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REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
from POR DENTRO DO XIS
by Rede Código
Dados do Infopen5 mostram que há 37,2 mil mulheres privadas de liberdade no Brasil. O estado de São Paulo concentra 4.074 presas, sendo que 2.242 vivem na Penitenciária Feminina de Sant’Anna. De acordo com Queiroz (2015), a maioria das mulheres residentes em prisões femininas atualmente são pretas ou pardas, mães solo e com ensino fundamental incompleto. Partindo da suposição de que esse grupo de mulheres é marginalizado e invisibilizado pela grande imprensa, queremos analisar qual é o discurso utilizado pelas revistas segmentadas ao público feminino, especificamente a revista digital Tpm, para falar sobre esse grupo de mulheres. Como caminho para responder à indagação que norteará este artigo, foram definidas as seguintes hipóteses: a) a revista opta por não discutir com frequência o encarceramento, isso pode estar ligado ao fato de que a sociedade civil e o público alvo da revista negligenciam ou não se interessam pela discussão; b) quando o tema é abordado na revista existe a preferência da narrativa da mulher branca.
Nesse contexto, o artigo mostrará como a discussão do encarceramento feminino pode ser mais explorada pelo Jornalismo independentemente do segmento, principalmente naqueles que dialogam diretamente com mulheres, como as revistas segmentadas, por meio das análises de discurso de três reportagens, nomeadas como “Presa fácil”, “A pandemia nas prisões femininas” e “Diário de uma detenta”, da revista Tpm.
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REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
O presente projeto visa a análise de reportagens da revista digital Tpm sobre mulheres encarceradas. Para a compreensão se mostra necessário uma reflexão sobre o sistema prisional. Segundo Foucault (2013): “O efeito talvez mais importante do sistema prisional e da sua extensão muito para lá do encarceramento legal é o fato de conseguir tornar natural e legítimo o poder de punir, reduzir pelo menos o limiar de tolerância à penalidade” . É possível notarmos que, para além da punição física, o sistema prisional também pode punir por meio do esquecimento, como exemplo as pessoas presas não conseguem ressocialização na sociedade. Partindo dessa constatação, as mulheres pretas sofrem ainda mais com o peso da invisibilidade, já que elas estão em maior número no sistema carcerário e, majoritariamente, em condições financeiras inferiores. Engana-se ao acreditar que, nos presídios, as mulheres são tratadas de forma igualitária e sem distinção de cor e raça: Essa punição pública feminilizada, no entanto, não afetava todas as mulheres da mesma maneira. Quando cumpriam pena em reformatórios, as mulheres
5 Conteúdo disponível em: <https://bit.ly/3leIEQr>. Acesso em: 27 de novembro de 2021.
negras e nativas americanas muitas vezes eram separadas das brancas. Além disso, elas tendiam a ser desproporcionalmente condenadas a cumprir pena em prisões masculinas. (DAVIS, 2018).
Analisando historicamente, as mulheres eram condenadas a viver em cadeias mistas, assim sendo obrigadas a dividir celas com pessoas do gênero masculino, onde eram vítimas constantes de estupro. A primeira penitenciária exclusivamente feminina foi fundada apenas em 1937, no Rio Grande do Sul, a mobilização foi feita por freiras da Igreja Católica e assim, inauguraram a Penitenciária Madre Pelletier, de Porto Alegre. Queiroz (2015) esclarece: “Depois de muitas denúncias e discussões de penitenciaristas, o Brasil, tardiamente, passou a construir presídios apenas para mulheres, começando pelo Rio Grande do Sul e espalhando-se pelo resto do país.” Em São Paulo, nos últimos vinte anos, foram construídas cerca de 130 prisões. Entretanto, a construção destes locais não melhorou as condições do cárcere, principalmente ao pensar-se nas prisões femininas. “No topo da sala úmida, próximo ao teto, existem manchas de musgos esverdeados quase do tamanho de uma pessoa”, relata Queiroz (2015) sobre a Penitenciária Feminina de Sant’Ana. As más condições físicas não são os únicos problemas enfrentados pelas mulheres nos presídios femininos, a higiene básica e a pobreza menstrual também se mostram como agravantes. As mulheres recebem por mês dois pacotes de absorventes íntimos e dois rolos de papel higiênico. Caso acabe antes do próximo mês, fica pela responsabilidade da encarcerada garantir os suprimentos. Queiroz (2015) exemplifica: “Ou seja, uma mulher com um período menstrual de quatro dias tem que se virar com dois absorventes ao dia; uma mulher com um período de cinco, com menos que isso.” Fica evidente que o Estado e a imprensa necessitam caminhar em conjunto para oferecer melhores condições de vida para as presidiárias. O Estado, ao cumprir o seu papel de oferecer subsídios adequados e necessários para a existência humana; e o Jornalismo, em seu dever de denunciar sobre como essas mulheres são tratadas.
Do ponto de vista comunicacional, a falta do Jornalismo em denunciar as condições de vida das mulheres encarceradas pode ser analisada a partir dos estudos culturais, no olhar do sociólogo Stuart Hall. Para essa corrente teórica interdisciplinar, a cultura se integra a diversas práticas sociais e permanece em constante transformação. Dentro desse sistema cultural, as informações transmitidas por meio dos veículos de comunicação perpassam por diversas determinações estabelecidas pelo contexto histórico em que estão inseridos. Enquanto o público não recebe a mensagem de forma passiva. Para o entendimento, Hall (2003) pontua que:
A mensagem é uma estrutura complexa de significados que não é tão simples como se pensa. A recepção não é algo aberto e perfeitamente transparente, que acontece na outra ponta da cadeia de comunicação. E a cadeia comunicativa não opera de forma unilinear.
Segundo Wolf (2006), a falta de representação de temas que abrangem as minorias sociais deve-se ao fato de os veículos de informação serem um instrumento de hegemonia:
Contra esta versão, os “cultural studies”, reafirmando a centralidade das criações culturais coletivas como agentes da continuidade social, salientam, contudo, o seu carácter complexo e flexível, dinâmico e ativo, não meramente residual ou mecânico.
No passo que ao jornalista, especificamente, também cabe a fundamentação na teoria organizacional. A teoria conceitua que o jornalista prioriza a política editorial da organização em que está situado. “Em outras palavras, ele se conforma com as normas editoriais, que passam a ser mais importantes do que as crenças individuais.” (PENA, 2005).
A revista Tpm
Para compreender o conceito de jornalismo de revista, Schwaab e Tavares (2013) apontam:
1. é uma materialidade com características singulares; 2. está subordinada a interesses econômicos e institucionais; 3. é segmentada por público e por interesse; 4. é periódica; 5. é durável e colecionável; 6. apresenta-se como um repositório diversificado de temas da atualidade; 7. trabalha com a reiteração de grandes temáticas.
As primeiras revistas femininas eram escritas por homens e costumavam trabalhar temas estereotipados como conselhos culinários, cuidados da casa e beleza. Apenas em 1960, para acompanhar o contexto histórico da época, as revistas femininas iniciaram pequenos ajustes editoriais para abordar outros temas relevantes, como machismo e trabalho (SCALZO, 2003). Posteriormente, com o advento da internet, uma nova cultura jornalística iniciou-se, então as revistas passaram por um processo de virtualização, onde a maioria dos conteúdos veiculados eram textos originários da edição impressa (FERRARI, 2004). As revistas femininas e as mulheres representadas por elas passaram por uma nova transformação. De acordo com Greice Rego (2005): Se antes a mulher era pressionada a assumir o papel de mãe e dona-de-casa a fim de ser reconhecida como um membro útil e bem-sucedido da comunidade, hoje a medida de seu sucesso é dada pela sua capacidade profissional.
O objeto de análise deste projeto de pesquisa, revista Tpm, foi lançado em 2001, com projeto editorial e gráfico para reformular os padrões de revistas femininas existentes no Brasil
e criticar publicações clássicas que se limitavam a tratar sobre assuntos como beleza e moda, retratando a mulher de forma superficial. O veículo apresenta-se: A Tpm segue na contramão do que prega a maioria das publicações femininas no país, que repete receitas e promessas sobre temas como beleza, sexo, relacionamentos e carreira. Com conteúdo inovador, a Tpm não acredita em fórmulas prontas e mostra mulheres contemporâneas vivendo em um mundo real sem perder o bom humor e o jogo de cintura. Desde a criação do Manifesto Tpm, em 2012, algumas matérias questionam os padrões impostos pela sociedade às mulheres, como a busca pelo corpo perfeito ou uma família “margarina”, além de tabus como a descriminalização do aborto. (Mídia Kit revista Tpm6)
Conforme citado acima, as revistas são produzidas para um público segmentado. Ao afirmar esses conceitos em sua apresentação, a Tpm esclarece com quem pretende comunicarse. Segundo o Mídia Kit 2021, a Tpm possui um público composto por 92% de mulheres, 68% com idade entre os 26 e 45 anos e 88% dos leitores concluíram o ensino superior. Fica evidente que a mulher contemporânea representada pela revista possui acesso fácil à informação, à cultura e almeja entender o espaço que ocupa socialmente.
Aspectos metodológicos
O processo metodológico desta pesquisa iniciou-se no levantamento bibliográfico. As pesquisas de estudos científicos que possuíam semelhança ao projeto em desenvolvimento foram identificadas por meio do uso de palavras-chave em sites acadêmicos ou jornalísticos. Entre elas foram utilizadas: encarceramento feminino, presas, revista Tpm e representação da mulher na Tpm. Logo após iniciou-se a busca de teóricos ligados à comunicação que dialogassem diretamente com a temática e o problema de pesquisa propostos. Após a escolha de teóricos como Hall (2003), Wolf (2006) e Pena (2005), foi feita uma leitura reflexiva e interpretativa para a compreensão do pensamento destes autores. Além disso, para o entendimento do sistema carcerário e encarceramento feminino foi necessário a leitura de obras escritas por Borges (2019), Davis (2018), Foucault (2013) e Queiroz (2015) para fins de complementação ao referencial teórico supracitado. Por fim, como este artigo baseia-se na pesquisa qualitativa, com foco na análise do discurso, mostrou-se de suma importância o entendimento de quais elementos seriam
6 Conteúdo disponível em: <https://revistatrip.uol.com.br/upload/docs/midiakit-2020-trip-tpm.pdf>. Acesso em 28 de maio de 2021.