Revista RG News V.8 N°1 2022

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REVISTA

RG NEWS V.8 N.1 2022

Edição Especial Região Centro-Oeste - Parte 1

ISSN 2526-8074

Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos


Revista RG News 8 (1), 2022 - Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

Revista RG News Publicação eletrônica oficial da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos

EDITORES CONVIDADOS Maria Aldete Justiniano da Fonseca Marcos Ap. Gimenes

DIRETORIA DA SBRG Presidente - Fernanda Vidigal Duarte Souza Vice-Presidente - Geraldo Magela Côrtes Carvalho Diretor Financeiro - Marcos Ap. Gimenes Vice-Diretor Financeiro - Renato Ferraz de Arruda Veiga Diretor Técnico e de Divulgação - Rosa Lía Barbieri Vice-Diretor Técnico e de Divulgação - Maria Teresa Gomes Lopes Diretor de Curadorias e Redes Regionais - Semíramis Rabelo Ramalho Ramos Vice-Diretor de Curadorias e Redes Regionais - Manoel Abilio de Queiróz Diretora de Eventos - Marcos Vinicius Bohrer Monteiro Siqueira Vice-Diretora de Eventos - Ana Cecília Ribeiro de Castro Secretário Executivo - Everton Hilo de Souza


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Revista de Recursos Genéticos - RG News Brasília, DF V.8 (1) 45p. 2022 ISSN 2526-8074 Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos Foto Capa: Raquel Brunelli (Embrapa Pantanal) A eventual citação de produtos e marcas comerciais não expressa, necessariamente, recomendações de seu uso pela SBRG.

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Editada pela SBRG


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Sumário

I – Palavra dos Editores................................................................................................................................................... 4 II - Banco de Germoplasma ............................................................................................................................................ 5 Banco ativo de germoplasma de pitayas da Embrapa: conservação, caracterização e uso no melhoramento genético e desenvolvimento de sistemas de produção ..................................................................................................................... 5 III - Artigo Científico ..................................................................................................................................................... 14 Soja integral e desativada sobre consumo, digestibilidade e produção de leite em vacas Pantaneiras.......................... 14 IV - Artigos de Opinião ................................................................................................................................................. 22 Bovino Pantaneiro: o melhor do Pantanal traduzido em pecuária, cultura, tradição e biodiversidade .......................... 22 Nem só ex situ, nem só in situ/on farm: por uma conservação integrada da agrobiodiversidade ................................. 29 Mercado Crioulo .......................................................................................................................................................... 35 V – Entrevista ................................................................................................................................................................. 38 Siranhu Kayabi - Primeira Feira de Sementes do Povo Kayabi, do Xingu ................................................................... 38 VI – Homenagem Póstuma ............................................................................................................................................ 42 Deisy Cardoso Alexandrino Santos: O amor retorna, de outra forma .......................................................................... 42


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I – Palavra dos Editores Maria Aldete Justiniano da Fonseca e Marcos Aparecido Gimenes Estamos no ano de 2022, segundo ano que passamos e enfrentamos a pandemia do Covid-19, uma crise mundial, mas também tivemos e temos outras crises e desastres nacionais. A ciência, como sempre, tem mostrado seu valor e importância, e graças a ela estamos com uma cobertura vacinal satisfatória que reduz muito os sintomas e agravamentos causados por esse vírus de fita simples de RNA. Nossa revista permanece firme e forte e apresenta nessa edição ações desenvolvidas na Região CentroOeste. Aceitamos o desafio de ficar à frente dessa edição em um espaço curto de tempo, em função de sabermos das grandes contribuições que pesquisadores do Centro-Oeste têm dado para a conservação e uso de recursos genéticos da região. Agradecemos à SBRG por essa oportunidade e deixamos a sugestão para que tenhamos oportunidades para outras edições da Região Centro-Oeste, pois há muitas ações importantes em execução na região e que merecem ser divulgadas. O conteúdo da revista está bem diversificado e atraente. Temos desde as extravagantes pitayas com a história do Banco Ativo de Germoplasma da Embrapa Cerrados, passando pelo uso da soja na alimentação de raça local de bovinos e os artigos de opinião que trazem três grandes e interessantes temas: Bovino Pantaneiro, Integração da Conservação ex situ com in situ/on farm e o Mercado Crioulo. Portanto, temos um conteúdo diversificado, como a nossa Biodiversidade. Desejamos que vocês também gostem do conteúdo e aumentem seus conhecimentos com essa edição. Por fim, não poderíamos deixar de prestar uma homenagem para nossa amiga e colega Deisy Cardoso que infelizmente foi vítima, junto com toda a sua família, de um desastre ambiental em Minas Gerais, em janeiro desse ano. Deisy, que tinha apenas 40 anos, era professora na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e estava como vice-presidente da Rede Centro-Oeste de Recursos Genéticos. Além dela, foram vítimas desse desastre ambiental, o seu esposo, Henrique Alexandrino dos Santos (41 anos), seus filhos Vitor (6 anos) e Ana (3 anos), assim como um primo, Geovane (42 anos). Deixamos aqui registrado nosso mais profundo e sincero agradecimento à Deisy por sua dedicação e comprometimento com a conservação dos recursos genéticos e com a Rede Centro-Oeste. Finalizamos, deixando nosso abraço e votos de que todos estejam bem fisicamente, mentalmente e emocionalmente, com a certeza no coração, de que tudo passa e de que dias melhores virão.

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II - Banco de Germoplasma

Banco ativo de germoplasma de pitayas da Embrapa: conservação, caracterização e uso no melhoramento genético e desenvolvimento de sistemas de produção Fábio Gelape Faleiro1, Nilton Tadeu Vilela Junqueira2, José Teodoro de Melo3, Jamile da Silva Oliveira4 Resumo As pitayas são conhecidas mundialmente como Dragon Fruits ou Frutas-do-Dragão e pertencem à família Cactaceae. O cultivo das pitayas no Brasil e no mundo é muito recente, mas já é considerado uma alternativa muito promissora para os fruticultores. As atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) com as pitayas na Embrapa foram iniciadas no início da década de 1990 com a implantação do primeiro Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de pitayas do Brasil. Neste artigo, é feito um relato histórico do banco e também das principais atividades de conservação, caracterização e uso da variabilidade no melhoramento genético e no desenvolvimento de sistemas de produção. Para a operacionalização destas atividades, foram definidas quatro espécies de maior potencial comercial que apresentavam diferenças quanto ao tamanho dos frutos, cor da casca e da polpa: a Selenicereus undatus que produz frutos grandes, de casca vermelha e polpa branca, a S. costaricensis que produz frutos de tamanho médio, de casca vermelha e polpa vermelha, a S. megalanthus que produz frutos de tamanho médio, de casca amarela com espinhos e polpa branca e a S. setaceus que produz frutos pequenos, de casca vermelha com espinhos e polpa branca. Os principais resultados destas atividades são apresentados neste artigo, bem como as parcerias estratégicas e perspectivas para o avanço das ações de P&D&I com o BAG das pitayas na Embrapa. Palavras-Chave: Selenicereus; Cactaceae; fruticultura; variabilidade genética; fruta-do-dragão; inovação Pitaya Active Germplasm Bank at Embrapa: conservation, characterization and use in genetic improvement and production systems development Abstract Pitayas are known worldwide as Dragon Fruits or Dragon Fruits. It belongs to the Cactaceae family. The pitayas production system in Brazil and in the world is very recent, but it is already considered a very promising alternative for fruit growers. Research, development and innovation (R&D&I) activities with pitayas at Embrapa began in the early 1990s with the implementation of the first Active Germplasm Bank (AGB) of pitayas in Brazil. This article presents a historical account of the pitaya AGB. Main conservation and characterization activities and the use of variability in genetic improvement and in the development of production systems are also presented. For activities operationalization, four species with greater commercial potential were chosen based on differences in fruit sizes, skin and pulp color: Selenicereus undatus, which produces large fruits, with red skin and white pulp, S. costaricensis that produces medium-sized fruits, with red skin and red pulp, S. megalanthus that produces medium-sized fruits, with yellow skin with thorns and white pulp, and S. setaceus that produces small fruits, with red skin with thorns and white pulp. The main results of these activities are presented in this article, as well as the strategic partnerships and perspectives for the advancement of R&D&I actions with the pitayas AGB at Embrapa. Keywords: Selenicereus; Cactaceae; fruit growing; genetic variability; dragon fruit; innovation

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Embrapa Cerrados, Caixa Postal 08223, 73310-970, Planaltina, DF, Brasil. fabio.faleiro@embrapa.br

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Embrapa Cerrados, Caixa Postal 08223, 73310-970, Planaltina, DF, Brasil. nilton.junqueira@embrapa.br

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Embrapa Cerrados, Caixa Postal 08223, 73310-970, Planaltina, DF, Brasil. teodoro.melo@embrapa.br

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Embrapa Cerrados, Caixa Postal 08223, 73310-970, Planaltina, DF, Brasil. Jamile.oliveira74@gmail.com

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Introdução A pitaya é uma fruta conhecida mundialmente como Dragon Fruit ou Fruta-do-Dragão. Essa fruteira pertence à família Cactaceae, a qual possui aproximadamente 100 gêneros e 1,5 mil espécies, originárias da América com os principais centros de diversidade localizados em regiões áridas e semiáridas do sudoeste dos Estados Unidos, México e vários países Sul-americanos como Peru, Argentina, Chile e Brasil (BARTHLOTT; HUNT, 1993). No Brasil, encontramos espécies de Cactaceae em vários biomas, principalmente na Caatinga e no Cerrado. O Cerrado brasileiro pode ser considerado um centro de dispersão das pitayas, as quais são encontradas vegetando naturalmente em maciços rochosos, troncos de árvores, solos arenosos, campos rupestres e em áreas de transição com outros biomas brasileiros (JUNQUEIRA et al., 2002). Em termos de centro de origem, a pitaya é brasileira, existindo diferentes espécies nativas com destaque para a Selenicereus setaceus, também conhecida como pitaya-do-cerrado, minipitaya, baby ou saborosa. Segundo JUNQUEIRA et al. (2002), esta espécie é encontrada naturalmente no Cerrado e cultivada em muitas fazendas antigas sobre muros, troncos de árvores e cercas porque era utilizada para fins alimentares, ornamentais e medicinais. Entretanto, há uma visão, por parte dos consumidores, de ser uma fruta exótica, em virtude da sua exuberância, excentricidade, além de ser pouco conhecida e comercializada em mercados exigentes. O cultivo comercial das pitayas é muito recente no Brasil e no mundo, possivelmente iniciado na década de 1990 em países Americanos e Asiáticos. A partir destes primeiros pomares comerciais, as pitayas vêm conquistando os produtores e consumidores no Brasil e no mundo, pelo fato dos frutos terem alto valor agregado e possuírem polpa rica em fibras, compostos antioxidantes, com excelentes qualidades digestivas e de baixo teor calórico (SANTOS; PIO; FALEIRO, 2022). A preocupação com a saúde e a busca por uma alimentação mais saudável é uma tendência de mercado, o que posiciona as pitayas em lugar de destaque, considerando as várias propriedades funcionais da fruta já confirmadas, com base em estudos científicos (FALEIRO, 2022). Considerando todo o potencial das pitayas nativas e exóticas para diversificar a fonte de renda dos fruticultores, ofertar alimentos de alta qualidade para os consumidores e também alternativas de uso ornamental e medicinal, a Embrapa iniciou, na década de 1990, ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) com as pitayas (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). A base destas ações de P&D&I foi a implantação do primeiro Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de pitayas do Brasil, na Embrapa Cerrados, Planaltina, Distrito Federal. Neste artigo, é feito um relato histórico deste BAG e também das principais atividades de conservação, caracterização e uso da variabilidade no melhoramento genético e no desenvolvimento de sistemas de produção. Os principais resultados destas atividades são apresentados neste artigo, bem como as parcerias estratégicas e perspectivas para o avanço das ações de P&D&I com o BAG das pitayas na Embrapa. História do Banco O BAG de pitayas da Embrapa foi estabelecido em 1996, utilizando a estratégia de conservação ex situ. Antes de qualquer registro de cultivo comercial de pitaya no Brasil, o pesquisador da Embrapa, Dr. Nilton Tadeu Vilela Junqueira, realizou expedições para coleta de recursos genéticos que vegetam naturalmente na região do Cerrado e em áreas de transição com a Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga. Foram também coletados recursos genéticos conservados e utilizados em fazenda. Inicialmente, O BAG de pitayas contou com mais de 200 acessos coletados nas regiões CentroOeste e Sudeste, especialmente, no Bioma Cerrado, em fitofisionômias como Cerrado rupestre, Cerrado típico, Serras e em Matas de galeria, também em muros de fazendas antigas e em áreas urbanas de cidades históricas de Minas Gerais e Goiás. Ainda na década de 1990, o BAG foi enriquecido com materiais doados por voluntários, na maioria por agricultores e colecionadores e adquiridos em mercados brasileiros (MELO; JUNQUEIRA; FALEIRO, 2021) Muitos desses acessos não se desenvolveram bem nas condições experimentais da Embrapa Cerrados (Coordenadas geográficas: 15° 35’ 34,42” S e 47° 43’ 53,41” W). Nos anos 2000, o número de acessos foi reduzido para aproximadamente 50, porque as ações de pesquisa e desenvolvimento foram concentradas nas espécies e acessos de maior potencial comercial ou potencialmente úteis em programas de melhoramento genético. A redução do número de acessos em processo de caracterização foi também necessária considerando a necessidade de montagem de experimentos com repetições para avaliação de características agronômicas relacionadas principalmente à produtividade, características físicas e químicas de frutos, autocompatibilidade e resistência a doenças (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). 6


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O Banco Ativo de Germoplasma de Pitaya da Embrapa Cerrados foi a base para a realização de vários trabalhos relacionados à caracterização e uso de recursos genéticos, domesticação e melhoramento genético e desenvolvimento de sistemas de produção comercial das pitayas. Para operacionalizar estes trabalhos, foram desenvolvidos diferentes projetos com o envolvimento de uma equipe multidisciplinar para atuar nas diferentes linhas de pesquisa, tendo o objetivo finalístico de desenvolver um sistema de produção de pitayas no Brasil com sustentabilidade econômica, social e ambiental (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). Para dar suporte a estes trabalhos, os curadores do BAG tiveram uma atuação importante. O primeiro curador do BAG das pitayas foi o Dr. Nilton Tadeu Vilela Junqueira com atuação de 1996 a 2015. De 2016 a 2020, a responsabilidade oficial pelo BAG das pitayas foi passada para o Dr. José Teodoro de Melo. A partir de 2020, o Dr. Fábio Gelape Faleiro passou a coordenar as ações relacionadas ao BAG das pitayas. Ao longo desse tempo, o BAG das pitayas passou por várias etapas de renovação, caracterização e uso para diferentes linhas de pesquisa (Figura 1).

Figura 1. Imagens históricas e recentes do Banco Ativo de Germoplasma de Pitayas da Embrapa. Fotos: Fábio Gelape Faleiro e Nilton Tadeu Vilela Junqueira

Pelo fato de a pitaya ser uma planta nativa do Brasil, para realizar as ações de pesquisa e desenvolvimento, foi necessário atender a legislação relacionada ao acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados no Brasil, cujas regras foram definidas na Medida Provisória 2.186- 16/01 (MP). Para cumprir a legislação, a equipe técnica da Embrapa Cerrados solicitou e obteve a Autorização Especial do IBAMA para pesquisa científica Nº 002/2008 (Processo IBAMA nº 02001.003859/2011-57) e a Autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para bioprospecção: Nº 001-B/2013 (Processo CGEN nº 02000.001384/2011-74). Foi também solicitada a Autorização para Desenvolvimento Tecnológico via CNPq. Todos os relatórios relacionados a essas autorizações foram elaborados e entregues dentro do prazo, fazendo com que todos os projetos e atividades com as pitayas estivessem rigorosamente dentro da lei (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). Em 2015, houve uma mudança na legislação com a Lei nº 13.123, de 2015 e o Decreto nº 8.772, de 2016. Para atender a essa nova lei, foi feito o cadastro dos projetos e atividades com pitaya no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) com o número A369D54. Ao longo dos 25 anos de existência do BAG das Pitayas na Embrapa, diversos projetos e atividades foram realizados com o objetivo de conservar, caracterizar e utilizar a variabilidade genética disponível (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). 7


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Para a ampliação da base genética do Banco Ativo de Germoplasma, considerando as espécies de pitaya com maior potencial comercial, foi feito um enriquecimento do BAG com genótipos de pitaya com frutos grandes, autocompatíveis, com polpa mais doce, além de maior vigor e adaptabilidade às condições de clima tropical do Cerrado brasileiro. De forma paralela ao enriquecimento do BAG, foram iniciados os trabalhos de caracterização, seleção e clonagem dos genótipos superiores de cada espécie comercialmente promissora, o que culminou no desenvolvimento das primeiras cultivares de pitayas registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2022). Atualmente, o BAG das pitayas está passando por um novo ciclo de enriquecimento, considerando a necessidade de ampliação da variabilidade genética inter e intra-específica tendo em vista novas potencialidades de uso da polpa, casca e sementes das diferentes espécies. Coleções que compõem o Banco Existem diferentes espécies cultivadas que são referidas como pitayas, o que torna a taxonomia e classificação botânica muito complexas. A taxonomia das espécies de pitaya tem sido alvo de muitas controvérsias e revisões dos gêneros e espécies ao longo do tempo, considerando os aspectos morfológicos, compatibilidade entre espécies e gêneros e também análises com base em marcadores genético-moleculares (BRITTON; ROSE, 1920; BUXBAUM, 1958; BARTHLOTT; HUNT, 1993; KOROTKOVA et al., 2017). Na revisão mais recente feita por KOROTKOVA et al. (2017) com base em filogenia molecular, a tribo Hylocereeae é composta por oito gêneros (Acanthocereus, Aporacactus, Disocactus, Epiphylium, Kimmachia, Pseudorhipsalis, Selenicereus e Weberocereus), sendo as espécies de pitaya mais importantes do ponto de vista comercial classificadas dentro do gênero Selenicereus. Para os trabalhos de caracterização morfológica e agronômica dos recursos genéticos do BAG da Embrapa Cerrados, foram definidas as quatro espécies de maior potencial comercial que apresentavam diferenças quanto ao tamanho do fruto, cor da casca e cor da polpa (Figura 2): a Selenicereus undatus (Haw.) D.R.Hunt (frutos grandes com casca vermelha e polpa branca), Selenicereus costaricensis (F.A.C.Weber) S.Arias & N.Korotkova ex Hammel (frutos médios com casca vermelha e polpa vermelha), Selenicereus megalanthus (K.Schum. ex Vaupel) Moran (frutos médios com casca amarela com espinhos e polpa branca) e Selenicereus setaceus (Salm-Dyck ex DC.) A.Berger ex Werderm (frutos pequenos com casca vermelha com espinhos e polpa branca) (FALEIRO; OLIVEIRA; JUNQUEIRA, 2021).

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Figura 2. Frutos das espécies de pitayas com maior importância comercial no Brasil: Selenicereus undatus (a), Selenicereus costaricensis (b), Selenicereus megalanthus (c) e Selenicereus setaceus (d). Barras de 5 cm. Fotos: Fábio Gelape Faleiro e Nilton Tadeu Vilela Junqueira

Caracterização e Documentação O primeiro trabalho realizado a partir da caracterização morfológica e agronômica dos acessos do BAG das Pitayas da Embrapa Cerrados foi com a espécie Selenicereus setaceus nativa da região do Cerrado (JUNQUEIRA et al., 2002). As características morfológicas da planta, das flores e dos frutos de diferentes acessos mostraram a existência de variabilidade genética para o tamanho e forma dos frutos, para características de acidez e teor de sólidos solúveis da polpa e também para a produtividade. Este primeiro trabalho evidenciou o potencial desta pitaya para uso alimentar considerando a alta produtividade das plantas e a produção de frutos com um sabor especial, equilibrando a doçura com uma leve acidez. A beleza e exuberância das flores também evidenciaram o grande potencial da espécie para uso ornamental. Os trabalhos de caracterização das outras espécies e acessos do BAG foram realizados inicialmente com base em características morfológicas da planta, características físicas e químicas dos frutos e de produtividade dos acessos. Estas 8


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características evidenciaram o potencial das diferentes espécies para uso como plantas ornamentais (JUNQUEIRA et al., 2007) e para a produção de pitayas de alto valor agregado e com características físicas e químicas para agradar os mercados de frutas especiais e também os consumidores mais exigentes (SOUZA et al., 2006). Marcadores moleculares do DNA também foram utilizados para aprofundar os estudos de diversidade genética, no sentido de subsidiar as atividades de conservação e uso de germoplasma no melhoramento genético das diferentes espécies de pitaya (JUNQUEIRA et al., 2010a; 2010b). Um estudo da diversidade genética de 13 acessos mantidos no BAG da Embrapa Cerrados foi realizado por JUNQUEIRA et al. (2010a) utilizando marcadores moleculares RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA). De acordo com estes autores foram obtidos mais de 95% de marcadores polimórficos, a partir dos quais foram estimadas distâncias genéticas entre os acessos e realizadas análises de agrupamento para a identificação de grupos de similaridade genética. Com base neste trabalho, os autores concluíram que existe ampla diversidade genética entre os acessos de pitaya nativas do Cerrado, posicionando esse Bioma entre os centros de diversidade dessas espécies. A partir dos resultados iniciais de caracterização morfo-agronômica e molecular, os trabalhos de caracterização agronômica foram intensificados com base no estabelecimento de experimentos com maior tamanho de parcela e maior número de repetições, tendo em vista a avaliação de características de produtividade e estimativas de parâmetros genéticos (LIMA, 2013). Além da produtividade, características físicas e químicas dos frutos são importantes para qualquer programa de melhoramento de espécies frutíferas e foram avaliadas (LIMA et al., 2013a; 2013b; 2014). No caso da pitaya, as características de resistência a doenças, autocompatibilidade, vigor, longevidade e adaptabilidade às condições tropicais do Cerrado também foram avaliadas (PRONCHNO, 2022) e utilizadas no processo de seleção, tendo em vista as demandas dos produtores e dos consumidores. Um marco importante no processo de caracterização das pitayas foi a parceria entre o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e a Embrapa Cerrados para obter e validar os descritores das pitayas e compor as Instruções para Execução dos Testes de Distinguibilidade, Homogeneidade e Estabilidade (DHE). Os resultados obtidos pelo projeto subsidiaram a publicação das instruções para execução dos ensaios de DHE de cultivares de pitayas em 9 de maio de 2019 (BRASIL, 2022). Nessas instruções, foram definidas as orientações para a execução dos ensaios de DHE e a tabela das características das pitayas com 40 descritores, sendo 11 de cladódios, 14 de flores e 15 de frutos. Foi desenvolvido e publicado um manual prático ilustrado para aplicação dos descritores, onde cada descritor e respectivas classes fenotípicas são apresentadas de forma ilustrada para uniformizar, padronizar e evitar erros no processo de obtenção dos descritores (FALEIRO et al., 2021). Todas informações dos acessos disponíveis, descritores morfo-agronômicos e informações das caracterizações estão disponíveis no Portal Alelo (MELO; JUNQUEIRA; FALEIRO, 2021). Uso Potencial e Inovação Os trabalhos de caracterização morfológica, agronômica e molecular permitiram a identificação de acessos com alta divergência genética entre si, abrindo perspectivas para trabalhos de melhoramento via hibridação intra e interespecífica, aumentando as possibilidades de combinações gênicas e da seleção de genótipos superiores. Este trabalho de caracterização mais detalhado permitiu a seleção de seis acessos geneticamente superiores de Selenicereus undatus, sete de Selenicereus setaceus, quatro de Selenicereus costaricensis e quatro de Selenicereus megalanthus. Os acessos selecionados passaram a ser utilizados em trabalhos para ajustes do sistema de produção e também para a obtenção de híbridos intra e interespecíficos com o objetivo de ampliar a base genética para trabalhos de seleção clonal visando ao desenvolvimento de cultivares geneticamente superiores. Trabalhos de melhoramento genético da pitaya são muito recentes no Brasil e no mundo. Existem alguns grupos de pesquisa nos Estados Unidos (THOMPSON, 2002), nos países asiáticos (LUO et al., 2019) e em Israel (TEL-ZUR et al., 2012; 2020). No Brasil, os primeiros trabalhos de caracterização e o uso de recursos genéticos de pitaya, tendo em vista o melhoramento genético, foram realizadas na Embrapa Cerrados. Os primeiros trabalhos de seleção foram realizados em 2002 e têm continuidade até os dias atuais. Estimativas de parâmetros genéticos foram realizadas com a obtenção de valores de herdabilidade acima de 90% e coeficientes de variação genética, pelo menos, duas vezes superior ao coeficiente de variação experimental, para várias características agronômicas avaliadas (LIMA, 2013). Esses parâmetros genéticos 9


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mostraram que a seleção para essas características apresenta condições favoráveis para obtenção de ganhos genéticos imediatos, mesmo utilizando estratégias simples como a seleção clonal. Importantes resultados foram obtidos nessa linha de pesquisa, aliando as informações obtidas por meio de técnicas moleculares ao desempenho desses materiais em condições de cultivo, orientando e subsidiando a seleção clonal e o avanço das ações do melhoramento genético, tendo como foco o desenvolvimento das primeiras cultivares de pitaya no Brasil (FALEIRO; JUNQUEIRA, 2021). Adicionalmente foram iniciadas na Embrapa Cerrados ações para a obtenção de híbridos intra e interespecíficos de pitaya com o objetivo de combinar na mesma matriz as características de interesse presentes em diferentes matrizes ou diferentes espécies. O primeiro híbrido interespecífico obtido e avaliado pelo programa de melhoramento genético da Embrapa Cerrados foi entre matrizes geneticamente superiores da espécie S undatus e da espécie S. costaricensis (Figura 3a). O objetivo dessa hibridação foi combinar as características de alta produtividade, autocompatibilidade e tamanho de frutos da espécie S. undatus com a coloração da polpa vermelha da S. costaricensis. O híbrido foi obtido com sucesso e confirmado com a utilização de marcadores moleculares RAPD (LIMA, 2013) (Figura 3b). Outro híbrido F1 obtido pelo programa de melhoramento genético realizado na Embrapa Cerrados foi a partir do cruzamento interespecífico entre matrizes geneticamente superiores da espécie S. setaceus e da espécie S. undatus (Figura 3c). O objetivo dessa hibridação foi obter um híbrido que combinasse as características de alta produtividade e tamanho de fruto da espécie S. undatus com o sabor equilibrado dos frutos da espécie S. setaceus. Híbridos intra-específicos também têm sido obtidos e caracterizados.

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Figura 3. Obtenção de híbridos interespecíficos visando à combinação de características de interesse e ampliação da base genética via pré-melhoramento. Híbrido entre Selenicereus costaricensis e S. undatus (a), confirmação da fecundação com base em marcadores moleculares (b) e híbrido entre S. setaceus e S. undatus (c). Fotos: Fábio Gelape Faleiro.

Os trabalhos de seleção clonal e obtenção de híbridos intra e interespecíficos resultou na seleção de genótipos elite com grande potencial comercial. Estes genótipos elite foram clonados para iniciar os trabalhos de interação genótipo x ambiente, ou seja, os genótipos elite foram enviados para avaliação em todas as regiões do Brasil (Figura 4). Para realizar estas avaliações, a Embrapa Cerrados está contando com uma rede de parcerias envolvendo a Emater DF (Distrito Federal e Entorno), o Recanto das Pitayas (Santa Catarina), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, Empresa Mato-Grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural, Grupo Tsuge, Embrapa Mandioca e Fruticultura, Embrapa Semiárido, Embrapa Roraima, Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), Embrapa Agrobiologia, Universidades e produtores rurais.

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Figura 4. Unidades de validação tecnológica de cultivares desenvolvidas pela Embrapa em diferentes regiões do Brasil. Fotos: Fábio Gelape Faleiro, Ricardo Sant'Anna Martins e Welington Procópio.

Além da validação das cultivares em diferentes regiões do Brasil, foi também realizada, com sucesso, a validação das cultivares em diferentes sistemas de produção convencional, orgânico, em cultivos consorciados com maracujá, abacaxi e girassol e em plantios urbanos e periurbanos. Além dos trabalhos de validação, as unidades demonstrativas estabelecidas por meio da rede de parcerias são utilizadas para a realização de cursos de capacitação e outras ações de transferência de tecnologia. O trabalho de melhoramento genético das diferentes espécies de pitaya, juntamente com o trabalho de validação agronômica em diferentes regiões e sistemas de produção, propiciou o desenvolvimento e recomendação das primeiras cinco cultivares de pitayas registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: BRS LC (BRS Lua do Cerrado), BRS LZC (BRS Luz do Cerrado), BRS Minipitaya do Cerrado (BRS MPC), BRS Granada do Cerrado (BRS GC) e BRS Âmbar do Cerrado (BRS AC) (FALEIRO; JUNQUEIRA; 2022). Considerações finais e perspectivas O cultivo de pitaya no Brasil e no mundo é muito recente, mas a produção e o consumo têm aumentado muito nos últimos anos. No Brasil, é considerada uma novidade promissora para os fruticultores e consumidores, entretanto, é importante o fortalecimento da cadeia produtiva. Para isso, é fundamental o desenvolvimento de cultivares com garantia de origem genética e que possam atender as demandas dos produtores e dos consumidores. Importantes avanços foram obtidos no desenvolvimento de novas cultivares de pitaya das espécies de maior importância comercial pela Embrapa. É sempre importante salientar que a base de todos estes trabalhos foi o Banco Ativo de Germoplasma de Pitayas estabelecido em 1996, conservado, caracterizado e utilizado de forma prática no programa de melhoramento genético e no desenvolvimento de sistemas de produção. Como perspectiva, o BAG vai para um novo ciclo de enriquecimento, considerando a necessidade de ampliação da variabilidade genética inter e intra-específica tendo em vista o

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desenvolvimento de novas cultivares e novas potencialidades de uso da polpa, casca e sementes das diferentes espécies de importância comercial. Curiosidade

Em 2005, um incêndio de grandes proporções, provocado pela queda de uma árvore sobre os fios de alta tensão, destruiu totalmente o Banco Genético de Pitaya levando a perda de materiais valiosos. Naquele momento, houve uma grande tristeza da equipe técnica envolvida nos trabalhos. Entretanto, os genótipos geneticamente superiores haviam sido clonados e estabelecidos em outra área, o que permitiu a continuidade dos trabalhos de seleção e obtenção de híbridos intra e interespecíficos. Além disso, os principais acessos das pitayas também estavam conservados in situ e on farm, o que permitiu o resgate dos acessos mais importantes do ponto de vista tecnológico. Essa curiosidade evidencia a importância das diferentes estratégias de conservação ex situ, in situ e on farm que são igualmente importantes e devem ser realizadas de forma complementar. Os trabalhos de conservação, caracterização e uso dos recursos genéticos das pitayas, a continuidade do investimento em ações de pesquisa e desenvolvimento no médio e longo prazo e a persistência da equipe técnica com foco no desenvolvimento tecnológico e na inovação culminaram no registro e lançamento das primeiras cultivares de pitayas do Brasil. Referências BARTHLOTT, W.; HUNT, D. R. Cactaceae. In: KUBITZKI, K.; ROHWER J. G.; BITTRICH, V. (Eds.) Flowering plants dicotyledons. The families and genera of vascular plants, v. 2. Springer: Berlin, Heidelberg, 1993. p. 161-197. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Proteção de cultivares. Disponível em: https://shortest.link/1ujU. Acesso em 02 maio 2022. BRITTON, N.L.; ROSE, J.N. The Cactaceae. Descriptions and illustrations of plants of the cactus family, v. 2, Carnegie Institute: Washington. 1920. 248 p. BUXBAUM, F. The phylogenetic division of the subfamily Cereoideae, Cactaceae. Madroño, v. 14, p. 177-206, 1958. FALEIRO, F. G. Pitaya: a fruta que está conquistando o Brasil. Revista Campo & Negócios Anuário HF 2022, v. 11, p. 97-99, 2022. FALEIRO, F. G.; JUNQUEIRA, N. T. V. Pitayas: atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação na Embrapa Cerrados. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2021. 62 p. (Documentos / Embrapa Cerrados, 374) Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/230728/1/Doc-374-Fabio-Faleiro.pdf FALEIRO, F. G.; JUNQUEIRA, N. T. V. Espécies, variedades e cultivares. In: SANTOS, D. N.; PIO, L. A. S.; FALEIRO, F. G. Pitaya: uma alternativa frutífera. Brasília: Proimpress, 2022. p. 9-16. FALEIRO, F. G.; OLIVEIRA, J. S.; JUNQUEIRA, N. T. V. (Eds.) Aplicação de descritores morfoagronômicos utilizados em ensaios de DHE de cultivares de pitaya: Manual prático. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados. 2021. 58p. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/231216/1/Aplicacao-de-descritoresmorfoagronomicos-utilizados-em-ensaios-de-DHE.pdf JUNQUEIRA, K. P.; JUNQUEIRA, N. T. V.; RAMOS, J. D.; PEREIRA, A. V. Informações preliminares sobre uma espécie de Pitaya do Cerrado. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados. 2002. 18 p. (Embrapa Cerrados/ Documentos, 62). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CPAC-2009/24723/1/doc_62.pdf JUNQUEIRA, K. P.; JUNQUEIRA, N. T. V.; FALEIRO, F. G.; BRAGA, M. F.; SANO, S. M.; BELLON, G.; FONSECA, K. G.; LIMA, C. A. Potencial da pitaya-do-cerrado como planta ornamental. In: Revista Brasileira de Horticultura Ornamental, v.13 (suplemento), p. 1365-1368. 16º Congresso Brasileiro de Floricultura e Plantas Ornamentais, 3º Congresso Brasileiro de Cultura de Tecidos de Plantas, 1º Simpósio de Plantas Ornamentais Nativas. Goiânia, 2007. JUNQUEIRA, K.P.; FALEIRO, F.G.; JUNQUEIRA, N.T.V.; BELLON, G.; LIMA, C.A.; SOUZA, L.S. Diversidade genética de pitayas nativas do Cerrado com base em marcadores RAPD. Revista Brasileira de Fruticultura, v. 32, n. 3, p. 819-824, 2010a. DOI: 10.1590/S0100-29452010005000104

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III - Artigo Científico

Soja integral e desativada sobre consumo, digestibilidade e produção de leite em vacas Pantaneiras Mariane da Silva Chiodi1, Dirce Ferreira Luz2 e Marcus Vinicius Morais de Oliveira3 Resumo Bovinos da raça Pantaneira (Bos taurus taurus) são magnificamente adaptados ao bioma Pantanal, sendo oriundos da miscigenação de animais da Península Ibérica trazidos pelos colonizadores espanhóis e portugueses. O longo tempo de exposição às condições adversas, resultou em um grupo genético rústico e prolífero. Apesar de outrora dominarem a planície pantaneira, atualmente encontram-se em risco de extinção. Dentre as características da raça, avaliações científicas sobre a produção de leite são de suma importância para corroborar as informações empíricas dos produtores, e assim, fomentar a conservação deste grupo genético tão singular e importante para este bioma. O trabalho objetivou avaliar o desempenho de fêmeas primíparas lactantes, mantidas em regime de pastoreio rotacionado em capim-mombaça (Panicum maximum) e suplementadas com rações contendo grãos de soja na forma integral ou desativada. O delineamento utilizado foi o quadrado latino duplo, com seis animais recém-paridos, submetidos aos tratamentos Ração Controle (RC), Soja integral (SI) e Soja Desativada (SD). O ensaio teve uma duração de 126 dias e as matrizes receberam diariamente cinco kg de ração concentrada formulada de acordo com os ingredientes de cada tratamento. Não houve efeito do processamento dos grãos de soja sobre o consumo, digestibilidade e produção de leite, sendo o teor de gordura no leite mais elevado nos animais alimentados com SI e SD em relação ao grupo RC. Palavras-Chave: desativação; fatores antinutricionais; Glicyne max; gordura; recurso genético animal. Whole and deactivated soybeans on intake, digestibility and milk production in cows of the Pantaneira breed Abstract Cattle of Pantaneira breed, (Bos taurus taurus), is magnificently adapted to the Pantanal biome, being originated by the miscegenation of animals from the Iberian Peninsula that were brought to Brazil by Spanish and Portuguese settlers. The long exposure to adverse conditions resulted in the formation of a rustic and prolific genetic group. Although they have once dominated the brazilian wetland plain, they are currently at risk of extinction. Among the characteristics of the breed, milk production stands out, and scientific evaluations are fundamental to corroborate the empirical information of the breeders, and thus, promote the conservation of this unique and important genetic group for this biome. The goal of this work was to evaluate the performance of primiparous lactating females, kept in rotational grazing on Mombasa-grass (Panicum maximum) and supplemented with diets containing soybeans (Glycine max) in whole or inactivated form. The design used was the Double Latin Square, with six newly calved heifers, submitted to the treatments Control Ration (CR), Whole Soybean (WS) and Deactivated Soybean (DS). The experiment lasted 126 days and the matrices received daily five kg of concentrated ration formulated according to the ingredients of each treatment. There was no effect of soybean processing on consumption, digestibility and milk production, being the milk fat content higher in animals fed with WS and DS compared to the group CR. Keywords: deactivation, anti-nutritional factors, Glicyne max, fat; animal genetic resource.

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UEMS, Rua 27 de Julho, 1126, Centro, CEP 79.210-000, Anastácio-MS, Brasil. E-mail: mari.chiodi_16@hotmail.com UFMS, Rua Oscar Trindade de Barros, nº740, CEP79.200-000, Aquidauana, MS, Brasil. E-mail: dirce.ferreira@ufms.br 3 UEMS, Rodovia Aquidauana/UEMS, Km 12, Zona Rural, CEP 79.200-000, Aquidauana, MS, Brasil. E-mail: marcusvmo@uems.br 2

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Introdução A soja integral tem se destacado na nutrição de bovinos pela sua alta qualidade nutritiva, principalmente a fração proteica (LIMA et al., 2014), e pode ser utilizada em ruminantes na forma in natura ou processada. Possui em média 38% de proteína e 19% de gordura (VALADARES FILHO et al., 2010), e tem sido muito utilizada na alimentação de vacas leiteiras. Porém, muitos produtores evitam seu uso devido a presença de fatores antinutricionais, que podem prejudicar o metabolismo, principalmente para ruminantes com idade inferior a quatro meses (VENTURELLI, 2011). Para evitar os efeitos negativos dessas substâncias no metabolismo, os grãos são submetidos ao tratamento térmico (desativação), visto que a maioria dessas substâncias são termolábeis. O processamento térmico dos grãos de soja beneficia o aproveitamento da proteína vegetal pelos animais em dois pontos: desativa as substâncias antinutricionais e causa a ruptura da parede celular, liberando a proteína para o meio extracelular (LIMA et al., 2014). O farelo de soja é o subproduto usado em maior escala na alimentação animal, sendo oriundo do processo de extração do óleo e representa 79% do grão. De acordo com THIAGO E SILVA (2003) o aquecimento reduz a degradação ruminal da proteína, e aumenta sua eficiência metabólica. O farelo de soja possui de 40 a 48% de proteína bruta de alta qualidade, mas de baixo teor energético, possui em média 3% de gordura. Como o farelo de soja possui menor teor de gordura, a contribuição do mesmo com o teor energético da ração é praticamente nula, por isso seu uso tem sido preterido em relação ao grão de soja desativado, onde é mantida qualidade nutricional da soja integral. A soja desativada é obtida através do tratamento térmico dos grãos com temperatura e pressão controladas, até que sejam desativadas as substâncias antinutricionais sem afetar sua composição química (COOPERALFA, 2022). De acordo com CAMILO (2012), a soja desativada diminui a degradação ruminal da proteína, e melhora a ação das enzimas no intestino, aumentando a digestibilidade da proteína verdadeira. Em relação ao gado Pantaneiro infere-se que o mesmo é um grupo genético localmente adaptado ao bioma Pantanal, sendo oriundo da miscigenação de diversas raças espanholas e portuguesas, trazidas durante o processo da colonização da América, há mais de 400

anos. E apesar de no passado esses animais dominarem a planície Pantaneira com milhões de cabeças, atualmente encontram-se em risco de extinção, com cerca de 500 indivíduos puros. Nesse sentido, pesquisas que avaliem o potencial zootécnico dos animais pantaneiros são fundamentais para o salvamento da raça, pois geram informações inéditas e promovem divulgações dos resultados, com consequente estímulo aos criadores interessados. Assim, o objetivo desse experimento foi avaliar o efeito do processamento dos grãos de soja sobre o desempenho de novilhas lactantes da raça Pantaneira, mantidas em regime de pastoreio. Material e Métodos O experimento foi realizado no Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros de Aquidauana (NUBOPAN) pertencente à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), na cidade de Aquidauana, região do Alto Pantanal Sul-Mato-Grossense / Brasil, nas coordenadas geográficas: Latitude 20º28' S; Longitude 55º48' W e Altitude de 149 metros. Todos os procedimentos experimentais foram aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) / UEMS, que certificou o ensaio de acordo com o protocolo nº 036/2019. A determinação da produção de leite foi realizada mantendo-se seis novilhas recém-paridas da raça Pantaneira (Bos taurus taurus), em regime de pastoreio rotacionado com a gramínea Panicum maximum cv. Mombaça, numa área subdividida em 16 piquetes de 0,5 hectare, com água e sal mineral ad libtum. As matrizes, com cerca de 372,3 kg de peso corpóreo, receberam individualmente 5 kg/dia de ração concentrada formulada de acordo com os ingredientes de cada dieta (Tabela 1). Os tratamentos testados foram: Ração controle (RC), elaborada com Farelo de Soja Tostado; Grãos de Soja Integral (SI) e Grãos de Soja Desativada (SD). O experimento iniciou-se 10 dias após o parto das novilhas, para que houvesse ambientação dos animais ao manejo de ordenha e ao concentrado. Utilizou-se um Delineamento em Quadrado Latino Duplo 3x3x3 (animais, tratamentos e períodos), sendo as dietas redistribuídas aos animais ao longo do tempo, em intervalos de 14 dias, sendo duração total do ensaio de 126 dias.

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Tabela 1. Ingredientes e teores nutricionais do concentrado Ingredientes % na Matéria Seca Milho 50,6 Soja¹ 46,9 Ureia 0,7 Calcário 1,3 Sal Mineral² 0,5 Teores Nutricionais RC SI SD MS - % 91,7 90,1 89,5 PB - % 35,4 36,5 35,8 G-% 3,1 19,7 18,9 ¹ RC: Ração Controle; SI: Soja Integral e SD: Soja Desativada. ² Cálcio: 120g; Enxofre: 12g; Fósforo: 88g; Sódio: 132g; Cobalto: 55mg; Cobre: 1.800mg; Cromo: 10mg; Flúor: 880mg; Iodo: 75mg; Manganês: 1.300mg; Selênio: 15mg; e Zinco: 3.630mg. ³ MS: Matéria Seca; PB: Proteína Bruta; G: Gordura.

As vacas foram ordenhadas mecanicamente duas vezes ao dia, às 5h00 e 17h00, sendo o leite coletado em tambores individuais e a pesagem efetuada em balança digital. Para facilitar a ejeção do leite foi aplicado 0,3 ml do hormônio ocitocina, diretamente na veia mamária, com agulha hipodérmica, com diâmetro de 2,5mm. Logo após as ordenhas, as vacas foram arraçoadas com as dietas experimentais, de forma equitativamente parcelada, em cochos individuais. Nesse momento os bezerros, foram pesados e colocados junto às mães para mamar, de modo a manter o vínculo e, consequentemente estimular a persistência da lactação. Após 30 minutos os bezerros eram retirados de perto das mães e pesados novamente. Em seguida, os bezerros que mamavam menos de 10% do seu peso corpóreo eram amamentados com mamadeiras. As novilhas foram então reconduzidas à pastagem. Todavia, os bezerros não podiam mais mamar, pois ficavam contidos em abrigos construídos com armação de ferro e revestidos lateralmente com tela de alambrado. Neste sistema a vaca tinha livre acesso ao seu bezerro, sendo o contato entre eles realizado pela parte superior do abrigo. Em relação à pastagem, cada piquete foi pastoreado durante 2 dias consecutivos, permanecendo durante os próximos 30 dias em descanso. Os piquetes foram previamente corrigidos com calcário e adubados com nitrogênio, fósforo e potássio. A taxa de lotação fixa por hectare foi de 1,7 UA (Unidade Animal, correspondendo a 450 kg de Peso Corporal), sendo utilizados animais reguladores para controlar a disponibilidade de biomassa

e manter a qualidade nutricional da forrageira, de modo que a gramínea fosse consumida no ponto ótimo de pastejo. Ao final de cada período, no dia da entrada e no dia da saída dos animais de cada piquete, foram realizadas coletas de pasto, sendo lançados aleatoriamente dois quadrados de 1,5m2 e efetuadas a separação e pesagem das frações de folha, colmo e material senescente. As frações morfológicas foram armazenadas em freezer para posterior realização das análises bromatológicas, ou seja, dos teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), gordura (G) e matéria mineral (MM), determinando-se assim sua qualidade nutritiva. Os teores de Carboidratos Totais (CT) foram estimados pela equação proposta por Sniffen et al. (1992): CT = {100 – [PB (%MS) + G (%MS) + MM (%MS)]} e os Carboidratos Não Fibrosos (CNF) foram calculados de acordo com a equação proposta por Hall (2000), onde CNF = {100 – [[PB (%MS) – %PB derivada da ureia + % de ureia] + FDN (%MS) + G (%MS) + MM (%MS)]}. O consumo de forragem pelos animais foi determinado indiretamente através da Fibra em Detergente Ácida Insolúvel (FDAi) como marcador interno. Para isto, foram incubados os alimentos ingeridos (capim e ração concentrada) e as fezes no rúmen de um bovino com cânula ruminal por 288 horas, sendo estes sacos posteriormente lavados em água corrente e, em seguida, tratados com solução de detergente ácida, segundo o método descrito por CRAIG et al. (1984). Nos últimos 4 dias de cada período experimental foram coletadas amostras de leite, que foram colocadas em recipientes plásticos esterilizados e mantidos refrigerados a 4ºC, sendo em seguida analisada, pelo método de ultrassonografia, sua composição físicoquímica, ou seja, dos teores de gordura, proteína, lactose, extrato seco desengordurado, bem como da condutividade e o pH. Semanalmente também foi avaliada a mastite subclínica através do procedimento Califórnia Mastite Teste (CMT), não sendo notificado nenhum animal que precisasse de tratamento com medicamentos alopáticos. No fim de cada período experimental as novilhas foram pesadas, para acompanhamento do peso corpóreo. A produção fecal dos animais foi determinada realizando-se a coleta total de fezes num período de 24 horas. Assim, no final de cada período as vacas foram mantidas, junto de suas crias, no curral para facilitar a 16


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coleta das fezes. Nesse período, o capim foi disponibilizado no cocho ad libitum e os alimentos concentrados fornecidos conforme os respectivos tratamentos. A digestibilidade aparente das dietas (pasto e ração concentrada) foi determinada coletando-se em sacos plásticos alíquotas de 50 gramas de fezes na ampola retal, no 11, 12, 13 e 14º dias de cada período experimental, após a ordenha, formando-se uma amostra do período por animal. Nestes dias amostras de capim e ração concentrada foram coletadas, e juntamente com as amostras de fezes, e armazenadas a -20ºC. Ressalta-se que as amostras de capim foram coletadas utilizando-se a técnica do pastejo simulado. Assim, a coleta de pasto foi realizada, por um período de 40 minutos, com início às 5h00 e, portanto, antes do arraçoamento matinal. Nestas coletas, os animais foram acompanhados numa distância inferior a 2 metros, para poder observar o hábito de pastejo e a preferência pelos componentes estruturais das forrageiras. Deste modo, de maneira simultânea e sincronizada com as vacas, colheram-se manualmente quatro amostras (10 minutos/amostra) de forragem semelhantes ao que estavam sendo selecionados e consumidos pelos animais. Após homogeneização do material, uma sub-amostra foi utilizada para posterior avaliação bromatológica. Após o término de cada período experimental, as amostras de pasto, ração concentrada e fezes foram présecas em estufa de ventilação forçada a 65ºC por 72 horas. Em seguida as amostras foram moídas em moinho tipo Willey através de peneiras com crivo de 1 mm, homogeneizadas para confecção de amostras compostas por animal para cada período; e posteriormente determinado os teores de MS, MO, PB, FDN, FDA, CT, CNF, G, MM e NDT. As coletas de urina na forma de amostra “spot” foram efetuadas nos 11, 12, 13 e 14º dias do período experimental de cada tratamento, sendo coletadas durante a ordenha, por micção espontânea dos animais. As amostras de urina, após coagem em papel filtro, foram diluídas em ácido sulfúrico a 0,036N, numa relação 10:9%, respectivamente e congeladas; conforme a metodologia proposta por VALADARES et al. (1999). Posteriormente, foi determinada a concentração de creatinina e de ureia, utilizando-se kits comerciais Labtest®, com leitura em espectrofotômetro. O cálculo da produção urinária foi realizado através da equação: Produção de urina = [(27,77 mg creatinina x

Peso corpóreo)/Concentração de creatinina na amostra em mg/litro], descrita por RENNÓ et al. (2008), que trabalhou com novilhos em crescimento das raças Holandês, Girolando e Zebu. Já a perda de ureia na urina, expressa em g/dia, mg/kgPC e mg N-ureia/kgPC, foi estimada pelas equações: 1) {[(mg/dl de ureia na amostra de urina x 10) x litros de urina] /1000}; 2) [(mg/dia de ureia) /peso corpóreo]; e 3) (mg/kgPC de ureia x 0,466), respectivamente. As coletas de sangue foram realizadas no 11º dia de cada período experimental, diretamente na veia caudal, após a ordenha utilizando-se tubos de vacuntainer contendo duas gotas de heparina para impedir a coagulação do sangue. As amostras foram imediatamente centrifugadas e o plasma congelado para posterior análise dos teores de glicose e de ureia plasmática, utilizando-se kits comerciais. Após apreciações preliminares, foi realizada a análise de variância pelo teste de Tukey, sendo utilizado o seguinte modelo estatístico:

𝑦𝑖𝑗𝑘𝑙 = 𝜇 + 𝑅𝐸𝑃𝑖 + 𝑃𝑗 + 𝑇𝑙 + 𝑅𝑘(𝑖) + 𝜀𝑖𝑗𝑘𝑙

Em que: 𝑦𝑖𝑗𝑘𝑙 é a observação associada ao animal i (1, 2 e 3), no período j (1, 2 e 3), no tratamento l (1, 2 e 3); 𝑅𝐸𝑃𝑖 é o efeito fixo associado a réplica do experimento i; 𝑃𝑗 é o efeito fixo associado ao período j; 𝑇𝑙 é o efeito fixo associado ao tratamento j; 𝑅𝑘(𝑖) é o efeito fixo associado a réplica do quadrado latino onde o efeito associado com a repetição do quadrado latino é considerado dentro do animal i. As médias dos parâmetros avaliados considerados significativos foram comparadas através do Teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro. As análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico SAS (2002). Resultados e Discussão A produção de biomassa do capim-mombaça, bem como as proporções relativas de folha, colmo e material senescente foram estatisticamente semelhantes para todos os períodos, indicando que o manejo da pastagem foi adequadamente efetuado (Tabela 2). Em média a produção de forragem, na matéria seca, foi de 2.535 kg/ha, com uma proporção de folha, colmo e material senescente de 50,5, 41,3 e 8,2, respectivamente. LIMA et al. (2007) ao avaliarem animais em lactação sob regime de pastejo rotacionado em capim-mombaça, observou 17


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55% de folhas; OLIVEIRA (2015) obteve média de 52,2% de folhas, utilizando pastejo rotacionado do capimmombaça, valores próximos ao encontrado nesse experimento. Já BIAZOLLI (2014) observou 62,95% de folhas. Tabela 2. Produção de matéria seca (PMS - kg) em hectare do capim-mombaça, com suas respectivas frações de folha, colmo e material senescente, expressos na matéria seca, de acordo com o Período. Período (dias)* Coef. p-valor Var. 1 a 42 43 a 84 85 a 126 PMS 2.532,4 2.488,3 2.582,9 0,8634 20,6 Folha % 51,25 49,83 50,56 0,8456 14,8 Colmo % 0,8369 11,3 40,08 42,36 41,41 Mat.Sen. % 8,67 7,81 8,03 0,8703 2,8 * Não houve diferenças significativas entre os períodos ao nível de 5% de probabilidade, de acordo com o teste de Tukey. Variáveis

A qualidade nutricional do capim-mombaça foi adequada ao longo dos períodos experimentais, com médias na fração folha de 5,4; 65,7; 85,9 e 11,2 % para PB, FDN, CT e MM, respetivamente. OLIVEIRA (2015) de maneira similar também não encontrou diferenças na composição bromatológica do capim-mombaça. O consumo de matéria seca em kg/dia (CMS) dos animais alimentados com a ração controle (RC), contendo o farelo de soja, foi menor quando comparado aos animais alimentados com soja integral (SI) e soja desativada (SD), que foram semelhantes entre si. Porém, o consumo expresso em percentagem de peso corpóreo e peso metabólico não diferiu entre os tratamentos (Tabela 3). A ingestão de proteína bruta (PB) não foi influenciada pelas dietas, indicando que o processamento da soja não interferiu na sua concentração proteica. O consumo de FDN foi superior nos animais que receberam soja integral (SI) e desativada (SD), sendo esse resultado consequência da maior quantidade de fibra dessas dietas. ANDRADE (2011) não observou diferenças entre a soja integral e a tostada para consumo de MS e FDN. VENTURELLI (2011) incluindo diferentes níveis de soja integral na alimentação de vacas leiteiras, também não observou diferença para consumo de MS e FDN, entre os níveis de inclusão. Consumo de gordura foi estatisticamente superior nos animais alimentados com grãos de soja integral (SI) e desativada (SD), sendo essa ingestão consequência do alto teor de ácidos graxos dessa leguminosa (Tabela 1). Nesse contexto, vale ressaltar a importância do uso da soja em grão para os ruminantes, pois além de ser mais barata,

quando comparado ao produto processado, os grãos integrais oferecem maior quantidade de nutrientes aos animais, possuindo gorduras naturalmente protegidas (GARCIA, 2005; CÔNSOLO, 2011), sendo melhor utilizadas via absorção em nível de intestino delgado; além de não sofrer o processo de rancificação dos grãos triturados. Em relação às substâncias antinutricionais, ruminantes adultos não são afetados pelas mesmas, devido a digestão inicial feita pelos microrganismos do rúmen (BONNECARRÈRE SANCHEZ e GONÇALVES, 1995). A eficiência alimentar, determinada em função da ingestão de alimentos em relação a produção de leite, não foi influenciada pelas dietas. Tabela 3. Consumos diários, na matéria seca, e eficiência alimentar (produção de leite/consumo) de acordo com os tratamentos Ração Controle (RC), Soja Integral (SI) e Soja Desativada (SD). p-valor Parâmetros¹,² RC SI SD CMS - kg/dia 11,19b 12,46a 11,71a 0,0132 CPC - %PC 3,36a 3,62a 3,45a 0,1554 CPM - g/kgPC0,75 145,32a 153,01a 145,73a 0,0812 CPB - kg/dia 1,68a 1,93a 1,84a <0,0001 CFDN - kg/dia 4,68b 5,89a 5,16a 0,0003 CG- kg/dia 0,17b 1,03a 0,96a <0,0001 EA 0,591a 0,511a 0,570a 0,1191 ¹ Consumos de matéria seca, expresso em kg/dia (CMS), em percentagem do peso corpóreo (CPC) e em função do peso metabólico (CPM), de proteína bruta (CPB), fibra em detergente neutro (CFDN), gordura (CG) e eficiência alimentar (EA). ² Diferenças significativas ao nível de 5% de probabilidade, de acordo com o teste de Tukey.

Na Tabela 4 podem ser visualizados os dados referentes a digestibilidade das dietas. Para as variáveis matéria seca (MS), carboidratos totais (CT) e matéria mineral, não houve diferença entre os tratamentos. No entanto, a digestibilidade da proteína bruta (PB), dos carboidratos não fibrosos (CNF) e da gordura foram superiores para os animais alimentados com soja integral (SI) e soja desativada (SD). A menor digestibilidade da PB no tratamento controle (RC), contendo farelo de soja, pode ser consequência do processamento térmico intenso que a soja sofre no procedimento de extração do óleo, podendo assim afetar a disponibilidade da proteína para a utilização ruminal e absorção intestinal, ou seja, há uma menor quantidade de proteína efetivamente disponível para ser digerida. Já a menor digestibilidade da gordura 18


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do tratamento RC está relacionada ao seu menor conteúdo de óleo, com média de 3,1%, contra 19,7 e 18,9% das dietas SI e SD, respectivamente. A digestibilidade da fibra em detergente neutro (FDN) e fibra em detergente ácido (FDA) foram superiores para os animais que receberam farelo de soja no tratamento controle (RC), sendo este resultado consequência da maior disponibilidade de amônia ruminal favorecendo as bactérias fermentadoras de fibra. É notório que os grãos de soja integral ou desativado possuem maiores quantidade de nutrientes digestíveis totais (NDT) em relação ao farelo de soja tostado (tratamento controle), principalmente, por este último ser um subproduto da extração do óleo. Nesse sentido, neste ensaio observou-se um maior valor nas concentrações de NDT e Energia Digestível (ED), nas dietas contendo soja integral e soja desativada. VENTURELLI (2011) também observou aumento no teor de NDT, à medida que aumentou a inclusão de grão integral na dieta de vacas leiteiras.

maior aporte de ácidos graxos absorvidos no intestino delgado e disponibilizados para a capitação pela glândula mamaria (Tabela 5).

Tabela 4. Coeficientes de digestibilidade em função dos tratamentos Ração Controle (RC), Soja Integral (SI) e Soja Desativada (SD).

OLIVEIRA (2015) ao suplementar vacas da raça Pantaneira, de segunda ordem de lactação, com farinha de bocaiuva, um alimento com alto teor de gordura, também não encontrou diferenças na produção de leite, no entanto, observou alterações positivas na porcentagem de gordura do leite. BIAZOLLI (2014); LOPES (2014) ao fornecerem dietas contendo níveis crescentes de rações concentradas, a base de farelo de soja tostado, a novilhas Pantaneiras, mantidas em regime de pastoreio e confinamento, respectivamente, verificaram correlações positivas e negativas para a produção e teor de gordura do leite, com a elevação da quantidade de concentrado nas dietas. Por outro lado, ANDRADE (2011) ao trabalhar com vacas leiteiras da raça Girolando observou maior produção de leite e leite corrigido ao utilizar farelo de soja tostado, quando comparado com a soja integral; não sendo notificada diferenças na composição físico-química do leite, com teores médios de proteína, gordura, lactose de 2,75, 3,14 e 4,53%, respectivamente, valores estes inferiores aos encontrados neste experimento. VENTURELLI (2011) ao incluir 9, 18 e 27% de grão de soja integral na alimentação de vacas leiteiras, observou efeito linear decrescente para produção de leite, bem como nos teores de proteína e lactose. Já a porcentagem de gordura elevou-se significativamente com o nível de inclusão da soja integral.

Parâmetro¹,³ RC SI SD p-valor DMS - % 67,58a 68,01a 67,92a 0,4337 DPB - % 57,78b 60,61a 59,56a <0,0001 DFDN - % 68,85a 63,65b 63,36b <0,0001 DFDA - % 57,12a 54,39b 54,66b <0,0001 DCT - % 68,27a 67,48a 67,52a 0,1762 DCNF - % 48,32b 56,18a 53,12a 0,0213 DG - % 81,60b 88,76a 89,85a 0,0016 DMM - % 18,63a 18,85a 18,94a 0,0606 NDT - % 57,07b 71,83a 70,44a <0,0001 ED - kcal/gMS² 2,51b 3,16a 3,10b <0,0001 ¹ Digestibilidade da matéria seca (DMS), proteína bruta (DPB), fibra em detergente neutro (DFDN), fibra em detergente ácido (DFDA), carboidratos totais (DCT), carboidratos não fibrosos (DCNF), gordura (DG) e matéria mineral (DMM). ² Nutrientes Digestíveis Totais (NDT) e Energia Digestível (ED): (%NDT/100) * 4,409, segundo NRC (2001). ³ Diferenças significativas ao nível de 5% de probabilidade, de acordo com o teste de Tukey.

Neste ensaio, a produção total de leite e produção corrigida para 3,5% de gordura, não foram influenciadas pelos tratamentos. Na composição físico-química do leite também não houve diferença para proteína, lactose e sólidos não gordurosos; bem como para o pH e condutividade. Todavia, a porcentagem de gordura foi maior no leite dos animais que receberam soja integral e soja desativada, sendo este resultado consequência do

Tabela 5. Produção e qualidade físico-química do leite de acordo os tratamentos Ração Controle (RC), Soja Integral (SI) e Soja Desativada (SD). Variáveis PL total - kg PLCG - kg

RC 6,39a 6,88a

SI 6,31a 6,96a

SD 6,68a 7,40a

p-valor 0,4302 0,2328

Proteína %

3,77a

3,83a

3,81a

0,5537

Gordura %

3,78b

4,12a

4,17a

<0,0001

Lactose %

6,18a

6,38a

6,12a

0,0838

SNG %

14,87a

15,18a

14,93a

0,0635

pH

6,93a

6,95a

6,99a

0,7528

Condutividade

4,58a

4,60a

4,61a

0,9701

¹ PL total = Produção de leite total; PLCG = Produção de Leite Corrigida para 3,5% de Gordura, segundo Evans et al. (1993); SNG = sólidos não gordurosos. ² Diferenças significativas ao nível de 5% de probabilidade, de acordo com o teste de Tukey.

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Na Tabela 6 são apresentados os dados acerca dos níveis plasmáticos de glicose e ureia e na perda de nitrogênio urinário, não sendo observada nenhuma influência dos tratamentos nos parâmetros avaliados. Segundo KANEKO, HARVEY, e BRUSS, (1997), os valores de glicose considerados normais para bovinos, variam de 45,00 a 75,00 mg/dL, estando, portanto, coerente com os observados neste ensaio. BARLETTA et al. (2012) ao alimentarem vacas leiteiras com grão de soja também não verificaram mudanças nas concentrações sanguíneas de glicose, obtendo média de 64,57 mg/dl de glicose em função dos tratamentos.

Conclusões O consumo, a digestibilidade e a produção de leite não foram influenciadas pelo processamento dos grãos de soja, havendo, no entanto, um maior teor de gordura no leite dos animais alimentados com soja integral e soja desativada em relação ao grupo controle. Indicando, portanto, a maior viabilidade do uso da soja crua aos ruminantes, tendo em vista o menor custo, já que não há gasto com o processamento do produto; e nem efeitos prejudiciais ocasionados pelos fatores antinutricionais.

Tabela 6. Níveis plasmáticos de glicose e ureia, perda de ureia e nitrogênio urinário em função dos tratamentos Ração Controle (RC), Soja Integral (SI) e Soja Desativada (SD). Variáveis Glicose (mg/dL) Ureia (mg/dL) Perda Ureia (g/dia) Perda Ureia (mg/kgPC) Perda Nitrogênio (mg/kgPC)

SI 55,4a 30,4a 160,5a 458,4a 213,6a

FST 55,5a 29,7a 155,5a 467,9a 218,1a

SD 51,9a 29,6a 150,5a 438,1a 204,2b

p-valor 0,08 0,73 0,42 0,43 0,43

Segundo VALADARES et al. (1999) a perda de ureia urinária está diretamente relacionada com o metabolismo de substâncias nitrogenadas. Assim, neste ensaio, como não houve diferença na concentração de ureia sanguínea, a excreção de nitrogênio urinário também não foi influenciada pelos tratamentos. Referências ANDRADE, V.R. Diferentes processamentos da soja na dieta de vacas F1, em pastagem de capim braquiária. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Minas Gerais, 2011. 44p. BARLETTA, R.V. et al. Desempenho produtivo e parâmetros sanguíneos de vacas leiteiras alimentadas com diferentes níveis de grão de soja cru e integral nas rações. Archivos de Zootecnia, v.61, p.483-492, 2012. BIAZOLLI, W. Potencial leiteiro de vacas primíparas da raça Pantaneira mantidas em regime de pastejo com diferentes níveis de concentrado. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Grande Dourados, MS, Brasil. 2014. 80p. BONNECARRÈRE SANCHEZ, L.M.; GONÇALVES, M.B.F. Alimentos para bovinos. In: Curso sobre Confinamento de Bovinos de Corte. Caderno Técnico, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, p.35, 1995 CAMILO, F.R. Soja desativada em dietas com diferentes proporções de concentrado para terminação de cordeiros confinados. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Grande Dourados, Mato Grosso do Sul. 2012. 84p. CÔNSOLO, N.R.B. Utilização do grão de soja cru integral na dieta de bovinos de corte confinados. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2011. 121p.

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COOPERALFA COOPERATIVA REGIONAL ALFA. Soja <https://www.cooperalfa.com.br/soja-desativada> Acesso em 17 maio 2022.

Desativada.

Disponível

em:

CRAIG, W.M. et al. In vitro inoculum enriched with particle-associated microorganisms for determining rates of fiber digestion and protein degradation. Journal of Dairy Science, v.67, n.12, p.2902-2909, 1984. EVANS, E.H.; YORSTON, S.A.; BINNENDYK, D.V. Numerous factors affect milk protein percentage. Feedstuffs, v.65, n.15, p.14-21, 1993. GARCIA, W.R. Processamento da soja grão e do caroço de algodão em dietas de vacas leiteiras. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, 2005. 104p. KANEKO, J.J.; HARVEY, J.W.; BRUSS, M.L. Clinical Biochemistry of Domestic Animals. 5.ed. San Diego: Academic Press, 1997. 932p. LIMA, M.L.P. et al. Vacas leiteiras mantidas em rotacionado de capim elefante guaçu e capim tanzânia: produção e composição do leite. Pesquisa e Tecnologia, v.4, n.1, p.67-75, 2007. LIMA, C.B. et al. Fatores antinutricionais e processamento do grão de soja para a alimentação animal. ACSA – Agropecuária Científica no Semiárido, v.10, n.4, p.24-33, 2014. LOPES, R.T. Potencial leiteiro de vacas primíparas da raça Pantaneira mantidas em regime de confinamento e alimentadas com diferentes níveis de concentrado. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. 2014. 56p. OLIVEIRA, N.C. Potencial leiteiro de vacas da raça Pantaneira mantidas em regime de pastoreio e suplementadas com farinha de bocaiuva (Acrocomia aculeata). Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, MS, Brasil. 2015. 63p. RENNÓ, L.N. et al. Níveis de ureia na ração de novilhos de quatro grupos genéticos: parâmetros ruminais, ureia plasmática e excreções de ureia e creatinina. Revista Brasileira de Zootecnia, v.37, n.3, p.556-562, 2008. Statistical Analysis System (S.A.S.). User’s Guide SAS/STAT. Version 8, 6th Edition, SAS Institute, Cary, 2002. THIAGO, L.R.L.S.; SILVA, J.M. Soja na Alimentação de Bovinos. Circular Técnica n° 31 - EMBRAPA Gado de Corte, Campo Grande - MS, p.6, 2003. VALADARES, R.F.D. et al. Effect of replacing alfalfa silage with high moisture corn on ruminal protein synthesis estimated from excretion of total purine derivatives. Journal of Dairy Science, v.82, n.11, p.2686-2696, 1999. VALADARES FILHO, S.C.; MAGALHÃES, K.A.; ROCHA JUNIOR, V.R. Tabelas Brasileiras de Composição de Alimentos para Bovinos. Universidade Federal de Viçosa, Viçosa - MG. 2010. 239p. VENTURELLI, B.C. Grão de soja cru e integral na alimentação de vacas leiterias no terço final de lactação. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. SP, Brasil. 2011. 105p.

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IV - Artigos de Opinião

Bovino Pantaneiro: o melhor do Pantanal traduzido em pecuária, cultura, tradição e biodiversidade Raquel Soares Juliano1, Andrea Alves do Egito2, Flavia Accetturi Szukala Araujo3, Marcus Antônio Ruiz4 Resumo O Pantanal é o cenário ideal para ações de conservação e uso da biodiversidade local, num contexto que inclui história, povos originários, guerra, turismo, agropecuária, gastronomia e beleza natural. Contudo, é surpreendente que o tema abordado nesse artigo seja um histórico do esforço para salvar da extinção uma raça de bovino. São abordados superficialmente alguns aspectos teóricos e conceituais, mas a expectativa é que a leitura do texto traga ao conhecimento do leitor, como evoluíram as ações para o resgate e conservação dessa raça, iniciadas na década de 1980 e como vêm sendo construídas, entre instituições diversas e criadores, as estratégias para fortalecer e valorizar esse patrimônio brasileiro. Palavras-chave: Raças locais; conservação in situ; recurso genético animal; adaptabilidade; valor agregado; sustentabilidade Abstract The Pantanal is the ideal setting for conservation actions and the use of local biodiversity, in a context that includes history, indigenous peoples, war, tourism, agriculture, gastronomy and nature. However, it is surprising that the topic addressed in this article is a history of the effort to save a cattle breed from extinction. Some theoretical and conceptual aspects are superficially addressed, but the expectation is that the text will bring to the reader's knowledge how the actions for the rescue and conservation of this breed, started in the 1980s, have evolved and how they have been built, among different institutions and creators, strategies to strengthen and enhance this Brazilian heritage. Keywords: Local breeds; in situ conservation; animal genetic resource; adaptability; added value; sustainability

1

Embrapa Pantanal, Rua 21 de setembro, 1880, 79320900, Corumbá, MS, Brasil, raquel.juliano@embrapa.br

2

Embrapa Gado de Corte, Av. Rádio Maia, 830, 79106-550, Campo Grande, MS, Brasil, andrea.egito@embrapa.br

3

WWF-Brasil, R. Padre João Crippa, 766, 79008-451, Campo Grande, MS, Brasil, flaviaaraujo@wwf.org.br Fazenda São Marcos, Rodovia MS382, Guia Lopes da Laguna, MS, Brasil, marcus.ruiz@uol.com.br

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O Pantanal é um universo natural; a maior planície inundável do mundo, com área distribuída no Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai. No Brasil, a planície pantaneira ocupa uma área de 138.183 km 2, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, sendo dividida em 11 sub-regiões (Figura 1) que apresentam peculiaridades determinantes e fundamentais para a ecologia da fauna, flora, uso e ocupação do território e sistemas produtivos agropecuários (SILVA e ABDON, 1998; ADÁMOLI, 2000). A complexidade desse sistema ecológico, que está relacionada principalmente ao pulso de inundação, se reflete numa diversidade de habitats que caracterizam suas sub-regiões, interferindo diretamente na disponibilidade de alimento para os animais, além dos processos de ocupação, adaptação e conservação in situ dos recursos genéticos animais (RGAs). A título de informação, definimos RGAs como sendo aquelas espécies com potencial de uso para produção de alimentos, dentro de um contexto histórico, cultural, socioeconômico e ambiental. O risco de perda desses recursos, suscitam ações que garantam sua manutenção e disponibilidade para uso de gerações futuras, daí a denominação de: programas de conservação de RGAs. A conservação in situ trata do desenvolvimento dessas atividades no habitat onde originalmente estas populações sofreram seus processos adaptativos (PAIVA et al., 2019).

Figura 1. Sub-regiões do Pantanal brasileiro. Fonte: SILVA e ABDON, 1998

As raças de animais domésticos localmente adaptadas ao Pantanal brasileiro, apesar das suas particularidades, têm um histórico comum, pois descendem de animais vindos da península Ibérica, trazidos pelos colonizadores, principalmente em expedições de Espanha, na primeira metade do século XVI, que atravessavam essa região e seguiam os caminhos que levavam ao Peru, a procura de minas de ouro e prata. Os animais eram fonte de alimento e força e trabalho, por isso acompanhavam os desbravadores. Houve muitos embates com indígenas nesse período e muitas expedições fracassaram e deixaram livres seus animais, que se adaptaram e proliferaram naturalmente nos campos da planície pantaneira (MARIANTE e CAVALCANTE, 2006). São identificados como RGAs do Pantanal: o Bovino Pantaneiro, o Cavalo Pantaneiro, o Ovino Pantaneiro e o Porco Monteiro. Todos esses foram inseridos em atividades de pesquisa e conservação em diferentes momentos, a partir 1983, quando o Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa (Cenargen), que até 23


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então possuía projetos envolvendo apenas a conservação de espécies vegetais, incluiu na sua programação de pesquisa a Conservação de Recursos Genéticos Animais, realizando a identificação de populações em risco, caracterização genética e fenotípica, a identificação de potencialidades para o uso, a implantação de núcleos de conservação in situ e o armazenamento de germoplasma (EGITO et al., 2002). A ausência de risco de extinção, a seleção e melhoramento dessas raças com a manutenção de variabilidade genética e a inserção dessas raças em sistemas produtivos economicamente viáveis é o cenário pretendido por todos que se dedicam ao trabalho de conservação de RGAs no Pantanal. Entretanto, o êxito em cada etapa para alcançar esses objetivos depende de uma variedade de fatores que vão além das características intrínsecas dos animais. É possível citar: recursos humanos e financeiros; aceitação de mercado consumidor; infraestrutura, interesse e envolvimento da cadeia produtiva; gestão, governança e políticas públicas, entre outros. Por isso, pretende-se caracterizar o Bovino Pantaneiro sobre os diferentes d aspectos que interferiram no seu processo de conservação: O Bovino Pantanerio descende de animais ibéricos, trazidos nas expedições dos primeiros colonizadores. De acordo com as referências descritas por MAZZA et al (1994) a raça foi formada a partir de cruzamentos aleatórios de raças espanholas (Arouquesa, Berrenda Negra/Vermelha, Negra Andaluza, Retinta, Rubia Gallega) e portuguesas (Alentejana, Algarvia, Barrosa, Mertolenga, Minhota, Mirandesa). São animais fortes, com tamanho mediano, chifres longos e pelagem de coloração diversificada (Figura 2).

Figura 2. Diversidade de pelagens em animais da raça Bovino Pantaneiro. Fonte: ABCBP/Embrapa Pantanal

A presença desses animais nessa região é anterior ao desenvolvimento da atividade pecuária, propriamente dita, pois já habitavam as pastagens nativas desde o período colonial, mantendo-se em rebanhos de vida livre. A presença 24


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humana na planície pantaneira, nessa época, consistia em pequenos povoados ao redor de fortificações militares e missões jesuítas, além de aldeamentos indígenas. O gado era criado para subsistência, pequena atividade comercial e troca entre as populações fronteiriças. A atividade pecuária iniciou-se na primeira metade do século XIX, com o término do ciclo do ouro em Cuiabá e a migração de famílias para abrir as fazendas no Pantanal. Em virtude das inundações cíclicas, características dessa região, houve necessidade de ocupar extensas áreas, inclusive no planalto, de forma a garantir abrigo e alimento para os animais, no período de cheias (TRUBILIANO, 2014). Após a Guerra do Paraguai (1864-1870), as relações comerciais expandiram-se principalmente no Sul da Provincia de Mato Grosso, houve instalação de saladeiros e o charque era exportado para Argentina, Uruguai e países da Europa. O gado magro em pé seguia em comitivas para ser engordado e abatido em Minas Gerais e São Paulo e por isso a necessidade de animais fortes e resistentes. Esse modelo de cadeia produtiva permaneceu até a década de 1960, mesmo com a instalação da ferrovia Noroeste do Brasil (TRUBILIANO, 2014). Esses animais protagonizaram a produção de couro e carne até meados do século XX. A população de Bovino Pantaneiro sofreu um forte processo de erosão genética, fruto do cruzamento com touros de outras raças, especialmente da raça Nelore, resultando em acentuado risco de extinção (MAZZA et al., 1994; MARIANTE e CAVALCANTE, 2006). Em 1984 foi criado o Núcleo de Conservação do Bovino Pantaneiro, na Fazenda Nhumirim, pertencente à Embrapa Pantanal (Corumbá-MS). Ao longo do tempo pesquisadores de diferentes instituições trabalharam para conhecer melhor esses animais e seu potencial de uso em diferentes modelos pecuários, como oportunidade para produtores rurais que tivessem interesse em criar essa raça. Até 2009, havia o rebanho da Embrapa Pantanal e da Fazenda Promissão em PoconéMT. Nesse mesmo ano a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em Aquidauana-MS, adquiriu suas primeiras bezerras, vindas da Fazenda Nhumirim, e deu início a criação do Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros de Aquidauana (Nubopan), com pesquisas direcionadas, principalmente, ao aspecto desconhecido da aptidão da raça para produção leiteira. Além disso, um criador tradicional de Guia Lopes da Laguna-MS, proprietário da Fazenda São Marcos, apresentou animais que vinham sendo utilizados para a produção de leite desde 1975, com um histórico maravilhoso de herança de tradições. Em 2009 foi realizada a parceria com a Fundação Pantanal Holding, que trabalhava com conservação de onças pintadas na região de Porto Jofre-MT. Havia interesse em implantar um novo criatório de Bovino Pantaneiro como alternativa para minimizar conflitos de convivência com predadores, baseado no anedotário popular de que esses animais possuíam um comportamento grupal de proteção (MARQUES JUNIOR, JULIANO e ABDO, 2012). Esse rebanho foi a base da criação atual da Estância Dois Irmãos (Rio Negro-MS), que vem fazendo um trabalho pioneiro de seleção de animais com potencial para melhoramento da produção de carne de qualidade diferenciada. Os recursos para fomento em pesquisa e desenvolvimento foram reforçados com a organização da Rede Pró-CentroOeste “Caracterização, Conservação e Uso das Raças Bovinas Locais Brasileiras: Curraleiro e Pantaneiro”, de 2010 a 2018. A estratégia de trabalhar as duas raças e oficializar a parceria das instituições, que anteriormente atuavam em projetos pulverizados, teve como resultados positivos um maior volume de informações sobre temas de interesse para a conservação e uso desses RGAs e principalmente a formação de recursos humanos nos programas de pós-graduação, atingindo objetivos importantes de mobilização das equipes, visibilidade da pesquisa, sensibilização e capacitação de novos profissionais para atuarem nessa área. Entretanto a Rede Pro Centro Oeste, foi descontinuada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). As equipes de pesquisa foram fortalecidas com a parceria dos criadores e em 2013 foi criada a Associação Brasileira de Criadores de Bovino Pantaneiro (ABCBP), com a finalidade de valorizar e divulgar as qualidades da raça, incentivando a implantação de novos criatórios e regulamentando as questões relacionadas ao padrão racial e o registro do Bovino Pantaneiro junto ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Atualmente a ABCBP possui 24 associados, criadores da raça, estimando existir aproximadamente 2700 animais Bovinos Pantaneiros, em diferentes estágios de conservação genética, criados em propriedades localizadas no Pantanal e planalto de MS e MT. O projeto financiado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), coordenado pela UEMS, foi fundamental no resgate de animais em rebanhos desconhecidos que possuíam animais com fenótipos e históricos compatíveis com o Bovino Pantaneiro. 25


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As perspectivas em relação ao Bovino Pantaneiro são promissoras. Sua característica de adaptação ao calor (SANTOS et al., 2005) garante condições de bem-estar para a produção de leite com alto teor de gordura (OLIVEIRABROCHADO et al., 2018) e carme com características desejáveis de maciez e suculência (BARBOSA, 2021). Entretanto, é preciso reforçar que o fato de serem animais mais rústicos, não significa que as boas práticas de produção agropecuária devam ser abandonadas. SOLA et al. (2020) descreveram que o leite de animais dessa raça, criados extensivamente, apresentou condições microbiológicas adequadas, mas, alertaram para a necessidade de capacitar a mão de obra para a melhoria das condições de higiene na ordenha. O Bovino Pantaneiro produz carne e leite com qualidade diferenciada, mesmo sem ter sido selecionado para isso ou fazer parte de programas de melhoramento genético. EGITO et al. (2015) referenciaram pesquisas que indicaram a presença de alelos favoráveis em genes de interesse para a seleção de animais, por meio de ferramentas moleculares, na formação de linhagens produtoras de leite e carne. A utilização de touros selecionados em cruzamentos com diferentes raças e a produção de raças compostas é uma alternativa que vem sendo testada com a raça Curraleiro Pé-Duro (CARVALHO, 2019). A carne do Bovino Pantaneiro tem potencial de atender às exigências do mercado consumidor e agregar valor ao produto por meio de selos e certificações. Entretanto, as pesquisas detectaram que o consumidor necessita conhecer melhor sobre as raças locais e os processos envolvidos na sua conservação para produção de alimentos de qualidade (MORAES et al., 2016). A participação das raças taurinas adaptadas do Brasil e a expressão das suas características na qualidade do rebanho Nelore foi pouco considerada pelos criadores. Os primeiros produtos dos cruzamentos de touros zebus em vacas pantaneiras eram animais melhores, possivelmente em função da heterose, mas esse melhor desempenho foi atribuído somente à genética da raça Nelore, o que pode ter motivado uma rejeição em relação ao Bovino Pantaneiro, dificultando a sua inclusão em sistemas produtivos. A estratégia de reforçar a divulgação das qualidades desse RGA, tende a desfazer esse pré-conceito. O cruzamento com raças zebuínas ou a formação de raças compostas, sem um criterioso planejamento de conservação dos rebanhos de Bovino Pantaneiro pode refletir em perda de variabilidade genética, inclusive como consequência do processo de seleção e melhoramento na pequena população. Tais fatos seriam um risco para a sobrevivência da raça e, nesse contexto, a utilização de raças localmente adaptadas a áreas úmidas tropicais, com similaridade genética, pode ser uma opção para evitar a sua extinção. O Bovino Pantaneiro tem identidade com a cultura pantaneira, se relaciona historicamente e ecologicamente com a região, está presente na música, na poesia e na memória gastronômica de pessoas que construíram suas tradições fazendo queijo Nicola, que é ingrediente da sopa paraguaia, da chipa e o acompanhamento perfeito para o doce de leite. Sua carne saborosa é especial para o churrasco ou carne “soleada”, utilizada na culinária local no preparo de macarrão de comitiva, arroz carreteiro e paçoca. No Pantanal Sul, a bebida típica para aliviar o calor e animar o corpo é o tereré, infusão fria de erva mate, servida em uma guampa feita de chifre de bovino; com o chifre também se faz o berrante que ajuda a conduzir o gado. A pele espessa e macia do Bovino Pantaneiro dá um couro resistente e flexível, depois de curtido pelo método tradicional, com casca da árvore do angico. Com o couro se trança laço de doze tentos, se faz a calça de couro, o alforge, e a tralha de montaria para o peão trabalhar no campo Tais afirmativas corroboram FELIX et al. (2013), observando que as estratégias de conservação para que o Bovino Pantaneiro deixe o status de risco de extinção incluem o seu uso em diferentes sistemas produtivos pois há um alinhamento com demandas importantes para o Pantanal brasileiro e as comunidades locais, tais como: sistemas produtivos pecuários multifuncionais ou sustentáveis (orgânico ou agroecológico), cadeias produtivas relacionadas ao agroecoturismo, turismo histórico e gastronômico ou comercialização de produtos com valor agregado por meio de certificações. Neste sentido, em 2021, a ABCBP, com apoio do WWF-Brasil e alinhado com o Nuboban e a Embrapa Pantanal, trabalhou em seu planejamento estratégico, com a revisão da missão, princípios e estratégias para o impulsionamento da raça e transformação da criação do Bovino Pantaneiro em um produto economicamente viável. Em seu plano de negócios, o material orienta a associação na tomada de decisões estratégicas para uma gestão empresarial consciente, com olhares para o futuro, considerando fatores de risco de mercado. Desta forma, verifica-se que há empenho do produtor e os atores

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envolvidos com PD&I no grande desafio relacionado a construção de cadeias produtivas plurais que viabilizem esse modelo de sistema produtivo que utiliza o Bovino Pantaneiro, colaborando com a sua conservação. Em conclusão, é possível afirmar que o processo de conservação e uso do Bovino Pantaneiro vem sendo conduzido lentamente e em equipe, na expectativa que esse esforço coletivo inspire cada vez mais pessoas engajadas no sucesso dessa raça. Agradecimentos A todos que trabalham pelo reconhecimento das raças brasileiras como um recurso valioso, e se empenham para que eles não se estingam. Referências ADÁMOLI, J. Bases para uma política comum de conservação das terras úmidas do Pantanal e do Chaco. III Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócioeconômicos do Pantanal, p.1-15, 2000. Disponível em: https://www.cpap.embrapa.br/agencia/congresso/Socio/ADAMOLI-91.pdf. Acesso em: 07, fev. 2021. BARBOSA, M.C.P. Qualidade de carcaça e da carne em bovinos Curraleiro Pé-Duro, Pantaneiro e Nelore. Tese. 139f. Doutorado em Ciência Animal. Universidade de Brasília. 2021. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/42570/1/2021_Ma%C3%ADradeCarvalhoPortoBarbosa.pdf. Acesso em 06 de janeiro de 2022. CARVALHO, G.M. Aspectos técnicos e científicos para a produção de bovinos compostos, tropicalmente adaptados, com o uso de recursos genéticos brasileiros. Embrapa Meio Norte, Comunicado Técnico 253, p.1-21, 2019. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/205520/1/Comunicado-253-AINFO.pdf. Acesso em: 27, fev. 2021. EGITO, A.A.; MARIANTE, A.S.; ALBUQUERQUE, M.S.M. Programa brasileiro de conservação de recursos genéticos animais. Archivos de zootecnia, v. 51, p. 39-52, 2002. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/198529/1/DialnetProgramaBrasileiroDeConservacaoDeRecursosG eneticos-279936.pdf. Acesso em: 10, fev. 2021. EGITO, A.A.; JULIANO, R.S.; FIORAVANTI, M.C. Ferramentas moleculares para a gestão, uso e conservação das raças Curraleiro Pé-Duro e Pantaneira. In: Simpósio internacional de raças nativas, 1., 2015, Teresina. Sustentabilidade e Propriedade Intelectual: anais. Piauí: SFA-PI, 2015. Disponível em: http://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/1025674. Acesso em: 27, fev. 2021. MARIANTE, A.S.; CAVALCANTE, N. Animals of the Discovery: domestic breeds in the history of Brazil, 2 ed. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. 274 p., 2006. MARQUES JÚNIOR, H.R.; JULIANO, R.S.; ABDO, Y. Bovino pantaneiro: retrospectiva histórica e fomento à raça. Experiência da parceria entre Embrapa Pantanal, Agropecuária Preservação da Fauna e Universidade Católica Dom Bosco. Multitemas, n.42, p.71-86, 2012. MAZZA, M.C.M.; MAZZA, C.A.S.; SERENO, J.R.B.; SANTOS, S.A.; PELLEGRIN, A.O. Etnobiologia e Conservação do Bovino Pantaneiro. Corumbá: Embrapa, 61p., 1994. Disponível em: http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/38666/1/Livro001.pdf. Acesso em: 07, fev. 2021. MORAES, A.S.; ALVES, F.V.; JULIANO, R.S.; FIORAVANTI, M.C.S.; LOPES, J.C.S.; LONGHI, E.H.; DUARTE JUNIOR, M.F.; TSUNEDA, P.P. Percepções de consumidores sobre carne bovina com indicação geográfica de raças locais brasileiras em Cuiabá-MT. Actas Iberoamericanas en Conservación Animal, v. 8, p. 46-54, 2016. OLIVEIRA-BROCHADO, N.C.; CHIODI, M.S.; SOUZA-CÁCERES, M.B.; ABREU, U.G.P.; LUZ, D.F.; SALLA, L.E.; OLIVEIRA, M.V.M. Potencial leiteiro de animais da raça Pantaneira na região do Alto Pantanal do Mato Grosso do Sul. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.70, n.2, p.644-648, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/abmvz/v70n2/1678-4162-abmvz-70-02-00644.pdf. Acesso em: 27, fev. 2021. PAIVA, S.R.; ALBUQUERQUE, M.S.M.; SALOMAO, A.N.; JOSE, S.C.B.R.; MOREIRA, J. D. A. Recursos genéticos: o produtor pergunta, a Embrapa responde. 2 ed. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Coleção 500 perguntas, 500 respostas. 298p., 2019. Disponível em: http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1118901. Acesso em: 07, fev. 2021. 27


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Nem só ex situ, nem só in situ/on farm: por uma conservação integrada da agrobiodiversidade Marília Lobo Burle1, Maria Aldete Justiniano da Fonseca2 A conservação da biodiversidade, que envolve a agrobiodiversidade, e a sociobiodiversidade. é de extrema importância para a sobrevivência da humanidade, já que é a fonte de praticamente tudo que precisamos para viver e sobreviver. Agrobiodiversidade se constitui na parcela dessa diversidade usada na agricultura, enquanto a sociobiodiversidade usa e maneja estes recursos junto com o conhecimento e cultura das populações tradicionais e agricultores familiares Por isso existe, em nível mundial, um compromisso sério não só com a conservação, mas também com o uso racional e sustentável dos recursos da biodiversidade. De modo geral, a conservação da biodiversidade e de seus recursos biológicos é realizada por meio de três estratégias: ex situ, in situ e on farm. De acordo com Paiva et al (2019): • A conservação ex situ é uma estratégia de conservação de componentes da biodiversidade ou de recursos genéticos animal, vegetal e microbiano fora de seu habitat natural, ou seja, sua manutenção é realizada em condições artificiais em de bancos de germoplasma vegetal, bancos de germoplasma animal e coleções de microrganismos. • A conservação in situ (que significa “no local”) aplica-se tanto à conservação da biodiversidade, quanto aos recursos genéticos associados, incluindo fatores culturais relacionados às populações humanas que fazem uso desses recursos. É o tipo de estratégia utilizada para a conservação de espécies de plantas, animais e microrganismos nos locais onde eles ocorrem, quer seja de forma espontânea na natureza (espécies nativas), quer seja nos locais onde se adaptaram sob influência humana, quando se trata de espécies domesticadas ou cultivadas. • A conservação on farm significa a conservação de plantas sob cultivo, ou criação de animais em seus locais de produção. Essa expressão, portanto, é utilizada para se referir à conservação da diversidade de seres vivos, de ambientes terrestres ou aquáticos, cultivados ou criados em diferentes estágios de domesticação. Por englobar espécies que sofreram ou sofrem algum grau de manipulação humana, a conservação on farm inclui fortemente o componente sociocultural das populações humanas que manejam tais espécies. Os trabalhos pioneiros de Nikolai Ivanovich Vavilov no início do século passado, realizando inúmeras expedições de coleta de germoplasma de espécies agrícolas em diferentes continentes, evidenciaram o despertar, no contexto internacional, sobre a importância dos estudos e da conservação dos recursos genéticos de culturas agrícolas. Vavilov foi, também, um dos proponentes dos conceitos de centros de origem/diversidade das culturas agrícolas. Mas, foi na década de 70, já em plena modernização da agricultura, que a comunidade científica internacional despertou para uma maior preocupação com a perda de diversidade dos cultivos e com a necessidade de ações governamentais de coleta e preservação de recursos genéticos das culturas agrícolas na forma ex situ, em bancos de germoplasma de instituições governamentais. Assim, em 1974, foi criado o Conselho Internacional para Recursos Genéticos Vegetais (International Board for Plant Genetic Resources – IBPGR), atual Bioversity International, com a função básica de promover a conservação ex situ e o uso de recursos genéticos vegetais, em uma agenda internacional. O Brasil, atento a esta questão de fundamental importância, criou dentro da Embrapa, também em 1974, o Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen), atualmente Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. 1

Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Caixa Postal 02372, CEP 70770-917, Brasília, DF, Brasil. E-mail: marilia.burle@embrapa.br

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Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Caixa Postal 02372, CEP 70770-917, Brasília, DF, Brasil. E-mail: aldete.fonseca@embrapa.br

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A conservação on farm, embora exista desde quando a agricultura teve início, entre 10 a 20 mil anos atrás, assim como a conservação in situ, passaram a ser reconhecidas e valorizadas internacionalmente na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Eco 92, com a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB, 1992), assinada e ratificada por 196 países, incluindo o Brasil. A CDB traz conceitos e objetivos bem claros e definidos em relação à conservação da diversidade biológica, utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos biológicos, e estes foram e permanecem como alicerces de outras inúmeras políticas e tratados internacionais e nacionais que surgiram desde então. Um desses compromissos internacionais estabelecidos é o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura, o TIRFAA, aprovado em novembro de 2001 e ratificado pelo Brasil em maio de 2006, e que tem como objetivos a conservação e uso sustentável dos recursos fitogenéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização. O Artigo 9 0 trata exclusivamente dos direitos dos agricultores, com o reconhecimento da contribuição que as comunidades locais e indígenas e os agricultores têm dado e continuarão a dar para a conservação e o desenvolvimento dos recursos fitogenéticos. Também preconiza o direito dos agricultores à proteção do conhecimento tradicional, o direito de participar na repartição de benefícios de forma equitativa e justa e na tomada de decisões, em nível nacional, sobre os assuntos relacionados à conservação e ao uso sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e agricultura. Nos artigos 5 0 e 60, diversas alíneas remetem à promoção e apoio à conservação in situ/on farm, à elaboração de políticas públicas que apoiem o tema e até ao fortalecimento da pesquisa que promova e conserve a diversidade biológica em benefício dos agricultores. Em nível nacional, as premissas e orientações da CDB estão atualmente regulamentadas pela Lei da Biodiversidade, número 13.123 de 20 de maio de 2015, composta por nove capítulos e 50 artigos que trazem importantes definições relacionadas ao acesso ao patrimônio genético brasileiro e ao conhecimento tradicional associado/repartição de benefícios, além de sanções administrativas e multas que podem ser geradas em descumprimento à lei. Sem dúvida, essa lei remete diretamente, também, ao apoio à conservação in situ e on farm dos recursos genéticos considerados patrimônio do Brasil. É de fundamental importância que todo brasileiro que tenha um envolvimento com bio (agro) (sócio) diversidade e/ou agricultores tradicionais, tenha conhecimento e domínio dessa lei. Assim, enquanto de início, apenas a conservação ex situ de recursos genéticos das culturas agrícolas foi incluída nas metas/compromissos internacionais dos países, chegamos a um período de reconhecimento, e até de priorização, da conservação in situ/on farm dos recursos fitogenéticos. Na ativa agenda da FAO/ONU voltada aos recursos genéticos, compromissos foram estabelecidos pelos países com o Segundo Plano Global de Ações para Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, os quais remetem diretamente ao tema da conservação in situ/on farm (FAO, 2012). Atendendo a esses compromissos, os levantamentos de estado da arte da conservação de recursos genéticos que os países regularmente precisam realizar contém inúmeras perguntas sobre a conservação in situ/on farm e sobre o uso sustentável dos recursos genéticos por agricultores e comunidades tradicionais, como pode-se constatar no recente relatório do Brasil (Abreu et al., 2022). Ainda, editais de financiamento internacionais no tema de recursos genéticos têm sido direcionados principalmente para a conservação in situ/on farm, como pode ser exemplificado na chamada do TIRFAA recém lançada (em maio de 2022), o 50 ciclo do “Benefit-sharing Fund (BSF-5)”, a qual foca nos benefícios que os recursos genéticos podem trazer aos agricultores, no suporte ao manejo on farm e in situ, nos intercâmbios entre agricultores, nas cadeias de produção de sementes locais e em uma ampliação do fluxo de recursos fitogenéticos das coleções ex situ para os agricultores e vice versa (https://www.fao.org/plant-treaty/areas-of-work/benefit-sharing-fund/fifth-cycle/en/). Ainda no contexto internacional, importante destacar também a agenda 2030 da ONU para o desenvolvimento sustentável já acordada, na qual o segundo objetivo, relacionado à segurança alimentar e agricultura sustentável, traz metas também muito relacionadas à conservação in situ/on farm e ao uso sustentável dos recursos genéticos por agricultores. Em relação à comparação entre as diferentes estratégias de conservação dos recursos genéticos ou biológicos (ex situ, on farm e in situ), mesmo que consideradas e trabalhadas isoladamente, pode-se afirmar que são igualmente importantes. Cada uma delas tem suas vantagens, mas também suas limitações, que na maioria dos casos, são minimizadas quando se utiliza uma das outras estratégias de forma complementar. Na Tabela 1 compilamos algumas vantagens, limitações e desafios dessas diferentes estratégias. Para exemplificar, a conservação ex situ pode representar maior segurança por um tempo que pode variar, curto, médio e longo prazo, a depender da estratégia utilizada e do objetivo. 30


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Coleções ativas são de uso mais imediato que pode ser o intercâmbio de germoplasma ou programas de melhoramento. No caso de sementes, a conservação é realizada em condições controladas de baixa temperatura e umidade, podendo manter sua viabilidade por longos períodos, quando corretamente monitoradas. Formas de conservação dirigidas para espécies de propagação vegetativa ou com sementes recalcitrantes incluem a conservação em campo e estratégias complementares como a conservação in vitro e a criopreservação, que possuem como vantagem adicional não estarem sujeitas aos estresses bióticos ou abióticos que existem na condição de campo. Mas, esse tipo de conservação traz também a grande limitação sobre os processos evolutivos, que são paralisados (seleção natural, seleção humana, migrações, mutações, hibridizações naturais). São esses processos que contribuem para a ampliação da variabilidade genética e para o aparecimento de tipos mais adaptados às condições ambientais em que são cultivados, condições essas que estão em constantes mudanças, por exemplo, as aceleradas mudanças climáticas, tão debatidas na atualidade. Essa limitação pode ser minimizada pela conservação on farm, pois os agricultores conservam uma diversidade de tipos (variedades) em sistemas tradicionais de cultivos ao longo dos anos e, assim, contribuem para o constante aparecimento de novos genótipos adaptados às condições locais adversas como altas temperaturas, déficit hídrico, baixa umidade do ar, solos salinos etc. Tabela 1. Vantagens, limitações e desafios da conservação ex situ, in situ e on farm Conservação ex situ

Conservação in situ

Conservação on farm

Vantagens Custo menor e centralizado (in vitro e criopreservação) Grande número de acessos em espaço mais reduzido Maior controle no manejo para manutenção Conservação de materiais genéticos de muitas procedências Facilidade de intercâmbio de material genético Maior segurança na conservação Proteção e manutenção da vida silvestre Conservação e manejo dos ecossistemas Melhores condições para a conservação de espécies silvestres Conservação dos polinizadores e dispersores de sementes das espécies vegetais Entrega outros serviços ambientais Promoção do uso sustentável Geração de renda para agricultores Manutenção dos processos evolutivos das espécies Traz implícito o uso direto e atual da agrobiodiversidade Aumento da segurança alimentar e nutricional Conservação e manejo dos agroecossistemas Conservação da agro-socio-biodiversidade Conservação dos polinizadores e dispersores de sementes das espécies vegetais Soberania dos agricultores em relação às suas sementes e mudas Geração de renda para agricultores Manutenção dos processos evolutivos das espécies Entrega outros serviços ambientais

Limitações e desafios Interrupção do processo evolutivo da espécie Custo alto com regeneração e multiplicação de materiais genéticos

Alto custo Necessidade de eficiente e constante manejo e monitoramento Necessidade de grandes áreas para a conservação Maior risco de perdas por desastres ambientais e climáticos

Riscos de perdas por alterações ambientais e outras pressões socioeconômicas Necessidade de organização social dos agricultores em conservação e manejo da agrobiodiversidade. Necessidade de gestão compartilhada e participava dos agricultores das suas casas de sementes. Necessidade de pesquisas apropriadas para esse tipo de conservação.

Acreditamos que, ao invés de se comparar as diferentes formas de conservação visando a escolha de uma única a ser financiada/implementada em determinada circunstância/país/região, deve-se reconhecer a importância da complementaridade e sinergia entre estes diferentes métodos de conservação e apoiar a implementação de uma estratégia 31


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integrada que contemple uma conexão, de fato, entre ações simultâneas de conservação ex situ, conservação on farm e in situ dos recursos biológicos. Abaixo, listamos uma série de benefícios advindos da integração e do uso simultâneo das diferentes formas de conservação dos recursos biológicos/genéticos: 1. A duplicação dos recursos biológicos em diferentes estratégias aumenta a segurança dos recursos da biodiversidade conservados, fortalecendo as diferentes formas de conservação. Por exemplo, as mesmas variedades tradicionais conservadas e manejadas on farm por uma comunidade tradicional estariam duplicadas em um banco de germoplasma de instituição pública. Dessa forma, caso uma variedade tradicional específica seja perdida em uma estratégia de conservação, ela estaria disponível em outra estratégia e poderia ser multiplicada e reintroduzida junto à forma de conservação na qual ela foi perdida. Exemplos desse tipo de fluxo/serviço são compilados em Burle e Dias (2014) e Dias et al. (2017). 2. A ampliação do acesso ao material dos bancos de germoplasma ex situ por parte dos agricultores que realizam a conservação on farm contribui efetivamente para a sensibilização da sociedade e do setor agrícola sobre a importância da manutenção dos bancos de germoplasma ex situ em instituições públicas; é importante que a sociedade perceba a relevância destes recursos estratégicos e vislumbre os benefícios diretos desse importante serviço de conservação para apoiar, de forma consciente, a manutenção destas coleções com recursos públicos. 3. O uso dos recursos genéticos conservados em coleções ex situ por agricultores que realizam a conservação in situ/on farm (fluxo do germoplasma entre as diferentes formas de conservação) contribui para ampliar a variabilidade genética do acervo manejado localmente e, mais importante, para o surgimento de materiais mais adaptados às mudanças ambientais em curso, por exemplo, as mudanças climáticas. Antunes et al. (2018) trazem exemplos desse contexto no Rio Grande do Sul. 4. A integração entre essas diferentes formas de conservação resulta em maior interação entre diferentes atores/segmentos envolvidos no tema da conservação. Especialmente, a maior interação entre a comunidade científica (curadores de bancos de germoplasma e pesquisadores) e os guardiões (agricultores tradicionais, agroextrativistas, experimentadores locais), contribui para que um segmento conheça as demandas e necessidades do outro, possibilitando uma construção coletiva e participativa do conhecimento e até um levantamento mais realista de demandas e alternativas técnicas viáveis e efetivas a serem implementadas. Experiências dessa natureza podem ser vistas em Fonseca & Bianchini (2019) e Fonseca Ferreira (2017). Assim, acreditamos que essa integração seja, de fato, muito promissora para a efetivação da inovação, podendo ainda gerar importantes impactos positivos nos níveis sociais, ambientais e econômicos. Importante destacar também o ambiente internacional, propício e demandante de uma maior integração entre as diferentes estratégias de conservação dos recursos biológicos e da agrobiodiversidade. No Brasil, um grande número de associações, organizações de agricultores, redes de guardiões, ONGs e até instituições públicas e privadas tem uma forte atuação na organização, apoio e realização per se da conservação in situ/on farm dos recursos fitogenéticos. Percebe-se, no entanto, que essa ativa agenda da sociedade civil ainda está pouco conectada com os estruturados sistemas de conservação ex situ em bancos de germoplasma institucionais. Em nossa opinião, uma maior conexão entre esses atores/setores constitui-se em excelente oportunidade para impulsionar a conservação e uso dos recursos da agrobiodiversidade. Ainda é importante salientar que, de forma geral, há uma empatia nacional, inclusive de consumidores no ambiente urbano, com temas como conservação da sociobiodiversidade, apoio às comunidades tradicionais e comunidades locais, responsabilidade social da produção, consumo de produtos locais, dentre outros, que remetem certamente à integração com a conservação in situ/on farm dos recursos biológicos. Por fim, propomos algumas ações e direcionamentos que, se adotados pelos atores do setor público afetos ao tema, contribuiriam para a implementação de estratégias mais completas, efetivas e com sinergias entre as diferentes formas tradicionais de conservação dos recursos biológicos: 1. Facilitação do fluxo do germoplasma de coleções ex situ de instituições públicas para as coleções locais (in situ/on farm, sob a tutela de guardiões ou agroextrativistas) inclusive, mas não somente, para a introdução e/ou reintrodução/repatriação de materiais nas comunidades tradicionais. 32


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2. Facilitação do serviço de depósito de cópias de segurança de variedades crioulas nas coleções ex situ de instituições públicas, inclusive com opções de “caixa preta”, nas quais o material só pode ser repassado a outros demandantes com a autorização do agricultor ou da comunidade guardiã. 3. Participação de representantes dos guardiões na gestão das coleções ex situ de instituições públicas (em comitês gestores, por exemplo), em consonância com o Artigo 9 0. do TIRFAA, que preconiza o direito dos agricultores de participarem nas tomadas de decisões relativas à conservação dos recursos fitogenéticos em nível nacional. 4. Incentivo/direcionamento para que as ações de conservação ex situ de instituições públicas estejam integradas com a conservação local, implementando, por exemplo, atividades de caracterização e avaliação dos acessos de forma conjunta nas condições ex situ e on farm. 5. Desenvolvimento de pesquisas participativas sobre técnicas de conservação e uso sustentável dos recursos da agrobiodiversidade, envolvendo de fato os guardiões locais/agricultores/extrativistas, além da comunidade técnica. 6. Ampliação das conexões e diálogos com os setores públicos locais (estaduais, municipais e federais), visando estimular, fortalecer e subsidiar tecnicamente políticas públicas direcionadas a um suporte efetivo da conservação da agrobiodiversidade, tanto na forma in situ/on farm, como em sua integração com a conservação ex situ. 7. Ações de sensibilização e capacitações/diálogos voltados ao tema, inclusive ações de bancos pedagógicos da agrobiodiversidade em escolas agrícolas (Costa et al., 2018); 8. Desenvolvimento de programas de seleção participativa que levem em conta, de fato, as necessidades e demandas dos agricultores (Fonseca, 2017; Fonseca et al., 2017).

Referências: ABREU, A.G.; PADUA, J.G. e BARBIERI, R.L. Conservação e uso de recursos genéticos vegetais para a alimentação e a agricultura no Brasil: 2012 a 2019. Brasília, DF. Embrapa. 112 pp., 2022. ANTUNES, I.F.; SILVA, P.M. da; FEIJÓ, C.T.; BEVILAQUA, G.A.P.; NORONHA, A.D.H.; ALBUQUERQUE, T.S; MARTHA, A.L.M. e PINHEIRO, R. Sementes crioulas, agrobiodiversidade e agroecologia. Cadernos de Agroecologia – Anais do VI CLAA, X CBA e V SEMDF. Vol. 13, N. 1, 2018. BURLE, M.L e DIAS, T.A.B. Ampliando a abertura dos bancos de germoplasma da Embrapa: experiências e atividades em andamento. Cadernos de Agroecologia, vol. 9, n.3. 2014. CDB, Convention on Biological Diversity. Disponível em http:// www.cbd.int. COSTA, T. da; MARTINS, D. R. P. S.; GUIRRA, B. S.; FONSECA, M. A. J. da; SILVA, A. C. da; BIANCHINI, P. C. Banco Pedagógico da Agrobiodiversidade. Cadernos de Agroecologia, Anais do VI CLAA, X CBA e V SEMDF, v. 13, n. 1, p. 1 – 7, jul. 2018, https://cadernos.aba-agroecologia.org.br/cadernos/article/view/826 DIAS, T.A.B.; EDIT, J.S. e UDRY, C. Eds. Técnicas. Diálogos de saberes: relatos da Embrapa. Brasília. Embrapa, 2017. 623 pp. (Coleção Povos e Comunidades Tradicionais, volume 2). FAO. Second Global Plan of Action for Plant Genetic Resources for Food and Agriculture. Rome 91 pp., 2012 FAO. International Treaty for Plant Genetic Resources for Food and Agriculture. The Benefit-sharing Fund. Call for proposals for the 5th funding cycle. https://www.fao.org/plant-treaty/areas-of-work/benefit-sharing-fund/fifthcycle/en/. Acesso em 24/05/2022. FONSECA FERREIRA, M. A. J. da. Agrobiodiversidade em comunidades rurais do semiárido brasileiro - Diálogos de saberes: relatos da Embrapa. In: Terezinha Dias; Jane Simoni Edit; Consolacion Udry. (Org.). Coleção Povos e Comunidades Tradicionais. 2ed. Brasília: Embrapa, 2017, v. 2, p. 600-630.

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FONSECA, M. A. Ferramentas para o melhoramento participativo de cultivos. In: Congresso Latino-Americano de Agroecologia, 2017, Brasília. Anais do Congresso Latino-Americano de Agroecologia. Rio de Janeiro: Revista Cadernos de Agroecologia, 2017. v. 1. p. 300-307. FONSECA, M. A. J. da; BIANCHINI, P. C. Conservação local e uso da agrobiodiversidade vegetal. In: MELO, R. F de, VOLTOLINI, T. V. (Org.). Agricultura familiar dependente de chuva no Semiárido. 01Ed. Brasília: Embrapa, 2019, v. 01, p. 129-172. FONSECA, M. A.; FLORENTINO, A.; BIANCHINI, P. C. Ferramentas participativas para seleção de variedades com agricultores familiares. Extramuros, Petrolina-PE, v. 5, n. 2, p. 125-137, 2017. PAIVA, S. R. et al. Recursos Genéticos: o produtor pergunta, a Embrapa responde. Brasília: Embrapa, 2019.

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Mercado Crioulo Dax Faulstich Diniz Reis1 Como seria Você imagina como seria a vida aqui na Terra se os nossos sistemas de produção de alimentos fossem baseados nos princípios que regem o funcionamento da natureza? Olhando para o presente trago a seguinte reflexão: o que precisa estar acontecendo agora para que isto faça parte do nosso futuro? A vida se desenvolve espontaneamente a partir de sistemas mais simples em sucessivas interações, formando configurações mais complexas a cada novo ciclo. Com o nosso conhecimento sobre os diferentes biomas do planeta nós podemos projetar sistemas produtivos biodiversos, capazes de se tornarem resilientes em praticamente qualquer lugar do mundo, produzindo múltiplas vezes o valor entregue pela agricultura industrial tradicional. Esquecemos Mas porque não fazemos isto? Em primeiro lugar porque não dominamos mais este conhecimento. Esta realidade somente se torna possível quando o funcionamento da natureza, bem como as características das infinitas espécies que a compõem, se tornam conhecimentos universalmente acessíveis ao ponto de estarem incorporados à nossa cultura, o oposto do que nos vem acontecendo em função do estilo de vida moderno em que simplesmente nos desconectamos da natureza e essencialmente de nós mesmos. A minha experiência pessoal como agroflorestal me mostrou que nós somos um bicho manejador da natureza, o mais versátil de todos eles. Logística favorece larga escala Ocorre que não estamos tão distanciados da natureza por acaso. O agronegócio se estruturou de tal forma que o ambiente de negócios é muito mais propício aos sistemas produtivos de larga escala do que à agricultura em pequenas propriedades. Este fato em si, pode parecer algo normal e aceitável, porém suas consequências são devastadoras para o meio ambiente e para a sociedade. Olhando para o contexto socioeconômico e territorial de comunidades do entorno de onde estou situado, a parte mais pobre do estado de Goiás, o nordeste goiano, percebo uma região sensível do cerrado brasileiro que vem experimentando a expansão constante da atividade do agronegócio, bem como da mineração e do mercado imobiliário. O agronegócio, com a máquina governamental trabalhando em seu suporte, se expande sistematicamente sobre a zona rural e as reservas, provocando desmatamentos e queimadas para substituir tudo por lavoura e pasto. A aplicação destes pacotes tecnológicos baseados em monocultivos, transgenia e venenos, degrada o ciclo das águas, polui o ambiente de diversas maneiras, contribui decisivamente para a perda da biodiversidade local e para o aumento da pobreza no entorno das cidades. Mercadistas locais abastecem comunidades com produtos de fora e por enquanto não tem outro jeito Com a logística de produção e distribuição de alimentos e bens de consumo centralizada nas grandes cidades, mercadistas dependem deste sistema para abastecer suas comunidades locais e, com a maior parte da demanda de comunidades locais sendo atendida por fornecedores de fora de seus territórios, produzir localmente em pequenas

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Empreendedor Agroflorestal e Criador do Mercado Crioulo, Rodovia GO-118, Km 156 à esquerda, 12 Km até a sede, CEP 73770-000, Alto Paraíso de Goiás, GO, Brasil. E-mail: dax@florestinha.com

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propriedades pode se tornar inviável e o resultado implacável aparece nas estatísticas do aprofundamento da pobreza e da fome nestas comunidades e no êxodo rural. Com a reduzida quantidade de valor circulando entre produtores locais, mercadistas permanecem dependendo dos grandes centros de distribuição para abastecer suas comunidades locais pela simples falta de capacidade de produtores locais para atender a demanda de forma consistente ao longo do tempo. Em 2020 fizemos uma pesquisa nas informações do município de Alto Paraíso de Goiás. Eu fiquei chocado ao concluir que 48% da população do município está nas classes “D” e “E”. Na ocasião, enfrentando grave crise de segurança alimentar. Isso mesmo, 3.841 pessoas, segundo dados da Secretaria de Assistência Social do Município de Alto Paraíso, de um total de 7.700 (IBGE), estão designadas como “Pobres” ou “Extremamente Pobres”. O berço das águas do Brasil, no coração do cerrado brasileiro, a Chapada dos Veadeiros. E como reverter essa realidade? Guardiões Você já parou para se perguntar quem estava no território antes de o agronegócio incorporá-lo? Nestes lugares que não são cidade, latifúndio ou unidade de conservação, ficam as comunidades tradicionais indígenas e quilombolas, que vivem em suas reservas, e os agricultores familiares e extrativistas que vivem na zona rural dos municípios. Eles conhecem o seu bioma, as espécies que nele vivem, como elas interagem entre si e com o meio e quais são as suas necessidades. A atividade dos extrativistas depende diretamente da preservação do meio ambiente, que entrega a elas riqueza na forma de suas sementes e frutos entre outros produtos e serviços. O desmatamento e os incêndios, causam grandes perdas para estas comunidades. Sejam índios, quilombolas ou agricultores, estas pessoas são guardiãs e guardiões de sementes crioulas e nativas. Uma semente é considerada crioula quando é mantida por dez anos ou mais por um guardião em ciclos sucessivos de cultivo. Semente nativa é aquela que é coletada diretamente no seu habitat de origem. Guardiões são pessoas que conhecem intimamente suas espécies, sabem como elas funcionam quando vão para o chão. Precisamos aumentar nossa resiliência Resiliência é a nossa capacidade de resistir, de superar os obstáculos apesar dos desafios. Este cenário descrito acima, com as cadeias da agricultura familiar, do extrativismo e dos produtos da agro-sóciobiodiversidade se reduzindo gradualmente ao longo do tempo, faz com que tenhamos uma produção local de alimentos abaixo da quantidade demandada pela população, que fica completamente dependente da logística de abastecimento baseada nos grandes centros. Você se lembra da greve de caminhoneiros que aconteceu em 2018 aqui no Brasil? Foi orquestrada uma parada de todos os caminhoneiros do país por apenas 9 dias. Foi um transtorno! Supermercados desabastecidos, postos sem combustível. Agora imagina se fosse um problema real! Aquilo nos mostrou uma coisa: a nossa baixa resiliência. Se queremos ter mais resiliência e uma alimentação de melhor qualidade, e sem venenos, precisamos considerar importante ter mais pessoas prosperando da prática da agricultura regenerativa em sistemas produtivos mais resilientes. Se queremos sistemas produtivos mais resilientes em nossos territórios precisamos pensar em sistemas biodiversos, como agrofloresta, e vamos precisar de sementes e conhecimento. Portanto se torna de vital importância que continuemos tendo nossas guardiãs e guardiões de sementes cuidando de suas espécies nos seus locais ao longo das décadas. Porém, as guardiãs, os guardiões, os/as extrativistas e os/as agricultores tradicionais e familiares, precisam ter mecanismos de gerar renda com seus produtos. Mercado Comum São nas crises que surgem as grandes ideias! E assim, criamos, no início da crise sanitária, o Mercado Comum, loja virtual para servir como canal de vendas para os consumidores locais enviarem pedidos de compra para seus fornecedores que ficaram inacessíveis durante o fechamento das feiras livres devido ao protocolo sanitário. 36


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Em cooperação com a Rede Pouso Alto Agroecologia, conseguimos à época implantar o Mercado Comum, com efetividade em Alto Paraíso de Goiás e Cavalcante. O serviço chegou rapidamente a outras cidades: Pirenópolis (GO), Casimiro de Abreu (RJ), Visconde de Mauá (RJ) e São Pedro de Alcântara (SC), sem sequer circular valor dentro da plataforma na ocasião, demonstrando a real demanda dos agricultores por esse meio de comercialização. Pretendíamos validar a demanda e para isto disponibilizamos uma ferramenta para as pessoas se organizarem para receber os pedidos de compra e gerenciar a sua execução até a entrega. Posteriormente ativamos o serviço de pagamentos e usamos a plataforma para venda de produtos da Florestinha e parceiros para a comunidade local. Usamos as lições aprendidas para encerrar o experimento em 2021 e dar início em 2022 ao Mercado Crioulo. Mercado Crioulo: venda e logística distribuída entre atores locais das cadeias de produtos e serviços da agro-sóciobiodiversidade Criamos uma loja virtual, desenhada para facilitar o consumo local de produtos e serviços, da alimentação ao artesanato, com ênfase para a localização e aquisição de sementes crioulas ou nativas e produtos da agro-sóciobiodiversidade. O diferencial do serviço é facilitar o estabelecimento de arranjos logísticos distribuídos entre as pessoas e organizações presentes no território. O projeto conta com uma colaboração da Rede Pouso Alto Agroecologia, iniciativa motivada pelo desenvolvimento da agroecologia na região da Chapada dos Veadeiros. A plataforma permite que vendedores se registrem e criem suas próprias lojas virtuais com seus produtos e serviços que ficam disponíveis para venda. Consumidores podem navegar no catálogo e submeter pedidos de compra contendo itens dos diferentes fornecedores ativos em sua cidade efetuando um único pagamento com todas as principais formas de pagamento, como pix, boleto, débito e crédito. Vendedores usarão a plataforma para receber pedidos de compra de seus clientes e gerenciá-los até o seu encerramento e recebimento dos pagamentos. Acesse o Mercado Crioulo: https://mercadocrioulo.eco.br Inspiração Assim, com a publicidade dessa nossa experiência, esperamos que outros sejam inspirados e mais ainda, sigam para a conscientização das suas inspirações, pois o Brasil e o mundo precisam de uma produção de alimentos sustentável, em que sejam considerados os pilares ambiental e social, além do econômico.

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V – Entrevista

Siranhu Kayabi Primeira Feira de Sementes do Povo Kayabi, do Xingu Entrevistador: Fábio de Oliveira Freitas 1 Contextualização Essa entrevista foi realizada com o Sr. Siranhu Kayabi, Cacique da Aldeia Ilha Grande, localizada no Parque Indígena do Xingu, estado do Mato Grosso. Os Kayabi, povo falante do tronco linguístico Tupi, habitavam a região do rio Teles Pires, no sul do Pará, em meados da década de 1950 quando boa parte deles foram transferidos para o então criado parque Indígena do Xingu. Essa mudança acabou por dividir esse povo, uma vez que algumas famílias não quiseram se mudar e continuaram na região, onde o contato com não índios foi muito mais intenso do que para aqueles que se mudaram para o Xingu, gerando um impacto cultural diferenciado entre essas duas regiões. Naquela época, essa mudança não foi planejada e muitos que se deslocaram não sabiam que era uma mudança definitiva. Ao contrário, como pensavam que estavam indo fazer uma visita à outras etnias, e logo voltariam, eles acabaram não levando muito de seus alimentos tradicionais para plantar nas novas roças. Isso gerou muitos problemas e um grande risco de perda cultural e segurança alimentar. O resgate dos alimentos tradicionais do povo Kayabi recém-chegado ao Xingu se deu através de uma viagem épica, onde alguns Kayabi foram a pé, no meio da mata, do Xingu até sua terra natal, para Figura 1. Cacique Siranhu Kayabi e seu filho, ao lado de um cesto tradicional de buscar essas sementes e trazer para o seu povo que aguardava no Xingu. armazenamento de sementes de amendoim. Desde então, outras iniciativas de resgate e busca de alimentos tradicionais vêm sendo executados por alguns desses guardiões Kayabi, além de muitos outros estarem preocupados com a preservação dos mesmos. O pai do cacique Siranhu, Sr Tamalaô foi um dos responsáveis por resgatar e manter boa parte da diversidade de espécies e variedades históricas, fazendo com que a aldeia Ilha Grande seja hoje um dos principais locais onde se pode encontrar a maior parte dessa diversidade, tanto das espécies e variedades em si, como das comidas típicas produzidas a partir das mesmas. Entretanto, mais recentemente, com o aumento do contato com a cidade, percebe-se que em muitas aldeias Kayabi, seja no Xingu, seja no Teles Pires, os alimentos tradicionais estão sendo substituídos por alimentos da cidade, cada vez mais. Preocupado em conservar essas espécies e variedades tradicionais e manter os conhecimentos e sua própria cultura a elas ligadas, o cacique Siranhu está organizando um encontro com representantes de todas as 53 aldeias Kayabi existentes hoje no Xingu para discutir esse problema e, ao mesmo tempo, aproveitar essa reunião para realizar uma feira

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Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

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de sementes, onde cada aldeia irá levar os produtos agrícolas que possui, permitindo um melhor diagnóstico da situação de segurança cultural-alimentar de seu povo e, em conjunto, decidirem o que fazer a respeito. A seguir, transcrevemos uma breve entrevista que fizemos com o Cacique, entre os dias 12 e 14 de maio de 2022, através do aplicativo WhatsApp, via mensagens de áudio. Entrevistador: Vocês estão planejando fazer em sua aldeia um encontro com todos os representantes das diferentes aldeias Kayabi. Qual é o objetivo desse encontro? Entrevistado: O objetivo é o seguinte: são 53 (cinquenta e três) aldeias Kayabi e o que eu percebo é que poucas pessoas estão plantando as sementes que o povo tradicional do povo Kayabi vinha plantando, entendeu? E isso me preocupa muito e por isso eu quero fazer esse encontro, só para eu fazer uma ideia e em cima disso procurar apoio para melhorar esse plantio. Entrevistador: Nessa reunião terá a presença de representantes Kayabi só do Xingu ou também haverá representantes das aldeias da região do Rio Teles Pires? Entrevistado: Vai ser só essas 53 aldeias Kayabi que hoje moram no Xingu. Entrevistador: Haverá convidados de outras etnias também ou será exclusivo dos Kayabi? Entrevistado: Não, porque a gente percebe que as outras etnias que moram no Xingu eles não plantam a planta que o povo Kayabi cultiva, por isso a gente não vai poder convidar. Entrevistador: Dessas 53 aldeias Kayabi do Xingu, quantas você acha que estão produzindo alimentos de forma mais rica, com mais diversidade, de forma tradicional, igual a vocês? Qual dessas aldeias você acha que a agricultura ainda está forte? Entrevistado: No Xingu são as aldeias pelo braço do rio Arraia, que pelo que a gente sabe são as aldeias Sobradinho, Maracá, Yenap e Guarujá, são essas aldeias que o pessoal fala que ainda plantam essas plantações que a gente usa, ok. Entrevistador: Nesse encontro você quer organizar uma feira de sementes. Qual é o objetivo dessa feira de sementes? Entrevistado: Essa exposição de semente tradicional do povo Kayabi que eu estou fazendo é porque só o povo Kayabi que tem essa variedade de semente e por isso eu penso que é uma coisa que a gente não pode perder. Eu quero fazer esse encontro porque a gente tem todos os nomes de sementes que nosso povo tem, entendeu? Por isso eu vou fazer pergunta para cada representante que vai vir para essa feira e perguntar para eles cadê sua semente? Cadê tal semente? Isso eu acho que vai valer muito para o nosso encontro. Entrevistador: Por que você acha que é importante ter diversidade de alimentos e de diferentes tipos? Entrevistado: Porque esse alimento que meu povo planta, que ainda alguns ainda plantam é sadio, né. Que tem muita vitamina, não tem veneno, é uma coisa natural, é uma coisa, como eu vou falar, muito rico em vitamina, então por isso é muito importante para nós. Entrevistador: Qual é o principal alimento consumido na cultura Kayabi? Entrevistado: Farinha de puba e mingau, mingau de milho, mingau de batata (doce), mingau de amendoim, mingau de macaxeira, são as principais comidas que o povo Kayabi consome. Entrevistador: Você já participou de alguma feira de troca de sementes? Se sim, qual e como foi essa experiência? Entrevistado: Sim já participei de várias, mas de não indígena, de exposição de semente e por isso que me chamou muito minha atenção e por isso queria realizar uma para poder mostrar e registrar que nós também temos sementes e variedades. Sementes que vocês dão vários nomes e isso me chamou mais a atenção para poder realizar esse encontro. Participei de encontro do pessoal do assentamento aqui da região e já participei do encontro de ribeirinho, todas de sementes e por isso me chamou muito a atenção que eles é que nem, esse pessoal, é que nem povo indígena. Eles juntam muitas sementes e variedades para plantar na propriedade deles e isso me chamou muito a atenção e por isso quero procurar apoio para realizar esse encontro. 39


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Entrevistador: Na sua opinião, por que muitas comunidades indígenas estão perdendo seus alimentos tradicionais? Entrevistado: Porque esse negócio de dinheiro, essa doação do governo, estragou os jovens, entendeu? Então os jovens só querem ficar de tênis bonito, calça bonita, não quer mais fazer a roça,...então é isso, só os mais velhos que planta, faz a roça, é isso, ok. Entrevistador: Vocês recebem apoio externo para ajudar a preservar seus alimentos e sua cultura? Entrevistado: Apoio para preservar, para garantir, até hoje, na minha visão, até hoje apoio direto a gente não tem, você entendeu? Por isso eu pedi apoio para o pessoal do Embrapa (em 2002) para abrir o banco de semente (da aldeia dele para ser guardado na Embrapa). Por isso eu vejo que eu fiz boa coisa para o meu povo. Apesar que (na época) muita gente foi contra, mas para mim eu fiz muita coisa boa. Apoio financeiro,... hoje eu percebo que a gente não consegue mais trabalhar assim da forma que meu povo vinha trabalhando, manualmente, porque hoje a gente não pode se mudar para outro lugar (migrar de um local para outro quando o solo fica fraco, como faziam no passado), porque hoje a gente tem posto de saúde, escola na aldeia, poço artesiano, várias coisas públicas implantado na nossa aldeia, então nós não podemos nos mudar e largar isso, para pedir outra de novo, então por isso hoje eu penso que a gente tem que trabalhar com a máquina, entendeu? Mas da forma que nosso povo quer, não da forma que o governo quer, não da forma que o Homem branco quer. Nós temos que fazer da forma que nós queremos, do jeito que nosso povo quer. Nas Figuras 2 e 3, imagens de momentos da aldeia Kayabi Ilha Grande, mostrando a diversidade de cultivos e de usos de recursos genéticos. Fotos: Fábio Freitas.

A

D

B

C

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Figura 2. Favas e Tubérculos (A e B); Amendoim recém-colhido e seco (C); Colheita de Amendoim (D); Diversidade de Batata Doce (E).

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Figura 3. Colheita de mandioca e Milho (A e B); Separação de variedades de Amendoim para Plantio (C); Preparação do algodão para fiação e tecelagem (D); Preparo de alimento tradicional a base de amendoim e mandioca (E).

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VI – Homenagem Póstuma

Deisy Cardoso Alexandrino Santos: O amor retorna, de outra forma Maria Angélica Cardoso1 A vida nos prega peças! Surpresas, nem sempre boas. Seis dias após a partida de Ana Cristina (irmã de Deisy), ela nos levou Deisy, Henrique, Vitor, Ana e o Geovane. Nada fazia prever que eles nos deixariam tão prematuramente. Para nossa família uma perda irreparável, dolorida demais! “Sabemos que um dia a vida de cada um de nós termina, mas nunca estamos preparados para lidar com a dor do desaparecimento. É preciso chorar, aceitar e entender que a lei da vida não é justa ou injusta. A vida simplesmente acontece; e o adeus também, ficam as doces e ternas lembranças! ” Sábias palavras do tio Vicente. Deisy preocupava-se com todos. Caprichosa, responsável, personalidade forte e ao mesmo tempo tão doce e amorosa. Dona de uma paciência sem fim! Dedicada à família, ao trabalho, à pesquisa. A pesquisa! Formada em Agronomia, dedicou-se competentemente à pesquisa desde cedo. Passou pela iniciação científica, fez mestrado e Figura 1. Profa. Deisy Cardoso Alexandrino doutorado, voltando-se para a genética e melhoramento de plantas. Em 2013, Santos. com a tese Análise dialélica para rendimento e qualidade de frutos do mamoeiro ganhou o Prêmio Oscar Niemeyer - Trabalhos Científicos e Tecnológicos (Doutorado). Ultimamente, como professora adjunta, dedicava-se às pesquisas de melhoramento de plantas, análises dialélicas, fruticultura, germinação e sementes na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Junto com as colegas Mércia, Adriana e Maiele – mais que colegas, amigas – atuavam em uma importante pesquisa de Conservação da Flora Pantaneira. Esta pesquisa era o orgulho dela! Tem por objetivo coletar sementes nativas para conservação fora do habitat, buscando proteger e conservar as sementes para usá-las em situações de perda de mata devido ao fogo, seca ou outras situações nas quais a recuperação da flora nativa fosse necessária. Sua pesquisa objetivava a conservação consciente do ambiente pantaneiro: “O fato de que muitas dessas espécies sequer foram estudadas e que, se não forem conservadas, podem ser extintas antes que saibamos qual sua importância, tomamos uma atitude e encontramos um meio de preservar a flora pantaneira”, explicou Deisy em entrevista ao Jornal O Pantaneiro/Aquidauana. A pesquisa ambiental da Deisy e sua equipe na UEMS-Aquidauana contribui para a conservação consciente da vegetação pantaneira. A luta ambiental da Deisy foi a mesma de inúmeros ambientalistas que lutam contra a devastação de matas e morros tanto no pantanal quanto nas montanhas de Minas onde, paradoxalmente, ela, esposo, filhos e primo e dezenas de outras pessoas faleceram; onde outras tantas famílias sofreram e sofrem devido à falta de consciência ambiental dos devastadores. Parafraseando o Papa Francisco, os gemidos da terra são os gemidos dos pobres que sofrem as consequências da falta de conservação consciente do ambiente nas montanhas mineiras e em outras regiões do Brasil. Vamos nos unir aos ambientalistas de Minas, do Mato Grosso do Sul e de todos os estados que, como a Deisy, lutam pela conservação consciente do ambiente em que vivemos! 1

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Rua Nelson Figueiredo Junior, 534, casa 14, Bairro Antonio Vendas, CEP 79003210, Campo Grande, MS, Brasil. Email: maria.cardoso@ufms.br

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No dia 11 de fevereiro (2021), dia da mulher na Ciência, ela publicou um vídeo da Universidade Estadual do Norte Fluminense, na qual ela fez o mestrado e doutorado e da qual nunca se desligou. Em seus comentários pedia mais mulheres na ciência. Nos unimos também a esse desejo que não era somente dela: por mais mulheres na ciência! Pela valorização da Ciência! Segundo Franz Kafka, “Tudo o que você ama provavelmente será perdido, mas no final, o amor retornará de outra forma”. Deisy, o amor que você dedicou a nós, sua família, viverá para sempre em forma de belas lembranças e grandes exemplos. E que o amor que você dedicou à docência, à ciência e à pesquisa revivam na continuidade de seu legado!

Nota dos Editores: Deisy também estava como vice-presidente da Rede Centro-Oeste de Recursos Genéticos, participando da sua criação. Nós, parte da diretoria dessa rede, deixamos expressa a nossa gratidão por sua colaboração e dedicação.

Figura 2. Profa. Deisy Lúcia Cardoso Alexandrino dos Santos, seu esposo Henrique Alexandrino dos Santos e seus filhos Vitor Cardoso Alexandrino dos Santos e Ana Alexandrino dos Santos vítimas de um trágico acidente ocasionado pelas chuvas em Minas Gerais em janeiro de 2022.

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