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Editorial: Além dos quatro anos
from Relvado #9
Além dos quatro anos Editorial | Por Felipe Portes
A Copa do Mundo Feminina da França acontece enquanto concluímos mais esta edição da Relvado. Mais uma ocasião de gala para que nós tratemos a modalidade com o mesmo carinho que tratamos o jogo masculino. Simpatizar com a causa, porém, não é só questão de valorizar o esforço e a determinação das atletas. É reconhecer que poderíamos tentar mudar o panorama desolador que muitas delas encaram antes e depois de um Mundial.
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Vanina Correa é, talvez, o exemplo mais emblemático de sacrifício pessoal. Aos 35 anos, a goleira argentina participou de sua terceira Copa, e finalmente saiu da competição com uma
sensação positiva. Antes, ela era a última a ver a bola balançar suas redes, castigada em um 11 a 0 imposto pela Alemanha na edição de 2007. Perdeu a vaga no torneio e chegou a se aposentar do esporte em 2014, quando teve gêmeos, chamados Luna e Romeo. O futebol simplesmente não compensava para Vanina. Em 2017, foi convidada a retornar, mas com a dura missão de acumular um trabalho durante o dia, o cuidado aos filhos e as rotinas de treino. Amadora, conseguiu uma vaga no Rosario Central. E participou da remontada argentina que alcançou o Mundial da França. Na segunda rodada, contra a Inglaterra, pegou um pênalti e fez seis defesas incríveis para evitar o segundo gol inglês.
Não tratemos a história de Vanina apenas como uma bela redenção. É um quadro triste de como as mulheres sequer possuem o direito de viver do esporte. Salários ridículos, estrutura precária e amadorismo são alguns dos problemas cruciais a serem resolvidos com urgência. Resolver a desigualdade parece utópico, ainda mais na era da bolha milionária do futebol masculino de elite.
Talvez elas nem queiram ser milionárias, afinal. Podemos começar oferecendo uma estrutura consistente e sustentável. Podemos prestar mais atenção no trabalho que é feito entre uma Copa e outra, não só com a torcida ocasional que eu e você dedicamos a cada quatro anos.
A falta de atenção pode e vai ser resolvida quando deixarmos de enxergar esse esporte, quando praticado por elas, como uma exceção. E não é. O tempo passa e as provas estão aí em profusão: elas merecem muito mais o nosso respeito pelo que fazem. Ignorar ou desmerecer o futebol feminino ultrapassa qualquer questão de gênero: é um problema civilizatório.
Não se trata de comparar um sexo ao outro com a bola nos pés, mas de finalmente trazer à luz que, enquanto jogadoras, elas estão muito mais próximas do que consideramos como futebol ideal do que nós. Pela postura em campo, pelo que o esporte representa para elas, culturalmente, e sobretudo pelo respeito à torcida. Muito além de Marta, Formiga, Morgan. Muito além dos quatro anos.