Rastros de luz 06

Page 1

rastros L um olhar na história

de

uz

maio

2017

nº 6

eles

não o receberam... Despretensioso convite para o retorno às coisas simples, belas e profundas do Evangelho.

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida Jovem. Ao encontro de Jesus!


Jesus sai da

Judéia

Jesus, juntamente com seus discípulos, estava nas terras da Judéia. Às multidões que acorriam em busca do Mestre, Jesus falava do reino de Deus, maravilhoso país moral, cujas leis emanariam dos próprios corações, criando as harmonias perfeitas dos ritmos humanos.


3


4

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

j

Mateus, 4:12 12. Jesus, ao ouvir que João fora preso, partiu para a Galileia. Mateus, 1:14 14. Depois de João ser preso, Jesus foi para a Galileia. João, 4:1-3 1. Quando, pois, o Senhor soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele, Jesus, fazia e mergulhava mais discípulos que João, 2. (embora Jesus mesmo não batizasse, mas sim seus discípulos), 3. deixou a Judéia e foi de novo para a Galileia. * Jesus, juntamente com seus discípulos, estava nas terras da Judéia. Às multidões que acorriam em busca do Mestre, Jesus falava do reino de Deus, maravilhoso país moral, cujas leis emanariam dos próprios corações, criando as harmonias perfeitas dos ritmos humanos.


5


6

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Para um mundo que, guardadas as proporções, apresentava tanta semelhança com estes atormentados dias do século XXI, as suas palavras, indo diretamente às almas de todos os significavam as mais felizes promessas de paz. Não era a paz romana, levando, no tropel do impositiva lembrança aterradora do senado dos quirites (era o nome antigo dado aos cidadã Antiga): a paz opressiva dos mais fortes, sobre as querelas dos mais fracos.

Ao ditado popular, que devia ter curso, “se queres a paz, prepara a guerra”, doutrina insp terrores recíprocos dos trogloditas, Jesus opunha a lição da serena e grandiosa coragem: se paz, prepara a paz. Era o alvorecer de uma nova humanidade.


s aflitos, os exércitos, a ãos da Roma

pirada nos e queres a

7

Encerrou-se o ciclo dos profetas, porque já está falando, nas montanhas que descem de Jerusalém a Jericó, o Desejado das Nações. Todos os oprimidos, todos os pobres, todos os doentes, todos os amargurados, todos os insatisfeitos, todos os sonhadores, todos o s que aspiram à beleza incomparável da vida moral, ouvem e compreendem essa palavra, que fala de um Deus que é Pai e cujos benefícios jorram do céu pelo milagre da fraternidade humana. Deus é pai e todos somos irmãos. E, porque amamos o Pai, amamos nossos irmãos, que, como nós, dEle procedem. Desse amor, que impõe deveres, procedem as justas linhas da liberdade. Amor. Essa é a palavra nova que deflui das sentenças, das parábolas, das comparações e das hipérboles utilizadas pelo Mestre para dar a compreender, às massas humildes, uma revolução que será permanente na história da humanidade, criando, no mundo das consciências, a antecipação do “reino de Deus”. * Entre Jericó e Betânia, Jesus cura e ensina. E como é diferente suas ações, sua fala, da dos escribas e dos doutores! A estes, interessa tão só o formalismo legal, o cumprimento das normas que vieram de Moisés e ganharam uma importância maior desde quando, em oposição às tendências gregas de Antioco, ao tempo dos Macabeus, foi mister engrandecer, em ressaltantes relevos, as tradições nacionais. Saber quando começou e quando terminou o sábado; estabelecer o tamanho e o peso dos objetos que se podem transportar nesse dia; resolver se os doentes podem ser curados e os pobres socorridos dentro das vinte e quatro horas do descanso semanal; verificar a qualidade da água que se deve empregas nas limpezas purificadoras; tais eram as grandes preocupações daqueles legalistas, que não já ouviam a ressonância do coração humano. A contrário, Jesus falava de coisas graves e profundas,


8

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

penetrando as mais íntimas angústias e as mais secretas aspirações das almas. Todas as palavras mortas, que perderam o sentido através dos tempos, tornam-se palavras vivas em seus lábios, porque jorram iluminadas por novo espírito. A Justiça vivifica-se pela Misericórdia; a Lei resplandece em Humanidade; o Sacrifício revaloriza-se no Perdão; Israel dilata-se em Universalidade; o Homem liberta-se pela Fraternidade; e Deus revela-se em Paternidade. Os pequeninos e os pobres encontram um lugar ao sol. Até maus se beneficiam do Sol. A paz descerá sobre o mundo pelo milagre do próprio homem, animado de boa vontade para com o seu semelhante. * Sobre as montanhas da Judéia, brilhava a luz do mundo. Bem o sabia João, o Batista, de quem o evangelista João diria sobre sua missão: “Ele veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem nele. Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz”. (João, 1: 7 a 14) Realmente, ali bem perto estava aquele que era “a luz verdadeira, que ilumina a todo homem que vem ao mundo. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele...” Em redor das turbas simples e sinceras, rondavam, porém, os fariseus, os espiões dos saduceus, os escribas sardônicos, os poderosos descontentes, os nacionalistas exagerados e jacobinos, os avarentos, os luxuriantes, os céticos, os comodistas, e os feitos que Jesus praticava não conseguiam mover-lhes os

Masqueros

corações.

Tudo, até hoje, tudo o que pertence ainda ao farisaico, ao mundo de Pilatos e de Caifás; tudo exprime o que há de sepulcral nas cidades extin reconhecê-la.

Mas, agora, como sempre, está nascendo o re cada ser humano, um mundo novo, e se repetirá

E, por isso, nunca será tarde para os que des


velho mundo, ao mundo pagão, ao mundo o que, decorridos mais de 20 séculos, ainda ntas: persiste em não receber a luz, em não

enascendo, no seio dos povos e no íntimo de á até à consumação dos tempos.

sejarem erguer-se das tumbas dos velhos

9

preconceitos, da escuridão da ignorância, dos limites do orgulho e do egoísmo. E haverá sempre ocasião para os que resolverem, sinceramente, nascer de novo para um mundo novo... * Nos subterrâneos de Masqueros,


10

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

abriam-se galerias tenebrosas. Labirintos em declives, conduzindo a masmorras abobadadas, em que se rasgavam aberturas estreitas para passagem de exígua réstia de luz, ou a cárceres cegos, de escuridão absoluta. Foi num destes que encerraram João Batista, pelas mãos do despotismo e da intolerância (leia Fascículo nº 3). * Para eximir-se às intrigas e falsidades dos fariseus, a cujos ouvidos chegavam as notícias de seus milagres, e, principalmente agora, que João Batista fora preso, o Mestre resolvera deixar a Judéia, voltando à região tranquila do lago, onde pensava deixar os fundamentos definitivos da Boa Nova. * Os dois evangelhos sinóticos (*) assinalam a partida de Jesus da Judéia dando, como motivo (Mateus) ou como referência de tempo (Marcos) a prisão do Batista. João é mais minucioso. Dá-nos também outras razões. Jesus veio a saber que os fariseus começavam a impressionar-se com o fato de que ia mais gente a Jesus, do que fora a João, para ser mergulhada, batizada. O evangelista frisa que, pessoalmente, Jesus não batizava, mas apenas seus discípulos. Tendo conhecimento do inquérito que os fariseus haviam realizado contra João, quis evitar o mesmo aborrecimento e resolveu abandonar a Judéia, refugiando-se na Galileia onde não corria perigo, por estar longe das autoridades. (*) Evangelhos Sinópticos (português europeu) ou Evangelhos Sinóticos

(português brasileiro) é um termo que designa os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas por conterem uma grande quantidade de histórias em comum, na mesma sequência, e algumas vezes, utilizando exatamente a mesma estrutura de palavras. Quanto ao quarto Evangelho canônico, o Evangelho de João, relata a história de Jesus de um modo substancialmente diferente, pelo que não se enquadra nos sinóticos. Desta maneira, temos 4 evangelhos canônicos, dos quais três são sinóticos. Enquanto que os evangelhos sinóticos


11

apresentam Jesus como uma personagem humana destacando-se dos comuns pelas suas ações milagrosas sendo a origem primária para informações históricas sobre Jesus Cristo, já o Evangelho de João descreve um Jesus como um Messias, com um carácter divino, que traz a redenção absoluta ao mundo. Aparentemente, o evangelho de João sugere que ele tinha conhecimento dos Evangelhos Sinóticos, e que nos tais já existia informação suficiente sobre a vida de Jesus como homem, se incumbindo João de mostrar em seu Evangelho, os atributos de Jesus como Messias, o Esperado. (*) Evangelhos canônicos. Mateus, Marcos, Lucas e João são os autores dos únicos evangelhos aceitos pela maioria das denominações cristãs como legítimos e que portanto integram o Novo Testamento da Bíblia. O cânon do Novo Testamento começou a ser definido por volta de 150 d.C. durante a controvérsia marcionita e aparece documentado pela primeira vez na forma atual em 367, em uma carta de Atanásio, bispo de Alexandria. O Terceiro Sínodo de Cartago, em 397, ratificou o cânon já aceito previamente no Sínodo de Hipona Regia, realizado em 393, em Hipona, onde hoje é a Argélia. O evangelho de Marcos dá mostras de ser o livro mais antigo. O evangelho de João foi o último entre os evangelhos a ser escrito e possui características particulares tanto do ponto de vista dos textos quanto da perspectiva teológica do escrito.


a

mulher samaritana “Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana?�


13


14

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

sendo judeu, tu me pedes de beber, a

Jesus lhe respondeu: “Se conhece daria água viva!”

q

João, 4: 1-26; 4-28-30; 4:39-42

Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele fazia mais discípulos e batizava mais que João — ainda que, de fato, Jesus mesmo não batizasse, mas os seus discípulos — deixou a Judéia e retornou à Galileia. Era preciso passar pela Samaria. Chegou, então, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto da região que Jacó tinha dado a seu filho José. Ali se achava a fonte de Jacó. Fatigado da caminhada, Jesus sentou-se junto à fonte. Era por volta da hora sexta. Uma mulher da Samaria chegou para tirar água. Jesus lhe disse: “Dá- me de beber!” Seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimento. Diz-lhe, então, a samaritana: “Como,

Ela lhe disse: “Senhor, nem seque porventura, maior que o nosso pai Ja animais?”

Jesus lhe respondeu: “Aquele que mais terá sede. Pois a água que eu lh

Disse-lhe a mulher: “Senhor, dá-m

Jesus disse: “Vai, chama teu marid


15

a mim que sou samaritana?” (Os judeus, com efeito, não se dão com os samaritanos.)

esses o dom de Deus e quem é que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias e ele te

er tens uma vasilha e o poço é profundo; de onde, pois, tiras essa água viva? És, acó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, assim como seus filhos e seus

bebe desta água terá sede novamente; mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca he der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna”.

me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir mais aqui para tirá-la!”

do e volta aqui”.


16

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

A mulher lhe respondeu: “Não tenho marido”. Jesus lhe disse: “Falaste bem: ‘não tenho marido’, pois tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido; nisso falaste a verdade”. Disse-lhe a mulher: “Senhor, vejo que és um profeta. . . Nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis: é em Jerusalém que está o lugar onde é preciso adorar”. Jesus lhe disse: “Crê, mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora — e é agora — em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”. A mulher lhe disse: “Sei que vem um Messias (que se chama Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo”. Disse-lhe Jesus: “Sou eu, que falo contigo”. A mulher, então, deixou seu cântaro e correu à cidade, dizendo a todos: “Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Não seria ele o Cristo? “Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro. Muitos samaritanos daquela cidade creram nele, por causa da palavra da mulher que dava testemunho: “Ele me disse tudo o que fiz!” Por isso, os samaritanos vieram até ele, pedindo-lhe que permanecesse com eles. E ele ficou ali dois dias.

Bem mais numerosos foram os que creram po não é por causa do que tu falaste que cremos. N verdadeiramente o salvador do mundo”.


or causa da palavra dele e diziam à mulher: “Já Nós próprios o ouvimos, e sabemos que esse é

17


18

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...


19

Desta vez, abandonando a estrada mais usual das comunicações entre os galileus e Jerusalém, cujo traçado seguia de Jericó a Batanéia, pelo curso do Jordão, galgara a serra de Efraim e derivara pela encosta setentrional, contornando o monte sagrado onde os samaritanos adoravam a Jeová. Vindo do vale do Jordão, para chegar a Samaria, teve que penetrar nos “ouadis” Aqrabeth ou Beit-Dedjan, caminho muito mais árduo, porque O obrigava a penosa subida por senda pedregosa (e de pedras pontudas), até atingir a planície de Mahné, onde se situava Sicar (que não deve confundir-se com Siquém, tantas vezes visitada pelos patriarcas, conforme Gên.12:6; 33:18 etc .). Realmente o encontro não se deu em Siquém, cidade abundante de água, mas em Sicar (hoje el-Akar). O poço de Jacó ficava a menos de cinco minutos ao sul da cidadezinha, ainda habitada na época de Jesus. Esse poço captava uma fonte subterrânea; daí empregar o evangelista, indiferentemente, ora poço, ora fonte. Era no mês de Kislev (dezembro/ janeiro), à hora sexta. Quando Jesus chegou ao pé da fonte, estava cansado da íngreme ladeira que galgara, e sentou-se (literalmente “deixou-se cair com toda sem cerimônia, sobre a borda do poço ou ao lado dele). João não deixa de anotar (sempre os números!) a hora: era a hora “sexta”, ou seja, cerca do meio-dia. Bom lugar para um repouso, a essa hora escaldante. Enquanto o Mestre repousava, seus discípulos vão pouco além, à cidade, para buscar alimentos. *


20

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Jesus preferiu fica só, aguardando. Aos discípulos? Não; o Mestre sabe que alguém virá à cisterna, e esse “alguém” será o instrumento do seu Anúncio na terra da Samaria. Desde muito, este povo separou-se de seus irmãos da Judéia; e eis que dele se aproxima o Conciliador, aquele que pergunta aos corações: por que odiais? Alguém virá ao poço de Jacó. Algum personagem importante, cujo prestígio empresta à sua palavra o valor de grave testemunha? Não; a pessoa que virá será humilde e se nenhuma importância. Mas, então, deve ser uma alma santa, de imaculadas virtudes.... E, no entanto, assim não é. Trata-se, pelo contrário, de uma alma pecadora, carregada de culpas, uma criatura que não tem a vida limpa... * Somos todos falíveis, todos suscetíveis de cair muitas vezes, depois de nos havermos levantado. Jesus não veio alterar a natureza do homem, revogar o nosso livre arbítrio, criar uma humanidade diferente; veio mostrar um caminho, ascender uma luz. Dispensar-nos força e estímulo para nossa jornada redentora. Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me. (Mateus 16 : 24) Na caminhada de Jesus, encontramos o fraco Pedro, o incrédulo Tomé, a ambiciosa mulher de Zebedeu, o comodista Nicodemos, o zombador

Natanael, a utilitária Marta, a maculada Madalena, a esperta samaritana, todos esses poderão animar a nossa fraqueza e aplacar as nossas inquietações... Jesus bem conhecia e bem conhece o “barro humano”; bem sabia e bem sabe dos conflitos desesperadores entre a nossa carne e o nosso espírito. Mais razão ao afirmar: Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento.(Marcos 2 : 17) E completa em outro momento: Digo-lhes que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.

(Lucas 15 : 7)

Era a voz da esperança aos esquecidos pelos religiosos, aos apartados pelos preconceitos, aos que padeciam conflitos, aos que haviam se equivocado e cometidos erros, aos caídos e deserdados. Porque eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. (João 12

: 47)

Desde os tempos do Profeta Ezequiel, sabia-se que a justiça divina era repleta de amor e de misericórdia: Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Deus; Não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva? (Ezequiel, 18: 23) O que o Meigo Rabi desejava era a decisão, a determinação, a antevisão do futuro a ser construído por cada um de nós, uma vez fincados os alicerces do reino de Deus em nossos corações. Todo o “material de construção” necessário para tal obra, Ele, o Sublime


21

Artífice nos disponibilizava com a Boa Nova. Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus. (Lucas, 9: 62) Para nossos dias atuais, fica o exemplo e o testemunho histórico daqueles que se decidiram por seguir Jesus, pecadores que eram e se fizeram construtores da nova humanidade. Por nossa vez, não receemos o engajamento no serviço do Bem, em face de nosso passado, onde ficaram os registros de erros. * A título de ilustração, leiamos oportuna mensagem ditada pelo Espírito Irmão X (Humberto de Campos), através da mediunidade de Chico Xavier, extraída do livro Contos desta e de outra vida, intitulada:

O ANJO, O SANTO E O PECADOR. O Pecador escutava a orientação de um Santo, que vivia, genuflexo, à porta de templo antigo, quando, junto aos dois, um Anjo surgiu na forma de homem, travando-se breve conversação entre eles. O ANJO – Amigos, Deus seja louvado! O SANTO – Louvado seja Deus! O PECADOR – Louvado seja! O ANJO (Dirigindo-se ao Santo) – Vejo que permaneceis em oração e animo-me a solicitar-vos apoio fraternal. O SANTO – Espero o Altíssimo em adoração, dia e noite. O ANJO – Em nome d’Ele, rogo o socorro de alguém para uma criança que

agoniza num lupanar. O SANTO – Não posso abeirar-me de lugares impuros... O PECADOR – Sou um pobre penitente e posso ajudar-vos, senhor. O ANJO – Igualmente, agora, desencarnou infortunado homicida, entre as paredes do cárcere... Quem me emprestará mãos amigas para dar-lhe sepulcro? O SANTO – Tenho horror aos criminosos... O PECADOR – Senhor, disponde de mim. O ANJO – Infeliz mulher embriagou– se num bar próximo. Precisamos removê-la, antes que a morte prematura lhe arrebate o tesouro da existência. O SANTO – Altos princípios não me permitem respirar no clima das prostitutas... O PECADOR – Dai vossas ordens, senhor! O ANJO – Não longe daqui, triste menina, abandonada pelo companheiro a quem se confiou, pretende afogar-se... É imperioso lhe estenda alguém braços fortes para que se recupere, salvandose-lhe também o pequenino em vias de nascer. O SANTO – Não me compete buscar os delinquentes senão para corrigi-los. O PECADOR – Determinai, senhor, como devo fazer. O ANJO – Um irmão nosso, viciado no furto, planeja assaltar, na presente semana, o lar de viúva indefesa... Necessitamos do concurso de quem o dissuada de semelhante, propósito


22

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

aconselhando-o com amor. O SANTO – Como descer ao nível de um ladrão? O PECADOR – Ensinai-me como devo falar com ele. Sem vacilar, o Anjo tomou o braço do Pecador prestativo e ambos se afastaram, deixando o Santo em meditação, chumbado ao solo. Enovelaram-se anos e anos na roca do tempo, que tudo alterara. O átrio mostrava-se diferente. O santuário perdera o aspecto primitivo e a morte despojara o Santo de seu corpo macerado por cilício e jejum, mas o crente imaculado aí se mantinha em Espírito, na postura de reverência. Certo dia, sensibilizando mais intensamente as antenas da prece, viu que alguém descia da Altura, a estender-lhe o coração em brando sorriso. O Santo reconheceu-o. Era o Pecador, nimbado de luz. - Que fizeste para adquirir tanta glória? – perguntou-lhe, assombrado. O ressurgido, afagando-lhe a cabeça, afirmou simplesmente: - Caminhei. * Voltemos ao Poço de Jacó. * Nesse interim, aproxima-se uma mulher da região da Samaria, hoje denominada Sebastieh, “samaritana”. Não vinha da cidade de que ficava a 12 km de Sicar. Comum era o hábito de buscar água em ânforas, nos poços. O poço de Jacob mede 39 metros de profundidade, e só quem possua uma corda bastante longa poderá haurir água. Ora, os viajantes não costumam carregar tais apetrechos, pois ninguém recusa um pouco d’água a um

peregrino sedento.

Jesus solicita esse obséqu longa data, recrudescida apó colaborassem na restauração estabeleceu um templo no m que fez mais tensas as relaç (50:27-28) diz: “há duas na de Seir, os filisteus e o povo (Josefo, Ant. Jud.8.2, 2 e 20

Tudo justifica, pois, a surp


23

uio da samaritana. Acontece que, entre samaritanos e judeus havia animosidade de ós o cativeiro, quando os companheiros de Zorobabel recusaram que os samaritanos o do templo (Esdras.4:1-5). Mais tarde, o sacerdote Manassés, expulso de Jerusalém, monte Garizim, servido por clero regular, rivalizando com Jerusalém (Ant.Jud.11.7,2) o ções. Os judeus equiparavam os samaritanos aos “filisteus”, a tal ponto que o Eclesiástico ações que minha alma detesta, e a terceira nem é uma nação: os que moram na montanha insensato que habita Siquém”. Os samaritanos de seu lado não poupavam os judeus 0, 6, 1).

presa da samaritana, ao ouvir que Jesus falava com ela. Que era um galileu, manifestava-o


24

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

seu sotaque (cfr.Mat.26:73) e as borlas de seu manto (cfr.9:20 e Mr. 6:56). Embora sem recusar a água, faz-lhe sentir sua estranheza. Jesus, que nela viu um espírito de escol, capaz de penetrar os “mistérios do Reino”, aproveita a circunstância para esclarecê-la. Começa o Rabbi dizendo “se souberas o dom de Deus, tu Lhe pedirias de beber, e Ele te daria a água viva”. Evidente tratar-se de um simbolismo, notável sobretudo numa região pobre de água. A samaritana, porém, não percebe o simbolismo (tal como ocorrera com Nicodemos) e interpreta ao pé da letra, embora lhe tenha dado, agora, o título de Senhor, reconhecendo-Lhe a superioridade incontestável. Ao verificar que não era compreendido, Jesus volta à prática pedindo que ela chame seu marido, ao que ela confessa não tê-lo. Jesus confirma-o, declarando que já tivera cinco, e que o atual lhe não pertencia. Admirada, confessa a samaritana ver nele um Profeta, com capacidade de conhecer a vida intima das criaturas. Tendo entrado no terreno religioso, a samaritana aproveita para pedir que Jesus dirima a questão, declarando quem está certo: os judeus, que celebram seu culto em Jerusalém, ou os samaritanos, que o fazem no monte Garizim, no local do templo construído por Manassés em 400 A.C. , mas destruído em 129 A.C. por João Hircan. Ainda hoje os samaritanos celebram sua páscoa nesse monte. A cena passase no sopé do Garizim e do Hebal, onde está o poço de Jacó. Esse desvio teológico deve ter

aliviado a tensão da samaritana, temerosa de maiores verificações em sua vida particular. Jesus pede-lhe que acredite nele, como profeta que ela mesma reconhece, e passa a fazer-lhe revelações. Declara taxativamente que não tem importância o lugar físico e geográfico do culto ao Pai. Mas, prossegue o Mestre, virá a hora - e é agora - em que os verdadeiros adoradores O cultuarão em espírito, pois esta é a Vontade divina. Jesus prega abertamente o universalismo: o Pai comum de todos os homens será adorado em qualquer lugar físico, pois o verdadeiro templo de Deus é nosso próprio espírito e nosso corpo (cfr.Rom.8:9,11; 1 Cor.3;16,17 e 6:19; 2 Cor. 6:16; 2 Tim.1:14 e Tiago 4:5). Não há mais necessidade de templos; nada mais de liturgias, fórmulas sacramentais e sacramentos, pompas e solenidades: os verdadeiros adoradores rejeitam tudo isso, e adoram em espírito

ver éa rito per o cu pro 5:2 pró

A

N que


rdadeiro. Adorar a Deus em verdadeiro espírito, adorá-lo verdadeiramente. Ao passo que os os, liturgias e gestos mágicos trazem o terrível rigo de materializar, e, portanto, mecanizar, ulto. E contra essa mecanização, sempre otestaram os mestres (cfr. Oseas. 6:6; Amós, 20-26; Isaías, 1:11-17: Salmo 50:7-23), e o óprio Jesus (Mat.15:8 e Marc.7:6).

A expressão de Jesus é clara: Deus é o espírito.

Nessa amplitude de visão universalista, a erela entre judeus e samaritanos toma a

25

Atual vista do alto do Monte Garizim proporção de minúscula discordância de personalidades vaidosas, sem importância alguma. Diante do exposto, a samaritana indaga a respeito do Messias aguardado por eles como pelos judeus. Nesse ponto, Jesus declara sem rebuços: “sou Eu, quem fala contigo”. Foi feita a revelação. No início (vers 11) a samaritana o

Atual vista do alto do Monte Hebal


26

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

julga um grande homem (Senhor); mais tarde (vers.19), chega à conclusão de que se trata finalmente (vers.26) nele reconhece o ungido (Messias ou Cristo). Deu-lhe, pois, a explicaç “Se souberas quem fala contigo!! *

Todo o episódio narrado no cap. 4.º de João, referente à samaritana, está repleto de liçõ


a de um inspirado (Profeta); e ção de Suas primeiras palavras:

ões maravilhosas.

27

Não quer isto dizer que se não tenha realizado o fato relatado pelo evangelista. Absolutamente, o fato realizou-se na esfera terrena. Realmente os pormenores se verificaram, como em todas as outras cenas apontadas pelos evangelistas. Pretendem alguns que tudo seja simbolismo. Não aceitamos. Acreditamos firmemente que todas as cenas narradas nos Evangelhos são reais, foram vividas no plano terreno, material. Mas Jesus era tão adiantado que saiba aproveitar todas as ocasiões para dar lições. Encaminhava os acontecimentos de forma a que deles, quem o pudesse, extrairia lições para sempre. Daí ter falado sempre em parábolas, enquanto outros ensinamentos eram vividos. Também os evangelistas, mais tarde, souberam escolher aquilo que deviam revelar, pois nem tudo disseram do que fez Jesus em Sua passagem pela Terra, pois “se o fizessem, o planeta não comportaria os livros necessários para narrá-los” (João, 21:25) . * ESPANTO DOS DISCÍPULOS João, 4:27; 4: 31-38 Naquele instante, chegaram os seus discípulos e admiravam-se de que falasse com uma mulher; nenhum deles, porém, lhe perguntou: “Que procuras?” ou: “O que falas com ela?” Enquanto isso, os discípulos rogavam-lhe: “Rabi, come!” Ele, porém, lhes disse: “Tenho para comer um alimento que não conheceis”. Os discípulos se perguntavam uns aos outros: “Por acaso alguém lhe teria trazido algo para comer?” Jesus lhes disse: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra. Não dizeis vós: ‘Ainda quatro meses e chegará a colheita’? Pois bem, eu vos digo: Erguei vossos olhos e vede os campos: estão brancos para a colheita. Já o ceifeiro recebe seu salário e


28

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

recolhe fruto para a vida eterna, para que o semeador se alegre juntamente com o ceifeiro. Aqui, pois, se verifica o provérbio: ‘um é o que semeia, outro o que ceifa’. Eu vos enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam e vós entrastes no trabalho deles”. * Recordemos que, com Jesus, havia apenas cinco discípulos: os irmãos Pedro e André, João, Natanael e Filipe. Não era o “colégio apostólico”, que não fora ainda constituído. Acompanhavam a Jesus sem compromisso formal, tanta que voltaram a seus afazeres na barca. Pouco mais tarde é que Jesus os convoca oficialmente, para o serviço ativo do “reino”. A samaritana, impressionada com as palavras de Jesus, corre a dizê-lo à população, sempre com aquele típico exagero feminino: “contou-me tudo o que fiz. ... Mas, depois que saíra esbaforida, deixando até a ânfora ao pé do poço, pois podia-lhe estorvar a caminhada, vêm as explicações de Jesus aos discípulos, espantados de vê-Lo a entreter-se interessadamente com uma mulher e, ainda por cima, “samaritana” ... Esse reparo não deve fazer-nos supor que Jesus fosse um misógino, isto é, que tivesse aversão ou horror às mulheres. Nada disso: por onde ia, acompanhava-o um grupo de mulheres para servi-Lo, talvez até contando-se entre as que O acompanhavam suas irmãs (Joana, Maria e Salomé?). A admiração provém do fato de Jesus, um Rabbi, entreter-se publicamente com uma mulher do povo e desconhecida. Também não se refere, como dizem alguns comentadores, à “má vida” da samaritana, que deles não era conhecida; mesmo porque, embora

tivesse mudado “de marido”, não era absolutamente o que pudesse chamarse mulher “pública”. Bem longe disso. Mas os discípulos respeitaram a atitude do Mestre, e nenhum deles ousou, como anota o evangelista, “interrogá-Lo” e, muito menos, criticáLo (como é tão comum hoje em todos os círculos espiritualistas: se um elemento aborrece ou tem raiva de alguém, todos acham muito natural; mas se gosta de alguém, chovem as críticas e todos se afastam; e no entanto, ele cumpre a lei do amor! A humanidade ainda tem muito o que aprender). Embora houvesse pedido água, por estar com sede, Jesus recusa comer: não sente mais o vazio do apetite material, pois a satisfação de seu espírito se estendera a todos os veículos, até mesmo no físico. O Amor também alimenta! O desejo, não: até aumenta o apetite. Mas o Amor é saciedade e, por ser tal, satisfaz totalmente. Os discípulos não compreenderam a causa. Alguém, talvez a própria mulher, Lhe teria trazido de comer? Jesus explica: o alimento principal do Espírito é fazer a vontade Daquele que O enviou. Mais tarde ensinaria “procurai em primeiro lugar o reino de Deus e Sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo” ( Mt.6:33). Depois vem uma lição de profundidade, otimamente colhida no panorama que se estendia a seus pés no vale, talvez provocada pela observação de um dos discípulos: “ainda quatro meses e chegará a ceifa”. A planície, contemplada do alto, devia aparecer pejada de espigas nos trigais, que começavam a amadurecer aos mais


29

ardorosos sóis da primavera, que já se preparava para o verão, num exuberante junho palestinense. Note-se que, nessa região, ao invés de amarelecer como na Europa, o trigo assume uma tonalidade branquiça. “Olhem, pois, e vejam que já está esbranquiçando o trigo, que está quase maduro”. E daí à lição do ceifador, que se empregava por tarefa para a colheita. Na realidade, o provérbio “um semeia e outro colhe” provinha justamente do fato de que, para as colheitas, eram contratados trabalhadores de fora, afim de que fosse ela completada dentro do prazo oportuno, sem correr o risco de estragar-se no pé. O ceifador colhe, mediante salário, o que o semeador plantou, e ajunta no celeiro para o futuro. Assim na vida espiritual, a colheita é feita para a Vida Imanente, no Reino dos Céus. E Jesus termina: “eu vos enviei a colher num campo em que não trabalhastes: vós entrastes no trabalho dos outros”. Referia-se à longa e penosa plantação que durante séculos e milênios vinha sendo feita na Terra pelos Manifestantes divinos, pelos Profetas, Mestres e Filósofos, por todos os homens de Deus que aqui chegavam para preparar a humanidade para o grande passo.


Jesus é expulso

de Nazaré

E, levantando-se, expulsaramno para fora da cidade e o conduziram até um cimo da colina sobre a qual a cidade estava construída, com a intenção de precipitá-lo de lá. Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho...


31


32

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

ouvidos essa passagem da Escritura”.

Todos testemunhavam a seu respeito, e admi José?”

j Lucas, 4: 14-15) Jesus voltou então para a Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a região circunvizinha. Ensinava em suas sinagogas e era glorificado por todos. Ele foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; abrindo-o, encontrou o lugar onde está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor. Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no, atentos. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu aos vossos

Ele, porém, disse: “Certamente ireis citar-me Cafarnaum, faze-o também aqui em tua pátria”.

Mas em seguida acrescentou: “Em verdade vo havia em Israel muitas viúvas nos dias de Elias, devastou toda a região; Elias, no entanto, não fo igualmente muitos leprosos em Israel no tempo

Diante dessas palavras, todos na sinagoga se um cimo da colina sobre a qual a cidade estava prosseguia seu caminho...


33

iravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca. E diziam: “Não é o filho de

e o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em .

os digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. De fato, eu vos digo que quando por três anos e seis meses o céu permaneceu fechado e uma grande fome oi enviado a nenhuma delas, exceto a uma viúva, em Sarepta, na região de Sidônia. Havia do profeta Eliseu; todavia, nenhum deles foi purificado, a não ser o sírio Naamã”.

e enfureceram. E, levantando-se, expulsaram-no para fora da cidade e o conduziram até construída, com a intenção de precipitá-lo de lá. Ele, porém, passando pelo meio deles,


34

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Jesus voltou à Galileia, depois dos dois dias que passara com os samaritanos. Era maio/junho de 29 AD. Maria vibra de felicidade. Ali está de novo, junto dela, o filho querido. Volta com grande grupo de discípulos. Vem precedido da fama de feitos surpreendentes e de uma doutrina arrebatadora. Ao entardecer do dia seguinte, a Sinagoga, mais do que nos sábados anteriores, estava repleta. A notícias da vista do Mestre a Nazaré circulara, desde cedo, entre a gente do lugar. Na Sinagoga repleta, Jesus entra com serenidade austera e simples. Corre largo murmúrio por toda a assembleia.

Sinagoga na Galileia típica do tempo de Jesus

Convidado, Jesus ergue-se e caminha para a mesa. O presidente entrega-lhe o rolo de papiro. O Mestre desenrola-o e ao acaso começa a ler a porção da Haftora, de Isaías 61:1-2:

se maravilhavam.

- O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a apregoar liberdade aos cativos, a libertar os oprimidos, a anunciar o ano da graça do Senhor. E declarou: - Neste momento acaba de se cumprir esta escritura. E, como o silêncio era profundo e comovido, a voz de Jesus começou a vibrar, ensinando a doutrina do reino de Deus. Todo ele irradiava estranha simpatia, sedução arrebatadora, e, sobre as almas sedentas de verdade, as suas palavras caíam como orvalho matutino. A exposição era clara, de luminosidade transparente; ritmavase numa embaladora harmonia e, ora jogando com imagens acessíveis, ora entretecendo parábolas fascinantes de beleza, ia tornando tão evidente a distinção entre o Bem e o Mal, que todos

Todos? Todos. Muitos, porém, pelo que havia curioso, de singular, naquele Rabi, que não estud em parte alguma e falava como um doutor da Lei. Entre esses, os escribas locais, confundidos humilhados, porque jamais haviam conseguido f assim, e os notáveis e ricos, os vaidosos do pequ burgo, os que não podiam se conformar com aqu superior humildade e sabedoria da parte de um moço que nascera ali e viram crescer. * O doente deseja o remédio, mas reclama do amargo do mesmo.

O homem deseja um mundo de paz, mas pou contribui para isso.

O estudante almeja ser diplomado, mas pouc afeiçoa ao estudo regular. Mas, mas e mas...

“Mas”: é uma conjunção adversativa, indica c oposição entre ideias. Transmite uma noção de oposição ou limitação. *

Na sua fala, Jesus proclama a universalidade sua doutrina. Deus é pai dos fenícios e dos sírios


de dara

e falar ueno uela

uco

co se

clara

de s,

35

por consequência o povo judeu, que foi apenas depositário das esperanças do mundo, não é o único, o privilegiado. Elias e Eliseu, ao beneficiarem uma sidonita e um sírio, profetizaram, anunciando aquele que, repelido na sua pátria, dirigir-se-ia a todos os povos da terra. * As pessoas se admiravam, se comoviam e se encantavam com a profundida, clareza e sabedoria dos comentários de Jesus sobre o texto lido no livro do profeta Elias, bem como estavam fortemente impressionados com as notícias dos ditos e feitos extraordinários que Ele vinha promovendo em toda a Galileia. Era incontestável que através DEle se realizava a profecia de Isaías, ao dizer – sobre Cafarnaum – que na região de Zabulão, e Neftali, caminho do mar, além do Jordão, onde uma grande luz seria vista pelo povo que jazia nas trevas, região da morte, e a buscaria para sempre, a fim de que não mais voltasse a haver trevas. Sabia-se ali, diante deles, estar o Sol vitorioso. Seu verbo conclamava uma autoanálise, uma reflexão madura, “que atirasse a primeira pedra quem estivesse sem pecado”, uma mudança de valores, uma retomada da própria identidade, a fim de se identificar com Deus. Tudo era sublime e belo para se ouvir, MAS... para se adentrar no reino de Deus, era preciso reforma moral íntima para melhor, renúncia, solidariedade, fraternidade, amor... “Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me”. *

- ... ninguém é profeta em sua terra! E a clara oposição entre as novas e boas ideias e as velhas crenças, fortalecidos pelas próprias fraquezas morais, pelas limitações de aspirações, os nazareus se viram envolvidos entre os apelos da Luz Maior e os interesses mesquinhos e trevosos do status do poder dominante de sacerdotes e beneficiários da religião, tomados de inveja e despeito. As suas palavras, entretanto, feriam, na visão dos “detentores da palavra de Deus”, o nacionalismo religioso, o preconceito judaico, a intransigência dos que pretendiam trancar Deus infinito nas fronteiras de Israel. Deus é para todos? Como? Contrariados alguns, inconformados outros, começaram incitar os demais à intolerância que lhes era característica. Outros tantos cederam ao sombrio propósito não só de expulsar o Sol Imorredouro, mas, pasmem!, de matálo, jogando-o do cimo da colina! * A tola pretensão de matar-se o homem, imaginando que se mata a ideia. Jesus fez a predição: “Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome”.(Mateus 24:9) Mesmo sem ser a história muito precisa a esse respeito, mas consta, sobre os apóstolos, que: ANDRÉ - O lugar do seu martírio foi em Acaia (província romana que, com a Macedônia, formava a Grécia). Diz a tradição que ele foi amarrado a uma cruz em forma de xis (não foi pregado) para que seu sofrimento se prolongasse. BARTOLOMEU - Foi esfolado vivo e crucificado de cabeça para baixo. Outros dizem que teria sido golpeado até a


36

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

morte.

morrido como mártir na Etiópia.

FILIPE - Diz-se que pregou na Frigia e morreu como mártir em Hierápolis.

MATIAS (substituto de Judas) - Diz-se que ex Judéia e Macedônia. Teria sido martirizado na Et

JUDAS TADEU - Diz a tradição que pregou o Evangelho na Mesopotâmia, Edessa, Arábia, Síria e também na Pérsia, onde foi martirizado juntamente com Simão, o Zelote.

PAULO - Segundo a tradição, decapitado em R Nero, no ano 67 ou 70.

MATEUS - Percorreu a Judéia, Etiópia e Pérsia, pregando e ensinando. Há várias versões sobre a sua morte. Teria

Pediu para ser crucificado de cabeça para baix de morrer na mesma posição de Cristo.

PEDRO - Segunda a tradição, sua crucifixão v anos 64 e 67, em Roma, por ordem de Nero.

SIMÃO (o Zelote) - Julga-se que morreu cruci


xerceu seu ministério na tiópia.

Roma, nos tempos de

verificou-se entre os

xo, por achar-se indigno

ificado.

37

TIAGO (o maior) - Por ordem de Herodes Agripa, foi preso e morto a espada em Jerusalém, entre os anos 42 e 44. TIAGO (o menor) - Segundo a tradição, martirizado provavelmente no ano 62. TOMÉ (que só acreditava no que via) - Consta que seu martírio se deu por ordem do rei de Milapura, na cidade indiana de Madras, no ano 53 da era cristã. Os “nazareus” modernos fizeram o mesmo com Joanna D’Arc, Jun Huss, Martin Luther King Jr, Mohandas Karamchand Gandhi e outros muitos. Plínio Salgado, em seu livro Vida de Jesus, apresenta-nos esse momento que agora comentamos, com a culminância bem apropriada dos ânimos daquele povo. Acompanhemos: Toda a assembleia se levantou num turbilhão furioso, em que o arrastar e o tombar de cadeiras se misturava aos gritos selvagens. Agarrando Jesus pela túnica, os mais exaltados arrastaram-no para fora da Sinagoga. - Que faremos dele? - Blasfemou! Blasfemou! - Sim! Ao barranco! Ao barranco! E, em voragem rodopiante e desgrenhada, conduziram Jesus a alta montanha próxima dos estádios da cidade. Cercada pelos parentes, Maria soluçava, presenciando o crime inominável que os conterrâneos praticavam contra seu filho. Seu espanto não tinha limites. Entre aqueles desesperados, via muitos a quem tratara sempre com bondade; alguns que lhe deviam obséquios. Iam matar-lhe o filho. Ali mesmo, na sua própria terra. Tudo quanto ela temera que ocorresse em cidades longínquas e estranhas, ia ocorrer ali, perto dela, dentro dos muros de Nazaré! - Faze agora um milagre! Faze! - Vê se te livras de nós, intrujão! - Salva-te, profeta! Chegaram ao topo do abismo. E Jesus fez o milagre, reclamado pela sua terra. No instante em que os braços robustos iam precipitá-lo, eis que se paralisam inteiriçados. Toda a multidão jaz imóvel, os olhos pregados nele, sem poder articular mais um só grito.


38

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

E Jesus, devagar, sereno, grandioso, caminhou entre os seus conterrâneos, e entrou de novo na cidade. * As estrelas brilhavam quando o Mestre partiu, seguido pelos discípulos, sob os olhos comovidos de Maria. Desapareceu na estrada que deriva para a planície do Esdrelon. * E Nazaré arrependeu-se pelos séculos do porvir. * Leiamos comentários a respeito, na palavra de Amélia Rodrigues, em seu livro: O trigo de Deus, cap. 8:

NÃO O RECEBERAM Lucas, 4 : 16 a 30 e Mateus, 13 : 55 e 56.

Ao tempo de Jesus, Nazaré era uma aldeia perdida nas encostas dos montes de calcário, na região da Baixa Galileia. Parecia uma pérola, que esplendia entre pedras brutas, cercada de flores miúdas quase que permanentes. Fundada, fazia mais de dois mil anos, antes de Jesus, não tinha qualquer importância, porque nenhuma estrada significativa a atravessava, exceto quando se seguia a rota algo escarpada na direção do Egito, caminho certamente percorrido por Maria, José e o Filho, quando da fuga para liberar-se do ódio de Herodes. Nazaré se tornaria conhecida depois dEle. Não é o lugar que torna notável o homem, mas este que, extraordinário, dignifica o lugar de sua origem elevando-o ao estado de grandeza, de notoriedade.

Nazaré situa-se em uma bacia, a quase quatr Mediterrâneo.

O seu é um clima privilegiado e o vale de Jezr do historiador Flávio Josefo comentários entusiá

Ao oeste, podem-se ver o monte Carmelo e o a planície do Esdrelon, região onde está Meguido derrota; ali também lutaram os Macabeus, sonh o monte de Gelboé e, a nordeste, o lago de Tibe

Saul fora derrotado pelos filisteus muito perto assinalado o seu fracasso face à desobediência à lhe viera falar através da mediunidade exuberan


rocentos metros acima do nível do mar

rael é sempre fértil e verde, havendo merecido ásticos e comovedores.

o mar; a leste está o vale do Jordão; ao sul, o e na qual o rei Josias sofreu sua terrível hando com a liberdade. Mais ao sul, encontra-se eríades.

o dali, nas cercanias de Gelboé, ficando à profecia de Samuel, o último dos Juizes, que nte da pitonisa do Endor...

39

Não sendo uma aldeia importante, esteve sujeita a Jafa, a Séforis, a Quislot, e ficou quase esquecida. A população da Galileia era constituída por sírios, que vieram do Norte, gentios, romanos do meado do século I, a.C, gregos que fugiram das conquistas de Alexandre Magno, e pelo povo da região, que falavam o dialeto arameu, uma linguagem pobre que se arrimava às imagens vivas da Natureza, sem dispor de um vocabulário próprio para vestir as ideias.


40

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Não seja, portanto, de estranhar, que o Mestre usasse a mesma palavra para definir, às vezes, coisas e acontecimentos diferentes. Por outro lado, era comum que um mesmo vocábulo adquirisse um significado mais genérico, o que, certamente, criou dificuldades para o entendimento das anotações escriturísticas. * Em Nazaré haviam chegado as notícias dos feitos que comoveram Cafarnaum. O jovem ali conhecido passara a curar e o Seu magnetismo arrebatava as multidões necessitadas que O buscavam. Nesse clima, Ele resolveu em um sábado vir a Nazaré e visitar a sinagoga, como era do Seu hábito. A casa de orações se encontrava repleta. A Sua chegada houve uma comoção geral. A beleza que dEle se irradiava parecia penetrar as almas, sensibilizando-as com amor e ternura, ou despeito e inveja. Sempre acontecerá o mesmo fenômeno com as pessoas de vida pública, guias e líderes das massas... NEle, no entanto, atingia-se o máximo e isto se generalizava por onde passasse à Sua grandeza. Tomando da Tora, Ele leu o texto de Isaías e referiu-se: — O Espírito do Senhor está sobre mim. Pelo que me unge, para anunciar as boas novas aos pobres. Silenciou. Logo após, disse: — Hoje se cumpriu esta Escritura na

minha pessoa... E prosseguiu comentando o texto em luz. Houve silêncio e interesse.

Alguns presentes indagaram, comovidos: — N trabalhava na carpintaria, que todos conhecemo amigos com os quais convivemos?

Era, portanto, um momento singular, rico de e Ele prosseguiu integérrimo:

— Ninguém é profeta em sua terra, nem enco dirá: — Médico, cura-te a ti mesmo.

“Quando os céus deixaram de fertilizar a terra a aflição das viúvas, exceto à de Sarepta, de Sid


41

leprosos o buscaram, ele não os limpou, dando preferência ao sírio Naaman... “Desse modo, foram maltratados pelos familiares e coetâneos.” A ira, a inveja e a revolta uniramse em desequilíbrio e expulsaram-nO, levando-0 a uma encosta, pensando em atirá-lo do alto, em expiação, qual o fazem com o bode sacrificado na festa do Yom Kippur. Jesus olhou-os com infinita compaixão, liberou-se de suas mãos e atravessou o grupo furibundo, descendo a Cafarnaum... Nazaré possuía apenas uma fonte de águas generosas e abundantes, e talvez isso haja contribuído para que permanecesse, até o século II, quase desconhecida. Graças a Jesus e às terras férteis do vale do Esdrelon tornou-se famosa, enriqueceu-se de cisternas cavadas no calcário dos montes. A pequena pérola cintilante, que era Nazaré com os seus campos de papoulas escarlates e amarelas ao vento, com os cachos de mirra e ervas aromáticas, conheceu Jesus na Sua infância e juventude.

Velha estrada na Galileia

Não é Ele o filho de José e de Maria, que os e não são os Seus irmãos e irmãs os

expectativas e de carinho.

ontrará guarida na sua própria casa. E se lhe

a com chuvas abençoadas, Elias não atendeu don... E quando Eliseu veio ao povo e os

Ele correu por aquelas pradarias, cabelos à brisa e olhar abrangendo os montes altaneiros que a cercavam a distância. ... Nunca mais Ele voltaria a Nazaré, que significa lugar de sentinela. Nazaré não O recebeu. A inveja, a mágoa, o despeito dos Seus, expulsaram-nO dali. Outras Nazarés existem ainda hoje, aguardando os cristãos decididos a fim de os expulsarem dali.


encarte

para

reflexão

Textos de Amélia Rodrigues e Emmanuel, abordando a temática deste fascículo, que nos convidam a amadurecida meditação.


43


44

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Em

Nazaré não o

recebera

Ao tempo de Jesus, Nazaré era uma aldeia muito modesta com uma população reduzida entre cento e cinquenta a cento e oitenta pessoas, distante seis quilômetros de Séforis, a nova capital da Galileia, aproximadamente cinquenta e dois quilômetros de Cafarnaum, onde passaria a residir por algum tempo. Embora Ele houvesse vivido ali por quase trinta anos, fosse conhecido e seguisse a tradição nazireia, resultado da sua educação doméstica, quando foi anunciado o Seu retorno, os adversários anteciparam-nO e mediante a urdidura das intrigas, da inveja e do despeito geraram embaraços e dificultaram-Lhe o ministério. A intriga é veneno destilado pelas almas doentes incapazes de acompanhar a glória de outrem sem a presença da inveja e do despeito. Ele era puro e isso não se fazia aceito por aqueles que ainda se encontravam nas agruras das imperfeições. Era manso e a ferocidade dos mais primitivos levantava-se para provocá-lO embora não encontrasse resposta equivalente. Ele era nobre como a Vida e os atormentados que a perturbavam não aceitavam a Sua superioridade. Em torno dos Seus passos a indiferença pelo próximo e o esquecimento da fraternidade constituíam comportamento normal, porque os infelizes eram invisíveis, quando não criavam situações embaraçosas para os cômodos. Mas ainda hoje é mais ou menos assim...

almas em turbilhão.

Quando Ele chegou com os Seus discípulos, após uma jornada fatigante, a agressividade local era generalizada, demonstrando quanto ressentimento havia na pequena e hostil população.

Uns chamavam-n acusavam-nO de feit supersticioso...

Havia inverno nos corações, enquanto a primavera estuava em a Natureza.

Os discípulos fora não culminaram em

Sopravam ventos brandos, levemente perfumados, acariciando as

Os mais jovens fi


45

am...

.

nO discípulo de Belzebu para poder realizar o que diziam que Ele era capaz de fazer. Outros tiçaria, diversos gritavam que Ele era mistificador que ludibriava o povo ignorante e

am igualmente agredidos verbalmente e não foram poucas as discussões que, por pouco pugilato.

ficaram furiosos e enfrentaram a ironia e a crítica ácida, defendendo o Amigo.


46

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Os mais experientes não ocultavam o desencanto, ainda mais diante da serenidade do Rabi, que permanecia inalterado. O Reino dos Céus não é imposto pela força. - Disse Ele, mansamente, como se nada de mal estivesse acontecendo. E porque a situação se houvesse tornado grave, a fim de evitar alguma pugna muito do agrado dos desordeiros, Ele convidou os amigos, sem qualquer ressentimento, a retornar a Cafarnaum... Os Seus não O receberam, não O mereciam. A flor delicada da verdade necessita da haste vigorosa para continuar exalando perfume e transformar-se em fruto abençoado. Os narizeus estavam tentando ferir a árvore frondosa da Verdade, a fim de que não houvesse flor nem frutescência. Na saída de Nazaré convulsionada pela insensatez dos Seus inimigos, houve o enfrentamento com a Treva.


47

Nazaré, como a maioria das cidades, tinha os seus réprobos: aqueles que haviam sido expulsos do Livro da Vida, portadores de lepra, de obsessão, de cegueira, das mazelas da alma pela prostituição, alcoolismo, misérias morais... Tornara-se célebre um endemoniado agressivo que, normalmente era expulso da pequenina urbe sob pedradas de crianças e de adultos, e sempre retornava. Relativamente jovem fora acometido de loucura, agredindo os pais e familiares, todos quantos se lhe acercavam, sendo surrado muitas vezes até a exaustão e jogado nos monturos... Passado algum tempo, ei-lo de retorno, furioso e alucinado. Vendo Jesus e os Seus a regular distância, pôs-se a blasfemar e a inquirir: Jesus de Nazaré, por que me persegues? Que queres de mim? Suavemente compadecido enquanto o tresvariado se agitava, Ele indagou tocado pela misericórdia: Quem és tu? A voz roufenha e a baba abundante na boca, respondeu: Sou Satanás que domino este homem e o martirizo. Com dúlcida e enérgica melodia nos lábios, o Senhor respondeu: Satanás, em nome de meu Pai, eu te ordeno: sai dele, deixa-o. A voz, portadora de uma tonalidade especial, sem qualquer laivo de brutalidade, produzindo um especial efeito no infeliz desencarnado, agitou o enfermo, fê-lo convulsionar e deixou-o, tombando-o no solo, como se estivesse numa crise epiléptica. Apesar de acostumados com os sublimes fenômenos produzidos pelo Mestre, os Seus discípulos, a princípio alarmados, foram tomados de jubilosa surpresa. E quando o Senhor auxiliou o paciente a levantar-se perfeitamente recuperado, disse-lhe: Vai e apresenta-te a todos, a fim de que eles saibam o que pode fazer Aquele que vem em nome de Deus. O recuperado sacudiu a poeira da roupa e avançou na direção da praça, onde se amotinavam o povo e alguns fariseus, que o vendo, ficaram estremunhados e agressivos. Alguém gritou com voz estentórea: Quem está de volta! Com muita calma, o ex-alienado respondeu: Sim, sou eu!


48

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Continuas louco, desgraçado, ou alguém te curou? Sem ressentimento e com alegria ripostou: O Mestre recuperou-me...

Não terminou a frase e as gargalhadas de mofa abafaram-lhe a voz em gritaria infrene, c apedrejamento. Foi então que o recuperado bradou mais forte: Jesus salvou-me! Estou curado.

Seus olhos brilhantes e a sua serenidade impactaram os delinquentes que foram domina


com ameaças de

ados por peculiar estupor.

49

Um fariseu soberbo e mendaz acercou-se-lhe com empáfia e olhando-o com aparente serenidade, inquiriu-o: Tu dizes que Jesus te curou? Mas Ele é servo de Belzebu. Ao que o recém-curado esclareceu com lógica irretorquível: Se Ele me curou por Belzebu, por que vós jamais curastes alguém? Que me importa em nome de quem Ele me recuperou. O que posso afirmar é que eu tinha um demônio que me dominava e Ele me libertou. É, portanto, melhor e mais poderoso do que vós. E saiu cantando louvores, seguindo o Mestre. * Nunca faltarão inimigos para a Verdade. Mesquinhos e ignorantes eles sempre se opõem ao amor, mas acima deles e de suas misérias encontra-se a inefável misericórdia de Jesus a todos e a eles também socorrendo. Nazaré não O recebeu, porque ninguém é profeta na sua terra. Nazaré se arrependeu na sucessão dos séculos...

Amélia Rodrigues

Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na sessão mediúnica de 15 de junho de 2015, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia


50

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

O

“Mas”

e os

Discípulos

“Tudo posso naquele que me fortalece.” — Paulo.

(Filipenses 4, 4: 13.)


51

O discípulo aplicado assevera: — De mim mesmo, nada possuo de bom, mas Jesus me suprirá de recursos, segundo as minhas necessidades. — Não disponho de perfeito conhecimento do caminho, mas Jesus me conduzirá. O aprendiz preguiçoso declara: — Não descreio da bondade de Jesus, mas não tenho forças para o trabalho cristão. — Sei que o caminho permanece em Jesus, mas o mundo não me permite segui-lo. O primeiro galga a montanha da decisão. Identifica as próprias fraquezas, entretanto, confia no Divino Amigo e delibera viver-lhe as lições. O segundo estima o descanso no vale fundo da experiência inferior. Reconhece as graças que o Mestre lhe conferiu, todavia, prefere furtar-se a elas. O primeiro fixou a mente na luz divina e segue adiante. O segundo parou o pensamento nas próprias limitações. O “mas” é a conjunção que, nos processos verbalistas, habitualmente nos define a posição íntima perante o Evangelho. Colocada à frente do Santo Nome, exprime-nos a firmeza e a confiança, a fé e o valor, contudo, localizada depois dele, situa-nos a indecisão e a ociosidade, a impermeabilidade e a indiferença. Três letras apenas denunciam-nos o rumo. — Assim recomendam meus princípios, mas Jesus pede outra coisa. — Assim aconselha Jesus, mas não posso fazê-lo. Através de uma palavra pequena e simples, fazemos a profissão de fé ou a confissão de ineficiência. Lembremo-nos de que Paulo de Tarso, não obstante apedrejado e perseguido, conseguiu afirmar, vitorioso, aos filipenses: — “Tudo posso naquele que me fortalece.”

Emmanuel

(Livro: Pão nosso. Emmanuel, Cap. 79. Francisco Cândido Xavier)


52

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Sempre em

direção

à próxima

árvore sobre resiliência

Neste mundo, nada é mais maleável e frágil quanto a água. Contudo, ninguém, por mais poderoso que seja, resiste à sua ação (corrosão, desgaste, choque de ondas), ou pode viver sem ela. Não é bastante claro que a flexibilidade é mais eficaz que a rigidez? Poucos agem de acordo com essa convicção. - Lao-Tsé

Resiliência é um termo usado na linguagem acadêmica, que veio migrado da física. Significa a resistência de uma substância a fortes pressões, temperaturas extremas e a quaisquer outros fatores externos, e que, ao final de tudo, o estado inicial voltará a prevalecer. A água é um exemplo clássico de alta resiliência. Tomemos o seu exemplo para nossa melhor compreensão. Esta substância é totalmente passiva quando as necessidades lhe pressionam a mudar de forma ou de estado. Com o calor torna-se vapor; com a ausência do mesmo se solidifica. Adapta-se ao meio. E basta novamente só um comando para voltar a ser o que era antes. Sem problema! Temos tido nós essa sabedoria, flexibilidade e renúncia? A água também vai aonde deva ir. Viaja pelo mundo, sendo tomada por correntes a lugares às vezes paradisíacos, e outras tantas para os confins

mais in reclama um rem

Ela a mais nã que ten mistura

Esta toda es reserva com pe

Assim humano

A an capacid


53

nóspitos da Terra. Mas se for necessário dar uma parada, pode ficar ali para sempre sem ar. De uma grande onda havaiana, belíssima e imponente, ou uma majestosa cachoeira, a moto e profundo iceberg.

ainda também nos dá outro ensinamento: Se envolve com qualquer tipo de substância ão perde sua essência. Com certos até convive de perto mais não se mistura. O óleo bem nta. Pela aparência pode até parecer que se perdeu, mais continua água. Juntos, mas não ados.

a é a força de resistência que observamos neste composto maravilhoso. Mesmo com sta capacitação, ela não exige lugares de glória. Seja qual for o espaço que lhe estiver ado, pequeno ou grande, estreito ou largo, de difícil ou fácil acesso, ela irá se acomodar erfeição. Estará satisfeita, pois foi designada para isso mesmo.

m, pessoa resiliente é caracterizada por um conjunto de atitudes adotadas pelo ser o para resistir aos embates da vida.

nálise dos comportamentos leva à ideia de que todo ser humano traz dentro de si essa dade inata.


54

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

Alguns a estimulam por si mesmos sobrepujando guerras, maus tratos, conflitos diversos. Outros precisam de ajuda externa, seja de comunidades religiosas ou não, da família ou de terapeutas para ajudá-los a criar os fatores de proteção que suavizam os fatores de risco. Ou seja, são as forças internas e externas que contribuem para minorar esses fatores de risco. E a essa força chama-se resiliência. Assim, diz-se que um indivíduo é resiliente quando consegue superar (e não necessariamente eliminar) as adversidades, encontrando forças para superar e aprender com elas. A forma como lidamos com os agentes estressores é que determinaria o grau de resiliência alcançado. O ser resiliente não foge das opressões e consegue neutralizar seus efeitos sem que necessariamente as mesmas sejam afastadas ou diminuídas. Dá a volta por cima e segue adiante. Ser resiliente também implica em aceitar as coisas como são, se não puderem ser modificadas. A angústia leva algumas pessoas ao desespero enquanto outras procuram consolo e resposta para os acontecimentos. Aprendemos com Lao-Tsé: O rio atinge seus objetivos porque aprendeu a contornar obstáculos. Mediante a coragem de defrontar os sofrimentos e os reveses e trabalhá-los corajosamente com os instrumentos da realidade, podemos modificar o nosso estado íntimo de aceitação ou não das circunstâncias, ensejandonos ressignificar as ocorrências e seus efeitos em nós, mudando nossa forma de pensar e de ser. Quanto maior a lucidez da consciência, melhor equipado o indivíduo na superação da amargura, do desespero, da infelicidade. Um exemplo caracteriza bem o tema.


55

Terry Fox foi um atleta canadense e, mais notavelmente, um ativista para o tratamento de câncer em seu país. Depois de perder uma de suas pernas para um sarcoma, Terry Fox, decidiu cruzar o país de costa a costa, para arrecadar fundos para a pesquisa do tratamento do câncer, pretendendo um milhão de dólares canadianos. Ele começou sua jornada em São João da Terra Nova, em Terra Nova e Labrador, na costa atlântica, em 12 de abril de 1980, e pretendia ir até Vancouver, Colúmbia Britânica, na costa pacífica, numa jornada que acabou conhecida como Maratona da Esperança. Terry Fox correu durante a Maratona da Esperança, em média, o equivalente a uma maratona – 42 quilômetros – por dia. Após 143 dias consecutivos, e de ter percorrido aproximadamente 5.300 quilômetros, Fox foi obrigado a parar sua jornada, quando soube que seu câncer havia se espalhado para seus pulmões. Fox acabou morrendo alguns meses depois, aos 22 anos de idade. A Maratona da Esperança arrecadou um total de 360 milhões de dólares canadianos para pesquisa sobre o tratamento de câncer. Ato de coragem próprio de quem tem objetivo de vida, propósito de viver, resiliência. Certa feita, questionado por um repórter se a sua meta de cruzar a pé todo o seu país não era ousada demais em face de sua deficiência física, respondeu-lhe que em momento algum ele anunciara que tinha esse compromisso (cruzar todo o seu país caminhando uma maratona por dia). Proponho-me sim, continuou ele com outras palavras, ao me levantar cada manhã, caminhar em direção a próxima árvore ou ao próximo poste, e assim sucessivamente, buscando vencer o caminho parte por parte, poste por poste, árvore por árvore. Se ao


56

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

final de um dia caminhei 1, 30 ou 42 quilômetros, é consequência apenas, pois, na manhã seguinte guardarei o firme propósito de ir sempre em direção à próxima e seguinte árvore. Se caio, busco forças em Deus e me levanto, continuando a marcha. Os percalços, as dores, tolero-os e sigo em frente sem destemor. E concluiu dizendo: a vida para mim faz sentido, pois eu tenho um propósito de viver alcançável, já que o vejo sempre próximo, e, se não conseguir chegar ao grande final almejado, assim mesmo terei chegado ao meu ponto máximo, pois terei dedicado o meu máximo. A determinação é minha força motriz. Esforço e sofrimento que me custem, é o preço da passagem para a viagem que resolvi espontaneamente empreender. A compreensão que o ser demonstra em torno dos objetivos de sua existência, facilita-lhe entender e aceitar o sofrimento e a necessidade de mais de empenhar em fortalecer suas resistências e melhor exercitar sua flexibilização sobre suas crenças, valores e critérios de vida. Reconhece que a única constante na vida é a mudança. E que seja para melhor, então. Essa aceitação e superação dos desafios que a vida terrena nos oferece é que demonstram atitudes resilientes. Bem observado, veremos que a resiliência pode nos levar a ser pessoas bem realizadas e resolvidas. Em síntese, resiliência é: • Suportar com dignidade os acidentes da vida. • Enfrentar contrariedades e manter a integridade. • Ter plena consciência de que vida é complexa e, como tal, possui fatos imprevisíveis e inevitáveis. • Desenvolver flexibilidade diante das adversidades.

• Não culpar os outros pelas derrotas, mas usá-las para expandir a maturidade pessoal. • Transformar o caos em oportunidade criativa e crescer diante da dor. • Traçar ponte entre os projetos de vida e a disciplina perseverante. • Dar utilidade à própria vida. • Simplificar o modo de viver. • Valorizar o próximo. • Redescobrir o valor do trabalho também como fator de equilíbrio emocional, da solidariedade como fonte de bem-estar e refazimentos das forças mantenedoras da vida, e da tolerância, como rede de amortecimento das atitudes insensatas ou desgostantes. Por mais que os Céus demonstrem a formação de forte chuva, e os raios e trovões prenunciem momentos de apreensão e possíveis estragos, anteveja o após a tempestade, com atmosfera mais limpa, os campos, as árvores e as plantações, verdejantes e promissoras, como se agora sorrissem em resposta aos Céus, agradecendo. Assim em nossos dias. Que a esperança ocupe o nosso tempo e a autoconfiança preencha nossos sentimentos. Deixemos nossas lembranças reverem o Grande Poeta de Deus, Trovador da Esperança, com sua ética que era uma poesia e exalava como perfume, com quem a natureza foi destaque com seus exemplos vivos, dando-nos elementos simples para compreensão do mais complexo, o que demarcou suas lições para ficarem entre nós para sempre. Ele apontou os lírios no campo, falou de como eles crescem e não trabalham, nem fiam; no entanto, afirmou, que nem mesmo o Rei Salomão, em toda a sua


57

glória, se vestiu em beleza e graça como um deles. Apontou as aves do céu, lembrando-nos, os que vivemos ansiosos pelo dia de amanhã ou pelos prenúncios de problemas que talvez nem cheguem, que elas nem semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros; mas o Grande Zelador da Vida as alimenta. E, com suavidade de Mestre sábio, nos deixa a pergunta no ar: Você não tem muito mais valor do que elas? Não estamos em desamparo perante o Grande Todo, o Rei de Jade, do taoísmo. Confiemos, prossigamos, realizemos. E, por fim, fala-nos também ao coração, Lao-Tsé: Seja humilde, e permanecerás íntegro. Curva-te, e permanecerás ereto. Esvazia-te, e permanecerás repleto. Gasta-te, e permanecerás novo.

(Texto extraído do Blog/site www.projeto-inove.com.br, com a devida autorização)


58

RASTROS DE LUZ | ELES NÃO O RECEBERAM...

PRÓXIMO FASCÍCULO: O Divino ministério.

CRÉDITOS DESTE FASCÍCULO:

rastros L

Imagens: acervo próprio ou baixadas da Internet: Google Imagens e The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints Livros: A Bíblia de Jerusalém, além dos citados no corpo do fascículo. Blog/site: www.projeto-inove.com.br

um olhar na história

de

uz

Revista eletrônica de circulação dirigida e gratuíta Redação, organização e diagramação: Maurício Silva Contato: redator@resenhaespiritaonline.com.br Curitiba - PR

DIREITOS RESERVADOS: todos os direitos de reprodução, cópia, veiculação e comunicação ao público desta obra estão reservados, única e exclusivamente, para Maurício Silva. Proibida a sua reprodução parcial ou total, por qualquer meio, sem expressa autorização, nos termos da Lei 9.610/98.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.