MIGUEL ARAÚJO
Pelas ruas do Porto... à boleia!
JOANA VASCONCELOS “Acho que o país me valoriza bastante”
JOÃO TORDO
“A literatura para mim é um espaço sagrado”
OLIVIER DA COSTA
“Sou um homem muito ambicioso”
HERMAN JOSÉ N.º32 | Primavera 2019 Trimestral | 4,90€ www.revistarua.pt
Os 40 anos de carreira do senhor humor
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À BOLEIA COM... Miguel Araújo
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ACESSÓRIOS Manjerica
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À CARTA Olivier da Costa
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ATELIER Lancôme
CADERNO Título da Reportagem
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JOALHARIA CINCO
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PINTURA Mário Vitória
EDITORIAL
A primeira luz de primavera
É
no momento em que a brisa nos chega mais quente, em que os dias se prolongam e o sol brilha com mais fervor que percebemos que a vida se revitaliza quase sem pedir permissão. Diz-se que a primavera da vida é bonita de viver e, nesta edição, a RUA chega com vários exemplos de vidas que não se cansam de rejuvenescer. Herman José é um ícone do humor em Portugal e, aos nossos olhos, é vida em movimento, é talento sem índice temporal, é inspiração em cada ciclo. Miguel Araújo é canção bonita, com a melodia da natureza a chilrear nos seus improvisos. Mafalda Veiga é serenidade nos acordes de guitarra, um convite a acreditarmos na eternidade. João Tordo é a palavra que nos completa, numa mensagem empurrada pela aragem de primavera. Nesta estação que nos apaixona pela renovação, pela surpresa e pela beleza das coisas simples, a RUA quer mostrar-lhe que a vivacidade dos tons é a riqueza dos nossos dias, que a vida não é existir sem mais nada, é embarcar numa aventura alucinada que nos aumenta a alma e nos faz querer parar o tempo. Tempo para apreciar a primeira luz de primavera. Tempo para cativar alguém. Tempo para nos tornarmos responsáveis por aquilo que cativamos, tal como escrevia Antoine De Saint-Exupéry. A primavera é o momento de nos renovarmos, de nos deixarmos envolver por histórias novas que nos levam numa viagem entre passado e futuro. Vestindo estas histórias com cores primaveris, a RUA convida-o a folhear as suas páginas em ritmo tranquilo, tal como manda a estação. Sem pressas, sem azáfamas. Apenas com vontade de olhar, ler e guardar na memória. Bem-vinda, primavera!
Diretora/Editora Andreia Filipa Ferreira Fotografia Nuno Sampaio Direção de arte Carolina Campos | Design Station Textos Maria Inês Neto Filipa Santos Sousa Helena Mendes Pereira
Andreia Filipa Ferreira Diretora
Redação Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga 253 067 323 redacao@revistarua.pt Departamento Comercial 911 928 181 comercial@revistarua.pt Impressão Tórculo Comunicación Gráfica, S.A.
Tiragem 5.000 exemplares Periodicidade Trimestral Distribuição Vasp Propriedade Brito&Roby, Lda Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga
Contribuinte 513 669 868 N. DL 405636/16 N. ERC 126 818 Os artigos de opinião são de exclusiva responsabilidade dos seus autores.
RADAR A ter em conta... NA RUA DE... Herman José À BOLEIA COM... Miguel Araújo
As notĂcias breves, as sugestĂľes de agenda e as conversas imperdĂveis.
BELEZA
Louis Vuitton, novos toques sensoriais Na sua constante procura pela inovação, a Louis Vuitton criou a linha Cologne Perfumes. O novo lançamento remete para uma viagem até à Califórnia, onde cada paisagem parece maravilhosa, servindo como mote de inspiração para o reconhecido perfumista Jacques Cavallier. Sun Song, Cactus Garden e Afternoon Swim são graciosos eaux de parfum que anunciam, realçam e prolongam a sensação de verão. A primeira essência destaca-se pela flor de laranjeira, que define o tom e a ilumina. A segunda contém um jardim autêntico, acompanhado pela deliciosa bergamota calabresa, mais amarga e poderosa. Já Afternoon Swim, com um toque de gengibre, é uma onda de felicidade.
MODA
Zenith junta-se à Land Rover com edição exclusiva Desde 1865 que a marca suíça de relojoaria de luxo, Zenith, é conhecida pela autenticidade, excelência, precisão e inovação. Hoje é também uma marca com um pensamento dinâmico que pretende escrever o futuro da relojoaria suíça. E foi neste contexto vanguardista que a Zenith, há três anos, se associou à Land Rover. Depois de, em 2017, ter lançado o Chronomaster El Primero Range Rover Velar, a marca de relógios apresenta agora o Zenith Defy Classic Range Rover Evoque em homenagem ao novo Range Rover Evoque. Especialmente codesenvolvida por equipas de design e engenharia técnica, esta edição limitada de 200 peças é uma combinação da própria aparência aerodinâmica e de certos elementos inconfundíveis extraídos do modelo automóvel.
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RADAR A ter em conta...
HOTEL
Tivoli Carvoeiro premiado nos British Airways O hotel de cinco estrelas localizado na emblemática falésia de Vale Covo, no Carvoeiro, foi recentemente distinguido com o British Airways Holidays Customer Excelence Award. Este prémio é resultante da review imparcial de clientes. A unidade, que reabriu há um ano totalmente remodelada, recebeu uma pontuação total de 9.6 em 10 pontos possíveis, uma das mais altas, por oferecer uma experiência de excelência aos seus hóspedes. Rodeado de arribas rochosas, areais dourados e coloridas aldeias piscatórias, o Tivoli Carvoeiro é o cenário idílico para uma escapadela romântica ou umas férias perfeitas em família.
MÚSICA
Pablo Alborán de regresso a Portugal a 28 de junho O músico espanhol vai subir ao palco do Campo Pequeno no dia 28 de junho para delírio de milhares de fãs que ansiavam o regresso do cantor a Portugal desde 2015. Trazendo êxitos reconhecidos da sua carreira, assim como os recentes temas que compõem o novo álbum Prometo, como “No Vaya A Ser”, “Saturno”, “La Llave” ou “Tu Refúgio”, Pablo Alborán promete um espetáculo memorável. Destacado várias vezes como um fenómeno na história da música espanhola do século XXI, apesar da sua curta carreira, Pablo Alborán tem na sua bagagem seis álbuns, quatro de originais, e uma legião de fãs no nosso país.
RADAR A ter em conta...
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RADAR Na rua de...
Herman José, o senhor influencer do humor O NOME É TRANSVERSAL: GERAÇÕES INTEIRAS RELEMBRAM AS SUAS PERSONAGENS, AS SUAS FALAS, AS SUAS MÚSICAS. AOS 64 ANOS, HERMAN JOSÉ MANTÉM-SE O REI DO HUMOR EM PORTUGAL, REVELANDO UM ESTADO CAMALEÓNICO DE ADAPTAÇÃO À MUDANÇA. NÃO É À TOA QUE NUMA ALTURA EM QUE AS REDES SOCIAIS PROLIFERAM O HUMOR JOVEM, HERMAN JOSÉ SE MANTENHA NO TOPO DA LISTA DOS INFLUENCERS DA COMÉDIA. COMEMORANDO 40 ANOS DE CARREIRA, PISANDO PELA PRIMEIRA VEZ O COLISEU DE LISBOA A 12 E 13 DE ABRIL PARA ESPETÁCULOS ESPECIAIS, HERMAN JOSÉ VOLTA CONNOSCO AO INÍCIO, AOS TEMPOS DE DESCOBERTA DE UM TALENTO ÚNICO: FAZER RIR, POR TUDO E POR NADA! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Herman JosĂŠ fotografado no Coliseu de Lisboa
Eu sempre achei que ia ser um cantor semi-romântico, tipo James Taylor. Depois percebi, até muito cedo, que era muito mais útil fazer uma coisa que eu sabia muito bem... e que poucos conseguem: fazer as pessoas rir, por tudo e por nada. Portanto, peguei nessa arte e transformei-a na minha profissão. Mas isso não apagou a paixão pela música.
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erman José é o “senhor entretenimento”, considerado até o pai do humor contemporâneo em Portugal. “Senhor entretenimento” é o melhor termo para o definir tendo em conta que a sua carreira é baseada em várias artes: escrita humorística, intérprete musical, ator, contador de histórias e agora até instagrammer? Sim, na cultura anglo-saxónica têm a figura do entertainer e a lógica do entertainment. Não sei se a tradução à letra será “entretenimento”, mas a ser é a mais adequada porque entertainment implica arte teatral, arte musical e sobretudo arte criativa. É alguém que escreve os seus próprios textos, alguém que interpreta as suas próprias coisas, mas também envolve tudo na música, porque a música no entretenimento está sempre presente. São 40 anos de carreira. Alguma vez pensou que aqueles papéis nos filmes do seu pai (que era cineasta amador) fosse a base de uma carreira tão grande? Eu desde pequenino que achava que era inevitável ser artista. Só não sabia bem em que contexto. Tenho um desenho muito engraçado, que fiz quando tinha mais ou menos 12 anos. É um cartaz que diz “Herman no Coliseu”, dirigido por Pedro Osório (um maestro que já faleceu), com um convidado que era o José Cid, que na altura era o máximo! Ter o José Cid como convidado significava que tínhamos chegado à consagração absoluta! (risos) Até achava piada descobrir onde guardei esse cartaz porque agora acontece uma coisa parecida, numa área que não é aquela onde propriamente eu achava que ia ser profissional.
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Que memórias guarda da sua infância? Foi uma criança feliz? Tenho memórias felizes porque eu era a vedeta das peças da escola, sempre! Era daquelas realidades que não eram sequer discutidas. Eu tinha uma voz de anjinho, muito aguda e muito bonita, tanto que estiveram quase a convencer-me a ir para os Pequenos Cantores de Viena, mas os meus pais não deixaram porque não queriam ficar sem o seu menino (risos). Lembro-me de acabar as peças e as pessoas estarem com lágrimas nos olhos. Vinham ter comigo emocionadíssimas! Por acaso, mais tarde, ouvi uma gravação dessas, antes de mudar de voz, e eu realmente tinha uma voz absolutamente celestial. Com a mudança de voz, não ficou tão boa assim, infelizmente. Mas, já nessa altura de infância, com seis, oito ou dez anos, as minhas memórias são de estar em palco, no centro das atenções e de arrebatar as pessoas com o meu trabalho artístico. O Herman sempre foi um aluno brilhante. É fluente em várias línguas, até. Considera que é necessário ser culto para fazer humor com inteligência? A definição de cultura é muito vasta. Há pessoas que confundem ser letrado com cultura. Não é o facto de se ter lido 3000 ou 4000 livros que nos transforma em pessoas cultas. Acho que aquilo que eu considero cultura é ter uma visão completamente alargada. É perceber a moda, a música, as regiões, as pessoas, a gastronomia, ter cultura musical e cinematográfica. Acho que tem de se ser infinitamente curioso. É desse “engolir” constante de informação que nasce a capacidade de criar qualquer coisa interessante. Não quer dizer que o facto de se ter a cultura alargada a outras lógicas, nomeadamente às literárias, não faça bem, até porque a literatura está cheia de belos escritores de teatro e comediantes e é essencial falar e escrever bom português. Se se souber línguas melhor ainda. Já tenho feito espetáculos em alemão, francês e inglês e é também uma emoção. Mas eu diria que esse processo de aculturação é uma coisa que nunca está resolvida e deve ser uma constante. Tenho visto que todos os criadores que morrem tarde na vida – e que estão até tarde no ativo – aos 90 anos ainda estão a aprender coisas. Ainda estão preocupados em ir ver peças, em ler livros, em conhecer gente nova e perceber as suas ideias. Acho mesmo que a única coisa que nos protege da tristeza, do envelhecimento, da depressão, do abandono é esse constante enriquecimento intelectual. Hoje em dia, é maravilhoso termos à nossa mão o Google, as televisões, essa maravilha chamada Youtube... Portanto, não há desculpas para não se ser informado.
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Falando desta lógica do Youtube, que parece ter formado uma nova comédia, como é que o Herman vê esta nova geração saída da internet? Acho completamente fascinante como miúdos criaram os seus universos e até enchem salas – às vezes enchem mais do que os veteranos. Há muito lixo no meio disso tudo, é certo, mas também surgem as coisas boas que vão perdurar. É um bocadinho como na música: hoje em dia, qualquer pessoa vai a um talent show ou grava música pegando numa viola; de repente, há uns (poucos) Ed Sheerans que, numa mistura de coisas misteriosas que não se conseguem definir, têm sucesso. O Ed Sheeran é, com certeza, um mistério. Não é especialmente bonito, não é um cantor inacreditável, não é um músico extraordinário, mas de repente tudo o que ele é, condensado, transformam-no num tipo que já esgotou dois espetáculos no Estádio da Luz. É a partir do momento em que isso acontece que está tudo em aberto. Isso é também o lado interessante da vida, porque a todo o momento pode acontecer qualquer coisa de terrivelmente interessante à pessoa, desde que ela esteja atenta e não se deixe levar pela preguiça, ou pior ainda, pela inveja e pelo rancor de não fazer parte do grupo dos vencedores. Tenho alguns colegas meus que passam o dia a dizer mal e a ruminar, revoltados contra o êxito alheio. Todos nós temos direito à nossa indignação e ao nosso sentimento de inveja, quando olhamos para o nosso vizinho e percebemos que ele tem um carro melhor que o nosso, mas isso não nos pode inquinar a vontade de nos melhorarmos e em qualquer momento tentarmos procurar qualquer coisa, seja ela qual for, onde podemos ser melhores.
“Acho que o humor tem que estar ligado ao amor também. O afeto artístico é uma coisa, para mim, muito importante. Há artistas que se estão a borrifar, mas eu não!”
Os humoristas jovens em Portugal continuam a destacar o Herman como um ícone da comédia, especialmente pela sua entrada também nas redes sociais. O Herman é verdadeiramente camaleónico: rádio, televisão, palcos e redes sociais. É interessante o Herman saber que continua a ser uma referência do humor em Portugal? Fico muito emocionado quando esta nova geração tem esse cuidado de me reconhecer. Na verdade, tudo tem uma razão: eu sinto que sou o mesmo tipo desde que me conheço (risos). Ou seja, o meu fascínio pelos gadgets, pela procura dos efeitos, dos bonecos, pelo sentido de humor, pelo disparate... ele é o mesmo desde os meus 20 anos, sinceramente. Portanto, eu apesar de estar num invólucro de uma pessoa com idade para ser pai ou até avô de muitos desses novos comediantes, verdadeiramente o que eu sinto mantém-se inalterado. Há uma comparação muito forte, um paralelismo perfeito: o jazz. Quando Quincy Jones, que já vai a caminho dos 80 anos, se alia a jovens músicos como o Jacob Collier, miúdos de 20 anos completamente geniais, ele está intelectualmente e musicalmente a aliar-se a
pessoas para quem ele olha na horizontal. Na linguagem jazzística, os produtos não envelhecem, são eternos e mantêm-se. Acho que no humor acontece isso um bocadinho. O que está por detrás da lógica do disparate, da piada, é a mesma coisa. Nós vemos um António Silva ou ouvimos um Vasco Santana a dizer “Ó Evaristo, tens cá disto?” e continua a dar-nos vontade de rir. Os tempos, a figura, os disparates, os diálogos... há uma intemporalidade no humor, que se encontra também no jazz, que faz verdadeiramente com que se batam essas fronteiras geracionais, o que nem sempre acontece nas outras artes, pois pela escrita, pelo modo de representação ou pela roupa percebemos de que geração estamos a falar.
“Eu sempre achei que ia ser um cantor semi-romântico, tipo James Taylor. Depois percebi, até muito cedo, que era muito mais útil fazer uma coisa que eu sabia muito bem... e que poucos conseguem: fazer as pessoas rir, por tudo e por nada”
A verdade é que o Herman começa na televisão com uma personagem que ainda hoje é relembrada, uma personagem verdadeiramente intemporal. O Sr. Feliz, acompanhado por Nicolau Breyner no papel de Sr. Contente. Foram tempos felizes? Tempos muito felizes, mas de muita inquietação porque durante muitos anos tive a sensação de que não ia a lado nenhum. Não acreditava muito em mim, apesar de querer muito ser artista. Demoraram alguns anos até eu sentir que finalmente este era o meu caminho. Ainda hoje o público, até o mais jovem, se recorda desse personagem... Essa curiosidade das camadas mais jovens, que as leva à procura de coisas que foram feitas no passado e que faz com que algumas delas sejam recuperadas até, vai sempre parar ao princípio de que só o produto de qualidade é que se mantém. E há, no meu passado, muitas coisas, feitas com muito esforço e muita seriedade, que visto a esta distância, mantêm a sua qualidade inalterada – e isso dá-me um orgulho muito grande! Às vezes constato isso com um certo espanto. Quando vejo programas de 1982, como o Tal Canal, vejo que, nessa altura, eu tinha mais timing televisivo do que programas que são feitos hoje em dia. Costumava dizer-se que o Herman fazia um humor fora do seu tempo. Concorda? Sim, tanto é que muito pouca gente me entendia verdadeiramente. As camadas mais novas, que são agora pessoas de 50 anos, eram as únicas que percebiam exatamente até onde eu queria chegar com o meu trabalho. O Herman passou por vários programas de televisão durante os anos. O Tal Canal, o Herman SIC, agora o Cá por Casa... É muito diferente fazer humor em televisão hoje? O que mudou no humor em Portugal nestas décadas? As pessoas só podem rir daquilo que conhecem... e há uns anos as pessoas não conheciam muita coisa, eram um bocadi-
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nho limitadas. Lembro-me que, nos primeiros espetáculos de província que eu fiz, praticamente as pessoas só riam quando ouviam a palavra merda. Era tão básico! (risos) O acesso à cultura tinha sido vedado às pessoas propositadamente pelo regime. Havia uma grande taxa de analfabetos. A televisão era meio esquizofrénica e bipolar, porque por um lado tinha vultos da cultura como Vitorino Nemésio a fazer palestras extraordinárias, mas depois tinha umas coisas absolutamente primárias, ou seja, não era verdadeiramente uma educadora do povo como depois passou a ser. Hoje em dia, o que acontece - e é absolutamente maravilhoso - é que as pessoas sabem muitas coisas diferentes. Pegamos nos vários temas correntes e há muitos assuntos em comum com muitas gerações, o que nos permite depois unir com a mesma gargalhada as pessoas todas à volta do conhecimento das coisas. Isso torna o nosso trabalho um bocadinho mais fácil. Isso significa que o humor não tem que ser apenas algo culto e inovador... nem só polémico e disruptivo? É uma mistura?
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É um bocado como a culinária! (risos). É delicioso a pessoa não deixar de gostar de uma grande feijoada ou de um grande cabrito assado e depois apreciar um hambúrguer bem feito ou ir a um restaurante francês comer uma coisa qualquer sofisticada. Tudo se completa, desde que tenha qualidade e que seja bem feita. Quem faz um cozido tem mesmo de gostar de fazer cozidos... e a pessoa que faz os hambúrgueres tem de os fazer com uma boa carne, pôr um bom queijo em cima e usar um ótimo pão. Se isso for contemplado, as coisas passam a ser todas elas importantes porque quem come um magnífico hambúrguer pode também, depois, comer um magnífico cozido à portuguesa... e vice-versa! (risos) O Herman está orgulhoso deste percurso? Sim, estou! Mas há que ter cuidado nestas carreiras grandes: não sobrevalorizar o passado! Ou seja, o passado é uma magnífica carta de apresentação, mas depois o que conta verdadeiramente é o espaço de arranque da atuação artística até ao final – temos uma hora e meia para convencer todas as gerações,
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toda a gente, da nossa validade artística. Em nenhum momento podemos pensar: isto não está a correr muito bem, mas o meu passado é tão bom que tenho direito a ser desculpado. É como no futebol: “-Este tipo não marca golos!”, “- Oh, mas no ano passado marcou sete!”, “- Pois, mas este ano não marca! Se não está a jogar, não o queremos. Precisamos dos golos agora!”. Connosco, pode ser muito cruel, mas é igual. Portanto, o passado é encantador, dá-nos esta moldura lindíssima ao nosso nome, mas é mesmo só uma nota de rodapé. Às vezes há colegas que se esquecem disso. A presença nas redes sociais é algo que faz por gosto e tende a aproximar o público de si. Tem essa visão? Muitíssimo! É fascinante. E recebo mensagens completamente maravilhosas: “Meu, esta música é o quê?” e eu faço um print screen da música ou do disco e mando. “Ah, ya, fixe, xau!”. E acabou. Não há “Senhor Herman isto ou aquilo” (risos) É “ok, adeus!” (risos) Há uns dias, fiz uma caricatura ao Conan Osíris com o
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Manuel Marques e ele mandou-me uma mensagem “Kkkkk, as sobrancelhas estão iguais”... e acabou! Já está respondido e a vida dele continua porque ele tem mais que fazer (risos) Isso é absolutamente fascinante! Essa aproximação via redes sociais também ajuda com os espetáculos, correto? Ajuda imenso. As pessoas adoram ser bem tratadas. Eu já me cruzei com vários artistas internacionais que foram gentilíssimas para mim e eu olho para eles com carinho desmedido: o Sting, o Elton John, a Anastasia, a Diana Krall... é uma longa lista de gente muito querida, muito atenciosa. Eu não esqueço isso nunca. Portanto, tenho isso em mente quando sou eu que estou a contactar com as pessoas. As pessoas não esquecem e são super gratas. Acho que o humor tem que estar ligado ao amor também. O afeto artístico é uma coisa, para mim, muito importante. Há artistas que se estão a borrifar, mas eu não!
Falou da questão dos limites do humor numa passagem recente dos personagens Nelo e Idália no programa Cá por Casa, em que falava de “humoristas incompreendidos”. Há tipos de humor que não têm lugar em Portugal? Há trabalhos que são insuportáveis em certas pessoas. O Rui Sinel de Cordes, por exemplo, por quem eu tenho um carinho especial, tem um repertório fraturante. Tem piadas violentíssimas! Se tivermos o mindset para nos divertirmos com este tipo de piadas – e há pessoas que têm e sentem-se aliviadas e encantadas por haver um sítio onde se dizem estas coisas – aquilo faz imenso sentido. Mas, se formos apanhados desprevenidos,
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ficamos completamente ofendidos e nunca mais queremos ouvir falar naquela pessoa. Aqui o truque é fazer o humor certo, no local certo, para as pessoas certas. Quando se tem a minha pretensão atual, que é basicamente fazer o humor mais abrangente possível, temos que nos aplicar e fazer verdadeiramente humor que consiga cativar todas as gerações. O Nelo e a Idália é um exemplo maravilhoso porque é completamente transversal. Põe a rir toda a gente e isso é fantástico! A música sempre esteve ligada ao seu percurso – a canção “Saca o saca-rolhas” ou a “Canção do Beijinho” marcaram gerações. Agora lançou o single “Amanhã faço dieta”. Podemos saber mais sobre este trabalho? Tem imensa piada porque há seis anos fiz a cantiga mais ou menos na brincadeira, um bocado como desabafo no meio de mais uma dieta. Estava a pensar: “Mas que chatice, só me apetece ir para a cozinha fazer um grande spaghetti com bacon” (risos). A partir daí, escrevi a canção. A canção não nasceu logo assim, teve várias fases até ter a letra e tudo o resto apurado. Quando terminei, fiz uma versão num programa que tinha, o Herman 2012, e gravei algo com viola. A ideia ficou por ali. Depois, com o tempo e também com a história da internet, começo a ver posts com um bocadinho da música, porque eu tinha feito uma versão num espetáculo que tinha sido editado em disco. Pensei então que seria giro ter a música em versão dançável, porque há um estado de espírito de festa, quando o público já está com um copo a mais, que só quer ritmos para dançar. Então achei que seria engraçado arranjar uma versão reggaeton para a música! (risos) Fizemos uma experiência, fizemos a gravação e o resultado ficou tão divertido que eu pensei em usar como faixa principal de um disco que tem regravações de outros temas meus para espetáculos. Acho que ficou muito divertido. Já vai a caminho de ser um êxito! Essa vai ser uma das músicas que marcará o espetáculo de 12 e 13 de abril, no Coliseu de Lisboa? Será a primeira vez que o Herman pisa o palco do Coliseu em 40 anos. Ainda sente nervoso miudinho? (risos) É verdade, primeira vez e com um grande grupo de profissionais a cantar e a dançar! Não sinto verdadeiramente o nervoso miudinho porque sei que vou estar entre público fiel e, portanto, o que eu sinto é vontade de fazer um grande espetáculo. Não pode ser uma coisa “assim-assim”! Tem de ser algo muito bom para as pessoas irem para casa com a sensação de que viram qualquer coisa especial. Não diria nervoso miudinho, diria sentido de responsabilidade... porque quando as coisas não correm muito, muito bem, eu fico tristíssimo! Por onde vai andar o Herman nos próximos tempos? Eu curiosamente anuncio os espetáculos um a um e pouco
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tempo antes para evitar cancelamentos. Mas posso dizer que vou estar no Porto, a apresentar um festival de comédia. Depois, no verão, vou andar bastante na estrada. O Herman sempre teve consigo vários humoristas de renome, a chamada velha-guarda da comédia em Portugal. Maria Rueff, Joaquim Monchique, Ana Bola, Manuel Marques... Estas ligações ficam para a vida? Sim! Acho muita piada porque todos eles cresceram individualmente e tornaram-se, eles próprios, pesos pesados da comédia. O Joaquim Monchique esgota salas, a Maria Rueff é uma atriz por mérito próprio, o Manuel Marques é fantástico... É muito engraçado porque, quando nos juntamos, o espírito mantém-se inalterado. Eu nunca abusei da minha autoridade artística, no sentido em que o meu entendimento de escrever e dirigir os colegas é sempre numa lógica de entreajuda. Nunca é a lógica de me salientar ou de me manter protagonista, que era uma coisa que se fazia muito antigamente. Eu pensei sempre ao contrário: quanto melhor eu escrever para eles, melhor fica o coletivo e melhor é o sucesso de todos! Há pouco tempo fiz um gozo ao programa A Passadeira Vermelha e cada um deles tinha o texto certo, o enquadramento certo e todos brilhamos à mesma altura. Foi um êxito! De tal maneira que nessa edição tivemos perto de meio milhão de espetadores... Está contente com os resultados do Cá por Casa? Ficava muito mais feliz se conseguisse destronar as novelas da concorrência (risos). Mas, não sendo possível, estou bastante feliz porque o programa tem uma base sólida de apoiantes constantes, que não o largam nunca. Tenho ali uma família de espetadores que, aconteça o que acontecer, está sempre lá.
“Eu nunca abusei da minha autoridade artística, no sentido em que o meu entendimento de escrever e dirigir os colegas é sempre numa lógica de entreajuda. Nunca é a lógica de me salientar ou de me manter protagonista”
O Herman já foi considerado (em 2007) um dos 100 maiores portugueses de sempre. Acha que neste momento integraria essa lista? Entre os 100, seguramente! (risos) Mas, se voltarem a fazer uma lista dessas, achava bom que não acontecesse (como aconteceu nessa lista de 2007) ganhar o Salazar! (risos) Acho que há portugueses mais consensuais (risos). Mas também não sou daqueles que transforma a memória de Salazar apenas numa imagem de ditador que não merece fazer parte da História. Claro que merece, fez muitíssimas coisas bem feitas, foi um grande português com as suas posições e idiossincrasias, mas entre 100 merece estar entre os 30 ou 40. Prefiro que os democratas, os lutadores da liberdade e os grandes criadores estejam bastante antes do Salazar (risos). Nestes 40 anos de carreira, o Herman já provou tudo o que tinha a provar? Há anseios que ainda estão por cumprir? Não há um espetáculo em que eu não sinta que me faltam coisas. Estou sempre em constante estado de inquietação! “Como é que posso refazer isto para ficar melhor?” Nunca estou satisfeito, o que é ótimo. E acho que nunca vou estar, por acaso...Vou estar sempre à procura de melhor!
À BOLEIA COM... Miguel Araújo
O Porto de Miguel Araújo À BOLEIA DE MIGUEL ARAÚJO PELAS RUAS DA FOZ DO PORTO, OUVINDO-O CANTAROLAR AO VOLANTE, FOMOS FALANDO DE MEMÓRIAS, DE LUGARES E DE OSSOS DO OFÍCIO. A IDEIA ERA DESCOBRIRMOS O PORTO QUE INSPIRA UM DOS MAIS CONSAGRADOS COMPOSITORES DO PANORAMA MUSICAL PORTUGUÊS, NUMA VIAGEM EM QUE O PRÓPRIO MIGUEL ERA O GUIA, DESTACANDO AS SUAS PARAGENS DE ELEIÇÃO DA CIDADE INVICTA. ESTA ENTREVISTA É O PORTO MERGULHADO NOS OLHOS DE MIGUEL ARAÚJO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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Miguel Araújo fotografado no Parque da Cidade do Porto
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este carro, a playlist toca o quê? Miguel Araújo? (risos) Não... Ouço Spotify! Acho uma coisa maravilhosa. Como é que alguém pode dizer que um CD é melhor? O Spotify tem os algoritmos e eu descubro coisas novas todos os dias. O algoritmo antigamente era o senhor que estava no balcão a vender CD’s, mas agora já não (risos). O universo do Spotify é espetacular. Ouço coisas que nem sei quem canta, nem sei pronunciar o nome da banda. Faço start radio e deixo fluir! Neste momento, ouço muito Ben Folds, Milk Carton Kids, Tim Bernardes, Marcelo Camelo, Queen (por causa do filme, fiquei um bocadinho viciado)... O objetivo deste passeio é conhecermos os locais de eleição de Miguel Araújo no Porto. Qual é o primeiro lugar onde nos leva? Eu sou fanático por mar. Portanto, toda a costa do Porto, desde a Praia da Luz à zona do Edifício Transparente de Matosinhos, é um dos pontos de destaque para mim. A zona da Foz é onde passo o meu tempo, onde passeio com os meus filhos... sim, porque a minha vida é a música e a minha família. A minha vida e a minha carreira já não são coisas separadas. Tenho o meu estúdio em casa, inclusive, o que me permite ter instrumentos espalhados pelos corredores, ensaiar em pijama com a minha filha a gatinhar na sala... (risos) As praias desta zona, depois de muitos anos totalmente poluídas, têm agora bandeira azul, mas como os portuenses ainda não assimilaram isso, as praias estão sempre vazias e, tranquilamente, posso usufruir de praias quase desertas. A minha rotina começa com uma corridinha pelo Parque da Cidade, faça chuva ou faça sol. Depois, não dispenso uns passeios de bicicleta com os meus filhos por esta zona da Foz. Correr e andar de bicicleta é algo que eu sou viciado. Adoro! Uma vez tive um concerto em Esposende e fui daqui até lá de bicicleta pela ciclovia. Demorei três horas e meia!
“Achei que as minhas histórias tinham que ser forçosamente na língua que eu falo quando vou ao supermercado (risos)”
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Não sai muito desta zona, portanto... Não saio muito do Porto, exceto quando vou para os concertos. Se eu recebesse uma ordem do tribunal, colocando-me uma pulseira eletrónica na canela, dizendo que eu só podia andar num raio de três quilómetros, não me fazia diferença nenhuma! (risos) É por aqui que eu ando. E, como sou daqui (nasci na Maia, mas vivo nesta zona desde os dez anos), as pessoas que me conhecem já me conheciam antes. Aqui estou em casa, como sempre estive. A crescente vaga de turismo no Porto não o incomoda? A cidade do Porto tem tido um crescimento exponencial, principalmente na Baixa, mas essa azáfama ainda não chegou aqui à zona da Foz. Claro que ninguém pode ficar indiferente aos problemas que isso cria, mas eu tenho uma visão diferente: apesar de eu ter nascido na Maia, a minha família, os Araújo, é mesmo natural do Porto há muitas gerações. A papelaria mais antiga do mundo, que ainda existe, é da minha família. Chama-se Araújo e Sobrinho e é no Largo São Domingos. Daquilo que vejo, entre o passado e a atualidade, eu se calhar prefiro assim. Claro que estou a falar sem morar lá, mas eu lembro-me de fazer interrails com os meus amigos quando tinha 17 anos e chegávamos à conclusão que os
À BOLEIA COM... Miguel Araújo
“Não saio muito do Porto, exceto quando vou para os concertos. Se eu recebesse uma ordem do tribunal, colocando-me uma pulseira eletrónica na canela, dizendo que eu só podia andar num raio de três quilómetros, não me fazia diferença nenhuma! (risos)”
que eu toco e nos quais eu componho: a guitarra, o ukelele, o piano, etc. O Casca de Noz é exatamente isso. As músicas que entram são todas as que me apeteçam. Não é um espetáculo baseado num álbum, é um espetáculo baseado na minha faceta de autor. Toco músicas que fiz na altura d’Os Azeitonas, toco músicas de outras pessoas, coisa que eu nunca fazia... São músicas que eu gosto, que fazem parte da minha vida. Isso é quase um remember da altura da banda de covers dos seus tios? São músicas que explicam o que é a minha música ou de onde a minha música vem. Já toquei Paul Simon, Bob Dylan, Rui Veloso... incluo músicas que eu gosto, que eu toco em casa... Faço dessa informalidade o próprio espetáculo. É esse o sentido do Casca de Noz. centros das cidades eram realmente centros. Isso punha-nos a pensar no porquê de a nossa cidade não ser assim. No porquê de uma ida ao centro do Porto significar ser assaltado. Por isso, de certa maneira, prefiro assim. Acho natural, o desenvolvimento faz-nos bem! Em 1700 e tal, a Rua Mouzinho da Silveira era podridão. Eu prefiro desviar-me de um Starbucks do que desviar-me de um abutre! (risos) É assim que eu penso. Nós temos a mania de que dantes era tudo ótimo, mas não era necessariamente. Enquanto passeamos no Parque da Cidade, podemos falar desta sua fase com o espetáculo Casca de Noz? Que espetáculo é este? O concerto surgiu de uma ida inesperada a uma sala no Luxemburgo. De véspera, o cantor brasileiro que ia atuar lá no ciclo de música lusófona cancelou por motivos de doença e lembraram-se de mim para o substituir. Mas não tinha tempo sequer para preparar um espetáculo com a banda. Então, fui sozinho, a mentalizar-me que o conceito do espetáculo seria mesmo esse: eu estar sozinho. E correu muito bem! Foi algo que adorei fazer e, portanto, lembrei-me de preparar um espetáculo a solo, viajando pelos vários instrumentos
À BOLEIA COM... Miguel Araújo
Falou-nos de Rui Veloso e lembramo-nos da música “Sangemil”. Como foi cantar com Rui Veloso, outra influência portuense? A música já estava lançada no meu disco Giesta e, quando foi o meu espetáculo no Coliseu, convidei o Rui Veloso a tocá-la comigo. Sangemil era onde ficava a casa da minha avó, em Águas Santas, e era onde os meus tios ensaiavam – uma vez, o Rui Veloso, por ser amigo de um deles, foi lá, com a guitarra dele. Estava eu a dar os primeiros passos na guitarra. Foi uma coisa histórica para mim porque ele era (e é) o meu mestre soberano. É como o Elvis Presley ou o Mickael Jackson para outras pessoas (risos) Ele entrar ali na sala de casa da minha avó foi uma coisa épica. Sonhar ser o Mickael Jackson é difícil, mas sonhar ser o Rui Veloso, um artista que é do Porto, torna a coisa mais humana. Então, praticamente obriguei-o a cantar a música comigo. Cantei e toquei com o meu ídolo, isso foi especialíssimo! Já riscou Rui Veloso da sua lista de colaborações. Quem falta mais? Alguns são inatingíveis. Gente de outros países, alguns já morreram, o que torna a coisa mais complicada (risos). Mas tenho muitas parcerias na calha. Estou numa fase em que já
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não penso muito em lançar álbuns, porque a ideia de álbum, algo que tem de ser super coerente, estava a fechar-me artisticamente. Eu nunca me sentei para escrever um álbum, eu sento-me para escrever canções. Portanto, agora, prefiro lançar mais singles e dedicar-me música a música. Nessa lógica, tenho alguns duetos em vista.
“Eu nunca me sentei para escrever um álbum, eu sento-me para escrever canções. Portanto, agora, prefiro lançar mais singles e dedicar-me música a música”
Continua a ser a mistura de todas as suas facetas: um cantautor? Sim. Eu adoro tocar e considero que eu daria um bom guitarrista de uma banda... já não daria um grande cantor de uma banda, mas estou muito mais apaziguado com o ato de cantar. Estou com muita mais confiança. Dantes, para mim, cantar era um mal necessário. Agora já não.
Acha que o seu percurso impulsionou a lógica de que um artista português deve cantar em português? Acho que não... acho que são fases. Eu apareci numa altura em que apareceu muita gente a fazer isso. Os Deolinda, o Samuel Úria... Isto agora é uma nova vaga a cantar em português, mas eu não tenho qualquer responsabilidade nisso. Eu canto em português não por achar que deva alguma coisa à língua ou vice-versa, mas porque achei que as minhas histórias tinham que ser forçosamente na língua que eu falo quando vou ao supermercado (risos).
Esta é uma fase a solo, depois de uma série de concertos com o António Zambujo em muitos palcos. Foi interessante colaborar com ele? Senti que aprendi muito com os métodos do Zambujo. Eu era muito desconcentrado em palco, estava sempre a reparar em tudo. Via alguma pessoa a levantar-se na plateia e não tirava os olhos, a pensar no que a pessoa iria fazer (risos). O Zambujo obrigou-me a concentrar. Antes da cortina subir, ele só dizia: “concentra-te!”.
Praia de Gondarém
Está sempre a cantarolar. É esse o seu método de criação de algo novo? É um bocadinho. O que eu faço é respeitar a ideia inicial que me aparece e pensar se aquilo poderá ou não ser uma música. Acho que esse pedacinho pode ser a essência de uma nova música e trabalho à volta disso. Há uma app chamada SoundHound que, se trautearmos para lá algo, ela identifica se aquela melodia existe ou não. Às vezes recorro a essa app, mas aquilo é muito falível. Há músicas que têm partes melódicas muito parecidas com outras, mas isso pode não ter tanto problema assim. Aquilo que fizeram com o Diogo Piçarra no Festival da Canção do ano passado foi uma injustiça tremenda. Se eu fizer um blues, estou a fazer algo que é igual a biliões de músicas, mas isso não significa que não seja uma coisa nova. É um mundo sem fim! Costuma acompanhar o Festival da Canção? Acompanhei quando foi o Salvador Sobral. Mas nunca liguei àquilo. Eu sou sempre convidado para participar, mas não vejo a minha música a participar num concurso, seja ele qual for. Não é dessa maneira que eu olho para a música. Estar a dar pontos a músicas é uma coisa muito bizarra, a meu ver. Parece uma exposição canina! (risos) Que cara fazemos no final? Aquela cara de patinadora artística no fim da prova! Toda a gente faz aquela cara que eu dispenso (risos). Este ano não vi, mas sou grande fã do Conan Osíris. Acho que aquilo é talento e, simplesmente, penso que as pessoas opinam demais. Ou se gosta ou não se gosta. Qual é a questão? O Bob Dylan canta bem ou não canta bem? Coisas fora da caixa e um pouco estranhas sempre existiram e sempre existirão. Muito raro é furarem até ao mainstream, até às conversas de café – e sempre que isso acontece, a geração
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À BOLEIA COM... Miguel Araújo
mais velha condena como sendo algo miserável e inaudível. Foi assim com os The Beatles. Eu só sei que eu gosto das músicas dele, acho que a escrita dele vai muito para além do que se apanha pela rama. Cheguei a ler coisas do género: “devia haver uma licença ou um género de prova de que se tem formação musical”. Se formos por aí, eu estaria de fora. Não poderia subir a um palco porque eu não tenho nenhum tipo de formação musical. Eu, o Bob Dylan, o Rui Veloso, o Paul McCartney... Considera que as vozes das redes sociais falam alto demais? A maior parte das pessoas não comentam numa rede social. Mas as opiniões extremistas são sempre mais ruidosas. Eu acho que a voz da moderação não soa tão alto como as outras, mas continua a ser a principal. Estamos a chegar à praia de Gondarém, onde termina as suas corridas. Que outros locais emblemáticos do Porto gosta de frequentar? Restaurantes. Sou um bom garfo, por isso é que tenho de correr como um desalmado (risos). Adoro os restaurantes da moda, estes mais fashion dirigidos por chefs reputados. Mas
também adoro os restaurantes de comida mais tradicional: um arroz de polvo... Os restaurantes desse género que restam no Porto são francamente bons. Adoro o A Capoeira, um dos restaurantes mais antigos daqui da Foz, o Wish, que é um restaurante mais moderno, de sushi, ou O Gaveto, já em Matosinhos. Lá está, a minha pulseira eletrónica dava bem para eu ir jantar fora sempre que eu quisesse (risos). Antes de sairmos do seu carro, que recados gostava de deixar ao público? Os concertos do Casca de Noz acabam a 15 de junho no Coliseu do Porto. Depois, já tenho muitos concertos com banda agendados, mas só anunciarei em breve. Vai ser um verão como os outros: a tocar por aí fora!
RADAR Conversas subaquáticas
AFOGAMENTOS POR Paulo Brandão
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rrol Flynn morreu com 50 anos, tendo sofrido um ataque cardíaco fatal em 1959, numa viagem a Vancouver. Com ele estava Beverly Aadland, de 17 anos, ao que consta, a sua última companheira (desde os 15 anos, embora ele fosse casado). O seu último filme, feito naquele ano, tornou-se de culto e tinha por título Cuban Rebel Girls. A ideia de criar um objeto libertador, longe do grande herói dos anos 1930 e 1940, levou-o até Cuba, perto dos ares primitivos do Sul que o deixassem envelhecer sem mácula. As suas memórias não escondem os seus problemas com o álcool e no filme citado há mesmo quem lhe pergunte: - Como é que você parece tão jovem nos filmes e tão velho agora? Liev Tolstói nasceu em 1828, em Iássnaia Poliana, propriedade familiar de sua mãe, de onde nunca terá saído. Teve 13 filhos, o amor da esposa (princesa), e escreveu Anna Karenina e Guerra e Paz, e entre outras obras maiores e menores o seu sucesso era enorme. O intrigante, ou não, é que, de repente, o escritor russo afunda-se numa crise espiritual e confessa que só pensava em morrer. Primeiro quer ver-se livre de toda a propriedade e dos direitos autorais por volta de dez milhões de rublos de ouro. O conflito familiar gera-se e, pasme-se, o conde, de 82 anos de idade, decide fugir às escondidas rumo a sítio nenhum. A evasão de Poliana terminaria dez dias depois, com a morte de Tolstói. Pneumonia. - Como é que ele, tão velho, parece tão jovem encetando tão misteriosa fuga? Calouste Gulbenkian, arménio de nascimento, “o homem mais rico do mundo”, em muito devido à famosa “linha vermelha”, por si criada em 1928, criando, assim, um monopólio de exploração de petróleo no que restava do então Império Otomano. Em Portugal, viveu no Hotel Aviz, ocupando cinco suites das 33 existentes. A escolha deveu-se, sobretudo, à segunda guerra mundial e em Lisboa viveu anos decisivos (1951-1955). A nota que mais curiosidade suscita, além de viver grande parte da sua vida em quartos de hotel, é a relação com a mãe. Conta-nos o seu mais recen-
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te biógrafo (Jonathan Conlin), que Gulbenkian terá dormido no quarto da mãe até aos 14 anos e que não compareceu ao seu funeral. Um mistério, aliás como a data precisa do seu nascimento. - Como é que um homem tão rico, e digo-o em muitos sentidos, não quis (ou não pôde) despedir-se da mãe? As biografias podem ter tantos mistérios. Mais até que as autobiografias, que normalmente são mais literárias e, diria, ficcionais (no sentido de romanceadas). Umas mais factuais, outras mais inspiradas pela memória, pelos afogamentos de vida que os autores querem de todo deixar debaixo de água. Mistérios que não devem chegar nunca à superfície. Por vezes, há escritores tão obcecados com a história futura e os leitores vindouros que chegam a corrigir e a controlar tudo o que assinam. Exemplo bravo disso é Vladimir Nabokov. Pense-se, por exemplo, em Opiniões Fortes, cujas respostas foram revistas e revistas pelo entrevistado, antes da edição em livro. Diz ele a propósito, em 1973: “É tão raro a minha ficção dar-me oportunidade para arejar as minhas opiniões pessoais que é com prazer que de vez em quando são bem-vindas as perguntas que visitantes encantadores, corteses e inteligentes me fazem em torrentes repentinas”. Mas o encanto da coisa é que Opiniões Fortes é seguido de algumas cartas a editores, que são “autojustificativas”, como dizem na sua maneira precisa os advogados, no sentido de aprimorar o que havia gravado. Não há bela sem senão. No caso de Nabokov, fascina-me o fascínio que tinha pelas borboletas. A escrita e a caça aos lepidópteros exigem paciência e minúcia. No livro citado, ele diz que nunca julgou ser escritor e sempre sonhou ser curador “obscuro” de borboletas em um grande museu. - Como é que um homem, autor de obras primas como Lolita, nunca pensou na escrita como uma carreira mas antes como “um passatempo”?
Sobre o autor Diretor artístico do Theatro Circo.
RADAR Opinião
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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TERESA FREITAS A estética do delírio
HUGO COSTA
À descoberta do mundo, um desenho de cada vez
NUNO ROBY AMORIM Pretérito presente da política e do jornalismo
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CADERNO Título da Reportagem
Os olhares diferentes e as linhas de pensamento Ăşnicas.
CADERNO TĂtulo da Reportagem
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FOTOGRAFIA Teresa Freitas
Teresa Freitas: A estética do delírio NUM UNIVERSO ONDE O REAL POR VEZES SE CONFUNDE COM A REPRESENTAÇÃO, ONDE O COMUM INSTIGA A EXISTÊNCIA E SE TRANSFORMA NUMA VERDADE PARALELA, TERESA REVELA-SE E REVELA-NOS A SUA VISÃO PRESERVATIVA: UMA IMAGEM SOB A COR QUE A DEFINE. POR Nuno Sampaio
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a tua página de Instagram, a criatividade anda de mãos dadas com a simplicidade; uma lógica simples que se torna num lugar autêntico entre o real e o imaginário. Onde é que começa a tua história dentro das fotografias? Construo todas as minhas fotografias com um primeiro propósito que é estritamente visual, para que possam ser apreciadas individualmente e imediatamente sem que seja necessário descrevê-las ou que exista uma história por detrás de cada uma. Como um todo, tenho procurado criar esse espaço onde a realidade de um lugar é representada, mas ao mesmo tempo há algo de diferente e singular que a desencaixa de como a conhecemos. Esta ideia relaciona-se muito a uma frase que Eli Siegel escreveu quando explicava a filosofia Aesthetic Realism: “imagination and aesthetics make for the meeting of wonder and matter-of-fact”. São estas duas linhas que cruzo: wonder e matter-of-fact. Recentemente, tenho trabalhado a presença destes aparentes opostos de forma a que exista mais subtilmente, fundamentalmente através da cor. As tuas cores são um verbo e um adjetivo que enquadram as tuas memórias? As minhas fotografias remetem a uma memória construída, no sentido que estiveram envolvidas num processo de preservar e esquecer. Começam pela decisão de tirar uma fotografia e, posteriormente na edição, trabalhar essa memória visual para que se torne aquilo que procuro. Acima de tudo, é através da cor e forma de a trabalhar que consigo atingir esse objetivo. A cor não remete para uma memória; altera-a para que se torne algo novo que o passado não tinha. O sentido do teu trabalho é substancialmente primaveril, em tudo: nas formas, nas cores, nas linhas, no conteúdo, nos lugares, na composição. Quase como se criasses uma linha equatorial que distingue toda a tua luz das sombras. Por tudo isto, o teu universo parece levar-nos para o princípio de tudo. As tuas fotografias são o teu início? Não houve um ponto no espaço e tempo a partir do qual eu consiga marcar um início. As minhas fotografias são o culminar de tudo (a escolha, a captura, a seleção, a edição) até ao momento em que cada uma passa a existir como uma imagem final e, por isso, não as considero como um início meu. Cada fotografia é o início (e fim) da própria. Se basculharmos a tua página desde a primeira fotografia publicada até às de hoje, sentimos uma espécie de burburinho sentimental a transformar-se num trabalho pensado, demarcado, que procura outras cores. Foste criando um mundo só teu, mas também para todos?
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HISTÓRIAS Teresa Freitas
Não pretendo ter um impacto específico numa dada audiência e as minhas expectativas não estão determinadas para além da sensação que tento incorporar no meu trabalho. Naturalmente, quero que as pessoas gostem do que faço. Acaba por ser um ponto central: que se relacionem com as minhas imagens, apreciem-nas, admirem um detalhe ou pelo menos que reconheçam que são merecedoras de atenção, mesmo que não correspondam a um gosto pessoal. O meu processo de edição é o que define o meu trabalho como um todo, nomeadamente porque existe uma consistência e estética específica nas imagens – é isso que espero que as pessoas reconheçam. O teu lugar preferido no teu mundo conhecido com os teus tons onde é que fica? Digo sempre que o meu lugar preferido é aquele a que ainda não fui. Se tivesse que escolher, escolhia o Alentejo, mas ainda não fui ao Japão.
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SOCIEDADE Opinião
Pretérito presente da política e do jornalismo POR Nuno Roby Amorim
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omos confrontados quotidianamente com uma ausência total de pensamento crítico em relação ao passado. A História deixou de produzir regras de inferência para passar a ser considerada como uma espécie de espaço abstracto com pouca ou nenhuma significância para a acção e conduta do presente abrindo desta forma caminho a sinuosas intervenções sociais onde impera o discurso do vazio. Existem dois sectores onde se pode observar actualmente, com maior profundidade, os efeitos perversos desta práxis; no discurso político e na informação massificada: a imprensa e as redes sociais. A ausência de referências históricas na actividade política, em particular nos processos de tomada de decisão, devia-nos deixar a todos muito preocupados. Só há pouco a democracia portuguesa foi obrigada a certificar estas decisões através da transposição de um significativo conjunto de normativas europeias. Mesmo assim, as 3.091 freguesias do país, os 308 concelhos, as centenas de empresas e organismos públicos continuam a gerir o dinheiro dos contribuintes com uma total ausência de transparência. Numa rápida procura é fácil depararmo-nos com um historial imenso de estudos e projectos de obras públicas que nunca foram concluídos e que custaram, em muitos casos, milhares de euros. A prática política tem tendência a olvidar os estudos precedentes por imposição daquilo que se poderia definir como “apresentar trabalho” e ideias novas. Esta necessidade de “inovação” leva-nos a presenciar todos os dias as intervenções políticas sem o mínimo de conteúdo e repletas de lugares comuns. Esta parece-me ser a forma mais fácil de motivar e alimentar o surgimento de novos discursos populistas. Por outro lado, a imprensa foi - e o pretérito usado aqui é relevante - edificada ao longo dos últimos 150 anos como um equilíbrio, “um contra poder”, o que lhe fez mesmo ganhar o epíteto de Quarto Poder. O norte-americano, Thomas B. Macaulay foi o primeiro a utilizar o termo como definição
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para o exercício de poder e influência em relação à sociedade comparativamente aos três poderes exercidos nos estados democráticos (Legislativo, Executivo e Judiciário). Mas, se assim foi durante grande parte da sua existência, tornou-se, desde o fim do século XX, num poder deficiente repleto de vícios e dependente, em muitos casos financeiramente, de grupos económicos de interesses variados. Os media passaram a ser uma indústria com características próprias descurando alguns dos seus princípios sociais que passam por transmitir a sensibilidade da opinião pública, apurar e acompanhar as razões das decisões políticas contribuindo, desta forma, para uma consciencialização de cidadania. Mas a imprensa, como a conhecemos até aqui, está a morrer e ninguém sabe muito bem o resultado desta morte anunciada. Para já, limitamo-nos a abrir os jornais e a confirmar uma espécie de infantilização do jornalismo. Repetem-se notícias que já foram publicadas há anos e a abordagem nunca conta com um olhar retrospectivo. Mas afinal, a História pode repetir-se? Uma coisa é certa: resgatar experiências passadas sempre foi uma poderosa ferramenta para aprimorar a nossa percepção a respeito do que se passa hoje em dia. É por isto mesmo que, mesmo intuitivamente, individualmente procuramos sempre referências do passado para analisar uma situação actual. Só nos resta tentar compreender porque o deixámos de fazer colectivamente na política e no jornalismo. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Consultor de comunicação.
HISTÓRIAS Opinião
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URBAN SKETCHING Hugo Costa
Hugo Costa: à descoberta do mundo, um desenho de cada vez A INTENÇÃO DO URBAN SKETCHING É PERPETUAR O AMBIENTE DE UM ESPAÇO, DOS EDIFÍCIOS ÀS PESSOAS, EM REGISTO URBANO, MAS NÃO SÓ. FEITO IN SITU, O URBAN SKETCHING É A MAIOR PAIXÃO DE HUGO COSTA, UM ARQUITETO E PROFESSOR DE DESENHO QUE DEIXOU O PORTO PARA TENTAR A SUA SORTE EM ESPANHA. PELO CAMINHO, TEVE A CERTEZA QUE O SEU MAIOR DESEJO É DESENHAR O MUNDO, ETERNIZANDO-O NO SEU CADERNO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Hugo Costa
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ugo Costa é poliglota, mas a sua linguagem universal é o desenho. Formado em arquitetura e professor de desenho numa universidade espanhola, em Valência (cidade que o acolheu quando a crise portuguesa o fez tentar a sua sorte no país vizinho), Hugo pertence à comunidade internacional de urban sketchers e um dos seus sonhos é viajar pelo mundo, de bicicleta, para desenhar as atmosferas que mais o cativam. Mas vamos ao início: desde criança que Hugo gostava de desenhar. Em 1997, durante o seu programa Erasmus em Paris, viajou até Sarajevo, numa altura em que a destruição da guerra ainda marcava a cidade. Hugo queria captar essas imagens com a sua câmara fotográfica Pentax, mas logo no primeiro dia uma queda deixou-a inutilizável. Então, Hugo recorreu ao seu caderno, desenhando o que via para não deixar de registar aquela semana tão impactante. “Perdi-me bastantes vezes dos meus colegas nessa viagem porque ficava a desenhar, no meu mundo”, recorda. A partir daí, as viagens de Hugo seriam sempre eternizadas através dos seus desenhos. A azáfama de Nova Iorque e o movimento das pessoas, o carácter das cidades italianas, principalmente a luz de Roma,
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as formas do Porto e das suas ruas inclinadas... até os cheiros dos lugares. “Comecei uma espécie de diário gráfico das cidades. Interessa-me desenhar toda a atmosfera que reside num espaço e não apenas os edifícios em si. A verdade é que quanto mais olhamos para o mundo, mais informação vemos para desenhar. Tento representar o carácter das cidades, os movimentos, o ruído, os cheiros... investigo a melhor forma de desenhar aquilo que, à partida, não é desenhável”, explica-nos Hugo, recordando um restaurante italiano cujo aroma a café foi perpetuado pelo recurso às borras de café no desenho. Ainda hoje, quando Hugo abre o seu caderno naquela página, recorda o aroma a café daquele espaço. No seu blog a fresh drawing everyday e agora no Instagram em @yolahugo vai colocando os seus desenhos, tentando cumprir a promessa feita em outubro de 2010 aos seus alunos: fazer um desenho por dia. “No início do blog, eu não era muito exigente. Fazia desenhos de dez minutos a meia hora. Por exemplo, nos primeiros tempos, fui a Istambul e fiz 50 desenhos em três dias. Em Florença, fiz 70 em três dias. Fazia desenhos muito rápidos e então era fácil desenhar todos os dias. Depois, saltei para o Instagram e cada vez
HISTÓRIAS Hugo Costa
fui sendo mais exigente nos desenhos, porque já não perdia tanto tempo a digitalizar o que fazia. Bastava tirar uma fotografia e postar. Assim, comecei a fazer desenhos mais completos, de duas a seis horas, por exemplo. Já é mais difícil desenhar todos os dias, mas vou tentando”, afirma. Hugo é claramente o tipo de pessoa que, nas horas vagas, em vez de fazer scroll infinito no telemóvel, recorre à caneta e ao papel para desenhar o que vê no mundo: seja num restaurante enquanto aguarda o seu pedido, seja na piscina enquanto aguarda pelo filho, seja no mecânico enquanto aguarda pela revisão do automóvel. Enquanto a vida não o deixa aventurar-se pelo mundo num World Sketching Tour, de bicicleta por exemplo, tal como o português Luís Simões, Hugo mantém-se ocupado nos seus projetos de investigação e docência, nas suas exposições e simpósios, na publicação de um livro e na organização das suas próximas viagens: Japão e Bangladesh.
HISTÓRIAS Hugo Costa
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POLÍTICA INTERNACIONAL Opinião
Os Estados Unidos e a Europa: Um efeito Trump? POR Luís Lobo-Fernandes
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o longo dos últimos anos tem-se assistido a uma indesmentível turbulência nas relações transatlânticas, marcada sobretudo por um sentimento de afastamento dos Estados Unidos em relação à Europa. Nota-se mesmo alguma frustração. Porém, os EUA continuam a ser no plano geopolítico uma potência euro-atlântica e uma nação amiga. O que pode explicar, então, esta involução? Primeiro, a visão e a própria ideia de “sucesso compartilhado” perdeu-se lamentavelmente nos dois lados do Atlântico no período pós-queda do Muro de Berlim, e, também, nas resultantes mais negativas e inesperadas da aceleração da globalização (desindustrialização e deslocalizações maciças). Segundo, os EUA perderam a direcção, senão mesmo a “empatia” com o projecto de integração europeia - que sempre apoiaram e em cuja base estiveram - muito em resultado de omissões por parte das suas lideranças. Mas, não só. O estado de espírito na sociedade americana não é o mais positivo. Terá a América, terão os nossos aliados americanos, perdido o seu optimismo histórico? Neste quadro um pouco sombrio, coloca-se o problema do futuro da NATO. Impõe-se, pois, perguntar: permanece a NATO um pilar essencial da lógica e do sistema de segurança transatlânticas? Esta questão é central para o futuro das relações entre a Europa e os Estados Unidos. Os americanos dizem: Não há dinheiro! Com efeito, não devemos perder de vista a opinião maioritariamente desfavorável com os custos da defesa europeia no congresso americano (de referir que os EUA ainda suportam quase 75% do orçamento militar da NATO). Nesta medida, não é apenas a orientação do actual presidente Donald Trump que deve ser tida em conta, mas também a dos três anteriores - Clinton, George W. Bush e Obama. Não existem diferenças verdadeiramente substanciais. Porquê? Há uma transição geracional
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em curso. A geração que liderou e apoiou a NATO nos últimos setenta anos já não está presente. Apesar disso, é crucial não perder de vista que a NATO continua a representar o mais importante eixo aliado no sistema internacional, e a União Europeia é o parceiro mais próximo em termos de valores, e de laços políticos e sociais. A própria diversidade e riqueza da sociedade americana é, em grande medida, resultado das sucessivas ondas migratórias oriundas de todos os países europeus, sem excepção. Nesta conjuntura difícil, impõe-se fazer escolhas. Como cidadão europeu não deixaria de afirmar a necessidade de reforçar a robustez do arco de estabilidade na nossa região euro-atlântica, um objectivo essencial para Portugal, país marítimo, e por maioria de razão para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Com efeito, em tempos de maior incerteza precisamos do reforço da relação estratégica com os Estados Unidos e não da sua fragilização. Mas, ao mesmo tempo, temos de assumir as exigências decorrentes do chamado burden-sharing – isto é, uma maior partilha de custos - que só quer dizer que teremos de pagar mais para a nossa própria segurança e defesa. É necessário e é, sobretudo, justo. Sabemos hoje que os contribuintes norte-americanos não aceitarão outra coisa. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Prof. Catedrático (ap.) de Ciência Política e Relações Internacionais. Foi professor convidado nas universidades americanas de Cincinnati, Johns Hopkin e do Estado de Washington (Seattle).
HISTÓRIAS Opinião
JOANA VASCONCELOS Uma deusa para sempre questionada?
MÁRIO VITÓRIA Uma arte onde cabe muita coisa
MAFALDA VEIGA
Em cada lugar nosso
Joana Vasconcelos, Quixote, 2017
Os talentos sublimes, os elogios Ă arte e as surpresas culturais.
INSTALAÇÃO Joana Vasconcelos
Joana Vasconcelos, uma deusa para sempre questionada? VIBRANTE, APELATIVA, SURPREENDENTE, FRAGMENTÁRIA, DISPARATADA, VIOLENTA, INCÓMODA, EXCESSIVA. ESTAS SÃO APENAS ALGUMAS PALAVRAS QUE SE OUVEM QUANDO SE DESCREVE JOANA VASCONCELOS, A ARTISTA PLÁSTICA PORTUGUESA QUE REGRESSOU AO PORTO, A SERRALVES, PARA UMA MOSTRA ANTOLÓGICA QUE PODE SER VISITADA ATÉ 24 DE JUNHO. POR Andreia Filipa Ferreira e Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Coração Independente Vermelho, 2005
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m 2005, o nome Joana Vasconcelos entrava pelas nossas casas sem permissão, fazendo parte dos telejornais que destacavam um feito inédito para uma portuguesa: Joana Vasconcelos era a primeira mulher a expor na 51ª Bienal Internacional de Arte de Veneza. A partir daí, a figura de uma Joana Vasconcelos extravagante, que corrompia objetos que nos eram familiares, dando-lhes nova vida de forma improvável, tornou-se símbolo de uma arte contemporânea de vertente maioritariamente pop, surpreendendo pela magnitude e chocando pela ousadia. Apelidada de romântica e disruptiva – e ao mesmo tempo de louca, num significado de loucura que nos mostra a ausência de cobardia -, Joana Vasconcelos foi recolhendo afetos por todo o mundo, mas continuou a ser questionada no país que a inspira: Portugal. Mesmo depois de se ter consagrado a primeira portuguesa e a artista mais jovem a expor no imponente Palácio de Versalhes, batendo recorde de visitas dos últimos 50 anos (1,6 milhões de visitantes em apenas três meses), a artista plástica continuou a ser vista como um caso de estudo: que arte é esta? Em I’m Your Mirror, que chega a Portugal depois de uma passagem pelo Museu Guggenheim de Bilbau, Joana Vasconcelos apresenta as obras que marcaram os seus últimos 20 anos. Será que temos aí a resposta?
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A noiva, 2001–2005
A todo o vapos, 2012–2013–2014
Braganza, 2017
Call Center, 2014–2016
Lilicoptère, 2012
CULTURA & ARTE Joana Vasconcelos
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INSTALAÇÃO Joana Vasconcelos
8 perguntas a Joana Vasconcelos I’ll be your mirror, 2018
Joana Vasconcelos, filha de pais emigrantes, nasceu em Paris e veio para Portugal aos quatro anos, sendo educada numa sociedade já em democracia. De que forma a sua história a transforma numa escultora de ideias? Efetivamente o exílio dos meus pais define quem eu sou e, na verdade, ter nascido em Paris é uma parte de quem eu sou. Mas eu sou portuguesa, cresci aqui e a minha identidade é ser portuguesa. Há uma espécie de multiculturalismo na minha família e que já existia do facto de terem vindo das colónias, terem vivido em França e, portanto, essa ideia de que “o mundo é parte de quem nós somos” é algo com o qual eu cresci e que faz parte da história da minha família. Nas suas obras, vemos um discurso apoiado no questionar da condição da mulher. É este o seu principal ponto de partida em termos de inspiração? Considera que o mundo não está tão desenvolvido assim em relação à posição feminina? Acho que o mundo ainda tem muito para desenvolver em relação ao lugar da mulher na sociedade. Efetivamente, há muitas coisas que ainda não são vistas nem tidas em conta e que deveriam ser. Continuarei a falar desses temas ao longo da vida até que isso se resolva. Mas sei que não vai ser assim tão rápido.
As suas peças fazem uma espécie de “corrupção dos objetos que nos são familiares, dando-lhes nova e improvável vida”. Quase um transformar de lixo em luxo. É esta a sua vontade, de alguma maneira? Eu nunca uso lixo. Os objetos domésticos não são “lixo”, são aquilo que nos envolvem diariamente no nosso quotidiano. Portanto, eu não vejo como lixo, vejo como luxo. Aquilo que eu faço é descontextualizar o nosso ambiente doméstico e recontextualizar. O nosso ambiente doméstico não é lixo, pelo contrário é um lugar que se deve preservar, valorizar e que se deve ter em conta como um lugar seguro e um lugar de prosperidade.
Solitário, 2018
Marilyn, 2011
Estamos em Serralves, uma casa contemporânea para uma mostra antológica dos últimos 20 anos de trabalho de Joana Vasconcelos. No entanto, já houve nuances de polémica nesta exposição I’m Your Mirror. Haverá exposição de Joana Vasconcelos em Portugal sem haver a palavra “polémica” envolvida? Quem tem “medo” de si como artista? Não faço ideia (risos). Eu faço a minha obra porque estou obviamente a falar de temas contemporâneos e sensíveis e é impossível não envolver polémica para quebrar com os paradigmas, para alterar os padrões. Ser-se pioneiro e não se alterar qualquer coisa significa que, na verdade, não se está a desenvolver esse papel. A polémica vem daí. Vem de quebrar as barreiras e de ir mais além daquilo que está estabelecido. Por que é que a crítica mainstream não gosta de Joana Vasconcelos? E por que é que o público a adora? Há sempre uma dualidade: ou adoram ou detestam, sempre com opiniões não fundamentadas. Como se lida com isso? Isso é ser artista? Eu não tenho uma solução para isso. A única coisa que posso fazer é continuar o meu trabalho. Obviamente que ao falar de
CULTURA & ARTE Joana Vasconcelos
temas sensíveis vou ter polémica, ao falar de temáticas que são tabu vou ter polémica, ao abrir as gavetas lá de casa e transformar o lixo em luxo vou ter polémica. Para si, o mundo é muito mais vasto do que a compreensão portuguesa? Procura sequer essa compreensão, essa valorização no seu país? Eu acho que o país me valoriza bastante. Tenho tido imensas ajudas e oportunidades e tenho tido, obviamente, vozes contrárias. Mas faz parte. Na verdade, continuo a fazer o meu trabalho. Estou aqui hoje em Serralves... O Porto é a sua casa de partida (expôs em 1996 a peça Trianons no Parque de Serralves numa mostra comissariada por João Fernandes chamada Mais tempo, menos história). Ver esta exposição cá é para si sinónimo de quê? É sinónimo de felicidade. Quer deixar um convite ao público para visitar esta I’m Your Mirror? Venham ser felizes comigo!
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PINTURA Mário Vitória
Mário Vitória, uma arte onde cabe muita coisa É UM CONVITE PARA ENTRAREM NO IMAGINÁRIO DE MÁRIO VITÓRIA, NUMA VIAGEM UTÓPICA QUE PERCORRE A SUA ARTE. UMA VIAGEM QUE TEM VÁRIAS PARAGENS. NELA BATEMOS À PORTA DO SURREALISMO E ENTRAMOS NUM MUNDO FANTASIADO, DO SONHO, ONDE VIVEM COISAS IMPROVÁVEIS E IRREAIS, AO PASSO QUE NOS DEIXAMOS CONTAMINAR POR OUTROS MOVIMENTOS E EXPRESSÕES DA ARTE, NO SEU ESTADO MAIS PURO. FOI ASSIM QUE NOS SENTIMOS QUANDO NOS FORAM ABERTAS AS PORTAS DO SEU ATELIER, NO PORTO. ALI FALAMOS DO ÂMAGO DA SUA ARTE E DE TODAS AS COISAS QUE NELA CABEM. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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CADERNO Título da Reportagem
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ostaríamos de começar esta entrevista por perguntar: como define a sua arte? Há várias gavetas e é difícil de a definir logo de imediato. Muitas vezes estou comprometido com causas sociais. O meu trabalho tem vindo a ser assumido nessa lógica porque trabalho muito sobre a dignidade humana. Obviamente, estou ligado a essas lutas e a formas de resistência. Nos últimos anos, desde 2010, tenho estado focado no fator de migração. Nunca, em outra altura da humanidade, se falou tanto em perseguições, na necessidade de fugir e, por isso, tenho trabalhado muitas peças sobre o tema. Há outros momentos em que estou mais descomprometido, até talvez pela porta do surrealismo, sem o foco tão delimitado nos conteúdos do que vou tratar. Por essa razão é que vou muitas vezes à poesia ou pinto pelo simples ato de prazer. Se eu tivesse de definir o meu trabalho diria que é sobre o âmago humano, cabe muita coisa aqui. A sua obra insere-se então numa corrente mais livre? Sim. Como o espetador vê figuras a voar, monstros ou figuras estranhas na minha obra, pela tradição acumulada, a tendência é assumir a minha obra como surrealismo ou até dadaísmo, naquelas peças mais esquisitas. Mas é claro que esses movimentos deixaram muitas portas abertas. Temos de recordar que o surrealismo e o dadaísmo foram das primeiras formas de nós contactarmos com as atrocidades da guerra. Estão
“Eu acho que os artistas devem estar preocupados com uma atitude cívica, ainda mais nos tempos que correm, em que é urgente termos outra postura perante o degradar de muitas coisas”
mais ligados à parte íntima de cada um e até ao sonho, por isso é que as pessoas apelidam de surrealismo algumas partes do meu trabalho, mas de facto não tem nada a ver. Até por essa parte de maior intervenção poderíamos ir ao neorrealismo, pelas causas sociais e movimentos que são retratados, mas não consigo encaixar as minhas obras em lado nenhum. É um tutti-frutti autêntico! (risos) Existe alguma época histórica, alguma temática que sirva de inspiração para o grosso das suas obras? O meu trabalho retrata a História da humanidade e a humanidade repete-se. Eu posso basear-me em momentos históricos já vividos, mas o momento que estamos a viver é cheio de ingredientes e parece que se está a repetir. Temos mais meios e outras técnicas, mas a História do homem é muito baseada nas suas fraquezas e nas suas vitórias. Claro que utilizo uma imagem dentro do ramo das artes que é figurativa, tem algumas proporções e regras, mas também desmancho essas mesmas regras do jogo. Mas não tenho nenhuma ligação específica. Em que é que se inspira então, essencialmente? No meu dia a dia. Há dias em que estamos completamente desligados do mundo, não conseguimos ligar o telejornal sequer, mas há outros dias em que estamos mais interventivos e achamos que há qualquer coisa que nos puxa para a maior das atenções. E eu inspiro-me nos inequívocos do dia a dia, nas causas maiores. É por isso que a minha obra consegue reunir tantas coisas: acaba por estar misturada com coisas descomprometidas e está altamente convocada para coisas muito urgentes. A maioria das suas obras remete para a mitologia, domínios imagináveis e quase intangíveis. Não são obras de perceção fácil e rápida. O objetivo é, também esse, levar as pessoas a olhar de uma forma mais profunda para entender a mensagem por detrás de uma pintura? Considera essa mesma interpretação fácil? Na maioria das vezes eu pensava que sim, que as pessoas olhavam para as minhas obras e percebiam, porque eu deixo sempre o ponto de partida para a leitura. E como eu trabalho coisas
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CULTURA & ARTE Mário Vitória
do nosso quotidiano, seja o mundo da Disney, as capas de jornais, os assuntos mais mediáticos, eu pensava que as pessoas já tinham esse código de acesso ao quadro, mas a verdade é que a obra nunca nos pertence e muitas das vezes as pessoas fazem leituras dos nossos trabalhos que não têm nada a ver com aquilo que eu pensei. E tudo bem, às vezes até me reorganizo em pensamento e é engraçado confrontar essas leituras com aquelas que eu imaginei em atelier. É muito interessante. Vemos que algumas das suas obras ultrapassam a tela. Em que contexto surge essa necessidade de ultrapassar a delimitação de uma tela? Faz parte do dia a dia do atelier. Eu estou aqui imbuído, venho da variante da pintura e do desenho, mas como eu manipulo e desenho tantas personagens, a volumetria é quase inevitável. A volumetria faz parte das nossas vidas, está mesmo iminente. Vemos escultores contemporâneos que fazem peças que nos “assaltam” e é fantástico estar a assistir à volumetria. A pintura também é volumétrica, se entendermos as escalas e levarmos isto para outro campo. Essa fronteira acaba por ser ténue. As nossas vidas mudam, as nossas casas mudam, os nossos territórios mudam, é normal e quase inevitável ir à escultura ou à instalação. Era uma necessidade, enquanto artista, explorar essas mesmas artes? Sim. Eu vou tentando, com o tempo que me é concebido em vida, ir a muitos lados. Há muitas áreas que eu gostaria de explorar e de me dedicar com mais tempo. Áreas como o vídeo, a cerâmica, entre tantas outras. É normal que um dia essas
CULTURA & ARTE Mário Vitória
expressões surjam, mas a volumetria tem muito a ver com algumas personagens que saltam dos meus quadros. Em praticamente todas as obras vemos um símbolo que é comum. Trata-se de um rosto que faz parte da obra e é readaptado à mesma. Este mesmo rosto tem algum simbolismo? Eu chamo-lhe “a criatura”. É uma figura engraçada por dois lados. É sarcástica e permite-me conectar com assuntos delicados e difíceis, mas como vem desse ambiente de boneco a coisa é aligeirada, é como um ponto de entrada. Por outro lado, ela é oca de conteúdo e fere-nos, porque vemos uma personagem com membros, que se movimenta e toma ações, mas não é uma máscara. Vemos que é uma figura sem conteúdo e isso assusta-nos. Há um vazio de interior. Esta personagem é uma ferramenta que me permite tocar nesses conteúdos difíceis e, ao mesmo tempo, alertar-nos para o nosso vazio de conteúdo, porque poderemos cair nele. Em Naturezas Assassinas vemos em todas as obras um cruzamento de ideologias, tempos históricos e correntes artísticas. Temos os retratos das míticas mesas com uma abundância de elementos decorativos, dos quais sobressaem (quase sem darmos conta) personagens que nos são de imediato conhecidas. O que é que representam? Vamos viajar ao século XVII holandês, naquela extensão das vanitas ou das naturezas mortas e aquele ambiente virtuoso da boa pintura, mas também onde se camuflavam imensas mensagens. Muitas vezes, vemos aquele aspeto banal da pintura que está presa no tempo, mas que sabemos que irá encontrar a morte, porque os frutos apodrecem, as flores mur-
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cham. Isso sempre me agradou, sobretudo aquela parte em que os significados e as mensagens estavam escondidas. Aqui é tudo explícito. Eu contamino estas naturezas mortas com estes bonecos que se matam uns aos outros. A referência é óbvia a este mundo de poder em que se matam pessoas como se fossem bonecos ou simples brincadeiras de crianças. Surgem bonecos totalmente invasores, da nossa infância e, ainda por cima, têm uma vertente para uma destruição que acaba por cair no lúdico. Isso é a perversidade e o terrorífico dos nossos dias, mas também a gigante caricatura de que não há mais filtros para pensar a maluqueira que estamos a assistir e isso, sim, é um surrealismo evidente da humanidade. As suas obras remetem para algum sarcasmo e crítica. A arte existe, também, com esse intuito, de dar voz a determinados problemas que a sociedade deveria ter em conta. Considera que através da sua arte as pessoas podem adquirir outras visões do mundo e interpretarem a realidade de outra forma? O meu papel neste momento é esse. É a minha missão e a que eu encarei para o meu trabalho. A arte tem de estar nesse caminho da intervenção social e tem sempre que alertar, mesmo que num momento mais de introspeção, mais pessoal. Eu acho que os artistas devem estar preocupados com uma atitude cívica, ainda mais nos tempos que correm, em que é urgente termos outra postura perante o degradar de muitas coisas. Porque senão perdemos o pouco de bom que temos e a arte pode contribuir para esse lado. Eu fico muito feliz quando as pessoas torcem o nariz ao ver os meus quadros porque são fortes ou terroríficos, mas depois noto que as pessoas que se debruçam nos quadros são pessoas realmente diferentes, que
“Não consigo encaixar as minhas obras em lado nenhum. É um tutti-frutti autêntico!”
abrandam e contribuem para esse movimento cívico, no sentido ecológico das coisas, de preservar, e de nos questionarmos sobre estas questões das guerras e das intrigas. Quando eu faço aqueles enunciados de elogio, como o amor e a amizade, é engraçado ver, também, esse feedback das pessoas e ver que a arte é uma ferramenta muito útil. Considera que a sua obra é aceite de igual forma por toda a gente? Eu acho que não. Porque a minha arte tem as tais gavetas, desde as Naturezas Assassinas, o Circo Humano, os Desenhos Intencionais e, depois, os objetos e as esculturas. É engraçado que há pessoas que são fervorosas por todos esses ramos e percebem que é a mesma pessoa, que não há aqui pseudónimos e os conteúdos casam-se. Tenho pessoas que fogem e acredito que jamais teriam um quadro meu em casa, como há pessoas que se debruçam mais sobre os quadros e estão mais ligadas aos conteúdos que enunciei, porque acabam por gostar e entender o significado das figuras. Eu estou a trabalhar muito para essas pessoas que apreciam, mas também para ferir as que fogem disso. Se eu as conseguir prender uns cinco minutos no quadro, eu acho que vou ter resultados positivos.
Há alguma altura da vida em que a inspiração acaba? Ou constrói-se constantemente? Eu acho que se constrói constantemente e é isso que distingue um artista profissional de um artista amador. Às vezes dizem que é a escola ou os meios que frequentou, mas eu não acho. Um artista profissional é aquele que vai, como qualquer pessoa, para o seu emprego. Claro que há dias em que estamos mais bem-dispostos e outros não, mas temos de ser sempre profissionais e um artista tem de estar consciente que tem de ser todos os dias criativo e tem de estar no seu melhor. Constrói-se do trabalho e da dedicação. O que espera dos próximos tempos? (risos) Este ano espero descansar um pouco, porque tenho feito muitas exposições e aceitado muitos convites. Tenho muitas obras, sou muito compulsivo no trabalho e andei sempre de um lado para outro. Agora vou explorar novos trabalhos e estou muito dedicado a estar fechado e a construir peças novas. A sua maior obra foi apresentada no âmbito da Capital Europeia da Cultura em 2012, em Guimarães. Pode falar-nos um pouco sobre essa pintura: a escolha do tamanho, as ideologias nela presentes e qual a mensagem que pretendia transmitir? Essa peça integra uma exposição que se chama Angelorum – Anjos em Portugal, que simboliza a integração dos anjos na arte portuguesa desde a época medieval aos nossos dias. E sendo a temática os anjos, que já tinham aparecido em algumas das minhas obras, convidaram-me a propósito disso. Mas eu lembrei-me que seria interessante se me debruçasse sobre o Apocalipse, o último livro da Bíblia que está cheio destas intrigas que representam muito o meu trabalho. É a chamada do âmago humano aos nossos dias. Há muita gente que vê aquilo como uma catástrofe total, com deuses mortos, mas para mim não. É uma mensagem de inclusão. Estávamos a viver a crise económica, nomeadamente na Grécia. Há uma série de cruzamentos que achei interessante abordar e ironizar vários elementos para alertar as pessoas para um reencontro, outra vez, consigo próprios. Era um quadro esperançoso. Criei sete painéis, como os sete dias da criação, e deu-se aquela peça de escala. Ela ainda está comigo, pertence ao meu acervo e está à espera de um mecenas ou de uma instituição que queira ficar com ela. Está à espera de uma casa para poder ser visitada. Algumas obras são bastante expressivas. Se algumas das suas obras gritassem, o que diriam? (risos) Depende. Se vamos para uma vertente mais sarcástica das Naturezas Assassinas, elas gritam sobre a guerra, é explícito. Outras gritam afeto. Há muitas telas que brincam com a mitologia ou então seguem uma tradição cristã.
CULTURA & ARTE Mário Vitória
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TALENTO Gustavo Fernandes
Gustavo Fernandes: para além da realidade
Tal como a pintura pura de que o olhar puro é o correlato obrigatório (…), o olhar puro é o resultado de um processo de depuração, verdadeira análise de essência operada pela história, ao longo das sucessivas revoluções que, tal como no campo religioso, conduzem de cada vez a nova vanguarda a opor em nome do regresso ao vigor das origens, à ortodoxia, uma definição mais pura de género.1
POR Helena Mendes Pereira
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ão é (apenas) hiperrealismo. Porque o hiperrealismo é fotografia feita pintura, neste caso, num exercício de procurar que a matéria pictórica imortalize uma história que se quer guardar. No caso de Gustavo Fernandes (n.1964), quando é de retrato que falamos e de algum que o artista desenvolve a partir de encomendas, parece que escutamos as conversas das personagens, que lhes sentimos o coração a bater, ficando altamente sensíveis aos detalhes e às expressões, parecendo-nos impossível tamanho virtuosismo na pintura a óleo sobre tela. Gustavo Fernandes é um perfecionista: escolhe os melhores materiais, o melhor suporte e surpreende-nos o facto de um autodidata atingir estes níveis de qualidade, de domínio da mão e de sensibilidade. Porque a realidade é do foro do sensível e do inteligível, ao mesmo tempo. Contudo, na produção em que Gustavo Fernandes ganha escala, este recorre, conceptualmente, à técnica do hiperrrealismo para tocar os pressupostos do surrealismo e mesmo da pop art, nomeadamente nesta série mais recente em que a imagem de alguns dos ícones do nosso tempo é apresentada de forma ilusória e com a soma de camadas em que a transparência e a palavra evidenciam a natureza interpretativa da obra, que deixa de ser retrato para ser visão. O reconhecimento do percurso de Gustavo Fernandes, nacional e internacional, está para além do campo estreito das elites, sendo inevitável que as imagens que o criador lega ao mundo nos interroguem e interpelem para além do estético e da apreensão do narrativo. São catarses do profundo e inconsciente, colocando-se o corpo, e a sua relação de composição com os demais elementos e com as arquiteturas, no epicentro do vulcão. Porque a pintura de Gustavo Fernandes arde por dentro, toca o erotismo mesmo sem pele, grita mesmo que os lábios pintados se cerrem, é visceral e comportamental, existe no nosso horizonte oculto. Ainda que de catalogação imediata hiperrealista, ela merece-nos mais do que o olhar puro e superficial. Ou como escreveu Bourdieu (1930-2002):
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Inquieto e exploratório, fiel à linguagem que as suas mãos desenvolveram, Gustavo Fernandes atreve-se, mais recentemente, nos campos da pintura expandida e mesmo da escultura, privilegiando os materiais nobres e tradicionais das belas-artes, mas aproximando-se de um território de grande fertilidade criativa que o faz apresentar, a partir de um modus operandi, propostas de disrupção pictórica em que dominam as cores planas e a mancha intensa, enfatizando o jogo de planos e a tridimensionalidade que faz com que os corpos flutuem e se aproximem de quem vê. Gustavo Fernandes é um artista sem tempo e com verdade, que vive no limite da razão e da imaginação, dicotomia que torna sonho e que faz com que as suas obras integrem, abruptamente, a nossa lista de objetos de desejo. Sobre o autor Chief Curator da zet gallery, em Braga.
BOURDIEU, Pierre – O Poder Simbólico. Lisboa: Edições 70, 2014 (2ª edição). Página 310. 1
CULTURA & ARTE Gustavo Fernandes
Satisfaction
Rebel
CULTURA & ARTE Gustavo Fernandes
Cherry Lips
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MÚSICA Mafalda Veiga
Mafalda Veiga, em cada lugar nosso É UM DOS NOMES MAIS RECONHECIDOS DO PANORAMA MUSICAL PORTUGUÊS. EXÍMIA COMPOSITORA E LETRISTA, MAFALDA VEIGA ESTÁ HÁ 30 ANOS A CANTAR-NOS A BANDA SONORA DAS NOSSAS VIDAS. NUMA ENTREVISTA SOBRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO, MAFALDA VEIGA MOSTRA-NOS O PORQUÊ DE CONTINUAR A ECOAR NAS NOSSAS PLAYLISTS: O SEGREDO ESTÁ NA PAIXÃO COM QUE, COM A SUA GUITARRA, CONTINUA A DAR VOZ AOS SEUS (E NOSSOS) SONHOS! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Sorin Opait (com produção de Paulo Gomes)
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epois de 30 anos, o nome Mafalda Veiga já faz parte do nosso panorama musical. Ainda lhe falam da voz doce que surgia com “Planície”, no álbum Pássaros do Sul, de 1987? Tem boas recordações desse início? Tenho ótimas recordações! Na verdade, quando se começa, a expetativa e os sonhos são tão grandes que, obviamente, é algo que nunca mais se esquece. Por acaso, não quis sempre fazer música, não quis sempre compor canções. Eu pensava que queria ser pintora quando era pequena. A música foi algo que foi acontecendo naturalmente porque me deram uma viola e isso dava para inventar imensa coisa: histórias, canções... Era uma espécie de ferramenta da imaginação. Foi, sem dúvida, o facto de o meu pai me ter oferecido essa viola quando eu tinha 11 anos que fez com que tudo mudasse e eu esteja aqui agora. De acordo com as informações que recolhemos, a Mafalda aprendeu a tocar guitarra cruzando-se até com o mundo do Fado. No entanto, não é Fado que nos canta... O meu tio mais novo era guitarrista de Fado e ele é que me ensinou os primeiros acordes. Não me ensinou todos porque ele não tinha assim muita paciência (risos) Ele não era muito mais velho do que eu e tocava mesmo muito bem. Tocou em todas as casas de Fado e acompanhou imensos fadistas com quem eu estou hoje em dia, o que faz com que eu seja recebida pelos fadistas como se fosse família – e isso é uma coisa muito boa. Eu adoro Fado, adoro ouvir Fado, mas compor as minhas canções sempre foi muito mais forte, mais apelativo. Eu nem sequer tinha muito jeito para cantar Fado (risos). Assim que comecei a compor percebi que era aquilo que eu gostava de fazer. Falando de inspiração, as letras das suas músicas têm uma carga emotiva, mas sobretudo destacam uma característica que entendemos ser muito sua: a observação. A inspiração vem daquilo que a Mafalda vê ou se cruza? Completamente... e também é isso que me inspira. Na verdade, é inspirador no sentido em que tudo à nossa volta pode ser uma canção. Uma conversa pode dar uma canção, um filme pode originar uma canção, há coisas que nos provocam nesse sentido de querermos responder-lhes. As canções servem como respostas, acho. A relação com o público, depois destes 30 anos de carreira, é descrita de que forma? Eu acho que essencialmente tento ser muito honesta naquilo que escrevo. E tento, em cada disco, continuar à procura. Tento fazer diferente. No fundo, tentar ir ao encontro daquilo que é o meu ideal de um disco ou o meu ideal de uma canção. Mudando um bocadinho o tom na forma como falo do
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mundo à minha volta. Acho que, por exemplo, o Praia é um disco que tem um tom absolutamente diferente dos outros e foi uma coisa que me deu algum trabalho perceber porque havia canções que eu compus antes e não entraram porque eu já tinha falado daquilo e precisava de mudar. Acho que essa procura em cada trabalho faz com que eu me sinta muito bem na minha pele. Eu tenho feito aquilo que eu acho que devo fazer, como eu sinto que devo fazer, em cada momento. Acho que isso passa de uma forma autêntica para as pessoas. Se calhar, é por isso que as pessoas se identificam com aquilo que eu escrevo. Na verdade, nós não somos assim tão diferentes uns dos outros e passamos todos por coisas muito semelhantes. Vivemos de formas diferentes, mas há coisas que se tocam. Já me aconteceu imensas vezes pessoas dizerem “escreveste esta canção e parece que estás a falar de mim”. Eu acho que, como digo na “Tatuagens”, em muitas coisas tu és igual a mim. A vida é cheia de coisinhas pequeninas que são fundamentais para nos construirmos a nós próprios.
“A música é mesmo a minha expressão preferida. É a forma como eu consigo dizer aquilo que eu sou, que eu penso do mundo à minha volta”
Numa das suas canções consagradas, “Restolho”, dizia-nos que “A vida não é existir sem mais nada, a vida não é dia sim, dia não, é feita em cada entrega alucinada, para receber daquilo que aumenta o coração”. Se a vida não é existir sem mais nada, a música é para si o todo que lhe preenche a vida? Como nos descreveria esta entrega alucinada em 30 anos de carreira musical? (risos) A música é o meu todo, completamente! Tem sido fascinante! Eu não considero carreira porque eu acordo e deito-me a ser sempre aquela pessoa que escreve canções... e o meu trabalho estrutura-me tanto que eu não tenho uma vida pessoal e uma carreira: o que eu tenho sou eu! E acho que a música que eu faço corresponde também aos meus altos e baixos pessoais. A música é mesmo a minha expressão preferida. É a forma como eu consigo dizer aquilo que eu sou, que eu penso do mundo à minha volta. No fundo, eu cada vez mais fui sendo esta pessoa que se construiu porque escreve canções. Ao longo destes anos construiu uma carreira sólida, com vários discos e duetos com outros artistas. Esta ligação com outros artistas é algo que valoriza? A música é feita para ser partilhada? A música é a coisa que mais convoca os sentimentos coletivos. Há uma canção da Madonna que diz “music makes the people come together” e é verdade: a música faz mesmo as pessoas juntarem-se. Por exemplo, se nós ouvirmos uma plateia a cantar, soa afinadíssima. Provavelmente nem toda a gente é afinada, mas uma plateia a cantar é a coisa mais extraordinária do mundo. É muito, muito gratificante para quem escreve canções estar em cima de um palco e ter as
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“O meu trabalho estrutura-me tanto que eu não tenho uma vida pessoal e uma carreira: o que eu tenho sou eu!”
Tem por hábito acompanhar o percurso dos novos artistas portugueses? Costumo, conheço e sou super fã! Eu estou sempre a tentar descobrir o que está a sair, aqui e lá fora. Há imensos músicos que eu adoro e há muita coisa boa a fazer-se cá.
pessoas a cantar aquela canção que nós fizemos em casa sozinhos no quarto. Aquele momento é quando tudo faz sentido. De facto, a música é também um grande instrumento de comunicação, para além de ser arte. Cantar com colegas é muito enriquecedor porque toda a gente tem um carisma diferente, uma forma diferente de interpretar e aprendemos muito uns com os outros quando tocamos juntos. Cantar para uma sala esgotada depois de 30 anos ainda lhe faz sentir o friozinho na barriga? Claro, isso não passa nunca! E, às vezes, não tem a ver com estar esgotada ou não, tem só a ver com ir tocar. É sempre uma responsabilidade enorme. Há uma música que, por muito que não se conheça a carreira da Mafalda, é conhecida por grande parte do público: “Cada lugar teu”, do álbum Tatuagem. É uma música de 1999. Como se sente ao saber que, por muito que o tempo passe, a sua música acompanha as gerações? É maravilhoso! É uma sensação que não sei descrever, sinceramente. É uma coisa muito forte estar em palco nesse momento. “Cada lugar teu” especificamente é a canção de muita gente. Há pessoas que se encontraram, namoraram, casaram ao som da canção. Há tantas histórias que já me contaram! É maravilhoso como uma pequena canção se torna enorme assim. Para mim, é um privilégio enorme.
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Avizinha-se música portuguesa de boa qualidade? Sim, eu acho que sempre houve. Houve alturas em que as pessoas estiveram mais de costas voltadas para a música portuguesa do que estão agora, mas sempre houve pessoas a escrever muito bem em português. Nós temos uma escola extraordinária! Estas pessoas não aparecem do nada. Vêm do Zeca Afonso, do Fausto, do Jorge Palma, do Sérgio Godinho, ou seja, temos uma escola de compositores extraordinária. Eu acho é que muitas vezes nos esquecemos de olhar para trás e a memória é muito importante nestas coisas. Nós temos de facto uma grande, grande escola! Em Espanha, por exemplo, não há esta quantidade de compositores. É um grande motivo de orgulho termos um património incrível de compositores e escritores de canções ao longo deste tempo todo. É um legado importantíssimo! Durante 2019, o que vamos conhecer de Mafalda Veiga? Vou estar a fazer espetáculos de comemoração com banda e um espetáculo a solo que se chama Crónicas da Intimidade de uma Guitarra Azul, que sou eu sozinha em palco com guitarras e teclados. Tenho estado a compor para novo disco, mas não sei ainda datas (risos). Depois de uma odisseia de 30 anos, quem é esta Mafalda Veiga? Eu não sei descrever-me (risos) Eu faço música porque eu adoro. Tenho sabido preservar, ao longo destes anos, esta paixão que sinto pela música... e as paixões são coisas que se alimentam também, que precisam de ser cuidadas. A maneira como eu me relaciono com a música é muito cuidadosa, no sentido em que eu sei que a música é importantíssima para mim. E gosto de sentir que aquilo que faço me dá prazer! Portanto, tento sempre fazer de uma forma muito honesta o meu trabalho, de coração.
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TEATRO A Civilização do Espectáculo
.Matilde, a bailarina. POR Cátia Faísco
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atilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Matilde. Repito o nome uma e outra vez, como se o som me fizesse regressar a ela. Mas, na verdade, a repetição é apenas uma sombra da memória que ficou gravada na pele junto às minhas tatuagens. Conheci-a num sábado por volta da hora do almoço, em Lisboa, enquanto caminhava pela zona de Saldanha. Ia a ouvir música, como faço tantas vezes, completamente distraída, e não a ouvi imediatamente. Apercebi-me de alguém a gesticular, quase a atravessar-se no meu caminho e tirei os auscultadores. Era a Matilde. Não demorou mais de um segundo a abordar-me e a explicar tudo como se estivesse habituada a resumos ultra rápidos. Disse-me que eu era a primeira pessoa que finalmente parava numa manhã que tinha começado às 9h. Queria pedir-me uma moeda ou duas para sopa e pão. Nada mais do que isso. Só sopa e pão. Pão às fatias para racionar, e sopa para dividir entre o jantar e o pequeno-almoço. E porque é que falo disto numa crónica dedicada ao mundo das artes? Bem, lá chegaremos. Dir-me-ão que há muitas histórias como a da Matilde, principalmente numa cidade como Lisboa que acentua essas clivagens. Mas em vez de lhe dar o dinheiro e de seguir caminho, como, confesso, já o fiz outras vezes, tirei os auscultadores e fiquei a falar com ela. Matilde, a bailarina, ofereceu-me o braço para juntas atravessarmos a passadeira e contou-me a história dela. Durante mais de 35 anos, Matilde foi bailarina clássica e, nas suas palavras, correu quase o mundo todo a dançar. Aprendeu línguas diferentes da sua. Conheceu países diferentes do seu. E durante mais de 35 anos foi muito feliz. Reforça-o com um ‘mesmo muito feliz’ para que essa emoção chegue até mim. Agora, com 82 anos, já não se sente assim tão feliz. Quase que se arriscaria a tirar inclusive o ‘tão’. Não tem família, não teve filhos e, com um sorriso malandro, diz-me que, embora tenha amado, nunca se casou. Fala do passado com uma força que perde logo a seguir quando regressa ao presente. Acha que caminho demasiado rápido e eu abrando o ritmo. Por ela e por mim. Para a ouvir. Faço as perguntas habituais de quem quer alcançar o outro.
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Pergunto-me como terá chegado a este ponto e depois, sem precisar de elaborar muito, penso na quantidade de testemunhos que surgem frequentemente na imprensa acerca de artistas que vivem na miséria. Que em tempos idos eram grandes estrelas e quando passou o momento de glória foram absolutamente esquecidos. Que retrato é este de um país que ignora tantas vezes a memória, que consegue apagar a felicidade do rosto de quem já trabalhou tanto, que faz dos últimos anos de vida um autêntico suplício? E não estou a apontar o dedo a X ou Y, mas a todos nós. Porque é que reciclamos com tanta facilidade a noção de quem merece trabalho ou a nossa atenção? Falam muitas vezes no amor à arte, mas se o amor à arte for o meio de sustento, também deve poder gerar dinheiro. Temporário, instável, guardar de uns meses para dar para os outros (...), são tudo palavras ou expressões que já ouvi de amigos próximos que trabalham nesta área. E depois quem não está na área diz coisas tão intrigantes quanto: “ah, mas é tão fixe trabalhar assim no teatro, na música, não é?”. Sim, é, principalmente se não tiveres de fazer contas ao final do mês. No rosto da Matilde vi o medo de uma geração inteira, de envelhecer assim, de terminar uma carreira assim e de tudo o que acontece no entretanto. As fotografias da Matilde e dos espectáculos em que participou perderam-se nas mudanças de casas, ou melhor, de quartos. Porque casa, em Lisboa, é impossível. Diz que se lembra de todas, que estão todas na cabeça dela. Digo-lhe que quero ser a memória dela e ela ri-se como se eu estivesse a meter-me com ela. Mas, não estou. Quero mesmo. Visito-a quando posso. E o nome dela já faz parte das páginas da minha próxima peça. Não conto tudo isto para fazer de mim a salvadora da pátria. Mas, de repente, ouvir uma mulher com 82 anos a dizer-me que bebe água para encher o estômago e que se vai deitar mais cedo para não pensar na fome, corta o coração de todas as maneiras possíveis. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Dramaturga, professora, investigadora, yogui.
CULTURA & ARTE Opinião
LITERATURA João Tordo
João Tordo e as vozes que o completam COM UMA VOZ CALMA QUE NOS CATIVA A CONTAR HISTÓRIAS, A CONVERSA QUE TIVEMOS COM JOÃO TORDO, NA PÓVOA DE VARZIM, DURANTE O FESTIVAL LITERÁRIO CORRENTES D’ESCRITAS DEIXOU-NOS COM VONTADE DE O CONHECER MELHOR. A SI E ÀS SUAS VOZES, CRAVADAS NAS PÁGINAS DE LIVROS QUE EXALTAM A SUA FORMA DE FÉ: A LITERATURA E O ROMANCE. COM UM NOVO LIVRO NAS LIVRARIAS, A MULHER QUE CORREU ATRÁS DO VENTO, JOÃO TORDO É UM DOS NOMES QUE QUEREMOS QUE ACOMPANHE. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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oão Tordo, 44 anos, vencedor do Prémio Literário José Saramago em 2009. Quem é o escritor João Tordo? Pertenço a uma nova geração de autores... que já não é nova. Comecei na viragem do século, tal como uma data de nomes sonantes: Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, Afonso Cruz... Já publicamos há muitos anos e, por isso, já não somos assim tão jovens (risos)
“Acho que as pessoas que me leem gostam de narrativa, gostam da aventura da narrativa, gostam de, como eu, se sentirem perdidas no meio do livro”
Com que tipo de autores se identifica? Eu tendo a ler quase tudo que vai aparecendo. Consigo identificar-me com autores contemporâneos como eu, mas também com José Saramago que, para mim, foi uma influência enorme. Mesmo antes de eu ganhar o prémio ou de o ter conhecido, eu lia muito Saramago e com ele aprendi imenso sobre estrutura narrativa, sobre diálogo, sobre personagens. Por isso, foi um autor que, sem ele saber, me ensinou muito. Hoje em dia, existem muitos prosadores em Portugal, com enorme qualidade, mas não temos muitos romancistas. Ou seja, a grande narrativa, como fazia Saramago, Philip Roth, Herman Melville, não é uma tradição muito nossa. Para mim, a literatura é uma junção muito delicada de arte e de técnica, sendo a arte a parte que diz respeito à linguagem e a técnica a parte que diz respeito à forma e à estrutura narrativa. Em Portugal, temos muitos escritores, mas não temos assim muitos romancistas ou narradores.
É a morte do romance? Acho que a morte do romance já vem sendo anunciada há muito. Há 500 anos que se diz que o romance é uma forma em vias de extinção. Mas, a realidade é que nunca se compraram tantos livros, nunca as pessoas leram tanto em Portugal, coisas boas ou más. As redes sociais e o mundo instantâneo têm um efeito que faz parecer que qualquer pessoa pode ser um escritor... e pode. Há muitos escritores que têm feito carreiras assim. Que começam pelo Facebook e constroem um público muito grande. Mas eu não sei se se pode chamar a isso literatura. Acho que isso são outras maneiras de escrever. Literariamente não têm conteúdo. Não há uma definição fiel obviamente, mas, para mim, se existisse definição de literatura seria algo como “uma tentativa sempre frustrada da imaginação tomar o lugar da verdade”. Isso é algo que se sente a acontecer quando se lê um grande livro. O tomar o lugar da verdade é muito engraçado. Como é que esta sua história como escritor começa? Durante 28 anos escrevi sem nunca publicar. Escrevi para mim e o que escrevia ficava na gaveta... ou deitava fora. Fiz o meu processo de perceber que a escrita era sobretudo, pelo menos naquela idade, uma experiência de fracasso. Tentar, tentar, tentar... perceber o que eu queria dizer, o que me importava dizer, que tipo de voz eu tinha... Isso surgiu muito por tradição literária, ou seja, ler! Passei muitos anos a ler sem objetivo nenhum de publicar e aprendi assim. Fui construindo a minha tradição, porque não se escreve sozinho, escreve-se com as vozes dos outros que vieram antes de nós. Por um lado, a tradição e, por outro, a imitação. Só aos 28 anos é que tive coragem de pegar num manuscrito e enviar para várias editoras em Portugal (nessa altura eu vivia nos EUA). Demorou algum tempo até ter uma resposta. Publiquei o primeiro romance aos 29 anos, o que acho que é cedo. Hoje em dia vemos escritores muito mais novos, com 20 anos, a publicar, e eu considero muito precoce. Não há tempo para se ter vivido, para se ter amadurecido. A sua voz, o seu “eu escritor”, foi-se alterando ao longo dos anos? Há uma história que o escritor japonês Haruki Murakami conta. Ele tem um livro muito engraçado cujo título é mais
CULTURA & ARTE João Tordo
ou menos Do que falo quando falo em escrever, que não está publicado cá. Nesse livro ele conta a história de dois homens que, no sopé do monte Fuji, encaram o monte e o homem normal diz: “este monte é o mais grandioso, o mais belo e o mais magnífico de todo o Japão. Estou convencido, não preciso de mais argumentos”. Já o homem escritor diz: “eu preciso de ir lá acima”. Eu acho que é muito isso! É essa coisa de ir ao sopé do monte várias vezes. De o querer subir. Um escritor não se mede pelo sucesso, nem por aquilo que deseja fazer, mas pela sua longevidade. Eu cheguei aos 15 anos de livros e acordo de manhã a querer continuar a fazer a mesma coisa. Se ao fim de 35 anos disto eu tiver vontade de acordar de manhã e continuar a escrever, então aí já me posso achar escritor, já posso achar que tenho uma voz. E essa voz vai evoluindo conforme vamos crescendo e amadurecendo. Há sempre momentos muito difíceis. Tenho vários romances que estão inacabados. Coisas que chego a meio e às tantas desisto porque não era bem aquilo que eu queria dizer. Os livros, às vezes, assumem formas muito próprias de estar e são eles que nos levam pela mão. É um processo estranho (risos). Quem o lê procura exatamente o quê? Acho que as pessoas que me leem gostam de narrativa, gostam da aventura da narrativa, gostam de, como eu, se sentirem
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perdidas no meio do livro. De se sentirem desorientadas. Na realidade, às vezes, é isso que eu sinto, que fico desorientado. Quando começo um livro com personagens que são muito fortes e surge uma crise para resolver, às vezes eu penso que é como estar no meio do mar, num barquinho. Não tenho nada à volta senão mar. Mas à distância sei que há um farol! Vou remando, remando, remando... e lá chego ao farol. Depois há outro farol. Só depois há uma ilha. É assim! Às vezes sinto-me muito, muito perdido no meio dos livros, mas se não for uma aventura, uma catarse para mim no final, não faz sentido. Acho que as pessoas que me leem estão à procura disso: narrativa, aventura, sentirem-se perdidas e catarse.
“A literatura leva-me para um espaço em que eu, através das personagens, acedo muito mais facilmente ao lado emocional da vida”
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Para quem nunca leu João Tordo, por onde deve começar então? (risos) Isso é uma pergunta difícil. Para quem nunca leu o meu trabalho, o romance Ensina-me a voar sobre os telhados é um bom ponto de partida. Acho que é um livro que tem muito de mim, muito da voz que eu fui encontrando ao longo destes anos todos e é um livro que também, ao mesmo tempo, tem uma história que prende. É verdade que o título desse livro é inspirado num sonho seu de adolescente? Sim! (risos) Eu tinha esse sonho imensas vezes quando vivia na casa dos meus pais. Era um sonho sempre igual. Eu estava na casa de banho e a janela estava aberta. De repente, eu começava a flutuar e ia saltando pelos telhados de Lisboa. O sonho era tão verdadeiro que às vezes acontecia-me aquilo que acontece a muita gente: ficava na dúvida se aquilo tinha acontecido ou não. Ficava com a sensação de que eu tinha voado mesmo.
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O seu novo romance chegou às livrarias no final de março. Chama-se A mulher que correu atrás do vento. Porque convidaria os leitores a comprarem o livro? Pela surpresa. É um romance que está dividido por capítulos que, a princípio, parecem não ter ligação. Mas essas ligações vão começando a surgir ao longo das páginas e, no final, há uma grande surpresa. O último capítulo é uma espécie de twist em que tudo se torna claro de repente. É um livro que acaba por ter uma amplitude bastante grande, porque vai de 1892 na Alemanha até 2017 em Portugal, portanto, são muitos anos de narrativa. O final acaba por ser uma recompensa por tudo aquilo que vai acontecendo. O que há de João Tordo neste novo romance? Eu acho que quem me lê tende a achar que o meu trabalho é biografia ou autobiografia, mas não é. Embora eu às vezes vá buscar episódios pessoais. Este novo livro, A mulher que correu atrás do vento, por exemplo, é um livro contado por
CULTURA & ARTE João Tordo
quatro mulheres e a origem do livro tem como base uma pessoa verdadeira, alguém que eu conheci há uns anos e cuja história me impressionou muito. Às tantas, comecei a construir o livro em torno daquela personagem. Uma miúda de 17 anos que vive na rua e que desde os quatro anos que não vê a mãe. A história foi-se construindo a partir daí e, de repente, começaram a surgir outras vozes femininas que eu queria que fizessem coro em torno da personagem. Essas vozes femininas não foram assim tão difíceis de identificar como eu pensava porque quando eu olho para a minha infância vejo que também cresci com vozes femininas. Cresci com uma irmã gémea, com a minha mãe, a minha avó, as minhas tias-avós. É mais ou menos fácil identificar essas vozes porque eu tenho-as dentro de mim, muito presentes. No princípio foi difícil porque sou homem, penso como um homem, sinto como um homem. Mas o desafio era esse. Há, então, sempre verdade nas narrativas que escreve? É importante trazer a verdade para os livros mesmo que tudo o resto seja imaginação? Sim, parece-me é que a vida como é, muitas vezes caótica e desordenada, onde grande parte dos nossos dias são pautados pelo tédio e aborrecimento, tem uma qualidade muito estranha. Se pensarmos na própria memória, nós só recordamos certas coisas. 99% daquilo que nos acontece varre-se. Eu não faço ideia onde estava há um ano. O que eu recordo são momentos que estão ligados à emoção, obviamente. Acho que a literatura tem a função de dar ordem, de dar sentido, de trazer verdade. Acho mesmo que um livro é uma forma simbólica que encontra na metáfora uma espécie de comunhão com as coisas. A literatura leva-me para um espaço em que eu, através das personagens, acedo muito mais facilmente ao lado emocional da vida. A literatura é uma exposição muito condensada do que é esse lado emocional de viver. Não sei explicar melhor (risos) É um escritor que se isola para procurar inspiração? Eu dantes escrevia muito sozinho e procurava lugares isolados. Escrevia muitas horas sem falar com ninguém e sem ver ninguém. Nos últimos cinco anos, comecei a escrever em público. Comecei a ir para cafés, restaurantes, lugares públicos porque sinto necessidade de ver pessoas, de escutar a voz delas, de sentir o ambiente das pessoas à minha volta. Acho uma parvoíce a ideia de que se tem que dessacralizar a literatura. Ou que os escritores são génios que estão fechados numa torre de marfim. Nós não somos estanques. Há pessoas que têm de estar fechadas numa torre e outras que têm necessidade de estar em público. Cada um tem a sua maneira de funcionar. Por isso, acho que não há coisa mais sagrada do que a literatura. É a minha forma de fé. Quando
CULTURA & ARTE João Tordo
“A literatura, para mim, é um espaço muito sagrado (...) É a minha forma de fé”
estou a escrever, estou num espaço muito meu, que é sagrado não no sentido de ser institucionalmente sagrado (não estou na igreja), mas estou no meu próprio espaço sagrado. A literatura, para mim, é um espaço muito sagrado. Por isso é que eu, nas redes sociais por exemplo, não quero ter opiniões, não estou interessado porque se eu começar a permitir que o banal, que o transitório, que o vulgar entre nesse meu espaço sagrado, começo a perder-me. Há planos para 2019 para além deste novo romance? Tenho uma surpresa para depois do verão, mas ainda não posso contar (risos).
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LITERATURA Três meses, três livros
Itamar Vieira Junior Torto Arado
Irene Flunser Pimentel Os cinco pilares da PIDE
John Guy Maria, Rainha dos Escoceses
Editora Leya
Esfera dos Livros
Editorial Planeta
Itamar Vieira Junior é ainda pouco conhecido do grande público, mas, certamente, um nome a reter. Torto Arado valeu ao escritor a conquista do célebre Prémio Leya 2018, contudo os motivos para ler o livro estendem-se para além desse feito. O romance conta a história de uma família assolada pela escravatura, numa fazenda no Sertão da Bahia, no Brasil. Bibiana e Belonísia são duas irmãs que, por acidente, se tornam dependentes uma da outra. Porém, o avançar dos anos vai dissipar a união: se por um lado Belonísia está satisfeita com a vida de servidão na fazenda; pelo outro, Bibiana decide lutar para que a abolição deixe de ser mera data no calendário e se torne numa realidade para todos os trabalhadores. Segredos antigos e desigualdades marcam o relato, que tem tanto de belo como de comovente.
A prestigiada historiadora Irene Flunser Pimentel já habituou o leitor à publicação de vários livros sobre o período fascista que marcou o século XX. Desta vez, a autora leva-nos a recuar no tempo até ao Estado Novo, altura em que a PIDE/DGS desempenhava um papel fundamental no seio do regime. Na obra podemos encontrar um retrato minucioso de cinco das principais figuras que marcaram a polícia política: Barbieri Cardoso, Álvaro Pereira de Carvalho, José Barreto Sacchetti, Casimiro Monteiro e António Rosa Casaco. Olhar para estes pilares, e o seu percurso antes e pós-25 de Abril, é também compreender a história da PIDE/DGS.
A vida e morte de Maria Stuart ultrapassou a barreira da linha do tempo e perdura até hoje. Destinada a ser rainha, a obra de John Guy descodifica alguns mitos que surgiram a respeito da monarca. Maria Stuart subiu ao trono em França, mas após a morte do marido decidiu regressar à terra que era sua por direito: a Escócia. Com poder numa época dominada por homens, o livro mostra uma rainha jovem e astuta, de espírito aguerrido e com vontade de fazer a diferença. No entanto, e com apenas 25 anos, ficou prisioneira de Isabel I, rainha de Inglaterra e sua prima. Duas rainhas, dois países, cujos destinos se entrecruzaram e deixaram uma marca na História.
POR Filipa Santos Sousa
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CINEMA Tiago Aldeia
As sete vidas de Tiago Aldeia ENCONTRAMO-NOS COM TIAGO ALDEIA DURANTE UM INTERVALO DE GRAVAÇÕES, EM TERRAS MINHOTAS, PARA UMA LONGA-METRAGEM DE FICÇÃO NACIONAL QUE TERÁ O NOME DE OS CONSELHOS DA NOITE, REALIZADA POR JOSÉ OLIVEIRA E COM PRODUÇÃO DE DANIEL PEREIRA (THE STONE AND THE PLOT). NATURAL DE LISBOA, O ATOR QUE PRECISARIA DE SETE VIDAS PARA FAZER TUDO AQUILO QUE GOSTAVA, GARANTE VIVER APAIXONADO PELA PROFISSÃO. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Tiago Aldeia fotografado no Bom Jesus, em Braga
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Tiago é natural de Lisboa, mas poderia ser natural da cidade de Braga, tal como a personagem que representa neste novo projeto. Teria a mesma reação que o Roberto (personagem) se chegasse agora a esta cidade? Talvez! O Roberto saiu de Braga aos 15 anos, entretanto já passaram 20 e, pelo que sei, a cidade mudou bastante, principalmente nos últimos cinco anos, tal como Lisboa ou Porto. Felizmente, tivemos um bom desenvolvimento. Eu, Tiago, vou ficando surpreendido com esta cidade, que sempre achei uma cidade muito bonita e vou achando ainda mais à medida que vou conhecendo. O que é que nos podes contar sobre esta personagem? O Roberto é um escritor falhado por opção, porque é contra o sistema. Escreveu um livro, uma grande reportagem sobre as comunidades cabo-verdianas a viver em más condições à volta de Lisboa e esperou que isso tivesse efeitos políticos que promovessem a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas. Mas a vida, com uma série de frustrações, levou-o a isolar-se e a ficar um bocado “bicho do mato” revoltado. Entretanto, depara-se com uma doença em fase terminal e decide regressar a Braga, no intuito de se despedir. Esse regresso acaba por despertar alguma curiosidade e ele decide escrever o romance que sempre desejou. Mas, no fundo, é um homem que está perdido e que não tem nada a perder. Com muita irresponsabilidade misturada com convicções e uma grande capacidade de observação da vida. Qual é o fator que mais o entusiasma num papel e, em especial, neste Roberto? A carga dramática que ele transporta. Isso é uma das características naturais, dada a situação dele, e que atravessa o filme todo. É uma situação limite que ele está a viver e é sempre interessante perceber como é que o ser humano reage a situações limite. Isso foi o que me despertou mais a atenção. O que mais o motivou quando conheceu o argumento do filme? Uma naturalidade na narrativa que acontece com o percurso da personagem, sem querer ter grandes acontecimentos, ou seja, o que acontece é simplesmente acompanhar o interior emocional da personagem. É esse o foco do filme. O filme é acompanhar a emoção, o pensamento e o estar do Roberto. Se olharmos para o currículo do Tiago, vemos que tem participado em vários projetos teatrais, televisivos e cinematográficos. São áreas diferentes, mas há alguma que lhe desperte maior interesse e se sinta mais confortável? Eu sinceramente gosto das três. Cada uma tem o seu encanto. No teatro temos sempre o feedback imediato e direto do
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público, é uma orgânica de maior energia, algo que acontece apenas ali. A televisão tem um ritmo mais acelerado, o que também dá uma certa “pica”. A velocidade com que se faz televisão, o stress (o bom stress, porque também há o mau stress) e a projeção que tem é interessante. E o cinema! O cinema tem o encanto de ser imortal, fica gravado e permanece para sempre. É mais “dado à poesia”. Como caracteriza a arte cinematográfica em Portugal? Nós temos muito bom cinema, bons filmes, bons atores e realizadores, precisamos é que o público perca aquele preconceito em torno do cinema português, porque temos grandes filmes, mas que são primeiro reconhecidos lá fora e só depois cá. Era bom que as pessoas dessem uma oportunidade para realmente existir cinema em português, nas salas de cinema em Portugal. Sempre participou em vários projetos nacionais. É importante continuar a participar em projetos criados e produzidos em Portugal? Claro que sim! Tenho muito orgulho em ser português e temos muita coisa para contar, muitos locais para mostrar. Este filme é um exemplo. Temos muitos sítios fantásticos para dar a conhecer.
Já deu vida a várias personagens e foi também crescendo com as mesmas. Como é que se molda para corresponder a cada uma? Tem algum truque? Eu deixo-me contaminar pelas emoções de cada uma. O truque é mesmo viver a personagem. Neste caso, o Roberto é muito expressivo e tem uma carga forte, dadas as circunstâncias que vai vivendo. Recebeu vários prémios, nomeadamente o prémio de melhor ator na curta-metragem Cigano. Que importância tem para si este reconhecimento? É muito importante, claro. Dá-me vontade de trabalhar mais e cada vez melhor.
“Eu acho que terei 50 anos e as pessoas continuarão a chamar-me de Rodas (risos)”
José Oliveira (realizador), Tiago Aldeia (protagonista) e Daniel Pereira (produtor)
Se olhasse para o ator que era em Super Pai (2002), o que lhe diria? (risos) Diria que tinha muito que aprender. Obviamente que fui crescendo e a vida e a experiência dá-nos outra leitura das cenas e, se calhar, agora faria diferente. Eu sou muito perfecionista. Acabando alguma cena, se me derem oportunidade de repetir, eu vou fazendo até atingir a perfeição, que é utópica sempre. É, também, impossível falarmos de carreira sem fazer referência à mítica personagem do Rodas, na série juvenil Morangos Com Açúcar. De que forma recorda essa personagem? A grande questão dessa personagem e que, de facto, eu fico muito grato, é que marcou várias gerações. Quando eu acho que já acabou, a série repete-se e existem miúdos de oito anos que vêm ter comigo a gritar: Rodas! Já fiz muitas personagens e essa marcou completamente, talvez porque não havia redes sociais e dava-se outra importância à televisão. Também ainda não tinham visto uma personagem assim tão rebelde e isso criou rapidamente simpatia de uma forma geral. Foi a minha primeira personagem de elenco principal e a de lançamento da minha carreira. Comecei a fazê-la com 17 anos e acabei com 19. Foram dois anos de Rodas e isso deixa imensas saudades! Parece que foi ontem e, simultaneamente, parece que foi há muito tempo. Foi muito bom! Considera que será sempre a personagem a quem as pessoas mais o identificam? Eu acho que terei 50 anos e as pessoas continuarão a chamar-me de Rodas (risos). Durante um tempo, depois de acabarem as gravações, eu não gostava muito dessa referência, visto que já tinha feito outras personagens. Mas, hoje em dia, estou muito satisfeito com isso, até porque é um privilégio ter uma personagem que marque tanto. É muito positivo e não me importo nada!
CULTURA & ARTE Tiago Aldeia
Começou muito cedo a representar. Sente que o seu percurso teria de ser mesmo a arte? Nunca ponderou exercer outra profissão ou seguir um caminho diferente? Eu pensei sempre em fazer muitas coisas. Acho que a nossa vida deveria ser como a dos gatos: deveríamos ter sete, porque só uma não chega! Há tanta coisa para fazer e para viver. Eu acho que optei pela melhor profissão de todas. É aquela que me permite viver outras vidas para além da minha. Está confiante com a estreia deste filme? Acredito muito na visão do José Oliveira (realizador). O objetivo é as pessoas entrarem no mundo desta personagem e tentarem perceber a sua vida - ou então não, porque às vezes nem tudo se percebe nos outros. Esse é o encanto da vida.
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ÁLVARO SIZA VIEIRA
O poder de ser eterno
WEWOOD
O design português de excelência
CASULO
O poder do minimalismo
A visĂŁo empresarial, o sucesso alĂŠm-fronteiras e a economia Ă lupa.
ARQUITETURA Álvaro Siza Vieira
Álvaro Siza Vieira, o poder de ser eterno É UM HOMEM DE OLHAR MELANCÓLICO, COM UMA POSTURA FIRME E DEDICADA. AOS 85 ANOS, ÁLVARO SIZA VIEIRA É UM ÍCONE DA ARQUITETURA INTERNACIONAL QUE RECOLHE VÉNIAS E ETERNIZA O TALENTO PORTUGUÊS. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Fernando Guerra | FG + SG (ultimasreportagens.com)
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á nomes que têm poder. Não pela pompa e circunstância, mas pela carga associada. Falar de Siza Vieira é trazer os seus desenhos, os seus edifícios, os seus sucessos e consagrações além-fronteiras para estas páginas. É trazer a Piscina das Marés (único edifício português incluído no livro Cem edifícios do século XX), o Museu de Serralves, a igreja de Marco de Canaveses, a Casa de Chá da Boa Nova, a Fundação Nadir Afonso e tantos outros projetos, da América à Ásia. É ver a cidade do Porto com outros olhos. É percorrer Portugal, Espanha, Bélgica, Brasil, Coreia do Sul, EUA... É ir a Berlim ver Siza - Unseen & Unknown, a exposição que, assinalando o centenário da escola Bauhaus, celebra Siza com esquissos do próprio e desenhos da esposa, do filho e do neto na Tchoban Foundation, até 26 de maio. É voltar a 1992 e ao Prémio Pritzker, o mais consagrado do mundo da arquitetura. O nome Álvaro Siza Vieira é poder, é sentimento e é honra. É possível ser eterno antes de dizer adeus? É.
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Siza. Siza Vieira. É natural de Matosinhos e nasceu no seio de uma família grande onde os momentos à mesa eram celebração. A sala de jantar era a sala de estar e, em família, escutava o som do rádio vindo do quartinho ao lado. O rádio que trazia as notícias da guerra. A casa tinha uma ala contínua, dois pisos, uma espécie de cave onde brincava e um jardim. E a infância de Siza foi passada ali, entre vizinhos. Numa entrevista publicada na Revista Pública, em abril de 2009, Siza Vieira descrevia esta casa, a relação com a família e vizinhança e sobretudo a “infância feliz” que diz ter vivido. Nas memórias, estão os momentos em que fazia desenhos ao colo do tio. E os momentos das férias, organizadas pelo seu pai, engenheiro na refinaria de Matosinhos e professor de desenho de máquinas na escola Infante D. Henrique à noite. Aliás, foi numa dessas viagens, a Espanha, que Siza se cruzou com a obra de Gaudì, mas o deslumbramento estava na seme-
NEGÓCIOS Álvaro Siza Vieira
A Piscina das Marés, uma das mais icónicas obras de Siza, está incluída no livro Cem edifícios do século XX.
lhança das obras com a escultura e não propriamente na arte da arquitetura. Siza queria ser escultor, mas, na visão do seu pai, era a desgraça da vida boémia que levava à miséria. Por isso, seguiu Belas Artes no Porto, onde existia curso de arquitetura, uma profissão já melhor aceite. Foi aí que se cruzou com o mestre Carlos Ramos, que o aconselhou a “adquirir informação” sobre arquitetura. Siza lá seguiu o conselho e, com a ajuda do pai, comprou a única revista de arquitetura que chegava a Portugal na altura, a Architecture Aujourd’hui. A sorte quis que os números que encontrou fossem dedicados a Gropius, diretor da Bauhaus e nome que Carlos Ramos já tinha referido a Siza... e Alvar Aalto, um motivo de entusiasmo! “Entusiasmou-me muitíssimo. Era uma coisa fresca, nova em relação aos modelos anteriores, ótimos também, cuja figura dominante era o Le Corbusier”, descrevia Siza à Revista Pública. Siza dizia-se aluno fraquinho, talvez por ver na arquitetura uma contrariedade ao sonho de seguir escultura. Só no quarto ano de curso é que Siza sente um apelo: graças a Fernando Távora, professor que lhe reconheceu qualidade e o convidou a trabalhar com ele mais tarde. A admiração por Távora fez Siza considerar que, afinal, poderia haver um caminho para si na arquitetura. Hoje, ao lermos esta história, repensamos Siza e damos-me um mérito mais além: um mérito à obra de quem quis ser escultor, mas viu a vida mostrar-lhe um novo rumo. Um rumo que agarrou, com unhas e dentes, mesmo apesar das inseguranças. O medo de Siza fazia-o olhar para os projetos vezes sem conta, perceber as falhas como ninguém, começar de novo. O seu desenho é exemplo da vida e lá cabem cidades, esculturas, pintura, música, literatura, pessoas! O nome Siza Vieira tem poder. Um poder com consciência. E viver em consciência é saber que se é eterno. Pela magnificência de uma obra que perdurará. Siza. Siza Vieira.
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ARQUITETURA Opinião
100 anos de Bauhaus POR Tiago do Vale
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o rescaldo da Primeira Grande Guerra viveu-se um cenário até então sem paralelo na História da humanidade, provocando enormes mudanças na sociedade, na política e no pensamento. A urgência da reconstrução social teve um efeito profundo na arquitetura: o Movimento Moderno abraçou essa missão, cujo impacto cultural perdura ainda hoje. …e, em grande medida, o motor dessa visão modernista foi Walter Gropius. Walter Gropius respondeu às dificuldades do pós-guerra de forma simultaneamente utópica e pragmática: fundando uma escola de artes e ofícios de um novo tipo, que rejeitasse as velhas tradições e aceitasse as fortes responsabilidades sociais que as circunstâncias da época exigiam. A sua intenção era a de agregar talento, energia e intelecto num esforço comum, numa nova estética capaz de suprir as necessidades básicas da sociedade, com qualidade, durabilidade e funcionalidade, unindo arte e indústria. Sobre essa vontade utópica assentou uma sede de conhecimento insaciável e uma experimentação estética ilimitada sobre as quais se construiu aquele que é o vocabulário plástico mais impactante na arquitetura e design contemporâneos. A 12 de abril de 1919 foi concedida a Gropius licença para o estabelecimento da Bauhaus em Weimar e, nessa data, iniciou-se uma revolução. Hoje associamos a Bauhaus a um certo tipo de modernismo austero - que reconhecemos em alguns exemplos de arquitetura industrial, em blocos de apartamentos ou em edifícios institucionais de meados do século XX -, mas a Bauhaus foi muito mais do que isso: a Bauhaus gerou uma nova forma de pensar. Na verdade, embora “Bauhaus” signifique “Casa da Construção” e o seu manifesto afirmasse que o derradeiro propósito de toda a atividade criativa era a edificação, a escola não ensinou arquitetura até 1927. O objetivo primeiro de Gropius era o de criar um novo tipo de artista “total”, capaz de abordar qualquer desafio
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criativo eliminando a fronteira entre as belas artes e as artes oficinais. No panorama deprimente do pós-guerra, a Bauhaus tornou-se um bastião do cosmopolitismo, do internacionalismo, do avant-garde. A escola representava assim, inevitavelmente, o exato oposto do nazismo - nostálgico, nacionalista, racista. Em 1933, apenas 14 anos depois da sua fundação, o regime provocou o seu encerramento. 14 anos suficientes para que se transformasse na escola de arte e design mais impactante da História. Ironicamente, esta perseguição à Bauhaus por parte do III Reich foi o que garantiu a sobrevivência do seu legado: com Gropius e Mies van der Rohe exilados nos Estados Unidos, a filosofia da escola espalhou-se pelo globo. Em 1938, o MoMA de Nova Iorque fez a sua primeira retrospetiva da Bauhaus numa exposição que se tornou um fenómeno. Em 1969, 36 anos depois do seu encerramento, o efeito da Bauhaus continuava incrivelmente presente e cheio de vitalidade, com uma exposição de enormes dimensões em Paris que reuniu todo o espólio artístico, académico e teórico da escola, num conjunto que deixou marcas profundas numa nova geração de artistas e arquitetos. Na véspera dos 100 anos da fundação da Bauhaus, o Tate Modern, o Boijmans Van Beuningen ou o Garage de Moscovo são apenas alguns dos museus e galerias que continuam hoje a celebrar o legado da escola. Mesmo forçada a uma curta história, a Bauhaus veio para ficar.
Sobre o autor Arquiteto pela Universidade de Coimbra, vencedor do American Architecture Prize 2017 e do Building of The Year Awards 2014.
NEGÓCIOS Opinião
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DECORAÇÃO Wewood
Wewood, o design português marcado por peças de excelência NUM MISTO DE DESIGN E TRADIÇÃO, A WEWOOD É UMA MARCA DE MOBILIÁRIO PORTUGUÊS QUE SE DESTACA ALÉM-FRONTEIRAS PELA EXCELÊNCIA DO SEU PORTEFÓLIO. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Wewood
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mpulsionada por uma paixão pelo design português, a Wewood é uma marca nacional de criação e produção de mobiliário, que se destaca pela introdução de designs inovadores num setor classificado como tradicional. Fundada em 2010, a marca é especializada no fabrico e exportação de madeira maciça, em que cada peça de decoração é única e produzida através de técnicas inovadoras, conjugadas com mais de 50 anos de experiência, uma herança da empresa familiar onde nasceu: a Móveis Carlos Alfredo, sediada em Rebordosa (Paredes). A intenção de fabricar mobiliário clássico e contemporâneo de alta qualidade, através de produtos de excelência, levou à criação da Wewood como resposta às exigências de um mercado premium que é cada vez mais global. A marca permite personalizar as peças de decoração consoante as preferências dos clientes, possibilitando a escolha de medidas, acabamentos, texturas e tecidos. A mais recente coleção da Wewood tem um novo e moderno par de mesas de apoio, da autoria da designer Rita Botelho. As mesas Side by Side são feitas de madeira maciça e metal, ideais para contracenarem em espaços de lazer ou de trabalho. O foco principal deste modelo é a parte da bandeja, que tem uma borda arredondada mais específica, e os detalhes de marcenaria das uniões da madeira que convidam à suavidade do toque. A beleza da madeira é enfatizada pela construção da mesa que pode ser personalizada com diferentes tampos em madeira de nogueira ou de carvalho, sendo que cada peça mantém o carácter da árvore, permi-
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tindo que nunca existam peças iguais. Quanto aos tamanhos das mesas Side by Side, existem dois modelos diferentes que funcionam na perfeição, individualmente ou em conjunto. A Wewood é sinónimo de excelência de fabrico e prova disso foi a atribuição do prémio internacional Inovdesign 2018. A vencedora foi a peça X2, uma estante feita com dois blocos do mesmo tamanho, em que cada um é composto por ripas de madeira, interligadas através de parafusos de latão, e que permitem o movimento dos blocos, assegurando a máxima estabilidade estrutural. A smart shelf (prateleira inteligente) é feita de madeira de carvalho, totalmente personalizável de modo a criar diferentes posições e compartimentos para armazenar livros ou itens decorativos. Da gama de produtos de mobiliário da Wewood encontramos mesas de centro, secretárias, armários e peças de decoração, destacando, ainda, as cadeiras, os sofás e as poltronas, que se tornam verdadeiras obras de arte com um design moderno e irreverente. Com uma produção sustentável, a Wewood desenvolve peças para quem aprecia o processo rigoroso de criação, necessário ao fabrico de alta qualidade, recorrendo a recursos renováveis, através da escolha das madeiras e dos materiais ecologicamente corretos. Cada peça nasce da inspiração e criatividade dos designers e arquitetos e pela sabedoria e experiência dos artesãos que formam a Wewood, produzindo móveis sólidos de excelência.
Cadeira Orca
NEGÓCIOS Wewood
Mesas Side by Side
Secretária Metis
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ECONOMIA Opinião
Proteger a proteção social POR Sílvia Sousa
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s eleições europeias e o arrancar da campanha vieram introduzir no debate público a dimensão social da União Europeia e das suas políticas, num contexto em que se antecipam profundas mutações do mercado de trabalho, que vêm acentuar os desafios que o Estado Social enfrenta. Tais desafios requerem uma profunda análise que permita um rigoroso diagnóstico, criando bases informadas para a definição de cenários e propostas de medidas de política compatíveis com os mesmos. Se algumas respostas poderão e deverão ser encontradas a nível nacional, outras soluções implicarão, necessariamente, um aprofundar da cooperação e dos compromissos dos países da União Europeia, em particular, dos da zona euro, nesta matéria. Numa perspetiva teórica, o Estado Social apresenta, ou representa, um interessante desafio, traduzido, desde logo, na dificuldade de se propor uma definição definitiva e consensual de Estado Social, resultante das suas fronteiras não se encontrarem claramente delimitadas e das suas fontes e formas de concretização serem diversas, coexistindo e complementando-se. A este desafio conceptual, com as suas diferentes nuances, junta-se uma panóplia de desafios associados à evolução das sociedades e das economias, como por exemplo, a evolução demográfica, assente em baixas taxas de fertilidade, no aumento da esperança de vida e no consequente envelhecimento da população ou a globalização, no âmbito dos seus efeitos adversos no emprego e nos salários, assim como na eficácia da fiscalidade, num contexto de crescente mobilidade dos fatores produtivos, seja o trabalho, seja o capital. O surgimento de estruturas familiares distintas da família tradicional que se encontrava na base da conceção do Estado Social também vem exigir uma constante inovação e adaptação da proteção social às novas relações e necessidades. As mutações no mercado de trabalho, tradicional fonte de proteção social, nomeadamente a maior mobilidade e flexibilidade, bem como o progresso tecnológico
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com novas exigências ao nível da qualidade e combinação de competências e consequências ao nível da quantidade da força de trabalho tornam incontornável uma reforma, mais ou menos profunda, da configuração do Estado (e da proteção) Social. Se a recente crise económica veio agravar a preocupação com a sustentabilidade financeira do Estado Social, paradoxalmente, veio também adiar a introdução de alguns elementos reformadores, de natureza mais estrutural, que visavam assegurar tal sustentabilidade. Reconhecendo a sua importância, não deixa de ser redutor limitar o debate da sustentabilidade do Estado Social à sua dimensão financeira, ignorando outras dimensões tão ou mais importantes, como a económica ou a social. No debate que se avizinha, há que não descurar os objetivos de um Estado Social, objetivos esses que permanecem atuais e relevantes, independentemente da urgência de se repensarem as respostas. Reformar o Estado Social, a nível nacional e europeu, não poderá por em causa a proteção dos mais frágeis e a promoção da sua inclusão social, assegurando padrões de vida (no ou fora do mercado de trabalho) dignos, num contexto de prossecução de uma maior equidade e justiça social. No debate que se avizinha há que proteger a proteção social.
Sobre o autor Economista, Universidade do Minho.
NEGÓCIOS Opinião
DESIGN DE INTERIORES Casulo
Casulo, o poder do minimalismo ANA MORAIS É UMA MÃE DE 36 ANOS QUE ENCONTROU NO MACRAMÉ A ORIGINALIDADE PARA O SEU OLHAR CRIATIVO. CRIANDO PEÇAS DE DECORAÇÃO MINIMALISTAS E GRACIOSAS, ANA MORAIS TEM SOB SUA ALÇADA A CASULO, UMA MARCA BEM PORTUGUESA, COM UM TWIST CONTEMPORÂNEO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Casulo
“Na Casulo ofereço peças únicas e intemporais, simples e minimalistas, que acompanham as tendências”
Ana Morais
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história da Casulo começa há cinco anos, através de Ana Morais, jornalista de formação e apaixonada por viagens e atividades manuais. O objetivo era simples: fazer algo diferente e original, criando peças únicas que levassem beleza e carisma a espaços outrora sem alma. “Sempre fui apaixonada por decoração e design e via muito lá fora este tipo de peças. Durante a minha licença de maternidade, comecei a aprender macramé de uma forma autodidata e passado uns meses lancei online a minha primeira coleção, que esgotou no dia seguinte”, explica-nos, orgulhosa, Ana Morais. “Na Casulo ofereço peças únicas e intemporais, simples e minimalistas, que acompanham as tendências. Uso estruturas em madeira ou metal e maioritariamente cordão 100% algodão”, acrescenta. Dando ao macramé uma posição de destaque, Ana Morais retira da moda, da fotografia, da arquitetura, das viagens e do design internacional as suas influências e inspirações, numa tentativa de valorizar esta técnica manual e apresentar sugestões contemporâneas e apelativas. “O macramé não tem muita tradição em Portugal (pelo menos não tanto como o bordado
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ou o crochet). As antigas peças de macramé dos anos 70 eram demasiado rebuscadas e, hoje em dia, não faziam sentido. Então, a missão da Casulo é usar a técnica dos nós com um twist contemporâneo, criando peças simples, minimalistas e graciosas”, refere a responsável da marca, aproveitando para mencionar que o timing de criação da marca foi pertinente para o sucesso já alcançado. “Quando comecei, não havia nada do género em Portugal. A Casulo foi pioneira nesta área”, destaca Ana Morais, afirmando que o reconhecimento nacional e internacional já alcançado é o melhor balanço de negócio que podia ter para a sua marca. Garantindo a personalização de peças, respeitando os anseios dos clientes, Ana Morais tem vindo também a desenvolver um serviço de consultoria de decoração através da Casulo Interiors. “Gostava de apresentar algo bastante diferenciado do que já se vê. É muito importante estar em constante desafio artístico e não fazer igual a tudo o resto que se vê à nossa volta. Há que ter um cunho muito pessoal e distinto. Só assim conseguimos fazer algo apelativo”, assegura.
NEGÓCIOS Casulo
CIBERCRIME Opinião
Extorsão sexual digital: um caso real POR Pedro Miguel Freitas
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ão sou engenheiro informático, mas desde que me lembro uso computadores. Quem me conhece, sabe disso. Não é de estranhar que seja logo apelidado de “informático”, mesmo não tendo qualquer formação de base nessa área. Não é igualmente de estranhar que quando um familiar, amigo ou colega encontre um problema informático me contacte. Estou certo que não sou o único e muitos leitores se identificarão com esta situação. “Por que é que o meu computador está lento?” ou “Recebi um email da PayPal a dizer que devo X euros e nem sequer uso a minha conta. O que devo fazer?” As questões são as mais variadas e ultrapassam o que seria imaginável. Esta circunstância explica o motivo de um telefonema recente. Ana, chamemos-lhe assim, recebeu um email com o assunto “This account has been hacked! Change your password right now!”. Não fosse isto suficientemente preocupante, o conteúdo do email deixou-a ainda mais inquietada. Alguém acedeu à sua conta de email, computador e webcam. Aproveitando-se disso, gravou um vídeo de Ana a ver pornografia na internet. Para impedir a divulgação do vídeo junto dos familiares, colegas de trabalho ou qualquer outra pessoa cujo email estivesse na lista de contactos, Ana teria de pagar 1000 dólares em Bitcoins no prazo de 48 horas. Enquanto ouvia Ana descrever em detalhe o email em que aqui dei conta em traços gerais, duas coisas chamaram-me particular atenção. O auto-intitulado hacker teria enviado um email para Ana a partir da conta de email da própria Ana. Para o comum utilizador de internet, que nunca ouviu falar em email spoofing, isto seria prova suficiente de que a senha da conta de email estaria nas mãos do hacker. Outro aspeto curioso é o modus operandi, descrito no email, pelo qual o controlo da webcam teria sido logrado: um keylogger. Ora, sabendo que um keylogger é um software malicioso que regista secretamente todas as teclas pressionadas pelo utilizador, a história era incongruente.
Na verdade, Ana estava a ser vítima de uma tentativa de sextortion. Trata-se de um fenómeno infelizmente cada vez mais comum e lucrativo, que abrange várias modalidades de execução. Uma das modalidades de sextortion consiste precisamente na ameaça de divulgação de imagens ou vídeos de uma vítima a ver pornografia na internet, a não ser que seja paga determinada quantia. A (suposta) autenticidade da ameaça é, não raras vezes, reforçada pelo facto de o email ser aparentemente proveniente da caixa de email pertencente à vítima ou ainda pela inclusão no conteúdo do email de senhas a ela pertencentes. Qual foi o meu conselho neste caso? Simplesmente ignorar o email e não efetuar nenhum pagamento. Porém, por uma questão de “cyber hygiene”, aconselhei-a a alterar as senhas e ativar a confirmação em dois passos (para aceder à conta pessoal passou a ser necessário introduzir, para além da senha, um código que é enviado para o telemóvel ou aí criado através de uma aplicação específica). Sugeri ainda a denúncia do caso à polícia ou Ministério Público.
Sobre o autor Jurista.
NEGÓCIOS Opinião
A LVA R I N H O por
{ De t a l h e # 0 6 - O Zelo } N ÃO S E T R ATA D E U M A ESPERA SILENCIOSA. É U M A A LT U R A E M Q U E A P L A N TA T E M M U I T O PA R A NOS DIZER, PEDIR, ANUNCIAR.
PEQUENOS DETALHES, GRANDES VINHOS. S ej a re sponsá ve l . Be ba com mode ra çã o.
OLIVIER DA COSTA
O chefpreneur multissensorial
EGOĂ?STA
Um apelo do mar
RED FROG
A casa underground dos cocktails
Os paladares surpreendentes, os rostos da gastronomia e os espaรงos de culto.
À CARTA Olivier da Costa
Olivier da Costa, o chefpreneur multissensorial NA CIDADE DE LISBOA, SÃO POUCOS AQUELES QUE NUNCA SE CRUZARAM COM O NOME OLIVIER NAS SUAS OPÇÕES GASTRONÓMICAS. OLIVER DA COSTA É O ROSTO POR DETRÁS DE NOMES COMO O GUILTY, OLIVIER AVENIDA, YAKUZA, SEEN, PETIT PALAIS, K.O.B. OU MAIS RECENTEMENTE O SAVAGE, CÉLEBRES RESTAURANTES QUE CONQUISTAM, PELA EXPERIÊNCIA MULTISSENSORIAL, OS GOSTOS DA CAPITAL. COM NOVIDADES ANUNCIADAS JÁ NO NORTE DO PAÍS, NA CIDADE DO PORTO, O ICÓNICO CHEF QUE É HOMEM DE NEGÓCIOS A TEMPO INTEIRO EXPLICA A RAZÃO DO SEU SUCESSO NUMA ENTREVISTA QUE PÕE EM DESTAQUE O SEU VERDADEIRO IMPÉRIO GASTRONÓMICO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA D.R.
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m primeiro lugar, olhando para o império Olivier que tem sob sua alçada, perguntamos: Olivier da Costa é um homem perfecionista que não descura a excelência dos seus projetos, correto? É esse o segredo do sucesso? Sim, sou perfecionista e ultra exigente comigo próprio e com as minhas equipas, mas acredito que o meu sucesso se deve sobretudo à constante inovação que procuro implementar em Portugal, bem como à atenção dada a todos os detalhes que fazem de um restaurante um espaço único. Estou sempre a trabalhar, a pensar em novas ideias e conceitos, e isso dá-me muito gozo. Sou um homem muito ambicioso e estou sempre à procura de fazer mais e melhor, não só por razões de superação pessoal, mas também pela questão de exigência que referi e pelo enorme respeito que tenho pelos clientes que conquistei ao longo destes 22 anos de vida profissional. Já são mais de 20 anos de carreira. Hoje, como recorda aquele início no Olímpio, um restaurante pioneiro no conceito de comida brasileira, que apresentou a Portugal a famosa picanha? Com saudosismo, foi o meu primeiro restaurante e teve muito sucesso, pelo que só posso recordar o projeto com saudades e orgulho. Tinha 19 anos e trouxe para Portugal o conceito da picanha à discrição, com tudo incluído, a um preço fixo, no terraço do Castelo de São Jorge, onde o meu pai tinha uma esplanada. Foi nessa altura que percebi que tinha jeito para isto, não só no que diz respeito à gastronomia, mas também para o
negócio em geral, incluindo todo o serviço e o contacto com as pessoas. Podem dizer que foi sorte, mas deu trabalho, como aliás acontece com qualquer um dos meus projetos. Nesta viagem ao passado, era este o caminho que tinha no seu imaginário? Nunca traçou outro objetivo profissional? O mundo da gastronomia está-me nos genes. Nasci e cresci num restaurante e sempre tive um interesse genuíno pelo tema, não foi algo que me foi imposto. O meu pai e os meus avós passaram-me as bases e eu depois fui reunindo os meus próprios conhecimentos. Quando tinha 17 anos fazia cabazes de Natal, tinha um conceito de foie gras, que ainda não havia em Portugal, em que vendia aos amigos do meu pai. Pouco depois estava a jogar golfe a sério, cheguei a ser campeão nacional e pensei em fazê-lo de forma profissional, mas aí não iria ter o nível de vida que ambicionava, portanto decidi-me pelos restaurantes. Hoje só jogo enquanto hobby, com os meus filhos e amigos. O que mais o fascina no mundo da restauração e gastronomia de excelência? Para mim, a gastronomia de excelência passa obrigatoriamente por surpreender as pessoas, oferecendo uma experiência que lhes desperta todos os sentidos. Não precisa de estar focada em técnicas muito elaboradas e requintadas, tem é de evidenciar o sabor dos ingredientes. Depois, agrada-me todo o processo de criação de um novo projeto, desde a conceção da ideia à recetividade do público. Para mim, é muito importante poder lidar com as pessoas nos
“Sou um homem muito ambicioso e estou sempre à procura de fazer mais e melhor”
meus restaurantes e, perceber que ficaram satisfeitas, enche-me de orgulho. O lado cultural e inventivo da gastronomia também pode ser apaixonante e é por isso que me dá tanto prazer criar conceitos gastronómicos, proporcionando uma experiência que, provavelmente, nem toda a gente teria oportunidade de viver em Portugal. É um homem empreendedor. Mais do que chef, intitula-se como chefpreneur. Porquê? Considera o talento para o negócio mais importante do que a veia criativa em termos gastronómicos? Como nos descreveria o Olivier da Costa neste sentido? Chefpreneur é o nome que se dá ao chef que não só está na cozinha e é responsável pelo menu, mas que também imagina o conceito e a marca, liderando todos os processos, desde as questões financeiras, às questões operacionais, os funcionários, as suas fardas, a decoração, a disposição da sala, a iluminação e toda a logística do restaurante… Além disso, também invisto e, no caso das parcerias, apresento um bom conceito e produto e os grupos sabem que me entrego aos projetos como se fossem meus. Eu penso no conceito de A a Z e passa tudo por mim. Para mim, ambas as vertentes são importantes e complementam-se, não consigo ser apenas chef ou ser apenas empreendedor. Hoje em dia, nem sempre estou na cozinha, tenho chefs nos restaurantes, mas sou eu que elaboro as ementas e afino os pratos. Um chef pode cumprir muito bem as suas funções na cozinha explorando a sua veia criativa, mas, na minha opinião, um chefpreneur precisa de ter simultaneamente o talento para o negócio.
SABORES Olivier da Costa
Neste momento, o grupo Olivier conta com vários restaurantes. Como nos apresenta o ponto atual do grupo? Sente-se orgulhoso pelos sucessos alcançados? Neste momento, são sete as marcas do Grupo Olivier: o Guilty serve opções despretensiosas num ambiente provocador e cosmopolita; o Olivier Avenida apresenta uma cozinha com as minhas receitas mais emblemáticas; o Yakuza propõe comida de fusão entre o Oriente e o Ocidente; o K.O.B. tem a carne maturada como estrela; o Seen casa a gastronomia brasileira com a portuguesa no espaço mais hype da cidade de Lisboa; o Petit Palais é um bistro chic ideal para eventos; e agora o mais recente Savage, um ghost restaurant que desenvolvi em exclusivo para a Uber Eats, inspirado em comidas do mundo, para comer à mão e em qualquer lugar.
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“Eu nunca fui obcecado em ter estrelas Michelin. Costumo dizer que, para mim, as minhas estrelas são os meus clientes”
pelo público mais cool da cidade. Aqui os produtos são frescos, autênticos e de alta qualidade, com destaque para a carne Wagyu, o peixe e o marisco da costa portuguesa. Também há um Sushi Bar, com um variado leque de saquês, e um Oyster Bar, com as ostras mais frescas do litoral português. Tudo isto acompanhado por muita animação. Mais do que propriamente servir refeições saborosas e criativas, os restaurantes com assinatura Olivier promovem experiências. Considera crucial promover uma experiência a quem visita um dos seus restaurantes? Quer exaltar algum destaque importante no conceito dos seus restaurantes? As pessoas classificam positivamente um restaurante por vários motivos, em que se incluem não só a comida de qualidade, mas também um bom serviço, uma boa decoração, um bom ambiente, entre outros elementos. Se corresponder às expectativas dos clientes, é uma fórmula de sucesso. E eu sei que a maioria volta aos meus restaurantes pela experiência no seu todo. Por isso, procuro sempre apresentar conceitos diferenciadores, que se destaquem de alguma forma. O Seen, por exemplo, tem aquilo que eu chamo de “muvuca”, expressão brasileira para um espaço que tem aquela luz, aquele ambiente, gente bonita, animação.
Em 2018, o Grupo faturou 8,8 milhões de euros e a marca Olivier, que inclui todas as parcerias, chegou aos 14 milhões de euros. Naturalmente que sinto orgulho, é o reflexo de um trabalho feito durante anos e que me faz sentir que estou no caminho certo, rodeado pelos melhores profissionais. Em 2019, queremos continuar a crescer. Como mencionou, o Seen Lisboa é um dos projetos mais recentes e que tem angariado comentários muito positivos. Importa-se de nos explicar qual é o conceito? O Seen é um conceito que criei primeiro em São Paulo, no topo do Tivoli Mofarrej, e que é considerado um dos melhores restaurantes da cidade e do Brasil pelos críticos. Trouxe-o para Portugal para alcançar o mesmo sucesso que o seu espaço-irmão. O Seen Lisboa apresenta uma gastronomia de excelência, fundindo influências portuguesas e brasileiras, num ambiente trendy, sofisticado e cosmopolita, que é frequentado
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O nome Olivier é um marco no panorama gastronómico lisboeta (e não só, mas vamos focar-nos em Lisboa). A verdade é que, nos últimos anos, temos assistido a um cresci-
mento exponencial da atração turística na capital. Como nos apresenta a capital neste momento, visto que é um lisboeta de gema? Lisboa está a ficar cada vez mais competitiva, fundamentalmente no setor da restauração. É indiscutível que toda a oferta está a contribuir para enriquecer o estatuto da cidade no panorama europeu e mundial, gerando curiosidade e mais visitas. Estamos a viver um bom momento, mas acho que não podemos perder o foco no futuro e nos próximos desafios, que são muitos. Vê com algum desdém a forma como, por vezes, a gastronomia de elite é rotulada pela crítica? Por exemplo, há uma tendência para sobrevalorizar a qualidade de projetos consagrados com estrelas Michelin? Alguns espaços vivem mais preocupados com a obtenção de prémios do que em proporcionar uma experiência genuína às pessoas. A qualidade poderá ressentir-se, mesmo depois de os obterem. No caso das estrelas, uma coisa é ganhá-las, outra é mantê-las. Além disso, há restaurantes com estrelas Michelin do mais simples possível, com pouquíssimo tempo de existência e que até têm algumas fragilidades. Pode estar relacionado com o mediatismo exagerado à volta de um espaço. Para mim, um restaurante com estrela Michelin não tem necessariamente de servir melhor comida do que um sem estrela. Há inclusivamente chefs mundiais a rejeitarem as suas estrelas, por não se identificarem com os princípios do guia. A gastronomia de elite pode ser facilmente sobrevalorizada, mas penso que essa tendência está a mudar: as pessoas já não ligam tanto, sabem que podem encontrar comida excecional em ambientes descontraídos. Eu nunca fui obcecado em ter estrelas Michelin. Costumo dizer que, para mim, as minhas estrelas são os meus clientes.
Para si, o valor do reconhecimento vê-se nos prémios e nos aplausos da crítica ou na satisfação e retorno dos clientes? Por onde se guia? Sou muito motivado por objetivos e considero-me bastante ambicioso. Gosto de ver resultados e se há resultados é porque o público gostou. Nesse sentido, sou muito competitivo. Para mim, é importante fazer restaurantes que sejam para toda a gente, e o que dita o sucesso ou o insucesso é o mercado, mais do que os prémios ou a crítica. Visto que é um homem aventureiro, há novidades que possa/queira já partilhar? Teremos novas surpresas ou novos espaços de assinatura Olivier este ano? Sim, este ano prevemos abrir mais restaurantes, com marcas já conhecidas do público. Acabámos de abrir um Guilty no Parque das Nações e um novo K.O.B. no Porto. Em março, inaugurámos um novo Guilty também no Porto, perto da Casa da Música, e um Yakuza em Cascais. 2019 vai também ser um ano de aposta na internacionalização: depois de um Seen em São Paulo, vamos abrir um restaurante em Bangkok. Vai ser um ano de grande investimento para o grupo. Se pudesse deixar uma mensagem aos nossos leitores que ainda não tiveram oportunidade de conhecer uma das suas casas, o que diria? Quer deixar um convite? Quero dar às pessoas oportunidade para provarem a minha marca e, por isso, nos meus restaurantes, há espaço para todos os gostos, feitios e bolsos. Além disso, as pessoas são bem tratadas e desfrutam de um atendimento personalizado e atento ao detalhe. Podem certamente contar com uma experiência completa e multissensorial.
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DEGUSTAÇÃO Egoísta
Egoísta, um apelo do mar O NOME PODE SER EGOÍSTA, MAS A CARTA DO RESTAURANTE NA PÓVOA DE VARZIM É TUDO MENOS EGOCÊNTRICA. É UM CONVITE A SER PARTILHADA! ECLÉTICO, ACOLHEDOR E COM OS SABORES DO MAR A PREENCHER O SEU ÍNTIMO, O RESTAURANTE EGOÍSTA, LOCALIZADO NO INTERIOR DO CASINO DA PÓVOA, É UM ESPAÇO DE BOM GOSTO... E BOM PALADAR! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA D.R.
preciosos são o que não falta neste Egoísta. Com cerca de 40 lugares e um jardim interior que traz uma aura única ao espaço, o Egoísta é sinónimo de prazer patrocinado pelos tons ocres e brancos que preenchem a decoração. Com detalhes de granito e madeira, num trabalho de arquitetura de Miguel Esteves, este símbolo da alta gastronomia do Norte do país é marcado pelos menus de degustação onde os peixes do Atlântico são personagem principal e os vinhos de colheitas de excelência das mais consagradas quintas nacionais são a cereja no topo do bolo. Intimista e surpreendente, este Egoísta é perito na arte de bem receber, não deixando margem para lamentos. Cá para nós, que não somos egoístas, pensamos que partilhar este segredo bem guardado da Póvoa de Varzim é a melhor forma de nos redimirmos por estas páginas não terem sabor. O sabor do mar. O apelo do Egoísta.
© Nuno Sampaio
É
no coração do Casino da Póvoa, mas longe da azáfama das apostas que encontramos o Restaurante Egoísta, um refúgio elegante em plena zona costeira da Póvoa de Varzim. Com o chef Hermínio Costa nas rédeas da cozinha desde 2009, momento da sua inauguração, o Egoísta é um exemplo da valorização dos sabores e produtos portugueses na ementa... especialmente as iguarias provenientes do mar, não estivesse o restaurante inserido numa comunidade piscatória de relevo no nosso país. Carabineiro do Atlântico, Bacalhau Negro do Alasca, Lagostins, Pregado do Mar... a frescura é o elo de ligação entre os ingredientes que compõem os pratos do Egoísta. Valorizando as suas viagens para conhecer as cozinhas do mundo, o chef Hermínio Costa é o protagonista de uma carta variada, com algum exotismo à mistura. Os seus pratos são obra de arte, numa verdadeira arquitetura de sabores que prometem arrebatar até os paladares mais exigentes. E, se é de obra de arte que falamos, não é de todo aceitável não mencionarmos o destaque atribuído à pintura neste espaço tão tranquilo: começamos por destacar a peça central do Egoísta, uma obra de Rogério Ribeiro chamada Aparição no Parque. Esta pintura a óleo é o primeiro momento de contemplação que cativa o visitante, mas elementos decorativos
SABORES Egoísta
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DEGUSTAÇÃO Meia Dúzia
Meia Dúzia de experiências com sabores autênticos POR Maria Inês Neto
A
ideia da Meia Dúzia é de Andreia Ferreira e do irmão, Jorge, que juntos idealizaram um conceito inovador, aliando um design moderno a produtos que possam surpreender com a criação de sabores inesperados. É possível experimentar e conhecer todos os produtos nas três lojas da Meia Dúzia, localizadas na cidade do Porto, ou fazer as suas encomendas online. Na Meia Dúzia, as compotas são produzidas artesanalmente, valorizando produtos de origem nacional, bem como matérias-primas de criação biológica. Nelas saboreamos o Ananás dos Açores, a Cereja do Fundão, a Pera Rocha ou a Maçã Bravo de Esmolfe, sabores que se cruzam com o travo do Vinho do Porto ou Moscatel do Douro. O pormenor que distingue a Meia Dúzia é a originalidade das embalagens, as bisnagas de compota, que dispensam os frascos de vidro, bem como colheres e facas para barrar. Têm a particularidade de reduzir a exposição do doce depois de aberto (visto que a fruta não oxida com a luz e mantém o sabor original até ao fim) e permitir o fácil transporte das compotas. A inspiração para as bisnagas chega dos tubos de tinta do universo da pintura e a paleta de cores nesta arte que se saboreia varia entre o verde maçã, o azul mirtilo ou o vermelho cereja. São reflexo do gosto de Jorge pelas telas, que procurou criar um design original para as embalagens, numa tentativa de se diferenciar dos produtos já existentes no mercado.
“Nunca fui grande consumidora de compotas, apesar de ser um produto que as pessoas normalmente fazem quando há excesso de frutas nos pomares”, partilha Andreia, continuando: “Para mim foi um desafio porque não estava propriamente presa a sabores e acho que esse foi um fator fundamental”. O objetivo era criar um conceito de produtos versáteis, que pudessem ser consumidos em várias alturas do dia, desde pequenos-almoços, pratos cozinhados, saladas, sobremesas e até combinados em tábuas de queijos. A marca de origem nacional conta com mais de 30 sabores de compotas, que vão sendo alterados e melhorados consoante a experiência e o feedback dos clientes. Surge, ainda, uma linha de doze referências de licores artesanais, que misturam frutas e especiarias, paralelamente a uma vasta sugestão de chás aromáticos, bastante intensos em termos de sabor, promovendo uma experiência interessante e alternativa. Com o tempo surgiram os cremes de chocolate negro e, recentemente, de chocolate branco, produtos que exploram também texturas e palatos de diversas frutas. A par dos doces, há ainda espaço para descobrir e experimentar uma linha de sabores salgados, que surgem em chutneys de manga ou de pimento vermelho, juntamente com as pastas de azeitona negrinha ou galega, duas referências nacionais. Da produção ao embalamento, todo o processo é feito pela marca, prestigiando uma seleção de produtos de origem nacional, que são adquiridos preferencialmente em produtores locais. Os produtos da Meia Dúzia podem ser adquiridos na loja situada na Rua das Flores, na Travessa da Bainharia e, a mais nova, na Rua de Santa Catarina, no Porto. Este último espaço é dotado de um cariz emblemático e histórico, onde a antiga ourivesaria Reis e Filhos é agora palco das melhores experiências de sabores portugueses.
VINHOS Covela
Quinta de Covela, a metamorfose de uma história quase cinematográfica
© Luís Silva Campos
POR Andreia Filipa Ferreira
É
ao abrigo das encostas do Douro, com vista panorâmica sobre o rio, que a Quinta de Covela descansa os seus 49 hectares (18 deles plantados com vinha) entre as freguesias de São Tomé de Covelas e Santa Cruz do Douro. Na fronteira entre a zona granítica da Região dos Vinhos Verdes e a região de xisto dos Vinhos do Porto, a Quinta de Covela preserva a sua história, iniciada no século XVI, associada a vinhos de excelência (com as castas Avesso e Touriga Nacional a servir de traves-mestra). Numa paisagem icónica que testemunha a produção multissecular de vinho, a quinta guarda a antiga Casa de Covela, formada pelas ruínas do solar renascentista, os lagares e a capela. Manoel de Oliveira, o mais consagrado cineasta português, foi um dos proprietários da Covela, transformando a quinta graças à construção de aquedutos, casas de pedra, etc. Mas foi com Nuno Araújo, no final dos anos 80, que a marca Covela ganha vida, depois de um investimento nas vinhas e consequente projeção dos
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vinhos ali produzidos. No entanto, seguiram-se anos de impasse e só em 2011 é que a quinta voltou aos seus tempos áureos graças ao investimento dos novos proprietários (Tony Smith e Marcelo Lima, grupo Lima & Smith), que mantiveram a aposta no enólogo Rui Cunha. A localização privilegiada da quinta, na margem direita do Baixo Douro, a sua forma topográfica em anfiteatro exposto a sul, o seu microclima quase mediterrânico, os seus solos graníticos e pobres que obrigam as raízes das vinhas a procurar água e minerais nas profundezas das terras são os principais motivos que garantem a produção de vinhos únicos e carimbam um carácter distintivo à Quinta de Covela, que recentemente tem vindo a explorar o potencial de castas, na sua maioria portuguesas, menos conhecidas internacionalmente. Estaremos num momento de novo ponto de viragem da Quinta de Covela?
SABORES Covela
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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COCKTAIL Red Frog
Red Frog, a casa underground dos cocktails COM COCKTAILS DE ASSINATURA, PREPARADOS POR BARTENDERS E MIXOLOGISTAS DE RENOME QUE ARRISCAM NOS INGREDIENTES, O RED FROG É UM BAR LISBOETA DE EXCELÊNCIA. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA D.R.
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rimeiro, vamos às regras da casa: toque à campainha e aguarde que a porta se abra; ocupe uma mesa e procure a atenção do anfitrião; coloque o seu telemóvel em silêncio e tire fotos apenas sem flash; converse e socialize com civismo; não é permitido qualquer jogo ou dança neste bar; o dress code é casual chic e não é permitido um look desportivo. Apresentadas as house rules, vamos ao que importa: o Red Frog é um bar lisboeta que funciona à porta fechada. A vibe clandestina é inspirada nos bares speakeasy, típicos nos EUA nos anos 20, durante a proibição do álcool, tornando a atmosfera do número 5A da Rua do Salitre num autêntico bar secreto. Com o sapo vermelho como ícone, uma ideia dos responsáveis Emanuel Minez e Paulo Gomes inspirada na Red Frog Island, no Panamá, local onde existem estes pequenos sapos vermelhos (e venenosos!), este espaço intimista que funciona numa cave com decoração vintage, com sofás em couro capitonné, média luz, música swing, jazz e funk é um convite a uma experiência única. Com cocktails de assinatura, preparados por bartenders e mixologistas de renome que arriscam nos ingredientes – como redução de champagne, patchouli ou até cebola -, a carta do Red Frog é inspirada nos grandes mestres do passado que se regiam por filosofias ainda hoje únicas. “Recorremos às técnicas modernas e atuais, capazes de criar cocktails
SABORES Red Frog
tão inovadores, memoráveis e provocar novas experiências inesquecíveis. Ao buscar velhos gostos da nossa terra, pretendemos dar a provar ingredientes que nos ligam às tradições e à cultura do nosso país, sem esquecer a nossa missão global: a sustentabilidade do meio ambiente”, explicam-nos. “Através de um processo de ‘desconstrução-reconstrução’ com modernas técnicas de laboratório e de cozinha moderna, pretendemos ajustar e modernizar sabores para um palato moderno e diferenciado”, acrescentam. Com características de excelência e um ambiente convidativo, não é de todo invulgar que o Red Frog tenha já integrado várias listas de consagração desde a sua abertura em 2015: Melhor Bar do País e Melhor Menu de Bar em três anos consecutivos (2015, 2016, 2017) no Lisbon Bar Show; Melhor Bar de Lisboa nos Time Out Bar Awards 2017; e o inesquecível 92º lugar do cobiçado top do World’s 50 Best Bars, um ranking dos melhores bares do mundo e onde nenhum bar português tinha entrado. Mais recentemente, o Red Frog foi destacado como 13º Melhor Bar da Europa nos prémios da Big Seven Travel e foi nomeado para Melhor Bar Europeu nos Mixology Bar Awards 2019. Já o convencemos a tocar à campainha? Não há que enganar. O sapo vermelho denuncia a entrada!
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PARTIME TRAVELERS
Viagens em part-time
VISEU
Um destino na tranquilidade do Dão
LE MONUMENTAL PALACE C’est magnifique!
Os destinos a descobrir, os locais a explorar e as memรณrias de aventura.
VIAGENS Partime Travelers
Partime Travelers, viagens em part-time CLÁUDIA E MICHAL LASTOWSKI SÃO UM CASAL APAIXONADO POR VIAGENS. ELA É PORTUGUESA E ENFERMEIRA. ELE É POLACO E DESIGNER DE IATES. CONHECERAM-SE EM INGLATERRA, EM 2014, E DESDE AÍ QUE AS VIAGENS TÊM FEITO PARTE DA SUA VIDA EM COMUM. FORAM O DESTAQUE NA CATEGORIA DE VIAGENS NOS PRÉMIOS BLOGS DO ANO 2018. POR Andreia Filipa Ferreira
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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“O tamanho dos seus sonhos deve sempre exceder a sua capacidade de alcançá-los. Se os seus sonhos não te assustam, eles não são grandes o suficiente” Ellen Johnson-Sirleaf
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ão viajantes em part-time, tal como o nome do seu blog indica. Cláudia e Michal têm trabalhos a tempo inteiro, mas viajam sempre que a paixão por conhecer novos lugares e novas tradições fala mais alto. Com o bichinho da fotografia de Michal e o à vontade de Cláudia, o casal que vive com viagens marcadas a cada dois meses (mais coisa, menos coisa) é o rosto do Partime Travelers, um projeto que nos apresenta as melhores paisagens do mundo. “O blog faz parte da nossa relação, é um entretenimento para nós como casal”, explicam-nos em entrevista. Destacando a nomeação como finalista para o prémio UK Blog Awards 2018, o reconhecimento como finalista na categoria de Fotografia dos Bloggers Open World Awards 2018 e ainda o prémio de destaque na categoria de Viagens dos Blogs do Ano 2018 como impulso para a continuação do projeto, o casal já visitou até ao momento
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mais de 20 países: Portugal, Polónia, Suíça, Bélgica, Holanda, Islândia, Marrocos, Espanha, Itália, Vaticano, França, Alemanha, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Grécia, Camboja, Tailândia, Quénia, Tanzânia, Seychelles, Suécia e Dinamarca. “Sem dúvida alguma, o nosso destino de eleição foram as Seychelles. O arquipélago das Seychelles é a definição de perfeição e tem uma vibe exótica. Tem uma imensidão de vida selvagem, praias paradisíacas e as pessoas são de uma simpatia extraordinária. As 115 ilhas permitiram-nos usufruir de uma praia só para nós (literalmente). Já a Islândia presenteou-nos com a aurora boreal, que foi um dos meus sonhos tornado realidade. Tudo sobre este lugar é mágico e tão puro. É impossível não ficarmos rendidos a um local assim”, destaca Cláudia, acrescentando ainda: “Nós adoramos viver intensamente, somos bastante curiosos, temos muita vontade de aprender sobre novas culturas, lugares e fazer novas amizades. Por esse motivo, evitamos passar todo o tempo que temos em lugares mais turísticos”. Tendo já vivido vários momentos mágicos, como acordar com a vista do Kilimanjaro iluminado pelo nascer do sol, caminhar dentro de um glaciar, passar a noite no deserto a comtemplar todas as estrelas, fazer safaris na pureza de África ou até passar uma tarde numa praia deserta na companhia de tartarugas, o casal do Partime Travelers não tem dúvidas quando diz que “todas as experiências são memoráveis, especiais e únicas”. “A viagem ao Quénia, por exemplo, foi inacreditável. Foi um sonho passar dez dias num país que tem mais de 45 parques nacionais e reservas, montanhas e aventuras ao ar livre. As paisagens são verdadeiramente inacreditá-
BÚSSOLA Partime Travelers
veis. Da costa deslumbrante à vasta savana, este país do leste africano é uma fuga inesquecível. Há panoramas de tirar o fôlego em todas as direções, uma grande variedade de vida selvagem e uma rica herança cultural para explorar. O Masai Mara do Quénia é, sem dúvida, um dos maiores destinos de safari em África”, recorda Cláudia. Já Zanzibar, na Tanzânia, é mencionado pelo casal como “muito mais do que praias de areia branca e de água azul-turquesa”. “O marisco é incrível e os sumos de abacaxi ou coco são um tratamento diário na ilha”, recordam. Abraçando as diferenças culturais como um incentivo a viajar, dizendo até que o aproximar de culturas é o que torna o nosso mundo mais tolerante e pacífico, Cláudia e Michal deixam uma dica importante: “Nos dias de hoje, há imensa facilidade em viajar, em desfrutar da vida sem parar de trabalhar. Só é necessário ter objetivos e ser organizado. Por isso, a nossa dica para os leitores é que arrisquem. Que percam medos e fobias. Que vivam intensamente e que trabalhem para alcançarem os seus sonhos. Tudo é possível!”. Preparando já as próximas viagens, com destinos como Miami, Nova Iorque, Bahamas, Cuba ou Cancun em cima da mesa, o casal aconselha que nesta primavera se desfrute dos destinos europeus. “Sem dúvida que abril, maio e junho são ótimos meses para explorar a nossa Europa. Mas nós visitamos a Tailândia e o Camboja em abril e, embora não seja considerada a altura mais popular, os hotéis são muito mais acessíveis e o tempo estava ótimo”, comentam.
DESCOBRIR Viseu
Viseu, um destino na tranquilidade do Dão POR Andreia Filipa Ferreira
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CADERNO Título da Reportagem
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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iseu é cidade calma, com ruas estreitas que escondem uma História rica de reis e rainhas. Diz-se que, mesmo antes da formação do Condado Portucalense, Viseu foi várias vezes residência dos condes D. Teresa e D. Henrique. Também D. Afonso Henriques, segundo tese do historiador Almeida Fernandes, nasceu em Viseu, a 5 de agosto de 1109. Mas já em tempos idos, quando o território oeste da Península Ibérica era conhecido por Lusitânia, a figura de Viriato, um dos líderes da tribo lusitana que confrontou os romanos, marcou a História da região e ainda hoje Viseu é apelidada de “terra de Viriato”. Claro que, para muitos, ‘viriato’ é associado a uma iguaria típica da cidade, mas isso já é outra história. Numa viagem pelo centro de Portugal, Viseu é destino para quem procura um refúgio tranquilo, envolvido pelas serras do Caramulo, Buçaco, Estrela, Leomil e Montemuro. A paisagem é grandiosa e a sua contemplação faz-nos sentir pequenos... tal como vislumbrar a magnífica Sé de Viseu, do século XII e com detalhes renascentistas (como o claustro) e traços barrocos (visíveis nas obras de talha, azulejo e pintura). Em frente à Sé, o poder dos monumentos, da História, encarrega-se de nos fazer apaixonar por Viseu, convidando-nos a descobrir a riqueza guardada nos museus, como no mítico Museu Nacional Grão Vasco, no Museu da Misericórdia de Viseu ou no Museu de Arte Sacra. Já o Teatro
Sé de Viseu © Nuno Sampaio
Numa viagem pelo centro de Portugal, Viseu é destino para quem procura um refúgio tranquilo, envolvido pelas serras do Caramulo, Buçaco, Estrela, Leomil e Montemuro.
Teatro Viriato © Nuno Sampaio
Viriato, que comemora em 2019 os seus 20 anos, é o símbolo maior da cultura em Viseu. Para quem desconhece, os primórdios desta casa de espetáculos remontam ao final do século XIX, altura em que este espaço se chamava Theatro Boa União. No ano de 1960, já com o nome de Teatro Viriato, as portas fecharam-se. Apenas 38 anos depois é que o Teatro Viriato voltou como casa de artes e espetáculos, prometendo oferecer ao público o acesso regular à cultura através da integração nas rotas nacionais e internacionais de circulação de espetáculos de várias áreas. A Companhia Paulo Ribeiro está intimamente ligada ao percurso do teatro e, nesta comemoração dos 20 anos do Teatro Viriato, traz algumas estreias absolutas a palco (deverá consultar a programação para mais informações). Já em termos de dormidas, a nossa sugestão recai sobre o Hotel Palácio dos Melos, um hotel de quatro estrelas em pleno centro histórico da cidade e marcado pelo requinte da sua decoração. No entanto, o maior chamariz de Viseu é, aos nossos olhos, a Quinta de Lemos e os seus segredos. Situada na freguesia de Silgueiros, a quinta é composta por 25 hectares de vinha e é daqui que sai um dos melhores vinhos do Dão. Considerados vinhos premium, disponíveis em garrafeiras e restaurantes de excelência, os vinhos de assinatura Quinta de Lemos são um ex-libris da cidade de Viseu e, para melhor os desfrutar, nada mais acertado do que reservar um jantar na Mesa de Lemos, o restaurante de arquitetura imponente, localizado bem no alto da quinta e dirigido pelo talentoso chef Diogo Rocha. Neste restaurante, para além de saborear os vinhos da quinta, é possível viver uma autêntica experiência gastronómica, com a cozinha tradicional de Viseu e as memórias do chef Diogo Rocha a conduzirem uma refeição que dificilmente se esquece. A vista sobre as vinhas, numa paisagem natural que nos tira o fôlego, é um dos maiores privilégios de nos sentarmos à Mesa de Lemos.
Chef Diogo Rocha © Nuno Sampaio
BÚSSOLA Viseu
Mesa de Lemos
REFÚGIO Le Monumental Palace
Le Monumental Palace, c’est magnifique! É NO CORAÇÃO DA CIDADE DO PORTO, EM PLENA AVENIDA DOS ALIADOS, QUE O SURPREENDENTE HOTEL LE MONUMENTAL PALACE GANHOU VIDA, RESSUSCITANDO UM DOS EDIFÍCIOS HISTÓRICOS MAIS EMBLEMÁTICOS DA INVICTA. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA D.R.
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ntes de apresentarmos este imponente hotel de cinco estrelas, convidamos o leitor para uma viagem no tempo: século XX, anos 30. A Art Déco e a Art Nouveau preenchiam a arquitetura e as artes decorativas, criando ambientes glamorosos, luxuosos e requintados. O jazz começa lentamente a ser substituído pelos ritmos swing, com as orquestras dançantes e as big bands. O vestuário é sóbrio, porém sofisticado, com o look feminino a ser preen-
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chido pelos vestidos com longos decotes nas costas e o masculino carimbando o ar snob ou até gangster. É nesta altura que, no Porto, o luxuoso Café Monumental se torna famoso em toda a Península Ibérica, graças à sua decoração e à animação permanente, levada a cabo por duas orquestras. É esta a alma que, em 2019, volta a imperar no edifício neoclássico projetado, em 1923, pelo arquiteto italiano Michelangelo Soá, depois de décadas ao abandono. Bem-vindos ao Le Monumental Palace! Foram vários anos de obras de reabilitação desenvolvidas pela Mystic Invest, do reconhecido empresário portuense Mário Ferreira. Hoje, o Le Monumental Palace, adquirido pelo grupo Paris Inn e integrado na marca francesa Maison Albar Hotels, é um símbolo de elegância no ramo hoteleiro do Porto, com uma aura que nos faz vislumbrar o passado, já que muitos detalhes originais do edifício se mantêm intactos. Começamos pela monumental fachada gótica, que cumprimenta quem passa pela Avenida dos Aliados. Depois, no interior, o corrimão da escadaria foi recuperado e a grandiosidade do pé-direito confere a monumentalidade de outrora ao edifício. Quanto à decoração, o trabalho exímio da dupla Artur Miranda e Jacques Bec, do atelier Oitoemponto, trouxe de volta o espírito Art Déco e Art Nouveau,
BÚSSOLA Le Monumental Palace
visível na elegância de alguns elementos decorativos: os exuberantes candeeiros e espelhos, as mármores portuguesas e as alcatifas com desenhos únicos, os objetos em ferro forjado provenientes de buscas atentas pelos antiquários... enfim, tantos detalhes que devolveram a grandiosidade de outros tempos a um espaço charmoso e, acima de tudo, bastante acolhedor. Sim, porque caminhar pelos corredores deste Le Monumental Palace é quase como viajar numa carruagem do icónico Expresso do Oriente. Com 76 quartos, divididos em categorias (40 superiores, 23 deluxe, nove suites Audacieuse e quatro grandiosas suites), este hotel que representa a entrada da cadeia francesa Maison Albar Hotels em Portugal é rico em luz natural e, como não poderia deixar de ser, repleto de influências do estilo francês. As suites, com tipologias de 28 e 87m2, permitem desfrutar de uma vista encantadora sobre a cidade do Porto. Já nos espaços coletivos, a biblioteca, o lounge e o ginásio são alguns dos destaques, apesar da cereja no topo do bolo estar na oferta gastronómica, com três espaços de restauração que merecem visita: o Bar Américain (com os cocktails e os vinhos do Porto a tomar as rédeas da carta), o Café Monumental (ao estilo parisiente e fazendo lembrar o antigo Café Monumental, este espaço é perfeito para saborear um almoço, lanche ou jantar com iguarias francesas) e o restaurante Le Monument, dedicado ao melhor da cozinha
francesa e da alta cozinha moderna. É de salientar que o chef gaulês Julien Montbabut, vindo de Paris e já galardoado com uma estrela Michelin, assina a carta, antevendo um serviço de excelência. No entanto, o Le Monumental Palace guarda ainda um segredo que deve ser descoberto... o Le Monumental Nuxe Spa, o primeiro spa da marca francesa em Portugal e o único localizado num hotel na baixa da cidade invicta. Piscina interior aquecida, sauna, banho turco, duas salas de tratamento e um duche Vichy são os realces deste spa que, num ambiente ricamente ornamentado, propõe tratamentos de assinatura. A visita ao Le Monumental Palace é uma viagem aos tempos áureos. Dignificando a História e abraçando a modernidade com pompa e circunstância, este autêntico palácio que junta o charme português à elegância francesa é o refúgio ideal para quem procura a tranquilidade bem no centro de uma cidade em pleno auge turístico. É caso para dizer: c’est magnifique!
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A elegância no seu estado puro e os desejos a cumprir.
Elisabetta Franchi, cores vibrantes de um glamour urbano A nova coleção de primavera-verão reflete o lifestyle italiano que caracteriza a marca, numa chama de cores vibrantes que chega em imagens que expressam frescura e modernidade. Neste cenário frenético, os acessórios tornam-se companheiros imprescindíveis em qualquer look urbano. Bordados preciosos e tons vibrantes evocam uma explosão de fogo de artifício, assim como as lantejoulas maxi que mudam de cor, lembrando uma impetuosa cascata de confettis. Surgem batons e frascos de perfume a transformarem-se em pendentes preciosos, enquanto balões e carteiras transparentes viram um must have. As novas propostas para a estação primaveril captam a emoção da vida urbana e incorporam a extravagância da moda.
Lancôme, uma homenagem à elegância francesa O toque perfeito para mulheres livres e irreverentes. Com uma fórmula hidratante de base, as cores apaixonantes fundem-se com os lábios e promovem um tom delicado, floral e fresco. Enriquecidos com óleo de rosa, os batons funcionam perfeitamente em segundos para uma aplicação sem esforços e sem erros. L’absolu mademoiselle shine chega com uma embalagem em ouro rosa e branco e fala de uma feminilidade livre, projetada para contornar os lábios num único toque.
Matsuda, a fusão da arte com a moda A marca japonesa destacada pela forma como o design e a qualidade se complementam e originam modelos únicos e intemporais apresenta peças que são, por si só, pequenas obras de arte. O designer da marca, Mitsuhiro Matsuda, prima pelos detalhes, materiais de alta qualidade e o modo de produção das peças. Os materiais são escolhidos rigorosamente, preservando as características dos mesmos, sendo que cada coleção é única e destaca materiais diferentes e de valor. Os óculos Matsuda estão disponíveis na André Ópticas.
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ATELIER Moda
Giorgio Armani, mais do que uma fragrância Amor, liberdade e ousadia são os pilares da nova fragrância da Giorgio Armani, movida por um tributo à moderna feminilidade. Reflete a mulher idealista que está viva com o seu amor pela liberdade e ousadia. Uma reinterpretação do icónico Sì Eau de Parfum e depois do poderoso e vibrante Sì Passione, lançado no último ano, vem juntar-se uma delicada fragrância floral: Sì Eau de Parfum Fiori. Com um toque delicado, reflete a feminilidade e elegância da mulher apaixonada e que ousa dizer: Sì!
WestMister, a alta qualidade sem meias medidas A aborrecida gaveta das meias nunca mais foi a mesma com a entrada da WestMister, caracterizada pelos detalhes arrojados, pensados no homem que preza a imagem como espelho da sua personalidade. De fabrico exclusivamente nacional, a marca de underwear masculino prima pela atenção ao pormenor e visa promover uma identidade que conquiste pela qualidade e irreverência. O tecido, o toque, os padrões e as cores, tudo respira arrojo e elegância.
Montegrappa, a excelência italiana na escrita A recente linha de canetas da Montegrappa elogia um dos mais brilhantes génios italianos, celebrando a sua supremacia artística, o seu virtuosismo, ambição e talento. A nova edição de Leonardo da Vinci, com acabamento em latão, aço inoxidável e madeira de oliveira, destaca detalhes metálicos com materiais orgânicos. Integrada na coleção Genio Creativo, trata-se de uma linha limitada, composta por 500 canetas-tinteiro e 500 canetas rollerball, respetivamente por 2,450€ e 1,950€.
Breitling, celebrar a era de ouro da aviação A marca de relojoaria suíça lançou recentemente a primeira coleção cápsula, comemorando o papel importante da marca na era de ouro da aviação e algumas das mais emblemáticas companhias aéreas dessa época. O Navitimer 1 Airline Editions, destacado pelo fundo de caixa de safira transparente, é um relógio de aço inoxidável com um mostrador prateado, apresentado com uma bracelete vintage castanha de couro ou uma pulseira de malha de aço inoxidável.
DestilReal, há uma nova bebida destilada para experimentar A mais recente aposta da DestilReal propõe a bebida destilada mais fresca e romântica. O Real Rouge Gin é o terceiro produto da marca e promete uma sensação arrebatadora. Feito com framboesas, morangos e mirtilos da região de onde é oriundo, Setúbal, o novo gin tem um teor de álcool de 42%. Depois do sucesso do Real Gin Clássico e do Real Gin Moscatel, a DestilReal volta a surpreender.
ATELIER Moda
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ACESSÓRIOS Manjerica
Manjerica, os Açores ficam-nos tão bem! TERESA BETTENCOURT É NATURAL DA ILHA TERCEIRA E É O ROSTO DE UMA MARCA BEM PORTUGUESA: A MANJERICA. COM AS MEMÓRIAS DE INFÂNCIA A INSPIRAR AS SUAS SUGESTÕES PARA A MARCA, A DESIGNER AÇORIANA APRESENTA-NOS, NESTA ENTREVISTA, OS SEUS ANSEIOS PARA UM PROJETO QUE ALIA PASSADO E PRESENTE, NUM MISTO DE CONTEMPORANEIDADE E DETALHES VINTAGE, COM TODA A BELEZA DO ARQUIPÉLAGO AÇORIANO A CONDUZIR AS TENDÊNCIAS. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Manjerica
Durante os Santos Populares, ao passearmos por Lisboa, passámos junto a um outdoor com um grande manjerico, a anunciar as festas daquele ano. Foi naquele momento que decidi que teria de ser o nome Manjerica, porque para além de ser um nome português e único, era o nome que o meu pai me chamava quando era pequena (ainda hoje em dia me chama). A marca foi criada em 2011 e a primeira coleção foi lançada em setembro desse mesmo ano. Temos vindo a consolidar a marca no mercado português e a receção do público e imprensa tem sido muito positiva. Podemos hoje dizer que somos uma das melhores marcas de acessórios em Portugal. Desde há cerca de quatro anos que temos vindo a iniciar um processo de expansão da marca para mercados externos. O impacto também tem sido muito interessante, tendo lojas clientes na Austrália, Egipto, Estados Unidos e China.
uem é Teresa Bettencourt e quais os seus principais desejos ao criar esta marca de malas contemporâneas? Nasci em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira e vivi lá uma infância muito feliz. Aos 17 anos decidi vir para Lisboa estudar Design de Moda na Faculdade de Arquitetura. Depois de terminar o curso, estagiei no atelier da Alexandra Moura, uma designer que admiro muito e cuja estética me atrai imenso. Já gostava muito de acessórios, e durante o estágio essa paixão aumentou ao participar numa coleção de malas e sapatos para a Alexandra Moura. Depois de terminado o estágio, decidi juntamente com o meu marido Carlos Elavai, criar uma marca de malas. O nosso maior desejo é ser uma referência no mundo dos acessórios em Portugal e de certa forma, levar o designed and made in Portugal para o mundo. Para além disso, queremos partilhar as nossas vivências nos Açores e expressar o que elas significam para nós de uma forma muito bonita, através de um produto que está intimamente ligado com o seu portador. Porquê “Manjerica”? E que balanço faz da marca até ao momento? O nome Manjerica surgiu duma história muito engraçada. Andávamos à procura dum nome que fosse fresco e que tivesse um cunho português. Fizemos uma grande lista e até mostrámos aos nossos amigos, para darem uma opinião. No entanto, não havia nenhum que achássemos ser o certo…
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Quais os principais propósitos da marca Manjerica? Há uma preocupação relacionada com a nostalgia, a memória e as emoções, correto? De que forma é que a Teresa passa essas sensações para as malas? O nosso maior objetivo é partilhar as nossas emoções e vivências açorianas. Essa nostalgia que temos das nossas memórias de infância, muito ligadas à natureza e à despreocupação típicas duma infância num meio pequeno e isolado, mas extremamente conectado com o meio ambiente e as pessoas. Tento transmitir essas emoções nas malas principalmente através da cor e das suas combinações. Para além da cor, o tipo e formato de mala é de inspiração vintage. São formas de malas que me recordo de ver no armário da minha mãe quando era pequena e que associo muito a esses tempos de descoberta e de imaginação. Por exemplo, a nossa fivela, tão característica da marca, surge duma memória dum cinto com fivela forrada a tecido que a minha mãe tinha guardado. Portanto, são tudo combinações de memórias que tenho e tento colocar em cada produto. A beleza do arquipélago está então presente nas sugestões da marca... Sim, sem dúvida! Nos Açores, toda a paisagem é muito intensa, mas transmite uma sensação de leveza e conexão. Temos um mar com um azul muito interessante que muda de cor quase de minuto a minuto e, logo ao lado, na costa, temos a rocha basáltica preta, sinuosa e quente. Os cerrados verdes, que em certos dias quase parecem fluorescentes, o nevoeiro misterioso que cobre as zonas montanhosas, etc… a natureza açoriana é mesmo muito inspiradora para nós. Manjerica é então passado e presente, com cores vibrantes e design apelativo. É esta a principal premissa da marca: uma ligação cuidada e alegre entre o vintage e o contemporâneo?
ATELIER Manjerica
Sim, exatamente. Mas especialmente uma ligação cuidada e bonita entre o passado, que não precisa de ser necessariamente vintage, mas sim a memórias que temos, e o contemporâneo. Hoje em dia, o facto de vivermos em cidades cosmopolitas e estarmos em menor sintonia com a natureza, aumenta a necessidade de nos querermos conectar. E a Manjerica é um pouco isso, podermos voltar a relembrar e a ter aquela nostalgia duma infância e de memórias familiares que nos voltam a conectar e a dar um sentido de pertença. O objetivo é que cada cliente possa voltar a olhar também para o seu passado, “usando-o” através dos nossos produtos no presente. Pode explicar-nos o seu processo criativo? Como é que surge uma mala Manjerica? Sabemos, ainda, que há um cunho artesanal também, correto? As malas Manjerica surgem de imagens e memórias que me vão inspirando, especialmente quando estou nos Açores. Por exemplo, todas as vezes que estou no jardim de casa dos meus pais gosto de ir ver as novas flores que vão desabrochando e os novos frutos das árvores que conheço desde infância. Depois disso, vou pegando em imagens de referência e pesquisando cores que acho que fazem sentido dentro da inspiração que tenho. Um dos processos que acho mais interessante é o de combinar as várias cores. É um processo muito intuitivo e sinto grande satisfação quando faço uma combinação que à primeira vista não faria sentido, mas que afinal fica coerente e bastante agradável. Depois desenho o modelo, faço a sua ficha técnica e envio para a fábrica produzir o protótipo. Após ver como ficou o protótipo e fazer algum ajuste ou alteração, fabricam-se todas as malas nas cores finais. É sempre muito emocionante quando vemos os produtos finais fisicamente.
Neste ano 2019, principalmente relativamente à primavera-verão, quais são as principais novidades da Manjerica? As duas grandes novidades da Manjerica vão ser dois modelos redondos, um para usar ao ombro e outro para usar na cintura. Desde o início da Manjerica que tentamos inovar também nas formas, criando malas que sejam diferentes e contemporâneas. A mala de cintura tem vindo a ser uma grande tendência e é muito fácil e prática de usar. Também iremos ter tons mais pastel, como os lilases inspirados nas hortências açorianas. Uma Manjerica é o toque perfeito para um look primaveril? Sim, penso que sim! Especialmente porque vamos ter cores muito primaveris, como o lilás pastel, o azul céu, os vermelhos saturados. Tanto para um look colorido ou mesmo para um look simples, uma mala Manjerica é o suficiente para um toque de cor primaveril. Onde pode o público encontrar a sua Manjerica? Poderão encontrar a Manjerica na nossa loja online em www. manjerica.com assim como nas lojas The Feeting Room no Porto e Lisboa, na loja 39A em Lisboa e na loja Tom sobre Tom em Vila do Conde. Que anseios tem a Teresa para o futuro da marca? Há planos que tencione desenvolver para impulsionar a marca? Temos como estratégia mantermo-nos fortes no mercado português e aumentar a nossa presença nos Estados Unidos e alguns países da Europa, como a Espanha e Reino Unido. Para além disso, também estamos a analisar o potencial do mercado asiático que poderá ter uma boa reação ao nosso produto.
Teresa Bettencourt
CADERNO Título da Reportagem
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JOALHARIA CINCO
CINCO, joalharia com amor POR Andreia Filipa Ferreira
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ara conhecermos a história da CINCO, visitamos Coimbra. Li Furtado, Miguel Pereira e Zaza (um bulldog francês) receberam-nos no showroom pintado a rosa, com a luz solar a focar com mais vigor as peças douradas que gentilmente são apresentadas. É neste pequeno espaço que a magia da CINCO, uma marca de joalharia que funciona apenas no mercado online, acontece. Mas vamos ao início: Li Furtado é uma mulher elegante apaixonada pelas plataformas digitais – principalmente a lógica da compra online. Alimentando o seu blog de moda ao mesmo tempo que trabalhava ativamente como consultora em planeamento de território, dado que a sua área de formação era a Geografia, Li foi mantendo o seu interesse pelas tendências internacionais. Certo dia, decidiu testar um negócio: comprar algumas peças no eBay e revendê-las num site, tentando cativar a atenção das suas colegas bloggers. “Foi tudo acontecendo devagar, mas rapidamente percebi que como as peças que revendia não tinham muita qualidade eu nunca teria grande prestígio. Decidi então montar uma linha de prata, com design muito simples e muito clean. Aos poucos fui deixando a tática da revenda e apostando na linha própria. Mas era tudo uma brincadeira”, explica-nos Li, que deu o nome
Li Furtado e Miguel Pereira © Nuno Sampaio
de CINCO ao site pura e simplesmente porque nasceu no dia 5 do mês cinco. A verdade é que esta brincadeira tornou-se um negócio tão sério que, em setembro de 2016, Li despede-se, seguindo-se, tempos depois, o marido Miguel, que exerce as funções de contabilidade da CINCO. “A estratégia da CINCO é muito concreta: peças de prata, com abordagens muito vintage, que muitas vezes nos relembram as joias usadas pelas nossas mães. Não tencionamos reinventar a roda, mas estamos bastante atentos às tendências internacionais, propriamente as tendências ditadas pelas fashion influencers, para tentarmos estar sempre um bocadinho à frente no mercado”, descreve-nos Li, acrescentando que a inspiração da marca segue mesmo os destaques de street wear. Não apresentando coleções, mas adicionando novas peças ao catálogo (que já conta com mais de 100 sugestões) a cada mês, proporcionando aos clientes uma escolha variada sempre atualizada, a CINCO tem crescido exponencialmente. “Depois de analisarmos o ano anterior, 30% das
ATELIER CINCO
Bia earrings
L’ensemble earrings set
Nikki choker
vendas eram nacionais e 70% eram fora de Portugal, com o mercado dos EUA e Reino Unido em destaque. Depois, na Ásia, temos bastantes consumidores na Coreia do Sul, Japão e Singapura. Na China, como as taxas alfandegárias são altas, temos mais lojas revendedoras do que propriamente consumidores finais”, afirma Li, destacando ainda as cerca de 40 lojas internacionais (e uma no Porto) que têm as peças da marca disponíveis para venda. Com produção manual, usando prata certificada e malhas predominantemente portuguesas, a CINCO destaca-se como uma love label, fazendo-nos apaixonar pelo virtuosismo das suas ideias. O Ginger Necklace, por exemplo, com o mapa mundi como referência ao percurso de Li na Geografia, é o bestseller da marca. As huggies, que são argolas de vários tamanhos, são a peça tendência desta estação. A Bia é a peça referência, por isso, não estranhe se, quando fizer scroll nas suas redes sociais, a encontre nos looks mais graciosos.
ATELIER CINCO
Ginger necklace em produção
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BELEZA Benamôr
Benâmor, a beleza made in Portugal POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Benamôr
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ara contarmos a história da Benâmor, temos obrigatoriamente que rumar ao passado. Em 1925, um apotecário, palavra usada para designar um profissional especializado em farmácia, instala um pequeno laboratório no número 189 do Campo Grande, em Lisboa. Aí, nesse pequeno espaço, criava pomadas milagrosas! Eram autênticos elixires da juventude, receitas de beleza elaboradas com ingredientes naturais e apresentadas em bonitas embalagens, em bisnagas art déco. As beldades da sociedade logo correram às soluções milagrosas para a beleza eterna e diz-se até que a própria rainha D. Amélia, por altura do seu exílio, se tornou fiel consumidora da marca. Verdade ou não, a realidade é que o nome Benâmor marcou gerações femininas no último século, chegando à atualidade com um misto de saudosismo e eficácia. Na sua gama de produtos, destaca-se o Créme de Rosto Benâmor, uma fórmula de 1925 que se mantém inalterada até aos dias de hoje. Com princípios ativos nacarados contra as imperfeições, este creme combina o poder purificante
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da rosa e dá um aspeto radiante à pele. O creme de mãos Alantoíne, uma textura gel em creme enriquecida em extrato de alantoína e glicerina; o Gordíssimo, com manteiga de karité que nutre instantemente as mãos, dando-lhes um ar rejuvenescido; o Rose Amélie, em homenagem à rainha D. Amélia, com combinação de óleo de argão e rosas perfumadas; e o Jacarandá, nome proveniente de uma árvore emblemática de Lisboa com flores lilás, um creme enriquecido com aloé vera e manteiga de karité; compõem a gama de produtos para cuidados das mãos da Benâmor. A promessa de hidratação, suavidade e frescura destes cremes aliam-se à promessa de limpeza dos sabonetes que acompanham cada linha de produtos. Com uma estratégia de internacionalização levada a cabo pela Fábrica Nally em 2015 a apresentar o sucesso das receitas de beleza a países como Espanha, França, Itália, Holanda, Alemanha, Inglaterra, Suíça, Canadá e até Estados Unidos da América, a Benâmor é hoje um exemplo da eficácia quase centenária de uma marca 100% portuguesa. Podemos encontrar os produtos em vários pontos do nosso país, como nas lojas El Corte Inglès de Lisboa e Porto, as lojas Perfumes & Companhia e os espaços A Vida Portuguesa.
ATELIER Benamôr
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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AO VOLANTE Peugeot e-Legend
Peugeot e-Legend, o passado à frente A FEBRE DA NOSTALGIA POR MODELOS DO PASSADO ESTÁ INSTALADA NA INDÚSTRIA AUTOMÓVEL. A MARCA FRANCESA APOSTA FORTE E LANÇA O E-LEGEND, PROVAVELMENTE O CONCEPT DO ANO. POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA Automobiles Peugeot
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ntes de falarmos neste concept car da marca francesa que, segundo o CEO da marca do Grupo PSA, Jean-Philippe, “não é apenas um manifesto tecnológico, mas a visão da Peugeot, ativamente empenhada num futuro otimista e altamente desejável”, recuamos uns bons anos para falar daquele que deu origem a toda esta dinâmica automóvel indumentada de uma “retro-febre”, o Peugeot 504 Coupé. Este bad boy nunca foi tão famoso como nos dias que correm. Apresentado em 1968, com o Coupé e Cabrio a chegar um ano depois, manteve a produção até 1983. Ambos distintos dos outros 504. A motorizar este coupé encontramos motores de quatro cilindros em linha com 1.8 e 2.0 partilhados com os restantes 504, mas receberia também o V6 PRV de 2.7 l, desenvolvido em conjunto com a Renault e Volvo. No total, entre o Coupé e Cabriolet, foram produzidas pouco mais de 31 mil unidades. Mas estamos enganados se pensarmos que o e-Legend é um copy-paste do Coupé original. Este é um carro do futuro, com uma visão mais musculada e sofisticada – de alguns ângulos quase passaria por um muscle car americano. A carroçaria esconde o futuro real, ou seja, um automóvel 100% elétrico e também autónomo. Do lado elétrico, o e-Legend vem equipado com um conjunto de baterias com uma capacidade de 100 kWh, dois motores elétricos – um por eixo –, totalizando 340 kW (462 cv) e 800 Nm de binário, capazes de lançá-lo até aos 100 km/h em menos 4,0s e atingir os 220 km/h de velocidade máxima.
A autonomia máxima anunciada é de 600 km, com a Peugeot a afirmar que bastam 25 minutos num posto de carga rápida para ter energia suficiente para mais 500 km, e com o carregamento a poder ser feito via indução (sem cabos). Em modo autónomo, este protótipo tem dois modos de atuação: o Soft, para uma condução mais relaxada, ou o Sharp, que torna as reações mais instintivas. Para o condutor, quando este aceita a tarefa de conduzir, existem igualmente dois modos: o Legend e o Boost. Os interiores são arrojados e futuristas e recheado de tecnologias como as telas de 29 polegadas nas portas e uma tela curva gigante, de 49 polegadas no painel central. A parceria com a SoundHound faz com que este modelo possa ter um assistente pessoal que permite controlar vários sistemas pela voz e um sistema sonoro de alta-fidelidade da Focal. Para já, a marca francesa não tem planos para produzir o e-Legend, mas o impacto e o sucesso foi tal que já existe uma petição online para o produzir. Até o próprio CEO da Peugeot, ao ter conhecimento da petição, lançou um desafio via Twitter: caso a petição atinja as 500 mil assinaturas, a Peugeot não se compromete em avançar com a produção do e-Legend, mas a hipótese será seriamente considerada. Fingers crossed!
ATELIER Peogeot e-Legend
A FECHAR De olhos postos em...
Carlos Coutinho Vilhena, quando o humor pode ser só o início... É UM DOS ROSTOS JOVENS DO HUMOR EM PORTUGAL, UM HUMOR QUE NASCE E PROLIFERA NOS CANAIS DIGITAIS GRAÇAS AO MARAVILHOSO MUNDO NOVO DA INTERNET. CARLOS COUTINHO VILHENA TEM 25 ANOS, UM CANAL DE YOUTUBE COM MAIS DE 76 MIL SUBSCRITORES, VÍDEOS COM MILHARES DE VISUALIZAÇÕES E UM PÚBLICO QUE O EMPURROU PARA OS PALCOS, QUASE QUE PEDINDO UMA NOVA FASE PARA O STAND UP COMEDY. CRUZAMO-NOS COM CARLOS COUTINHO VILHENA NUMA VISITA DO SEU ESPETÁCULO META AO THEATRO CIRCO, EM BRAGA, E NUMA CONVERSA BREVE PERCEBEMOS QUE NEM SÓ DE RISOS VIVE ESTE HOMEM. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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uem é Carlos Coutinho Vilhena? É um humorista em ascensão? Depende... podes ser novo talento até que idade? (risos) Com 25 anos posso ser novo talento? Se sim, então acho que sou. Até aos 30 posso ser novo talento? Para poder falhar, para ser imaturo...? (risos). Eu acho que sou um humorista que começou muito cedo nisto, ou seja, tive a sorte de perceber cedo, antes até de acabar o curso, que queria fazer isto. Tive a sorte também de começar com pessoas da minha geração, com um grupo chamado Bumerangue, em que fomos muito cedo para a SIC Radical. Acho que faço parte da primeira geração de humoristas, tirando o Bruno Nogueira, que começou assim tão cedo – e logo a fazer palco. Sobretudo, sou um humorista da internet. Acho que assim me defino bem. Sou um humorista das novas redes porque não apareci assim em nenhum meio institucional mais clássico. Fui parar à televisão e agora estou também na rádio, mas o foco principal do meu trabalho são os projetos online. Neste momento, tens mais de 76 mil subscritores no Youtube. Qual é a tua relação com a internet? Consideras que tem impulsionado uma nova fase do humor em Portugal? Eu não sei como seria se não existisse internet. Se calhar apareceríamos, mas demoraríamos muito mais tempo e não seríamos tão fiéis àquilo que queremos fazer. Porque quando estamos numa televisão ou numa rádio temos de fazer concessões. Nós tivemos o luxo de fazer o que queríamos
por causa da internet – o que não aconteceu com um Ricardo Araújo Pereira ou com um Bruno Nogueira, que só depois de conquistarem o público é que tiveram o luxo de dizer ao canal o que queriam fazer e como o queriam fazer. A internet fez-nos estar mais perto das pessoas. Consideras que esta nova geração está a romper com alguma lógica humorística? Talvez. Claro que nós seguimos os grandes exemplos. Temos coisas piores e coisas melhores. Mas acho que a grande vitória é a liberdade. Ou seja, nunca nos aconteceu alguém dizer “tu não podes fazer essa piada” porque somos nós que publicamos, muitas vezes somos nós que editamos, que realizamos ou co-realizamos. As piadas também somos nós que as escrevemos. Isso faz com que tenhamos muita mais liberdade. Mas, pontos negativos: vai ser muito difícil um de nós ser o próximo Herman José, ser um fenómeno mainstream dos sete aos 78! (risos) Porque como o público é muito mais de nichos e nós não temos um programa às 21h30, não há o público mainstream. Mas temos um público mais fiel, muito mais verdadeiro. Não é um público que me vê no Alta Definição e diz “aquele artista ali deve ter graça, deixa-me ir procurar”. Não! As pessoas que me veem conhecem a maior parte das coisas que eu faço. A tua formação é exatamente qual? Eu tirei um curso chamado Estudos Gerais, na Faculdade de
“Com 25 anos posso ser novo talento? Se sim, então acho que sou. Até aos 30 posso ser novo talento? Para poder falhar, para ser imaturo...? (risos)”
(risos). Mas não me censuro em nada. Acho que há outros comediantes que sofrem mais com isso, mas eu, como comediante que sou, acho que o humor não tem limites. Mesmo quem faz piadas e nós achamos que aquilo foi só para chocar, tem esse direito. Eu posso gostar ou não dessa piada, mas tem esse direito. Eu parto muito do princípio de que às vezes não gosto de músicas, mas não me chateio e parto para outra. Por isso, os limites do humor é uma questão que, na minha geração, já não se coloca.
Letras da Universidade de Lisboa. À semelhança da América, eu podia escolher todas as cadeiras que eu quisesse dentro da universidade. Então, tirei cadeiras de escrita, cadeiras de textos fundamentais... Eu já sabia o que queria ser, mas tinha que ter ali dois ou três anos para tentar viver da comédia sem que os meus pais me chateassem muito (risos). E isto era uma desculpa: “estou a estudar, estou a tirar cadeiras que alimentam a minha cultura!”. Vendia isto e resultava! (risos) O que é que te faz rir? E o que é que usas para fazer rir? Há limites? Eu tenho a sorte de aquilo que me faz rir não ser nada de muito cáustico, ou seja, não causa muita polémica. Também ainda não cheguei a essa parte porque ainda não me interessa. Sou puto, tenho 25 anos e ainda não cheguei aos temas fraturantes de política, por exemplo. Acima de tudo porque acho que ainda não tenho bagagem para falar sobre isso – e as pessoas também não querem: “Tens 25 anos, o que estás a dizer da esquerda ou da direita? O que é que tu sabes ou que problemas é que tu tens?”. Eu quero namorar, quero ver se arrendo casa... e são esses os meus problemas de agora! (risos) Acho que quanto mais verdadeiros formos, mais o público se identifica. Também não falo de futebol, tenho essa sorte
A FECHAR Carlos Coutinho Vilhena
Vives a 100% do humor que fazes. Mas que outras paixões tens? Gosto muito de realização, de cinema e vejo-me até, como comecei tão cedo e tenho de estar sempre a dar a cara, a ligar-me mais à realização e a fazer os meus projetos. Não sei até que ponto é que quero andar por cidades... depois terei filhos e não sei se a minha prioridade não vai ser outra: construir família – ou não sei se vou continuar sem coração e ser egocêntrico ao ponto de só querer receber risos! (risos) Mas vejo-me muito a mudar o caminho para a realização ou para o guião – mas acho que ser guionista em Portugal é impossível, não tenho bem noção, mas parece-me impossível (risos). Em 2019, que planos já tens na agenda? Estou a gravar agora um documentário sobre um ator que já foi muito conhecido. Entretanto, passaram dez anos, ele faz teatro mais contemporâneo, já não faz televisão, teve de voltar para casa dos pais... Estou a gravar um documentário onde tento mostrar que a gestão de carreira é mais importante do que o talento, em qualquer área. O meu objetivo é tentar fazer com que ele volte a ter trabalho e que saia da casa dos pais. E isto é tudo real! Queres deixar uma temática para os nossos leitores pensarem? Qual é o tema que, neste momento, merece a maior das atenções? Acho que é uma questão intemporal: até que ponto é que vale a pena ter família? Se a felicidade está ali ou em sermos completamente independentes, não termos que sofrer por antecipação por uma asneira que o nosso filho faça? Ou por manter um casamento durante anos com medo que os filhos sofram depois? Onde está a felicidade? Fui muito sério, não fui? (risos)
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A FECHAR ImperdĂvel
3 refĂşgios de primavera
Pedras Salgadas Spa & Nature Park
PEDRAS SALGADAS SPA & NATURE PARK
No coração da natureza
Localizado em Vila Pouca de Aguiar, o Pedras Salgadas Spa & Nature Park, com arquitetura de Luís Rebelo de Andrade, é um destino perfeito para quem quer sentir-se membro da realeza. As suas Eco Houses (um autêntico oásis para repouso em família) ou as Tree Houses (literalmente entre as copas das árvores para uma escapadinha de casal) são destaques imperdíveis. A visita ao spa termal, renovado pelo arquiteto Siza Vieira, é obrigatória para aproveitar os benefícios da água termal das fontes de Pedras Salgadas.
HERDADE DO AMARELO
O charme do litoral alentejano A Herdade do Amarelo Natura & Spa fica em São Luís, perto de Vila Nova de Milfontes e é um lugar mágico. Num ambiente acolhedor e totalmente relaxante, esta herdade em contexto rural é um refúgio gracioso para a primavera. Com vistas sobre a planície alentejana e a serra, as ofertas da Herdade do Amarelo incluem experiências especiais em suites repletas de bom gosto. A suite panorâmica, por exemplo, em forma de hexágono e rodeada por amplas janelas é o espaço mais romântico e exclusivo da herdade. Imperdível!
CONVERSAS DE ALPENDRE
Na luz do sotavento algarvio Perto das melhores praias, em Vila Nova de Cacela, no Algarve, o Conversas de Alpendre é um refúgio de turismo rural de decoração clean, numa perfeita harmonia entre rusticidade e sofisticação, com madeiras, têxteis e azulejos tradicionais portugueses. Tentando mostrar a verdadeira alma do Algarve, este espaço encantador é uma sugestão imperdível no sul do país. As suites, abundantes de luz, são uma extensão da tranquilidade exterior. Escusado será dizer que o aroma a laranja preenche a atmosfera destas Conversas de Alpendre.
A FECHAR Imperdível
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A FECHAR Fora do papel
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