CÉSAR MOURÃO
O improviso como ato de coragem
CARMINHO
“Eu aprendi a falar português ao mesmo tempo que aprendi a cantar Fado”
JOÃO CAJUDA
Um explorador dos novos tempos
BENEDITA PEREIRA
N.º33 | Verão 2019 Trimestral | 4,90€ www.revistarua.pt
O furacão Benny: “Tenho muita energia e muita vontade de fazer coisas”
142
DE OLHOS POSTOS EM... José Condessa
22
HISTÓRIAS Benjamín Riquelme
42
ESPETÁCULO César Mourão
54
MÚSICA Carminho
110
VIAGENS João Cajuda
CADERNO Título da Reportagem
88
DESENHO Ana Aragão
EDITORIAL
Furacões de mudança
C
om o verão na nossa RUA, é tempo de trazer lufadas de ar fresco às nossas páginas. Não falo de brisas, nem de vento do Norte, falo de furacões que nos empurram na mudança. O nosso país é pequeno, disso não restam dúvidas. Mas, quanto mais observamos, melhor percebemos que há muito que temos sido atingidos por furacões de vontades: pessoas que, quase sem perceberem, impulsionam uma ideia e nos levam mais longe. Não, não falo de Cristiano Ronaldo ou dos nossos feitos futebolísticos com a seleção nacional – apesar de isso também ser motivo de orgulho. Falo, por exemplo, de Jaime Isidoro, um rosto que no seu legado nos deixa o início do mercado da arte contemporânea em Portugal, numa coleção que nos apresenta muitos talentos portugueses. Falo, também, de Luís Araújo, o homem forte do Turismo de Portugal, que com muita garra e determinação, tem feito os nossos números aumentarem, colocando cada vez mais Portugal como um destino turístico no mapa. Falo, ainda, de Eugénio Campos, que numa epifania fundou a primeira marca de joias em Portugal. Falo, por fim, de Benedita Pereira, o destaque da nossa capa e o destaque dos nossos furacões. Benedita é um exemplo da força de vontade que queremos trazer com esta edição. De malas e bagagens, mudou-se para Nova Iorque em busca de um sonho. Será que o conquistou? Todos estes exemplos trazem-nos histórias de resiliência, de inegável força perante os desafios. E, se é de verão que falamos e se é de mar que precisamos, é impossível não trazermos também às nossas páginas o maior desafio de todos, o maior furacão de mudança que precisamos: a alteração dos nossos hábitos, em defesa do nosso planeta. Mais uma vez, a RUA mostra-se esta temporada com a intenção de passar testemunhos, de eternizar memórias e de partilhar experiências. Este é o nosso furacão de mudança. Este é o nosso papel no mundo. E o seu, qual é? Já pensou nisso?
Diretora/Editora Andreia Filipa Ferreira Fotografia Nuno Sampaio Direção de arte Carolina Campos | Design Station Textos Maria Inês Neto Filipa Santos Sousa Helena Mendes Pereira
Andreia Filipa Ferreira Diretora
Redação Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga 253 067 323 redacao@revistarua.pt Departamento de Marketing Design Station 911 928 181 comercial@revistarua.pt Impressão Tórculo Comunicación Gráfica, S.A.
Tiragem 5.000 exemplares Periodicidade Trimestral Distribuição Vasp Propriedade Brito&Roby, Lda Centro Empresarial de Braga Lote D2, 4700-319 Ferreiros, Braga
Contribuinte 513 669 868 N. DL 405636/16 N. ERC 126 818 Os artigos de opinião são de exclusiva responsabilidade dos seus autores.
RADAR A ter em conta... NA RUA DE... Benedita Pereira OPINIÃO Paulo Brandão
As notĂcias breves, as sugestĂľes de agenda e as conversas imperdĂveis.
RESTAURANTES
ATTLA, o restaurante que tem dado que falar em Lisboa Localizado em Alcântara, o ATTLA é um projeto do chef André Fernandes e de Rita Chantre que, depois de anos em viagens, decidiram criar um espaço distinto da oferta existente em Lisboa. Confortável e moderno, fazendo lembrar um bistrot parisiense, o ATTLA traz propostas onde se fundem sabores que André descobriu ao longo das suas viagens, do Sudeste Asiático às Caraíbas. No entanto, o conceito-chave é a sazonalidade e a sustentabilidade. No ATTLA não há plásticos e a política zero waste impera.
ARTE
Palácio das Artes, no Porto, exibe 100 gravuras de Pablo Picasso até 11 de setembro Chama-se Pablo Picasso. Suite Vollard. Colecciones Fundación MAPFRE e é uma exposição que traz à invicta uma das mais importantes coleções do século XX. São 100 gravuras desenhadas pelo artista espanhol entre 1930 e 1937, que chega ao Palácio das Artes graças à união entre a Porto Taylor’s e o Museu da Misericórdia do Porto. Esta coleção inclui três retratos de Vollard, cinco gravuras que se referem à Batalha do Amor, 46 sobre a Oficina do Escultor, quatro em Rembrandt, 15 que abordam o Minotauro e o Minotauro Cego e 27 composições de diversos temas. A entrada na exposição tem o custo de dez euros, sendo gratuita para crianças até 12 anos. Para os adultos, incluído no bilhete está a oportunidade de provar um cálice de vinho do Porto no espaço Taylor’s, adjacente às salas de exposição.
Femme nue assise, La tête appuyée sur la main [seated nude], março 1934
8
RADAR A ter em conta...
MODA
Maria Maleta tem nova coleção de malas sustentáveis multifunções A Maria Maleta é uma marca portuguesa de acessórios em pele com foco na qualidade e no design. Criada por Ana Neto e Daniela Marques, este projeto reflete a versatilidade, ou seja, cada mala pode ser usada em duas formas. A sua mais recente coleção traz uma versão mais sustentável – embora o termo esteja presente na marca desde o início -, introduzindo tecido reciclado através de garrafas de plástico PET e utilizando pele vegetal (feita com produtos naturais) e bio-couro, considerado biodegradável. Acreditando na economia circular e em produtos intemporais, a Maria Maleta é sinónimo de durabilidade, apontando como lema central a ideia de que “há malas que vêm por bem”.
CALÇADO
Luis Onofre é o novo presidente da Confederação Europeia da Indústria de Calçado Com sede em Bruxelas, a Confederação Europeia da Indústria de Calçado (CEC) representa toda a indústria europeia do calçado, ou seja, uma indústria constituída por cerca de 21 mil empresas e 278 mil postos de trabalho em vários países. Sucedendo ao italiano Cleto Sagripanti, o português Luis Onofre ocupa agora o lugar de presidente, num mandato de três anos. De acordo com Luis Onofre, o seu principal objetivo enquanto presidente será “reforçar o papel da confederação enquanto líder de uma rede de produtores e promover o hub europeu da inovação para estimular uma liderança da criatividade mais em linha com o novo ambiente de negócios”. Já o ministro da economia, Pedro Siza Vieira, destacou este cargo como “uma distinção não apenas à pessoa e à sua capacidade de liderança, mas também um reflexo da importância que a confederação europeia atribui ao setor em Portugal”. © Frederico Martins
RADAR A ter em conta...
9
RADAR Na rua de...
Benedita Pereira, um furacão de vontades A VONTADE DE FAZER TUDO, DE FAZER BEM E DE FAZER OUTRA VEZ, MAS DE MODO DIFERENTE. TALVEZ ESTA SEJA UMA DAS MELHORES DESCRIÇÕES QUE PODEMOS FAZER DE BENEDITA PEREIRA, A ETERNA JOANA DE MORANGOS COM AÇÚCAR. DE REGRESSO A PORTUGAL A TEMPO (QUASE) INTEIRO, APÓS ANOS EM NOVA IORQUE EM BUSCA DE UM SONHO QUE, SE CALHAR, JÁ CONQUISTOU, BENEDITA PEREIRA ESTÁ NA RUA PARA FALAR DE TUDO AQUILO QUE A MOVE: A COMÉDIA, O DRAMA E O AMOR, AS RAÍZES PORTUENSES E AS PAIXÕES LISBOETAS... TUDO COM MUITAS GARGALHADAS À MISTURA! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Eu levo a minha energia para qualquer lado! O caso do programa Lip Sync Portugal foi engraçado porque o lip sync é, para mim, verdadeiramente, uma paixão. Nas minhas festas de anos faço concursos de lip sync, sempre fui fã do programa americano e sempre que me cruzava com produtores de televisão dizia sempre para fazerem aquele programa. Eu nunca gostei muito dos programas das danças e outras coisas com famosos, mas esse programa em particular, em que não nos levamos demasiado a sério, eu sempre gostei. Acho que é esse o meu lema: não me levar demasiado a sério. Quer dizer, eu levo muito a sério a minha carreira e a minha parte artística, mas, depois, a minha maneira de ser é muito efusiva! (risos)
N
as nossas pesquisas, encontrámos várias descrições da Benedita, mas a que mais gostamos é “furacão Benny”. O que querem dizer com isto? Quem é Benedita Pereira? (risos) Eu acho que, se calhar, até fui eu que me autointitulei isso. Porquê? Porque eu tenho muita energia! Tenho um efeito furacão... por onde eu passo, nada fica igual (risos) Acho que esse título surgiu na altura em que eu estava nos EUA. Quando eu vinha cá, eu anunciava a minha chegada, no Facebook, dizendo que o “furacão Benny” estava a caminho. A verdade é que eu tenho muita energia e eu acho que isso é bom, apesar de, às vezes, ser desgastante – para mim e para as outras pessoas. É uma energia que vem com muita vontade: tenho muita vontade de fazer coisas, tenho muita vontade de animar as pessoas sempre, de fazer rir. Nota-se a minha presença! (risos) Acho que a minha essência é um bocadinho essa. É bem-humorada e isso é visível para quem a acompanha diariamente nas redes sociais ou até nos programas de televisão de entretenimento, como o caso do Lip Sync Portugal. A aproximação ao público português, seja no registo das redes sociais ou da participação em programas, faz sentido para si?
12
A Benedita é natural do Porto, embora o sotaque não seja notório. Esta ideia de “furacão” vem com as raízes nortenhas? Sim, sim! E digo muitos palavrões (risos) Os palavrões ficaram, mas a parte do sotaque tive de adaptar. Gosto de o pôr, muitas vezes. Aliás, se eu me irrito ou se estou com os meus pais ou alguém do Porto, começo a ficar logo com sotaque. Mas gosto de fazer sotaques de outras raízes também. Quando fui para os EUA, havia muito a questão do sotaque, do parecer americana a falar. Logo no início, disseram-me que se eu queria trabalhar lá, tinha que trabalhar o sotaque. Só que, com o tempo, começou a haver necessidade de pessoas com sotaques de outros países, como o sotaque espanhol em inglês, o sotaque brasileiro em inglês... Basicamente, quando consegui soar americana começaram a pedir para eu treinar outros sotaques! (risos) Já dei uns toques no russo ou no sotaque de leste também! Acho muita graça a esse trabalho, porque o sotaque dá-nos muito de um personagem. Se eu trabalhar bem um sotaque, de repente parece que o meu corpo muda. É um trabalho de ator muito giro! A Benedita tem vários feitos no currículo, mas gostávamos de voltar ao início, ao motivo de ter escolhido a representação como profissão. O que a levou a isso? O que mais a apaixonava no rótulo de “atriz”? Houve uma pequena influência familiar, mas num sentido diferente do habitual: quando eu era pequenina, fiz um teatro com os meus irmãos mais velhos como surpresa para os meus pais. Uma coisinha que a minha irmã mais velha resolveu inventar. Eu tinha para aí quatro anos, nem sabia ler! Os meus pais filmaram. Eu tinha muita graça! Sabia as falas todas de cor e estava muito à vontade. Quando voltamos a ver o filme uns anos depois, quando eu tinha oito anos, o meu pai achou que eu tinha de ir para o teatro. Acho que, de certa maneira, o teatro era algo que o meu pai queria ter experimentado, mas na altura dele não teve hipóteses. Então, fomos às páginas amarelas e havia uma escola, a única que existia no Porto: o Balleteatro. A minha mãe inscreveu-me no teatro e depois fui para a dança também – não quis ir para o ballet porque achava que era piroso, era muito
RADAR Na rua de...
cor de rosa! (risos) Mas hoje em dia arrependo-me, porque seria uma boa base. No primeiro dia, a minha mãe ficou muito assustada porque, em 1993, a escola era num sítio estranho e ela não queria deixar a miudinha loirinha ali sozinha... Mas eu adorei! Estive nessa escola dos oito aos 16 anos. A partir desse primeiro dia, sempre disse que queria ser atriz... mas não sabia muito bem o que isso era. Via o Herman José na televisão e achava que queria ser o Herman José, depois via as coisas do Filipe La Féria e também queria fazer isso. Fui descobrindo o que era o teatro... e gostava cada vez mais! Na adolescência, comecei a fazer uns castings, fiz participações em televisão, também fiz trabalhos de modelo (que eu não queria fazer porque não queria misturar as coisas – mas foi porreiro porque fui juntando dinheiro). Os Morangos com Açúcar surgiram quando eu estava a terminar o 12º ano e ainda não sabia muito bem o que queria fazer a seguir. Surgiu esse casting e foi tudo relativamente fácil. Os castings fizeram parte da sua vida desde muito cedo e esse percurso trouxe-a a Lisboa, ao desafio dos Morangos com Açúcar. Teve noção daquilo que lhe estava a acontecer na altura? No que a série iria representar para si? Tive alguma noção, mas não muita na realidade. Para mim, foi uma mudança gigante. Faltei às últimas semanas de aulas, vim para Lisboa de malas e bagagens – já tinha passado aqui umas temporadas e, por isso, Lisboa não era uma coisa estranha para
mim. Mas senti imensa pressão! Não sabia muito bem o que era isso de ser protagonista. Não sabia o que é que isso significava. Depois, surge todo um grupo de pessoas novas, que graças a Deus são os meus amigos até hoje, mas foi tudo uma habituação: tudo era diferente! Antes da novela ir para o ar, sentíamos que não acreditavam muito em nós. Havia muito essa noção de termos de provar que éramos capazes. Lembro-me de primeiros meses com muita ansiedade, mas, ao mesmo tempo, foi uma descoberta de todo um novo mundo. Finalmente percebi que estávamos no caminho certo, mas trabalhávamos seis dias por semana, vivíamos uns com os outros... Era quase um Big Brother! (risos). Mas descobri ali as minhas pessoas. Senti mesmo que, de repente, a vida trouxe-me um projeto que muda a minha vida, que me põe a trabalhar naquilo que eu quero e logo com um grupo de pessoas que é espetacular, que tem tudo a ver comigo! Tínhamos todos um sentido de humor incrível, dávamo-nos todos muito bem e não éramos nada deslumbrados com a fama. Foi, de facto, o início de uma nova vida. No fundo, o que fica mesmo são as pessoas. Claro que lidar com as pessoas na rua, com a imprensa, com o facto de falarem da minha vida nas revistas foi um bocadinho “chapada na cara”. Pouco tempo depois consegui desligar essa ficha, mas no primeiro ano foi duro. Mas hoje em dia, quando olho para trás, percebo que fizemos uma coisa incrível: nós fizemos história! Fico mesmo orgulhosa porque abrimos as portas para uma data de gente.
“Eu tenho muita energia e eu acho que isso é bom, apesar de, às vezes, ser desgastante – para mim e para as outras pessoas. É uma energia que vem com muita vontade: tenho muita vontade de fazer coisas!”
“Antes da novela [Morangos com Açúcar] ir para o ar, sentíamos que não acreditavam muito em nós. Havia muito essa noção de termos de provar que éramos capazes. Lembro-me de primeiros meses com muita ansiedade, mas, ao mesmo tempo, foi uma descoberta de todo um novo mundo”
Eu sei que há muitos preconceitos com essa ideia da Geração Morangos, mas na verdade eu acho que só temos de ter orgulho. Ainda hoje me reconhecem pela personagem Joana... pessoas que, na altura, ainda nem existiam! Tudo graças à reposição nos canais infantis. É maravilhoso! E quando se revê a si própria, qual é a sensação? (risos) Ainda bem que cresci! Há sempre um momento de ternura e de nostalgia... e depois há o momento de “ainda bem que evoluí!” (risos). Mesmo com trabalhos mais recentes, com poucos anos, acho isso na mesma. É sempre estranho olhar para trás. Imaginem olhar para uma coisa que já foi feita há 16 anos! Mas não estou na fase de “ai, que vergonha!”, é mesmo “oh, que fofinhos que éramos!” (risos). Tão inocentes! Na verdade, nós aprendemos tudo sozinhos, fomos mesmo atirados aos leões! Nós fomos as cobaias... mas correu bem! (risos) Há pouco falou de querer ser o Herman José feminino. O que mais admira neste universo do fazer rir? Relembro aqui um trabalho chamado Ele é ela (2009) em que a Benedita fazia um papel muito engraçado... Interessa-lhe explorar mais o conceito de comédia? (risos) Sim, mais nessa onda de séries de comédia ou sitcoms. Eu não sou a pessoa da comédia de stand-up. Uma vez experimentei fazer algo de storytelling e fiquei super nervosa. Estou a explorar devagarinho alguma improvisação. Mas a parte da comédia sempre foi uma coisa que eu quis muito fazer. Aliás, quando esse convite do Ele é ela chegou, eu estava nos EUA há dois anos e pensei “finalmente perceberam quem eu sou!” (risos) Achei mesmo que aquilo era para mim! Não estou a dizer que as outras coisas não sejam para mim, eu gosto muito de fazer coisas dramáticas também, mas havia ali um lado por explorar, que era apenas explorado na minha vida, com as minhas pessoas. Entretanto já fiz mais coisas de comédia, como o Sim, chef!, alguns episódios de Donos Disto Tudo, o filme Quero-te tanto! e espero que haja mais em breve! Posso já dizer que, para o ano, os dois espetáculos que vou fazer têm um lado cómico e fico muito contente por as pessoas se lembrarem de mim para fazer isso. É, definitivamente, uma coisa que eu quero explorar. Dá-me prazer. Não sou exatamente um Herman, mas gostava de trabalhar com ele, como é óbvio! (risos). E o mundo do cinema é algo que lhe interesse explorar mais? Claro que sim! Eu acho que o cinema, de maneira geral, está a pecar porque os truques, os twists, as histórias parecem ser sempre as mesmas. Mas estamos numa fase importante do cinema português porque produz-se mais, estreiam-se mais filmes. Acho que, desta maneira, ensinamos as pessoas a verem cinema português, também. Quanto mais oferta existir, aliada a uma boa promoção, melhor! Estou muito curiosa para saber
14
RADAR Na rua de...
Podemos falar da recente experiência com Quero-te Tanto!? É uma comédia romântica ao jeito de Benedita Pereira? Foi muito divertido! Eu fui escolhida para o papel por ser exatamente como sou (risos). Interpretei uma personagem que foi muito engraçada de construir, porque era diferente daquilo que eu costumo fazer: uma personagem mais inocente, mais fofinha, mais tonta, de certa forma. Como eu e o Pedro Teixeira também nos dávamos bem, correu tudo muito bem. Foi também a primeira vez que contracenei com a Fernanda Serrano, num registo que ninguém está à espera de a ver. Era um filme um bocadinho louco, mas a experiência foi muito gira.
que pensa de Portugal? Faz-nos parecer pequenos? Não, faz-me sentir é que nós somos uns heróis! (risos) Porque nós fazemos muito com muito pouco! Em todos os sentidos! Quando há pouco dinheiro, há pouco tempo também. O que eles fazem em sete dias, nós fazemos num dia, por exemplo. Temos de ser criativos a duplicar para fazermos as coisas bem, mas com menos tempo e com menos dinheiro! Nós temos a mentalidade de safarmos tudo! Com tudo ao molho e fé em Deus, trabalhando horas extraordinárias, mas, no final, o que conseguimos fazer é mesmo muito bom! Mas não podemos comparar com as coisas que se fazem nos EUA. São escalas completamente diferentes. Eu acho é que nós, saindo daqui e indo para lá, somos os maiores! (risos) Nós evoluiríamos muito mais se houvesse mais capital investido. Mas nós somos pequeninos e é uma bola de neve. Não vai haver investimento... a não ser que comecemos a fazer coisas com o objetivo de vender para fora, com mais coproduções, por exemplo. Esse era o meu sonho!
Mas, para uma pessoa que teve a oportunidade de estar em Nova Iorque e de participar até num episódio da série The Blacklist, vendo toda a máquina cinematográfica de Hollywood, o
Podemos falar da série Versailles, em que a Benedita interpretou Isabel de Bragança, Infanta de Portugal? Foi um desafio interessante para si?
os resultados finais deste ano porque nem todos os filmes se deram muito bem, mas há alguns ainda para sair e que são muito aguardados, por exemplo, o filme Variações. Eu gostava muito que se fizesse mais cinema em Portugal até porque eu própria gostava de fazer mais (risos).
RADAR Na rua de...
15
Foi espetacular! Eu já gostava da série e então foi mesmo aquela sensação de entrar para dentro da televisão (risos). A personagem era, de certa forma, divertida apesar de ser uma infanta e de estar vestida daquela forma tão formal. Fui mesmo muito bem tratada, os atores também me receberam muito bem. Tive pessoas que eu já admirava a perguntarem-me opiniões - e eu ainda com o coração aos pulos, acabada de chegar! (risos) Eu acho que finjo o nervosismo muito bem, mas estava mesmo ansiosa. Cruzei-me com gente muito humilde, muito simpática e acolhedora. A experiência de trabalhar com pessoas de países diferentes também é incrível: a realizadora era belga, a equipa era maioritariamente francesa, os atores eram ingleses, escoceses, canadianos, etc.. Havia uma mistura de línguas no set, ui! (risos) Foi espetacular! Depois, o facto de ter ido mesmo a Versalhes, para gravar uma cena a entrar para dentro do palácio, foi incrível. Foi num dia em que o Palácio estava fechado e eu estava lá sozinha. Imaginem-me sozinha na sala dos espelhos! Tivemos uma visita guiada e eu queria ir aos jardins. A dada altura estava sozinha, não havia ninguém, nem seguranças! Estava completamente sozinha em Versalhes e ninguém tem essa experiência porque aquilo está sempre cheio de gente! Fui uma sortuda! (risos)
Vamos voltar agora a Nova Iorque para falarmos das oportunidades que aí surgiram. Sempre viu a profissão de atriz como algo sério. Foi por isso que decidiu apostar na sua formação? Considera que este passo mudou a sua carreira? Os primeiros dias foram muito divertidos porque era a loucura de estar em Nova Iorque! Duas miúdas (eu e a Daniela Ruah) à procura de uma casa. Em dez dias encontrámos a casa e comprámos os móveis, o que lá é um feito. Mas passei várias fases lá. Eu cheguei a Nova Iorque como uma miúda de 22 anos e, entretanto, saí como mulher de 30. E agora vou lá de vez em quando... o que é completamente diferente! Na verdade, eu não sabia que ia tanto tempo. Eu inscrevi-me para um ano, mas um ano passou a correr. E tanta coisa aconteceu! Diziam-me para pedir um visto e ficar mais tempo. Comecei nessa aventura dos vistos, que só acabou anos e anos depois! Todas as peripécias dos vistos foram uma canseira! (risos) Se me tivessem avisado, eu provavelmente tinha corrido para outro lado! (risos) Se eu soubesse o que me esperava, eu não tinha começado, de certeza. Mas, por um lado, ainda bem! É assustador. Passou-se tanta coisa, conheci tanta gente, tive tantos momentos: primeiro estudar, depois tentar trabalhar, depois estudar com outras pessoas, depois explorar diferentes coisas, fazer teatro super underground, fazer performances de rua... eu fiz tudo! Mais tarde, fiz televisão e vivi a parte da luta dos castings, que é muito dura! É uma etapa muito gratificante em algumas coisas, mas também é dura: passar por tantas fases e perceberes que chegaste ao momento em que és tu ou outra pessoa... chegas ao fim e não foste tu a escolhida. É duro! Hoje em dia já não penso tanto nisso nessa lógica de “não consegui!”. Dou valor ao que aprendi, ao facto de ter tentado. Essa luta dura de castings, esses momentos de desilusão, as promessas que não foram avante... Nova Iorque desiludiu-a? Arrepende-se? Não, nada! Todos aqueles momentos fizeram de mim o que sou hoje. Fizeram-me crescer e aprender... e isso é o mais importante! Todas as oportunidades que tive fizeram este percurso e fico sempre contente por hoje olhar para trás e ver que valeu a pena. Regressou de Nova Iorque, apesar de visitar a cidade frequentemente. É em Portugal que quer estar? Sim e, ao mesmo tempo, não! (risos) Sou nómada e gosto desse conceito! Mas quero ter a minha base cá. Estamos perto de tudo, rapidamente apanho um voo e vou a qualquer parte do mundo. E, agora, até podemos fazer castings em vídeo e enviar. Quero explorar a Europa nesse sentido, estar atenta às oportunidades. Portugal está cada vez mais bem vincado no mapa. As pessoas começam a conhecer-nos e a gostar de estar cá. Começam a olhar mais para nós e para aquilo que fazemos. Já não acham que pertencemos a Espanha. Uma vez, na imigração nos
RADAR Na rua de...
EUA, chamaram uma tradutora espanhola para o caso de ser necessário alguma ajuda. E eu perguntei “mas porquê? Eu não falo espanhol! Até é mais fácil em inglês!”. Por isso, sim, é por cá que quero andar. E Portugal está na moda! Diria que vive uma altura em que se pode dar ao luxo de escolher o que quer fazer? Sim, ou melhor, diria que estou numa fase em que sei o que quero fazer, o percurso que quero percorrer. Tenho amigos que ficam pasmados quando eu digo que não vou a determinado casting. Perguntam-me “como assim?”, incrédulos. Mas basicamente é uma decisão que tem a ver com aquilo que eu estipulei que queria fazer. Não me interessa fazer por fazer, interessa-me fazer porque me vou divertir, porque vou fazer algo diferente, que nunca fiz ou que sinto que me trará algo novo. Interessa-me explorar novas histórias, sobretudo.
“Eu tenho sentido a necessidade de ter “aquele” desafio, “aquela” personagem que eu agarre e, ao mesmo tempo, fique perdida com ela. Que não saiba que volta dar à coisa. Que me obrigue a explorarme a mim mesma!”
Fez sentido então aceitar o convite para a novela A Prisioneira, na TVI? Sim, e tem sido muito giro pela equipa, pelos colegas que estão comigo. Já tive oportunidade de falar várias línguas na novela e isso é sempre engraçado para mim. Mas o que quer para o futuro? Fazer mais coisas, mais diversas. Procurar desafiar-me mais. Quero aproveitar para fazer personagens que, se calhar, daqui a uns anos já não vou fazer. Porque nas novelas as personagens femininas são cada vez mais novas e eu, entretanto, estou nos 50 anos (risos). Tenho de aproveitar agora! Não quer dizer que não seja feliz a fazer esse tipo de personagens depois, mas agora sinto a necessidade de explorar vários papéis. Drama, comédia, drama com comédia, porque não? Falta-lhe “o” desafio? Sim, posso dizer que sim. Eu tenho sentido a necessidade de ter “aquele” desafio, “aquela” personagem que eu agarre e, ao mesmo tempo, fique perdida com ela. Que não saiba que volta dar à coisa. Que me obrigue a explorar-me a mim mesma! Não sei pôr isto em palavras, mas estou a aguardar por aquela personagem em que eu mergulhe na complexidade. Que eu perca o sono porque não sei como farei aquilo. Que me exija verdadeiramente algo. Conhecem a série Killing Eve? A personagem da assassina é incrível! É dramática e, ao mesmo tempo, tem um sentido de humor surreal. É um bocadinho isso que eu procuro. Não falo propriamente da versão psicopata da coisa, mas sim da complexidade, do desafio que é criar uma personagem com essas camadas. Que me obrigue a “escarafunchar” nas suas entranhas. Claro que essa série tem um texto incrível, uma equipa de argumento realmente boa... É isso que eu preciso: preciso de um texto bom, basicamente!
RADAR Na rua de...
E será com essa personagem que receberá o óscar? (risos) Ai, espero que sim! Na verdade, o que eu acho mais importante mesmo é ter oportunidade de trabalhar. Trabalhar naquilo que gostamos é um verdadeiro luxo! É a constante procura de um sonho que não sabemos bem qual é, mas que queremos que exista? Houve quem me alertasse para o facto de ser necessário eu ter o sentido de gratidão por tudo o que me aconteceu e por tudo o que me acontece. Porque realmente há muita gente que gostaria de estar na minha posição! De facto, se calhar, já estou a viver o sonho... mas queremos sempre mais. Também não vamos ficar aqui sentados à espera... eu vou querer sempre mais! Mas há tanta coisa boa pelo caminho... Olha que sorte que eu tenho!
17
RADAR Opinião
Intimidade POR Paulo Brandão
F
alo a sério: a intimidade é tão lúcida quanto pavorosa. Confunde-se com o amor, deixa marcas ao acordar, vem de noite mas também pode vir de manhã, provoca calafrios, exige aspirinas, atrasa o sono, impede que o despertador funcione, adia o banho, deixa a cozinha por arrumar depois do café, emagrece-nos, causa fome, esgota as bolachas do armário da despensa. A intimidade não vem toda de uma vez. É como um prédio com dois elevadores. Um sobe, ambos sobem, um desce, outro sobe. Por vezes lá se sincronizam. Quando param no mesmo andar, o destino fica ali parado. O amor é isso. Falo a sério: o amor é uma paragem. No amor, os corpos ficam sarnentos, subnutridos, afundados. Até que alguém, mesmo exausto e morto, cansado de esperar, se vê cercado por uma tribo de canibais que povoam a mente de fantasmas, fogos, náufragos e cataclismos para que tudo volte à intimidade, entre flechas e lanças, cardumes de peixes voadores, ratos de pelo branco e olhos vermelhos, que não são o prato principal mas a solução para que não morramos à fome na praia deserta de coisa nenhuma. A intimidade é isso. Falo a sério: ainda me lembro, apesar de muito velho, lunático, de pança hirta, capaz de ferver fingindo ter uma alma imensa, de ouvir Jimi Hendrix quando o fumo me leva de helicóptero, que foi o cinema que me salvou da adolescência. Tirava notas e repetia as frases lançando perdigotas que de tão elaboradas nem eu as entendia muito bem. Mas foi assim que veio a primeira namorada, ouvindo Satie e repetindo frases de jorro, por vezes ginasianas, como se resumisse dez páginas numa frase, menino selvagem sem sociologia ne-
18
nhuma, embora com o tempo (e o tempo é uma ilha muito putéfia) tenha aprendido com os amores a escrever roteiros para filmes. Volumes intensos que custam muito a transportar. Cada vez mais uma biblioteca marreca, de cabeça oca ao acordar, mas ainda com tesão para o amor, cada vez menos canibal e cruel, doce nos ossos, na carne e no olhar. O amor e a intimidade são isso. Falo a sério: o modelo para a rodagem, o guião, os atores, o realizador, as salas de cinema por onde andamos, fazem de nós mais ou menos tropicais, mais ou menos esquimós, na certeza de que a solidão é uma putídeia venenosa, uma alforreca muito pouco colorida e pouco transparente mas lúcida no mal que nos provoca. A amazónia de cada um é mais simples do que parece. É preciso muita vegetação, humidade e medo para que arrisquemos. A palavra é ainda o princípio de tudo. E tudo é tudo! Haja o que houver.
Sobre o autor Diretor artístico do Theatro Circo.
RADAR Opinião
CADERNO TÃtulo da Reportagem
19
BENJAMÍN RIQUELME Os paraísos debaixo de água JOSÉ PINHEIRO A metamorfose dos sonhos
20
LUÍS LOBO-FERNANDES O problema chinês: uma nova era de contenção estratégica? CADERNO Título da Reportagem
Os olhares diferentes e as linhas de pensamento Ăşnicas.
CADERNO TĂtulo da Reportagem
21
FOTOGRAFIA Benjamín Riquelme
Benjamín Riquelme e os paraísos debaixo de água É NATURAL DE MENORCA, UMA ILHA NO MEIO DO ATLÂNTICO. BENJAMÍN RIQUELME É UM FOTÓGRAFO COM UM OBJETIVO ESPECIAL: MOSTRARNOS AS MARAVILHAS DO NOSSO OCEANO... E FAZER-NOS PERCEBER QUE A AMEAÇA A ESTE PARAÍSO É REAL. ESTE SERIA O NOSSO OCEANO SE NÃO TIVESSE PLÁSTICO. ESTA – AINDA – É MENORCA... E QUEREMOS QUE ELA CONTINUE ASSIM! POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Benjamín Riquelme
P
odemos começar por conhecer a sua história? O meu nome é Benjamín Riquelme, tenho 31 anos e vivo em Menorca, uma ilha no meio do Atlântico. Há dez anos descobri o mundo da fotografia e, desde daí, decidi dedicar-me a ela de corpo e alma. Estou focado nas fotorreportagens, nos casamentos glamorosos e também na publicidade. A fotografia contém tudo o que me apaixona: conectar-me com as pessoas, eternizar o instante que nunca se repetirá, conhecer novos lugares e captar a sua beleza. A fotografia é infinita, não tem limites... dentro ou fora da água estás constantemente evoluindo! Com uma câmara fotográfica na mão dás-te conta de que não existem dois momentos iguais. Que histórias tenta contar através das suas fotografias? Há um destaque nas histórias de amor, correto? As histórias estão por todo o lado. Cabe a nós, fotógrafos, captá-las como merecem. É verdade que fotografar duas pessoas que se amam é simples. A fotografia terá a força que tem o seu amor. Às vezes, é fácil imaginar o que estão a dizer um ao outro naquele momento só pela luz dos seus olhos ou pelos gestos das suas mãos e, isso, acho que nos inspira a todos... porque todos já amamos alguma vez.
24
A leveza dos corpos, a graciosidade dos elementos marinhos, o impacto da vida debaixo de água são características que nos chamam à atenção nas suas fotografias. É este o impacto que pretende ter? Fico muito feliz por serem estes os detalhes que vos chamam à atenção. Realmente é isso que procuro, para além da perspetiva do corpo debaixo de água, que sempre nos traz a melhor das sensações: a sensação de felicidade, de calma, quase que um voltar ao nosso útero materno onde estávamos a salvo. Na água somos alheios ao mundo! Quem tem uma má recordação de um dia ensolarado a nadar no mar? Capturar esse momento plácido de flutuar sem gravidade é um desafio que me motiva e me apaixona. Pode explicar-nos esta visão? O que mais o motiva neste projeto de fotografia underwater? Tento refletir a pureza que oferece o Mediterrâneo. Aqui temos uma planta marinha chamada Posidonia e, graças a ela, temos umas águas incrivelmente cristalinas. Quero que a fotografia debaixo de água nos faça ser conscientes deste grande tesouro. Este projeto underwater é uma intenção de refletir a beleza marinha de Menorca, uma beleza que devemos cuidar urgente-
HISTÓRIAS Benjamín Riquelme
mente. As pessoas que fotografo debaixo de água apreciam e valorizam estas águas e espero que, ao partilharem estas imagens, transmitam o respeito e cuidado que devemos dar aos oceanos. É então uma chamada de atenção para a preservação dos nossos oceanos? Oxalá! Espero que com estas imagens as pessoas percebam a joia que temos e que durante décadas temos descuidado. Estamos num ponto gravíssimo, sem retorno: ou atuamos para preservar os nossos mares ou os perderemos para sempre. Quiçá, ao verem estas fotos de uma água intensamente azul, muitos tomem consciência do ambiente que temos. Mas ainda estamos a tempo, temos nas mãos os meios para deter este dano! Considera que estas fotografias são importantes para compreender o problema? Não sei se são importantes para compreender o problema. Creio que a fotografia subaquática nos ajuda a apreciar aquilo que existe abaixo da superfície. Como geralmente não vemos o que está abaixo, é algo que tendemos a esquecer. É como se não existisse. Mostrar isso, dar-lhe visibilidade através da fotografia, pode ser uma forma de dar valor ao nosso universo marinho... e desejo que nos impulsione a cuidá-lo.
Portanto, sendo um apaixonado pelo oceano, a situação atual associada ao plástico preocupa-o. É um problema global de máxima urgência. Temos maltratado o nosso planeta como se os seus recursos fossem infinitos e o nosso lixo desaparecesse como por magia. Por isso, claro que me preocupa. O que vai ser de nós como Humanidade se não procurarmos uma solução imediata? Se não agirmos para curar tudo o que estragamos? Preocupam-me as espécies animais que vão desaparecendo porque as temos assassinado até ao último exemplar. É doloroso e deveria ser uma questão primordial para todos! Atualmente, com o movimento impulsionado por Greta Thunberg e jovens de todo o mundo, vejo um raio de esperança. É possível que aquilo que os governos não conseguiram fazer, consigam eles. Da minha parte, pretendo realizar projetos que mostrem o problema. No ano passado criei um vídeo para o Conselho Insular de Menorca e outro com o ator David Mora e, em ambos, fizemos uma chamada de atenção sobre como o plástico está a destruir o nosso planeta. Menorca é um destino a visitar? Quer deixar um convite aos nossos leitores para conhecerem Menorca neste verão e quiçá serem fotografados debaixo de água? Menorca é o melhor destino que alguém pode desejar! Quem vem a Menorca sempre sentirá falta dela. É um destino pouco conhecido, a ilha está protegida porque é uma Reserva da Biosfera e, por isso, quase está inexplorada. É um destino maravilhoso para desconectar, evitar multidões e ruídos, conectar-se consigo mesmo e descansar da rotina. É um paraíso que nos acalma e nos ajuda a respirar de novo. Um convite? Boas cervejas debaixo de sol... e de água!
25
PLOGGING Opinião
Plogging, ou o exercício físico ambiental POR João Pinto
D
urante as suas caminhadas, de certo já se deparou com inúmeros resíduos poluentes ao longo do percurso. Seguramente, nos dias a seguir, o cenário irá manter-se... mas, e se da próxima vez que for caminhar, começar a recolher esses resíduos? Esse é o princípio do plogging: aliar o exercício físico ao cuidado do meio ambiente. A palavra plogging surgiu da junção de duas palavras: plocka upp (palavra sueca que significa apanhar) e jogging (palavra inglesa que significa caminhar). O plogging sustenta-se em três ações principais: caminhar, recolher e reciclar. Vista uma roupa confortável, coloque a mochila às costas, calce as luvas para ajudar na recolha, escolha um calçado seguro e dê início à mudança ativa. Defina o seu percurso: do ponto A ao ponto B, de preferência com ecopontos durante o percurso. A cada detrito encontrado no caminho, faça corresponder um agachamento e recolha-o para dentro do saco. Faça disso uma rotina e em breve terá o seu meio ambiente bem mais saudável e convidativo. No fim do seu passeio, simplesmente coloque o que recolheu no ecoponto. Esta nova atividade física procura deixar o planeta pronto para a próxima geração. Vivemos num mundo cada vez mais consumista, em que o reaproveitamento dos bens já não se enquadra no nosso estilo de vida. Tudo isto acaba, eventualmente, por ter um preço. Preço esse que se irá fazer sentir a longo prazo. Em 2017, apenas 28,4% dos resíduos foram reciclados em Portugal face aos 46,4% praticados na União Europeia. A redução da nossa pegada ecológica é também uma necessidade imediata. Para fazer face à pegada ecológi-
26
ca portuguesa, dados de 2018 indicam que necessitaríamos de ter 2,2 planetas. Consumimos os ecossistemas mais rapidamente do que o seu poder de renovação, o que obriga a um repensar dos nossos (maus) hábitos. É necessária mais proatividade no que à natureza diz respeito e a prática do plogging oferece-nos essa oportunidade. Falando agora de nós, o sedentarismo é, cada vez mais, uma realidade incontestável. Obesidade, níveis de stress elevados, aumento dos problemas cardíacos, tudo isso está relacionado com o estilo de vida do século XXI. “Sair do sofá” é algo cada vez mais difícil e, como tal, precisamos de contrariar esta gritante tendência. Trinta minutos de plogging consomem perto de 300 calorias, mais 17% do que uma simples caminhada. A saúde fortalece e a natureza agradece. Plogging é sinónimo de consciência amiga do ambiente e de todos nós. É a mudança essencial que o meio-ambiente necessita e a solução eficaz para a poluição. Seja parte da solução! É certo que sozinhos não conseguimos mudar o mundo, mas conseguimos mudar o mundo de cada um de nós.
Sobre o autor Natural de Vila Real e impulsionador do Plogging em Portugal.
HISTÓRIAS Opinião
CADERNO TÃtulo da Reportagem
27
INSTAGRAM José Pinheiro
A metamorfose dos sonhos de José Pinheiro O MUNDO DO JOSÉ É COLORIDO E CHEIO DE HUMOR, ONDE A REALIDADE SE CRUZA COM O LADO ONÍRICO DA VIDA. SÃO AUTORRETRATOS DE FORA PARA DENTRO, REPRESENTATIVOS DA INEXISTÊNCIA DAS COISAS DO MUNDO, DE UM MUNDO APENAS DELE PARTILHADO COM TODOS. POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA o_pinheirojose
antigas revelam uma fotografia de um modo mais cru e puro. Quando e como surgiu esta união? Ao percorrer a galeria, desde a minha adesão ao Instagram até ao presente, existe realmente uma mudança a nível conceptual e estética, mas mesmo assim se encontram coisas em comum, como o minimalismo e as cores menos saturadas. Esta união surgiu por dois motivos: um deles foi a minha paixão pela ilustração e a possibilidade de poder trazer isso para a minha galeria de uma forma diferente do habitual. A outra razão foi a necessidade de me reinventar e explorar coisas novas, sendo um desafio constante até hoje. Com essa busca consegui chegar a um mundo que gosto muito, que é a união do mundo real e da fantasia, criar histórias, que sempre foi algo que gostei muito e me dá muito prazer. O seu trabalho respira uma ideia muito conceptual e também revela um lado humorístico com uma cadência estruturada. Usa o humor como forma de comunicação? Por vezes uso um lado mais humorístico, mas um tipo diferente de humor, mais soft. Por vezes, o humor é um ótimo
A
fotografia e o design cada vez mais respondem a realidades emergentes idênticas: criatividade, imaginação, oportunidade. Acha que o seu trabalho define melhor uma disciplina do que outra? Na minha opinião, acho que as duas disciplinas se complementam mutuamente e que a sua junção faz com que a mensagem e o resultado final sejam ainda melhor, indo buscar o melhor dos dois “mundos”. Pois ambos são uma forma de exprimir a criatividade e a imaginação. No meu caso, é o gosto pela fotografia aliado ao design, que foi o que estudei. Ao visitarmos a sua página notámos que nem sempre a fotografia esteve de mãos dadas com o design de uma forma tão evidente. Podemos reparar que as suas imagens mais
30
aliado à comunicação, que serve de ferramenta para passar melhor a mensagem e fazer com que quem vê os meus trabalhos se divirta tal como eu na conceção de cada um. Considera a cor como um “objeto” tridimensional que define a sua composição e conceção de imagem? Em cada composição, a cor é um dos aspetos fundamentais e é pensada sempre na fase inicial, desde a cor das roupas, dos elementos até o fundo da imagem, de forma a que fique tudo com a mesma paleta de cores, havendo assim uma ligação entre elas. Uso muito os tons pastel e suaves, que acaba por definir e ser parte da minha estética, sendo um dos elementos de fácil identificação num trabalho meu. Onde é que o sonho encontra a realidade e de que forma a fantasia personifica as suas imagens? Acho que a fantasia pode ser uma realidade constante no dia a dia de cada um, quase um escape. No meu caso, faço esse exercício e transformo em imagens. Quem nunca deu por si a levantar da realidade e a voar para um mundo de fantasia? É muito isso que faço nas minhas imagens, criar a ponte entre a realidade e a fantasia e acrescentar àquilo que é real, e por vezes banal, um pouco de fantasia, porque sonhar nunca fez mal a ninguém!
HISTÓRIAS José Pinheiro
POLÍTICA INTERNACIONAL Opinião
O problema chinês: uma nova era de contenção estratégica? POR Luís Lobo-Fernandes
A
s advertências do experiente primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, do alto dos seus 93 anos, no que respeita a “novas formas de colonialismo” por parte da China são reveladoras da intranquilidade e dos efeitos desestabilizadores que as políticas chinesas estão a provocar, com tradução mais visível na construção de aeródromos militares nos mares adjacentes, tal como de bases no Sri Lanka e no Djibouti. Sabemos que quando um Estado tenta aumentar de forma injustificada a sua segurança, gera um sentimento de desvantagem em terceiros, o que espoleta corrida aos armamentos, respostas defensivas ou mesmo contra-ofensivas, com potencial de afectar gravemente o statu quo. Tucídides revelou pela primeira vez este dilema na sua lapidar História da Guerra do Peloponeso: O expansionismo comercial e militar de Atenas provocou um manifesto receio em Esparta, o que aumentou exponencialmente a probabilidade de conflito, um cenário referido como armadilha de Tucídides. Ora, um estudo comparativo de dezasseis situações históricas de desafio à estabilidade internacional revela que em doze ocasiões o resultado foi a guerra, ou seja, em setenta e cinco por cento dos casos, o que naturalmente não nos tranquiliza – longe disso! A questão que emerge hoje, especialmente complexa, é a de saber se é possível alcançar, sem “conflito bélico”, um arranjo diplomático que contemple a nova proeminência da China e os interesses de segurança das principais potências? A analogia histórica mais pungente conduz-nos aos princípios do séc. XIX em que a França revolucionária desafia abertamente a potência então dominante em terra e no mar - o Reino Unido. Sendo certo que a “afronta” napoleónica vai implicar um período de guerras generalizadas, o ciclo longo que se segue, arquitectado no congresso de Viena de 1815 pelo austríaco Metternich e pelo britânico Castlereagh, permitiu manter a paz geral no continente durante quase um século. O elemento essencial da
32
resolução do então chamado “problema francês” e do estabelecimento de uma nova balança de poder era que a França renunciasse a pretensões hegemónicas ou mesmo a exercer influência indevida para lá das suas fronteiras. No caso presente da China, o desafio de uma abertura diplomática mais ambiciosa requererá sempre a identificação dos interesses críticos das potências-chave e a localização dos pontos de convergência e de divergência, assumindo que a razão prevalece em todos os lados. Ao invés, pode muito bem acontecer que o diálogo em curso revele a impossibilidade de atingir uma versão actualizada do entendimento conseguido em Viena há duzentos anos. Tal seria mau para todas as partes, e, diga-se, para o mundo. Com efeito, a história mostra que se a China continuar a actuar como uma potência “revolucionária” e pretender expandir e projectar o seu poder militar de forma imoderada, aparente já na tentativa de criação de esferas de influência, então a possibilidade de uma guerra de containment pode estar no horizonte. Mas, esse curso de acção seria profundamente errado da parte da China – tal como foi a decisão insensata de Napoleão ao exacerbar as aspirações francesas e marchar sobre Moscovo. Como mostrou Tucídides, “só os que falham no aprofundamento das circunstâncias trágicas do passado estão condenados a repeti-las”. No que respeita ao nosso país não há debate público digno de registo sobre a crescente influência do Estado chinês na economia portuguesa, cujo grau de penetração é dos maiores da União Europeia. Algo que o realismo e a prudência aconselham ser necessário conter. Em nome dos interesses de Portugal. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Prof. Catedrático (ap.) de Ciência Política e Relações Internacionais. Foi professor convidado nas universidades americanas de Cincinnati, Johns Hopkin e do Estado de Washington (Seattle).
HISTÓRIAS Opinião
JAIME ISIDORO O pai do mercado da arte contemporânea em Portugal CÉSAR MOURÃO O improviso como ato de coragem LUÍSA SOBRAL As perspetivas do amor
Ouriço, de Isabel Cabral e Rodrigo Cabral
Os talentos sublimes, os elogios Ă arte e as surpresas culturais.
ARTE Jaime Isidoro
Jaime Isidoro, o pai do mercado da arte contemporânea em Portugal COM O CORAÇÃO EM VILA NOVA DE CERVEIRA, LOCAL EM QUE FUNDOU A MAIS IMPORTANTE BIENAL DE ARTE DO NOSSO PAÍS, JAIME ISIDORO (1924-2009) FOI UM PINTOR NATURAL DO PORTO QUE FICOU PARA A HISTÓRIA DA ARTE PORTUGUESA POR TER SIDO UM DOS MAIORES IMPULSIONADORES E DIVULGADORES DE ARTISTAS NACIONAIS. HOMENAGEADO NUMA EXPOSIÇÃO NO FÓRUM CULTURAL DE CERVEIRA ATÉ 22 DE JUNHO – EXPOSIÇÃO ESSA QUE SEGUIRÁ PARA O MUSEU MUNICIPAL DE ESPINHO EM OUTUBRO -, JAIME ISIDORO FOI UMA DAS PERSONALIDADES ARTÍSTICAS QUE O TEMPO NÃO APAGARÁ. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Obras de Serge III Oldenbourg
S
ão mais de 200 obras – que representam apenas uma pequena parte da coleção particular de Jaime Isidoro – em exposição, colocando em evidência a vida de colecionador de um homem que, antes de tudo, foi pintor. Considerado o “pai das bienais”, Jaime Isidoro é, para todos os cerveirenses, uma figura de relevo, tal como nos conta o diretor artístico da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, António Cabral Pinto: “Esta exposição é muito importante para nós Fundação, para nós Bienal, para nós artistas e sobretudo para nós cerveirenses. Jaime Isidoro é um nome que ficou na nossa memória e queremos continuar a missão de preservar o seu nome para as novas gerações. Jaime Isidoro sempre promoveu os artistas e, estarmos aqui hoje a promove-lo, aos seus conhecimentos, é um voltar às raízes da Bienal. Realmente, Jaime Isidoro desviou a cultura dos grandes centros e essa é a grande vitória”, recorda. Com curadoria de Helena Mendes Pereira, este vislumbre da vida de Jaime Isidoro traz-nos uma perspetiva do “ativismo cultural” que foi marcando o nosso país antes e depois do 25 de Abril de 1974. No entanto, a curadora não prescinde de deixar bem claro as proezas deste artista e colecionador: “Jaime Isidoro é uma personalidade reconhecida, não só por ter sido o responsável pela criação da galeria mais antiga do país, a Galeria Alvarez, em 1954, num tempo em que o país estava mergulhado numa ditadura do Estado Novo. Ali, os artistas do modernismo português que o regime tendia a abafar ganhavam um espaço. Jaime Isidoro é importante também enquanto divulgador, criando mais uma galeria no Porto e, depois, a Casa de Valadares, que funcionaria como uma casa de acolhimento de artistas. Criou ainda a
38
revista Artes Plásticas, os Encontros Internacionais de Arte, a Bienal de Cerveira, a galeria Tempo em Lisboa, enfim, promoveu uma série de atividades e de artistas. E esta era uma história que precisava de ser contada!”, afirma. Jaime Isidoro começou a sua carreira como aguarelista, mas a inquietação interior e o entusiasmo levaram-no a querer fazer mais coisas. “Ele foi uma das primeiras pessoas que começou esta ideia de mercado da arte moderna e contemporânea em Portugal. Foi também das primeiras pessoas que percebeu que era necessário existir espaço de divulgação para apoiar os artistas e os seus trabalhos”, acrescenta a curadora.
Obras de Jaime Isidoro
Contando esta história através das obras presentes na exposição intitulada Jaime Isidoro: Divulgador, Colecionador e Artista, Helena Mendes Pereira fala-nos dos principais motivos para conhecermos este “pai da Bienal”. “Para mim, a figura de Jaime Isidoro é fulcral. Apoiou artistas, jovens galeristas ou até colecionadores em iniciação, nunca tendo uma pretensão económica e nunca aproveitando os seus eventos para se promover a ele próprio como artista. Ele apoiava os artistas que ele acreditava que se dedicavam com a mesma alma e o mesmo coração à atividade artística. Alguns desses artistas foram desaparecendo, mas Jaime Isidoro fazia essas apostas. O facto de ter escolhido o nome de Dominguez Alvarez, um artista português completamente desacreditado, que acabaria por falecer precocemente nos anos 40, para a sua galeria/academia revela que ele, de facto, estava interessado na pureza da atividade artística. Aliás, foi a criação desta galeria que trouxe à luz o nome de Dominguez Alvarez, tal como muitas vezes diz o historiador José-Augusto França. Portanto, Jaime Isidoro era um homem perfeitamente simples, com um amor imenso à criação”, destaca a curadora Helena Mendes Pereira. Nesta coleção de Jaime Isidoro, podemos encontrar obras de relevo histórico como algumas peças integrantes da reconhecida Perspectiva 74 (exposições enquadradas no panorama da arte conceptual, com colaboração de 13 artistas de seis países) e d’Os Quatro Vintes (Jorge Pinheiro,
CULTURA & ARTE Jaime Isidoro
© Arquivos Galeria Alvarez
Grupo Puzzle
39
Are you looking to me?, de Jorge Abade
Armando Alves, Ângelo de Sousa e José Rodrigues). “Na lógica da Perspectiva 74, posso destacar a peça de Serge III Oldenbourg, que com arame farpado parecia mostrar o país aprisionado. Foi uma peça que fez parte de uma exposição inaugurada a 22 de abril de 1974, ou seja, antes de se saber de uma possível revolução. Essa ideia é arrepiante. Depois, quando se dá o 1.º de Maio, o artista corta o arame farpado e escreve ‘1 de Maio de 74 Porto’. É uma peça marcante na coleção”, afirma Helena, não colocando de parte as obras do Grupo Puzzle, as obras de contexto anti-América, como A Quinta do Tio Sam, de Jorge Abade, a peça de Nadir Afonso em referência à exposição em Nova Iorque que Jaime Isidoro patrocinou ou a peça de Amadeo de Souza-Cardoso, posicionada mesmo ao lado da obra de Picasso, para nos fazer lembrar que, olhando para a História, o nosso artista português foi percursor em vários momentos, apesar da forma madrasta que a vida o tratou. Jaime Isidoro mostra-se assim como um todo, um homem das artes que viveu para os artistas, sem medos de inquéritos da PIDE ou perseguições do regime. Foi um artivista, com um olhar minucioso para o talento puro da arte. Um eterno difusor dos artistas com alma e coração.
40
Sem título, de Pablo Picasso
CULTURA & ARTE Jaime Isidoro
ESPETÁCULO César Mourão
César Mourão, o improviso como ato de coragem É A CANTAR LISBOA, COM UMA BOA DOSE DE IMPROVISAÇÃO, QUE APRESENTAMOS CÉSAR MOURÃO, O ATOR MIL FACETAS QUE É UMA COMÉDIA À LA CARTE. CRUZAMO-NOS COM ELE NUM DOS MOMENTOS QUE ANTECEDERAM A SUA SUBIDA AO PALCO COM O PIOR ESPETÁCULO DO MUNDO E FALAMOS DE INÍCIO, MEIO E FUTURO, NUMA ODISSEIA PELO DOM QUE É FAZER RIR, SEM GUIÃO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
42
CADERNO Título da Reportagem
CADERNO Título da Reportagem
43
César Mourão fotografado no Casino da Póvoa, na Póvoa de Varzim
C
ésar Mourão, natural de Lisboa, homem de muitos ofícios. Gostaríamos de começar esta entrevista por perguntar exatamente como poderíamos descrevê-lo. César é ator, comediante, apresentador... isto tudo em conjunto ou algo em particular? Eu acho que a palavra “ator” engloba tudo o que eu sou. Pelo menos é assim que eu me vejo e é assim que me ensinaram quando estudei para tal. Ser ator é tentar ser o mais versátil possível e essa sempre foi a minha batalha. Mas já me chamaram muitos nomes! (risos) Não tenho problema nenhum com isso, mas gosto que me chamem “ator”. Não se considera um humorista/comediante por natureza? São então as próprias personagens que acabam por o envolver no universo da comédia? Eu não sou um comediante. Um comediante não precisa de ser ator. Sinto-me mais confortável com um personagem. Mas eu tenho trabalhado muito na vertente do humor e, portanto, é normal que fique rotulado com isso, com esse rótulo de humorista. Mas já tive - e quero ter cada vez mais - desafios que nada tenham a ver com o humor. Gostava de alargar horizontes? Gostava, obviamente. Mas nem sempre surgem convites. A minha carreira seguiu este percurso e eu também não nego que adoro o humor. Acho que o humor é um bocadinho o parente pobre das artes do espetáculo, mas acho que tem uma subtileza incrível. Dá-me muito mais gosto fazer humor do que outra coisa qualquer.
“O improviso é um ato de coragem!”
O César decidiu envolver-se nesta carreira artística porquê? Alguma influência, sonho de criança, acaso? A verdade é que quando pesquisamos o seu nome no Google, as manchetes surgem dizendo “o desportista que virou ator”. Como foi isto? (risos) É verdade! Eu estudava formação técnica de desporto, que em nada tinha a ver com artes. Mas sempre gostei de teatro. Desde criança que fazia teatro amador. Mesmo em casa, adorava interpretar personagens, imitar vizinhos e familiares. Quando estava a estudar desporto, ao mesmo tempo fazia teatro amador na escola e os meus encenadores, na altura, incentivavam-me a seguir. Não digo que fui obrigado, mas sempre escutei as opiniões. Como tanto me empurraram para as artes e me incentivaram a procurar uma escola de teatro, assim fiz. Não me arrependo nada! Considero também que tenho a sorte de ter uns pais incríveis, que sempre me apoiaram e nunca me puseram nenhum entrave. Isso é muito bom! Fez com que, calmamente e sem ansiedade nenhuma, eu chegasse onde estou agora – que nem sei bem o que é! (risos) É trabalhar todos os dias, sobretudo. E isso é muito bom, porque nem todos os atores trabalham todos os dias, infelizmente. Eu tenho essa sorte e acho que isso se deve muito à falta de pressão familiar que eu tinha. Acho que na vida tudo é assim: quando há menos pressão, as coisas fluem melhor. Foi o caso. O César falava-nos da vontade de fazer coisas novas. Já teve, inclusive, oportunidade de participar em alguns filmes portugueses, nomeadamente remakes de destaque
como o Pátio das Cantigas e a Canção de Lisboa. Estas experiências foram enriquecedoras? Gostaria de explorar mais o mundo do cinema? Adorava! O cinema fascina-me mais do que a própria televisão, mas muito mais! O cinema é aquela arte de uma só câmara em que tudo é muito mais do que só interpretar. É saber exatamente onde nos colocamos, onde aproveitamos a melhor luz, a intensidade da cena... fazer cinema é outra coisa! Adorei! Tive a sorte de trabalhar pela mão do Leonel Vieira e do Pedro Varela – este último que realizou a Canção de Lisboa e de quem eu hoje sou muito amigo. Quero obviamente fazer mais! Já tive outros convites – um deles até gostava imenso de ter feito, mas foi exatamente em cima da Canção de Lisboa. Lá está, às vezes não fazes nada e às vezes surgem dois convites ao mesmo tempo! Mas quero muito voltar a fazer cinema porque é outra magia. A televisão não nos dá a magia da fotografia e da câmara. Sente que há um peso de responsabilidade maior quando damos vida a personagens que sabemos que têm um impacto grande na cultura portuguesa, em filmes que acompanham gerações? Como foi o exemplo da personagem Vasco em Canção de Lisboa? Sim, eu tentei não pensar nisso. Obviamente que é impossível sequer fazer uma aproximação ao trabalho do Vasco Santana. São outros tempos, é tudo diferente. É incomparável. O Vasco Santana é um ator exímio. Senti alguma pressão ao início, antes de começar a rodar o filme, mas depois afastei-me completamente. Também o elenco que trabalhou comigo, o realizador... todos nos afastamos completamente do filme original. Como não estamos a fazer uma imitação, a pressão é muito menor. Eu tinha interpretado uma personagem que nada tinha a ver com a personagem que o Vasco Santana tinha feito. Portanto, essa pressão foi-se diluindo ao longo da rodagem. Claro que as pessoas na rua tendem a comparar, mas é incomparável! Aquilo era um remake, digamos assim, baseado levemente na história original, mas com uma roupagem completamente diferente. E este O Pior Espetáculo do Mundo, com Carlos M. Cunha e Gustavo Miranda? É uma promessa a cumprir? Os espetadores já ficaram avisados para o que vêm? (risos) É uma brincadeira! Nós no ano passado fizemos Os Melhores do Mundo e agora temos O Pior Espetáculo do Mundo. Nós desde o início, desde o primeiro ano, que tivemos a sorte de começar a esgotar as salas onde íamos e não sabíamos bem porquê – ainda hoje não sabemos! (risos) O que é certo é que isso acontece. As datas esgotam em menos de nada, felizmente. Então começamos a brincar com isso: vamos dizer às pessoas que é o pior espetáculo do mundo e
CULTURA & ARTE César Mourão
“A minha carreira seguiu este percurso e eu também não nego que adoro o humor. Acho que o humor é um bocadinho o parente pobre das artes do espetáculo, mas acho que tem uma subtileza incrível”
talvez não venham (risos) Era uma brincadeira que fazíamos em palco. Então fizemos essa abordagem d’O Pior Espetáculo do Mundo que quando corre mal safamo-nos porque já avisamos que era o pior espetáculo do mundo! (risos) Não tem sido o caso, felizmente! Para além dos espetáculos, o César está envolvido na televisão portuguesa. Recentemente, fez parte do programa Lip Sync Portugal, que co-apresentou com João Manzarra. Foi um desafio bem-sucedido a seu ver? Eu gostei muito de fazer o programa! Primeiro, porque sou muito amigo do João e foi um desafio sermos os dois apresentadores. Depois, porque o programa era descomprometido, divertido. No entanto, não acho que seja o melhor formato para mim, talvez seja mais a cara do João. Penso que estou muito mais confortável num programa como o D’Improviso, porque é muito mais a minha praia – com mais humor, não sendo só apresentação pura e dura. Mas gostei muito do projeto, pelo João, pela Débora Monteiro (que foi uma surpresa muito boa), por toda a produção. Foi um programa muito bem organizado e produzido. Era um convite que eu não podia dizer que não ao Daniel Oliveira e à SIC. A
45
SIC tem-me dado um apoio incrível, tem apostado em mim e eu tenho feito o melhor que consigo e sei para lhe dar os melhores resultados. Por isso, quando o Daniel me pede algo porque considera que vai resultar bem, eu obviamente direi que sim. A verdade é que a televisão acaba por ser um canal importantíssimo. O César tornou-se realmente uma vedeta, principalmente entre a faixa etária mais velha – que o adora! Esta ligação com as pessoas é importante e enriquecedora para si? Reage bem a ser abordado na rua? Eu tenho a sorte de ter essa tal faixa etária muito transversal. Tenho muitas crianças de dez ou doze anos que me reconhecem por causa do programa Gosto Disto e por algumas personagens que eu fiz, assim mais em jeito desenho animado, como a mãe do Hulk, a mãe do Super Homem, o Ken... O público mais velho ainda vem desde que eu fazia as manhãs na SIC, mas a malta nova também me segue por me ter visto nesses programas. Os Commedia a la Carte são também muito transversais em termos de público. Temos muitos jovens e crianças nos nossos espetáculos e também pessoas de alguma idade. Isso é uma sorte! O país é tão pequeno que quando trabalhamos só para nichos - eu sei que são escolhas -, é mais difícil trabalharmos a toda a hora. Eu tenho essa sorte!
46
Considera que vive uma boa fase enquanto profissional? O que lhe tem faltado conquistar? Eu não penso, normalmente, no que aí vem, no futuro. Esta provavelmente é a melhor fase da minha carreira. Só que, quando nós vivemos as melhores fases das nossas carreiras, nós não nos apercebemos que estamos a viver as melhores fases das nossas carreiras (risos) Só nos damos conta quando a melhor fase da carreira passa e nós pensamos “ah, se isto fosse há dois ou três anos... aí é que eu estava muito bem!”. Uma das pessoas que me ensinou a ver isto foi o Herman José, curiosamente. Ele sempre me disse que é uma pena não nos apercebermos quando estamos mesmo no auge. Eu não sei se estou, mas eu quero acreditar que sim! Estou a aproveitar cada minuto para fazer mais, fazer melhor, ter ideias, fazer digressões. Gerir carreira é muito complicado. Vamos fazer muita ou pouca televisão? Fazemos aquele programa ou não? Fazemos palco? Eu estou a aproveitar para fazer tudo! Porque eu acho que temos de trabalhar, temos de fazer, as pessoas merecem que nós, na nossa melhor fase de vida e de idade, lhes demos aquilo que nós sabemos – este tipo de arte! A sua forma de arte é maioritariamente o improviso. O improviso é um dom? Ou treina-se?
CULTURA & ARTE César Mourão
As duas coisas! É um dom, mas também se aprende. O improviso é um ato de coragem! Porque há muita gente que é muitíssimo boa a improvisar, mas tem ali uma barreira que a impede, que lhe diz que não é capaz de subir a um palco sem nada treinado. Somos capazes! É só desbloquearmos isso. Temos de ir completamente disponíveis. Disponibilidade é a palavra certa para quando subimos a um palco para fazer improvisação. Depois, há todo um lado técnico, embora não pareça. Fazemos o que nos apetece, claro, mas tem muito a ver com a escuta, com o timing, com a sensibilidade, com o saber para onde vai a história, com o perceber a cabeça do outro. É um trabalho muito de equipa, mais do que individual. E depois há talentos, claro. Como o Carlos M. Cunha e o Gustavo Miranda que trabalham comigo. O Gustavo é um improvisador colombiano incrível, dos melhores que temos no mundo. Temos a sorte de ele estar a trabalhar agora connosco e estar a adorar Portugal. É para nós um privilégio! No caso do Carlos, ele é uma raposa velha! (risos) É muita técnica, muita coragem aliada a muito talento! Podemos falar da sua relação com o Brasil, visto que lá estudou e até já colaborou com a Porta dos Fundos? Identifica-se com o tipo de humor brasileiro? Eu não acredito que traga influências do Brasil, mas o humor, embora seja muito diferente de país para país, de continente para continente, também pode ser muito próximo. Há muito humor brasileiro que é próximo do nosso. A Porta dos Fundos é um exemplo. O projeto não deixa de ser muito europeu enquanto humor e os humoristas, que eu tenho a sorte de ser amigo, também têm esse tipo de humor. Completamo-nos. Eu quando faço sketch na Porta dos Fundos interpreto sempre um português. Faço menos vezes do que aquilo que eu gostaria porque eu nunca posso ir lá (risos) É pena! Também fiz com eles um espetáculo, o Portátil e, por exemplo, nesse espetáculo, é fácil percebermos que a improvisação também é uma linguagem. Sejamos brasileiros, africanos, sul-americanos, nós entendemo-nos. Só temos de falar a mesma língua e o resto é a língua da improvisação. E humor é humor... ou faz rir ou não! Voltando aos tempos da Hora H, um dos primeiros trabalhos do César num programa de Herman José. É uma recordação boa? Guarda boas memórias desse início? Claro! Aprendi bastante com todos. E curiosamente todos me ensinaram coisas diferentes. Aprendi muito com a Ana Bola, a Maria Rueff, o Manuel Marques, o próprio Herman. Muito mais do que quando a câmara liga. Aprendi coisas do dia a dia, da vivência de ser ator, de trabalhar todos os dias. Percebi esses meandros. Ensinaram-me quase a saber viver. Depois, pegando naqueles ensinamentos, lá fui fazendo a
CULTURA & ARTE César Mourão
“Sejamos brasileiros, africanos, sul-americanos, nós entendemonos. Só temos de falar a mesma língua e o resto é a língua da improvisação. E humor é humor... ou faz rir ou não!”
minha vida. Tenho a sorte de esses meus colegas serem muito próximos de mim, de continuarem a dar-me opiniões queremos muito fazer um espetáculo juntos, um dia destes! O Herman dá sempre uma opinião sobre o meu trabalho: deu sobre o Lip Sync, sobre o Terra Nossa... Agradeço sempre que eles estejam próximos de mim e me vão ajudando. Mas trago muito boas recordações dessa altura. Eu gostei muito de fazer o programa, apesar de o programa ter sido um bocadinho mal-amado na altura, até um pouco pela direção porque trocava horários. O programa tinha muito mais valor do que pareceu ter. As recordações que ficaram, para além do programa, foram da nossa convivência, com muito trabalho em cima e não tão felizes porque o programa andava de um lado para o outro. Ainda assim, divertíamo-nos imenso fora das câmaras. Tenho muitas saudades dos almoços e dos jantares! (risos) Há projetos novos na calha? Novos espetáculos? Um regresso à rádio...? Em relação à rádio, eu gostava imenso! A Rádio Comercial é, como eu costumava dizer, uma viagem para Sydney: é uma chatice termos de acordar àquela hora, é uma chatice pegar nas malas, mas depois de lá chegar é ótimo! É um bocado assim que eu vejo (risos). É mesmo chegar a Sydney! Parece ridículo eu dizer isto, mas sinto mesmo que aquilo é uma família. Todos são muito amigos e muito unidos. Então, trabalhar lá foi espetacular e queria voltar muito rapidamente. Só não voltei ainda porque não tenho vida para voltar. O Terra Nossa exigiu que eu andasse sempre a gravar fora de Lisboa, a digressão com O Pior Espetáculo do Mundo também... por isso, não me sobram dias para estar na rádio. Mas assim que acalmar, queria voltar. Depois, a nível de projetos de televisão, há novidades: o Terra Nossa vai voltar! Vamos fazer mais episódios... e mais coisas que estão prontas a arrancar. Vamos ver o que surgirá! (risos)
47
CINEMA Opinião
Uma análise flash ao cinema português POR Rui Tendinha
N
ão sei se têm reparado, mas nós não estamos a construir público de cinema em Portugal. Houve uma exceção boa e bonita que foi o Snu, um filme de Patrícia Sequeira com Inês Castel-Branco e Pedro Almendra nos papéis principais. Correu muito bem! Mas as comédias como Tiro e Queda, de Ramón De Los Santos com Eduardo Madeira e Manuel Marques ou Ladrões de Tuta e Meia, de Hugo Diogo com Rui Unas e Leonor Seixas não funcionaram. Isto pode significar que, em termos de ficção, as pessoas não querem pagar para ver uma comédia popular. São opções que percebo. As pessoas tendem a preferir uma comédia americana ou um filme de entretenimento americano e, nessa ordem de preferências, o cinema português é bastante prejudicado. Mas depois aparecem exceções ótimas como o Snu, que é um filme com algum carisma popular, mas muito bem feito. Já o Solum é o filme que eu dou valor simplesmente por ser feito, porque é muito difícil fazer aquilo que o Diogo Morgado fez: um filme de ficção científica sem dinheiro. No entanto, de maneira geral, não estamos numa boa fase de público. O público está de costas voltadas, neste momento, para o cinema português. A culpa é de quem? De muitos fatores! Eu acho que a promoção não está a resultar, acho que há estreias a mais e há alguns filmes que não têm qualidade: o filme Portugal não está à venda, de André Badalo, foi um exemplo. Pagámos sete euros, ficamos traumatizados e não queremos voltar a ver cinema português tão cedo. Numa análise sobre o que aí vem, estou com muita vontade de ver o filme Variações, de João Maia com o ator Sér-
48
gio Praia no papel principal. Sei que o filme está com uns problemas jurídicos a nível de argumento, sobre quem é que assina, o que não é nada bom. É um mau presságio! Mas considero que parte do possível sucesso do filme é a promoção e acho que isso vai correr muito bem porque o António Variações é uma personalidade que gera boa sensibilização. Por outro lado, em novembro, vem outro filme português que eu também já vi e ponho as mãos no fogo: é divertidíssimo! É um filme de Tiago Guedes chamado Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, uma comédia com o Gonçalo Waddington, Miguel Guilherme e o Tiago Rodrigues. Acho que é divertidíssimo porque é a história de um amigo imaginário de uma adolescente e, a partir daí, faz-se uma comédia sobre o mundo infantil e sobre a adolescência, mas com um humor fino. Esse é um filme que eu acredito que terá sucesso e que dará muito que falar! Nota: Esta análise foi-nos dada por Rui Tendinha no momento de apresentação de mais uma edição do ymotion ‒ Festival de Cinema Jovem de Famalicão.
Sobre o autor Crítico e jornalista de cinema. www.cinetendinha.pt
CULTURA & ARTE Opinião
CADERNO TÃtulo da Reportagem
49
TALENTO Ana Pais Oliveira
Ana Pais Oliveira e uma espécie de poesia cardeal POR Helena Mendes Pereira
A reflexão sobre a arte devia evidenciar a relatividade da realidade, nomeadamente, e também, da realidade contaminada pelo elitismo e pelo sistema capitalista. 1
R
ecorda-nos um mosaico daqueles das gentes do Levante, numa espécie de geometria variável da linha do horizonte ou uma moldura de imagem feita a partir das nuvens. Há na pintura de Ana Pais Oliveira (n.1982) uma urgência e uma calma da cor e da mensagem, numa espécie de poesia cardeal, em que norte e sul, este e oeste, se definem a partir da casa como epicentro do que julgamos ser. Esses lugares, feitos casas, numa escala de profusão, ampliação ou quase mapa de estradas, são dominados pelo exercício da combinação de linhas e manchas, numa procura pela diluição de fronteiras entre arquitetura e pintura. Esta arquitetura e estes lugares não são, contudo, passíveis à habituação e a pintura, no seu turno, deixou a bidimensionalidade e expandiu-se em energia e complexidade. As composições pictóricas de Ana Pais Oliveira, sobre tela ou sobre papel, são alusões a formas diferenciadas de experienciar o espaço e o tempo. São abrigos, desejos e sonhos, casas na árvore ou pontos de partida, recantos e esquinas, realidades relativas e imaginações possíveis no caos e na ordem dos territórios em que, quotidianamente, procuramos orientação. Ana Pais Oliveira é virtuosa, privilegia a cor, as suas forças e a sua paleta evidencia uma pré-disposição para a obra ser reflexo de uma perspetiva positiva e clara, ainda que na extrema e densa metamorfose dos elementos que integram o cenário criado no suporte.
50
O percurso, académico e artístico, de Ana Pais Oliveira é absolutamente notável, somando diversos prémios e exposições em Portugal e além-fronteiras. É licenciada em Artes Plásticas – Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e foi também nesta instituição que concluiu o seu doutoramento. A tudo isto junta uma inesgotável paixão pela dança e a maternidade (talvez a luz dos seus trabalhos lhe venha desta forma de ser feliz em toda a escala). E aqueles temperados azuis são também mar, o do oceano e o do olhar da artista, mulher plena e capaz de todos os desafios. Não obstante o tempero, o corpo de trabalho que Ana Pais Oliveira tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, faz perguntas, nomeadamente sobre a emergência dos lugares de conforto, a escassez dos espaços de comunidade, a confusão das malhas urbanas, a insegurança da robustez dos muros, a necessidade da diluição das portas e das janelas de ferro e vidro anti bala e sobre a capacidade de sonharmos com a construção dos nossos próprios paraísos. E é nesta demanda que a geometria, por vezes tosca e sem pretensões de tender para infinito, se expande do suporte e mergulha na delonga da poesia das cores, cuja semiótica nos confunde e nos ilude, ao mesmo tempo que nos espanta e esclarece sobre um princípio de fé inerente à pintura desta artista, uma das que nos faz acreditar que a Arte não morrerá enquanto for capaz de ultrapassar o código das elites e se aproximar, em belo modo, do fruidor comum.
Sobre o autor Chief Curator da zet gallery, em Braga.
1 NOGUEIRA, Isabel – Teorias da Arte. Do Modernismo à Actualidade. Silveira: BookBuilders, 2019. Página 97.
CULTURA & ARTE Ana Pais Oliveira
New strange place to live #16. 130x230cm. 2011
Heavy drawing #34
CULTURA & ARTE Ana Pais Oliveira
Heavy drawing #38
51
SOCIEDADE Opinião
Elogio contemporâneo do pessimismo POR Nuno Roby Amorim
uando no primeiro século da nossa era Séneca teorizou sobre a felicidade, “Todos os homens procuram a felicidade”, estaria longe de imaginar que dois mil anos depois o ocidente transformaria esta proposta ética num dogma social com características totalitárias e quase absolutistas. Da publicidade às redes sociais, passando pelos tradicionais meios de comunicação de massas, somos invadidos quotidianamente por uma parafernália de discursos e imagens que nos impõe a felicidade como modelo único de estar e de ser. Temos a impressão de que não temos o direito de errar na missão que confiamos ao nosso destino: devemos ser felizes e a nossa vida é apenas um longo caminho rumo à felicidade. Hoje a ausência de felicidade, que diz muito sobre quem somos, é percepcionada apenas como um tipo de errância, uma doença que deve ser curada por todos os meios, porque ninguém quer ser contaminado pela tristeza e por pessoas “negativas”. Perante este cenário, podemos efectivamente falar de que presenciamos uma “tirania da felicidade”. Contudo a grande fatia do discurso utilizado sobre a felicidade é limitado e não caracteriza nem especifica absolutamente nada de nada. Sabemos bem que alcançar uma espécie de eterno bem-estar é humanamente impossível, só conseguido por alguns correctamente elevados à categoria de santos. A felicidade obviamente não pode ser medida de uma forma geral, especialmente porque é altamente subjectiva e as suas inúmeras representações variam de acordo com as várias culturas e sociedades em que nos inserimos. Por exemplo, no budismo, felicidade significa estar de acordo com o próprio destino, enquanto na cultura moderna ocidental a busca da felicidade implica, ao contrário, corrigir o próprio destino. Estas duas visões de felicidade são tão contraditórias que não podem ser comparadas. Esta discussão sobre o optimismo e o pessimismo ocorre em paralelo e também no mundo da comunicação, e em
52
particular no mundo da comunicação política, ou seja, sobre a forma como transmitimos os nossos valores e as nossas ideias. Arriscar revelar qualquer risco pressupõe agora uma acusação de “pessimista/pessimismo”, uma séria recriminação que desacredita e põe em causa qualquer narrativa. O pessimista está limitado socialmente e vê tudo a “preto e branco” e a sua opinião não é interessante porque “defende que vai chover em pleno sol”. Ser pessimista não significa ser resignado, bem pelo contrário; significa ser capaz de analisar ameaças, compreendê-las, levá-las a sério e agir, o que é especialmente importante no seio da decisão política. Podemos e devemos ser pessimistas no diagnóstico e optimistas na acção e isso é que importa em termos pragmáticos. Portanto, denunciar o pessimismo como todos fazem hoje em dia é estar satisfeito com o mundo tal como é, e de certa forma podemos afirmar que o optimismo é profundamente conservador. Em oposição, o pessimismo é revolucionário, activo e inquieto com o presente. Por exemplo, estou hoje mais do que nunca decididamente pessimista sobre a evolução a médio prazo da crise económica e financeira, se continuarmos a não agir de uma forma concertada à escala europeia, mas por outro lado, estou muito optimista sobre a possibilidade de existir um futuro mais promissor, completo e sobretudo mais humano. Em última instância, a forma de estar dos pessimistas é tão positiva e aparentemente melhor do que a dos optimistas. Transformar e uniformizar a nossa forma de ver o mundo apenas de uma perspectiva optimista, em verdade, deteriora a realidade e o desempenho individual e colectivo, porque devemos recusar a adoptar uma abordagem de carácter único. Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Consultor de comunicação.
CULTURA & ARTE Opinião
CADERNO TÃtulo da Reportagem
53
MÚSICA Carminho
Carminho, o Fado contemporâneo que nos orienta sobre o futuro NAS VÉSPERAS DE SUBIR AO PALCO DOS COLISEUS, A FADISTA FALOU-NOS ACERCA DAQUILO QUE O FADO É PARA SI, DO QUANTO A SOLTA E A MANTÉM VIVA. NESTE QUINTO ÁLBUM QUIS SER APENAS MARIA, NUM DISCO ÍNTIMO E DESPIDO DE UMA BUSCA PELA PERFEIÇÃO, ONDE PROCUROU SUBTRAIR ELEMENTOS ADICIONADOS AO FADO, PARA QUE ESTE EXISTA DE VERDADE. DE FADO A MARIA VAI UMA BONITA VIAGEM ATÉ AO MAIS ÂMAGO DO SEU SER, NUM FADO QUE NÃO A PRENDE, PELO CONTRÁRIO, A LIBERTA. AH FADISTA! E QUE FADISTA. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Mariana Maltoni
CADERNO TÃtulo da Reportagem
55
P
odemos regressar ao início da sua viagem pela música? Qual foi o primeiro Fado que ouviu? Não sei qual foi o primeiro Fado que ouvi, mas lembro-me do primeiro Fado que cantei aos meus pais. Tinha seis anos e era sobre uma história um bocado trágica, da qual eu não estava a perceber nada do que cantava, provavelmente. Era a “Marcha de Manuel Maria”, com a letra “Mataram a Mouraria”, um Fado que falava sobre o facto de a evolução dos tempos levar a que se percam algumas coisas e as pessoas mais saudosistas ficam com pena, acham que estão a matar a tradição, porque se está a evoluir. E esse foi um dos primeiros Fados que cantei. Viajou pelo mundo e quando regressou às suas origens entregou-se por completo ao seu percurso na música. O que esta descoberta trouxe à sua vida? Eu acho que qualquer viagem nos alimenta. Viajar é crescer, aprender, abrir os horizontes. Mas também depende da forma como se viaja. Pode-se viajar sem sair do lugar, porque se é uma pessoa muito interessada, estimulada e que consegue somar o seu universo apenas num livro ou numa peça de teatro. Ou, então, viajar pelo mundo inteiro e estar de
olhos fechados: não sair do seu lugar, do hotel, da sala onde atua... não viver a cultura que se poderia viver! Esta viagem foi muito importante para mim, porque foi uma necessidade de ir, sem muitas seguranças. Fui sem telemóvel, sem saber muito bem onde iria dormir. Foi uma experiência de conhecimento pessoal muito grande acerca daquilo que eu consigo e, também, importante no conhecimento de outra cultura, de estar atento ao outro e perceber as diferenças que essas pessoas têm. Entender a riqueza da cultura que não se repete, porque todos os seres humanos sentem as mesmas coisas, mas vivem-nas de maneira muito diferente. Há que respeitar e saber adquirir essa cultura de uma forma única. Estas lições continuam a ser somadas por mim, ainda hoje, porque são até bastante difíceis de aplicar na vida real. Uma coisa é a viagem, outra coisa é conseguir aplicar tudo isso no dia a dia e é dessa forma que eu me vou alimentando também nas minhas interpretações. Diz que o Fado é arte contemporânea e não memória. É futuro e não apenas passado. Considera que tem existido alguma renovação no Fado? A seu ver, qual é a missão atual do Fado?
© Inês Gonçalves
Eu sinto que o Fado é uma linguagem, que tem uma tradição e uma história de quase 200 anos. Então, para poder aplicar essa linguagem hoje, há que entendê-la na sua essência passada. Ser contemporâneo é utilizar o instrumento do Fado, essa linguagem que tem uma característica própria e os seus valores e matrizes. É precisamente aplicar essas matrizes num pensamento de hoje e naquilo que se quer expressar. Nessa medida, eu acho que o Fado é contemporâneo, porque continua a querer ser ouvido. Agora, as mudanças do Fado não me competem a mim, não o pretendo mudar, porque acho que o Fado é maior do que os fadistas e do que cada um pretende e quer fazer. No final, tudo isso junto vai resultar naquilo que o Fado será daqui a uns anos. Só o tempo o dirá.
“O Fado é uma expressão cultural do tempo de hoje e do tempo que foi a nossa história, que não se apaga, muito pelo contrário, que nos dá as pistas para entender o futuro”
Ter uma mãe que é fadista influenciou este caminho pelo Fado? Claro que sim. É a cultura que eu tinha em casa e foi a forma como aprendi a expressar-me. Se calhar, se tivesse nascido numa família de rockeiros, provavelmente expressar-me-ia através do rock. O que é que o Fado nos dá e, especialmente, o que é que lhe dá a si? O Fado é uma expressão cultural do tempo de hoje e do tempo que foi a nossa história, que não se apaga, muito pelo contrário, que nos dá as pistas para entender o futuro. É uma expressão social que nos vai dando a uns uma memória, a outros uma certeza do futuro. É uma expressão que existe para os dias de hoje e para corresponder às problemáticas das pessoas de hoje. O Fado pode ser, para uns, uma tradição portuguesa e, para mim, pode ser a minha sobrevivência. O Fado carrega muita história e memória. As suas vivências servem de inspiração para escrever músicas? Claro. Eu acho que a maior inspiração para mim são os outros artistas, assim como as histórias das pessoas que eu vou conhecendo no dia a dia, porque são coisas que inspiram a pensar na nossa própria história e dão pujança à vontade de querer continuar a expressar-me. Como é que olha para o Fado atualmente? Qual é a sua visão? Eu acho que o Fado precisa de andar. É como a vida das pessoas. Nós vamos andando e, às vezes, temos grandes alegrias e, outras vezes, passamos por maiores dificuldades. Mas não podemos parar! E o Fado é assim, tem vários ciclos, tal como as pessoas. Este é um momento em que o Fado recebe maior atenção das pessoas e isso faz com que muita gente de fora dessa linguagem esteja mais atenta a ele e queira praticá-lo. Começa com o disco Fado, segue-se Alma, Canto e agora Maria. Estamos perante uma viagem até ao seu íntimo?
CULTURA & ARTE Carminho
© Inês Gonçalves
(risos) Talvez. Eu acho que cada álbum tem sido sempre o melhor que eu fui em cada momento e aquilo que eu sinto, olhando para trás, é que existe alguma coerência. Eu não consigo programar uma coerência para o futuro, só posso é admirar com felicidade se existir alguma coerência na história que eu fui construindo, na minha vida e no Fado. Portanto, eu fico feliz que haja uma ligação quando olho para trás, porque todos os álbuns se unem e são, realmente, a minha evolução. Uma evolução para dentro, porque quanto mais convivemos connosco, mais nos conhecemos e mais capacidades temos de falar sobre nós. É dessa forma que eu vejo que é mais íntimo, porque conheço-me melhor hoje do que há dez anos. Sei mais sobre mim, sei que quero falar sobre o Fado e sei que não posso falar de Fado de uma forma qualquer, porque aprendi muito durante estes anos. Se quero fazer um disco de Fado, tenho de fazê-lo com consciência e responsabilidade e pensar onde me quero posicionar neste género musical. É uma forma mais minimalista, olhando para o que o Fado me traz em termos emocionais e aquilo
57
que eu acho que é preciso haver numa noite de Fado, para que exista Fado de verdade, mais do que um formalismo ou a tendência atual de somar elementos ao Fado. Maria é o álbum mais íntimo e pessoal da sua carreira? O que é que tentou explorar neste disco? Este disco é um pensamento sobre o Fado e o que o Fado é para mim. Tem mais a ver com o momento, com a verdade, com o assumir o erro. Daí eu ter feito as gravações em estúdio e ter havido uma despreocupação com a perfeição, que é contrária ao correr do próprio Fado, porque é um momento único, também tem os seus erros e há que assumi-los. Essas fragilidades fazem parte da beleza do Fado. Não somos máquinas, portanto não podemos fazer do momento uma peça perfeita, porque ela não existe. Para mim, o Fado tem de ter vários valores para que seja Fado. Qual é o tema no disco que considera mais especial? “Estrela” é quiçá um exemplo? Não considero nenhum tema mais especial, porque todos eles fazem parte de uma peça e cada um tem um lugar importante. Se calhar mais pessoas gostaram de ouvir “Estrela” ou “O Menino e a Cidade” e eu fico feliz. A “Estrela” tem um lugar importante, talvez pelo facto de eu ter escrito e composto este tema.
58
© Mariana Maltoni
“Eu sei que o Fado vai estar sempre na minha vida. É a minha linguagem mãe! Eu aprendi a falar português ao mesmo tempo que aprendi a cantar”
Como tem sido a reação a este álbum? Eu acho que tem sido ótima. Tem sido um privilégio tocar ao vivo estas canções e sentir a emoção do público, porque é um concerto muito diferente de todos os que já fiz. Tem uma atenção muito grande para o ambiente e para o lugar onde estamos. É muito mais controlado em termos de luz e remete para um ambiente de Lisboa à noite, mas mais tradicional, que pode ser também mais surrealista, onde as coisas se viram um bocadinho ao contrário. Acho que tem sido muito bem-recebido e estou muito contente. O que é que acha que o Fado lhe reserva? Considera que daqui a dez anos podemos voltar a falar consigo e teremos um Fado diferente? (risos) Eu não consigo prever o futuro. Eu sei que o Fado vai estar sempre na minha vida. É a minha linguagem mãe! Eu aprendi a falar português ao mesmo tempo que aprendi a cantar. Portanto, eu não acredito que uma pessoa se desfaça da sua mãe para ir viver uma maternidade com outra pessoa qualquer. Apesar de poder estar longe, a viajar e a cantar pelo mundo inteiro, a minha mãe vai estar sempre aqui para me receber e isso é uma segurança. O Fado é isso para mim, uma segurança, uma linguagem maternal, independentemente do que queira vir a fazer, porque o Fado não me prende, liberta-me. É um mecanismo, um instrumento para eu me poder expressar onde e como quiser. Por isso, sim, acho que daqui a dez vamos poder estar aqui novamente a falar sobre o Fado (risos).
CULTURA & ARTE Carminho
29 agosto a 1 setembro
MÚSICA Capitão Fausto
Capitão Fausto, como ouvir uma história do princípio ao fim POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA Matilde Travassos
A
banda-geração redefine-se numa autoproclamação intitulada A Invenção do Dia Claro, o mais recente álbum da banda lisboeta. Aqui podemos ouvir uma história cantada e sentida em português, mas sobretudo vivida sobre o amadurecimento do que é triste. A Invenção do Dia Claro, de Almada Negreiros, é também o título do vosso último trabalho. Nesta obra do modernista português podemos ler um excerto que diz: “Eu queria que os outros dissessem de mim: Olha um homem! Como se diz: Olha um cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma arvore! quando há uma arvore. Assim, inteiro, sem adjetivos, só de uma peça: Um homem!”. Quando ouvimos A Invenção do Dia Claro é possível quase percebê-lo como uma peça só que cabe no mesmo lugar. Este é o vosso trabalho mais concreto e definido? É fácil sentirmos isso assim que terminamos um disco. Enquanto não chega o próximo, este será para nós o mais concreto e definido até à data. Talvez olhando com mais distância para tudo o que já gravámos consigamos apontar um! No entanto, sentimos uma grande coesão entre as letras das canções todas. Ouvidas pela ordem, contam uma história. Nunca tivemos isto nos discos anteriores. Não é um disco imediato, precisa de ser ouvido. É algo que vamos percebendo sempre que o começamos a ouvir – como se nos obrigasse a respeitar uma ordem. No fim é uma aceitação de uma realidade muito presente. Este era o vosso objetivo, educar-nos a mente de uma forma quase hipnotizante sobre o ‘dia claro’? Acho que não temos nenhuma intenção de educar, mas fazemos um choro para seguirem a ordem, sim! Conseguimos imaginar uma história mais completa na cabeça.
60
Gravaram o álbum em São Paulo, no Brasil, uma cidade de betão, uma metrópole, num país de praias e de muito sol. Este contraste era o que procuravam como lugar de intervenção artística, influenciador de composições e formas de comunicar? A composição foi toda feita em Portugal. O que procurámos mais em São Paulo foi uma energia de urgência e concentração para a gravação do disco. Foi a primeira vez que gravámos com outro engenheiro de som e num estúdio com um horário bem mais restrito do que já tivemos. Aparentemente, o álbum respira uma certa alegria sonora, mas um ouvido mais atento denota uma certa melancolia lírica. Este é um álbum alegre-triste, um Brasil-português? Sentimos isso, sim! É bonita a ideia de olhar para a tristeza com um sorriso e cantá-la. Onde é que habitam os Capitão Fausto no panorama da música portuguesa? Acaba por ser onde nos quiserem pôr! Hoje, o público português entende-se muito bem com a música feita cá, por músicos que inovam e respeitam as raízes e a força que a nossa língua pode ter. Nem sempre foi assim. Já estamos preparados para tudo, para receber tudo ou falta-nos algo que considerem importante no universo musical em Portugal? É verdade que se sentiram mudanças de ares nos últimos anos, e ainda bem. Mas não sentimos falta de preparação, que venha tudo! Com toda a dinâmica de um lançamento recente de um novo trabalho há tempo para pensar em coisas novas? Novos mundos? Sempre! Assim que terminamos um mundo, a saturação entra e começam logo burburinhos entre nós sobre o próximo. Por enquanto ficará só assim, no ar.
CULTURA & ARTE Capitão Fausto
“BLEBELBELEBLEBLE”
CADERNO Título da Reportagem
61
MÚSICA Luísa Sobral
Luísa Sobral e as perspetivas do amor A VOZ É DELICADA, COMO UMA ROSA. A POSTURA É SERENA, COMO UMA MÃE QUE VÊ UM FILHO DORMIR. LUÍSA SOBRAL É MELODIA TRANQUILA, EMBALADA POR AMOR. E É ESSE AMOR QUE NOS TRAZ NO SEU NOVO TRABALHO, CHAMADO ROSA. NUMA FASE DE PLENA CONSCIÊNCIA DO TIPO DE MÚSICA QUE QUER FAZER, FALAMOS COM A ARTISTA QUE VÊ NA FAMÍLIA UM ABRIGO QUE A DESPERTA, QUE A ACOMPANHA NA SAGA DE CONTAR HISTÓRIAS EM FORMA DE CANÇÕES. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
F
alar com a Luísa Sobral faz-nos sentir que a primeira pergunta tem mesmo de ser: a música está nos genes da família? Qual foi a razão que a fez entrar neste universo da música? Sim, podemos dizer que há um gene familiar (risos) O meu pai sempre ouviu muita música, mas até hoje não sei bem o que nos fez, a mim e ao meu irmão [Salvador Sobral], seguir a área. Até gostava de perceber, para fazer o mesmo com os meus filhos (risos). Mas não sei bem. A verdade é que eu e o meu irmão somos músicos e o meu pai nunca pensou nisso, simplesmente tocava música em casa. Ele toca bateria, mas não é profissional. Foi tudo algo muito natural, sempre cantamos juntos. Portanto, não houve assim nenhum segredo. Eu, apesar de tentar, com toda a força, incutir a música aos meus filhos, percebo que não foi assim comigo – e segui este caminho. A minha mãe também ouvia música, naturalmente, e ouvia coisas que eu considero muito boas: Maria Bethânia, por exemplo. Esse lado, que eu também gosto muito, acabou por vir muito dela. Mas diria que, em estilos diferentes, as influências vieram dos dois.
“Estamos a passar uma fase de amor à língua. Acho lindíssimo!”
A sua formação levou-a além-fronteiras, mas, de alguma maneira, encontrou sempre o caminho de regresso a Portugal. É aqui que gosta de estar? Sim! Apesar de todas as colaborações que possa procurar fora, nomeadamente a nível de produção, eu quero mesmo viver aqui. Gosto de viver em Portugal. É aqui o sítio onde quero educar os meus filhos, onde quero passar o tempo que tenho livre e desfrutar da vida com a minha família. É engraçado porque ainda há pouco tempo eu estava a conversar com um amigo meu que estudou comigo nos EUA e ele contava-me que tinha voltado à cidade da nossa universidade. Dizia-me: “tens de voltar cá, para tocar aqui!”. Eu disse que não sabia se tinha assim tanta vontade de voltar lá. Não fiquei com uma ligação super forte aos EUA. Há outros sítios que gosto mais. Quero muito ir à Ásia tocar, por exemplo. Não fiquei com vontade nenhuma de viver noutro sítio sem ser aqui. A Luísa tem trilhado um percurso de sucessos, seja como compositora ou como cantora. É óbvio que não podemos esquecer a fase ótima de participação com o Salvador Sobral na Eurovisão, mas gostaríamos de entender que fase vive hoje Luísa Sobral. Este novo trabalho Rosa apresenta-nos uma Luísa diferente? Acho que sim! Acho que vivo uma fase em que quero fazer só exatamente aquilo que eu quero fazer, da maneira como eu quero fazer. Já não sinto que tenha de ter canções que passem na rádio. Não é que eu antes as fizesse de propósito para isso, mas tentava arranjar uma maneira de elas se tornarem um bocadinho isso, para me ajudar também na minha carreira. Ouvia o disco e pensava nisso, em qual canção seria para a rádio. Hoje em dia não. Neste disco não. Quando fiz as canções deste disco tinha plena noção que nenhuma delas era radiofónica – e estava tranquila com isso! Não tomo decisões na minha vida para ter mais sucesso, não quero ser júri de programas de televisão, não quero fazer coisas que me trariam mais visibilidade só porque me trariam mais visibilidade. Eu só quero fazer aquilo em que eu acredito mesmo! E isso aconteceu-me muito com este disco. Tive a serenidade de ser capaz de perceber que, se calhar, vou chegar a menos pessoas, mas que isso não faz mal. Não tenho vontade de tocar em sítios enormes, cheios de gente. Não! Tenho vontade de dar aquilo que eu tenho às pessoas que me querem ouvir. Acho que as minhas ambições muda-
CULTURA & ARTE Luísa Sobral
ram um bocadinho também. Vejo a vida de uma forma mais serena. Na verdade, dá-me muito prazer tocar e partilhar as minhas canções e, então, não me importo de tocar em sítios pequeninos. Aí vejo a cara das pessoas! Com este disco, até queremos fazer uma mini tournée por terras onde normalmente não chegamos. Fazer concertos para 50 pessoas ou algo do género. Eu quero mesmo que a minha música chegue às pessoas, sem ter o objetivo de ser famosa – eu nunca quis isso! Não tento mudar nem fazer as coisas de forma diferente para ter mais sucesso. Não quero mais sucesso do que aquele que tenho. Estou em paz. Podemos falar deste novo trabalho em concreto? É um álbum de histórias, correto? É um disco que fala de vários tipos de amor, na verdade. Tenho uma canção para o meu filho sobre a minha filha que nasceu. É uma canção em que eu lhe explico o que é ter um irmão (antes de saber que seria uma menina, pensava que teria um rapaz). Tenho uma canção que fala sobre dois velhinhos que conheci há uns meses, um casal que se apaixonou mais tarde na vida. Eu quis contar a história deles! Tenho uma canção que seria para a minha filha que eu achava que era um rapaz. Tenho uma canção que fala sobre a forma como eu vejo o amor. Ou seja, tenho várias perspetivas - histórias que não são minhas também -, mas sempre de amor. Porque eu gosto
CULTURA & ARTE Luísa Sobral
de falar de amor. Acho que há amor em todas as coisas, não é necessário ser um amor romântico. Há o amor de irmãos, o amor de mãe... É disso que eu gosto de falar. Por falar no amor de irmãos, este disco traz também um dueto com o seu irmão, Salvador Sobral. Chama-se “Só um beijo”. É uma canção especial? Sim, claro que sim, até porque nós nunca tínhamos gravado nada juntos. Sempre cantamos juntos a vida toda, aprendemos muito um com o outro. Ainda há dias estávamos a ensaiar e é impressionante porque não é necessário olharmos um para o outro para percebermos quando é que vamos terminar a frase. Nós ouvimos a respiração um do outro e sabemos quando é que o outro vai entrar outra vez. Eu posso cantar com ele de olhos fechados! Sei exatamente o que ele vai fazer. Sabemos perfeitamente encaixar as vozes uma na outra. Eu acho que não é possível isso acontecer de uma forma tão perfeita sem ser com irmãos. A nível de influências neste novo álbum, tentou trazer uma nova identidade às canções? Cada disco que eu faço é inspirado por aquilo que eu estou a ouvir de momento. Isso faz com que eu componha de forma diferente. Primeiro, tenho ouvido muito mais música portuguesa. Ouço muito Márcia e o António Zambujo, que
65
são duas grandes inspirações para mim. Depois, ouço muito música brasileira, como Chico Buarque, Os Tribalistas. A Mayra Andrade faz sempre parte das minhas playlists também. Ou seja, muita música em português! Acho que tem a ver com isso e também com aquilo que eu leio no momento – nesta fase, maioritariamente escritores lusófonos. Essas são sempre as minhas principais influências. Concorda que estamos a atravessar uma fase em que há uma maior predisposição para ouvir música em português? Sim, acho que estamos a passar uma fase muito positiva em que já é normal para os jovens quererem ouvir música portuguesa. Acho que é um bocadinho aquilo que falta no mundo do cinema. Aquela coisa de nós irmos ao cinema ver um filme português ainda é um bocadinho estranho para nós. No outro dia fui ao cinema ver o filme Snu e estava a sala cheia. Eu pensei “uau!”. É um passo! Se calhar, daqui a uns anos, tal como é normal hoje ouvir música portuguesa,
66
tal como se ouve muita música portuguesa nas rádios, vai ser normal ir ver um filme português. Penso que estamos a passar uma fase na música em que as bandas que escrevem em inglês já quase não têm tanto sucesso e tentam também escrever em português. Estamos a passar uma fase de amor à língua. Acho lindíssimo! Com cinco álbuns lançados, um período de estudo nos EUA e um regresso às origens portuguesas, qual é a sensação de ser reconhecida hoje como uma das mais importantes cantoras e compositoras da nova geração de músicos portugueses? Uau! (risos) Eu aprendo muito com os meus colegas e se alguém pode aprender comigo eu fico muito feliz! Eu acho que, para mim, está a ser incrível esta fase de explorar a minha própria língua. Acho que isso tem a ver com os meus filhos, principalmente com o mais velho: o facto de ele estar a aprender a falar e de eu, de repente, perceber que a língua que eu
CULTURA & ARTE Luísa Sobral
falo com ele é o português. É a língua que está ligada ao meu coração! Se eu quero dizer “gosto muito de ti” ou “não chores”, é em português! Quando estou em concerto, estou a contar histórias e, por muito mais que as pessoas percebam a letra em inglês, às vezes já não estão a ouvir ou até se perdem um bocadinho. Já não há tanto sentimento. Em português, sinto que cada palavra entra direta no coração. Por isso é que quis que este disco fosse tão despido, para que as pessoas ouvissem cada palavra das histórias que estou a contar. Mas tem sido engraçado porque, quando eu vou tocar lá fora, eu conto um pouco da história da música e, mesmo não percebendo o que estou a dizer, as pessoas emocionam-se com a música. O facto de eu explicar às pessoas em que viagem vão entrar tem ajudado. Tem sido muito bonito! Tem planeado algo especial com esta digressão de concertos com o Rosa? É uma formação [de banda] nova, há algumas coisas que adicionamos agora quando estivemos a tocar fora e que vamos começar a fazer cá também. O concerto para mim é todo especial. Tem vários momentos diferentes. Eu tento tirar de cada um dos elementos da banda o seu melhor, para mostrar o quão incríveis eles são. Tem sido muito bom para mim tocar com uma formação diferente porque há sete anos que estava com a mesma formação. É um bocado estranho para as pessoas que ouvem no início porque são duas guitarras e três sopros clássicos. Mas, de repente, quando começamos a tocar, faz todo o sentido! A Luísa vai manter-se nos palcos durante o verão, em festivais nacionais e também internacionais (Espanha e Itália). Em Portugal, os ouvintes vão continuar a ver (e ouvir) o Rosa neste contexto? Sim e, ao mesmo tempo, não! (risos) Há dois ou três festivais ao ar livre em que eu vou levar percussão. Vamos fazer uma experiência diferente – porque já tinha muitas saudades do meu baterista e tinha de o inserir em alguma coisa! (risos) Vamos então experimentar a versão Rosa com percussão. Para terminarmos, gostaríamos de perceber os anseios da Luísa em termos de carreira. Já existem planos, cartas na manga, objetivos...? Em primeiro lugar, gostava muito de fazer outro disco para crianças. Mas não é já. Agora que sou mãe, tenho outra perspetiva e acho que seria engraçado fazer outro disco para crianças. Depois, quero continuar a compor para outras pessoas, começar a fazer mais isso lá fora também. Acabei de escrever uma canção para Espanha e tenho outra para Itália. Quero, ainda, fazer parcerias no Brasil, escrever para artistas brasileiros. Viajar para o Brasil neste ano ou no início
CULTURA & ARTE Luísa Sobral
“Eu faço sempre, no início do ano, uma lista de coisas a melhorar em mim. Há uns dias olhei para a lista e reparei que, em nenhum ponto, vinha alguma coisa profissional – e não que eu ache que não precise de melhorar. É só porque eu dou sempre primazia à minha vida pessoal”
do próximo para me encontrar com compositores e compor com eles é um objetivo. Mas, claro, quero muito compor para mim também – já estou a imaginar um próximo disco! (risos) Mas quero que este viva a sua vida longa. Quero muito ir à Ásia com o Rosa. Estamos também a marcar uma tournée na Austrália. A Luísa não para então? Até já tenho uma ideia de como gravar o próximo disco! (risos). Somos seres criativos e temos sempre essa necessidade de explorar coisas que gostássemos de fazer. Não quer dizer que o vá fazer agora, mas tenho essas ideias. Mas quero muito também ter tempo para a minha família! Sempre que estou com eles quero mesmo estar com eles, fazer coisas, viajar... Quero ter tempo para as duas coisas. É engraçado porque eu faço sempre, no início do ano, uma lista de coisas a melhorar em mim. Há uns dias olhei para a lista e reparei que, em nenhum ponto, vinha alguma coisa profissional – e não que eu ache que não precise de melhorar. É só porque eu dou sempre primazia à minha vida pessoal. Enquanto eu for feliz na minha vida pessoal, eu vou ser feliz na minha vida profissional – e ao contrário eu não acho que isso aconteça. Sermos felizes na nossa vida pessoal é o primeiro passo para o resto correr bem, para termos um apoio para fazermos aquilo que quisermos. O meu objetivo é dar todo o tempo que possa à minha família e, ao mesmo tempo, ir pensando nestas pequenas coisas que também me deixam feliz, como compor.
67
TEATRO A Civilização do Espectáculo
.e se a plateia não estiver vazia?. POR Cátia Faísco
S
empre que entro numa sala de teatro, tenho a sensação de que estou a entrar num espaço sagrado. Olho para o bilhete como quem espera por segredos revelados e enquanto caminho para o meu lugar, observo o que se passa à minha volta. Há pouco tempo fui ver um espectáculo de teatro do GreTUA ao Teatro Aveirense e para meu espanto, confesso, a sala estava absolutamente cheia. E a maioria das pessoas que o enchia tinha abaixo de trinta anos. Este fenómeno, independentemente das razões, fez-me pensar no número de pessoas que enche (ou que deveria encher) uma sala e o que as leva a estar ali, a participar daquele momento. Já falei algumas vezes nestas crónicas acerca da programação dos teatros e de como, na maioria das vezes, não consigo compreender os seus critérios. Há casos em que nem acho que exista uma lógica. Talvez nalguns seja a notoriedade do artista, talvez noutros seja a amizade, e talvez noutros seja mesmo o reconhecimento do talento. Falo do teatro e da música, obviamente. Embora se tratem de campos distintos, acabam por se tocar neste ponto. Tantos teatros que enviam como resposta: “lamento, mas não conseguimos ter orçamento para esse espectáculo/concerto”. E depois programa-se algo que custaria o dobro. Enfim, critérios... Fui consultar alguns programas para os próximos meses e, claro, a música consegue safar-se muito melhor porque parece que na silly season se reforça o número de concertos e de festivais. O marketing aponta para que estejamos mais predispostos para a música. Vá-se lá saber porquê! Talvez seja o mesmo efeito dos gelados: sabe sempre melhor quando está calor. Ora, numa tentativa de aproximação às massas (digo eu), deixa-se que a oferta do admirável mundo novo dos youtubers e de outros performers de stand-up comedy, substitua a programação teatral. Não sei como, nem quando é que isto aconteceu porque me parece que foi de repente. Não sou ra-
68
dical ao ponto de pensar que se deveria eliminar uns para dar lugar aos outros. Mas há companhias a lutar para sobreviver, com espectáculos a precisar de circular. E, por favor, não me venham com aquela conversa de que é isso que o público quer. Não, não é. É somente aquilo que lhes dão. Talvez seja o que os programadores querem para ter sempre a casa cheia ou, e arrisco-me a dizer isto, uma certa preguiça para perceber o que está a acontecer no meio teatral. Porque, para quem imagina que é muito fácil, não é. Ser programador exige um conhecimento muito grande da área. Em Maio, o 23Milhas (Ílhavo) apresentou a segunda edição do Ilustração à Vista, um festival que combina teatro, música e oficinas criativas e que junta crianças e adultos à volta da ilustração. Num sábado à noite, ver uma praça absolutamente cheia de pessoas de todas as idades para ver um espectáculo é algo indescritível. Pelo menos para mim é. Elogio sem qualquer problema o trabalho que a equipa do 23Milhas tem feito pela cultura do concelho e sinto-me orgulhosa por poder fazer parte enquanto habitante da cidade e espectadora. E, atenção, não estamos a falar de uma capital de distrito ou de uma grande cidade. Será que, de uma vez por todas, podemos deixar de ceder aos fenómenos temporários e não presumir que o público quer todo o mesmo ou que não tem compreensão para mais? Será que, de uma vez por todas, se pode pedir aos programadores que conheçam melhor aquilo que está a acontecer no panorama artístico? Será que, de uma vez por todas, podemos tomar os bons exemplos para outras cidades e encher as plateias deste país? Nota: Este artigo não foi escrito segundo o novo acordo ortográfico.
Sobre o autor Dramaturga, professora, investigadora, yogui.
CULTURA & ARTE Opinião
LITERATURA Três meses, três livros
Walter Isaacson Leonardo da Vinci
Larry Loftis Nome de Código – Lise
Patti Smith Devoção
Porto Editora
Editora: Vogais
Quetzal Editores
Todos os adjetivos e louvores soam a pouco para falar de Leonardo da Vinci. O ícone renascentista deixou a sua marca na pintura, escultura e nas ciências exatas. Eternizou a Gioconda, produziu perspetivas várias em A Última Ceia e correu o risco de lhe chamarem de ‘louco’, devido ao sonho de voar. Muito se poderia escrever aqui sobre da Vinci, mas o melhor mesmo é ler a obra de Walter Isaacson. O autor, que já nos habituou às muitas biografias de figuras célebres, revela-nos agora facetas desconhecidas do génio, mostrando que Leonardo era, acima de tudo, um homem com caraterísticas muito ‘humanas’. No fim do dia, a sua enorme vontade e ambição distinguiam-no de todos os outros.
A II Grande Guerra é sinónimo de terror, mas também de heroísmo. Entre os milhões de mortos e os crimes contra a Humanidade surgem, ainda assim, relatos de coragem. Odette, vamos chamar-lhe simplesmente Odette, nasceu em França, mas devido ao seu primeiro casamento mudou-se para Inglaterra, onde viria mais tarde a ser condecorada. Porquê? Mãe de três filhas, Odette alistou-se no Executivo de Operações Especiais para ajudar os Aliados; esteve no seu país natal para dar início à sua missão de espionagem. No entanto, e após algum tempo de serviço, Odette foi traída por outro agente e acabou nas ‘mãos’ dos nazis. Foi torturada várias vezes, mas não quebrou. Foi enviada para o campo de concentração de Ravesnbrück e sobreviveu. Hoje, a história desta mulher coragem chega até nós sob o título de Nome de Código – Lise.
Há quem lhe chame ‘avó do punk’, mas a verdade é que o nome de Patti Smith não se faz notar apenas na música. Cantora e compositora, a norte-americana é também poeta, fotógrafa e escritora. É, precisamente, nesta última versão que Smith chega agora ao público português. Traduzido por Helder Moura Pereira, Devoção mostra-nos a jornada da exploração da natureza do processo criativo pela autora. Entre cafés e viagens de comboio, Patti Smith escreve soabre a razão de escrevermos. Redundante? Sim, pois claro. Mas, é uma redundância, repleta de sentido, que nos leva, por exemplo, ao Sul de França até à casa de Albert Camus, ou à sepultura de Simone Weil, nos arredores de Londres. O livro é vibrante e o assunto desconcertante, tal e qual como a sua autora.
POR Filipa Santos Sousa
70
CADERNO TÃtulo da Reportagem
71
OUPAS! DESIGN Um mundo criado à luz da fantasia LUÍS ARAÚJO Os desafios do Turismo de Portugal ANA ARAGÃO A desenhadora com o Porto no traço
A visĂŁo empresarial, o sucesso alĂŠm-fronteiras e a economia Ă lupa.
DESIGN Oupas! Design
Oupas! Design, um mundo criado à luz da fantasia SÃO RECONHECIDAS PELAS MAGNÍFICAS PEÇAS EM PAPEL E CARTÃO, QUE INVADEM MONTRAS E EVENTOS E DÃO UM TOQUE ESPECIAL A QUALQUER ESPAÇO. JOANA, SOFIA E CIDÁLIA SÃO O ROSTO DO OUPAS! DESIGN, UM ATELIER QUE EXPLORA A CRIATIVIDADE... EM GRANDE ESCALA! POR Andreia Filipa Ferreira
Boutique da Tereza © Luís Pedro Gomes
Galeiras ©AORP
Projeto para Inapa
A
história do Oupas! Design começa quando Joana Croft, Sofia Farinha Gomes e Cidália Abreu, amigas do curso de Design na Escola Superior de Estudos Industriais e Gestão, em Vila do Conde, se juntam para dar vida a um projeto que, a pouco e pouco, foi ganhando dimensão – quase sem elas darem por isso. O seu pequeno mundo, no âmbito da incubadora de projetos na faculdade, depressa saiu dos contornos dos seus desenhos e, hoje, o Oupas! (que é como quem diz “‘bora lá!”) é um exemplo do talento português para a arte manual. Moldando as suas peças conforme os pedidos, o Oupas! Design vai muito além das propostas a nível de design gráfico. Ora vejamos o seu portefólio: começamos por destacar o surpreendente pavão
para a montra da marca Hermès na relojoaria Marcolino, no Porto; depois, as 30 lagostas criadas para promover a Cervejaria Ribadouro, em Lisboa; a montra da Josefinas, em Nova Iorque, é outro exemplo, assim como a decoração do catálogo da coleção primavera-verão de 2018 da Eureka Shoes; realçamos ainda o projeto para o perfume da Claus Porto, marca que se rendeu à criatividade das três amigas. Tudo isto feito em papel e cartão... à mão! “A manualidade esteve sempre presente nos nossos projetos, mesmo se fosse um cartaz. Por exemplo, até o nosso primeiro website foi “construído” com peças que fizemos manualmente e depois animamos no computador. O trabalho manual estava sempre primeiro”, contam-nos.
Joana Croft, Sofia Farinha Gomes e Cidália Abreu ©Nuno Sampaio
76
NEGÓCIOS Álvaro Siza Vieira
Peacock – Montra Hermès
Catálogo Eureka ©Aloísio Brito
O Oupas! Design distinguese pela linguagem intuitiva e natural, criativa e surpreendente.
Montra Josefinas ©Josefinas
NEGÓCIOS Oupas! Design
Tendo já assinado trabalhos para a Ivity, de Carlos Coelho, para a Thought For Food Global Summit, para a Livraria Lello, para o Turismo de Portugal, para a Zippy, para a The Laces Company, entre muitas outras marcas ou empresas, o Oupas! Design continua a destacar-se como um atelier de design com uma linguagem intuitiva e natural, criativa e surpreendente. “Trabalhamos sobretudo para a decoração de eventos e para a decoração de montras. O papel e o cartão são muito versáteis e, por isso, é fácil para nós transpormos as nossas ideias para diferentes áreas – até para trabalhos digitais, como vídeos ou publicidade. É engraçado quando nos desafiam!”, explicam. Com vários projetos em mãos, incluindo dois fora de portas, nomeadamente em Barcelona e em Basileia, o atelier Oupas! mantém-se em constante estado de inspiração. E, a todos aqueles que se apaixonaram pelas suas peças em papel ou cartão, atenção: poderão estar prestes a surgir novidades, uma loja online com icónicas peças disponíveis para compra. Quem não quer aprimorar a sua decoração com as ideias incríveis da Joana, da Sofia e da Cidália?
77
ECONOMIA Opinião
E no início... houve uma praxe POR Sílvia Sousa
E
m pleno rescaldo de semanas académicas, mais ou menos controversas, encadeadas num contínuo de aparentes estágios para festivais de verão, vive-se o final de mais um ano letivo, na antecipação de férias, outros estágios e oportunidades no mercado de trabalho. A expetativa de alguém pensar em praxes é reduzida e a probabilidade de alguém escrever sobre o assunto será nula. Sendo improvável, não o torna impossível e talvez seja exatamente esta a melhor altura para se refletir sobre a praxe, os seus objetivos e os seus benefícios. A existência de um ritual de iniciação, que se confunde com um mecanismo de integração subordinado a regras mais ou menos explícitas ou formalizadas, que regem as relações entre os estudantes dos vários anos das instituições universitárias, não é um fenómeno circunscrito à realidade portuguesa. Assim descrita, a praxe apresenta, potencialmente, um papel importante na integração de novos alunos, nas instituições e nas cidades onde estas se localizam. Este potencial pode extravasar a mera integração dos novos alunos, permitindo o desenvolvimento de relações solidárias, cooperativas e profícuas entre os mesmos, ao longo do seu percurso universitário. Contudo, as praxes tendem a surgir na comunicação social associadas a comportamentos humilhantes e até violentos, com consequências mais ou menos graves. Perante tal cenário, o que levará os novos alunos a escolher participar em tais práticas ou rituais, assumindo, naturalmente, que a sua participação é uma escolha? Diferentes ciências sociais oferecerão perspetivas e teorias diversificadas produzindo respostas mais ou menos convincentes para a questão colocada e a Economia, enquanto ciência social, não é exceção. Uma investigação em curso sugere que o aluno, enquanto indivíduo racional, escolherá participar na praxe, avaliando os seus custos e os seus benefícios. Os custos serão de natureza emocional,
78
associados à preocupação de familiares, da academia e sociedade em geral, e o custo de oportunidade de participar na praxe, este mais objetivo, como por exemplo o impacto negativo que esta participação poderá ter no desempenho académico do aluno. Já os benefícios estão associados ao efeito positivo que a praxe terá na integração e na criação de uma rede social, incluindo ainda a perceção da praxe como uma atividade recreativa e de lazer ou a valorização do acesso a rituais em anos subsequentes (como a possibilidade de praxar) ou da preservação do que se poderá entender como uma tradição académica. A referida investigação propõe-se determinar de que forma os estudantes avaliam estes custos e benefícios, bem como em que medida valorizariam um processo de integração alternativo à praxe, medido pela sua disponibilidade para pagar por essa alternativa. Resultados baseados em inquéritos a alunos da Universidade do Minho demonstram que não é indiferente o ano em que o aluno se encontra no seu percurso académico, quer na avaliação dos custos e benefícios, quer na valorização de uma alternativa, demonstrando ainda um apoio significativo à praxe. Esta contradição entre as perceções dos alunos e de outros atores da academia e da sociedade sugere que a imposição de medidas que simplesmente impeçam ou limitem a praxe, não resolverá os problemas que esta acarreta. A praxe terá que ser debatida de forma séria e transversal a toda a academia e qualquer alternativa terá necessariamente de incorporar os benefícios que os estudantes percecionam decorrer da praxe. Só assim os estudantes aceitarão mudar a praxe. E talvez seja agora o momento de dar início a esse debate!
Sobre o autor Economista, Universidade do Minho.
NEGÓCIOS Opinião
TURISMO Luís Araújo
Luís Araújo e os desafios do Turismo de Portugal TRAZ A MADEIRA, DE ONDE É NATURAL, NUM LUGAR ESPECIAL DO SEU CORAÇÃO, MAS VIVE CONSTANTEMENTE NA OBRIGAÇÃO DE VER PORTUGAL COMO UM TODO, UM PAÍS QUE TEM MIL E UMA RAZÕES PARA EXPLORAR. LUÍS ARAÚJO É O PRESIDENTE DO TURISMO DE PORTUGAL E, ENTRE TODOS OS DESAFIOS QUE O CARGO LHE TROUXE, VÊ A AUTENTICIDADE DO POVO PORTUGUÊS COMO O MAIOR CONVITE À DESCOBERTA DESTE CANTINHO À BEIRA-MAR PLANTADO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
CADERNO TÃtulo da Reportagem
81
L
uís Araújo é um homem com um percurso imenso ligado à Hotelaria e ao Turismo. Abraçou o cargo de Presidente do Turismo de Portugal em fevereiro de 2016. Mas, antes de falarmos das exigências e desafios deste cargo, a nossa pergunta é mais pessoal: qual é a sua visão deste cantinho à beira-mar plantado? É uma visão muito básica, sendo que hoje em dia quanto mais básico melhor. É uma visão de simplicidade, de tranquilidade e de transparência que encontramos em poucos lugares do mundo. Acho que isso é algo que nos distingue. Em qualquer lado do mundo, temos ótima gastronomia, paisagens fantásticas e património, mas só nos sentimos bem em determinados lugares. Portugal é um desses sítios onde as pessoas dizem que se sentem realmente bem! Considera então que Portugal é bem visto internacionalmente? Disso não tenho dúvida nenhuma! Posso dizer que, hoje, Portugal acrescenta valor: a quem nos visita, porque é uma experiência muito acima da média; a quem investe numa empresa ou numa startup, seja de turismo ou de outra área, porque a rentabilidade é muito maior; a quem vem viver para cá; a quem vem estudar; a quem vem fazer filmes, festas de casamento ou viagens de lua de mel. Acho que essa é a nossa grande vantagem atual.
Quando assumiu o cargo de Presidente do Turismo de Portugal, o Luís falava da necessidade de apostarmos no posicionamento internacional, na formação de recursos humanos, na valorização dos aspetos que nos tornam únicos, como a gastronomia ou os vinhos. Esses continuam a ser os principais desafios do Turismo de Portugal? Eu acho que nós estamos a viver um momento único. Não é nada que nós já não estivéssemos preparados ou que não soubéssemos que ia acontecer. Há um histórico de evolução, do ponto de vista turístico das empresas, das pessoas, de autoestima, que tem crescido muito. Nós hoje somos o 14.º país mais competitivo do mundo a nível turístico, somos um dos 20 países que mais turistas recebe em todo o mundo. É algo importante! O impacto na economia é muito positivo. Mas tudo isto tem que ter sustentabilidade. O crescimento tem que ser muito faseado – e está a ser – e tem que ter uma base sólida – que eu acho que temos. Temos empresas estruturalmente fortes, temos pessoas que conhecem o turismo e trabalham na área há muito tempo, que sabem o que é preciso para responder aos desafios do futuro. Mas há algumas questões, de variadíssima ordem, que merecem atenção. Destaco três: em primeiro lugar, a componente dos recursos humanos especializados. É uma formação que tem de ser muito mais direcionada para aquilo que as empresas querem, mas também vocacionada para aquilo que é o empreendedorismo de cada um, o mostrar que o turismo pode ser uma atividade em que cada um
pode ser um empresário. E aqui há um trabalho sério, de todos, de demonstrar que o turismo é uma carreira de futuro, mas que necessita de permanentemente atualização. É preciso ter grande coragem, porque lidar com outras pessoas não é algo muito fácil. Um segundo desafio tem a ver com a inovação. Inovação não só numa perspetiva tecnológica, mas também de produto e serviço. Como é que nós conseguimos que, hoje, o nosso produto, o nosso alojamento local, o nosso restaurante, dê ainda um salto maior e consiga estar sempre um passo à frente? Por outro lado, como é que temos todas as empresas digitalizadas, com presença online, com ações online, que trabalhem em rede? É uma componente importantíssima! Um terceiro desafio é na área do conhecimento. Sabermos, não só, quantos turistas nos visitam e quantos dormem nos hotéis – isso nós já sabemos -, mas também por onde é que andam, o que procuram, o que lhes podemos dar mais, como podemos levá-los de um ponto para outro, como é que os conseguimos convencer que há mais a ver e a conhecer no território. Acho que essa é uma área também imprescindível. E a sustentabilidade tem de estar sempre associada, correto? Sempre! Sustentabilidade não só na perspetiva económica. Nós quando lançamos a estratégia 2017-2027, decidimos que a sustentabilidade era o foco, o centro da estratégia. Há, em primeiro lugar, a questão da sustentabilidade económica, ou seja, queremos crescer em receitas. Nós hoje estamos com 16,6 mil milhões de euros de receita por ano e queremos chegar aos 26 mil milhões. Aumentamos 45% das receitas em três anos, foi um feito inédito! Aliás, nenhum país acredita que nós conseguimos fazer isto! Queremos crescer em número de turistas e, obviamente, em dormidas. Mas ao longo de todo o território e ao longo de todo o ano. Depois, pensamos que era importante ter o pilar social e ambiental com metas também, por isso, colocamos objetivos no plano social: queremos 90% das pessoas de grandes regiões turísticas ou de grandes centros urbanos a reconhecer o valor do turismo e satisfeitas com a atividade turística. Uma outra meta tem a ver com a redução da sazonalidade. Nós atualmente já temos o índice de sazonalidade mais baixo de todos os países do Mediterrâneo. É o mais baixo de sempre! Estamos com 36% de sazonalidade por ano, o que é absolutamente extraordinário. Mas porquê reduzir a sazonalidade? Porque é o maior inimigo do emprego: leva a contratos de trabalho precários, a flutuação de pessoas, etc. Portanto, quanto mais combatermos a sazonalidade e mais estabilizarmos a ocupação, menos questões sociais temos. É um indicador social importante. Outra meta tem a ver com a qualificação dos recursos humanos. Em 2017, tínhamos 60% das pessoas que trabalham no sector, quase 300 mil pessoas, com o ensino básico. Nós hoje estamos abaixo, estamos nos 53%, mas a ideia é inverter essa pirâmide, é fazer com que 60%, no mínimo, tenha ensino secundário, técnico-profissional ou superior.
NEGÓCIOS Luís Araújo
“Nós hoje estamos com 16,6 mil milhões de euros de receita por ano e queremos chegar aos 26 mil milhões. Aumentamos 45% das receitas em três anos, foi um feito inédito!”
Na parte ambiental é mais simples: 90% das empresas que trabalham no sector, seja em rent-a-car, hotelaria, alojamento local, animação turística, agentes de viagem ou operadores turísticos, nove em cada dez tem que ter medidas de gestão eficiente de água, luz e resíduos. Estamos a trabalhar em várias áreas, inclusive de financiamento, para que as empresas se adaptem até 2027. Queremos ser um país em que o sector turístico está preocupado com o ambiente! Voltando à questão da valorização daquilo que nos torna únicos, o Turismo de Portugal lançou uma interessante campanha de promoção do enoturismo. De que forma estão a pensar desenvolver esta área? Nós entendemos que conhecer um país não é conhecer um município ou uma região. Aliás, um turista nem sabe quando sai de uma região e entra noutra. Às vezes nem sabe quando sai de Espanha e entra em Portugal (risos). A melhor maneira de criar estímulos às pessoas para nos visitarem tem a ver com organizarmos o país de uma maneira diferente. Não vou dizer por temáticas, mas até podia ser. Mostrarmos um país que tem um potencial riquíssimo, mas que não está estruturado numa perspetiva de venda. Este ano decidimos então que íamos apostar
em duas áreas: o enoturismo (promover as experiências além da visita às vinhas, dando informação sobre tudo o que esteja relacionado com os vinhos através de uma plataforma que vai ser lançada brevemente, a Portuguese Wine Tourism) e a literatura (numa ação que pretende dar a conhecer Portugal através dos livros e dos escritores portugueses). Pretendemos, assim, criar mais razões para visitar Portugal. Todos nós podemos (e devemos) ser promotores do nosso país. Aliás, com as redes sociais fica mais fácil. Mas de que forma os portugueses devem promover o nosso país? Há uma mensagem que eu acho importantíssima. Mais importante que dizer que um território é fantástico, ou dizer que existe isto ou aquilo, é chamar à atenção para a riqueza que nós temos! Nós somos um país acolhedor, que recebe bem, que respeita, independentemente de onde as pessoas vêm, da forma como pensam ou com quem querem estar. Respeitar é o mais importante! Do Norte ao Sul, passando pelas Ilhas, a componente principal é tratarmos as outras pessoas como iguais, como familiares ou amigos. É isso que tem mais impacto nas pessoas. Se nós conseguirmos isso, qualquer pequeno riacho é uma experiência, qualquer pequena igreja vale ouro. Mas que destinos portugueses o Luís destacaria nesta fase? Há coisas absolutamente extraordinárias em Portugal! Para mim, a Madeira tem um lugar especial, pelas razões óbvias! (risos) Sugeria o percurso da Estrada Nacional 2, que liga Chaves a Faro. É surpreendente. Mas, se pensarmos até nas zonas mais conhecidas do Algarve, não podemos esquecer que há também lugares desconhecidos aí, sobretudo em épocas diferentes. Explorar o Algarve no outono ou no inverno é uma experiência extraordinária! Portugal tem mar, montanha, aldeias recônditas, ilhas com uma beleza ímpar... Temos tudo como na farmácia! (risos) Mas a crescente atração turística pode trazer alguns desafios, principalmente a nível de alojamento, de inflação de preços nas zonas centrais das cidades... Isto é um mal necessário? Eu acho que – e por isso é que é tão importante a questão do conhecimento – é crucial nós sabermos exatamente sobre o que estamos a falar. Cerca de 60% dos prédios que foram adaptados a alojamento local nos centros urbanos eram prédios devolutos. E 70% do alojamento local está fora dos grandes centros urbanos. O alojamento local é uma resposta à procura! Nós temos de ser competitivos nessa área. Mas o que é que aconteceu? Durante muitos anos, os nossos centros urbanos estiveram abandonados. Nós perdemos 30%
84
NEGÓCIOS Luís Araújo
“Não podemos dizer, com a cabeça na areia como a avestruz, que o turismo é mau! É preciso ver as componentes muito positivas!”
da população nos grandes centros urbanos em Lisboa e no Porto, basicamente. Nós podemos ver sempre o copo meio cheio ou meio vazio. Meio cheio é ver que o turismo trouxe o crescimento do aeroporto, com o aumento da quantidade de voos para Portugal e para Lisboa, concretamente. Isso trouxe ao país mais reabilitação urbana, mais segurança nos centros urbanos, mais negócios para todos, muito mais empreendedorismo. Obviamente, este crescimento não é uma pressão, é uma evolução que trouxe novas pessoas, novas nacionalidades, novos residentes que se calhar trouxeram poder de compra diferente e valorizaram algo que nós antes não valorizávamos. É uma evolução que precisa de ser observada e ser planificada. Da mesma maneira que nós temos de planificar as cidades, temos de planificar também aquilo que é o nosso turismo. Vão sempre existir lugares, principalmente nas grandes cidades, que vão ter preços mais altos. A questão era que, se calhar, antes tinham preços muito mais baixos do que a média europeia. Há um nivelamento! Eu acredito que é a lei da oferta e da procura. O que nos compete a nós, Turismo de Portugal, é monitorizar isso, é acompanhar as entidades locais que estão a fazer um trabalho fantástico a nível de gestão de cidade em várias áreas, nomeadamente mobilidade ou reco-
NEGÓCIOS Luís Araújo
lha do lixo. Não podemos dizer, com a cabeça na areia como a avestruz, que o turismo é mau! É preciso ver as componentes muito positivas! Nós temos vivido várias fases que nos mostram que Portugal está na moda: primeiro, os prémios internacionais ligados ao surf e ao golfe, depois a escolha de Portugal para a realização de congressos ou eventos internacionais, também um importante destaque das nossas unidades hoteleiras e restaurantes, assim como as marcas de luxo que escolhem Portugal para campanhas ou abertura de lojas. A nossa questão é: qual é a fase seguinte? Penso que isto não é por fases, acho que é um acumular, um juntar de peças que compõem o todo. Há uma evolução muito grande! Também há muita concorrência, principalmente como destino turístico, mas é possível aprendermos uns com os outros. Numa perspetiva de país, o mais importante para nós é dizer que estamos aqui, que somos um país com valores e autenticidade, uma autenticidade que não é fruto das paisagens, mas sim das próprias pessoas. Se soubermos valorizar isso, essa nossa autenticidade vai estar cá sempre.
85
TURISMO Opinião
Sustentabilidade & Turismo POR Hugo Aluai Sampaio
T
urismo e Sustentabilidade são palavras na ordem do dia. Contudo, o fenómeno Turismo mostra como o planeamento e gestão são aspetos chave na capitalização do sector como um dos principais trunfos para o fomento económico. Mas poderá o aumento da atividade turística, independentemente de “consumir” este ou aquele “recurso”, aspirar a ser uma prática verdadeiramente sustentável? A atividade turística atualmente é, em Portugal, uma das principais responsáveis pelo incentivo à recuperação económica. Além disso, é a ela que se deve a criação de inúmeros postos de trabalho, tenham estes uma relação mais ou menos direta com a atividade. Diversos são os negócios que, à sombra da vertiginosa procura do viajante curioso pelos traços de portugalidade, florescem e crescem. De outra forma, tal seria impossível. Isto porque o mercado interno, sob a máxima “vá para fora, cá dentro”, fica muito aquém de uma distribuição equitativa do turismo endógeno. Zonas costeiras, principalmente pela procura do turismo de sol e praia, são a clássica atração. Por esse motivo, as zonas Centro, mais recônditas, menos apetrechadas, menos apelativas, permanecem periféricas ao fenómeno. Mas a internacionalização turística da nossa portugalidade não tem contrariado muito esta situação! Sob o primado das preocupações económico-financeiras, é claramente tendente a análise do fenómeno à escala da faturação, do lucro, da mais-valia. Se eu fosse empresário, não o olharia como aqui apresento. Contudo, devo ressalvar, o que transcrevo pretende contribuir de forma positiva para o debate. Desde logo, a atividade vê-se a braços com a questão da sazonalidade laboral. Deveria, antes sim, escrever precariedade. Porque entre a ausência de contratos ou pagamentos a recibos
86
verdes, entre a falta de direitos e de garantias, entre a incapacidade de poder pensar “na vida” a médio prazo, muitos dos “empregados” servem para engordar as estatísticas do IEFP e, com isso, serem usados como bandeiras dos sucessivos governos nas suas políticas de combate ao desemprego. Outro aspeto quiçá importante, e que demonstra uma falta de sensibilidade atroz, é o facto de muitos dos negócios que servem (e se servem d)o Turismo estarem nas mãos de proprietários cuja ligação às principais problemáticas do sector é escassa, para não dizer inexistente. Sim, é fácil abrir um negócio com relação à atividade turística. Difícil é perceber que o Turismo tem, também ele, ciência. É curioso verificar que qualquer um se acha no direito de se tornar um especialista na área (sem que tal invalide que se tenha sucesso, até porque em algumas zonas os turistas são tantos, que pagam o que é pedido e consomem o que há). É curioso verificar, até, como se soltam gargalhadas quando alguém se diz formado em Turismo. Isto é uma clara desvalorização dos recursos especializados que têm dado anos ao estudo de um sector em franco crescimento e que urge tornar sustentável! Esse caminho não é feito sozinho, mas tem que ser feito com conhecimento.
Sobre o autor Arqueólogo, professor universitário, investigador integrado do Lab2PT e colaborador do CiTUR.
NEGÓCIOS Opinião
ILUSTRAÇÃO Ana Aragão
Ana Aragão, a desenhadora com o Porto no traço PODERÍAMOS CHAMAR-LHE DE ARQUITETA OU ILUSTRADORA, MAS ANA ARAGÃO PREFERE DEFINIR-SE COMO DESENHADORA. UMA DESCOBERTA AO ACASO, MAS BONITA, MUDOU O RUMO DA SUA HISTÓRIA. É NATURAL DE VIANA DO CASTELO, MAS É COM A CIDADE DO PORTO A SERVIR-LHE DE PANO DE FUNDO QUE DÁ VIDA ÀS SUAS ANAGRAFIAS, COMO CARINHOSAMENTE NOMEIA AS SUAS OBRAS. AS CASINHAS EMPILHADAS QUE DESENHA NO CHÃO SÃO FEITAS A CANETA, NA MAIS PURA EXPRESSÃO REAL DA ARTE, QUE NÃO PERMITE DESFAZER OU ANULAR, MAS QUE OBRIGA A SABER LIDAR COM O ERRO E A CONTORNÁ-LO. POR Maria Inês Neto FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
E
stamos no seu atelier, o lugar onde a sua arte ganha vida. É aqui o seu refúgio? Diria que sim, sem dúvida. É aqui que eu chego de manhã, passo a maior parte do dia escondida a fazer os meus desenhos e saio só ao final da tarde. É aqui que eu tenho a maior parte dos meus livros e onde eu acabo por encontrar alguma paz para desenvolver o meu trabalho. Aqui, redefine todos os dias o seu processo de criação. Em que é que se inspira? Eu não acredito na inspiração no sentido em que se costuma aplicar o termo. Eu recorro a muitas referências, sobretudo das minhas leituras, de pesquisas, mas são normalmente mais relacionadas com palavras do que propriamente com imagens. Naturalmente, todas as experiências emocionais são convocadas no momento da criação em que estou a desenvolver o meu trabalho. É engraçado porque, de facto, eu trago muitas referências e um plano mais ou menos definido e, no momento de desenhar, mudo sempre tudo. Há caminhos pelos quais o desenho me leva e que eu não consigo prever.
Homeland, 2014. Ilustração de Ana Aragão que representou Portugal na Bienal de Veneza em 2014
90
É no papel que “arruma” a complexidade da sua vida. Quando é que descobriu a paixão pela arte e pelo desenho? Eu estudei Arquitetura aqui no Porto e foram seis anos muito intensos. No final do curso, tirei um doutoramento, porque achava que a parte académica me interessava bastante. Gosto muito de estudar e aprofundar temas, sejam eles quais forem. Foi precisamente nas aulas do doutoramento que comecei a desenhar e que encontrei estes meus mundos, de uma forma
NEGÓCIOS Ana Aragão
muito naïve e nada premeditada. Estava nas aulas, distraída, e comecei a desenhar. A partir daí começou tudo, como uma brincadeira. Só a partir do momento em que eu comecei a perceber que, de facto, era aí que eu me encontrava, nos desenhos, na minha solidão diária e numa certa disciplina, que decidi que o meu trabalho seria mais solitário e de criação de desenhos. Às vezes perguntam-me se sou ilustradora ou arquiteta. Eu gosto de dizer que sou desenhadora ou então só que faço desenhos. Quando me perguntam a profissão escrevo muitas vezes “faço desenhos” (risos). Prefiro simplificar porque é o que realmente faço. O arquiteto desenha para construir e, para mim, o desenho é o fim em si mesmo. Eu não preciso de desenhar para depois construir. O desenho basta-me. Estudou aqui na cidade do Porto, onde trabalha e vive atualmente. O que é que mais a inspira no Porto? As histórias que podemos entender a partir da arquitetura, das casas, do património que ainda não está completamente restaurado e, digamos, posto novo para o turista ver. Há um lado que o Porto tem - e que todas as cidades, de alguma forma, o têm -, que é um lado um bocado decadente na parte mais tradicional, que é muito bonito. Mesmo que eu não ouça as histórias das casas, de alguma forma elas são personificadas e parecem contar-nos determinadas histórias, enquanto nos piscam os olhos com uma persiana um pouco fechada. Parecem falar connosco e contar que têm muitas cicatrizes, muitas mazelas, mas também muitos romances e aventuras que só elas guardam. E isso acaba por ser trazido para este meu refúgio. É por isso que normalmente nos meus cenários, nas minhas casas empilhadas,
“As minhas construções são sempre um bocadinho imperfeitas, como todos nós também o somos, remetendo para essa questão de não podermos só ver a arquitetura, temos de a sentir”
nestas minhas efabulações e ficções construídas, a arquitetura aparece como uma personagem principal, invariavelmente, e sempre com um desgaste, com essa questão do uso. As superfícies nem sempre são limpinhas, nem perfeitas. E há sempre uma história por detrás dessas arquiteturas – uma história que eu imagino, mas eu própria não a sei contar, o que é engraçado! (risos) O seu traço não representa a típica arquitetura, comercial e habitável. Há aqui uma fuga para uma vertente mais livre. É uma preferência? Sim. A forma como a arquitetura nos chega e como apreendemos o espaço em que vivemos é muito visual, através de imagens, normalmente sempre muito limpinhas e tratadas. Eu acredito que a experiência do espaço é muito mais tátil, corporal e emocional do que propriamente visual. É nesse sentido que, de uma forma metafórica, as minhas construções são sempre um bocadinho imperfeitas, como todos nós também o somos, remetendo para essa questão de não podermos só ver a arquitetura, temos de a sentir.
Anagrafias. Qual a história por detrás deste nome que define as suas obras? O prefixo ana, não só pelo meu nome, reverte para inversão, contrário ou para uma certa falta de ordem convencional das coisas. E isso interessou-me, essa questão de as coisas não estarem nos lugares certos, através da grafia, que é uma espécie de escrita. O Valter Hugo Mãe, numa entrevista que me fez, disse precisamente isso, que havia uma espécie de sentido de grafia e de escrita nos desenhos e, de facto, é isso mesmo, como se fosse uma espécie de caligrafia. Os seus desenhos retratam cidades imaginárias e geografias subjetivas. O que é que representam as suas anagrafias urbanas? Eu gosto de pensar a cidade um pouco como os situacionistas faziam, como um território subjetivo de afetos, emoções e sensações. Se pensarmos bem, a questão do mapa da cidade é muito interessante de analisar. Um mapa mental, que é sobretudo esse que me interessa, embora me baseie nos mapas reais, é uma construção pessoal e impartilhável e pelo facto de eu desenhar muitas vezes as coisas fora do sítio e distorcidas quer dizer precisamente isso, que nós aprendemos a cidade de uma forma diferente das outras pessoas. Isso é o objetivo! Interessa-me explorar esse lado mais mental da cartografia, confrontando-a com a cartografia real do território.
velização infinita da cidade, que por um lado é uma crítica à cidade atual, uma cidade de contrastes, onde temos palácios, mas também temos a maior parte da população a viver em cabanas e habitações precárias. A precaridade das habitações é, para mim, das imagens mais fortes, desde as favelas às novas formas de habitação que são formadas a partir da crise. Eu trago esse meu espanto para os meus trabalhos. Por outro lado, não apenas crítico, mas também reflito de forma mais genérica: “Qual é a unidade dentro da universalidade?”. Nas suas obras há uma fusão de ideologias. Na mesma obra vemos figuras do campo da ficção, que contrastam com a realidade. O que pretende transmitir com esta dualidade? É engraçado. Tenho uma obra que é a Via Utupia, que é irónica e, de alguma forma, nada tem a ver com a utopia. Tem a ver com petrificação do presente, mas é a reinterpretação de uma imagem antiga de um dos meus heróis que é Piranesi. O que eu estou a trabalhar agora é precisamente isso, ir buscar imagens que fazem parte do nosso imaginário coletivo, que é uma coisa que me interessa bastante, e dar-lhes outro conteúdo, manter a forma e trocar o conteúdo. É por isso que aparecem pequenas ironias que podem passar despercebidas, porque estão disfarçadas numa forma semelhante à original, mas são claras provocações.
Alguns desenhos representam um “amontoar” de casinhas empilhadas, quase num desafio à gravidade. O que simboliza esta construção e, simultaneamente, desconstrução da realidade? Há várias maneiras de ler essa linguagem, que é de alguma forma espontânea. Estou, neste momento, a desenvolver uma espécie de desenho infinito. É um desenho com uma certa fa-
Vertical Reclamation of Individual Spaces, 2017 © Rui Manuel Vieira Estas obras estiveram patentes na exposição individual de Ana Aragão na Fundação do Oriente, em Macau, entre junho e agosto de 2018
O seu percurso conta com alguns momentos importantes, nomeadamente a representação da arquitetura portuguesa na Bienal de Veneza (2014 e 2016). O que é que representa a narrativa da ilustração Homeland, em 2014? A iniciativa partiu de um convite por parte do curador de Arquitetura na Bienal de Veneza, o arquiteto Pedro Campos Costa, em 2014, e na altura definiram que a arquitetura iria ser representada através de um jornal. Eu fiz três ilustrações e houve uma que se destacou particularmente, porque de facto é a forma do território português rodeada por edifícios de Veneza que no fundo olham para o território de Portugal, que é preenchido por água. É de uma leitura mais direta: “Estamos aqui, estamos em Veneza, estamos a apresentarmo-nos e estão a olhar para nós, e agora?”. É interessante, porque da mesma obra podemos retirar observações diferentes. Poderíamos dizer o território está aprisionado e sem hipótese de fuga, por exemplo? Essa é a parte bonita do meu trabalho, quando eu ouço as interpretações das outras pessoas (risos). Gosto muito de ouvir as leituras, porque eu tenho imensas, porque como demoro muito tempo a fazer os desenhos passa-me tudo pela cabeça. Surpreende-me sempre ver o meu trabalho através dos olhos dos outros, embora eu não goste muito de olhar para o trabalho que já fiz, prefiro pensar no que ainda vou fazer.
NEGÓCIOS Ana Aragão
E, pensando no que ainda vai fazer, que projetos tem em mãos? Em relação a novos desafios, tenho duas exposições, uma em Lisboa no final do ano, na Sociedade Nacional de Belas Artes, e depois uma no início do próximo ano, no Porto. E talvez outros desafios internacionais que não estão ainda confirmados. Numa entrevista que deu, mencionou a seguinte frase: “Nada do que fiz anteriormente me garante que vá fazer uma coisa boa a seguir”. É este processo de constante recomeço que a impulsiona? Sim! A parte mais dura - mas também a força que me conduz ao trabalho - é o facto de lidar permanentemente com a incerteza. Eu costumo dizer que “estou a atravessar o deserto” quando parece que não consigo encontrar soluções. Tenho intuições e tenho de as tentar ler e entender, mas só consigo encontrar a solução através do processo de desenhar. O meu trabalho é muito mental, não é um desenho espontâneo, mas que obedece a uma certa disciplina, a um rigor, a uma clausura, a um silêncio. Esse lidar com a incerteza é constante. Em nenhum momento do desenho eu sei se o desfecho vai ser feliz, conseguido ou, pelo menos, que seja uma peça que se possa mostrar. E quando acabo um trabalho, lá está, nada me garante que consiga fazer o próximo. Lido constantemente com a incerteza. É desafiante!
93
ARQUITETURA Opinião
Notre-Dame POR Tiago do Vale
N
otre-Dame é, mais do que uma joia patrimonial, um tesouro simbólico para a cultura francesa e europeia. O tema da reconstrução é recorrente na História desta obra. Sobrevivente de guerras, revoluções, revoltas e incêndios, a sua construção iniciou-se em 1163 pela mão dos arquitetos Pierre de Montreal e Jean de Chelles, prosseguindo-se os trabalhos até 1345. Luís XIV alterou-a, forçando elementos do Barroco. A Revolução Francesa também deixou as suas marcas. Finalmente, em meados do século XIX, Eugène Viollet-le-Duc reconstrói o edifício tal como o conhecemos hoje a partir das suas ruínas, segundo uma fantasia romântica que alterou fortemente, em vários aspetos, a leitura original da peça gótica. O edifício fundou-se no século XII, mas o que ardeu era do século XIX. Era de ontem. Compreender o quê e como restaurar um edifício que foi sendo construído ao longo de seis séculos não é tarefa clara. Até onde vamos na busca do verdadeiro monumento gótico? Ao falso-gótico de Viollet-le-Duc? À sua configuração anterior? A tal como era quando se concluiu a sua primeira fase? Ao projeto imaginário dos arquitetos originais? Porque não aproveitar e terminar a construção das duas torres, que nunca viram as suas agulhas concretizadas? Agravando estas dúvidas, França já não tem 1300 carvalhos com a dimensão necessária para reproduzir a cobertura, nem os artesãos para a executar. Quando Viollet-le-Duc tomou para si a reconstrução de Notre-Dame não pretendeu replicar o original, mas sim reinventá-lo, com um novo desenho mais condicente com os seus ideais arquitetónicos. A agulha falsa de Viollet-le-Duc acrescentou algo novo a um dos mais amados edifícios parisienses e tornou-se amada ela mesma. Uma agulha “moderna” num edifício gótico. Assim como Viollet-le-Duc, com apenas 30 anos, acrescentou e melhorou a Catedral no século XIX, também o tempo de hoje deve contribuir com o próximo passo da História do edifício. Isto não quer dizer que a essência da Catedral deva ser perdida, ou que novos elementos devam dominar sobre o edifício medieval: a intervenção deve ser serena, respeitosa e evolutiva.
94
Como o próprio Viollet-le-Duc anotou, “temos de admitir que estamos em solo escorregadio sempre que divergimos da reprodução literal”. Mesmo assim, seguindo o seu exemplo, a nova agulha e cobertura devem ter um olho no passado, mas interpretado pelo presente; devem basear-se em princípios góticos, mas pertencendo ao nosso tempo. Paris é uma cidade de património, mas também de coragem arquitetónica. A Torre Eiffel, por exemplo, concluída apenas 25 anos depois do restauro de Viollet-le-Duc da Notre-Dame, é tão amada pelos parisienses como as suas heranças patrimoniais. A pirâmide do Louvre ou o Centre Pompidou são outros exemplos do mesmo fenómeno. Assim como Viollet-le-Duc, protomoderno e tecnófilo, foi capaz de estabelecer uma relação com o gótico medieval, também a arquitetura de hoje é capaz de humildade e dignidade, sem ter de subverter ou dominar Notre-Dame e os seus significados. Notre-Dame não pode ser o edifício que era antes do incêndio (mesmo que a Catedral seja fielmente reconstruída, com materiais e técnicas próprios da época, continuarão a ser apenas réplicas), mas a nova recuperação pode ser um esforço colaborativo e coordenado muito mais delicado do que a intervenção de Viollet-le-Duc (fortemente transformadora mas que o tempo não deixou de validar). É obrigação desta geração integrar o seu contributo discreto mas valorizador no contínuo histórico deste edifício complexo, impuro, mas imenso... e o tempo também a validará.
Sobre o autor Arquiteto pela Universidade de Coimbra, vencedor do American Architecture Prize 2017 e do Building of The Year Awards 2014.
NEGÓCIOS Opinião
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
CADERNO TÃtulo da Reportagem
GIL FERNANDES O homem das rédeas do Fortaleza do Guincho IKEDA Quando o caminho para o Japão passa pelo Porto PUBBLIK Os melhores cocktails da cidade
Os paladares surpreendentes, os rostos da gastronomia e os espaรงos de culto.
À CARTA Gil Fernandes
Gil Fernandes, o homem das rédeas do Fortaleza do Guincho COM APENAS 28 ANOS, GIL FERNANDES TEM UM CURRÍCULO DE FAZER INVEJA, EVIDENCIANDO-O COMO UM DOS ROSTOS DA ALTA GASTRONOMIA PORTUGUESA. AO LADO DE MIGUEL ROCHA VIEIRA, QUE AGORA ABRAÇA OUTROS DESAFIOS, GIL FERNANDES DEU OS PRIMEIROS PASSOS NO GUINCHO, TENDO HOJE A IMPORTANTE FUNÇÃO DE CHEF EXECUTIVO DE UM DOS MELHORES REFÚGIOS GASTRONÓMICOS – E HOTELEIROS – COM VISTA PARA O ATLÂNTICO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Pedro Sampaio Ribeiro
E
m primeiro lugar, gostaríamos de conhecer um pouco sobre as raízes do Gil Fernandes. Como é que o mundo da gastronomia se abre para si? Sou de Ribamar da Lourinhã, uma terra de pescadores onde a refeição é um dos momentos mais altos do dia. Os meus pais têm uma pequena pastelaria, o que me alertou para o mundo bonito da gastronomia. Aos 14 anos iniciei os estudos na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e, aos 15, comecei a trabalhar numa quinta de casamentos. A partir daí, não parei de trabalhar e de estagiar em restaurantes, até aos dias de hoje. Passei pelo Vila Joya (Algarve, 2 estrelas Michelin), Martín Berasategui (Espanha, 3 estrelas Michelin), De Librije (Holanda, 3 estrelas Michelin), estagiei no Geranium (Dinamarca, 3 estrelas Michelin), Ocean (Algarve, 2 estrelas Michelin). Estes restaurantes e os chefs com quem me cruzei nestas etapas fizeram de mim o que sou hoje. Com 28 anos, o Gil já tem, então, no currículo passagens por reputados restaurantes. No entanto, a chegada a chef executivo da Fortaleza do Guincho, depois de trabalhar com Miguel Rocha Vieira, é o maior desafio? Como encara esta nova fase da sua carreira? Sem dúvida que é o desafio com mais responsabilidade que tive na minha carreira. Encaro-o com muita motivação e alegria, aliado a um grande espírito de equipa, e com uma grande vontade de demonstrar uma cozinha inovadora e criativa com sabores aprofundados.
100
“A essência da Fortaleza do Guincho tem a ver, primeiramente, com a sua localização privilegiada, rodeada de mar e com vista para a serra”
Poderia descrever-nos a essência do restaurante Fortaleza do Guincho? O que mais o atrai nesta casa e o que, por certo, acredita que surpreenderá o visitante? A essência da Fortaleza do Guincho tem a ver, primeiramente, com a sua localização privilegiada, rodeada de mar e com vista para a serra. Esta vista fascina-me e motiva-me para novas criações: um dos pontos que mais me atrai nesta profissão é a criatividade. Os produtos provenientes da natureza que envolve o restaurante são magníficos! Usamos produtos únicos e essa é a primeira regra - a escolha da melhor matéria-prima! O nosso objetivo é cada vez mais surpreender, com uma experiência cada vez melhor e mais inovadora. Queremos que o nosso cliente saia com um sorriso, satisfeito, com histórias para contar. De que maneira descreveria a oferta gastronómica do Fortaleza do Guincho? A sua chegada a chef executivo trouxe novidades? É uma oferta rica, focada no melhor produto. Uma experiência criativa e sazonal, baseada na cozinha portuguesa. Incidimos muito os nossos novos pratos nestes valores acima referidos, focados nos sabores da “comidinha da avó”. E vamos inovando, usando, por exemplo, várias ervas e flores selvagens colhidas por nós na serra. Uma das principais valências do restaurante, para além da ementa, é a localização. Neste verão, que convite deixaria aos portugueses para usufruírem do Fortaleza do Guincho? É um refúgio que, a seu ver, deve fazer parte das opções de verão dos portugueses? Sem dúvida! Convido-os a vir à Fortaleza do Guincho para aproveitar as nossas iguarias e o nosso serviço com uma boa vista. Afinal, há alguma coisa melhor que desfrutar de uma refeição única com o sol a pousar no oceano?
101
DEGUSTAÇÃO IKEDA
IKEDA, quando o caminho para o Japão passa pelo Porto TRAZENDO À INVICTA A COZINHA NIPÓNICA COM INFLUÊNCIAS OCIDENTAIS, O IKEDA JAPANESE CUISINE É UM ESPAÇO ONDE OS OLHOS TAMBÉM COMEM... NÃO, NÃO FALAMOS DA BELEZA DOS PRATOS (MAS TAMBÉM PODÍAMOS). FALAMOS, SIM, DOS INCRÍVEIS 3000 GROUS DE ORIGAMI, FEITOS À MÃO, QUE ENFEITAM O TETO E NOS FAZEM QUERER SABOREAR O SUSHI SOB O SEU OLHAR ATENTO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Com quatro espaços diferentes que proporcionam também experiências diferentes aos visitantes, como o balcão (kicchin, onde os clientes podem ver de forma próxima o trabalho do sushiman), a sala (ima, onde estão os origamis que se movem à mais pequena brisa), o jardim (niwa, com esplanada em madeira) e a sala privada (minka, com o máximo de dez lugares para um evento privado sujeito a marcação prévia para personalização da ementa), o IKEDA assume-se como uma autêntica viagem ao Oriente. Aceita entrar nesta rota rumo ao país do sol nascente?
©D.R.
©D.R.
I
nspirado nas tradicionais Izakaya, as reconhecidas tascas informais do Japão onde as pessoas se encontram para petiscar e conviver, o IKEDA nasceu em julho de 2017 e é já um dos lugares mais in do Porto. Com um ambiente acolhedor, desenhado pelo atelier MaPa, e com uma decoração minimalista que nos transporta para o Oriente – destacamos o teto de origami, mais uma vez -, o IKEDA é uma mistura perfeita pensada para surpreender tanto os amantes dos sabores mais simples como os curiosos que nunca dizem “não” a uma aventura gastronómica. Com o chef brasileiro Agnaldo Ferreira como mentor por detrás do IKEDA, o primeiro projeto que, depois da criação de espaços em Lisboa, chega ao Porto, este restaurante traz à carta os pratos já bem conhecidos pelos portugueses, como sushi, sashimi, teppanyaki ou ramen, mas também outros destaques da culinária japonesa, como carne wagyu, okonomiyaki (uma espécie de panqueca frita) ou yakitori (espetadas de frango). O gerente do IKEDA, Tiago Costa Branco, define-nos este leque de opções como “um conceito de tradição com alguma ocidentalização, em que a ideia de partilha é o destaque”. Apontando a preocupação com as possíveis alergias alimentares de clientes, Tiago afirma que toda a equipa do IKEDA (18 pessoas no total) fizeram um curso sobre alergias alimentares, de modo a promover a melhor assistência em casos inesperados.
SABORES IKEDA
Tiago Costa Branco
103
VINHOS Aveleda
Pedro Barbosa, o mestre por detrás da viticultura da Aveleda POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
C
onhece o Douro como as suas próprias mãos, não estivesse há 20 anos envolvido no trabalho de viticultura numa região de ouro. No entanto, chegou à região dos Vinhos Verdes há três anos para liderar a equipa de viticultura na Quinta da Aveleda, sediada em Penafiel. Pedro Barbosa está na RUA para falar de vinhas, de vinhos e de alterações climáticas. Até que ponto é que as mudanças do planeta afetam a qualidade dos nossos vinhos? O Pedro está na Aveleda há três anos, dedicando-se ao ramo da viticultura, ou seja, a ciência que estuda a produção de uva. Explique-nos qual tem sido o seu trabalho. Há 20 anos que me dedico à viticultura, essencialmente no Douro. Em 2016, vim para a Aveleda com dois grandes objetivos: alavancar o crescimento da viticultura na Aveleda e dinamizar a entrada da Aveleda no Douro, não como produtor de vinhos, mas como produtor de uvas. Tendo em conta que, na altura, tínhamos 150 hectares de vinha e hoje estamos com 400 hectares – sem esquecer que o objetivo é atingir os 600 – diria que estamos num bom caminho. E, tendo em conta que não tínhamos nenhuma quinta no Douro e hoje já contamos com 84 hectares, também diria que as coisas não estão a correr mal. Entretanto já temos também um projeto no Algarve, uma vinha pequena comprada este ano, com apenas 85 hectares, mas com um potencial de crescimento vitícola enorme. A marca chama-se Villa Alvor e assinala a entrada da Aveleda na região de vinhos do Algarve, obviamente com ligações importantes ao enoturismo. Se na região dos Verdes o desafio tem sido encontrar terra para cultivo, no Algarve o desafio será aprender o funcionamento do mercado.
104
Diria que aquilo que o atraiu na Aveleda foi esta dinâmica produtiva? Sim, principalmente o facto de existir uma capacidade de compreensão e aposta na base, ou seja, na parte produtiva. A Aveleda aposta bastante na viticultura e na enologia e isso é muito importante. É uma riqueza da casa! Ao ver este caminho, acredito que as melhorias não vão ficar por aqui. A tradição da Aveleda está em torno de Penafiel, na sub-região do Sousa, que tem características muito próprias a nível de solos e de clima. No entanto, a expansão que a Aveleda tem dinamizado exige-nos ir ao encontro de outras zonas da região dos Vinhos Verdes, com outro tipo de solos e de clima. Esta diversificação de terroirs conduz ao enriquecimento da paleta de cores do enólogo e faz-nos trabalhar em áreas com especificidades diferentes. Por exemplo, em Celorico temos um tipo de xisto diferente do de Ponte de Lima, o granito de Ponte de Lima é diferente do de Santo Tirso, etc. O desafio é crescente para os enólogos porque começa a existir uma variedade imensa de matéria-prima!
SABORES Aveleda
Mas, em termos de viticultura, o que tem sido mais desenvolvido nos últimos anos na Aveleda? O mais relevante é a base da pirâmide, de facto. Na viticultura, tivemos um processo evolutivo muito grande nos últimos 15 anos e a enologia beneficia com isso diretamente – na enologia há um respeito muito grande pelas uvas, que são cada vez mais de maior qualidade. Na vinha, houve então uma inversão completa do que era a viticultura dos Vinhos Verdes nos últimos 15 anos. Por exemplo, as vinhas eram muito espaçadas e nós fomos encurtando o espaço entre as linhas e entre as videiras. Isto permitiu passarmos de uma situação em que tínhamos 1300 videiras por hectare para 5500 videiras por hectare. Isso faz com que cada videira produza menos quilos de uva e que tenha mais folhas a trabalhar para menos produção (isto em linguagem não profissional, claro). Mas a qualidade é brutalmente superior, porque temos mais videiras a produzir menos e há menos esgotamento das plantas, uma longevidade maior e uma antecipação na data da vindima – conseguimos vindimar dez a 12 dias antes do típico período das chuvas. Tudo isso se reflete no vinho! Por falar na época das chuvas, de que forma é que as alterações climáticas têm afetado a produção de vinho? Em relação a esse tema, o que mais nos preocupa nem é tanto a região dos Vinhos Verdes, que é uma região muito
SABORES Aveleda
fresca, onde chove muito e onde os modelos que preveem os efeitos das alterações climáticas têm um efeito atenuado. Ou seja, há outras regiões onde estamos presentes, como o Douro, que nos preocupa mais nesta fase. Não vou dizer que as alterações climáticas nos Verdes não são negativas, porque são, claro, mas se formos conscientes, das adversidades podem fazer-se novas oportunidades. Mas, a realidade é que ninguém sabe muito bem o que vai acontecer. Contudo, de uma maneira geral, o que temos feito, tanto numa região como noutra, é ter consciência de que quando começamos a trabalhar uma vinha, temos de a trabalhar a pensar nos próximos 30 ou 40 anos. O que eu fizer hoje, vai repercutir-se nos próximos anos e, nessa altura, as coisas poderão estar muito diferentes. Estamos, então, a ter muito cuidado com a preparação do solo, para garantir que vai existir capacidade de retenção de água, fertilidade, etc. Estamos também a ter muito cuidado com a escolha dos porta-enxertos, ou seja, as raízes porque a tendência será o aumento dos períodos estivais e, com pouca água e o aumento da temperatura, temos de escolher porta-enxertos mais resistentes. A gestão mais eficiente da água é, claro, importante. Faz ainda parte do nosso plano trabalhar os indicadores da vinha, de vigor ou de stress hídrico, por exemplo, para conhecermos melhor a vinha e o nosso próprio ecossistema. Só assim seremos capazes de o manter equilibrado e rentável.
105
COCKTAIL Pubblik
Pubblik, os melhores cocktails da cidade POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
E
ncontrámos o Pubblik no número 45 da Praça da República, em Vila do Conde, num dia em que a esplanada de verão ainda não ocupava a sua posição. Mesmo assim, entrámos para perceber de onde vinha aquela música house... e descobrimos um dos melhores locais do Norte para saborear cocktails genuinamente criativos! Fomos recebidos por Fábio Gomes, o jovem barman autodidata que, em setembro de 2016, deu asas ao seu sonho de criar um negócio. Com a ajuda atenta do pai, Fábio fundou o Pubblik com uma intenção em mente: criar um sítio diferente em Vila do Conde, promovendo experiências únicas aos clientes que, seja de dia ou de noite, pisassem a zona da marina – sim, aquela zona onde surge imponente a Nau Quinhentista. Com uma decoração acolhedora e com os espelhos como companhia fiel, o Pubblik foi ganhando fama e, hoje, é uma das casas mais conhecidas por quem procura um refúgio no final de um dia de praia ou um ambiente descontraído para uma saída de amigos. E, para cada razão de visita, uma sugestão deliciosa: ou petiscos para acalmar o estômago, ou cocktails para alegrar o espírito. Começamos pelas opções de petiscos. No Pubblik, as tábuas de queijos e enchidos são um ex-libris, mas sugerimos também que experimente as tostas e as saladas, que são opções leves para os dias mais quentes. Já a carta de cocktails, que acresce em pro-
postas e inspirações a cada temporada, é de beber e chorar por mais! O típico Mojito, Daiquiri, Negroni ou Caipirinha faz parte da lista, mas vamos às criações que tanto orgulham Fábio: começamos por uma reinvenção de uma piña colada, a quem Fábio apelidou de Isabel está colada por ser um cocktail feito com cognac Isabel Regina, ananás e coco. Importa aqui referir que uma das novidades do verão são os sacos biodegradáveis que servem para transportar este cocktail para qualquer lado. Um verdadeiro take away de cocktails! Depois, o Mare Nostrum é outro cocktail que merece referência já que é feito com produtos do Mediterrâneo. Leva Gin Mare, licor de Bergamota, lima, romã e Martini Bitter. Por fim, Fábio sugere uma criação que, durante esta nossa visita, ainda não tinha nome escolhido: com doce de abóbora, bourbon, baunilha e limão, este cocktail de verão tem a particularidade de incluir um marshmallow no topo do copo. Surpreso? Então o ideal é mesmo visitar o espaço. A música, com presença de DJ, promete dar aquele “gostinho” perfeito às suas noites de verão. E não se esqueça de perguntar ao Fábio qual é a sua sugestão. De certeza que ele o vai surpreender!
107
JOÃO CAJUDA Um explorador dos novos tempos QUINTA DE SÃO BERNARDO Na serenidade do Douro TOREL 1884 O exotismo dos descobrimentos
Os destinos a descobrir, os locais a explorar e as memรณrias de aventura.
VIAGENS João Cajuda
João Cajuda, um explorador dos novos tempos NA CAIXINHA DE MEMÓRIAS DE JOÃO CAJUDA, O MUNDO VAI-SE PREENCHENDO DE VIAGEM EM VIAGEM. RECONHECIDO COMO UM DOS MAIS CÉLEBRES BLOGGERS DE VIAGENS DO NOSSO PAÍS, JOÃO CAJUDA TEM RESPONDIDO QUE SIM A TODOS OS “LEVA-ME?”, AGUÇANDO A CURIOSIDADE DE TODOS AQUELES QUE ANSEIAM POR AVENTURA: NO DESERTO, NA ILHA, NO CIMO DA MONTANHA... MAS, POR MAIS QUE CONHEÇA O MUNDO, JOÃO CAJUDA DIZ-SE UM APAIXONADO POR PORTUGAL! ACEITA VIAJAR COM ELE? POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA João Cajuda
CADERNO TÃtulo da Reportagem
111
O
João é um dos mais reconhecidos viajantes portugueses. Com uma presença ativa nas redes sociais, permitindo-nos acompanhar as suas viagens, o João é um autêntico influencer. Gostaríamos de começar esta entrevista por lhe perguntar como tudo começou. Pode explicar-nos de onde surge a paixão pelas viagens? E como se tornou neste influencer de viagens? Não me revejo nessa definição. Na verdade, não gosto da palavra “influenciador”, embora reconheça que isso possa ser um dos resultados do meu trabalho. Sempre gostei de viajar, de conhecer novas culturas e realidades. Em criança, mudei muitas vezes de cidade e talvez isso faça com que hoje sinta a necessidade de conhecer sempre mais. Não creio em ponto algum da minha vida ter decidido começar a viajar pelo mundo, simplesmente viajar tornou-se uma necessidade. Comecei o meu blog há sete anos por brincadeira, não fazia ideia que poderia tornar-se num trabalho a tempo inteiro. Nem sempre foi assim, já tive zero leitores! Mas sou teimoso (risos) Hoje são quase 40 milhões de visualizações nos meus vídeos! Tento sempre superar-me, trabalho afincadamente todos os dias para inspirar as pessoas a viajar, seja através dos vídeos, artigos e fotos, seja através das viagens de aventura que organizo para viajantes a diferentes destinos no mundo.
teria ido e conhecer pessoas que, de outra forma, não teria conhecido. Foi uma enorme mudança na minha vida e, consequentemente, no tipo de pessoa que sou hoje e na minha forma de estar. Sinto-me muito realizado porque trabalho no que gosto. Não posso pedir mais do que isso! A seu ver, quais são as principais exigências desta sua profissão? Tem mais exigências do que provavelmente as pessoas imaginam. Primeiro de tudo, é fundamental gostar daquilo que se faz. Ter um blog de viagens requer muitas horas de trabalho em frente ao computador. Quem acha que é andar a passear de hotel em hotel está completamente enganado! Ser blogger de viagens é, por vezes, uma profissão muito solitá-
A criação de um blog de viagens foi um passo natural no seu percurso? O que considera que o blog lhe trouxe? Criei o blog porque fazia sentido partilhar os conteúdos que produzia. Sempre tive muito prazer em fotografar, em fazer vídeos de viagem, em editar... Iniciei o blog enquanto me licenciava em Marketing e Publicidade, não só para partilhar as minhas aventuras, mas também para pôr em prática o que aprendia. O blog proporcionou-me muitas experiências que de outra forma não teria tido: visitar locais onde jamais
112
CADERNO Título da Reportagem
“Nem sempre se fica em hotéis de luxo e se come ovos benedict ao pequeno-almoço. Há quartos com baratas e, muitas vezes, tenho saudades da minha casa de banho (risos)”
ria, frustrante e mentalmente esgotante. Tenho de ser disciplinado com os horários. Trabalhar em casa tem as suas vantagens, mas é importante ter um horário e cumpri-lo. Ser profissional é essencial! Há marcas e empresas que investem dinheiro em ti, não há espaço para falhar. Ser criativo, por exemplo, não é algo que se consiga sempre que se quer... por vezes é cansativo. É preciso também lidar com as saudades de casa e das pessoas que gostas! É muito bonito quando se está de férias, mas quando estás constantemente no outro lado do mundo a trabalhar, a história é diferente. Outra exigência é não se ser esquisito. Nem sempre se fica em hotéis de luxo e se come ovos benedict ao pequeno-almoço. Há quartos com baratas e, muitas vezes, tenho saudades da minha casa de banho (risos).
É impossível não perguntarmos: nesta fase, muitos são os que arriscam para tentar uma posição influente no mundo das viagens. Considera que há uma popularização do rótulo blogger de viagens? É natural que com as redes sociais todos ambicionem ter uma profissão de sonho. Ser blogger de viagens é claramente uma delas. Há, de facto, uma banalização desse rótulo, mas ainda assim acho ótimo que todos lutem por concretizar os seus sonhos (tal como eu fiz) e que o mundo digital tenha aberto inúmeras possibilidades. Há pessoas novas que fazem coisas geniais e que me inspiram, mas confesso que a restante maioria sonha com uma realidade que não existe. Costumo dizer, na brincadeira, que gostava de ter a minha vida de Instagram, onde tudo parece incrível e maravilhoso, mas as redes sociais são irreais... há muitas horas, dias, meses de dedicação! Não é um trabalho fácil e acredito que muitos irão aperceber-se disso. Ser blogger de viagens é muito mais do que tirar fotografias bonitas para os canais digitais. Considera importante o seu papel de esclarecer, de ajudar a traçar destinos... e, claro, de fazer sonhar? Mais do que uma viagem de sonho, o João tenta inspirar os seus seguidores de que maneira? Mais do que tirar fotos bonitas é importante passar uma mensagem. Tento sempre que as pessoas vejam o mundo numa perspetiva diferente. Gosto de partilhar a cultura, as pessoas, a comida, as experiências. Tento incentivar as pessoas não só a viajar, mas também a mudar de atitude. Que sejam mais relaxadas, mais divertidas, que tenham mais compaixão e respeito pelo próximo, seja ele humano ou animal, mais conscientes do incrível planeta onde todos vivemos e ao qual eu não reconheço fronteiras nem barreiras. Acho também fundamental esclarecer as pessoas sobre os destinos, o que podem e devem fazer, os cuidados a ter e de que forma podem tornar aquelas férias em dias inesquecíveis. Podemos falar dos tours que o João promove? Como podemos viajar consigo? Decidi abrir a minha agência de viagens, a LEVA-ME, porque achei que seria interessante levar as pessoas aos locais que mais gosto no mundo. Qualquer pessoa, sozinha ou
CADERNO Título da Reportagem
113
acompanhada, pode inscrever-se numa viagem da LEVA-ME. Temos atualmente cinco destinos: Marrocos, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Tanzânia. São países que conheço bem e que, de certa forma, me transformaram. Organizamos as viagens e acompanhamos sempre os grupos. Tento ao máximo fazer uma viagem divertida e educativa, sempre num espírito muito relaxado e de aventura. Faço sempre muitos amigos, pessoas interessantes de várias idades, países e realidades. Tento proporcionar às pessoas que viajam comigo momentos inesquecíveis e fico honestamente feliz quando me dizem “foram as melhores férias da minha vida!”. Vamos focar-nos agora no mundo que o João já conhece. O que destaca? Já visitei alguns países, mas, felizmente, ainda tenho muito mundo para explorar! Marrocos é um país que me é muito querido. Foi lá que comecei a trabalhar na área do turismo, a fazer vídeos para hotéis e a ser líder de viagens. É claramente o país que mais vezes visitei... perdi a conta! Tenho lá muitos amigos, é como se fosse uma segunda casa. Destaco também o monte Fitz Roy, na Patagónia, Argentina, um dos lugares mais imponentes que visitei até hoje! Também a Tanzânia é especial, não só pelas migrações dos animais que me deixam sempre extasiado, mas porque subi ao topo do Kilimanjaro, uma experiência arrebatadora a todos os níveis,
114
fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Já as Filipinas foi um destino que visitei pela primeira vez há três anos e fiquei apaixonado, não só pela beleza natural, mas também pela genuinidade das pessoas. Há locais que voltaria mais do que uma vez? Porquê? Há locais que volto cinco vezes ao ano! (risos) Obviamente é por motivos de trabalho, mas há inúmeros destinos que não me importo de voltar. As Maldivas ou as Seychelles são um deles. Tenho um fascínio por praias paradisíacas! O Sahara também, porque sinto sempre saudades do deserto. Já Itália é um dos meus países preferidos, não só pela arquitetura e cultura... mas porque cada vez mais gosto mais de comer! (risos)
“Tento incentivar as pessoas não só a viajar, mas também a mudar de atitude. Que sejam mais relaxadas, mais divertidas, que tenham mais compaixão e respeito pelo próximo”
BÚSSOLA João Cajuda
Que memórias não se apagam? Há viagens que tenham sido marcantes por alguma razão especial? Acho que todas as viagens nos marcam de alguma forma. A Índia foi claramente uma viragem na minha forma de pensar e de estar. Qualquer texto que possa escrever nunca irá conseguir exprimir o verdadeiro impacto que aquela viagem teve na pessoa que eu era... e na que sou hoje. Tenho muitas memórias dessa viagem, algumas boas, outras más, mas isso faz parte de viajar e de crescer como humano.
“Um destino que recomendo aos portugueses é Portugal! Queremos sempre viajar para fora, mas a verdade é que quanto mais viajo mais gosto do nosso cantinho”
Prefere um pôr do sol no deserto Sahara ou um amanhecer em Bali? Pode ser as duas, por favor?! (risos) Ambas são diferentes e memoráveis! É já um entendido nas culturas dos países que visita? A diversidade do nosso mundo é algo que o mantém entusiasmado em cada viagem? Claro, se não fosse para vivenciar novas realidades e culturas mais valia poupar o dinheiro e ficar em casa. Anseio por aventuras, paisagens de cortar a respiração, pessoas, sabores, cheiros... Por vezes estou em lugares remotos e penso: “mas que raio... porque razão vim aqui parar?!” Chego à conclusão que é o desconhecido, a surpresa... É a explorar que me sinto mais vivo e é por isso que continuo a viajar. Acreditamos que quem vive em viagem arrecada histórias caricatas e peripécias impensáveis. Tem histórias que guarda na memória? Pode contar-nos algumas das aventuras mais inesquecíveis? Tenho muitas histórias que me aconteceram ao longo dos anos. Podia ficar horas aqui a contá-las... Já tive de ser evacuado de uma cidade inundada na Índia, já tive que mudar pneus na savana perto de leões, já tive um búfalo à minha espera de noite à porta da tenda, já fiquei retido no carro numa tempestade de areia no meio do deserto... Ah, já caí de cascatas, já me espetei de moto... são inúmeras aventuras! (risos) Nesta altura, que destinos aconselharia aos portugueses? E que destino devíamos conhecer pelo menos uma vez na vida? Acho que todas as pessoas deveriam um dia conhecer a imensidão do deserto. Penso que ninguém consegue ficar indiferente àquele momento inesquecível que é estar numa duna de areia dourada, em total silêncio, a ver o pôr do sol. Um destino que recomendo aos portugueses é Portugal! Queremos sempre viajar para fora, mas a verdade é que quanto mais viajo mais gosto do nosso cantinho. Temos lugares incríveis, excelente comida e um povo acolhedor. Sinto que muitas pessoas conhecem pouco do nosso interior e acho que iriam ficar surpreendidas com os tesouros que temos.
BÚSSOLA João Cajuda
Dizem que há pessoas que nascem com o gene das viagens. O João nasceu com esse gene? Que desejos ainda aguarda cumprir em viagem pelo mundo? Bom, não sei se isso é verdade ou não, mas viajar tornou-se uma necessidade para mim. Tenho ainda muitos lugares que quero conhecer e muitas experiências que gostava de ter. Ir à Antártida, percorrer vários países de autocaravana, explorar as ilhas remotas do sul do Pacífico... tanta coisa!
115
DESCOBRIR Madeira
A luz da Madeira, por Duarte Rocha POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA ___duarte___
D
uarte Rocha é professor de Educação Especial, tem 38 anos e a sua terra natal é Vinhais, no distrito de Bragança. Embora seja apaixonado pelas suas raízes, a vida empurrou-o para fora do continente, mas apenas para o fazer render-se às maravilhas da ilha. Esta é a Madeira aos olhos de quem aprendeu a amá-la. Encontramos o seu perfil de Instagram e uma das coisas que nos surpreendeu foi a beleza da paisagem natural captada nas suas fotografias. É apaixonado por fotografia? Criei a página, em primeiro lugar, para criar o meu espaço, onde posso colocar um pouco do mundo que me rodeia. A paixão pela fotografia sempre esteve presente na minha vida. Sempre achei, desde pequeno, esta arte fascinante. Fazer parar o tempo é algo mágico! Pode parecer banal, mas se pensarmos a fundo, quando fazemos aquele clic, estamos a fazer algo único.
É um eterno apaixonado pela paisagem da ilha? Sim, completamente. Tirar grandes fotos aqui na ilha é fácil... porque para cada lado que nós olhemos encontramos sempre algo realmente bonito e cativante! É impossível olharmos para a sua página e não ficarmos com vontade de conhecer a Madeira. A seu ver, quais são os sítios imperdíveis da ilha? É uma pergunta complicada porque são bastantes, mas pessoalmente destaco como imperdíveis o percurso pedestre entre o Pico do Areeiro e o Pico Ruivo, o miradouro do Cabo Girão e da Eira do Serrado, em Câmara de Lobos... sem esquecer claro a sua baía ímpar! Ainda a Vereda da Ponta de São Lourenço, o Jardim Tropical Monte Palace, no Funchal, a cascata dos Anjos e a Levada Nova na Ponta do Sol, a Levada do Paul da Serra, as casas típicas de Santana, a paisagem fantástica da Ponta do Pargo, enfim... poderia continuar, mas o melhor mesmo é virem comprovar!
As suas fotografias trazem um olhar sobre a Madeira. Podemos pedir-lhe uma análise da Madeira? O que pensa desta ilha? Bom, a ilha da Madeira é um paraíso para os amantes da fotografia! Aqui podem encontrar belezas únicas e locais de cortar a respiração. É mesmo verdade! É uma ilha que oferece uma beleza natural incrível, praticamente tem tudo o que se deseja para grandes cenários fotográficos, com a vantagem de podermos ir do mar à montanha muito mais rapidamente que em outros locais. Mas atenção, desenganem-se aqueles que pensam que a ilha se explora em dois dias como já li por aí. Já são treze anos na ilha e estou sempre a descobrir coisas novas e com a sensação que ainda me falta ver muita coisa.
116
BÚSSOLA Madeira
merece! Ressalvo que tiro fotografias por puro prazer e não com objetivo de ser promotor de algo, mas posso garantir que sou solicitado bastantes vezes por turistas estrangeiros para lhes dar informações sobre os locais fotografados. Isso acaba por ser interessante. Mas é verdade que muitos portugueses não sabem a riqueza que têm ao abrir a porta. Eu aconselho sempre a conhecer primeiro o que é nosso e só depois explorar o mundo lá fora. Temos locais tão incríveis em Portugal Continental e nas ilhas que, às vezes, é uma pena desperdiçarmos a oportunidade de os conhecer. A luz da Madeira inspira-o? Se pudesse escolher um sítio e uma hora do dia para fotografar a Madeira no seu maior esplendor, qual escolheria? Sim, a luz da Madeira é algo fascinante! Felizmente tenho a sorte de morar num dos concelhos onde o sol brilha durante mais horas, que é o concelho da Ponta do Sol. Fotografar o pôr do Sol desde o miradouro do Caminho Real é algo de encantador e sublime.
Para além das paisagens naturais, o Duarte fotografa também alguns detalhes da vida na ilha: a diversidade animal, os barcos de pesca... No entanto, acabamos por não ver muito a vertente humana. É propositado? Como que uma chamada de atenção para o poder da natureza sem o Homem? Realmente não aparecem muitos humanos, é verdade, mas a razão prende-se com o facto de hoje em dia vivermos num mundo excessivamente exposto, somos vigiados por todos os lados e, por isso, prefiro deixar as pessoas sossegadas. Mas por vezes, por motivos de enquadramento, lá aparece uma ou outra pessoa nas minhas fotografias. Considera que as suas fotografias podem ajudar os portugueses a valorizarem este destino? Normalmente, nas férias, os portugueses optam sempre por destinos altamente turísticos, esquecendo os locais belíssimos que temos no nosso país. Considera que o turismo em Portugal feito por portugueses devia ter um maior impacto? Se as minhas fotografias podem ajudar? Não sei, mas espero que ajudem porque esta ilha, juntamente com Porto Santo,
BÚSSOLA Madeira
117
REFÚGIO Quinta de São Bernardo
Quinta de São Bernardo, na serenidade do Douro É NA PAISAGEM DE MESÃO FRIO, EM PLENO CORAÇÃO DO DOURO VINHATEIRO, QUE ENCONTRAMOS A QUINTA DE SÃO BERNARDO, UMA FARMHOUSE BEM AO LADO DO RIO E COM A LINHA DE COMBOIO COMO VIZINHO INTROMETIDO. COM UMA HISTÓRIA RICA EM TRADIÇÃO FAMILIAR, A QUINTA DE SÃO BERNARDO É UM ÍNTIMO REFÚGIO DE SERENIDADE, UMA ESCOLHA ACERTADA PARA MOMENTOS DE VERÃO... E INÍCIO DE OUTONO. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio e D.R.
uando chegamos à Quinta de São Bernardo, depois de já nos termos perdido de amores pelo vale do Douro que se vai estendendo aos nossos olhos, sentimo-nos perdidos na imensidão da natureza que abraça esta casa: as vinhas, as árvores de fruto, os animais, o rio que, por hora, se vê rasgado por cruzeiros várias vezes... A Quinta de São Bernardo é, à primeira vista, cenário perfeito para recarregar energias. Com sete quartos na casa principal e duas recentes villas com piscina privativa, um restaurante com petiscos bem portugueses e uma sala para provas de vinhos, este cantinho do Douro é muito mais do que um alojamento. É a vida em slow motion, numa tela cinematográfica pintada de verde e sem efeitos especiais. Apenas a boa e velha tradição do Douro. Diogo e Marcela Monteiro são os anfitriões da Quinta de São Bernardo e recebem-nos com toda a vontade para contar a sua história: “Esta é uma quinta que está na família do Diogo há muitos anos. Era a casa do avô dele que, com o tempo, foi perdendo o uso. A família foi crescendo e, como não cabiam todos na casa principal, foi construído um anexo. E, quando o avô faleceu, a casa ficou fechada”, conta-nos Marcela, acrescentando: “Em 2015, eu e o Diogo pensamos mudar de vida e, depois de uma viagem pelos EUA, onde visitamos Napa Valley, percebemos que tínhamos algo realmente especial e não estávamos a aproveitar”. Deixaram então os seus trabalhos – Diogo era arquiteto e Marcela estava na área da moda – e começaram a aventura da Quinta de
120
Diogo e Marcela Monteiro são os anfitriões da Quinta de São Bernardo, um refúgio que traz para dentro de portas toda a alma do Douro Vinhateiro.
BÚSSOLA Quinta de São Bernardo
São Bernardo, no início de 2016. Rapidamente, a casa foi enchendo, principalmente de turistas estrangeiros que viam no Douro uma mina de paz e tranquilidade. Funcionando por temporadas, de abril a final de outubro, a Quinta de São Bernardo mostra a riqueza do vinho do Douro, ali nas suas raízes, organizando provas orientadas pela sabedoria dos enólogos da casa, permitindo aos hóspedes – e aos curiosos que visitam a quinta (que são sempre bem-vindos) – descobrirem os encantos do néctar que cobre os socalcos. “A quinta tem a estação de comboios a 500 metros e isso permite-nos receber muitos visitantes que não estão hospedados connosco, mas que vêm passar o dia. Podem petiscar no nosso restaurante, participar nas provas de vinho, passear pelas vinhas...”, conta Marcela, ressalvando, no entanto, que a utilização da apetecível piscina é apenas para os hóspedes da casa. Em termos de gastronomia, a Quinta de São Bernardo garante uma experiência bem ao modo do Douro, inspirada na máxima farm to table: um pequeno-almoço buffet, recheado de pão fresco, quiche ou compotas caseiras; um menu de almoço composto por pratos leves, como saladas, tostas, massas ou tábuas de presuntos; e uma ementa única ao jantar, ou seja, há apenas uma opção à escolha, mutável a cada dia. “Não temos um chef, temos uma cozinheira que, todos os dias, prepara um jantar tipicamente português, dando aos nossos hóspedes a possibilidade de provar as nossas iguarias”, explica Marcela. Já com muitas ideias no baú das vontades, Marcela e Diogo apontam a necessidade de criar mais atividades no interior da casa como um desafio para o futuro próximo. “Temos vontade de abrir a Quinta de São Bernardo durante o inverno, mas para isso precisamos de alargar o nosso leque de atividades. Quiçá um spa com uma zona de massagens ou outro salão
BÚSSOLA Quinta de São Bernardo
de jogos, mas com vista... porque toda a gente quer a vista do rio!”, comentam. E, por falar nos benefícios do rio Douro, a construção de um cais que permita a chegada de hóspedes via barco é um dos anseios também. Enquanto aguardam as devidas autorizações, a Quinta de São Bernardo vai mantendo a alma do Douro em todos os pormenores. Neste verão, a sugestão passa por aproveitar os 15 hectares exteriores da quinta para os passeios de bicicleta e os piqueniques. Nós, que por lá tivemos oportunidade de passear, aprovamos a ideia!
121
REFÚGIO Torel 1884
Torel 1884, o exotismo dos Descobrimentos POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Torel 1884 – Suites & Apartments
C
hama-se Torel 1884 – Suites & Apartments e, localizado numa das principais artérias do Porto, é um espaço acolhedor para quem vive apaixonado pela história dos Descobrimentos portugueses. Abriu em fevereiro e, pelo que vimos, é um refúgio que tem tudo para que a História se inverta: chegou a altura de o mundo descobrir Portugal! À chegada, na Rua Mouzinho da Silveira, a referência aos Os Lusíadas numa instalação assinada por João Pedro Rodrigues encaminha-nos para o interior do Torel 1884, um edifício que foi palacete no século XIX e onde até um banco já teve a sua morada. À primeira vista, os tons bege-areia, terracota, verde azeitona, azul marinho ou castanho-café dão-nos uma ideia de conforto, mas a escadaria conduz o nosso olhar diretamente para o topo, de onde a luz irrompe pela magnífica claraboia, um dos ex-libris do espaço. Ao subirmos a escadaria, percebemos facilmente que cada piso se organiza por temáticas, ou melhor, por continentes. São, ao todo, 12 suites com nomes inspirados na herança dos Descobrimentos portugueses, como “Malagueta”, “Pássaros Exóticos”, “Café”, “Cana de Açúcar”, “Tabaco”, “Chá”, “Porcelanas”, “Tapeçarias”, “Especiarias”, entre outros. Com áreas amplas, repletas de luz, e com uma ornamentação requintada com assinatura da Nano Design, um atelier de design de interiores do Porto, este Torel 1884 destaca-se pela elegância - seja arquitetónica, graças ao projeto de remodelação de Miguel Nogueira; seja decorativa, mérito dos detalhes originais que se mantiveram no espaço, como os puxadores das portas e as réplicas das chaves. E, se formos a falar de detalhes, é impossível não destacarmos as magníficas banheiras ou as camas de dossel presentes em alguns dos quartos!
122
Com uma biblioteca perfeita para um serão tranquilo ou uma manhã demorada, à luz natural proveniente da tal claraboia, o Torel 1884 é uma inesperada surpresa pela forma charmosa como apresenta a simplicidade das coisas. O Honesty Bar, presente na área de biblioteca, é um exemplo disso. Da simplicidade de uma mala de viagem antiga surge um apelativo bar sem barman, ou seja, cada hóspede é convidado a ser honesto e a indicar no respetivo formulário a bebida que decidiu tomar para acompanhar a sua leitura ou conversa. E, falando de formulários, vamos ao método de pequeno-almoço: para evitar o desperdício, não existe um pequeno-almoço buffet, como é tão tradicional nos hotéis. Na noite anterior, o hóspede deve deixar as suas indicações, das panquecas às papas de aveia ou à omelete de clara de ovo, para ser servido em conformidade na manhã seguinte – não significa isto que não possa dar azo aos seus desejos matinais repentinos... basta pedir e a equipa prontamente preparará o que se esqueceu de assinalar anteriormente.
Membro do grupo Torel Boutiques, responsável também pelo portuense Torel Avantgarde e com outro espaço em desenvolvimento na zona da Batalha, este Torel 1884 é um regresso às origens portuguesas num momento que o Porto é cidade de turistas. A austríaca Ingrid Koeck é uma das sócias do grupo e, apaixonada pela cidade e pelo nosso país, assume que o Torel 1884 tem conquistado os portuenses e os turistas: um uau effect! “Todos os espaços do Torel querem mostrar uma parte de Portugal: por exemplo, o Torel Avantgarde traz a arte, a arquitetura e o design; e o Torel Palace, em Lisboa, traz o tema dos reis e rainhas. Aqui fala-se de Descobrimentos, da história de coragem, aventura e curiosidade dos portugueses que exploraram África, América e o Oriente. Quisemos aqui mostrar a conexão de Portugal aos outros países, honrando também a beleza do artesanal português. Numa atmosfera acolhedora, o Torel 1884 quer gritar que agora é a hora de Portugal!”, conta-nos Ingrid, notoriamente emocionada pelo feedback tão positivo que o espaço tem recebido.
As refeições do Torel 1884 têm então lugar no Bartolomeu Wine Bistro – claramente uma referência ao nosso explorador Bartolomeu Dias, célebre por ter contornado o Cabo das Tormentas (apelidado depois de Cabo da Boa Esperança). Neste espaço, para além dos vinhos nacionais que ocupam a incrível garrafeira (onde vemos a caixa-forte do antigo banco), é possível saborear a boa comida portuguesa através de “pratinhos para picar”, um convite à partilha. Tábua de enchidos, de queijos, salada de cogumelos, cevada e espinafres ou outras especialidades compõem o menu, que quando apresenta as sobremesas nos deixa de água na boca: a tarde de chocolate ou o crumble de maçã. Boa sorte para conseguir escolher!
BÚSSOLA Torel 1884
123
REFÚGIO InterContinental Cascais-Estoril
InterContinental Cascais-Estoril, uma janela para o Atlântico POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
É
na tranquilidade da zona costeira do Estoril, em Cascais, que se ergue o InterContinental Cascais-Estoril, um espaço de memórias graças ao legado do antigo Hotel Atlântico, um dos protagonistas da era dourada da costa do Estoril que deu origem a este charmoso hotel, num projeto do arquiteto português João Paciência. Com 59 quartos com o mar ali ao pé, este é um refúgio ideal para descansar a dois ou em família, aproveitando os dias quentes que se avizinham. A vista magnífica sobre o Atlântico é um dos ex-libris deste espaço, equipado com todas as comodidades que possa imaginar: piscina exterior, spa e wellness centre (com cabeleireiro incluído), ginásio, espaço de reuniões e conferências e uma oferta de excelência a nível de gastronomia. Mas já lá vamos!
Vista do Atlântico Bar e Restaurante ©D.R.
124
Bago du Vin
Começando pelo início, a chegada ao InterContinental Cascais-Estoril é digna de aplauso. A simpatia do staff, jovem e conhecedor das maravilhas do Estoril, recebe-nos com uma bebida de boas-vindas, mostrando-nos que a hospitalidade será um dos pontos altos da nossa estadia neste autêntico palácio à beira-mar. Num rápido vislumbre, a decoração elegante em tons de azul e a imensidão de luz natural no interior é um destaque positivo, mas a escala aumenta à medida que nos encaminhamos para os quartos. Com várias tipologias, os quartos são ornamentados de maneira a proporcionar a melhor experiência possível. Os detalhes minuciosos inspirados no oceano, as almofadas confortáveis que se moldam ao nosso corpo, as banheiras sensoriais ou os chuveiros com hidromassagem – sem esquecer os duches com cromoterapia que são imperdíveis -, as varandas privadas com vista para o mar e para a baía de Cascais... são tantos os motivos que temos para realçar este refúgio no coração do Estoril! A visita encaminha-nos, como não poderia deixar de ser, para o lugar onde o tempo parece passar mais devagar. Não sabemos se graças à brisa marinha que nos chega, se da imensidão do mar que nos espreita, se da saborosa oferta que nos colocam na mesa: estamos no Bago du Vin, o espaço intimista reconhecido pelas melhores tábuas de queijos e enchidos e pela eclética carta de vinhos, preenchida por referências nacionais e internacionais. Com um serviço personalizado que nos surpreende pela delicadeza e atenção, o Bago du Vin é o local ideal para uma conversa ao som
BÚSSOLA InterContinental Cascais-Estoril
das ondas. Aliás, a nível gastronómico, o InterContinental Cascais-Estoril está muito bem representado. Quer outro exemplo? O Atlântico Bar e Restaurante, pelas mãos do chef Miguel Laffan, natural de Cascais, é um local que merece visita devido à sua atmosfera acolhedora e, claro, à sua ementa inspirada nos sabores do mar... não estivesse ele ali ao lado a fazer-lhe companhia à refeição! Com uma decoração em tons marinhos, o Atlântico traz à mesa o melhor do mar: nas entradas, Tártaro de atum, Tom Yam Kum de gamba da costa, Camarões ao alho nobre, Vieiras com cogumelos selvagens ou Amêijoas à Bulhão Pato; nas Pastas e Risottos, destaque para o Ravioli de espinafres e pinhões com molho cremoso de Gorgonzola e o Risotto de espargos verdes com parmesão; nas opções de Peixe, o Robalo da linha com mexilhão, alho francês e creme de champanhe e açafrão é uma sugestão, assim como nas Carnes, a Presa de Porco à Alentejana com amêijoas e batata frita caseira. Nas sobremesas, o Ninho de chocolate, a Textura de framboesa ou o Crème Brûlée de maracujá são iguarias imperdíveis. No entanto, não nos podemos esquecer de mencionar o menu Portugalidade, pensado pelo chef para surpreender os paladares com a excelência dos sabores nacionais: Arroz de peixe e marisco, Lulinhas recheadas com puré de batata, Açorda de camarão ou Bacalhau com xerém de chouriças e couve kale grelhada. Já está com água na boca? Ainda nas opções gastronómicas, o InterContinental Cascais-Estoril sugere um momento mais relaxado com os menus de Chá da Tarde, disponíveis no terraço do lounge,
Vista da varanda de um dos quartos
Decoração interior de um dos quartos
das 15h às 19h. E, para terminar esta lista em beleza, o delicioso Brunch de Domingo, com uma variedade imensa de sugestões, desde compotas, seleção de enchidos e fritos, saladas e opções quentes que incluem bacon, ovos mexidos, legumes ou misto de peixes e carnes. Numa experiência de sabores envolvida num ambiente acalentado por um dos mais bonitos pores do sol da nossa costa, o InterContinental Cascais-Estoril é uma proposta a ter em conta numa escapadinha de verão. Nós, que nos despedimos desta viagem pelo Estoril com a bagagem cheia de fotografias para recordar, recomendamos!
Tom Yam Kum de gamba da costa
125
A elegância no seu estado puro e os desejos a cumprir.
Swarovski, o brilho que a vida precisa A recente coleção da Swarovski pretende expressar positividade e individualidade, numa linha que procura encorajar a mulher moderna a seguir o seu instinto. A marca traz uma perspetiva luminosa para momentos significativos, através de símbolos e amuletos brilhantes. Numa paleta de cores quentes, destacam-se tons dourados, terracota e rosados, adornados com o característico brilho Swarovski. Há símbolos para todos os desejos, desde amor, saúde, força, positividade, entre outros, marcados por um design que é único. “Os símbolos podem expressar mensagens que as palavras não conseguem”, afirma a diretora criativa da marca, Nathalie Colin.
Luis Onofre, o par ideal para mulheres exclusivas A estação mais quente do ano vem carregada de dias memoráveis. E para que aproveite ao máximo cada momento, o calçado confortável reina em qualquer opção. O modelo Yanaymi na cor Nude é perfeito para completar qualquer look de verão. Versátil e elegante, o modelo apresenta detalhes aprimorados, feitos com os melhores materiais e produzidos com extremo cuidado, para que cada par seja único e incomparável.
Chloé, inspirada na beleza das ilhas gregas A nova campanha de óculos de sol da Chloé traz novidades irresistíveis. O mais recente icónico modelo Rosie, uma ode à alegria, feminilidade e sonhos, é inspirado na beleza idílica das ilhas gregas. O formato cat eye promove atitude, irreverência e distinção ao modelo de efeito brilhante e de lentes espessas, prometendo ser o acessório ideal nos looks mais cool deste verão.
128
ATELIER Moda
Longchamp x Nendo, a icónica carteira com um fresco design A Longchamp apostou numa reinterpretação da icónica carteira dobrável, a Le Pliage, propondo uma luz completamente nova, pelo estúdio de design Nendo, situado em Tóquio. Enquanto o clássico modelo Le Pliage oferece duas experiências – a versão carteira e outra quando é dobrada – o novo design introduz uma terceira visão, reinterpretando o modelo com uma linha estética que permite transformá-lo num objeto de decoração. Existem três variantes desta coleção, todas elas com uma forma elegante, simples e a mesma execução sofisticada.
ATELIER Moda
129
Louis Vuitton, a tranquilidade e frescura de aromas perfeitos A Louis Vuitton pretende aprimorar a sua coleção de velas perfumadas, criadas pelo mestre perfumista Jacques Cavallier Belletrud. Apresentadas em recipientes de cerâmica desenhados por Marc Newson, as velas são bastante leves, permitindo que possam ser transportadas para qualquer zona da casa, graças a uma pega feita em pele natural e costurada à mão. São quatro aromas distintos e reservados, promovendo sensações de conforto e comodidade.
130
ATELIER Moda
Yves Saint Laurent Beauté, um toque de ousadia Inspirado no homem característico da marca e no seu espírito inovador e descontraído, a recente fragrância é ousada, fresca e jovial. Num frasco mais escuro e elegante e com um aroma mais intenso, o novo perfume masculino foi pensado para homens que procuram alcançar as metas a que se propõem. Forte e irreverente, a nova fragrância reflete a criatividade e clareza da marca.
Boss, para homens que definem o seu tempo Num mundo cada vez mais definido pela velocidade, a nova coleção Boss Intensity aposta com firmeza na questão do tempo, nas mãos daqueles que mais o valorizam. Assim, surgem três modelos de cronógrafos, com uma luneta proeminente que permite que o tempo seja visto com facilidade, garantindo a máxima precisão dos ponteiros, a qualquer hora do dia. Com uma caixa de 44 mm e uma bracelete em duas versões, aço ou pele, os novos Boss Intensity marcam uma coleção intensa.
Samsonite, a fusão da funcionalidade com a elegância Pixon é a primeira linha Samsonite Smart Luggage de malas de viagem rígidas que incorporam uma balança de bagagem, permitindo verificar o peso de cada mala com facilidade. A combinação perfeita entre a funcionalidade e o design inovador, maximizando o volume e protegendo-as de qualquer risco. Uma excelente opção para quem procura uma mala de viagem elegante e funcional.
ATELIER Moda
JOALHARIA Eugénio Campos
Eugénio Campos, o homem que melhor entende as mulheres NUMA VISITA AO ATELIER EM VILA NOVA DE GAIA, SENTÁMO-NOS PARA CONVERSAR COM O MESTRE POR DETRÁS DO SUCESSO DE UMA MARCA QUE É UM EXEMPLO DA EXCELÊNCIA DA JOALHARIA EM PORTUGAL. EUGÉNIO CAMPOS É O FUNDADOR DA EUGÉNIO CAMPOS JEWELS, UMA MARCA QUE SE ORGULHA DA CAPACIDADE DE CRIAR JOIAS ELEGANTES, SOFISTICADAS E INOVADORAS. SEMPRE COM A VALORIZAÇÃO DA MULHER COMO LINHA ORIENTADORA DE UM DESIGN ARROJADO E EXCECIONAL. POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
Inovação, elegância, vontade, design arrojado. São esses os principais pilares da marca Eugénio Campos? Diria que, principalmente, gostamos de fazer as coisas de uma forma diferente, única. Cada joia com a minha assinatura é pensada, desenvolvida e criada sempre com um sentimento ou uma história. Uma mensagem. Acho que é isso que caracteriza a minha oferta. Penso que a inovação é fundamental em termos de criatividade porque cada coleção tem de surpreender o mercado – foi isso que fizemos este ano com a coleção de São Valentim, de Dia do Pai, de Dia da Mãe e ainda com a coleção atual de primavera-verão. Claro que estamos já a preparar a coleção de outono-inverno, também para surpreendermos quem acompanha o nosso trabalho. Quero que os nossos clientes sintam que realmente vale a pena usar as minhas joias!
A
Eugénio Campos é uma marca de referência a nível de joalharia no nosso país. Conte-nos a história desta marca. Há 30 anos, por iniciativa minha, nascia a empresa Eugénio Campos, focada em produtos e joias só em prata. Tentei desmarcar-me da ideia de um sector com oferta pouco diversificada e sem grande criatividade. Com muito empenho, com uma atitude de uma grande força de vontade, a empresa foi crescendo, mantendo uma ótima relação com os representantes, ou seja, os donos das ourivesarias e joalharias. Em 2002, percebi que faria sentido criar uma marca, associada a uma imagem corporativa e a uma comunicação que marcava uma posição pioneira em Portugal. Nessa altura, Portugal só tinha empresas que, tal como a minha, produziam linha branca. Foi um trabalho difícil, mas fomos inovadores! Considero que tive dois grandes desafios nesse momento: o primeiro foi crescer no sector e o segundo foi conseguir fazer da empresa uma marca à escala daquilo que eu considero que deve ser uma marca, porque uma marca não é ser um nome, é muito mais do que isso. Portanto, a marca Eugénio Campos oferecia uma comunicação de excelência e coleções próprias exclusivas, tentando marcar um posicionamento único no mercado com um produto que fosse diferenciador. Foi um percurso longo, mas eu sempre acreditei nos meus projetos, no meu trabalho. Sempre acreditei que era possível efetivamente fazermos em Portugal aquilo que outros faziam lá fora. Foi um percurso que me orgulho de ter feito porque revolucionamos completamente aquilo que era o sector da ourivesaria. Fui pioneiro e levei uma lufada de ar fresco ao sector numa altura em que o país precisava realmente de dinâmicas, de inovação. Sem dúvida, o meu projeto fez com que o sector mexesse e surgisse concorrência. Hoje vemos um sector completamente modernizado e isso deixa-me mesmo muito orgulhoso!
134
Apesar de ter alguma oferta masculina, o grande destaque das coleções Eugénio Campos é dedicado às mulheres. Consegue traçar-nos então o perfil da mulher Eugénio Campos? Sim, claro! É uma mulher elegante, requintada e sensual. É neste perfil que eu me inspiro para desenvolver as minhas coleções. É uma mulher que, quando se olha ao espelho, sabe que para qualquer ocasião terá uma joia especial. Seja para uma ida à praia, um almoço ou um jantar casual ou até para a melhor festa. A mulher Eugénio Campos é uma mulher urbana e ativa. Este ano, as coleções Eugénio Campos desenvolvem-se em torno do tema “Ama-te”, correto? Esse é o tema âncora, que traz à luz do dia a mulher que se ama, que se cuida e, se possível, que se sente especial usando joias Eugénio Campos. Mas pensamos sobretudo no valor da mulher. Todas as coleções criadas sob o tema “Ama-te” têm a ver com a valorização da mulher. Eu costumo dizer que crio para as rainhas que são as nossas mulheres.
ATELIER Eugénio Campos
Na estação de primavera-verão, quais são as novidades trazidas pela marca? É uma coleção que tem muito a ver com a natureza. Temos, para além das joias inspiradas na flor amor-perfeito, uma coleção lindíssima de malmequeres. É uma coleção floral e de natureza vegetal, desde a própria raiz, ao tronco ou folhas. Mas, como complemento a esta oferta, temos sugestões mais abertas àquilo a que chamamos tendências atuais e sugestões mais ajustadas ao estilo de cada um. Qual é a sua opinião relativamente ao estado do sector da ourivesaria e joalharia em Portugal? Sem dúvida que a Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal (AORP) tem feito um trabalho fantástico a nível de comunicação, sobretudo levando a marca made in Portugal aos quatro cantos do mundo. É um trabalho que nos devemos orgulhar, porque abre portas a possíveis negócios e a um crescimento internacional. Contudo, é preciso referir que não é um caminho fácil. Temos, claramente, que optar por uma estratégia muito bem definida, especializando-nos em determinados produtos. Temos a tendência de querer fazer quase tudo e esse não é o caminho. Nesse aspeto, nessa necessidade de especialização do nosso produto, acho que o sector tem de evoluir um pouco. Mas, felizmente, podemos considerar que este sector está na linha da frente a nível de design, de tendências e de qualidade. Não tenhamos dúvidas que nós, Portugal, somos do melhor do mundo! Mas temos problemas de dimensão, o que dificulta os processos de internacionalização porque não temos produção de grande escala. Por isso é que digo que é preciso definir bem o que cada empresa quer fazer. Qual é então o plano da Eugénio Campos? Acima de tudo, pretendemos continuar a ser os melhores em Portugal! Permitam-me a falta de modéstia, mas eu quero continuar a ser a marca com mais notoriedade em Portugal,
quero ser a marca que os portugueses mais reconhecem. É para isso que trabalho todos os dias! Quero continuar a ser a única marca portuguesa a ter disponível joias que vão desde os 25 mil euros aos 50 euros. Quero estar em todos os patamares e em todos os segmentos. Oferecemos hoje o melhor da alta joalharia, em qualquer parte do mundo. Mas também oferecemos opções para um segmento casual, que permite até às camadas mais jovens usarem uma joia Eugénio Campos, com todo o prestígio que a marca tem, embora mais económica. A principal estratégia que eu tenho é trabalhar para o segmento de luxo, mantendo o crescimento neste segmento, mas também trabalhar para sermos os melhores no segmento moda. E em termos de internacionalização? Não esqueço nunca a oportunidade de internacionalização. Aliás, estamos presentes em vários países do mundo, sendo os EUA o nosso segundo maior mercado, depois de Portugal. Quero crescer aquilo que puder em termos internacionais, mas o meu foco principal é o nosso mercado. Não é um homem ambicioso? Sou muito ambicioso em termos daquilo que quero para a minha marca em Portugal. Mas não sou tão ambicioso em relação àquilo que quero para a minha marca em termos internacionais. Porque sei a dificuldade que uma marca portuguesa tem para se posicionar em termos internacionais. Sei o investimento que é necessário. E, ser mais um lá fora, não é um trabalho que me interesse. Eu não quero ser, lá fora, mais um no meio de muitos! Também quero ser uma marca e, para isso, tenho de dar passos assertivos, seguros e lentos. Portanto, sou muito ambicioso com a minha marca e o meu mercado. Quanto à internacionalização, sou muito comedido e, acima de tudo, muito realista.
ATELIER Eugénio Campos
135
AO VOLANTE Vision Mercedes-Maybach 6 Cabriolet
ArtDeco sobre rodas POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA Daimler AG
136
CADERNO TÃtulo da Reportagem
O
Vision Mercedes-Maybach 6 Cabriolet é um descapotável de dois lugares com 5,7 metros de comprimento, uma motorização elétrica com 750 cv de potência e uma autonomia anunciada de 500 km e é talvez o maior representante da história da “alta costura” automóvel. Segundo o CEO da Mercedes-Benz, Dietmar Exler, “tudo gira em torno da beleza” neste Vision Mercedes-Maybach 6 Cabriolet, o primeiro verdadeiro modelo descapotável da marca desde o Maybach Zeppelin, produzido entre 1929 e 1939, segundo a agência Bloomberg. A pintura numa tonalidade azul náutico, o para-brisas curto e as enormes jantes de 24 polegadas traduzem uma visão de grande impacto e de enorme requinte havendo também, por confissão dos seus próprios designers, uma tendência de aproximação ao mundo dos grandes iates de luxo, algo que é percetível na secção traseira com linhas puristas e aerodinâmicas. Em termos de performance, a Mercedes afirma que este protótipo é capaz de cumprir dos 0 aos 100 km/h em menos de quatro segundos, com a velocidade máxima a ser limitada a 250 km/h. Utilizando um carregador especial que a Mercedes desenvolveu, será possível recuperar 100 km de autonomia em menos de cinco minutos ligado à tomada.
138
O interior é igualmente surpreendente. Apenas dois lugares e um habitáculo onde a tradição e a tecnologia andam de mãos dadas. Comandos táteis e navegação inteligente ligam-se ao calendário pessoal do condutor e a um serviço de conciérge ativado por voz. Os dois lugares estão ligados por linhas luminosas que se estendem da consola central ao tablier. Quando o veículo é ativado, uma luz azul invade o habitáculo. Este modelo é um on-off, ou seja, apenas existe esta unidade e não está à venda. Para vermos este concept car dar os seus frutos teremos que esperar por 2035, ano que se espera um modelo originado por este protótipo. Gorden Wagener, chefe de design da Daimler, afirmou que o Vision 6 Cabriolet é apenas o primeiro de muitos passos que a Maybach pretende dar no seu processo de expansão: “Queremos que a Mercedes-Maybach seja a epítome das marcas de luxo, e vamos expandi-la nesse sentido. Não imaginam onde estaremos daqui a dez anos!”
ATELIER Vision Mercedes-Maybach 6 Cabriolet
139
AO VOLANTE Harley-Davidson LiveWire
Harley-Davidson LiveWire, o ruído já não é o que era POR Nuno Sampaio FOTOGRAFIA Ben Campbell
A
Harley-Davidson tinha previsto um investimento operacional até 385 milhões de euros e um investimento de capital de 214 milhões de euros até 2022 para a renovação da sua linha de motos. A LiveWire é sua primeira mota totalmente elétrica. A mais recente criação da marca norte-americana tem um motor de íman permanente com binário instantâneo para reações mais desportivas. Assim que tocamos no acelerador, a potência é instantânea, atingindo os 100km/h em três segundos. A LiveWire inclui uma bateria de alta tensão ou RESS (sistema de armazenamento de energia recarregável) que fornece 225 km de autonomia em cidade ou 142 km de pára-arranca em autoestrada combinados.
De realçar o novo painel digital (TFT), colorido, que traz recursos de conectividade e pode ser emparelhado com um smartphone via bluetooth. Na tela podemos ter acesso às funções de chamada, música e navegação. Este painel tem a assinatura da Panasonic e podemos fazer uma ligação remota a partir da mais recente aplicação da Harley-Davidson. O modelo elétrico da marca norte-americana chegou ao mercado apenas este ano e estará disponível em três cores, preta, amarela e laranja. Em Portugal já estão disponíveis pré-encomendas a partir de 34.500€.
140
ATELIER Harley-Davidson LiveWire
A FECHAR De olhos postos em...
José Condessa e a arte subtil de dizer desafiem-me! MARCÁMOS ENCONTRO COM JOSÉ CONDESSA NO BAIRRO DA MOURARIA, EM LISBOA, E FACILMENTE NOS DEIXÁMOS ENVOLVER NA SUA HISTÓRIA: UM ATOR QUE QUIS SER ATOR ANTES DE PERCEBER QUE SER ATOR ERA UMA ARTE. DE SORRISO CONTAGIANTE E UM BRILHOZINHO NO OLHAR QUE NOS FAZ PERCEBER O PORQUÊ DE SER CONSIDERADO UM TALENTO NO MUNDO DA REPRESENTAÇÃO NACIONAL, JOSÉ CONDESSA É O “MENINO BONITO” QUE QUEREMOS CONTINUAR A ESTAR DE OLHOS POSTOS. ATÉ ONDE IRÁ? POR Andreia Filipa Ferreira FOTOGRAFIA Nuno Sampaio
CADERNO TÃtulo da Reportagem
143
A
os cinco anos, o José entra, quase por brincadeira, no mundo da representação. Conte-nos como tudo começou. Há influências do seu pai, correto? A minha família está muito ligada ao teatro amador, principalmente o meu pai, a minha madrinha e a minha irmã. Com cinco anos, fiz, pela primeira vez, um pequeno monólogo, uma coisa de uma página. Foi algo escrito para mim e falava sobre o amor. Eu já tinha subido ao palco para fazer umas pequenas figurações com três anos, mas era uma criança, não fazia muito mais do que anjinhos e procissões. Comecei num teatro que era na Calçada da Ajuda, o antigo Teatro Luís de Camões, onde estava uma companhia que era o Belém Clube, que, entretanto, agora está noutra zona de Belém. O bichinho do teatro nasce aí, com a minha família. Eu ia sempre aos ensaios e aos espetáculos. Lembro-me de decorar os textos facilmente – na altura nem sabia ler, era o decorar de ouvir. Foi assim que decorei o tal monólogo. O meu pai dizia-me as frases e eu decorava. Lembro-me de ser pequenino e de estar todo aprumado, penteadinho, para subir ao palco. É daí que nasce a paixão. Depois, a paixão evolui e começo a querer procurar alguma formação. O meu pai também sempre achou que seria importante. Descobri a Academia de Santo Amaro e é aí que se desenvolve o gosto, que posteriormente se transforma em paixão, em não conseguir viver sem estar no teatro. Isso leva-me à Escola de Teatro de Cascais, onde faço a minha formação e conheço o encenador Carlos Avilez.
144
Falou-nos de pessoas. Se é verdade que aprendemos imenso observando, com quem mais aprendeu? Quais são as suas principais influências, para além da família? O meu grande respeito pelo teatro amador nasce quando eu percebo que, no teatro e nas artes em geral, tenho o dever de aprender com os mais velhos. Ninguém está ultrapassado nas artes! Simplesmente devemos beber do que eles nos estão a dar e a passagem de testemunho é dos atos mais importantes e sagrados na nossa profissão. Eu aprendi um pouco de tudo, não só o trabalho de ator, mas também o trabalho de luzes, som, montagem de cenários... Antes de fazer o trabalho de ator, fazia esses trabalhos de cena e sei que foi daí que nasceu o respeito pelo teatro como um todo. Só depois nasceu o ator. Em termos de pessoas, o Carlos Avilez, sem dúvida, é o meu mestre! Também o Diogo Infante é importante para mim: o meu primeiro trabalho em televisão foi com ele e com a ajuda dele. Também tive a oportunidade de falar muitas vezes com a Eunice Muñoz. Cada vez que ela vê uma peça de teatro, as palavras que ela diz a seguir são captadas como se não houvesse mais nada. Tenho de destacar também a Maria do Céu Guerra... e a Marina Mota, que foi uma pessoa que me deu o exemplo perfeito do que é ser um bom profissional, em qualquer área. Ela é excecional como colega! Acho que é uma das mulheres mais importantes que passou na minha vida e, apesar de não manter um contacto físico com ela agora, é uma pessoa que me vai marcar a vida toda... pelo talento que ela é!
CADERNO Título da Reportagem
Esteve recentemente em cena com Romeu e Julieta. Como foi este desafio com um dos mais icónicos textos de Shakespeare? Foi um projeto muito particular. Foi a primeira vez que eu trabalhei com o encenador João Mota, outro grande nome no nosso país e com uma linguagem diferente da do Carlos Avilez. Foi também a primeira vez que fiz uma peça naquela sala, a sala Carmen Dolores, no Teatro da Trindade. Foi o combinar de várias particularidades que tornaram esta peça especial. O próprio Shakespeare é especial. Estamos a falar da maior história de amor escrita e contada e acho que toda a gente tem uma ideia do que é o Romeu e Julieta, mesmo que não tenha visto a peça. Sabem que é o amor impossível entre dois adolescentes. Portanto, há a responsabilidade de lidar com a expetativa do público. Eu próprio tinha uma ideia pré-concebida antes de fazer o espetáculo. Mas foi um espetáculo muito, muito interessante!
“E por falar em espetadores, diria que há uma coisa que devo também aconselhar desde já: vão ver peças de teatro, vão ver cinema. Cultivem-se!”
O José vem do mundo do futebol. Passou ao lado de uma grande carreira futebolística ou encontrou uma grande carreira como ator? A vida foi escolhendo por si? (risos) Acho que sim. Mas como tem vivido esta fase de “menino bonito das novelas”? Como tem sido a experiência de conquistar um lugar como ator na televisão? A viagem pela televisão tem sido engraçada. Eu fiz a primeira novela quando estava a acabar o curso na Escola de Teatro de Cascais, em 2015. Ia fazer 18 anos. Tive logo a oportunidade de contracenar com o Diogo Infante e a Maria do Céu Guerra, em Jardins Proibidos. Eu sempre tive curiosidade pelo mundo da televisão. Não estou nada de acordo quando se diz que a televisão é menos digna ou é mais fácil que o teatro. Eu acho que o difícil é conseguir fazer bem as duas coisas. Já fiz várias novelas e o facto de, em tão pouco tempo, não ter parado de ter oportunidade de trabalhar em televisão – e com projetos que realmente me desafiaram – é uma coisa que me deixa contente e orgulhoso. Tenho tido personagens a crescer em termos de importância na história, em termos de protagonismo e, acima de tudo, fico feliz pela dificuldade que cada personagem me tem trazido. Já fiz personagens de eternos enamorados, mas também personagens que me levaram a procurar outro lado, um lado mais triste. Ter a oportunidade de construir personagens tão evoluídas psicologicamente em televisão é uma coisa que me deixa muito orgulhoso. Por isso, tenho visto esta evolução com bons olhos e espero que continuem a surgir projetos televisivos que me desafiem e que consiga fazer como fiz até agora: a par do teatro, completar-me com a televisão. A verdade é que o José se tem completado no teatro, na televisão, nos programas de entretenimento... Onde arranja
A FECHAR José Condessa
145
um jovem de 22 anos aprende a lidar com este crescente protagonismo? Eu acho que a exposição mediática é uma consequência do meu trabalho. O meu pai sempre disse uma frase que eu vou levar sempre para a minha vida pessoal e profissional: o sucesso só vem antes do trabalho no dicionário. Tudo o resto vem depois do trabalho. Eu espero – e acredito que é isto que está a acontecer – que este sucesso mediático tem surgido por gostarem do meu trabalho, por eu ter feito alguma coisa bem, por eu ter marcado as pessoas. Uma das coisas mais bonitas a meu ver é esperarem-me na porta depois de uma peça de teatro. Gosto de ouvir o que as pessoas têm para dizer, sempre. Mas, claro que há diferentes tipos de abordagem (risos). O lado mediático, na parte do assédio, faz parte. É no bom sentido. Eu próprio passei por isso, quando via os Morangos com Açúcar, que na minha geração era incontornável. Lembro-me de ficar fascinado quando encontrava alguém na rua. Acho que tenho o dever de não me esquecer da criança que eu era. Penso que a minha atitude é sempre uma influência e tenho de ter essa noção.
tempo para o resto, para a família e os amigos? A família e os amigos são importantes. Eu vivo muito do meu grupo familiar e dos meus amigos. Por exemplo, o meu descanso não passa por estar só em casa a dormir ou a ver televisão. O meu descanso é ir jogar à bola, é ir com os meus amigos ao cinema, é ficar num café a conversar sobre um filme... Eu acho que o meu descanso é um descanso ativo. Se bem que também sou muito fã de dormir até tarde quando posso (risos). Penso que o trabalho tem surgido de uma forma natural e tenho estado muito feliz com os programas como o Dança com as Estrelas, as novelas, o teatro. Tenho conseguido conciliar sempre o teatro e a televisão, o que significa ter um horário muito preenchido: começa de manhã com a novela e acaba à noite no teatro. O pouco tempo de descanso uso para estar com os meus amigos... e jogar à bola! Isso eu não consigo abdicar de fazer (risos). Hoje em dia, as redes sociais aproximam-no do público e o facto de viver uma fase importante a nível de visibilidade, seja através das novelas ou dos programas de entretenimento, faz crescer o nível de assédio dos fãs. Como é que
146
O José já teve também uma importante experiência no mundo do cinema, com o filme Gabriel. Interessa-lhe explorar mais este universo? Sem dúvida! Acho que o cinema é ainda mais intemporal do que qualquer outra coisa, seja teatro ou novela. Acho que o cinema é aquilo que vai perdurar sempre. E quanto melhor for, mais tempo vai ser lembrado. O filme Gabriel foi uma experiência muito positiva. Na altura, eu questionava se conseguiria fazer tudo ao mesmo tempo, porque estava com teatro, novela e cinema. Como ator, conseguiria fazer três personagens? Quando vi o resultado de Gabriel fiquei mesmo muito feliz, fiquei orgulhoso! Foi um projeto que foi desgastante emocionalmente e fisicamente – porque a personagem era um lutador de boxe e, por isso, tinha de ter outras aptidões que eu ainda não tinha. E isso deu-me muito gozo! Enquanto ator, ter uma personagem que exija que eu trabalhe um lado psicológico ou físico, é ótimo! Espero ter oportunidade de continuar a trabalhar em cinema. Se tudo correr bem, vou fazer um filme ainda este ano com o Sérgio Graciano, que eu acho que é um dos grandes realizadores portugueses. Gostaríamos de pedir-lhe uma mensagem para os jovens que o acompanham e que anseiam por uma carreira no mundo da representação. Qual é o seu principal conselho? Hoje em dia, há muitas promessas de nadas. Infelizmente, cruzo-me com pessoas que estão envolvidas com agências e que não vão a lado nenhum porque aquilo não é ser ator. Infelizmente, os valores estão um pouco trocados.
A FECHAR José Condessa
Aos mais jovens, e tendo em conta o meu percurso, o meu principal conselho é, se tiverem oportunidade, começar por fazer teatro amador. Acho que isso é uma base que vai servir para a vida. Porque o teatro amador ensina-nos coisas que não ensinam nas escolas. É um complemento! Depois, a formação é o mais importante numa carreira. É isso que vai fazer distinguir aqueles que vão ter oportunidade de trabalhar e aqueles que não. O talento é muito importante, sim, mas o que faz mesmo a diferença é o trabalho! É a vontade de formação. Eu posso facilmente dizer que a Escola Profissional de Teatro de Cascais é uma das melhores do país, a par com a António Capelo, no Porto. Depois, o Conservatório Nacional, claro. Se tiverem a oportunidade de fazer esse percurso, não só vão ficar a conhecer bem a profissão e a História do teatro, como vão ser melhores pessoas. Porque estas escolas ensinam-nos a pensar, ensinam-nos a abrir horizontes e a ser bons espetadores... E por falar em espetadores, diria que há uma coisa que devo também aconselhar desde já: vão ver peças de teatro, vão ver cinema. Cultivem-se!
A FECHAR José Condessa
Vamos terminar esta entrevista com a típica pergunta de entrevista de emprego: onde se vê daqui a cinco ou dez anos? Quais são os seus principais anseios em termos de carreira? Eu tenho vontade de fazer muita coisa (risos). Acima de tudo, quero continuar a desafiar-me como ator. Tenho medo que, um dia, eu não me desafie. Acho que o meu maior medo é estar cómodo! Acho que um ator nunca deve estar cómodo. Deve estar sempre agitado, com vontade de fazer mais e melhor. E sonhar alto! Daqui a cinco ou dez anos, espero já ter pisado o Teatro Nacional, pelo menos! (risos) E espero ter oportunidade de concretizar alguns sonhos, como trabalhar lá fora e desenvolver um projeto que tenho pensado com uns amigos, que espero que ganhe força daqui a uns tempos: uma série! Mas podemos falar disto no futuro? (risos) Agradecimento: Tomés Caffé, o local onde foi realizada esta entrevista.
147
A FECHAR Imperdível
Um verão no Algarve... longe de multidões! VERÃO EM PORTUGAL É SINÓNIMO DE PRAIA E, NA LISTA DAS MELHORES PRAIAS NACIONAIS, O ALGARVE DISTINGUE-SE PELAS PAISAGENS, PELA TEMPERATURA E PELA DIVERSÃO. NO ENTANTO, O TÍPICO ALGARVE DE FESTAS INTERMINÁVEIS E PRAIAS LOTADAS NÃO AGRADA A TODA A GENTE. POR ISSO, DEIXAMOS-LHE AQUI ALGUMAS SUGESTÕES PARA EXPLORAR A REGIÃO ALGARVIA DE MODO MAIS CALMO... E SEM COLIDIR COM TANTAS MULTIDÕES.
Praia da Bordeira, Aljezur ©Paulo Valdivieso
Sapal de Castro Marim ©Vítor Oliveira
Castro Marim Pertence ao distrito de Faro e é uma vila reconhecida pelas suas salinas. Sim, porque Castro Marim fez parte de uma das principais rotas comerciais da Península Ibérica e do Mediterrâneo e o sal era a moeda de troca. Com as salinas como destaque a descobrir, assim como o Castelo de Castro Marim e o Forte de São Sebastião, esta vila é tranquila e perfeita para um retiro em família sem grande confusão. A Praia Verde e a Reserva Natural do Sapal de Castro Marim devem estar na sua lista de locais a visitar.
©Vítor Oliveira
Cacela Velha Se é fã de natureza e de tranquilidade, esta pitoresca vila no concelho de Vila Real de Santo António fica localizada em frente à Ria Formosa e ao mar, numa elevação arenítica que permite ter uma das mais belas vistas do sotavento algarvio. Com vestígios arquitetónicos dos romanos fenícios e árabes, esta aldeia tem na Praia da Fábrica um dos ex-libris. De uma beleza selvagem, esta praia já foi considerada como uma das 15 melhores do mundo pela revista Condé Nast Traveler.
Praia de Alvor ©Javi
Alvor É uma vila encantadora em Portimão, com raízes mouras. O próprio nome mantém a semelhança com o seu antigo nome mouro: Al-Bûr. Casa de pescadores, este destino é conhecido pelas ruas estreitas, pela tradicional arquitetura algarvia e pelo Ria de Alvor, considerada uma das maiores belezas naturais de Portugal. A nível de praias, tem mesmo de explorar a Praia dos Três Irmãos, a Praia de Alvor, a Praia João de Arens ou a Praia do Vau.
A FECHAR Imperdível
149
A FECHAR Fora do papel
Continue a ler...
BMW SÉRIE 3 Conduzir tecnologia
GHOME Uma marca portuguesa de consumo responsável
MANUEL OLIVEIRA Entre, o disco a solo e ao vivo de Manuel de Oliveira
SABORES Cocktails com sabor a Lisboa
ALINE FRAZÃO Uma chuva de silêncios cómodos
CADERNO TÃtulo da Reportagem
151
152
CADERNO TÃtulo da Reportagem