Revista RG News Vol. 5 N°1 2019

Page 1

Revista

RG

NEWS V.5

N.1

2019

Edição Especial

Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos


Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos Diretoria 2019-2020 Presidente: Fernanda Vidigal Duarte Souza – Embrapa Mandioca e Fruticultura Vice-Presidente: Rosa Lia Barbieri – Embrapa Clima Temperado Secretário Executivo: Everton Hilo de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Diretor Financeiro: Juliano Gomes Pádua – Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Vice-Diretor Financeiro: Janay Almeida dos Santos-Serejo – Embrapa Mandioca e Fruticultura Diretor Técnico e de Divulgação: Renato Ferraz de Arruda Veiga – Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola Vice-Diretor Técnico e de Divulgação: Marcos Vinícius Bohrer Monteiro Siqueira – Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral Diretora de Eventos: Ana Cecília Ribeiro de Castro – Embrapa Agroindústria Tropical Vice-Diretor de Eventos: José dos Santos Neto – Instituto Agronômico do Paraná Diretor de Redes Regionais e Curadorias: Manoel Abílio de Queiroz – Universidade do Estado da Bahia Vice-Diretora de Redes Regionais e Curadorias: Semíramis Rabelo R. Ramos – Embrapa Tabuleiros Costeiros Auxiliar Administrativa: Elisângela M. Siqueira - SBRG

Corpo Editorial da Revista RG News Editor Chefe: Renato Ferraz de Arruda Veiga – Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola Editor Chefe-substituto: Marcos Vinícius Bohrer M. Siqueira – Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral Editor Técnico Científico - Área Animal: Afrânio G. Gazolla – Universidade Estadual do Maranhão Editor Técnico Científico - Área Micro-organismos: Maíra Halfen Teixeira Liberal – Pesagro/RJ Editor Técnico Científico - Área Vegetal: Manoel Abílio de Queiróz – Universidade do Estado da Bahia Auxiliar Edição: Elisângela M. Siqueira - SBRG

Corpo Editorial da Edição Especial - Mulheres Editor Chefe: Fernanda Vidigal Duarte Souza – Embrapa Mandioca e Fruticultura Editor Assistente - Área Micro-organismos: Lara Durães Sette – Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho Editor Assistente - Área Animal: Maria do S. Maués Albuquerque – Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Editor Assistente - Área Vegetal: Rosa Lia Barbieri – Embrapa Clima Temperado Editores Associados: Carlos Eduardo Ferreira de Castro – Instituto Agronômico de Campinas Claudineia Regina Pelacani Cruz – Universidade Estadual de Feira de Santana Ergun Kaya – Muğla Sıtkı Koçman Üniversitesi Everton Hilo de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Janay Almeida dos Santos-Serejo – Embrapa Mandioca e Fruticultura Lidyanne Yuriko Saleme Aona – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Patricia Goulart Bustamante – Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento/ Embrapa Sede Samuel Rezende Paiva – Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Saulo Alves Santos de Oliveira – Embrapa Mandioca e Fruticultura Vania Cristina Renno Azevedo – Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia/ Genebank no ICRISAT/CGIAR

Equipe Técnica da Edição Especial - Mulheres Secretário: Everton Hilo de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Revisão de Língua Inglesa: Rogerio Ritzinger – Embrapa Mandioca e Fruticultura Revisão de Língua Espanhola: Fernanda Vidigal Duarte Souza – Embrapa Mandioca e Fruticultura Normas Bibliográficas: Everton Hilo de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Imagem da Capa: Fernanda Vidigal Duarte Souza – Embrapa Mandioca e Fruticultura Diagramação: Anapaula Rosário Lopes – Embrapa Mandioca e Fruticultura Everton Hilo de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia


Revista RG News 5 (1): 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Revista Recursos Genéticos News – RG News Brasília, DF

V.5 (1) 92 p., 2019 ISSN 2526-8074 Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Edição especial – Mulheres – Cruz das Almas, BA, 08 de março de 2019 Imagem Capa: Fernanda Vidigal Duarte Souza

A eventual citação de produtos e marcas comerciais, não expressa, necessariamente, recomendações de seu uso pela SBRG. É permitida a reprodução parcial, desde que citada a fonte.

Existem mulheres fortes e mulheres que ainda não descobriram sua força

Editada pela SBRG


Revista RG News 5 (1): 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

CONTEÚDO Editorial Artigo - Área Vegetal Recursos Genéticos e a conservação in situ de ecossistemas de butiazais no Sul do Brasil

1-4

Sistemas agroflorestais: um elo integrador entre Recursos Genéticos e serviços ambientais

5-12

Recursos Genéticos ornamentales nativos de Argentina: de la colecta a la producción

13-17

M. M. Marchi, R. L. Barbieri e Ê. E. Sosinski Júnior

K. L. Santos, S. P. Cruz, J. C. Niemeyer e A. Siminski G. Facciuto, P. Bologna, V. Bugallo e M. C. Rivera

Artigo - Área Animal A importância das interações entre animais, plantas e micro-organismos na conservação e uso dos Recursos Genéticos

18-22

Contribuição ao conhecimento da bionomia de abelha tiúba, Melipona fasciculata

23-28

Manejo multifuncional dos ecossistemas para manter a diversidade de Recursos Genéticos forrageiros e animais

29-33

M. S. M. Albuquerque, A. N. Salomão e C. S. S. Pires

F. M. Pereira, R. N. Meirelles, J. I. S. Moraes, L. A. Pereira, B. A. Souza e M. T. R. Lopes

S. A. Santos, R. S. J. Soares e M. S. M. Albuquerque

Artigo - Área Micro-organismos Recursos Genéticos microbianos

34-41

O microbioma da rizosfera e sua potencialidade

42-47

Interações simbióticas entre micro-organismos e insetos

48-56

Desvendando as complexas relações entre micro-organismos e plantas

57-63

Micro-organismos e o ser humano: microbiota humana e sua relação com a saúde

64-70

L. D. Sette

S. R. Cotta e A. C. F. Dias

W. G. P. Melo, C. F. Pereira, T. T. H. Fukuda e M. T. Pupo M. C. Quecine e M. L. Bonatelli

C. R. Taddei

Coluna de Opinião O Sistema de Qualidade como uma ferramenta de integração entre os Recursos Genéticos Animais, Microbianos e Vegetais

71-76

As mulheres e os Recursos Genéticos Vegetais

77-80

É possível na conservação on farm conciliar Recursos Genéticos Animais, Microbianos e Vegetais?

87-90

C. S. P. Castro

S. R. R. Ramos, M. T. G. Lopes, P. G. Bustamante, R. L. Barbieri e R. Rodrigues

M. A. Souza e P. G. Bustamante

Instruções para os Autores

91-92


Editorial Tenho o grande prazer de poder trazer a público o primeiro número especial da RG News que é uma homenagem a todas as mulheres que trabalham com Recursos Genéticos, sejam pesquisadoras, agricultoras, extrativistas, guardiãs de sementes e saberes e tantas outras que se envolvem em atividades relacionadas. Esse número é resultado de um convite feito pelo Dr. Renato Arruda Veiga, Editor-chefe dessa revista, como uma forma de reconhecer os esforços dessas mulheres em prol de um tema tão relevante e crucial para a alimentação, agricultura, indústria e setor ambiental. Como me foi dada inteira liberdade na confecção dessa edição especial pensei em um tema que vem despertando, no meu espírito de pesquisadora, não apenas um grande interesse, mas a vontade real de buscar rumos novos para a forma como observamos, avaliamos, conservamos e usamos nossos Recursos Genéticos: a integração entre os Recursos Genéticos animais, microbianos e vegetais. É assim que a natureza trabalha, de forma integrada e associada. Com certeza, esse é um grande desafio para a pesquisa, mas parece que é um caminho sem volta. No artigo da Dra. Lara Durães Sette fica claro que no ambiente, os micro-organismos interagem com eles mesmos e com outros organismos como as plantas e animais, sendo considerado como um insumo tanto no ambiente da pesquisa e desenvolvimento quanto nos processos produtivos. Por isso os estudos envolvendo microbioma associado, seja a animais ou vegetais têm se destacado nos últimos anos e quebrado alguns paradigmas em linhas de pesquisa mais convencionais. O artigo da Dra. Maria do Socorro Maués Albuquerque e colaboradoras mostra que as tendências mundiais convergem para a conscientização de que a conservação e o uso dos Recursos Genéticos não podem mais estar dissociados e que um cenário ideal seria alcançar o equilíbrio das interações entre planta, animal e micro-organismo por meio da conservação e do uso desses importantes Recursos Genéticos. Essa abordagem integrada, das atividades que são intrínsecas a quem trabalha com Recursos Genéticos, ainda é precária, mas alguns dos artigos publicados nessa edição especial já deixam evidente que essa visão já está sendo incorporada por muitos pesquisadores da área. O envolvimento de várias áreas do conhecimento é a primeira constatação sobre esse novo rumo a ser tomado no manejo e na conservação in situ, e ex situ dos Recursos Genéticos. Promover a interação entre essas áreas e buscar o entendimento de como deve ser a abordagem de cada uma delas demanda uma mobilização e expertise em diferentes campos da ciência e tecnologia. Na coluna de opinião, em um primeiro artigo, temos uma visão extremamente importante e atual do sistema de qualidade que vem sendo implantado na Embrapa e a impressão daqueles que têm sido responsáveis por essa implantação. Em outro artigo, um passeio sobre os desafios e avanços da conservação on farm para conciliar Recursos Genéticos animais, microbianos e vegetais, considerando a figura humana dos diferentes tipos de guardiões da biodoversidade. Considerando que nos últimos anos o papel das mulheres na ciência, não apenas tem se tornado cada vez mais relevante, mas tem chamado atenção sobre a necessidade cada vez maior de transformar essa participação em dados concretos, o nosso último artigo de opinião é um convite a conhecer melhor essa realidade no que se refere aos Recursos Genéticos vegetais. Este e os demais artigos mostram o porquê dessa edição especial como uma homenagem a todas as mulheres envolvidas com a conservação, o conhecimento e o uso dos Recursos Genéticos em prol da nossa sociedade. Boa Leitura!

Fernanda Vidigal Duarte Souza Editora do Número Especial - Mulheres


Ă rea Vegetal


Revista RG News 5 (1): 1-4, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Recursos Genéticos e a conservação in situ de ecossistemas de butiazais no Sul do Brasil Marene Machado Marchia, Rosa Lía Barbierib e Ênio Egon Sosinski Júniorc a Embrapa Clima Temperado (Bolsista DTI/CNPq/), Rodovia BR-392, Km 78, 9º Distrito, Monte Bonito, CEP: 96010-971, Pelotas, RS, Brasil. E-mail: marene.marchi@gmail.com b Embrapa Clima Temperado, Rodovia BR-392, Km 78, 9º Distrito, Monte Bonito, CEP: 96010-971, Pelotas, RS, Brasil. E-mail: lia.barbieri@embrapa.br c Embrapa Clima Temperado, Rodovia BR-392, Km 78, 9º Distrito, Monte Bonito, CEP: 96010-971, Pelotas, RS, Brasil. E-mail: enio.sosinski@embrapa.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 1-4

Palavras-chave: Bioma Pampa Butia Uso sustentável Rota dos Butiazais Sociobiodiversidade

RESUMO No Sul do Brasil existem remanescentes de butiazais, ecossistemas com a presença significativa de butiazeiros, palmeiras que produzem cachos de frutos comestíveis, os butiás. Associados aos butiazeiros há uma grande diversidade de animais, plantas e micro-organismos, que caracteriza este ecossistema. Com o objetivo de conservar os butiazais e incentivar seu uso sustentável, foram desenvolvidas várias atividades de pesquisa e de divulgação. Em 2015 foi proposta a Rota dos Butiazais, uma rede conectando pessoas para a conservação in situ e uso sustentável da biodiversidade associada a esses ecossistemas. A Rota dos Butiazais não ficou restrita ao Sul do Brasil, e englobou também o Uruguai e a Argentina e tem incentivado novos empreendimentos de turismo rural, além de promover o empoderamento de agricultores e artesãos. A conservação dos recursos genéticos pelo uso é uma estratégia que vem sendo usada na valorização dos butiazais.

ABSTRACT (Genetic Resources and in situ conservation of butia palm groves ecosystems in southern Brazil) In Southern Brazil there are remnants of butia palm groves, ecosystems with a significant presence of palm trees that produce edible fruits, the “butiás”. Associated with these palms there is a great diversity of animals, plants and microorganisms, which characterizes this ecosystem. To conserve the butia palm groves and encourage its sustainable use, several research and dissemination activities were developed. In 2015, the Butia Palm Groves Network was proposed, connecting people to in situ conservation and sustainable use of biodiversity associated with these ecosystems. This network was not restricted to Southern Brazil, but also encompassed Uruguay and Argentina. It has encouraged new initiatives of rural tourism, as well as promoting the empowerment of farmers and artisans. The conservation of genetic resources through use is a strategy that has been used in the valuation of butia palm groves. Introdução Nos municípios de Tapes e Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul, existem mais de 3000 hectares com remanescentes de butiazais, da espécie Butia odorata (Barb.Rodr.) Noblick, em áreas de campo nativo. Estão em grandes fazendas particulares, umas mais conservadas que outras (Figura 1). Os butiazais formam extensas áreas e são compostos por butiazeiros centenários que produzem muitos frutos. Tradicionalmente, os butiás são Marchi et al., 2019

consumidos in natura, tanto pela fauna associada ao ecossistema, como pelo homem. Hoje em dia esses frutos estão sendo cada vez mais utilizados na gastronomia, em diferentes pratos doces, salgados e bebidas. Os butiazais de Tapes e Barra do Ribeiro estão no Bioma Pampa, em áreas de campo nativo, onde há séculos a pecuária se desenvolve tradicionalmente com o ambiente, permitindo a conservação da paisagem campestre, de grande parte da flora herbácea e da fauna 1


Revista RG News 5 (1): 1-4, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

nativa associada. Por outro lado, o uso da pecuária de forma tradicional não permite a regeneração dos butiazais, o que vem sendo constatado há muito na região, pois o gado pasteja as plântulas, não permitindo o desenvolvimento de novos butiazeiros. Entretanto, pesquisas no Uruguai e no Brasil (RIVAS, 2013; SOSINSKI et al., 2015) demonstraram que com determinadas formas de manejar o gado, é possível conciliar a conservação do ecossistema dos butiazais com a pecuária (Figura 2). Porém, a modificação da matriz agrícola com o cultivo de arroz, soja, pinus e eucalipto vem modificando a paisagem e causando grandes impactos na conservação deste ecossistema único no Brasil. Estes fatos colocaram o butiá na lista de espécies ameaçadas de extinção, chamando a atenção da população para a sua conservação e promovendo pesquisas por parte da Embrapa, Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul e universidades (UFRGS, UFPel, UERGS, Unisinos) para definir formas de manejo da pecuária e possibilitar a regeneração dos butiazeiros.

(mamíferos, aves, répteis, anfíbios e insetos) que se alimentam do butiá e também ajudam na disseminação de novas plantas. Outras espécies da fauna não consomem diretamente os butiás, mas têm importantes relações ecológicas com o ecossistema de butiazais (Figura 3). Exemplo importantes da fauna encontrada nos butiazais da região são a paca (Cuniculus paca), os graxains-docampo (Pseudalopex gymnocercus e o Cerdocyon thous), as capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) e o jacaré-depapo-amarelo (Caiman latirostris). Inúmeras aves se alimentam do butiá, tanto as que habitam áreas úmidas como as terrestres, entre elas a saracura-três-potes (Aramides cajaneus) (BARBIERI et al. 2015).

Figura 3. Uma das várias espécies de sapos que habitam o butiazal. Tapes, RS.

Figura 1. Conservação in situ de ecossistema de butiazal na Fazenda São Miguel. Tapes, RS.

A presença das abelhas nativas sem ferrão, os meliponíneos (Apidae: Meliponini) (WOLFF; WEGNER; HEIDEN, 2016), que visitam as inflorescências dos butiazeiros, é mais um fator importante para se conservar este ecossistema, uma vez que essas abelhas são importantes agentes polinizadores e estão ameaçadas pelo uso de agrotóxicos (Figura 4). Junto com a Apis mellifera (as abelhas com ferrão) e com outros insetos, os meliponíneos facilitam a polinização das inúmeras flores presentes neste ecossistema biodiverso.

Figura 2. Pecuária em ecossistema de butiazais. Tapes, RS.

Associados com os butiazeiros há uma grande diversidade de animais, plantas e micro-organismos que caracterizam este ecossistema. Nas áreas de conservação in situ são observadas muitas espécies da fauna nativa Marchi et al., 2019

Figura 4. Meliponíneo (abelha nativa sem ferrão) no ecossistema de butiazais. Tapes, RS

2


Revista RG News 5 (1): 1-4, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A vegetação, por sua vez, é muito rica e composta por diferentes espécies que formam paisagens campestres típicas do Bioma Pampa. Marchi et al. (2018) identificaram a presença de mais de 260 espécies herbáceas e subarbustivas, pertencentes a 54 famílias, com destaque para Poaceae, Asteraceae, Cyperaceae e Fabaceae. Muitas vezes, essas espécies do campo nativo estão associadas com espécies arbóreas e subarbustivas, formando ilhas de vegetação, originando mosaicos que são verdadeiros refúgios para a fauna. Estes refúgios servem também para a proteção e o desenvolvimento de outras espécies vegetais que precisam de sombra ou pouca luminosidade para crescer. Esses arranjos naturais são formados por várias espécies nativas, principalmente pela capororoca (Myrsine spp.), veludinha (Guettarda uruguensis), assobiadeira (Schinus polygamus), camboimburro (Eugenia uruguayensis), pessegueiro-do-mato (Eugenia myrcianthes), embira (Daphnopsis racemosa), cainca (Chiococca alba) e vassoura-branca (Baccharis dracunculifolia). Estas espécies são comuns também em zonas de transição entre os Biomas Mata Atlântica e Pampa (MARCHI, 2014) (Figura 5).

Figura 6. Fungos e líquens no ecossistema de butiazais. Tapes, RS.

Para que a comunidade começasse a valorizar e compreender a biodiversidade existente nos ecossistemas de butiazais, foram executados vários projetos de pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de produzir avanços no conhecimento científico, divulgar e capacitar as pessoas no uso dos butiazais. Em 2015 foi proposta a Rota dos Butiazais, uma rede conectando pessoas para a conservação e uso sustentável da biodiversidade associada a esses ecossistemas. A Rota dos Butiazais não ficou restrita a Butia odorata, mas agregou várias outras espécies de butiá, além da flora e fauna nativas associadas aos ecossistemas de butiazais no Sul do Brasil, Uruguai e Argentina. Com a realização de exposições de fotos e produtos, produção de vídeos e programas de televisão, artigos na mídia, entrevistas no rádio, ofertas de oficinas de culinária e artesanato com butiá, oficinas de educação ambiental, seminários, palestras e encontros, tem sido possível divulgar e chamar a atenção da sociedade em geral para a importância dos recursos genéticos dos butiazais (Figura 7).

Figura 5. Ecossistema de butiazal com palmeiras centenárias e jovens em campo nativo. Tapes, RS.

A grande diversidade dos recursos genéticos associada aos ecossistemas de butiazais ainda não está totalmente caracterizada. Atividades de pesquisa devem ser realizadas para melhor caracterizar os serviços ecossistêmicos e os atributos do ecossistema que os favorecem. A identificação, caracterização e função dos fungos e líquens, por exemplo, que são a base dos ciclos bioquímicos dos ecossistemas, não está bem estabelecida e precisa ser ampliada e conhecida (Figura 6).

Marchi et al., 2019

Figura 7. Oficina de Educação Ambiental com crianças do 4º ano do Ensino Fundamental I. Giruá, RS.

3


Revista RG News 5 (1): 1-4, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A Rota dos Butiazais tem incentivado novos empreendimentos. Um deles é o Butiazal de Tapes – Turismo Rural, uma microempresa dedicada ao turismo ecológico nos ecossistemas de butiazais no município de Tapes. Outro exemplo é o caso de uma agricultora, que ampliou sua oferta de produtos para além do licor de butiá, desenvolvendo receitas próprias de cucas, geleias, bolos, bombons, sorvetes, sucos e outras delícias, que vende no mercado público de Tapes. A conservação dos recursos genéticos pelo uso é uma estratégia que vem sendo usada no caso dos butiazais. As diferentes atividades desenvolvidas para aumentar o

conhecimento associado aos butiazais, somadas à uma ampla divulgação dos resultados e à participação das pessoas, resulta na apropriação da conservação pela sociedade. Na medida em que a comunidade estabelece novas formas de uso, com agregação de renda, assume a responsabilidade pela conservação e se direciona rumo ao desenvolvimento sustentável. Agradecimento Ao CNPq financeiro.

(Projeto

441493/2017-3)

pelo

suporte

Referências BARBIERI, R.L.; MARCHI, M.M.; GOMES, G.C.; BARROS, C.H.; MISTURA, C.C.; DORNELLES, J.E.F.; HEIDEN, G.; BESKOW, G.T.; RAMOS, R.A.; VILLELA, J.C.; DUTRA, F.A.; COSTA, F.A.; SOSINSKI JR., E.E.; SAMPAIO, L.A.; LANZETTA, P.; ROCHA, P.S.G.; ROCHA, N.; PUPPO, M.; DABEZIES, J.M.; RIVAS, M., Vida no Butiazal. Embrapa Clima Temperado, Pelotas, 2015. MARCHI, M.M. Recursos genéticos da flora herbácea e subarbustiva em um ecossistema de butiazal no Bioma Pampa. 2014. 133 f. Tese (Doutorado em Fitomelhoramento) – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2014. MARCHI, M.M.; BARBIERI, R.L.; SALLÉS, J.M.; COSTA, F.A. Flora herbácea e subarbustiva associada a um ecossistema de butiazal no Bioma Pampa. Rodriguésia, v. 69, p. 553–560, 2018. RIVAS, M. Conservação e uso sustentável de palmares de Butia odorata (Barb. Rodr.) Noblick. 2013. 102 f. Tese (Doutorado em Fitomelhoramento) – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2013. SOSINSKI, E.; HAGEMANN, A.; DUTRA, F.; MISTURA, C.; COSTA, F.A.; BARBIERI, R.L. Manejo Conservativo: Bases para a Sustentabilidade dos Butiazais, Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento. Embrapa Clima Temperado, Pelotas; 2015. WOLFF, L.F.; WEGNER, J.; HEIDEN, G. Butiazeiros como flora apícola para a produção de mel na região sul do Rio Grande do Sul, Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento, 235, Embrapa Clima Temperado, Pelotas, 2016.

Marchi et al., 2019

4


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Sistemas agroflorestais: um elo integrador entre recursos genéticos e serviços ambientais Karine Louise dos Santosa, Sonia Purin da Cruzb, Julia Carina Niemeyerc Alexandre Siminskic a Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Agricultura, Biodiversidade e Florestas, Programa de Pós-Graduação em Ecossistemas Agrícolas e Naturais. Rod. Ulysses Gaboardi CP 101, CEP: 89520-000, Curitibanos, SC, Brasil. E-mail: karine.santos@ufsc.br b Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Ciências Naturais e Sociais, Rod. Ulysses Gaboardi CP 101, CEP: 89520-000, Curitibanos, SC, Brasil. Email: s.purin@ufsc.br c Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Agricultura, Biodiversidade e Florestas, Programa de Pós-Graduação em Ecossistemas Agrícolas e Naturais. Rod. Ulysses Gaboardi CP 101, CEP: 89520-000, Curitibanos, SC, Brasil. E-mail: julia.carina@ufsc.br, alexandre.siminski@ufsc.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 5-12

Palavras-chave: Sistemas integrados de produção Recursos genéticos vegetais Recursos genéticos Microbianos Fauna do solo Conservação

RESUMO Os modelos agrícolas produtivos hegemônicos estão baseados na simplificação dos agroecossistemas, o que acarreta em repercussões negativas sobre os recursos genéticos e serviços ecossistêmicos deles advindos. Com vistas a compatibilizar a produção e a conservação desses recursos, algumas formas de uso da terra e manejo do ambiente buscam reduzir os impactos antrópicos negativos. Nesse cenário, destacam-se os sistemas agroflorestais (SAFs), os quais podem ser geradores de benefícios e serviços ambientais, culturais e sociais. Todavia, apesar dessa relevância, discussões sobre o papel desses sistemas na conservação de recursos genéticos precisam ser aprofundadas. A contribuição desses sistemas para a conservação de recursos genéticos vai depender da sua estrutura, composição, manejo, aspectos culturais, econômicos e ambientais associados. De toda forma, um elemento crucial nesse processo é o solo. Assim, discussões sobre o elo de integração dos sistemas agroflorestais (recursos genéticos vegetais) com a microbiota e fauna edáfica, são essenciais para a perpetuação dos recursos genéticos e manutenção do homem nesses sistemas.

ABSTRACT (Agroforestry systems: a link between genetic resources and environmental services) Hegemonic productive models are based on simplification of agroecosystems, which has negative repercussions on their genetic resources and ecosystem services. In order to reconcile production and conservation of these resources, some forms of land use and environmental management aim to reduce negative human impacts. In this scenario, we highlight the agroforestry systems, which can be promoters of environmental, cultural and social benefits or services. However, despite this relevance, discussions about the role of these systems in the conservation of genetic resources must be expanded. The contribution of these systems to the conservation of genetic resources will depend on their structure, composition, management, cultural, economic and environmental aspects. However, the soil is a crucial element in this process, so discussions about the link between agroforestry systems (plant genetic resources), microbiota and soil fauna, are essential to agroecosystems resilience. repercussões sobre os recursos genéticos e serviços ecossistêmicos deles advindos. Introdução Esse cenário é preocupante tendo em vista a relevância As estratégias produtivas hegemônicas estão baseadas dos recursos genéticos em diferentes dimensões dos na simplificação dos agroecossistemas onde estão ecossistemas naturais e agrícolas. Tais recursos inseridas, o que acarreta em desequilíbrios ecológicos com representam um alto valor biótico estratégico e de Santos et al., 2019

5


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

segurança nacional, garantindo o bem estar de populações humanas. Ademais a demanda de recursos genéticos para atender às atividades agropecuárias industriais e tecnológicas é crescente, em especial com o advento das mudanças climáticas que colocam em cheque nosso sistema de produção e consumo (VILELA-MORALES; VALOIS, 2000; GUERRA et al. 2015). Como propostas para compatibilizar a produção e a conservação desses recursos, surgem algumas formas de uso e manejo da terra que minimizam os impactos antrópicos negativos. Nesse cenário, destacam-se os sistemas agroflorestais (SAFs) (PIETERSEN et al., 2018) que são caracterizados por sistemas produtivos com composição e distribuição desenhadas para a promoção da (agro)biodiversidade. O elemento chave desse sistema é a presença de espécies arbóreas/florestais em conjunto com cultivos agrícolas e ou animais, sendo consorciados na mesma área ou em uma sequencia temporal (NAIR, 1993). Todavia, diversas formas de vida, grupos botânicos, animais e microorganismos também compõem esses sistemas. Ao longo do tempo as definições de SAF evoluíram de um conceito notoriamente agrícola para conceitos que cada vez mais reconhecem e incorporam fatores ambientais, envolvendo inclusive questões sociais e econômicas (BARISAUX, 2017). No mundo, aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas praticam e dependem de sistemas agroflorestais por esses serem geradores de benefícios e serviços ambientais, culturais e sociais (FAO, 2017). Todavia, apesar dessa relevância, discussões sobre o papel desses sistemas na conservação de recursos genéticos precisam ser aprofundadas. A promoção da diversidade, nos sistemas agroflorestais, se dá pelo fato de serem distribuídas espécies vegetais com diferentes arquiteturas favorecendo assim a ocupação de diferentes estratos/nichos, de forma a otimizar a ciclagem de nutrientes e aproveitamento da energia no agroecossistema (PALUDO; COSTABEBER, 2012). Ademais, essa diversidade também é reflexo do sistema de manejo adotado pelos agricultores, que com vistas a satisfazer suas necessidades de subsistência, culturais e econômicas, mantem a diversidade de espécies (PIETERSEN et al., 2018). Dentre as diferentes propostas estruturais e de composição de sistemas agroflorestais, alguns apresentam um potencial maior de promoção e conservação de recursos genéticos, com destaque para os sistemas de agroflorestas sucessionais (ou biodiversos) e os quintais agroflorestais. Nesse contexto, se enquadram especialmente os que são desenvolvidos, implementados e Santos et al., 2019

manejados segundo os princípios da agroecologia, seguindo a definição proposta pela Rede SAFAs para os Sistemas AgroFlorestais Agroecológicos (PARRA et al., 2018) (Figura 1). Essas propostas de sistemas além de oportunizarem a conservação dos recursos genéticos propriamente ditos, favorecem a manutenção dos processos ecológicos, culturais e sociais que geram e mantem esses recursos, bem como as populações humanas deles dependentes (ANDERSON; ZERRIFFI, 2012).

Figura 1. Sistema agroflorestal agroecológico para demonstração de estratégia de recuperação de reserva legal, estabelecido no Campus da UFSC/Curitibanos. Destaque para a cobertura verde mista de inverno, com vistas a recuperação das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.

Pela forma como estão inseridos na paisagem, os SAFs dependem de serviços ambientais para manter-se em equilíbrio, mas também apresentam potencial para promove-los. Em um recente trabalho de revisão desenvolvido por Schuler (2018), 140 artigos científicos sobre SAF no Brasil foram analisados, e os resultados destacaram evidencias científicas de efeitos positivos destes sistemas sobre a qualidade do solo e à provisão de habitat para diferentes espécies. A contribuição desses sistemas para a conservação de recursos genéticos e serviços ecossistêmicos vai depender da sua estrutura, composição, manejo, aspectos culturais e econômicos, proximidade com remanescentes florestais naturais e da paisagem (CASSANO et al., 2009; SAMBUICHI et al., 2012, PIETERSEN et al., 2018). Nesse sentido, esse texto se propõe a discutir a potencialidade dos sistemas agroflorestais como elo integrador e promotor dos recursos genéticos vegetais, com ênfase na fauna e microbiota edáficas. Sistemas agroflorestais e recursos genéticos vegetais Sistemas agroflorestais promovem habitat para espécies florestais, além de exercer a função de corredor ecológico e de zona tampão, minimizando assim os

6


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

impactos das ações antrópicas sobre remanescentes florestais e outros ecossistemas naturais (SAMBUICHI et al., 2012; STEENBOCK et al., 2013; SIDDIQUE; DIONISIO; SIMÕES-RAMOS, 2017). Nesse contexto, os SAFs ganham força especialmente por acomodar parte dos conflitos existentes na questão produção agropecuária/florestal versus conservação de recursos naturais, como pode ser evidenciado no Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), que considera como de interesse social as atividades de manejo agroflorestal sustentável, e a Lei nº 12.854/2013, que fomenta e incentiva ações que promovam a recuperação florestal e a implantação de sistemas agroflorestais em áreas rurais (SIMINSKI; SANTOS; WENDT, 2016). Alguns projetos apontam promissores resultados no uso dos SAFs como indutores da restauração ecológica para recomposição de áreas degradadas, inclusive de Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente (APPs) (SEOANE et al., 2015; BOHN et al., 2016; MICCOLIS et al., 2016; RIGO; SANTOS; SIMINSKI, 2017). Assim, o emprego prioritário de espécies que apresentem características para serem utilizadas quando se busca restauração através do potencial ecológico e os aspectos socioeconômicos pode favorecer a conciliação entre a necessidade de conservação e a promoção do uso dos recursos genéticos por parte dos agricultores (SIMINSKI; DIONISIO; SIMOES-RAMOS, 2016) (Figura 2).

Figura 2. Mutirão de implantação de sistema agroflorestal com base em espécies de ocorrência natural na Floresta Ombrófila Mista (Curitibanos/SC). Destaque para a cobertura verde mista de inverno.

No Brasil a iniciativa “Plantas para o Futuro” buscou identificar as espécies da flora brasileira de uso atual ou potencial, ampliando o conhecimento sobre cada uma delas, e despertando a preocupação pública sobre as

Santos et al., 2019

questões relacionadas à conservação e à promoção do uso das espécies nativas (CORADIN et al., 2011; VIEIRA et al., 2016). Seus resultados apontam centenas de espécies que apresentam potencial de integrar as iniciativas de SAFs com viés de conservação pelo uso. Iniciativas agroflorestais agroecológicas como da Cooperafloresta (STEENBOCK et al., 2013) e da Rede SAFAs (SIDDIQUE; DIONISIO; SIMOES-RAMOS, 2017) trazem para o diálogo, a estreita relação das comunidades com seus recursos agroalimentares, e o papel determinante do envolvimento e empoderamento das pessoas para sua soberania alimentar. Mesmo reconhecendo que existem limitações no conhecimento sobre o papel das agroflorestas em conservar a biodiversidade (JONER, 2017), seu incentivo também busca resgatar os ecossistemas naturais como parte integrante das estratégias produtivas. Sistemas agroflorestais e microbiologia do solo O solo é a parte da biosfera que sustenta a maior diversidade microbiana. Nele, dois grupos principais de microrganismos se destacam em termos de número e riqueza de espécies: fungos e bactérias, que em conjunto representam mais de 90% da biomassa microbiana do solo (SIX et al., 2006). Bactérias e fungos exercem papéis, principalmente dentro do primeiro e segundo nível da cadeia trófica, que são indispensáveis para a sustentabilidade de sistemas agrícolas e florestais (NEHER, 1999). No primeiro nível, destaca-se a atividade fotossintetizante, exercida por bactérias, e também da fixação biológica de nitrogênio. Através da autotrofia, os microrganismos auxiliam no sequestro de carbono e troca de gases entre componentes da biosfera. Com isso, ajudam também a manter a estrutura física do solo: maior aporte de carbono resulta em maior quantidade de carbono sequestrado, mais agentes orgânicos cimentantes e, por consequência, maior estabilidade. Exemplos de grupos de bactérias autótrofas incluem espécies do gênero Nitrobacter (responsáveis pela nitrificação autotrófica), bem como Methylobacterium, Belnapia, Muricoccus e Sphingomonas. Porém estudos a respeito de sua ocorrência e diversidade são escassos (BOER; KOWALCHUK, 2001; CSOTONYI et al., 2010). Em relação a fixação biológica de nitrogênio, as bactérias nodulantes merecem destaque pelo seu papel em auxiliar no estabelecimento de espécies de leguminosas em SAFs, bem como em diversos outros cenários. As leguminosas são frequentemente escolhidas para melhorar a qualidade físico-química do solo e também acelerar o 7


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

processo de estabelecimento florestal (FRANCO; RESENDE; CAMPELLO, 2003), porém o crescimento satisfatório dessas plantas depende de certos grupos de bactérias no solo que são conhecidos como rizóbios, e taxonomicamente pertencem a gêneros como Rhizobium e Bradyrhizobium. O estudo de Lima, Pereira, Moreira (2005) avaliou várias estirpes de bactérias isoladas a partir de SAFs e monocultivo. Nele, a eficiência dessas bactérias foi mensurada em comparação com estirpes de referência. Duas delas, isoladas a partir de sistemas agroflorestais, promoveram médias de 552 e 707 nódulos por planta, valores estatisticamente iguais ao obtido com a estirpe de referência, que foi de 871. Bactérias oriundas de uma área de monocultivo com feijão e arroz, por exemplo, estabeleceram apenas 310 e 369 nódulos, respectivamente. Sabendo-se que a nodulação é determinante do estabelecimento de leguminosas, estas informações sugerem que o sistema agroflorestal seria o que mais indicado para o crescimento inicial, como para a nutrição dessas espécies. Essa sugestão é corroborada pelos valores de nitrogênio absorvido pelo tecido vegetal. As duas estirpes isoladas a partir de sistemas agroflorestais promoveram um aporte de nitrogênio de 0,41 e 0,49 g por planta, valores iguais aos resultantes da inoculação com a estirpe de referência (0,49 g por planta). Já bactérias oriundas de uma área de monocultivo com mandioca e feijão, por exemplo, tiveram estes valores reduzidos para 0,12 e 0,15, respectivamente. No segundo nível da cadeia trófica, destacam-se as atividades de mutualismo, parasitismo e decomposição. Estas podem ser exercidas tanto por fungos como bactérias. Através dessas atividades, os microrganismos auxiliam no processo de ciclagem de nutrientes, na supressão de doenças de plantas e na promoção de crescimento vegetal. É importante ainda salientar que a maioria dos microrganismos presentes no solo é estudada como fonte de antibióticos usados na medicina, principalmente o gênero Streptomyces (ARORA et al., 2018). Em relação a associações mutualísticas, um dos principais grupos compreende os fungos micorrízicos arbusculares. Estes microrganismos são biotróficos obrigatórios, e devido a essa característica eles têm sua ocorrência e atividade diretamente influenciadas pela presença de certas espécies de plantas hospedeiras. Assim, a prática de converter sistemas agrícolas em agroflorestais, pelo fato de aumentar a riqueza de espécies vegetais, traz benefícios diretos para este grupo microbiano.

Santos et al., 2019

Um dos estudos mais recentes sobre este tópico foi conduzido na Etiópia por Birhane et al. (2018). Os autores avaliaram os efeitos da integração de uma leguminosa (Faidherbia albida) em áreas anteriormente cultivadas apenas com sorgo. Observou-se uma redução significativa da infestação de sorgo por Striga hermonthica, parasita de raízes que diminui a produtividade desta gramínea. A inibição da atividade parasítica ocorreu pelo aumento da comunidade de fungos micorrízicos arbusculares, promovida pela leguminosa. A ocorrência de Striga em áreas apenas com sorgo foi de 41 indivíduos a cada 15m2, porém quando ela foi avaliada em área de sistema agroflorestal, este valor mudou para menos de 1 indivíduo, em média. Concomitantemente, a comunidade micorrízica foi beneficiada: o número de esporos de fungos aumentou de 29 para 69/ 100g de solo. Estas duas variáveis estiveram negativamente correlacionadas, evidenciando uma atividade de supressão muito importante. Ela refletiu na produtividade do sorgo, que no sistema de monocultivo foi de 2,35 ton ha-1, enquanto no SAF ela foi de 4,45 ton ha-1. Este estudo demonstra, claramente, um dos exemplos mais impactantes dos SAFs sobre a comunidade fúngica do solo. A atividade de decomposição microbiana no solo, por sua vez, é exercida tanto por fungos como bactérias. No Brasil, este tópico vem sendo alvo de alguns estudos. Bueno et al. (2018) avaliaram a comunidade microbiana em sistemas de SAFs localizados no Paraná. Em um deles, o sistema havia sido recentemente introduzido, enquanto em outro o SAF já estava implantado há 2 anos. No primeiro sistema, a quantidade de fungos foi de 105 por grama de solo, aumentando para 108 no segundo. Além disso, o número de bactérias produtoras de celulase também foi alterado de 105 para 108. A melhoria da densidade destas bactérias indica uma maior atividade decompositora e, consequentemente, maior ciclagem de nutrientes no solo, sustentando assim maior capacidade produtiva dos sistemas agroflorestais. Assis Junior (2003) conduziu em Minas Gerais um estudo para avaliar o processo de decomposição da matéria orgânica através da quantidade de CO2 emitida. Dentre os sistemas avaliados, destacaram-se os valores encontrados para o arroz em monocultivo (201 mg de CO2 m-2 h-1) quando contrastado com a eucalipto em SAF (284 201 mg de CO2 m-2 h-1). Esta diferença reflete um significativo aumento de 41% na atividade biológica. Um estudo de natureza semelhante foi conduzido por Pezarico et al. (2013) no Mato Grosso do Sul. As áreas de SAFs foram as únicas que apresentaram valores de atividade microbiana iguais aos encontrados em mata nativa (média 8


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

de 21 μg g–1 dia–1de C-CO2). Já os locais com lavoura e plantios de erva-mate apresentaram valores estatisticamente menores de atividade microbiana, que variaram entre 11 e 13 μg g–1 dia–1de C-CO2). Estes dados apontam para o impacto positivo dos SAFs na atividade decompositora exercida pela microbiota edáfica. Sistemas agroflorestais e invertebrados do solo Os invertebrados do solo participam de forma crucial para a ciclagem dos nutrientes, estrutura do solo e controle biológico, e por isso, a qualidade do solo nos SAFs também depende da presença destes organismos. Os organismos do solo não só influenciam uma série de funções ecossistêmicas, como também interagem uns com os outros direta ou indiretamente, a partir de relações de competição, facilitação, mutualismo, patogenicidade ou predação. Todas essas relações são influenciadas pelos fatores ambientais como clima, tipo e uso de solo, e também pela composição vegetal. As espécies de árvores presentes têm influência direta sobre a fauna e sobre as condições abióticas no solo (BEHRE; RETTA, 2015). As árvores influenciam as propriedades do solo de diversas formas: pela entrada de material orgânico pela produção de biomassa, quer seja pela queda de folhiço ou pela morte das raízes; aumentam a captura de água da chuva; contribuem para o aumento das concentrações de N pela associação com bactérias fixadoras; as propriedades físicas e químicas das suas folhas, casca, galhos, raízes influenciam a disponibilidade de nutrientes devido à sua composição, influenciando a atividade dos organismos decompositores; e a sombra de suas copas e a deposição de folhiço melhoram as condições microclimáticas no solo, como menor alteração da temperatura e umidade (RHOADES, 1997). Em geral, o solo próximo às árvores é um reservatório de nutrientes que influencia a comunidade e o funcionamento do ecossistema, além de contribuir para o sequestro de carbono. Nestes locais, a tendência é ter maior atividade biológica, incluindo a dos engenheiros de ecossistema, como são chamados os organismos que influenciam a estrutura física do solo, contribuindo inclusive com a formação de habitat para outros organismos do solo (LAVELLE et al., 2006). Entre eles estão as minhocas, cupins e formigas. Com a atividade destes organismos, aumenta a porosidade do solo e diminui sua densidade, melhorando a aeração, infiltração de água, expansão das raízes, e o fluxo dos nutrientes da superfície para dentro do solo. Assim, a atividade destes organismos exerce um “feedback positivo” que favorece o estabelecimento de plantas e a produtividade vegetal. A Santos et al., 2019

atividade destes organismos, sua excreção e a secreção de substâncias contribui de forma direta e indireta (pela maior atividade microbiana) para a estabilidade de agregados, diminuindo assim as chances de erosão ou perda de nutrientes (BOTTINELLI et al., 2015; ORGIAZZI et al., 2016). Vários estudos têm mostrado que as espécies de árvores contribuem de forma diferente para a biodiversidade no solo. Enquanto a revegetação com leguminosas arbóreas teve influência positiva sobre a estruturação e diversidade da comunidade da macrofauna em estudos no Rio de Janeiro (BIANCHI et al., 2017), outros estudos têm demonstrado que espécies que possuem alelopatia, ou cuja composição das folhas seja de difícil degradação, como por exemplo espécies do gênero Pinus ou Eucalyptus, podem ter efeitos negativos sobre a fauna do solo (MARTINS et al., 2013). Espécies de árvores ricas em cálcio também foram associadas com um aumento na diversidade e abundância de minhocas, bem como aumento do pH, cálcio trocável, saturação de bases e taxa de ciclagem de nutrientes (REICH et al., 2005). O tipo de arranjo do SAF também influencia a presença ou ausência de alguns grupos de fauna do solo, como por exemplo, em estudo na Amazônia Colombiana, o arranjo mais complexo, ou seja, com mais espécies de árvores, garantiu maior diversidade de recursos para a fauna mesmo no período mais seco (SALAZAR; BAUTISTA; PATIÑO, 2015). Alguns grupos são muito dependentes da umidade do solo, e isso explica estes resultados. Por isso, a manutenção do microclima favorável no solo e a retenção de água são fatores importantes para manter a diversidade no solo e as funções que estes organismos desempenham. A avaliação da fauna do solo nos SAFs pode ser feita avaliando a diversidade de espécies ou de grupos funcionais, a partir da determinação da riqueza e abundância de cada morfoespécie ou grupo, ou mesmo avaliando a atividade alimentar da fauna do solo. Podemos interpretar que, quanto maior a diversidade de espécies e grupos funcionais, maior a resistência e resiliência do sistema às perturbações, e melhor o funcionamento do ecossistema, nomeadamente na melhora das condições físicas (estrutura do solo), químicas (ciclagem e disponibilidade de nutrientes para as plantas) e biológicas (controle biológico, atividade microbiana). A abundância de organismos predadores também pode indicar um adequado fluxo de energia e indica condições abióticas favoráveis no solo (ROUSSEAU et al., 2012).

9


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Considerações Finais O entendimento das relações entre cada espécie vegetal, o solo e a fauna do solo, bem como, das relações que nós seres humanos estabelecemos com os sistemas, quer seja na definição de sua composição ou no seu manejo; são de fundamental importância para os agricultores e profissionais que se preocupam em manter ou aumentar a produtividade e garantir a manutenção dos recursos genéticos. Nesse sentido, nosso grupo de trabalho vem desenvolvendo estudos que visam elucidar, em especial para as condições da Floresta de Araucária, os principais fatores de interferem sobre os Sistemas Agroflorestais, sua

composição, objetivo (conservação ou produção), e influencias que limitam a adoção desses sistemas pelos produtores rurais. As informações aqui levantadas não sugerem a substituição de ecossistemas naturais florestais por SAFs; no entanto o que queremos enfatizar é que a promoção de sistemas agroflorestais em ecossistemas já alterados ou degradados favorece uma matriz mais diversificada, promovendo a conservação de recursos genéticos, além de mais serviços ecossistêmicos, os quais são de extrema importância para a manutenção dos ecossistemas agrícolas e naturais.

Referências ANDERSON, E.K.; ZERRIFFI, H. Seeing the trees for the carbon: agroforestry for development and carbon mitigation. Climatic Change, v. 115, p. 741-757, 2012. ARORA, N.; KUMAR, S.; SATTI, N.K.; ALI, A.; GUPTA, P.; KATOCH, M. A strain of Streptomyces sp. isolated from rhizospheric soil of Crataegus oxycantha producing nalidixic acid, a synthetic antibiotic. Journal of Applied Microbiology, v. 124, p. 1393-1400, 2018. ASSIS JÚNIOR, S.L.; ZANUNCIO, J.C.; KASUYA, M.C.M.; COUTO, L.; MELIDO, R.C.N. Atividade microbiana do solo em sistemas agroflorestais, monoculturas, mata natural e área desmatada. Revista Árvore, v. 27, p. 35-41, 2003. BARISAUX, M. How have environmental concepts reshaped the agroforestry concept? Bois et forêts des tropiques, v. 1, p. 5-17, 2017. BEHRE, D.H.; RETTA, A.N. Soil Improvement by Trees and Crop Production under Tropical Agroforestry Systems: A Review. Merit Research Journal of Agricultural Science and Soil Sciences, v. 3, p. 18-28, 2015. BIANCHI, M.; SCORIZA, R. N.; RESENDE, A. S., CAMPELLO, E. F. C.; M. E. F., SILVA, M. R. Macrofauna edáfica como indicadora em revegetação com leguminosas arbóreas. Floresta e Ambiente, v. 24, e00085714, 2017. BIRHANE, E.; GEBREMESKEL K.; TADDESSE, T.; HAILEMARIAM, M.; HADGU, K.M.; NORGROVE, L.; NEGUSSIE, A. Integrating Faidherbia albida trees into a sorghum field reduces striga infestation and improves mycorrhiza spore density and colonization. Agroforestry Systems, v. 92, p. 643-653, 2018. BOER, W.; KOWALCHUK, G.A. Nitrification in acid soils: micro-organisms and mechanisms. Soil Biology and Biochemistry, v. 33, p. 853-866, 2001. BOHN, V.; SIMINSKI, A.; SANTOS, K. L.; JONER, F. Sistemas agroflorestais na restauração ambiental: limitação ao uso de espécies exóticas invasoras. In: X CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS AGROFLORESTAIS, 2016, Cuiaba. Anais ... Cuiaba: Sociedade Brasileira de Sistemas agroflorestais, 2016. BOTTINELLI, N.; JOUQUET, P.; CAPOWIEZ, Y.; PODWOJEWSKI, P.; GRIMALDI, M.; PENG, X. Why is the influence of soil macrofauna on soil structure only considered by soil ecologists? Soil and Tillage Research, v. 146, p. 118-124, 2015. BRASIL. Código Florestal. Lei n° 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2012/Lei/L12651.htm>. Acesso em: 20 de agosto de 2018. BRASIL. Lei Nº 12.854, de 26 de agosto de 2013. Fomenta e incentiva ações que promovam a recuperação florestal e a implantação de sistemas agroflorestais em áreas rurais desapropriadas e em áreas degradadas, nos casos que especifica.

Santos et al., 2019

10


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12854.htm>. Acesso em: 20 de agosto de 2018. BUENO, P.A.A.; OLIVEIRA, V.M.T.; GUALDI, B.L.; SILVEIRA, P.H.N.; PEREIRA, R.G.; FREITAS, C.E.S.; BUENO, R.O.; SEKINE, E.S.; SCHWARCZ, K.D. Indicadores microbiológicos de qualidade do solo em recuperação de um sistema agroflorestal. Acta Brasiliensis, v. 2, p. 40-44, 2018. CASSANO, C.R.; SCHROTH, G.; FARIA, D.; BEDE, L.C. Landscape and farm scale management to enhance biodiversity conservation in the cocoa producing region of southern Bahia, Brazil. Biodiversity Conservation, v. 18, p. 577-603, 2009. CORADIN, L.; SIMINSKI, A.; REIS, A. Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: plantas para o futuro – Região sul. Brasília: MMA, 2011. 934p. CSOTONYI, J.T.; SWIDERSKI, J.; STACKEBRANDT, E.; YURKOV, V. A new environment for aerobic anoxygenic phototrophic bacteria: biological soil crusts. Environmental Microbiology Reports, v. 2, p. 651-656, 2010. FRANCO, A.A.; RESENDE, A.S.; CAMPELLO, E.F.C. Importância das leguminosas arbóreas na recuperação de áreas degradadas e na sustentabilidade de sistemas agroflorestais. In: SEMINÁRIO SISTEMAS AGROFLORESTAIS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2003, Campo Grande, MS. Palestras... Campo Grande: Embrapa Gado de Corte; Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste; Corumbá: Embrapa Pantanal, 2003. 24 f. 1 CD ROM. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS ROME - FAO. Agroforestry for landscape restoration: Exploring the potential of agroforestry to enhance the sustainability and resilience of degraded landscapes. 2017. 21p. GUERRA, M.P.; ROCHA, F.S.; NODARI, R.O. Biodiversidade, Recursos Genéticos Vegetais e Segurança Alimentar em um Cenário de Ameaças e Mudanças. In: VEIGA, R.F.A.; QUEIRÓZ, M.A. (Eds.). Recursos Fitogenéticos: a base da agricultura sustentável no Brasil. Viçosa: UFV, 2015. p. 39-52. JONER, F. O papel das Agroflorestas na conservação da Biodiversidade: Estratégias e Conflitos. In: SIDDIQUE, I; DIONISIO, A.C.; SIMOES-RAMOS, G, A. (Eds.). Construindo conhecimentos sobre agroflorestas em rede. Florianópolis: UFSC, 2017. LAVELLE, P.; DECAËNS, T.; AUBERT, M.; BAROT, S.; BLOUIN, M.; BUREAU, F.; MARGERIE, P.; MORA, P.; ROSSI, J. P. Soil invertebrates and ecosystem services. European Journal of Soil Biology, v. 42. p. 2-15, 2006. LIMA, A.S.; PEREIRA, J.P.A.R.; MOREIRA, F.M.S. Diversidade fenotípica e eficiência simbiótica de estirpes de Bradyrhizobium spp. de solos da Amazônia. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 40, p. 1095-1104, 2005. MARTINS, C.; NATAL-DA-LUZ, T., SOUSA, J.P.; GONÇALVES, M.J.; SALGUEIRO, L.; CANHOTO, C. Effects of essential oils from Eucalyptus globulus leaves on soil organisms involved in leaf degradation. PLoS ONE, v. 8, p. e61233, 2013. MICCOLIS, A.; PENEIREIRO, F.M.; MARQUES, H.R.; VIEIRA, D.L.M.; ARCO-VERDE, M.F.; HOFFMANN, M.R.; REHDER, T.; PEREIRA, A.V.B. Restauração ecológica com Sistemas Agroflorestais: Como conciliar conservação com produção: Opções para Cerrado e Caatinga. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN/Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal – ICRAF, 2016, 266 p. NAIR, P.K.R. An introduction to agroforestry. Netherlands: Kluwer Academic Publishers, 1993. NEHER, D.A. Soil community composition and ecosystem processes: Comparing agricultural ecosystems with natural ecosystems. Agroforestry Systems, v. 45, p. 159-185, 1999. ORGIAZZI, A.; BARDGETT, R.D.; BARRIOS, E.; BEHAN-PELLETIER, V.; BRIONES, M.J.I.; CHOTTE, J.L.; DEYN, G.B.; EGGLETON, P.; FIERER, N.; FRASER, T.; HEDLUND, K.; JEFFREY, S.; JOHNSON, N.C.; JONES, A.; KANDELER, E.; KANEKO, N.; LAVELLE, P.; LEMANCEAU, P.; MIKO, L.; MONTANARELLA, L.; SOUZA, F. M.; RAMIREZ, K.S.; SCHEU, S.; SINGH, B.K.; SIX, J.; VAN DER PUTTEN, W.H.; WALL, D.H. Global Soil Biodiversity Atlas. Luxembourg: European Commission, Publications Office of the European Union, 2016. PALUDO, R.; COSTABEBER, J.A. Sistemas Agroflorestais como estratégia de desenvolvimento rural em diferentes biomas brasileiros. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 7, p. 63-76, 2012. PARRA, V.J.; SCHULER, H.R.; SIMÕES-RAMOS, G.A.; MAGNANTI, N.J.; SANTOS, K.L.; DIONÍSIO, A.C.; SIMINSKI, A.; JONER, F.; SIDDIQUE, I. Metodologias de comunicação para o diálogo de saberes: Ações transformadoras da Rede de Sistemas Agroflorestais Agroecológicos do Sul do Brasil-Rede SAFAS. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 13, p. 128-141, 2018.

Santos et al., 2019

11


Revista RG News 5 (1): 5-12, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

PEZARICO, C.R.; VITORINO, A.C.T.; MERCANTE, F.M.; DANIEL, O. Indicadores de qualidade do solo em sistemas agroflorestais. Revista Ciências Agrárias, v. 56, p. 40-47, 2013. PIETERSEN, S.; LÓPEZ-ACOST, J.C.; GOMEZ-DIAS, J.A.; LASCURAIN-RANGEL, M. Floristic diversity and cultural importance in agroforestry systems on small-scale farmer´s livelihoods in Central Veracruz, México. Sustainability, v. 10, p. 1-19, 2018. REICH, P.B; OLEKSYN, J.; MODRZYNSKI, J.; MROZINSKI, P.; HOBBIE, S.E.; EISSENSTAT, D.M.; CHOROVER, J.; CHADWICK, O.A.; HALE, C.M.; TJOELKER, M.G. Linking litter calcium, earthworms and soil properties: a common garden test with 14 tree species. Ecology Letters, v. 8, p. 811–818, 2005. RHOADES, C.C. Single-tree influences on soil properties in agroforestry: lessons from natural forest and savanna ecosystems. Agroforestry Systems, v. 35, p. 71-94, 1997. RIGO, G.; SANTOS, K.L.; SIMINSKI, A. Agroforestry system as strategy for forest restoration in small farms in southern Brazil. In: VII WORLD CONFERENCE ON ECOLOGICAL RESTORATION, 2017, Foz do Iguaçu. Anais…Foz do Iguaçu: Sociedade para a Restauração Ecológica, 2017. ROUSSEAU, G.X.; DEHEUVELS, O.; RODRIGUEZ ARIAS, I.; SOMARRIBA, E. Indicating soil quality in cacaobased agroforestry systems and old-growth forests: The potential of soil macrofauna assemblage. Ecological Indicators, v. 23, p. 535-543, 2012. SALAZAR, J.C.S.; BAUTISTA, E.H.D.; PATIÑO, G.R. Soil macrofauna associated to agroforestry systems in Colombian Amazon. Acta Agronomica, v. 64, p. 214-220, 2015. SAMBUICHI, R.H.R.; VIDAL, D.B.; PIASENTIN, F.B.; JARDIM,J.G.; VIANA, T.G.; MENEZES, A.A.; MELLO, D.L.N.; AHNERT, D.; BALIGAR, V.C. Cabruca agroforests in Southern Bahia, Brasil: tree component management practices and tree species conservation. Biodiversity Conservation, v. 21, p. 1055-1077, 2012. SCHULER, H.R. Evidências científicas do desenvolvimento de sistemas agroflorestais agroecológicos no brasil. 2018. 133 f. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018. SEOANE, C.E.S.; FROUFE, L.C.M.; AMARAL-SILVA, J.; ARANTES, A.C.V.; STEENBOCK, W. Conservação ambiental forte alcançada através de sistemas agroflorestais multiestratificados. 1 - Agroflorestas e a Restauração Ecológica de Florestas. Cadernos de Agroecologia, v. 9, p. 1-11, 2015. SIDDIQUE, I; DIONISIO, A.C.; SIMOES-RAMOS, G.A. Construindo Conhecimentos Sobre Agroflorestas em Rede. Florianópolis: UFSC, 2017. SIMINSKI, A.; SANTOS, K.L.; WENDT, J.G.N. Rescuing agroforestry as strategy for agriculture in Southern Brazil. Journal of Forestry Research, v. 27, p. 739-746, 2016. SIX, J.; FREY, S.D.; THIES, R.K.; BATTEN, K.M. Bacterial and fungal contributions to carbon sequestration in agroecosystems. Soil Science Society of America Journal, v. 70, p. 555-569, 2006. STEENBOCK, W.; SILVA, L.C.; SILVA, R.O.; RODRIGUES, A.S.; PEREZ-CASSARINO, J.; FONINI, R. Agrofloresta, ecologia e sociedade. Curitiba: Kairós, 2013. VIEIRA, R.F., CAMILLO, J,. CORADIN, L. Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: Plantas para o Futuro: Região Centro-Oeste / Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Biodiversidade; (Ed.). Brasília: MMA, 2016. VILELA-MORALES, E.A.; VALOIS, A.C.C. Recursos genéticos vegetais autóctones e seus usos no desenvolvimento sustentável. Cadernos de Ciência & Tecnologia, v. 17, p. 11-42, 2000.

Santos et al., 2019

12


Revista RG News 5 (1): 13-17, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Recursos Genéticos Ornamentales Nativos de Argentina: de la colecta a la producción Gabriela Facciutoa, Paula Bolognaa, Verónica Bugalloa e Marta Carolina Riveraa a Instituto de Floricultura, Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA), Buenos Aires, Argentina. E-mail: facciuto.gabriela@inta.gob.ar; bologna.paula@inta.gob.ar; bugallo.veronica@inta.gob.ar; rivera.marta@inta.gob.ar.

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 13-17

Palavras-chave: Flora Argentina Mejoramiento genetico Variedades ornamentales Conservacion

R E S U M EN El Instituto de Floricultura (Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria, Argentina), trabaja en proyectos de mejoramiento genético que contribuyen con la actividad florícola introduciendo al mercado nuevas variedades desarrolladas a partir de germoplasma nativo. La obtención de variedades es un proceso que se da a través de una serie de pasos que involucran la exploración y colección de germoplasma, su caracterización, tareas de mejoramiento genético y evaluación de los materiales obtenidos. Algunos de los géneros involucrados en el programa son: Alstroemeria, Calibrachoa, Glandularia, Handroanthus y Passiflora. Los estudios fitosanitarios complementan la tarea del mejorador, identificando las patologías más importantes para cada género y evaluando alternativas para su control. La experiencia y conocimientos acumulados hasta el momento, tanto en los aspectos biológicos como en los de gestión, permiten la continuidad de este proyecto y son una referencia para otros con objetivos similares para el uso de las plantas nativas.

ABSTRACT (Ornamental genetic resources native to Argentina: from the collection to crop production) The Institute of Floriculture (National Institute of Agricultural Technology, Argentina), works on plant breeding projects that contribute to the floriculture activity by introducing into the market new varieties developed from native germplasm. The attainment of a variety is a process that takes place through a series of steps that involve the exploration and collection of germplasm, its characterization, breeding and evaluation of the obtained materials. Some of the genera involved in the program are: Alstroemeria, Calibrachoa, Glandularia, Handroanthus and Passiflora. Phytosanitary studies complement the task of the breeder, identifying the most important pathologies for each genus and evaluating alternatives for their control. The experience and knowledge accumulated so far, both in the biological and management aspects, allow the continuity of this project and are a reference for others with similar objectives for the use of native plants. Introducción Sudamérica es una de las regiones más ricas del mundo en biodiversidad. Argentina, el país más austral del continente americano, se diferencia por poseer un clima templado dividido en trece provincias fitogeográficas (CABRERA, 1971). En Sudamérica, los recursos genéticos nativos han sido poco explotados para el desarrollo de plantas ornamentales.

Facciuto et al., 2019

Sin embargo, han participado en el desarrollo de variedades por parte de empresas internacionales, a pesar de las inmensas ganancias que generan, nuestro país no recibe beneficio alguno (BUGALLO et al., 2011). En el Instituto de Floricultura (Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria, Argentina), se trabaja en proyectos de mejoramiento genético que contribuyen con la actividad florícola introduciendo nuevas variedades desarrolladas a partir de germoplasma nativo.

13


Revista RG News 5 (1): 13-17, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

La obtención de variedades es un proceso que se da a través de una serie de pasos que involucran la exploración y colección de germoplasma, su caracterización, tareas de mejoramiento genético y evaluación de los materiales obtenidos. Algunos de los géneros involucrados en el programa son: Alstroemeria, Calibrachoa, Glandularia, Handroanthus y Passiflora. Los estudios fitosanitarios complementan la tarea del mejorador, al identificar las patologías más importantes para cada género y evaluar alternativas para su control. Exploración y colección de germoplama ornamental La gran diversidad de hábitats y climas existentes en la Argentina permiten una variabilidad vegetal distribuida en 248 familias, 1.927 géneros y 9.690 especies, incluyendo 45 géneros y 1906 especies endémicas (ZULOAGA; MORRONE, 1999). Los trabajos de exploración y colección requieren la integración de diversas disciplinas a fin de aumentar la probabilidad de éxito final (STALKER, 1980). Éstas incluyen la botánica, la taxonomía, la citología, la genética, la embriología, la ecología y la bioquímica. La Figura 1 muestra a investigadoras argentinas en viajes de recolección de plantas con potencial ornamental.

Figura 1. Investigadoras argentinas en viajes de recolección. Arriba-izq.: Salitral, Córdoba Arriba-derecha: Parque chaqueño, provincia de Tucumán Abajo: Yungas, provincia de Tucumán.

Facciuto et al., 2019

Al planificar un viaje, es necesario solicitar permisos de recolección requeridos por cada provincia y al finalizar el mismo se debe informar la cantidad de entradas reunidas, su identificación taxonómica y el tamaño de cada muestra. Las plantas recogidas se cultivan en condiciones artificiales y, las que toleran el proceso de domesticación, pasan a formar parte del plantel que se empleará como parental en el mejoramiento genético. La sobrevivencia de las plantas refleja el éxito de un viaje de recolección. Para ello, deben ser ajustados los protocolos para el mantenimiento de las entradas durante los viajes, así como su acondicionamiento (enraizamiento de estacas para los casos de propagación agámica de especies herbáceas, injerto en el caso de plantas leñosas o condiciones de siembra para las semillas) y su cultivo. Caracterización de germoplasma ornamental Los materiales producto de los viajes de recolección son propagados y caracterizados a fin de detectar ventajas y desventajas de cada entrada y conocer sus aptitudes y requerimientos. Los primeros aspectos a definir son las condiciones de cultivo para cada material (maceta o cantero, condiciones de invernáculo o de campo, etc.) y la determinación de los criterios de selección de los caracteres de interés. Dentro de los diferentes usos comerciales a los que apunta la obtención de variedades ornamentales se pueden mencionar: plantas para uso en maceta, cantero o borduras, flor o follaje de corte y plantas para techos verdes, entre otros. En cuanto a los caracteres a evaluar para la selección de plantas para uso en maceta los aspectos morfológicos más relevantes son: la relación flor/follaje, arquitectura de la planta, forma de la inflorescencia, tamaño y color de flores (FACCIUTO et al., 2006). Helechos En base a la exploración de materiales que puedan ser usados como follaje de corte, se encararon trabajos la domesticación y caracterización de helechos para colaborar en la diversificación de la producción y también para disminuir el uso extractivo desde su hábitat natural. Se conformó una colección in vivo de helechos nativos, identificando al menos tres especies con excelente aptitud para ser usados con este propósito (Figura 2). Asimismo, esta caracterización permitió detectar numerosas especies de helechos nativos para uso como plantas en maceta y se ajustaron los protocolos para la propagación por esporas de al menos 35 entradas de helechos. Solari (2017) identificó a Botrytis cinerea, Nigrospora sphaerica y Alternaria sp. como asociados a manchas en las frondes de Doryopteris nobilis, Campyloneurum nitidum y Microgramma sp., respectivamente, con baja incidencia y severidad. Por otra 14


Revista RG News 5 (1): 13-17, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

parte, C. tucumanense, Phlebodium areolatum, Asplenium auritum no mostraron síntomas en condiciones de invernáculo.

Registro nacional de Cultivares (INASE) como ‘Sorpresa Rosa INTA’ (Figure 3) y, actualmente, se encuentra en producción (FACCIUTO; PEREZ DE LA TORRE, 2017). A partir de los materiales obtenidos se comenzó un plan de cruzamientos interespecíficos e inducción de poliploidía (FACCIUTO, 2007). El género no presenta problemas sanitarios importantes, con excepción de infestaciones por trips de las flores.

Figura 2. Colección de helechos nativos en el Instituto de Floricultura.

Mejoramiento genético a partir de recursos genéticos nativos Se llevaron a cabo programas de mejoramiento a partir de especies nativas en los géneros Calibrachoa, Nierembergia, Mecardonia, Glandularia, Alstroemeria, Passiflora, Tecoma y Handroanthus con el objetivo de obtener variedades nacionales adaptadas a las condiciones agroecológicas y de manejo agronómico locales. A continuación, se presentan tres ejemplos de mejoramiento para diferentes usos: Handroanthus para uso en maceta, Calibrachoa para canteros o borduras y Passiflora como planta trepadora. Handroanthus El objetivo de trabajo en el género Handroanthus fue el de obtener plantas con un período juvenil muy corto, que florezcan abundantemente y tengan una arquitectura que las hagan aptas para cultivo en maceta. Para ello, se seleccionaron individuos de H. heptaphyllus con floración en el primer año de cultivo y con variabilidad en cuanto a la ramificación. Se valoraron positivamente los genotipos con la capacidad de florecer sin perder las hojas. Los materiales selectos fueron clonados a partir de injertos y caracterizados en el primer ciclo de cultivo. A partir de estos materiales, se realizó un plan de cruzamientos intraespecíficos y, de la progenie obtenida, se seleccionó uno de los clones por sus aptitudes ornamentales (entrenudos cortos y capacidad de floración manteniendo las hojas). El genotipo seleccionado fue inscripto en el

Facciuto et al., 2019

Figura 3. Variedad ‘Sorpresa Rosa INTA’ (Handroanthus heptaphyllus).

Calibrachoa En el género Calibrachoa, donde la mayoría de sus especies son autoincompatibles, se realizaron autopolinizaciones de las flores en estado de pimpollo para romper su incompatibilidad y poder lograr líneas endocriadas. Además, se obtuvieron hídridos interespecíficos y poliploides. Se aplicó la técnica de mutagénesis por rayos X para aumentar la variación genética en clones seleccionados. A partir de la obtención de la primera generación clonal de plantas pos-tratamiento, se realizó una selección fenotípica en base al objetivo del estudio, sea en la búsqueda de nuevos colores de flor, arquitectura de planta, etc. Se propagaron agámicamente los fenotipos obtenidos para evaluar la estabilidad de los mismos (BOLOGNA, 2009). 15


Revista RG News 5 (1): 13-17, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

En la Figura 4 se presenta una mutante seleccionada con características diferenciales atractivas para el mercado ornamental y el clon de origen. El problema sanitario más importante del género Calibrachoa es la infección de raíces por Fusarium oxysporum (RIVERA et al., 2015). Se iniciaron estudios de control biológico de la enfermedad con aislados de Trichoderma, con resultados alentadores (RE et al., 2017).

Figura 4. Calibrachoa “wild type” –izquierda- y mutante obtenida por radiación X -derecha-

Figura 5. Diversidad genética en especies de Passiflora nativas de Argentina e híbridos obtenidos. a) Passiflora alata; b) P. amethystina; c) P. caerulea; d) híbrido P. amethystina x P. alata; e) híbrido P. amethystina x P. caerulea; f) híbrido doble (P. amethystina x P. caerulea) x (P. amethystina x P. caerulea); g) Variabilidad en el fenotipo floral en especies argentinas e híbridos de Passiflora.

Passiflora El mejoramiento en el género Passiflora se orientó a la obtención de variedades vistosas con flores coloridas, tolerantes a la temperatura invernal de Buenos Aires. Argentina cuenta con 19 especies nativas (DEGINANI, 2001) entre las cuales existe diversidad en los colores de las flores, en el tamaño y forma de las hojas, entre otras (Figura 5). Los híbridos obtenidos presentaron amplia variabilidad en los fenotipos florales como así también en la tolerancia a las bajas temperaturas. Uno de los híbridos con mayor potencial, P. alata x P. amethystina (Figura 5 d), presentó flores grandes con un color novedoso mientras que los del cruzamiento P. amethystina x P. caerulea y su progenie (Figura 5 e y f) mostraron la mayor tolerancia a las temperaturas invernales de Buenos Aires. Las nuevas plantas obtenidas están siendo evaluadas y caracterizadas para su posterior registro como variedad.

Facciuto et al., 2019

Evaluación de las variedades obtenidas Se han realizado Jornadas Demostrativas para la presentación de los materiales selectos a los productores florícolas, paisajistas y público en general con el propósito de difundir y obtener información sobre la aceptación de las mismas. Para ello se hicieron Encuestas de Opinión y se relevó la aceptación por parte de los asistentes. Esta actividad permitió hacer partícipes a los usuarios de los productos derivados de los planes de mejoramiento (Figura 6). Las variedades INTA son transferidas a los productores mediante acuerdos y son asistidos en el cultivo.

16


Revista RG News 5 (1): 13-17, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Conclusiones Los recursos genéticos sudamericanos poseen un inmenso potencial. La explotación del germoplasma nativo requiere de varios pasos: exploración, recolección, domesticación, mejoramiento, producción y comercialización del producto mejorado. En el Instituto de Floricultura del INTA, se trabaja en la obtención de variedades novedosas de plantas a partir de recursos genéticos argentinos en los géneros Alstroemeria, Glandularia y Passiflora, entre otros, de buen comportamiento sanitario. El conocimiento, la experiencia y los materiales acumulados por el trabajo realizado hasta el momento, permiten la continuidad de este proyecto y son una referencia para otros con objetivos similares para el uso de las plantas nativas. Figura 6. Jornadas Demostrativas de plantas ornamentales realizadas en el Instituto de Floricultura. Arriba: Afiches de difusión, abajo: productores florícolas, paisajistas y público en general.

Agradecimientos Las autoras agradecen a todo el equipo de mejoramiento genético del Instituto de Floricultura.

Referencias BOLOGNA, P. Uso de Radiación X como herramienta para el mejoramiento en el género ornamental Calibrachoa (Solanaceae). Tesis Maestría en Genética Vegetal, Área mejoramiento genético. Universidad Nacional de Rosario-INTA. 2009. 101 p. BUGALLO, V.; CARDONE, S.; PANNUNZIO, M.J.; FACCIUTO, G. Breeding advances in Passiflora (passionflower) native from Argentina. Global Science Books, v. 5, p. 23-34, 2011. CABRERA, A.L. Fitogeografía de la República Argentina. Boletín de la Sociedad Argentina de Botánica, v. 14, p. 1-42, 1971. DEGINANI, N. Las especies argentinas del género Passiflora. Darwiniana, v. 39, p. 43-129, 2001. FACCIUTO G. Auto-incompatibilidad de acción tardía e hibridación interespecífica en el género Tabebuia A. I. Gomes ex DC (Bignoniaceae): estudios relacionados con el desarrollo reproductivo. Tesis presentada para optar al título de Doctor de la Universidad de Buenos Aires en el área Ciencias Biológicas, 2007. 173 p. FACCIUTO, G.; PANNUNZIO, M.J.; COVIELLA, M.A.; SOTO, S.; HAGIWARA, J.C.; BORJA, M. Characterization of the ornamental value of Calibrachoa spp native to Argentina. Acta Horticulturae, v. 714, p. 37-42, 2006. FACCIUTO, G; PEREZ DE LA TORRE, M. Sorpresa Rosa INTA: variedad de lapacho para uso ornamental en maceta. RIA: Revista de investigaciones agropecuarias, v. 43, p. 328-329, 2017. RE, M.; WRIGHT, E.R.; HAGIWARA, J.C.; RIVERA, M.C. Evaluación “in vitro” de aislados de Trichoderma para el control de Fusarium oxysporum, patógeno de Calibrachoa. En 4º Congreso Argentino de Fitopatología, 2017, Potrerillos, Mendoza, p 344. RIVERA, M.C.; WRIGHT, E.R.; HAGIWARA, J.C.; GALOTTA, M.F.; STANCANELLI, S. Fusarium sp. causante de marchitez en Calibrachoa. En IV Jornadas de enfermedades y plagas bajo cubierta. 2015, La Plata, p 106. SOLARI, M.V. Caracterización de enfermedades en helechos nativos. Tesis de grado presentada para obtener el título de Ingeniero Agrónomo. Facultad de Agronomía Universidad de Buenos Aires. 2017. 17 p. STALKER, H.T. Utilization of wild species for crop improvement. Advances in Agronomy, v. 33, p. 111-147, 1980. ZULOAGA, F.; MORRONE, O. Catálogo de las Plantas Vasculares de la República Argentina. Missouri Botanical Garden Press: Missouri, 1999, 1269 p.

Facciuto et al., 2019

17


Ă rea Animal


Revista RG News 5 (1): 18-22, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

A importância das interações entre animais, plantas e micro-organismos na conservação e uso dos Recursos Genéticos Maria do Socorro Maués Albuquerquea, Antonieta Nassif Salomãoa e Carmem Silvia Soares Piresa a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Pq EB, av. W5 norte final, Cx.P. 02372, CEP: 70770.917, Brasília, DF, Brasil. E-mail: socorro.maues@embrapa.br, antonieta.salomao@embrapa.br, carmem.pires@embrapa.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 18-22

Palavras-chave: Conservação, Funções ecológicas, Produção sustentável.

RESUMO Na natureza há um equilíbrio dinâmico que resulta na coexistência harmônica dos organismos. As espécies vegetais, animais ou microbianas, dependem umas das outras, em maior ou menor grau, interagem entre si e com os elementos abióticos do meio ambiente, desempenhando assim, funções ecológicas de importância vital para o planeta. Um cenário ideal seria alcançar o equilíbrio dessas interações tróficas nos agroecossistemas por meio da conservação e do uso dos recursos genéticos. Observa-se, contudo, que muitas dessas interações nem sempre são possíveis de serem mantidas nos agroecossistemas devido à estratégia e à técnica de conservação requerida pelas espécies ou raças. Quem trabalha com recursos genéticos, em suas mais diversas formas, gêneros, espécies, raças e tipos, está ciente de que eles são a base genética necessária aos programas de melhoramento e de real importância para a sustentabilidade, segurança alimentar e sobrevivência humana. Nas atividades diárias específicas e pertinentes à conservação dos recursos genéticos animais, vegetais ou microbianos, suas interações têm sido negligenciadas. Entretanto, as interações entre as diferentes espécies e grupos de espécies devem ser consideradas nas estratégias de conservação in situ. Nesse artigo é feita a abordagem sobre a importância das interações entre as espécies, e a importância das mesmas para a conservação e o uso dos recursos genéticos animais, vegetais e microbianos.

ABSTRACT (The importance of interactions between animals, plants and microorganisms in the conservation and use of Genetic Resources) In nature there is a dynamic equilibrium that results in the harmonious coexistence of organisms. Plant, animal or microbial species, depend on one another, to a greater or lesser degree, and interact with each other and with the abiotic elements of the environment, thus performing ecological functions of vital importance to the planet. An ideal scenario would be to achieve the balance of these interactions through the conservation and use of genetic resources. It is observed, however, that such interactions are not always possible due to the conservation strategy and technique required by species or races. Those who work with genetic resources in their most diverse forms, genera, species, breeds and types are aware that they are the genetic basis for breeding programs of real importance for sustainability, food security and human survival. In specific daily activities relevant to animal, plant or microbial genetic resources, their interactions are almost neglected. However, these interactions do exist and should be considered in in situ conservation strategies. This article approaches the importance of these interactions among species, and their importance for the conservation and use of animal, plant and microbial genetic resources.

Albuquerque et al., 2019

18


Revista RG News 5 (1): 18-22, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Introdução Tendências mundiais convergem para a conscientização de que a conservação e o uso dos recursos genéticos não podem mais estar dissociados. Tais tendências são o resultado do maior entendimento das interações existentes na natureza, levando assim, a uma abordagem holística ao se tratar da conservação e do uso dos recursos genéticos. Nesse contexto, a conservação e o uso dos recursos genéticos devem favorecer os ganhos em produtividade e a sustentabilidade ambiental. Isso só é possível se repetirmos o que ocorre na natureza. Na natureza há um equilíbrio dinâmico que permite a coexistência harmônica dos organismos. As espécies vegetais, animais ou microbianas, dependem umas das outras, em maior ou menor grau, interagem entre si e com os elementos abióticos do meio ambiente, desempenhando assim, funções ecológicas de importância vital para o planeta (CONTI; GUIMARÃES; PUPO, 2012). Há várias formas de interações entre os organismos, diferindo em função da dependência que os organismos mantêm entre si. Quem trabalha com recursos genéticos, em suas mais diversas formas, gêneros, espécies, raças e tipos, está ciente de que eles são a base genética necessária aos programas de melhoramento e de real importância para a sustentabilidade, segurança alimentar e sobrevivência humana. Nas atividades diárias específicas e pertinentes aos recursos genéticos animais, vegetais ou microbianos, suas interações são quase despercebidas. Entretanto, essas interações existem e devem ser consideradas (Figuras 1, 2 e 3). Um exemplo das interações descritas acima é a associação de animais herbívoros, como bois, cabras, ovelhas entre outros, com micro-organismos que vivem no interior do seu sistema digestório, já que esses não são capazes de digerir a celulose, substância presente em grande quantidade nas plantas que os alimenta. Esses animais dependem da associação com os micro-organismos (fungos, bactérias e protozoários) que são capazes de digerir essa substância. Nessa relação, um organismo não sobrevive sem o outro. Os micro-organismos fornecem aos herbívoros produtos da digestão da celulose e os herbívoros, por sua vez, fornecem abrigo e celulose aos micro-organismos. Isso nos dá a certeza que, de acordo com Hirata e Andrade Filho (2011, apud YOUNÉS, 2001) os microorganismos são essenciais para a sobrevivência de todos os organismos, como componentes básicos das cadeias alimentares e desempenham papéis cruciais e únicos nos ciclos biogeoquímico do planeta. Eles são vitais para o funcionamento e manutenção dos ecossistemas e, em geral, Albuquerque et al., 2019

da biosfera. Como contribuintes principais nos ciclos biogeoquímicos, desempenham atividades únicas e indispensáveis na circulação geral da matéria, da qual dependem todos os demais organismos, inclusive o homem. Nesse artigo as autoras fazem uma breve abordagem sobre a importância das interações entre animais, vegetais e micro-organismos para o equilíbrio dos ecossistemas, mostram alguns exemplos dessas relações e como elas afetam a conservação e o uso dos recursos genéticos. Desenvolvimento Um cenário ideal seria alcançar o equilíbrio das interações entre planta, animal e micro-organismo por meio da conservação e do uso dos recursos genéticos. Observase, contudo, que tais interações nem sempre são possíveis devido à estratégia e à técnica de conservação requerida pelas espécies ou raças. Outro aspecto a ser considerado é o fato das relações entre plantas, animais e micro-organismos estarem fragilizadas devido às distintas formas de ações antrópicas que refletirão em seus ciclos reprodutivos e em sua maior exposição aos estresses bióticos e abióticos, entre outros, o que os torna mais susceptíveis às mudanças climáticas. Agrega-se a isso, uma tendência em dissociar as interações existentes e necessárias entre os recursos genéticos animais, vegetais e microbianos de seus usos eficientes, dos ganhos em produtividade e da sustentabilidade dos agroecossistemas. Há, contudo, uma estreita interdependência entre os recursos genéticos animais, vegetais e microbianos. Em um Núcleo de Conservação, por exemplo, onde os animais são mantidos nas condições naturais em que desenvolveram suas características adaptativas, é evidente a interação entre eles e os recursos genéticos vegetais e microbianos (MORAES et al., 2016). Podemos citar a interdependência dos animais herbívoros com as plantas, indispensáveis a sua alimentação, na grande maioria pastagens, sendo fundamental a interação entre plantas e bactérias endofíticas e epifíticas. Em contrapartida, temos a importância dos animais para a dispersão de sementes e reciclagem de nutrientes. Os dispersores de sementes são fundamentais na manutenção da diversidade nas populações das diferentes espécies de plantas. Com relação à interação planta-herbívoro, entende-se como herbivoria o ato de um animal consumir o vegetal, seja ele inteiro ou partes do mesmo. Podendo ser considerado um parasita, se consumir parte da planta ou predadores consumir o vegetal inteiro. A herbivoria afeta diretamente o desenvolvimento e crescimento das plantas, 19


Revista RG News 5 (1): 18-22, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

sendo assim, algumas espécies desenvolveram mecanismos contra essa prática. Dentre as principais adaptações contra a herbivoria, destacam-se a produção de metabólitos tóxicos, teor de sílica, teor de fibra. Metabólitos secundários podem deixar o vegetal impalatável ou então funcionarem como um repelente. Dessa forma, as plantas se defendem dos animais predadores e em resposta, estes se utilizam de estratégias para contornar os mecanismos de defesa das plantas (VIANA et al., 2007; SANTOS et al., 2011).

de agentes polinizadores para a sua reprodução, umas são totalmente dependentes, como plantas do gênero Passiflora, outras têm dependência moderada desses animais, como o café.

Figura 3. Interação planta-animal: flor de pau-brasil (Paubrasilia echinata Lam. Gagnon, H.C.Lima & G.P.Lewis) e abelha africanizada Apis melífera (Hymenoptera: Apidae).

Figura 1. Interação planta-animal: Rebanho bovino da raça Crioula Lageana em pastagem natural na Fazenda Bom Jesus de Herval no município de Ponte Alta, SC.

Figura 2. Interação planta-animal: Cavalo da raça Campeira em pastagem natural no Campo Experimental Sucupira (CES) da Embrapa, Brasília, DF.

Como outro exemplo de interação animal-planta podemos citar a polinização, interação existente entre animais como aves, mamíferos e insetos e as plantas, associação muito relevante do ponto de vista da conservação in situ dos recursos genéticos vegetais. As plantas de interesse agrícola dependem de forma variável Albuquerque et al., 2019

Na Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos – PBBSE (2018) há uma estimativa de que o volume de produção de culturas agrícolas que dependem da interação inseto-planta aumentou em 300% nas últimas cinco décadas e que atualmente, mais de três quartos dos principais tipos de culturas alimentares globais dependem em certa medida da polinização animal para garantir volume e qualidade da produção. Contabiliza ainda, que aproximadamente, 8% da produção agrícola global esteja diretamente relacionada à polinização animal, o que corresponde a um mercado com montantes de bilhões de dólares. No Brasil, a riqueza gerada com auxílio dos polinizadores foi avaliada em torno de US$ 12 bilhões, levando em conta 40 culturas e os dados de produção de 2012 (GIANNINI et al., 2015). Diferente de outros grupos de insetos, as abelhas em todos os estágios de vida alimentam-se exclusivamente de recursos florais. Com isso precisam visitar grande variedade de flores onde coletam o pólen (fonte de proteína) e o néctar (fonte de carboidrato) para suprir sua necessidade alimentar. A atividade de polinização é, portanto, uma ação involuntária dos polinizadores e essencial à vida das plantas que desenvolvem estratégias como cheiros, cores e sabores para atraí-los. As abelhas têm um papel importante no desenvolvimento e reprodução das espécies já que, ao transportar o pólen entre as plantas,

20


Revista RG News 5 (1): 18-22, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

asseguram a variabilidade genética tão importante ao o equilíbrio dos ecossistemas (MARTINS, 2013). A estratégia de conservação on farm é dinâmica e permite a conservação e o uso da biodiversidade agrícola, a regulação ambiental, a inserção de produtos orgânicos e de variedades tradicionais no mercado. Nessa estratégia de conservação os genótipos dos recursos genéticos animais e das espécies vegetais negligenciadas e subutilizadas (NUS: neglected and underutilized species), assim como das tradicionalmente cultivadas estão em processo de seleção natural, o que favorece as interações entre plantas, animais e micro-organismos (BARBIERI et al., 2014). Alguns estudos têm mostrado a importância das interações ou interelações simbióticas (plantas/ fungos micorrízicos arbusculares ou bactérias fixadores de nitrogênio) e mutualísticas (plantas/ animais polinizadores ou dispersores de sementes), entre outras e os ganhos em produtividade e sustentabilidade (RIBEIRO et al., 2012). Como exemplo, tem-se a redução dos custos de produção ao se utilizar leguminosas forrageiras anuais como adubo verde em simbiose com bactérias fixadoras de nitrogênio e o aumento de produtividade de forrageiras, palmeiras, oleaginosas, fruteiras e hortaliças por meio da polinização promovidas pelas abelhas (Leguminosas forrageiras de clima tropical e temperado, 2018). Por exemplo, na caatinga a sustentabilidade do agroecossistema e a manutenção da produtividade são obtidas com a utilização de espécies autóctones adaptadas

ao estresse hídrico e aos solos daquele bioma para a alimentação de bovinos, caprinos e ovinos (POMPEU et al., 2015).

Conclusão

As diferentes interações são fruto de processos de coevolução entre as diferentes espécies de plantas, animais e microorganismos, que em constante desenvolvimento, asseguram o equilíbrio da vida no ecossistema terrestre. Baseado nisso, é pertinente explorar essas relações para que sejam utilizadas com o propósito de conferir melhorias e aumento de produtividade que representem alternativas de manejo para estimular o uso dos recursos genéticos em sistemas de produção sustentáveis. Nesse contexto, esforços devem ser envidados na busca da manutenção do equilíbrio das interações entre os recursos genéticos animais, vegetais e microbianos. Além disso, deve-se trabalhar nos agroecossistemas de modo a promover a perfeita sintonia entre os recursos genéticos e os demais componentes do meio ambiente, assim como mantê-los disponíveis para a utilização racional pelo homem. Portanto, é de suma importância convergir de atividades de rotina e de pesquisa para potencializar e viabilizar as interações e funções entre os recursos genéticos animais, vegetais e microbianos, garantindo as melhores condições de conservação e uso desses recursos.

Referências BARBIERI, R.L.; GOMES, J.C.C.; ALERCIA, A.; PADULOSI, S. Agricultural biodiversity in Southern Brazil: integrating efforts for conservation and use of neglected and underutilized species. Sustainability, v. 6, p. 741-757. 2014. CONTI, R.; GUIMARÃES, D. O.; PUPO, M. T. Aprendendo com as interações da natureza: microrganismos simbiontes como fontes de produtos naturais bioativos. Ciência e Cultura, v. 64, p. 43-47. 2012. GIANNINI, T.C.; CORDEIRO, G.D.; FREITAS, B.M.; SARAIVA, A.M.; IMPERATRIZ‑FONSECA, V.L. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology, v. 108, p. 109, 2015. HIRATA, C.A.; ANDRADE FILHO, G. Abordagem teórica das interações ambientais entre nutrição de planta e microrganismos. Revista Geográfica, v. 20, p. 191-216. 2011. Leguminosas forrageiras de clima tropical e temperado. Disponível em:<sites.usp.br/gefepfzea/wpcontent/uploads/sites/134/2014/05/Leguminosas>. Acesso em: 06 Ago. 2018. MARTINS, A.C. Abordagens históricas no estudo das interações planta -polinizador. Oecologia Australis, v. 17, p. 229242, 2013. MORAES, J.C.F.; SILVA, K.M.; LEAL, T.M.; AZEVEDO, H.C.; SANTOS, S.A.; FACO, O.; BRAGA, R.M. Núcleo de conservação de ovinos. In: MAUES, M.S.; IANELLA, P. (Ed.). Inventário de Recursos Genéticos Animais da Embrapa. Brasília, DF: Embrapa 2016, 108p. Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. Disponível em:< https://www.bpbes.net.br/polinizadores-alem-das-flores/>. Acesso em: 06 Ago. 2018. POMPEU, R.C.C.F.; SOUZA, H.A.; GUEDES, F.L. Opções e estabelecimento de plantas forrageiras cultivadas para o Semiárido Brasileiro. Sobral – CE: Embrapa Caprinos e Ovinos, 18 p., 2015.

Albuquerque et al., 2019

21


Revista RG News 5 (1): 18-22, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RIBEIRO, L.; SILVA, M.G.B.; MEIRELLES, P.R.L.; FERNANDES, S.R.; CRUZ, T.A.; COSTA, C.; CAVASSANO F.C.; KOWALSKI, L.H. Interações entre animais e plantas e a sua importância para o consumo de forragem. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias, v. 107, p. 5-13. 2012. SANTOS, N.L.; SILVA, V.C.; MARTINS, P.E.S.; ALARI, F.O.; GALZERANO, L.; MICELI, N.G. As interações entre solo, planta e animal no ecossistema pastoril. Ciência Animal, v. 21, p. 65-76. 2011. VIANA, M. C. M.; SILVA, E. A. da; GONTIJO NETO, M. M. ALVARENGA, R. C.; BOTELHO, W. Interação soloplanta-animal no sistema Integração lavoura-Pecuária. Informe Agropecuário, v. 28, p.104-111. 2007.

Albuquerque et al., 2019

22


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Contribuição ao conhecimento da bionomia de abelha tiúba, Melipona fasciculata Fábia de Mello Pereiraa, Rafael Narciso Meirellesb, Joseane Inácio da Silva Moraesc, Leudimar Aires Pereirad, Bruno de Almeida Souzae e Maria Teresa do Rêgo Lopesf a Embrapa Meio-Norte, Av. Duque de Caxias, nº 5.650, Bairro Buenos Aires, CEP: 64008-780, Teresina, PI, Brasil. E-mail: fabia.pereira@embrapa.br b Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, R. Maal. Floriano Peixoto, 4557 – Agrícola, São Luiz Gonzaga, RS, Brasil. E-mail: rafael-meirelles@uergs.edu.br c Unidade Escolar Professor Antônio Tarciso Pereira e Silva, R. Dr. Hugo Prado, 45-143, Bairro Vale Quem Tem, CEP: 64057-392, Teresina, PI, Brasil. E-mail: joseanein@hotmail.com d Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella, Bairro Ininga, CEP: 64049-550, Teresina, PI, Brasil. E-mail: aireslp@yahoo.com.br e Embrapa Meio-Norte, Av. Duque de Caxias, nº 5.650, Bairro Buenos Aires, CEP: 64008-780, Teresina, PI, Brasil. E-mail: bruno.souza@embrapa.br f Embrapa Meio-Norte, Av. Duque de Caxias, nº 5.650, Bairro Buenos Aires, CEP: 64008-780, Teresina, PI, Brasil. E-mail: maria-teresa.lopes@embrapa.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 23-28

Palavras-chave: Arquitetura do ninho Meliponicultura Meliponini Substrato de nidificação

RESUMO Uma alternativa para a conservação de abelhas-sem-ferrão é o desenvolvimento da meliponicultura como atividade econômica de forma racional e não apenas exploratória. No entanto, é necessário que se realize mais estudos sobre a biologia desses insetos para subsidiar programas de manejo e preservação das colônias. Este estudo teve como objetivo descrever hábitos de nidificação e estrutura de ninhos de Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854 do Cerrado do Piauí. Foi medido o diâmetro, o comprimento da cavidade e a espessura da madeira das espécies de plantas utilizadas para a construção dos ninhos. Quando possível, essas espécies de plantas foram identificadas. Para caracterizar a arquitetura do ninho, são apresentadas estrutura e forma do ninho, quantidade e área de discos de cria, tamanho de células de cria, tamanho de potes de mel e pólen, número de células de cria. Foi observada preferência por nidificação em espécies com madeira de textura e densidade média variando de 0,61 a 1,00 g / cm³ e grande capacidade de adaptação ao substrato de nidificação das abelhas tiúba, que podem construir seus ninhos em cavidades com grande variação de volume e formato.

ABSTRACT (Contribution to the knowledge of the Bionomy of stingless bee tiuba, Melipona fasciculata) An alternative for the conservation of stingless bees is the development of meliponiculture as an economic activity in a rational way and not only exploratory. However, further studies on the biology of these insects are needed to subsidize programs of management and preservation of the colonies. This study aimed to describe nest building habits and nest structure of Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854 from Cerrado of Piauí. The diameter, cavity length, and thickness of the wood of the plant species used for nest building were measured. When possible, these species of plants were identified. In order to characterize the nest architecture, data relative to the structure and form of the nest, number and area of brood combs, size of brood cells, size of honey and pollen pots, and the number of brood cells are presented. It was observed preference for nesting in species with wood of medium texture and density varying from 0.61 to 1.00 g / cm³ and great capacity of adaptation to the nesting substrate of the tiuba bees, which can build their nests in cavities with great variation of volume and format. Introdução As abelhas da tribo Meliponini (Hymenoptera: Apidae) são conhecidas como abelhas-sem-ferrão por terem este Pereira et al., 2019

órgão atrofiado. Com hábitos sociais e abundantes nas regiões subtropicais e tropicais, estes insetos possuem um importante papel na preservação ambiental e exploração

23


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

econômica (SERRA et al., 2009; MICHENER, 2013). O Estado do Piauí dispõe de uma grande diversidade de espécies de Meliponíneos, que tem apresentado potencial para a produção de mel, principalmente por estarem adaptados as condições climáticas e florísticas da região. Dentre essas espécies, a tiúba, Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854, se destaca pela elevada produção quando comparada com outras espécies, sendo uma excelente alternativa de fonte de renda para produtores da região Meio-Norte do Brasil (MACHADO et al., 2010). Com o avanço das áreas de desmatamento, seja para ocupação urbana ou para novas áreas agrícolas, o habitat das abelhas-sem-ferrão tem diminuído ao longo dos anos. As alterações no ambiente natural, com destruição de ninhos, isolamento geográfico, diminuição da florada nativa e, consequentemente, redução da capacidade de suporte do ambiente, tem colocado estas espécies sob o risco de extinção (LIMA-VERDE; FREITAS, 2011; SILVA; PAZ, 2012). A meliponicultura, criação destas abelhas para fins econômicos ou como hobby, explora o ambiente ao mesmo tempo que demanda sua conservação, uma vez que auxilia na manutenção das colônias e das matas, fonte da matéria-prima para todos os produtos oriundos das abelhas. Neste sentido, a criação racional destas abelhas tem contribuído para a preservação de determinadas espécies, além de promover o uso sustentável em comunidades rurais que vivem próximas às áreas de interesse conservacionista ou em áreas degradadas (HRNCIR; KOEDAM; IMPERATRIZ-FONSECA, 2017). Além disso, a meliponicultura está em crescimento, o que incentiva novos produtores (CONTRERA; MENEZES; VENTURIERI, 2011). No entanto, o manejo adequado das colônias depende, dentre outros fatores, do conhecimento das características biológicas de cada espécie para que se possa adaptar e desenvolver técnicas de manejo que permitam o adequado desenvolvimento das colônias e fortalecimento da atividade de forma racional e eficiente (SOUZA; CARVALHO; ALVES, 2008). Assim, estudos da bionomia de abelhas-sem-ferrão são importantes. O objetivo deste trabalho foi estudar o hábito de nidificação e a estrutura do ninho de Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854 oriundos da região do Cerrado do Piauí.

Pereira et al., 2019

Material e Métodos Os dados foram coletados entre os anos de 2010 e 2015 com 20 colônias de tiúba Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854, instaladas em troncos de árvores, sendo 17 originárias do município de Guadalupe, Piauí (06°47’13”S e 43°34’09”W, altitude de 177 m), três do município de Uruçuí, Piauí (07°13’46”S e 44°33’22”W, altitude de 167 m). Durante o ano de 2017 algumas medições adicionais foram realizadas em dez colônias instaladas em cortiços ou modelos de colmeias racionais, localizadas no meliponário da Embrapa Meio-Norte, Teresina, Piauí (5º05`S e 42°49`W). Ao se proceder a transferência das colônias dos troncos de árvores ou cortiço para colmeias racionais procurou-se identificar as espécies de plantas que abrigavam os ninhos, sempre que possível, e mensurar o comprimento do tronco e a circunferência externa. Após o tronco ser aberto, permitindo o acesso ao ninho, aferiu-se as variáveis relacionadas ao volume ocupado pela colônia, intrínsecas ao substrato de nidificação: diâmetro da cavidade (cm), comprimento da cavidade (cm), espessura da madeira (cm). Posteriormente contou-se a quantidade de discos de cria e mensurou-se estes discos (altura, largura e comprimento), as células de cria (altura, diâmetro e número de células por cm²), potes de alimentos (altura, diâmetro e volume ocupado por potes de mel e pólen), e medidas inerentes à espécie e ao seu comportamento e organização do ninho (comprimento e espessura do túnel de entrada). As medições foram realizadas com paquímetro digital e fita métrica. O diâmetro de células e número de células por 4 cm² foram observados por amostragens em cada ninho. Foram medidas três células, escolhidas aleatoriamente, por disco de cria e realizada uma contagem de células por ninho. A contagem era feita colocando-se uma placa de acrílico transparente com um quadro desenhado (2 x 2 cm), sobre o ninho, registrando o número de células dentro do quadro (AIDAR, 1996). Com as medidas foram realizados os cálculos de volume da cavidade, ocupado por cria e por alimento. Também, foi estimado o tamanho da população de abelhas em cada ninho, com base na fórmula proposta por Ihering (1930): população de abelhas = número de células de cria x 1,5.

24


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Resultados e Discussão Todos os ninhos de tiúba, Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854, encontrados estavam instalados em cavidades de árvores nativas. Foi possível identificar a espécie arbórea utilizada para nidificação em 10 colônias estudadas. Cinco nidificações foram realizadas em pau-deterra-da-folha-miúda (Qualea parviflora Mart.) (Vochysiaceae), três em faveira (Parkya platycephala Benth) (Mimosoideae), um em catinga-de-porco (Terminalia fagifolia Mart.) (Combretaceae) e um em pequizeiro (Caryocar brasiliense Cambess.) (Caryocaceae). Nenhuma das espécies arbóreas identificadas neste estudo é exótica, o que demonstra a necessidade da preservação da flora nativa da região com a finalidade de garantir substrato de nidificação para as colônias de tiúba. Serra et al. (2009) também não observaram uso de plantas exóticas como substrato de nidificação de abelhas-semferrão no Maranhão. Os Meliponineos são muito seletivos na escolha da espécie arbórea usada como substrato de nidificação e buscam características específicas de madeira que auxiliem a proteção do ninho e sobrevivência da cria. Em função destas características, não se observa um número grande de espécies utilizadas com essa finalidade. Martins et al. (2004) identificaram 227 ninhos de sete espécies de

Meliponineos na Caatinga e observaram que Caesalpinia pyramidalis e Commiphora leptophloeos eram usadas como substrato de nidificação de 75% dos ninhos. Serra et al. (2009) realizaram experimento semelhante no Maranhão e verificaram que 62% dos ninhos observados foram construídos em apenas duas espécies de árvore, Qualea parviflora e Salvertia convallariodora, ambas da família Vochysiaceae. Como as abelhas-sem-ferrão possuem forte relação com o ambiente de origem e não costumam migrar (ROUBIK, 2006), é necessário que se amplie o conhecimento das plantas utilizadas para nidificação como subsídio para projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, visando a conservação das abelhas. As características das espécies vegetais utilizadas pela tiúba para nidificação neste experimento encontram-se descritas na Tabela 1. Observou-se preferência por madeiras com textura média e densidade variando de 0,61 a 1,00 g/cm³. A densidade da madeira está relacionada com sua durabilidade e resistência mecânica (ABRUZZI, et. al, 2012), verifica-se, assim, preferência por substratos de nidificação mais duráveis e que ao mesmo tempo permitam a existência de oco e que não ofereçam resistência para a escavação.

Tabela 1. Densidade e características físicas da madeira das espécies vegetais utilizadas como substrato de nidificação por tiúba Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854, na região Meio-Norte entre os anos de 2010 e 2017. Espécie

Nome vulgar

Densidade (g/cm³)

Características da madeira

Caryocar brasiliense Cambess.

Pequizeiro

0,61

Moderadamente pesada, dura, alta resistência e média durabilidade

Parkya platicephala Benth

Faveira

0,76

Pesada, textura média, média resistência e pouco durável

Qualea parviflora Mart.

Pau-de-terra-dafolha-miúda

0,69

Peso moderado, textura média, durabilidade média a baixa

Terminalia fagifolia Mart.

Catinga-de-porco

1,00

Pesada, dura, alta resistência e durabilidade

O volume médio da cavidade dos troncos contendo os ninhos de tiúba foi 17,80 ± 9,58 litros. Em alguns casos, as colônias não ocupavam todo o espaço disponível. O diâmetro externo dos troncos variou de 20,25 cm a 63,60 cm (Tabela 2), na espécie Qualea parviflora, a variação foi de 24,68 cm a 39,81cm. Quanto a disponibilidade de substrato para nidificação das abelhas-sem-ferrão, é necessário se considerar não somente a presença de espécies arbóreas utilizadas, mas Pereira et al., 2019

Referências Vale, Brasil e Leão (2002) Santos et al. (2013) Lorenzi (1998) Vale, Brasil e Leão (2002) Jenrich (1989) Lorenzi (1998)

também a limitação do diâmetro do tronco de espécimes muito novas. Segundo Lambrecht et al. (2016), a idade estimada da Qualea parviflora com diâmetro de tronco variando entre 11,87 cm a 18,08 cm é de 41 a 47 anos. Verifica-se, assim, que seriam necessários mais de 50 anos para que a espécime atingisse um diâmetro que permitisse obter uma cavidade que comportasse a nidificação de colônias de abelhas. 25


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A média da espessura da parede da cavidade foi 7,40 ± 2,82 cm. Essa espessura e o uso de espécies vegetais com madeira com densidade relativamente alta para a construção dos ninhos são aspectos que auxiliam no controle interno da temperatura. A escolha do local de nidificação é um dos vários mecanismos usados pelas abelhas-sem-ferrão para controlar a temperatura da colônia (DOMINGOS; GONÇALVES, 2014). A variação da espessura da madeira, de 2,20 cm a 12,00 cm, pode indicar que a abelha M. fasciculata possui capacidade de adaptação ao substrato de nidificação. Essa característica é importante no atual contexto ambiental de redução de habitats, pois estes insetos podem apresentar maior plasticidade na busca por locais para construção dos ninhos.

Alguns ninhos estavam delimitados por batume crivado ou geopropolis, uma mistura de cera, resinas e barro, que possuíam uma espessura de 1,53 cm a 3,58 cm. Segundo Souza et al. (2009) o batume é importante para delimitar as áreas de cria e alimento, permitindo a expansão da colônia em épocas favoráveis, ou para regulação de temperatura e circulação de ar. Souza, Carvalho e Alves (2008) registraram batume com até 2,20 cm de espessura em ninhos de M. asilvai, na Bahia. Esta característica explica, parcialmente, porque as espécies de Melipona, em especial M. fasciculata, conseguem nidificar em cavidades com tamanha variação em volume e formato, pois conseguem se adequar à estrutura física do local.

Tabela 2. Dimensões médias de cavidades de troncos com ninhos de tiúba Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854, na região Meio-Norte entre os anos de 2010 e 2017. Variáveis

Média

Mínimo

Máximo

Diâmetro externo do tronco (cm)

33,30 ± 9,66

20,25

63,60

Comprimento cavidade interna (cm)

85,30 ± 35,37

40,00

167,00

Espessura da madeira (cm)

7,40 ± 2,82

2,20

12,00

Comprimento túnel de entrada (cm)

12,40 ± 7,91

2,50

27,40

Diâmetro interno (cm)

16,70 ± 6,05

9,32

25,75

Volume da cavidade (L)

17,80 ± 9,58

4,43

31,45

Somente ninhos populosos de M. fasciculata possuem uma entrada na frente da colônia, que geralmente é construída com uma mistura de barro e resina, no formato circular com raias pouco pronunciadas. Em geral cabe de uma a três abelhas (KERR, 1996). Contudo, todas as colônias estudadas apresentaram túnel feito de batume com a coloração marrom que ligava a entrada do ninho com o interior da colônia. Esse túnel pode possuir formato longo e sinuoso ou de uma concha assimétrica, com uma largura variando de 1,53 cm a 3,58 cm e com comprimento variando de 2,50 cm a 27,40 cm. O túnel de acesso faz parte do sistema de defesa da colmeia, protegendo o ninho contra invasores (SOUZA; CARVALHO; ALVES, 2008; VILLAS-BÔAS, 2012). A região da cria estava envolvida com uma ou mais lâminas de cerume fazendo um involucro com espessura variando entre 0,35 cm e 1,47 cm. Nos discos de cria, as células estavam dispostas lado a lado, formando discos irregulares. As colônias apresentaram, em média, 7,70 discos, variando entre cinco e 14 (Tabela 3). Esta formatação dos ninhos é comum às várias espécies de Melipona (KERR, 1996), e facilita o manejo e a Pereira et al., 2019

multiplicação de colônias, quando comparados a outras formas de disposição das células de cria (SOUZA; CARVALHO; ALVES, 2008). Foram registradas variações no diâmetro das células e no número de células por cm². Essas variações podem ocorrer por diversos fatores, como fase do desenvolvimento da cria, disponibilidade de alimento e nutrição da colônia, ambiente e genética. O tamanho estimado da população (cria + adulto) também foi um parâmetro que variou, sendo que a menor colmeia teve, aproximadamente, 401 indivíduos e a maior 3.019 indivíduos. Em um levantamento realizado no Maranhão, Kerr, Petrere-Jr e Diniz-Filho (2001), registraram colônias de tiúba com populações que variaram entre 265 e 1.410 indivíduos. Foi observado diferença no tamanho dos potes construídos para armazenas mel e pólen. Os potes de mel possuíram o diâmetro médio de 2,67 ± 0,82 cm e uma altura variando de 3,30 cm a 6,20 cm, armazenado, em média, 14,41 ± 5,51 mL. Os potes de pólen possuíam um diâmetro similar, 2,60 ± 0,61 cm, mas uma altura menor, 26


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

variando de 2,22 cm a 4,80 cm, armazenado, em média, 17,72 ± 4,92 g do alimento. O volume total ocupado pela região de alimento variou desde próximo a zero até mais de quatro litros. A quantidade de alimento armazenado nas colônias de tiúba, assim como a maioria das abelhas, pode variar ao longo do ano, pois a disponibilidade de recursos não é constante (KERR, 1996). Assim, é interessante que as colmeias em

uma criação racional possuam espaços vazios, permitindo a expansão da colônia. Junto com a disponibilidade de alimento, varia a postura da rainha e a quantidade de células de cria (KERR, 1996). Kerr, Petrere-Jr e DinizFilho (2001) registraram que o volume máximo ocupado por M. fasciculata pode dobrar ao longo do ano. Segundo Roubik (2006) variações na arquitetura do ninho podem ser influenciadas pela idade do ninho, genética, predadores, parasitas, simbiontes e condições climáticas.

Tabela 3. Dimensões médias de estruturas e estimativa de população de abelhas em ninhos de Melipona fasciculata na região MeioNorte entre os anos de 2010 e 2017. Variáveis Número de discos de cria Comprimento dos discos (cm) Largura dos discos (cm) Altura dos discos (cm) Volume de cria (L) Diâmetro de células de crias (cm) Número de células/4 cm² N° estimado de células de cria População estimada Diâmetro dos potes de mel (cm) Altura dos potes de mel (cm) Volume dos potes de mel (mL) Diâmetro dos potes de pólen (cm) Altura dos potes de pólen (cm) Peso dos potes de pólen (g) Volume de alimento (L)

Média 7,70 ± 2,27 7,90 ± 2,70 5,10 ± 1,08 1,20 ± 0,07 0,40 ± 0,18 0,50 ± 0,09 13,20 ± 1,82 1.112,30 ± 525,72 1.668,40 ± 788,59 2,67 ± 0,82 4,01 ± 0,84 14,41 ± 5,51 2,60 ± 0,61 3,45 ± 0,79 17,72 ± 4,92 2,20 ± 1,15

Máximo 14,00 15,87 7,57 1,38 0,71 0,70 19,00 2.013,30 3.019,96 4,38 6,20 25,50 3,27 4,80 29,83 4,12

Mínimo 5,00 4,00 3,18 1,14 0,12 0,30 12,00 267,96 401,94 1,84 3,30 7,00 1,61 2,22 13,14 0,11

Conclusões

Agradecimentos

A abelha Melipona (Melikerria) fasciculata Smith, 1854 utiliza como substrato de nidificação ocos de árvores de espécies nativas da flora brasileira, observando-se uma dependência com a flora local e necessidade de preservar as matas nativas para conservar a abelha. A tiúba possui grande capacidade de adaptação ao substrato de nidificação, o que possibilita sua nidificação em cavidades com grande variação em volume e formato.

Nossos agradecimentos à Embrapa, pelo financiamento das pesquisas, à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela parceria e bolsas concedidas.

Referências ABRUZZI, R.C.; PIRES, M.R.; DEDAVID, B.A.; KALIL, S.B. Relação das propriedades mecânicas e densidade de postes de madeira de eucalipto com seu estado de deterioração. Revista Árvore, v. 36, p. 1173-1182, 2012. AIDAR, D.S. A mandaçaia: biologia de abelhas, manejo e multiplicação artificial de colônias de Melipona quadrifasciata Lep. (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae). Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 1996. CONTRERA, F.A.L.; MENEZES, C.; VENTURIERI, G.C. New horizons on stingless beekeeping (Apidae, Meliponini). Revista Brasileira de Zootecnia, v. 40, p. 48-51, 2011. DOMINGOS, H.G.T; GONÇALVES, L.S. Termorregulação de abelhas com ênfase em Apis mellifera. Acta Veterinaria Brasilica, v. 8, p. 151-154, 2014. Pereira et al., 2019

27


Revista RG News 5 (1): 23-28, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

HRNCIR, M.; KOEDAM, D.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. A jandaíra – abelha símbolo do sertão. IN: HRNCIR, M.; KOEDAM, D.; IMPERATRIZ-FONSECA, V. L. A abelha jandaíra: no passado, presente e no futuro. Mossoró: EdUFERSA, 2017. p. 16-28. IHERING, H. Biologia das abelhas melliferas do Brasil. São Paulo: Secretaria da Agricultura, Industria e Comércio do Estado de São Paulo, p. 435-506 e 649-714, 1930. (Boletim Agrícola 31). JENRICH, H. Vegetação arbórea e arbustiva nos altiplanos das chapadas do Piauí Central: características, ocorrência, empregos. Teresina: DNOCS; Eschborn: BMZ/GTZ, 1989. KERR, W.E. Biologia e manejo da tiúba: a abelha do Maranhão. São Luís: EDUFMA, 1996. KERR, W.E.; PETRERE-JR, M.; DINIZ-FILHO, J.A.F. Biological informations and ideal size estimation of hives for the stingless bees of Maranhão (Melipona compressipes fasciculata, Smith-Hymenoptera, Apidae). Revista Brasileira de Zoologia, v. 18, p. 45-52, 2001. LAMBRECHT, F.R.; MATTOS, P.P. de; CANETTI, A.; BRAZ, E.M. Incremento diamétrico de Qualea parviflora no Bioma Cerrado. Colombo:, 2016,. (Embrapa Floresta. Comunicado Técnico 377). LIMA-VERDE, L.W.; FREITAS, B.M. A criação de abelhas indígenas sem ferrão de potencial zootécnico – uma alternativa socioeconômica e agroecológica para as populações rurais do Nordeste do Brasil. In: XIMENES, L.J.; COSTA, L.S.A.; NASCIMENTO, J.L.S. Manejo racional de abelhas africanizadas e de meliponíneos no Nordeste do Brasil. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2011. p. 188-229. LORENZI, H. Árvores brasileiras: Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas do Brasil. Nova Odessa: Editora Plantarum, 1998, 352 p. MACHADO, A.P.S.; TEIXEIRA-NETO, M.L.; MONTEIRO, F.C.; SOBREIRA, R.S.; CÂMARA, J.A.S.; FOGAÇA, F.H.S.; PEREIRA, F.M. Diagnóstico socioeconômico-cultural e ambiental dos municípios do Projeto Boa Esperança. Teresina, PI: Embrapa Meio-Norte, 2010. (Embrapa Meio-Norte. Documentos 202). MARTINS, C.F.; LAURINO, M.C.; KOEDAM, D.; FONSECA, V.L.I. Espécies arbóreas utilizadas para nidificação por abelhas sem ferrão na caatinga (Seridó, PB; João Câmara, RN). Biota Neotropica, v. 4, p. 1-8, 2004. MICHENER, C.D. The Meliponini. In: VIT, P.; PEDRO, S.R.M.; ROUBIK, D. Pot-Honey. New York: Springer, 2013, p. 3-17. ROUBIK, D. W. Stingless bee nesting biology. Apidologie, v. 37, p. 124-143, 2006. SANTOS, F.S.; SANTOS, R.F.; DIAS, P.P.; ZANÃO JUNIOR, L.A.; TOMASSONI, F. A cultura do Pequi (Caryocar brasiliense Camb.). Acta Iguazu, v.2, p. 46-57, 2013. SERRA, B.D.V.; DRUMMOND, M.S.; LACERDA, L. de M.; AKATSU, I.P. Abundância, distribuição espacial de ninhos de abelhas Meliponina (Hymenoptera, Apidae, Apini) e espécies vegetais utilizadas para nidificação em áreas de cerrado do Maranhão. Iheringia Série Zoológica, v. 99, n. 1, p. 12-17, 2009. SILVA, W.P.; PAZ, J.R.L. Abelhas-sem-ferrão: muito mais do que uma importância econômica. Natureza, v. 10, n 3, p. 146-152, 2012. Disponível em: www.naturezaonline.com.br. Acesso em 15 jul. 2017. SOUZA, B.A.; CARVALHO, C.A.L.; ALVES, R.M.O. Notas sobre a bionomia de Melipona asilvai (Apidae: Meliponini) como subsídio à sua criação racional. Archivos de Zootecnia, v. 57, p. 53-62, 2008. SOUZA, B.A.; SOUZA, C.A.L.; ALVES, R.M.O.; DIAS, C.S.; CLARTON, L. Munduri (Melipona asilvai): a abelha sestrosa. Cruz das Almas: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. 2009. (Série Meliponicultura; 7). VALE, A.T.; BRASIL, M.A.M.; LEÃO, A.L. Quantificação e caracterização energética da madeira e casca de espécies do cerrado. Ciência Florestal, v. 12, p. 71-80. 2002. VILLAS-BÔAS, J. Manual Tecnológico: Mel de Abelhas sem Ferrão. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), 2012, 96 p.

Pereira et al., 2019

28


Revista RG News 5 (1): 29-33, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Manejo multifuncional dos ecossistemas para manter a diversidade de recursos genéticos forrageiros e animais Sandra Aparecida Santosa, Raquel Soares Juliano Soares a e Maria do Socorro Maués Albuquerqueb a Embrapa Pantanal, Rua 21 de setembro, 1880, CEP: 79320-900, Corumbá, MS, Brasil. E-mail: sandra.santos@embrapa.br, raquel.juliano@embrapa.br b Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, PqEB Final W5 Norte S/N, CEP: 70770-917, Brasília, DF, Brasil. E-mail: socorro.maues@embrapa.br:

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 29-33

Palavras-chave: Gado de Corte Pastagem nativa Raças adaptadas Serviços ecossistêmicos Sustentabilidade

RESUMO Os sistemas de produção animal de baixo input e multifuncionais que otimizam o uso dos recursos forrageiros nativos e raças localmente adaptadas, contribuem com a conservação dos recursos genéticos e de outros inúmeros serviços ecossistêmicos aliados com o aumento da produtividade. Para que estes sistemas sejam sustentáveis, estratégias de manejo devem ser adotadas para maximizar a heterogeneidade de habitats por meio da diversificação de multi-espécies (animais domésticos e silvestres) e multi-raças, associadas com estratégias de manejo que contribuam com a diversificação de forrageiras nativas, especialmente as de alta qualidade, visando a redução da emissão de metano. Esse trabalho evidencia a importância desses sistemas no Pantanal pois proporciona a conservação desta região rica em biodiversidade por meio da utilização de raças localmente adaptadas (bovinos, cavalo e ovino Pantaneiro) aliado à produção animal sustentável e de inúmeros serviços ecossistêmicos, entre os quais a provisão de proteína de alto valor biológico (carne) e a conservação de recursos forrageiros nativos.

ABSTRACT (Multifunctional management of ecosystems for maintaining the diversity of animal and forage genetic resources) Low input and multifunctional ranching systems that optimize the use of native forage resources and locally adapted breeds promotes sustainable use and contributes to the provision of public goods and ecosystem services associated with the increased productivity. These sustainable systems requires management strategies that maximize the habitat heterogeneity through the diversification of multi-species (domestic and wild animals) and multi-breeds, associated with management strategies that can contribute to native forage diversification, especially those with high quality aimed at reducing methane emissions. This paper is intended to emphasise the importance of these systems in the Pantanal, as it promotes the conservation of this region rich in biodiversity through the use of locally adapted pantaneiras breeds (cattle, horse, sheep and pigs) in combination with the sustainable animal production and several ecosystem services, among them the provision of high biological value protein (meat) and native forage resources. Introdução Sistemas de produção de baixo input para a pecuária são geralmente baseados em pastagens nativas/ naturalizadas e raças/ linhagens localmente adaptadas. Estes sistemas são ideais para regiões ricas em biodiversidade e consideradas marginais, ou seja, que apresentem restrições à agricultura

Santos et al., 2019

convencional, como inundações periódicas, solos de baixa fertilidade, dificuldade de acesso, entre outras. É de fundamental importância buscar estratégias de manejo que assegurem a manutenção da biodiversidade, da resistência e da resiliência desses sistemas para assegurar a produção animal sustentável. O estabelecimento de sistemas de criação de gado de corte associado com a diversificação da

29


Revista RG News 5 (1): 29-33, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

produção pecuária, uso multifuncional sustentável de recursos naturais e pagamento por serviços ambientais pode vir a ser a opção mais sustentável para regiões ricas em biodiversidade (SANTOS et al., 2011), assegurando a conservação das paisagens e da biodiversidade da região como também incentivando o uso eficiente da terra, aumentando a rentabilidade do produtor e qualidade de vida da população local. Os produtores podem ser reconhecidos não apenas como guardiões de determinadas raças ou espécies de plantas, mas também como guardiões do meio ambiente que contribuem com a manutenção de diversos serviços ecossistêmicos como biodiversidade, conservação da paisagem /habitat, sequestro de carbono, entre outros (PORQUEDDU, 2008). Nos sistemas de baixo input e multifuncionais, as estratégias de manejo devem otimizar o uso dos recursos forrageiros nativos, utilização de raças/ linhagens adaptadas ao local (POETSCH, 2007) e maximizar a heterogeneidade ambiental. É preciso manter o mosaico de habitats aumentando a estabilidade de importantes funções do ecossistema como produção de biomassa acima do solo (FUHLENDORF et al., 2017), redução na emissão dos gases de efeito estufa (HOVING et al., 2014). Desenvolvimento Manejo multifuncional, conservação e uso sustentável da biodiversidade: o caso do Pantanal O Pantanal é a maior área úmida do planeta e apresenta um mosaico de formações vegetais de florestas, savanas e campos, combinadas numa diversidade de habitats/ paisagens que são dinâmicas no tempo e no espaço em função das condições bióticas, abióticas e antrópicas (Figura 1). Existem cerca de 2000 espécies de plantas, sendo cerca de 210 gramíneas, 240 leguminosas e 90 ciperáceas (POTT et al., 2011) que torna a região com aptidão para a produção de grandes herbívoros em pastejo (SANTOS et al., 2011). Nesta heterogeneidade de habitats existem 263 espécies de peixes, 41 de anfíbios, 113 de répteis, 463 de aves e 132 de mamíferos (ALHO, 2008). Os primeiros animais domésticos (cavalos, bovinos, ovinos e suínos) que entraram no Pantanal encontraram condições adequadas e multiplicaram-se durante séculos formando ecótipos e raças adaptadas: bovino Pantaneiro, cavalo Pantaneiro, ovino Pantaneiro e porco monteiro. Para manter esta riqueza de recursos genéticos animais e vegetais os sistemas de baixo input e multifuncionais são os mais adequados. No entanto, para que estes sistemas sejam sustentáveis, estratégias de manejo devem ser adotadas para maximizar a heterogeneidade de habitats e Santos et al., 2019

otimizar o uso dos recursos vegetais nativos e recursos animais localmente adaptados. Uma das formas para recuperar pastos nativos que perderam a resiliência é a utilização de mistura de sementes de forrageiras nativas envolvendo os grupos funcionais de espécies adequadas para revegetação de determinada paisagem (BARR; JONAS; PASCHKE, 2017).

Figura 1. Vista aérea de campo inundável do Pantanal, subregião da Nhecolândia, Pantanal, MS.

Maximização e conservação da heterogeneidade de habitats A diversidade e resiliência das pastagens depende do histórico da coevolução dos herbívoros pastadores pois conferem adaptações das espécies forrageiras ao distúrbio da herbivoria e do pisoteio (STEBBINS, 1981; BENCKE, 2009). As raças localmente adaptadas do Pantanal têm moldado as paisagens, especialmente nos últimos dois séculos quando a pecuária de corte se tornou a principal atividade econômica da região. Estes animais podem ser considerados como engenheiros dos ecossistemas pois modulam o ambiente e podem influenciar as interações tróficas (ZHONG et al., 2017) contribuindo com diversos serviços ecossistêmicos, entre os quais o serviço de regulação de incêndios, controle de invasoras (FAO, 2016) e manutenção da heterogeneidade de ambientes (FUHLENDORF et al., 2017) e paisagens abertas (DAHAL, 2016). Em função das combinações de diferentes espécies de animais (uso múltiplo), os herbívoros podem contribuir com a construção de diferenças na estrutura e composição da vegetação. Esta diversidade permite que os herbívoros se movimentem distribuindo o impacto no espaço e no tempo (SAYRE, 2012). Uma combinação apropriada de animais, considerando a real capacidade de suporte, contribui com a utilização 30


Revista RG News 5 (1): 29-33, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

ótima de uma pastagem (DAHAL, 2016). Outro aspecto importante é encontrar a associação “adequada” de herbívoros (pastadores e ramoneadores) que melhora a heterogeneidade das pastagens. Esta diversificação com o uso de rebanhos multi-espécies e multi-raças são uteis frente às mudanças climáticas. No Pantanal as raças localmente adaptadas apresentam um hábito alimentar diferenciado. As ovelhas Pantaneiras são consideradas ramoneadores pois consomem uma grande variedade de ervas, incluindo invasoras das pastagens durante períodos secos (Figura 2). Os cavalos Pantaneiros, por sua vez, consomem macrófitas aquáticas imersas durante períodos de cheia (Figura 3).

Figura 2. Ovelha Pantaneira consumindo joá (Solanum viarum) e outras plantas infestantes no campo.

Figura 3. Cavalo pantaneiro pastando dentro da água. Santos et al., 2019

Os herbívoros domésticos, por sua vez, criam a heterogeneidade que pode aumentar a disponibilidade de habitat para plantas e animais domésticos e silvestres, como por exemplo a capivaras e o veado campeiro (DESBIEZ et al., 2011). A busca de linhagens e raças localmente adaptadas que requerem menos cuidado individual é essencial para os sistemas de baixo input pois estas possuem características adaptativas (saúde, rusticidade, tolerância ao calor, uso eficiente das forrageiras) para enfrentarem as flutuações ambientais. Com relação ao uso eficiente dos recursos forrageiros, Gill e Smith (2008) propuseram um indicador levando em consideração a habilidade das espécies usarem forrageiras que não podem ser usadas por humanos. Segundo Hoffmann, From e Boerma et al. (2014) esta é uma forma mais realística de estimar eficiência alimentar do que a relação de conversão. Uma outra forma de otimizar o uso dos recursos forrageiros é definir sistemas de pastejo que possibilitem a disseminação de espécies forrageiras de melhor qualidade, contribuindo assim com a maior produção animal e mitigação de gases de efeito estufa e otimizando fluxo de carbono. Segundo Hoving et al. (2014), pesquisas são necessárias para melhorar a utilização das pastagens com o uso integrado de diferentes raças visando a redução de gases de efeito estufa, como também identificar espécies que tenham plasticidade fenotípica adaptativa às variações climáticas (Figura 4). Santos et al. (dados não publicados) identificaram Paspalum fasciculatum com grande potencial de otimizar fluxo de carbono em diferentes condições climáticas, tanto durante seca, quanto na cheia.

Figura 4. Vacas Pantaneiras pastando em harmonia com a avifauna local.

31


Revista RG News 5 (1): 29-33, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Outro aspecto interessante é a importância dos cavalos Pantaneiros na região do Pantanal, pois prestam um valioso serviço de lida do gado, sendo o único animal que consegue permanecer longos períodos dentro da água sem ter problemas nos cascos. Este serviço é altamente valorado nos sistemas de baixo input e multifuncionais (Santos e Takahashi, dados não publicados) que consiste num serviço ecossistêmico diretamente utilizado pela sociedade. Esse trabalho evidencia a importância das interações entre os reinos animal/vegetal e comprova que este conhecimento contribui para a conservação e aumento da produtividade dos ecossistemas.

Conclusões A produção de alimentos em sistemas de baixo input e multifuncionais contribui com a conservação da biodiversidade e também na produção de diversos serviços ecossistêmicos. Nesses sistemas, a associação de raças localmente adaptadas com o uso otimizado de recursos forrageiros nativos proporciona a produção sustentável de proteína de alto valor biológico (carne). Agradecimentos Ao apoio da Embrapa, CNPq e Fundect e ABCCP.

Referências ALHO, C.J.R. Biodiversity of the Pantanal: response to seasonal flooding regime and to environmental degradation. Brazilian Journal of Biology, v. 68, p. 957-966, 2008. BARR, S.; JONAS, J.L.; PASCHKE, M.W. Optimizing seed mixture diversity and seeding rates for grassland restoration. Restoration Ecology, v. 25, p. 396-404, 2017. BENCKE, G.A. Diversidade e conservação da fauna dos Campos do Sul do Brasil. In: PILLAR, V.D.; MÜLLER, S.C.; CASTILHOS, Z.M.S.; JACQUES, A.V.A. (Eds.). Campos Sulinos: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2009. pp. 101-121. DAHAL, S. Sustainability in Pasture-based Livestock Production System: A Review. 2016. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/307635974_Sustainability_in_Pasturebased_Livestock_Production_System_A _Review>. Acesso em 22 de outubro de 2018. DESBIEZ, A.L.J.; SANTOS, S.A.; ALVAREZ, J.M.; TOMAS, W. Forage use in domestic cattle (Bos indicus), capybara (Hydrochoerus hydrochaeris) and pampas deer (Ozotoceros bezoarticus) in a seasonal Neotropical wetland. Mammalian Biology, v.76, p.351-357, 2011. FAO. The contributions of livestock species and breeds to ecosystem services. 2016. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-i6482e.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2018. FUHLENDORF, S.D.; FYNN, R.W.S.; MCGRANAHAN, D.A.; TWIDWELL, D. Heterogeneity as the Basis for Rangeland Management. In: BRISKE, D. (Ed.) Rangeland Systems. Cham: Springer Series on Environmental Management. 2017. p. 169-196. GILL, M.; SMITH, P. Mitigating climate change: the role of livestock in agriculture. In: ROWLINSON, P., STEELE, M., NEFZAOUI, A. (Eds.). Livestock and Global Climate Change 2008. Cambridge: Cambridge University Press. 2008. pp. 29-30. HOFFMAN, I.; FROM, T.; BOERMA, D. Ecosystem services provided by livestock species and breeds, with special consideration to the contributions of small-scale livestock keepers and pastoralists. Background Study, n. 66, p.1-158, 2014. HOVING, I.E.; STIENEZEN, M.W.J.; HIEMSTRA, S.J.; VAN DOORENEN, H.J. BUISONJÉ, F.E. Adaptation of livestock systems to climate change; functions of grassland, breeding, health and housing. Wageningen: Wageningen UR (University & Research Centre) Livestock Research, Livestock Research Report 793. 2014. 60p. POETSCH, E.M. Lifs & livestock production – grassland and dairy farming in Austria. In: BIALA, K; TERRES, J-M.; POINTEREAU, P.; M.L. PARACCHINI (Eds). Low Input Farming Systems: an Opportunity to Develop Sustainable Agriculture. Proceedings of the JRC Summer University Ranco, 2007. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities. 2008. p. 33-38. PORQUEDDU C. Low-input farming systems in southern Europe: the role of grasslands for sustainable livestock production. In: BIALA, K; TERRES, J-M.; POINTEREAU, P.; M.L. PARACCHINI (Eds). Low Input Farming Systems: an Opportunity to Develop Sustainable Agriculture. Proceedings of the JRC Summer University Ranco, 2007. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities. 2008, pp. 52-58. POTT, A.; OLIVEIRA, A.K.M.; DAMASCENO-JUNIOR, G.A.; SILVA, J.S.V. Plant diversity of the Pantanal wetland. Brazilian Journal of Biology, v. 71, p. 265-273, 2011. SANTOS, S.A.; ABREU, U.G.P.; TOMICH, T.R.; COMASTRI FILHO, J.A. Traditional beef cattle ranching and sustainable production in the Pantanal. IN: JUNK, W.J.; SILVA, C.J.; NUNES DA CUNHA, C.; WANTZEN, K.M. (Eds.).

Santos et al., 2019

32


Revista RG News 5 (1): 29-33, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos GenĂŠticos

The Pantanal: Ecology, Biodiversity and Sustainable Management of a Large Neotropical Seasonal Wetland. Sofia: Pensoft Publishers, 2011. pp. 755-774 SAYRE, N.F.; CARLISLE, L.; HUNTSINGER, L.; FISHER, G.; SHATTUCK, A. The role of rangelands in diversified farming systems: innovations, obstacles, and opportunities in the USA. Ecology and Society, v. 17, p. 43, 2012. STEBBINS, G.L. Coevolution of Grasses and Herbivores. Annals of the Missouri Botanical Garden, v. 68, p. 75-86, 1981. ZHONG, Z.; LI, X.;PEARSON, D.; WANG, D.; SANDERS, D.; ZHU, Y.; WANG, L. Ecosystem engineering strengthens bottom-up and weakens top-down effects via trait-mediated indirect interactions. Proceedings of the Royal Society, v. 284, n. 1863, 2017.

Santos et al., 2019

33


Área Microorganismos Área Animal


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Recursos Genéticos microbianos Lara Durães Settea a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Instituto de Biociências, Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Avenida 24A, 1515, CEP: 13506-800, Rio Claro, São Paulo, Brasil. E-mail:larasette@rc.unesp.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 34-41

Palavras-chave: Simbiose Biotecnologia Coleção de culturas Bibliotecas metagenômicas Preservação

RESUMO Apesar de pequenos, os micro-organismos são de extrema relevância para os processos ecológicos e biotecnológicos. No ambiente, os micro-organismos interagem com eles mesmos e com outros organismos como as plantas e animais. Diversas biomoléculas de origem microbiana são produtos dessas interações e utilizadas de forma benéfica pelos seres humanos. Neste contexto, o material microbiológico é considerado como um insumo tanto no ambiente da pesquisa e desenvolvimento quanto nos processos produtivos. Desta forma, o tratamento desses Recursos Genéticos requer a implementação de um sistema que permita assegurar que os mesmos mantenham as suas características e propriedades. O presente manuscrito aborda a importância ecológica e biotecnológica dos Recursos Genéticos microbianos, com foco na sua obtenção e preservação.

ABSTRACT (Microbial genetic resources) Though small, microorganisms are extremely relevant for ecological and biotechnological processes. In the environment, microorganisms interact with themselves and with other organisms such as plants and animals. Several biomolecules of microbial origin are products of these interactions and used in a beneficial way by humans. In this context, the microbiological material is considered as an input in the research and development, as well as in the production processes. In this way, the treatment of these genetic resources requires the implementation of a system that ensures the maintenance of their characteristics and properties. The present manuscript reports the ecological and biotechnological importance of microbial genetic resources, with a focus on their obtaining and preservation. Introdução O grupo dos micro-organismos é composto por organismos procariotos (bactérias e arqueias); eucariotos (fungos filamentosos, leveduras, protozoários e algas microscópicas) e pelos vírus, considerados como acelulares. A habilidade dos micro-organismos para produção de uma variedade de biomoléculas está associada à simplicidade de suas células, ao longo período de tempo de existência em nosso planeta, e à capacidade de realizar mutações em um curto período de tempo, o que os permite “experimentar” e se adaptar. Portanto, a extraordinária atividade dos micro-organismos está baseada em sua notável diversidade metabólica e adaptabilidade genética.

Sette et al., 2019

Neste contexto, apresenta-se o termo Recursos Genéticos, cuja definição pode ser considerada como a fração da biodiversidade que tem previsão de uso atual ou potencial (QUEIROZ, 1999). Estudos sugerem que as primeiras formas de vida foram de origem microbiana. Os organismos procariotos existem desde cerca de 3 bilhões de anos, enquanto que os seres mais complexos (e.g. plantas e animais) começaram a aparecer a partir de 500 milhões de anos. Fica assim evidenciado o longo período de tempo de existência e evolução adaptativa dos micro-organismos, levando à diferenciação e diversificação, o que os permitiu ocupar todos os habitats disponíveis no planeta terra, incluindo ambientes extremos como os contaminados com

34


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

metais e compostos químicos, regiões polares, salinas, entre outros. Considerando o acima exposto é factível acreditarmos que a maior diversidade genética é possivelmente de origem microbiana. Entretanto, essa diversidade é muito pouco conhecida. Tomando como exemplo o grupo dos fungos, dados da década de 90 indicam que o número de espécies estimado era de 1.500.000), sendo que o número de espécies descritas era de 69.000, ou seja, conhecia-se apenas 5% do valor estimado (HAWKSWORTH, 1991). A estimativa do número de espécies de fungos mais atual é de cerca de 5.000.000 (O’BRIEN et al., 2005), com uma taxa de 1.200 descrições de novas espécies por ano. De acordo com Hibbett et al. (2011) levaremos em torno de 4000 anos para descrever toda a extensão de espécies fúngicas estimadas em nosso planeta. Esses dados evidenciam a magnitude da diversidade microbiana ainda não conhecida e explorada biotecnologicamente. Dentre os principais fatores para o pouco conhecimento da diversidade microbiana podemos destacar: i) a limitação dos métodos de cultivo (estima-se que somente uma pequena fração da real diversidade microbiana de uma amostra pode ser cultivada em condições laboratoriais; ii) ambientes pouco ou ainda não explorados; iii) escassez de profissionais especializados em sistemática e taxonomia microbiana. É importante destacar que nem sempre a diversidade filogenética (onde são abordadas as relações evolutivas, tais como família, gênero, espécies) coincide com a diversidade funcional (que aborda as variações morfológicas e funcionais, relacionadas à fisiologia e ecologia), visto que grupos filogeneticamente próximos podem apresentar uma diversidade funcional diferente e grupos filogeneticamente distintos podem apresentar diversidade funcional similar. Do ponto de vista funcional, são vários os exemplos que atestam a relevância dos Recursos Genéticos microbianos: i) saúde: destacam-se os estudos associados à rapidez e acurácia na identificação de doenças causadas por micro-organismos e o desenvolvimento de métodos de controle; ii) indústria farmacêutica: descoberta e desenvolvimento de novas drogas com atividade antimicrobiana, antitumoral, anti-inflamatória, entre outras; iii) indústria de alimentos e bebidas: os produtos fermentados são bons exemplos para esse setor, incluindo os molhos de soja, iogurte, queijos, cervejas e vinhos; iv) agronegócio: destacam-se as pesquisas e produtos voltados para o controle biológico de pragas, além das micorrizas e bactérias fixadoras de nitrogênio; v) Sette et al., 2019

ambiente: processos de biorremediação de ambientes contaminados, incluindo efluentes industriais. Os Recursos Genéticos microbianos movimentam o setor da bioeconomia, o qual representa a associação entre natureza e valor econômico. Considerando o fato de que a exploração da biodiversidade pode causar prejuízos incalculáveis à natureza, podendo acarretar o extermínio de determinadas espécies, no ano de 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92), foi estabelecida a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A CDB tem como premissas principais a importância e o valor da diversidade biológica, bem como a soberania dos Estados sobre os seus próprios recursos biológicos. Os objetivos da CDB incluem: i) a conservação da diversidade biológica, ii) a utilização sustentável de seus componentes e iii) a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos Recursos Genéticos (CDB, 1992). O Brasil foi um dos países pioneiros na implementação de uma lei de acesso ao patrimônio genético, ao conhecimento tradicional associado e à repartição de benefícios: a MP 2186-16, de 2001, alinhada à CDB. Entretanto, essa legislação, que visava impedir a biopirataria, acabou por engessar a pesquisa nacional. Atualmente, o uso do material biológico pertencente ao patrimônio genético nacional é regido pela Lei da Biodiversidade (Lei 13.123 de 2015). No caso dos organismos geneticamente modificados (OGMs) a regulamentação envolvendo a construção e uso dos mesmos está a cargo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Considerando o fato de que os Recursos Genéticos microbianos constituem a base de inúmeros processos biotecnológicos é preciso estar atento às regulamentações para que possamos explorar a diversidade microbiana de forma justa e consciente, gerando benefícios e garantindo o direito de propriedade intelectual. Do ponto de vista ecológico, os micro-organismos participam ativamente na ciclagem de nutrientes e realizam interações com outros seres vivos, contribuindo para a estabilidade dos ecossistemas. Os micro-organismos surgiram e se diversificaram previamente aos macro-organismos, os quais por serem maiores e mais complexos forneceram novos potenciais habitats ricos em nutrientes e proteção para os micro-organismos. Assim, muitos micro-organismos se tornaram dependentes de seus hospedeiros para a sobrevivência. Por outro lado, as biomoléculas produzidas pelos micro-organismos podem ser usadas como agentes 35


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

de defesa pelos hospedeiros. Como resultado, plantas e animais têm se envolvido em complexas interações com micro-organismos durante sua evolução (MORAN, 2006). De acordo com Conti et al. (2012) é muito provável que os produtos naturais (biomoléculas) sejam resultados das interações entre organismos entre si e destes com o ambiente, e que desempenhem funções precisas e definidas nessas associações simbióticas, representando uma das vantagens adaptativas e evolutivas para os organismos produtores. As relações entre micro-organismos e plantas, microorganismos e insetos e micro-organismos e humanos estão reportadas nos artigos de divulgação da área de Recursos Genéticos Microbianos nesta presente edição da RGNews. Obtenção de Recursos Genéticos microbianos Independentemente da natureza do estudo que se queira realizar, a obtenção de material biológico de origem microbiana pode ser realizada pela aplicação de duas abordagens: o método dependente e o independente de cultivo. A utilização do primeiro método resultará em uma coleção de culturas microbianas e a utilização do segundo em uma coleção de clones metagenômicos, conhecida também por biblioteca metagenômica (Figura 1).

Figura 1. Representação esquemática das estratégias de obtenção de recursos genéticos microbianos. Método dependente de isolamento e cultivo (esquerda) e método independente de isolamento e cultivo (direita). Sette et al., 2019

O isolamento de micro-organismos ainda é uma etapa importante da cadeia produtiva, mesmo levando em conta o fato de que apenas de 1 a 15% da diversidade microbiana presente em uma amostra pode ser recuperada por método dependente de cultivo. Biomoléculas com propriedades de interesse para o setor industrial e ambiental têm sido encontradas nesta parcela recuperada pelo isolamento e cultivo. Tanto para a obtenção dos micro-organismos quanto para a obtenção de seus genomas (metagenomas), uma boa estratégia de amostragem deve ser implementada e, para tanto, as normas de coleta de material biológico devem ser respeitadas. No Brasil, a legislação que incide sobre a coleta de material biológico pertencente ao patrimônio genético nacional é regida pela IN nº 3 de 2014 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. A definição do local da coleta da amostra e do tipo de amostra a ser coletada é uma etapa fundamental do processo de obtenção dos Recursos Genéticos microbianos. O acondicionamento das amostras após coleta e até o processamento das mesmas deve ser realizado de forma apropriada. A refrigeração entre 2°C e 10°C é recomendado para amostras microbiológicas. Diferentes técnicas de amostragem podem ser aplicadas e o uso das mesmas irá depender da natureza da amostra a ser coletada. Após a coleta do substrato as amostras devem passar por algum tipo de tratamento visando principalmente a separação das células microbianas do substrato ou exposição de seus genomas. Para o isolamento de células microbianas, amostras de solos e sedimentos são geralmente submetidas a diluições seriadas em água peptonada ou salina. Por outro lado, amostras de água geralmente possuem números de células reduzidos e são então filtradas visando a concentração celular. Amostras sólidas podem ser fragmentadas ou trituradas. É importante destacar que no caso do interesse por micro-organismos que vivem dentro de plantas ou animais, a esterilização da superfície se faz necessária. A aplicação de diferentes condições de cultivo deve ser considerada para a obtenção de uma maior diversidade microbiana. Assim, meios de cultivo nutritivos, oligotróficos, complexos e diferenciais devem ser utilizados, bem como diferentes temperaturas, pH e condições de oxigenação. Um método consagrado para o isolamento de microorganismos da natureza é o enriquecimento, o qual baseiase no cultivo em meio e condições de incubação que sejam seletivos para o grupo de organismo desejado. Esta técnica é muito utilizada para isolamento em amostras 36


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

com baixo número de células microbianas (e.g. ambientes extremos como os reservatórios de petróleo a altas profundidades e temperaturas). Na tentativa de fornecer as condições ambientais para o desenvolvimento de micro-organismos ainda não cultivados em laboratório, a câmara de difusão é uma alternativa interessante principalmente para o isolamento de procariotos. A câmara é composta por um disco de material inerte com um buraco ao centro onde é colocada uma camada de meio de cultivo sólido inoculado por uma fração da amostra, o qual será coberto na superfície superior e inferior por uma membrana filtrante, permitindo a passagem do oxigênio e de compostos químicos por difusão e a eliminação de metabólitos, e impedindo a entrada e saída das células microbianas. A câmara é colocada no ambiente natural (e.g. solo, sedimento aquático) e deixada por algum tempo. Estudos preliminares relevaram que alguns micro-organismos do ambiente pode adquirir habilidade de se desenvolver em meios de cultivo em placas de Petri após repetidos cultivos na câmara de difusão (BOLLMANN; LEWIS; EPSTEIN, 2007). Os procedimentos relacionados ao isolamento e purificação de micro-organismos a partir de amostras ambientais são extremamente laboriosos, demandando tempo, necessidade de recursos humanos e material de microbiologia básica. A coleção de cultura microbiana gerada em cada isolamento deve ser devidamente catalogada e preservada. Neste sentido, projetos de pesquisa que envolvem o isolamento de micro-organismos devem garantir a sobrevida e pureza dos mesmos. Se as condições laboratoriais não forem favoráveis para a manutenção adequada do acervo, cópia do mesmo deve ser transferido (depositado) para uma coleção de cultura estabelecida e confiável, pois será a base para o conhecimento da biodiversidade, interações ecológicas e desenvolvimento tecnológico. Com relação ao método independente de cultivo, existem diversos protocolos para obtenção de DNA metagenômico, os quais são divididos em diretos e indiretos. O método escolhido para extração deve garantir que o material genético esteja com alta qualidade e em quantidade substancial, incluindo DNA de microorganismos presentes em baixas concentrações. Os tratamentos de lise celular devem preservar a integridade do DNA extraído visto que para a construção de bibliotecas metagenômicas para análises funcionais os genes e operons devem estar inteiros para serem expressos pelo hospedeiro (DIAS et al., 2014). Sette et al., 2019

Para a construção de uma biblioteca metagenômica fragmentos de DNA metagenômico são inseridos em vetores de clonagem pela técnica do DNA recombinante. A escolha do vetor de clonagem dependerá do tamanho do fragmento a ser clonado. Para o estudo de genes e vias metabólicas é recomendável utilizar clones com insertos de DNA de alto peso molecular, aumentando as chances de encontrar hits positivos durante o processo de seleção dos clones da biblioteca metagenômica. O micro-organismo hospedeiro é um ponto importante para construção da biblioteca. Diferentes hospedeiros possuem diferentes capacidades e sistemas heterólogos de expressão gênica. A bactéria Escherichia. coli é o hospedeiro mais comumente utilizado para a clonagem e expressão de genes em bibliotecas metagenômicas devido ao fato te ter o genoma bem definido e ser fácil de transformar. Entretanto, de acordo com Dias et al., (2014) apenas 40% dos genes presentes na amostra ambiental são expressos pela E. coli devido ao não reconhecimento das sequências de sinalização de transcrição de genes alvo. Para evitar essa limitação, hospedeiros alternativos devem ser utilizados. Para aumentar a proporção de genes ou vias metabólicas de interesse, diferentes estratégias devem ser projetadas para enriquecer a biblioteca metagenômica com as sequências de interesse. Nesses casos, a extração do DNA alvo evita a reprodução da microbiota original, mas pode disponibilizar uma grande quantidade de material genômico de espécies contendo os genes desejáveis. A estratégia principal utilizada para o enriquecimento consiste na adição de compostos particulares de interesse no meio de cultura como única fonte de carbono e energia para obtenção de uma maior proporção de populações que utilizam este composto (DIAS et al., 2014). Apesar de ser uma ferramenta relativamente nova para a prospecção de Recursos Genéticos microbianos, diversos estudos têm reportado a construção eficiente de bibliotecas metagenômicas. A maioria desses estudos está relacionada a amostras de solos. Entretanto, estudos com amostras de ambientes extremos ou impactados também foram reportados como é o caso de bibliotecas construídas com DNA de amostras de efluentes de refinaria de petróleo (~13.000 clones – SILVA et al., 2012), de amostras de reservatório de petróleo (31.000 clones – VASCONCELLOS et al., 2010) e de solos remotos do Alaska (714.000 clones – ALLEN et al., 2009). No geral essas coleções contemplam um alto número de clones, salientando a importância de se etiquetar/codificar e preservar adequadamente esses Recursos Genéticos para os estudos futuros relacionados à triagem funcional. 37


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A arte da construção de bibliotecas metagenômicas leva tempo e prática para ser dominada. Considerando o substancial desafio e os custos associados à construção das bibliotecas, bem como a dificuldade na obtenção de amostras ambientais raras (e.g. ambientes extremos), devemos encontrar maneiras de maximizar estes valiosos recursos para o compartilhamento dos benefícios. Seria extremamente valioso se as coleções de bibliotecas metagenômicas que podem ser usadas em uma variedade de hospedeiros pudessem ser acessadas pela comunidade científica. Preservação de Recursos Genéticos microbianos Para a preservação de material biológico de origem microbiana, diferentes métodos podem ser utilizados. Na maioria das vezes, os métodos de preservação mais adequados e recomendados exigem equipamentos sofisticados e recursos humanos treinados e habilitados, tanto para operar o equipamento quanto para desempenhar o protocolo operacional estabelecido. Os microorganismos requerem frequentemente métodos específicos de preservação a fim de que sejam assegurados viabilidade, pureza e estabilidade genética. Os métodos de preservação são classificamos como: i) de curta duração, ii) de médio prazo, e iii) de longo prazo. Os métodos de longo prazo são os recomendados em protocolos internacionalmente reconhecidos (Tabela 1). A liofilização é considerada uma das técnicas mais eficientes para a manutenção de micro-organismos por garantir a viabilidade celular por muitos anos mas não é aplicável para microalgas e protozoários e microorganismos que não esporulam. Apesar da liofilização ser amplamente empregada na manutenção de diferentes micro-organismos as etapas que compõem o processo podem causar injúrias ou danos celulares como alterações na permeabilidade da membrana celular. Os procedimentos de estocagem e acondicionamento influenciam significativamente na vida de prateleira dos materiais liofilizados. Desta forma, os produtos liofilizados devem ser acondicionados em ambientes com baixa umidade, baixa temperatura (refrigeração) e ao abrigo da luz. O método de liofilização oferece alta estabilidade do material a ser conservado, baixa taxa de mutação e contaminação, além de ser o método mais seguro para o transporte de culturas microbianas (SOLA et al., 2012). A criopreservação consiste na manutenção das células sob temperaturas ultrabaixas (-80°C a -196 °C), tendo como principal objetivo a redução de injúrias aos Sette et al., 2019

materiais biológicos durante o processo de congelamento e estocagem a frio. A estocagem a baixas temperaturas, apesar de eficiente, pode comprometer a qualidade das amostras armazenadas, tendo em vista a possibilidade de variações de temperatura em freezers. Já os sistemas de nitrogênio líquido garantem o armazenamento a temperaturas constantes e por longos períodos. A criopreservação de micro-organismos é dependente de uma série de fatores e requer alguns cuidados para que seja eficiente (SOLA et al., 2012). É importante destacar que independentemente do método a ser utilizado, um controle do mesmo deve ser aplicado, principalmente para os métodos de média e longa duração. Assim, a contagem do número de células antes e após o processamento do método de preservação deve ser realizada periodicamente visando determinar a taxa de mortalidade do micro-organismo específico no protocolo utilizado. Por medidas de segurança e para minimizar a possibilidade de perda de linhagens, cada cultura deve ser mantida por pelo menos dois métodos distintos. De acordo com as normas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento econômico (OECD, 2007) pelo menos um dos métodos utilizados deve ser a criopreservação ou a liofilização por serem considerados métodos com menos riscos de alterações genéticas, além de garantir a preservação por longos períodos de tempo. Ainda, é recomendável que um back-up da coleção de culturas ou de clones metagenômicos deva existir em local distinto e separado, evitando os riscos de perda de importantes Recursos Genéticos por motivos de incêndio, enchentes, terremotos, guerras, dentre outras catástrofes ou intempéries da natureza. Neste contexto, as coleções biológicas são essenciais como suporte ao desenvolvimento de pesquisas e biotecnologia, provendo material biológico com qualidade assegurada e informações associadas. As coleções de culturas microbianas variam em tamanho e função e são classificadas como coleção de pesquisa, coleção de referência, coleção de serviço e coleção para fins patentários (IDA – International Depository Authority). Independentemente do tamanho ou natureza institucional a principal função das coleções de culturas microbianas é a preservação e o fornecimento de Recursos Genéticos para a pesquisa e inovação (SMITH, 2012). A primeira coleção de cultura de serviços registrada foi a Coleção Král criada em 1890 na Universidade de Praga (República Checa), onde culturas de fungos eram comercialmente disponibilizadas (SETTE et al., 2013). Atualmente, cerca de 750 coleções de cultura estão 38


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

registradas no World Data Center for Microorganisms (WDCM, 2018) e que juntas detêm mais de 2,9 milhões de isolados representantes de uma vasta gama de microorganismos pertencente ao grupo das bactérias (1,2 milhões), fungos (813 mil) e vírus (37 mil) e de culturas de células (32 mil). Coleções de serviço, que possuem acervos abrangentes e curadoria profissional, com sistemas de informação que permitem rastrear as condições de processamento, conformidade dos produtos e registros do material biológico distribuído, e que atuam em conformidade com a legislação nacional e internacional, são potenciais candidatas ao status de Centro de Recursos Biológicos (CRBs), uma nova categoria proposta no cenário internacional e que contém a seguinte definição: “...são partes essenciais da infraestrutura de apoio às ciências da vida e biotecnologia, atuando como provedores de serviços, repositórios de células vivas e genomas de organismos e informação relacionada à hereditariedade e funções de sistemas biológicos” (definição adotada no Workshop “Biological Resource Centres”, Tokyo 1999). Os CRBs devem atender a padrões elevados de qualidade exigidos pelo mercado internacional, comunidade científica e setor industrial no que diz respeito à distribuição de materiais biológicos e informações associadas. Considerando os desenvolvimentos da biotecnologia e bioeconomia a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) propôs o estabelecimento de um Rede Global de Centros de Recursos Biológicos (GBRCN) (OECD, 2001), a ser consolidada a partir de coleções de serviços reconhecidas como CRBs em seus próprios países. Existem coleções microbiológicas importantes localizadas no mundo inteiro, as quais atuam como centros de excelência em conservação ex situ e taxonomia microbiana, como por exemplo: ATCC (Estados Unidos), BCCM (Bélgica), CBS (Holanda), CFBP (França), DSMZ (Alemanha), ICMP (Nova Zelândia) e JCM (Japão). No Brasil, país megadiverso e detentor de cerca de 20% da diversidade global, o sistema existente de coleções de serviço é ainda incipiente em razão da falta de uma política adequada para o setor. Entretanto, avanços vêm sendo alcançados. Algumas demandas apresentadas por ações internacionais e a Política Brasileira de Desenvolvimento da Biotecnologia estabelecida pelo Decreto 6.041 (fevereiro de 2007) foram motivando o estabelecimento de uma Rede Brasileira de Centro de Recursos Biológicos (CRB-Br). Os avanços Sette et al., 2019

nesta direção são consequência de várias iniciativas que envolvem instituições como o MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações); INMETRO (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), TECPAR (Instituto de Tecnologia do Paraná), FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz), EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), BCRJ (Banco de Cadeias do Rio de Janeiro), CRIA (Centro de Informação Ambiental), INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e SBM (Sociedade Brasileira de Microbiologia). Um programa de capacitação para melhoria da gestão da qualidade em coleções de serviços selecionadas foi implementada com o apoio de MCTIC e o INMETRO lançou o programa de requisitos para credenciamento de CRBs pela norma técnica NIT-DICLA-061 complementada pelos requisitos aplicáveis das Diretrizes de Boas Práticas da OECD para CRBs (HOLANDA et al., 2012). Mais recentemente, uma nova e importante etapa para o estabelecimento da Rede foi concluída. O MCTIC instituiu a Rede Brasileira de CRBs e sua estrutura foi concluída por meio da Portaria nº 130 (de 18 de fevereiro de 2016). Entretanto, o Conselho Diretor precisa ser designado para dar início às atividades de reconhecimento dos CRBs. A Rede CRB-Br prevê a adesão de outras coleções de serviços associadas, com acervos de interesse e curadoria especializada, que atendam aos requisitos para atuar em consonância com os CRB nas diferentes áreas temáticas (Agronegócio, Saúde, Indústria e Ambiente). A procura por material biológico em coleções reconhecidas se deve principalmente ao fato de que estas coleções possuem como procedimentos de rotina a realização de testes de controle de qualidade e autenticação do material. Durante o processamento de uma amostra (cultura microbiana) desde o seu registro de entrada na coleção até a sua saída (distribuição), testes de controle de qualidade são realizados em diferentes etapas do processamento, visando avaliação de sua identidade, viabilidade e pureza. É importante ressaltar que para cada linhagem preservada os dados associados precisam ser mantidos com segurança. Estes dados são relevantes, pois relatam o local e o substrato de onde os micro-organismos foram isolados, o coletor (e instituições); identificação taxonômica; métodos de cultivo e manutenção; características fenotípicas; entre outros. Um conjunto mínimo de dados (MDS) definidos no Guia de Boas Práticas para CRBs (OECD, 2007) precisa ser 39


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

disponibilizado para cada micro-organismo mantido na coleção. Para manutenção eficiente e segura das informações associadas as coleções devem implementar sistemas informatizados e executar periodicamente backups. Por segurança, arquivos de computador ou cópia dos registros devem ser mantidos separadamente (WFCC, 2010).

Cabe destacar que como repositórios e fornecedores de diversidade microbiana e informações associadas, coleções de culturas e CRBs têm uma papel relevante na promoção da Convenção sobre Diversidade Biológica, especialmente no Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Repartição de Benefícios – ABS (CBD, 2011).

Tabela 1. Métodos de preservação recomendados no Guia de Boas Práticas para CRBs da OECD (OECD, 2007). Material Biológico Bactérias e Arqueias

Método de preservação recomendado Criopreservação em temperaturas abaixo de -140ºC ou a -80ºC Secagem a vácuo (liofilização), secagem por congelamento em prateleira, secagem a líquido

Criopreservação em temperaturas abaixo de -140ºC ou a -80ºC Leveduras e Fungos Filamentosos Secagem a vácuo (liofilização) ou secagem a liquido Preservação em água ou em óleo: utilizados para fungos que não esporulam Protozoários

Criopreservação em nitrogênio líquido (abaixo de -140ºC)

Microalgas

Meio líquido ou semi-sólido; criopreservação abaixo de -140ºC

Vírus

Manutenção in situ; criopreservação em nitrogênio líquido ou liofilização

Bibliotecas de DNA

Criopreservação do P/H* abaixo de -70ºC ou em nitrogênio líquido Secagem a vácuo (liofilização) ou secagem a liquido Preservação do DNA precipitado em etanol

*P/H = Plasmideo/Hospedeiro

Conclusões Considerando a importância dos micro-organismos na manutenção dos ecossistemas, nas interações benéficas com outros micro-organismos, plantas e animais, e no desenvolvimento da bioeconomia, o estabelecimento de programas nacionais e internacionais que ampliem o acesso, conhecimento, catalogação, preservação e uso desses Recursos Genéticos devem ser estimulados. Neste contexto, a consolidação da Rede Brasileira de Centros de Recursos Biológicos (Rede CRB-Br) permitirá que o patrimônio genético nacional de origem microbiana seja tratado e preservado adequadamente, assegurando a reprodutibilidade e sustentabilidade dos acervos utilizados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Em adição, o estabelecimento da Rede CRB-

Br possibilitará a inserção do Brasil na Rede Global de Centros de Recursos Biológicos (GBRCN). Agradecimentos A autora agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro aos projetos de pesquisas (FAPESP #2005/51213-8, #2008/06600-1, #2010/17033-0, #2013/19486-0, #2016/07957-7 e CNPq #558020/2009-4, 204489/2010-1, 504139/2012-9, 304103/2013-6, 303145/2016-1) e na forma de bolsas de estudos relacionados à obtenção, preservação e aplicação biotecnológica dos Recursos Genéticos microbianos.

Referências ALLEN, H.K.; MOE, L.A.; RODBUMRER, J.; GAARDER, A.; HANDELSMAN, J. Resident microbiota of the gypsy moth midgut harbors antibiotic resistance determinants. DNA Cell Biology, v. 28, p. 109-117, 2009. BOLLMANN, A.; LEWIS, K.; EPSTEIN, S.S. Incubation of environmental samples in a diffusion chamber increases the diversity of recovered isolates. Applied and Environmental Microbiology, v. 73, p. 6386-6390, 2007. CONTI, R.; GUIMARÃES, D.O.; PUPO, M.T. Aprendendo com as interações da natureza: microrganismos simbiontes como fontes de produtos naturais bioativos. Ciência e Cultura, v. 64, p. 43-47, 2012. CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. Nagoya Protocol on Access to Genetic Resources and the Fair and Sette et al., 2019

40


Revista RG News 5 (1): 34-41, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Equitable Sharing of Benefits Arising from their Utilization to the Convention on Biological Diversity. United Nations: Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2011. CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. United Nations, 28p, 1992. Disponível em: <http://www.cbd.int/doc/legal/cbd-en.pdf>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2019. DIAS, R.S.; SILVA, L.C.F.; ELLER, M.R.; OLIVEIRA, V.M.; PAULA, S.O.; SILVA, C.C. Metagenomics: Library Construction and Screening Methods. In: BENEDETTI, C. (Org.). Metagenomics: Methods, Applications and Perspectives. 1 ed. New York: Nova Science Publishers, 2014, v. 1, pp. 25-38. HAWKSWORTH, D.L. The fungal dimension of biodiversity: magnitude, significance and conservation. Mycological Research, v. 95, p. 641-655, 1991. HIBBETT, D.S.; OHMAN, A.; GLOTZER, D.; NUHN, M.; KIRK, P.M.; NILSSON, R.H. Progress in molecular and morphological taxon discovery in fungi and options for formal classification of environmental sequences. Fungal Biology Reviews, v. 25, p. 38-47, 2011. HOLANDA, P.; CAVALCANTI, E.; BORGES, R.M.H.; SOUZA, W.S. Conformity assessment for biological resource centres (BRC): The Brazilian approach. World Federation Culture Collection News. v. 52, p. 11-13, 2012. MORAN, N.A. Symbiosis. Current Biology, v. 16, R.866, 2006. O’BRIEN, H.E.; PARRENT, J.L.; JACKSON, J.A.; MONCALVO, J.M.; VILGALYS, R. Fungal community analysis by large-scale sequencing of environmental samples. Applied and Environmental Microbiology, v. 71, p. 5544–5550, 2005. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Best Practice Guidelines for Biological Resource Centres, 2007. Disponível em: <http://www.oecd.org/document/36/0,3343,en_2649_34537 _38777060_1_1_1_1,00.html> Acesso em: 16 de fevereiro de 2019. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Biological Resource Centres: Underpinning the Future of Life Sciences and Biotechnology. OECD Publications, Paris, France, p. 66, 2001. QUEIROZ, A.M. Os recursos genéticos vegetais e os melhoristas de plantas. In: QUEIROZ, M.A.; GOEDERT, C.O.; RAMOS, S.R.R. (Eds.). Recursos genéticos e melhoramento de plantas para o Nordeste brasileiro. Petrolina: Embrapa Semi-Árido; Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 1999. SETTE, L.D.; PAGNOCCA, F.C.; RODRIGUES, A. Microbial culture collections as pillars for promoting fungal diversity, conservation and exploitation. Fungal Genetics and Biology, v. 60, p. 2–8, 2013. SETTE, L.D. Nota Técnica: Recursos Humanos e Infra-Estrutura para Coleções Microbiológicas. Disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/enfermagem/recursos-humanos-e-infra-estrutura-para-colecoes microbiologicas/2275> Acesso em: 16 de fevereiro de 2019. SILVA, C.C.; HAYDEN, H.; SAWBRIDGE, T.; MELE, P.; KRUGER, R.H.; RODRIGUES, M.V.N.; COSTA, G.G.L.; VIDAL, R.O.; SOUSA, M.P.; TORRES, A.P.R.; VÂNIA, M.J.; SANTIAGO, V.M.J.; OLIVEIRA, V.M. Phylogenetic and functional diversity of metagenomic libraries of phenol degrading sludge from petroleum refinery wastewater treatment system. AMB Express, v. 2, p. 18, 2012. SMITH, D. Culture Collections. Advances in Applied Microbiology, v. 7, p. 73-118, 2012. SOLA, M.C.; OLIVEIRA; A.P.; FEISTEL; J.C.; REZENDE, C.S.M. Manutenção de microrganismos: conservação e viabilidade. Enciclopédia Biosfera, v. 8, p. 1398-1418, 2012. VASCONCELLOS, S.P.; ANGOLINI, C.F.F.; GARCIA, I.N.S.; DELLAGNEZZE, B.M.; SILVA, C.C.; MARSAIOLI, A.J.; NETO, E.V.S.; OLIVEIRA V.M. Screening for hydrocarbon biodegraders in a metagenomic clone library derived from brazilian petroleum reservoirs. Organic Geochemistry, v. 41, p. 675-681, 2010. WORLD FEDERATION FOR CULTURE COLLECTIONS (WFCC). Guidelines for the Establishment and Operation of Collections of Culture of Microorganisms, third ed. Belgium: WFCC Secretariat, 2010. World Data Center for Microorganisms (WDCM). Disponível em: < http://refs.wdcm.org/home.htm> Acesso em: 16 de fevereiro de 2018.

Sette et al., 2019

41


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

O microbioma da rizosfera e sua potencialidade Simone Raposo Cottaa e Armando Cavalcante Franco Diasb a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”- Esalq/USP, Departamento de Ciências do Solo, Avenida Pádua Dias, 11, Piracicaba, São Paulo, Brasil. Email: raposo.cotta@gmail.com b Andrios Assessoria em Microbiologia do Solo. Rua Cezira Giovanoni Moretti 600 Box 2 Jardim Santa Rosa, Piracicaba, São Paulo, Brasil. Email: armando@andriosassessoria.com.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 42-47

Palavras-chave: Comunidades sintéticas Diversidade microbiana Micro-organismos do solo Produtividade vegetal Promoção de Crescimento vegetal

RESUMO A busca por uma agricultura mais sustentável tem estimulado os estudos que avaliam as interações estabelecidas entre as plantas e o ambiente onde elas vivem. As plantas interagem com seu habitat por meio de suas estruturas, dentre elas, as raízes. O crescimento das plantas leva a seleção de micro-organismos que irão habitar essa fração de solo mais próxima das raízes, conhecida como rizosfera, e levar ao estabelecimento dessa interação vital para o crescimento e o desenvolvimento das plantas. Nesse trabalho, apresentamos uma revisão bibliográfica sobre os conhecimentos mais atuais na pesquisa sobre a rizosfera e suas potencialidades. Abordaremos a questão do desenvolvimento de bioinoculantes e biofertilizantes baseados nas premissas da ecologia microbiana utilizando micro-organismos provenientes da rizosfera.

ABSTRACT (The rhizosphere microbiome and its applicability) The search for a more sustainable agriculture has stimulated the studies that evaluate the established interactions between the plants and the environment where they live. The plants interact with their habitat through their structures, among them, the roots. The growth of the plants leads to the selection of microorganisms that will inhabit this fraction of soil closer to the roots, known as rhizosphere, and lead to the establishment of this vital interaction for the growth and development of plants. In this work, we present a bibliographical review of the most current knowledge in rhizosphere research and its potentialities. We will address the issue of the development of bioinoculants and biofertilizers based on the premises of microbial ecology using microorganisms from the rhizosphere. Introdução Desde a colonização da terra pelas linhagens de plantas ancestrais, as plantas estabelecem interações com os micro-organismos (HASSANI et al., 2018). A interação mais antiga que se tem notícia é a estabelecida entre as plantas vasculares e os fungos micorrízicos, sendo essa interação essencial para o estabelecimento das plantas fora d’água (VALADARES et al., 2016). Essas interações são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento da planta, contribuindo para a nutrição, desenvolvimento e imunidade, influenciando a maneira como os hospedeiros se relacionam com seu ambiente (FITZPATRICK et al.,

Cotta et al., 2019

2018). Além disso, o estabelecimento dessas interações representam uma extensa área de estudos que apresentam um elevado potencial biotecnológico (ROMAGNOLI; ANDREOTE 2016). As plantas interagem com os micro-organismos em múltiplas esferas mediadas por suas estruturas, como folhas e raízes por exemplo. A interação mediada pelas raízes ocorre principalmente no âmbito da rizosfera, que corresponde a fração do solo que sofre uma forte pressão de seleção devido a liberação pela planta de diversos compostos (exsudatos) que altera a dinâmica do solo (BAKKER et al., 2013). Nesse trabalho serão

42


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

apresentadas as mais recentes descobertas em relação a associação plantas micro-organismos e qual o impacto dessas descobertas na promoção de uma agricultura mais eficaz e sustentável. Rizosfera O termo rizosfera foi utilizado pela primeira vez por Curl; Truelove (1986). Esse termo é utilizado para designar a fração do solo que sofre forte influência da planta (CURL; TRUELOVE, 1986). Essa influência é exercida no ambiente solo por diversos mecanismos, como alteração da estruturação física, produção de mucilagem, produção e excreção de compostos fenólicos, e principalmente pelo mecanismo de exsudação (BAKKER et al., 2013). A exudação consiste na libração pelas raízes de compostos fotossintetizados que levam a ocorrência de um fenômeno denominado efeito rizosfera, que é o recrutamento dos micro-organismos para ocupar essa fração do solo (HILTNER, 1904; PHILLIPS et al., 2004). A secreção pela planta dessas moléculas promove uma alteração dos padrões nutricionais do ambiente, visto que o solo é reconhecido como um ambiente oligotrófico (apresenta baixa disponibilidade nutricional), além de alterar outras condições, como por exemplo as taxas de oxigenação que podem levar a uma alteração da respiração do solo (ROMAGNOLI; ANDREOTE, 2016). A grande disponibilidade de nutrientes oriundos da exsudação radicular contribui com o metabolismo, multiplicação de células microbianas e interação entre as essas comunidades (COSTA et al., 2014). As interações estabelecidas entre os micro-organismos podem ser positivas como por exemplo a cooperação, como negativas, no caso da competição. Muitos autores argumentam que a rizosfera é um nicho extremamente competitivo devido à alta densidade microbiana, exacerbando as disputas pela ocupação de nichos e obtenção de nutrientes (PII et al., 2015). Entretanto, outros autores ponderam que a cooperação entre os micro-organismos também é presente nesse ambiente, pois ao cooperarem, esses organismos conseguem aproveitar com mais eficiência os recursos nutricionais, principalmente por meio da complementação metabólica (JACOB et al., 2004). Corroborando essa hipótese, na rizosfera já foi descrita uma elevada taxa de troca de genes (horizontal gene transfer), sendo esse fato interessante pois muitos dos genes associados com processos cooperativos estão presentes em plasmídeos e outras entidades gênicas associadas a troca de genes (CAVALIERE et al., 2017). Porém, pouco se sabe sobre o Cotta et al., 2019

impacto dessas interações microbianas estabelecidas na rizosfera no crescimento e desenvolvimento das plantas. Sobre as interações estabelecidas entre os microorganismos com as plantas, mais informações foram geradas. Como exemplo podemos citar as interações simbióticas estabelecidas entre as plantas com os fungos micorrízicos e os rizóbios. Como falado anteriormente, a interação fungo micorrízico x plantas foi vital para o domínio da fração terrestre pelas plantas. Atualmente, mais de 82% das plantas encontradas no planeta realizam simbiose com fungos micorrízicos (arbusculares ou ectomicorrizas) (FULTHORPE et al., 2018). Os rizóbios são bactérias pertencentes ao filo Proteobacteria (Alphaproteobacteria e Gamaproteobacteria) capazes de nodular raízes de plantas leguminosas e por meio do estabelecimento dessa interação fornecem nitrogênio fixado para a planta e a planta em contrapartida fornece carbono e proteção à patógenos (POOLE et al., 2018). Assim como no caso dos fungos micorrízicos, a interação entre plantas leguminosas e rizóbios ocorre desde os primórdios da evolução e atualmente é vital para a agricultura moderna. Os elevados níveis de produtividade da soja observados no Brasil estão diretamente associados com o estabelecimento dessas interações que foram estimuladas ao longo do processo de melhoramento genético da soja (HUNGRIA et al., 2006). Atualmente, quase 98% do nitrogênio utilizado na soja é proveniente da fixação biológica mediada por rizóbio (CIAMPITTI; SALVAGIOTTI, 2018). Uma série de fatores influenciam na composição do microbioma da rizosfera, como as características químicas e físicas dos solos, o tipo de planta, taxas de precipitação, entre outros. No próximo tópico serão explorados em detalhes os fatores que influenciam o estabelecimento desse microbioma da rizosfera. Estruturação e organização das comunidades microbianas na rizosfera Os fatores que influenciam a composição e estruturação do microbioma da rizosfera podem ser divididos em dois grandes grupos: fatores abióticos e bióticos. Dentre os fatores abióticos, podemos citar a caracterização química e física do solo e os fatores edafoclimáticos (ROMAGNOLI; ANDREOTE, 2016). Em relação aos fatores bióticos, um dos mais marcantes é o papel exercido pela planta na seleção dos microorganismos que irão ocupar a sua rizosfera. Como falado anteriormente, a planta exsuda uma série de compostos carbônicos que podem funcionar tanto como moléculas sinalizadoras e como fonte de carbono e 43


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

energia (CHAPARRO et al., 2014). Essa seleção é tão específica que muitos trabalhos sugerem que a inserção/deleção de um único gene no genoma da planta levaria a seleção diferenciada da microbiota associada as raízes (COTTA et al., 2013). Em relação a plantas transgênicas, esse tema ainda é bastante divergente visto que diversos trabalhos apontam que a modificação do genoma da planta impacta diretamente na comunidade microbiana associada a raiz, enquanto outros trabalhos indicam que essa mudança não ocorre, evidenciando que outros fatores como o solo e o estágio de crescimento da planta possuem uma maior influência sobre essa microbiota (COTTA et al., 2013; COTTA et al., 2014; 2016). Indiscutivelmente, a planta seleciona os microorganismos que irão ocupar a sua rizosfera e muitos fatores permeiam essa seleção. Muitos trabalhos demonstraram que plantas não relacionadas filogeneticamente (distantes na escala evolutiva) selecionam micro-organismos de táxons distintos (AIRA et al., 2010). Entretanto, uma característica importante dessa seleção diz respeito a manutenção quase que constante das funções exercidas pela microbiota (MENDES et al., 2013). Funções essas associadas a captação de nutrientes, proteção contra patógenos, entre outras. Todas essas funções permitem o desenvolvimento e a sanidade da planta. Partindo dessa premissa, muitos pesquisadores sugerem que a seleção dos micro-organismos que irão ocupar a rizosfera ocorre em função das atividades exercidas pelos mesmos e não tanto pela sua classificação taxonômica. Sendo assim, conhecendo-se quais os grupos microbianos e suas funções desempenhadas estão mais frequentemente presentes na rizosfera de diferentes plantas, podemos sugerir a existência de um microbioma mínimo que seria capaz de suplantar a planta e permitir o seu pleno desenvolvimento (RAAIJMAKERS, 2014). Esse conceito de microbioma mínimo emerge numa condição onde a sociedade exige dos órgãos governamentais uma política de produtividade agrícola mais sustentável, que inclua a sustentabilidade nas suas premissas de produção e não apenas como uma ferramenta para mitigar os danos ocasionados pelo cultivo de monocultura (ROCKSTRÖM et al., 2017). Aplicabilidade e inovação associada a rizosfera A agricultura é atualmente uma das práticas humanas que mais agride o meio ambiente. Entretanto, ao mesmo tempo que provoca danos graves ao funcionamento e a estabilidade dos ecossistemas, é a atividade humana que Cotta et al., 2019

mais sofre com essas modificações (ROCKSTRÖM et al., 2017). Os principais passivos ambientais associados à agricultura são a mudança do uso do solo (conversão de florestas para áreas de cultivo intenso de monocultura) e a poluição proveniente do uso de fertilizantes e defensivos. Para a redução desses passivos, faz se necessário a implementação de diferentes manejos e uso de produtos biológicos que promovam a redução na utilização de agroquímicos, além da melhora na eficiência na captação de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo pela planta (TILMAN et al., 2002). Nesse contexto, os micro-organismos que protegem e promovem o crescimento de plantas (MPCP) possuem um papel essencial, visto que são organismos reconhecidamente parceiros, essenciais para o desenvolvimento das plantas. A presença destes organismos no solo auxilia não apenas na fertilidade do solo, como na produtividade e na qualidade nutricional do alimento produzido, além de promover uma melhora no agrossistema (ABHILASH et al., 2016). Diversos micro-organismos descritos como MPCP são capazes de colonizar a rizosfera de diferentes plantas, mudando portanto o status da interação estabelecida entre os micro-organismos e a planta por intermédio de sua raiz. Anteriormente essa interação era considerada apenas sob o prisma da ecologia, e atualmente essa interação alcança o status de alternativa ecologicamente sustentável para a produtividade agrícola. Dessa forma, muitos produtos estão sendo formulados com o intuito de promover o crescimento da planta utilizando micro-organismos em sua composição. A aplicação de biofertilizantes e bioinoculantes tem ganho cada vez mais espaço no mercado e o investimento nessas tecnologias tem crescido bastante nos últimos anos em grandes empresas de biotecnologia. As estimativas são as melhores possíveis, onde o mercado de bioinoculantes e biofertilizantes podem alcançar a marca de 3,6 bilhões de dólares no ano de 2022 (TIMMUSK et al., 2017). Apesar dessa potencialidade, o uso de bioinoculantes e biofertilizantes ainda é insipiente. Uma das justificativas para o baixo uso desses produtos é a dissonância entre os resultados encontrados em laboratório com os resultados observados em campo. Em parte, essa contradição pode ser explicada pela formulação desses produtos utilizando apenas um único micro-organismo (PANKE-BUISSE et al., 2015). E isso acontece porque a funcionalidade e a estabilidade de um sistema são obtidas pela redundância funcional microbiana e pelas interações estabelecidas entre os organismos presentes nesse ambiente, e não 44


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

apenas pela presença e atividade de uma única espécie (PANKE-BUISSE et al., 2015; BUSBY et al., 2017). Outro ponto a ser considerado é a eliminação precoce do inoculante pelo antagonismo direto e a competição por espaço e fontes nutricionais com os organismos intrínsecos do solo (HU et al., 2017). Sendo assim, o conceito de microbioma mínimo discutido anteriormente passa a ser importantíssimo, visto que a determinação do menor microbioma necessário para compor uma comunidade sem o comprometimento da funcionalidade pode facilitar o processo de formulação de biofertilizantes que apresentem a mesma eficiência que seria obtida ao se utilizar uma comunidade microbiana complexa, convertendo esse ganho em performance e incremento da produtividade (Figura 1) (ROCKSTRÖM et al., 2017).

Fixação de Nitrogênio Solubilização de Fósforo

Desenvolvimento Produtividade

Antagonismo a Patógeno

Figura 1. Representação esquemática da inoculação dos microbiomas mínimos para a promoção do crescimento das plantas. Determinando esse microbioma mínimo, são construídos os consórcios microbianos (ou comunidades sintéticas) que podem ser aplicados nas formulações de

bioinoculantes e/ou biofertilizantes. Os consórcios microbianos podem ser estabelecidos por meio do enriquecimento progressivo de uma microbiota associada a uma característica específica (LIU et al., 2018) ou por meio do isolamento de organismos que apresentem a habilidade de realizar funções de interesse, como por exemplo ciclagem de nutrientes e combate a patógenos (HU et al., 2017). Ao adotar a estratégia de utilização de comunidades sintéticas utilizando organismos pertencentes a diferentes táxons, permite-se que ao menos um organismo possa apresentar uma excelente performance independente das condições ambientais, estabilizando portanto o funcionamento da comunidade, eliminando todos os problemas observados nas formulações que utilizam apenas um único micro-organismo (HU et al., 2017). Conclusões Os estudos envolvendo as interações estabelecidas entre as plantas e os micro-organismos são vitais para a compreensão dos processos associados a nutrição vegetal. Como discutido ao longo de todo o texto, essas interações interferem diretamente no crescimento e desenvolvimento da planta e podem ser utilizadas para a promoção de uma agricultura mais sustentável. Agradecimentos Nós gostaríamos de agradecer a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (CAPES) pela concessão da bolsa PNPD/CAPES para Simone Raposo Cotta e a empresa Andrios Assessoria em Microbiologia do Solo pelo suporte oferecido. Além disso, gostaríamos de agradecer a Alessandra Rigotto pela leitura do texto e por suas considerações.

Referências ABHILASH, P.C.; DUBEY, R.K.; TRIPATHI, V.; GUPTA, V.K.; SINGH, H.B. Plant growth-promoting microorganisms for environmental sustainability. TRENDS in Biotechnology, v. 34, p. 847-850, 2016. AIRA, M.; GÓMEZ-BRANDÓN, M.; LAZCANO, C.; BAATH, E.; DOMÍNGUEZ, J. Plant genotype strongly modifies the structure and growth of maize rhizosphere microbial communities. Soil Biology Biochemistry, v. 42, p. 2276–2281, 2010. BAKKER, H.M.; BERENDSEN, R.L.; DOORNBOS, R.F.; WINTERMANS, P.C.A.; PIETERSEN, C.M.J. The rhizosphere revisited: root microbiomics. Frontiers in Plant Science, v. 4, Article 165, 2013. BUSBY, P.E.; SOMAN, C.; WAGNER, M.R.; FRIESEN, M.L.; KREMER, J.; BENNETT, A.; MORSY, M.; EISEN, J.A.; LEACH, J.E.; DANGL, J.L. Research priorities for harnessing plant microbiomes in sustainable agriculture. PlosBiology, v. 15, e2001793, 2017. CAVALIERE, M.; FENG, S.; SOYER, O.S.; JIMÉNEZ, J.I. Cooperation in microbial communities and their Cotta et al., 2019

45


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

biotechnological applications. Environmental Microbiology, v. 19, p. 2949-2963, 2017. CHAPARRO, J.M.; BADRI, D.V.; VIVANCO, J.M. Rhizosphere microbiome assemblage is affect by plant development. ISME Journal, v. 8, p. 790–803, 2014. CIAMPITTI, I.A; SALVAGIOTTI, F. New insights into soybean biological nitrogen fixation. Agronomy journal, v. 110, p. 1185-1196, 2018 COSTA, D.P.; DIAS, A.C.F.; DURRER, A.; ANDRADE, P.A.M.; GUMIERE, T.; ANDREOTE, F.D. Composição diferencial das comunidades bacterianas na rizosfera de variedades de cana-de-açúcar. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 38, p. 1694-1702, 2014. COTTA, S.R.; DIAS, A.C.F.; MARRIEL, I.E.; ANDREOTE, F.D.; SELDIN, L.; VAN ELSAS, J.D. Different effects of transgenic maize and nontransgenic maize on nitrogen-transforming Archaea and Bacteria in tropical soils. Applied and Environmental Microbiology, v. 80, p. 6437-6445, 2014. COTTA, S.R.; DIAS, A.C.F.; MARRIEL, I.E.; GOMES, E.A.; VAN ELSAS, J.D.; SELDIN, L. Temporal dynamics of microbial communities in the rhizosphere of two genetically modified (GM) maize hybrids in tropical agrosystems Antonie van Leeuwenhoek, v. 103, p. 589-601, 2013. COTTA, S.R.; DIAS, A.C.F.; SELDIN, L.; ANDREOTE, F.D.; VAN ELSAS, J.D. The diversity and abundance of phytase genes (β‐ propeller phytases) in bacterial communities of the maize rhizosphere. Letters in Applied Microbiology, v. 62, p. 264-268, 2016. CURL, E.A.; TRUELOVE, B. The rhizosphere, Springer, Berlin, 1986. FITZPATRICK, C.R.; COPELAND, J.; WANG, P.W.; GUTTMAN, D.S.; KOTANEN, P.M.; JOHNSON, M.T.J. Assembly and ecological function of the root microbiome across angiosperm plant species. Procceding Natural Academy of Science USA, v. 115, p. 1157-1165, 2018. FULTHORPE, R.; MACIVOR, S.; JIA, P.; YASUI, S.L.E. The green roof microbiome: improving plant survival for ecosystem servisse delivery. Frontiers in Ecology and Evolution, v. 6, Article 5, 2018. HASSANI, M.A.; DURÁN, P.; HACQUARD, S. Microbial interactions within the plant holobiont. Microbiome, v. 6, p. 58, 2018. HILTNER, L. Uber neuere Erfahrungen und Probleme auf dem Gebiete der Bodenbakteriologie unter besonderden berucksichtigung und Brache. Arbeiten der Deutschen landwirtschafts-gesellschaft, v. 98, p. 59-78, 1904. HU, J.; WEI, Z.; WEIDNER, S.; FRIMAN, V-P.; XU, Y-C.; SHEN, Q-R.; JOUSSET, A. Probiotic Pseudomonas communities enhance plant growth and nutrient assimilation via diversity-mediated ecosystem functioning. Soil Biology Biochemistry, v. 113, p. 122-129, 2017. HUNGRIA, M.; FRANCINI, J.C.; CRISPINO, C.C.; MORAES, J.Z.; SIBALDELLI, R.N.R.; ARIHARA, J. Nitrogen nutrition of soybean in Brazil: Contributions of biological N2 fixation and N fertilizer to grain yield. Canadian Journal of Plant Science, v. 86, p. 927-939, 2006. JACOB, E.B.; BECKER, I.; SHAPIRA, Y.; LEVINE, H. Bacterial linguistic communication and social intelligence. TRENDS in Microbiology, v. 8, p. 366-372, 2004. LIU, K.; MCINROY, J.A.; HU, C-H.; KLOEPPER, J.W. Mixtures of plant growth-promoting rhizobacteria enhance biological control of multiple plant diseases and plant growth promotion in the presence of pathogens. Plant Diseases, v. 102, p. 76-72, 2018. MENDES, R.; GARBEVA, P.; RAAIJMAKERS, J. The rhizosphere microbiome: significance of plant beneficial, plant pathogenic and human pathogenic microorganisms. FEMS Microbiology Review, v. 37, p. 634-663, 2013. PANKE-BUISSE, K.; POOLE, A.C.; GOODRICH, J.K.; LEY, R.E.; KAO-KNIFFIN, J. Selection on soil microbiomes reveals reproducible impacts on plant function. ISME Journal, v. 9, p. 980-9, 2015. PHILLIPS, D.A.; FOX, T.C.; KING, M.D.; BHUVANESWARI, T.V.; TEUBER, L.R. Microbial products trigger amino acid exudation from plant roots. Plant Physiology, v. 136, p. 2887-2894, 2004. PII, Y.; MIMMO, T.; TOMASE, N.; TERZANO, R.; CESCO, S.; CRECCHIO, C. Microbial interactions in the rhizosphere: beneficial influences of plant growth-promoting rhizobacteria on nutriente acquisition processes. Biology and Fertility of Soils, v. 51, p. 403-415, 2015.

Cotta et al., 2019

46


Revista RG News 5 (1): 42-47, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

POOLE, P.; RAMACHANDRAN, V.; TERPOLILLI, J. Rhizobia: from saprophytes to endosymbionts. Nature Reviews Microbiology, v. 16, p. 291-303, 2018. RAAIJMAKERS, J. The minimal rhizosphere microbiome. Principles of Plant-Microbe Interactions for Sustainable Agriculture. Ed. Lugtenberg (Berlin: Springer), 2014, pp. 411-417. ROCKSTRÖM, J.; WILLIAMS, J.; DAILY, G.; NOBLE, A.; MATTHEWS, N.; GORDON, L.; WETTERSTRAND, H.; DECLERCK, F.; SHAH, M.; STEDUTO, P.; FRAITURE, C.; HATIBU, N.; UNVER, O.; BIRD, J.; SIBANDA, L.; SMITH, J. Sustainable intensification of agriculture for human prosperity and global sustainability. Ambio, p. 46, p. 4-17, 2017. ROMAGNOLI, E.M.; ANDREOTE, F.D. Rizosfera. Piracicaba: ESALQ, 2016. TILMAN, D.; CASSMAN, K.G.; MATSON, P.A.; NAYLOR, R.; POLASKY, S. Agricultural sustainability and intensive production practices. Nature, v. 418, p. 671-677, 2002. TIMMUSK, S.; BEHERS, L.; MUTHONI, J.; MURAYA, A.; ARONSSON, A.C. Perspectives and challenges of microbial application for crop improvement. Frontiers in Plant Science, v. 8, p. 49, 2017. VALADARES, R.B.S.; MESCOLOTTI, D.L.C.; CARDOSO, E.J.B.N. Micorrizas. Piracicaba: ESALQ, 2016.

Cotta et al., 2019

47


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Interações simbióticas entre micro-organismos e insetos Weilan Gomes da Paixão Meloa, Camila Fiori Pereiraa, Taise Tomie Hebihara Fukudaa e Mônica Tallarico Pupoa a Universidade de São Paulo, Avenida do Café, s/n, Ribeirão Preto, SP, CEP: 14040-903, Brasil. E-mails: mtpupo@fcfrp.usp.br, weilan@usp.br, camila.fiori.pereira@usp.br, taise.fukuda@usp.br

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 48-56

Palavras-chave: Bactérias Ecologia Fungos Produtos naturais Simbiose

RESUMO Relações simbióticas entre micro-organismos e insetos são comuns na natureza e têm sido estudadas extensivamente sob aspectos biológicos e, mais recentemente, químicos. Os insetos ocupam uma gama diversa de nichos ecológicos, muitas vezes facilitados por seus micro-organismos simbiontes, de modo que esses podem influenciar a ecologia e a evolução de seus hospedeiros de várias maneiras, incluindo o provisionamento de recursos metabólicos escassos e proteção contra parasitas e predadores. Estudos sobre a associação defensiva entre insetos e micro-organismos, através de uma impressionante variedade de defesas químicas, têm levado a descoberta de inúmeros produtos naturais bioativos, os quais desempenham um papel ecológico em seus nichos e se mostram promissores na descoberta de novos compostos ativos contra patógenos humanos. Aqui, nós mostramos a interação entre insetos e micro-organismos simbiontes e a descoberta de produtos naturais a partir dessa simbiose.

ABSTRACT (Symbiotic interactions between microorganisms and insects) Symbiotic relationships between microorganisms and insects are common in nature and have been studied extensively under biological and, more recently, chemical aspects. Insects occupy a diverse range of ecological niches, often facilitated by their symbiotic microorganisms, so that they can influence the ecology and evolution of their hosts in a variety of ways, including provision of scarce metabolic resources and protection against parasites and predators. Studies of the defensive association between insects and microorganisms, through an impressive array of chemical defenses, have led to the discovery of numerous bioactive natural products, which play an ecological role in their niches and show high potential in the discovery of new active compounds against human pathogens. Here, we show the interaction between insects and symbiotic microorganisms and the discovery of natural products from this symbiosis. Insetos e micro-organismos Os insetos são colonizados por micro-organismos patogênicos ou benéficos. Em geral, um inseto é composto por múltiplos habitats para micro-organismos, sendo a cutícula externa e o intestino os mais acessíveis (DOUGLAS, 2015). Os micróbios podem influenciar a ecologia e a evolução de seus hospedeiros de várias maneiras, incluindo relacionamentos benéficos ou prejudiciais em um evento conhecido como simbiose. A simbiose, definida pela primeira vez por De Bary em Melo et al., 2019

1879, é um termo amplo que é usado para descrever a "convivência" de longo período entre diferentes espécies (BARY, 1879). Normalmente, o parceiro menor e dependente é chamado de simbionte, enquanto o parceiro maior é chamado de hospedeiro. O efeito que o simbionte tem sobre o hospedeiro define o tipo de relação simbiótica observada. Tradicionalmente, três formas de simbiose são reconhecidas: mutualismo, comensalismo e parasitismo. Um simbionte pode afetar seu hospedeiro de diferentes maneiras ao longo do tempo ou em resposta ao ambiente 48


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

externo. A simbiose pode ser encontrada em todos os reinos da vida sendo crucial nos processos biológicos (BROWNLIE; JOHNSON, 2009). Micro-organismos simbiontes de insetos incluem bactérias, arqueias, fungos e outros eucariontes unicelulares, que podem proteger seus insetos hospedeiros contra patógenos, parasitoides e outros parasitas sintetizando toxinas específicas ou modificando o sistema imunológico do inseto, além de promover a aptidão dos insetos ao contribuir para a nutrição, especialmente fornecendo aminoácidos essenciais, vitaminas B e, no caso de parceiros fúngicos, esteróides (NASIR; NODA, 2003; DOUGLAS, 2015; PALUDO et al., 2018). Há evidências crescentes de que os insetos recrutam microorganismos para protegerem suas crias, suas fontes de alimento ou a eles mesmos contra infecções, incluindo principalmente grupos de bactérias como Actinobacteria, Bacteroidetes, Firmicutes, Proteobacteria e fungos como ascomicetos, especialmente das ordens Hypocreales e Saccharomycetales (KALTENPOTH, 2009; SEIPKE; KALTENPOTH; HUTCHINGS, 2012; DOUGLAS, 2015). Vários desses parceiros microbianos, e particularmente membros do filo Actinobacteria, são conhecidos por função protetora que conferem às suas espécies hospedeiras. As simbioses defensivas documentadas até hoje entre insetos e micróbios incluem insetos como besouros, vespas, abelhas, formigas, cupins, etc. Por exemplo, foi demonstrado que as vespas fêmeas solitárias nos gêneros Philanthus, Trachypus e Philanthinus cultivam a espécie Candidatus Streptomyces philanthi em glândulas especializadas nas antenas, que são usadas para espalhar as bactérias sobre a superfície de suas células antes da fêmea colocar seus ovos (KALTENPOTH et al., 2005, 2012). Essas vespas paralisam abelhas ou outras presas que levam para tocas subterrâneas como alimento para suas larvas. Antes de depositar seus ovos, elas aplicam bactérias a essas câmaras subterrâneas e as larvas eventualmente assimilam essas bactérias e as distribuem em seus casulos. As actinobactérias conferem às larvas proteção contra infecções quando dentro das células de cria, em que há condições ótimas para o crescimento de micro-organismos patogênicos. Em apoio a isso, a bactéria simbionte Streptomyces produz um coquetel diversificado de diferentes compostos antimicrobianos, incluindo o antifúngico piericidina e o antibacteriano estreptoclorina, que são capazes de inibir uma série de micro-organismos patogênicos (KROISS et al., 2010, KOEHLER; DOUBSKÝ; KALTENPOTH, 2013). Melo et al., 2019

Um outo exemplo é o gorgulho da folha Euops chinensis, que enrola pedaços de folhas dentro dos quais depositam seus ovos. Eles inoculam estes rolos de folhas com um fungo específico (Penicillium herquei), cuja presença promove a sobrevivência das larvas. Este fungo simbiótico não parece proporcionar um benefício nutricional às larvas, mas tem atividade antifúngica protetora. Culturas deste Penicillium levaram à identificação do antibiótico escleroderolídeo como agente antimicrobiano, que é ativo contra uma variedade de fungos, tanto ascomicetos como basidiomicetos, isolados a partir de rolinhos foliares (LI; GUO; DING, 2012; WANG et al., 2015). Diferentemente do gorgulho da folha Euops chinensis, o besouro-do-pinheiro-do-sul Dendroctonus frontalis cultiva seu próprio fungo como alimento, escavando galerias na casca interna de pinheiros, nas quais inocula com o fungo basidiomiceto Entomocorticium. As larvas de besouros se alimentam apenas desse fungo, que é armazenado em compartimentos chamados micangias (RAMADHAR et al., 2014). O fungo ascomiceto Ophiostoma minus é um antagonista no sistema e pode competir negativamente, impactando a sobrevivência das larvas. Foi observado que bactérias do gênero Streptomyces produzem um antifúngico, o qual foi denominado micangimicina, que inibe o fungo antagonista Ophiostoma, mas não o fungo mutualista Entomocorticium, sugerindo um papel defensivo que sustenta o mutualismo fungo-besouro (SCOTT et al., 2008; OH et al., 2009; RAMADHAR et al., 2014). Além dos exemplos citados, associações entre microorganismos e insetos sociais também são mostrados aqui. Insetos sociais são caracterizados pela presença de divisão reprodutiva do trabalho, cuidado da cria e sobreposição de geração de indivíduos da mesma colônia (HÖLLDOBLER; WILSON, 2009). O estilo de vida desses insetos que vivem em sociedade representa uma oportunidade para patógenos e parasitas explorarem meios de dispersão entre membros da colônia. As respostas de defesa para esses micro-organismos invasores são estratégias coletivas de higiene, controle e eliminação dos parasitas. Além disso, associações microbianas benéficas que aumentam as defesas imunológicas integrais e ajudam a fornecer proteção contra patógenos através da competição microbiana, estimulando respostas imunes, e também através da secreção de compostos antimicrobianos (MATARRITA-CARRANZA et al., 2017) (Figura 1).

49


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Figura 1. Interações simbióticas entre insetos e microorganismos. Interações entre formigas Attine e micro-organismos

A associação que existe entre as formigas Attine, seu fungo alimento, o parasita Escovopsis e actinobactérias produtoras de antibióticos que protegem o jardim de fungos da invasão por patógenos, é um dos exemplos mais bem estudados de uma simbiose altamente integrada (CURRIE et al., 1999; CURRIE, 2001; CURRIE; BOT; BOOMSMA, 2003; KOST et al., 2007; MUELLER et al., 2008). Essas formigas desenvolveram a fungicultura (cultivo de fungo para seu alimento) há cerca de 50 e 60 milhões de anos atrás e, desde então, diversificaram-se em mais de 230 espécies (MUELLER; GERARDO, 2002). Dentro da tribo Attini, as formigas cortadeiras Atta e Acromyrmex são as mais abundantes e fornecem material vegetal fresco para o fungo basidiomiceto Leucoagaricus gongylophorus, que produz corpos ricos em nutrientes chamados gongilídios que as formigas colhem para alimentação (CURRIE, 2001; MUELLER et al., 2008, BARKE et al., 2010, 2011). Além de nutrientes, as formigas também fornecem alguma proteção contra patógenos, por meio da remoção mecânica de esporos contaminantes que atingem os ninhos com o material coletado, bem como a produção e disseminação de compostos antimicrobianos produzidos em suas glândulas metapleurais (POULSEN; BOT; BOOMSMA, 2003) e glândulas mandibulares (MARSARO JÚNIOR et al., 2001; RODRIGUES et al., 2008). As formigas Attine também abrigam uma actinobactéria filamentosa do gênero Pseudonocardia em suas cutículas que produzem antibióticos que inibem o crescimento do parasita Escovopsis (CURRIE et al., 1999; CURRIE; BOT; BOOMSMA, 2003). Pseudonocardia se agrupa em regiões específicas na cutícula das formigas que foram identificadas como criptas cuticulares apoiadas pelas glândulas exócrinas, sugerindo que as bactérias são, via secreções glandulares, supridas com nutrientes da Melo et al., 2019

formiga em troca da produção de compostos antimicrobianos (CURRIE et al. 2006; STEFFAN et al., 2015). Geralmente, uma única linhagem de Pseudonocardia é transmitida verticalmente entre gerações e novas operárias são inoculadas pelas adultas mais velhas num período curto de 24 horas após a eclosão (MARSH et al., 2014), e assim a resistência das colônias de formigas aumenta frente ao Escovopsis, devido às substâncias antimicrobianas derivadas de bactérias, o que, por sua vez, melhora a probabilidade de transmissão bacteriana para a próxima geração (BARKE et al., 2011). Essa estreita relação entre o hospedeiro e a Pseudonocardia provavelmente permitiu que uma “corrida armamentista” surgisse com o patógeno Escovopsis, ajudando a explicar os níveis aparentemente baixos de resistência observada (CURRIE et al., 1999). As actinobactérias mutualistas Pseudonocardia geralmente produzem antifúngicos como dentigerumicina, selvamicina e nistatina P1, entre outros, que podem ter evoluído como resultado dessa estreita simbiose defensiva (OH et al., 2009; BARKE et al., 2010; VAN ARNAM et al., 2016; VAN ARNAM; CURRIE; CLARDY, 2018). Desde a descrição de Pseudonocardia como mutualista neste sistema, outras espécies produtoras de antibióticos também foram isoladas da cutícula das formigas, algumas das quais também inibem o crescimento de Escovopsis e outras espécies patogênicas (KOST et al., 2007; HAEDER et al., 2009; BARKE et al., 2010; SEIPKE et al., 2011). Vários membros do gênero Streptomyces também se associam com formigas cortadeiras, embora com um alto nível de variabilidade entre diferentes colônias da mesma espécie de formiga. Essas descobertas, de um microbioma cuticular mais diversificado, levaram à sugestão de que as formigas cortadeiras poderiam estar ativamente e dinamicamente recrutando uma diversidade de outros simbiontes bacterianos (não Pseudonocardia) produtores de antibióticos do seu ambiente (MUELLER et al., 2008; BARKE et al., 2010; ANDERSEN et al., 2013). Acreditase que as criptas cuticulares podem ter evoluído para permitir que as formigas se beneficiem de vários simbiontes microbianos com diversas atividades, permitindo a defesa contra diferentes patógenos e ajudando a restringir a evolução da resistência patogênica. Também foi proposto que os antibióticos produzidos por Pseudonocardia mutualista transmitida verticalmente podem ajudar a moldar a composição do microbioma cuticular em formigas operárias adultas (BARKE et al., 2011; SCHEURING; YU, 2012).

50


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Os micro-organismos associados às formigas Attine podem desempenhar outras funções além da produção de compostos antimicrobianos. Um estudo recente sugere que os feromônios de formigas deixados nas trilhas de comunicação podem ter origem bacteriana. A bactéria Serratia marcescens encontrada na microbiota associada à espécie de formiga cortadeira Atta sexdens rubropilosa produz as mesmas pirazinas usadas pelas formigas para estabelecer uma trilha até seu ninho. Este estudo representa o primeiro relato de uma bactéria associada à formiga cortadeira que é capaz de produzir pirazinas previamente identificadas como feromônios de trilha do hospedeiro A. sexdens rubropilosa (SILVA-JUNIOR et al., 2018). As mesmas pirazinas já foram descritas como feromônios de alarme em formigas ponerine (MORGAN et al., 1999), evidenciando a necessidade de estudos mais aprofundados da microbiota associada e sua possível contribuição na biossíntese de feromônios. Interações entre abelhas e micro-organismos Diversas espécies de abelhas também apresentam as características de insetos eussociais, porém os estudos acerca da simbiose microbiana nestes insetos ainda são mais escassos quando comparados a formigas da tribo Attini. Um grande número de actinobactérias foi isolado a partir de células de cria, materiais da colmeia e amostras de abelhas adultas de espécies dos gêneros Apis e Trigona em um estudo realizado por Promnuan, Kudo e Chantawannakul (2009). Duas novas espécies de Streptomyces também foram isoladas da abelha sem ferrão do sudeste asiático, Tetragonilla collina (PROMNUAN et al., 2013). Vários desses isolados bacterianos apresentaram atividade inibitória contra as espécies patogênicas de bactérias Paenibacillus larvae e Melissococcus plutonius, que são os principais agentes causadores da doença cria pútrida americana e européia, respectivamente (PROMNUAN; KUDO; CHANTAWANNAKUL, 2009). No entanto, ainda não foi demonstrado se a presença dessas espécies de Streptomyces é necessária para reduzir a infecção por esses patógenos e, portanto, que sua presença nas colônias pode ser uma adaptação evolutiva por parte das abelhas. Em um estudo sobre as evidências de associações generalizadas entre insetos himenópteros neotropicais e actinobactérias, foram isoladas 12 linhagens de actinobactérias da abelha sem ferrão Tetragonisca angustula (Meliponinae), a partir de abelhas adultas, larvas, favo de mel e pólen. Este estudo fornece evidências de antagonismo entre algumas linhagens de Melo et al., 2019

actinobactérias e fungos entomopatogênicos e apoia a ideia de que certos insetos podem usar alguns dos metabólitos secundários ativos de actinobactérias associadas como um mecanismo adicional de proteção contra inimigos naturais (MATARRITA-CARRANZA et al., 2017). As abelhas Apis mellifera também são capazes de inibir os patógenos P. larvae, M. plutonius e outros. Essas abelhas abrigam uma comunidade bacteriana altamente específica em seus intestinos e nas células de cria onde suas larvas se desenvolvem. Membros desta comunidade bacteriana, especialmente bactérias lácticas, parecem ter um efeito protetor contra a doença cria pútrida americana e europeia em larvas em desenvolvimento. Alguns desses isolados bacterianos produzem bacteriocinas, que podem ser responsáveis por essa atividade inibitória (VAN ARNAM; CURRIE; CLARDY, 2018). A associação entre abelhas e micro-organismos vai além da proteção contra patógenos dentro de suas colmeias. O cultivo de fungos na colônia para alimentação pode também ser uma prática comum entre as abelhas sem ferrão. As larvas recém-nascidas de Scaptotrigona depilis, uma espécie de abelha sem ferrão nativa do Brasil, se alimentam de filamentos de um fungo cultivado nas células de cria, a fim de continuar o desenvolvimento (MENEZES et al., 2015). Este fungo é um membro do gênero Zygosaccharomyces e fornece precursores esteroidais, como ergosterol, essenciais para a abelha em desenvolvimento. Ensaios de cultivo larval in vitro demonstraram que a maioria das larvas completou a morfogênese até pupa, e posteriormente jovem adulto, quando o alimento larval foi inoculado com o fungo e quando apenas o ergosterol foi adicionado. Análises filogenéticas mostraram que casos similares de simbiose mutualista íntima entre abelhas e fungos Zygosaccharomyces podem existir. Este caso sem precedentes de simbiose entre abelhas e fungos, impulsionado pela exigência de esteróides, traz novas perspectivas em relação à interação e preservação de polinizadores-microbiota (PALUDO et al., 2018). Interações entre cupins e micro-organismos Embora as formigas cortadeiras tenham sido bem estudadas, elas não são os únicos insetos a cultivar um fungo usando material vegetal, ou a fazerem uso de produtos naturais produzidos por actinobactérias. Os cupins que cultivam fungos consomem o material vegetal seco e, em seguida, alimentam seu fungo cultivar com o

51


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

material fecal contendo plantas. Este fungo é semelhante ao fungo simbionte das formigas Attine - L. gongylophorus - que evoluiu para produzir corpos de frutificação que são colhidos como alimento pelos cupins (RAMADHAR et al., 2014). Esses cupins cultivadores de fungo são encontrados em toda a África e Ásia e têm se envolvido em uma relação simbiótica com o fungo cultivar basidiomiceto do gênero Termitomyces por aproximadamente 30 milhões de anos (AANEN; EGGLETON, 2005). Fungos ascomicetos como Pseudoxylaria e Trichoderma são comuns nesses cupinzeiros onde se acredita que sejam competidores do fungo cultivado pelos cupins. As estruturas de favo de fungo dentro desses ninhos abrigam ricas comunidades bacterianas que são pelo menos parcialmente derivadas do intestino dos cupins (VISSER et al., 2012; OTANI et al., 2014; 2016; AYLWARD et al., 2014). Linhagens do gênero Bacillus com atividade antifúngica foram isoladas de cupins e do favo de fungos, tanto do cupim asiático cultivador de fungo Odontotermes formosanus, quanto do cupim africano Macrotermes natalensis (MATHEW et al., 2012; UM et al., 2013). Os isolados de Bacillus de ambas as espécies de cupins inibem seletivamente os prováveis patógenos Pseudoxylaria e Trichoderma, mas não o fungo cultivar basidiomiceto, e esta atividade foi atribuída ao antifúngico bacillaeno A nas linhagens de Bacillus derivadas de M. natalensis (UM et al., 2013). As actinobactérias são frequentemente isoladas de ninhos de cupins cultivadores de fungos e, embora seu papel ecológico não seja claro, elas têm sido uma fonte altamente produtiva para a descoberta de produtos naturais. Essas bactérias não parecem ser específicas para cupins e, embora geralmente exibam atividade antifúngica, uma amostragem em larga escala dessas bactérias revelou que a inibição de cultivares é mais frequente do que a inibição por Pseudoxylaria (VISSER et al., 2012). Os isolados de Streptomyces de colônias do cupim da África do Sul M. natalensis produziram vários compostos novos interessantes. A investigação de uma linhagem de Streptomyces com atividade antifúngica especialmente forte levou à descoberta da natalamicina A, um antifúngico altamente incomum e a geldanamicina e análogos, que apresentaram atividade contra o fungo parasita Pseudoxylaria (KIM et al., 2014). Uma triagem de 30 linhagens de Streptomyces de um cupim cultivador de fungo diferente da África do Sul, Microtermes sp., levou à identificação dos compostos microtermolida A e microtermolida B, os quais não apresentaram atividade antibacteriana e antifúngica (CARR et al., 2012). Melo et al., 2019

Interessantemente, um isolado do fungo patogênico Pseudoxylaria de uma colônia sul-africana de Microtermes sp. possui atividade antagonista contra o cultivar Termitomyces em ensaios in vitro. Embora os compostos responsáveis por essa atividade antifúngica ainda não tenham sido identificados, esse fungo também produz uma série de compostos antibacterianos, incluindo a pseudoxilallemicina B (GUO et al., 2016). Além de linhagens de Streptomyces, um recente trabalho relatou o isolamento da linhagem de Amycolatopsis M39 de uma colônia de M. natalensis, que inibiu seletivamente o fungo patogênico Pseudoxylaria, mas não inibiu o fungo simbionte Termitomyces. Esta atividade foi atribuída aos novos antifúngicos macrotermicina A e macrotermicina C (BEEMELMANNS et al., 2017). Assim, como na simbiose das formigas Attine, o microbioma associado aos cupins cultivadores de fungo possui um enorme potencial químico e biológico a ser explorado, os quais biossintetizam produtos naturais bioativos envolvidos nas atividades antibacterianas e antifúngicas de seu nicho. Interações entre mirmecófitas e micro-organismos A simbiose entre formigas e plantas mirmecófitas é outro exemplo de interação bem estabelecida. Ao longo dos trópicos existem diversas espécies de formigas que nidificam exclusivamente o interior de mirmecófitas, podendo ser citado como exemplos as associações, Acacia-Pseudomyrmex, Cecropia-Azteca, Piper-Pheidole e Macaranga-Crematogaster (FONSECA, 1999; HEIL; MCKEY, 2003). As interações mirmecofíticas são consideradas mutualísticas, pois favorecem ambas as espécies envolvidas (FONSECA, 1999). Essas plantas possuem ao longo do caule e/ou dos galhos câmaras internodais ocas, divididas por septos, denominadas domácias, que são utilizadas para nidificação e consolidação das colônias de formigas dentro da planta (RICO-GRAY; OLIVEIRA, 2007; YU; DAVIDSON, 1997). As plantas do gênero Cecropia, por exemplo, fornecem abrigo e produzem corpos Müllerianos, ricos em glicogênio que são utilizados como fonte de alimento para as formigas que por sua vez, auxiliam a planta hospedeira na defesa contra outras plantas parasitas, insetos sugadores de seiva e outros herbívoros (HEIL; MCKEY, 2003). Existem também outros organismos como nematoides, larvas dipterianas e fungos que vivem em simbiose com 52


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

este sistema. A presença de leveduras negras no interior das domacias pode desempenhar um papel nutricional importante nesta simbiose uma vez que são ingeridas pelas larvas de formigas (VOGLMAYR et al., 2011; BLATRIX et al., 2012). A levedura negra é um fungo pertencente à ordem Chaetothyriales (Ascomicota) e é transmitida de forma vertical, ou seja, a formiga rainha carrega consigo um pouco deste fungo da colônia mãe para a consolidação do seu novo ninho (MAYER et al., 2018). Já foram encontradas actinobactérias associadas a diferentes interações mirmecofíticas, que possuem capacidade de degradação da celulose liberando subprodutos que são utilizadas pelas formigas. Essas actinobactérias, principalmente do gênero Streptomyces, também apresentaram atividades inibitórias frente a fungos entomopatogênicos (HANSHEW et al., 2015). Na interação mutualística estabelecida entre as formigas da espécie Tetraponera penzigi e as plantas do gênero Acacia, foi encontrada uma nova espécie de actinobactéria denominada Streptomyces formicae. A partir desta linhagem foram isolados e identificados treze novos policetídeos, denominados formicamicinas, que compartilham de uma estrutura pentacíclica rara e apresentam atividade contra os patógenos Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA) e Enterococcus faecium resistente à vancomicina (VRE) (QIN et al., 2017). Os micro-organismos envolvidos na simbiose formiga-planta apresentam, portanto, potencial para a produção de compostos com atividade antimicrobiana, podendo desempenhar um papel importante de proteção nessa interação e ainda possuem um papel crucial para a nutrição das formigas como no caso das leveduras negras. Assim, nota-se a complexidade desta interação, envolvendo diversos organismos e destaca-se a importância de se estudar a microbioma deste sistema uma

vez que ainda é pouco conhecido e possui um grande potencial químico e ecológico a ser investigado. Conclusões A interação entre insetos e micro-organismos tem levado a descoberta de novas abordagens ecológicas que fornecem informações sobre a ampla e dinâmica seleção de nichos de hospedeiros e micro-organismos. Essa relação simbiótica constitui, provavelmente, um dos modelos biológicos mais fascinantes para entendimento do uso de antibióticos na natureza. Como consequência, estudos químicos e biológicos nestes sistemas fornecem uma oportunidade para a descoberta de novos produtos naturais com potenciais aplicações biotecnológicas. O Brasil é detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta e todos os organismos vivos estão em uma complexa rede de interações no ambiente. Portanto, é urgente que mais estudos em sistemas simbiontes envolvendo micro-organismos e insetos sejam realizados, a fim de que possam ser desvendados os mecanismos moleculares envolvidos nestas interações. O conhecimento obtido nestes estudos poderá subsidiar o estabelecimento de políticas públicas de preservação da biodiversidade, uso racional de agentes químicos ou biológicos na agricultura e, ainda, ser traduzido em descobertas que possam contribuir com a saúde humana. Agradecimentos Agradecemos o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (Proc. #2013/50954-0, #2015/01001-6, #2015/26349-5, #2016/26230-0), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências AANEN, D. K.; EGGLETON, P. Fungus-growing termites originated in African rain forest. Current Biology, v. 15, p. 851-855, 2005. ANDERSEN, S.B.; HANSEN, L.H.; SAPOUNTZIS, P.; SØRENSEN, S.J.; BOOMSMA, J.J. Specificity and stability of the Acromyrmex–Pseudonocardia symbiosis. Molecular Ecology, v. 22, p. 4307-4321, 2013. AYLWARD, F.O.; SUEN, G.; BIEDERMANN, P.H.W.; ADAMS, A.S.; SCOTT, J.J.; MALFATTI, S.A.; DEL RIO, T.G.; TRINGE, S.G.; POULSEN, M.; RAFFA, K.F.; KLEPZIG, K.D.; CURRIE, C.R. Convergent bacterial microbiotas in the fungal agricultural systems of insects. MBio, v. 5, e02077-14, 2014. BARKE, J.; SEIPKE, R.F.; GRÜSCHOW, S.; HEAVENS, D.; DROU, N.; BIBB, M.J.; GOSS, R.J.; YU, D.W.; HUTCHINGS M.I. A mixed community of actinomycetes produce multiple antibiotics for the fungus farming ant Acromyrmex octospinosus. BMC Biology, v. 8, p. 109, 2010.

Melo et al., 2019

53


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

BARKE, J.; SEIPKE, R.F.; YU, D.W.; HUTCHINGS, M.I. A mutualistic microbiome: How do fungus-growing ants select their antibiotic-producing bacteria?. Communicative & Integrative Biology, v. 4, p. 41-43, 2011. BARY, A. Die erscheinung der symbiose. Verlag von Karl J. Trübner, 1879. BEEMELMANNS, C.; RAMADHAR, T.R.; KIM, K.H.; KLASSEN, J.L.; CAO, S.; WYCHE, T.P.; HOU, Y.; POULSEN, M.; BUGNI, T.S.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Macrotermycins A–D, glycosylated macrolactams from a termite-associated Amycolatopsis sp. M39. Organic Letters, v. 19, p. 1000-1003, 2017. BLATRIX, R.; DJIÉTO-LORDON, C.; MONDOLOT, L.; LA FISCA, P.; VOGLMAYR, H.; MCKEY, D. Plant-ants use symbiotic fungi as a food source: new insight into the nutritional ecology of ant–plant interactions. Proceedings of the Royal Society of London B: Biological Sciences, e. rspb20121403, 2012. BROWNLIE, J. C.; JOHNSON, K. N. Symbiont-mediated protection in insect hosts. Trends in Microbiology, v. 17, p. 348-354, 2009. CARR, G.; POULSEN, M.; KLASSEN, J. L.; HOU, Y.; WYCHE, T. P.; BUGNI, T. S.; CURRIE, C. R.; CLARDY, J. Microtermolides A and B from termite-associated Streptomyces sp. and structural revision of vinylamycin. Organic Letters, v. 14, p. 2822-2825, 2012. CURRIE, C.R.; SCOTT, J.A.; SUMMERBELL, R.C.; MALLOCH, D. Fungus-growing ants use antibiotic-producing bacteria to control garden parasites. Nature, v. 398, n. 6729, p. 701, 1999. CURRIE, C.R. A community of ants, fungi, and bacteria: a multilateral approach to studying symbiosis. Annual Reviews in Microbiology, v. 55, p. 357-380, 2001. CURRIE, C.R.; BOT, A.N.; BOOMSMA, J.J. Experimental evidence of a tripartite mutualism: bacteria protect ant fungus gardens from specialized parasites. Oikos, v. 101, p. 91-102, 2003. CURRIE, C.R.; POULSEN, M.; MENDENHALL, J.; BOOMSMA, J.J.; BILLEN, J. Coevolved crypts and exocrine glands support mutualistic bacteria in fungus-growing ants. Science, v. 311, p. 81-83, 2006. DOUGLAS, A. E. Multiorganismal insects: diversity and function of resident microorganisms. Annual Review of Entomology, v. 60, p. 17-34, 2015. FONSECA, C. R. Amazonian ant-plant interactions and the nesting space limitation hypothesis. Journal of Tropical Ecology, v. 15, p. 807-825, 1999. GUO, H.; KREUZENBECK, N.B.; OTANI, S.; GARCIA-ALTARES, M.; DAHSE, H.M.; WEIGEL, C.; AANEN, D.K.; HERTWECK, C.; POULSEN, M.; BEEMELMANNS, C. Pseudoxylallemycins A–F, cyclic tetrapeptides with rare allenyl modifications isolated from Pseudoxylaria sp. X802: a competitor of fungus-growing termite cultivars. Organic Letters, v. 18, p. 3338-3341, 2016. HAEDER, S.; WIRTH, R.; HERZ, H.; SPITELLER, D. Candicidin-producing Streptomyces support leaf-cutting ants to protect their fungus garden against the pathogenic fungus Escovopsis. Proceedings of the National Academy of Sciences, e. pnas. 0812082106, 2009. HANSHEW, A.S.; MCDONALD, B.R.; DÍAZ DÍAZ, C.; DJIÉTO-LORDON, C.; BLATRIX, R.; CURRIE, C.R. Characterization of actinobacteria associated with three ant-plant mutualisms. Invertebrate Microbiology, v. 69, p. 192203, 2015. HEIL, M.; MCKEY, D. Protective ant-plant interactions as model systems in ecological and evolutionary research. Annual Review of Ecology, Evolution and Systematics, v. 34, p. 425-453, 2003. HÖLLDOBLER, B.; WILSON, E.O. The superorganism: the beauty, elegance, and strangeness of insect societies. WW Norton & Company, 2009. KALTENPOTH, M.; GÖTTLER, W.; HERZNER, G.; STROHM, E. Symbiotic bacteria protect wasp larvae from fungal infestation. Current Biology, v. 15, p. 475-479, 2005. KALTENPOTH, M. Actinobacteria as mutualists: general healthcare for insects? Trends in Microbiology, v. 17, n. 12, p. 529-535, 2009. KALTENPOTH, M.; YILDIRIM, E.; GÜRBÜZ, M.F.; HERZNER, G.; STROHM, E. Refining the roots of the beewolfStreptomyces symbiosis: antennal symbionts in the rare genus Philanthinus (Hymenoptera, Crabronidae). Applied and Environmental Microbiology, v. 78, n. 3, p. 822-827, 2012. KIM, K.H.; RAMADHAR, T.R.; BEEMELMANNS, C.; CAO, S.; POULSEN, M.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Natalamycin A, an ansamycin from a termite-associated Streptomyces sp. Chemical Science, v. 5, p. 4333-4338, 2014. Melo et al., 2019

54


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

KOEHLER, S.; DOUBSKÝ, J.; KALTENPOTH, M. Dynamics of symbiont-mediated antibiotic production reveal efficient long-term protection for beewolf offspring. Frontiers in Zoology, v. 10, p. 3, 2013. KOST, C.; LAKATOS, T.; BÖTTCHER, I.; ARENDHOLZ, W.R.; REDENBACH, M.; WIRTH, R. Non-specific association between filamentous bacteria and fungus-growing ants. Naturwissenschaften, v. 94, p. 821-828, 2007. KROISS, J.; KALTENPOTH, M.; SCHNEIDER, B.; SCHWINGER, M.G.; HERTWECK, C.; MADDULA, R.K.; STROHM, E.; SVATOS, A. Symbiotic streptomycetes provide antibiotic combination prophylaxis for wasp offspring. Nature Chemical Biology, v. 6, p. 261, 2010. LI, X.; GUO, W.; DING, J. Mycangial fungus benefits the development of a leaf-rolling weevil, Euops chinesis. Journal of Insect Physiology, v. 58, p. 867-873, 2012. MARSARO JÚNIOR, A.L.; DELLA LUCIA, T.M.C.; BARBOSA, L.C.; MAFFIA, L.A.; MORANDI, M.A. Inhibition of the germination of Botrytis cinerea Pers. Fr. conidia by extracts of the mandibular gland of Atta sexdens rubropilosa Forel (Hymenoptera: Formicidae). Neotropical Entomology, v. 30, n. 3, p. 403-406, 2001. MARSH, S.E.; POULSEN, M.; PINTO-TOMÁS, A.; CURRIE, C.R. Interaction between workers during a short time window is required for bacterial symbiont transmission in Acromyrmex leaf-cutting ants. PLoS One, v. 9, p. e103269, 2014. MATARRITA-CARRANZA, B.; MOREIRA-SOTO, R.D.; MURILLO-CRUZ, C.; MORA, M.; CURRIE, C.R.; PINTOTOMAS, A.A. Evidence for widespread associations between neotropical hymenopteran insects and actinobacteria. Frontiers in Microbiology, v. 8, p. 2016, 2017. MATHEW, G.M.; JU, Y.M.; LAI, C.Y.; MATHEW, D.C.; HUANG, C.C. Microbial community analysis in the termite gut and fungus comb of Odontotermes formosanus: the implication of Bacillus as mutualists. FEMS Microbiology Ecology, v. 79, n. 2, p. 504-517, 2012. MAYER, V.E.; NEPEL, M.; BLATRIX, R.; OBERHAUSER, F.B.; FIEDLER, K.; SCHÖNENBERGER, J.; VOGLMAYR, H. Transmission of fungal partners to incipient Cecropia-tree ant colonies. PLoS ONE, v. 13, p. 1–18, 2018. MENEZES, C.; VOLLET-NETO, A.; MARSAIOLI, A.J.; ZAMPIERI, D.; FONTOURA, I.C.; LUCHESSI, A.D.; IMPERATRIZ-FONSECA, V.L. A Brazilian social bee must cultivate fungus to survive. Current Biology, v. 25, n. 21, p. 2851-2855, 2015. MORGAN, E.D.; NASCIMENTO, R.R.; KEEGANS, S.J.; BILLEN, J. Comparative study of mandibular gland secretions of workers of ponerine ants. Journal of Chemical Ecology, v. 25, p. 1395-1409, 1999. MUELLER, U.G.; GERARDO, N. Fungus-farming insects: multiple origins and diverse evolutionary histories. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 99, n. 24, p. 15247-15249, 2002. MUELLER, U.G.; DASH, D.; RABELING, C.; RODRIGUES, A. Coevolution between attine ants and actinomycete bacteria: a reevaluation. Evolution: International Journal of Organic Evolution, v. 62, n. 11, p. 2894-2912, 2008. NASIR, H.; NODA, H. Yeast-like symbiotes as a sterol source in anobiid beetles (Coleoptera, Anobiidae): possible metabolic pathways from fungal sterols to 7-dehydrocholesterol. Archives of Insect Biochemistry and Physiology: Published in Collaboration with the Entomological Society of America, v. 52, n. 4, p. 175-182, 2003. OH, D.C.; POULSEN, M.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Dentigerumycin: a bacterial mediator of an ant-fungus symbiosis. Nature Chemical Biology, v. 5, p. 391, 2009. OTANI, S.; MIKAELYAN, A.; NOBRE, T.; HANSEN, L.H.; KONÉ, N.A.; SØRENSEN, S.J.; AANEN, D.K.; BOOMSMA, J.J.; BRUNE, A.; POULSEN, M. Identifying the core microbial community in the gut of fungus-growing termites. Molecular Ecology, v. 23, p. 4631-4644, 2014. OTANI, S.; HANSEN, L.H.; SØRENSEN, S.J.; POULSEN, M. Bacterial communities in termite fungus combs are comprised of consistent gut deposits and contributions from the environment. Microbial Ecology, v. 71, p. 207-220, 2016. PALUDO, C.R.; MENEZES, C.; SILVA-JUNIOR, E.A.; VOLLET-NETO, A.; ANDRADE-DOMINGUEZ, A.; PISHCHANY, G.; KHADEMPOUR, L.; NASCIMENTO, F.S.; CURRIE, C.R.; KOLTER, R.; CLARDY, J.; PUPO, M.T. Stingless Bee Larvae Require Fungal Steroid to Pupate. Scientific Reports, v. 8, p. 1122, 2018. POULSEN, M.; BOT, A. N. M; BOOMSMA, J. J. The effect of metapleural gland secretion on the growth of a mutualistic bacterium on the cuticle of leaf-cutting ants. Naturwissenschaften, v. 90, p. 406-409, 2003. Melo et al., 2019

55


Revista RG News 5 (1): 48-56, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

PROMNUAN, Y.; KUDO, T.; CHANTAWANNAKUL, P. Actinomycetes isolated from beehives in Thailand. World Journal of Microbiology and Biotechnology, v. 25, p. 1685-1689, 2009. PROMNUAN, Y.; KUDO, T.; OHKUMA, M.; CHANTAWANNAKUL, P. Streptomyces chiangmaiensis sp. nov. and Streptomyces lannensis sp. nov., isolated from the South-East Asian stingless bee (Tetragonilla collina). International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, v. 63, p. 1896-1901, 2013. QIN, Z.; MUNNOCH, J.T.; DEVINE, R.; HOLMES, N.A.; SEIPKE, R.F.; WILKINSON, K.A.; WILKINSON, B.; HUTCHINGS, M.I. Formicamycins, antibacterial polyketides produced by Streptomyces formicae isolated from African Tetraponera plant-ants. Chemical Science, v. 8, p. 3218-3227, 2017. RAMADHAR, T.R.; BEEMELMANNS, C.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Bacterial symbionts in agricultural systems provide a strategic source for antibiotic discovery. The Journal of Antibiotics, v. 67, p. 53, 2014. RICO-GRAY, V.; OLIVEIRA P. S. The Ecology and Evolution of ant-plant interactions. The University of Chicago Press, 2007. RODRIGUES, A.; BACCI JUNIOR, M.; MUELLER, U.G.; ORTIZ, A.; PAGNOCCA, F.C. Microfungal “weeds” in the leafcutter ant symbiosis. Microbial Ecology, Washington, v. 56, p. 604-614, 2008. SCHEURING, I.; YU, D. W. How to assemble a beneficial microbiome in three easy steps. Ecology Letters, v. 15, p. 1300-1307, 2012. SCOTT, J.J.; OH, D.C.; YUCEER, M.C.; KLEPZIG, K.D.; CLARDY, J.; CURRIE, C.R. Bacterial protection of beetlefungus mutualism. Science, v. 322, p. 63-63, 2008. SEIPKE, R.F.; BARKE, J.; BREARLEY, C.; HILL, L.; DOUGLAS, W.Y.; GOSS, R.J.; HUTCHINGS, M.I. A single Streptomyces symbiont makes multiple antifungals to support the fungus farming ant Acromyrmex octospinosus. PLoS One, v. 6, p. e22028, 2011. SEIPKE, R. F.; KALTENPOTH, M.; HUTCHINGS, M. I. Streptomyces as symbionts: an emerging and widespread theme?. FEMS Microbiology Reviews, v. 36, p. 862-876, 2012. SILVA-JUNIOR, E.A.; RUZZINI, A.C.; PALUDO, C.R.; NASCIMENTO, F.S.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J.; PUPO, M.T. Pyrazines from bacteria and ants: convergent chemistry within an ecological niche. Scientific Reports, v. 8, p. 2595, 2018. STEFFAN, S.A.; CHIKARAISHI, Y.; CURRIE, C.R.; HORN, H.; GAINES-DAY, H.R.; PAULI, J.N.; ZALAPA, J.E.; OHKOUCHI, N. Microbes are trophic analogs of animals. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, p. 15119-15124, 2015. UM, S.; FRAIMOUT, A.; SAPOUNTZIS, P.; OH, D.C.; POULSEN, M. The fungus-growing termite Macrotermes natalensis harbors bacillaene-producing Bacillus sp. that inhibit potentially antagonistic fungi. Scientific Reports, v. 3, p. 3250, 2013. VAN ARNAM, E.B.; RUZZINI, A.C.; SIT, C.S.; HORN, H.; PINTO-TOMÁS, A.A.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Selvamicin, an atypical antifungal polyene from two alternative genomic contexts. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 113, p. 12940-12945, 2016. VAN ARNAM, E.B.; CURRIE, C.R.; CLARDY, J. Defense contracts: molecular protection in insect-microbe symbioses. Chemical Society Reviews, v. 47, p. 1638-1651, 2018. VISSER, A. A.; NOBRE, T.; CURRIE, C.R.; AANEN, D.K.; POULSEN, M. Exploring the potential for actinobacteria as defensive symbionts in fungus-growing termites. Microbial Ecology, v. 63, p. 975-985, 2012. VOGLMAYR, H.; MAYER, V.; MASCHWITZ, U.; MOOG, J.; DJIETO-LORDON, C.; BLATRIX, R. The diversity of ant-associated black yeasts: insights into a newly discovered world of symbiotic interactions. British Mycological Society, v. 115, p. 1077-1091, 2011. WANG, L.; FENG, Y.; TIAN, J.; XIANG, M.; SUN, J.; DING, J.; YIN, W.B.; STADLER, M.; CHE, Y.; LIU, X. Farming of a defensive fungal mutualist by an attelabid weevil. The ISME Journal, v. 9, p. 1793, 2015. YU, D.W.; DAVIDSON, D.W. Experimental studies of species-specificity in Cecropia–ant relationships. Ecological Monographs, v. 67, p. 273-294, 1997.

Melo et al., 2019

56


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Desvendando as complexas relações entre micro-organismos e plantas Maria Caroline Quecinea, Maria Letícia Bonatellia a Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"/Universidade de São Paulo, Departamento de Genética, Av, Pádua Dias,11, Piracicaba, São Paulo, Brasil. E-mail: mquecine@usp.br, mlbonatelli@gmail.com

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 57-63

Palavras-chave: Biodiversidade Agricultura Biocontrole Patógeno Promoção de crescimento

RESUMO Os micro-organismos podem estabelecer diferentes relações com as plantas. Podem promover o crescimento vegetal ou realizar o biocontrole de patógenos, ou mesmo, eles serem os patógenos. Dessa forma, existe o interesse em saber quem são esses microorganismos capazes de colonizar as plantas e quais são os mecanismos envolvidos na interação entre eles. O presente artigo traz os trabalhos realizados pela pesquisadora Maria Carolina Quecine que focaram elucidar aspectos da complexa interação micro-organismosplanta.

ABSTRACT (Deciphering the complex relationship between microorganisms – plants) Microorganisms can establish different relationships with plants. They can either promote plant growth or perform pathogens biocontrol or even be the pathogens themselves. Thus, there is an interest in knowing who are these microorganisms capable of colonizing the plants and what are the mechanisms involved in the interactions between them. This article presents the works carried out by the researcher Maria Carolina Quecine that focused on elucidating aspects of the microorganisms-plant interaction. Introdução Os micro-organismos estão em todas as partes. Eles são capazes de habitar os ambientes mais inóspitos: geleiras, fontes termais, mares ultra salinos, mas também colonizam animais, incluindo os seres humanos, e as plantas. Nelas, os micro-organismos podem colonizar das raízes às mais altas folhas, sendo que a relação estabelecida entre eles pode ser beneficial, neutra ou prejudicial à saúde das plantas. Por isso, muitos grupos de pesquisa têm focado sua atenção em entender quem são esses micro-organismos e quais são os mecanismos que regem suas interações com as plantas. Historicamente, sabe-se que o solo fornece suporte para as plantas, ainda servindo de uma importante fonte de micro-organismos para elas. Em 1888, Martinus Beijerinck foi o primeiro cientista a isolar a bactéria Bacillus radicicola, habitando os nódulos das raízes das Quecine et al., 2019

leguminosas, e propôs que a fonte de inoculação seria o solo. Em 1904, Hiltner cunhou o termo rizosfera como a zona do solo sob influência da raiz e encontrou mais micro-organismos nessa região do que em outras partes do solo. Ele hipotetizou que esses micro-organismos poderiam influenciar o crescimento das plantas (BOWEN; ROVIRA, 1961). Atualmente, sabe-se da grande diversidade microbiana existente no solo, estima-se que existam cerca de 109 micro-organismos em uma colher de chá de solo (EDITORIAL, 2011). Mesmo considerando que os tamanhos dos genomas bacterianos variam, uma célula bacteriana típica tem cerca de 4.000 genes, o que resultará em mais de 1012 genes bacterianos por grama de solo, demonstrando o enorme potencial de recursos genéticos disponíveis nesse ambiente tão importante para a as plantas (MANTER et al., 2017). 57


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Além de habitar raízes e rizosfera, os microorganismos colonizam outros tecidos das plantas, tais como, ramos, folhas, frutos e sementes. Em todos os tecidos da planta, os micro-organismos podem habitar a superfície – levando o nome de epifíticos – ou regiões internas da planta – sendo chamados de endofíticos (AZEVEDO et al., 2000). Essas regiões possuem características bem distintas. O ambiente da superfície foliar, por exemplo, é caracterizado por grandes e rápidas variações, como de temperatura e de umidade relativa, e baixa disponibilidade de nutrientes (LINDOW; BRANDL, 2003). Já o ambiente interno das plantas, onde os endofíticos colonizam, é mais rico em nutrientes e água, protegido das variações do ambiente, porém esses micro-organismos precisam garantir que não vão elicitar respostas de defesa da planta (HARDOIM; VAN OVERBEEK; VAM ELSAS, 2008). O Laboratório de Genética de Micro-organismos “João Lúcio de Azevedo” tem sólida experiência na investigação da genética de micro-organismos. E nessa área, a professora Maria Carolina Quecine conduz linhas de pesquisa voltadas à compreensão das relações estabelecidas entre os micro-organismos e as plantas, sejam elas benéficas ou prejudiciais à saúde das plantas. O presente artigo irá abordar os principais trabalhos publicados pela professora Quecine e seu grupo de pesquisa, focando na descrição das comunidades microbianas de planta, na prospecção de seus potenciais biotecnológicos e na compreensão das complexas relações estabelecidas entre micro-organismo e planta. Relações benéficas Promoção de crescimento de plantas O termo rizobactéria promotora de crescimento de planta (em inglês, plant growth-promoting rhizobacteria ou PGPR) foi cunhado pela primeira vez por Kloepper e Schroth (1978) para descrever rizobactérias capazes de induzir o crescimento de planta através da inoculação destas em sementes. De maneira geral, nos dias de hoje, essa definição pode incluir bactérias que colonizam a rizosfera, o rizoplano ou a própria raiz (GRAY; SMITH, 2005), sendo assim melhor denominadas bactérias promotoras de crescimento de plantas (BPCP) e que promovem, de forma indireta ou direta, o crescimento das plantas. Os mecanismos diretos de promoção de crescimento das BPCPs incluem a facilitação de aquisição de recursos/nutrientes e a modulação de fitohormônios, enquanto os mecanismos indiretos se referem ao Quecine et al., 2019

biocontrole de patógenos (GLICK, 2012). Dentre os mecanismos diretos, temos a fixação de nitrogênio, solubilização de fosfato, produção de sideróforos e modulação do nível de fitohormônios; já dentre os mecanismos indiretos, podemos citar a atuação dos microorganismos como agentes de biocontrole. Uma das primeiras bactérias investigadas utilizando técnicas de biologia molecular pela pesquisadora Maria Carolina Quecine, foi a Pantoea agglomerans linhagem 33.1. Ela foi previamente isolada de Eucalyptus grandis e descrita como promotora de crescimento dessa espécie vegetal. Essa bactéria foi avaliada quanto ao potencial de promoção de crescimento de cana-de-açúcar e, de fato, P. agglomerans 33.1 promoveu o crescimento dessa planta em casa de vegetação, aumentando a sua massa seca. Em ensaios bioquímicos foram detectadas as altas produções de ácido-indol-acético e fosfatases pela linhagem 33.1, sendo esses, importantes mecanismos envolvidos na promoção de crescimento vegetal. Além disso, a presença da bactéria aumentou a produção de proteínas de resistência, como quitinases e celulases, sugerindo que ela pode induzir o sistema de defesa da planta. A colonização cruzada de cana-de-açúcar pela linhagem bacteriana foi comprovada por diversas técnicas, sendo inclusive desenvolvido o plasmídio integrativo pNKGFP, que foi utilizado no monitoramento da bactéria na planta. O mesmo tem sido utilizado em outros estudos de interação planta-endófito (QUECINE et al., 2012) Além de estudos moleculares utilizados para compreender as interações de BPCP com seus hospedeiros, a bioprospecção de micro-organismos com alta capacidade de promoção de crescimento de plantas é uma importante estratégia para viabilizar a aplicação dos mesmos em campo. O acesso de comunidades microbianas de ambientes pouco explorados, ou com características únicas, podem representar importantes fontes de recursos genéticos não explorados. A planta Paullinia cupana var. sorbilis (Mart.) Ducke, conhecida como guaraná, é uma importante cultura da região Amazônica. Essa planta representa uma significante fonte econômica para produtores da região de Maués (AM), local que é o centro de origem da espécie. As bactérias associadas à rizosfera da planta foram acessadas e investigadas quanto aos seus potenciais de promoção de crescimento vegetal. As características de promoção de crescimento de plantas avaliadas foram: produção de auxina, solubilização de fosfato, fixação de nitrogênio e produção de sideróforo. Treze bactérias possuíam as 4 características, dando enfoque aos isolados Bacillus sp. (RZ2MS9) e Burkholderia ambifaria 58


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

(RZ2MS16) (Figura 1) (BATISTA et al., 2018).

A

B

Figura 1. Promoção de crescimento de raiz pela bactéria

Bacillus sp RZ2MS9 (A), quando comparada com o controle (B) (Foto gentilmente cedida por Bruna Durante Batista).

Em ensaios realizados em casa de vegetação, as bactérias aumentaram o peso seco da raiz de milho em 247,8 e 136,9%, considerando RZ2MS9 e RZ2MS16, respectivamente. Além disso, ao estudar o comportamento da bactéria RZ2MS16 através da transformação desta com gene da proteína verde fluorescente (do inglês, green fluorescent protein), foi observado o comportamento endófito dessa bactéria, demonstrando que, apesar de ter sido isolada da rizosfera, ela é capaz de colonizar outras partes de plantas de milho e soja (BATISTA et al., 2018). Em outro estudo, visando também explorar a biodiversidade brasileira, bactérias foram isoladas das plantas Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa e Avicennia nítida, espécies vegetais nativas do mangue brasileiro. O mangue é um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestre e marinho, portanto, está sujeito ao regime de marés e a exposição à uma alta concentração salina. Tais características tornam esse sistema único. Essas bactérias foram testadas para fixação de nitrogênio, solubilização de fosfato e produção de ácido indol acético. Dentre as bactérias testadas, destacase a Enterobacter sp. (MCR1.48) que aumentou a massa seca da parte aérea da espécie Acacia polyphylla, que é utilizada para reflorestamento (CASTRO et al., 2018). Biocontrole Apesar do biocontrole poder ser considerado um importante mecanismo indireto de promoção de crescimento, ele tem também fundamental aplicação na agricultura para o controle de fitopatógenos. O estudo de micro-organismos da planta, tanto endofíticos, como epifíticos, para a procura por agentes de biocontrole, fazse interessante por eles habitarem os mesmos ambientes Quecine et al., 2019

que os patógenos. Porém, os mecanismos envolvidos no controle podem variar, a depender do patógeno, da planta e outros, sendo possível explorar diferentes estratégias. A antracnose é uma doença que acomete o guaranazeiro e pode gerar perdas significativas na produção da cultura. A comunidade microbiana do guaraná foi estudada para melhor entender a relação dos micro-organismos com o patógeno, assim como para buscar potenciais agentes de biocontrole. Para isso, bactérias da semente do guaranazeiro foram isoladas e testadas contra o patógeno Colletotrichum sp., onde 15% dos isolados demonstraram atividade antagônica. Os isolados pertenciam majoritariamente ao gênero Bacillus. Esse estudo mostra o potencial de aplicação de tais bactérias no controle desse fitopatógeno (SILVA et al., 2016). Mas não somente bactérias foram acessadas. Os fungos pertencentes à lesão característica da antracnose (Figura 2) também foram isolados e testados contra o patógeno. Três isolados demonstraram potencial de inibição do Colletotrichum sp. in vitro e in vivo, os fungos Fusarium sp. C6 e C10, e Pestalotiopsis sp. C3. Ao investigar o mecanismo que pode estar envolvido na inibição, Fusarium sp. C6 produziu quitinase e Fusarium sp. C6 e C10, e Pestalotiopsis sp. C3 produziram compostos orgânicos voláteis (BONATELLI et al., 2016).

Figura 2. Diversidade dos fungos isolados da lesão típica

da antracnose no guarnazeiro.

Foi também avaliado o papel de quitinases, produzidos por isolados de Streptomyces sp., no controle de diferentes fungos patogênicos. Quitinases são enzimas que degradam quitina e essa molécula está presente na parede celular dos fungos. Foi observada uma grande correlação genética entre isolados produtores de quitinases e o controle de Colletotrichum sublineolum, agente causal da antracnose em sorgo (QUECINE et al., 2008). Para investigar o papel de metabólitos secundários no controle de fitopatógenos, utilizou-se da estratégia de genética reversa. A bactéria Pseudomonas fluorescens, Pf5, habitante natural da rizosfera de muitas plantas, é descrita como agente de biocontrole de inúmeras doenças de solo e como produtora de, no mínimo, 10 diferentes 59


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

metabólitos secundários, incluindo vários com propriedades antifúngicas. Assim, através de mutações sítio-dirigidas, foram obtidos vários mutantes de Pf-5, contendo simples e múltiplas mutações, nos genes presentes em grupo gênico de biossíntese de metabólitos com atividade antifúngica: 2,4-diacetl-floroglucinol (PHL), pirrolnitrina, pioluteorina, cianeto de hidrogênio e rizoxina, além de dois sideróforos, pioverdina e pioquelina. Esses mutantes foram testados contra isolados patogênicos de milho e cana-de-açúcar, Fusarium verticillioides, além de isolados de Fusarium oxysporum f. sp. pisi, patógenos de ervilha. Esses fitopatógenos demonstraram resultados similares, mas não idênticos, quanto a sensibilidade aos metabólitos produzidos por Pf5. entretanto, para todos os fitopatógenos, o PHL e a rizoxina foram os principais metabólitos responsáveis no antagonismo dos mesmos (QUECINE et al., 2016a). O biocontrole não se dá apenas nos micro-organismos que conseguem inibir ou cessar o crescimento dos fitopatógenos, também é possível aplica-los no controle de insetos pragas. A linhagem P. agglomerans 33.1 foi avaliada in vitro contra isolados patogênicos de cana-deaçúcar, Fusarium verticillioides, agente causal de Pokkah boeng. A linhagem inibiu pouco o crescimento do isolado de F. verticillioides. Então, foi utilizada a estratégia de transformar a linhagem 33.1 com o plasmídeo pJTT, o qual carrega o gene cry1Ac7, visando o controle do inseto praga associado à Pokkah Boing. Após a confirmação da inserção do gene no cromossomo bacteriano, foram conduzidos bioensaios de dieta artificial visando o controle da praga D. saccharalis pela linhagem 33.1:pJTT. Confirmado o potencial de controle das lagartas pela linhagem 33.1:pJTT, uma nova metodologia foi desenvolvida, submetendo as lagartas de D. saccharalis aos fragmentos de colmos autoclavados e tratados com a linhagem. Os resultados demonstraram que a linhagem 33.1:pJTT foi capaz de aumentar a taxa de mortalidade das lagartas D. saccharalis em dieta artificial e em dieta de colmos de cana-de-açúcar, sendo observado, inclusive, um retardamento do desenvolvimento larval até o estágio de pupa, além da diminuição do peso larval, confirmando o potencial de aplicação dessa bactéria para o controle da larva (QUECINE et al., 2014). Patógenos Apesar da maioria dos micro-organismos ser benéfica, os principais estudos que focam na interação microorganismos-planta investigam os fitopatógenos. Essa também é uma vertente que o grupo de Quecine vem Quecine et al., 2019

abordando, utilizando estudos moleculares para melhor compreender a interação planta-patógeno. Autropuccinia psidii (conhecido como Puccinia psidii) é o agente causal da ferrugem das mirtáceas (Figura 3). O patógeno é capaz de infectar cerca de 244 espécies de mirtáceas, distribuídas em 56 gêneros. Inicialmente, a ferrugem das mirtáceas era restrita à América do Sul porém, atualmente, é encontrada no mundo todo, tornando-se um problema global. No entanto, apesar de sua importância, pouco se sabe sobre a biologia e a história evolutiva de A. psidii.

Figura 3. Fungo Austropuccinia psidii infectando Eucalipto (Foto gentilmente cedida por Jéssica Aparecida Ferrarezi).

Duas questões a respeito desse fitopatógeno são o foco de pesquisa da professora Quecine. Eucalyptus grandis, o eucalipto, não é uma espécie nativa do Brasil, no entanto, A. psidii consegue infectar essa planta e ainda não se sabe como, em um tempo evolutivamente pequeno. Outro ponto muito importante e ainda não elucidado sobre essa doença é sobre o ciclo sexual desse patógeno, pois ele ocorre somente em Syzygium jambos, não em eucalipto. Assim, utilizando distintas ferramentas provenientes da era das ômicas, a complexa interação A. psidii – Eucalyptus spp. está começando a ser compreendida pelo grupo com maior detalhamento. 60


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A partir dos princípios da biologia de sistema, o grupo de Quecine vem avançando substancialmente no estudo integrado dos genes, transcritos e proteínas de A. psidii durante o processo de infecção em Eucalyptus spp., e, mais recentemente, em S. jambos. O draft do genoma do patógeno, estimado em 630 Mb, possui tamanho muito maior, na média, do que o encontrado em outros genomas fúngicos. E, apesar de preliminar, o draft permitiu avanços no estudo de genes efetores, de genes relacionados ao ciclo celular e dos elementos móveis, e na obtenção do genoma mitocondrial (dados não publicados). A análise de proteômica dos uredosporos de A. psidii, proveniente de frutos de goiaba e folhas de eucalipto, foi realizada gerando dados inéditos na literatura. Foi observada a presença de várias proteínas exclusivas, bem como de algumas diferencialmente expressas de acordo com a origem da população, sendo uma provável consequência da variabilidade fisiológica apresentada nesse fungo (QUECINE et al., 2016b). Além disso, utilizando a tecnologia de qPCR, foram desenvolvidos primers específicos para monitoramento e diagnose precoce do patógeno durante o processo de infecção em eucalipto (BINI et al., 2018). Os dados obtidos até o momento têm colaborado para o melhor entendimento da biologia desse patógeno quanto a sua morfogênese e ao seu processo de patogênese. Além disso, com uma abordagem pouco explorada em estudo de interação patógeno-planta, o presente estudo futuramente possibilitará o desenvolvimento de um banco de dados de genes, transcritos e proteínas de A. psidii, que poderão ser utilizados por outros grupos de pesquisa. E a partir das inter-relações dessas

moléculas, será possível realizar um entendimento holístico da interação micro-organismo-plantas.

Recursos genéticos Os micro-organismos das plantas representam um grande potencial de recursos genéticos com aplicações em diversas áreas: promoção de crescimento de plantas, biocontrole, biotecnologia, entre outros. Assim, o Laboratório de Genética de Microorganismos “João Lúcio de Azevedo” possui coleções de culturas de micro-organismos isolados de diferentes plantas ou habitats. Dos trabalhos citados neste artigo, o sumário dos micro-organismos acessados, bem como disponíveis na coleção, está descrito na Tabela 1. Mais recentemente, dois drafts de genoma de bactérias promotoras de crescimento foram publicados pelo grupo, sendo eles dos isolados Bacillus sp. RZ2MS9 e B. ambifaria RZ2MS16 (BATISTA et al., 2016a; BATISTA et al., 2016b). A importância da manutenção de coleções de microorganismos está na disponibilização dos mesmos para estudos futuros, que podem ser desenvolvidos por alunos de graduação e pós-graduação, com a finalidade de investigar o potencial de aplicação dos mesmos. Além disso, tais coleções são necessárias para proteger o patrimônio genético microbiano.

Tabela 1. Micro-organismos isolados, ou populações, investigadas nos artigos publicados pelo grupo da professora Maria Carolina Quecine-Verdi. Artigo Isolados Origem Bacterianos Fúngincos Quecine et al. (2008) 25 6 Diversas plantas Quecine et al. (2014) 3* 0 Eucalipto Bonatelli et al. (2016) 15 Folhas Guaranazeiro Quecine et al. (2016a) 20* 3 Diversas locais Quecine et al. (2016b) 2** Folhas de Eucalipto e Goiabeira Silva et al. (2016) 102 Sementes Guaranazeiro Batista et al. (2018) 96 Rizosfera Guaranazeiro 4** Bini et al. (2018) Diversas plantas 7*** Castro et al. (2018) 115 Árvores Manguezal * Contabilizando linhagens mutantes. ** Populações de Austropuccinia psidii. *** Espécies isoladas utilizadas no estudo BINI et al. (2018).

Perspectivas e desafios As relações que se estabelecem entre os microorganismos e as plantas são complexas e a compreensão dos aspectos que permeiam tais relações ainda é um desafio. Quecine et al., 2019

As técnicas de sequenciamento de nova geração (em inglês Next Generation Sequencing - NGS) representaram um avanço no conhecimento da diversidade desses micro-organismos, já que a maioria deles não é cultivada em laboratório. Mas, mais do que saber qual micro-organismo está presente em qual planta, ou região 61


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

da planta, os pesquisadores têm focado em entender qual papel eles desempenham. A metagenômica é utilizada para estudar as funções realizadas pela comunidade microbiana da planta (KNIEF, 2014). O avanço na espectrometria de massas também possibilitou abordagens investigativas importantes, como o estudo da proteômica e metabolômica dos microorganismos de planta. Seja focado nas proteínas, revelando mecanismos envolvidos nessa relação (KAUL; SHARMA; DHAR, 2016) ou nos metabólitos, desvendando o papel dessas pequenas (FEUSSNER; POLLE, 2015), essas tecnologias vêm possibilitando uma melhor compreensão do sistema micro-organismo-planta. Por fim, novas técnicas de biologia molecular, como a técnica CRISPR de edição genética, podem ser

ferramentas importantes para desvendar o papel de proteínas e outras moléculas na interação entre os microorganismos e as plantas. Agradecimentos As autoras agradecem todos os alunos do Laboratório de Genética de Micro-organismos “João Lúcio de Azevedo”, além de pesquisadores e colaboradores que participaram dos trabalhos aqui apresentados. As autoras também agradecem o suporte financeiro da FAPESP pela bolsa da MLB (Proc. N. 2017/18322-5) e pelo projeto Jovem Pesquisador concedido à MCQ (Proc. N. 2014/16804-4).

Referências AZEVEDO, J.L.; MACCHERONI J.R.W.; PEREIRA, J.O.; ARAÚJO, W.L. Endophytic microorganisms: a review on insect control and recent advances on tropical plants. Electronic Journal of Biotechnology, v. 3, p. 15-16, 2000. BATISTA, B.D.; LACAVA, P.T.; FERRARI, A.; TEIXEIRA-SILVA, N.S.; BONATELLI, M.L.; TSUI, S.; MONDIN, M, KITAJIMA, E.W.; PEREIRA, J.O.; AZEVEDO, J.L. QUECINE, M.C. Screening of tropically derived, multi-trait plant growth-promoting rhizobacteria and evaluation of corn and soybean colonization ability. Microbiological research, v. 206, p. 33-42, 2018. BATISTA, B.D.; TANIGUTI, L.M.; ALMEIDA, J.R.; AZEVEDO, J.L.; QUECINE, M.C. Draft genome sequence of multitrait plant growth-promoting Bacillus sp. strain RZ2MS9. Genome announcements, v. 4, p. e01402-16, 2016a. BATISTA, B.D.; TANIGUTI, L.M.; MONTEIRO-VITORELLO, C.B.; AZEVEDO, J.L.; QUECINE, M.C. Draft genome sequence of Burkholderia ambifaria RZ2MS16, a plant growth-promoting rhizobacterium isolated from guarana, a tropical plant. Genome announcements, v. 4, p. e00125-16, 2016b. BEIJERINCK, M.W. The root-nodule bacteria. Botanische Zeitung, v.46, p.725-804, 1888. BINI, A.P.; QUECINE, M.C.; SILVA, T.M.; SILVA, L.D.; LABATE, C.A. Development of a quantitative real-time PCR assay using SYBR Green for early detection and quantification of Austropuccinia psidii in Eucalyptus grandis. European Journal of Plant Pathology, v. 150, p. 735-746, 2018. BONATELLI, M.L.; TSUI, S.; MARCON, J.; BATISTA, B.D.; KITAJIMA, E.W.; PEREIRA, J.O.; AZEVEDO, J.L.; QUECINE, M.C. Antagonistic activity of fungi from anthracnose lesions on Paullinia cupana against Colletotrichum sp. Journal of Plant Pathology, v. 98, p. 197-205, 2016. BOWEN, G.D.; ROVIRA, A.D. The effects of micro-organisms on plant growth. Plant and Soil, v. 15, p. 166-188, 1961. CASTRO, R.A.; DOURADO, M.N.; ALMEIDA, J.R.D.; LACAVA, P.T.; NAVE, A., MELO, I.S.D.; AZEVEDO, J.L.; QUECINE, M.C. Mangrove endophyte promotes reforestation tree (Acacia polyphylla) growth. Brazilian Journal of Microbiology, v. 49, p. 59-66, 2018. EDITORIAL. Microbiology by numbers. Nature Reviews Microbiology, v.9, p.628, 2011. FEUSSNER, I.; POLLE, A. What the transcriptome does not tell—proteomics and metabolomics are closer to the plants’ patho-phenotype. Current opinion in plant biology, v.26, p.26-31, 2015. GLICK, B.R. Plant growth-promoting bacteria: mechanisms and applications. Scientifica, article ID 963401, 2012. GRAY, E.J.; SMITH, D.L. Intracellular and extracellular PGPR: commonalities and distinctions in the plant–bacterium signaling processes. Soil Biology and Biochemistry, v. 37, p. 395-412, 2005. HARDOIM, P.R.; VAN OVERBEEK, L.S.; VAN ELSAS, J.D. Properties of bacterial endophytes and their proposed role in plant growth. Trends in microbiology, v.16, p.463-471, 2008. KAUL, S.; SHARMA, T.; DHAR, M.K. “Omics” tools for better understanding the plant-endophyte interactions. Quecine et al., 2019

62


Revista RG News 5 (1): 57-63, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Frontiers in plant science, v. 7, p. 955, 2016. KLOEPPER, J.W.; SCHROTH, M.N. Plant growth-promoting rhizobacteria on radishes. In: PROCEEDINGS OF THE 4TH INTERNATIONAL CONFERENCE ON PLANT PATHOGENIC BACTERIA, 2, 1978, Gilbert-Clarey, Tours, France. Annals. Gilbert-Clarey, Tours, France, 1978, p.879-882. KNIEF, C. Analysis of plant microbe interactions in the era of next generation sequencing technologies. Frontiers in plant science, v.5, p.216, 2014. LINDOW, S.E.; BRANDL, M.T. Microbiology of the Phyllosphere. Applied and Environmental Microbiology, v.69, p.1875–1883, 2003. MANTER, D.K.; DELGADO, J.A.; BLACKBURN, H.D.; HARMEL, D.; LEÓN, A.A.P.; HONEYCUTT, C.W. Opinion: Why we need a National Living Soil Repository. Proceedings of the National Academy of Sciences, v.114, p.13587-13590, 2017. QUECINE, M.C.; ARAUJO, W.L.; MARCON, J.; GAI, C.S.; AZEVEDO, J.L.; PIZZIRANI‐KLEINER, A.A. Chitinolytic activity of endophytic Streptomyces and potential for biocontrol. Letters in applied microbiology, v. 47, p. 486-491, 2008. QUECINE, M.C.; ARAÚJO, W.L.; ROSSETTO, P.B.; FERREIRA, A.; TSUI, S.; LACAVA, P.T.; MONDIN, M.; AZEVEDO, J.L.; PIZZIRANI-KLEINER, A.A. Sugarcane growth promotion by the endophytic bacterium Pantoea agglomerans 33.1. Applied and Environmental Microbiology, v. 78, p. 7511–7518, 2012. QUECINE, M.C.; ARAÚJO, W.L.; TSUI, S.; PARRA, J. R. P.; AZEVEDO, J.L.; PIZZIRANI-KLEINER, A.A. Control of Diatraea saccharalis by the endophytic Pantoea agglomerans 33.1 expressing cry1Ac7. Archives of microbiology, v.196, p.227-234, 2014. QUECINE, M.C.; KIDARSA, T.A.; GOEBEL, N.C.; SHAFFER, B.T.; HENKELS, M.D.; ZABRISKIE, T.M.; LOPER, J. E. An Interspecies signaling system mediated by fusaric acid has parallel effects on antifungal metabolite production by Pseudomonas protegens strain Pf-5 and antibiosis of Fusarium spp. Applied and Environmental Microbiology, v. 82, p. 1372-1382, 2016a. QUECINE, M.C.; LEITE, T.F.; BINI, A.P.; REGIANI, T.; FRANCESCHINI, L.M.; BUDZINSKI, I.G.F.; MARQUES, F.G.; LABATE, M.T.V.; GONZALEZ, S.G.; MOON, D.H.; LABATE, C.A. Label-free quantitative proteomic analysis of Puccinia psidii uredospores reveals differences of fungal populations infecting eucalyptus and guava. PloS One, v. 11, e0145343, 2016b. SILVA, M.C.S.; POLONIO, J.C.; QUECINE, M.C.; ALMEIDA, T.T.; BOGAS, A.C.; PAMPHILE, J.A.; PEREIRA, J.O.; ASTOLFI-FILHO, S.; AZEVEDO, J.L. Endophytic cultivable bacterial community obtained from the Paullinia cupana seed in Amazonas and Bahia regions and its antagonistic effects against Colletotrichum gloeosporioides. Microbial pathogenesis, v. 98, p. 16-22, 2016.

Quecine et al., 2019

63


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

Micro-organismos e o ser humano: microbiota humana e sua relação com a saúde Carla R. Taddei a,b a Universidade de São Paulo, Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Av. Prof. Lineu Prestes, 580, bloco 17. São Paulo, SP, CEP: 05508-000, Brasil. E-mail: crtaddei@usp.br b Universidade de São Paulo, Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Av. Arlindo Bettio, s/n. São Paulo, SP, CEP: 03828-000, Brasil.

Informação do artigo Editor Chefe: R.F.A.Veiga Editor Nº Especial: F.V.D.Souza Ano: 2019 Volume: 5 Número: 1 Página: 64-70

Palavras-chave: Aleitamento materno Microbiota Micro-organismos Saúde Sequenciamento de DNA

RESUMO O trato gastrointestinal humano é um complexo ecossistema microbiano que intimamente interage com células eucariotas e nutrientes. O estabelecimento da microbiota intestinal é influenciado por fatores internos, intrínsecos ao hospedeiro e fatores externos, como composição da microbiota materna, tipo de parto, contaminação ambiental, alimentação e uso de medicamentos. Durante os primeiros meses de vida, o leite materno é o principal modulador da microbiota intestinal, e a colonização será influenciada pelas condições ambientais às quais o bebê está inserido. Esse artigo traz a discussão sobre o estabelecimento da microbiota intestinal de bebês, influência da amamentação e aspectos disbióticos na composição da microbiota, bem como as consequências para a saúde desse indivíduo na idade adulta.

ABSTRACT (Microorganisms and the human being: human microbiota and its relationship with health) The human gastrointestinal tract is a complex microbial ecosystem that closely interacts with eukaryotic cells and nutrients. The establishment of the intestinal microbiota is influenced by internal factors, intrinsic to the host and external factors, such as composition of the maternal microbiota, type of delivery, environmental contamination, feeding and use of medications. During the first months of life, breast milk is the main modulator of the intestinal microbiota, and colonization will be influenced by the environmental conditions to which the baby is inserted. This article discusses the establishment of the intestinal microbiota of infants, the influence of breastfeeding and dysbiotic aspects on the composition of the microbiota, as well as the consequences for the health of this individual in adulthood. Introdução A existência de micro-organismos no planeta remonta de muitos bilhões de anos. A interação entre os serem vivos e micro-organismos tem evoluído desde então, em relações de competição, parasitismo, antagonismo, simbiose e comensalismo. Durante o século XIX, os Postulados de Kock nortearam o entendimento das relações entre bactérias e seres humanos, e então, passamos a conhecer a relação de transmissibilidade e patogenicidade das bactérias.

Taddei et al., 2019

As duas primeiras causas de mortalidade infantil no mundo são decorrentes a doenças infecciosas: infecções respiratórias (pneumonias) e diarreia, segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde de 2018 (WHO, 2018). Recentes dados publicados sobre a prevalência de algumas infecções sexualmente transmissíveis, como sífilis e gonorreia têem exposto níveis de prevalência com proporções de re-emergência no Brasil e no mundo (Ministério da Saúde, Brasil, 2017). Concomitantemente a esses índices de infecções, o mundo vive uma pandemia

64


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

de resistência bacteriana aos antimicrobianos, como nunca visto anteriormente. Porém, nas duas últimas décadas, o modo como entendemos a relação micro-organismo e ser humano tem mudado. O estudo da microbiota humana tem revelado a ligação direta de bactérias a condições de saúde, bem como condições relacionadas a doenças como diabetes, obesidade, câncer e doença inflamatória intestinal. A maioria das bactérias da microbiota humana vivem em condições de simbiose com o hospedeiro protegendo-o, fermentando carboidratos, estimulando o sistema imunológico, enquanto outras são apenas comensais (SCHOLTENS et al., 2012). O equilíbrio da microbiota intestinal é chamado de eubiose ou normobiose, situação em que os micro-organismos com potencial efeito benéfico à saúde predominam em número sobre os que seriam potencialmente prejudiciais mantendo a homeostase do ecossistema intestinal. Nesse sentido, as substâncias que estimulam positivamente esta relação, têm um papel chave sobre a saúde humana. O estabelecimento da microbiota intestinal na infância, do nascimento até os dois anos de idade é fundamental para o desenvolvimento do sistema imunológico, e consequentemente para a saúde deste indivíduo na idade adulta (SALMINEN et al., 2005). A modulação da microbiota ocorre até essa idade, onde então a microbiota intestinal atinge o clímax, e se estabiliza. Depois disso, a colonização por novos gêneros bacterianos muitas vezes é transitória, e depende de mudanças permanentes em estilo de vida, como dieta e localidade geográfica. Em vista da importância da modulação da microbiota intestinal na primeira infância, esse artigo tem como objetivo discutir os processos de estabilização da microbiota, influência da amamentação e aspectos disbióticos, relacionados ao desequilíbrio, na microbiota intestinal de bebês. Microbiota Humana Barreira intestinal O trato gastrointestinal (TGI) humano é um complexo ecossistema envolvendo a interação simbionte entre bactérias, bactérias-hospedeiro, bactérias-nutrientes, além de nutrientes-hospedeiro (CLEMENTE et al., 2012). O corpo humano possui cerca de 1012 bactérias, em uma relação de cerca de 1,3/1 de células humanas (SENDER; FUCHS; MILO, 2016). A maior população de bactérias no organismo humano se encontra no intestino grosso, com cerca de 1011. E é aí que a relação com o hospedeiro Taddei et al., 2019

tem importantes consequências para a saúde e bem-estar. Assim, o microbioma ou microbiota, define-se como a coleção de micro-organismos encontrado nesse ecossistema, e contém mais de 8 milhões de genes bacterianos, contra os 22 mil genes humanos (ECKBURG et al., 2005). A arquitetura do epitélio intestinal envolve uma camada de muco, células epiteliais e lâmina própria. As células epiteliais são revestidas por um gel de muco composto predominantemente de glicoproteínas, como as mucinas secretadas por células caliciformes. Essas mucinas formam uma camada de muco que se estende até 150 mM a partir da superfície do epitélio sendo que a camada interna é resistente à penetração de bactérias, definindo uma zona estéril, protegendo a superfície do epitélio intestinal contra permanência dos microorganismos (HOOPER; MACPHERSON, 2010). A microbiota intestinal está aderida à camada de muco externa, competindo com bactérias patogênicas por sítios de adesão e nutrientes, exercendo o efeito de resistência à colonização, protegendo a mucosa intestinal (HOOPER; MACPHERSON, 2010). A esse conjunto de células epiteliais, muco, microbiota e lâmina própria, dá-se o nome de barreira intestinal, com importante papel em manter a homeostase do tecido intestinal. A interface entre o Sistema Imunológico e o intestino torna a mucosa intestinal um importante modulador de resposta inflamatória Bactérias da microbiota intestinal degradam carboidratos ingeridos pela alimentação, produzindo substratos absorvidos pela célula intestinal do hospedeiro. Alguns micro-organismos da microbiota intestinal são capazes de produzir grandes variedades de ácidos graxos bioativos e metabólitos, tais como o ácido linoleico conjugado (CLA), ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), gama-amino ácido butírico, que têm mostrado grande potencial no tratamento de doenças como câncer, obesidade e doenças cardiovasculares. Um papel fundamental dos ácidos graxos de cadeia curta, principalmente butirato, na fisiologia do cólon é o seu efeito trófico sobre o epitélio intestinal, além de estimular a proliferação e a diferenciação das células epiteliais (GUILLOTEAU et al., 2010), estabilização da microbiota, influência da amamentação e aspectos disbióticos, relacionados ao desequilíbrio, na microbiota intestinal de bebês. Estabelecimento da Microbiota A microbiota começa a ser estabelecida ainda dentro do útero, por mecanismos ainda não estabelecidos, 65


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

mas acredita-se que células dendríticas do intestino materno “carreguem” bactérias até a placenta, no eixo proposto como entero-placentário. Porém, a carga bacterina que o bebê recebe na hora do parto é fundamental para o estabelecimento da colonização de sua microbiota, tanto intestinal como na pele. Bebês nascidos de parto normal apresentam uma microbiota mais diversa, predominantemente relacionada com a microbiota vaginal materna como Lactobacillus e Prevotella, e bebês nascidos de parto cesáreo apresentam uma microbiota predominantemente associada ao ambiente, com bactérias encontradas na pele, como Staphylococcus e Propionebacterium, sugerindo que bebês nascidos de parto cesáreo estão mais suscetíveis a interferências do ambiente hospitalar, apresentando uma microbiota não tão saudável como aquela apresentada por bebês nascidos de parto normal (DOMINGUEZ-BELLO et al., 2010). Sabe-se que as primeiras bactérias que colonizam o TGI têm um importante papel na regulação da colonização subsequente. Essas bactérias iniciais podem modular a expressão gênica das células epiteliais do hospedeiro, criando, assim, um ambiente favorável, impedindo a colonização por outras bactérias introduzidas posteriormente. Desta maneira, a qualidade da colonização inicial do intestino teria, possivelmente, papel crítico no processo de seleção entre os diferentes gêneros bacterianos, trazendo consequências para toda a vida. De maneira geral, as bactérias anaeróbias facultativas, como E. coli, E. faecalis e E. faecium, são as primeiras bactérias a colonizarem o TGI do recém-nascido nas primeiras horas após o parto, devido ao elevado teor de oxigênio que existe inicialmente. À medida que estas bactérias consomem o oxigênio, nos próximos 7 a 10 dias após o parto, o meio se torna mais adequado para as bactérias anaeróbias estritas (Bifidobacterium, Bacteroides e Clostridium) (TADDEI et al., 2015). Depois disso, a identidade e a época de entrada dos outros componentes do ecossistema digestivo do recém-nascido ainda estão sendo revelados. O ambiente no qual o recém-nascido está inserido é fundamental para determinar quais bactérias colonizarão o intestino. O desenvolvimento da microbiota intestinal é afetado pela região geográfica em que a criança nasce e esse fato é descrito até mesmo em países do mesmo continente. A formação da microbiota parece diferir entre crianças que vivem em países desenvolvidos e países em desenvolvimento, podendo, este fato, ser atribuído aos elevados níveis de contaminação ambiental que as crianças de países em desenvolvimento são expostas no início da vida. Taddei et al., 2019

Nosso grupo de pesquisa avaliou, utilizando metodologia de sequenciamento do gene 16S rRNA, o estabelecimento da microbiota fecal de crianças nascidas por parto vaginal durante o seu primeiro ano de vida (BRANDT et al., 2012; TADDEI et al., 2014). As crianças pertenciam a um baixo nível sócio econômico, e mais da metade delas foi amamentada com leite materno exclusivo até o sexto mês de vida. Os resultados revelaram uma alta prevalência e abundância de Escherichia na microbiota intestinal desses bebês (Figura 1). Altas taxas de colonização pelo gênero Escherichia, principalmente nos primeiros meses de vida, foram descritas praticamente de forma unânime pelos primeiros estudos que analisaram a instalação da microbiota em recém-nascidos, porém, a manutenção da abundância e prevalência deste gênero até o final do primeiro ano de vida nas crianças brasileiras, parece ter uma relação com o ambiente em que essas crianças estão inseridas, sendo consequência de uma influência ambiental na colonização intestinal. 100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0% 1

Bacteroides Não Cultivável

2

Clostridium Staphylococcus

3

4

Escherichia Streptococcus

5

Klebsiella Veillonella

6

Lactobacillus Raros

Figura 1. Análise da distribuição dos gêneros bacterianos identificados nas bibliotecas 16S rRNA de amostras fecais de crianças Brasileiras durante o primeiro ano de vida, em abundância relativa.1 (2 dias de vida); 2 (7 dias de vida);3 (30 dias de vida); 4 (3 meses de vida); 5 (6 meses de vida); 6 (12 meses de vida). Adaptado: Brand et al. (2012); Taddei et al. (2014). Em países desenvolvidos, com alto índice de higiene, como a Suíça, as crianças têm uma alta prevalência de Staphylococcus, fortemente associada à transmissão pela pele dos pais. Nesses estudos, a detecção de Staphylococcus e Streptococcus no segundo dia de vida sugere que a possível transferência deste micro-organismo seja derivada inicialmente da microbiota vaginal materna, que posteriormente foram substituídas por bactérias provenientes da pele dos pais e do ambiente. Na Europa, um estudo multicêntrico mostrou a prevalência de Bifidobacterium e Bacteroides na microbiota de crianças 66


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

de seis semanas de vida, amamentadas com leite materno exclusivo (ADLEBERTH et al., 2006). De acordo com a hipótese da higiene, práticas mais rigorosas de higiene adotadas em países desenvolvidos podem modificar a exposição microbiana inicial, e consequentemente, o padrão da microbiota intestinal desses recém-nascidos, causando impacto negativo sobre a regulação imunológica, possivelmente levando à maior incidência de doenças alérgicas e autoimunes observadas nesses países. Desta forma, expor a criança ao contato com diferentes antígenos ambientais auxilia na regulação e no desenvolvimento do sistema imunológico, permitindo um melhor equilíbrio na saúde da criança. Assim, a amamentação materna exclusiva é importante para desenvolver uma microbiota com baixo potencial patogênico, mesmo em crianças expostas à contaminação ambiental. Amamentação A Organização Mundial de SAÚDE (WHO) preconiza a amamentação com leite materno exclusivo até os seis meses de idade da criança. Essa idade relaciona-se com o desenvolvimento da capacidade motora da criança em deglutir alimentos não líquidos (WHO, 2008). Porém, sabe-se que durante a amamentação com leite materno exclusivo, as junções oclusivas das células epiteliais da mucosa intestinal estão afrouxadas, permitindo uma maior eficiência na absorção de macromoléculas do leite materno, como as imunoglobulinas, por exemplo. Além disso, por esse tempo, a microbiota intestinal do bebê é modulada pela microbiota do leite materno, bem como pela fermentação dos oligossacarídeos do leite. A introdução de alimentos não líquidos nesse período, pode afetar esse equilíbrio, interferindo na modulação benéfica da microbiota do bebê. Acredita-se que o leite materno pode promover um estado de inflamação fisiológica importante para o equilíbrio e interação dos micro-organismos com o epitélio intestinal do neonato. A importância dos Lactobacilos e Bifidobacterium na microbiota intestinal consiste na inibição competitiva com outras bactérias pela adesão à mucosa intestinal e na síntese de compostos que inibem ou destroem bactérias patogênicas. Seus efeitos na imuno- modulação da mucosa intestinal ocasionam aumento na atividade das células natural-killer e produção de macrófagos que ativam fagócitos, promovendo a secreção da IgA (SALMINEN et al., 2005). A Taddei et al., 2019

permeabilidade intestinal diminui, assim como possíveis reações de hipersensibilidade. Durante as primeiras semanas de vida, a microbiota do bebê modifica-se conforme o tipo de leite administrado, fórmula infantil ou leite materno. Crianças amamentadas ao seio tem maiores quantidades de Lactobacilos e Bifidobacterium nas fezes. Bebês amamentados com fórmulas infantis possuem uma reduzida colonização de bactérias lácticas como Lactobacillus e Bifidobacterium e uma predominância de Clostridium difficile, C. perfringes, Bacteroides e enterobactérias (SALMINEN et al., 2005). Uma amamentação mista, com leite materno e fórmula infantil ajuda a manter os níveis elevados de colonização por Bifidobacteruim e Lactobacillus, apesar de ser em menor proporção quando comparado com crianças amamentadas com leite materno exclusivo (SALMINEN et al., 2005). Bebês amamentados com leite humano tem maior prevalência de Bifidobacterium longum subsp infantis, descrito como fermentador de oligossacarídeos do leite humano. O efeito simbionte do leite humano, com bactérias e os oligossacarídeos tem um papel importante na modulação da microbiota intestinal do bebê. O leite materno contém carboidratos como nacetilglicosamina, que estimulam o crescimento dos Lactobacilos e Bifidobacterias através do processo fermentativo, antigamente conhecidos como fator bifido. Além da acidificação do meio intestinal e da geração dos AGCCs, os oligossacarídeoas promovem a modulação do sistema linfóide associado ao intestino (GALT) prevenindo a translocação bacteriana e reações alérgicas. O trofismo intestinal promovido pelos AGCC oriundos da fermentação de carboidratos complexos do leite materno, estimula a proliferação e diferenciação celular do epitélio intestinal protegendo da translocação de bactérias patogênicas (através da acidificação do meio intestinal), mantendo o efeito de barreira intestinal, evitando doenças inflamatórias. Nesse contexto, nosso grupo avaliou a influência da amamentação exclusiva no padrão de colonização da microbiota intestinal no mesmo grupo de crianças descrito anteriormente. As crianças amamentadas exclusivamente com o leite materno até o sexto mês de vida apresentavam um padrão de colonização microbiana estável, ao longo dos primeiros 15 meses de vida. Esse padrão não era perturbado mesmo com a introdução de alimentos sólidos ou administração de antibióticos. O grupo de crianças cuja alimentação incluía alimentos pastosos, frutas e sucos, além de leite de formula ou leite de vaca antes do quarto mês de vida apresentou um padrão de colonização 67


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

bacteriana instável, com o aparecimento ou diminuição de gêneros bacterianos de forma não linear ao longo dos meses analisado (Figura 2). Esses resultados mostram que o leite materno torna a microbiota intestinal do bebê resiliente a fatores externos como alimentação e antibióticos, garantindo um padrão estável de colonização ao longo da primeira infância (CARVALHO-RAMOS et al., 2018).

Figura 2. Perfis de PCR-DGGE de uma criança em aleitamento materno exclusivo (A), e complementar (B). A administração de antibióticos é indicada por setas. Adaptado: Carvalho-Ramos et al. (2018). Disbiose A administração de antibióticos durante os primeiros meses de vida do bebê pode causar alterações significativas na composição de microbiota fecal, porém, essa alteração depende do antibiótico, dose e tempo de administração, o que torna difícil chegar-se a uma conclusão do exato impacto na microbiota. Nesta faixa etária, sabe-se que antibióticos diminuem a frequência de Bifidobacterium e aumento de Enterococcus e enterobactérias. Alguns estudos apontam para um crescimento significativo da colonização por Klebsiella sp. Os estudos apontam que há uma tendência a recuperar o padrão de microbiota com o término da administração do antibiótico. Porém, há algumas correlações entre o uso de antibiótico nos primeiros meses de idade e o desenvolvimento de doenças como asma, chiados e outras doenças alérgicas, sugerindo que possam ocorrer alterações não detectáveis na composição da microbiota neste período, mas que terão consequências em longo prazo no sistema imunológico e seu desenvolvimento. Há algumas linhas de evidência que correlacionam a disbiose intestinal na primeira infância com aparecimento de asma, doenças atópicas, obesidade e diabetes. Alguns estudos têm relacionado a alergia ao leite de vaca à processos de intolerância imunológica do trato gastrointestinal associado a uma composição disbiótica da microbiota intestinal (SCHOLTENS et al., 2012). Taddei et al., 2019

Uma especial atenção tem sido dada a bebês prematuros e/ou hospitalizados ao nascimento. As alterações no padrão do microbiota intestinal podem incorrer em profundas alterações na composição e diversidade das bactérias (FEFERBAUM et al., 2017) ocasionadas pela falta de aleitamento materno, sepse bacteriana, jejum prolongado, ambiente da UTI neonatal e uso de medicamentos, como antibióticos e inibidores da acidez gástrica (bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons). A disbiose rompe o delicado mecanismo imune intestinal e favorece o crescimento e a translocação de bactérias patogênicas para a corrente sanguínea (PETERSON; ARTIS, 2014). Estudos da microbiota intestinal em prematuros que desenvolveram enterocolite necrosante (ECN) demonstram que ocorre diminuição da diversidade bacteriana intestinal com predominância do Filo Proteobacteria fortemente associada à incidência de ECN. Este Filo inclui uma grande variedade de patógenos (Escherichia coli, Klebsiella, Pseudomonas), além de outras bactérias Gram-negativas que contêm na membrana celular compostos lipopolissacarídeos fortemente associadas com exacerbação da reação inflamatória intestinal (GRITZ; BANDHARI, 2015). As mudanças dos Filos bacterianos durante a internação do prematuro estão associadas à predisposição da ECN. Perspectivas Mesmo diante dos benefícios do leite materno para o recém-nascido prematuro e para os recém-nascidos de baixo peso, o início da alimentação enteral muitas vezes é tardio em decorrência de várias problemáticas no início da vida do neonato, como a instabilidade hemodinâmica e sinais de intolerância alimentar (LEE et al., 2015). Diante dos benefícios imunológicos do fornecimento do colostro materno, técnicas alternativas de administração foram adotadas, entre elas, a colostro-terapia. Constituintes do colostro são capazes de promover maturação das células intestinais, instalação de gêneros benéficos na microbiota intestinal e células de defesa contra bactérias patogênicas. A colostro-terapia é uma prática segura, viável e bem tolerada até mesmo pelos menores prematuros (LEE et al., 2015). As evidências e preliminares defendem o efeito da colostro-terapia em reduzir o tempo de alimentação enteral total. A colostro-terapia foi relacionada ao de IgA secretora em prematuros, e uma menor incidência de sepse clínica foi observada neste mesmo grupo. Resultados preliminares de um estudo do nosso grupo com colostro-terapia mostram dados promissores. Estudos iniciais da quantificação de bifidobactéria nas amostras 68


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

fecais dos neonatos submetidos a colostro terapia com colostro cru e pasteurizado mostram um aumento na abundância deste gênero em bebês alimentados com colostro cru, mostrando o papel modulador do leite materno na microbiota intestinal de bebês. Além disso, a composição da microbiota intestinal de bebês tratados com colostro cru apresentou-se mais diversa e semelhante à microbiota dos bebês a termo amamentados ao seio materno.

Figura 3. Abundância relativa de Akkermansia muciniphila entre o grupo diabético que fez cirurgia bariátrica (verde) e o grupo que fez dieta de controle de carbohidrato (azul), em um ano de estudo. Adaptado: Cortez et al. (2018).

Esses achados podem contribuir com informações para o estabelecimento de terapias adicionais no acompanhamento de prematuros de baixo peso, visando a diminuição de antibioticoterapia profilática e de intercorrências clínicas como sepse. Recentemente, uma bactéria chamada Akkermansia muciniphila foi relacionada à perda de peso e regulação de glicemia em pacientes adultos obesos e diabéticos (Figura 3) (CORTEZ et al., 2018). Uma proteína da bactéria parece estar relacionada aos efeitos benéficos sistêmicos no hospedeiro. Esses dados mostram que o conhecimento da interação entre microbiota e hospedeiro pode trazer luz ao desenvolvimento de novas terapias. Conclusões O estudo da interação entre micro-organismos e o ser humano tem revelado informações importantes no que diz respeito à saúde do indivíduo. Os dados aqui discutidos em relação ao estabelecimento da microbiota no bebê, evidenciam a importância de se conhecer quais são e como interagem os micro-organismos nos diferentes sitos do hospedeiro. Assim, possivelmente poderemos ter melhores chances de controle e profilaxia de doenças importantes que hoje preocupam a comunidade médica mundial, como infecções, complicações em neonatos, diabetes, câncer e obesidade.

Referências ADLERBERTH, I.; WOLD, A.E. Reduced enterobacterial and increased staphylococcal colonization of infantile bowel: An effect of hygienic lifestyle? Pediatric Research, v. 59, p.96-101, 2006. BRANDT, K.; TADDEI, C.R.; TAKAGI, E,H.; OLIVEIRA, F.F.; DUARTE, R.T.; IRINO, I.; MARTINEZ, M.B.; CARNEIRO-SAMPAIO, M. Establishment of the bacterial fecal community during the first month of life in Brazilian newborns. Clinics, v. 67, p. 113-123, 2012. CARVALHO-RAMOS, I.I.; DUARTE, R.T.; BRANDT, K.; MARTINEZ, M.B.; TADDEI, C.R. Breastfeeding increases microbial community resilience. Jornal de Pediatria, v. 94, p. 258-67. 2018. CLEMENTE, J.C.; URSELL, L.K.; PARFREY, L.W.; KNIGHT, R. The impact of the gut microbiota on human health: an integrative view. Cell, v. 148, p. 1258-70. 2012. CORTEZ, R.V.; PETRY, T.; CARAVATTO, P.; PESSOA, R.; SANABANI, S.S; MARTINEZ, M.B.; SARIAN, T.; SALLES, J.E.; COHEN, R.; TADDEI, C.R. Shifts in intestinal microbiota after duodenal exclusion favor glycemic control and weight loss: a randomized controlled trial. Surgery for Obesity and Related Diseases, v. 14, p. 1748-1754, 2018. DOMINGUEZ-BELLO, M.G.; COSTELLO, E.K.; CONTRERAS, M.; MAGRIS, M.; HIDALGO, G.; FIERER, N.; KNIGHT, R. Delivery mode shapes the acquisition and structure of the initial microbiota across multiple body habits in newborn. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 107, p. 11971-11975, 2010. Taddei et al., 2019

69


Revista RG News 5 (1): 64-70, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

ECKBURG, P.B.; BERNSTEIN, C.N.; PURDOM, E.; DETHLEFSEN, L.; SARGENT, M.; GILL, S.R.; NELSON, K.E,; RELMAN, D.A. Diversity of the human intestinal microbial flora. Science, v. 308, p. 1635-1638, 2005. FEFERBAUM, R.; MOREIRA, L.N.; MATUHARA, A.M.; RIVERO, M.E.J.; TADDEI, C.R. Establishment of intestinal microbiota in surgical newborns with intestinal failure. Clinical Nutrition, v. 36, p. s185, 2017. GRITZ. E.C.; BANDHARI, V. The human neonatal gut microbiome: a brief review. Frontiers in Pediatrics, v. 3, p. 17, 2015. GUILLOTEAU, P.; MARTIN, L.; EECKHAUT, V.; DUCATELLE, R.; ZABIELSKI, R.; VAN IMMERSEEL, F. From the gut to the peripheral tissues: the multiple effects of butyrate. Nutrition Research Reviews, v. 23, p. 366-84, 2010. HOOPER, L.V.; MACPHERSON, A.J. Immune adaptations that maintain homeostasis with the intestinal microbiota. Natures Reviews Immunology, v. 10, p. 159-169, 2010. LEE, J,; KIM, H.S.; JUNG, Y.H.; CHOI, K.Y.; SHIN, S.H.; KIM, E.K.; CHOI, J.H. Oropharyngeal colostrum administration in extremely premature infants: an RCT. Pediatrics, v. 135, p. 357-366, 2015. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Boletim Epidemiológico, Sífilis. Secretaria de Vigilância Epidemiológica, v. 48, n. 46, 2017. PETERSON, L.A.; ARTIS, D. Intestinal epithelial cells: regulators of barrier function and immune homeostasis. Nature Reviews Immunology, v. 14, p. 141-146, 2014. SALMINEN, S.J.; GUEIMONDE, M. Gut Microbiota in Infants between 6 and 24 Months of Age. In: HERNELL, O.; SCHMITZ J. (Eds.). Feeding during late infancy and early childhood: impact on Health. Vevey/S. Karger AG, Basel. Nestlé Nutr Workshop Ser Pediatr Program, v.56, p.43-56, 2005. SCHOLTENS, P.A.M.L.; OOZEER, R.; MARTIN, R.; AMOR B.K.; KNOL, J. The Early Settlers: Intestinal Microbiology in Early Life. Annual Review of Food Science and Technology, v. 3, p. 425-47, 2012. SENDER, R.; FUCHS, S.; MILO, R. Are we really vastly outnumbered? revisiting the ratio of bacterial to host cells in humans. Cell, v. 164, p. 337-340, 2016. TADDEI, C.R.; BRANDT, K.M. CARNEIRO-SAMPAIO M. Microbiota Humana. In: TRABULSI, L.R.; ALTERTHUM, F. (Eds.). Microbiologia. 6. ed., R. de Janeiro.: Atheneu, cap 12, 2015. TADDEI, C.R.; OLIVEIRA, F.F.; DUARTE, R.T.D.; TALARICO, S.T.; TAKAGI, E.H.; IRINO, I.R.; GOMES, F.M.S, BRANDT, K.; MARTINEZ, M.B. High abundance of Escherichia during the establishment of fecal microbiota in Brazilian children. Microbial Ecology, v. 67, p. 624-634, 2014. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part I: definition. Geneva: World Health Organization, 2008. WORLD HEALTH STATISTICS (WHO). Monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. Geneva: World Health Organization; 2018.

Taddei et al., 2019

70


Coluna de Opinião Área Animal


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

O Sistema de Qualidade como uma ferramenta de integração entre os Recursos Genéticos animais, microbianos e vegetais Clarissa Silva Pires de Castroa a Embrapa Sede, Secretaria de Desenvolvimento Institucional, Parque Estação Biológica - PqEB s/nº. CEP: 70770-901, Brasília, DF, Brasil. E-mail: clarissa.castro@embrapa.br

A implementação na Embrapa de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos teve início em 2010 dentro da área de micro-organismos. A convite da pesquisadora Myrian Tigano, aceitei o desafio de selecionar três coleções de microorganismos da Embrapa como pilotos para a implementação de um sistema da qualidade baseado na Norma ABNT ISO/IEC 17025. A ISO 17025 especifica os requisitos gerais para a competência, imparcialidade e operação consistente de laboratórios e por essa razão foi escolhida pelo INMETRO como referencial normativo do programa de avaliação da conformidade de Centros de Recursos Biológicos (CRBs). Os CRBs são centros prestadores de serviços, que atendem a elevados padrões de qualidade e especialização exigidos pela comunidade internacional de cientistas e indústria, com o propósito de fornecer recursos biológicos e informações associadas. Essa primeira iniciativa, que fez parte da Rede Microbiana da Embrapa, foi tão bem-sucedida, que em 2011 foram integradas mais oito coleções de micro-organismos, com recursos complementados por meio do projeto MCT/CNPq-Repensa No 22/2010. Os resultados alcançados nessas duas iniciativas ampliaram ainda mais o esforço conjunto de curadores e gestores da qualidade de padronizar as atividades das coleções microbianas por meio de sistemas da qualidade, culminando em um modelo corporativo de gestão aplicável a todas as coleções de micro-organismos da Embrapa, desenvolvido durante a execução do projeto de desenvolvimento institucional da Embrapa GESTCOL (05.11.11.001.00.00) (2012-2015). O modelo contempla além dos requisitos corporativos de qualidade (baseados em Normas internacionais: NIT-DICLA 061, ABNT ISO/IEC 17025, ABNT ISO 17034 e Versão Brasileira do Documento Diretrizes da OCDE de Boas Práticas para Centros de Recursos Biológicos), todos os requisitos necessários (Legislações aplicáveis a Recursos Genéticos Microbianos; Estrutura Organizacional; Sustentabilidade; Processos de Gestão; Critérios para armazenamento de material biológico; Documentos; Registros; Pessoal; Infraestrutura; Biorrisco; Serviços e Parcerias; Divulgação) para estruturar, organizar e gerir uma coleção microbiana. Atualmente 21 coleções de micro-organismos da Embrapa, classificadas em três categorias (CRBs, coleções institucionais e coleções de trabalho), além da coleção Backup do Banco Genético, estão implementando esse modelo, dentro do projeto QUALIMICRO (01.15.02.001.02.00) (2016-2020), que faz parte da Vertente Microbiana da Embrapa. Até o momento, as 21 coleções de micro-organismos executaram juntas 473 atividades relacionadas à implementação do modelo. Para sentir e visualizar o que de fato mudou nas atividades de rotina dessas coleções, a partir do modelo, confira abaixo as entrevistas realizadas com o curador da Coleção de Leveduras da Embrapa Uva e Vinho, o pesquisador Gildo Almeida, e a responsável pela qualidade da Coleção de Bactérias de Invertebrados da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, a técnica Lílian Botelho Praça: O que mudou nas atividades da Coleção de Leveduras da Embrapa Uva e Vinho com a implementação dos requisitos do modelo corporativo de gestão? Quais são os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas? Primeiro ponto a considerar diz respeito à minha rejeição a todo esse processo. Isso se devia à falta de compreensão e falta de conhecimento do assunto. Depois que me integrei ao tema e compreendendo o verdadeiro objetivo da proposta, Castro, 2019

71


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

me engajei no processo e dele não mais saí. Essa é uma bela história de um convertido. Quero dizer com isso que a CLEV não podia ser mudada com a implementação dos requisitos do modelo corporativo de gestão porque nem existia. Só foi criada porque, conscientemente, eu mudei. Acho que esse é o ponto mais importante de qualquer estratégia de melhoria ou de gestão. As pessoas têm que mudar. Essa mudança só ocorre quando o agente propulsor é um líder. Graças a Deus, tivemos líderes que nos conduziram devido à inequívoca capacidade de convencimento. E aqui, não se trata de aceitar por aceitar. Trata-se de aceitar por entender que a gestão é fundamental para atendermos aos nossos objetivos. Pois bem, os principais resultados, benefícios, impactos e melhorias estão dentro de cada um de nós. Essa mudança de comportamento traz consigo maior responsabilidade e compromisso com a qualidade. O que seria das coleções da Embrapa sem o modelo corporativo de gestão? O modelo dá grande visibilidade. Hoje nós conhecemos o escopo das coleções de microorganismos e entendemos que estas coleções têm um único dono, a Embrapa. Como resultado consequente da mudança pessoal, nossa coleção ficou muito mais estruturada, mais reconhecida e muito mais abrangente no que diz respeito às atividades dos micro-organismos. Esses são os principais resultados do modelo. O modelo corporativo de gestão nos orienta, nos cobra e nos faz ver os horizontes. Estes pontos são os principais benefícios. Os impactos positivos estão relacionados com a nossa eterna vigilância com relação à Coleção propriamente dita, como a preocupação com a sustentabilidade ("Project funding" e "core funding"), biosafety, biosecurity, registros, rastreamento, documentação, treinamento, influência em outras áreas de pesquisa com o exemplo de controle e de gestão, entre outros pontos positivos. Com tudo isso que foi apresentado, podemos dizer que as melhorias alcançadas foram gigantescas. O conjunto de microorganismos passou de um simples aglomerado de gêneros, espécies e linhagens destinadas apenas a um fim específico, para uma coleção de verdade, onde cada linhagem possui sua identidade informada pelo BRM, sem se desfazer de seu Código de Acesso e nem perder o código interno da linhagem definido no AleloMicro como Meu Código. A própria criação do Banco de dados AleloMicro e outros Alelos, organizou nossa coleção e considero essa atividade como uma das importantes melhorias relacionadas com o modelo corporativo de gestão. Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos microbianos? Por tudo que disse acima, o modelo corporativo de gestão tem tudo a ver com a implementação da qualidade nos Recursos Genéticos de micro-organismos. É de suma importância a implementação da qualidade. Acho que a Implementação de Sistemas da Qualidade e o Modelo Corporativo de Gestão andam de mãos dadas. Esse último equaliza os sistemas, padroniza os processos. A qualidade se faz com uma exigência mínima de padrão. Portanto, a importância da implementação está na busca por elevar a qualidade de produtos, processos e serviços, podendo reduzir ciclos de desenvolvimento e custos. Um simples processo de compras exige qualidade para, resumidamente, agilizar a obtenção do produto. Entre os itens resumem-se os seguintes passos: ter certeza de que o produto pedido não esteja no estoque, solicitar orçamento, verificar fundos para aquisição, conferir o pedido e aprovar a compra. Esses e outros itens fazem parte do regulamento de compras, ou seja, o procedimento para a aquisição de um produto específico. Essa preocupação com a qualidade, dada no exemplo acima, agiliza a pesquisa, evita desperdício de tempo e de recursos, no caso de compras equivocadas, em decorrência da falta de qualidade. E, considerando as operações dentro do laboratório, a falta de treinamento, além de permitir troca de amostras, roubos, sabotagens ou até mesmo perdas não propositais de culturas, pode causar e acarretar graves acidentes. Logo, a qualidade deve ser implementada em todos os atos de nossa vida. O que mudou nas atividades da Coleção de Bactérias de Invertebrados da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia com a implementação dos requisitos do modelo corporativo de gestão? Relacione os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas. Com relação a implementação dos requisitos de qualidade relacionados às Normas ABNT NBR ISO/IEC 17025 e NIT DICLA 61 e complementados com os requisitos do Modelo Corporativo de Gestão, tivemos grande ampliação de nossas atividades no dia a dia, que trouxeram a necessidade de checar todos os acessos da Coleção de Bactérias de Invertebrados já existentes. Criamos critérios mais rigorosos de avaliação da qualidade dos acessos como os testes de viabilidade e pureza antes e depois da preservação, que nos auxilia na preservação das amostras com mais segurança. Além disso, realizamos também o controle de qualidade anual de 1% dos acessos da coleção e dessa forma podemos avaliar a manutenção das amostras viáveis ao longo do tempo, assegurando a manutenção do recurso microbiano da Embrapa tão importante no controle de pragas agrícolas e vetores de doenças humanas, como também na promoção do crescimento vegetal e como doadores de genes para construção de plantas inseticidas. Castro, 2019

72


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos microbianos? Todos os acessos da Coleção foram preservados de 2009 a 2011 em mais um método, o que auxilia na manutenção dos acessos ao longo do tempo. Qualquer problema com um dos métodos de preservação e risco de perda de material, agora ficou próximo a zero, pois a existência de mais de um método nos proporciona a recuperação dos mesmos. Não é uma tarefa simples, pois requer uma manutenção continua, tem custos altos na parte de manutenção e calibração de equipamentos e a Embrapa tem poucos recursos e um corpo técnico de apoio às atividades técnicas pequeno e a qualidade aumenta bastante as atividades técnicas e gerenciais. Para continuarmos a qualidade, considero que a Empresa precisa investir mais em corpo técnico da própria Empresa e em recursos para manutenção e renovação dos equipamentos, já que alguns já são muito antigos. Mas acredito que é possível manter a qualidade e que ela traz benefícios, como padronização de técnicas, melhoria da qualidade técnica de seus empregados e das atividades, além de ser um grande desafio e de dar visibilidade para a Empresa. A partir da experiência vivida e os resultados alcançados com as coleções de micro-organismos, a convite do pesquisador Arthur da Silva Mariante, aceitei em 2016 o desafio de estender a implementação de sistemas de qualidade aos Recursos Genéticos animais e vegetais por meio da execução dos projetos QUALIANI (01.15.02.003.08.00) e QUALIVEG (01.15.02.002.18.00), que integram as vertentes animal e vegetal do Portfólio REGEN da Embrapa. O sistema da qualidade que vem sendo implementado nos Recursos Genéticos animais e vegetais envolve seis Requisitos Corporativos de Qualidade (RCQs), selecionados a partir de normas internacionais: 1. Documentos; 2. Registros; 3. Pessoal (incluindo treinamento e capacitação); 4. Instalações, Campos Experimentais e Condições Ambientais; 5. Equipamentos e Rastreabilidade de Medição; 6. Amostras, Acessos, Animais, Materiais de Referência e Insumos. Dentro do projeto QUALIANI (2016-2020), dois núcleos de conservação de caprinos e três de ovinos, o Banco Brasileiro de Germoplasma Animal e dois Bancos de DNA e de Tecidos de Animais estão implementando os RCQs. Até o momento, esses pilotos animais executaram juntos 167 atividades relacionadas aos RCQs. Dentro do projeto QUALIVEG (20162020), seis bancos ativos de germoplasma (caju, mandioca, abacaxi, arroz, feijão e capsicum) e três coleções de recursos fitogenéticos do Banco Genético (sementes, in vitro e criogênica) estão implementando os RCQs. Até o momento, esses pilotos vegetais executaram juntos 346 atividades relacionadas aos RCQs. Para se ter uma pequena mostra do que mudou nas atividades de rotina desses pilotos animais e vegetais a partir dos RCQs, confira abaixo as entrevistas realizadas com curadores e responsáveis pela qualidade:

Entrevista realizada com o pesquisador Kleibe de Moraes Silva, curador do Banco de Tecidos da Embrapa Caprinos e Ovinos O que mudou nas atividades do Banco de Tecidos com a implementação dos requisitos corporativos de qualidade? Relacione os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas. Alguns pontos se destacam para o sucesso da implementação dos requisitos de qualidade, como o empenho da equipe e o entendimento da necessidade de sistematização e padronização como caminho para a qualidade das informações coletadas e armazenadas. O banco de tecidos da Embrapa Caprinos contém hoje 1932 amostras, sendo 1385 amostras dos rebanhos pertencentes aos núcleos de conservação da Embrapa Caprinos (Morada Nova, Santa Inês, Somalis brasileira, Moxotó e Canindé), 350 amostras oriundas de projetos em parceria com a ABMOVA (Associação Brasileira de Criadores de Ovinos Morada Nova, Morada Nova – CE) e a UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral – CE), e 197 amostras dos rebanhos comerciais da Embrapa Caprinos (Anglo Nubiana e Saanen). O banco de tecidos se localiza na sala de ativos biológicos, sendo um local identificado para tal finalidade com acesso restrito e contendo livro de registros para cada atividade realizada. Atualmente, o Banco de tecidos se encontra em freezer -20 °C exclusivo para tal finalidade, com livro de registro de entrada, saída ou qualquer movimentação de amostra. Os principais resultados após a implementação foram: Organização, rastreabilidade e credibilidade das informações coletadas e armazenadas no banco de Tecidos do CNPC. Para garantir a segurança das amostras e o cumprimento dos requisitos, todo animal tem amostras coletadas em duplicata, sendo que uma permanece no Banco de Tecidos do CNPC e a outra é enviada para o Banco de DNA e de Tecidos de Animais da Embrapa no Cenargen como forma de backup. Além disso, a partir de 2017, os dados correspondentes aos animais do CNPC armazenados no Sistema de Gerenciamento de Rebanhos (SGR) do Programa de Castro, 2019

73


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Melhoramento de Caprinos e Ovinos (GENECOC) foram migrados para o Sistema Alelo Animal. Sendo assim, todas as amostras estarão associadas ao banco de dados e permanecerão disponíveis ao público para pesquisa e intercâmbio. Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos animais? Com o entendimento que todo esse patrimônio pertence ao passivo da Embrapa, com a implementação dos requisitos de qualidade, as atividades se tornaram muito mais tangíveis, ou seja, o material deixa de ser do pesquisador e passa a pertencer oficialmente à Empresa de modo que qualquer pessoa que for nomeada responsável pelo material sabe exatamente o que existe e onde encontrar cada uma das informações.

Entrevista realizada com o pesquisador Juliano Gomes Pádua, curador da coleção de base de sementes do Banco Genético da Embrapa O que mudou nas atividades da coleção de base de sementes com a implementação dos requisitos corporativos de qualidade? Relacione os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas. A Coleção de Base de Germoplasma-semente - Colbase - iniciou seus trabalhos no ano de 1976. Ao longo desses 42 anos de existência, os processos de recebimento de amostras, registro e documentação, limpeza, secagem, testes de viabilidade e a conservação propriamente dita foram se consolidando, de forma que a rotina dos trabalhos é bem estabelecida. Normas e procedimentos técnicos são executados conforme recomendações tanto de organismos internacionais como a Bioversity International, quanto nacionais, como no caso dos testes de germinação que são baseados nas Regras de Análise de Sementes publicadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Contudo, na atualidade, seguir somente padrões técnicos de qualidade não basta. A adoção de normas-padrão de qualidade se tornam necessárias para monitorar todos os procedimentos executados, permitindo que melhorias incrementais possam ser implementadas. Outro benefício que pode ser destacado é a institucionalização das normas e procedimentos, evitando-se que estes sejam alterados quando novos pesquisadores assumam a curadoria da coleção. O controle dos registros contribui para melhoria na confiabilidade e rastreabilidade dos resultados obtidos, estabelecendo assim uma relação de confiança entre a Colbase e seus parceiros. Esse ponto é o que tem recebido mais atenção durante o processo de implementação dos requisitos de qualidade. Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade no Banco Genético? O Banco Genético da Embrapa é constituído por coleções animais, microbianas e vegetais em um único prédio. Essas coleções conservam cópias de segurança do germoplasma que é mantido pelos bancos e coleções de germoplasma, núcleos de conservação. Nesse contexto, as coleções do Banco Genético têm um papel de destacada importância e responsabilidade dentro do Sistema de Curadorias da Embrapa e também com instituições parceiras. Esse nível de responsabilidade exige que os procedimentos técnicos adotados sejam minuciosamente controlados e monitorados, garantindo a qualidade técnica do trabalho executado. As ações de gerenciamento e supervisão das coleções do Banco Genético também devem seguir procedimentos que agreguem confiabilidade a todos os processos que envolvam desde o controle de documentos, a recepção, conservação e envio de amostras, o perfeito uso e funcionamento de equipamentos e instalações, as necessidades de treinamento das equipes, por exemplo. Todo esse conjunto de ações contribui para que as coleções do Banco Genético cumpram seu papel, garantindo a viabilidade do germoplasma conservado e o pronto atendimento das demandas por este material por parte dos curadores. Assim, cria-se uma relação de confiança entre curadores de bancos e coleções de germoplasma, núcleos de conservação com os curadores das coleções do Banco Genético, potencializando o recebimento de novas amostras, tanto da Embrapa quanto de novos parceiros.

Entrevista realizada com a analista Aline Saraiva Teixeira, responsável pela qualidade do BAG de caju da Embrapa Agroindústria Tropical O que mudou nas atividades do BAG de Caju com a implementação dos requisitos corporativos de qualidade? Relacione os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas.

Castro, 2019

74


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

A implementação de requisitos de qualidade trouxe diversas melhorais para a gestão do BAG Caju. Dentre elas, é possível citar a disponibilização de cadernos de laboratório e de campo que auxiliam na manutenção de um histórico das atividades realizadas; a elaboração de normas, procedimentos e instruções com o objetivo de padronizar as atividades realizadas no banco; os diversos registros realizados durante a execução das atividades do banco, garantindo a sua rastreabilidade; a identificação unívoca dos acessos e a introdução de cópias de segurança desses acessos em vasos a fim de garantir a segurança do banco. A implementação dos requisitos de qualidade no BAG Caju tem evitado o retrabalho e/ou a interrupção das atividades, ocasionados principalmente por mudanças na equipe (curadoria, técnica e operacional), e, também, tem contribuído para garantir a continuidade e a confiabilidade dos trabalhos realizados no banco. Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos vegetais? Os bancos de Recursos Genéticos vegetais constituem uma rica base genética que vem auxiliando o desenvolvimento de novas cultivares mais adaptadas a diferentes ambientes e condições. Para a região nordeste, o desenvolvimento de cultivares adaptadas à seca, por exemplo, é essencial para o desenvolvimento socioeconômico da região. Devido a isso, garantir a conservação desses bancos e, consequentemente, dos Recursos Genéticos vegetais é de fundamental importância. Os sistemas de qualidade auxiliam na padronização dos processos de gestão dos bancos garantindo a continuidade das atividades mesmo em momentos de mudanças. E essa padronização talvez seja a maior contribuição que a implementação de um sistema de qualidade pode trazer, pois ela exige que os conhecimentos tácitos, normalmente concentrados em uma ou poucas pessoas, sejam documentados, o que aumenta consideravelmente a segurança da conservação dos Recursos Genéticos vegetais.

Entrevista realizada com a Analista Sabrina Isabel Costa de Carvalho, curadora do BAG de Capsicum da Embrapa Hortaliças O que mudou nas atividades do BAG de Capsicum com a implementação dos requisitos corporativos de qualidade? Relacione os principais resultados, benefícios, impactos positivos e melhorias alcançadas. Em fevereiro de 2017, foi iniciada a implementação dos seis requisitos corporativos de qualidade (Documentos; Registros; Pessoal; Instalações e condições ambientais; Equipamentos e amostras, materiais de referências e insumos) selecionados com base em normas internacionais para adequar um padrão único de qualidade a ser adotado no BAG piloto de sementes de Capsicum. Dentre os principais resultados destaca-se: Requisito Documentos: foi possível estar em conformidade com a legislação aplicável a Recursos Genéticos com a autorização do CGEN; manter disponíveis, organizados e atualizados os documentos externos em pastas (leis, normas, literatura técnica, outros) e elaborar o procedimento operacional padrão (POP) para os equipamentos da Unidade de Beneficiamento de Sementes, utilizados para a conservação de sementes de bancos e coleções de germoplasma na Embrapa Hortaliças. Requisito Registros: foi possível manter os registros de: pessoal (registros de treinamento e de capacitação, registros de supervisão); equipamentos críticos (registros de manutenção, de verificação e de calibração de equipamentos); registro de condições ambientais (controle de temperatura e umidade na câmara fria) e inserir todos os dados de passaporte e caracterização morfológica de acessos do BAG Capsicum no Sistema de Informação da Embrapa (Alelo Vegetal). Requisito Pessoal: foi possível realizar o levantamento anual de necessidades de treinamento; elaborar o plano anual de treinamentos para atender as demandas apontadas; registrar formalmente os treinamentos realizados por empregados e colaboradores; elaborar e manter atualizada a matriz de competência, que indica os empregados e colaboradores aptos ou designados para determinados procedimentos ou atividades no BAG Capsicum. Requisito Instalações e condições ambientais: foi possível adequar as instalações físicas com a montagem de um laboratório para a realização das atividades do BAG Capsicum; controlar o acesso às instalações como nas câmaras frias; adquirir casa de vegetação com controle de temperatura e irrigação; dispor de uma planta baixa contendo fluxo, medidas e nome, e implementar um programa de limpeza em locais críticos. Requisito Equipamentos: foi possível realizar o levantamento de necessidades e o plano de manutenção, verificação e calibração dos equipamentos críticos.

Castro, 2019

75


Revista RG News 5 (1): 71-76, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Requisito amostras, materiais de referências e insumos: foi possível preservar o material em câmara fria e seca, com temperatura e umidade relativa adequada; colocar rótulos nas embalagens aluminizadas para conservação de sementes com os códigos de barra, e também colocar rótulos nas caixas de conservação para as embalagens. Em relação aos impactos, a implementação do sistema de qualidade no BAG Capsicum está promovendo uma melhor integração e maior valorização das equipes de laboratório e de campo. Esse trabalho também promoveu uma aproximação mais estreita com os curadores dos demais bancos de germoplasma de hortaliças. Com o incentivo da implementação do sistema de qualidade e união dessas equipes já é possível verificar uma melhoria na rotina de trabalho com a padronização de procedimentos das atividades de Recursos Genéticos na Embrapa Hortaliças. Os benefícios são pautados em que todas as atividades executadas no BAG Capsicum estão asseguradas com padrão único, com base nas normas internacionais de qualidade, garantindo o enriquecimento, multiplicação, caracterização, conservação, documentação, para uso do germoplasma nos intercâmbios e nos programas de melhoramento genético e processos agroindustriais. Dentre as melhorias alcançadas, destaca-se uma rotina de trabalho que foi facilitada e melhorada de várias maneiras como: a organização da documentação para o atendimento às normas e legislação vigente; o controle de registros (pessoal, equipamentos, condições ambientais); a padronização de procedimentos para as atividades de enriquecimento, registro, multiplicação, caracterização morfológica, conservação, documentação, transferência, descarte de amostras e utilização de equipamentos; além da capacitação dos funcionários e adequação física das instalações com um espaço físico único que contempla todas as atividades do BAG Capsicum. Qual a importância da implementação de sistemas da qualidade nos Recursos Genéticos vegetais? É muito importante a implantação da gestão da qualidade nos BAGs da Embrapa, porque promoverá o desenvolvimento e a padronização das atividades relacionadas a Recursos Genéticos com qualidade, rastreabilidade e credibilidade de resultados. O atendimento às normas internacionais de qualidade é essencial para o uso do germoplasma nos intercâmbios e nos programas de melhoramento genético e processos agroindustriais. No total, considerando os três projetos QUALIANI, QUALIVEG e QUALIMICRO, foram executadas 986 atividades de qualidade no período de 2016-2018. A parir desses resultados e de todos os depoimentos de curadores e gestores da qualidade, podemos perceber que a implementação de sistemas de qualidade nos Recursos Genéticos microbianos, animais e vegetais está permitindo que as coleções, bancos e núcleos de conservação realizem suas atividades segundo um padrão internacional e único de qualidade, garantindo: • A implantação de processos gerenciais e operacionais para alcançar níveis de excelência; • A satisfação de normas nacionais e internacionais de qualidade; • O atendimento às regulações de biorrisco (biossegurança, bioproteção, segurança da informação) e acessibilidade; • A harmonização de procedimentos e processos; • A preservação a longo prazo dos acervos para uso na pesquisa, no ensino e nos programas de melhoramento genético e processos agroindustriais. As coleções, bancos e núcleos de conservação estruturados e organizados segundo um padrão único e internacional de qualidade são essenciais para a sociedade brasileira, pois geram produtos, tecnologias e serviços rastreáveis e certificados que podem causar impactos diretos na melhoria da qualidade de vida da população. São exemplos desses benefícios: plantas ornamentais, medicinais e aromáticas; alimentos funcionais (nutracêuticos); biofármacos; biocombustíveis; produtos de origem animal (leite, carne, queijo, etc.); bioinseticidas; inoculantes; bebidas (vinhos).

Castro, 2019

76


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

As mulheres e os Recursos Genéticos Vegetais Semíramis Rabelo Ramalho Ramosa, Maria Teresa Gomes Lopesb, Patrícia Goulart Bustamantec, Rosa Lia Barbierid e Rosana Rodriguese a Embrapa Tabuleiros Costeiros, Av. Beira Mar, 3200, Jardins, CEP: 49025-040, Aracaju, SE, Brasil. E-mail: semiramis.ramos@embrapa.br b Universidade Federal do Amazonas, Avenida General Rodrigo Octavio Jordão Ramos, 1200 - Coroado I, CEP: 69067-005, Manaus, AM, Brasil. E-mail: mgtlopes@hotmail.com c Embrapa Sede, Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento Institucional, Parque Estação Biológica - PqEB s/nº, CEP: 70770-901, Brasília, DF, Brasil. E-mail: patricia.bustamante@embrapa.br d Embrapa Clima Temperado, , BR 392, km 78, CEP: 96010-971, Pelotas, RS, Brasil. E-mail: lia.barbieri@embrapa.br e Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Avenida Alberto Lamego, 2000, Parque Califórnia, CEP: 28013-600, Campos dos Goytacazes, RJ, Brasil. E-mail: rosana@uenf.br

As mulheres na ciência Nos últimos anos, o papel das mulheres na ciência tem se tornado cada vez mais uma pauta de interesse mundial e nacional, estimulando, inclusive, o levantamento de dados para subsidiar políticas públicas que garantam condições igualitárias para as mulheres cientistas. Apesar do reconhecimento da importância das mulheres na ciência, dados concretos em diversos países sobre a porcentagem da participação feminina são limitados. Estima-se que avanços significativos no que diz respeito à inserção e à participação das mulheres no campo científico têm ocorrido e é possível perceber um aumento expressivo no número de mulheres que atuam em universidades e instituições de pesquisa. Associar ciência e feminino não é tarefa simples, já que o masculino é tomado como referência. Também é necessário compreender o caráter construído, fragmentado, contingente e plural das mulheres que aprendem a ser, pensar, agir e se reconhecer de determinado jeito de acordo com os contextos sociais, culturais e históricos em que estão inseridas. Há necessidade de introduzir, na ciência, uma perspectiva de gênero, sem criar uma “ciência feminista”, mas sim, “incorporar uma consciência crítica de gênero na formação básica de jovens cientistas e no mundo rotineiro da ciência”. Em 2017, a ELSEVIER publicou uma análise de dados de 20 anos, considerando 12 regiões geográficas e 27 áreas, demonstrando que a proporção de mulheres entre os pesquisadores vem aumentando em todos os países e regiões estudadas; que as mulheres publicam, em média, menos artigos que os homens, mas sem nenhuma evidência de que isso afete o número de citações ou de downloads dos artigos. Considera-se que a proporção de gênero é adequada quando as mulheres fazem parte de 40-60% em qualquer grupo. No Brasil, esse relatório aponta que entre 2011-2015, 49% dos pesquisadores eram mulheres, dedicadas principalmente às ciências da vida, contra um total de cerca de 30%, na média mundial, em 2015. Nesse mesmo ano, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tinha vigente 92.362 bolsas de estudo, entre as quais 46.111 foram concedidas a meninas e mulheres. Desde 2008, segundo as estatísticas do CNPq, as mulheres se tornaram mais numerosas que os homens em todos os níveis de ensino, inclusive nos programas de doutoramento. Entretanto, esses números escondem uma desigualdade entre os gêneros, ainda observada quando se analisam alguns extratos específicos. Ainda existem áreas profissionais essencialmente femininas, como a formação para as atividades que envolvem cuidados (ensino e enfermagem, por exemplo), e outras majoritariamente masculinas, voltadas para as áreas de formação das ciências exatas, mais valorizadas socialmente, e que perpetuam tanto a divisão sexual do trabalho quanto a Ramos et al., 2019

77


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

divisão entre a esfera pública e a privada. Vale destacar também que, a igualdade numérica obtida na universidade e nos cursos de pós-graduação ainda não garante, necessariamente, a participação igualitária entre os sexos para todas as instâncias e/ou postos de liderança, nem mesmo dentro da academia, assim como não se desloca equitativamente para o mercado de trabalho. Nos dados abertos do CNPq sobre a concessão de bolsas de estudo em todos os níveis, o número de mulheres bolsistas é muito influenciado pela área de atuação, porém seguem uma tendência geral de que, quanto mais elevado o nível de conhecimento e especialização, menor o número de bolsas concedidas a mulheres (Figura 1). Nas Ciências Agrárias (CA) e Biológicas (CB), onde se concentram os profissionais que atuam em Recursos Genéticos Vegetais, o número total de bolsas concedidas no período de 2013 a 2017 foi de 80.866 para mulheres (35.303 para CA; 45.563 para CB) e 61.455 para homens (33.345 para CA e 28.110 para CB). Entretanto, quando se analisa o número de bolsistas de produtividade em pesquisa (PQ), nas mesmas áreas, segmento que simboliza o reconhecimento dos pares em relação ao conhecimento científico produzido, observa-se que nas Ciências Agrárias 2.882 bolsas foram concedidas a mulheres no mesmo período, enquanto que 8.451 bolsas foram destinadas a homens. Nas Biológicas, 6.435 bolsas PQ foram concedidas a mulheres e 7.320 para homens. Estudos têm revelado que vários fatores interferem na escolha das mulheres pela continuidade na carreira científica, o que pode levar a possíveis explicações para esses números observados. Entre os motivos, o abandono da carreira para se dedicar à família, e a falta de incentivo para continuar na carreira são apontados para a redução observada para a presença de mulheres em posições acadêmicas de maior prestígio.

Figura 1. Número de bolsistas, modalidades Iniciação Científica (IC) e Produtividade em Pesquisa (PQ), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na área de Ciências Agrárias e Ciências Biológicas. (Fonte: CNPq, 2018)

Diversas iniciativas têm sido efetivamente dirigidas para alterar essa realidade. Sob a liderança da UNESCO e da ONU Mulheres, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência é celebrado a cada ano, em 11 de fevereiro. O Dia foi aprovado pela Assembleia das Nações Unidas, em 2015, para promover o acesso integral e igualitário da participação de mulheres e meninas na ciência. Esse dia é um lembrete de que as mulheres e as meninas desempenham um papel fundamental nas comunidades da ciência e tecnologia e que a sua participação deve ser fortalecida. No Brasil, existem diversos exemplos de ações e políticas estimuladoras da presença feminina em áreas da ciência. Entre esses, destacam-se os Prêmios “Construindo a Igualdade de Gênero” e a própria criação de uma Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Em especial, a iniciativa de conceder o Prêmio “Construindo a Igualdade de Gênero” contribui para a construção de novas mentalidades entre jovens do ensino médio, graduandos, professores, instituições de ensino e secretarias de educação. Instituído em 2005 pela Secretaria de Política das Mulheres (SPM-PR), no âmbito do Programa Mulher e Ciência, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI); a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECADI/MEC); a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) e a ONU Mulheres, o prêmio consiste em um concurso de redações, artigos científicos e projetos pedagógicos na área das Ramos et al., 2019

78


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

relações de gênero, mulheres e feminismos e tem por objetivo estimular e fortalecer a reflexão crítica e a pesquisa acerca das desigualdades existentes entre homens e mulheres em nosso país e sensibilizar a sociedade para tais questões. Outros exemplos são projetos estabelecidos em instituições públicas de ensino que têm como objetivo atrair meninas para as carreiras de ciência e tecnologia (C&T) e estimular mulheres que já escolheram estas carreiras a persistirem e se tornarem agentes no desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. O projeto “Meninas nas ciências” é uma ação de extensão do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desde o final de 2013. O objetivo é difundir a ciência e a tecnologia por meio da astronomia, da física e da robótica em escolas públicas. Além desta função formadora na área de ciências, o projeto visa sensibilizar a comunidade acadêmica e as comunidades mais carentes sobre o papel da mulher na sociedade. Projeto semelhante é conduzido em outras instituições como a Universidade de São Paulo (USP), que realiza o “Meninas com Ciência”, voltado para o ensino fundamental e estimula as meninas que sonham em ser cientistas. Em geral, esses projetos buscam abordar diferentes temas da ciência, como oceanografia, astronomia, neurociências, engenharia elétrica, farmacologia, educação, paleontologia, astrobiologia, microbiologia e zoologia. O estímulo para que meninas e mulheres escolham a carreira acadêmica passa, portanto, por uma agenda voltada a desmistificar o que é ser uma cientista e demonstrar que a carreira científica é uma possibilidade concreta para todas. Especificamente na área de agricultura, o papel das mulheres tem sido primordial e um estudo divulgado pela FAO, em 2011, estimou que 43% da força de trabalho nesse setor da economia mundial é representada pelas mulheres nos países em desenvolvimento. Portanto, as mulheres contribuem de forma essencial para a agricultura. Isso inclui uma diversidade de papéis que vão, desde o trabalho diretamente nas lavouras, do plantio à colheita, passando pelo gerenciamento da produção, comercialização e, sem dúvida, na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos tecnológicos, cultivares, novos sistemas de produção, além da conservação de sementes e material propagativo para as futuras gerações.

O papel das mulheres na agricultura familiar e a sua relação com os Recursos Genéticos Vegetais A agricultura iniciou há pouco mais de 10 mil anos, de forma independente em diferentes locais do planeta, e há várias teorias sobre sua origem. Porém, é certo que as mulheres, com sua grande sensibilidade, sua refinada capacidade de observação e sua preocupação com os detalhes, tiveram papel fundamental na domesticação de plantas, que levou ao desenvolvimento da agricultura. Antes da domesticação de plantas e animais, na divisão de tarefas em sociedades caçadora-coletoras, eram as mulheres que realizavam a coleta de frutos, folhas, sementes e raízes para alimentar o grupo familiar. Os homens, por sua vez, eram responsáveis pela caça e pela pesca. Com seu olhar especial sobre os Recursos Genéticos disponíveis em cada ambiente, ao selecionar frutos maiores e mais doces, folhas menos amargas e mais saborosas, sementes mais macias e sem debulha natural, e raízes mais suculentas e de maior tamanho, muitas mulheres ao redor do mundo, ao longo de milhares de anos, deixaram como herança uma grande parcela das plantas que hoje nos alimentam. Porém, alimentar as sociedades no século XXI, em um mundo cada ver mais urbanizado e em um cenário de mudanças climáticas, é um grande desafio. Os Recursos Genéticos Vegetais são estratégicos para enfrentar esse desafio. Nesse contexto, a agricultura familiar é relevante por manter e desenvolver variedades locais adaptadas a ambientes específicos, com tolerância a estresses bióticos e abióticos. Tradicionalmente a divisão de trabalho, de funções e de responsabilidades na agricultura familiar costuma ser diferente conforme o gênero: homens ou mulheres. Ambos têm papéis distintos na administração e conservação da agrobiodiversidade. As mulheres desempenham múltiplas tarefas, desde o trabalho na lavoura e na horta, a manutenção do jardim e o cuidado com os filhos, até os serviços domésticos (preparo das refeições, limpeza da casa, organização das roupas da família). O hábito alimentar e a preparação dos alimentos têm uma forte relação com a cultura da comunidade rural, e com sua história, o que, por sua vez, se reflete na agrobiodiversidade mantida no estabelecimento agrícola. Devido a essa relação com o alimento, as mulheres são muito relevantes na dinâmica da conservação in situ/ on farm dos Recursos Genéticos Vegetais, especialmente no caso de hortaliças, plantas medicinais, aromáticas e ornamentais (Figura 2). Ramos et al., 2019

79


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Figura 2. Agricultoras nos quintais de suas casas, em Farroupilha/RS e em Turuçu/RS. Fotos: Eugenio Barbieri e Raquel Silviana Neitzke.

Na maioria das vezes, são as mulheres que selecionam, preparam e guardam as sementes de hortaliças de um ano para o outro. A sensibilidade das mulheres para selecionar diferentes formatos, cores, texturas e sabores de abóboras e morangas, por exemplo, resulta em diferentes variedades crioulas, que compõe a riqueza dos Recursos Genéticos Vegetais de nosso país (Figura 2). De uma forma muito intuitiva elas têm um olhar especial sobre a diversidade genética das plantas cultivadas, gostam de enfeitar os jardins das casas com flores e folhagens, e costumam realizar intercâmbio de germoplasma com vizinhas, parentes e amigas (Figura 2).

As pioneiras: caminhos percorridos e legado A antropóloga Laura Santonieri em sua premiada tese “Agrobiodiversidade e Conservação ex situ: reflexões sobre os conceitos e práticas a partir do caso Embrapa/Brasil”, apresenta o russo Nicolai I. Vavilov como um mito para os pesquisadores que atuam na área de Recursos Genéticos e curadores de bancos de germoplasma, uma vez que Vavilov pagou com a própria vida sua dedicação à pesquisa e conservação da diversidade das plantas. Ao lado de Vavilov, uma figura feminina, primeiro estudante e depois sua esposa, Yelena Ivanovna Borulina, foi a principal pesquisadora a trabalhar com diversidade e parentes silvestres de lentilhas (Lens sp.) e, em Leningrado, fez um extenso estudo da coleção criada a partir de acessos coletados por Vavilov. A lentilha já estava se tornando uma cultura negligenciada em toda a Europa industrializada e a coleção salvou muitas variedades crioulas. Quando Vavilov foi preso pela KGB (antiga agência de inteligência e polícia secreta da antiga União Soviética), Yelena Borulina, mesmo estando com seu filho na mesma cidade, desconhecia completamente o destino de seu marido que, prisioneiro, acabou por morrer de fome em 26 de janeiro de 1943 (https://embryo.asu.edu/pages/nikolai-ivanovicvavilov-1887-1943). Em Yelena Borulina encontra-se, possivelmente, a primeira cientista mulher a trabalhar com Recursos Genéticos Vegetais, em especial junto às coleções que foram coletadas por Vavilov em várias partes do mundo. Assim como a revolução russa, também é preciso citar outro evento, acontecido no século anterior, que marcou definitivamente a história da humanidade. Trata-se da chamada “fome da batata” que aconteceu na Irlanda entre 1845 e 1849. A causa mais próxima da fome foi devida a base genética extremamente estreita dos cultivos, associada a uma doença provocada pelo oomiceto Phytophtora infestans, que contaminou em larguíssima escala as uniformes plantações de batata, cujos clones foram provenientes do Peru. Cerca de um milhão de pessoas morreram em decorrência da fome e quantidade igual migrou , em especial para a costa leste dos Estados Unidos.

Ramos et al., 2019

80


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Foi na Irlanda que, em 1925, nasceu a segunda cientista que precisa ser destacada como pioneira: Erna Bennet, que teve papel de destaque na pesquisa com Recursos Genéticos Vegetais, tendo sido atribuído a ela o uso do termo “recurso genético” pela primeira vez. Em 1970, em conjunto com o austríaco Otto Frankel, Erna Bennet editou o livro Genetic Resources in Plants, considerado o primeiro livro sobre o assunto e um marco da conservação dos Recursos Genéticos. Foi com a expansão maciça das técnicas científicas de pesquisa e cultivo agrícola industrial, a chamada revolução verde, que o mundo foi alertado e a erosão genética se tornou um “problema” a ser pensado e discutido no âmbito das Nações Unidas. Em 1959, a partir da X Conferência da FAO realizada em Roma, os especialistas enfatizaram a necessidade de “uma ação imediata de conservação” das variedades crioulas (landraces) e de seus ancestrais silvestres, devido à crescente constatação pela comunidade científica da aceleração do processo de “estreitamento genético” em curso. Naquele momento foi possível identificar o interesse da FAO pela conservação e utilização dos Recursos Genéticos “envolvendo não só o contato com as coleções dos melhoristas, mas também novos esforços na conservação in situ”. O interesse da instituição pela “conservação e uso” dos Recursos Genéticos confirmou-se na Reunião Técnica sobre Introdução e Exploração de Plantas realizada em 1961, também em Roma. Aquela foi a primeira de três conferências realizadas pela FAO (1961, 1967 e 1973) identificada com a construção das estratégias globais que levaram à formação da rede de conservação ex situ estabelecida na década de 1970. A conferência realizada em Roma, em 1967, será lembrada pelo amplo e controverso debate entre Erna Bennett e Otto Frankel representantes das duas principais estratégias de conservação - in situ/on farm ou ex situ, respectivamente. Ali, foi decidido que os Recursos Genéticos Vegetais deveriam, preferencialmente, ser conservados em locais com ambiente controlado, fora de seu habitat natural, deixando em segundo plano as outras formas de conservação ‘in situ e on farm’. As conferências e reuniões sobre o tema que vieram a seguir tiveram o objetivo de estabelecer os critérios científicos a serem adotados para conservação de Recursos Genéticos ex situ. Erna Bennett e outros cientistas concordavam com a necessidade de se adotar, com urgência, formas de conservação ex situ, devido à alarmante erosão genética no campo. Temiam, entretanto, que, se a conservação ex situ se tornasse dominante, as variedades locais perderiam sua capacidade de adaptação. Para Erna, “o objetivo da conservação não é captar o momento presente na linha evolutiva; não há nenhuma virtude especial nisso, mas conservar o material para que ele possa continuar a evoluir”. Em 1971, a FAO reconheceu a contribuição de Erna Bennett concedendo a medalha do memorial Meyer pela sua influência para a criação de um programa global sobre a conservação de Recursos Genéticos de plantas. Erna também era uma figura controversa, porque se opunha ao fato de que a FAO se aproximasse demais de grandes corporações agroquímicas. Quando, em 1982, os interesses corporativos pareciam dominar a política da FAO, Erna Bennett renunciou. Ela continuou ativa em questões públicas, proferindo palestras, escrevendo e aconselhando, mas longe dos círculos oficiais. Erna faleceu em 2012, aos 86 anos. Ao contemplar o que estava acontecendo no Brasil durante esse mesmo período da realização das conferências da FAO, pode-se observar que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estava sendo gestada, tendo sido fundada em 1973. Mesmo conhecendo que algumas coleções e bancos de germoplasma, hoje sob a responsabilidade da Embrapa, foram criados e mantidos durante muitos anos em outras instituições, destaca-se o trabalho pioneiro das mulheres que acompanharam e foram esteios para a construção da primeira instituição criada especificamente para a conservação dos Recursos Genéticos no Brasil: o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), atual Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. A data de criação da Embrapa está no intervalo entre a criação de dois organismos internacionais criados em decorrência das conferências da FAO: o CGIAR (Consultive Group on International Agricultural Research) e o IBPGR (International Board for Plant Genetic Resources), atual Bioversity International. A aceleração do processo de perda de diversidade genética observado nesse período fez crescer o interesse pelas variedades locais, as ‘landraces’, como fontes de genes resistentes a estresses bióticos e abióticos, levando à recomendação expressa da coleta generalizada de germoplasma dos principais gêneros agrícolas presentes na alimentação humana a partir de 1972, bem como a sua conservação em bancos de germoplasma. Seguindo as diretrizes propostas pela FAO e CGIAR, forte ênfase foi dada à conservação ex situ pelo Brasil. O principal reflexo desse movimento em prol dos Recursos Genéticos no país se deu em 1976, quando foi criado, no âmbito da Embrapa, o Cenargen. Com a missão original focada na conservação dos Recursos Genéticos para alimentação e Ramos et al., 2019

81


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

agricultura, o Cenargen, inicialmente, teve como objetivo a consolidação das diferentes iniciativas de coleta e conservação de germoplasma já em curso, realizadas por diversas instituições de pesquisa e universidades brasileiras. Nesse cenário, destaca-se o trabalho de mulheres pioneiras como Maria Magaly Veloso da Silva Wetzel, Clara Oliveira Goedert, Maria José Amstalden Moraes Sampaio e Marta Gomes Rodrigues Faiad, que ajudaram a cunhar o conceito de Curadoria de Germoplasma, hoje adotado nos Estados Unidos, Portugal, Chile, entre outros países.

As mulheres e os Recursos Genéticos Vegetais no Brasil: recorte atual Em uma consulta via web, utilizando as palavras-chaves “gênero, Brasil e ciência” ou “gênero, ciência e Recursos Genéticos”, “curadores, gênero, ciência” ou ainda “tecnologia, Recursos Genéticos e gênero”, não se encontram dados publicados por instituições acadêmicas/cientificas, em periódicos de circulação nacional, que relacionem a participação das mulheres nas ações com Recursos Genéticos no país. Contudo, sabe-se que no Brasil a formação dos bancos e coleções de germoplasma vegetal foi associada e se iniciou de forma conjunta com os trabalhos de melhoramento genético realizados pelas universidades e empresas de pesquisa. As equipes, naquele momento, foram formadas indistintamente por homens e mulheres, mas, pelo tema ser fortemente associado às ciências agrárias, naquela época, o perfil estava muito associado ao gênero masculino. O curso de agronomia, por exemplo, era predominantemente frequentado por homens e as mulheres somente tomam parte desse espaço a partir das últimas décadas do século XX. Alguns autores mostram que, no Brasil, embora a participação feminina seja superior a 50% nas áreas de humanas e saúde, é inferior a 30% nas engenharias, ciências exatas e agronomia e para algumas profissões percebe-se uma forte influência de estereótipos sexuais na educação. Dessa forma, era esperado e parecia “natural” ter maior número de homens que mulheres realizando os trabalhos de pesquisa, tanto na área de melhoramento quanto de Recursos Genéticos. No entanto, alguns estereótipos de gênero que dificultavam o ingresso das mulheres em algumas áreas do conhecimento foram superados e profundas transformações ocorreram na sociedade, na trajetória das mulheres e na organização do mercado de trabalho, permitindo que o cenário, nesse campo profissional, se tornasse mais equilibrado. Por exemplo, constata-se hoje que a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG) tem cadastrados 360 sócios e destes, 51,66% são mulheres que realizam as atividades de manejo dos Recursos Genéticos Vegetais, animais e de microorganismos existentes no território nacional. Estudo descritivo exploratório, com abordagem quantitativa, foi recentemente realizado com o objetivo de identificar o perfil, o status laboral e as demandas específicas das profissionais que trabalham com os Recursos Genéticos Vegetais no Brasil. O questionário foi estruturado com um total de 30 questões, em três blocos, contendo dados de identificação e formação acadêmica das mulheres, informações sobre o local de trabalho; percepção da mulher acerca da importância da área de Recursos Genéticos na agenda prioritária de pesquisa da sua Instituição; prioridades para treinamento na área, entre outros. O convite para adesão de resposta ao questionário foi realizado via e-mail e também por mídia digital, onde o link de acesso estava disponível na página da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos, no período de junho a agosto de 2018. Cento e vinte e seis mulheres das regiões Centro Oeste (16%), Nordeste (46%), Norte (7%), Sudeste (11%) e Sul (20%) responderam às questões que foram estabelecidas (Figura 3). Essas mulheres são professoras e/ou pesquisadoras (48,41%) vinculadas a Universidades e Institutos Federais de Educação (IFs) (40%), Organizações Estaduais de Pesquisa (OEPAs) (5%) e Embrapa (51%), localizadas nas regiões Centro Oeste (16%), Norte (7%), Nordeste (46%%), Sul (20%) e Sudeste (11%), que mesmo reconhecendo algumas limitações diárias para o trabalho, declaram que a sua instituição considera importante e prioritária a área de Recursos Genéticos na agenda de pesquisa (65%).

Ramos et al., 2019

82


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

20%

16% Centro Oeste Nordeste Norte

11%

Sudeste 7%

Sul

46%

Figura 3. Percentual de mulheres, por região, que responderam ao questionário no período de junho a agosto de 2018.

Quarenta e três por cento do total de mulheres que responderam ao questionário declararam ser curadoras ou responsáveis por bancos e coleções de germoplasma. Desse percentual, o maior número de curadoras foi encontrado na região Nordeste (48%), seguido da região Sudeste (43%). A maior parte destas mulheres trabalha com Recursos Genéticos Vegetais há mais de 20 anos (27%) e tem entre 51 a 60 anos de idade (36%), com formação concentrada nas áreas de ciências agrárias (69%) e biológicas (28%) e 93% delas com Doutorado, nas mais diversas áreas de especialização. Identificou-se que maior percentual das mulheres (69%) tem experiência de trabalho de 11 a mais de 20 anos na área de Recursos Genéticos (Figura 4). Tal dado sugere que os projetos de pesquisa, muitos deles sob a liderança feminina, assim como as ações de manejo do germoplasma suportadas por estes projetos, estejam consolidados nas cinco regiões do país.

10% Menos de 5 anos

27% 21%

Entre 6 a 10 anos Entre 11 a 15 anos Entre 16 a 20 anos

21%

Mais de 20 anos 21%

Figura 4. Percentual de mulheres e tempo de trabalho na área de Recursos Genéticos vegetais, nas instituições de pesquisa e ensino das cinco regiões brasileiras.

As profissionais trabalham entre oito a 24 horas semanais exclusivamente em projetos e ações de pesquisa com Recursos Genéticos (53%) e algumas delas (25%), dedicam 40 horas semanais exclusivamente às ações de pesquisa com o tema. As mulheres também declararam necessidade de treinamento/aperfeiçoamento e o tema de maior interesse é o jurídico (61,73%), especificamente no que se refere à necessidade de conhecimento relacionada à proteção do patrimônio genético (PG) e conhecimento tradicional associado (CTA) Isso se deve, provavelmente, ao fato das equipes e instituições de Ramos et al., 2019

83


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

pesquisa no Brasil estarem em momento de atendimento à Lei 13.123 de 2015, a qual regula as atividades de pesquisa e desenvolvimento com o PG e CTA. Contudo, as profissionais também declararam necessidade e interesse em aperfeiçoar os seus conhecimentos na gestão do banco de germoplasma (56,25%), sistemas para documentação dos acessos e em outras áreas (36,36) como, por exemplo, estatística, bioinformática e propriedade intelectual/patentes. Mesmo trabalhando em ambientes onde o grau de escolarização e qualificação é mais elevado, 52,38% das mulheres que responderam ao questionário declararam sentir discriminação nas Instituições onde desempenham suas funções. Esse número configurou-se como mais elevado para as profissionais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa (59%). Contudo, não foi alvo desse levantamento diagnosticar a barreira, ou barreiras, que, por alguma razão, fez com que as mulheres dessa empresa se sentissem, em algum momento, discriminadas no seu ambiente de trabalho. Vale ressaltar que, desde 2007, a Embrapa instituiu e desenvolve corporativamente o Programa de Pró-Equidade de Gênero, Raça e Diversidade e foi premiada, por três vezes consecutivas, com o Selo Pró-Equidade de Gênero e Raça. Tal honraria evidencia o compromisso da empresa com a cultura organizacional na promoção da equidade de gênero e raça no ambiente de trabalho. No entanto, os dados obtidos indicam necessidade de fortalecimento das ações que primem pela equidade e equivalência de oportunidades para homens e mulheres dentro daquela Empresa. De forma geral, o mapeamento preliminar desse cenário indicou que as mulheres, pesquisadoras e professoras de instituições de pesquisa e universidades brasileiras, têm participação efetiva na conservação e uso dos germoplasma. No entanto, a despeito desses locais serem considerados os ambientes mais avançados em termos de acesso ao conhecimento, geração de tecnologia e oportunidades para demonstrar competências técnicas, ainda há necessidade de mudança para melhor equilíbrio das forças de trabalho e maior participação das mulheres nas ações de P&D em Recursos Genéticos Vegetais no Brasil.

O futuro dos Recursos Genéticos Vegetais e a contribuição das mulheres As mulheres têm o reconhecimento pela participação da conservação e uso dos Recursos Genéticos Vegetais desde o início da domesticação das espécies. Historicamente, dentro do lar, elas foram as responsáveis pelo preparo dos alimentos da família, pela coleta ou cultivo, manejo de hortas caseiras, introdução de variedades e manutenção da diversidade vegetal em hortas e jardins. Mesmo quando se considera as alterações que vêm ocorrendo na sociedade e na estrutura familiar, ao longo do tempo, ainda é marcante a presença das mulheres no preparo dos alimentos consumidos pela família. Geralmente são elas, tanto no ambiente urbano quanto rural, que determinam quais produtos alimentícios devem ser mantidos em casa para consumo, quais culturas plantar e conservar e muitas vezes, são elas as responsáveis pelo processo de produção que gera também, excedente para comercialização ou troca. No entanto, o reconhecimento encontrado na literatura de que as mulheres desempenham um papel importante na sociedade, na manutenção e perpetuação dos sistemas de conhecimentos, na conservação e uso sustentável da diversidade biológica ainda está distante do esperado por elas no mercado de trabalho. A adesão das respondentes ao levantamento apresentado nesse trabalho atingiu 126 profissionais que declararam atuar na área de Recursos Genéticos Vegetais, nos diversos órgãos oficiais de pesquisa do Brasil. É possível que o número de mulheres atuando na área no país seja maior do que se pode apurar com a pesquisa. Entretanto, é um importante marco para que possíveis ações e estratégias, envolvendo parcerias e realização de projetos conjuntos, possam ser sugeridas a órgãos de fomento e sociedades científicas. Com o avanço da redução de biodiversidade ocorrida no mundo e também de muitos ecossistemas brasileiros e as informações sobre as mudanças climáticas globais, os Recursos Genéticos Vegetais são sempre alvo de discussão. Por isso, cada vez mais é apontada a necessidade de conservação da variabilidade genética das espécies vegetais. Para muitas espécies nativas brasileiras, principalmente perenes, uma alternativa para o futuro da conservação dos Recursos Genéticos é fomentar a conservação participativa on farm nas áreas em que esta espécie é utilizada pelas populações humanas, como nas comunidades tradicionais. Dessa forma, os esforços e recursos poderão ser concentrados em coleções de trabalho de pequena dimensão, incluindo apenas os genótipos de maior potencial, selecionados on farm. Neste contexto, as mulheres deverão ter uma participação especial, uma vez que tradicionalmente são conhecedoras do germoplasma cultivado em hortas, quintais e pequenas propriedades rurais.

Ramos et al., 2019

84


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Um outro aspecto a ser ressaltado trata-se do estabelecimento de estratégias de quantificação, caracterização e conservação in situ do germoplasma de espécies florestais, e o estabelecimento de uma plataforma que caracterize adequadamente a biodiversidade existente quanto à variabilidade dentro de espécie é um dos maiores desafios brasileiros. O Brasil possui a maior diversidade florestal do mundo, ainda não totalmente quantificada no inventário florestal nacional. Além disso, existe a necessidade de se traçar metas viáveis para o uso sustentável dos Recursos Genéticos florestais e para a sua valorização, principalmente na identificação de plantas matrizes de alta produtividade para serem usadas de formas extrativistas sustentáveis com produtos de maior valor agregado. A evolução dessa área de pesquisa somente terá avanços com o estabelecimento de parcerias de várias instituições, muitos programas de pesquisa e ainda com a formação de recursos humanos capazes de manejar a diversidade genética existente e com o desenvolvimento e emprego de tecnologias apropriadas para alcançar um melhor controle do patrimônio genético vegetal. Para acelerar os programas de conservação in situ é fundamental que sejam criados programas de educação ambiental voltados para conservação florestal para formar consciência entre a população de que os recursos vegetais é um patrimônio para futuras gerações. Na conservação in situ, a mulher poderá atuar em todas as etapas, mas ter um papel fundamental como educadora na formação de cidadãos com maior consciência quanto ao uso dos Recursos Genéticos Vegetais. Um estudo sobre uso de mídias digitais ressalta a liderança e sucesso das mulheres por serem mais cooperativas, mais propensas a formar parcerias e compartilhar recursos. Essa informação, associada com o crescente uso de mídias sociais para a criação de grupos específicos de estudos e pesquisa em várias áreas, incluindo cientistas de diversas partes do mundo, podem estimular a liderança das mulheres em utilizar suas habilidades agregadoras para a criação de plataformas digitais específicas para divulgação da importância dos Recursos Genéticos Vegetais. Além disso, as plataformas digitais poderão ser uma nova fonte para busca de parcerias e divulgação de resultados de pesquisa, com maior agilidade e visibilidade. As mídias sociais tendem a ser, também, uma alternativa para a criação de grupos, com relevante participação de mulheres, para sanar as necessidades das profissionais brasileiras em pesquisa, quanto à cooperação, treinamento/aperfeiçoamento a temas ligados a Recursos Genéticos, entre os quais a legislação que regulamenta uso e conservação e a gestão do bancos de germoplasma, sistemas para documentação dos acessos e ainda em outras áreas como, por exemplo, estatística, bioinformática e propriedade intelectual/patentes. É evidente a presença e a contribuição efetiva que as profissionais das mais diversas instituições de pesquisa e ensino do país conferem à ciência brasileira, quando da gestão dos bancos de germoplasma conservados no país. Soluções tecnológicas advindas do trabalho dessas mulheres no manejo e uso do germoplasma vegetal podem ser quantificadas em várias matrizes tecnológicas. No entanto, mesmo considerando o papel feminino na ciência, é importante registrar que ainda persistem alguns entraves para a equidade e o equilíbrio do trabalho em algumas instituições de pesquisa e ensino no país. Nesse contexto, é preciso ter clareza de que a capacidade técnica independe de gênero e que o desafio é direcionado ao fortalecimento de ações conjuntas e compartilhadas entre os profissionais, mulheres e homens, na gestão dos Recursos Genéticos Vegetais conservados no Brasil. Agradecimentos A todas as mulheres que sábia e intuitivamente manejaram sementes, partilharam saberes, ordenaram ideias e pavimentaram o caminho que ora trilhamos. A todas as mulheres que gentilmente responderam ao questionário e que nos permitiram conhecer sua percepção e trabalhos desenvolvidos com os Recursos Genéticos Vegetais no país. Ao Vinícius Vasconcelos Rodrigues e Luciano Alves de Jesus Júnior, Analistas da Embrapa, que gerenciaram a entrada dos questionários e a análise de dados no sistema. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Literatura consultada ASSIS, C. Gênero e raça na ciência brasileira. Disponível em: <http://www.generonumero.media/grafico-genero-e-racana-ciencia-brasileira/> Acesso em: 28 de janeiro de 2018. BOLZANI, V. S. Mulheres na ciência: por que somos tão poucas? Ciência e Cultura, v. 69, p. 56-59, 2017. Ramos et al., 2019

85


Revista RG News 5 (1): 77-86, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

DAMANIA, A. History, Achievements, and Current Status of Genetic Resources Conservation. Agronomy Journal, v. 100, p. 9 –21, 2008. ELSEVIER. Gender in the global research landscape. 2017. ICHIKAWA, E.Y.; YAMAMOTO, J.M.; BONILHA, M.C. Ciência, Tecnologia e Gênero: desvelando o significado de ser mulher e cientista. Serviço Social em Revista, v. 11, 2008. LA FONTAINE, D.; BREINER, J. (Ed.). Ponto de inflexão: impacto, ameaças e sustentabilidade: um estudo dos empreendedores digitais latino-americanos. [s.l.]: SembraMedia, 2017. Relatório. Disponível em: <https://www.omidyar.com/sites/default/files/file_archive/Inflection%20Point/Ponto%20de%20Inflexao.pdf>. Acesso em: 28 de janeiro de 2018. LETA, J. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contraste e um perfil de sucesso. Estudos Avançados, v. 17, p. 271-284, 49. 2003 OLINTO, G. A inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, v. 5, p.68-77, 2011. SANTILLI, J. Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores. São Paulo: Ed. Peirópolis, 2009. SANTONIERI, L. Agrobiodiversidade e conservação ex situ: reflexões sobre conceitos e práticas a partir do caso da Embrapa/Brasil. 2015. 503 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2015. SILVA, F. F.; RIBEIRO, P.R.C. Trajetórias de mulheres na ciência: "ser cientista" e "ser mulher". Ciência e Educação, v. 20, p. 449-466, 2014. UNESCO. Women in Science. Fact Sheet 51, 2018.

Ramos et al., 2019

86


Revista RG News 5 (1): 87-90, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

RG News

RG News

É possível na conservação on farm conciliar Recursos Genéticos Animais, Microbianos e Vegetais? Marta Aguiar de Souzaa e Patrícia Goulart Bustamanteb a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Rodovia Oscar Von Bentzen Rodrigues, Diamantina, MG, CEP: 39.100-000. E-mail: marta.w3@gmail.com b Embrapa Sede, Secretaria de Pesquisa e Desenvolvimento Institucional, Parque Estação Biológica - PqEB s/nº, 70770-901, Brasília, DF, Brasil. E-mail: patrícia.bustamante@embrapa.br

Os Recursos Genéticos não só nos proporcionam alimentos e os meios para produzi-los como também são recursos estratégicos frente aos inúmeros riscos e adversidades inerentes à atividade agrícola. Graças à diversidade de animais, plantas e micro-organismos é que agricultores puderam e ainda podem superar as adversidades e construir sistemas agrícolas resilientes. É também graças a ampla diversidade, em especial aquela conservada ex situ e devidamente caracterizada, que cientistas avançam na obtenção de variedades e raças mais adaptadas e produtivas. Conservar sementes, assim como sêmen, embriões e cepas, na condição ex situ representa um desafio que se renova a cada novo acesso que é incorporado às coleções e bancos de germoplasma. Essa forma de conservação vem sendo priorizada e equacionada desde que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO realizou as conferências internacionais que estabeleceram os critérios científicos (1973) para a conservação ex situ. A sua priorização, que foi definida em 1967, gerou divergências entre cientistas. Erna Bennett1, por exemplo, que era irlandesa, liderava um grupo de cientistas que concordavam com a necessidade de se adotar formas de conservação ex situ, devido à alarmante erosão genética no campo. No entanto, também alertava que a conservação ex situ, caso se tornasse dominante, poderia levar as variedades locais a perderem a sua capacidade de adaptação. Erna chegou a afirmar que a forma “estática” de se conservar sementes, armazenando-as em refrigeradores, se baseava em “conceitos museológicos” e que “o objetivo da conservação não deveria ser captar o momento presente na linha evolutiva pois não há nenhuma virtude especial nisso, mas conservar o material para que ele pudesse continuar a evoluir”. Na trajetória da conservação de Recursos Genéticos, iniciada nas conferências organizadas pela FAO a partir de 1967, instrumentos internacionais como a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA) evidenciaram e reconheceram o papel fundamental do manejo realizado pelos agricultores e dos conhecimentos de povos e comunidades tradicionais para a conservação dos recursos fitogenéticos e da agrobiodiversidade (termo utilizado na CDB)2. Tais instrumentos contribuíram para a implementação de um conjunto de políticas específicas para a conservação on farm no Brasil, mas ainda há muito a ser feito.

Erna Bennett é reconhecida mundialmente por seu trabalho pioneiro em conservação genética, tendo sido a ela atribuído o uso do termo pela primeira vez. Foi responsável juntamente com Otto Frankel pela edição em 1970 do livro Genetic Resources in Plants, considerado um marco da conservação dos Recursos Genéticos. É o primeiro livro sobre o assunto. 2 A agrobiodiversidade é definida na CDB como um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, bem como todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e de micro-organismos, nos níveis genético, de espécies e de ecossistemas os quais são necessários para sustentar as funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e processos.

1

Souza e Bustamante, 2019

87


Revista RG News 5 (1): 87-90, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Uma das iniciativas de conservação on farm que merece destaque pela repercussão e inspiração que trouxe para as ações de conservação on farm no Brasil, foi fortalecida pela Bioversity International em 2009 que prestou um tributo aos guardiões3 da biodiversidade de diferentes cultivos em diversas regiões do mundo. O Brasil, embora tenha sido citado apenas com 2 (dois) guardiões na publicação (Geneflow) da Bioversity, incorporou de tal forma esse conceito que atualmente, os guardiões da agrobiodiversidade são reconhecidos em documentos e iniciativas do Governo Brasileiro e fazem parte das boas práticas para o desenvolvimento Sustentável da FAO. Tal iniciativa refletiu também na valorização dos guardiões indígenas e populações tradicionais que por meio da norma 02/2018, passaram a contar com representantes, dos Comitês Técnicos e Estratégicos do Sistema de Curadoria de Germoplasma da Embrapa, instituição que lidera o Sistema de Pesquisa Agropecuária do Brasil. Também é relevante atestar que bancos locais de sementes se multiplicaram pelo Brasil, em especial no Nordeste, principalmente por meio de projetos financiados com recursos do Ministério do Desenvolvimento Social. Podemos dizer que a forma de atuação de cada guardião é singular. No entanto, hoje é possível encontrar regiões em que os guardiões organizados atuam priorizando a conservação intraespecífica e outros a diversidade interespecífica. A iniciativa de reconhecer guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade significou a valorização de indivíduos, famílias e comunidades que conservam a agrobiodiversidade no campo. Os bancos locais de sementes assim como as feiras fortaleceram as redes de trocas de sementes, que atualmente contribuem para promover a autonomia dos agricultores e agricultoras. O conhecimento ancestral dos agricultores passou a ser somado aos conceitos próprios da conservação ex situ como técnicas de armazenamento, testes de germinação, teor de umidade, cuidados com embalagens, inventário, além da regeneração periódica dos acessos, que foram rapidamente assimilados por esses agricultores e agricultoras guardiões e têm sido não só utilizadas como também aprimoradas nas diversas oportunidade de troca de conhecimento e sementes (feiras, eventos etc.). Em novembro de 2010, uma nova abordagem para a conservação de Recursos Genéticos passou a ser implementada no Brasil, no âmbito do Ministério da Cultura, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional – IPHAN. Depois de um longo processo de avaliação, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, inscrito no livro do Saberes, o conjunto de práticas, os lugares, os instrumentos e os modos de fazer do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, tendo como elemento estruturante a diversidade da cultura da mandioca. A conservação de Recursos Genéticos, até ali pensada de forma individualizada por espécies vegetais, raças ou cepas, ganhou um novo recorte, totalmente integrado, considerando o sistema agrícola com suas práticas e conhecimentos tradicionais que ampliam e mantem a diversidade. No sistema agrícola, as interações entre os Recursos Genéticos vegetais, animais e micro-organismos, se juntam às práticas realizadas pelos agricultores que são transmitidas por gerações. Também fazem parte dos fatores que contribuem para a conservação da agrobiodiversidade, as festas, celebrações, rituais, a cosmovisão. Tudo isso causando modificações nas paisagens (paisagens culturais). Para preservar esse patrimônio imaterial, inscrito no Livro dos Saberes, o IPHAN instituiu um Comitê de Salvaguarda com o objetivo de construir o Plano de Salvaguarda, um instrumento de apoio e fomento de fatos culturais aos quais são atribuídos sentidos e valores que constituem referências de identidade para os grupos sociais envolvidos, e que são registrados como Patrimônio Cultural Brasileiro. Em 2002, a FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, sediada em Roma, idealizou o Programa que visa reconhecer internacionalmente Sistemas Engenhosos do Patrimônio Agrícola Mundial (GIAHS da sigla em inglês). Após cerca de 13 anos implementando Projetos Piloto em regiões com Sistemas Agrícolas de importância global, como Terraços de Arroz das Filipinas, Oásis do Magreb, Agroflorestas da Tanzânia, corredor PunoCuzco no Peru etc. o Programa foi oficialmente implantado pela FAO em 2015 e atualmente, conta com 52 sistemas agrícolas reconhecidos em 20 países ao redor do mundo. Destaca-se que entre os critérios para a designação de um Sistema Agrícola como GIAHS (Globally Important Agriculture Heritage System) está a agrobiodiversidade manejada pelos agricultores. Para que haja tal designação e Guardiões podem ser indivíduos, famílias ou comunidades que atuam como guardadores e multiplicadores de sementes tradicionais e que transmitem seus conhecimentos preferencialmente de forma oral, por gerações.

3

Souza e Bustamante, 2019

88


Revista RG News 5 (1): 87-90, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

reconhecimento é preciso que seja apresentado um Plano de Conservação Dinâmica, que deve incluir a conservação de Recursos Genéticos. O primeiro Sistema Agrícola brasileiro a apresentar candidatura à FAO foi o Sistema Agrícola Tradicional da Serra do Espinhaço Meridional – Transumância, biodiversidade e cultura nas paisagens manejadas pelos apanhadores de flores sempre-vivas. Essa candidatura recebeu o parecer favorável da Embrapa e do Iphan e será encaminhada pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário – SEAD à FAO para avaliação pelo Comitê Científico do GIAHS em novembro de 2018. Acostumados a organizar a conservação de Recursos Genéticos por espécies (raças, cepas etc) e trabalhar com Recursos Genéticos animais, vegetais e micro-organismos de forma não integrada, estamos diante de uma oportunidade de profunda mudança de paradigma. Essa mudança já está em curso. O paradigma ou cosmovisão refere-se ao padrão, modelo e exemplos compartilhados para a descrição, explicação e compreensão da realidade. Assim falamos de uma teoria que gera teorias. Sabemos que o paradigma, ou a visão de mundo ocidental, que chegou ao século XX foi formulado, em linhas gerais, nos séculos XVI e XVII. O pensamento embasado nas realizações de Copérnico, Galileu, Newton e no pensamento filosófico de Francis Bacon e René Descartes modelaram a ciência moderna com sua tendência a quantificação, previsibilidade e controle. Este olhar científico tem como principal legado uma atitude de fragmentação frente à vida. É a visão especializada, com ênfase na parte e não no todo. Assim a pesquisa e a ciência caminharam ao longo dos séculos e chegam ao nosso tempo fundamentadas nos cinco sentidos humanos, no raciocínio lógico, na atitude tentativa de descobrir ordem e uniformidade bem como relações coordenadas e causais entre os eventos. Mas já sabemos que este paradigma tem sido questionado pela própria ciência. A ciência do século XX, mesmo ainda respirando aqui ou acolá a concepção do mundo como uma maquina perfeita, governado por leis matemáticas exatas como contemplado por Descartes e Newton, as oposições a este paradigma já cresciam em solo fértil no século XIX. Na biologia a escola conhecida como organísmica se opunha a redução do estudo da vida apenas sob a égide das leis da física e da química. Afirmavam que mesmo que as leis da química e da física sejam aplicáveis aos organismos vivos elas são insuficientes para a plena compreensão do fenômeno da vida. “O comportamento de organismo vivo como um todo integrado não pode ser entendido somente a partir do estudo de suas partes”. O bioquímico e sociólogo Lawrence Henderson, também da escola organísmica, trouxe a ideia de sistema para tratar tanto de organismos vivos como sistemas sociais. Assim, sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes. Edgar Morin no livro o Método 2 traz um capítulo que nos convida a pensar sobre a constituição, a manutenção e o desenvolvimento da diversidade biologica. Para Morin a vida se organiza em uma grande complementaridade, associações, simbioses, parasitismo, biofagias, predações, todas as relações de associações, interdependência e complementaridade entre os seres vivos se complementam. A relação predadora /presa é regulatória em ambas as espécies. Antagonismo e complementaridade não se excluem. Nada é mais complementar que as interações que compõe a cadeia trófica. Tanto em Capra quanto em Morin o essencial para se investigar a dinâmica da vida na Terra passa por compreender a quantidade, a variedade e intensidade das conexões e interações, tanto entre seres vivos e o meio onde vivem, quanto as relações entre populações. Um autor fala em redes, sistemas, teias, outro fala em diversidade, complexidade e formas de organização. A diversidade proporciona a complexidade dos sistemas que provoca a construção dos anéis tróficos (plantas – herbívoros – carnívoros – carnívoros – homem – vermes e bactérias – plantas) e suas dinâmicas de reorganização. A diversidade da vida é quem suporta o processo de reorganizar a si mesma de novas maneiras, sob o efeito de novas desorganizações. Desta forma as pesquisas sobre manutenção dos Recursos Genéticos on farm, que em geral partem de uma base epistemológica onde as relações têm causas coordenadas passíveis de previsibilidade e controle, carecem de um exercício de ampliação do olhar capacitando assim a ciência a avançar para novas formas de construção do conhecimento que é a sua missão. Outrora identificada como um exemplo menor de organização social as comunidades tradicionais inspiram novos olhares, novos pontos de vista sobre desenvolvimento, saúde, agroecologia e ecologia. O manejo compartilhado de bens de uso comum constrói outro tipo de vínculo nos comunitários, vínculos estes, ancorados na partilha que além de atender as necessidades materiais atuam na produção de valores sociais e simbólicos para além do quadro utilitarista da troca. Souza e Bustamante, 2019

89


Revista RG News 5 (1): 87-90, 2019 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Portanto, cada comunidade tradicional em todo planeta gesta e cuida de um imenso patrimônio cultural imaterial ligado a manutenção da agrobiodiversidade. É importante também pontuar que cada variedade de um alimento que se perde é, também, a perda do conhecimento de um povo, sua cultura, seu território, seu modo de vida tradicional. O programa GIAHS tem potencial para contribuir com a manutenção da diversidade genética a medida que torna Patrimônio Mundial o modo de vida tradicional e portanto, passível de proteção via a conservação dinâmica. Abre-se, portanto, uma nova área de pesquisa na conservação on farm: Conservação on farm e Conhecimentos Tradicionais. Quanto pode ser enriquecida a pesquisa intercultural? Esta combinação cria chances de inovação, por vários caminhos, mas em especial em termos de novos conceitos e modelos. Como já nos alertou Manuela Carneiro da Cunha os conhecimentos tradicionais não são só um repositório de conhecimentos, transmitidos de gerações anteriores. São, sobretudo, conhecimentos que continuam a ser produzidos de um modo específico, ou seja, o que caracteriza sistemas de conhecimentos tradicionais são os métodos e protocolos sui generis de que lançam mão. O que deveria ficar aqui estabelecido é que sistemas tradicionais de conhecimentos não devem ser tratados apenas como “tesouros”, isto é, legados finitos do passado, e sim como sistemas abertos de produção de conhecimentos que continuarão a produzir resultados importantes. Um novo paradigma está em construção, e são muitas as vertentes, vazantes deste novo rio do conhecimento, mais nutritivo e diverso que imaginamos, e é nesse novo fluxo que precisamos navegar.

Souza e Bustamante, 2019

90


Instruções para os Autores DO IDIOMA Embora o idioma oficial seja o Português, também são enrorajados textos em Inglês ou Espanhol, sendo publicados no idioma elaborado. DAS OPINIÕES CONSTANTES NOS TEXTOS O autor(es) é(são) o(s) responsável(eis) pelos textos elaborados, eximindo a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos e a Revista RG News, de terem a mesma opinião expressa nos textos. DOS REVISORES Para garantir a lisura do processo de revisão nos textos científicos, o texto será enviado para pelo menos dois revisores, sem nenhum tipo de indicação que denuncie a sua autoria. PROJETOS FINANCIADOS Em caso de projetos financiados, o texto deve conter citado os termos exigidos pela Instituição Financiadora. AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO E CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS Ao submeter um texto todos autores automaticamente estarão concordando com a transferência e cessão de direitos autorais da publicação do mesmo para a Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos.

REGRAS OBRIGATÓRIAS PARA TEXTOS Título: deverá ter até 125 caracteres contando com os espaços, apenas a letra inicial em maiúscula, em negrito, centralizado, fonte Times New Roman, tamanho 15. Número de Autores por texto: serão aceitos até o máximo de 6 autores por manuscrito. Seus nomes deverão ser completos e sem abreviaturas, acompanhados pela filiação completa (Instituição, Endereço, Cidade, Estado, País, CEP, e E-mail de todos os autores; Fonte Times New Roman, tamanho 12 para o nome dos autores e tamanho 8 para filiações. Número de páginas: Os textos deverão ter no máximo 10 páginas, digitado em espaço simples (exceto tabelas); Fonte: Times New Roman, normal, tamanho 11, espaçamento simples. Margens e Parágrafos: Recuo do Parágrafo por 1cm, margens de 2,5cm. Resumo: O resumo (quando houver) deverá conter até 1.250 caracteres, incluindo espaços, e deverá ser acompanhado de até 6 palavras-chave; Abstract: Idem acima, e deverá constar também o título do artigo vertido para o inglês, se de línguas estrangeiras deverá ser elaborado em Português; Introdução: compacta e objetiva, no último parágrafo deve vir o objetivo do trabalho. Textos Científicos: Devem conter RESUMO e ABSTRACT, INTRODUÇÃO, MATERIAL E MÉTODOS, RESULTADOS E DISCUSSÃO (combinados ou separados), CONCLUSÕES, e REFERÊNCIAS. Demais textos não necessitam seguir tais tópicos. Corpo do texto: O corpo do texto deverá conter entre 25.000 e 45.000 caracteres, incluindo espaços. Citações: serão aceitas no texto citadas por "Autor (ano)”, somente a primeira letra em caixa alta e as demais em caixa baixa. Citação de trabalhos com dois ou três autores deverão ser apresentadas com os sobrenomes separados por “;” (BECK; LASH, 2013; BECH; LASH; LASH, 2013). Citações com mais de 4 autores deverão se utilizar do recurso "et al" (BECK et al., 2015); Elementos gráficos: Até 6 (entre figuras, mapas, imagens, desenhos, fotografias, gravuras, tabelas e gráficos), acompanhadas das respectivas legendas e fontes. Atenção: referencie o elemento se utilizando de numeração (por 91


exemplo, Tabela 1 e Figura 3) – Devem possuir pelo menos 300dpi no formato "jpg". O texto deve ser em Times New Roman, tamanho 10. Uso de siglas: na sua primeira aparição no texto deverá estar por extenso, seguida de sua sigla entre parênteses. A partir daí usar apenas a sigla, não utilizando-as com “s” para denotar o plural (Ex: BAG); Notas de rodapé: Sugere-se evitá-las, porém se imprescindíveis deverão ser sucintas, prezando pela objetividade e conveniência em se elucidar determinada informação do corpo do texto ou indicar referências correlatas; Referências bibliográficas: todas as referências bibliográficas apresentadas no corpo do texto deverão figurar, obrigatoriamente, de forma completa e em ordem alfabética, ao final do documento, observando as normas da ABNT NBR6023. Revisão ortográfica e gramatical: o autor deverá se responsabilizar pela revisão do material a ser submetido, adequando-o às normas da escrita da língua portuguesa, especialmente no que diz respeito à ortografia e gramática, assim como ao Acordo da Língua Portuguesa (em vigor desde 2009). Formato do arquivo (extensão): somente serão aceitos arquivos nas versões "doc" ou "docx".

92


Fale conosco Revista RG News E-mail: revistargnews@recursosgeneticos.org

Sociedade Brasileira de Recursos GenĂŠticos - SBRG E-mail: sbrg@recursosgeneticos.org Acesse nosso site: www.recursosgeneticos.org


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.