um escâner de filmes. Em Señal 3 foi realizado o inventário da coleção de vídeo, além do desenho e implementação de uma estação de digitalização de materiais magnéticos, graças à doação de insumos proporcionados pelo programa. O seminário de encerramento não somente permitiu apresentar os resultados do trabalho realizado, mas também propor temáticas e discussões interessantes em torno da responsabilidade pelo cuidado do patrimônio, o impacto da digitalização, o cuidado dos sistemas digitais e a importância da diversidade de vozes na criação e proteção da memória. O APEX 2016 contou, igualmente, com a participação de colegas da Argentina, Uruguai e Bolívia, com quem já temos um relacionamento profissional e comunicação contínua. Nessa ocasião ainda foi realizada, pela primeira vez, uma oficina de arquivo comunitário, evento que coincidiu com a comemoração do Dia do Patrimônio Cultural no Chile. Para essa oficina, se trabalhou com parte da coleção


do reconhecido documentarista chileno Pablo Salas. O evento foi orientado o público comum, procurando aproximar da comunidade as coleções audiovisuais, por meio da inspeção e catalogação colaborativa de materiais audiovisuais.8 Para continuar o trabalho iniciado em Señal 3, foram criados dois estágios para estudantes do programa de som da Universidade de Chile. Em 2017, o APEX foi realizado em Cartagena, Espanha, graças a uma ponte realizada pelos colegas do Uruguai. Ali trabalhamos em colaboração com Memórias Celuloides, Rede de Cinema Doméstico e o Arquivo Municipal de Cartagena, trabalhando tanto em materiais

fílmicos, de vídeo analógico e em digital. As atividades finais foram organizadas em Madrid, em conjunto com colegas do Departamento de Comunicação e Jornalismo da Universidade Carlos III. Para encerrar, Leandro Listorti (Museu do Cinema, Buenos Aires) e Juana Suárez fizeram uma curadoria de trabalhos fílmicos que foram recuperados graças ao APEX, em uma programação de encerramento na Filmoteca Espanhola. (Museu do Cinema, Buenos Aires) e Juana Suárez fizeram uma curadoria de trabalhos fílmicos que foram recuperados graças ao APEX, em uma programação de encerramento na Filmoteca Espanhola.v

Possíveis Ações Em 2018, o programa completará 10 anos desde sua primeira versão. A edição deste ano está em processo de planejamento e será realizada no Rio de Janeiro de 01 a 14 de junho. Além das atividades regulares do programa, planejamos a abertura com um simpósio comemorando os dez anos de colaborações. A convocação foi encaminhada aos membros de países (dois deles membros do MERCOSUL e 2 associados), que participaram do APEX para apresentar projetos que cada arquivo conseguiu consolidar graças ao APEX, avaliar os sucessos nos objetivos propostos após cada visita e desenhar um plano de projeção de atividades mútuas no curto e longo prazo. Ao mesmo tempo, será uma oportunidade de gerar um debate sobre as novidades do ramo em cada um dos nossos países e sobre a nossa posição e visibilidade como arquivistas de imagem em movimento na região. Da mesma forma, abordaremos temas como o estado atual de instalações e equipamentos dos diferentes arquivos e instituições participantes, bem

como assuntos relacionados com a manutenção de materiais analógicos, temas de digitalização e preservação digital. O simpósio permitirá delinear rumos de trabalho alinhados ao espírito de colaboração e intercâmbio do APEX para fortalecer alianças entre arquivos institucionais e países, conforme as necessidades particulares de cada lugar. Como tal, essa será uma convocação encaminhada aos arquivos e instituições na Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Uruguai, Espanha, Estados Unidos e Ghana. O projeto maior de gestão que adiantaremos procura garantir a presença dos nossos colegas para que possam apresentar, participar e projetar junto conosco. Esse projeto específico visa o financiamento de despesas relacionadas com o evento e garantir a presença dos nossos colegas de países afiliados ao MERCOSUL e a ele associados. Durante o simpósio, será realizada a apresentação do projeto colaborativo de humanidades digitais, intitulado archiandate, que está sendo adiantado por Juana Suárez. O projeto procura maximizar as possibilidades da Internet para circular recursos virtuais tais como publicações, aplicativos, ferramentas virtuais, pautas e correlatos.9 21


Interessa-se também por facilitar a comunicação entre arquivistas, incorporando redes sociais como Twitter cujo feeder permite precisão e rapidez na comunicação. O projeto funciona como website com diferentes painéis apresentando o projeto, organizando os recursos, publicando convocações para palestras, oficinas, seminários e outros tipos de simpósios, e publicando periodicamente convocações para prêmios e fundos, fomentando assim a colaboração entre arquivistas, artistas, programadores e curadores de cinema, especialistas

em patrimônio audiovisual. A administração do projeto será em conjunto com uma supervisão geral e o acesso será possível por meio da inscrição de uma conta de email. A gestão das diversas secções ficará sob a responsabilidade de dois participantes, firmando o compromisso de uma série de pautas de funcionamento, estabelecidas de comum acordo. O período de cada administração será de quatro meses, permitindo flexibilidade na participação.v

Objetivos de Trabalho APEX 2018 Geral

n Buscar patrocínio para garantir a presença de arquivistas

n Facilitar recursos que permitam o fortalecimento e

e participantes de países membros e associados com o

divulgação de atividades realizadas na América Latina,

MERCOSUL em diferentes versões do APEX na América

graças às colaborações entre várias instituições e o APEX.

Latina no Simpósio do Rio de Janeiro 2018. n Fomentar a publicação de um documento que resuma

n Específicos

o trabalho do APEX América Latina, os desafios e

Apoiar a programação de um simpósio de avaliação e ação

projeções a futuro.

em torno do trabalho do APEX na América Latina. n Buscar verbas para despesas relacionadas com infraestrutura, logística e realização do simpósio no Rio de Janeiro, Brasil.

Desenvolvimento do Projeto de Gestão Como acima explicado, o projeto será realizado simultaneamente com a edição APEX 2018. O evento durará dois dias e incluirá painéis de apresentação de projetos realizados no âmbito de cada APEX, mesas de trabalho para avaliar resultados e projetar ações futuras; mesas redondas para discutir necessidades de insumos e novos rumos de trabalho e renovação de colaborações. Será encerrado com uma curadoria de filmes e imagens em movimento que ilustrem trabalhos resgatados graças às colaborações do APEX . Durante o projeto será realizada a apresentação 22

do projeto de humanidades digitais archiandate e serão indicados os correspondentes monitores para a primeira temporada de funcionamento.v


Conclusões Dez anos após a implementação do programa APEX, a presença na América Latina tem tido maior preponderância e os frutos das colaborações se tornaram evidentes. O APEX tem gerado uma rede sólida de trabalho de cooperação mútua e permitiu a circulação de conhecimento entre países latino-americanos e entre a Europa, os Estados Unidos, Ásia, África e América Latina. A realização de um simpósio que permita avaliar os sucessos,

os resultados e que permita marcar novas linhas de trabalho e colaborações é mais que pertinente nesse ponto, para fortalecer a nossa missão de salvaguarda do patrimônio audiovisual latinoamericano e o acesso a ele.v

Metodologia Para cada atividade, serão combinados esforços entre o APEX NYU e as instituições e arquivos latino-americanos que participaram do APEX, criando comitês ad hoc para a coordenação.v

Para o simpósio: Dado que sua realização é proposta no âmbito da décima versão do programa APEX, a organização do simpósio se somará às atividades normalmente planejadas para o programa. Isso incluirá a organização de apresentações, mesas redondas e outras atividades relacionadas com o simpósio em si. O comitê ad hoc aportará à organização de painéis, mesas de trabalho e atividades similares, bem como na coordenação da curadoria de imagens em movimento e filmes. A organização desse segmento do programa começou em setembro de 2017 com uma enquete. Para abril de 2018, os arquivos e instituições que participaram antes do APEX deverão confirmar presença.

recursos ou que recebam verbas temporárias serão considerados. A organização logística relacionada com hotéis, transporte dentro da cidade sede do simpósio e refeições será coordenada entre NYU MIAP, Suárez e Vízner, e os anfitriões. Ainda que archiandante seja lançado oficialmente dentro do simpósio, sua estrutura virtual será utilizada para apresentar avanços da organização e informações relacionadas com o simpósio, repicando-a no site do APEX , bem como nas redes sociais.v

As instituições deverão procurar fundos para pagar despesas que o programa não tenha condições de abranger. A distribuição das verbas disponíveis será realizada pensando em garantir a participação de, pelo menos, um membro de cada país convidado, para permitir uma boa representatividade. Casos especiais de organizações que tenham poucos 23


Para a publicação O comitê ad hoc será selecionado com base na experiência em publicações de membros participantes no APEX América Latina. Um cronograma para a entrega de matérias, processo de edição, diagramação e publicação será estabelecido, visando divulgação em novembro de 2018. As colaborações serão baseadas nas apresentações do simpósio e devem incorporar as respostas ali recebidas. O comité ad hoc determinará

as pautas editoriais, tais como extensão, metodologia de apresentação, inclusão de citações e gráficas. Serão contratados os serviços de um designer para organizar a publicação, porém, a apresentação final será de forma virtual, tanto no site do APEX NYU, archiandante bem como nos websites de arquivos e instituições participantes que puderem ceder espaço em seus correspondentes websites.v

Notas e webgrafia 1 Website do programa APEX: https://tisch.nyu.edu/cinema-studies/miap/research-outreach/apex 2 Website do programa MIAP, NYU Tisch School of the Arts: http://tisch.nyu.edu-cinema/studies-miap.html 3 Website da Association of Moving Image Archivists: http://www.amianet.org 4 Website do Simpósio de Filmes Órfãos: http://www.nyu.edu/orphanfilm/ 5 Website da Federação Internacional de Arquivos Fílmicos FIAF: http:// www.fiafnet.org 6 Ver uma nota sobre os trabalhos adiantados com o patrocínio da bolsa de estudos FIAT/IFTA Save Your Archive são achados em: http://fiatifta.org/index.php/save-your-archive/cases/yurupari-documentary-series/ 7 Os documentários da série Yuruparí restaurados com a bolsa FIAT Save Your Archive están disponibilizados neste site: https://www.rtvcplay.co/buscar-ahora/yurupari 8 A oficina de arquivos comunitários seguiu como o guia de CAW Communnity Archiving Workshop disponibilizado em http://communityarchiving.org/ Os resultados específicos da oficina em Señal 3 La Victoria constam de um vídeo, filmado e editado por Michael Pazmiño, do programa Estudos em Arquivos da Imagem em Movimento da Universidade de Califórnia Los Angeles (UCLA Moving Image Archiving Studies). Ver: https://tisch.nyu.edu/cinema-studies/events/fall-2016/apex-santiago 9 Ver website do projeto em www.archiandate.net

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Compartilhando problemas básicos para a manutenção de mídia magnética. APEX 2014, Montevidéu (Uruguai).

Preparando a equipe para o Workshop de Arquivos Comunitários. APEX 2016, Santiago (Chile).

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Chico Moreira. Paris, 2007. Foto de Elianne Ivo Barroso.

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Francisco Sérgio Moreira: Restauração de filmes, entre a paixão e o conhecimento Francisco Sérgio Moreira: Restauración de películas, entre la pasión y el conocimiento Francisco Sérgio Moreira. Film restoration: between passion and knowledge Categoria / Categoría / Category: Pesquisa no campo do patrimonio audiovisual / Investigación en el campo del patrimonio audiovisual / Research not field of audiovisual heditage Autores / Autores / Authors: Elianne Ivo Barroso, Brasil

Elianne Ivo Barroso Professora do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF. Responsável pela disciplina de Edição e Montagem. Atualmente Coordenadora do Curso de Cinema e Audiovisual - Bacharelado. Mestrado em Cinema e Artes do Espetáculo em Paris III - Sorbonne Nouvelle (França), Doutorado em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Pós-doutorado pela l’Université du Québec en Abitibi-Témiscamingue (UQAT), Canadá. Elianne Ivo Barroso Profesora del Departamento de Cine y Video de la UFF. Responsable de la disciplina de Edición y Montaje. Actualmente Coordinadora del Curso de Cine y Audiovisual - Bachillerato. Maestría en Cine y Artes del Espectáculo en París III - Sorbonne Nouvelle (Francia), Doctorado en Comunicación y Cultura por la ECO / UFRJ. Post doctorado en la l’Université du Québec en Abitibi-Témiscamingue (UQAT), Canadá. Elianne Ivo Barroso Professor at the Film and Video Department of UFF. He is head of the Editing and Montage course and currently coordinates High School (undergraduate) courses on Film and Audiovisual Work. He holds a Master’s degree in Filmmaking and Performing Arts from University of Paris III - Sorbonne Nouvelle (France), and a Ph.D. in Communication and Culture from ECO/UFRJ. He attended postdoctoral courses at UQAT in Canada.

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Resumo Trata-se da biografia de Chico Moreira (1950-2016) enfatizando a trajetória profissional e destacando suas habilidades ao longo da vida para se tornar o brasileiro que mais restaurou filmes principalmente entre 2000 e 2015. Palavras Chave: cinema, formação, restauração

Resumen Se trata de la biografía de Chico Moreira (1950-2016) enfatizando la trayectoria profesional y destacando sus habilidades a lo largo de la vida para convertirse en el brasileño que más restauró películas, principalmente entre 2000 y 2015. Palabras Clave: cine, formación, restauración

Abstract A biography of Chico Moreira (1950-2016), which focuses on his professional activity with special mention of his skill that turned him into the Brazilian who restored the larges number of films in that country, mainly between the years 2000 and 2015. Key Words: film, education, restoration

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Francisco Sérgio Moreira Restauração de filmes, entre a paixão e o conhecimento Tema da pesquisa: Francisco Sérgio de Magalhães Moreira (1950 - 2016), mais conhecido por Chico Moreira ou Francisco Sérgio Moreira, é considerado um dos pioneiros da restauração de filmes no Brasil. Certamente não foi o primeiro brasileiro a trabalhar na área, mas é aquele que tem em seu currículo o maior número de títulos recuperados na história do cinema brasileiro. Falecido em janeiro de 2016, Chico Moreira se interessou ainda jovem pelo assunto, tanto como espectador como praticante desta arte. Ele conjugou o interesse e o estudo pela fotografia à cinefilia, montagem, pesquisa de imagem e preservação de filmes. Tudo isto colaborou imensamente com seu trabalho de restauração. O presente artigo busca, então, traçar um primeiro apanhado da biografia de Chico Moreira com o intuito de demonstrar o quanto seu repertório cinematográfico, em conjunto com o interesse pela história e a prática da técnica audiovisual, fez dele o profissional que mais filmes restaurou no Brasil, especialmente entre 1999 e 2016, quando esteve à frente do Departamento de Recuperação de Matrizes da Labo Cine/Cinecolor. Objetivos: O principal intuito deste estudo é recuperar a biografia de Francisco Sérgio de Magalhães Moreira e buscar correlações entre sua trajetória de formação, conhecimento autodidata e profissional com a restauração de filmes. Saber

como ele construiu uma carreira de restaurador e conseguiu, em pouco mais de 15 anos, restaurar cerca de 30 longas-metragens, além de inúmeros materiais fílmicos, como arquivos de família, imagens de TV, cinejornais etc. Outro objetivo, não menos importante, é tentar sensibilizar jovens estudantes para o trabalho na área de preservação e restauro audiovisual, reforçando a ideia de aliar sempre o repertório cinematográfico, técnico e prático. Por fim, lembrar que a história de qualquer cinematografia não se constitui apenas de obras e seus autores, mas também do corpo técnico que auxilia criativamente na construção deste patrimônio. Desenvolvimento da pesquisa: Francisco Sérgio Moreira era bastante metódico em seu trabalho, fosse como restaurador ou como estudioso da área. Entretanto, era pouco afeito às vaidades da vida profissional e infelizmente nunca catalogou seus trabalhos – em especial no que tange à restauração de filmes. Os longas-metragens por ele restaurados são conhecidos, graças, especialmente, à colaboração com o CPCB (Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro) e outros realizadores – como Nelson Pereira dos Santos, que teve sua obra integralmente recuperada por Chico Moreira. Entretanto, há um grande número de cinejornais pertencentes às instituições públicas e privadas, assim como filmes de família e acervos particulares, que precisarão ser levantados com entrevistas e consulta de documentos com os contratantes e as contratadas, especialmente a Labo Cine do Brasil (Rio de Janeiro) e a Cinecolor - duas empresas com as quais Chico Moreira trabalhou. Além das duas, ele também foi consultor da Alcatéia Filmes e Evento X em projetos de restauração e preservação. Outro encaminhamento da pesquisa que precisa ser feito diz respeito particularmente à formação de 29


Chico Moreira. Ainda no que tange à produção de filmes restaurados, convém pesquisar e entrevistar colaboradores para saber como eram projetadas as máquinas adaptadas para materiais encolhidos. Por fim, é interessante estender a pesquisa às instituições de ensino e de preservação de filmes pelas quais Chico Moreira passou (notadamente: Staatlischesarchiv de Berlim; UCLA Film and TV Archive; e Cinémathèque Française), para afinar sua passagem por estes locais e saber quais foram as atividades e contatos que estabeleceu. Conclusões: Chico Moreira deixou uma enorme lacuna na restauração de filmes no Brasil. Talvez tenha sido o único brasileiro (além de João Sócrates, que foi trabalhar com restauração na Inglaterra) a ter competências para trabalhar na área. A formação de novos restauradores poderá ser demorada e nunca deverá perder de vista a essência desta educação que se baseia em múltiplas habilidades. Metodologia: O presente artigo se baseia em entrevistas concedidas por Francisco Sérgio Moreira, notadamente duas delas. A primeira, concedida para a autora, Cezar Migliorin e Consuelo Lins em 1999, mais focada na sua formação em montagem; a segunda, mais recente, para João Paulo Diniz e Luiza Campos, dentro de um trabalho de memória oral para a Fundação Getulio Vargas em 2013, disponível em vídeo e texto na internet. Além disso, o artigo também conta com informações extraídas de livros e websites. Francisco Sérgio de Magalhães Moreira: Re s t a u r a ç ã o d e f i l m e s , e n t r e a p a i x ã o e o

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conhecimento (…) você fica lá [no exterior conhecendo as cinematecas europeias e americanas], fica em um altíssimo astral, volta e você fica deprimido [com o descaso brasileiro com a preservação]. Aí quer se matar. Francisco Sérgio de Magalhães Moreira [DIAZ, J. e CAMPOS, L. Entrevista 2013] Para o restaurador, montador, pesquisador e fotógrafo Francisco Sérgio de Magalhães Moreira (1950-2016), era um enorme contraste observar as condições de guarda de filmes no Brasil quando comparadas a países como Alemanha, França, Portugal, México ou Estados Unidos. Chico Moreira, como ficou conhecido, se queixava bastante da ausência de uma política de preservação no Brasil que visasse proteger nosso patrimônio audiovisual. As ações de restauração de filmes, principalmente aquelas que aconteceram entre 2000 e 2016, quando Chico Moreira era responsável pelo Setor de Recuperação de Matrizes na antiga Labo Cine e assinou a maioria daqueles trabalhos, se deveu ao empenho e mérito daqueles que montaram projetos na área e pleitearam apoio por meio de leis de incentivo. Nunca houve, no entender do restaurador, uma política norteadora para a salvaguarda da memória cinematográfica brasileira. O presente estudo tem o objetivo de retraçar a trajetória de formação de Francisco Sérgio Moreira e entender o que permitiu, dentro deste contexto criticado pelo próprio, que ele se tornasse restaurador de filmes com um currículo invejável, com mais 30 longas-metragens recuperados, além de uma infinidade de curtas-metragens, cinejornais, filmes de família e acervos das mais diversas procedências. Além da capacidade de trabalho ao longo dos 16 últimos anos de vida, Chico Moreira aliou conhecimento e criatividade, tendo desenvolvido um processo técnico inovador na recuperação desta filmografia.


Na mesa de montagem 16mm. Acervo Silvio Tendler.

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Nossa hipótese é que Chico Moreira associava múltiplas habilidades, que iam desde a cinefilia até o conhecimento prático na construção de máquinas adaptadas para copiar filmes encolhidos. Mas sua destreza não se restringia apenas a essas características: Moreira tinha uma sólida formação em fotografia e montagem cinematográfica, fez estágios em várias cinematecas, com destaque para a Staatliches Filmarchiv na Alemanha Oriental; a UCLA Film and Television Archives; e a Cinemateca Francesa. Além disso, trabalhou por 20 anos na Cinemateca do MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro. Se o cenário de preservação no Brasil sempre foi adverso, como Chico Moreira despontou na área? Que caminhos trilhou? Como se deu sua formação? Foi um autodidata? São questões importantes para entender o percurso do mais ativo restaurador de filmes que tivemos até o momento. Faz-se extremamente necessário corrigir este erro na historiografia do cinema, que deveria considerar a biografia e relato de seus técnicos: muitos têm participação criativa na construção das obras. Chico Moreira não deixou nenhum documento com título das obras em que trabalhou como montador ou restaurador, então este levantamento é de extrema valia, tanto para esclarecer aos jovens interessados como se deu seu processo de formação profissional conjugando tantos aspectos, como para fazer com que caiam por terra algumas imprecisões na área de preservação e restauração. Cinefilia e fotografia na juventude Nascido no Rio de Janeiro em 1950, Chico Moreira foi durante quase 60 anos morador de Copacabana,

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sempre no mesmo endereço da Rua República do Peru . Foi criado por duas tias-avós maternas, Octavia e Virgínia Pereira de Andrade, ambas professoras da rede pública. Estudou em vários colégios da Zona Sul da cidade e seu maior hobby era ir às matinês dos cinemas da vizinhança. No site da Atlântida Cinematográfica - Acervo Histórico, ele comenta, por exemplo, sobre O homem do Sputnik (1959), de Carlos Manga: A lembrança mais antiga que tenho da Atlântida é, em fins dos anos 50, quando, ainda garoto, minha [tia-] avó Octavia [Pereira de Andrade] me levou ao Cine Copacabana para ver O homem do Sputnik. Sem muito entendimento sobre o tema abordado pela pouca idade que tinha, as gags dos personagens de Oscarito, a impagável atuação de Jô Soares ou a paródia de Norma Bengell como uma francesa à Brigitte Bardot foram motivo de muito riso entre eu e minha avó. (ATLÂNTIDA CINEMATOGRÁFICA, 2006) Desde muito cedo, Chico Moreira se tornou cinéfilo. Seu realizador preferido era Orson Welles, que considerava um gênio inigualável. Até a maturidade, Chico guardou esta característica, gostando de rever grandes clássicos – principalmente musicais americanos, como dito em homenagem póstuma organizada pela Cinemateca do MAM , na qual foi lembrada sua emoção em rever Cantando na chuva (1952) no cinema Mac Mahon de Paris, em 2007, recitando diálogos e músicas com lágrimas nos olhos. Também prematuramente se interessou pela fotografia: em entrevista de 2013, ele comenta que desde os oito ou nove anos de idade sabia revelar fotos. Entretanto, em seu acervo pessoal, identificamos apenas o seu primeiro atestado de curso de fotografia por correspondência, fornecido pela Escola de Ensino Técnico Paulista, datado de 1965, quando Chico tinha 15 anos. Seu primeiro emprego foi no Estúdio Mafra, conhecido pelas fotografias de capas de disco nas décadas de 1960-1970. Entretanto, o jovem


Chico Moreira, em primeiro plano Ă esquerda, Ă beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, durante o curso de fotografia. Acervo Nancy Castro Nunes.

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fotógrafo apenas registrava, revelava e ampliava fotos de formaturas. Aos 18 anos, fez serviço militar no Forte de Copacabana e, posteriormente, na sede do Ministério do Exército, no Centro do Rio de Janeiro. Nos dois locais, trabalhou no departamento de fotografia e filmes, praticando a rotina de laboratório.

Nesta última, surgiu a oportunidade de fazer parte da equipe dos programas Coisas Nossas e Cinemateca, produzidos pelo SRTV (Setor de Rádio e Televisão) da Embrafilme e veiculados na TV estatal. Eram programas regulares sobre cinema brasileiro, nos quais Chico Moreira era montador das “cabeças” de apresentação.

Estudos na UFF e o gosto pela montagem cinematográfica No início dos anos 1970, Chico Moreira começou seus estudos universitários aprovado para o curso de Direito. Em seguida, trocou para Química, provavelmente interessado em aprofundar seus conhecimentos no processo fotográfico. No segundo semestre de 1973, transferiu-se para o curso de Comunicação Social, na habilitação Cinema; e chegou a se formar também nas habilitações Publicidade e Jornalismo, concluindo os estudos em 1983. Na UFF, foi aluno de Nelson Pereira dos Santos, José Marinho, J. A. Nobre Porto e Sérgio Santeiro, entre outros. Com este último, fez seu primeiro trabalho como assistente de câmera no filme Universidade Fluminense (1976). Teve também sua primeira experiência de montagem em Memória Goitacá (1976). Com o colega de faculdade Albertino da Paz Ferreira, fundou o cineclube Adhemar Gonzaga, que funcionava no Colégio Guarani, no bairro da Abolição, subúrbio carioca. Durante o tempo de faculdade, Chico chegou a trabalhar nas televisões Globo e Educativa.

Moreira chegou a montar filmes de publicidade e alguns curtas-metragens de colegas da UFF, mas seu primeiro longa metragem foi Anos JK: uma trajetória política (1980). O filme levou quase três anos para ser realizado, já que a maior parte das imagens era material de arquivo. Chico Moreira foi responsável pela montagem e assistência de direção de Silvio Tendler, mas também pela prospecção e tratamento de imagem. A pesquisa o despertou para o trabalho de preservação de filmes. “Foi meu primeiro contato com a Cinemateca [do MAM]” (MOREIRA, 1999), disse em entrevista, embora fosse assíduo espectador da programação de filmes. Depois desta experiência, Chico montou outros títulos de Tendler, como Jango (1984), e chegou a ser seu sócio na produtora Caliban. Na sede da empresa, existe até hoje uma mesa de montagem Prevost 16/35mm com duas telas, que Francisco Sérgio Moreira conservou até a sua morte e que se encontrava até então em excelentes condições de uso. Foi colaborador de muitos cineastas, como Sylvio Back, Ivan Cardoso e outros curta-metragistas como Manfredo Caldas, Marcos Souza Mendes, Antonio Moreno, Márcio Câmara, Marcus Vilar e Werner Schünemann. Percebemos que nem todos os cineastas citados eram cariocas, o que demonstra a circulação do nome de Chico Moreira como montador, pois trazia diretores do Nordeste, Sul e Centro-Oeste para trabalhar com ele no Rio de Janeiro. Cinemateca do MAM e os estágios fora do país Em 1979, Chico Moreira substituiu Paulo Pestana no posto de técnico de preservação na Cinemateca do MAM, e lá sacramentou em definitivo sua vocação

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para a conservação de filmes. Sua experiência pregressa em fotografia, cinefilia, montagem e pesquisa de imagem convergiram para uma bem sucedida carreira nesta área. Na Cinemateca do MAM, permaneceu durante 20 anos na gestão e organização dos títulos, cadastro, revisão permanente do acer vo, cessão de material e atendimento ao público em geral (proprietários de acervos, pesquisadores, estudantes etc.). Moreira ocupava-se regularmente das cópias em laboratório e jamais deixou de trabalhar com montagem, pesquisa de imagem (chegou a ser consultor de diversos acervos) e finalização de filmes. Entre estes últimos, destacamos Cabra marcado para morrer (1984), que foi ampliado de 16mm para 35mm nos Estados Unidos e supervisionado por Chico Moreira. Durante a sua estadia na Cinemateca do MAM, Chico Moreira teve a chance de visitar várias instituições de preservação fora do Brasil – inclusive foi agraciado com uma bolsa da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), entre 1981 e 1982, para o curso de especialização em Preservação e Restauro na Cinemateca da Alemanha Oriental (Staatliches Filmarchiv). Lá, teve contato com uma situação muito diferente: “Você tinha metas de produção, tudo limpo, depósitos maravilhosos, um depósito subterrâneo (…) uma coisa fantástica. Rapaz, dava pra você fazer um negócio legal. Aí, então, eu comecei a realmente me aprofundar nessa área aí” (MOREIRA, 2013). Esta passagem pela Europa confirmou em Moreira a consciência da preservação e da eficácia de uma política continuada de guarda e de recuperação de acervo.

na Cinema Arts Inc. Com Janice, Chico trocou seus conhecimentos sobre técnica fotográfica e entendeu, sobretudo, a necessidade de adaptação dos equipamentos para a duplicação de materiais encolhidos. Departamento de Recuperação de Matrizes da Labo Cine do Brasil Em 1999, Chico Moreira deixou o MAM depois de desentendimentos com Maria Regina Nascimento Brito, diretora do Museu, sobre o possível desmonte da Cinemateca com o objetivo de aumentar a reserva técnica de artes plásticas da instituição. Muitos acervos foram transferidos para outros depósitos e, descontente com a situação, ele saiu de lá. No ano seguinte, aceitou o convite do empresário Wilson Borges para implantar um setor de restauração na Labo Cine do Brasil, antiga Líder Cine, no bairro de Vila Isabel. Começou então uma trajetória que condensou todo o passado de Chico Moreira. Na seleção dos filmes restaurados, Chico, muitas vezes, conhecia seus autores e entendia não apenas do estado físico da obra, mas também do próprio contexto de produção e da importância histórica do filme. Graças ao seu trabalho de pesquisa e de preservação, ele auxiliava na busca de outros materiais que pudessem ajudar no processo de restauração, indicando acervos onde houvesse cópias em boas condições que seriam usadas em parte para compor a nova matriz. A paixão pela fotografia permitia transitar no

Anos mais tarde, fez estágio de curta duração na Cinemateca Francesa em Bois d’Arcy, nas imediações de Paris, e entre 1989 e 1990 foi para os Estados Unidos com bolsa CAPES/Fullbright para estudar na Califórnia, onde estagiou no UCLA Film and Televison Archives. Lá, Chico conheceu Janice Allen (ex-John Allen), que hoje é uma grande especialista em restauração de filmes 35


laboratório, acompanhando o passo a passo da revelação e copiagem das peças restauradas. Controlava a sensitometria dos filmes, o PH dos banhos de revelação e tudo que dizia respeito à parte química da restauração – principalmente porque nem todos os fotogramas apresentavam a mesma nitidez; muitas vezes o filme precisava ser reimpresso e revelado com densidade diferente para avivar as cores e o contraste. O maior mérito de Chico Moreira, chamado pelos seus pares na Labo Cine como “Doutor Pardal”, foi adaptar máquinas que aceitassem filmes encolhidos. (…) Eu tinha visto uma coisa muito interessante que era uma máquina que copiava papel, paperprint da Biblioteca do Congresso, uma coisa simplérrima: eram duas tesouras que avançavam o filme quadro a quadro e em cima ficava um éclair que fotografava de cima para baixo. Aí eu falei, veja bem, eu não inventei nada, mas como eu tinha visto um copiador de imersão total em que se facilitava a distribuição harmoniosa do solvente pelo material. Então eu pensei que queria fazer um troço desse aqui [Labo Cine]. (BRAGANÇA, HEFFNER e MELIANDE). Passados 15 anos, quando a Labo Cine fechou, a sala do Departamento de Recuperação de Matrizes em Vila Isabel era apinhada de equipamentos. No currículo, vários longas-metragens restaurados, muitos deles frutos da parceria com o CPCB (Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro): Aviso aos navegantes (1950), Tudo azul (1951), Alô, alô carnaval (1936), Menino de engenho (1966), A hora

da estrela (1985) e muitos outros; com destaque para a obra de Nelson Pereira dos Santos, integralmente restaurada. Houve também uma série de filmes de arquivo de instituições públicas e privadas, como o CTAV (Centro Técnico Audiovisual), Arquivo Nacional, TV Globo, TV Cultura etc. Entre os clientes de Chico Moreira estavam outros tantos acervos, como Museu Villa Lobos, Hikoma Udihara, Canal 100 e Lygia Pape. Chico acompanhava todas as fases da restauração, do projeto à exibição. Nunca foi um purista da recuperação de filmes. No caso de Aviso aos navegantes (1950), por exemplo, refez um trecho de um diálogo com dubladores profissionais (entre eles, Guilherme Briggs), já que parte da trilha sonora tinha sido danificada. Não se furtava a adaptar a montagem original dos fotogramas sem deturpar a narrativa fílmica; entretanto, tinha o hábito de conversar e chamar os fotógrafos caso estivessem vivos, e juntos marcavam a luz do filme, numa grande celebração e rememoração do cinema brasileiro. Conclusão Francisco Sérgio Moreira se suicidou em janeiro de 2016. Ele se dividia entre Niterói e São Paulo, onde passou a trabalhar na Cinecolor. Deixou um acervo impressionante de câmeras e acessórios de diversas marcas e épocas. Entre seus pertences, uma biblioteca com livros raros sobre cinema, fotografia, preservação e restauração além de coleções de diversas revistas especializadas. Talvez uma das últimas alegrias de Chico Moreira foi ter se tornado membro vitalício da SMPTE (Society of Motion Picture & Television Engineers). Ele respondeu por e-mail em 6 abril de 2015: “I´m deeply honored to be accepted as Life Member in the Society and wish to thank the Board of Governors and you [Roberta Gorman] to allow me to be a member of the top group of the SMPTE. Here I go for the next 40 years with the society.Thanks and regards. Francisco.”

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Chico mantinha-se atualizado sobre tudo o que dizia respeito a equipamentos, preservação e restauração de filmes. Era leitor contumaz de várias publicações. Depois de morto, recebeu diversas homenagens em festivais e foi agraciado com um nome de logradouro público: rua Chico Moreira, no bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro, pelos serviços prestados à restauração de filmes no Brasil. Além da obra, o seu maior legado foi deixar para os jovens abnegados por cinema e interessados na preservação e restauração de filmes a certeza de que não basta apenas a paixão ou a cinefilia: trata-se de uma associação de aptidões que conjuga tanto o espectador atento como o pesquisador e o técnico conhecedor das diversas etapas da cadeia fílmica.v

Bibliografia Catálogos

AMÂNCIO, Tunico (coord.) Catálogo de filmes. Filmes produzidos pelos alunos de cinema da UFF. 25 anos IACS. Nitéroi: UFF, 1994. BARROSO, Elianne Ivo. “Trajetória Chico Moreira” Em Catálogo Cineop. 11a Mostra de Cinema de Ouro Preto. Cinema Patrimônio. Belo Horizonte, junho de 2016. 114-116 pp.

Webgrafia BRAGANÇA, Felipe, HEFFNER, Hernani e MELIANDE, Marina. Restauração física de filmes no Brasil: entrevista com Chico Moreira. Em Revista Contracampo, no 34. http://www. contracampo.com.br/34/chicomoreira.htm Acessado em 20/06/2017. DIAZ, João Pedro e CAMPOS, Luiza. MOREIRA, Francisco Sérgio. Francisco Sérgio Moreira (Depoimento, 2013). https:// drive.google.com/file/d/0B-Z9ka9jjVNMcExkLVJ0ZjgyRnc/view Acessado em 25/06/2017. LUNA, Rafael. Subsídios para uma história recente da Cinemateca do MAM - parte 1. Blog Preservação audiovisual. http:// preservacaoaudiovisual.blogspot.com.br/2012/06/subsidiospara-uma-historia-recente-da.html Acessado em 23/06/2017. MIRANDA, André. Labo Cine sai de circuito em março. O Globo de 01/02/2016. https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/ labo-cine-sai-de-circuito-em-marco-15209540 Acessado em 20/06/2017.

Videofilmografia A hora da estrela (1985, 96 min., Suzana Amaral) Alô, alô carnaval (1936, 75 min., Adhemar Gonzaga) Aviso aos navegantes (1950, 113 min., Watson Macedo) Cantando na chuva (Singin’in the rain, 103 min) Cabra marcado para morrer (1984, 119 min.) Entrevista de Chico Moreira concedida a Elianne Ivo Barroso, Consuelo Lins e Cezar Migliorin (62 min, vídeo). Cinemateca do MAM, 1999. https://www.youtube.com/watch?v=OHDnMtFsvg4 Anos JK: uma trajetória política (1980, 110 min., 35mm, Silvio Tendler) Menino de engenho (1966, 110 min., Walter Lima Junior) Memória Goitacá (1976, 20 min, 35mm, cor) O homem do Sputnik (1959, 110 min, de Carlos Manga) Jango (1984, 35mm, 110 min, Silvio Tendler) Tudo azul (1951, 80 min., Moacyr Fenelon) Universidade Fluminense (1976, 10 min. 35mm, Sergio Santeiro)

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Cinema Doméstico: patrimônio, educação e tecnologia audiovisual Cine casero: patrimonio, educación y tecnología audiovisual Homemade movies: audiovisual technology, education and heritage Categoria / Categoría / Category: Categoria de pesquisa / Artículo de investigación / Research category Autores / Autores / Authors: Julieta Keldjian Etchessarry, Uruguay

Julieta Keldjian É professora full time do Departamento de Comunicação e responsável pelo Arquivo Audiovisual Dina Pintos da Universidade Católica do Uruguai (UCU). É formada e possui mestrado em Comunicação Social pela UCU, especializada em preservação audiovisual pela Filmoteca Espanhola e pelo Laboratório Camera Ottica (Università degli Studi di Unide, Itália). Coordenou projetos de digitalização patrimonial nacionais e internacionais. Seu campo de pesquisa é o cinema amador e familiar. É integrante do Grupo de Estudos Audiovisuais/GEstA, a Mesa Interinstitucional de Patrimônio do Instituto de Cine e Audiovisual (Uruguai) e da Association of Moving Image Archivists (AMIA). Julieta Keldjian, Es docente de alta dedicación del Departamento de Comunicación y responsable del Archivo Audiovisual Dina Pintos de la Universidad Católica del Uruguay (UCU). Su formación es en Comunicación Social (Licenciatura y Maestría) en UCU, especializada en preservación audiovisual en la Filmoteca Española y el Laboratorio la Camera Ottica (Università degli Studi di Udine, Italia). Ha coordinado proyectos de digitalización patrimonial nacionales e internacionales. Su campo de investigación es el cine amateur y familiar. Es integrante del Grupo de Estudios Audiovisuales/GEstA, la Mesa Interinstitucional de Patrimonio del Instituto del Cine y el Audiovisual (Uruguay) y de la Association of Moving Image Archivists (AMIA).

Julieta Keldjian Is full-time professor at the Communications Department and she is also responsible for the Dina Pintos Audiovisual Archive of the Catholic University of Uruguay (UCU). She holds B.A. and Master’s degrees in Social Communication from UCU, and attended specialization courses at Spain’s Film Archive and at the Camera Ottica Lab of the University of Udine (Università degli Studi di Udine) in Italy. She has been coordinator for national and international heritage digitalization projects. Her field of research is amateur and family filmmaking. Julieta is a member of the Audiovisual Studies Group (GEstA), as well as of the Inter-institutional Heritage Group of Uruguay’s Film and Audiovisual Institute. She is also a member of the Association of Moving Image Archivists (AMIA).

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Resumo Este artigo reflete sobre a relevância do cinema familiar e amador na preservação do patrimônio audiovisual. A partir da experiência do projeto Cinema Doméstico tenta-se provar a pertinência de investigar, conservar e difundir as imagens privadas da vida cotidiana para a salvaguarda de práticas culturais imateriais e a recuperação da memória coletiva. O projeto Cinema Doméstico é uma proposta de pesquisa e desenvolvimento que tem por objetivo a difusão do patrimônio audiovisual e se apoia na educação como ferramenta para a preservação. Parte-se da hipótese de que o patrimônio audiovisual, como componente constitutivo da identidade cultural de uma comunidade, pode se converter em um veículo privilegiado para a educação. Além disso, por ser o audiovisual considerado umbem cultural produto da ação de uma tecnologia específica, analisa-se a mudança que este patrimônio sofreu a partir da chegada da imagem digital e como foi afetada sua conservação e acesso. Esta reflexão pode ajudar-nos a pensar estratégias de preservação do patrimônio do futuro; as imagens que produzimos cada dia e que deixaremos como testemunho para as gerações vindouras. Palabras clave: Cinema amador – Educação – Patrimônio – Tecnologia audiovisual

Resumen Este artículo reflexiona sobre la relevancia del cine familiar y amateur en la preservación del patrimonio audiovisual. A partir de la experiencia del proyecto Cine Casero se intenta probar la pertinencia de investigar, conservar y difundir las imágenes privadas de la vida cotidiana para la salvaguardia de prácticas culturales inmateriales y la recuperación de la memoria colectiva. El proyecto Cine Casero es una propuesta de investigación y desarrollo que tiene por objetivo la difusión del patrimonio audiovisual y se apoya en la educación como herramienta para la preservación. Se parte de la hipótesis de que el patrimonio audiovisual, en tanto componente constitutivo de la identidad cultural de una comunidad, puede convertirse en un vehículo privilegiado para la educación. Además, por tratarse el audiovisual de un tipo de bien cultural producto de la acción de una tecnología específica, se analiza el cambio que este patrimonio ha sufrido a partir de la llegada de la imagen digital y cómo se ha afectado su conservación y acceso. Esta reflexión puede ayudarnos a pensar estrategias de preservación del patrimonio del futuro; las imágenes que producimos cada día y que dejaremos como testimonio a las generaciones que siguen. Palabras clave: Cine amateur – Educación – Patrimonio – Tecnología audiovisual

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Abstract This article provides thoughts on the importance of the familiar and amateur films to preserve the audiovisual heritage. We intend to evidence the relevance of research, conservation and dissemination of private images of the everyday life, based on the experience of the project Cine Casero, to safeguard intangible cultural practices and the recovery of the collective memory. The project Cine Casero is a research and development proposal aimed at disseminating the audiovisual heritage and is based on education as a tool for preservation. The hypothesis of this article considers that the audiovisual heritage, as a constituent component of the cultural identity of a community, may turn into a privileged vehicle for education. Also, given that audiovisuals is a type of cultural asset produced by the action of a specific technology, the modification this heritage has undergone is analyzed based on the arrival of the digital image and how it affected its conservation and access. This thought may help us consider strategies to preserve future heritage; images we produce every day and that we will leave as a testimony for future generations. Key Words: Amateur films– Education – Heritage – Audiovisual technology

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Cinema Doméstico: patrimônio, educação e tecnologia audiovisual. Este artigo reflete sobre a relevância do cinema familiar e amador na preservação do patrimônio audiovisual. A partir da experiência do projeto Cinema Doméstico tenta-se provar a pertinência de investigar, conservar e difundir as imagens privadas da vida cotidiana para a salvaguarda de práticas culturais imateriais e a recuperação da memória coletiva. O projeto Cinema Doméstico é uma proposta de investigação e desenvolvimento que tem por objetivo a difusão do patrimônio audiovisual e se apoia na educação como ferramenta para a preservação. Aponta a descobrir o tipo particular de patrimônio imaterial contido nos registros audiovisuais domésticos do passado e refletir sobre as vantagens das ações vinculadas à didática do patrimônio, em particular o conceito de cidade educadora (Prats e Santacana, 2009). Ajustificativateóricadesteprojetoseapoianosconceitos de patrimônio cultural, educação e tecnologia. Partese da hipótese de que o patrimônio audiovisual, como componente constitutivo da identidade cultural de uma comunidade, pode se tornar veículo privilegiado para

a educação. Além disso, por ser o audiovisual um tipo de bem cultural produto da ação de uma tecnologia específica, analisa-se a mudança que este patrimônio sofreu a partir da chegada da imagem digital e como foi afetada sua conservação e acesso. As tecnologias audiovisuais analógicas e fotoquímicas não só geraram produtos audiovisuais particulares, mas também formas de ser e estar no mundo diferente das que hoje em dia assistimos no contexto digital. Este enfoque parte da base de que o estudo de uma tecnologia propicia o entendimento da sociedade em um certo momento, ou seja, as lógicas de pensamento e os modos de relacionamento com a realidade que essa tecnologia determina (Colina, 2000). Esta reflexão pode nos ajudar a pensar estratégias de preservação do patrimônio do futuro; as imagens que produzimos diariamente e que deixaremos como testemunho para as gerações vindouras.v

Preservação audiovisual e educação 1. Descrição do projeto Cinema Doméstico O projeto se propõe investigar e identificar registros amadores e filmes familiares, por um lado, e pelo outro, capacitar a seus proprietários ou detentores no manejo básico e conservação desses filmes com a finalidade de promover a custódia do patrimônio

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cultural imaterial. Os registros audiovisuais domésticos pertencem a uma categoria difícil de delimitar já que compreendem um grupo heterogéneo de materiais audiovisuais no qual se encontram os filmes familiares propriamente ditos, mas também filmes educativos, experimentais, filmagens domésticas documentais, diários de viagens, fragmentos de informativos, etc. Para os propósitos do presente projeto de preservação audiovisual, são definidos como filmes que circulam no âmbito amador -não profissional- que contenham registros das cidades ou locais que participam do projeto, bem como


eventos da vida cotidiana no passado (aniversários, batizados, casamentos, férias), gravadas em suporte fílmico (passos: 8mm, S8mm, 16mm, 9,5mm) e vídeo analógico em seus formatos mais comuns.

pelos participantes da oficina. Durante a projeção se pede comentários que são registrados, para reunir as histórias que se contam espontaneamente a partir dos filmes.

2. Marco conceitual de referência Parte-se da base da educação como ferramenta fundamental para a preservação, entendendo que os membros da comunidade podem se tornar custódios e promotores de seu próprio patrimônio. São objetivos do projeto: a) identificar materiais valiosos do ponto de vista documental visando gerar um catálogo regional de filmes familiares, b) implementar e documentar uma metodologia de trabalho a partir das oficinas de revisão de filmes e a exibição comunitária, que possa ser replicada a nível regional, c) capacitar a atores locais sobre práticas sadias no manejo e conservação de materiais audiovisuais e d) promover atitudes de cuidado e valorização do patrimônio na comunidade. O projeto se desenvolve através de oficinas nas quais os participantes são convidados a entregar seus filmes familiares ou registros antigos sobre sua cidade ou bairro. A atividade é composta de duas etapas: na primeira, os filmes são analisados do ponto de vista de seu estado físico e conteúdo, e a segunda consiste em uma projeção pública, organizada pelos participantes da oficina, apresentando à comunidade os filmes recuperados. As tarefas de revisão e conservação têm como principal objetivo promover práticas sadias para os materiais, mas que sejam de fácil implementação no âmbito doméstico. Assim, durante a oficina se aprende a fabricar contentores para guardar os materiais a partir de insumos que se conseguem em comércios locais, bolsinhas de silicagel para a absorção da umidade, elaboração de planilhas de visão para evitar a contínua manipulação dos originais, e se compartilham conselhos úteis. Na projeção se convida um público mais amplo e se exibe a programação selecionada

O projeto se propõe como uma atividade de promoção e investigação do patrimônio audiovisual através da recuperação de filmes familiares. A r e c u p e r a ç ã o d o p a t r i m ô n i o n ã o d ev e r i a limitar-se à produção audiovisual profissional (cinema comercial ou independente, ficção, documentários, informativo). Os filmes familiares, ao capturar momentos da vida privada, constituemse mediante seu estudo em documentos históricoculturais que oferecem um ponto de vista original para a investigação social. Sua importância reside no alto valor antropológico, histórico, sociológico e na qualidade fílmica em alguns casos. Portanto, fazem parte do patrimônio imaterial de uma comunidade. As imagens contidas nos filmes familiares constituem um patrimônio disperso que necessita ser coletado e preservado, seguindo estratégias e critérios específicos.

2.1 Patrimônio audiovisual: um tipo particular de patrimônio imaterial A noção de patrimônio cultural é dinâmica e está sujeita a constantes redefinições. Por uma parte, porque é um objeto de estudo ao qual se dedicam distintas disciplinas como a estética, a arqueologia, a história, a arquitetura, e por outra, porque se trata de um conceito fortemente dependente das mudanças sociais, a política, a ideologia, a sensibilidade de um momento determinado na

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história. Para definir o que é patrimônio se aplicam processos de valorização e seleção que dependem em grande parte daquilo que uma comunidade determinada valoriza como patrimonial (Coma Quintana, 2011). (...) não é só o monumento isolado o que devemos proteger, mas também o ambiente urbano ou paisagístico que o rodeia; (...) não são apenas as grandes obras as que devemos tutelar, mas também aquelas mais modestas que tenham adquirido, com o tempo, um significado cultural (Querol, 2010:20). Esta concepção mais integral do patrimônio oferece uma perspectiva que relativiza a importância dos objetos e dá lugar à construção do conceito de patrimônio cultural imaterial, plasmado na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003). Na classificação tradicional, o patrimônio pode ser cultural, natural, móvel, imóvel, material o u i m a t e r i a l . E s t a t i p i f i c a ç ã o p r o m ov e u o desenvolvimento de disciplinas específicas para atender a cada um dos tipos particulares de bens ou práticas, quebrando artificialmente a trama que une os objetos com suas representações e os significados atribuídos, em torno dos quais se fragua a identidade de uma comunidade. Neste sentido, os registros audiovisuais são fios dessa trama: mantém unidos os objetos e significados mediante a representação. O imaterial é aquilo contido nas imagens, os objetos ali representados. Coloquemos como exemplo a cidade, um dos objetos geralmente mais representados nos filmes familiares e nos registros amadores. As imagens da cidade no passado recompõem a união do território com o significado atribuído a esse espaço, no presente: a filmagem da construção de um edifício emblemático, um prédio onde antes havia uma praça agora transformado em centro comercial, uma praia turística antigamente ocupada por carros com bois, charretes e pescadores artesanais. A comunidade internacional reconheceu este tipo 44

particular de patrimônio na “Recomendação sobre a Salvaguarda e a Conservação das Imagens em Movimento” (UNESCO, 1980) assinalando que “são uma contribuição importante para a educação e o enriquecimento do ser humano”. (UNESCO, 1980: 167) Estas imagens estão contidas em um suporte material que necessita conservar-se e resguardarse da ação natural da passagem do tempo e da fragilidade do próprio suporte, mas fundamentalmente do esquecimento. É por este motivo que Cinema Doméstico se propõe como um projeto que aponta a promover o acesso a esses materiais.

2 .1 .1 U m a m u d a n ç a d e m o d e l o : d a conservação à preservação As cinematecas, instituições da conservação audiovisual por antonomásia, nascem no mundo muito tempo antes da declaração da UNESCO de 1980. Nos anos trinta são criadas as primeiras cinematecas europeias e naquele momento já se advertia que um capítulo importante da memória cultural da humanidade desapareceria para sempre com a perda e a destruição do cinema. Este princípio, que é claramente passível de defesa para o Cinema como obra, perde sua força argumental quando o objeto patrimonial está constituído por registros amadores da vida cotidiana. Até finais dos anos setenta que estes registros não ganham valor. Ainda que algumas experiências cinematográficas ou do campo da arte já trabalhassem a partir da reutilização de imagens familiares e amadoras, é com a aparição dos seriados de televisão que


“Home cinema parte da educação como uma chave fundamental para a preservação, entendendo que os membros da comunidade em custodiantes e promotores de seus próprios ativos “.

adquirem notoriedade. O registro audiovisual amador é fruto da ação de pessoas comuns que, movidas por interesses igualmente comuns -lúdicos, afetivos e algumas vezes com grande intuição e sentido histórico-, registram seu entorno e os eventos significativos de suas vidas. Esta distância entre o audiovisualobra e o audiovisual-registro gerou que por muitas décadas a comunidade arquivista subestimasse a este último e o considerasse -do ponto de vista patrimonial- um objeto menor. Logicamente, trata-se de uma falsa oposição entre produtos culturais de natureza diversa, que necessitam estratégias de conservação e metodologias de estudo também diferenciadas. Na atualidade, diversas organizações se dedicam à promoção do patrimônio audiovisual para dar resposta à necessidade de conser vação da memória audiovisual da população (e não unicamente do Cinema). O projeto Cinema Doméstico se fundamenta na mudança de paradigma que vai da conservação à preser vação. Além disso, da promoção de práticas de conservação preventiva, a preservação implica a investigação dos materiais, o controle intelectual sobre os conteúdos e a posta em circulação dos mesmos. Isto é, colocá-los a disposição para que possam ser vistos. Sem uso, sem compartilhamento, sem a difusão destas imagens, a atividade de custódia do patrimônio audiovisual se limita à conservação. O enfoque da preservação rompe com a centralidade do filme (obra) como objeto de custódia e favorece a posta

em comum das imagens e sua circulação. O acesso é aqui o conceito chave. Trata-se de quebrar os muros da instituição para favorecer o vínculo com os cidadãos. Os filmes familiares e amadores se apresentam como um caso de estudo significativo para compreender as transformações que estão operando na prática dos arquivos audiovisuais.

2.2. Educação A relação entre patrimônio e educação é de benefício mútuo. A conservação e a promoção do patrimônio cultural podem enriquecer-se, como já foi dito, a partir da investigação e de seu estudo. Esta proposta poderia resumir-se a seguinte fórmula: educar para conhecer, conhecer para valorizar, valorizar para cuidar. Mas a educação necessita de estratégias que a ajudem a superar a profunda crise na qual se encontra. A escola deixou de ser o lugar chave da socialização. Para a antropologia, a socialização é a conversação entre gerações, quer dizer, a forma em que se transmite o saber entre gerações, a memória dos velhos para as novas gerações. Os espaços tradicionais de socialização deixaram de ser o lugar onde se produz a conversação

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de gerações, o lugar chave de condensação da memória (Martin Barbero, 2009). Este novo espaço é a cidade. Por isso Martin Barbero (2009) postula que a escola recuperará seu lugar central quando volte a ser o espaço onde se produz a interação das diversas linguagens, culturas e escritas que circulam na sociedade. Isto significa aceitar que na sociedade do conhecimento há outras formas de saber, outro tipo de conhecimento e de racionalidade, e a educação deve ser entendida como o lugar de entrecruzamento de saberes. Na atualidade a cidade é o cenário privilegiado onde ocorrem esse entrecruzamento de saberes. Nela se tornam visíveis os elementos simbólicos e de comunicação que a constituem e que nos tornam habitantes dessa comunidade. Para Paulo Freire a alfabetização não tem como objetivo que as pessoas aprendam a ler, mas que aprendam a escrever sua própria história. Este é o sustento de sua educação libertária. (Freire apud Martin Barbero, 2009). Martin Barbero completa este enfoque dizendo que o exercício da cidadania se concretizará quando a educação permita que as pessoas contem suas próprias histórias. Nos filmes familiares e nos registros amadores a cidade é a locação mais utilizada. Isto as transforma em uma fonte de possibilidades para que esta dimensão narrativa que menciona Martin Barbero aflore e se reinvente, cada vez que são projetadas em âmbitos que lhe são próprios -não em uma sala de cinema, mas em espaços que promovem o diálogo e o comentário durante a projeção. Neste “fazer visível” a cidade mediante suas formas simbólicas e de comunicação, se justifica o projeto

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Cinema Doméstico. Fazer aparecer esses registros que são parte de uma cidade que já não é, que foi transformada física e simbolicamente, para propiciar a conversação entre as gerações. O marco urbano se converte, assim, em uma oportunidade extraordinária para a educação. (...) a “cidade educadora” deveria ser um dos pilares de apoio de todo sistema de valores amplamente compartilhados. O patrimônio é um instrumento de que dispõe a cidade para educar seus cidadãos em alguns valores considerados importantes. Mas quem educa é a cidade toda. (Prats e Santacana, 2009) O conceito de “cidade educadora” surgiu da necessidade de dar lugar à convergência de políticas e ações de governos regionais, instituições educativas e a sociedade civil organizada!3]. Participa do impulso que os estudos urbanos têm cobrado, no entendimento de que na sociedade contemporânea a vida acontece nas cidades. As cidades são contentoras do patrimônio, como foi dito, susceptível de ser utilizado como ferramenta didática. A didática do patrimônio promove ações que buscam visibilizar, potencializar e, especialmente, valorizar o patrimônio. Suas atividades vão além da tradicional restauração dos bens culturais e a exposição de museus, mas que desenvolvem estratégias pedagógicas para difundir o patrimônio cultural através da vivência e a experimentação. (Prats, 2001). O modelo baseado na transmissão de informação da instituição escolar demonstrou ser ineficiente. U m n ov o m o d e l o a p o i a d o e m v i v e n c i a r e experimentar o conhecimento impulsará um espaço de comunicação mais ajustado aos modos de comunicação atuais da sociedade. Por isso, no projeto de Cinema Doméstico se propõem instâncias como as oficinas e a exibição comunitária, que apontam fortemente a vivenciar e experimentar o patrimônio representado nos filmes e a potencializar o vínculo emotivo que os


membros da comunidade estabelecem com as imagens da cidade.

2.3. A tecnologia audiovisual A origem do Cinema familiar e amador se localiza por volta de 1923 com a aparição no mercado do 16mm da Kodak. A principal inovação da formatação era a redução de tamanho e, em consequência, do custo. Foi o suporte utilizado para as primeiras emulsões reversíveis da cor, que mediante um processo especial simplificavam “a magia” da revelação das imagens, eliminando o sistema tradicional de negativo/positivo. Estas mudanças apontavam a cativar os usuários não profissionais, facilitando os processos técnicos. Nos começos do século X X , a indústria da tecnologia audiovisual dava seus primeiros passos na sociedade de massas. Sua mensagem -tranquilizadora e simplista- fixou o rumo que tomaria depois o desenvolvimento tecnológico: “You press the bottom, we do the rest”4. O usuário se despreocupa dos processos e saberes, mas simultaneamente, perde o controle: começa a carreira ao automatismo. Kodak imporá assim algo mais do que uma câmera leve, de fácil manejo e baixo custo; fundará as bases para uma nova relação entre a tecnologia audiovisual e os sujeitos. Sociedade e tecnologia não podem ser separadas como “ideais claras e distintas”. Unicamente as posições deterministas as mantêm cindidas do ponto de vista de suas definições. Na concepção de dita relação se deve superar toda posição dualista. Em um processo de “causa” recíproca a sociedade configura a tecnologia, e igualmente, a tecnologia configura a sociedade. A modalidade desta interação pode ser assimétrica ao longo do tempo. (Colina, 2000:97) Que podem dizer, então, os filmes do projeto Cinema Doméstico sobre a sociedade? A escassez de meios e os altos custos de registro que supunham as tecnologias de imagem no século X Xdeterminavam operações de tipo lineares e procedimentos de edição, seleção e

repetição que envolvia ritmos mais lentos. Por sua vez, com a chegada da tecnologia digital, o registro audiovisual provocou consequências que comportam mudanças profundas no modo de produção e consumo das imagens. Mencionarei algumas destas mudanças tecnológicas que podem dar luz à investigação sobre os filmes familiares. Com a desaparição do suporte, também desaparece a experiência do visionado. As condições de projeção do cinema em suporte fotoquímico - em família ou em uma sala de uso exclusivo para este fim- se encontram no século X XI em uma situação onde ver filmes já não significa vê-los em condições técnicas e situações específicas. Lucro e perda, ao mesmo tempo, diz Ferla (2009). Com o computador ganhamos liberdade e ubiquidade, mas a experiência de visionado coletivo da projeção do celulóide desaparece. Outra consequência da mudança tecnológica, iniludível quando analisamos a problemática da preservação audiovisual, é a perda de autonomia dos sujeitos produtores de imagens. À medida que a imagem digital se apresenta como monopolizada se faz imprescindível à mediação de um software que reconheça e decodifique os dados que conformam a imagem. Deste modo perdemos como usuários e produtores, a liberdade que nos oferecia a popularização da mídia nas mãos de todos. Com os poucos anos de experiência de imagem digital já comprovamos que os tempos de estabilidade são limitados e a disponibilidade não é sinônimo de permanência.

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n Avaliação

preliminar

E s t a p r i m e i r a a p r ox i m a ç ã o a o p a t r i m ô n i o audiovisual disseminado na população permitiu provar estratégias de trabalho e comprovar as intuições sobre o grau de dispersão e o valor destes documentos audiovisuais. Na sua fase piloto, Cinema Doméstico realizou três oficinas nas cidades de Montevidéu, Fray Bentos e Maldonado, no Uruguai. Nelas se conseguiu pensare implementar uma metodologia de trabalho capaz de ser replicada em várias localidades e comunidades da região. Os participantes das oficinas foram capacitados em práticas de conservação preventiva de materiais audiovisuais. Nas projeções comunitárias foram identificadas coleções valiosas do ponto de vista patrimonial. Uma importante difusão midiática realizada com a finalidade de anunciar as oficinas e projeções permitiu colocar na agenda o problema da preser vação do patrimônio e submeter a discussão em termos cotidianos, à qual podem contribuir as pessoas comuns, independente de seu nível de formação, capacidades materiais ou sociais. A conversação social em torno ao projeto foi estimulada através das redes sociais, especialmente na página de Cinema Doméstico no Facebook (Facebook/CineCaseroUY). A participação dos jovens evidenciou a importância de concentrar os esforços nesse público alvo. Inicialmente Cinema Doméstico se dirigia ao público em geral, mas com a presunção de que obteria maior interesse do público adulto, que

geralmente são as pessoas mais propensas às temáticas sobre a memória ou a história. Por sua vez, a população juvenil se integra de maneira natural à cultura da imagem; são mais próximos à linguagem audiovisual como meio expressivo e, portanto, entendem facilmente seu valor patrimonial. Na oficina realizada na cidade de Fray Bentos participou um grupo de estudantes que cursava orientação artística. Nunca tinham visto um filme em suporte fílmico e, portanto, desconheciam o mecanismo tradicional do cinema, quer dizer, a imagem em movimento a partir da sucessão de 24 fotogramas por segundo. A oficina lhes ofereceu a possibilidade de manipular filmes e ver os projetores domésticos em ação, algo que propiciou o entusiasmo e a motivação. Além disso, muitos deles realizam peças audiovisuais que compartilham nas redes sociais. As discussões da oficina foram orientadas para que tomassem consciência sobre o futuro dessas produções e como, devido à obsolescência tecnológica, esses vídeos se perderão se não foram tomadas as precauções necessárias. Quanto às projeções, o impacto mais relevante esteve no reconhecimento -e assombro- diante à s m u d a n ç a s d o t e r r i t ó r i o . E s t a fo r m a d e reconhecimento reforça os laços com o espaço público, que sofreu transformações, mas que ainda permite conectar aos públicos com um passado, enquanto reaviva o sentimento de pertencimento e, portanto, de identidade. A projeção comunitária é sugerida como instância de recuperação da oralidade perdida nas comunidades. Diferente do visionado do cinema profissional, os filmes familiares e amadores convidam à participação e aos comentários da audiência. Experimentar a projeção, emocionar-se, vivenciar o patrimônio e deixar-se impressionar pelas imagens, são estratégias que funcionam

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sobre o eixo emocional e que, além de incrementar o repertório de imagens, podem se converter em instâncias formativas ao serem vinculadas às temáticas da educação formal ( história, demografia, urbanismo, geografia, antropologia). Nestas páginas tentamos justificar a pertinência da preservação audiovisual dos filmes familiares e

dos registros da vida cotidiana para a conservação da memória coletiva e urbana. Deste modo podemos concluir que a educação se beneficia da recuperação deste patrimônio, da mesma forma que o patrimônio audiovisual encontra, na didática e na formação de públicos, uma estratégia para fomentar sua preservação.v

Notas: [1 O projeto Cinema Doméstico surge de um grupo de estudantes, docentes e profissionais do campo da comunicação, a produção e preservação audiovisual, reunidos no Departamento de Comunicação da Universidade Católica do Uruguai. Durante 2014 e 2015 foi executado um plano piloto, nas cidades de Montevidéu, Fray Bentos e Maldonado (Uruguai). Em 2016, o plano de trabalho foi reformulado, a partir da localização de um documentário sobre a cidade de Paysandú (c.1940, nitrato, sonoro). Esta segunda etapa, atualmente em andamento, centra-se na investigação de práticas crowdsourcing para a catalogação coletiva do filme. [2 A primeira edição de um seriado de televisão realizada com base nas imagens familiares e amadoras foi Inédits (1981), emitida pela Rádio Télévision Belge Francophone (RTBF), sob a direção de André Huet. (Roger Odin, “El film familiar como documento. Enfoque semiopragmático”, Archivos de la Filmoteca, n° 58, (2008), p: 197). Esta experiência foi replicada em vários países. Em Uruguai, o programa Inéditos (1989-1992), produzido pela Universidade Católica do Uruguai, foi emitido pela televisão nacional aberta. [3] Em 1990, em Barcelona, foi realizado o primeiro Congresso de Cidades Educadoras. Argentina, Brasil e Uruguai têm cidades associadas a esta rede. http://www.bcn.cat/edcities/aice/ estatiques/espanyol/ sec_iaec.html [4] Slogan da campanha publicitária das câmeras fotográficas de George Eastman (Kodak), aparecido pela primeira vez na revista The Photographic Herald and Amador Sportsman (novembro de 1889).

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Pesquisa e preservação de periódicos de cinema brasileiros antigos Investigación y preservación de periódicos de cine brasileños antiguos Research and preservation of old cinema publications in Brazil Categoria 2 / Categoría 2 / Category 2: Projetos de gestão no campo do patrimônio audiovisual. / Proyecto de gestión en el campo del patrimonio audiovisual / Management projet in the field of audiovisual patrimony Autores / Autores / Authors: Rafael de Luna Freire, Brasil.

Rafael de Luna Freire Autor de inúmeros artigos e livros sobre a história do cinema brasileiro. Rafael de Luna Freire é professor no Departamento de Cinema e Vídeo e no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Brasil. Atua na área de preservação audiovisual há mais de quinze anos. Foi coordenador de documentação da Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro. É membro fundador e ex-diretor da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual - ABPA. Idealizou e coordenou o projeto Resgate da obra cinematográfica de Gerson Tavares, que restaurou o longa-metragem “Antes, o verão” (Gerson Tavares, 1968). Rafael de Luna Freire Autor de numerosos artículos y libros sobre la historia del cine brasileño. Rafael de Luna Freire, es profesor en el Departamento de Cine y Video y en el Programa de Postgrado en Cine y Audiovisual de la Universidad Federal Fluminense - UFF, Niterói, Brasil. Actúa en el área de preservación audiovisual desde hace más de quince años. Fue coordinador de documentación de la Cinemateca del MAM, en Río de Janeiro. Es miembro fundador y exdirector de la Asociación Brasileña de Preservación Audiovisual - ABPA. Idealizó y coordinó el proyecto de rescate de la obra cinematográfica de Gerson Tavares, que incluía la restauración del largometraje “Antes, o verão” (Gerson Tavares, 1968). Rafael de Luna Freire He is the author of numerous articles and books regarding the history of Brazilian cinema. Rafael is professor at the Cinema and Video Department and for the Post-graduate courses on Film and Audiovisual pieces of the Fluminense Federal University (UFF) of Niterói in Brazil. He has been working in the field of audiovisual preservation for over fifteen years and was documentation coordinator for the MAM film archive of Río de Janeiro. He is a founding member and former director of the Brazilian Audiovisual Preservation Association (ABPA), and the individual responsible for devising and coordinating a project relative to the work of filmmaker Gerson Tavares, and the restoration of the feature film “Antes, o verão” (Gerson Tavares, 1968).

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Resumo O artigo destaca a importância dos “periódicos de cinema” como fonte para o conhecimento sobre a história do audiovisual, sendo definidos como revistas ou jornais seriados, publicados em intervalos regulares, cujo tema principal é cinema, mesmo que o seu foco seja dividido com outros meios de comunicação ou divertimentos públicos. Resultado de uma pesquisa em diversos arquivos, o texto analisa o cenário da preservação dos “periódicos de cinema brasileiros antigos”, sendo entendidos como os periódicos de cinema publicados no Brasil até os anos 1960. Refletindo sobre os recentes projetos de digitalização desse tipo de documento, suas limitações e problemáticas, o autor descreve a experiência de gestão do projeto Brazilian Cinema Online, financiado pela editora holandesa Brill e em fase de conclusão, resultando numa base de dados digital de periódicos de cinema brasileiros raros. A reflexão sobre a consultoria do autor nesse projeto é sistematizada numa lista de princípios que são analisados como possíveis contribuições metodológicas para outras iniciativas voltadas para a preservação do patrimônio audiovisual. Palavras-chave: cinema brasileiro; periódicos; digitalização; preservação.

Resumen El artículo destaca la importancia de los “periódicos de cine” como fuente para el conocimiento sobre la historia del audiovisual, definiendo como revistas o periódicos seriados, publicados en intervalos regulares, cuyo tema principal es cine, aunque su foco sea dividido con otros medios de comunicación o diversiones públicas. Resultado de una investigación en diversos archivos, el texto analiza el escenario de la preservación de los “periódicos de cine brasileños antiguos”, entendiendo como tales a los periódicos de cine publicados en Brasil hasta los años 1960. Reflexionando sobre los recientes proyectos de digitalización de ese tipo de documento , sus limitaciones y problemáticas, el autor describe la experiencia de gestión del proyecto Brazilian Cinema Online, financiado por la editorial holandesa Brill y en fase de conclusión, que resultará en una base de datos digital de periódicos de cine brasileños raros. La reflexión sobre la consultoría del autor en ese proyecto es sistematizada en una lista de principios que son analizados como posibles contribuciones metodológicas para otras iniciativas dirigidas a la preservación del patrimonio audiovisual. Palabras clave: cine brasileño; periódicos; digitalización; preservación.

Abstract This article highlights the significance of “cinema publications” as a source of knowledge about the history of audiovisual pieces. Such publications include magazines and series of issues published at regular intervals whose main subject is cinema, even when they may include other means of communication or public entertainment. As the result of a research done on various archives, this text analyzes the scenario for the preservation of “old Brazilian cinema periodicals” defined as cinema publications issued in Brazil until the 1960s. By reflecting upon the recent digitalization projects of this type of documents, along with the limitations and complications involved, the author describes the experience of managing the project entitled Brazilian Cinema Online, financed by the Dutch publishing firm Brill, which is currently in its concluding stage. It will be compiled in a digital database of rare Brazilian cinema periodicals. Reflections regarding the author’s consultancy in that project are systematized into a list of principles analyzed as possible methodological contributions for other initiatives oriented at the preservation of audiovisual heritage. Key Words: Brazilian cinema, periodicals, digitalization, preservation.

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Pesquisa e preservação de periódicos de cinema brasileiros antigos n Objetivos do trabalho

Nos dias atuais, com a ampliação das coleções e acervos digitalizados e acessíveis para consulta pela internet, não restam mais dúvidas sobre a importância da chamada “documentação correlata” – isto é, outros documentos sobre a atividade cinematográfica que não o filme em si – para o estudo e pesquisa sobre a história do cinema e do audiovisual. Um tipo de documento especialmente relevante para o conhecimento sobre a história do cinema são os periódicos de cinema, que aqui defino como revistas ou jornais seriados, publicados em intervalos regulares, cujo tema principal é cinema, mesmo que o seu foco seja dividido com outros meios de comunicação ou divertimentos públicos, como teatro, rádio ou televisão. Partindo do caso da pesquisa e realização da base de dados Brazilian Cinema Online, este artigo se dedica a investigar o estágio atual de preservação dos periódicos de cinema brasileiros antigos, entendidos como os periódicos de cinema publicados no Brasil até os anos 1960. Tomamos como marco final desse recorte o início da revista Filme Cultura, publicada a partir de 1966 pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo - INCE, que se tornaria o mais importante periódico contemporâneo ao chamado cinema brasileiro moderno, marcado pela emergência do Cinema Novo e do Cinema Marginal. Na conclusão do artigo, após discutir as características específicas do projeto Brazilian Cinema Online, apresentarei os princípios que o guiaram, assim como as contribuições metodológicas que esse projeto pode

trazer para outras iniciativas semelhantes voltadas para a difusão e preservação do patrimônio audiovisual em países da Mercosul. n Ações prospectivas

Apesar da importância dos periódicos dedicados especificamente ao cinema, os grandes jornais diários e as populares revistas ilustradas são as fontes mais utilizadas pelos pesquisadores do cinema brasileiro, inclusive por sua disponibilidade, abrangência e tradição. Uma obra fundamental para a consolidação da historiografia do cinema brasileiro, o livro “A bela época do cinema brasileiro”[1] compensava a ausência de cópias de quaisquer filmes brasileiros realizados até 1912 (quase todos desaparecidos) pela coleta de informações em jornais da época, por exemplo, Gazeta de Notícias, e em semanários como Careta e Fon-Fon. O surgimento e desenvolvimento dos periódicos de cinema brasileiros tem uma história singular, já traçada por Hernani Heffner[2]. Em seu texto, Heffner destacou alguns títulos pioneiros do início do século XX, mas indicando a consolidação dessa fatia do mercado editorial somente na década de 1920, a partir de duas publicações que uniram qualidade editorial com altas tiragens: A Scena Muda, posteriormente renomeada A Cena Muda, e principalmente Cinearte. O fato de Cinearte ser uma revista hoje largamente conhecida por qualquer estudioso do cinema brasileiro se deve, entre outros motivos, ao seu recorrente uso como fonte para diversas pesquisas dentre as mais influentes da historiografia do cinema no Brasil. Podemos apontá-la como um dos objetos da primeira tese de doutorado escrita no país sobre história do cinema brasileiro, “Cataguases e Cinearte na formação de Humberto Mauro”, de Paulo Emílio Sales Gomes, defendida em 1972 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Como professor da USP, Paulo Emílio iria incentivar 53


seus orientandos a utilizarem, como ele, periódicos de cinema antigos como fonte para pesquisas históricas, sendo possível ver sua influência em três importantes pesquisas que o próprio Paulo Emílio orientou nos anos seguintes.[3] Se na década de 1970 essas pesquisas dependiam de coleções (muitas vezes frágeis e incompletas) frequentemente disponíveis apenas em poucas bibliotecas e coleções particulares, a partir do advento das novas tecnologias e da expansão da internet, a digitalização e disponibilização crescente de acervos documentais mudaram esse panorama. Iniciativas como a Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional[4] ou a Lantern / Media History Digital Library [5], colocaram, ao alcance de um clique do mouse, milhares de páginas de periódicos de cinema na tela do computador do pesquisador. Entretanto, como já apontou Eric Hoyt, responsável pelo projeto da Lantern, apesar dessa plataforma disponibilizar dezenas de periódicos diferentes, os historiadores, em geral, seguem utilizando as mesmas e já conhecidas revistas de cinema para suas pesquisas. Na visão de Hoyt, há três motivos principais para a negligência dos estudos de cinema com uma variedade de fontes: o acesso, os guias de referência e a tradição[6]. De fato, alguns títulos que ainda hoje são os mais consultados pelos pesquisadores também estiveram mais acessíveis no passado, tanto por um número maior de instituições disporem de coleções físicas para consulta, quanto por terem sido disponibilizados em microfilme antes do advento do digital. As revistas A Cena Muda e Cinearte são um caso em questão, cuja disponibilidade mais ampla em relação a outros periódicos brasileiros de cinema curiosamente se repetiu mesmo no âmbito digital. Afinal, esses dois títulos estão hoje acessíveis digitalmente em duas plataformas – um caso único no Brasil e talvez no mundo. Na década passada, a Biblioteca Jenny Klabin, do Museu Lasar Segall, em São Paulo, desenvolveu, com o patrocínio da Petrobrás, o projeto “Biblioteca Digital das Artes dos Espetáculos”, que digitalizou e deu acesso através 54

de site próprio a coleções completas de A Cena Muda e Cinearte.[7] As revistas podem ser lidas e baixadas (em arquivos coloridos no formato pdf), mas também pode ser feita uma pesquisa através de vocabulário controlado criado pela própria instituição. Alguns anos depois, porém, as mesmas A Cena Muda e Cinearte também foram disponibilizadas digitalmente através do projeto da Hemeroteca Digital Brasileira, que digitalizou a coleção de microfilmes desses títulos da Biblioteca Nacional, tornando-a acessível aos pesquisadores apenas em preto e branco, mas com a novidade da ferramenta de pesquisa diretamente por palavras através da tecnologia de Reconhecimento Ótico de Caracteres (em inglês, OCR). Ou seja, se esses dois títulos eram mais consultados antes de sua digitalização por serem mais acessíveis, essa ênfase permaneceu na atualidade. Segundo Hoyt, o segundo motivo para o privilégio a alguns periódicos em detrimento de outros seria a existência de guias de referência (reference aids) para alguns títulos e não para outros. No Brasil, de meu conhecimento, o único guia de referência para um periódico de cinema foi justamente o de Cinearte.[8] Mas além de guias de referências formais, “conforme os pesquisadores leem os artigos de outros pesquisadores, as próprias notas de rodapé viram guias de referência – levando os pesquisadores de volta para as mesmas fontes e artigos”.[9] Assim, constatamos, mais uma vez, a influência de estudos como o de Paulo Emílio Sales Gomes para a consagração de Cinearte como fonte privilegiada. Isso nos leva ao terceiro e mais importante aspecto, uma vez que “estudiosos de cinema se baseiam num senso de tradição e no cânone para decidir quais fontes ler e citar”.[10] Portanto, não surpreende que novas


pesquisas continuem tomando como fontes principais os periódicos mais citados pelos textos canônicos. Por outro lado, como Hoyt ponderou, faz sentido também que revistas com durações mais longas – por exemplo, A Cena Muda (1921-1955), Cinearte (1926-1942) ou Filme Cultura (1966-1988) – sejam mais consultadas do que outras de existência mais efêmera. Na verdade, conforme destacado por Heffner, esses títulos são exceções num cenário de muitos periódicos de cinema brasileiros que duraram poucas edições, existindo vários que sequer ultrapassaram o primeiro número. Embora faça sentido para o caso brasileiro, o privilégio a poucas e mesmas fontes apontado por Hoyt é mais agudo no contexto norte-americano, em que há um número enorme de periódicos de cinema disponibilizados através, por exemplo, da Lantern. Entretanto, insisto que, mesmo no Brasil, já existe hoje um conjunto significativo de periódicos de cinema disponíveis digitalmente que ainda aguardam o interesse mais intenso dos pesquisadores, sendo possível citar três projetos não vinculados à Hemeroteca Digital Brasileira, iniciativa que tem merecidamente concentrado a atenção dos pesquisadores. O primeiro é a digitalização e republicação em fac-símile de todos os números da já citada Filme Cultura, projeto levado a cabo por uma parceria entre uma ONG e o Centro Técnico do Audiovisual - CTAv, um órgão federal, com o patrocínio da Petrobrás.[11] O segundo projeto focou a revista Cinema em Close Up (1975-1979), digitalizada pela produtora privada Heco Produções a partir de exemplares de dois colecionadores particulares.[12] Por fim, a revista O Fan (1928-1930) foi digitalizada por conta da realização da II Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, em 2008. O evento foi promovido pela Cinemateca Brasileira, instituição que disponibilizou a coleção a ser digitalizada.[13] Ressalto que todos esses projetos foram realizados de forma autônoma e independentes uns dos outros. Apesar da existência de projetos como esses, através de pesquisas em diferentes arquivos e instituições, realizei um amplo levantamento dos periódicos

de cinema brasileiros preservados, mas ainda não digitalizados, que revelou um número significativo de títulos quase totalmente desconhecidos dos historiadores. Essa pesquisa se iniciou durante o meu doutorado[14], em que dedicava especial atenção às décadas de 1930 e 1940, mas buscando fontes que fornecessem enfoques alternativos às revistas de fãs, como o são A Cena Muda e Cinearte. Assim, meu interesse era atraído pela visão oferecida pelas menos estudadas revistas profissionais, tais como O informador da cinematografia (1937-1940) ou ainda Cine Magazine (1932-1938), que se apresentava como uma publicação “à serviço dos exibidores e distribuidores”. O que foi possível constatar nessa pesquisa é que esses raros periódicos de cinema brasileiro ainda desconhecidos se encontravam absolutamente dispersos por diferentes coleções e acervos, espalhados por instituições públicas, privadas e colecionadores individuais, enquanto, de modo geral, as poucas ações de digitalização contínuas restringiam-se ao acervo da Biblioteca Nacional. Já os títulos citados anteriormente, pertencentes a outros acervos, foram digitalizados através de projetos individuais, com patrocínios pontuais, geralmente de empresas estatais, quase sempre a Petrobrás. E os projetos absolutamente não dialogaram entre si, chegando ao caso de as mesmas revistas serem digitalizadas duas vezes, por duas instituições diferentes. Além disso, os riscos envolvidos em projetos isolados de digitalização ficam evidentes no caso da revista Filme Cultura. Inteiramente digitalizada e disponibilizada na internet, após a conclusão do

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projeto (e o fim do patrocínio), o site ficou inacessível durante anos, impedindo a consulta ao periódico. Felizmente, o mesmo projeto publicou fac-símiles de todas as edições da revista, em cinco volumes encadernados, cujas cópias físicas são facilmente encontradas em bibliotecas e arquivos de todo o Brasil.[15] n Desenvolvimento do projeto de gestão

Em 2015, minha pesquisa sobre periódicos de cinema brasileiros antigos teve continuidade com o convite feito para prestar consultoria a um projeto da editora holandesa Brill. Tendo como um de seus produtos bases de dados de fontes primárias cujo acesso é vendido, sobretudo, às bibliotecas das grandes universidades dos Estados Unidos e Europa, a Brill vinha do lançamento de Classic Mexican Cinema Online, base de dados formada pela digitalização de coleções de revistas mexicanas como Cinema Reporter (1943-1965), pertencentes ao acervo da Filmoteca de la UNAM (Universidad Nacional Autónoma de México).[16] Enquanto nos Estados Unidos é mais frequente a existência de bases de dados com acesso pago (pelo indivíduo ou pela instituição) – tais como ocorre no Brasil com os sites de acervos históricos de jornais como O Estado de S. Paulo ou O Globo, restritos a assinantes[17] –, na América Latina a tradição tem sido de projetos de digitalização de acervos ligados a história do cinema financiados pelo Estado e de acesso universal.[18] Dessa maneira, o projeto batizado de Brazilian Cinema Online soava como novidade no cenário latino-americano. Além disso, a proposta da Brill vinha ao encontro da minha percepção da existência de um vasto acervo de periódicos de cinema brasileiros antigos na posse de colecionadores e instituições privadas que dificilmente seriam digitalizados num cenário que privilegiava projetos pontuais, concentrados em um único título, patrocinados por empresas estatais, ligados a acervos de instituições públicas e com o objetivo de disponibilização gratuita na internet. Destoando desse modelo, a principal coleção da base de dados Brazilian Cinema Online é a da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de 56

Janeiro (MAM), instituição privada sem fins lucrativos. Minha participação no projeto Brazilian Cinema Online consistiu em selecionar periódicos de cinema brasileiros do início do século XX até a década de 1960, em domínio público, do acervo da Cinemateca do MAM e de colecionadores privados, para serem digitalização. Eles formarão uma base de dados que permitirá pesquisas por palavras no conteúdo dos documentos através de OCR. Um critério de seleção foi não incluir títulos que também existissem em acervos de instituições públicas como a Cinemateca Brasileira ou a Biblioteca Nacional, que pudessem vir a ser futuramente digitalizados, de modo a evitar duplicidade de ações. Talvez a principal novidade trazida pelo projeto foi a colaboração de colecionadores privados, mantidos anônimos, que enriqueceram fundamentalmente a coleção que compõe a base de dados com periódicos inexistentes nos principais arquivos, bibliotecas e cinematecas, e, portanto, quase inteiramente inacessíveis aos pesquisadores em geral até o momento. A contrapartida dos colecionadores para sua participação no projeto é o acesso gratuito à base de dados resultante, mas sua colaboração se deveu fundamentalmente a relações pessoais previamente estabelecidas que motivaram a confiança no projeto. Enquanto a base de dados Brazilian Cinema Online será comercializada pela Brill, visando especialmente as grandes instituições estrangeiras, qualquer pesquisador poderá ter acesso a ela através de consulta local que será franqueada num terminal de acesso na própria Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, garantindo, mesmo que de forma mais restrita, o livre acesso às informações. A instituição também manterá os arquivos digitais para fins de preservação. Atualmente em fase final, a coleção incluída no projeto


Brazilian Cinema Online irá definitivamente ampliar o horizonte do pesquisador de história do cinema, fomentando novos estudos e permitindo perspectivas originais ao trazer vários exemplares de tipos de periódicos de cinema hoje pouco pesquisados, para além das populares revistas de fã ou das prestigiadas revistas de crítica. Dentre os tipos de periódico menos conhecidos que pude identificar durante a pesquisa, é possível destacar pelo menos cinco: 1 – Periódicos locais: publicações de circulação regional, basicamente restritas a cidades ou regiões fora do eixo Rio-São Paulo, como a totalmente desconhecida Fan, publicada em Porto Alegre a partir de 1932. 2 – Periódicos de estúdios e distribuidores: Aqui se incluem tanto versões brasileiras de periódicos publicados pelas majors norte-americanas, como Mensageiro Paramount (1925-1931) – redigida em português, mas em Nova York – até revistas produzidas por estúdios brasileiros, como a carioca Flama Repórter (1952-1953). 3 – Periódicos de exibidores: São tênues as diferenças entre esse tipo de periódico e os simples folhetos que traziam a programação de salas ou circuitos de cinema. Além das mesmas informações básicas dos chamados “programas”, esses periódicos seriados traziam ainda crônicas, notícias e sessões de passatempo que os tornavam excelentes brindes, sendo geralmente distribuídos gratuitamente aos frequentadores das salas. Esse era o caso do Programa Serrador (1926-1928), publicação do poderoso exibidor Francisco Serrador. 4 – Periódicos para exibidores. Esse tipo de revista trazia

seu público-alvo geralmente no título, como Jornal do Exibidor (1937-1941) ou Revista do Exibidor (1952-1954), sendo frequentemente mantido através de anúncios de empresas distribuidoras de filmes ou fornecedoras de equipamentos para as salas de exibição. Este talvez seja o mais popular dos subgêneros das revistas profissionais no Brasil, mantendo-se até hoje. 5 – Fotonovelas de filmes – Uma verdadeira febre editorial no Brasil entre as décadas de 1950 e 1970, com títulos recordistas de vendas como Grande Hotel, Capricho e Sétimo céu, as revistas com fotonovelizações de filmes representam um pouco estudado subgênero das revistas de fotonovelas. Apesar de terem existido inúmeros periódicos desse tipo no Brasil – Cine Romance, Cine Revelação, Fotonovelas e filmes são alguns títulos – praticamente inexistem coleções completas nos principais arquivos. Na verdade, é difícil até mesmo listar todos os títulos publicados. Evidentemente que, além dos títulos incluídos na base de dados Brazilian Cinema Online, ainda restam diversos periódicos de cinema ainda não digitalizados e que demandam esse tipo de ação como forma de facilitar e ampliar seu acesso, sem prejuízo à preservação dos originais. Como os filmes brasileiros antigos – muitos dos quais se perderam irremediavelmente e infelizmente não podem mais ser vistos –, diversas revistas parecem ter desaparecido. Durante a proto-historiografia do cinema brasileiro, as maiores coleções de periódicos de cinema antigos encontravam-se nas mãos de jornalistas, críticos e colecionadores veteranos. Infelizmente, muitas dessas coleções se perderam ou se dispersaram após a morte desses pioneiros historiadores, podendo ser citado o desconhecido destino da célebre coleção do pesquisador Michel do Espírito Santo. Para ampliar o acervo incorporado ao projeto Brazilian Cinema Online, contei com uma pequena verba que me permitiu adquirir em sebos e leilões virtuais exemplares que constatei não existir nas instituições pesquisadas. Não foi tarefa simples. Em sites de venda como Mercado Livre[19], por exemplo, encontram-se facilmente exemplares de Cinearte à venda, mas para garimpar revistas mais 57


raras são necessários paciência, atenção e, sobretudo, conhecimento. Muitos periódicos certamente ainda existem exclusivamente na mão de particulares, pois mesmo quando as coleções chegavam aos arquivos, elas não eram imunes a extravios. No catálogo online do acervo da Funarte, órgão federal que herdou parte da documentação do INC - Instituto Nacional de Cinema e da Embrafilme, ainda constam periódicos como De Theatro: circo, cinema, rádio, cassinos (1910), Cine-Theatro (1918) ou Radio-Cine-Theatro: illustrado (1937), supostamente preservados no setor de Obras Raras, mas que hoje são considerados desaparecidos pelos funcionários da instituição.[20] Por fim, também como os filmes, muitas revistas hoje sobreviveram apenas em fragmentos, como capas e páginas avulsas ou exemplares isolados, resquícios preciosos encontrados, sobretudo, em acervos pessoais. Localizei uma raríssima capa de A Fita, de 1921, no Acervo Pedro Lima, preservado no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, do mesmo modo que uma capa da desconhecida Cineasta, de 1929. A mesma instituição mantém o Acervo Sylvia Perrone Guimarães que guarda a capa da recifense Correio Cinematográfico, exemplar de 1934. Uma última menção pode ser feita à única edição conhecida da revista Metrogramma, de 1928, publicada pela Metro-Goldwyn-Mayer, e hoje parte do acervo do colecionador Ivo Raposo, mantido em seu sítio em Conservatória, interior do Estado do Rio de Janeiro. n Conclusões

O objetivo de minha participação na base de dados Brazilian Cinema Online foi ampliar a quantidade e variedade de documentos hoje à disposição dos pesquisadores. E o objetivo deste artigo não foi apenas descrever a realização desse projeto, mas refletir sobre as ações de preservação do patrimônio cinematográfico brasileiro (tendo como foco os periódicos de cinema), propondo alguns princípios que devem nortear boas práticas para a salvaguarda desses acervos. 58

Como síntese, estão listados abaixo alguns princípios de gestão que minha consultoria ao projeto Brazilian Cinema Online tentou aplicar com resultados que considero relevantes. Esses princípios podem auxiliar a gestão de projetos futuros, sendo sintetizados nos cinco pontos abaixo: 1 – Parceria com empresas privadas nas ações de digitalização com fins de acesso e preservação. 2 – Integração de diferentes acervos, incluindo coleções de instituições e de pessoas físicas. 3 – Diálogo entre colecionadores, pesquisadores e arquivos. 4 – Verba para aquisição de acervos. 5 – Garantia de continuidade e manutenção das ações. n Metodologia

Co m o co n t r i b u i ç ã o p a r a n ov a s i n i c i a t i v a s , descreverei resumidamente como cada um dos princípios apontados acima foi perseguido ou desenvolvido pelo projeto Brazilian Cinema Online. 1 – O financiamento do projeto pela editora holandesa foi o que permitiu sua realização num cenário atual de grave crise econômica no Brasil, quando praticamente não estão sendo desenvolvidos outros projetos voltados para a preservação do patrimônio audiovisual. Tendo como base a exploração comercial do mercado estrangeiro, o projeto Brazilian Cinema Online vai contribuir, inclusive, com as atividades da Cinemateca do MAM, uma vez que a instituição brasileira irá receber royalties referentes à comercialização da base de dados.


2 – O fato de não ser um projeto vinculado a somente uma instituição permitiu expandir o escopo de documentos digitalizados, incluindo, por exemplo, acervos de colecionadores particulares. Além disso, o fato de Brazilian Cinema Online ter um foco mais amplo, permitiu incluir coleções incompletas (às vezes um único exemplar de um título), fugindo da exigência de completude que tradicionalmente caracteriza os projetos autônomos de digitalização (coleções completas de um único título). Ou seja, teve abrangência semelhante à da Hemeroteca Digital Brasileira, mas com ainda mais flexibilidade por não se restringir ao acervo de uma única instituição como no projeto da Biblioteca Nacional.

5 – O produto final do projeto Brazilian Cinema Online é uma base de dados mantida pela Brill cujos clientes pagam para terem seu acesso liberado através de IP – Internet Protocol. Pela própria natureza do produto, que só pode ser comercializado estando plenamente disponível online, tem-se a garantia de que não irá ocorrer uma descontinuidade do site como se deu com a revista Filme Cultura. Ao mesmo tempo, foi acordado entre a Brill e a Cinemateca do MAM que a instituição brasileira manterá um back up de todos os arquivos digitais produzidos pelo projeto para fins de preservação, com o único compromisso de não os disponibilizar na internet.

3 – O projeto Brazilian Cinema Online só pode abarcar um número significativo de documentos pela rede de contatos (inclusive pessoais) que os consultores do projeto colocaram à disposição. Como já foi dito, uma pesquisa acadêmica prévia foi fundamental no levantamento e localização dos documentos a serem digitalizados, reforçando a importância, às vezes subestimada, de uma curadoria em projetos desse gênero. O tempo mais extenso para a realização do projeto – diferentemente dos prazos às vezes irreais dos editais de patrocínio cultural – permitiu uma pesquisa mais demorada que gerou bons frutos, como a descoberta de uma improvável coleção quase completa de Jornal do Cinema (1951-1957) na Biblioteca da New York University - NYU, a única instituição estrangeira que teve documentos incluídos na base de dados.

Por fim, não é o objetivo desse artigo defender o projeto Brazilian Cinema Online como um modelo ideal, mas apresentar suas características e refletir sobre as contribuições que sua curadoria e realização podem trazer para outras iniciativas voltadas para a preservação e difusão do patrimônio audiovisual latino-americano.v

4 – A disponibilização de uma pequena parte do orçamento para compra de novos documentos que pudessem ser incorporados ao projeto – doados ao acervo da Cinemateca do MAM após a digitalização – é uma ação simples, mas com resultados muito positivos. Até a etapa final do projeto continuaram sendo adquiridos novos exemplares que completavam coleções como a da longeva, mas jamais estudada Cine Revista (1934-1951). 59


Notas

1 – Araújo, Vicente de Paula. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1976. 2 – Heffner, Hernani, “Pequena história dos periódicos de cinema no Brasil”, Filme Cultura, n.53, 2012. 3 – Pode-se citar a dissertação de mestrado de Ismail Xavier, “A procura da essência do cinema: o caminho da Avant-Garde e as iniciações brasileiras”, de 1975, utilizando não apenas Cinearte, mas também A Tela e O Fan; a tese de doutorado de Maria Rita Galvão, “Companhia Cinematográfica Vera Cruz: a fábrica de sonhos. Um estudo sobre a produção cinematográfica industrial paulista”, de 1976, apoiada na leitura sistemática de A Cena Muda no período de existência da companhia cinematográfica paulista; ou na tese de doutorado de Flora Chistina Bender, “A Scena Muda”, de 1979, dedicada a historiar a própria existência desse periódico que atravessou quatro décadas. Somente os dois primeiros trabalhos foram publicados em livro (Xavier, 1978, Galvão, 1981). 4 – Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital 5 – Disponível em: http://lantern.mediahist.org 6 – Hoyt, Eric, “Lenses for Lantern: Data Mining, Visualization, and Excavating Film History’s Neglected Sources”, Film History: An International Journal, v. 26, n. 2, 2014, p.153. 7 – Disponível em: http://www.bjksdigital.museusegall.org.br/ 8 – Silva, Osmar José Guimarães da; Ramos, Lécio Augusto; Bravo, Lúcia Maria Pereira. Índice Revista Cinearte. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986. 9 – Hoyt, op. cit., p.154 10 – Ibid. 11 – Disponível em: http://hmg.revista.cultura.gov.br/colecao/filme-cultura/ 12 – Disponível em: http://portalbrasileirodecinema.com.br/cinemaemcloseup 13 – Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/jornada/2008/colecoes_fan.html 14 – Freire, Rafael de Luna, Carnaval, mistério e gangsters: o filme policial no Brasil (19151951) – Tese de Doutorado. Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2011. 15 – Após ter retornado ao ar algumas vezes, quando esse artigo foi originalmente escrito, em junho de 2017, o site original (http://www.filmecultura.gov.br) permanecia inacessível. Coincidentemente, algumas semanas depois a coleção voltou a ser disponibilizada em novo endereço (http://revista.cultura.gov.br). 16 – Disponível em: http://www.brill.com/products/online-resources/classic-mexican-cinema-online 17 – Disponíveis em: http://acervo.estadao.com.br/ e http://acervo.oglobo.globo.com/ 18 – Navitski, Rielle, “Reconsidering the Archive: Digitization and Latin American Film Historiography”, Cinema Journal, v.54, n.1, 2014. 19 – Disponível em: http://www.mercadolivre.com.br/ 20 – Disponível em: http://cedoc.funarte.gov.br/sophia_web/. Conforme pesquisa presencial realizada pelo autor no Cedoc da Funarte, no Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 2017.

Bibliografia Araújo, Vicente de Paula. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1976. Freire, Rafael de Luna, Carnaval, mistério e gangsters: o filme policial no Brasil (1915-1951) – Tese de Doutorado. Niterói, Universidade Federal Fluminense, 2011. Galvão, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981 Gomes, Paulo Emílio Salles. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, 1976. Heffner, Hernani, “Pequena história dos periódicos de cinema no Brasil”, Filme Cultura, n.53, 2012. Hoyt, Eric, “Lenses for Lantern: Data Mining, Visualization, and Excavating Film History’s Neglected Sources”, Film History: An International Journal, v. 26, n. 2, 2014: p.153. Navitski, Rielle, “Reconsidering the Archive: Digitization and Latin American Film Historiography”, Cinema Journal, v.54, n.1, 2014. Silva, Osmar José Guimarães da; Lécio Augusto Ramos; Bravo, Lúcia Maria Pereira. Índice Revista Cinearte. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986. Xavier, Ismail. A sétima arte: um culto moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978.

Webgrafia Acervo Estadão: http://acervo.estadao.com.br/ Acervo O Globo: http://acervo.oglobo.globo.com/ Banco de Teses sobre Cinema Brasileiro, Mnemocine - http://teses.l2o.com.br/cgi-bin/wxis. exe/iah/scripts/?IsisScript=iah.xis&lang=pt&base=PRODC

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Biblioteca Digital das Artes dos Espetáculos: http://www.bjksdigital.museusegall.org.br/ Centro de Documentação e Informação da Funarte: http://cedoc.funarte.gov.br/sophia_ web/ Cinema em Close Up: http://portalbrasileirodecinema.com.br/cinemaemcloseup Classic Mexican Cinema Online: http://www.brill.com/products/online-resources/classic-mexican-cinema-online Coleções especiais - O Fan: http://www.cinemateca.gov.br/jornada/2008/colecoes_fan.html Filme Cultura: http://www.filmecultura.gov.br /http://hmg.revista.cultura.gov.br/colecao/ filme-cultura/ Hemeroteca Digital Brasileira: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital Lantern – Media History Digital Library: http://lantern.mediahist.org Mercado Livre: http://www.mercadolivre.com.br/

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FOTO Art. 5

Filme OVERAVA. Diretor: Mauricio Rial Banti. Produtor: Gabriela Cueto. PaĂ­s: Paraguai DocTV Latin America.

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Atrás dos Fantasmas da guerra Tras los Fantasmas de la guerra After the Ghosts of War Categoría 2 / Categoria 2 / Category 2: Projetos de gestão no campo do patrimônio audiovisual / Proyecto de gestión en el campo del patrimonio audiovisual. / Management projet in the field of audiovisual patrimony Eje temático: b) Abordajes históricos / Eixo temático: Abordagens: históricas / Main theme: b) Historical approaches

Autor / Autor / Author: Alejo Magariños,

Argentina

Alejo Margariños Alejo Magariños (Buenos Aires, 1981). Professor, produtor e intérprete de conferências. Formou-se em realização cinematográfica pela Universidade del Cine (Argentina) e posteriormente como intérprete de conferências. Como resultado de sua tese de formatura e de uma extensa pesquisa, publicou em 2014 o seu livro La Cámara sin Ley, que analisa a história do audiovisual paraguaio, através do estudo de caso do filme Hamaca Paraguaya (Paz Encina, 2006). Alejo Margariños Alejo Magariños (Buenos Aires, 1981). Profesor, productor e intérprete de conferencias. Se formó en realización cinematográfica en la Universidad del Cine (Argentina) y posteriormente como intérprete de conferencias. Resultado de su tesis de licenciatura y una extensa investigación, publica en 2014 su libro La Cámara sin Ley, que analiza la historia del audiovisual paraguayo a través del caso de estudio del film Hamaca Paraguaya (Paz Encina, 2006). Alejo Margariños He is a professor, a producer and an interpreter at conferences. He attended courses relative to filmmaking at the Film University of Argentina, and later studied conference interpreting. Based on his final thesis for his BA degree, in combination with a lengthy research work, his book entitled “La Cámara sin Ley” was finally published in 2014, where he analyzes the story of the Paraguayan audiovisual piece with the study case of the film “Hamaca Paraguaya” (Paz Encina, 2006).

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Resumo

Esta pesquisa recupera as diferentes representações cinematográficas que trataram sobre a Guerra da Tríplice Aliança nos quatro países que participaram do conflito bélico: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, posteriores fundadores do MERCOSUL. Ela compila evidência das primeiras produções –algumas perdidas e outras em grave estado de deterioração– além de analisar os longas-metragens documentários e de ficção realizados até a atualidade, organizando-os em um corpus. A partir da pesquisa, foram realizadas propostas de gestão para colocar em valor o patrimônio audiovisual relacionado com o conflito armado que está completando 150 anos, que continua sendo banido da memória cultural dos nossos países. Palabras clave: cinema, guerra, tríplice, alianza.

Resumen La presente investigación recupera las diferentes representaciones cinematográficas que trataron la Guerra de la Triple Alianza en los cuatro países que participaron del conflicto bélico, Argentina, Brasil, Uruguay y Paraguay, posteriores fundadores del Mercosur. La misma recopila evidencia de las primeras producciones –algunas perdidas y otras en grave estado de deterioro– además de analizar los largometrajes documentales y de ficción realizados hasta la actualidad, organizándolos en un corpus. A partir de la investigación, se realizan propuestas de gestión para poner en valor el patrimonio audiovisual relacionado con el conflicto armado del cual se están cumpliendo 150 años, y que sigue estando relegado en la memoria cultural de nuestros países. Palabras clave: cine, guerra, triple, alianza.

Abstract This research retrieves the various film representations that dealt with the Triple Alliance War in the four countries that were part of this conflict: Argentina, Brazil, Uruguay and Paraguay, which would later found the southern common market known as Mercosur. It is a compilation of evidence from the initial productions –some of them were lost and others were seriously damaged. An analysis was also made of the documentary and fiction full-length films made to this date, including their classification into a collection. Based on the research work, management proposals were promoted oriented at the enhancement of the audiovisual heritage relative to the armed conflict that took place 150 years ago and continues to remain in the background of these countries’ cultural memory. Key Words: war, films, triple, alliance

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Atrás dos fantasmas da Guerra Mitos, lendas e incertezas históricas na representação cinematográfica da Guerra da Tríplice Aliança A memória da guerra no cinema O cinema, conforme surgiu no final do século XIX, de forma paralela à emersão dos Estados-nacionais modernos. Seguindo Michel Frodon em seu ensaio La proyección Nacional [1], Estado e cinema nasceram também por meio do mesmo mecanismo: a projeção. Isto é, os Estados, suas fronteiras e inclusive sua identidade, são o resultado da imaginação coletiva, da ideia que projetamos como sociedade em conjunto de nós mesmos. Ao mesmo tempo, desde suas origens, o cinema deu grande importância aos relatos relacionados com as guerras. Seja os documentários que surgiram de conflitos armados desde os albores do cinema, ou as grandes histórias da Segunda Guerra Mundial, a conquista do oeste norte-americano e a guerra fria — assuntos prediletos do cinema – o tema da guerra não é, de modo algum, alheio. A Guerra da Tríplice Aliança fez parte do processo de construção dos estados-nações atuais já que, por exemplo, nem todos contavam anteriormente com um exército cuja proteção primigênia fora definida por meios preexistentes ao cinema. Ela definiu, ainda, as fronteiras dos estados partes, exceto a fronteira boliviano-paraguaia, que foi definida 50 anos depois com outra guerra. No entanto, a Guerra da Tríplice Aliança -que tem mais de sete nomes- não foi um assunto dos prediletos pela produção cinematográfica dos países que participaram do conflito; nem, certamente, de outros países mais alheios a ele. Essas escassas produções nem sequer estão contabilizadas, sistematizadas nem analisadas

em conjunto, mas sim espalhadas nas histórias das cinematografias nacionais. Portanto, o propósito aqui é fazer um levantamento de todas as produções que guardem uma relação com a guerra, onde ela seja abordada direta ou indiretamente. Esta guerra não produziu registros audiovisuais diretos, já que as primeiras câmeras de cinema foram criadas anos depois da finalização do conflito. A representação foi sempre «indiretamente» no cinema. Embora já existissem daguerreótipos, fotografias, desenhos e esboços que serviram para retratá-la de forma direta, destacando os quadros de Cándido López, nela não foi registrada nenhuma imagem em movimento. Contudo, já existia uma série de dispositivos que tinham criado a ilusão de imagens em movimento ou a projeção de imagens atualmente chamadas de «dispositivos pré-cinema», geralmente apresentados na época em feiras itinerantes como «a última maravilha da ciência», em uma época cheia de inventos e inventores. Na década da guerra (1870) já existiam zootrópios, estroboscópios, lanternas mágicas, panoramas e dioramas, dentre outros. Sabemos que pelo menos alguns desses dispositivos já tinham chegado a Buenos Aires, Rio e outras cidades da região [2]. Contudo, não achamos dados que nos indiquem que a guerra tenha sido por eles representada. Passemos, então, ao corpus das produções cinematográficas relacionadas. Erro404: Arquivonãoachado.Primeirasrepresentações Foi depois da guerra quando começaram a aparecer algumas representações cinematográficas dela, do tipo documentário. O Brasil liderou essa primeira etapa, conforme é refletido no catálogo da Cinemateca Nacional Brasileira : Comemoração de uma data Nacional: A batalha de Riachuelo,(1908) curta65


metragem documental sobre a comemoração oficial da batalha homônima; outro breve documentário de 1910 sobre uma nova comemoração da mesma batalha; Homenagem aos heróis de Tuyuty, (1914), breve documentário desaparecido. Em 1917, a primeira edição sobre a guerra chegaria, intitulada Os heróis brasileiros na guerra do Paraguai, filme que também se perdeu. n Alma do Brasil: O re-enactment de Retirada da Laguna

O primeiro grande filme sobre um dos episódios da Guerra da Tríplice Aliança foi Alma do Brasil (Brasil, 1932, 54’), de Libero Luxardo, filme que foi conservado até hoje. Realizado no estado brasileiro mais envolvido na guerra, Mato Grosso do Sul, combina cenas documentais de uma comemoração esportiva, com uma recriada comemoração do exército desse ano e uma reconstrução em ficção da Retirada da Laguna. Alma do Brasil é o primeiro filme importante sobre a guerra que chega aos nossos dias e o último por um considerável período. É notório o trabalho envolvido na ré-encenação dramática de um episódio de guerra. No mundo saxão, batalhas de diferentes guerras são ré-encenadas (em inglês, Re-enactment), uma tradição que remonta ao império romano e foi popularizada na Inglaterra no século XVII, onde ainda hoje é uma prática em vigor. Eventos de qualidade educacional ou recreativos são recriações de fatos históricos com diferentes níveis de exatidão histórica. Nesse sentido, Alma do Brasil realiza um trabalho de memória mais do que interessante, que se relaciona com certa tradição de re-enactments ou comemorações populares da Guerra da Tríplice Aliança existente na região, ainda pouco reconhecida. Revisitando o esquecimento: alguns toques

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documentários Em 1932 se desencadeia a Guerra do Chaco e para ela se viram as câmeras. A produção cinematográfica sobre a Guerra do Chaco e sua comparação com a representação da Guerra da Tríplice Aliança merece uma análise específica que iniciamos com motivo desta pesquisa. Por longo tempo, a Guerra da Tríplice Aliança parecia esquecida pelo cinema. Nesse período, achamos escassas exceções no Brasil, algumas de origem, a simples vista, militar: um jornal de notícias que filma uns monumentos da guerra em 1939; um curta-metragem sobre o Duque de Caxias ; um episódio do noticiário Cine Jornal Brasileiro, de 1941, que registrou uma palestra sobre a batalha de Tuyuty no Rio de Janeiro; em 1945, outro noticiário que registra uma nova comemoração da batalha de Riachuelo. Em 1963 foi filmado, no estado do Mato Grosso, Aniversário da Cidade (Saddi, Filme Corumbá). Esse curioso filme é o segundo re-enactment histórico da guerra. Aniversário da Cidade retrata a recriação oficial do episódio conhecido como Retomada de Corumbá, sendo o segundo caso audiovisual de réencenação histórica. n Dois olhares do cinema industrial

Em 1944, Artistas Argentinos Associados produziu Su mejor alumno (DeMare, Argentina, 1944). Realizado em branco e preto, em 35 mm, este filme histórico está baseado nos relatos autobiográficos de Sarmiento. Com toda a infraestrutura e desenvolvimento de produção do período de ouro do cinema industrial argentino, o filme contou com o apoio especializado do Ministério da Guerra para a reconstrução das cenas de batalhas, que utilizam, ainda, os quadros de Cándido López como referência. A guerra aparece repentinamente no final do filme, quando o filho de Sarmiento vai lutar para Tuyutí. A reconstrução dessa batalha é a de maior escala que fora realizada sobre a guerra. Em 1959 foi estreado La Sangre y la Semilla (35mm, BYN), segunda coprodução argentino-paraguaia de cinema industrial, um longa-metragem de ficção de


época baseado na novela Raízes de la Aurora de Mario Halley Mora, adaptada para o cinema por Roa Bastos. Trata-se da história da Panchita, uma mulher paraguaia grávida que perde seu marido, um general do exército paraguaio, na frente de batalha. Narrado do ponto de vista de um Paraguai ocupado, Panchita sobrevive em um povoado isolado, abandonado no meio da fuga do Cerro Corá. Este filme é o primeiro deste corpus cujo personagem central é uma mulher, uma paraguaia que carrega consigo a esperança de reconstruir o país, que viveu a guerra de perto. O filme mostra para nós, ainda, os tesouros escondidos ou pláta yvyguy, esses míticos tesouros custodiados por almas penadas que serão um tema central em relatos cinematográficos mais atuais. Por outra parte, essa é a primeira aparição neste corpus dos diálogos em guarani, um dos grandes sobreviventes da guerra. La Sangre y la Semilla foi recentemente restaurado e isso é uma grande notícia. Raíces de la Aurora, a novela em que o filme se baseia, continua inédita. Talvez seja uma boa oportunidade histórica para editá-la. n O labirinto de espelhos do nacionalismo

Entre 1964 e 1970, a Guerra da Tríplice Aliança completa o primeiro centenário. Do ponto de vista cinematográfico, esse período é um grande fantasma da memória. É uma iniciativa privada que, em 1971, rememora o centenário da guerra: Argentino até a morte. Seu título, de tom nacionalista, contrasta com sua crítica antinacionalista, que parece augurar a década que seguiu na Argentina. Esse filme histórico narra, entre o drama e a comédia, as vidas de três amigos de Buenos Aires que se alistam ao exército. Seu protagonista, Roberto Rimoldi Fraga, era uma figura do star-system portenho, ator e cantor. Em sua sequência de títulos iniciais, vemos as inesquecíveis pinturas de

Cándido López. A ação situa-se em Buenos Aires, na alta sociedade portenha e os debates prévios à guerra e depois na frente, em Corrientes. Ali, o exército aliado toma como hospital de campanha a casa de uma mulher paraguaia, por quem o protagonista se apaixona. Novamente, a mulher paraguaia é um personagem central, colocada no cruzamento entre o colaboracionismo e a contrainteligência, sendo o único filme que trata um tema tão recorrente no cinema como as guerras da espionagem. O filme tem, ainda, cenas de batalha, especialmente da batalla de Tuyutí. São ali mostradas bandeiras dos países participantes, como lembrança para o público e amostra do desconhecimento geral de tão cruenta guerra. Em 1978 foi realizado o primeiro filme em 35 mm integramente paraguaio, Cerro Corá, (G. Vera, Paraguai, 1978). Este filme foi visto pela grande maioria da população urbana paraguaia. Este é o primeiro exemplo neste corpus de um filme comissionado diretamente por um governo central que trata especificamente da Guerra da Tríplice Aliança, realizado para gerar uma imagem identitária estatal. O filme mostra a busca de Alfredo Stroessner por render culto à figura recriada do Mariscal López como forma indireta de apoiar a ideia de um governo fortemente personalista. Assim, o filme narra a história do Mariscal López e a guerra, desde o início das hostilidades até sua morte em Cerro Corá. Apesar das pobres atuações e diálogos forçados, trata-se de um filme lembrado por todos os paraguaios, um marco indiscutível na cinematografia e política do país, um núcleo da projeção identitária indiscutível na cinematografia e política do Paraguai, mais além de posturas políticas. É, ao mesmo tempo, uma reconstrução histórica onde estão presentes muitos dos grandes tópicos da guerra: o Mariscal López, Elisa Lynch, os meninos soldados, a mulher paraguaia e a reunião em Yatayty Corá. Sobre esse encontro, este e outros filmes trabalham ao redor da incerteza histórica que existe sobre os termos do acordo de paz oferecido por López, que tanto López como Mitre levaram consigo ao túmulo.

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Em 1982, durante a ditadura no Uruguai, foi realizada a única produção uruguaia referida à Guerra da Tríplice Aliança até o presente: Mataron a Venancio Flores (J. Rodríguez Castro, Uruguai, 1982). Filme de ficção, trabalha sobre a violência estatal no século XIX para falar, ao mesmo tempo, da ditadura uruguaia no século XX. n A guerra como pasticho pós-moderno

e a mudança de era Em 1987 Sylvio Back, documentalista brasileiro, realiza A guerra do Brasil. No Brasil de democracia incipiente, esse filme surge em um contexto audiovisual bem diferente, após o advento do vídeo e da plasticidade que ele trouxe. Esse filme constitui um «pasticho pósmoderno» -entendido segundo Jameson [3]- que coleta materiais de arquivo de Cerro Corá, Alma do Brasil, Argentino hasta la muerte e Aniversário da Cidade e os combina com pinturas de Cándido López, obras de desenho e pintura de artistas brasileiros e planos de talking heads próprios da linguagem da televisão. Uma entretida crítica ao papel que o Brasil teve na Guerra, emoldurado na prolífica e diversa obra de Back, o filme apresenta uma revisão dos sucessos da guerra e inaugura um novo nível de densidade na representação dela ao operar como intertexto, já não só com arquivos, desenhos e pinturas da guerra, mas também realizando as primeiras intertextualidades fílmicas, que incluem algumas citações diretas. n Filmes bibliográficos, novelas e fantasmas

Na literatura das últimas décadas, tem se observado um auge das novelas históricas, tanto na Argentina como no Brasil. Algumas dessas novelas tratam, direta ou indiretamente, sobre a Guerra da Tríplice Aliança e algumas têm sido adaptadas para o cinema. Entre os exemplos deste grupo achamos Mauá: O Imperador e o Rei (Sergio Rezende, Brasil, 1999), Netto perde sua alma (Souza/Ruas, Brasil, 2001), A paixão de Jacobina (Brasil, 2002), Ana Neri, capítulo da série Brava Gente (Globo, Brasil, 2002), Felicitas (Costantini, Argentina, 2009), Eliza Lynch: Queen of Paraguay (Gilsenan, Irlanda, 2013), O Tempo e o Vento (Monjardim, 68

Brasil, 2013) – com grande sucesso de público, levando mais de 700.000 espectadores às salas-, El cielo del centauro (Santiago, Argentina/Francia, 2015). Em muitos desses filmes, achamos retratos de mulheres fortes e transgressoras, que lutam por modificar o curso das coisas; heroínas transgressoras, modernas e combativas. n Documentários Corais

Dois documentários digitais argentinos compartilham a conceição da história como narrativa e, por isso, ambos se interessam pelas incertezas históricas, episódios que mostram mais bem um relato construído dos fatos do que informações verídicas que deles tenhamos. Ao mesmo tempo, ambos os documentários mostram uma multiplicidade de vozes entrevistadas. Cándido López: Los campos de batalla (J. L. García, Argentina, 2005) reconstrói a vida do pintor/soldado Cándido López. Segundo o documentalista narra, e ao mesmo tempo protagonista explícito de seu próprio documentário, seu interesse pela obra de López se uniu à casualidade de conhecer um neto do pintor, já maior, que desejava percorrer os campos de batalha que Cándido pintara. Através da sua obra, o documentarista empreende esse percurso junto com um amigo do neto de López, visitando os diferentes campos de batalha retratados por Cándido López, entrevistando historiadores, moradores, militares e habitantes da região. Retomando a intertextualidade pós-moderna iniciada por A guerra do Brasil, García mostra o esquecimento oficial em muitos locais históricos e reconstrói uma espécie de transmissão oral do conflito por meio dos saberes dos moradores locais. Inevitáveis nesses relatos, os fantasmas da Guerra da


Tríplice Aliança aparecem, neste caso como um exército inteiro que emerge em umas trincheiras. Contra Paraguay (F. Sosa, Argentina, 2016) tem como eixo narrativo um churrasco de historiadores jovens em Buenos Aires, onde diversos temas da guerra e suas versões são discutidos. Ao mesmo tempo, o filme guarda algumas semelhanças com aquele realizado por José Luis García. De um lado, é um documentário que segue a linha coral e a concepção da história como narrativa de Cándido: los campos de batalla. Do outro lado, temos também a figura de um «protagonista» em um documentário, um pesquisador, desta vez, um ator e não o próprio realizador. n Terra Mítica

No Paraguai, terra rica em mitologia, pelo menos três longas-metragens digitais foram realizados sobre mitos e lendas da guerra. O primeiro deles, Felipe Canasto (D. Cardona Herreros, Paraguai, 2010), se baseia em uma lenda popular fortemente arraigada no Paraguai. A lenda conta que as mulheres que viviam em grupo e compartilhavam os homens, recebiam ou achavam fragmentos de corpos que, às vezes, conseguiam identificar e assim davam sepultura parcial aos mortos. Este filme conta a história de três dessas mulheres e do nascimento de um personagem lendário que traz a morte a todos os que consigam vê-lo. Overáva (Rial, Paraguai, 2012) é um documentário sobre os tesouros enterrados durante a guerra ou o mito da pláta yvyguy, seguindo o caminho realizado pelo Mariscal López. Com mistério e suspenso, múltiplas vozes em off narram o mito desses tesouros, custodiados por fantasmas, que somente podem ser achados por alguém de alma nobre e o propósito puro.

O mito da pláta yvyguy chega à ficção de gênero com Latas Vacías (H. Godoy, Paraguai, 2014). Este filme de suspenso em tom de comédia conta a história de um buscador de tesouros e suas vicissitudes até conseguir a pilhagem. O filme foi realizado de forma independente e recebeu o prêmio do público no Festival Internacional de Assunção. Cabe salientar que Godoy tem outros trabalhos prévios relacionados com a Guerra da Tríplice Aliança, como o curta-metragem El Chasqui (Godoy, Paraguai, 2009), o curta animado Jaguá (Godoy, Paraguai, 2010) e Pescada Pe (Godoy, Paraguai, 2009). Como últimos exemplos desta seção, temos Relatos de Curupayty y Acosta Ñu (Ramoa, Paraguai, 2010). Filmes de natureza centralmente didática, realizados pelo Prof. Ramón Ramoa (Universidade de Pilar), com evidente pesquisa histórica. Inclusive neste contexto acadêmico, destaca a relevância dos tesouros, espíritos e fantasmas da guerra. n Coda

Como encerramento do corpus historiográfico audiovisual, resta dizer que a Guerra da Tríplice Aliança continua sendo motivo de diversas obras e projetos audiovisuais. Nos últimos anos, Miguel Horta desenvolveu e filmou parcialmente no Mato Grosso do Sul e Paraguai um projeto de longa-metragem, Los niños de la guerra, inconcluso. Em 2016, foi estreado no Brasil A guerra do Paraguai (L. Rosemberg Filho, Brasil, 2016), um filme de ficção realizado em branco e preto, que narra o encontro de um soldado da Guerra com uma companhia teatral da atualidade (¿outro fantasma?), que abre um debate sobre a violência, tecido entre referências filosóficas a Brecht, Niestzche e Molière. Também no Brasil, o diretor Vicente Ferraz trabalha em um projeto intitulado Bastardos (Ferraz, Brasil, em desenvolvimento), uma ficção sobre a vingança dos escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. No Paraguai, Ramiro Gómez e Eva Karene Romero filmaram em 2017 seu documentário Kuñá (Gómez e Romero, Paraguai, em desenvolvimento). Terá o foco no papel que as mulheres têm atualmente 69


na sociedade paraguaia e contará com entrevistas a diversos historiadores. Sabemos, portanto, que muito provavelmente, o tema da feminização da população paraguaia será um tema tratado pelo documentário. Existem, ainda, alguns projetos estrangeiros que tratam direta ou indiretamente a Guerra da Tríplice Aliança: The Paraguayan War (Denis Wright, Brasil, 2009; uma emissão de Roving Report (15’) intitulada Paraguai Power and Politics (AP Televisão, EUA , 1980); Whicker ’s World: Stroessner’s Paraguay (BBC, Reino Unido, 1970). n Conclusões

Nesta pesquisa preliminar, reconstruímos um corpus considerável de obras que tratam sobre a guerra desde diferentes países e perspectivas. A maior parte delas [projeções] foi realizada depois do ano de 2000 e vários materiais dos mais antigos se perderam. A memória requer um hardware ou suporte para seu software. No caso das fitas cinematográficas, o hardware é volátil, frágil. Nesse sentido, vale frisar aqui a ideia de que é o Estado quem deve zelar pela preservação desse patrimônio cinematográfico, legado característico do século XX, através das cinematecas estatais. O Brasil e Uruguai contam com cinematecas destinadas à preservação e divulgação de acervos históricos. A Argentina criou recentemente a CINAIN, embora seja prematuro saber que atuação vai ter; por outro lado, o Museu do Cinema da Cidade de Buenos Aires assumiu parcialmente este papel. No Paraguai, existem coleções particulares, porém, não existe uma cinemateca estatal. Por outra parte, hoje parece ser indivisível o papel de uma cinemateca com a digitalização do acervo nacional. Repare-se aqui nas iniciativas argentinas Prisma e Odeón/CINE. AR ou o banco de conteúdos culturais do Brasil, passos dados em prol da preservação e divulgação do patrimônio audiovisual.

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A partir deste percurso inicial, podemos traçar algumas linhas gerais ou temas trabalhados pelos filmes deste corpus. No âmbito da ficção, achamos uma preponderância de filmes bibliográficos de figuras históricas, nos quais a guerra tem algum tipo de representação. Percebemos uma relevância do papel da mulher na guerra e sociedade do século XIX como agente de mudança social [na representação cinematográfica da guerra] . É, ainda, constante a presença de figuras fantasmais , enigmas e tragédias que voltam a se atualizar, no contraste do século XIX de ciência com crenças populares e o fantasma como tema do romantismo literário desse século. Mitos e lendas são centrais na narrativa audiovisual da Guerra da Tríplice Aliança – uma guerra em certa medida que se tornou invisível. Quanto aos documentários, a grande maioria deles analisa a guerra a través de uma multiplicidade de vozes que constroem uma visão geral, em que a história é concebida como relato. Em várias oportunidades, resultaram atrativos episódios de certa «incerteza» histórica, motivo de polémicas e interpretações diversas. O Estado tem tido diferentes níveis de participação na construção desses olhares. Podemos salientar a participação dos exércitos em vários dos exemplos, como assessores em história ou através de alguns participantes nos documentários. Por outra parte, alguns desses objetos audiovisuais foram diretamente encomendados pelo Estado, sejam documentários educativos ou informativos para o público em geral, transmitindo assim uma visão da guerra influenciada por diversos olhares políticos. Nesse sentido, cabe destacar Cerro Corá como o exemplo essencial do uso feito pelo Estado para formar uma visão do poder em um


país. Mais além da política, o positivo de Cerro Corá é sua contribuição para aglutinar a sociedade paraguaia como conjunto. Infelizmente, o filme está pobremente atuado e transmite uma visão idealizada do Mariscal López, que procurou somar apoios à ditadura de Alfredo Stroessner. n Ações Prospectivas

Com motivo desta pesquisa, delineamos algumas ações possíveis com relação à gestão do patrimônio audiovisual da Guerra da Tríplice Aliança. Haja vista da dificuldade de aceder a esses filmes e o estado ruim de alguns, se torna necessária uma busca exaustiva de outros materiais fílmicos, a restauração deles e a subsequente inclusão do corpus em alguma plataforma on-line para que o público tenha acesso a essas produções, no sesquicentenário da Guerra. Ao mesmo tempo, uma amostra na rede de salas digitais da RECAM poderia ser organizada, levando ainda painéis e discussões relacionadas.

linha de pesquisa cultural que poderia ser ampliada, e ainda articulada, com projetos cinematográficos através de um concurso específico. Com relação ao trabalho articulado sobre a memória da guerra, resultam de especial interesse as manifestações populares e comemorações de datas significativas ou re-enactments que hoje existem tanto no Brasil como no Paraguai, que poderiam ser objeto de filmagens distribuídas através de diversas plataformas, como um exercício coletivo de memória.v

Por outra parte, outra possível e interessante vinculação com a cidadania seria a articulação de uma transmedia para o passado: o desenho e a construção de dispositivos pré-cinema que façam parte de produtos visuais da guerra, animando-os e educando sobre a criação das primeiras imagens em movimento e a mentalidade reinante no século XIX, na era do romantismo, as revoluções industriais e o surgimento da reprodutividade técnica das imagens. Afinal de contas, o zootrópio é o bisavô do gif e o telégrafo o da Internet. Por outra parte, de forma paralela à presente, iniciamos uma pesquisa com relação ao cinema à Guerra do Chaco, pesquisa que deve ser aprofundada e articulada comparativamente com a representação da Guerra da Tríplice Aliança. Em contraste com os escassos filmes dedicados à guerra, existe um considerável número de obras de teatro sobre a Guerra da Tríplice Aliança, escritas inclusive durante a mesma guerra. Essa obra é outra

REFERÊNCIAS [[1] Jean-Michel Frodon, «La projection nationale : Cinéma et nation», Les cahiers de médiologie, 1/1997 (n° 3). [2] Andrea Cuarterolo, De la foto al fotograma. Relaciones entre cine y fotografía en la Argentina (1840-1933). Montevidéu: Edições CdF, 2013, 260 pp., ISBN 978-9974-600-90-4. [3] Jameson, Fredric. 1984. El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado. 2005, 2ª ed. Buenos Aires: Paidos.

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SEÇÃO II

Resenhas


Experiencias


Film

Preservation & Restoration School Latin America, Argentina 2017

E

m março de 2017 pela primeira vez na América Latina se celebrou o Film Preservation & Restoration School Latin America, prestigiosa escola de restauração fílmica coincidentemente com os inícios do funcionamento da Cinemateca e Arquivo da Imagem Nacional (CINAIN). Ela foi realizada através do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INC A A), o Ministério da Cultura da Nação Argentina, em colaboração com a Fédération Internationale des Archives du Film (FIAF), Cineteca di Bologna e L’Immagine Ritrovata. Com o objetivo de facilitar a participação dos especialistas da região, a RECAM distribuiu bolsas aos Estados Parte do MERCOSUL. Os testemunhos de alguns deles foram registrados pelo Centro de Produção Audiovisual do INCAA e se pode mencionar especialmente o de Lorena Perez da Cinemateca Uruguaia quem celebra a implementação da Cinain como uma conquista para Argentina e América Latina, e uma

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oportunidade para que os Estados comecem a entender a importância de conservar os arquivos e abri-los à sociedade. Também o de Mariela Cantu, argentina trabalhando em São Paulo, que destaca o valor da experiência a nível latino-americano, a convivência com profissionais que compartilham

saberes, metodologias e também problemas, e à integração como ponto de trabalho vital que é facilitado por este tipo de iniciativas regionais. v

http://bit.ly/EscuelaRestaurac


Un eclipse

como ponto de partida Por Lorena Pérez Castro *

Experiência de gestão coletiva de conservação de Patrimônio Audiovisual no Uruguai

U

ruguai conta com uma longa história relacionada com os arquivos fílmicos. Em 1943 o Estado uruguaio fundou Cinema Arte do SODRE, hoje denominado Arquivo Nacional da Imagem e a Palavra (ANIP), o que significou a criação do primeiro arquivo fílmico em nosso país, e o começo de uma cultura de difusão cinematográfica muito importante. Já para 1952, na órbita privada, é fundada a Cinemateca Uruguaia, que até esta data se mantém como uma Associação Civil sem fins lucrativos. Mais recentemente, em 2006, a Universidade Católica do Uruguai criou o Arquivo Audiovisual Prof. Dina Pintos e em 2010 o Arquivo Geral da Universidade da República cria o Laboratório de Preservação Audiovisual (LAPA). Apesar desta longa história, o tema do patrimônio fílmico nacional não contou com políticas que permitam o desenvolvimento de trabalhos de recuperação, restauração, digitalização e difusão dos materiais uruguaios, motivo pelo qual o trabalho de cada uma das instituições depende completamente da capacidade econômica das mesmas. O incêndio sofrido no Cinema Arte do SODRE, em 1971, provocou a perda de grande parte de sua coleção, e desde aquele então o trabalho de recopilação realizado pela Cinemateca Uruguaia a converteu no arquivo com maior quantidade de

títulos uruguaios sob sua custódia. Isto significou que grande parte do patrimônio de nosso país passasse a ser responsabilidade de uma instituição privada, cujos recursos econômicos dependiam quase exclusivamente da mensalidade que pagavam seus sócios e pela venda de ingressos. As diferentes crises econômicas e as idas e vindas da massa social da instituição a levaram a uma importante crise pela qual Cinemateca Uruguaia alertou ao governo sobre a necessidade de apoio para poder continuar com suas atividades. A raiz deste alarme, em 2010, o Instituto de Cinema e Audiovisual do Uruguai (ICAU) realizou uma primeira consultoria sobre o estado dos arquivos fílmicos uruguaios, que é realizada por Isabel Wschebor (pertencente ao LAPA) e Julieta Keldjian (pertencente ao arquivo da Universidade Católica do Uruguai) e Ana Laura Cirio. Dita consultoria significou também o primeiro contato real de trabalho dos arquivos mencionados, já que dela participa também o ANIP. Os resultados confirmaram a necessidade de apoio ao trabalho de cuidado do patrimônio de imagens em movimento, e expuseram formalmente as dificuldades orçamentárias e de recursos humanos nos mesmos. É assim que representantes das quatro instituições começaram a se reunir para discutir sobre o tema e encontrar um projeto que os vinculasse 75


a todos os arquivos com o fim de trabalhar sobre a conservação, a restauração e a digitalização das coleções nacionais. Em 2014 o governo gera uma instância de discussão, à qual denominou Compromisso Audiovisual, da qual participaram profissionais das distintas áreas vinculadas ao cinema do nosso país. Uma das mesas de discussão se centrou no patrimônio fílmico e permitiu aos arquivos definir as linhas de trabalho que levariam adiante e a busca de financiamento. Em 2016 se formalizou a Mesa Interinstitucional de Patrimônio Audiovisual (MIPA), presidida pelo ICAU, e integrada pelo ANIP, o AGU, o Arquivo Audiovisual Prof. Dina Pintos e Cinemateca Uruguaia. Parte do equipamento foi recebido de um laboratório fílmico que tinha fechado no nosso país, e cujos equipamentos foram cedidos em comodato pelo Banco República do Uruguai ao ICAU para serem utilizados pela MIPA. Também o ICAU destinou uma primeira verba ao patrimônio audiovisual que permitiu pagar salários e o condicionamento da equipe tecnológica para fazer as primeiras provas.

Começo do trabalho O plano definido pela MIPA para a primeira etapa de trabalho conta com quatro linhas de trabalho: A. Plano Nitratos: o objetivo realizar um plano de conservação preventiva dos filmes uruguaios produzidas em suporte de nitrato de celulose, conservados no depósito de nitratos da Cinemateca Uruguaia e pertencentes tanto à própria Cinemateca como ao ANIP - SODRE. B. Plano Magnéticos: busca apoiar e dar continuidade às iniciativas já existentes vinculadas à conservação e digitalização de materiais uruguaios criados e conservados em suportes magnéticos, e continuar com a preservação de coleções particulares de interesse para a história do cinema nacional C. Cinema Contemporâneo: Este plano dará continuidade às iniciativas realizadas na administração anterior, orientadas a localizar e armazenar cópias de filmes que foram total ou parcialmente financiadas 76

O primeiro trabalho digitalizado foi um curta-metragem no qual uma equipe de astrônomos uruguaios trabalhava no IAVA Observatory. pelo ICAU através do Fundo de Fomento para o cinema. D. Digitalização e restauração: selecionar-se-ão quatro filmes nacionais significativos para a história do cinema uruguaio com o fim de conseguir sua digitalização e restauração. O trabalho propriamente dito começou assim que os equipamentos foram colocados nas instalações do LAPA, e se pôde começar com a conversão do equipamento de telecinema, obtido através do BROU, a um scanner 2k que nos permitiu conseguir a digitalização da primeira obra. Para tanto, os técnicos decidiram somente utilizar o sistema de arraste de filme do telecinema, e incorporar-lhe para a captura de imagens uma câmera de fotos Nikon D7200. Por sua vez se trocou o sistema de iluminação do fotograma por uma lâmpada LCD, e se obteve uma luz uniforme. Tanto a lâmpada como a câmera de fotos foram conectadas a computadores que além de dar a ordem coordenada para a ativação da luz e da câmera, recebem os arquivos RAW gerados por esta última. Depois de vários ensaios e avanços a prova e erro foi possível obter uma qualidade de 25 megapixels por fotogramas.


Quadro do curta-metragem “Eclipse Solar de 1938” digitalizado no Laboratório de Património Audiovisual (LAPA) da UdelaR pelo Conselho do Património Audiovisual (MIPA).

Para o primeiro trabalho de digitalização foi selecionado uma curta-metragem documentária, de quase 7 minutos de duração, produzida pelo Ministério da Instrução Pública (hoje Ministério da Educação e Cultura), que registrou o eclipse solar ocorrido em 29 de maio de 1938, no que trabalhou uma equipe de astrônomos uruguaios desde o observatório do Instituto Alfredo Vázquez Acevedo (IAVA). O sistema desenvolvido pelm este ponto tal vez seja o más difícil de concretizar e o mais sensível na hora de acordar a forma de realização existem passos que já estamos começando a gerar, além da continuação do Plano Nitratos e de Digitalização, como a normalização das bases de dados e das planilhas de trabalho, dentre outros temas. Isto nos permitirá compartilhar de forma mais eficiente a informação e melhorar os procedimentos de trabalho.

Por último, mas não menos importante, fica pendente definir a difusão e o acesso aos materiais digitalizados pela MIPA. Este ponto entendemos que é fundamental e é o por quê do trabalho. Aproximar o patrimônio à cidadania é a única forma de que o nosso trabalho tome real valor e seja compreendido e apoiado pelos diferentes agentes públicos e privados que devem participar da conservação da memória coletiva. Por este motivo é que integrantes da MIPA continuamos com esta busca da gestão coletiva, a qual entendemos mais adequada para nossa realidade.v

* Archivóloga FIC-UDELAR y desde 2002 trabaja en la Cinemateca Uruguaya, que representa en la Mesa Interinstitucional de Patrimonio Audiovisual.

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Restauração de som do filme

“La historia oficial” Por Carlos Abatte *

P

or diferentes motivos hoje o universo da restauração e conservação do patrimônio audiovisual e especificamente o do cinema adquirem uma importância determinante. Estou me referindo a estas disciplinas como um universo, já que existem múltiplos fatores em jogo. E para aumentar sua complexidade o tempo que temos hoje, para trabalhar, é escasso. Brevemente, uma das questões técnicas, dentre muitas outras, é a relacionada com as mudanças nos suportes físicos. O meio tem mudado e das tradicionais cópias fílmicas de exploração, o cinema passou hoje a ser produzido e difundido sobre suportes digitais. Isto deixou à deriva os materiais óticos, os negativos e as cópias, já que quase não ficam no mundo laboratórios químicos onde poder processar filmes. Devemos ser muito conscientes de que estes suportes óticos são o cinema mesmo, que nestes originais estão atesourados os mais de cem anos de obras desta arte. E que estes materiais vão se deteriorando com o uso e com o tempo. Então, como conclusão, ficam poucas cópias dos filmes, estas estão na sua maioria em mal estado e já quase não podemos fazer cópias novas. Outro tema importantíssimo também é que estes defeitos produzidos pelo tempo agora passam a ser parte da obra cinematográfica e deste

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modo se torna muito difícil apreciar genuinamente um filme sepultado sob uma infinidade de raias, manchas, cortes, saltos, distorções, barulhos e demais problemas alheios à obra em si. Com este panorama mundial devemos ser muito conscientes de que melhorar o estado de um filme, restaurá-lo, devolvê-lo para que seja apreciado corretamente é trabalhar para o acervo cultural das nações. Resgatar um filme é torna-lo novamente parte da identidade de seu povo e que seja uma peça fundante na construção de sua memória audiovisual. Hoje tudo isto está em grave perigo e se pode perder para sempre. E devemos entender que outro grande alcance da restauração é fazer objeto de estudo e investigação aos filmes. Isto é assim ao colocá-los ao alcance de antropologistas, sociólogos e pesquisadores, e que os filmes passem a formar parte também dos materiais didáticos disponíveis para educadores e professores. Além disso, eu acho, que sou homem do cinema, é devolvê-los ao público, já que para isso foram feitos. Então, outro aspecto importante que temos que levar em conta é que depois do processo de restauração, esse filme recobrado deve ser visto pelo público. A restauração em si é uma tarefa muito complexa onde como forma de labirinto vão se relacionando diferentes problemas, aqui o mundo que se abre é muito vasto


e também, em muitas de suas etapas, desconhecido. Quero dizer com isto, e segundo a minha experiência, que não há fórmulas, mas decisões a tomar a cada passo e tenho certeza que estas decisões devem ser assumidas por pessoas com uma íntima relação com o cinema, quero dizer que não é uma tarefa só para técnicos, é um trabalho em conjunto onde sempre obrigatoriamente estamos falando de cinema. Depois desta introdução geral vou me referir ao trabalho de restauração de som de “La Historia Oficial” de Luis Puenzo. Este filme foi o primeiro de fala hispana, depois de mais de meio século de premiações, em ganhar um Oscar da Academia de Hollywood. É um filme também emblemático e muito representativo para o cinema argentino, motivo pelo qual encarar sua restauração nos encheu a todos de grandes expectativas e orgulho. Além disso, e como verão nesta narração, Luis Puenzo é uma pessoa muito especial, e uma das coisas que o tornam especial é que se embarca em desafios. Quando começamos nossa tarefa pensamos mais que em uma restauração do som, em voltar a misturar o filme desde suas bandas originais. Isto foi assim já que Luis queria, além do que conseguiu através de seu filme originalmente, alcançar um resultado mais atual em termos estéticos e dramáticos, utilizando as tecnologias hoje disponíveis. Assim começamos uma busca infrutuosa abrindo uma infinidade de caixas e revisamos todas as etiquetas em cada uma das muitas latas que a enorme carreira de Luis foi empilhando. O resultado fez esquecer esta ideia de misturar novamente o filme, já que o material que necessitávamos estava perdido, não

existia mais. Mas nesta busca nos defrontamos com umas fitas magnéticas de 1/4” que eram uma cópia de segurança da mistura original, o que hoje chamaríamos um back-up. Isto foi um incentivo já que partir, para a restauração do som, de uma cópia ótica, poderia ter sido pior quanto à qualidade dos resultados finais. Daí começaríamos a trabalhar na restauração, mas as condições não estavam dadas. Todas estas fitas magnéticas estavam totalmente invadidas por fungos, já que não tinham sido guardadas com as precauções suficientes. Recorremos então a um velho colaborador nestes assuntos, o engenheiro Dante Brizzi, ele com muita paciência removeu essa camada de fungos e deixou as fitas novamente aptas para usar. Todos estes procedimentos são delicados, já que manipular materiais que têm trinta anos de antiguidade não é fácil, mas tivemos êxito e assim começamos o trabalho de restauração. Agora devíamos seguir resolvendo os problemas clássicos destas cópias magnéticas, como são a eliminação de zumbidos, dos sopros próprios dos suportes analógicos e também das distorções. Por outra parte o som, além disso, tinha uma marca da tecnologia de sua época, e estas características um tanto agressivas deviam ser também corregidas. Começamos os processos de limpeza com uma equipe propriedade de La Academia de Cinema da Argentina. Esta equipa é o CEDAR Cambridge, um muito sofisticado hardware que funciona como um multiprocessador destinado exclusivamente à solução das variadas problemáticas de restauração do som cinematográfico. Trabalhando nestes tópicos, percebi que a ideia 79


original de misturar novamente o filme não tinha fugido, a ideia permanecia. Assim foi que um dia falando com Luis Puenzo lhe propus levar este som analógico original e monoaural ao formato digital 5.1. Este procedimento era também um desafio dado que não tinha para nós nenhum antecedente, ou seja, que estávamos falando de fazê-lo pela primeira vez e com uma obra importante. Por este motivo menciono a personalidade de Luis Puenzo, já que ele devia tomar esta decisão de risco e assim o fez. Isto, dentre outras coisas, implicava rearmar bandas de som de forma coerente com as já misturadas e que como disse estavam perdidas, para assim gerar a sensação envolvente que proporciona o 5.1. Neste ponto o tema mais complexo a resolver era o da música, já que tampouco tínhamos as gravações originais. Então, não tinha sentido abrir os ambientes e efeitos sonoros e não fazê-lo com a música, assim que, para concretizar o projeto devíamos resolver esta questão, o tema era saber como fazer. Como resposta a esta dificuldade, surgiu a ideia de “complementar” a música original. Digamos brevemente: fazer uma suave orquestração, com apenas algum dos instrumentos participantes no original, para poder abrir esta nova orquestração para toda a sala cinematográfica e conseguir o efeito imersão sonora. Para isso recorremos a outros assíduos colaboradores de Luis, os músicos Daniel Tarrab e Andrés Goldstein. A primeira coisa que eles pensaram foi que não se podia fazer o que proponhamos. Também não contávamos nem com as partituras. Depois de uma longa reunião acordamos fazer uma prova, dentro de um determinado e pontual esquema. Na semana seguinte estávamos outra vez reunidos e eles agora estavam entusiasmados, em definitiva tudo isso parecia possível. Assim começou firmemente toda nossa tarefa de levar o filme ao formato de som digital 5.1. Por uma parte íamos trabalhando na limpeza e remoção de todos os problemas que mencionei e por outra nos ocupávamos da construção coerente do som 5.1. Ou seja, que fizemos duas coisas muito diferentes e para nada habituais nos procedimentos de restauração 80

de filmes. Em relação com a nova preparação e apenas para dar um exemplo, trabalhamos muito nas sequências filmadas na Praça de Maio durante as marchas, buscando imprimir nelas uma maior energia e profundidade espacial do som. Por sua vez, no laboratório Cinecolor de Buenos Aires, Luis e o “Chango” Monti, diretor de fotografia do filme, trabalhavam com a imagem do filme. Esta tarefa incluiu tudo aquilo referido ao negativo original e seus problemas de raias e defeitos, bem como a correção de luz e cor. Este trabalho foi enorme. Este filme originalmente e do ponto de vista produtivo era o que chamaríamos um filme pequeno. E na época, há trinta anos, não existia dinheiro para fazer uma cópia de segurança do negativo, motivo pelo qual todas as cópias de exploração do filme surgiram desse único negativo de câmera. Na verdade, é um milagre que este material chegasse inteiro até nossos dias. Finalmente e desde a área de som entramos na etapa de mistura. Esta etapa foi de imenso prazer dado que, de uma maneira sutil fomos alcançando o anelo original de Luis, ter um novo som para seu filme. Ver de novo “La Historia Oficial” trinta anos depois e na qualidade superlativa que tem hoje nos colocou a todos perante uma certeza, agora o filme podia ser apreciado em toda sua magnitude e beleza. Além disso, esta grande obra ganhou um novo significado, e sua temática e tratamento adquirem uma dimensão extraordinária. Recomendo muito fortemente que todos assistam o filme, vão desfrutá-lo. Para terminar quero referir-me ao que se passa quando participamos de trabalhos de restauração e é que logo nos encontramos com muito mais do que um filme, encontramo-nos também com uma parte da nossa história, com nossos modismos e nossos costumes, em fim, encontramo-nos com nós mesmos.v Obrigado.

*Carlos Abbate. Técnico de Som.


Projecto

MERCOSUL Audiovisual

Por Lucas Guidalevich *

Este projeto realizado em 2014 teve como objetivo recuperar, preservar e difundir 615´ de material audiovisual de diferentes países da região.

A

primeira coisa que tivemos que fazer foi analisar a lista de filmes selecionados por cada país e em função disso quantificar o trabalho a realizar, o que foi complexo já que devíamos cumprimentar com muitíssimos requerimentos administrativos e formais para a licitação. Se bem este foi um árduo trabalho, foi um tempo ganho quando nos foi outorgado o projeto, já que tínhamos uma pesquisa já avançada. Tivemos várias reuniões e intercâmbios técnicos sobre os passos a seguir, o primeiro elo da cadeia foi conseguir os fílmicos de cada um dos filmes de cada país, desde o envio até a chegada a Cinecolor passando pelos diferentes processos formais de aduana, etc. Depois de conseguir os fílmicos no Laboratório, começamos com a avaliação física do material, tanto da imagem como do som (no caso dos materiais sonoros) e realizávamos um relatório f í s i co co m t o d o s o s d e t a l h e s n e c e s s á r i o s : corroborar que a informação da etiqueta original da lata coincidisse com o que realmente havia adentro e saber detalhadamente o estado do material: perfurações quebradas, empalmes, se era positivo ou negativo, cor ou branco e preto, 81


sonoro ou mudo, etc. No caso que for necessário, nossa área de preparação restaurava fisicamente os possíveis problemas físicos que pudesse ter o material e se lavava, em alguns casos através de lavadeira ultrassónica e em outros na mão, dependendo do estado do material. A partir do parecer técnico, podíamos decidir o melhor caminho para sua digitalização. Podíamos fazê-lo em um tele cinema Spirit Data cinema em resolução HD, já que é um equipamento que permite digitalizar todo tipo de material sem importar seu estado físico: materiais contraídos, com saltos de empalme, etc. e, em outros casos, quando o fílmico estava em melhores condições, podíamos digitaliza-lo no scanner Northlight. Uma vez digitalizado o material, realizava-se uma correção de cor técnica, onde o objetivo era obter o material o mais parecido possível ao momento da estreia, tentando não alterar a estética original da época. Depois de digitalizado e com a correção de cor, passavam à área de restauração digital. Alguns projetos tiveram um processo mais “light” de restauração, onde se buscava estabilizar a imagem, limpar alguns fungos e tirar as raias mais notórias. Em outros casos fizemos uma restauração más exaustiva corrigindo também pontos, raias, pelos, empalmes, etc. Finalizados estes processos, fazíamos uma p ro j e ç ã o n a n o s s a s a l a d e p ro j e ç õ e s o n d e podíamos ver numa tela grande o material terminado e no caso de precisarmos alguma correção, podíamos fazê-la antes do export final. Quando estava tudo certo, visualizado por nossa equipe técnica mais um responsável pela RECAM, começávamos com os exports segundo o protocolo que havíamos definido: exportação de quicktimes HD AppleProres e sequências de

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quadros com seu correspondente backup a LTO. Este projeto foi muito interessante por vários motivos, primeiro pela interação entre todas as partes: técnicos, historiadores, preservadores, etc. por outro lado, pela grande variedade de materiais processados, o volume de material e a possibilidade de manipular fílmicos de 1925 a 1973 (aproximadamente) de diferentes países do MERCOSUL, que de outra maneira não tivéssemos podido conhecer e que graças a estes processos, qualquer pessoa que quiser visualizar estes materiais poderá fazê-lo HOJE e no futuro sem importar onde se encontre fisicamente. n Lucas Guidalevich, Gerente de Operações da Cinecolor Argentina. n Cinecolor Argentina foi a empresa adjudicada da licitação internacional do Programa MERCOSUL Audiovisual realizada com o fim de restaurar e digitalizar patrimônio audiovisual do MERCOSUL. v

* Lucas Guidalevich, Gerente de Operações da Cinecolor Argentina. Cinecolor Argentina foi a empresa adjudicada da licitação internacional do Programa MERCOSUL Audiovisual realizada com o fim de restaurar e digitalizar patrimônio audiovisual do MERCOSUL.


Áreas

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Somamatória de todos os tempos. Cineop - Mostra de cinema de

Ouro Preto Por Raquel Hallak d’Angelo *

O evento que trata cinema como patrimônio o evento da preservaçao, da história e da educação

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CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto – único evento audiovisual brasileiro dedicado à preservação, história e educação, chega à 13ª edição de 13 a 18 de junho de 2018 e renova seu compromisso colaborativo e de vanguarda a favor do patrimônio audiovisual. Constituise um espaço privilegiado e inovador de discussões, reflexões, elaboração de diretrizes e metas para o setor da preservação, em diálogo com a educação e em intercâmbio com o mundo. Realizada em Ouro Preto, cidade patrimônio mundial da humanidade, a CineOP foi idealizada em 2006 pela Universo Produção e representa uma iniciativa pioneira no circuito de festivais e mostras de cinema a agregar valor de patrimônio à sétima arte e contribuir com um olhar para a história a partir do contemporâneo. Está a serviço da preservação do patrimônio cinematográfico brasileiro e foi acolhida de imediato por instituições, técnicos, pesquisadores, historiadores, colecionadores, jornalistas e colaboradores, que a elegeram fórum de reflexões e encaminhamento de ações do setor da preservação. Tornou-se palco de encontros, discussões e decisões do setor de preservação, que clama por atenção e políticas públicas em um mundo

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hiperacelerado e tecnológico, que muitas vezes se esquece ou negligencia sua própria história. Em 2011, recebeu o Prêmio de Preservação da Academia Brasileira de Cinema. Em 2015 celebrou uma década de existência e editou uma publicação colaborativa registrando os avanços e acontecimentos históricos do setor da preservação no período 2006-2015 e, em 2017, fez o lançamento do Plano Nacional de Preservação – uma conquista coletiva que visa colaborar na construção e aprimoramento de políticas públicas para o setor. Estrutura sua programação em três temáticas de atuação: Preservação, História e Educação, que convergem a cada edição em suas preocupações conjuntas para o aprofundamento de fatos históricos, do saber audiovisual e da preservação junto à sociedade brasileira. Preocupamse com estratégias, instrumentos, agentes e políticas que viabilizem transformações necessárias a uma sociedade mais justa, ativa e preocupada com seu patrimônio humano, histórico, cultural e artístico. Apresenta-se como importante foco irradiador da cultura com a oferta de uma programação abrangente e gratuita que inclui homenagens a personalidades do audiovisual,


exibições de mais de 60 filmes brasileiros em pré-estreias e retrospectivas, oficinas, debates, Seminário, exposições, lançamento de livros, atrações artísticas que ocupam três espaços ouropretanos: Cine Vila Rica, Centro de Artes e Convenções e Praça Tiradentes – principal espaço público da cidade. Em suas edições anuais promove o Encontro Nacional de Arquivos e Acervos Audiovisuais Brasileiros e o Encontro da Educação: Fórum da Rede Kino, que reúnem mais de 200 profissionais de vários estados, que juntos, participam de uma ampla discussão coletiva com os arquivos e acervos, com o setor da educação, a classe cinematográfica, com os poderes públicos e privados. Um espaço de encontro e convergência de profissionais e instituições de vários segmentos que trabalham com a imagem em movimento, cinema e educação visando à cooperação, troca de informações e experiências nos diferentes campos de atuação de forma produtiva, descentralizada, democrática e de qualidade para a preservação audiovisual no país. Se estamos num processo constante de conquista de espaço para o cinema brasileiro, precisamos manter a memória do público em ebulição. Garantir que a presença do cinema brasileiro seja cada vez maior na memória presente do público e cada vez mais representativa para os cineastas das novas gerações. Considerando a relevância e o risco de desaparecimento do patrimônio cinematográfico brasileiro, que representa igualmente um ativo econômico e se encontra em

condições desiguais de preservação nas diferentes unidades da Federação e, ainda, a urgência do seu reconhecimento pelos poderes públicos, pela sociedade e próprios profissionais do audiovisual, a Universo Produção, ao lado de parceiros comprometidos com o desenvolvimento do nosso país, se unem para realizar a CineOP e fazer da arte um veículo para as ideias, um viés por onde a utopia de uma realidade mais justa pode se manifestar. Não importa o tamanho do País ou de sua população, a imagem em movimento faz parte do cotidiano das nações há mais de um século. As imagens constituem valores, cultura, ethos de um povo, das civilizações, nações. E as ações de preservação retratam o modo de vida de uma sociedade. O patrimônio cultural das imagens é um dos eixos mais importantes da memória e identidade sociocultural de um País – ação estratégica e fundamental para o desenvolvimento da nação, portanto, deve integrar a vida social e política do Brasil, que reúne expressivo patrimônio audiovisual, representativo de sua cultura, história, arte e manifestações da sociedade. CineOP – um espaço de vanguarda para conhecer, assistir, debater, falar de cinema. Um espaço para percorrer caminhos, renovar olhares e formas de pensamento. Um lugar de intercâmbio que trata cinema como patrimônio.v CineOP - Aqui os filmes estão vivos!

* Diretora da Universo Produção. Coordenadora da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto 85


Dipra Por Gloria Ana Diez e Fernando Madedo *

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e l a p r i m e i r a v e z , u m p ro g r a m a fo r m a l ded i cado integralm e n te à fo r m a çã o de profissionais da preservação e restauração das imagens em movimento abre suas portas para alunos da Argentina e a região. Isso representa uma grande notícia para a preservação audiovisual no MERCOSUL. O Bacharelado em Preservação e Restauração Audiovisual (DiPRA) é um programa organizado de maneira conjunta pela Cinemateca e Arquivo da Imagem Nacional (CINAIN) e a Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires (UBA) que receberá este ano uma turma inaugural de 25 alunos. A DiPRA responde a uma necessidade concreta e instalada há bastante tempo: a de formar indivíduos que já estão trabalhando no campo, e a de formar indivíduos interessados em ingressar a este campo de trabalho. O resultado que teve a inscrição na DiPRA não faz outra coisa que confirmar a existência desta necessidade: as inscrições chegaram a um total de 400. O campo da preservação do patrimônio audiovisual é um campo que ainda tem muito por andar e por crescer. A Argentina e o MERCOSUL são testemunhas e protagonistas das necessidades e falências. Mas o caminho não termina na criação e atualização dos arquivos e no cuidado das coleções. Uma das chaves para que um campo específico avance, cresça e se fortaleça, é que existam mais pessoas, uma comunidade, com conhecimentos profundos sobre o assunto.

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Portanto, a DiPRA, como oportunidade de formação e treinamento, procura ser uma possibilidade de realçar o profissionalismo daqueles que trabalham nas instituições e um espaço para aqueles que têm o interesse, talento e motivação para se tornarem novos profissionais. Desta forma, além de ensinar e treinar, a DiPRA será um foro sem precedentes na região, na qual trabalhadores, pesquisadores, estudantes, novos profissionais e profissionais com destacadas trajetórias se encontrarão para dialogar, aprender, compartilhar conhecimentos e perspectivas e gerar laços profissionais e projetos para o futuro. A DiPRA propõe uma mudança de paradigma para o campo da preservação audiovisual da nossa região, a passagem de um modelo de aprendizagem baseado puramente na experiência adquirida no posto de trabalho complementada com seminários e oficinas, a outro modelo onde a experiência é sustentada por uma forte ancoragem acadêmica. Argentina e o MERCOSUL têm grandes profissionais e alguns deles conseguiram formar-se acadêmica e fo r m a l m e n te e m p ro g r a m a s e s p e c í f i co s oferecidos no exterior. Hoje, a DiPRA oferece um programa local e acessível, sendo um bacharelado gratuito e com uma modalidade de cursada que é presencial mas que segue permitindo aos alunos um esquema de trabalho de tempo completo.


A DiPRA se cursa uma vez por semana em quatro horas semanais durante seus 7 módulos, além da prática profissional para a qual o aluno deverá creditar 32 horas de trabalho em uma instituição vinculada. Os docentes da DiPRA têm ampla formação e experiência em todas as áreas e formação nacional e internacional. A CINAIN e a UBA se associam, por sua vez, com importantes instituições da Argentina e América Latina como o Arquivo Geral da Nação (Argentina), o Arquivo Histórico RTA - Rádio Televisão Argentina, o Museu do Cinema Pablo D. Hicken da Cidade de Buenos Aires, a Cinemateca Brasileira e a Cineteca Nacional do México.v

* Cordinadores Académicos OJO CON ESTE CORDINADORES¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡ 87


Revista Filme Cultura: o cinema brasileiro através dos tempos Por Lina Távora *

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revista Filme Cultura foi lançada em 1966, porém com várias pausas durante esses mais de 50 anos. A publicação circulou de 1966 a 1988, pelo Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), posteriormente - Instituto Nacional de Cinema (INC) e Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). Neste primeiro período, foram lançadas 48 edições da Filme Cultura, além de duas revistas especiais, feitas para os festivais de Cannes e Berlim. Em 1988, a revista teve sua atividade suspensa e deixou uma lacuna no segmento das publicações especializadas por quase 20 anos. Em 2007, foi lançada uma edição especial comemorativa dos 70 anos do INCE e dos 22 anos de existência do Centro Técnico Audiovisual (CTAv). Outra pausa. Em 2010, a revista voltou a circular, com a edição nº 50, e foi publicada até a edição 61, no final de 2013.

públicos e interesses relacionados ao audiovisual nacional; a redução dos exemplares impressos para diminuição de custos; e a valorização do portal com todo o acervo da revista, para gerar a maior quantidade de acessos possíveis e estar disponível para quem quiser pesquisar, baixar ou visualizar todas as edições.

Em 2017, a revista foi retomada, apostando em um novo modelo, que fosse mais sustentável e que desse a possibilidade de ampliar as vozes da publicação. Assim, ocorreram algumas mudanças: a realização de um edital de chamada para textos, nos moldes de “call for papers” das revistas acadêmicas, abrindo espaço para quem quiser participar, ampliando as possíveis vozes e democratizando o acesso ao ambiente da pesquisa cinematográfica brasileira; o aprofundamento da segmentação por temática a cada edição, o que traz um panorama mais complexo de setores,

A revista como patrimônio cultural

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Permaneceu, porém, a preocupação de manter a linha editorial da revista, que mistura jornalismo cultural com uma reflexão mais aprofundada, mais próxima do tom acadêmico. Com tudo isso, o desejo é que a revista seja compreendida como uma política pública de Estado para o Cinema Brasileiro e que consiga ser sustentável, periódica, acessível e perene.

A história do cinema é acompanhada por sua pesquisa e reflexão. Os movimentos, ciclos e grandes realizadores são nomeados e consagrados pela crítica cinematográfica. É pela crítica que essa história é contada, geralmente, a posteriori. Certas críticas podem até mudar rumos da sétima arte. Ela é também diversa, tendo nas revistas impressas um de seus meios mais importantes, mas que também passa por colunas e cadernos nos jornais diários – ou suplementos semanais – e adapta-se aos novos tempos em publicações digitais.


Dentro do segmento das revistas de cinema, a francesa Cahiers du Cinéma é uma das publicações mais conhecidas até hoje. No Brasil, temos importantes exemplos como Palcos e Telas, Selecta, Cinearte, O Fan, Clima, Revista de Cinema, Cinemais, Caderno de Cinema e a Filme Cultura. Mesmo sem ter mantido frequência constante, esta última publicação é, até hoje, umas das mais importantes referências do pensamento cinematográfico no Brasil. A produção audiovisual nacional tem apresentado crescimento, em parte em função da Lei n* 12.485/2011, que determina cotas de conteúdo nacional e independente nas TVs pagas – além de impactar no Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que passa a receber contribuição, também, das empresas de telecomunicações. Os lançamentos de longas-metragens em salas de cinema também têm aumentado. Em 2005, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) registrou o lançamento de 46 filmes, em 2015, o número salta para 129.

meio de uma chamada pública de artigos. Com isso, pretende-se ampliar o envolvimento da revista com o seu público e trazer o pensamento de pesquisadores e críticos de todo o Brasil. Com esse modo de funcionamento, a Secretaria do Audiovisual coloca a revista Filme Cultura não apenas como um meio de difusão do pensamento crítico cinematográfico nacional, mas também como elemento de encontro e de visibilidade de uma nova geração de críticos e pesquisadores. A revista também recebe textos de articulistas convidados a cada edição, de acordo com a temática definida, sempre de forma colaborativa e não onerosa. O objetivo deste projeto de retomada é que a revista volte a ser – e se fortaleça como – um elemento de promoção e valorização do cinema nacional, por meio do conhecimento, pertencimento, formação de públicos e de multiplicadores do cinema brasileiro. É valorizar o cinema brasileiro como patrimônio cultural nacional e entender a crítica cinematográfica - estabelecida em uma publicação impressa e digital - como uma forma de resguardo e promoção deste patrimônio.v

* Lina Távora é Coordenadora Geral de Novas Mídias da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. Jornalista, Mestre e Cinema e editora da revista Filme Cultura.

Assim como o fortalecimento do audiovisual nacional, pretende-se contribuir para a maior abrangência da crítica cinematográfica do Brasil, com a retomada da revista Filme Cultura em novo modelo de funcionamento. A Filme Cultura traz a possibilidade de uma pluralização de vozes e pensamentos, a partir de uma democratização da participação, por 89


Difusão de arquivos através das redes em

“Asunción Audiovisual” Por Ray Armele *

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esdeagostode2014umantigoescritóriodaPrefeiturade Assunção que até aquele momento tinha concentrado sua atividade na projeção de filmes clássicos para estudantes de colégios primários e secundários, adquiriu uma nova dimensão quando da assinatura de um convênio com a Organização de Profissionais do Audiovisual Paraguaio (OPRAP) que ofereceu equipamento para converter vídeos analógicos em formato digital. Assim foi possível o início de um arquivo chegando até hoje a centos de títulos que foram se enriquecendo com contribuições de colecionistas privados e algumas instituições estatais. Mas no mês de março de 2016 aconteceu um giro surpreendente quando se aproveitou a possibilidade de publicação de vídeos em Facebook e se criou a página “Asunción Audiovisual”. No início, começou de forma tímida a serem tratados temas relacionados com a cidade (aludindo ao nome) e o próprio público com sua aprovação e seus comentários foi aceitando um crescimento que em pouco mais de um ano ofereceu um grande volume de vídeos a seus usuários, quem também começaram a escrever mensagens parabenizando e solicitando aquilo que gostariam de assistir. Até outubro de 2017 foram contabilizados 44.000 usuários, com vídeos que receberam de 100.000 a 300.000 reproduções e mais de um milhão de visitantes, com uma pontuação de 4,9 estrelas adjudicada por pessoas que valorizam especialmente o reencontro com sua memória, com familiares e amigos perdidos, com imagens e sons dispersos na nostalgia. Converteu-se no “túnel do tempo” como definiu um jornalista em um programa de televisão, uma mistura de “cinema de rede social, aberto 24 horas, 365 dias ao ano” e um “museu de acesso virtual” que elevou entre 100 e 1000 vezes os números de difusão que existiam com anterioridade: de uma média de 500 estudantes que

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assistiam fisicamente às exibições no local situado no centro de Assunção, passamos a paraguaios e estrangeiros de todas as idades em todo o mundo. As ferramentas da mídia também ampliaram a capacidade de resposta e melhor comunicação com o público, já que é maisfácildetectaraspreferências,individualizarosvisitantes, tirar uma amostra para definir características e um amplo leque de dados dos usuários, sempre em função de oferecer mais e melhor serviço. A visibilidade obtida em tão pouco tempo possibilitou que muitos possuidores de arquivos audiovisuais se contataram e foi assim que se receberam importantes contribuições como a cobertura completa da visita do Papa João Paulo II, o filme “Rasmudel” realizado nos anos 80 que se considerava perdido, documentários como “Vientos de vida”, “Cómo se construye una nación” e a Coleção “Julio E. Motte” consistente em 33 peças de 35 e 16 mm, contendo importantes títulos e entre eles várias edições do Noticiário Nacional dos anos 60 e 70, que agora está em processo de buscar recursos para recuperar, digitalizar e restaurar. A preservação da história nunca foi uma prioridade no Paraguai, prova disso é que se perderam edifícios que eram do patrimônio arquitetônico, documentos valiosos, arquivos, obras de arte e até filmes que tiveram de ser reconstruídos com aporte privado. A esperança é que através de um maior contato com as pessoas, um aproveitamento amplo do acervo e o assessoramento imprescindível de especialistas, a memória audiovisual paraguaia e latino-americana se preserve e se difunda, a nível nacional e internacional.v

* Professor e diretor audiovisual. Diretor do portal Assunção Audiovisual.


Pontos de vista

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Acessibilidade

do patrimônio audiovisual. Olhar para o futuro sem negligenciar o passado Por Soraya Ferreira Alves* e Sylvia Bahiense Naves**

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or ocasião do Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual, em 27 de outubro de 2016, Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, explica, em sua mensagem, que:

O Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual é uma oportunidade para celebrar a importância desse patrimônio para todas as mulheres, todos os homens e todas as sociedades. [...] I m a g e n s e m m ov i m e n t o , j u n t a m e n te co m gravações sonoras, são registros importantes de nossas vidas, contendo muito da nossa memória pessoal e social, o que é essencial para a identidade e o pertencimento. [...] As histórias contadas por esse patrimônio são expressões poderosas das culturas e dos lugares, combinando experiências pessoais e coletivas e refletindo a busca por sentido que é compartilhada por todos. Esse patrimônio fornece uma âncora em um mundo em constante mudança, especialmente p a r a co m u n i d a d e s lo c a i s , p ro p o rc i o n a n d o registros de atividades culturais e refletindo a grande diversidade de expressões. (Disponível em http://w w w.unesco.org/new/ p t / b r a s i l i a /a b o u t- t h i s - o f f i c e /s i n g l e - v i ew/ news/unesco_message_for_the_world_day_for_ audiovisual_heritage_20/ ) 92

A partir dessas palavras, que definem a importância e inspiram a conservação desse patrimônio, podese pensar, também, em uma parcela de membros de qualquer sociedade que ficam à mercê dos efeitos que as manifestações audiovisuais causam. Nos referimos, mais especificamente, às pessoas com deficiência sensorial, surdas e cegas, que não têm acesso ao cinema, ao vídeo, à televisão que são produzidos em seu próprio país, ou em qualquer outro. A representação do movimento, no século XX, é a própria representação da vida, como já atentava McLuhan nos anos 60. Os batimentos cardíacos são o movimento responsável pela vida. Sem movimento não há vida. Como então pensar que uma pessoa cega passa pela vida sem cinema? Sem a representação de sua história, de sua memória? Na verdade, ela é obrigada a isso, quando lhe é negado o direito à acessibilidade ao cinema, ao video, à


televisão. Quando não lhe é disponibilizada a audiodescrição das imagens, do movimento. As pessoas surdas podem ver esse movimento, mas não podem contextualizá-lo sem a legenda. O cinema nacional, em muitos países, nunca é exibido nas salas com legendas, ainda mais com a legenda descritiva, que traz os nomes dos falantes e a descrição dos sons. Cinema também é som! Unir som e imagem para pessoas cegas e surdas é o modo de fazer com que o cinema, o vídeo, a TV possam exercer seu papel de formador de identidades e de sentido de pertencimento, como nos fala Bokova.

Porém, devemos olhar somente para o futuro e negligenciar o passado? Mais uma vez, como nos explica Bokova, “Promovendo a coesão, os arquivos também são essenciais para os debates sobre as prioridades futuras, ao preservarem a diversidade de histórias e auxiliarem as gerações futuras a entender o que veio antes delas” (idem). Apesar de leis como a brasileira preverem a acessibilidade nas produções futuras, como ficarão os arquivos do passado? As comunidades de pessoas cegas e surdas terão a oportunidade de criar identidade e pertencimento àquilo que elas nunca tiveram acesso?

No Brasil, a Lei Brasileira de Inclusão – LBI, de 2015, institui as modalidades de audiodescrição, legenda descritiva e interpretação em língua de sinais, em toda e qualquer manifestação cultural. Visando corroborar com a LBI e sugerir padrões para a acessibilidade de qualidade às produções audiovisuais, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura lança, em 2016, em parceria com professores e profissionais voluntários, o Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis, que é distribuído gratuitamente tanto em meio impresso como digital. Em ação colaborativa, o Uruguai e o MERCOSUL traduzem esse Guia para o espanhol em 2017, com o intuito de disponibilizá-lo também gratuitamente. Essas medidas indicam a preocupação em proporcionar a acessibilidade com qualidade, para que as pessoas cegas e surdas possam usufruir da cultura de seus e de outros países.

A história não pode se perder para ninguém. Aliás, nesse caso, deve ser apresentada. Assim, é necessário que o patrimônio não seja apenas preservado fisicamente, mas também sensorialmente, que atenções sejam dadas a editais, patrocínios, voltados à acessibilidade do patrimônio audiovisual histórico. Por que não deixar que as pessoas cegas possam usufruir do prazer da primeira cena de cinema da nossa história? Não é tão difícil: “Filme em preto e branco dos irmãos Lumiére (A c h e g a d a d o t re m n a e s t a ç ã o , 1 8 9 5 ) . N a plataforma de uma estação ferroviária, homens e mulheres com roupas da época, vestidos e casacos compridos e chapéus, aguardam a chegada do

A formação adequada de profissionais audiodescritores, legendistas e intérpretes se faz necessária e urgente, bem como a exigência dos usuários dos recursos de acessibilidade por qualidade e quantidade. 93


trem. Em perspectiva, o trem corre nos trilhos da direita para a esquerda. A imagem do maquinário fica cada vez mais aproximada. Um guarda da estação, de uniforme, corre na mesma direção. O trem pára lentamente. Algumas pessoas descem e outras sobem nos vagões. Um dos guardas verifica as portas. Algumas pessoas levam malas grandes e guarda-chuvas. Outras levam somente sacolas e maletas. Andam pela plataforma em busca de seus destinos.” Ou colocar na legenda o som tão peculiar da cena do assassinato no chuveiro de Psicose (Alfred Hitchcock, 1961) “Trilha sonora: música com sons estridentes e repetitivos no mesmo ritmo das facadas.” Pronto! O imaginário, a memória, a história entram em ação e são compartilhados “por todas as mulheres, todos os homens e todas as sociedades”.v

* Professora Doutora da UnB Brasilia. ** Coordenadora de Acessibilidade Cultural, Secretaria do Audiovisual /MinC Brasil

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Memรณrias

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Celebrando o nosso augusto

Augusto

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anode2017foiconsideradodeparticularimportância dentro do meio cultural paraguaio, já que o nosso augusto Augusto (Roa Bastos) tivesse feito cem anos. Sua lembrança e presença nos meios da arte e da educação têm sido uma constante no transcorrer do ano, e se comemora recorrendo à sua literatura (contos, romances, poemas), ao cinema (vendo seus filmes e estudando seus roteiros) e também a seus contos e romances adaptados ao teatro. Tive acesso à sua obra sendo estudante na escola, apesar que naquela época era considerado um autor proibido pela ditadura militar e rejeitado por parte da igreja católica. Tivemos nosso primeiro encontro pessoal em Buenos Aires (1973), quando, como integrante do grupo de teatro “Tiempooovillo” estávamos de passagem pelo Festival Internacional de Teatro da Colômbia com a obra “De lo que se avergüenzan las víboras”, na qual empregamos parte de poemas de sua autoria sobre a cosmogonia guarani. Recém em 19 de dezembro de 1989 se produz o reencontro. Ambos voltávamos do exílio com imensas vontades de trabalhar pelo novo Paraguai, depois de uma ditadura de trinta e cinco anos, buscando assim oferecer forças e ideias no caminho à transição democrática. A partir daí, e com vários encontros de café de por meio, encomendou-me a tarefa de estrear a nível mundial a versão teatral de “Yo El Supremo”. Foi assim que imediatamente conformamos uma equipe de trabalho com Ricardo Migliorisi (artista plástico e homem de

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teatro), Gloria Muñoz (dramaturga responsável pela readaptação do texto teatral). Depois de intensos meses de trabalho, estreamos a peça, convertendo-se na obra que convocou a maior quantidade de público na história do teatro nacional. De imediato, e tendo como precursor e diretor do projeto a Hugo Gamarra, dedicamo-nos à travessia de realizar o único material audiovisual (para vídeo e cinema) sobre a vida e obra de Roa Bastos (“El portón de los sueños”). Como ele mesmo definiu esta experiência, foi “uma viagem inicial até suas origens”, nos cenários de sua infância e juventude, que também a tinham sido de vários de seus textos literários (Iturbe, Maciel, Paraguarí, Sapucai e Itapé, dentre outros povos). Foi um privilegio que me presenteou a vida poder recorrer esses lugares com ele, onde localizou basicamente romances como “Hijo de Hombre” e “El trueno entre las hojas”, constituindo-se esta viagem em fonte de inspiração para seus próximos romances “Contravida” e “Madama Sui”. Durante o tempo da filmagem de “El portón de los sueños”,bemcomoemfrequentesencontrosposteriores, foi me revelando a origem de sua carreira como roteirista, iniciada com “Hijo de Hombre”(1958), a pedido do diretor argentino Armando Bo. O primeiro encontro de ambos com o produtor paraguaio, Nicolás Bo, aconteceu em uma confeitaria de Buenos Aires. Apenas alguns dias


luta dos pescadores no litoral argentino. Para Augusto, continuaram outros dois roteiros, de filmes rodados também no Paraguai, já com outros diretores e equipes; “La sed” (“Choferes del Chaco”) e “La sangre y la semilla”, ambas de baixo orçamento mas de impecável qualidade considerando a precariedade dos meios com os que se contava naquele momento.

antes, Armando Bo tinha lhe comentado que a atriz com a que contava para o papel principal, não poderia trabalhar; mas não obstante isso, tinham passado o dado de uma ex Miss Argentina, que possivelmente estivesse interessada no papel. Tratava-se de Isabel Sarli, que aquela noite chegou à confeitaria “como uma aparição, uma deusa possuidora de uma grande beleza”, segundo as palavras do próprio Augusto. A partir daquela noite, Isabel e Armando iniciaram uma vida de parceiros que compartilharia uma boa quantidade de filmes, aventuras e concluiria com o falecimento dele. Segundo Augusto, “uma das histórias de amor mais belas e profundas que ele tenha conhecido, digna de passar algum dia ao cinema”. Posterior a “Hijo de Hombre” e convocado novamente por Armando Bo, participou com ele na elaboração do roteiro de “Sabaleros”, também com Sarli como protagonista. Realizado em branco e preto, nele se relatava uma difícil relação de amor, dentro da dura

“La sed”, ambientada na guerra do Chaco (com a Bolívia), sob a direção de Lucas Demare (argentino), apresenta a descarnada viagem de transportadores de água, motoristas de precários caminhões acondicionados para esse fim, com destino a uma parte do exército paraguaio perdido no chaco e debatendo-se entre o inimigo e a sobrevivência. Roa transita a dramática viagem entre dois polos: a água e a sede. Como particular valor de produção teve a atuação da atriz argentina, Olga Zubarri e do ator espanhol Francisco Rabal; além da excelente qualidade fotográfica. “La sangre y la semilla” transcorre também em tempos de guerra, com um formato e roteiro mais simples. Não obstante consegue plasmar importantes momentos históricos do país. Dentre outros atores paraguaios, consegue destacar-se um dos consagrados do teatro da época, Ernesto Báez, novamente com marcada presença de Olga Zubarri. A direção foi de Alberto Du Bois (argentino). Fiz referência a estes quatro filmes em particular por considerá-los que possuem elementos comuns, como são a forte presença da natureza e do homem submerso nela, umas vezes como vítima, e outras, protegido por ela. Também o símbolo da água, e sua localização dentro da ação dramática; às vezes, transparente, outras, turva, estancada, corrente ou com todo seu furor (como a das cataratas do Monday). Os pés têm especial importância, como base do indivíduo, que o identifica na sua condição social, econômica, de poder ou dependência; às vezes 97


inclusive com calcanhares tão rasgados em simbiose com a terra em tempos da seca. Também estão presente o valor do trabalho e do sacrifício, como meios purificadores das pessoas. A presença de Roa Bastos na filmografia latino-americana aporta um olhar importante do homem dentro de sua particular cosmogonia. Com suas luzes e suas sombras. Com suas conquistas, frustrações e sonos. Sempre disposto a lutar em prol de melhorar a condição humana. Agustín Núñez – Outubro- 2017

de Augusto Roa Bastos e Tomás Eloy Martínez, baseado no romance de Jorge Masiangoli- Direção: Daniel Cherniavsky. 4 “El terrorista”- 1952- Produção argentina - Roteiro de Augusto Roa bastos, Tomás Eloy Martínez e Daniel Cherniavsky- Direção: Daniel Cherniavsky. 4 “La boda”- 1964- Coprodução argentino - espanholaRoteiro de Augusto Roa Bastos baseado em um romance de Ángel María de Lera- Direção: Lucas Demare.

ROTEIROS de Augusto Roa Bastos 4 “El trueno entre las hojas”- 1958- Coprodução paraguaio-argentina- Roteiro de Augusto Roa bastos, baseado em um de seus contos - Diretor: Armando Bo

4 “Ya tiene comisario el pueblo”- 1967- Produção argentina- Roteiro de Augusto Roa Bastos, adaptação da obra teatral de Claudio Martínez Paiva- Direção: Enrique Carreras.

4 “La sangre y la semilla”- 1958- Coprodução paraguaio - argentina- Roteiro escrito por Augusto Roa Bastos e Mario Halley Mora - Direção: Alberto Du Bois.

4 “Soluna”- 1967- Produção argentina- Roteiro de Augusto Roa Bastos e Marcos Madanes, baseado na obra de teatro homônima de Miguel Ángel AsturiasDireção: Marcos Madanes.

4 “Sabaleros”- 1959- Produção argentina - Roteiro de Augusto Roa Bastos e Armando Bo- Direção: Armando Bo. 4 “Shunko”- 1960- Produção argentina - Roteiro de Augusto Roa Bastos baseado no livro de Jorge W. Avalos - Direção: Lautaro Murúa. 4 “Hijo de Hombre” (“La sed”)- 1961- Produção paraguaio- argentino- espanhola- Roteiro de Augusto Roa Bastos, baseado em um de seus contos (“Choferes do chaco”) - Direção: Lucas Demare. 4 “Alias Gardelito”- 1961-Produção argentina- Roteiro de Augusto Roa Bastos e Solli, baseado em um conto de Bernardo Kordón - Diretor: Lautaro Murúa. 4 “El último piso”- 1962- Produção argentina - Roteiro 98

4 “La Madre María”- 1978- Produção argentina - Roteiro de Augusto Roa Bastos e Lucas Demare, em colaboração com Tomás Eloy Martínez, David J. Kohón e Héctor Grossi- Direção: Lucas Demare. 4 “El portón de los sueños”- 1998- Produção paraguaia- Roteiro de Hugo Gamarra, Gloria Muñoz e colaboração de Augusto Roa Bastos- Direção. Hugo Gamarra.v

* Ele é arquiteto, ator, cenógrafo, fotógrafo, professor e diretor de teatro e televisão. Dentro de seu trabalho prolífico, em relação ao artigo é mencionado especialmente ter sido Diretor Artístico de “O Portón de los Sueños” (1992), documentário-ficção sobre a vida e obra de Augusto Roa Bastos, que anteriormente lhe concedeu os direitos para o estréia mundial da versão teatral de “I The Supreme”, “Filho do Homem” e “O trovão entre as folhas”.


Homenajem a María Rita Galvão Por Rito Torres *

C

om grande pesar comunicamos o falecimento de María Rita Galvão, em São Paulo aos 78 anos. Foi professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e pesquisadora do cinema brasileiro. Diretora de Cinemateca Brasileira e membro do Comitê Executivo da FIAF (1987 - 1993). No campo da preser vação do cinema latino a m e r i c a n o , s o b p e t i ç ã o d a U N E S CO ( 1 9 8 9 ) , visitou todos os arquivos latino -americanos e fez uma revisão das condições dos acervos e de sua preservação. Dessa viagem surgiu o primeiro relatório de pesquisa sobre “A situação do patrimônio cinematográfico na América Latina”, e permitiu desenvolver atividades de formação de técnicos latino-americanos em preservação, na Filmoteca da UNAM e na Cinemateca Brasileira. No marco do Congresso da FIAF – São Paulo 2006, María Rita apresentou a segunda pesquisa sobre “A situação do patrimônio cinematográfico na América Latina”. Para seus colegas latino-americanos em especial para aqueles que a conheceram, além de todo seu fundamental trabalho como pioneira de uma nova geração de pesquisadores e preservadores, fica em nós a lembrança de uma pessoa doce, amável, carinhosa e solidária, que sabia escutar aos outros com atenção e ajudar inclusive além do que podia. Chegue aos colegas Ibero-americanos e à sua família um abraço fraterno e o agradecimento eterno.v

* Coordenador Executivo CLAIM - Arquivos Latino-Americanos de Imagens em Movimento.. http://www.fiafnet.org/pages/News/Maria-Rita-Galvao.html 99


Juán José (Bubi) Stagnaro (1938–2018) #DAC com profunda dor despede a este colega e companheiro, grande teórico e prático do cinema, cuja luz nos continuará acompanhando em todas as telas através das inúmeras obras nas que, de uma ou outra forma, participou com seu talento. Diretor, diretor de fotografia, dono de laboratório, um pouco filósofo, algo de engenheiro e químico também, carreiras que tinha estudado e abandonado pelo cinema e que, tal vez por isso mesmo, sempre definia como uma filosofia “físico química” naqueles corredores dos Laboratórios Alex, onde foi escrita grande parte da história do fílmico argentino. Com “Bubi” Stagnaro toda a imagem perde um especialista e um artista que verdadeiramente sabia como trata-la melhor. E o perdemos todos aqueles que anelamos expressar-nos com imagens.v

Fonte: DAC Cultura

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Esta Revista e a premiação de suas matérias é uma iniciativa da RECAM. A publicação desta primeira edição foi financiada pelo INCAA-Argentina. As opiniões vertidas nos trabalhos são de exclusiva responsabilidade dos autores. 101


A

Reunião Especializada de Autoridades Cinematográficas e Audiovisuais do MERCOSUL (RECAM) foi criada em dezembro de 2003 pela Resolução 49/03 do Grupo Mercado Comum, órgão executivo do MERCOSUL, com o objetivo de criar um instrumento institucional para avançar no processo de integração do MERCOSUL. as indústrias cinematográfica e audiovisual da região. É integrado pelas mais altas Autoridades em assuntos audiovisuais de cada país que fornecem as diretrizes políticas com Presidências Rotativas por semestre. Desenvolve programas de trabalho bienais e, para garantir sua execução e continuidade, o RECAM conta com coordenadores e Pontos Focais em cada país, com o apoio de uma Secretaria Técnica Regional.

Para mais informações sobre o bloco regional do MERCOSUL: www.mercosur.int Conhecer a Rede de Salas Digitais do MERCOSUL: www.mercosuraudiovisual.org Para saber mais sobre RECAM: e seu programa de trabalho www.recam.org Secretário Técnico RECAM Dr. Luis Piera 1992 - Edificio MERCOSUR C.P.: 11200 - Montevideo, Uruguay. Tel.: +598 2411 3019

st.recam set@recam.org y setrecam@gmail.com recam.mercosur recam_mercosur


INCAA Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales Lima 319 (CP C1073AAG) - CABA - Argentina +54 11 4379 -0900


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Reuniรฃo Especializada de Autoridades Cinematogrรกficas e Audiovisuais do MERCOSUL


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