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Precisamos “desmodernizar” a fotografia atual para sobreviver. Fotógrafo Fernando

Acompanho o movimento fotográfico há muitos anos, posso afirmar que poucos ramos das artes ou mesmo do comércio souberam seguir em frente apesar de tantas mudanças. Porém, há algum tempo, eu tenho percebido um contra movimento quando pensamos no avanço tecnológico da foto. Parece que um grupo cada vez mais numeroso começou a não achar tanta graça nos incríveis avanços que alcançamos no digital nos últimos anos. Os analógicos ou as pessoas que estão redescobrindo no filme fotográfico o consideram uma maneira mais autêntica de ver o mundo. Lembrei dos meus tempos de estudante de história, com a globalização aconteceu algo parecido, movimentos de cunho regionalista cresceram face a ideia de uma cultura globalizada. Enfim, um movimento de resistência frente ao impressionante avanço da fotografia digital, cada vez mais na palma das nossas mãos, com um espírito da fantasia, não retratando mais a realidade, mas sim um sonho. Talvez o analógico seja o caminho para não perdermos o contato com o real. Sem filtros ou efeitos. No início do mês de maio, tive a oportunidade de participar do Festival de Arte Analógica em São Paulo, no UNIBES Cultural. Durante três dias exibi

Talask

minhas câmeras analógicas e tive o privilégio de conviver com milhares de pessoas que atenderam à convocação e participaram das palestras workshops e exposições. Fiquei muito feliz em perceber que a maioria dos participantes era muito jovem e profundos conhecedores de fotografia. Sabiam sobre processos de câmeras, filmes e sobretudo alternativas para o cada vez mais escasso mercado de fotossensíveis. O evento me fez voltar no tempo quando há 10 anos, na época do projeto Kombinação, um museu itinerante da fotografia, recebi um convite para participar de um festival bastante parecido com o que ocorreu em São Paulo. Naquela época ainda havia um fornecimento quase normal de material, porém o público não era nem um terço do que encontrei em maio. Como entender que apesar das maiores dificuldades como falta de produtos e preços muito mais altos o analógico continua e atrai ainda mais gente?

A venda de câmeras e filmes foi pelo menos cinco vezes maior que há dez anos, o que isso quer dizer? Para mim, um empresário do ramo, é um verdadeiro contrassenso, porém é o que está acontecendo. Durante o festival fui fotografado por uma câmera lambe lambe do incrível professor Edison Angeloni. Ele fez um sucesso enorme mostrando o processo do início ao fim.

Cada participante admirava o resultado da mesma maneira que eu me impressionava quando as imagens começavam a aparecer na banheira do revelador dentro da câmara escura.

Percebi que a mágica não perdeu seu encanto e que as dificuldades têm servido para uma maior valorização da imagem final. Muitas pessoas vivem se perguntando qual é o caminho da fotografia: os cursos vão persistir no modelo antigo de aprender a fotografar? Claro que não , o módulo remoto veio para ficar mas, olha que legal podemos ensinar fotografia para praticamente todo o mundo , a distancia deixou de ser um problema.

Pelo que observei, o movimento fotográfico tem tudo para continuar por muito mais tempo, porém com um modelo muito próprio criado por essa nova geração. Ela admira tudo que pode ser prazeroso e sobretudo divertido. Uma tribo tão variada procura basicamente romper as barreiras dos espaços dedicados a exposições, e mergulhar de cabeça nas experimentações, nas exibições em praças, passeios, tudo isso com um motivo básico que é a interação e a troca de experiências. A felicidade do encontro com cada amigo virtual que a pandemia nos negou a encontrar pessoalmente, era emocionante. O isolamento, obviamente, colaborou para a força do movimento, diferente da minha geração que considerava cada nova técnica um segredo profissional, essa galera acha a maior graça na troca de informações e acreditam que só assim a fotografia vai ser mais democrática e atraente, para um número cada vez maior de participantes. Desmodernizar, será o caminho? Eu acredito que sim. Acompanhei os avanços digitais desde as primeiras câmeras e máquinas de revelação, vibrei a cada nova edição do photoshop.

Hoje percebo que fomos longe demais e muito rapidamente, muitos dos meus amigos e amigas que publicam suas fotos nas redes sociais, quando os vejo pessoalmente não consigo identificar a mesma pessoa da foto, ainda mais os da minha faixa etária. Visitar uma exposição de fotografias coloridas em qualquer galeria chega a doer os olhos de tanta saturação. No começo até achava bonito, mas acredito que estamos exagerando na maquiagem e esquecendo o fundamental - fotografia é feita de luz e nada mais bonito que ter o controle sob essa luz, para isso vamos ter que aprender a desmodernizar. Para completar, eu tenho percebido outro fenômeno que diferencia muito o mundo fotográfico que eu nasci, para o que vivemos hoje. A nossa incapacidade de parar por mais de 15 segundos para admirar uma imagem. Os olhos correm nas telas dos celulares, e em poucos instantes o observador já está cansado. A falta de reflexão do digital é um mal que precisamos resistir para criar uma relevância nas nossas produções. O analógico possibilita isso quando impresso. Percebi esse fato na exposição da galera do rolê analógico, na galeria da UFF. A turma conseguiu fazer algo incrível: levar a arte da película para a galeria, trazendo junto a reflexão. Foi muito bom ver jovens artistas expondo trabalhos monocromáticos, de grande qualidade e fazendo com que o visitante parasse para admirar por vários minutos cada canto da exposição. Acredito que uma previsão do futuro tem muito a ver com o que vivemos no presente.

Visto tudo isso, posso afirmar que vamos queimar muito filmes juntos, por bastante tempo e nos divertirmos muito com isso. Afinal, a alegria e a satisfação são as únicas forças que fazem com que qualquer atividade prossiga, e a fotografia tem conseguido isso por quase dois séculos.

Vamos em frente! Porque atrás vem gente trazendo cada vez mais desafios e oportunidades.

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