Os bastidores das manhãs mais ouvidas de Portugal
JOANA RIBEIRO
N.º34v| Inverno 2020 Trimestral | 4,90€ N.º33 | Verão 2019 www.revistarua.pt Trimestral | 4,90€ www.revistarua.pt
VASCO PALMEIRIM
“Levo a mal quando me dizem que isto nem trabalho é”
PEDRO RIBEIRO
“Os ouvintes fazem o programa”
NUNO MARKL
“A pior parte é mesmo acordar às horas a que acordo”
“Nunca pensei ter a oportunidade de fazer o que tenho feito”
CARLOS DO CARMO
“Sou da opinião de que tudo tem um tempo”
WANDSON LISBOA
“O meu chão vai ser sempre o Maranhão”
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DE OLHOS POSTOS EM... Wandson Lisboa
HISTÓRIAS The Red Wolf
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MÚSICA Carlos do Carmo
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CINEMA Joana Ribeiro
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VIAGENS Two PinaColadas To Go
CADERNO Título da Reportagem
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SABORES Francisca Van Zeller
EDITORIAL
A utopia
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a Literatura, o londrino Thomas More (1477-1535), um filósofo e homem de leis, falava-nos de Utopia como uma ilha imaginária onde se desenvolvera um modelo social e político perfeito. Na verdade, o significado de utopia no dicionário traz-nos exatamente essa noção: um ideal de justiça e de perfeição inatingível. Ora, na ânsia de 2020, escrevo-vos sobre utopias. Em primeiro lugar, uma sociedade onde haja respeito pelas opiniões divergentes. Já se aperceberam que é possível discordar de uma opinião sem ser necessário desrespeitar a do outro? Já pensaram que a probabilidade de toda a gente pensar da mesma forma é quase nula? Já consideraram que o ser humano, enquanto ser racional e pensante, deveria ter as diferentes opiniões como uma base de desenvolvimento para um futuro melhor? Em 2020, sugiro um exercício: dizer mais “eu discordo, mas respeito a tua opinião”! Utopia? Em segundo lugar, uma sociedade onde uma mulher e um homem tenham as mesmas oportunidades. Não estou a falar de feminismo, estou a falar de igualdade de género. Se um homem e uma mulher têm exatamente a mesma experiência profissional, porque equacionamos valorizar monetariamente de maneira diferente um e outro? Sejamos melhores pela nossa competência, pelo nosso método, pela nossa sabedoria! Utopia? Depois, uma sociedade onde não haja violência. Neste caso específico, violência doméstica. Um cônjuge (homem ou mulher) que bate por ciúme ou maltrata por amor não é inseguro ou apaixonado demais... é uma besta. Não há palavras bonitas para o descrever, há só uma voz que tem de emergir: “Não quero isto para mim!” Para 2020, uma sugestão: amor-próprio. Utopia? Por último, uma sociedade onde a troca de olhares seja mais importante do que a troca de mensagens. Valorizemos o tempo que passamos com quem mais amamos, valorizemos o toque, o sorriso e a presença. Porque amanhã poderá ser tarde demais. Marque o jantar, apareça no café e não adie amizades ou paixões. Que 2020 seja um ano com ares de mudança. Utopia?
Diretora/Editora Andreia Filipa Ferreira Fotografia Nuno Sampaio Direção de arte Carolina Campos | Design Station Ilustração de capa The Red Wolf Textos Maria Inês Neto Filipa Santos Sousa Helena Mendes Pereira Inês Rodrigues
Andreia Filipa Ferreira Diretora
Redação Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga 253 067 323 redacao@revistarua.pt Departamento de Marketing Design Station 911 928 181 comercial@revistarua.pt Impressão Tórculo Comunicación Gráfica, S.A.
Tiragem 5.000 exemplares Periodicidade Trimestral Distribuição Vasp Propriedade Brito&Roby, Lda Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga
Contribuinte 513 669 868 N. DL 405636/16 N. ERC 126 818 Os artigos de opinião são de exclusiva responsabilidade dos seus autores.
RADAR A ter em conta... NA RUA DE... Manhãs da Comercial OPINIÃO Paulo Brandão
©Silvia Martinez
As notĂcias breves, as sugestĂľes de agenda e as conversas imperdĂveis.
©Silvia Martinez
RESTAURANTES
O Atelier Henrique Sá Pessoa Dois anos depois de inaugurar o Atelier Henrique Sá Pessoa, em Marvila (Lisboa), o reconhecido chef com duas estrelas Michelin prepara-se para dar um refresh ao conceito. Este local discreto e exclusivo que serviu (e continuará a servir) de espaço para experimentação gastronómica do chef ganha uma nova vida, onde tudo pode acontecer. De experiências disruptivas a brand experiences, de jantares pop-up a eventos de caráter artísticos, neste Atelier será possível conhecer de perto o chef Henrique Sá Pessoa, num cenário perfeito para momentos gastronómicos surpreendentes e únicos.
JOALHARIA
Chopard, o renascimento de um ícone Contemporânea, refinada e assertiva, a nova coleção Alpine Eagle da Chopard propõe uma reinterpretação do St. Moriz, o primeiro relógio desportivo e elegante criado, em 1980, por Karl-Friedrich Scheufele, agora copresidente da marca genebrina. Alpine Eagle é uma linha de relógios inspirados na sua admiração pelos Alpes, através de modelos que procuram contrariar a tendência absolutista dos relógios redondos, apostando no design desportivo de luxo, em modelos refinados e modernos. A luneta é mais redonda do que a do modelo original de 1980, mantendo os oito parafusos, dispostos em quatro pares e alinhados com os pontos cardeais, enquanto a bracelete é original e inclui um único elo central. Os modelos estão disponíveis em dois tamanhos, nomeadamente 36mm e 41mm, e ambos ostentam o certificado de precisão cronométrica dos relógios Chopard. Os detalhes originais e os acabamentos perfeitos dos novos relógios confirmam a qualidade global da relojoaria suíça.
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BELEZA
8950: a celebração de um ecossistema A 8950 é uma marca portuguesa de cosmética que nasceu com um propósito: criar produtos benéficos para a saúde da pele, cuja produção tem em conta a preservação das plantas recolhidas e a utilização de embalagens livres de plástico. De um modo subtil, mas impressivo, características dos aromas selecionados, a marca procura transportar para o espaço urbano o espírito da Serra do Caldeirão, no nordeste algarvio, e dos rios. A 8950 destaca uma frescura acidulada, numa fusão de aromas, como melissa, rosmaninho, tons quentes, doces de alfarroba e murta, que, emulsionados com aloé vera, glicerina vegetal ou óleo de grainha de uva, originam um sabão líquido, um champô e um creme de corpo. Os produtos são apresentados em frascos de cerâmica de Alcobaça, destacando propriedades simples e únicas.
ENOTURISMO
Quinta da Pacheca vence prémio de Best of Wine Tourism 2020 A Quinta da Pacheca, o complexo enoturístico situado em pleno Douro Vinhateiro, é distinguida com o prémio Best of Wine Tourism 2020, numa competição mundial promovida pela Rede de Capitais de Grandes Vinhedos – Great Wine Capitals Global Network. Os Wine Barrels são a mais recente oferta turística do Douro (e do país), sendo que acabam de ser distinguidos na categoria de Arquitetura e Paisagem, dada a vista deslumbrante sobre os hectares da vinha da quinta. É de recordar que o Best of Wine Tourism já teria atribuído à Quinta da Pacheca três reconhecimentos anteriores, destacando-se na categoria de Alojamento (2015), Experiências Inovadoras em Enoturismo (2016) e de melhor Restaurante Vínico, em 2017.
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Uma boa dose de loucura, ao estilo das Manhãs da Comercial! A ESTAÇÃO DE RÁDIO MAIS OUVIDA DE PORTUGAL. FOI COM ESTA PREMISSA QUE NOS FIZEMOS À ESTRADA, COM A RÁDIO SINTONIZADA NA FREQUÊNCIA 99.2, ATÉ À RUA SAMPAIO E PINA, A CASA DA MEDIA CAPITAL RADIOS. O NOSSO DESTINO? AS MANHÃS DA RÁDIO COMERCIAL! AO LONGO DE QUATRO HORAS DE EMISSÃO, ACOMPANHÁMOS PEDRO RIBEIRO, VASCO PALMEIRIM, NUNO MARKL E ELSA TEIXEIRA EM BUSCA DO SEGREDO DO SUCESSO. SERÁ QUE EXISTE? POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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ão 6h30 de uma manhã de terça-feira que acorda com frio, aquele frio que nos avisa da mudança de estação. A Rua Sampaio e Pina, em Lisboa, está deserta a esta hora, num silêncio que é apenas quebrado pela leve melodia que surge do edifício no número 24. São canções que fogem dos estúdios da Media Capital Radios, que parecem acordar aos pouquinhos. No hall de entrada, enquanto aguardamos os nossos anfitriões da manhã, começam a surgir as primeiras vozes que, ainda sem vigor, procuram o café como um elixir de juventude num ritual de despertar. De minuto a minuto, os burburinhos vão aumentando pelos corredores, dando a impressão de que não falta muito para o ritmo ser outro. Deambulando pelos corredores, também nós procuramos o ritmo certo para nos mostrarmos dignos desta manhã, uma manhã que sabemos que não é aberta a todos, embora sejam muitos os que procuram a sua companhia... em casa, no carro e em todo lado! “São 7h e está a ouvir a Rádio Comercial. Bom dia!”, ouvimos. Está na hora! É no fundo do corredor, num estúdio luminoso e bem equipado, que se desenrolam as manhãs mais ouvidas de Portugal. Lá dentro, está Pedro Ribeiro, Vasco Palmeirim e Elsa Teixeira (que, da produção do programa das manhãs, saltou para o ar em substituição de Vera Fernandes, em licença de maternidade). Enquanto o sinal “no ar” está ativo, aguardamos à porta, descobrindo a sala que antecede o estúdio: a sala de produção. É ali que os telefones tocam, que o tempo é contado e que as indicações são dadas. É neste local que começa a nossa odisseia pelas Manhãs da Comercial e é
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aqui que percebemos que, ao contrário do que possa parecer, há um planeamento muito bem estudado que torna este programa muito mais do que uma simples emissão de rádio. Mas já lá vamos... O sinal “no ar” apaga-se e entramos, beneficiando da hospitalidade dos nossos meninos das Manhãs. Com todo o ar da sua graça, Vasco Palmeirim recebe-nos com a típica pergunta: “Vêm de onde?”. Ao ouvir que vínhamos de Braga, Vasco esboça um sorriso maior: “Linda terra, gosto muito de Braga! Estava frio?!”. Sim, estava, mas Vasco sabia. Afinal de contas, é ele o dono das máximas durante as manhãs! Elsa Teixeira, com o seu jeito doce, dá-nos as boas vindas ao estúdio que, nos últimos meses, também ouve a sua voz todas as manhãs, em direto. Por último, Pedro Ribeiro deixa os comandos da emissão para nos cumprimentar, com uma piada preparada – como não poderia deixar de ser: “Olá! Eu sou o Shawn Mendes, bem-vindos à Rádio Comercial!” Rapidamente, todos voltam aos seus lugares para darem continuidade à emissão, enquanto nós, atentos, ficamos no estúdio, sossegadinhos, para não atrapalhar. Todavia, o sossego não existe nas Manhãs da Comercial! Seja no ar, envolvendo os ouvintes nos seus temas, seja fora do direto, há sempre algo a acontecer. Nós explicamos: enquanto, no seu carro, ouve música ou publicidade, Pedro Ribeiro está atarefado à procura do que virá a seguir. Ouvindo os áudios que chegam de ouvintes via Whatsapp, o alinhamento vai sendo criado, dando azo a algumas risadas dos locutores. E, atenção, a intervenção dos ouvintes no programa das Manhãs é de tal forma constante que chega a ser arrepiante! Há quem comente bem-disposto as temáticas lançadas pela equipa, de frutos secos a viagens, por exemplo, e há quem corrija informações proferidas, ao mais ínfimo pormenor, obrigando até a pesquisas na Wikipédia para certificar se a uva passa é um fruto seco ou não. “Os ouvintes fazem o programa. É maravilhoso!”, afirma Pedro Ribeiro, rindo às gargalhadas com alguns comentários que lhe chegam. “Os ouvintes estão malucos!”, assegura.
“Os ouvintes fazem o programa. É maravilhoso!”, afirma Pedro Ribeiro
RADAR Na rua de...
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Por entre gargalhadas em direto, a surpresa pode ser grande quando dissermos que, fora do ar, os momentos são, na sua grande maioria, de concentração. O tempo é contado ao minuto e, depois da azáfama com os ouvintes, segue-se a calma do planeamento para os momentos seguintes: há blocos publicitários que têm de ser narrados, há blocos de informação que se aproximam. E, por falar nisso, entra Marcos Fernandes para dar voz às notícias. Vindo da redação geral do grupo, que fica algures no meio dos corredores da Media Capital Radios, entra no estúdio da Comercial, com a sua pontualidade quase britânica. “E agora as notícias, com Marcos Fernandes”, diz Pedro Ribeiro. As linhas são lidas com rigor, da mesma forma como Paulo Miranda enuncia os detalhes do trânsito desde a sua pequena cabina localizada na outra ponta das instalações do grupo. São dois elementos que, embora não estejam presentes no estúdio o tempo inteiro, fazem parte do programa das Manhãs. “É um trabalho que nos obriga a muitas horas de pesquisa” Concentrados, ouvindo até novas músicas que, em breve, estarão a passar na Comercial, a equipa das manhãs aguarda Nuno Markl, que chega um pouco mais tarde munido d’O Homem que Mordeu o Cão. Com o seu ar afável e um tanto
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ou quanto atarantado, como cantariam Os Azeitonas, Nuno Markl completa esta equipa de sucesso num programa que, apesar de todo o profissionalismo, deixa espaço para muita “galhofa”. “É muito divertido, sempre! A pior parte é mesmo acordar às horas a que acordo, mas uma vez que chego aqui há qualquer processo cerebral que faz com que isto seja só mesmo divertido. E o facto de os ouvintes agora participarem de uma maneira mais intensa com o Whatsapp é mesmo interessante!”, conta-nos Nuno Markl, que prepara a sua rubrica fora dos estúdios, o que faz com que cada “Cão” seja uma surpresa para toda a equipa. Quanto à “rebaldaria”, Vasco Palmeirim é o primeiro a chegar-se à frente para desmistificar esta ideia: “De vez em quando, dou razão aos ouvintes quando nós, no momento, não temos noção que estamos os quatro a falar ao mesmo tempo. É a tal conversa de café, que muitos ouvintes dizem que o programa é. Na verdade, a analogia é muito engraçada: uma conversa de café onde há um lugar sempre vago para o nosso ouvinte. Nós queremos que o ouvinte faça parte dessa conversa. No entanto, levo a mal quando me dizem que o programa é uma rebaldaria e nem trabalho é. É trabalho, é!”, explica Vasco. “É um trabalho que nos obriga a muitas horas de pesquisa, a acordar muito cedo e, acima de tudo, a acordar rápido! Há trabalhos em que a malta também acorda cedo, mas depois sentam-se à frente de um computador, com o seu café e a sua
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“É muito divertido, sempre! A pior parte é mesmo acordar às horas a que acordo, mas uma vez que chego aqui há qualquer processo cerebral que faz com que isto seja só mesmo divertido”
dose de sono, muito solitários, e pedem para não incomodar. Nós não podemos fazer isso, não podemos estar nessa bolha. Nós temos de abrir logo as janelas porque às 7h da manhã temos a responsabilidade de acordar muita gente. E é complicado porque nós próprios não estamos acordados ainda (risos)”, conta Palmeirim. Mas, afinal, qual é o segredo do sucesso? Em tudo o que tocam, é sucesso garantido! Não estamos a falar de super influencers do digital, nem de rockstars. A equipa das Manhãs da Comercial é líder de audiências, esgota auditórios em poucos dias – como é o caso do Xmas in the Night, no Altice Arena -, e põe os portugueses a cantar as famosas músicas adaptadas pelo Palmeirim. Mas, haverá alguma razão para tanto sucesso? Vasco tira-nos as teimas: “É uma conversa. Nós temos sempre o cuidado de colocar no ar temas que temos a certeza que os nossos ouvintes se vão identificar, temas que não são muito complicados de falar. Já aprendemos que as coisas “mais básicas”, que dizem respeito à vida de todos nós, são temas com os quais os ouvintes se identificam... e querem participar! Acho que uma das coisas boas deste programa é, de facto, a sua simplicidade. Não inventamos demasiado!”, garante. “Nós, protagonistas do programa, temos sempre atenção para que não haja momentos
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“Levo a mal quando me dizem que o programa é uma rebaldaria e nem trabalho é. É trabalho, é!”, explica Vasco Palmeirim
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que afastem demasiado o nosso auditório. Há uma lógica constante de proximidade. Toda a gente se identifica com o que falamos no ar e esse é o “segredo”... se bem que não há aqui segredos nenhuns! Penso que as pessoas gostam tanto do programa porque, simplesmente, se identificam connosco. Já sabem que cada um de nós tem a sua personalidade, a sua forma de estar e a sua piada. Aqui não há mesmo invenções. É tudo muito fácil, rápido – e são quatro horas de emissão que passam num instante!”, assegura Vasco Palmeirim. Explicando ainda que todos os programas são preparados em reunião no dia anterior, onde se discutem temáticas que estão a dar que falar e que poderão fazer sentido trazer para o ar, desde trivialidades que se encontram na internet a informações básicas sobre horóscopos, por exemplo, de modo a ser possível ter um plano de conversa por hora, Vasco descreve o programa das Manhãs numa única expressão: “Tudo pode acontecer!” Já Elsa Teixeira, a “nova” voz das manhãs, tem conquistado a atenção dos ouvintes pela sua honestidade em direto. “Tem sido muito divertido! Eu vim para a Comercial como produtora, um mundo novo após a minha experiência na Cidade FM, mas estava a adorar. De repente, a Vera Fernandes resolve ter um filho e dizem-me “Elsa, vais tu!”. Claro que fui um bocado a medo porque são as Manhãs da Comercial e é uma grande responsabilidade! Mas, depois, sentei-me aqui com eles e, de facto, é um trabalho que nos permite estar na galhofa! Eu sinto-me como se estivesse num jantar de amigos e, muitas vezes, digo coisas que eu diria aos meus amigos – mas digo para milhares de pessoas! (risos) É um defeito meu!”, conta-nos Elsa. “Eu depois penso que não deveria ter dito aquilo, mas eu sou assim. Eu não poderia ser de outra forma, porque estaria a mentir. Acho que temos de lidar bem com isso, temos de rir, rir da vida, rir de nós próprios. É um bom exercício!”, acrescenta. Sem saber ainda o que o futuro lhe reserva, Elsa assume que trabalhar com os “senhores das manhãs” tem sido uma experiência incrível. “Quando eu estava na parte da produção, eles diziam que eu mandava neles e mandava no programa: mentira! (risos) Mas agora que estou no outro lado, percebo que aquelas coisas que me faziam confusão, que me obrigavam a dizer “despachem lá com isso”, é impossível de controlar. Se fosse tudo muito certinho não tinha piada!”, garante. Piada. A base de todo um programa que não é humorístico, mas que põe o país a rir. Das loucuras dos sonhos do Markl às loucuras das músicas do Palmeirim. Das loucuras em forma de piada seca do Pedro às loucuras da vida da Elsa (e da Vera também). Estamos a escrever “loucuras” muitas vezes, não estamos? Não há nenhuma mensagem nas entrelinhas... ou será que há?
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QUIMERA by
Alexandre Farto aka Vhils
A Bordallo Pinheiro apresenta o terceiro lançamento da Coleção WWB, assinada por criadores reconhecidos internacionalmente e composta por CADERNO Título da Reportagem Edições Especiais Numeradas e Limitadas.
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135 exemplares vendidos exclusivamente por subscrição. Diâmetro aproximado da peça: 61 cm.
bordallopinheiro.com
RADAR Opinião
Tão medricas somos POR Paulo Brandão
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á sete anos que não tenho carro. Quase não como carne e no prato pouco peixe rabeia. Diminuí o consumo em geral e as únicas árvores que derrubo estão nos livros que compro e nas estantes que os suportam. Não é que tenha uma consciência plena de como ser melhor ambientalmente. O lixo não o trato lá muito bem, pois a rigorosa separação nem sempre é tão rigorosa quanto gostaria. Gostava muito que o meu país fosse como Utrech, na Holanda. Em frente a minha casa há um liceu. Não vejo um único aluno a chegar de bicicleta. Há mesmo um parque automóvel no interior da escola para professores e funcionários. Como é possível? Em Utrech há mais bicicletas do que carros. Os bebés vão de bicicleta, confortáveis, junto ao peito do pai ou da mãe ou num cesto catita. E lá chove muito e está frio e ninguém pensa nas otites ou nas quedas, pois os seus habitantes são cuidadosos e informados e vivem em comunidade, respeitando o seu espaço e o dos outros. Espreitem a entrada de um prédio habitacional em Utrech e lá estão as bicicletas e os carrinhos de bebé muito bem tratados e alinhados. Não me parece que vá lutar ou queira transformar a minha realidade, pois isso não depende só de mim e eu até queria convencer os amigos e as pessoas que no norte da Europa é que é, que lá faria mais do que faço e que aqui mesmo, no meu Portugal, todos devíamos ser mais cuidadosos e verdadeiros. Em Estocolmo, na Suécia, os jardins têm afixados os horários de rega e os canais placas indicativas da profundidade das águas. Cá seria visto como algo de engraçado e tonto. Bom, o outro conta. Mas nós, portugueses, não vivemos mais em comunidade. Viemos quase todos para o litoral e já não sabemos apanhar os cogumelos comestíveis dos bosques ou onde encontrar espargos. A nossa dieta vem agora embalada em plástico. A nossa linguagem está mais pobre e se dizemos dormidos, cibo ou ponto de pérola ninguém sabe o que é. As casas têm preços inimagináveis e não há solução. As universidades, na sua maioria, são um passatempo para chegar ocupado até aos 30 anos. A violência doméstica é assustadora e a saúde mental uma miragem.
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Hoje dormi pouco. Aceito que a minha higiene do sono está em falta. E que por isso escrevo de mau humor. Este é um texto que nada acrescenta. Estou, digamos, a pensar alto. Vou ler o Ai Weiwei e a sua entrevista ao Expresso e ele diz ser inimigo do Estado. Devíamos todos ser inimigos do Estado pela ação, como ele o é. Devíamos ser inimigos do Estado melhorando a nossa qualidade de vida sem esperar nada do Estado. Em comunidade. E nós e eu e a minha rua somos muito pouco. Podíamos talvez ser mais. Não esperar que o Estado nos compre bicicletas, proíba o plástico, autorize mais e mais zonas verdes ou permita que mãe ou pai fique os três primeiros anos de vida de licença, junto do filho ou filha acabado ou acabada de nascer. Há coisas que levam tanto tempo. Mas as leis, a vergonha, o viver em sociedade, o politicamente correto não quer saber do Ambiente, da Ecologia ou dos Animais. Tão medricas somos. A terra a mingar e nós aqui preocupados com o jantar, as batatas e o bacalhau para o próximo natal. Com gestos verticais e outros raciocínios podemos sempre mudar um pouco: dá para pensar tudo em papel reciclado ou em plástico reformado vindo do fundo dos mares ou vamos continuar a ser medricas?
Sobre o autor Diretor artístico do Theatro Circo.
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DIOGO LAGE A fotografia como exercício criativo diário THE RED WOLF O traço que ilustra uma história CLARA NÃO Risadas de amor-próprio
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CADERNO Título da Reportagem
Os olhares diferentes e as linhas de pensamento Ăşnicas.
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INSTAGRAM Diogo Lage
Diogo Lage, a fotografia como exercício criativo diário NATURAL DE VALPAÇOS, DIOGO LAGE É ARQUITETO DE PROFISSÃO E FOTÓGRAFO NOS TEMPOS LIVRES, UMA OPÇÃO QUE LHE VALEU JÁ PRÉMIOS: FOI O FOTÓGRAFO DO ANO NA 12.ª EDIÇÃO DO CONCURSO IPHONE PHOTOGRAPHY AWARDS (IPPAWARDS) COM A FOTOGRAFIA SEA STRIPES, CAPTADA NA PRAIA DE SANTA RITA, EM TORRES VEDRAS; E VIU A FOTOGRAFIA THE PROUD PEACOCK, CAPTADA NO PALÁCIO DE CRISTAL, NO PORTO, A SER CONSAGRADA COM O PRIMEIRO LUGAR NA CATEGORIA ANIMAIS. POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA @diogolage
ual a sua relação com a fotografia? A fotografia é um exercício criativo diário e constante, uma companhia que me faz explorar e dar sentido a longas caminhadas, prática usual. Nesse exercício, a observação, concentração e histórias vividas nos lugares, fazem parte dessa relação. O elemento humano está muito presente nas suas fotos, não apenas como escala ou ponto de referência, mas complemento composicional da fotografia. As pessoas são a importância que quer dar às fotografias? Há muitas variáveis ao decidir tirar uma foto… Se o tempo está com neblina, o plano de fundo fica com menos ruído. Se o dia está limpo, o plano de fundo ganha uma importância maior… Em ambos os casos, não importa se é pessoa ou animal, o importante é captar uma composição que me agrade, algo por que tenha valido a pena esperar… Caso contrário volto dia após dia, até captar um momento menos vulgar… Durante este processo posso ter a sorte de tirar uma boa foto à porta de casa, sem nunca conseguir um bom momento no plano que tanto estudei e preparei. Essa é a alma e a importância dos meus registos. A arquitetura é um ponto de partida para uma fotografia mais organizada? Está a perguntar se o elemento arquitetónico organiza a fotografia?! Assim entendido, organiza ou pode organizar. Organiza tanto como uma montanha, ou uma árvore… É um elemento que pode contextualizar, cuja geometria ou linearidade pode reforçar ou enquadrar o objeto ou a intenção da chapa – isto porque não fotografo arquitetura. Não é ela o objeto do meu olhar. Se pergunta se o meu conhecimento de arquitetura
HISTÓRIAS Diogo Lage
é ponto de partida para compor a fotografia… não sendo fundamental, pode ajudar. Mas sinto que a minha maior influência são alguns planos da história do cinema, gosto de pensar que as minhas composições refletem o gosto e admiração por alguns temas e pintores que admiro, e que a minha estética é discípula de algumas obras de mestres da fotografia. Depois de ter sido distinguido numa das mais antigas competições de fotografia com recurso a iPhone, o iPhone Photography Awards 2019, com dois prémios, um deles Fotógrafo do Ano, a sua relação com a fotografia vai mudar? A minha relação com a fotografia muda constantemente. Pode explicar como conseguiu as duas fotografias vencedoras? Participei com três fotos, duas com aves e uma com elemento humano... Escolhi as fotos que amigos fotógrafos ficavam surpreendidos por serem tiradas com iPhone. Talvez isso tenha ajudado na minha opção de seleção. Para onde gostaria de levar o seu iPhone? Para qualquer sítio… desde que possa lá estar antes de nascer o sol!
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ILUSTRAÇÃO The Red Wolf
The Red Wolf, o traço que ilustra uma história COM UM TRAÇO DELICADO, AS ILUSTRAÇÕES DA THE RED WOLF SALTAM-NOS À VISTA PELA MISTURA DE SENSAÇÕES: A LEVEZA DOS CABELOS ESVOAÇANTES, A COR QUE REALÇA OS ELEMENTOS, O DETALHE DA COMPOSIÇÃO. NÃO É À TOA QUE, TAMBÉM NÓS, NOS RENDEMOS AO TALENTO DA THE RED WOLF, ENTREGANDO A FILIPE DUARTE O NOSSO BEM MAIS PRECIOSO: A NOSSA CAPA. ESTA É UMA HISTÓRIA DESENHADA, DE ESPÍRITO LIVRE E DELICADEZA ARTÍSTICA. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA The Red Wolf
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ão linhas que traçam o esvoaçar de um cabelo, cores vivas que se fundem numa sinergia cativante e rostos indefinidos que se revelam espelhos de personalidade. A The Red Wolf é uma marca portuguesa de ilustração e design, criada por Filipe Duarte e Joana Campos Silva que, juntos, propõem um conceito inovador de exploração da arte e da criatividade. É a partir da sua casa, situada no Porto, que estas ilustrações são pensadas e criadas. Sentámo-nos à mesa com Filipe e, numa longa conversa, visionamos a sua perspetiva de negócio, as suas ambições, receios e estratégias, na intenção de conhecermos a história que dá vida a uma marca tão inerente e, ao mesmo tempo, curiosa. Filipe é designer gráfico de formação e professor na Escola Artística Soares dos Reis, enquanto que Joana trabalha como especialista em estratégia e desenvolvimento de marcas de moda, assim como na gestão de projetos criativos. Planeando o desejo comum, enquanto casal, de um dia criar um negócio próprio, onde perspetivassem as suas ideias e convicções, lançaram-se na aventura de gerir uma marca. Em 2016, mais concretamente, a 1 de abril, estava no ar a loja online da The Red Wolf, com criações originais, quadros imperdíveis e ilustrações particulares.
Ao longo de quase quatro anos, desenharam histórias e traçaram linhas. Descobriram a rapariga de espírito livre que lhes prendeu a atenção, a mesma que se esconde por detrás de uma máquina fotográfica vintage, que fecha os olhos para sonhar e explora o mundo na sua bicicleta amarela. Também a mulher contemporânea que aguarda sentada na sua vespa vermelha ou que vive a correria da modernidade num cenário da Broadway, em plena década de 70. São traços que avivam a memória e detalhes que relembram histórias que não querem ser esquecidas. Tudo começa com um propósito: decorar a casa. Mas aquilo que parecia ser um projeto apenas pessoal seguiu um outro caminho. Apaixonado pela arte de desenhar em papel, foi no digital que Filipe encontrou o espaço que idealizava para ser livre. “Eu tinha muita curiosidade em experimentar desenhar no digital. Comprei uma caneta própria, descobri alguns softwares ligados ao desenho e comecei a explorar. Rapidamente percebi que desenhar no digital é muito mais prático e permite outras possibilidades”. Sempre abraçado pela arte, Filipe deixa-se inspirar pelos variados estilos de vida, pelas vivências do cosmo feminino, a graciosidade da natureza, a pureza dos animais, os eternos anos 70, o amor pela sua esposa, a relação com os amigos e o inesperado da vida de tudo aquilo que o rodeia. “Quando comecei, não sabia muito bem o que é que iria desenhar. Como gostava muito da figura feminina e da natureza, comecei a desenhar mulheres com árvores no lugar da cabeça. O fator feminino agrada-me, porque acho que a mulher tem sempre um estilo diferente do homem, são mais criativas e delicadas”, partilha Filipe. Curiosamente, essa indefinição concreta de um rosto presente nos seus desenhos acabou por ser uma característica que se revelou determinante para o reconhecimento do seu trabalho. “Uma coisa que descobri é que as pessoas nos compram porque se reveem nas ilustrações, que é algo que eu não fazia a mínima ideia”, conta-nos Filipe, continuando: “A verdade é que eu cheguei a conhecer mulheres que eram completamente iguais às que eu desenhava, porque são ilustrações que não definem nenhum rosto”.
Sempre abraçado pela arte, Filipe deixa-se inspirar pelos variados estilos de vida, pelas vivências do cosmo feminino, a graciosidade da natureza, a pureza dos animais, os eternos anos 70...
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HISTÓRIAS The Red Wolf
Nas ilustrações é percetível a predominância de três cores, assim como detalhes que se repetem em todos os desenhos. O espectro reflete-se em amarelo, vermelho e azul, sendo que a escolha destas tonalidades é propositada, no sentido de se revelarem cores fortes e que possam facilmente ser contrastadas. “Eu queria trabalhar uma ilustração que fosse diferente, mas também não queria nada demasiado artístico, nem algo negativo. Queria uma comunicação positiva, para que as pessoas olhem para os meus desenhos e se sintam bem”. Tirando proveito das técnicas que ditam a vanguarda do mundo digital e favorecendo a matéria-prima que as redes sociais oferecem, conseguiram delinear uma estratégia que rapidamente impulsionou o reconhecimento da marca. A promoção constante impulsionou um interesse pelas ilustrações personalizadas que Filipe criava para determinadas influenciadoras digitais, o que não era, inicialmente, aquilo que projetava fazer. Curiosamente, revelou-se num gosto particular: “Muitos pedidos de ilustrações personalizadas chegam com uma história por detrás. Querem ter um quadro que resista ao tempo, há quem procure oferecer uma ilustração como prenda de casamento ou a alguém que completa 50 anos. Essas histórias dão-me algum peso e responsabilidade e a sensação que tenho é que o meu trabalho está a entrar na casa das pessoas, para quem terá um significado enorme”, refere. Quanto à escolha do nome, esta não foi mero acaso. Joana tinha já em mente um nome que gostaria de um dia atribuir a uma marca sua e esse nome tinha inevitavelmente a palavra wolf, que se traduz num animal do qual Filipe guarda um certo reconhecimento. “Adorava a ideia do lobo, porque
HISTÓRIAS The Red Wolf
faz parte da nossa infância e de muitas estórias. Comecei a pesquisar diversas raças de lobos e descobri uma, a Red Wolf, uma espécie protegida em vias de extinção”, conta-nos Filipe. As ilustrações chegam ao público através da loja online, assim como em alguns pontos de venda. Através da criação de ilustrações que acrescentem ainda mais valor à marca, assim como a continuidade de trabalhos personalizados, Filipe e Joana assumem a missão de diferenciar a marca, sem perder o prazer pela mesma. Cada desenho é um ponto de partida para uma história que quer ser contada e esta ainda tem muitos traços pela frente.
ARTE URBANA Bordalo II
Bordalo II, o artivista que dá nova vida ao desperdício INTITULA-SE “ARTIVISTA” E ESPANTA OS OLHARES NACIONAIS E INTERNACIONAIS COM A SUA ARTE FEITA DE LIXO, UM LIXO QUE A SOCIEDADE TENDE A IGNORAR. PARA ELE, USANDO O LIXO COMO UMA MENSAGEM DIRETA DE QUE É PRECISO MUDAR O MUNDO, A NATUREZA E OS ANIMAIS SÃO VEÍCULO PARA UMA ARTE DIFÍCIL DE EXPLICAR, MAS INCRÍVEL DE VER. ARTUR BORDALO É BORDALO II E ESTES SÃO OS SEUS BIG TRASH ANIMALS. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Bordalo II
Quais são as raízes do Artur, mais conhecido como Bordalo II? De onde surge este interesse e paixão pelas artes? Passei grande parte da minha infância a descobrir a arte através do meu avô, o pintor Real Bordalo. Além do trabalho de aguarelas mais conhecido dele, também tinha séries de trabalhos menos conhecidos, onde temáticas surrealistas e dramáticas foram exploradas, tocando em pontos preocupantes, tal como faço no meu trabalho. Em 2007 entrei na faculdade de Belas Artes em Lisboa, mas fui expulso e nunca concluí o curso. Os três anos em que frequentei as Belas Artes permitiram-me descobrir a escultura e a experimentação com diversos materiais, o que acabou por me distanciar do meu objetivo inicial que era a pintura. Os seus Big Trash Animals invadem muros, prédios, túneis, carros… Qual é a grande mensagem que quer partilhar através deste seu trabalho? Com o meu trabalho, a ideia passa por representar uma imagem da natureza, neste caso os animais, construída com aquilo que os destrói — o lixo, a poluição, o desperdício e a
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contaminação. Os animais são a forma direta de retratar a Natureza, pois têm expressões, movimento, sentimentos e agem de uma forma que nos pode sensibilizar. Assim, são o melhor meio para pintar e modelar, quando se pretendem abordar questões ambientais. Para mim, é fulcral ter uma palavra a dizer, tocar em pontos sensíveis e relevantes, fazer parte da consciencialização e, desta forma, fazer parte da mudança do mundo para algo melhor. É um desperdício trabalhar num espaço com visibilidade e não ter nada relevante para dizer. Há um alerta de “atenção ao desperdício” em todos os seus trabalhos. No lixo que a nossa sociedade tende a ignorar, o Bordalo II vê uma obra de arte à espera de nascer? Qual é o seu ponto de partida para uma obra? É um processo muito livre, freestyle. Obtenho os materiais, corto-os em pedaços e, utilizando uma imagem ou esboço de referência, componho a peça até a transformar no que pretendo. Geralmente represento espécies autóctones em perigo ou em extinção, mas muitas vezes apelam a um problema global.
HISTÓRIAS Bordalo II
Falando propriamente da arte em si, o Bordalo II reutiliza lixo para dar forma aos animais, pintando-os e expondo-os já em várias cidades do mundo. Consegue indicar-nos alguns dos trabalhos que lhe tenham dado um especial gosto em realizar? A minha peça preferida é a Gift for Mother Nature, peça feita há uns anos. Não é um animal, mas foi feita com um contentor do lixo e todo o lixo que estava à volta, pela altura do Natal. Uma que foi particularmente desafiante foi a Pelican, que foi montada num barco abandonado ao largo de Aruba. Houve momentos que parecia impossível conseguir terminar. Os seus trabalhos trazem ao de cima a sua veia de pintor, escultor, graffiter… O Bordalo II é tudo isto ou já encontrou uma melhor palavra para se definir? Artivista! A nossa última pergunta tem a ver com uma questão que, em Portugal, parece ser considerada normal. O nome Bordalo II saltou para a ribalta em Portugal muito depois de, internacionalmente, as suas obras serem aplaudidas. Considera isto falta de valorização? Ou falta de conhecimento pelo seu trabalho? Sim, é verdade, não quero desvalorizar o público português por isso, mas talvez alguns media internacionais tenham estado mais atentos e assim a divulgação internacional foi mais imediata.
Pelican
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DESENHO Clara Não
Clara Não, risadas de amor-próprio CLARA SILVA, MAIS CONHECIDA COMO CLARA NÃO, É UMA JOVEM ILUSTRADORA QUE PROMETE TRANSFORMAR OS PROBLEMAS EM RISADAS DE AMOR-PRÓPRIO. COM DESENHOS COM ALGUM TOM HUMORÍSTICO, MAS SÉRIO, CLARA VAI FALANDO DAS TEMÁTICAS QUE NOS OCUPAM O QUOTIDIANO, SOBRETUDO NA VIDA DAS MULHERES. FEMINISMO, JUSTIÇA SOCIAL, IGUALDADE DE GÉNERO SÃO ALGUMAS DAS PRINCIPAIS TEMÁTICAS ABORDADAS, SEM ESQUECER OS DESABAFOS SOBRE AS RELAÇÕES AMOROSAS. COM UM PERCURSO EM EXPANSÃO, CLARA NÃO ASSINOU RECENTEMENTE O LIVRO MIGA, ESQUECE LÁ ISSO!, DISPONÍVEL NAS LIVRARIAS DE TODO O PAÍS. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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CADERNO Título da Reportagem
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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omo se apresentaria? Sou ilustradora, escrevo umas coisas e estou inscrita no ginásio... mas só estou inscrita (risos)
Como é que escolhe este percurso? Foi acontecendo. Eu, quando era mais nova, achava que ia ser professora de português. Depois, quis ser pediatra. Na altura de escolher realmente, fiquei indecisa porque também gostava muito de artes. Um dia, o meu Diretor de Turma, que era também o professor de Educação Visual, disse que eu podia ser designer. Lembro-me de ter perguntado: “O que é isso?” e ele me ter respondido que era basicamente fazer logótipos, como o da Coca-Cola. Na altura, os meus pais não me queriam deixar ir para um curso de Artes. No entanto, acabei por ir, mas só decidi duas semanas antes porque, até lá, sempre pensei deixar as artes para um hobby. Fui então para o curso de Design e achava que ia ser designer de interiores ou designer gráfica. Na FBAUP comecei a fazer Design de Comunicação, que é muito abrangente, e depois comecei a fugir para as Artes Plásticas, como cerâmica, técnicas de impressão, têxteis... agora isso vê-se tudo no meu trabalho. Como surgiu então este projeto Clara Não? Quando saí da faculdade, comecei a perceber que gostava mais de ilustração e queria fazer daquilo alguma coisa – não necessariamente que fosse um emprego, porque eu achava que isso era muito irrealista na altura. Decidi então criar um nome, para fazer uma página de Facebook, que era o mais importante em 2015 (risos). Fiz uma lista de nomes para trocar o
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meu apelido porque se pesquisarmos “Clara Silva” aparecem imensas. Fiz então uma lista e comecei a cortar as opções que não gostava, dizendo “Não, não, não”... No fim, pensei: “Não!”. No início era mais pela brincadeira semântica de poder dizer “Clara não gosta, Clara não vai...”. O meu trabalho não era tão reivindicativo nessa altura. Acho que com o tempo fui ganhando mais coragem para falar das coisas. Que tipo de mensagens pretende transmitir com este trabalho? Importa-me explorar o dia a dia das pessoas. Trabalhar coisas que realmente nos digam algo. Que esse “algo” seja comum a uma comunidade. Especialmente focando-me no feminismo e no amor-próprio. E mesmo no direito ao sentimento porque eu noto que as pessoas pensam que não podem estar tristes, que não podem estar nervosas ou ansiosas. Essas questões são importantes.
“Quem tem medo do feminismo é porque está com o ego ferido”
HISTÓRIAS Clara Não
“O que o feminismo quer fazer é pegar na mulher e pô-la no mesmo lugar que o homem. Nem mais para cima, nem mais para baixo!”
Considera que estas temáticas tão quotidianas são a razão da sua proximidade com o público? Eu pretendo dar voz às pessoas. Às vezes, há coisas que nós não somos capazes de dizer porque achamos que somos só nós ou porque é tabu – principalmente a nível de sexualidade feminina. O que eu pretendo mesmo é fazer com que as pessoas sintam que não estão sozinhas. Porque eu também achava que estava sozinha até começar a fazer as ilustrações e percebi que realmente não! É nessa lógica que surge o livro Miga, Esquece lá isso!? O Miga (como eu lhe chamo) aparece mesmo como um objeto que as pessoas podem abrir e sorrir. Tem uma espécie de narrativa porque é como se fosse uma cronologia: primeiro, estamos chateadas por causa do ex estúpido; depois, há aquela relação que correu bem, que mesmo apesar de não querermos de volta, dá saudades; depois, há o manifesto de uma mulher independente, que vem após percebermos que não precisamos de alguém para sermos mais do que aquilo que somos. Considera-se uma pessoa feminista? Sim, sem dúvida! Eu acho que o feminismo é necessário para toda a gente porque não funciona só para as mulheres. Para funcionar tem de haver os homens, porque senão estamos a lutar uns contra os outros na mesma. É a única forma de atingirmos uma justiça social. O feminismo não faz mal a ninguém. Quem tem medo do feminismo é porque está com o ego ferido. Ponto! Porque é simplesmente dar oportunidade a
HISTÓRIAS Clara Não
todas as pessoas. Não desvalorizar por causa de género, pela nacionalidade, pelo sítio onde nascemos. Chama-se feminismo – o nome é que às vezes faz confusão às pessoas – porque começou por ser impulsionado pelas mulheres. O que o feminismo quer fazer é pegar na mulher e pô-la no mesmo lugar que o homem. Nem mais para cima, nem mais para baixo! Essa confusão toda que há é porque é muito mais fácil não querer perceber do que investigar realmente o que é. Um dia que eu tenha uma filha, eu quero não ter que lhe explicar porque é que ela tem de fazer coisas diferentes ou ser coisas diferentes por ser mulher. Quantas vezes eu ouvi “Ó menina, fecha as pernas!”, “Ai não vás com uma saia tão curta”, “Não podes sair assim na rua às 3h da manhã!”. Porquê? Porque automaticamente, a maneira como a mulher se apresenta vai dizer a maneira como ela é e temos de lidar com a pureza. Isso vem sempre ao de cima, mesmo entre as mulheres. Somos capazes de preferir um médico a uma médica. Claro que não estou a dizer para escolher obrigatoriamente a mulher. O que eu acho é que, numa situação em que um homem e uma mulher estejam na mesma posição de emprego e de estatuto, não se deve desvalorizar a mulher. Devem ganhar o mesmo e devem ter as mesmas oportunidades! Felizmente, isso está a alterar-se. A Clara tinha o sonho de ter um livro e realizou-o. E agora, que sonhos faltam cumprir-se? Quero fazer mais livros, continuar a desenhar e esperar que um dia o meu trabalho não seja preciso porque já estará tudo bem!
SOCIEDADE Opinião
Discurso político e realidade ilusória POR Nuno Roby Amorim
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oi um ano em cheio. Três escrutínios sucessivos transformaram o país numa enorme plataforma de discussão política. Televisões, rádios e jornais amplificaram uma realidade utilizada nas redes sociais sobre o discurso como algo que sustenta e ao mesmo tempo é sustentado pela ideologia de um grupo ou de uma instituição social. O chamado discurso político é, no sentido restrito, uma forma de argumentação pela qual um falante (individual ou colectivo) tem como objectivo final a obtenção do poder. Através desta definição, tendemos a fazer do discurso político um discurso de poder. Esta forma de conceber a realidade pode ser explicada pela importância da palavra no acesso ao poder. É realmente difícil imaginar uma luta política sem o discurso político. Mas, de um ponto de vista mais amplo, o discurso político pode ser simplesmente interpretado como um discurso público sobre a coisa pública. Neste sentido, qualquer forma de expressão que aborde o modo de gestão de instituições públicas, personalidades políticas, os vários poderes do Estado enfim, de questões de interesse público da sociedade é um discurso político. É, portanto, um discurso que atesta a preocupação do homem em relação à administração do bem comum. Presentemente, de uma forma muito pragmática, alguns pensadores contemporâneos vêem o discurso político como um “discurso de influência produzido num mundo social” e cujo objectivo é “agir sobre o outro para fazê-lo agir, para fazê-lo pensar, para fazê-lo acreditar”. O discurso aparece então como um local de disputa, de combate entre os cidadãos e o Estado, entre as forças políticas, entre o Estado e as forças políticas. É através dele que os cidadãos tentam definir e redefinir a realidade social e política.
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Sabemos que o discurso político é um género muito antigo que surgiu, no Mundo ocidental, na Grécia clássica e que se desenvolveu em Roma com Cícero, numa época em que o discurso público se transformou num instrumento de deliberação e persuasão jurídica e política. Mas, como género, o discurso político não oferece uma estrutura de construção específica; apenas a sua ligação à realidade, à sociedade que lhe permite que seja levado em consideração como tal. Contrariamente àquilo que todos acreditamos, a espontaneidade não preside à implantação do discurso político. O segredo da retórica pública actual é baseado em percepções colectivas, clichés, lugares comuns, símbolos e estratégias de captura com o intuito de criar cumplicidade com os interlocutores, ou seja, com o objectivo de aproximar as ideias que possamos ter em comum com as dos seus autores. Se é muito difícil fazer, quase impossível, a inventariação de todas as características do discurso político actual, não devemos esquecer os seus dois grandes traços que fazem com que tenha êxito nos media e no eleitorado; em primeiro lugar a sua intrínseca teatralidade, ou seja, transformar as ideias numa encenação com vista a um espectáculo e por último o carácter místico do discurso que pretende transformar a realidade num mundo de ilusões. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Consultor de comunicação.
HISTÓRIAS Opinião
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JOANA RIBEIRO
As voltas que a vida dรก IVO CANELAS O preรงo dos sonhos CARLOS DO CARMO O tempo que passa demasiado depressa
Os talentos sublimes, os elogios Ă arte e as surpresas culturais.
CINEMA Joana Ribeiro
Joana Ribeiro e as voltas que a vida dá QUIS SER ASTRONAUTA, INGRESSOU NUM CURSO DE ARQUITETURA E DEIXOU-SE LEVAR PELO BICHINHO QUE LHE DIZIA, TIMIDAMENTE, PARA EXPERIMENTAR SER ATRIZ. HOJE, COM 27 ANOS, JOANA RIBEIRO É UM NOME QUE É SINÓNIMO DE TALENTO, UMA ATRIZ QUE BRILHA EM NOVELAS, SÉRIES E FILMES DE REALIZADORES CONSAGRADOS. NUM DIA DE CHUVA, SENTÁMO-NOS À CONVERSA COM A ATRIZ PORTUGUESA QUE, APESAR DE ABRAÇAR PRODUÇÕES INTERNACIONAIS DE RELEVÂNCIA, CONTINUA A QUERER TER PÉ (E CORAÇÃO) EM PORTUGAL. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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ostaríamos de começar esta entrevista com um elogio: aos 27 anos, a Joana é uma atriz com um currículo invejável, é presença frequente nas novelas dos canais televisivos nacionais, faz séries e outras participações em projetos internacionais. Uau! No entanto, este percurso não foi a sua primeira escolha, correto? É verdade que quis ser astronauta? (risos) Astronauta foi a primeira profissão que eu me lembro de querer ter quando era mais nova. A questão de descobrir novos planetas, de estar perto das estrelas, não sei... tinha um romantismo associado! Na verdade, eu cheguei a estudar Arquitetura, aliás, ainda gosto muito de Arquitetura e Design. O meu pai é engenheiro civil, então, para mim, pareceu-me natural esse percurso. Contudo, quando estava no curso de Arquitetura, na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, senti que não era ali o meu lugar. É um curso muito exigente a nível de horas e trabalhos. Fiz muitas diretas a fazer trabalhos! Acho que, como em tudo na vida, a Arquitetura é uma área em que realmente se tem de gostar ou torna-se complicado. Na altura, o meu pai sugeriu que eu experimentasse outra coisa. Lembro-me de os meus pais me dizerem para eu fazer cursos de teatro, mas eu dizia sempre que não porque, na minha ignorância, pensava que em Portugal só se faziam novelas e, se eu quisesse mesmo ser atriz, não poderia ser em Portugal. Eu era um bocado snob em relação à televisão, erradamente! Fui sempre adiando, mas de repente surgiu uma hipótese de fazer um workshop em Nova Iorque, numa escola de cinema, e foi lá que percebi que queria muito experimentar. Foi muito positivo porque vários professores me disseram que eu devia investir nesse percurso e, então, decidi tentar para ver
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no que dava. Voltei a Portugal e comecei a procurar escolas em Inglaterra, na Escócia, em França, nos EUA, comecei a enviar cartas para me inscrever e, um dia, o meu pai fala-me sobre um casting para uma novela e incentiva-me a ir. Eu pensei “porque não?” e arrisquei. Foram várias fases de casting, eu fui passando, até que houve um casting que era uma conversa com a diretora de atores, Lais Corrêa, e aí percebi que a minha ideia sobre a televisão era estúpida. Fiquei com vontade de trabalhar com ela e com os outros atores e pensei: “Se a vida me está a trazer isto logo no meu primeiro casting, tenho mesmo de experimentar”. O pior que podia acontecer era eu não gostar, mas aí voltava para a Arquitetura ou ia estudar para fora. Mas lá fiquei com o papel e foi aí que começou tudo, na novela Dancin’ Days. Nesse primeiro papel, teve logo a companhia de dois pesos pesados da representação nacional, a Soraia Chaves e a Joana Santos. Foi um grande apoio? Começar logo com elas? Sim, não só com elas, mas também com a Victória Guerra. Eu tive muita sorte com as pessoas que conheci no meu primeiro projeto. Foram as pessoas para quem eu olhei e me serviram de exemplo. Se tivessem sido outras pessoas, podia ter corrido muito mal! (risos) Sinto que elas foram as minhas “madrinhas” e muitos dos conselhos que ainda hoje eu tento seguir foram-me dados por elas. O facto de ter algum cuidado com a minha vida privada, a escolha de papéis, a forma como encaro a profissão foram coisas que me foram ensinadas por elas. Elas são excelentes atrizes e pessoas incríveis! Sei que o facto de eu ter a ideia que tenho desta profissão e ter este método de trabalho deve-se muito a elas.
CULTURA & ARTE Joana Ribeiro
Falou-nos da exigência de ser atriz e da necessidade de existir uma separação entre vida pessoal e profissional. É difícil para si fazer essa separação? Não, eu sempre fui muito cuidadosa com a minha vida privada. Naturalmente, há pessoas que gostam de partilhar mais – e respeito essa opção -, mas acho que temos de ser fiéis a nós próprios: eu não vou partilhar o meu dia numa rede social se isso não é uma coisa com a qual me identifique. Simplesmente não é o caminho que quero seguir. Hoje em dia, o conceito de celebridade é um bocado perigoso... as pessoas já não vão ver filmes pelo trabalho do ator, mas sim porque o acham simpático ou por outros motivos. Eu não vou contratar um advogado porque ele é muito simpático! (risos) Se eu precisar de um advogado, quero contratar o melhor advogado possível. Ser ator não deixa de ser um trabalho. Claro que é muito bonito estarmos na casa das pessoas todos os dias ou nas salas de cinema, mas ao mesmo tempo eu não quero que as pessoas queiram ver o que eu faço por eu ser muito simpática. Quero que se esqueçam que eu sou a Joana e que acreditem nas minhas personagens! Só consigo fazer isso se as pessoas não me conhecerem pessoalmente. É uma linha muito perigosa porque basta errar em alguma coisa para a pessoa ser erradicada do meio. Principalmente nos dias de hoje, é preciso ter muito cuidado com o que se faz e o que se diz, porque um passo em falso pode terminar uma carreira. A Joana está envolvida no meio da representação nacional e, nos últimos anos, temos visto produções portuguesas
“Estou muito contente e muito agradecida! Nunca pensei que ia ter a oportunidade de fazer o que tenho feito”
com um nível de qualidade muito bom. Já ganhamos prémios, inclusive. Como vê a atualidade da produção nacional, principalmente no que diz respeito a novelas e séries? Estamos num bom caminho? Penso que sim. Há alguns aspetos que considero que temos de mudar, principalmente a nível de trabalho nas novelas porque realmente são muitas horas, muitas cenas por dia e o grau de exigência é muito alto. Por vezes, torna-se difícil conjugar outros projetos. Felizmente, no meu caso, sempre me deram oportunidade para conjugar o meu trabalho com outros projetos – internacionais, por exemplo -, mas há atores que gravam seis dias por semana, 12 horas por dia e têm que dizer que não a projetos interessantes. Acho que as pessoas não têm noção da exigência que é fazer uma novela: chegamos a fazer 30 cenas por dia, muitas vezes temos de fazer as cenas à primeira para cumprirmos timings, temos de decorar muito texto... a energia que é gasta é enorme! Mas acho que estamos num caminho interessante e temos vindo a descobrir o nosso lugar na ficção. Tal como Pedro Almodóvar é a imagem do cinema espanhol, acho que es-
tamos numa fase em que devemos perceber que tipo de filmes devemos fazer. Por exemplo, em Portugal há muito cinema de autor, que percorre festivais, e há também cinema comercial. É importante também haver outro tipo de cinema que possa ser comercial e, ao mesmo tempo, tenha características do cinema de autor. Cada vez mais temos feito isso e são raros os anos em que não temos um filme em festivais internacionais a ganhar prémios, com atores a serem reconhecidos. Acho que é uma boa altura para a profissão em Portugal! Há cada vez mais orgulho em ser português e o exemplo disso é o filme Variações, que levou 200 mil espetadores ao cinema. É um marco gigante! Já a nível de séries, no ano passado tivemos projetos incríveis, como Três Mulheres. Temos tudo para continuar a fazer coisas do género e a descobrir o nosso lugar. Depois, iniciativas como o Passaporte têm ajudado imenso os atores portugueses a trabalharem lá fora. Acho que é tudo um ciclo. Penso que se um de nós sair para um projeto internacional é bom para todos, não tem de haver competição. Há lugar para todos! Cada um tem o seu caminho e não há percursos melhores do que outros... há só percursos diferentes. E isso também é importante.
A verdade é que a Joana já teve oportunidade de fazer projetos lá fora. Como se sente em relação a isso? Estou muito contente e muito agradecida! Nunca pensei que ia ter a oportunidade de fazer o que tenho feito. Tudo começou no dia em que o Paulo Branco anunciou que ia produzir o filme do Terry Gilliam, que estava há mais de 20 anos para ser feito. De repente, eu fiquei com o filme e isso
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“O facto de fazermos os filmes que temos feito, com pouco dinheiro e apoios, é admirável!”
abriu-me imensas portas. Tudo começou com Portugal, foi tudo por Portugal e eu fico muito contente com isso. Através do Passaporte conheci um diretor de casting que apostou em mim para a série da Amazon e agora para este filme do Antoine Fuqua (Infinite). Consegui um agente em Inglaterra graças ao filme do Terry... As coisas encaminham-se todas, vêm umas atrás das outras... comigo tem sido assim e sinto que tenho crescido muito enquanto mulher e profissional da área. Contudo, eu quero continuar a apostar na minha carreira nacional, não vejo a carreira internacional como sendo algo melhor. Isso é uma ideia errada. O objetivo de um ator nunca deveria ser ir para fora. O meu objetivo enquanto atriz é trabalhar lá fora, mas também fazer com que a profissão em Portugal cresça. Se me surgir um projeto melhor em Portugal, ótimo! Eu quero trabalhar, envolver-me em projetos em que acredito e me deixem orgulhosa, projetos onde eu possa aprender com profissionais. No fundo, isso é que importa. Claro que também é importante, a nível financeiro, os projetos terem sucesso (risos) Mas todo o processo, que é incrível, é que é importante. Quando eu pensar nos projetos na lógica de benefício, no que aquilo que me vai trazer a seguir, acho que não vou dar tanto valor. Depois destas experiências internacionais, com produções em grande escala, dá mais valor ao trabalho que se faz cá em Portugal? Acha que conseguimos fazer algo bom com pouco tempo e dinheiro? Sim, eu acho que sim – aliás, é esse o nosso problema, é mostrarmos que somos capazes de fazer bem com pouco (risos). Mas sim, dou muito valor. Nas produções internacionais, confesso que fico em choque! Nós atores só temos de nos preocupar com chegar ao set, fazer o nosso trabalho e ir embora. Mais nada! Em Portugal, as equipas são mais pequenas, há menos dinheiro e, por isso, acabamos todos por nos envolver muito mais no processo. Estamos dispostos a tudo! São formas diferentes de trabalhar, de abordar o meio. Mas dou muito valor àquilo que fazemos cá. O facto de fazermos os filmes que temos feito, com pouco dinheiro e apoios, é admirável! A Joana esteve presente na iniciativa do Ymotion – Festival de Cinema Jovem de Famalicão. Como vê esta aposta no cinema jovem? É uma ótima iniciativa! O Ymotion aguça a curiosidade so-
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bre cinema português, dá vontade de ver novos realizadores portugueses e mostra que há pessoas novas a acreditarem que há possibilidade de fazer algo, de construir carreira na área. Isso é muito importante porque, às vezes, temos a ideia de que é impossível ser-se realizador ou ator em Portugal. Não é impossível. Faz-se! Infelizmente, vivemos num país em que as pessoas não vão ao cinema, não temos uma bilheteira enorme, mas creio que isso é um trabalho que temos de iniciar... e tudo começa nas escolas, na educação, no tornar normal ouvir português no cinema. Temos de aprender a gostar de nós próprios. Eu tenho amigos que se recusam a ver cinema português e isso tem a ver com a falta de hábito! Eu contra mim falo: eu comecei a ver cinema português quando comecei a trabalhar na área. Há muita gente como eu, que não teve esse hábito desde criança. Mas depois vejo um filme como Vale Abraão, de Manoel de Oliveira, e fico espantada! A Leonor Silveira é uma atriz maravilhosa! Nesta fase, ainda tão jovem, já se fazem planos para o futuro? Quiçá um percurso na realização? Gostaria de experimentar, um dia. Interessa-me bastante e gosto de saber os planos, gosto muito de reparar nas várias linguagens dos realizadores. Por exemplo, eu quando era mais
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nova ia ao cinema porque gostava do trabalho de um ator. Hoje em dia, vou por gostar dos realizadores. O trabalho dos realizadores é incrível! Mas acho que eu não tenho o que é preciso para o ser. Gosto muito do papel de ator, porque nos moldamos a cada realizador. Somos maleáveis! O trabalho de realizador é uma responsabilidade muito grande que eu não sei se algum dia vou estar preparada para a ter. A nível de futuro, confesso que não gosto muito de pensar nele... A vida dá muitas voltas! Por exemplo, eu sempre quis estudar e nunca aconteceu ter tempo para estudar três anos como queria. As coisas acontecem quando menos esperamos, por isso, mais vale não fazer planos. Eu quero continuar a trabalhar, principalmente com pessoas que me inspirem. Há imensos realizadores com quem gostava de trabalhar, imensos atores com quem ainda não contracenei, muitos projetos que gostava de fazer em Portugal... Eu trabalho há sete anos e sinto que já fiz muita coisa, mas também há muita coisa que não fiz! (risos) É surreal! Nesta profissão, há muita coisa para fazer, muitas pessoas novas a surgir. É muito entusiasmante! Penso que é uma altura muito entusiasmante para trabalhar nesta área. Há muita coisa a acontecer!
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REPRESENTAÇÃO Ivo Canelas
Ivo Canelas e o preço dos sonhos FOI ENTRE MUITAS COISAS MARAVILHOSAS QUE CONHECEMOS IVO CANELAS, UM ETERNO FURA-VIDAS QUE CONTINUA EM BUSCA DE UM SONHO, AQUELE SONHO IMPOSSÍVEL DE LARGAR. À PROCURA DE UM LUGAR NO PANORAMA DA REPRESENTAÇÃO INTERNACIONAL, MAS AGRADECENDO TODO O CARINHO QUE PORTUGAL LHE TEM DADO, IVO CANELAS FALOU-NOS SOBRE ACREDITAR NAS POSSIBILIDADES QUE A VIDA NOS RESERVA. PORQUE HÁ SEMPRE SURPRESAS FASCINANTES... POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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e lhe perguntarmos como é que toda esta aventura pela representação começou, o que nos responde? (risos) Às vezes penso nisso e não sei muito bem responder. Na minha família nunca houve nada assim muito artístico. Os meus pais são da área das ciências. No entanto, o meu pai sempre gostou muito de filmes e quando apareceram os videoclubes havia sempre muitos filmes lá em casa... se calhar, isso foi importante. Depois, havia uma televisão, com RTP1 e RTP2, mais dinâmica do ponto de vista cultural, que nos apresentava uma série de coisas muito interessantes e em muito tenra idade. O meu feitio é mais solitário, mais ligado à imaginação e, por isso, vesti a representação com alguma facilidade. Percebi, ao ver documentários de Lee Strasberg, que aquilo era trabalhável, que era uma profissão. Interessou-me esse lado mais cirúrgico do género “como faço para estar triste?”. Eu gosto muito desta ideia da verdade e da mentira, ou seja, gosto muito de sentir que o meu corpo está a acreditar e a construir algo de maneira a que eu próprio acredite e, mais forte do que isso, quem vê consiga acreditar também.
estarmos constantemente a refrescarmo-nos, porque as coisas mudam muito rápido. No caso de ser ator, como aquilo que eu faço é à frente de muita gente e é tudo semelhante à realidade (em princípio), o meu instrumento sou eu próprio. Tenho um amigo que é músico e antes dos concertos ele põe-se a ouvir thrash metal e speed metal para chegar a um zero qualquer. Eu acho que o zero é muito importante para um ator. Um sítio qualquer vazio, mesmo que muito desinteressante. É como aqueles relógios de sala antigos, que se tirarmos o pêndulo, fica apenas uma caixa. Acho que um ator tem de ter esse lado de ser apenas uma caixa e estar disponível para retirar mecanismos e colocar outros. António Damásio dizia que a consciência é uma coisa extraordinária, ela revolta-nos, mas nós podemos sempre pintá-la, ajeitá-la e surpreendê-la. Portanto, acho que há todo um trabalho que passa por observação constante, acho que é um trabalho de zero, de limpeza, de tirarmos coisas do caminho para podermos ver melhor os outros. É essencial essa disponibilidade. O mundo digital é tramado, porque nos suga para uma realidade que nos faz perder a vida toda à volta.
O Ivo estudou no Conservatório, depois foi para Nova Iorque, mas continuou sempre a autocultivar-se como ator, em workshops ou outros projetos. O que é que o Ivo faz para se autocultivar nesta fase, enquanto ator? Eu acho que não só como ator, mas em qualquer profissão, hoje em dia, sentimos uma pressão maior, no sentido de
Em 1999/2000, o Ivo entrava-nos em casa como Joca na séria O Fura-Vidas, uma série que ainda hoje se destaca no seu percurso. Guarda boas memórias desses tempos? Claro que sim. Foi a primeira coisa que fiz em televisão e fi-lo porque era com o Miguel Guilherme. Sempre tive uma relação um bocado dúbia com a televisão: gosto imenso de
“O mundo digital é tramado, porque nos suga para uma realidade que nos faz perder a vida toda à volta”
ver e de fazer, acho que pode ser muito giro, mas os projetos são sempre difíceis de escolher. Escolhi começar por esse e, para começar, nada melhor do que com o Miguel Guilherme! Tenho muitas memórias com o Miguel... de sermos umas rockstars em Chelas e daquilo entrar em contacto com o lado português malandreco, de fura-vidas, de desenrascador, que é importante porque é nosso culturalmente. Foi muito divertido apesar de eu não me ter adaptado muito bem à exposição mediática que aquilo me deu, acho que não estava bem a perceber o que aquilo era e não gostei dessa sensação. Depois, andei um bocadinho a processar isso, fui para Nova Iorque para ganhar distância e para também colmatar as coisas que sentia que não estava a conseguir fazer nessa série. Sentia que andava por lá a fazer umas caretas e aquilo não me estava a passar para um lado que não me doesse o corpo (risos) Porque o meu corpo tem uma curiosidade fixe: quando eu minto, dói-me. Se eu vou para palco e estou a dizer mentiras, chego ao fim do espetáculo e dói-me a cara, dói-me os músculos. A mentira é, para mim, um esforço! Falando um bocado da questão da televisão, que análise faz da televisão portuguesa de hoje? Considera que devia existir mais espaço para séries de carácter humorístico como o Fura-Vidas nos dias de hoje? Estamos num campo tão competitivo, em que o orçamento obriga a fazer o mesmo com menos e, de repente, entre fazer uma série com 40 episódios ou uma novela com 300, dica mais barato fazer a novela. A questão é que agora os canais generalistas já não competem entre si, estão a competir com as Netflix da vida que fazem vida negra às novelas e apresentam um produto de altíssima qualidade. Acho que, para competirem, vão ter de arriscar. Há pouco tempo, fiquei radiante com a série Sara, de Marco Martins. Já se fizeram várias séries boas, mas, a meu ver, esta deu um salto a todos os níveis. Para mim, é uma série de nível internacional! Tecnicamente, temos tudo o que é preciso: temos atores e temos aquilo que todos procuramos, que são argumentos bons. A história de Sara é incrível porque é algo cómico, dramático, pertinente, metafórico, profundo. O Ivo já teve participações em algumas séries internacionais, embora “curtinhas”, como costuma dizer. Ainda continua a querer explorar uma carreira internacional? (risos) Sim, vou tentar até morrer ou até me dizerem que acabou. Eu acho que isso é, um bocadinho, a maravilha e o preço dos sonhos. Quando defines uma coisa que é um sonho, como eu, que tenho o sonho de ser ator e tenho conseguido sê-lo – e que também tenho o sonho de entrar em projetos internacionais e não tenho tido muito sucesso -, insistes sempre. Há muitos anos que tento internacionalmente
CULTURA & ARTE Ivo Canelas
“O meu corpo tem uma curiosidade fixe: quando eu minto, dói-me. Se eu vou para palco e estou a dizer mentiras, chego ao fim do espetáculo e dói-me a cara, dói-me os músculos”
e não tenho conseguido furar. Tenho duas hipóteses: posso não tentar mais, mas sei que não vou deixar de ter esse sonho, portanto o que eu posso fazer é não agir no sentido de tentar – e acho que isso é ainda pior; ou opto por continuar a insistir, porque enquanto insisto, acredito. Estou entretido e excitado e, ao mesmo tempo, estou desesperado e triste. Mas depois consigo reequilibrar as coisas com projetos como o Todas as coisas maravilhosas e vou buscar a autoestima que se calhar perdi em dezenas de castings sem repercussão nenhuma. Percebo, simultaneamente, a sorte que tenho em poder trabalhar aqui, em Portugal. Conheço pessoas, que trabalham no estrangeiro, com talentos absolutamente extraordinários e que não tiverem um milésimo das hipóteses que eu tive. Vivemos num país que é muito pequeno e é maravilhoso por isso, com os seus defeitos e qualidades. Do ponto de vista da indústria, cá competimos entre mil pessoas, por exemplo, enquanto que lá fora… cada vez que entro numa sala de casting eu nem consigo acreditar! Há aqui um fenómeno de sorte muito grande... e os sonhos têm uma característica incrível: não dá para largá-los!
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PINTURA Martinho Dias
Martinho Dias, a arte como motivo de prazer ENTRAMOS NO IMAGINÁRIO FIGURATIVO DE MARTINHO DIAS E DEPARAMO-NOS COM REALIDADES ABSTRATAS, COSTUMES DE UMA SOCIEDADE COSMOPOLITA, CRISES MUNDIAIS QUE ASSOMBRAM A MODERNIDADE E PROVOCAÇÕES QUE SÃO CRITICAMENTE EXPOSTAS NUMA TELA EM BRANCO. HÁ DETALHES DO QUOTIDIANO QUE NOS SALTAM À VISTA, EM OBRAS QUE SUSCITAM UMA INTERESSANTE CRÍTICA POLÍTICA E SOCIAL, COM O PROPÓSITO DE IR MAIS ALÉM QUE AS BORDAS DE UM QUADRO. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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atural da Trofa, onde reside e trabalha atualmente, Martinho Dias é um pintor particular. A complexidade e os diversos recursos do mundo global são os seus princípios. Interessam-lhe os comportamentos humanos, as motivações e consequências das ações que demarcam o quotidiano de uma sociedade contemporânea. No grosso das suas obras, há um desdobramento propositado da realidade, individual e coletiva, a qual Martinho Dias procura reconfigurar no branco das suas telas, de uma forma sugestiva, crítica e intencional. Licenciado em Artes Plásticas, pela Faculdade de Belas Artes, no Porto, Martinho Dias dedicou parte da sua vida a lecionar Artes Visuais e a ilustrar livros de literatura infantojuvenil. Embora fosse algo que lhe dava um vasto prazer, a sua vida profissional seguiu outro caminho: a pintura. Ao som de um dos inúmeros CDs que preenchem a sua sala, sentámo-nos à conversa, na ânsia de entrarmos no seu mundo figurativo e abstrato, que nos transporta para além da própria pintura. A nossa conversa começa com uma viagem ao passado, ao início deste percurso pela arte, com o intuito de conhecermos a razão pela qual há uma década ter deixado de lecionar para se dedicar unicamente à pintura. “A escola ou a sua função ficava quase para segundo plano. Paralelamente, começava a procurar outros trabalhos, fui filtrando as coisas e estava a querer mais a pintura, pelo que começou a ser difícil conciliar as duas coisas”, conta-nos Martinho Dias. Define a sua arte como uma procura de a tornar num motivo de prazer para quem a vê, ao mesmo tempo que esta instiga, revolta ou questiona. Que seja a causa de um comportamento, que incentive as pessoas a pensar sobre o que estão a ver à sua frente e não se deixarem ficar pela observação. Como Martinho Dias refere: “A arte não tem de ser isto, mas eu gosto que seja motivo de prazer para os olhos, porque eles vão comunicar com algo
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“Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos”
do nosso interior”. Ser o ponto de partida para uma conversa é a sua intenção, enquanto artista, assim como lhe interessa sentir que consegue dar alguma autonomia à sua obra, para que ela diga algo e se deixe ser comentada. “A obra não vai sofrer mudança nenhuma, mas se provocar alguma alteração em quem a vê é ótimo. Quer dizer que vai despertar uma pergunta, uma reação, um comentário e significa que foi capaz de fazer alguma coisa, não foi apenas uma peça decorativa e ignorada”, comenta. Quando questionado se a arte poderia ser vista como um veículo para a mudança ou um caminho para que possamos interpretar a realidade de uma outra forma, ao passo que nos impulsiona a favor de uma sociedade proveitosamente mais crítica, Martinho é muito direto: “Não temos de esperar que a arte faça alguma coisa nem que a arte mude o mundo. É um veículo, sim, como muitos outros. Se considerarmos a arte no seu todo, pode levar a questionar e temos imensos exemplos na História em que a arte provocou reações violentas (e continua a provocar). Às vezes, significa dar cinco passos à frente para depois dar dois atrás, mas quer dizer que andamos três passos adiante. A arte pode fazer muitas coisas e pode levar as pessoas a reagir, sem ser obrigada a isso”. No espectro das suas obras, algumas expressam ruído, melodias ou conversas. Há um excesso de movimentação e um paradoxo de coisas a acontecerem em simultâneo, mas que solidificam uma sinergia da qual Martinho caracteriza como
CULTURA & ARTE Martinho Dias
uma “partitura com uma notação convencional”. O que diriam as suas obras, se estas gritassem? “Acho que algumas iam fazer muito barulho, outras iam ter sons agradáveis e melódicos. Iríamos ter uma junção de ruído com melodia e isso é perfeitamente possível, até porque seria demasiado entediante ter tudo excessivamente melodioso”, responde-nos Martinho. A sua obra, conceptual e figurativa, demarca uma certa ironia e propõe uma interessante crítica política, que vai de encontro ao seu interesse por articular padrões coletivos com espontaneidade individual, sem se tornar numa arte retórica nem moralista – que não é o seu propósito. Dentro da normalidade que dita uma rotina, Martinho Dias garante que não procura trabalhar em demasia para tornar as coisas visíveis, mas antes que acrescentem algum reconhecimento à sua obra. “Eu não pinto para ter os quadros encostados à parede, interessa-me pô-los em circulação. Se me perguntarem se estou no sítio certo ou no patamar que queria, se calhar até estou acima do que desejava há uns tempos. Sinto que há uma progressão e vitalidade, que também é importante”, confessa. Experimentar outros estilos e explorar outras formas de arte, como a escultura ou os métodos da instalação, são oportunidades que Martinho acredita que surgirão espontaneamente. No fundo, como nos conta, é tudo uma questão de “conseguirmos ser diferentes no meio de um todo”. Este é o segredo que pinta a sua tela.
TALENTO Rafa López
Rafa López: um andaluz a pensar o mundo POR Helena Mendes Pereira
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a renovação do outono, os ventos do sul, andaluzes, voltam a trazer-nos a pintura de Rafa López (n.1983), artista com o qual a zet gallery mantém colaboração desde 2017. O artista merece-nos redescoberta, sobretudo porque a sua inquietação, vertida em transnarratividade pictórica, nos devolve ao poder da Arte enquanto ponto de chegada e de partida para o pensamento sobre os grandes temas da aflição contemporânea. Rafa López licenciou-se em Belas Artes pela Universidade de Sevilha e possui mestrado na área das técnicas da ilustração pela CEA de Sevilha. Desde 2009 que vence vários prémios de pintura em Espanha e que tem feito um percurso expositivo seletivo no seu contexto nacional e internacional. Rafa López vive (viveu sempre) a poucos quilómetros da magistral Sevilha, cidade com extensa tradição no campo das artes plásticas e visuais e que combina, na sua História e no seu edificado patrimonial, a memória da ocupação muçulmana, da grandiosa Espanha dos Descobrimentos e do Sacro Império Romano-Germânico, com expressão do Renascimento ao Rococó e, ainda, os sinais de uma urbe contemporânea e cosmopolita, também conservadora e, quem sabe, redentora. Tudo isto existe e persiste na visão do mundo de Rafa López, um acumulador de camadas de estórias e de camadas semióticas, verdadeiros palimpsestos que uma paleta viva, dinâmica e densa nos convida a deslindar. São os muros dos lugares de agora, mais do que o de Berlim; é a gamificação da sociedade, mais do que o elogio do Super Mário; é a emergência das bandeiras totalitárias mais do que apenas a russa; são os sonhadores e aventureiros, para além de apenas D. Quixote; e é a subtil observação dos contextos, para lá da constatação dos insólitos. Rafa López é um acumula-
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dor de sinais, de referências, refletindo, através da sua forma de criação de imagens, a velocidade e a hibridez dos dias e a chuva de meteoritos e de cóleras que somos obrigados a enfrentar. Para lá de tudo, da poesia e da sociologia do seu trabalho, observamos o desenho e a pintura, que dominam a sua produção, como campos de ação aberta que se expandem para a instalação em que, por seu turno, desconstrói a imagem e nos revela o seu processo. Em termos de quadro referencial, recupero breve excerto do texto que lhe dediquei a propósito da exposição individual que lhe organizámos, na zet gallery, no termo de 2017: “Nas cores lúcidas e enérgicas de Rafa López, às quais junta um sistema de códigos, de sobreposição e justaposição de conteúdo e narração de uma ideia ou de um conjunto imagético de pensamentos surrealistas, que me recordam vários portugueses, entre os quais Eduardo Batarda (n.1943), eterno representante da pop art sofisticada nacional e Joaquim Rodrigo (1912-1997), no alfabeto simbólico em contorno sobre a mancha de cor. Também Jean-Michel Basquiat (1960-1988) me parece andar por lá e, porque não, as cores e os motivos da azulejaria muçulmana do sul da Península, atribuindo ao autor uma dimensão telúrica, contrastante com a sua condição de século XXI”. Não obstante a coerência de um caminho, o trabalho encarrega-se de evoluir, de se adensar por vezes, depurar noutras. Surpreende-nos e prende-nos, por isso lhe retomamos a análise.
Sobre o autor Chief Curator da zet gallery, em Braga.
CULTURA & ARTE Rafa López
Bandera de Rusia en la lejanía, 2017
Como el hospital, 2017
Berlintramuros Extramuros, 2016
CULTURA & ARTE Rafa López
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MÚSICA Carlos do Carmo
Carlos do Carmo e o tempo que passa demasiado depressa HORAS ANTES DE SUBIR AO PALCO DO THEATRO CIRCO, EM BRAGA, PARA UM DOS TRÊS CONCERTOS QUE O AJUDAVAM A DIZER ADEUS AO PÚBLICO, CONVERSÁMOS COM CARLOS DO CARMO, ALI BEM NO CENTRO DO PALCO, ONDE ELE SEMPRE GOSTOU DE ESTAR. COM A PLATEIA VAZIA, O FADISTA LISBOETA FALOU-NOS DESTE MOMENTO DE DESPEDIDA, SEMPRE COM A SENSAÇÃO DE DEVER CUMPRIDO... E DE MOTIVAÇÃO, PORQUE A VIDA NÃO ACABA AQUI. HÁ TANTOS PLANOS QUE CARLOS DO CARMO QUER REALIZAR! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
ueríamos que esta entrevista fosse uma jornada pelas memórias de uma carreira que já vai longa. E começaríamos exatamente por uma memória que eu tenho: em 2016, tive oportunidade de o entrevistar no Museu do Fado, após ter sido agraciado com o Grammy Latino de Carreira. Nessa altura, escrevi: “Menino e moço, Carlos do Carmo tinha um plano: terminar o seu curso de Hotelaria e Línguas na Suíça e tornar-se um gestor, quiçá, de uma multinacional influente. Mas a vida, que lhe tirou o pai demasiado cedo, tinha outros planos para ele...”. Recordando esta passagem, pergunto: como teria sido a sua vida se se tivesse tornado um gestor/ empresário de uma multinacional de sucesso? Eu, quando vivi e estudei na Suíça, aprendi a profissão com muito rigor. Aprendi a dominar os idiomas, conheci a área da restauração e hotelaria por dentro. Com o feitio que tenho, com este lado de comunicar com as pessoas, creio que seria uma profissão que eu encararia com toda a naturalidade, contudo, eu contrariei o meu pai porque o que eu queria ser realmente era advogado e jurista. Eu acreditava piamente que o advogado é fundamental para a justiça, para ajudar as pessoas a serem defendidas, sobretudo, os que não
“Tive sempre presente uma coisa que quero guardar até ao fim da minha vida, que é a noção de que a glória é vã. Embora eu tenha sido sempre muito bem tratado pelas pessoas em toda a parte”
podem. Mas isso também não aconteceu. A morte do meu pai alterou tudo e o artista surgiu um bocado contranatura. Sendo eu filho de uma das maiores figuras da história do Fado (a minha mãe), era delicado para mim começar a cantar o Fado. Até que houve um dia em que uns amigos meus pediram-me para cantar um fado e eu cantei. Quando terminei houve um deles, que hoje é um juiz jubilado, que me disse: “Tu não imitas a tua mãe!”, assegurando que eu tinha um talento próprio. Comecei a pensar na razão daquilo. Eu tenho sempre a cabeça cheia de música, desde a boa música americana, como o Sinatra, à boa música italiana ou espanhola. Portanto, pouco a pouco e delicadamente fui tentando o meu caminho. Lembro aqui que os primeiros anos foram cantados debaixo da censura, portanto eu era limitado. Até que chega a liberdade e faço um disco. Ao ganharmos a liberdade, eu pude passar a expressar-me de uma forma aberta, dando às pessoas o lado triste e o lado alegre da vida, tal como Ary dos Santos e outros poetas escreveram. O Carlos teve oportunidade de ver a sua mãe cantar. Há alguma coisa que ela lhe ensinou que nunca mais esqueceu? A minha mãe pertencia a uma geração que era muito fe-
chada. O Alfredo Marceneiro já contava tudo e eu aprendi muito com ele. Também lembro outro homem, o Britinho [Frederico de Brito], que foi o autor de “Canoas do Tejo”. Homens sábios, que compunham coisas lindíssimas e gostavam de ensinar os mais novos. Os outros todos e todas que eu conheci fazem-me lembrar aqueles cozinheiros que têm um segredo e não o passam. Contudo, a minha mãe, no fundo, aconselhava-me. Como? Bastava ouvi-la cantar! De alguma forma, o Carlos tentou sempre trazer algo só seu ao Fado. Hoje, é tido como um nome de referência no Fado português. Recordando esses primórdios e olhando para onde está hoje, sente que tudo passou demasiado depressa? Caramba... se passou! Às vezes, vejo pessoas com muita pressa, a chamada pressa inútil. Não é a pressa quando a gente tem um compromisso – e atenção que eu acho que a pontualidade é um sinónimo de respeito pelos outros -, mas aquela pressa, por exemplo, na condução... a gente vai com pressa e no fundo sabe que vai para casa! Essa pressa confunde-me, porque isto é muito rápido. Eu nunca pensei chegar aos 80 anos, sinceramente. A minha mãe morreu aos 70 e poucos, a Amália morreu aos 70 e poucos e outros artistas que eu conheço morreram aos 40 ou 50 anos. Portanto, esta longevidade foi qualquer coisa que me ultrapassou. Contudo, tive sempre presente uma coisa que quero guardar até ao fim da minha vida, que é a noção de que a glória é vã. Embora eu tenha sido sempre muito bem tratado pelas pessoas em toda a parte. Eu percorri o mundo inteiro a cantar, há poucos países onde eu não cantei, e fui sempre muito bem-recebido e bem tratado. Na minha terra, nem se fala! Por exemplo, eu tenho estes três concertos de despedida, Theatro Circo, Coliseu do Porto e Coliseu de Lisboa. Só para terem uma ideia, o Coliseu de Lisboa esgotou em 24 horas! Isto é uma prova de grande afeto! Eu não estou todo vaidoso, mas depois de uma vida, de um percurso, é uma resposta do público muito generosa... e eu sinto que tenho que, até ao fim, fazer tudo o que puder para lhes deixar uma imagem boa, porque a imagem deles para mim é de excelência. O que eu faço não lhes chega para pagar tanto... Mais importante do que qualquer tipo de prémio é o aplauso do público, portanto? O prémio é um complemento. Por exemplo, o grande prémio da minha vida é a minha família! Os outros são prémios que têm a ver com carreira e, no fundo, se pensarmos bem, tudo que havia para ganhar em prémios já me entregaram... São símbolos! E a esse respeito conto-lhe rapidamente uma história, que é a seguinte: O Marcello Mastroianni, que era um grande ator italiano, uma pessoa interessantíssima, morreu com um cancro. O último filme que ele fez foi Viagem ao Princípio do Mundo,
CULTURA & ARTE Carlos do Carmo
“Pelo menos em Lisboa, que não sei nos outros sítios do país, surgem novos fadistas todos os dias, parecem cogumelos!”
de Manoel de Oliveira. Na parte final da vida dele, a mulher estava a fazer-lhe um filme e, num determinado momento, perguntou-lhe: “Olha, tu gostas do que fazes?” É uma pergunta simples. E ele disse: “Gosto, gosto muito. Eu acho que é um privilégio, faço o que gosto, sou aplaudido e reconhecido e ainda me dão prémios por cima”. Eu isto nunca mais me esqueci, é uma lição de humildade de um homem que estava condenado a morrer. Há lições da vida que grandes artistas me deram e que eu não perdi de vista. Sinatra também me ensinou, sem ser pessoalmente: “O palco é a nossa sala de visitas e estamos a receber as pessoas”. Como é que se tem sentido nesta fase, em que realmente está em palco a receber os amigos que vêm para o ver, mas no fundo é uma despedida. De alguma forma isso entristece-o? Não! Seria injusto não me despedir. O público não merecia isso, mas quero mencionar outra coisa: apesar da idade que tenho, eu tenho planos! Não me está a ver sentado de chinelos a ver televisão, pois não?! Não! Eu tenho planos, ideias de coisas para fazer. Eu apenas deixo de fazer concertos, de mais de uma hora, porque os meus próprios “veterinários” [a família] não me deixam... Dizem: “Calma aí, não esgotes o teu
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coração, senão um dia cais para o lado no palco”. Mas gravar um single, ter uma participação com alguém, por exemplo, está tudo bem. Ainda tenho um disco para gravar, que estou quase a acabar. Mas concertos de hora e meia, isso é o que eu encerro com esses três. Pergunta-me se há tristeza nisso... não há... porque eu sou da opinião de que tudo tem um tempo. É bom a gente ir-se embora antes que as pessoas nos mandem ir embora. Tenho essa sensação. E como até hoje não tive provas em contrário, então prefiro despedir-me, amando as pessoas e as pessoas querendo-me bem. Da última vez que conversamos, eu perguntei se o Carlos tinha a noção que, quando a sua voz se calasse, grande parte do Fado se calaria consigo. O Carlos disse-me: “Não, não tenho essa presunção. O cemitério está cheio de insubstituíveis!”. Continua a pensar assim? Rigorosamente! Não se esqueça que temos uma nova geração a cantar o Fado, fora o que vai surgir, todos os dias. Pelo menos em Lisboa, que não sei nos outros sítios do país, surgem novos fadistas todos os dias, parecem cogumelos! Mas há um problema de adaptação, porque os tempos são outros... acho sobretudo, pela minha experiência, que é preciso ser cuidadoso com algum repertório. Por exemplo, uma jovem de 20 anos não pode estar a cantar a amargura como se tivesse 50. Na minha opinião, é preciso as pessoas encararem isto como uma canção que se canta, uma tradição popular, uma tradição oral, mas que tem um leque vasto. Ela é uma canção da vida! E nós, com muito trabalho, conseguimos que ela fosse Património da Humanidade. Esses sete anos de trabalho trouxeram maior responsabilidade para a nova geração.
“Pergunta-me se há tristeza nisso... não há... porque eu sou da opinião de que tudo tem um tempo. É bom a gente ir-se embora antes que as pessoas nos mandem ir embora”
Num momento de despedida, como gostaria o Carlos de ser recordado? Como gostaria que, depois do adeus definitivo, as pessoas se lembrassem de si? Eu quando estou a cantar estou a olhar para a sala e o meu pensamento é este: “Cada pessoa é uma cabeça. O que é que vai naquela cabeça? Eu não sei!”. Cada um guardará aquilo que quiser como imagem. Atualmente fala-se muito em sondagens e a única sondagem que eu tenho é a rua. E as pessoas na rua, sejam novas, sejam velhas tratam-me bem. Não só enquanto artista, mas enquanto pessoa. Tratam-me bem! Aliás, eu devo ter cara de padre porque às vezes gostam de desabafar comigo sobre as suas vidas (risos). Deixando de cantar, ficam os discos e a gente desaparece... devagar, mas desaparece. Às vezes, dura-se um bocadinho mais, depende do estatuto onde se chega. No teatro, por exemplo, é tristonho, porque assistimos a vidas inteiras de teatro e, quando a pessoa deixa de representar, não se fala mais dela. Isso entristece-me muito. O teatro é o meu herói! Na música, tenho-me apercebido que não é muito diferente. Há artistas que são fantásticos em palco, que enchem o Olympia em Paris durante todos os dias num mês e que morrem e eu já não oiço falar deles. Isto é muito volátil! Não sabemos o que virá...
TEATRO A Civilização do Espectáculo
.o lugar da mulher. POR Cátia Faísco
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r ao teatro não é apenas sentar-me na plateia e deixar que o tempo passe. Não é apenas lazer, não é apenas trabalho. É também estar atenta a tudo o que me rodeia e perceber o porquê daquilo que me incomoda. Ora, há umas semanas fui ver um espectáculo que, ao contrário do que esperava, me alertou para a presença da mulher em cena. E, claro, esta observação foi feita em oposição à do homem. Em palco, várias mulheres de saltos altos, com vestidos justos, ou transparências, ou nuas, ou qualquer outro elemento ou gesto que reforçasse (ou acentuasse) mais a sua figura e o poder do seu corpo. Durante algum tempo, limitei-me a observar, mas, a certa altura, começou verdadeiramente a incomodar-me o modo como a mulher estava, a meu ver, a ser objectificada em palco. De repente, parecia que as mulheres só estavam ali para dar alguma cor ao espectáculo. Pensei nas minhas alunas, pensei nas minhas amigas e em todas as outras mulheres que trabalham ou querem trabalhar em teatro, e em como a Santa Contemporaneidade, que traz tanta mudança, continua a esconder outras tantas coisas de um modo disfarçado. Tenho-me questionado muito acerca do papel da mulher no teatro. Sei que é uma questão muito genérica e que pode abranger inúmeras ramificações, mas há alguns pontos que me parecem centrais e que têm ocupado mais espaço de antena. Na maioria das escolas de teatro, o número de mulheres sobrepõe-se ao número de homens. É um facto. Essas alunas (e sim, generalizo), futuras profissionais, chegam com modelos masculinos no plano do ‘este é quem eu quero ser quando for grande’. Ora, não estamos aqui a falar do trabalho ser mais ou menos importante do que o das mulheres ou do peso artístico que cada um terá. Só que, na verdade, muitas dessas alunas nem sequer almejam a ser encenado-
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ras, como se esse lugar fosse algo muito distante e só pertencente ao domínio masculino. As mulheres são as atrizes, as professoras, as investigadoras, as figurinistas e todas as outras profissões ainda muito associadas ao universo feminino. Discutia-se há uns tempos, em contexto de uma conferência, em Lisboa, que, por exemplo, as mulheres que trabalhavam nas áreas mais técnicas (luz e som) eram convidadas mais vezes para falar do seu lugar enquanto mulher do que mais especificamente para falar do seu trabalho. Ora, nem oito, nem oitenta. Quando é que um homem é convidado por causa de ser homem na área, por exemplo, de figurinos? Parece quase proibido falar acerca desta temática porque ‘estamos sempre a falar do mesmo’. Mas se não falarmos será que alguma coisa muda? Das mulheres espera-se o silêncio? Dou muita importância às palavras e ao modo como surgem no discurso. E quando decido escrever um título assim, sei, automaticamente, que me estou a posicionar, sei que estou a questionar o meu lugar e o dos outros. Também sei que faço deliberadamente uma divisão entre os géneros e que esse facto pode levar-me para outro campo. Mas, sejamos honestos, será que temos sempre de ficar calados a assistir a generalizações e, sobretudo, a diferenciações? Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Dramaturga, professora, investigadora, yogui.
CULTURA & ARTE Opinião
HUMOR Ana Garcia Martins
Ana Garcia Martins, o doce sabor do sarcasmo POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA D.R.
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reconhecida nos meios digitais por ser a Pipoca Mais Doce e o sarcasmo sempre esteve presente na sua escrita. Há uns tempos, estreou-se num roast e viu o humor abrir-lhe uma porta: o stand-up comedy. Hoje, Ana Garcia Martins é uma pipoca saltitante, que sai do seu blog para pisar palcos, com toda a felicidade do mundo. Se tivesse de definir a sua profissão, qual seria? Blogger, humorista, escritora…? Porquê? Não sei responder a isto. Normalmente, quando tenho de preencher aquelas fichas onde perguntam a profissão, escrevo só “empresária”. Porque, efetivamente, tenho uma empresa, mas sobretudo porque isso não me obriga a pensar naquilo que sou e a cingir-me a uma coisa só. Porque sou várias e gosto de todas elas. Lançou o blog há cerca de 15 anos, sendo um projeto pioneiro na área. De que forma analisa a exploração da atual partilha de conteúdos no mundo do digital? Se lançasse agora A Pipoca Mais Doce, teria o mesmo impacto? Acho que se o blog nascesse hoje seria bastante diferente. Para já, porque a concorrência é muito maior, os projetos digitais pululam como cogumelos. E, depois, porque acho que aquilo que fez com que o blog se distinguisse - o tipo de linguagem, o humor, o sarcasmo - teria de ser muito mais comedido. Acho que beneficio do fator antiguidade, de ter sido uma das primeiras, mas ainda consigo encontrar alguns pontos diferenciadores nas minhas plataformas quando comparadas com outras do género. Hoje em dia muito se fala de influencers digitais. A Ana considera-se uma influencer? E, para si, esse título é sinónimo de quê?
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É um termo que detesto, sobretudo porque está muito associado ao consumo e ao incentivo à compra. Prefiro que a minha influência - se é que tenho alguma - não se limite a isso, mas que possa ser utilizada para outras coisas mais importantes: debater assuntos que acho interessantes, envolver as pessoas em causas sociais, alertar para a consciência cívica, partilhar sugestões culturais. Enfim, acho que cada influenciador tem de ser responsável pelo seu espaço e saber que, se tem essa capacidade de influenciar alguém, então que o faça da forma mais positiva possível. Criou um blog com a intenção de falar abertamente sobre tudo. Do digital saltou para os palcos com espetáculos de stand-up comedy. Agora deu-lhe para isto? Deu-me para isto precisamente por essa necessidade que sempre tive de poder falar abertamente sobre tudo e sentir que, nas plataformas digitais, é cada vez mais difícil fazê-lo. Tornou-se complicado fazer humor nas redes sociais sem que as pessoas se sintam permanentemente ofendidas ou indignadas, por isso é bom poder passar para um palco e recuperar essa liberdade criativa.
“Tornou-se complicado fazer humor nas redes sociais sem que as pessoas se sintam permanentemente ofendidas ou indignadas”
Para quem vive da produção livre de conteúdos, como é que se lida com a constante exigência de opiniões “autocensuradas” ou a necessidade de filtrar aquilo que se quer dizer? Eu sinto que pratico autocensura, que penso 380 vezes antes de escrever o que quer que seja, já a tentar antecipar aquilo com que as pessoas se podem chatear. Mas já percebi que se chateiam com tudo, até com as coisas mais inofensivas, por isso não vale muito a pena estar constantemente a consumir-me com este tema. Vou tentando chegar a um compromisso
CULTURA & ARTE Ana Garcia Martins
“BLEBELBELEBLEBLE”
CADERNO Título da Reportagem
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saudável entre o que me apetece dizer e o que posso realmente dizer. Atualmente, é muito difícil manifestarmo-nos nas redes sociais, sobre o que quer que seja, porque as pessoas andam sempre à procura de sangue e de motivos para se chatearem. Isso é muito cansativo para quem, como eu, vive da produção de conteúdos criativos que têm o humor por base. No stand-up não há filtros, não há limitações. Quem assiste a um espetáculo sabe ao que vai, sabe que é só humor, que são só piadas, e isso faz com que haja muito mais liberdade. Foi isso que despertou o seu interesse pelo stand-up comedy então? Sempre gostei e sempre consumi stand-up comedy, mas nunca me passou pela cabeça subir a um palco. Depois do primeiro roast em que participei, o da SIC Radical, desafiaram-me a experimentar e acabei por gostar. O que há no stand-up comedy que lhe dá mais gozo explorar? O que é que mais a inspira para preparar os seus textos? Acho que tudo pode ser um bom tema para explorar em stand-up, mas acho especial graça àqueles pequenos detalhes que fazem parte do nosso dia a dia, mas aos quais nem sempre prestamos atenção. Ou, pelo menos, não lhes reconhecemos potencial humorístico. Por exemplo, aquela coisa que acontece a toda a gente, de estarmos à espera que alguém tire o carro de um lugar de estacionamento para nós pormos lá o nosso e a pessoa demorar 70 horas. Gosto dessas pequenas particularidades, precisamente por serem banais e desvalorizadas, mas depois também acho piada a temas mais macro, como a maternidade ou as relações.
“Atualmente, é muito difícil manifestarmo-nos nas redes sociais, sobre o que quer que seja, porque as pessoas andam sempre à procura de sangue e de motivos para se chatearem ”
Sendo uma das primeiras mulheres a fazer stand-up comedy em Portugal, sente que o público português já está mais predisposto a consumir este tipo de produto ou sente algum tipo de estigma pela sua profissão? Acho que o conceito de stand-up comedy já está completamente instalado. Em quase todas as cidades há pelos menos um bar onde se pode ver humor. E acho que é um formato que as pessoas gostam de ver. Pelo menos, pela parte que me toca, não me posso queixar, tenho tido quase todos os espetáculos esgotados. O que procura proporcionar às pessoas com este espetáculo? Como é que está a ser o feedback por parte dos espetadores? Acho que quero o que qualquer humorista quer: que as pessoas se divirtam, que entrem numa sala e, pelo menos, durante uma hora e meia deixem todas as preocupações lá fora. O feedback tem sido muito positivo, sinto que muitas pessoas se surpreenderam. Pelo menos muitas reações têm sido nesse sentido, sobretudo de homens, que achavam que eu me limitava a falar sobre sapatos e vernizes. Qual é a pior coisa que pode acontecer em cima de um palco? Já teve alguma experiência menos boa? Há várias coisas más. As piores talvez sejam não nos lembrarmos do texto ou as pessoas não reagirem a nada do que dizemos e só haver silêncio na sala. Já me aconteceu esquecer-me de uma coisa ou outra, mas há sempre maneira de contornar isso. E também já aconteceu não se rirem assim tanto quanto isso com uma ou outra piada que eu acreditava serem boas. Falando do futuro, que planos tem a Ana? Que universos gostaria de explorar nos próximos tempos? Há novos projetos a caminho? Nunca fui de fazer grandes planos. As oportunidades vão surgindo e eu vou fazendo uma triagem e escolhendo o que me faz sentido, o que me desafia, o que me tira da zona de conforto. Mas, sem dúvida, quero continuar a investir no stand-up.
CULTURA & ARTE Ana Garcia Martins
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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LITERATURA António Lobo Antunes
António Lobo Antunes, quarenta anos de escritor POR Joana Páris Rito
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ete medo entrevistar Lobo Antunes, confessou Mário Crespo ao escritor. Mete-me medo escrever sobre Lobo Antunes. Aninho-me diante da grandiosidade da obra antuniana. Encolho-me de admiração. No dizer de António Lobo Antunes, o que impulsiona a escrita é a sensação de que se é incapaz de fazê-lo. É a luta. É o desafio. Sigo-lhe a inspiradora determinação. Apesar do medo, escrevo sobre Lobo Antunes, um génio das palavras, o CR7 da Literatura, como ouvi um leitor nomeá-lo evocando a sua sublimidade e o gosto de Lobo Antunes pelo Desporto Rei. Começo pelo início: o destino. Há caminhos que são traçados pela mão de Deus, trilhos que o homem tenta inglório desviar, estradas que por mais encurvadas, íngremes e socalcadas que sejam conduzem o homem ao desígnio divino. O destino de António Lobo Antunes é escrever. Uma escrita clandestina, nas suas palavras, que na infância o levava a esconder-se, a escrevinhar papelinhos de letra miúda fáceis de ocultar entre as páginas dos livros de estudo obrigatório, fugido dos olhares, da censura familiar, a família que o queria a estudar, a tirar um curso técnico, afastado do mundo das letras, a família receosa do seu futuro, do seu bem-estar no porvir, a visioná-lo a vender “Bordas D´Água”, a remediar-se de tostões e a sobreviver de ilusões. Uma clandestinidade embrulhada na culpa, a pegajosa culpa que teima em persegui-lo sempre que escreve, como se a profissão de escritor fosse algo de pouco sério. Prevaleceu a vontade do Pai, ilustre médico. António, o mais velho de seis rapazes, seguiu-lhe os passos na formação universitária. Licenciou-se em Medicina, exerceu a profissão de médico, de psiquiatra, da qual decidiu afastar-se para seguir o destino moldado na escrita: triunfou a vontade divina. A prática da Medicina, em Portugal e na Guerra Colo-
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nial, é crucial na obra de Lobo Antunes, experiências que alteraram a sua visão ptolemaica do Mundo e o confrontaram com o melhor e o pior da condição humana omnipresente nos seus livros. António Lobo Antunes escreve porque não sabe dançar como Fred Astaire, escreve para dar sentido à vida, para preencher o vazio da ausência da escrita, escreve porque nele habitam a paciência, o orgulho, a teimosia, a coragem e a solidão. “Escrevo com medo, a coragem não é não ter medo, é não ter medo de ter medo”, diz o escritor. Lobo Antunes não baila com os pés, mas com a mão, a mão que desliza sobre o palco branco do papel num bailado celestial, belo, hipnotizando o leitor com a magia da escrita, a destreza de um prestidigitador das palavras, das frases, das emoções. Lobo Antunes escreve como se escrever fosse fácil… Ao escrever luta contra o que é desumano, o que é reles, o que é injusto. Ao escrever despe o Mundo da falsidade, põe a nu a triste realidade e a frieza acutilante da verdade. Estreou-se na publicação há quarenta anos com o Memória de Elefante, após o livro ter sido rejeitado pela cegueira de duas editoras. Desde então pôs no Mundo trinta e oito obras. Os seus livros esmiúçam a hecatombe da Guerra Colonial, Portugal e Angola na descolonização, o poder e o
CULTURA & ARTE António Lobo Antunes
exercício desse despotismo num país lusitano de território minúsculo agarrado com teimas de jumento à vastidão do império perdido, preso a ideologias expansionistas, vetustas, descabidas, inadaptado a um presente inevitável.
“Escrevo com medo, a coragem não é não ter medo, é não ter medo de ter medo”
Os seus livros são povoados de personagens de carne e osso, pessoas comuns de laivos grotescos, pessoas viciadas na prepotência, pessoas arrastadas na indignidade da submissão, pessoas sem heroicidade perdidas no presente, ensombradas pelo passado, incapazes de vislumbrar devires auspiciosos. As relações familiares surgem complexas, predominantes de desamor, famílias cujos membros se enovelam no silêncio, um calar amargurado, um grito abafado que é um clamor por amor, pontuado por dizeres ora grotescos, ora satírios, num adensar de frustrações, inseguranças e rejeições que inibem a troca dos afetos. Lobo Antunes é mestre em dissecar a alma humana numa busca do sentido da vida, da estranheza da morte, da incapacidade de admitirmos a nossa finitude, da dificuldade em lidar com a angústia e a indiferença do próximo. Escreve para os portugueses, não para outros povos, apesar dos seus livros estarem traduzidos em várias línguas. Escreve pela imensidão do sofrimento silencioso, pelas mudas lágrimas vertidas, na esperança de que sequem os prantos. E nós, leitores, vagueamos nesse silêncio, embrenhamo-nos nele, no mais difícil, no mais profundo modo de comunicar, desejando que esse silêncio nos fale cada vez mais. A sua escrita é poética e fluída. Escreve como pensa. Um pensamento que divaga pelo tempo, o presente que chama as memórias, intercala realidades, salta de personagem para personagem, de acontecimento para acontecimento, de cenário para cenário, em parágrafos pontuados de peculiares por-
CULTURA & ARTE António Lobo Antunes
menores duma perspicácia admirável, paninhos de croché, bibelôs de cacaria, indumentárias ridículas, trejeitos jocosos, retratos kitsch, ditos brejeiros que ao contrário de banalizarem a narrativa a enriquecem e provocam no leitor sentires de lástima ou esgares de hilaridade. A sua escrita é única, inovadora, inimitável. Livros e autor fundem-se. Onde acaba o livro e começa a pessoa? Atrevo-me a dizer que António Lobo Antunes é um Homem duma sensibilidade rara, duma imensurável compaixão pelo próximo. Se não o fosse, não escreveria como escreve. “A solidão de escrever é assustadora, assim como o medo de desiludir os leitores”, afirma. Atrevo-me a dizer-lhe, António Lobo Antunes, não tenha medo de nos desiludir, a sua vasta obra, os merecidos prémios que recebeu, o seu empenho em prol da Literatura, são demonstradores da sua genialidade. No seu mais recente livro, A Outra Margem do Mar, prossegue esse talento divino. Atrevo-me a dizer-lhe, não tenha medo, António Lobo Antunes, o senhor atravessou o oceano das palavras e alcançou não a margem de Angola, nem a de Portugal, mas a margem da terra dos imortais. Continue a bailar até a mão lhe doer.
Sobre o autor Escritora, natural de Braga. É a autora de Borboletas sem Asas e Azul Índigo, da Chiado Editora
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LITERATURA Três meses, três livros
Olga Tokarczuk Conduz o Teu Arado sobre os Ossos dos Mortos
Isabel Allende Longa pétala de mar
João Tordo A Noite em que o Verão Acabou
Porto Editora
Companhia das Letras
Roser Bruguera, uma jovem viúva, e Víctor Dalmau, irmão do falecido marido de Roser e médico, são dois dos rostos da perigosa fuga da Guerra Civil Espanhola, que os leva através dos Pirenéus até França. Numa Europa em erupção, decidem arriscar e embarcar num navio fretado pelo cônsul chileno em Paris. É este o ponto de partida do novo romance de Isabel Allende, uma viagem pela História do século XX que encaminha o leitor num percurso que começa com a vitória iminente dos franquistas na Guerra Civil Espanhola, na final da década de 30, até aos finais dos anos 90. Neste livro, Isabel Allende regressa à ficção histórica e reflete sobre o mundo atual em que vivemos.
O primeiro thriller de João Tordo chama-se A Noite em que o Verão Acabou e é uma espécie de homenagem do escritor português aos policiais de Conan Doyle e de Agatha Christie, livros que ele lia quando era miúdo. Nesta história, João Tordo apresenta o adolescente Pedro Taborda que, no verão de 1987, se apaixona por Laura Walsh, a filha mais velha de um magnata nova-iorquino. Inebriado pelas formas perfeitas e pelos modos ousados de Laura, Pedro encontra na rapariga americana o seu primeiro amor. Mas quando o verão acaba, a família Walsh regressa aos Estados Unidos e o destino fica por cumprir. Dez anos depois, Pedro, decidido a tornar-se escritor, vai estudar para Nova-Iorque. Ao reencontrar Laura, está longe de suspeitar que esse acaso o mergulhará no crime mais falado dos anos noventa, o homicídio do milionário Noah Walsh.
Cavalo de Ferro
À primeira vista o nome de Olga Tokarczuk pode não suscitar qualquer efeito no leitor, contudo foi recentemente galardoada com o Nobel da Literatura de 2018. Apesar de ser pouco conhecida do público português, a autora conta já com uma sólida carreira no meio literário europeu. Nascida na Polónia, a escritora debruça-se habitualmente sobre temas do passado do seu país. Com um percurso e uma obra diversa, Tokarczuk leva-nos neste livro até uma remota aldeia polaca, onde emerge uma espécie de thriller psicológico, adornado em tons de policial noir. Aqui, destaca-se a excêntrica Janina Duszejko, professora reformada e tradutora de poesia, que se lança numa investigação, quando a típica tranquilidade da povoação é interrompida por uma série de mortes de vários membros do clube de caça local. Neste contexto, sanidade e loucura, justiça e tradição são temas percorridos de forma mordaz pela autora.
POR Filipa Santos Sousa
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SOUTO DE MOURA O maestro da arquitetura contemporânea portuguesa NUNO ROGEIRO O ano em revista HOMMÉS STUDIO A procura constante pelo efeito wow!
A visĂŁo empresarial, o sucesso alĂŠm-fronteiras e a economia Ă lupa.
ARQUITETURA Souto de Moura
Souto de Moura, o maestro da arquitetura contemporânea portuguesa SÃO 40 ANOS DE EDUARDO SOUTO DE MOURA A ARQUITETAR O QUE DE MELHOR SABE FAZER. A ERGUER ESTÁDIOS, A PROJETAR ESPAÇOS CULTURAIS, A IDEALIZAR REDES METROPOLITANAS E A EDIFICAR PROJETOS COSMOPOLITAS. UMA VIDA DEDICADA A ESBOÇAR ESPAÇOS TURÍSTICOS OU RESERVADOS, A RECEBER PRÉMIOS E DISTINÇÕES, MAS TAMBÉM A ACEITAR CRÍTICAS, COMO A GRANDIOSIDADE DOS SEUS PLANOS ASSIM O EXIGEM. A ATA DA SUA CARREIRA ESTÁ AGORA À VISTA DE TODOS. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
A
Casa da Arquitetura – Centro Português de Arquitetura, em Matosinhos, tem patente uma exposição inédita da primeira mostra monográfica dedicada ao arquiteto Eduardo Souto de Moura, assim como a maior exposição realizada até ao momento neste espaço cultural. Até setembro de 2020, a Exposição “Souto de Moura – Memória, Projectos, Obras” disponibiliza uma incrível leitura extraída do grande acervo daquele que é um dos mais prestigiados arquitetos contemporâneos nacionais. A Revista RUA esteve presente nesta inauguração, que aconteceu em outubro, onde teve a oportunidade de acompanhar o arquiteto ao longo de toda a exposição, conhecendo a sua perspetiva face aos trabalhos expostos, assim como as histórias nunca contadas sobre alguns dos mais míticos projetos da sua carreira. Com curadoria de Francesco Dal Co, um historiador de arquitetura italiano, e do arquiteto português, Nuno Graça Moura, a exposição integra cerca de 40 projetos, numa mostra de 604 maquetes, 8500 peças desenhadas e toda a documentação textual e gráfica de muitos dos edifícios mais emblemáticos que contemplam a sua carreira. Todo o material presente nesta exposição é original, sendo que a maioria nunca terá sido exposta até ao momento. Pela primeira vez, a exposição ocupa dois locais da Casa da Arquitetura: na nave expositiva é possível conhecer uma parte do incomparável arquivo de obras do arquiteto, enquanto que na Galeria da Casa é exposta uma parte mais dinâmica do processo de criação e produção de Eduardo Souto de Moura. O diretor da Casa da Arquitetura, Nuno Sampaio, destaca este momento como um ponto crucial para dar a conhecer ao público o processo criativo por detrás de uma obra de arquitetura. O mesmo partilha que: “É muito importante entendermos que, quando falamos de arquitetura, o segredo das exposições, normalmente, são re-
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presentações da arquitetura e não a arquitetura em si mesma. São maquetes, desenhos, esquissos, fotografias… são formas de representar a arquitetura. Este projeto mostra para além do que é a exposição”. Num momento em que Eduardo Souto de Moura celebra quatro décadas dedicadas à arquitetura, importa perspetivar o sucesso da carreira de um dos maestros da arquitetura contemporânea portuguesa – e do mundo. Licencia-se em Arquitetura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, em 1980, tendo já colaborado com o também reconhecido arquiteto Álvaro Siza Vieira e, ainda nesse ano, inicia a sua atividade enquanto professor liberal. Com um vasto repertório de mérito, ao longo da sua carreira, inúmeras obras garantiram a Eduardo Souto de Moura
NEGÓCIOS Álvaro Siza Vieira
alguns dos mais prestigiados reconhecimentos. Falamos, nomeadamente, da atribuição do Prémio Pritzker de Arquitetura (2011) – o maior galardão mundial nesta área – atribuído primeiramente a Álvaro Siza Vieira, em 1992. Projetou a Casa das Artes e a Torre Burgo, na cidade Invicta, o Mercado de Braga, a Marginal de Matosinhos e a Casa Llabia, em Espanha. Levou a cabo a planificação da rede metropolitana do Porto, incluindo a criação da estação de Metro da Trindade e da Casa da Música, e destaca como importante a obra do Estádio Municipal de Braga, que lhe garantiu um Prémio FAD de Arquitetura, em 2005. Em 2009 é distinguido com o Prémio Internacional de Arquitetura, atribuído pelo Chicago Athenaeum Museum, na vertente de Construção Moderna, com o projeto do Centro de Arte Contemporânea de Bragança. Dois anos depois, ven-
NEGÓCIOS Souto de Moura
ce o Prémio Secil de Arquitetura com a Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais. Mais tarde, é-lhe atribuído o Prémio Wolf de Artes, em 2013, e quatro anos depois o Prémio Piranesi Prix de Rome. Em 2018, a Bienal de Arquitetura de Veneza atribui-lhe um Leão de Ouro. Num momento de reflexão e de ponto de ordem, Eduardo Souto de Moura acredita que: “Esta exposição é como uma ata destes 40 anos. Acho que valeu a pena. Agora vou partir para outra, porque isto ajudou-me muito a refletir e a pensar sobre muitas coisas”. Na inauguração, o arquiteto comentou algumas das obras mais reconhecidas, e polémicas, enfatizando aquelas que mais marcam a sua carreira e a sua vida. “Gosto muito da obra do metro, por ser bastante útil. O que eu desenhei é usado por muita gente. O corrimão de uma das escadas do metro é tocado por meio milhão de mãos por dia”, partilha o arquiteto. Também não deixa de eternizar uma obra da qual guarda um especial reconhecimento: o Estádio Municipal de Braga. Acerca deste projeto, o arquiteto declara apenas que: “Desenhei tudo e é essa a ambição de todos os arquitetos, poder ir desde o puxador até quilómetros de desenho”. Descontraído e sereno, já no final da exposição, o arquiteto partilhou: “Confirmo que faço sempre o mesmo projeto. Por coincidência, o primeiro trabalho e o último aqui expostos têm muito em comum. São os dois em pedra, que é talvez o meu material favorito para construir e acho que vai ser o material do futuro, por ser ecológico”. Num balanço ponderado, diz-nos que a Arquitetura, a ser considerada uma arte, terá sempre um caráter social e esta noção está descrita na sua mostra monográfica exposta na Casa da Arquitetura. É um momento de sublinhar a relevância da ilustre obra de Eduardo Souto de Moura e prestigiar o célebre arquiteto português.
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ARQUITETURA Opinião
Da Beleza POR Tiago do Vale
O
Movimento Moderno foi, por ventura, o movimento mais transformador na História da Arquitetura. A formalização do ensino da Arquitetura no século XVI com a Académie Royale d’Architecture marcou a separação da Arquitetura das artes oficinais: até aí, arquiteto, mestre pedreiro ou arruador eram um só. Esta vontade de separar “quem sabe” de “quem faz” vem de uma intenção de elevar o status da Arquitetura a uma atividade nobre, capaz de apoiar os objetivos culturais e funcionais da corte francesa e da sua próspera burguesia, sobretudo na sua missão de contrapor à Renascença Italiana (que desenhou o património francês até então) uma Arquitetura que seja “francesa”. Esta estratégia obrigou à construção de uma “Teoria da Arquitetura” capaz de sustentar a nova disciplina, baseada nos textos de Vitrúvio, firmando o modelo clássico como “Beleza Absoluta” e a separação definitiva entre o saber académico e o velho saber vernáculo. Esta tendência culminou com as Beaux-Arts e, embora em rotura com o Gótico precedente, manifestou-se essencialmente nas obras do Estado, da Igreja e das elites: enquanto a Arquitetura Erudita procurava nas referências da Antiguidade Clássica a beleza, as proporções e os seus modelos, a cidade e a paisagem continuaram a desenhar-se pelas regras de sempre. Em comparação, o Movimento Moderno representa outra coisa. É uma rutura com o passado – como as Beaux-Arts o foram – mas agora a rutura é absoluta. Alimentado pela conjetura da época, influencia todas as sociedades e todo o globo. Esta nova cultura arquitetónica – académica e erudita – permanece no domínio das elites mas, curiosamente, a rejeição de tudo o que é passado chega a todos os territórios e a todos os estratos sociais, reféns de uma realidade construtiva que nega o conhecimento vernacular mas não o substitui por nenhum outro tipo de conhecimento. Recusando todas as heranças do contínuo construído passado, no cânone modernista não há “beleza” – apenas razão – e, da Segunda Guerra Mundial em frente, esta ortodoxia domina o mundo.
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É fácil, dentro do cânone, identificar as balizas do que é “certo” e do que é “errado”. A construção teórica que as suporta fornece toda a racionalização necessária para defender qualquer opção de desenho canónica. O conforto do cânone resulta num “estilo” que, réplica após réplica, invade o mundo construído: o Modernismo - depois da rebeldia original, extinta a breve fuga pós-moderna dos anos 80 e, agora, esvaziado das motivações que o geraram - é o “Arquitetonicamente Correto” dos nossos dias. A racionalização modernista não se contenta com a construção de ferramentas de habitar e de estruturas utilitárias e funcionais. No entanto, a sua busca por “beleza” é, geralmente, reduzida a uma estética intelectualmente justificada. A resposta inata humana à beleza é, infelizmente para o modernismo, intrinsecamente anti-intelectual. Alguns dos aspetos mais intelectualizados das nossas vidas - a música, a literatura, a arte - conseguem tocar-nos de forma profunda sem nos exigirem nenhum tipo de racionalização: muito do que nos rodeia emociona-nos sem razão. Também é assim a Arquitetura. O “estilo” é uma autoimposição - uma medida de controlo do processo e das hipóteses arquitetónicas - mas é sempre uma limitação: como dizia Fernando Távora, “o estilo não conta, mas sim a relação entre a obra e a vida”. É tempo de repor a continuidade interrompida da cultura construtiva, apoiando-nos não em correntes, escolas e movimentos, mas em escolhas críticas, criteriosas e genuínas para cada circunstância. A perceção da beleza é indiferente a qualquer racionalização de cânones ou estilos, e tarda a hora de a trazer de volta à Arquitetura.
Sobre o autor Arquiteto pela Universidade de Coimbra, vencedor do American Architecture Prize 2017 e do Building of The Year Awards 2014.
NEGÓCIOS Opinião
ANÁLISE Nuno Rogeiro
O ano em revista, por Nuno Rogeiro POR Andreia Filipa Ferreira
“H
á um regresso de todos os países a um sistema de cada um por si”. Esta é talvez uma das ideias chave desta nossa conversa com Nuno Rogeiro, o professor, comentador e analista político que partilhou com a RUA as suas visões de 2019... com um pé já em 2020.
Em primeiro lugar, e convidando-o para uma análise rápida àquilo que nos rodeou durante o ano, gostaríamos que o Nuno nos apontasse o melhor e o pior de 2019. O pior? O estado de menorização a que chegou o nosso exército de terra, a permanência de um fosso salarial gigantesco, a continuação de agressões ambientais – através do lixo e da poluição gasosa e auditiva – em cidades como Lisboa. O melhor? A promessa de diminuição drástica da dívida nacional, a entrada de pequenos partidos no parlamento e as esforçadas missões das forças nacionais destacadas, especialmente na África Central, no Sahel e no Afeganistão. 2019 foi um ano marcado por eleições. Que balanço reteve dos resultados das recentes eleições e que antevisão nos faz para o próximo ano em termos políticos? Um governo minoritário é sempre bom, no sentido em que precisa de escutar mais, executar melhor, negociar com cabeça e agir em torno de pontos de união. Infelizmente, começou mal num pormenor técnico: a incrível dimensão da equipa. Preferia muito menos ministros e secretários de Estado e a manutenção das funções técnicas dos atuais diretores gerais das várias especialidades. 2019 foi também um ano de afirmação de Portugal no mundo, sobretudo em termos turísticos e de captação de empresas para o território nacional. Concorda? Considera que estamos num bom caminho ou há exigências que ainda não conseguimos colmatar para sermos um país atrativo, especialmente para empresas?
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O turismo é ótimo, sobretudo se puder ser um turismo de qualidade, que deixe valor e não destrua. E se puder ser um turismo cultural, patrimonial e histórico, ainda melhor. A internacionalização é só uma palavra se não conseguirmos fixar em Portugal jovens qualificados que possam tornar as nossas escolas e empresas em entidades competitivas dentro e fora da Europa. Em termos macroeconómicos e de crescimento financeiro, 2020 será um bom ano para Portugal? Porquê? Ou crê que surgirão surpresas desagradáveis (inesperadas)? Não sou economista (embora o meu curso de Direito tenha tido várias cadeiras de Economia e Finanças), mas conheço as previsões nacionais e internacionais e atenho-me a elas. Todas realçam a ainda grande vulnerabilidade da economia nacional, sobretudo face a mercados tradicionais como o alemão e o britânico, que podem entrar em dificuldades. Por
“O pior de 2019? O estado de menorização a que chegou o nosso exército de terra (...) O melhor? A promessa de diminuição drástica da dívida nacional, a entrada de pequenos partidos no parlamento e as esforçadas missões das forças nacionais destacadas, especialmente na África Central, no Sahel e no Afeganistão”
NEGÓCIOS Nuno Rogeiro
©D.R.
outro lado, uma diminuição significativa dos fundos de coesão da UE seria uma má notícia para o investimento público, ainda necessário em muitos sectores. Por fim, continuo a notar a ausência de um gabinete nacional de informação financeira, que guie os cidadãos nos seus gastos, no seu crédito e na sua poupança, e os salvaguarde dos tubarões do empréstimo fácil e irresponsável. Em termos internacionais, 2019 foi um ano de Brexit, de questões migratórias e de conflitos (sobretudo no Médio Oriente, mas também nos referimos ao aumento do clima de tensão entre grandes potências mundiais, como Coreia do Norte, Coreia do Sul, EUA e Rússia). Na sua análise, considera que estas questões continuarão por resolver em 2020? Numa frase, é um mundo onde as alianças são hoje muito mais limitadas, e há um regresso de todos os países a um sistema – bom ou mau - de “cada um por si”. O Brexit preocupa-me sobremaneira, porque terá consequências diretas e indiretas para toda a Europa. Quanto às migrações, todos os países se colocam de acordo quanto à necessidade de fluxos sustentáveis, responsáveis e que possam resolver mais problemas do que aqueles que criam.
NEGÓCIOS Nuno Rogeiro
Muito se tem falado de “paradigma social”, ou seja, que vivemos numa sociedade cada vez mais pobre em termos de princípios, de valores, de envolvimento e preocupação com o próximo. O Nuno considera esta análise verdadeira? Sim, o egoísmo é uma ameaça. Mas há muitos nichos de solidariedade e amor ao próximo, felizmente. Conheço vários, todos os dias. Todos nós temos sonhos e, por isso, gostaríamos de perguntar ao Nuno, numa lógica de premonição, quais são as suas manchetes de sonho para 2020? O Benfica a ganhar a Champions. Depois acordo e revolto-me.
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POLÍTICA INTERNACIONAL Opinião
2019: O Mundo na Encruzilhada POR Luís Lobo-Fernandes
À
guisa de um breve relance sobre o ano de 2019 pode afirmar-se que a questão do Brexit se localiza na intercepção dos principais problemas mundiais. Vejamos porquê? A saída do Reino Unido configura um revés político considerável em três planos: Primeiro, tem um impacto negativo no status e na imagem externa da União Europeia, fragilizando o seu posicionamento no plano internacional. Segundo, representa uma “distracção” particularmente grave na altura precisa em que a UE necessita de lidar com a alteração do foco dos Estados Unidos para a Ásia-Pacífico, mas também com o enormíssimo dilema de segurança que as pretensões hegemónicas da China – sublinharia, neoimperiais – representam; com efeito, as dinâmicas internacionais serão no futuro próximo cada vez mais definidas pela competição estratégica extremada entre a China, os Estados Unidos, e a Rússia, com outros espaços ascendentes como a Índia, o Irão, a Turquia – ou mesmo o tandem Arábia Saudita-Emirados – a tentar tirar partido da rivalidade entre aquelas potências. Terceiro, diminui a componente atlântica da UE e desloca o centro de gravidade para o interior da Europa; ora, tendo em conta a convergência de interesses plasmada na aliança histórica com a Grã-Bretanha, a alteração dos equilíbrios de poder representa um desafio acrescido, também para Portugal. Mas, vamos mais longe na avaliação das consequências do Brexit: Os nossos amigos britânicos detêm a maior capacidade militar de todos os Estados-membros. A sua “retirada” obrigará a um maior empenhamento e lucidez da diplomacia europeia, num quadro de crescente incerteza. Em particular, necessita de despender mais na sua defesa, não somente na razão directa dos seus próprios interesses, mas também pelo facto de que o discurso dos nossos aliados americanos é fundamentalmente marcado pela “chamada” a uma partilha de custos. Na verdade, tal exigência reiterada pelo actual presidente dos Estados Unidos tinha já sido expressa pelas três administrações que o precederam. Nesta matéria, tem de ser
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reconhecido o esforço dos Estados Unidos no total de despesas da NATO que ainda atinge 70%, bem como a mudança de percepção no seio do Congresso americano sobre a pertinência das “vantagens” da continuidade de uma forte presença em solo europeu, uma questão melindrosa que não pode ser iludida na conjuntura presente. Também por isso, o Brexit constitui no plano estratégico uma anomalia aventureira. Sem esquecer que o governo de Londres virá, consumada a separação, “bater à porta” dos 27 na senda – qual ironia! - de um estatuto privilegiado de acesso ao mercado único. O desnorte sem precedentes que testemunhámos no seio das instituições do Reino Unido e das elites britânicas nos últimos três anos e meio, atesta de forma flagrante e em toda a sua extensão a incongruência de abandonar a UE. Por isso, a construção comunitária pode estar ameaçada de desintegração pelo Brexit, um verdadeiro paradoxo histórico na exacta medida em que a União é mais necessária do que nunca para obstar eficazmente a quaisquer impérios que se possam estar a formar – seja qual for a sua capa, a sua designação ou a sua lógica -, e para responder aos mais importantes desafios deste século. Do mesmo modo, a União é mais necessária do que nunca para fazer face ao fanatismo dos jihadistas, à demagogia das chamadas “democraturas”, e a todos os tipos de populismo. Nesta encruzilhada histórica, é fundamental relembrar Romano Prodi para quem a União Europeia é essencialmente um projecto político para prevenir guerras na Europa. Por outro lado, entre as suas marcas distintivas - de carácter profundamente aristotélico - está precisamente o optimismo acerca das perspectivas de desenvolvimento humano. Nas contas de fim de ano, não percamos de vista esses elementos de contraste fundamentais. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor O autor é professor catedrático aposent. da Univ. do Minho e foi professor visitante nas universidades americanas de Cincinnati, Johns Hopkins e do Estado de Washington (Seattle).
NEGÓCIOS Opinião
DESIGN DE INTERIORES Hommés Studio
Hommés Studio, a procura constante pelo efeito wow! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Hommés Studio
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e nos pedissem para adjetivarmos a Hommés Studio, um atelier de design de produto e interiores com casa no Porto (e presença também em Barcelona e UK), diríamos que são quatro cavaleiros numa aventura de procura constante de elegância, conforto e identidade, uma identidade que deriva entre passado e futuro em busca do chamado efeito wow. Criando peças que valorizam qualquer design de interiores, com coleções que vão desde linhas mais vintage até sugestões completamente out of the box, a Hommés Studio é uma marca que procura responder àquilo que ainda não sabemos que nos falta. Numa tentativa de preencher as lacunas presentes no mercado a nível de design de interiores, estes quatro cavaleiros foram juntando membros à sua equipa e hoje, do seu pequeno estúdio na invicta, saem projetos para todo o mundo. O ADN principal? Um mix de tendências, de influências, de interpretações – tudo na mesma peça. Para darmos a conhecer a essência da Hommés Studio temos de, obrigatoriamente, começar pelo início: há poucos meses, Micael Carvalho (a creative mind) e Hélder Marques (o expert em storytelling e branding) juntaram-se com um objetivo que, contado, parece simples: encontrar as necessidades dos clientes em termos de design de interiores e propor peças que façam parte da solução. A esta missão juntou-se João Matias (o designer entusiasta por inovação que tira as ideias do papel) e Bruno Costa (o bestfriend dos clientes). Juntos, reinterpretam clássicos, misturam tendências e autointitulam-se como “fashion advisors de interiores”. São autênticos trendsetters que, com o foco no cliente, seja ele particular ou envolvido em projetos hoteleiros e não só, aventuram-se no maravilhoso mundo que a imaginação cria. “O
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DESIGN DE INTERIORES Hommés Studio
“Já existem pessoas interessadas no nosso produto em vários pontos do mundo, ou seja, já conseguimos espelhar a Hommés a nível internacional, o que era o nosso foco”
nosso conceito surge no sentido de perceber o que falta a nível de design, a nível de preço, a nível de studio. Sobretudo, marcamos a diferença na forma como apresentamos a necessidade ao cliente. Não queremos dizer que o cliente ainda não tem ‘isto’. O que queremos mostrar é que podemos melhorar esse ‘isto’ ao ponto de o cliente perceber que sente falta, que aquele produto faria sentido”, conta-nos Hélder, aproveitando para explicar melhor as coleções que compõem a marca: “Começámos o studio com uma coleção mais dedicada aos acessórios para a casa, com velas [coleção Arrogâncias] e outras sugestões que vamos agora adicionando à coleção. Depois, a coleção vintage coloca em evidência a nossa responsabilidade social, com uma parte de recuperação, de regresso às tradições, aos clássicos. Já a coleção Scandalô é precisamente sobre produtos statement, que faltam ao mercado e que resultam de uma mistura de estilos e de culturas. A coleção Oversized apresenta os produtos bold e, ao mesmo tempo, softness, que cabem no exterior dos projetos”, refere. Dando importância às identidades criadas nas coleções cápsula, Hélder fala-nos de um feedback positivo, com clientes-tipo que procuram as sensações únicas, as peças personalizadas e criativamente provocativas. “Já existem pessoas interessadas no nosso produto em vários pontos do mundo, ou seja, já conseguimos espelhar a Hommés a nível internacional, o que era o nosso foco”, destaca Hélder, referindo ainda que, apesar da íntima relação com produtores e técnicas portuguesas, o grande mercado é o internacional – daí a mistura de culturas num único produto. “Para o período de tempo em atuação, estou bastante satisfeito com os resultados da nossa comunicação. Ainda estamos a reunir forças, ainda estamos na fase
DESIGN DE INTERIORES Hommés Studio
de aquecimento, mas acredito que em 2020 tenhamos uma boa projeção no mercado”, remata. Idealizando já coleções que envolvam acessórios para animais e até coleções sustentáveis, preocupadas com o meio ambiente, a Hommés traz ideias arrojadas, irreverência e sofisticação numa missão: “procurar o que é belo, aquilo que nos seduz... para conseguirmos seduzir também o cliente”. Com tradição e modernismo, com inspirações do passado, com nuances de art decó, de art nouveau, movimentos da Bauhaus e componentes artísticas contemporâneas, numa real mistura de ingredientes que impulsiona o processo criativo, a Hommés Studio tem no acompanhamento do cliente e no estudo das características dos mercados o seu grande foco. Parece que nada é deixado ao acaso: da ideia de Micael surge a materialização de João, os contactos de Bruno e as histórias de Hélder, numa odisseia que só acaba quando o cliente diz “sim!”. E mesmo aí pode existir um novo ponto de partida... porquê? Porque há sempre um motivo para reinventar. E um bocadinho de ousadia nunca fez mal a ninguém!
João Matias, Bruno Costa, Micael Carvalho e Hélder Marques ©Nuno Sampaio
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ECONOMIA Opinião
Natal, solidariedade e caridade POR Sílvia Sousa
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anuela Silva, referência incontornável da Economia Social, combinava a racionalidade da sua formação económica com a humanidade da sua convicção religiosa. A apologia de uma economia ao serviço das pessoas terá sido determinante na escolha dos temas que abordou na sua longa carreira académica, assim como na sua intervenção política e cívica. A visão de uma economia ao serviço das pessoas incorpora uma preocupação com o bem-estar individual e social, a qual, no âmbito de uma abordagem económica, se traduz numa preocupação com a distribuição dos rendimentos, as desigualdades e a pobreza, intrínseca à conceção e implementação de um Estado Social e consolidada num conjunto de medidas de política, com o objetivo primordial de promoção da inclusão e, logo, de uma igualdade de oportunidades para os cidadãos. Construído numa base de solidariedade, as respostas que este preconiza para os variados riscos sociais constituem direitos que decorrem da simples pertença à sociedade, preenchidas eventuais condições de elegibilidade. E porque de direitos se trata, deverão existir despidos de qualquer preconceito ou estigma, salvaguardando, também, ou acima de tudo, a dignidade dos seus beneficiários. Uma dignidade difícil de se conceber num contexto de privação material severa que, em 2018, no nosso país, atingia mais de meio milhão de portugueses, de acordo com os números do último Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do Instituto Nacional de Estatística. Esta circunstância de privação material severa é medida através da identificação de nove dificuldades que as pessoas poderão enfrentar, designadamente, a incapacidade financeira para:
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assegurar o pagamento de uma despesa inesperada próxima do valor mensal da linha de pobreza; pagar uma semana de férias, por ano, fora de casa; pagar algumas prestações regulares associadas à sua habitação; possuir um automóvel; realizar uma refeição de carne ou peixe ou equivalente vegetariano, pelo menos de 2 em 2 dias; manter a casa adequadamente aquecida; possuir uma máquina de lavar roupa; possuir uma televisão a cores; ou possuir um telefone fixo ou telemóvel, e ocorre quando se verificam, pelo menos, quatro destas dificuldades. Se, numa sociedade institucionalmente desenvolvida, as respostas aos riscos sociais não poderão assentar numa base puramente voluntariosa, sujeita a decisões e alterações por vezes impossíveis de escrutinar, isto é, não poderão seguir uma lógica de caridade, enquanto o Estado Social não conseguir assegurar a dignidade de todos os seus cidadãos, precisamos do Natal… aliás, precisamos de muitos Natais. Este Natal, seja caridoso, durante o ano, seja solidário.
Sobre o autor Economista, Universidade do Minho.
NEGÓCIOS Opinião
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VÍTOR SOBRAL Um chef com bichinhos carpinteiros FRANCISCA VAN ZELLER O vinho como ice breaker de todos os momentos SUGESTÕES VINÍCOLAS Vinhos para todos os gostos!
Os paladares surpreendentes, os rostos da gastronomia e os espaรงos de culto.
À CARTA Vítor Sobral
Vítor Sobral, um chef com bichinhos carpinteiros COM UM PERCURSO DE ESTRELA NO MUNDO DA GASTRONOMIA PORTUGUESA, VÍTOR SOBRAL É, COMO OUSAMOS DIZER, O CHEF COM MAIS BICHINHOS CARPINTEIROS DO NOSSO PAÍS. INVENTANDO, REINVENTANDO E DEIXANDO AINDA ESPAÇO PARA OUTRA INVENÇÃO A SEGUIR, VÍTOR SOBRAL É COZINHEIRO, CONSULTOR, AUTOR DE LIVROS DE RECEITAS, EMPRESÁRIO E... PAI, O PAPEL QUE LHE ASSENTA COMO UMA LUVA! NUM MOMENTO EM QUE ACRESCENTA UM NOVO MEMBRO À FAMÍLIA DA ESQUINA, O TALHO DA ESQUINA, FOMOS SENTAR O CHEF À MESA, NUMA CONVERSA SOBRE O MUNDO QUE CONSTRÓI NA SUA COZINHA. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
uando pesquisamos o nome “Vítor Sobral” no Google há uma frase que se destaca: o homem que modernizou a gastronomia portuguesa. Não sabíamos bem ao que isto se referia... até termos conhecido, em carne e osso, Vítor Sobral. O chef, que diz que com três anos já untava formas porque queria ajudar a mãe a fazer bolos, recebeu-nos na sua nova casa, no número 15 da Rua Correia Garção, mesmo em frente à Assembleia da República, em Belém: o Talho da Esquina. Quando entramos, à hora de almoço, fomos de imediato convidados a sentar-nos à mesa, mas não sem antes admirarmos a obra de Bordallo II, que preenche as paredes deste novo nome do império “da Esquina”. Com as moelas de peru com sabor ao típico churrasco português e o creme de cogumelos como entrada para uma conversa sobre gastronomia, o chef Vítor Sobral falava-nos sobre este novo projeto que se junta à família da Tasca da Esquina, Peixaria da Esquina, Balcão da Esquina e Padaria da Esquina ao mesmo tempo que deitava um olhinho ao trabalho da jovem equipa que o acompanha. “Eu acho que, como cozinheiro, tenho de ter uma preocupação: dar aos meus clientes o melhor que posso”, começa por dizer o chef. “Hoje, muito se fala de cozinha vegana, de cozinha vegetariana... mas e o resto? Honestamente, acho que a preocupação não deveria ser se somos veganos, se comemos carne ou se comemos peixe... O que tem de ser levado em consideração é se estamos a comer bem ou mal!”, afirma Vítor Sobral, continuando: “E o que é comer bem? É saber a origem dos produ-
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“Acho que a preocupação não deveria ser se somos veganos, se comemos carne ou se comemos peixe... O que tem de ser levado em consideração é se estamos a comer bem ou mal!”
tos e comer os alimentos o menos processado possível. Essa é a minha proposta tanto na Peixaria, na Tasca, no Balcão, na Padaria e agora no Talho da Esquina!”. Com conceitos que se ligam à nossa maneira de comer em Portugal, Vítor Sobral divide-se entre projetos, mas confessa que o rótulo de “modernizador” da gastronomia portuguesa é-lhe estranho: “Eu acho que contribuí bastante para a gastronomia portuguesa ao dar uma imagem diferente daquilo que é o cozinheiro e, ao mesmo tempo, ao lutar por aquilo que é nosso. Acho que esse é o meu grande contributo. Mas não acho que reinventei... o que é reinventar?”, comenta, divertido, enquanto nos serve Lasanha Vegetariana, um dos pratos na ementa do Talho, precisamente para mostrar que também há uma opção para quem afasta a carne das suas escolhas. “Penso que dei dignidade à profissão, isso sim!”, diz-nos o chef. Acreditando que, hoje em dia, um cozinheiro português que se preze tem de conhecer as raízes da cozinha tradicional portuguesa, Vítor Sobral recorda-nos o seu passado enquanto nos enche o prato, desta vez com uma carne ‘verde’, da raça Angus. “Eu sabia que queria ser cozinheiro, mas não sabia que tipo de cozinheiro. Percebi que, para ser um cozinheiro diferente ti-
À CARTA Vítor Sobral
nha que, cada vez mais, me formar. Começo então a viajar e procuro formação em França. Rapidamente entendi que, se usasse a técnica da cozinha francesa naquilo que é português, eu iria conseguir fazer uma cozinha portuguesa atualizada. Para mim era muito mais desafiante fazer alguma coisa que fosse nossa, também devido às minhas raízes: venho de uma família de agricultores, cresci com rituais de ceifa, a ver cozer o pão, a assistir à matança do porto, a fazer queijo de ovelha e de cabra... De alguma forma, achei que para fazer diferente e para enaltecer aquilo que é nosso, tinha de seguir este caminho. Por isso, decidi que não queria fazer uma cozinha que não tivesse a nossa matriz, porque queria, efetivamente, preservar as minhas raízes e a minha cultura”, explica Vítor, evidenciando assim o porquê de, na cozinha do Talho da Esquina, só entrarem carnes portuguesas que relembrem os típicos churrascos: carne bovina, de aves, de porco e de cabrito. “Teria sido mais fácil se eu, no início da minha carreira, tivesse seguido a cozinha francesa, mas abdiquei disso. Embora tenha que dizer que, se tiver de cozinhar algo com base na cozinha francesa ou até italiana, eu não só consigo como os cozinheiros franceses e italianos têm de se pôr em sentido!”, graceja o chef. Tecendo alguns comentários sobre a maneira como hoje alguns chefs portugueses atuam, tentando replicar as cozinhas francesas, italianas, espanholas,
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“Talvez, no futuro, venha a criar algo ligado ao bacalhau. Também gostava muito de fazer um restaurante clássico português, mas esse clássico não vai ser mais do que a mistura de tudo isto que já construí”
indianas e até japonesas em vez de aprimorarem a sua formação a nível de gastronomia portuguesa, Vítor Sobral desvaloriza a polémica em torno do consumo de carne e faz um balanço bastante positivo dos primeiros tempos do Talho da Esquina. “O feedback é bom! Tive uma grande ajuda: o reitor da Universidade de Coimbra pôs o tema da carne na discussão. Então, tem surgido muita informação para as pessoas e o tema da carne virou moda. Existe a fração que diz que se comermos carne vamos matar um animal e existe a outra fração que diz que, se tirarmos os animais da nossa alimentação, o planeta não sobrevive. Tudo o que é polémico, na verdade, funciona. Mas há uma coisa que tenho de dizer: se nós abdicarmos de comer proteína animal e se nós temos de ingerir proteína, de onde é que a proteína poderá vir? Como é evidente, há outros produtos que têm proteína, como por exemplo a soja. Mas há algum ingrediente mais cultivado de forma massiva, mais transgénico, do que a soja neste momento?”, declara o chef, enquanto nos serve Costela de Boi, uma carne que por norma não é aproveitada, acrescentando: “Gostaria de deixar claro que toda a carne bovina em Portugal é de pasto intensivo. Hoje fala-se que a carne bovina contribui para a nossa pegada ecológica, mas, em Portugal, segundo as fontes do Ministério da Agricultura, polui-se 5%, o que significa que o pasto compensa essa percentagem”. Contando-nos que tem um grande projeto na forja, mas
À CARTA Vítor Sobral
que não revela para já para não agoirar, Vítor Sobral acredita que ainda pode juntar mais um membro à sua família da Esquina: “Talvez, no futuro, venha a criar algo ligado ao bacalhau. Também gostava muito de fazer um restaurante clássico português, mas esse clássico não vai ser mais do que a mistura de tudo isto que já construí. Penso que, se eu tiver um restaurante onde se coma carne, peixe ou comida de tacho e de forno como eu acho que se deve comer, para mim está bem. E, caso me façam um desafio, como já fizeram, para abertura de um restaurante em Londres, outro em Nova Iorque e outro em Paris e eu considere que o projeto tem pernas para andar, arrisco-me a dizer que gostava de aceitar. Algo com arestas bem limadas. Eu, como costumo dizer, já não vou para novo... e tenho já trabalhado muito durante a minha vida”, garante. “Acreditem que são já muitos anos!”, reafirma Vítor Sobral, enquanto já nos encaminha para a sobremesa... com um toque bem português, como não poderia deixar de ser!
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VINHOS Francisca Van Zeller
Francisca Van Zeller, o vinho como ice breaker de todos os momentos CRESCEU ENTRE VINHAS, COM UM APELIDO QUE LHE DEU UM LEGADO DE RESPONSABILIDADE. JOVEM, COMUNICATIVA E APAIXONADA PELA TRADIÇÃO DO DOURO E DOS VINHOS DA REGIÃO, FRANCISCA VAN ZELLER É UM ROSTO DA NOVA GERAÇÃO VINÍCOLA QUE PROMETE REVOLUCIONAR A ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO DOS VINHOS PORTUGUESES E IMPOR A QUALIDADE DAQUILO QUE NOS TORNA ÚNICOS: O COSTUME DE UM POVO E A EXCELÊNCIA DOS VINHOS DO PORTO. COM A QUINTA VALE D. MARIA, UMA DAS MARCAS DO GRUPO AVELEDA, COMO CENÁRIO DESTA ENTREVISTA, A RUA CONVERSOU COM A BRAND MANAGER E CONSULTORA FRANCISCA VAN ZELLER SOBRE MEMÓRIAS, SONHOS E DESAFIOS. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA D.R. e Nuno Sampaio
meu pai desde pequena e era típico provar o vinho com o dedo, mas adorei essa experiência, na altura, e foi quando eu disse: “Eu quero fazer isto para o resto da minha vida!”. Mas o ‘só fazer isto’ não me alimenta essa tal veia da comunicação e esta vontade que eu tenho de estar muito próxima das pessoas.
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Francisca cresceu no meio de vinhas. As suas memórias de infância estão ligadas a este percurso da produção de vinho? Que memórias guarda desses tempos? Brinquei muito! Tive a sorte de crescer rodeada de natureza, animais e outras crianças, desde primos a filhos de amigos. As vinhas e o Douro eram o meu campo para fazer casas e descobrir caminhos, fazer explorações ou montar burros. Para mim, isto não era um negócio, essa relação só aconteceu muito mais tarde. A vinha e o campo sempre me trouxeram memórias tão positivas que, de repente, isso ter virado um negócio até me faz, de certa forma, resistir, porque para mim isto tem de ser divertido. A minha vida sempre foi à volta de muita gente e eu adoro isso. Quantas mais pessoas, de diferentes partes do mundo, estiverem à minha volta, melhor! Penso que, no vinho, continuo a poder alimentar esse lado, não só de viajar, mas também de receber as pessoas.
Procurou, de facto, formação numa outra área. Primeiro, a Francisca tirou História e depois um mestrado em Jornalismo. Essa vertente de aliar a história à comunicação sempre foi muito importante? É interessante, hoje em dia, compilar estes pilares todos da sua formação? Exatamente. O vinho, enquanto produto, tem de ser bom, como é óbvio, e tem de proporcionar uma experiência agradável a quem o bebe. Depois, a densidade que o vinho tem, cresce muito mais consoante a história que está por detrás da sua produção. Acho que, a partir do momento em que percebi que podia estar em contacto com as pessoas e contar uma história que me alegra e se refere às minhas raízes, ao meu país e à minha região, para além de me trazer várias memórias positivas e felizes, senti que estou no sítio certo. Gosto imenso de poder passar sensações positivas a alguém que nunca esteve em contacto com Portugal ou com o Douro. Esse papel de embaixadora do Douro acarreta uma grande responsabilidade, certo? (risos) Acho que o vinho permite que as pessoas tenham sensações positivas, sensações que lhes acrescente algo na
Costuma dizer-se que o vinho liga as pessoas. A Francisca também sente isso? Sim, completamente! É um ice breaker de conversas. Gera muita curiosidade! O vinho é um dos poucos produtos da natureza que consegue envolver tantas histórias e tantas sensações. O facto de ser do Douro é uma sorte, mas considera que era isto que queria fazer a nível profissional? O que é que estava nos seus planos quando era mais nova? Eu sempre quis fazer vinho! Quer dizer, a primeira coisa que quis ser foi treinadora de golfinhos (risos) Mas, concretamente, a primeira vez que fiz um blend, fora da minha zona de conforto, tinha dez anos. Sempre cheirei vinhos com o
SABORES Francisca Van Zeller
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vida, logo num primeiro contacto. Penso que, na vida, temos de poder proporcionar alegrias! Há pessoas que têm como função a saúde ou a educação... eu acho que tenho a função de prazer, de passar boas sensações e de alegrar! (risos) Ter crescido no meio dos Douro Boys trouxe valor ao seu trabalho? Eu tenho a sorte de me terem educado sobre vinhos e ter convivido com os grandes produtores da região. O facto de ter crescido no meio dos Douro Boys e de ter o meu pai [Cristiano Van Zeller] como um exemplo de grande produtor de vinho (e muito conhecedor), fez-me ouvir histórias durante a vida toda, fez-me pôr a mão na massa e fazer, efetivamente, vinho. Agora, sinto-me perfeitamente segura para formar, não uma opinião, mas perspetivas do mundo e da vida. Portugal tem muito para oferecer nesse sentido, assim como o Douro, por si só. E falar de vinho é como falar de alguém de quem se gosta muito? Confesso que o Vinho do Porto é o meu ponto fraco ou a minha paixão. Se há produto que eu queria ver a voltar a renascer na nossa geração é o Vinho do Porto. Para mim, seria um gosto tremendo voltar a ver as pessoas a consumir algo que eu sei que é maravilhoso e único.
“A primeira vez que fiz um blend tinha dez anos. Mas sempre cheirei vinhos com o meu pai desde pequena e era típico provar o vinho com o dedo”
Quais são então os próximos desafios? O desafio passa por uma estratégia, ou seja, temos de ter coragem de tomar um caminho, que, às vezes, não é a distribuição por si só. Temos de ser muito focados, temos de perceber quem são os nossos targets. Acho que cada uma das regiões tem de saber perfeitamente qual é a sua identidade e qual é a sua capacidade de fazer uma oferta. Nunca devemos ir pelo preço. No caso do Douro, que é a região da qual eu sei falar melhor, temos de trabalhar pelo fator de diferenciação, qualidade e de raridade. É impossível nós produzirmos vinhos, como existem no Douro, noutras regiões no mundo. Penso que a nossa estratégia de comunicação tem de seguir o caminho da raridade do Douro, assente na história inegável que nós temos, com tradição, com famílias antigas, com edifícios, com quintas lindíssimas e com magníficas paisagens. Essa deveria ser a estratégia do Douro e da comunicação dos vinhos da região, aliada à gastronomia e ao turismo. Quase como oferecer um pack completo? Todas as regiões podem oferecer um pack completo, mas aquilo que nos torna únicos tem a ver com esta rusticidade e a tradição. Quando me perguntam: “Que legitimidade tens tu para fazer um vinho com tantas castas?” Eu tenho a legitimidade de 400 anos de produção, de as castas pertencerem aqui e de eu não querer quebrar o meu perfil só para ir de encontro ao que é mais fácil. Convidamos a Francisca a olhar à sua volta, aqui na Quinta Vale D. Maria. Que significado tem tudo isto para si? Para mim, embora isto seja um vale mais fechado e apertado, significa uma abertura para o mundo. Vejo sempre o vinho como uma porta para o mundo e, fazendo agora parte da Aveleda, essa ideia foi ainda mais solidificada. Essa nossa capacidade de levar o vinho além-fronteiras permitiu criar pontes com outras culturas, com outras gastronomias e isso é, sem dúvida, uma das componentes que me atrai. Falando também da sua paixão pelo Douro, a Francisca está envolvida em vários projetos. Gostávamos de perguntar: qual é o próximo passo? Agora tenho um desafio incrível, que me foi proposto pela Aveleda, que tem a ver com a comunicação institucional da empre-
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sa, que está a passar por novas apostas e eu adoro esse tipo de desafio. O facto de comunicar uma empresa que tem valores familiares, que tem aquela propriedade belíssima, que se preocupa com o vinho e com quem o trabalha, motiva-me imenso! No que diz respeito à Quinta Vale D. Maria, eu acho que os alicerces estão criados e agora é deixar florescer. Quero ver a Quinta Vale D. Maria a chegar às melhores castas de vinhos do mundo, ter o prestígio e o reconhecimento que eu acho que os nossos vinhos merecem, não só por serem nossos, mas como a marca do Douro merece e isso, talvez, seja uma parte mais de maturação. Quero também criar mais mancha de comunicação, interações e associações no Douro. Falo, por exemplo, do trabalho com as D’UVA - Portugal Wine Girls e a associação United Wine Women. Eu gosto imenso de criar sinergias e de cruzar ligações com outras pessoas, do mesmo negócio ou fora dele. Por fim, posso dizer ainda que tenho um sonho, que está totalmente dependente de mim nesta fase: a criação da primeira associação de vinhos fortificados do mundo. Já tenho
“Confesso que o Vinho do Porto é o meu ponto fraco ou a minha paixão. Se há produto que eu queria ver a voltar a renascer na nossa geração é o Vinho do Porto”
SABORES Francisca Van Zeller
os associados, é uma questão de implementar. Acho que os vinhos fortificados, como o Vinho do Porto, o Moscatel de Setúbal ou o Xerez são raros no mundo e o que os forma é um contexto histórico e uma posição geográfica. Acho isso muito bonito porque é um produto que sobrevive anos e anos e que nunca ninguém esquece de onde é que ele veio. São como uma pedra rara! Então, é como se o vinho falasse por si próprio. O que acha que o Quinta Vale D. Maria Vinha da Francisca 2016, considerado o melhor vinho do ano no concurso Vinhos de Portugal, diria? Se esse vinho falasse? (risos). Acho que diria: “Bebam-me!” Se pudéssemos deixar aos nossos leitores um convite para experimentar algum vinho aqui da quinta, esse seria uma escolha? Sim! Sugeria o vinho Quinta Vale D. Maria Vinha da Francisca 2016 e ainda um vinho muito especial que lançamos recentemente, uma colheira de 1969. É uma raridade de vinho! Claro que eu adoraria dá-lo a provar, mas, literalmente, só temos duas pipas. Acho que é uma experiência inesquecível! Também sugeria o novo Rufo que, com a colheita de 2017, acho que demos um salto qualitativo brutal. Uma última pergunta: para a Francisca, um momento perfeito envolve um final de tarde na Quinta Vale D. Maria, um por do sol sobre as vinhas e um copo de vinho? É esse o seu momento perfeito? (risos) Sim, mas não posso estar sozinha!
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VINHOS Sugestões
Vinhos para todos os gostos! POR Andreia Filipa Ferreira
Os vinhos da Casa Relvas Com paixão pelo Alentejo, e amor por Portugal, a Casa Relvas tem desempenhado um papel importante na seleção de castas de origem portuguesa. Com mais de 500 medalhas obtidas em concursos internacionais, a Casa Relvas é a responsável pelos vinhos Herdade de São Miguel. São vinhos robustos, vigorosos e frescos provenientes do terroir especial dos solos de xisto alentejanos.
Wines by Heart Localizada em Lisboa, a Wines by Heart é uma garrafeira premium com wine experience que nasce da paixão pelo vinho dos amigos Guilherme Corrêa, Henrique Mignoni, Igor Beron e Rômulo Mignoli. No mesmo espaço, podemos adquirir, provar e harmonizar os melhores vinhos com uma gastronomia de excelência. Aqui podem ser encontradas 1100 referências nacionais e internacionais de vinho.
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SABORES Vinhos para todos os gostos
A Quinta da Bacalhôa e o seu Serras de Azeitão Considerada uma das maiores empresas vinícolas de Portugal, presente em sete regiões com um total de 1200 hectares de vinhas em 40 quintas, a Quinta da Bacalhôa é uma das nossas sugestões, nomeadamente os seus vinhos Serras de Azeitão Branco 2018 e Tinto 2018, inspirados na paisagem natural da serra da Arrábida e de Setúbal. No entanto, a cereja no topo do bolo, é o Moscatel de Setúbal 2016, de aroma intenso e frutado, perpetuando a sensação de amargo doce.
Alvarinho Soalheiro em versão aguardente A Quinta de Soalheiro localiza-se em Melgaço e é um dos mais importantes nomes do Alvarinho. Nesta época, sugerimos que experimente a Aguardente Velha Quinta de Soalheiro, produzida a partir dos melhores bagaços da casta Alvarinho. O sabor é suave e muito persistente.
Quinta de Lemos e a reputação Michelin O restaurante Mesa de Lemos, localizado em Viseu, foi recentemente galardoado com a sua primeira estrela Michelin e, para isso, muito contou a harmonização feita com os vinhos que são servidos à mesa: os vinhos Quinta de Lemos. Sugerimos que experimente os novos Rosés da marca, Geraldine Rosé e Geraldine Branco, dois espumantes monocasta (um de Touriga Nacional e outro de Encruzado, uma casta exclusiva do Dão).
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TWO PINACOLADAS TO GO Um bilhete só de ida TIVOLI PALÁCIO DE SETEAIS A magnitude de uma história de amor DESCOBERTAS Refúgios imperdíveis em 2020
Os destinos a descobrir, os locais a explorar e as memรณrias de aventura.
VIAGENS Two PinaColadas To Go
Two PinaColadas To Go, um bilhete só de ida RITA RODRIGUES E PEDRO XAVIER SÃO DOIS JOVENS NATURAIS DE GUIMARÃES QUE SE AVENTURARAM À DESCOBERTA DO MUNDO. NA PÁGINA DE INSTAGRAM TWO PINACOLADAS TO GO PODEMOS ENCONTRAR O REGISTO DAS SUAS VIAGENS: FILIPINAS, MALÁSIA, SINGAPURA, VIETNAME, SRI LANKA, ÍNDIA E, MAIS RECENTEMENTE, O NORTE E LESTE DA EUROPA: HUNGRIA, ROMÉNIA, BULGÁRIA, UCRÂNIA... E O ESPÍRITO NATALÍCIO DA ESCÓCIA, LETÔNIA E LITUÂNIA. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Two Pinacoladas To Go
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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Deixar tudo para trás e partir à descoberta não é tarefa fácil. Sentiram algum receio inicial? Qual era a vossa maior preocupação? Nunca tivemos grande receio de nada. A nossa grande preocupação nunca foi o que poderíamos vir a encontrar, mas sim o que deixaríamos para trás: para além do conforto de casa, com pais e irmãos, os convívios com os amigos aos fins de semana. De todos os locais por onde já passaram, conseguem nomear a cidade que mais surpreendeu? Ou os locais? Varanasi, na Índia. Foi a cidade que causou o maior impacto. Nunca pensamos que tal desorganização pudesse existir. Uma vez íamos a pé no regresso para o nosso hostel e ficamos presos no trânsito. Entre outras pessoas a pé, carros, motas, bicicletas, triciclos, vacas, cães, porcos e cabras ficámos cercados sem nos conseguirmos mexer em nenhuma direção durante cerca de cinco minutos. É a mais caótica de todas as cidades que visitámos na Índia. Hoi An no Vietnam foi uma boa surpresa, por ser uma cidade que investe na limpeza das ruas, na sustentabilidade e organização de eventos e projetos culturais. Num arquipélago das Filipinas vimos praias paradisíacas com água azul turquesa e, ao lado, na cidade onde estávamos hospedados, a água que saía da torneira era castanha. Até chegamos a ficar doentes devido à precária rede sanitária da cidade.
O
que motivou a criação do Two PinaColadas To Go? Há quanto tempo viajam e por quanto mais tempo vai durar a vossa aventura até regressarem às origens? Fizemos a nossa primeira viagem juntos em 2012. Fomos a Roma! Nas viagens que fazíamos íamos tirando fotografias dos dois, mesmo sem ser de forma tão trabalhada e sem intenção de as publicar. Gostávamos de as ter para nós. No ano passado, quando fizemos uma viagem a Marrocos, decidimos começar a fazer de maneira diferente e a pensar na possibilidade de criar um blog com fotografias e dicas de viagens.
O que mais vos agrada quando chegam a um novo destino? Como grande parte das pessoas que viajam, conhecer novas culturas, novas pessoas ou novos locais são os pontos principais da nossa viagem. Gostamos de encontrar locais pito-
Presumimos que existe alguma curiosidade por detrás do nome. Podem contar-nos? Nós queríamos um nome que fosse invulgar e não tivesse palavras óbvias como “travelers” ou “wanderers”. Estivemos algum tempo a pensar em possibilidades e acabamos por fazer uma lista grande de nomes. Acabou por ser mais extenso do que aquilo que queríamos no início, mas foi o que nos soou melhor e o que gostamos mais. O nome é uma mistura do conceito de “Coffee to go” à americana, que sugere que nós não ficamos muito tempo no mesmo sítio e planeamos as coisas em andamento, mas com a nossa bebida preferida (piña colada) que faz lembrar férias e climas tropicais.
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CADERNO Título da Reportagem
de cinzas! (risos) Mas estas são situações que não são graves, que acabam por se tornar engraçadas. Como é que tem sido esta adaptação constante a novos locais e culturas diferentes? Tentamos sempre respeitar as culturas e experienciar parte delas. Gostamos de conhecer as tradições e as comidas locais e, por isso, também tentamos sempre ir aos sítios que os locais frequentam – e não só pontos turísticos. É bom ver que, num mundo cada vez mais globalizado, ainda há locais autênticos e que mantêm a sua identidade. Em que lugar se encontram neste momento e qual será o próximo destino? Estão motivados com o futuro? Depois de termos estado no Sri Lanka, voltámos à Tailândia e seguimos para Laos. Agora estamos pela Europa, para visitar o Leste e o Norte: países como Hungria, Roménia, Bulgária e Ucrânia. Continuaremos a subir em direção aos mercados de Natal na Estónia, Letónia e Lituânia.
rescos, com arquitetura peculiar e pontos pouco conhecidos e fora da rota turística. Gostamos também de “riscar” esse local da nossa lista infinita de coisas a visitar. Já passaram por alguma situação menos agradável nesta aventura? Ou algum momento que, por alguma razão especial, vos tenha ficado na memória? Fomos perseguidos em Agra por um tuk-tuk e nas Filipinas fomos maltratados algumas vezes quando nos recusamos a dar aquilo que nos pediam pelos táxis e tuk-tuks. Em contrapartida, recordámos com carinho um dia em que se instalou uma tempestade de areia, nós não tínhamos transporte e tínhamos que descer uma montanha durante cerca de quatro quilómetros a pé até à cidade mais próxima. Uma família indiana ofereceu-nos boleia! Também tivemos a ajuda de uma senhora muito querida em Alleppey (Índia), que às 21h nos viu na rua desorientados e nos levou à estação de comboios, tratando de tudo por nós. Também já aconteceu de termos baratas na casa de banho ou cruzarmo-nos com ratos nos hotéis. No Nepal, ficámos sem um casaco quando estávamos num templo, porque enquanto estávamos a tirar uma fotografia, começou uma ventania que levou o casaco para cima das tábuas onde fazem as cremações. O casaco ficou cheio
BÚSSOLA Two PinaColadas To Go
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REFร GIO Tivoli Palรกcio de Seteais
Tivoli Palรกcio de Seteais, a magnitude de uma histรณria de amor POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaiow
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á poucos locais no mundo que conjuguem, na perfeição, sensações tão diversas como a vila de Sintra. Com uma atmosfera natural que nos envolve num ritmo lento, que nos obriga a respirar fundo e a absorver todos os detalhes, da História à luz que cai sobre o Palácio da Pena, lá no cimo, Sintra é mistério, é encanto e, sobretudo, é memória. E é de memórias que começamos por falar nesta reportagem: Há muito, muito tempo, uma princesa moura que vivia em Sintra apaixonou-se por um cavaleiro do rei D. Afonso Henriques. Era um amor proibido, em tempo de guerra. Por isso, uma feiticeira rogou uma praga à princesa: ao sétimo “ai” que ela gritasse, morreria com uma faca no coração. Muitas tentativas foram feitas para que a princesa moura pronunciasse sete “ais”, mas, no derradeiro, a princesa não morreu. Reza a lenda que o seu amor pelo cavaleiro era tão grande que a salvou da morte. É com esta história que apresentamos o recanto mais belo de Sintra: o Tivoli Palácio de Seteais, um hotel de cinco estrelas onde o luxo e o romance está visível na arquitetura, na decoração, nos frescos pintados nas paredes... Com todo o requinte de um palácio de arquitetura neoclássica do século XVIII, este hotel tem a particularidade de guardar com beleza evidente contos de reis e rainhas. Na verdade, o palácio foi construído para receber o rei D. João VI e a sua família. Contudo, o rei nunca apareceu, tendo fugido para o Brasil devido às invasões francesas, juntamente com a sua esposa D. Carlota Joaquina, deixando o palácio ao abandono. Mais tarde, num leilão público, o embaixador holandês Daniel
Com as melodias clássicas a ecoar pelos corredores, a magia do Palácio de Seteais desdobra-se em 30 quartos ricamente decorados com pinturas e tapeçarias, com vistas para a serra de Sintra, para o Castelo dos Mouros ou para o Palácio da Pena.
Gildemeestre, com um negócio de diamantes em Portugal, adquiriu o palácio com o objetivo de o tornar “a casa de verão” para o seu filho, que acabou por detestar o clima de Sintra. Anos mais tarde, o Marquês de Marialva comprou o palácio e tornou-o a sua casa de verão também. Hoje, o Palácio de Seteais faz parte do grupo hoteleiro Tivoli e é um deslumbrante refúgio com todo o esplendor de Sintra. Com o famoso arco que funciona como miradouro perfeito para o Palácio da Pena a dividir as duas alas do hotel, a imponência deste espaço mostra-nos quão pequenos nós somos... mas o interior deslumbrante revela-nos a sorte que temos em poder olhar, de baixo para cima, para os magníficos detalhes ornamentais. Começamos por destacar o Salão Nobre, um espaço quase sem fim, graças à não ligação do teto com parede, que apresenta no seu todo frescos que contam uma história de amor (como não poderia deixar de ser) e fazem referência às quatro estações do ano. É um sítio perfeito para assistir ao por do sol sobre os jardins do palácio, durante um jantar romântico – ou quiçá esboçar um pedido de casamento. Com as melodias clássicas a ecoar pelos corredores, a magia do Palácio de Seteais desdobra-se em 30 quartos ricamente decorados com pinturas e tapeçarias, com vistas para a serra de Sintra, para o Castelo dos Mouros ou para o Palácio da Pena. Ao ficar aqui hospedado, sugerimos que assimile esta informação: vai dormir no mesmo quarto que estrelas de Hollywood, artistas reputados e personalidades influentes do nosso mundo! Já em termos gastronómicos, a estadia no Palácio de Seteais é sinónimo de experiências gustativas memoráveis: um menu diversificado, com destaque para os peixes, como o pregado, o pargo ou o bacalhau; as carnes vindas do campo diretamente para a mesa; e as sugestões vegetarianas. Para os apreciadores de vinho, a visita ao bar Seteais Colares Doc é imprescindível, um local exclusivo para degustar os vinhos da região de Colares.
BÚSSOLA Tivoli Palácio de Seteais
Todavia, a visita ao Tivoli Palácio de Seteais não termina sem uma experiência revigorante no Anantara Spa. Usufruindo das antigas instalações do pombal e da manteigaria, mencionada n’Os Maias, esta experiência no spa é uma autêntica viagem sensorial pela vila de Sintra: no silêncio das salas de tratamento, ainda antes das mãos da terapeuta Cátia Martins nos tocarem, somos facilmente transportados para os bosques de Sintra. O som da brisa lá fora parece trazer-nos o aroma das flores de lavanda que crescem nos jardins do Palácio, os sons dos pássaros que sobrevoam o mundo lá fora rodeiam-nos de vida, num chamamento imperdível para desacelerar e (re) conectar o nosso corpo (e alma) à natureza. Com vários tipos de tratamentos, desde massagens de relaxamento de assinatura Anantara a massagens terapêuticas com cristais ou rituais de vinoterapia, o spa inicia qualquer tipo de cuidados com um ritual relaxante de pés. Na sua essência, estão os melhores ingredientes de Portugal e da Tailândia, fundidos em óleos essenciais que proporcionam o êxtase do bem-estar. Sozinho ou acompanhado pela sua cara metade, o Anantara é o espaço perfeito para fazer uma pausa, para ouvir o seu corpo e libertar a sua mente. No final, um chá de gengibre, por exemplo, fará as honras da despedida, num momento contínuo de tranquilidade. Com a aura renovada, voltamos aos corredores do Palácio, num passo lento, aproximando-nos da saída. A nossa viagem encaminha-se, novamente, para a imensidão da serra de Sintra, no misticismo do nevoeiro. Na memória guardamos a hospitalidade das gentes e as harmonias da natureza.
REFÚGIO Descobrir em 2020
Refúgios imperdíveis a descobrir em 2020 POR Inês Rodrigues
Areias do Seixo, em harmonia com a natureza Um lugar mágico em Santa Cruz, a poucos quilómetros de Torres Vedras, este hotel de cinco estrelas está em perfeita harmonia com a natureza. Os pinheiros, as dunas e o mar contam-lhe ao ouvido os seus segredos. Composto por quartos com uma beleza extraordinária que encanta qualquer visitante, este hotel conta ainda com um restaurante inovador, que usa essencialmente o ciclo das estações para elaborar as ementas. A visita ao spa, aos terraços e aos pátios ao ar livre são fatores essenciais e que potencia o convívio entre os hóspedes. Um lugar onde todos os ingredientes que o compõem foram escolhidos a pensar no verdadeiro conforto.
Santa Bárbara Eco, o Paraíso entre o mar e a montanha Localizado na ilha de São Miguel, o Santa Bárbara Eco Beach Resort reflete a paixão pela praia de areias negras que contrastam de forma quase mágica com o azul do oceano e com os vários tons de verde das montanhas que servem de cenário de fundo. O resultado é um resort onde se respira a ilha na sua plenitude, com um total de 30 villas & studios que proporcionam estadias de harmonia ideal com a natureza. Onde a construção deu destaque à utilização de materiais naturais, com principal realce na madeira local, na cortiça, no bambu e elementos que representem as tradições dos Açores.
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BÚSSOLA Descobrir em 2020
Natura Glamping, no coração da Serra da Gardunha Em plena Serra da Gardunha, em Alcongosta, no concelho do Fundão, encontramos o Natura Glamping, um refúgio de tranquilidade de luxo a 930 metros de altitude. Com sete tendas em forma de domos geodésicos, uma espécie de iglôs gigantes, este projeto pretende despertar os sentidos dos visitantes, envolvendo-os com o meio ambiente e proporcionando contacto com a biodiversidade do território, a sua história, a sua cultura e os seus costumes.
Sublime Comporta Alentejo, na autenticidade de Grândola O Sublime Comporta, em Grândola, no Alentejo, é um lugar encantado, rodeado de natureza onde a tranquilidade, o conforto e a paz fazem deste lugar único. Os quartos e as villas ao estilo da Comporta dividem-se entre vários edifícios, garantindo intimidade ao hotel. Uma cabana de madeira, localizada no meio de um jardim de biodiversidade, rodeada por pinheiros mansos e sobreiros, onde se pode jantar à volta do fogo. No restaurante Food Circle, o chef e equipa proporcionam uma experiência gastronómica intimista e criativa, com produtos frescos, biológicos e orgânicos.
Vidago Palace Hotel, para reis e rainhas O Vidago Palace Hotel é a combinação perfeita de luxo e oferece um ambiente de culto à arte através da nobreza dos espaços e de uma atmosfera digna de reis. Com uma área fascinante, o Palácio faz um convite para desfrutar de experiências inesquecíveis, num meio de sofisticação e esplendor imbuído do charme e romantismo idealizado no século passado, durante o reinado de D. Carlos I. Com detalhes deslumbrantes, este hotel é um destino imperdível para quem gosta de combinar a sofisticação com o conforto.
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A elegância no seu estado puro e os desejos a cumprir.
Louis Vuitton, charme compacto A Louis Vuitton surpreendeu tudo e todos com as novas propostas para esta temporada. O modelo Valisette é uma bolsa compacta, produzida em couro natural, com um acabamento perfeito e destacando o icónico Monogram Canvas da marca. O design é inspirado na descoberta pelo mundo, através de uma carteira leve, que tanto pode ser transportada à mão, como ao ombro, destacando uma alça removível e ajustável, tornando-a prática para acompanhar qualquer momento do dia a dia.
Versace, precisão e intemporalidade em acessórios essenciais Icónico, divertido, inesperado e surpreendente, o V-Twist da Versace transmite uma série de sensações e procura ser um companheiro de todas as horas. A feminilidade, a sofisticação e a intemporalidade foram os pilares para a criação desta linha de relógios essenciais. O mostrador destaca o logótipo da marca e a pulseira em couro é ainda adornada com a inicial da marca em dois lados. Ao todo existem sete modelos diferentes, ideais para qualquer momento do dia.
Luis Onofre, o mundo aos nossos pés As botas e os botins da nova coleção são o destaque desta temporada. Do verniz ao efeito vinil brilhante, das texanas às above the knee, as novas propostas são imperdíveis. Mel, branco, cereja e cinza são as cores da estação e pretendem dar vida aos eternos pretos e brancos. As peles e as camurças suavizam o toque, numa delicadeza que transforma cada sapato num verdadeiro elemento de conforto.
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ATELIER Moda
Tommy Hilfiger, redefinir o poder do guarda-roupa feminino Como aconteceu com a coleção anterior, também a temporada de outono e inverno foi inspirada na icónica década de 70 e 80, para mais uma grande colaboração da marca com a artista Zendaya, que assumiu o papel de embaixadora feminina. Surgem opções marcantes que evocam a emoção da força e da confiança, em peças e acessórios poderosos que se fundem com uma imagem mais cool, característica da Tommy Hilfiger.
ATELIER Moda
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Montegrappa, um luxo que se escreve A coleção Mia Carissima Ebonite revisita um capítulo essencial na evolução da tecnologia da escrita e aprimora-a. A nova edição limitada retorna o grande tributo da Montegrappa à Primeira Guerra Mundial, através de três texturas novas: Mottled Petroleum Green, Mottled Brick Red e Mottled Blackcurrant. Esta coleção não recupera apenas os materiais, mas a funcionalidade das canetas-tinteiro da marca, que se apresentam em ouro de 18 quilates.
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ATELIER Moda
Scalpers, explorar a forte personalidade e o caráter masculino A nova coleção da Scalpers volta a surpreender com uma linha especial, pensada para o homem que gosta de acompanhar as tendências, mas que não abdica dos eternos clássicos. Sem perder a originalidade e a descontração que caracterizam a marca, a recente coleção é inspirada no conceito de vintage renovado. Surgem três linhas sofisticadas, elegantes e modernas: Smart Casual, Networking e Business Casual.
Quinta da Boeira, o vinho do Porto preservado num frasco E se o vinho do Porto se preservasse… num frasco de perfume? São 100ml de uma relíquia, um vinho do Porto de 1917, adquirido à família Strecht Ribeiro, que se “bebe” agora em curtas vaporizações, numa explosão de aromas particulares. O frasco de perfume conserva esta preciosidade antiga e rara, apresentando-a num estojo individual. O perfume pode ser adquirido na loja da Quinta da Boeira, online e em garrafeiras selecionadas.
Jimmy Choo, visuais marcantes que se destacam Incorporando o lado mais elegante e formal do homem Jimmy Choo, surgem óculos de sol e armações graduadas que apresentam detalhes requintados para proporcionar visuais diferentes. O modelo Jack é uma reinterpretação do icónico Carl, com uma armação em formato aviador, em metal, e pormenores embelezados com micro pinos nas hastes. São aplicados detalhes nas laterais em couro, que garantem um design sofisticado. Este modelo está disponível em diferentes tonalidades.
ATELIER Moda
MIA CARISSIMA_MOTTLED BRICK RED
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Omega, a hora da mudança Com mostradores elegantes, feitos em cerâmica, os novos relógios Omega celebram os 25 anos da coleção Seamaster Diver 300M, que se tornou numa linha lendária. Os novos modelos surgem com um design original, ao passo que o espírito marítimo é preservado, agora com novos materiais avançados. Com uma caixa de 42mm, os modelos incluem uma nova luneta cerâmica, além de garantirem elevados padrões de precisão, desempenho e resistência magnética.
Camacho, sensações ousadas para momentos únicos A Camacho Distillery Edition é uma coleção que junta os charutos mais vendidos da marca numa só caixa, oferecendo uma fusão de sabores mais intensa, complexa e particular. A ousadia de um sabor profundo encontra agora o equilíbrio perfeito, através de um toque mais delicado e forte para momentos inesquecíveis.
Jameson, brindar ao que ainda está por vir Para a época festiva, a Jameson preparou uma gama de propostas para celebrar o melhor da vida, junto de quem mais gosta. Debaixo da árvore de Natal, estará a nova garrafa que destaca a origem da marca, num envelhecido Jameson 18 ou, para aqueles que privilegiam os sabores mais suaves, uma garrafa de Jameson Black Barrel. Experiências únicas de aromas intensos marcam o começo de um novo capítulo.
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ATELIER Moda
Hackett London, propostas que aquecem os dias de inverno A Hackett London sugere uma vasta gama de peças de roupa e acessórios masculinos para complementar qualquer look nesta estação. Dos estilos mais formais aos mais clássicos, sem nunca perder a elegância, a nova coleção tem tudo o que é preciso para renovar o guarda-roupa. Os acessórios não são esquecidos e tornam-se na peça-chave desta temporada, prometendo facilitar a rotina agitada do quotidiano citadino.
ATELIER Moda
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PERFUMARIA Yntenzo
Yntenzo, a intensidade da perfumaria DE UMA EXPLOSÃO DE AROMAS E ESSÊNCIAS FORTES NASCEU A YNTENZO, UMA MARCA PORTUGUESA DE PERFUMARIA ARTESANAL. MISTURANDO INGREDIENTES NATURAIS, ORIUNDOS DE DIFERENTES PARTES DO MUNDO, SURGEM FRAGRÂNCIAS EXCLUSIVAS, PRODUZIDAS POR VERDADEIROS MESTRES DA ARTE PERFUMISTA, QUE PRIVILEGIAM A QUALIDADE, NUM PRODUTO POUCO CONVENCIONAL. CADA FRASCO CONTA UMA HISTÓRIA, CADA AROMA AVIVA-NOS UMA MEMÓRIA E CADA FRAGRÂNCIA DEMARCA UMA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DANIEL VILAÇA É O ROSTO DA MARCA QUE TROUXE UM NOVO AROMA AO CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DE BRAGA, NA RUA DO SOUTO, E A RUA ESTEVE À CONVERSA COM ELE. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
que o mercado pedia, quais eram as lacunas que existiam e tentei criar uma marca onde expressássemos a nossa visão da perfumaria do futuro. Porquê apostar numa perfumaria mais artesanal? A típica perfumaria já está muito massificada e nós, enquanto produtores de perfumes, termos uma marca própria não é muito comum. Temos a capacidade de trazer o nosso laboratório para as lojas, temos um aconselhamento mais personalizado e acho que faz sentido vendermos os perfumes pelos ingredientes. Um perfume até pode ser de marca, mas isso não é visível, temos de vender a qualidade e é nisso que apostamos.
Daniel Vilaça
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ntes de conhecermos a marca, gostávamos de descobrir um pouco do seu percurso profissional. O que é que fazia antes de criar a Yntenzo? Sempre trabalhou nesta área da perfumaria? Eu estava a estudar design e, em 2006, decidi criar a minha própria empresa. Viajei e andei à procura, até que encontrei uma empresa nos Estados Unidos que fazia marketing olfativo. Era uma coisa completamente nova e eu quis trazer essa ideia para cá. Comecei por representar essa empresa e a fazer campanhas de lançamentos de produtos com cheiro, assim como a aromatizar lojas, isto há 14 anos, e iam-me pedindo cada vez mais produtos, desde ambientadores, perfumes ou velas. Percebi que havia uma falha no mercado e que podia criar um negócio. Foi então que criei uma fábrica - somos a única fábrica de produção de perfumes em Portugal e temos uma capacidade produtiva muito grande: cerca de 20 mil frascos de perfumes por dia. Depois, senti a necessidade de ter uma marca própria premium. Quis criar uma marca que tivesse uma alma diferente. Entramos aqui na Yntenzo e não estamos numa perfumaria convencional, aqui proporcionamos experiências, temos uma perfumaria que é muito artesanal e apostamos mais no ingrediente. Qual foi a principal inspiração e o que é que motivou a criar a Yntenzo? A Yntenzo começou a ser pensada no início de 2018. Eu tinha bastantes ideias daquilo que queria, porque já tinha um percurso de mais de dez anos nesta área e fui vendo o que é
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Como funciona a produção e criação de um perfume? Primeiro temos de ter uma ideia do perfume para um certo público-alvo. Estamos a ir buscar algumas tendências do Médio Oriente, utilizamos muito resinas ou madeiras, e depois alguns ingredientes portugueses, como a castanha ou o pimento verde. O que fazemos de seguida é ir juntando ingredientes até termos uma formulação que nos agrade. Depois passamos para a parte de design e comunicação, porque tentamos contar sempre uma história em cada perfume. A mais recente coleção é dedicada ao período histórico dos Descobrimentos. Qual foi a ideia? A primeira ideia passa por levar a portugalidade lá para fora. Tudo o que temos na marca tem a ver com Portugal: os frascos de perfumes com os típicos azulejos; a linha dedicada à calçada portuguesa; os rótulos em tecido, devido à nossa enorme indústria têxtil... Quisemos fazer um tributo aos Descobrimentos e lançamos dois produtos. O primeiro é um whiskey e tabaco e o cheiro relembra um charuto molhado com whiskey. A ideia remete para as típicas naus portu-
guesas, que exportavam inúmeras especiarias, como tabaco e bebidas alcoólicas, e quisemos colocar um pouco desses cheiros num perfume. O segundo é um âmbar e agarwood, uma madeira fumada, que juntando ao âmbar dá um toque mais adocicado. Neste perfume está representada a rosa dos ventos, uma pintura manual a aguarela, e uma cronologia dos Descobrimentos. Os clientes podem fazer o seu próprio perfume? Temos uma agenda para reservas online, onde as pessoas podem marcar, pelo menos, com um dia de antecedência e temos uma primeira experiência que acontece no piso inferior, no nosso laboratório, para até duas pessoas. Aqui, o cliente é perfumista por um dia e tem acesso a 26 ingredientes de perfumaria, sempre acompanhado por um técnico que o irá ajudar e explicar todos os ingredientes que poderão ser misturados. Depois disso, faz uma primeira experiência de 10 ml, para ver se gosta, e no final cria um perfume de 100 ml, onde vai colocar um rótulo com o seu nome, a data e vai cravar o perfume de forma manual. Nós ficamos com a formulação gravada na nossa base de dados e o cliente pode, futuramente, encomendar online o seu perfume ou vir à loja e criar novamente o seu perfume, porque o interessante é manusear os utensílios de laboratório. Aqui estamos a misturar ingredientes de base, como lavanda, bergamota ou âmbar, e não perfumes já prontos. Podem ser feitas milhares de combinações diferentes e dificilmente alguém vai sair daqui com um perfume igual a outro, é exclusivo. Que tipos de produtos podemos encontrar e o que é que gostavam de ainda trazer para a marca? O nosso core são os perfumes, mas quisemos estender a oferta de produtos. Temos ambientadores, velas perfumadas, que
são 100% cera vegetal, cerâmicas perfumadas para colocar no carro ou em roupeiros e sprays para aromatizar tecidos, como cortinados e sofás. Também há uma linha de corpo, que tem produtos de gel de banho e de hidratação corporal. Como é que classificam a vossa tendência aromática? Presumimos que aromas intensos são uma escolha clara, correto? Na Yntenzo procuramos explorar a intensidade da perfumaria. Seguimos uma tendência de aromas mais amadeirados, como as resinas, ou das coisas mais doces, como o âmbar ou a baunilha, mas temos uma oferta muito variada. Temos perfumes mais frescos, como um especial de pimento verde, e temos outros com lima e mimosa. Cheirar um perfume nosso é completamente diferente de cheirar um convencional, até pelo próprio processo de produção do mesmo. Temos um processo de maceração do perfume, que fica a macerar em cubas durante cerca de dois a três meses, e depois são feitas filtragens. Apostamos em produtos 100% naturais e não temos nenhum de origem animal, assim como só utilizamos materiais recicláveis. Todas as nossas embalagens são ecológicas e mesmo o vidro é reciclável, para além de praticamente não usarmos plástico. Onde é que as pessoas podem conhecer e comprar os produtos da Yntenzo? Podem comprar aqui na loja de Braga, online ou em alguns distribuidores. Futuramente, a ideia é replicarmos a nossa loja própria noutras cidades, nomeadamente capitais da Europa.
ACESSÓRIOS âme moi
âme moi, malas com alma dentro (e fora) POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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CADERNO Título da Reportagem
É
numa tranquila freguesia de Vila Nova de Famalicão que encontramos um segredo repleto de alma e tradição: a âme moi, uma marca de malas de senhora fundada por Alberto Gomes e Margarida Jácome que imprime o nosso património cultural e os ofícios portugueses (principalmente da região Norte) em modelos intemporais, elegantes e sobretudo com o cunho de qualidade made in Portugal. Numa visita à fábrica e ao showroom desta marca que valoriza a identidade nacional, percebemos que há paixões que comandam a vida... e há malas para qualquer ocasião! Com a tradição como veia criativa, a âme moi é um projeto que nasceu há seis anos, fruto de um fascínio pelo universo equestre: os dois filhos de Alberto e Margarida são jovens cavaleiros que, com o seu talento, têm participado em competições nacionais e internacionais. Desta aventura, surge a intenção de eternizar numa marca a paixão equestre, uma marca que representasse a alma que une cavalo e cavaleiro. “Tal como qualquer mulher, a Margarida adora malas e, por isso, criar uma marca de malas foi um passo natural. Tendo em conta que a equitação é o único desporto que exige que dois seres vivos estejam em completa sintonia, pareceu-nos acertado darmos um nome à marca que indicasse essa ligação. O nome âme moi é uma referência a “alma” e “eu”. Apesar de não existir uma tradução literal, podemos assumir como “alma-me” ou “ama a minha alma”. Ao mesmo tempo, temos uma referência à alma dos cavalos e à ideia de que cada mulher coloca a sua alma em cada mala que usa. Cada mala de uma mulher é um mundo!”, explica-nos Joana Gomes, a diretora de comunicação da âme moi.
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ATELIER âme moi
Com o lema soulful bags soulful passion, a marca é um clássico intemporal, inspirando-se no universo dos carros clássicos, por exemplo, e evitando a azáfama da fast fashion. Aliás, numa tentativa de valorizar as suas coleções e as suas sugestões, a âme moi evita lançar coleções conforme as imposições do mercado, optando por fazer perdurar as suas ideias pelo tempo, inclusive através da criação de coleções especiais, como é o caso da linha inspirada nas obras de Amadeo de Souza-Cardoso ou a mais recente SCollection. “Basicamente, os nossos modelos são intemporais, apesar de fazermos algumas alterações, por exemplo, na cor. Tentamos que a mala não seja exclusiva de uma estação, não queremos cumprir a tirania do tempo. Os nossos modelos mais antigos estão em pé de igualdade com os mais recentes. Por exemplo, neste Natal, preparamos um refresh de um modelo antigo, a mala Amália [disponível em várias cores: Amália Santa Claus Red, Mystery Black e Awesome Greenish Blue]”, conta-nos Joana. Com alguns detalhes que nos levam para o mundo equestre, como o forro vermelho em representação do puro sangue ou os acessórios como o tassel de crina de cavalo natural, a marca continua a divulgar os seus modelos icónicos: a Lisbon, a Santana, a Chiado, a Vitória, a Carmelita... com portugalidade na sua essência! Disponível na Loja das Meias, em Cascais, na The Feeting Room, no Chiado, na Panamar no Porto, e ainda online no site da marca, a âme moi tem trilhado um percurso de sucesso, levando a identidade tradicional portuguesa em cada modelo em pele. Com algumas parcerias com unidades hoteleiras, que têm modelos da marca à venda, a âme moi mantém-se em constante transformação, numa transversalidade que desfaz o tempo.
Amália Santa Claus Red
DECORAÇÃO Baobab Collection
Baobab Collection: fragrâncias subtis para momentos distintos POR Maria Inês Neto
CADERNO TÃtulo da Reportagem
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Os aromas marcantes são o centro das atenções As velas são como contos que aguardam por serem contados, na ânsia de proporcionarem experiências sensoriais exclusivas, que resultam da fusão de aromas requintados com designs estéticos muito particulares. Cada vela conta uma história e tudo se funde num só propósito, ligando intimamente o nome, o aroma e os materiais. Selecionadas ao pormenor e com o maior cuidado, as matérias-primas são eleitas pela sua qualidade superior e propriedades ambientais, ao passo que todas as velas são produzidas à mão por mestres artesãos, garantindo que cada produto é único e exclusivo. Já considerada uma referência no setor, a Baobab Collection dispõe de uma seleção de cinco tamanhos diferentes de velas artesanais. O mesmo acontece com os difusores perfumados, marcados por um tamanho que os destaca como uma verdadeira peça de decoração que, não só se adequa a qualquer interior, como garante que esta é o centro de todas as atenções.
Coleção Vitrail
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estacando objetos particularmente espantosos, todos os produtos da Baobab Collection são criados com o objetivo de proporcionarem uma experiência única, tanto olfativa como estética. Cada vela é uma elegante peça de decoração e cada difusor uma explosão atraente de aromas. Caracterizadas por apresentarem desenhos originais e formas exclusivas, as velas (e os difusores) da marca são minuciosamente criadas de forma a manterem elevados os valores de artesanato e excelência desta marca belga. Através da seleção de materiais de alta qualidade e uma excelente precisão técnica na criação manual dos produtos, são criadas fragrâncias subtis que nunca passam despercebidas. Ainda que a marca encontre inspirações ilimitadas um pouco por todo o mundo, foi na paisagem encantadora da Tanzânia, com cores fortes e aromas únicos, que a Baobab Collection nasceu, em 2002. As coleções são inspiradas em lugares distantes e na natureza selvagem, características que se espelham nos designs originais e distintos dos produtos da marca. É na Bélgica que as criações são sonhadas, inspiradas pela criatividade, know-how e minimalismo elegante de um país reconhecido internacionalmente na esfera da decoração de interiores.
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ATELIER Baobab Collection
Coleção Nirvana
Nirvana, um estado de paz e alegria A coleção limitada Nirvana é um dos destaques que marca as propostas de inverno. A Baobab Collection quis espelhar uma sensação de paz, harmonia e proporcionar uma alegria contagiante. As velas e os difusores perfumados da coleção destacam nomes como Bliss, Holy e Spirit, relembrando a importância da intensa alegria, quase como uma bênção que despertamos. As cores são distribuídas livremente pelo vidro, numa textura que convida ao toque. A vela Bliss posiciona-se como um objeto de decoração extravagante, marcada por um perfume fresco que destaca uma fusão de frutas cítricas. Holy é uma vela perfumada e apresenta toques azuis que, quando acesa, a chama projeta uma luz calmante e harmoniosa. A terceira, Spirit, destaca uma mistura de incenso, cedro e baunilha, evocando a paz interior e a tranquilidade do lar. De acordo com a mudança do tempo e das tendências, a Baobab Collection cria duas coleções de edição limitada todos os anos, preservando um sentimento de admiração e de surpresa. Desde a loja primordial, situada em Bruxelas, até às lojas selecionadas, é possível encontrar os produtos da Baobab Collection em mais de quinhentos locais em todo o mundo.
ATELIER Baobab Collection
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AO VOLANTE Lotus Evija
Lotus Evija: 2000 CV e quase 2 milhões de euros de carro POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA JW Photography
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a história da marca britânica Lotus contam-se pelos dedos de uma mão os modelos icónicos que foram, ao longo dos anos, moldando o mundo automóvel, como o Lotus Seven, Esprit ou Elise. E, nos últimos anos, a marca apenas se dedicou a atualizar os modelos Elise, Exige e Evora. Este ano, depois de alguns rumores, eis que surge o Lotus mais potente de sempre, sob o lema For the Drivers. São 2000 cv de potência que levam este bólide de 1680 quilos a ultrapassar os 320 km/hora de velocidade de ponta, oferecendo uma autonomia de 400 quilómetros. O Lotus Evija terá as baterias colocadas a meio do carro, será o primeiro a ter faróis laser de série e foi desenvolvido pela Williams, histórica equipa da Fórmula 1 que atualmente também fornece baterias para a Fórmula E. A somar a isto, os 1.700 Nm de binário e a tração às quatro rodas fazem com que o Evija cumpra os 0 aos 100 km/h em menos de três segundos e os 0 aos 300 km/h em menos de nove segundos! O Lotus Evija é o primeiro modelo da marca britânica depois da aquisição por parte da Geely. A produção arranca em 2020 e já se fala de custos: 1.890.000€ ao qual ainda somam impostos. No entanto, a sua produção será limitada a apenas 130 exemplares – número que evoca a sua designação de código no desenvolvimento, Type 130. Os interessados neste modelo terão de deixar um depósito de cerca de 300 mil euros para garantirem uma reserva em seu nome.
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A FECHAR De olhos postos em...
Wandson Lisboa, sem filtros VINDO DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO, WANDSON LISBOA ATERROU NO PORTO HÁ DEZ ANOS. O OBJETIVO? ESTUDAR. O IMPREVISTO? TORNAR-SE O ÍDOLO ACESSÍVEL DE PORTUGAL! COM UM PERCURSO LIGADO À CRIATIVIDADE, AO DESIGN E AO STORYTELLING, WANDSON LISBOA É UM DOS ARTISTAS VISUAIS MAIS PROCURADOS PELAS MARCAS NACIONAIS E SOMA SEGUIDORES NO INSTAGRAM SEM MUITO ESFORÇO. ABRINDO-NOS AS PORTAS DE SUA CASA, WANDSON LISBOA PAGOU FINOS E RECORDOU MOMENTOS VIVIDOS NUM BRASIL QUE O TEM DEIXADO TENSO. ESTE É O WANDSON... SEM FILTROS! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
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amos fazer uma viagem no tempo. Estamos no Maranhão e tu és uma criança. Olha à tua volta e conta-nos: o que vês? Que memórias tens dessa infância? Eu correndo no meio da rua, indo para casa da vizinha e bater no portão para brincar com as minhas vizinhas. Ver a minha vizinha e a minha mãe a fazer salgadinhos juntas... e eu a ir roubar salgadinhos... ai! (suspiro) Lembro-me que era tudo muito livre. Os meus pais nunca me privaram de nada, de poder criar, de imaginar as coisas. Lembro-me bem de brincar na rua, no sol quente, descalço. Ficas nostálgico quando falas no passado? Agora fiquei! (risos) Quando vim para cá, para Portugal, foi um corte muito grande. Cortei muita coisa pela raiz, sem querer. Depois, qualquer momento que me remeta a alguma memória, um cheiro, uma foto, uma lembrança, faz com que eu fique... (suspiro) assim nostálgico. Sentes que foste uma criança feliz então? Completamente! Eu acho que começo a ter essa noção quando chego a adulto e percebo que os meus pais me deram muito amor. A minha infância foi tipo uma bolha que os meus pais criaram para mim, mas uma bolha boa! Ou seja, era como se eu vivesse num mundo mágico onde as coisas aconteciam claro que com responsabilidade, porque nós sabíamos as nossas privações... nunca fomos uma família rica.
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Falaste-nos dos cheiros do Maranhão. O que sentes mais falta desse Maranhão da tua juventude? Eu já estou em Portugal há quase dez anos e, na verdade, continuo a ter vontade de ter um chão. Às vezes ando por aqui e parece que não sinto o calor do chão. Aqui ainda não senti que fosse a minha casa, apesar de todos me terem abraçado com muita força. Tenho sempre saudades de casa... e sempre penso que sou um louco a vaguear por Portugal (risos) Metaforicamente, sinto que ainda não consegui criar raízes aqui. Eu sou uma plantinha num vaso que pode deslocar-se de um lado para o outro. Sou um cato! (risos) Alguma vez sentiste que o Maranhão era pequeno demais para ti? Ah, sim, claro! Já sentia isso lá há muito tempo. Também acho que o meu pai sentia isso – o meu pai é incrível. Eu queria ser maior, mostrar mais coisas, mostrar mais trabalho... e não queria ser amostrado. Eu gosto muito de criar coisas, de mostrar as minhas capacidades e não ter fama. Isso da fama é muito assustador para mim. Fico a hiperventilar! Então, prefiro criar, prefiro me divertir. Tu vieste para Portugal há dez anos, com intenções de estudar. Nestes dez anos cá, sentes que te transformaste num Wandson diferente? Completamente. Não tenho dúvida nenhuma disso. Eu con-
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sigo mesmo separar o azeite da água. Consigo mesmo perceber que existem duas pessoas: uma, que estava nas asas dos pais; e outra, que teve o choque de realidade, que percebeu que a vida adulta tem os seus desafios. Crescer dói, crescer magoa. Mas acho que é isso que nos torna um bocadinho mais fortes.
“Metaforicamente, sinto que ainda não consegui criar raízes aqui. Eu sou uma plantinha num vaso que pode deslocar-se de um lado para o outro”
Este percurso de adaptação a Portugal foi difícil para ti? Eu estava muito perdido quando cheguei cá. A nível cultural, a nível linguístico... Ficava paralisado porque é a mesma língua... mas é muito diferente! (risos) No primeiro dia de aulas conheci o meu grande amigo Miguel Carvalho, que com o Francisco Abrunhosa e o Pedro Paulos me apresentaram mais amigos. Tudo o que eu sei de Portugal aprendi com estas três enciclopédias ambulantes! (risos) As pessoas que eu admiro, as coisas que eu vejo, é muito baseado naquilo que eles me mostraram na altura. Até os brinquedos! O Francisco tem uma coleção incrível de Star Wars e eu só pensei “Meu Deus, era isto tudo que eu queria ser!” porque na escola, no Maranhão, eu sofria bullying porque levava os meus brinquedos. Ouvia sempre comentários como “Que criança!” e achava muito estranho dizerem-me aquilo. Quando cheguei a Portugal e conheci pessoas com coleções de brinquedos incríveis, eu senti-me completamente integrado... (suspiros) e foi tão bom! (algumas lágrimas). Nós portugueses temos alguns defeitos. Dizem até que somos muito “tempestade em copo de água”. Sentiste isso quando cá chegaste? (risos) O meu pai diz que eu me tornei numa espécie de português porque eu já falo com ele em português de Portugal e ele já não entende algumas coisas que eu digo. Mas eu acho que boa parte do stress que me caracteriza, eu aprendi aqui! Eu aprendi a stressar aqui! (risos) No meu vocabulário não havia a palavra “panicar”. Não é uma palavra muito usada no Brasil. Quando ouvi a expressão “Estou a panicar” só pensei: “Que raio é isso, Meu Deus?”. Na faculdade, em altura de entrega de trabalhos, toda a gente dizia “estou a panicar”. Uns três meses depois, eu também estava a panicar! (risos) Ver os meus colegas, em frente à gráfica onde se imprimiam os trabalhos, com a mão na cabeça e a dizer “estou a panicar” foi um dos momentos mais engraçados que eu já vivi aqui. Vamos focar-nos na parte profissional: sentes que és uma pessoa criativa por natureza ou esforças-te para isso? Eu não sei sinceramente o que é a criatividade. Dizer que sou criativo é estranho para mim. Eu acho que a forma como nós nos comportamos e como criamos pode levar ao rótulo de “ser criativo”. No entanto, eu prefiro que me chamem criativo. Não gosto de influencer. No fundo, eu sou designer.
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No teu feed de Instagram podemos ver o teu génio criativo. Nos teus instastories, vemos a tua faceta mais divertida. Sentes que é esta junção que tem feito o teu percurso, que tem feito tanta gente (e tantas marcas) olharem para ti? Como tem sido a experiência? Confuso, engraçado, divertido, trabalhoso, adulto. Eu tinha uma outra conta de Instagram, mais pessoal, onde colocava os meus instastories para os meus amigos verem. Quis que as pessoas percebessem que eu tinha uma conta pessoal e uma conta profissional. Mas os meus amigos começaram a dizer que seria interessante eu fazer tudo isso no mesmo perfil. Mostrar quem eu era. Eu queria ser muito sério no Instagram. De repente, comecei a fazer eventos e a mostrar como tudo acontecia e o feedback foi muito bom! Eu comecei a divertir-me a fazer aquilo, comecei a ser mais visto por pessoas e por marcas. O desafio no meio disto tudo? É saber dizer não. É saber a hora de parar. Perceber o que é importante para mim e para as pessoas que estão a assistir. Eu não posso usar as pessoas a meu belo prazer. Não é correto eu estar a inundar os vossos feeds com imensas marcas. Eu preciso de fazer escolhas e perceber o que é importante... os meus últimos meses foram passados a dizer “não” a muita coisa. Não quero criar ruído.
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aquilo que possam imaginar. Convidou-me para fazer parte da cave e eu fiquei derretido. Tenho muito respeito por ele. Já que falamos em ídolos acessíveis, gostaríamos de perceber de onde vem a inspiração para certas expressões que usas com regularidade: falamos do ídolo acessível, do paga finos, do tenso, da amizade. Estas expressões fazem parte do teu discurso diário? (risos) Sim, eu falo mesmo assim. Eu digo mesmo: “tenso”, “morri”, “parei”. Quando vejo que estou ‘enchendo o saco’ das pessoas nos stories, digo “pronto, parei”. De repente, as pessoas abordavam-me na rua com essas expressões! É surreal, sabem? Quem concorda, respira! Pode ser esta a minha próxima expressão. Gostam? (risos) O que sentes quando te chamam ídolo acessível? O “ídolo acessível” é uma grande ‘tanga’, porque não existe ídolo nenhum, existe um amigo, alguém que procura criar raízes aqui em Portugal. Eu às vezes também me sinto sozinho e há pessoas que, com esta atividade de Instagram, se transformaram em mais do que um avatar. São pessoas que me fazem companhia quando me encontram na rua.
Consideras então que estás numa boa fase profissional? O que me tem dado prazer agora é conseguir fazer coisas que não preciso de colocar no feed. Empresas que me chamam para fazer outras coisas. Isso dá-me liberdade. E estou muito feliz com isso. Tu então não te consideras influencer. És apenas um ídolo acessível? (risos) Eu acho que no meio disto tudo nós temos de ser verdadeiros. Mas deixem-me contar a história do “ídolo acessível”, porque é maravilhoso! Eu estava numa festa onde estava uma pessoa que eu gosto muito. As pessoas no Instagram não são amigas, só se seguem, mas eu achei que essa pessoa ia ser minha amiga (risos) Fui super feliz falar com ela. No entanto, só recebi um “oi”. Eu só pensei: “porque é que ela foi assim comigo?”. Foi muito estranho! Mas, nessa mesma festa, estava também o Rodrigo Santoro que foi beber copos comigo! Eu aí pensei: “Nossa, esse é o ídolo acessível”. A primeira vez que eu disse “ídolo acessível” foi com ele. E ficou! Mas tens um ídolo acessível em Portugal? Eu acho que o meu ídolo acessível aqui em Portugal é, sem sombra de dúvida, o Nuno Markl. É uma das pessoas que eu mais respeito. Eu sinto-me como a Eleven, em Stranger Things, e ele é o Hopper. O Markl abriu mais portas para mim do que
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Mas como é que uma pessoa tão divertida por natureza lida com os dias menos bons? Chorar em casa e sorrir na rua! (risos) Existem claramente momentos tristes e nós temos que os respeitar. Há dias em que estou mais focado na minha vida, nos meus dilemas. Sou humano, sinto muita coisa. Não uso o Instagram como terapia, mas é sempre um escape.
“Sinto que vim para Portugal numa expedição, brincar e divertir-me com seriedade. Mas o meu chão vai ser sempre o Maranhão”
É impossível não falarmos dos teus filtros de Instagram! Sentes que, agora sim, estás a influenciar? (risos) Meu Deus! A minha ideia surgiu porque eu estava com preguiça de escrever “tenso” e “parei”. Assim eu só toco no ecrã e já está. Em menos de 24h, os meus filtros viralizaram! Tinha mais pessoas a usarem os meus filtros do que seguidores do meu perfil! Como é possível?
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Achas que já podes dizer ao pessoal do Maranhão que venceste na Europa? Brilhando na Europa! (risos) Eu estou a tentar. O meu sonho é conseguir brilhar, é conseguir mostrar mais o meu trabalho. O ser humano é permanentemente insatisfeito e tem sempre sonhos por cumprir. Já idealizaste, nesses teus sonhos, voltar ao Brasil? Sim. Uma semana! (risos) Sentes que o Brasil que tu deixaste não merece que tu regresses? Eu acho que o Brasil vive tempos muito confusos. A crise política, social e existencial brasileira é preocupante. É viver num hiato. Do nada. É uma roda repleta de coisas a acontecer, mas que não vai para lugar nenhum. Acho que é mentira atrás de mentira. Não tem sustentabilidade. Para mim, o mais importante é respeitar os direitos humanos, respeitar o próximo, e isso não está a acontecer agora. Isso expande da política para as pessoas e as pessoas começam a entrar num caos onde ninguém se respeita. Tudo por causa de visões políticas divergentes. Eu não consigo perceber pessoas que apoiam a política atual brasileira e achar que aquilo está correto. Mas tenho de respeitar a opinião. Apaixonaste-te por Portugal? Encontrei aqui a A-MI-ZA-DE! (risos) Eu quando era pequeno e os meus pais me chateavam a pedir para arrumar o quar-
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to, eu só respondia: “Eu vou para Portugal!” porque o meu apelido é Lisboa (e vim morar para o Porto). Era uma brincadeira, mas acabou por acontecer. Aqui é tudo meio mágico. Sinto que vim numa expedição, brincar e divertir-me com seriedade. Mas o meu chão vai ser sempre o Maranhão. Começamos esta entrevista com uma viagem ao passado e agora queremos terminar com uma viagem para o futuro. Estamos em 2025. O que está o Wandson a fazer? Estou na praia, deitado, com muitos finos perto, mas sem barriga! (risos) Eu queria ter uma empresa, onde eu seria um consultor, mas conseguia realizar o sonho de quem trabalhasse comigo. Que tudo fosse muito justo. Mas isso é uma utopia, não é? Na verdade, nunca parei para pensar no futuro, mas em 2025 eu vou estar com 38 anos (tenho 33) e, provavelmente, estarei já a pensar na minha festa dos 40 anos! (risos) Quero muito estar onde o meu pai esteve com essa idade, a nível de vida. O meu pai começou a trabalhar muito novo e teve as coisas que quis porque trabalhou – e não porque alguém lhe deu. Quando eu fiz 30 anos, o meu pai emancipou-me. Faz três anos que eu corro atrás dos meus objetivos, com responsabilidade, sozinho. Em 2025 quero estar com saúde, com amigos e a pagar finos aos amigos... casar, ter um filho, sei lá! Ter um filho deve ser muito especial. Passar um legado emocional, as tuas experiências, dar um bom exemplo... Foi isso que os meus pais fizeram comigo. A idade está a bater e eu quero mostrar um mundo fixe para uma pessoa que eu amo, que é meu – se bem que também posso adotar. O amor vem de todas as formas!
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Mobiliário português que tem de conhecer em 2020 PORTUGAL ESTÁ NAS BOCAS DO MUNDO! O MOBILIÁRIO PORTUGUÊS JUNTA SOFISTICAÇÃO, CONFORTO, QUALIDADE E TEM FEITO FUROR NAS FEIRAS INTERNACIONAIS. OS PRODUTOS 100% PORTUGUESES SÃO ATUALMENTE SINÓNIMO DE EXCELÊNCIA E NÓS DEIXAMOS AQUI TRÊS SUGESTÕES DE MARCAS QUE DEVE DESCOBRIR EM 2020. POR Inês Rodrigues
Orikomi, a marca amiga do ambiente A marca portuguesa Orikomi foi criada em novembro de 2013 e desenvolve produtos que junta técnicas de origami com a iluminação. Todas as peças, de linha pura e geométrica, são cuidadosamente feitas à mão, em Lisboa, e usam papel de alta qualidade tendo uma grande variedade de cores e combinações disponíveis. Ana Morgado e Carmo Caldeira, arquitetas de formação, são as responsáveis pela marca. Amigos do ambiente, os produtos Orikomi têm uma pegada ecológica positiva uma vez que são feitos à mão e requerem um baixo consumo energético... e no fim da sua vida podem ser completamente reciclados!
Ghome, a responsabilidade ecológica A Ghome desenvolve móveis e acessórios para a casa, privilegiando o recurso a matérias-primas portuguesas e à produção local, com o intuito de não causar um impacto desnecessário no planeta. Criada em 2016, a marca distingue-se por assentar numa ideia de consumo responsável, criando propostas de design sem qualquer impacto negativo no meio ambiente. O banco Munge, o produto bestseller da marca, fabricado em pinho, comprova o quanto os modelos de negócio atentos e responsáveis são uma alternativa sustentável de mercado.
Munna, o mobiliário de luxo A Munna trouxe o design aliado ao conforto das poltronas e sofás. Com um nome que significa magia e poder em árabe, a marca portuguesa de mobiliário de luxo surgiu em 2008, no Porto, pelas mãos da designer Paula Sousa. Está presente em mais 40 mercados internacionais como Inglaterra, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Rússia, Alemanha e França. Um dos trabalhos conhecidos da marca é a poltrona Becomes me feita artesanalmente. Com curvas e contracurvas, a poltrona acompanha a curvatura das costas, dando a sensação de que a peça abraça a pessoa.
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