Revista 440Hz - Edição 6

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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

FERNANDA PORTO AS FACETAS DE UMA ARTISTA

O IMPÉRIO CONTRA-ATACA

SE PREPARE PARA A NOVA INVASÃO BRITÂNICA



SUMÁRIO 08 NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS 20 RACHEL REIS de Feira de Santana para você

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22 JULIE NEFF e seu pop libertador 24 COLUNA BATERAS BEAT 28 PROJECT K-PAZ música espontânea 32 ARTES QUE CONVERSAM 38 GIL / KERMIT um produtor em ascenção 40 UMA ÁRVORE DA MÚSICA BRASILEIRA um pouco sobre a publicação do SESC que explica um pouco de nós 44 FERNANDA PORTO a volta por cima 48 ROGÊ E SEU JORGE a beleza da imperfeição

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52 A NOVA INVASÃO BRITÂNICA o rock contraataca 60 O INSTITUTO ENTREVISTA 62 ZEZINHO E A EXPLEND uma homenagem 68 O dinossauro Erico Malagoli imagina a guitarra do futuro

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LEGENDA CLIQUE PARA ACESSAR vídeos incorporados à revista CLIQUE PARA ACESSAR o link indicado


EDITORIAL PRECISAMOS FALAR QUE OS SHOWS ESTÃO FAZENDO FALTA PARA TODOS Palavras como liberdade, verdade e autenticidade têm significados fortes. Em tempos de flertes autoritários, fakenews e agressão por anônimos é interessante como essas palavras voltam a se ressaltar entre os artistas. Cada artista que participou desta edição levantou uma dessas palavras, quando não todas. O caminho da música (e da arte), que encontramos ao longo dessa edição, se afasta da emulação pretenciosa e da prestigitação para parecer o que ou quem não é. Nesse sentido, são artistas radicais, no sentido mais puro da palavra, ou seja, ligados às raízes da música. Os assuntos aqui tratados assim se dispuseram de forma orgânica, tendo a maioria deles chegado até nós entre uma conversa e outra e se revelando conforme eles se relacionavam.Pelo menos foi assim em nossa experiência, de quem tem a visão do todo da publicação. Também noto que começa, a partir deste número, a tendência de alguns artistas voltarem às nossas páginas e isso mostra quais talentos ultrapassam o desafio de ser mero fenômeno. Isso também se reafirma a partir do programa de rádio que passamos a produzir e apresentar na rádio AntenAZero, todas as segundas-feiras na faixa do meio-dia. Por fim, fica um agradecimento especial a Kleber K.Shima. Foi pela intervenção dele que pudemos publicar a homenagem ao Zezinho, fundador da Explend Amps, nos dando a oportunidade de retribuir a generosidade que recebemos quando começamos a Revista 440hz. Fernando de Freitas

440 Hz

Edição 6 - Agosto 2020 Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Matheus Medeiros Foto da Capa: Divulgação

Foto: Arquivo Pessoal

A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

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Caixa Postal 74439 São Paulo, SP CEP: 01531-970 contato@revista440hz.com.br


LEIA A 440Hz

440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

PLEBE RUDE

Abrimos todos os segredos e testamos as novidades do

GALPÃO MALAGOLI

ENCENANDO A HISTÓRIA DA HUMANIDADE

ANTONIO NÓBREGA

RIMA, embolada e indignação

Todas as edições disponíveis em nosso site gratuitamente www.revista440hz.com.br




NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

ARTISTAS INDEPENDENTES NO RADAR BALACLAVA Saiba mais em: https://forms.gle/S6v9sjWumWFfCBAV8

ADOTE O ARTISTA

Com o impacto que a pandemia, muitos artistas precisaram se reinventar. Os cantores e compositores Paulo Neto e Zé Ed criaram a Adote o Artista. Numa forma de se comunicarem diretamente com o público, a Adote nasce de uma live pessoal - um telegrama musical ou pocket show, fazem chamadas de vídeo e levam o recado de afeto dos contratantes em forma de música até quem se deseja estar perto. Quer conhecer? Vai lá: @adoteoartista

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Fotos: Divulgação

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projeto da Balaclava Records consiste no lançamento de uma faixa ou single, com distribuição pelo selo paulistano em todas as plataformas digitais. A iniciativa visa dar visibilidade a nomes que não são assinados a selos ou gravadoras e buscam impulsionar seus lançamentos, mas nem sempre têm a oportunidade ou meios de alcançar grande público. “Temos recebido um número muito alto de álbuns e faixas para avaliação e não conseguimos absorver toda essa demanda ou lançar tudo que gostaríamos, por isso criamos o radar”, comentam os sócios e cofundadores do selo Fernando Dotta e Rafael Farah. Para submeter seu material, basta preencher o formulário oficial


CARAVANA COM NOVA ROUPAGEM O coletivo Som em Vento reinterpretou a clássica canção Caravana com a participação especial do autor da música Geraldo Azevedo. O vídeo, que foi produzido de forma independente, teve figurino todo cedido pela marca carioca Handred, de André Namitala, e tem seis instrumentos de sopros por Diogo Costa.

ISABELA MORAES APRESENTA: DO CONTRA O recém lançado Estamos Vivos, primeiro álbum de alcance nacional da cantora e compositora Isabela Moraes, traz um repertório de 11 músicas inteiramente compostas por ela. Uma delas, a deliciosa “Do Contra”, acaba de ganhar seu videoclipe. Para participar do vídeo, Isabela chamou apenas mulheres. “Convidei mulheres fortes para serem vozes e forças minhas. Podem ser meus muitos eus mas podem também ser a representação de todo o poder feminino contido em cada uma de nós”, completa. Entre as convidadas estão as cantoras Bruna Caram, Gabi da Pele Preta, Agda Moura e Luiza Fittipaldi. Também participam do clipe as atrizes Ingrid Gaigher, Gheuza Sena Ceronha Pontes e Sophia Williams e a bailarina Lili Rocha. A direção ficou a cargo da própria Isabela Moraes em parceria com André Brasileiro.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

ELZA SOARES

SENTIMENTOS NA PANDEMIA

E SEU JUÍZO FINAL

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Fotos: Pedro Loureiro / Divulgação

heia de projetos e em plena atividade durante a temporada de comemoração dos seus 90 anos, Elza Soares lança o clipe de seu mais recente single “Juízo Final” (Deck). Totalmente feito com animações, já está disponível no YouTube. O clipe, dirigido e idealizado por Pedro Hansen, reforça essa ideia, através de uma narrativa futurista na qual a heroína Onda Negra combate um inimigo baseado numa Brasília situada em meio ao deserto.

Para entender esse ponto e outras mudanças comportamentais que estão ocorrendo durante o isolamento, a Deezer ouviu 11 mil pessoas ao redor do mundo, entre eles 2.000 brasileiros. Entre os Millennials, 42,4% afirmaram estar ansiosos. Na Geração Z, esse índice é de 37,2%, e de 43,8% para os Baby Boomers. Curiosamente, esses últimos também são os mais otimistas, com 24% das respostas. De todas, a Geração Z é que se sente mais deprimida, com 12,6% relatando o sentimento – nesta categoria, Millennials e Baby Boomers têm respectivamente 8,2% e 7% das respostas. Os conteúdos relacionados a bem-estar não são os únicos aliados dos brasileiros neste período. Para a maioria dos participantes, a música também é ouvida como uma forma de ajudar a melhorar o humor. Em se tratando do período das músicas mais ouvidas durante a quarentena, a geração Z (71,5%) e os Millennials (60,12%) preferem os hits de 2020, enquanto os Baby Boomers (67,8%) dão preferência às faixas da década de 1980. A pesquisa foi realizada em abril de 2020, com 11.000 pessoas no Brasil, França, Alemanha, Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, EUA e Reino Unido.

EDITAL NATURA MUSICAL CONFIRMADO

As inscrições devem ser abertas em breve, com foco em artistas, bandas e projetos de fomento à cena que já atuam profissionalmente no mercado da música. O edital receberá projetos em âmbito nacional e seleções regionais. Para que seja possível neste ano maluco, o Edital Natura Musical 2020 está passando por uma revisão. “A cultura é um vetor de transformação e, com a crise gerada pela pandemia causada pelo novo coronavírus, se tornou um grande desafio para todos nós. Por isso, ao olhar o edital deste ano, o contexto de Brasil, o contexto das demandas que estão surgindo neste momento para a indústria cultural e para a economia criativa da música, foi preciso nos provocar e repensar alguns pontos para mantermos a relevância do nosso edital”, explica Fernanda Paiva, Head of Global Cultural Branding.

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NOVO DISCO DA LADAMA

LUCAS ADON TEM NOVIDADES

Fotos: @yaninamayphotography / Divulgação

O coletivo, sediado na América do Sul e nos Estados Unidos, lança um chamado urgente para mulheres em todo o mundo com seu eletrizante segundo álbum de estúdio, OYE MUJER (Six Degrees Records). Neste novo trabalho, o grupo canaliza a força da mulher diante de crises globais, destruição ambiental sem precedentes e políticas de imigração injustas. LADAMA é formado por Mafer Bandola (voz/bandola llanera - Venezuela), Lara Klaus (voz/bateria e percussão Brasil), Daniela Serna (voz/tambor alegre - Colômbia), e Sara Lucas (voz/guitarra - EUA). Juntas, elas usam a música como ferramenta de transformação social e empoderamento de mulheres e jovens e atuam socialmente em comunidades por meio de apresentações ao vivo, residências e oficinas para todas as idades.

“Do Luto à Luta” é o álbum que chega agora, dividido em duas partes. Na primeira, a grande perda faz com que o cantor viva, faixa a faixa, as fases do luto. Na segunda, ele se reergue e vai à luta por transformações. Formado em psicologia, Lucas Adon sempre atuou junto aos Direitos Humanos e a pessoas em situação de rua. A profissão acaba servindo como inspiração e a música pulsa no sangue desde muito cedo, já que seu pai é ex-baixista da cantora Angela Maria, além de ter feito parte do time do antigo Bambalalão – programa infantil da TV Cultura – e ter criado, em seguida, a Rádio Balangandan, também com foco nas crianças. Hoje, é ele quem acompanha o filho no baixo. Juntos, já fizeram também teatro infantil, que ficou em cartaz nos teatros e SESCs paulistanos.

O cantor e compositor Marco Vilane lança o single “O Que Não Vai Faltar É Abraço”, parceria com Alex Sant’anna. A produção musical é assinada por Vilane e Webster Santos. Realizada durante a quarentena, devido à pandemia do novo coronavírus, a gravação reúne mais de 40 artistas. São 29 vozes de nomes da cena musical contemporânea e 10 instrumentistas, além de técnicos profissionais. “A ideia da produção coletiva veio a seguir, como um abraço maior, uma corrente, uma grande roda. E a adesão dos artistas convidados foi praticamente unânime”

Fotos: Marcos Vilani / Divulgação

NÃO VAI FALTAR ABRAÇO

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

Fotos: Adriana Aranha Divulgação

PRIMAVERA NOS DENTES

ARNALDO BAPTISTA

INICIA A CELEBRAÇÃO DE SEU ANIVERSÁRIO

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rnaldo Baptista inicia celebração de seu aniversário Fãs, amigos e músicos enviaram mais de cem vídeos com versões de sua obra solo pós-“Loki?”, para celebrarem, juntos, seu aniversário na “Homenagem Arnaldo Baptista 7.2”. Os vídeos foram publicados diariamente, durante todo o mês de julho, no canal oficial do Youtube e nas mídias sociais do multinstrumentista, compositor, escritor e artista visual. A “Homenagem Arnaldo Baptista 7.2” tem o espírito de celebração, portanto não é uma competição, e os vídeos foram publicados aleatoriamente. John Ulhoa interpreta “To Burn Or Not To Burn”, do álbum Let It Bed (2004). “‘To Burn or Not to Burn’ é uma das minhas favoritas do Let It Bed, que tive a alegria de produzir. Me lembro do processo do Arnaldo na gravação, compondo camadas a partir do baixo. Fiquei com vontade de fazer algo parecido, mas usando SÓ o baixo. Experiência divertida, registrei e editei a brincadeira toda em vídeo, imaginando que o Arnaldo ia curtir a doideira. Tomara que sim! Viva Arnaldo!”, finaliza.

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Com o intuito de mergulhar no repertório da banda Secos & Molhados, Charles Gavin montou em 2017 o projeto Primavera nos Dentes, que além dele na bateria contava com Paulo Rafael (guitarra), Duda Brack (vocal), Pedro Coelho (baixo) e Felipe Ventura (violino e guitarra). A ideia era estudar, recriar arranjos, enfim, se aprofundar no universo do Secos & Molhados experimentando outros olhares. Com o convite de Rafael Ramos, eles gravaram algumas canções e lançaram, pela Deck, o álbum homônimo com 11 faixas. Hoje a banda lança, nos aplicativos de música, a versão deluxe do projeto com duas faixas bônus; “Amor” (do primeiro álbum do Secos & Molhados) e “Flores Astrais” (do álbum de 1974). “A sonoridade e os arranjos se distanciaram bastante dos originais, diria que cada versão que fizemos tem a assinatura de cada um de nós”, comenta Gavin. “Primavera nos Dentes” traz uma seleção de músicas escolhidas a dedo dentre as 26 canções que integram o repertório dos discos de 1973 e 1974 do grupo Secos & Molhados.


ESTUDE COM O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO O Theatro Municipal de São Paulo, ligado à Secretaria Municipal de Cultura, passa a disponibilizar na internet gravações solo em versões reduzidas para piano de peças muito emblemáticas do repertório sinfônico e importantes para a formação do músico, seja estudante ou profissional, independentemente do estágio da carreira. É o projeto Solistas Digitais. São 11 gravações de concertos standards, cada uma para um instrumento entre cordas, madeiras e metais, com a pianista da Orquestra Sinfônica Municipal Cecília Moita; uma seleção de obras de Mozart, Haydn, Hoffmeister, Dittersdorf e Ferdinand David que tradicionalmente são exigidas em provas e concursos e que agora podem ser baixadas de graça, no site do Theatro Municipal. O interessado ainda pode gravar sua versão tocando junto com a pianista da OSM. Confira: theatromunicipal.org.br

COMIDA PARA QUEM PRECISA MSTC e MST unem artistas para uma campanha de arrecadação para oferecer comida a população em situação de rua e vulnerabilidade ao longo desta pandemia. Daniela Mercury, Fabiula Nascimento, Débora Falabella, Tulipa Ruiz, João Gordo, Camila Pitanga e Daniel Ganjaman são alguns nomes envolvidos na campanha.

INSPIRAÇÃO EM ALTA A pandemia do coronavírus parou a indústria musical, com cancelamentos de shows e eventos, mas não parou a inspiração de quem mantém a música brasileira viva nas canções e nas obras audiovisuais. Dono de um dos maiores bancos de dados da América Latina no segmento musical, o Ecad constatou o aumento no número de seus arquivos musicais neste primeiro semestre de 2020. As obras musicais cadastradas passaram de 12,5 milhões para mais de 13,7 milhões. Outro segmento que também apresentou um crescimento este ano foi o de obras audiovisuais. O Ecad constatou que o número passou de 178 mil para 189 mil, com 11 mil novas obras cadastradas nestes seis primeiros meses.

PRECISA DE UMA FORÇA?

Com o objetivo de concluir trabalhos de novos artistas que foram impactados pela pandemia, a Umbilical, um pequeno selo focado nas mais variadas vertentes da música brasileira acaba de lançar uma campanha de financiamento coletivo. Os músicos perderam suas fontes de renda e a produções dos álbuns foram interrompidas. O valor arrecadado ajudará não só os artistas como também os demais prestadores de serviço envolvidos. Líbero Dietrich, Anderson Quevedo Trio, Vítor Arantes Quarteto e Fran Nóbrega são os músicos que fazem parte do casting inicial do selo. A campanha vai até o dia 22 de setembro. Para doar: https://www.catarse.me/umbilical2020

VOLUPZ LANÇA PRIMEIRO SINGLE

Letz, Suzan e Rikki, as Volupz, acabam de lançar “Se Sinta Bem”, single de lançamento do trio, disponível nas principais plataformas. Os temas da liberdade feminina e do amorpróprio permeiam toda a canção, cheia de batidas pop, e que tem tudo para virar um hino. O videoclipe da faixa, lançado simultaneamente, foi gravado no início da pandemia e conta com participações mais que especiais de nomes como IZA, Tiago Abravanel e Evelyn Castro. O primeiro álbum das Volupz, com lançamento projetado para 2021, deve contar com outras canções diretas, cheias de opinião e que tocam em assuntos relevantes para a sociedade contemporânea e para a mulher.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS CAMPANHA DO PIT PARA A GRAXA ARRECADA O DOBRO DO ESPERADO

INÉDITAS DE

A ação solidária “Do Pit pra Graxa”, idealizada pela fotógrafa Camila Cara, realizada em parceria com os colegas Mayara Giacomini, Bárbara Martins e Ale Frata, arrecadou o valor bruto de R$ 4.512,00 (quatro mil, quinhentos e doze reais), mais que o dobro da meta inicial prevista por seus idealizadores. A ação contou com a participação colaborativa de 69 fotógrafos de show, que cederam suas fotos de forma gratuita e voluntária para o projeto. O total das doações serão destinados às famílias de carregadores, produtores e profissionais de limpeza, carinhosamente conhecidos como “graxa”, que trabalham principalmente nos bastidores de grandes eventos e neste momento, por conta da pandemia, estão sem previsão de retorno ao trabalho.

ADONIRAN

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Fotos: Coagula Divulgação

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marca de cervejas Eisenbahn pretende lançar 11 canções inéditas de Adoniran Barbosa. O projeto é uma homenagem ao ícone da música brasileira que completaria 11 décadas neste ano, caso estivesse vivo. As faixas serão lançadas no Spotify e artistas de peso integram este projeto como: Elza Soares, Zeca Baleiro e Di Mello. Além deles, artistas em ascensão como a banda Francisco El Hombre, Jo.pê e Bruna Black, Zé Ibarra, Rubel, Barro, Luê, Amanda Pacífico e Illy também cantarão as músicas de Adoniran. Este projeto, além de um tributo ao compositor é uma forma de destacar a importância da beleza dos processos. “Queremos reforçar este posicionamento pois é assim que produzimos nossas cervejas, pensando em cada detalhe para garantir a qualidade artesanal dos nossos produtos”, explica a gerente de marketing da marca, Karina Pugliesi.


As raízes da Soul Music, do Funk e do R&B: esse é o norte da Dinamite Combo, banda que vem colocando a noite de Curitiba para dançar. Depois do clipe da faixa de Blow Thy Horns, lançado no ano passado, é a vez de Raise Your Head, segundo clipe do sexteto, que também acaba de chegar às plataformas digitais. Gravada em Curitiba, no estúdio Casa do Fundo, em Agosto do ano passado e com influências que vão de Nina Simone, Sharon Jones, Marvin Gaye, Gil-Scott Heron, Charles Bradley, Lee Fields, James Brown e Aretha Franklin, Raise Your Head vem para ser mais uma voz na luta contra o ódio. “O avanço é retrógrado. Dia após dia questões básicas, como o respeito, são postas à prova perante a população carente daquilo que deveria ser o básico do ser humano: o amor”. Rodado como plano-sequência, o vídeo expressa a resiliência proposta pela banda, através do protesto cantado, uma ideia-luz de que, no fim do túnel, todos devem levantar as cabeças para gritarem juntos contra o sopro do ódio instalado de forma covarde no país.

Após estrear com a canção solar “Seguir a vida”, o duo pernambucano Babi Jaques e Lasserre que saiu de Recife para o mundo, reaparece pela sombra, acompanhado pela jovem cantora Sofia Freire. Com uma misteriosa introdução e um atmosfera lunar, a melancólica música “Cão guia”, transporta esse casal para um ambiente noturno e urbano. Com influências que passeiam entre Massive Attack e Céu, o single é um bolero misterioso, alicerçado por beats, com influências do brega recifense e da música latina.

Fotos: Patrícia Soransso Divulgação

MANIFESTO CONTRA O ÓDIO

DO RECIFE PARA O MUNDO

MEMÓRIA ANCESTRAL Com mais de 18 anos na música e uma extensa carreira como crooner, Roseane Santos é uma das vozes mais marcantes do cenário cultural curitibano. A artista, que esteve ao lado de nomes como Nelson Sargento, Zé da Velha, D. Ivone Lara, Walter Alfaiate, D. Lia de Itamaracá, acaba de lançar Fronteiriça. “Das palavras que eu quero e consigo dizer agora. Lançar esse trabalho é mostrar ao mundo um cruzamento de regiões da minha existência. Anos de pesquisa entre a música tradicional e a canção contemporânea estão revelados ali. O disco tem um pouco de cada coisa que fiz: busca justamente trazer o que tenho de repertório. A ruptura, aqui, está em me assumir compositora”, completa.

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BARRO INOVA NA FORMA

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odos já se sentiram presos em um personagem. É aquilo que as pessoas esperam de nós, seja nossa reação, nosso trabalho ou mesmo nossas relações. O novo clipe do artista pernambucano Barro, “Antimusa”, explora este papel através de uma personagem feminina que entre luzes e sombras tenta se livrar do que lhe foi designado pela sociedade. “Quando Barro me chamou pra fazer esse projeto eu passei a escutar incessantemente a música e tentar sentir o que ela me dizia. No clipe, resolvi mostrar que esse encontro pode ser um encontro consigo mesma se autodescobrindo. Abordar o tema de autoconhecimento e libertação dos estereótipos”, conta a diretora, criadora e protagonista do clipe Rafaela Amorim, da Braba. O clipe foi propositalmente gravado na vertical para ser visto especialmente em celulares. “Antimusa” é a sétima faixa do álbum “Somos” lançado em setembro de 2018 e trata de uma personagem feminina, mas que acaba explorando com uma abrangência maior as conexões humanas.

BATALHA DE VERSOS VAI REVELAR NOVOS TALENTOS DO RAP As plataformas Fluve e TuneTraders uniram seus modelos de negócios em uma ação inédita a fim de descobrir novos talentos na cena do rap nacional e investir em suas carreiras. Uma batalha de versos para artistas independentes vai premiar os cinco novos talentos do rap nacional. O prêmio inclui um pacote completo de investimentos para produção, lançamento, execução e rentabilidade de uma faixa, através de crowdfunding de capital artístico, distribuição digital e campanha de mídia online. As inscrições para a batalha de versos deverão ser realizadas no site da TuneTraders entre os dias 20 e 31 de julho. Para participar, o artista deve possuir uma página oficial no Instagram e já ter lançado pelo menos uma faixa nas plataformas digitais.

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Fotos:Rafaela Amorim/Braba

NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS


SAI DESSA!

POESIA DE GÁ SETÚBAL O cantor e compositor Ga Setúbal, que foi integrante da banda Pitanga em Pé de Amora e agora assume carreira solo, estreia seu novo clipe, “Monolito”. A música é seu lançamento mais recente e faz parte de seu próximo álbum, “VIA”, com previsão para o mês de outubro de 2020. No clipe, Ga envolve o ouvinte numa atmosfera permeada pela organicidade pop típica da MPB, reflexos de inspirações base da sonoridade do artista, como os clássicos Gal Costa, Djavan, Gilberto Gil e Caetano Veloso, e novos nomes como Luiza Lian - que participa de “VIA” com a faixa Volúpia. “O clipe pela necessidade de criar conteúdo durante a pandemia. Conversei com Deco [Farkas] e ele sugeriu a estética de animação e rotoscopia (técnica de pintura em cima de imagens, utilizada no clipe), pois dava pra gravar com celular em casa e nos adequar à situação”, comenta.

O ÁLBUM DE GABRIEL EDÉ

Músico e compositor chileno-brasileiro, Gabriel Edé acaba de lançar o seu primeiro álbum solo, intitulado Terror da terra, pelo selo independente TUDOS, distribuído pela Tratore. Terror da terra é um trabalho em que Gabriel Edé apresenta canções autorais “sobre profecias em tampas de bueiro, bezerros pródigos, boleros da quebrada chilena, meteoritos mentais, cosmogonias pessoais, o sol dos loucos, a desincorporação da realidade, o ritmo das paixões, a fluidez material da alma, as flutuações plásticas da matéria e o vampirismo nosso de cada dia. Gravado durante dois anos no estúdio Lebuá, em São Paulo, com produção de Gabriel Edé e coprodução de Ivan Gomes, produtor e multi instrumentista que esteve presente em obras como Folhuda, de Juliana Perdigão.

FotosHelena Wolfensono Divulgação

Aos 23 anos, Kikito já conquistou um bom lugar entre os destaques mais recentes da frutífera música paraense. Nascido em Belém, o guitarrista e compositor ganhou destaque com o primeiro álbum, que mostrou que a proposta de reunir a timbragem retrô de sua guitarra com a intervenção de sintetizadores e batidas eletrônicas. Neste novo single, ele colabora novamente com Malu Guedelha, que também participou em “Retina”, seu último álbum. O single é acompanhado de um lyric vídeo feito com animações, cuja produção completa é assinada pelo próprio paraense, que já está disponível no YouTube.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

Fotos: Filipa Auréçio Divulgação

WME CONFERENCE

O mesmo conteúdo, só que repensado. Essa é a prerrogativa da WME Conference RMX, que está confirmada para os dias 18, 19 e 20 de setembro em São Paulo, com transmissão ao vivo por streaming para os quatro cantos do planeta. Desde 2017, a WME Conference acontece anualmente como o braço da plataforma Women’s Music Event. Este ano, o evento, que acontece anualmente em março, foi repaginado e repensado diante dos desafios apresentados pela pandemia do Covid-19, e se materializa num evento com capacidade de atingir a um público maior e descentralizado. O WME contará com shows, painéis, oficinas, cerca de 70 mulheres da indústria e artistas como Céu, Daniela Mercury, Xênia França e As Bahias e a Cozinha Mineira. A madrinha da edição 2020 também segue a mesma: a cantora e empresária Daniela Mercury, que participa da sua casa em Salvador. As datas dos shows e cronograma dos conteúdos serão divulgados em breve.

ANNÁ E SEU

COLAR

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amba, funk, punk, rock, tango e forró são alguns dos gêneros pelos quais Anná passeia. A essa mistura ela chama Música de Colagem. Com participação do bloco Ilú Obá de Min, do pianista Salomão Soares e do clarinetista Alexandre Ribeiro, Anná lança seu primeiro disco cheio Colar. São onze faixas, todas compostas por ela e produzidas por Renato Enoki, que evidenciam sua liberdade artística e potência vocal. Diferente de Pesada, seu EP lançado em 2017, este trabalho vem ainda mais confessional, passeando por questões íntimas da vida adulta, vulnerabilidades e questionamentos, sem abandonar o humor característico da musicista. O primeiro single lançado foi “Sobre Rosa”, música que conta com a participação de Ilú Obá de Min. A faixa foi lançada junto a um clipe assista aqui.

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A TRUPE POLIGODÉLICA

O primeiro disco da banda chegou às plataformas digitais tão logo iniciou a pandemia. Direto do Vale do São Francisco, mais especificamente: Juazeiro-BA e Petrolina-PE, nasce o trabalho da banda A Trupe Poligodélica, intitulado “A Transmutação do Eco em Lenda”. Com uma base fundamentada no rock progressivo e psicodélico, composto de ritmos e sonoridade variadas, que passam pelo Blues, Baião, Samba, Ciranda, São Gonçalo, Afoxé, Afrobeat, Brega, Valsa, entre outros. O disco é o sexto lançamento do selo Bosque Coletivo. O disco é composto por nove faixas com letras escritas por Fatel e arranjadas pelo grupo, que juntos transformam todas essas referências rítmicas, sonoras e poéticas em uma mensagem sólida e consistente.


WHIPALLAS DÃO OI

ALUMIOU EM SALVADOR O músico e ator Alan Rocha aproveitou a estada em Salvador, onde estava com o musical A Cor Púrpura, para gravar o seu novo videoclipe. Alumiou foi produzido com um elenco exclusivamente negro. “Foi um dia de trabalho feliz. Estar com uma equipe e um elenco 100% preto, uma música que traz como tema a negritude e ter Salvador como cenário era a combinação mais que perfeita’, conta. O clipe foi gravado no último fim de semana antes da pandemia. “Esse clipe vem num momento muito especial, principalmente por conta de tanta discussão e luta dos direitos iguais do povo preto no Brasil, que ainda sofre tanto racismo. Fazer um clipe lindo e de qualidade com essa equipe é mostrar que estamos aqui e temos profissionais capacitados para fazer cinema, TV, publicidade, seja na direção, no roteiro, na fotografia, no elenco e em outros setores. O clipe Alumiou traz alegria, afeto, com cores e com pretos e pretas se amando”, finaliza..

Fotos:so Divulgação

O grupo Whipallas lança “Hi, Everyone”, primeiro álbum cheio do quarteto, que já está disponível nas plataformas digitais. O lançamento, após os EPs de 2016 e 2018, vem na esteira dos dois singles que esquentaram a chegada do trabalho, o homônimo “Hi, Everyone” e “Like a Birth”, e se somam a “Let’s Do It”. Com levada indie-rock, o disco traz 10 canções com letras em inglês, marca do grupo, embaladas por uma sonoridade dançante e vibrante, e compostas em conjunto por Pedro Lenz (vocais e guitarra), Luis Antônio Rodrigues (guitarra e teclado), Jayme Monsanto (baixo) e André Coelho (bateria) ao longo de dois anos. “São tempos bem difíceis e complexos, mas fundamentais para a reflexão. E queremos que daí possa brotar muita atitude positiva para o mundo. Batizamos o disco com o título da música, ao mesmo tempo em que é um aceno da banda para público. No fim, o disco todo é uma mensagem de otimismo e atenção, sempre sob uma atmosfera solar”, comenta Lenz.

FELIPE SNIPES TEM NOVIDADE O pernambucano radicado nos Estados Unidos, Felipe Snipes, acaba de lançar o primeiro single do projeto F.Snipes, intitulado “Tudo no seu tempo”. Conhecido da cena punk/hardcore, Snipes foi integrante das bandas Porão GB e Bizouro Verde. Um pouco mais desacelerado, o novo trabalho do músico passeia pelo pop punk. “Bebo bastante da fonte do bubblegum, gênero que tem como referência bandas como o The Queers, Screeching Weasel, Lillingtons, entre outras. Além disso, o som sofre fortes influências de bandas como Rancid e Descendents”, conta. “Tudo no seu tempo” faz parte do EP “Sol”, produzido por Davi Pacote, com lançamento previsto para o final do mês..

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REVELAÇÃO

S I E R L E H C A R E D O Ã Ç U D A SE

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Por Fernando de Freitas


P

odia ser o roteiro de um filme de Hollywood. Todo filme é um recorte e esse terminaria com as canções de Rachel viralizando nas playlists de streaming. Mas como ele começa? Vamos ver... Rachel Reis, uma jovem de Feira de Santana, na Bahia, conversava todos os dias com um colega de trabalho. Era um emprego como qualquer outro e eles eram sonhadores que dividiam o horário de almoço. Ele contava das viagens que queria fazer e ela dos palcos em que queria subir. É um bom começo para um filme, que tem sua primeira virada: esse amigo adoece e, ao falecer, leva todos seus sonhos não realizados consigo. É então que Raquel toma coragem para perseguir seu sonho. Mas não é fácil, ela começa cantando em bares, recebe cachês pequenos ou mesmo apenas o “passa chapéu”. Mas Rachel Reis tem um sonho e junta seu dinheiro com muito sacrifício. O filme mostra o dia a dia desta luta para gravar suas primeiras músicas. Raquel viaja até Recife atrás de um produtor que lhe ofereceu um espaço, uma assessora do estúdio reconhece a música e se esforça para lançá-la da melhor forma possível. Mas aí o roteirista tem de escolher onde cortará o filme, antes ou depois da pandemia, pois foi ali que a música estourou.

Fotos: Divulgação / Luara Olívia

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A história de Rachel ainda será contada muitas vezes. É uma excelente história para uma artista que acaba de lançar dois singles deliciosos. Ao mesmo tempo em que as músicas lançadas, Sossego e Ventilador, são marcadas fortemente pelas raízes baianas da cantora, são hits automáticos, que possuem tudo de que qualquer música pop precisa. É muito fácil conectá-la às raízes a que pertence. A tradição de cantoras baianas com quem ela será comparada, como Daniela Mercury e Ivete Sangalo, é a referência direta e inevitável. Isso é colocá-la dentro de um contexto. Mas o que faz essas referências grandes é que elas se sustentam fora do contexto, ou seja, uma pessoa que não tem conhecimento nenhum do cenário e da música que se

faz ao redor delas, e que esteja aberto a ouvir, será capturado. Isso é música pop, isso é o melhor da música pop. Pense nos reis e rainhas. Pense em Elvis, Michael Jackson, Diana Ross, Madonna. Claro que existe aquele trabalho de produção impecável, mas pense bem, pense naquela música que te balança os quadris e transforma seu batimento cardíaco na própria música. Isso é música pop. Mas também existe aquele elemento sexual, que revela e esconde, num misto de inocência, descoberta e atrevimento. Billy Jean is not my lover / She’s just a girl who claims that I am the one. Papa don’t preach, I’m in trouble deep. We’re caught in a trap. I can’t go on, baby love, baby love. Não, não estou dizendo que Rachel é mais nova rainha do pop. Só estou dizendo que é limitante compará-la somente com seu contexto regional. Isso seria reduzi-la a fenômeno e valorizaria somente essas referências. Afinal, essa ou aquela artista baiana é tão importante que toda artista baiana estará sempre gravitando ao redor dela. A sensação é a de que Rachel Reis tem brilho próprio, pois encontrou a medida certa da alegria dançante, com letras que dizem muito do que queremos ou precisamos ouvir, com uma sutileza desconcertante. O amor e o desejo retratados nas letras de Rachel estão no plano da imaginação e do desejo. São canções que falam de um futuro que pode existir e que faz balançar as vontades e o que-

rer. São músicas que cutucam os sonhos que cada um já teve pela saudade ou numa relação platônica. Essa flecha que acerta o centro do querer é fulminante para uma música pop, pois faz a relação entre desejar, querer, sonhar e imaginar reverberar em cada pessoa que retoma a música quando reconhece esses sentimentos tão comuns. Também ajuda o fato de Rachel ser jovem. Aos 23 anos ela vem de cantar na noite e está próxima das questões das pessoas comuns. Ela não se diferencia do seu público pois seu palco ainda é próximo e as conversas não são filtradas ou evitadas. Seus temas não são etéreos. Por mais que representem desejos e sonhos, existe verdade e realidade nos seus objetivos. As músicas parecem ser realmente dirigidas a alguém e compostas para transformar em letra e música sentimentos reais e não o exercício de replicar uma fórmula e temas de como se faz uma canção pop. No fundo, o que Rachel tem são melhores ingredientes dessa receita, que até agora deu ótimos resultados. O ideal é que a compositora encontre quem produza, agencie e represente respeitando o que ela tem de melhor e mais verdadeiro, para que ela possa alçar voo entre as grandes e seja ela um parâmetro de comparação. E que se evite o risco de pasteurizar, enlatar, rotular, adequar ao mercado ou a um momento específico. Para ser única, Rachel pode ser aperfeiçoada, jamais readequada, pois ela já é e tem o que precisa para ser uma estrela.

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PRESTE ATENÇÃO

Por Fernando de Freitas

E D E D A D R E B I L A D Z O AV 22

F F E N E I JUL


Fotos: Divulgação / Valentina Caballero / Edith Valle

O

plano era simples: alugar um apartamento em São Paulo por alguns meses, usar a cidade como base para conhecer melhor o Brasil e fazer shows em algo próximo de uma turnê. O país não era um terreno totalmente desconhecido para a compositora e cantora Julie Neff, já era sua terceira incursão (teve que abandonar os planos de mais uma por problemas burocráticos) e ela já tinha alguns amigos brasileiros no mercado musical, entre eles os músicos do Far From Alaska, que foram sua banda de apoio em uma apresentação durante o SIM São Paulo. Porém (e sempre existe um porém), Julie se viu em uma situação imprevisível, a pandemia do Covid-19, logo após sua chegada. Em uma decisão muito difícil, ela abandonou seus planos e tomou um avião de volta para o Canadá, com receio de ficar sem cobertura do plano de saúde se permanecesse na capital paulista. Os laços, por outro lado, se mantêm, além do foco de Julie no mercado brasileiro, o que possibilitou uma entrevista que gravamos para rádio AntenaZero e que pode ser ouvida no Mixcloud.

LIBERTAÇÃO

Julie é uma dessas compositoras que os críticos teimam em classificar como inclassificáveis por não estarem dentro dos padrões mercadológicos, um fenômeno próprio da música pop dos

últimos anos, em que a riqueza de influências transcende os gêneros musicais e no âmbito do qual as compositoras mulheres têm tido mais facilidade em navegar por essas águas bravas, dando suavidade àquilo que é arredio. É um time seleto de talentos que confia em composições pungentes a encontrar nosso peito, mais do que recursos tecnológico e formas. Podemos citar (apenas como exemplo e deixando outras tantas de

fora) Florence Welch, Regina Spektor e Feist lá fora; Letrux, Lara Aufranc, Joana Knobbe e Papisa por aqui. O cantar de Julie tem um elemento de catarse da libertação. Poder de fazer à sua própria maneira, rompendo com as expectativas. Não é uma forma específica de cantar, ainda que os temas passem por esse caminho, mas a sensação de exasperação rompida em frases melódicas que trazem identificação e cumplicidade. Se a música é dançante, não se surpreenda em se pegar dançando na sala de casa, mas é também íntima. É aquela música que transforma qualquer pista de dança em uma festa entre amigos. É o contrário daqueles remix que te induzem ao anonimato da multidão. O single Over It tem um arranjo que te puxa, verso a verso, a querer mais, na expectativa dos limites de grilhões que estão se partindo. A linha de baixo logo no início te dá um impulso irresistível e faz com que a música movimente teu corpo, invencível. Ao final, você e a música se tornam um, implacáveis.

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COLUNA

Por Cris Lucas

. . . E U Q O T M U Á D

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Professor, quais os principais pontos devem ser levados em consideração pelo estudante que tem como objetivo ser professor de música? Os principais pontos para um futuro professor são: 1 - Lembrar da responsabilidade da profissão, afinal, você será responsável pela formação do seu futuro aluno; 2 – Saber que estudar e pesquisar sempre serão fundamentais! Você vai encontrar inúmeros questionamentos e dificuldades técnicas para a execução e assimilação do que está sendo estudado pelo o aluno, lembrando que o estudo de um instrumento exige habilidades auditivas, visuais e motoras e que cada indivíduo tem um progresso diferente; Por isso, estar preparado com diversas referências metodológicas, estilos e repertório é obrigatório.

O ensino exige um profissional consciente, nunca deve ser algo improvisado. 4 - Se organizar para construir um método progressivo, focado no que você acha importante para a evolução do individuo, sem nunca deixar de observar as vontades e vocação do aluno também. Cabe a você, professor, mostrar um caminho evolutivo e prazeroso do aprendizado; 5 – Nunca deixe de ser honesto com seus alunos. Avalie, observe suas habilidades! Eles geralmente se subestimam ou se superestimam e precisam ter instrução sobre estes aspectos; 6 – ACIMA DE TUDO: Você precisa gostar de ensinar e ter a satisfação de ver o seu aluno aprendendo. Onde professores de música podem atuar e como chegar lá? Com a ampliação do mercado, hoje temos muitas opções de trabalho. Escolas tradicionais, faculdades, aulas particulares presenciais ou aulas online e até mesmo alguns projetos do governo, onde você poderá ser um funcionário público. O futuro professor tem que entender sobre cada uma destas possibilidades para se inserir no mercado, claro! Para escolas tradicionais e instituições governamentais serão exigidas boas qualificações, sendo que nestas, você deverá aplicar suas aulas dentro de uma metodologia acadêmica pré definida, respeitando a forma de metodologia da instituição do início até a formação do aluno. Já nos métodos online você pode ampliar mais esse leque de informações e, também, en-

ImagensIzzie Renee on Unsplash

O

lá! A Bateras Beat Music School está de volta !!! Na última edição falamos sobre pontos importantes para o melhor aproveitamento dos estudos para os músicos iniciantes. Tá! Mas e agora? Onde eu vou trabalhar como músico? Bom... Como prometido traremos músicos profissionais que atuam em diferentes frentes, dentro do mercado musical, para entendermos mais sobre cada uma delas e, assim, escolher o caminho que queremos trilhar. Nesta edição o baterista e Professor de música Edu Garcia irá nos falar sobre a área didática de atuação dentro da música. Quais as responsabilidades, deveres e os caminhos para essa importante profissão.

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sinar apenas algo específico e direto, focando apenas no desenvolvimento de uma matéria específica para satisfazer uma dúvida imediata do aluno como, por exemplo, a execução de um lick de pedal duplo, via whatsapp. Como criar e alavancar a sua marca como educador musical? A vivência musical vai te tornar um educador cada vez mais sólido. Você irá alavancar a sua marca ao mostrar para seus espectadores (futuros alunos) suas qualidades e habilidades no instrumento e na música, afinal ele quer e precisa de um exemplo a ser seguido. Tocar com o máximo de músicos que você puder, fazer gravações, ter projetos musicais (bandas), pesquisar e criar material sólido para elaboração de um método que mostre a sua visão sobre determinado assunto do instrumento, da música, são

algumas dicas para gerar marca no mercado musical. Saber se divulgar na internet é algo muito importante hoje em dia. Saiba tudo sobre isso! O que mais a música pode ensinar para a formação do indivíduo. Por ser uma resposta complexa e, a meu ver, de muita responsabilidade, cito a passagem do livro da Professora Vera Lúcia Pessagno Bréssia - Educação Musical: Bases psicológicas e ação preventiva (2003): “A musicalização é um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo desenvolver e despertar o gosto musical, cooperando para o desenvolvimento da sensibilidade, senso rítmico, criatividade, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, autodisciplina, atenção, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva

consciência corporal e de movimentação”. Tocar bem bateria vem de um processo longo e feito pouco a pouco. Novamente, seja honesto e consciente da sua responsabilidade, pois você será o responsável pela formação musical do seu aluno na música. Mostre inúmeros caminhos, não pule etapas e utilize as suas próprias experiências para ajudar essa jornada. Estimule e incentive a música sempre e crie uma base sólida. Ajude o seu futuro aluno a se tornar um ótimo músico e uma pessoa melhor. Busque aprender e reciclar sempre que puder, tanto para melhorar no instrumento em si, como com outros pontos de vistas pedagógicos, pois isso vai te evoluir como professor, sempre!

Cris Lucas é Professor Bateras Beat Music School, baterista e empresário.



JAZZ

Por Fernando de Freitas

? A C I S Ú M A U S A É L QUA

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E

m 27 de agosto de 1970, ou seja, 50 anos atrás, Miles Davis subiu no palco do Isle of Wight Festival, com uma banda lendária que incluía Chick Corea e Airto Moreira, para tocar para um público que estava esperando nomes como Jimi Hendrix, Jim Morrison, Joni Mitchell, Leonard Cohen, The Who e Joan Baez. Miles conquistou o público em uma apresentação épica em que ele tocou apenas um tema improvisado, batizado, com certo humor, de Call it Anything. Naquele dia, o jazz sem concessões encontrou, de uma vez por todas, a música pop e Miles, mais uma vez, era um precursor. Esse é o espírito que Project K-Paz leva em sua música: fazer música espontânea em cada encontro da banda cuja formação é fluida e os integrantes vivem em países diferentes. O guitarrista Álvaro Kapaz, que é o principal responsável pelo projeto, têm 3 álbuns gravados e uma série de apresentações ao vivo disponíveis, conversou mais uma vez com a Revista 440Hz (existe uma live em nosso IGTV) para contar mais sobre o novo lançamento e sobre a história da banda, que representa a realização máxima do que ele considera a “sua música”, a criação espontânea de temas de maneira completamente livre entre os músicos, sem predeterminar tempo, ritmo, tom e escala.

A BUSCA

Formado em economia, Álvaro foi trabalhar em uma das principais instituições financeiras do país. De fora, parecia a realização do destino de um jovem metódico e dedicado aos estudos. Porém, ele aplicava o mesmo traço de sua personalidade à música, e suas capacidades de organização e foco, que eram extremamente valorizadas no meio corporativo, o tornaram um guitarrista virtuoso. Em uma das muitas madrugadas que passava no banco, viu um colega fazendo seu trabalho sem se incomodar com a hora e, ao perguntar como ele aguentava aquele ritmo, a resposta foi algo como: “eu amo o que faço, então não me incomoda. Se você tivesse que passar a noite tocando guitarra, você reclamaria?”. Naquele momento, Álvaro tomou uma decisão radical e partiu para estudar na Berklee, com o objetivo de viver de mú-

sica. Ao chegar na renomada universidade de música, o guitarrista teve de admitir que não sabia responder uma questão recorrente que faziam, “qual é a sua música”? A pergunta não era simples pois, naquele ambiente, ela significava algo tão importante quanto sua identidade, e até aquele momento Álvaro se considerava apenas um guitarrista que tocava conforme o que lhe era pedido.

UMA MADRUGADA MÁGICA

Quando Fernando Lodeiro (leia mais sobre ele aqui) era apenas um assistente em um estúdio, ele recebeu um presente: o estúdio teria algumas horas ociosas que ele poderia usar para fazer o que quisesse. Ele e Álvaro eram bons amigos e Fernando precisava de uma banda para tocar nessas horas, tarefa que ficou para Álvaro e outros amigos de Berklee. Álvaro levou sua guitarra e uma câmera para registrar o que aconteceria e, naquele momento, já estava bastante influenciado pela improvisação do jazz. Ali nasceram as bases do que ele passou a chamar de música espontânea. E aquele registro se tornou o pontapé inicial do primeiro álbum da banda Nothing to Sothing, gravado depois de alguns meses no Avatar Studio, em Nova York, e com o apoio da universidade. Mas naquela noite Álvaro teve mais uma revelação, aquela era a resposta do que era “a sua música”, o que também descreve como o maior prazer que sentiu tocando música em sua vida. Assim, substituiu uma busca por outra: ele havia encontrado sua identidade musical, mas com ela vinha a necessidade de conseguir se expressar da forma mais autêntica e livre possível pelo meio desta.

CONSTANTE MUDANÇA

Aos poucos, a banda ganhou reconhecimento e seguidores, tocando em diversas casas. Encontrou, inclusive, sua casa favorita, o Rockwood, em Nova York. Porém, a banda originalmente formada por estudantes passou a receber outros músicos, alguns para substituir aqueles que partiam para outros trabalhos, ou mesmo para participações especiais. Essa se tornou outra característica da banda, a fluidez de seus membros e a possibilidade de levá-la para qualquer lugar por

Imagens: Divulgação

?

A busca por uma música autêntica e livre de uma banda que sempre toca música espontânea

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onde seu idealizador, Álvaro, passasse. Isso incluiu Japão, França e o Festival de St. Bartz, além de Nova York e São Paulo. Dentre as muitas formações, além de Álvaro, Pablo Eluchans é o baterista que o acompanha desde o primeiro ensaio. Foi com ele e com Adam Ahuja, nos teclados que a banda gravou Post Something, o segundo álbum de estúdio do Project K-Paz, muitos anos depois do primeiro registro. Logo após desembarcar em Nova York para realizar alguns trabalhos, Álvaro ficou sabendo que seu avô, Pepe Hosiasson, um importante crítico de jazz chileno (embora nascido na Polônia), havia falecido. Foi pelas mãos de seu avô que o guitarrista conhecera o jazz, acompanhado de fotos e histórias dele com personagens como Louis Armstrong e Wynton Marsalis (com quem Álvaro também mantém amizade). Foi uma gravação catártica, em que colocou todos seus sentimentos para fora.

A PLENA LIBERDADE

Todas as gravações realizadas pela banda eram feitas em um único take, registrando da forma mais fiel a criação instantânea da música, com a mixagem sendo feita também na hora e sem acréscimos na pós-produção. Para obter o resultado desejado, Álvaro sempre contou com grande apoio daqueles que contribuíam com o processo, desde os músicos, até as equipes do estúdio e da gravadora. Com isso, gravou, no estúdio da PINCH Recording, o terceiro álbum da banda, Ghost X, lançado pela Infinity Gritty, que foi ao ar nas plataformas de streaming no último mês, com novas nuances e mostrando mais música espontânea. “É muito legal que cada um de nós evolua como músicos trabalhando separadamente e que, quando nos juntamos para um show ou para uma gravação, surja muita coisa nova”, conta o guitarrista. Vale notar que neste álbum foram registradas faixas mais longas que nos anteriores. A diferença está na ausência de recorte, os jams foram colocados na íntegra, o que não havia acontecido nos outros álbuns. Esta é a consequência de levarem ao “estado da arte” todo o processo criativo. É provável que este terceiro álbum seja o mais livre. É interessante que, no mais puro espírito da improvisação do jazz, eles tenham atingido o resultado que sonoramente mais se afastou de uma ideia tradicional do estilo. É possível captar as influências mais diversas dos músicos. O álbum abre com o groove marcado da cozinha em Steady Suport, cujo

andamento é, ao mesmo tempo, suave e delicado, com a guitarra de Álvaro remetendo, por vezes, à cadência de um trompetista - talvez influência de Miles ou Dizzy -, e outras encontrando fraseados que poderiam vir de Al Di Meola ou Santana. A tensão do rock transparece nos primeiros sons de Calisto Submerges, que passa por sonoridades de baladas a ataques virtuosos. Os timbres elétricos se sobressaem dentre bends que procuram

Álvaro Kapaz

a nota seguinte perfeita, até o encontro com sons pouco usuais e experimentais. É interessante como se transformam as músicas durante suas longas execuções, indo e voltando certos elementos, que também aparecem e desaparecem, faixa a faixa. A música espontânea parece algo como a filmagem acidental de um encontro de bons amigos a conversar depois de um longo tempo sem se ver em que cada um responde novamente à pergunta: qual é a sua música?


PROJECT K-PAZ FORMAÇÃO DE GHOST X

Adam Ahuja

Pablo Eluchans

Akos Forgacz


ARTES Por Fernando de Freitas

G N I L E R T N E O D N A G E V A N ÃO É N S A N E P A A FORM A M U O D NS N U A G L U A Q , O Ã S S E EXPR A A R A P E T N A M SUFICIE U E D S I A M M DE E L A V E S S A T ARTIS

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S N E GUAG

S

e eu te dissesse que uma das músicas mais executadas da história é de coautoria de uma artista plástica e performática, discípula de John Cage, com trânsito entre a cena de jazz e música experimental de Nova York e Tóquio e de quem, atualmente, você pode ver obras expostas no MoMA e no Museu Pompidou em Paris. Yoko Ono é, provavelmente, a artista plástica mais bem sucedida na história da música e sua participação na música de John Lennon vai muito além de ter emprestado os versos de Grapefruit para Imagine. Talvez, o machismo e a xenofobia ajudem a fazer perdurar a imagem de Yoko como a força motriz que separou os Beatles (pouca gente discute a influência de Linda Eastman), mas poucos se lembram que ela tinha formação em piano e era uma artista respeitada entre seus pares, rompendo com a unanimidade de homens nas exposições mais importantes dos EUA e Europa. À parte do caso de Yoko, Linda, que era uma importante fotojornalista musical, passou a integrar as bandas de Paul McCartney até seu falecimento. John também perdera seu baixista original dos Beatles para as artes plásticas, e em sua carreira Stuart Sutcliffe pôde deixar algum legado artístico. Dessa mesma turma, Klauss Voormann teve uma carreira musical interessante (tendo inclusive tocado no Concert to Bangaladesh), mas é mais conhecido por ter desenhado a capa do álbum Revolver e das coletâneas Anthology. É um fato conhecido também que inúmeros músicos britânicos das décadas de 60 e 70 passaram por escolas de arte, que eram alternativa de capacitação para jovens que não alçavam o curso universitário, entre eles o próprio Lennon, bem como outros nomes, tais como Keith Richards, Charlie Watts, Ronnie Wood, Pete Townshend, Jeff Beck, Eric Clapton, Mick Jones, os membros do Pink Floyd e David Bowie. Outros artistas, como Bob Dylan, se arriscaram nas artes plásticas com trabalhos expostos e de algum reconhecimento. A lista é interminável. Nessas conversas, também não podemos esquecer ter sido o Próprio Andy Warhol o produtor do mítico Velvet Undergroud & Nico, sendo este um dos álbuns mais influentes do rock e precursor de quase todo rock alternativo que feito desde então. E, se abrirmos um pouco nosso olhar para a poesia escrita, no Brasil é impossível não lembrar de Vinicius de Moraes (poeta e diplomata) como um dos nomes mais influentes da bossa nova e de Paulo Leminski, que além das muitas parcerias (com Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Itamar Assunção...), gravou um álbum sob seu nome. No sentido contrário, Arnaldo Antunes

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ARTES

T. Greguol

como camisetas canecas e chinelos. A música continua sendo uma de suas facetas, continuando a produção em parceria com Rodrigo Eba, experimentando novas texturas e usando mais da produção do que a necessidade de uma banda. É o furor criativo transformado.

deixou sua posição nos Titãs para, além da carreira solo como cantor, fazer poesia que flertava (namorava e trepava) com as artes visuais. Foi assim, em longas reflexões sobre aqueles que navegaram entre várias linguagens artísticas, que surgiu a curiosidade de procurar outros artistas que representassem, de alguma forma, essa multiplicidade.

T. GREGUOL

Era uma vez uma criança que gostava de desenhar e que se tornou um jovem reticente à experiência universitária... foi assim que T. arranjou seu primeiro emprego (curiosamente) em uma escola. Nunca deixando de criar, T. lançou um livro de poesias, que começaram a ser musicadas por amigos e se tornaram o que viemos a conhecer como a banda Katarse, uma

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banda de música “dançantefilosóficafuriosatosca”, como define o artista. No começo, brinca T., “eu tinha até vergonha das minhas composições, gravava em uma fita cassete cantando e levava para um amigo pedindo para ele musicar”. A banda esteve ativa dentre 2002 e 2015 fazendo bons shows, quando seu trabalho como artista plástico deslanchou. Visualmente, a arte de T. usa e abusa das cores primárias e secundárias. O azul se destaca em suas escolhas (seria o azul Klein?) e a linguagem transita entre o desenho animado, os quadrinhos e o grafitti. “O Monstro e seus amigos monstros”, derivados do livro infantil escrito e lustrado por T. se tornaram uma marca do artista, presentes em quadros e esculturas, além de impressos em merchandising

Superlativo. Em seu ateliê, CA CAU produz arte e recebe pessoas em um espaço pensado para transbordar. Tudo em CA CAU é interconectado em um grandioso projeto artístico. Telas imensas conversam com sua música, que conversa com sua poesia, que são materializadas em borboletas de papel, para cada visitante levar uma frase consigo. O passeio virtual através do qual o artista nos guia pelo ateliê Tavessia, por ele transformado em um centro de cultura, revela as cores vibrantes de seus quadros, enquanto ele conta sobre essas interconexões. A transcendência de meios e a intertextualidade estabelecem a experiência pós-moderna da arte que derrubou, inclusive, os limites da arte como objeto de elevação. Se Duchamp trouxe o mictório (A Fonte) para o centro da exposição, os pós-modernos o retiraram novamente, interromperam a exposição e a levaram para o âmbito da experiência. Quem chega ao Travessia é recebido pelas Cabeças Flutuantes Teleguiadas, com seus Corações Suspensos na copa da árvore que reside em frente à casa e, ao entrar, é convidado a retirar a Poesia Nossa de Cada Dia em uma borboleta poética. O próprio ateliê é uma experiência artística superlativa em pulsação, planejada para funcionar como um coração, em constante movimento, com acelerações e desacelerações periódicas. CA CAU recebe, em sua gigantesca obra formada por obras

Fotos: Unplash

CA CAU


CA CAU

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ARTES

Iara Rennó por Caroline Bittencourt

e intervenções, crianças, palestrantes, gastrônomos, músicos. Assim, é possível fazer uma experiência de degustação de vinho entre quadros, esculturas e música em um dia, ou acompanhar uma caravana escolar experimentando seus primeiros contatos com a prática artística. Porém, o artista, que antes de tudo se diz músico - o que, por sinal, é a primeira definição sobre sua arte exibida em seu site. Foi a música que o levou a viajar o mundo e viver na região nordeste, onde era reconhecido e chegou a se apresentar para seu

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maior público, no Bloco Galo da Madrugada. Foi nesse período da vida que as artes plásticas tomaram corpo em sua produção e, pouco a pouco, passaram a fazer parte deste quebra-cabeça chamado CA CAU. Como músico, o artista pertence a uma geração neotropicalista dos anos 90, que tem entre seus expoentes nomes como Chico Cesar e Zeca Baleiro. Seu blues conversa com baião e o rock não é mais um elemento invasor à bossa nova a romper com a jovem guarda, pelo contrário, é intertexto dos ritmos de

uma globalização outrora festejada. É uma música que nasce em um contexto em que a gaita harmônica faz as vezes de um fole, renovando as sonoridades que um dia colocaram o acordeão no rock’n’roll. Vale notar que sua música é ponto de partida e base para todas as suas artes, como a poesia, a pintura e a escultura, portanto, parece a forma mais acessível ao gosto popular.

IARA RENNÓ

Iara é carioca. Isso é importante anotar. A poeta, compositora e guitarrista é manifestamente uma re-


presentante do desbunde (haveria um neo-desbunde?). Entenda, não estamos falando de alguém deslocada no tempo que faz uma arte do passado, mas alguém que carrega consigo algo daquele momento. Ainda que se veja principalmente como poeta, cada livro se transforma em um espetáculo musical em algum ponto, ainda que esse espetáculo, por ora, seja somente sonoro devido à limitação das apresentações públicas. A sua obra mais recente, AfrodisiacA, está sendo lançada em capítulos, a cada um uma apresentação poética e uma musical do que podemos chamar de manifestação do afrodisíaco, sua interpretação feminina do erótico. Impossível não lembrar de Hilda Hilst. Tirem as crianças do streaming pois as imagens poéticas estão carregadas de palavras literais. É a arte de toda forma de amor, do sentimento à cama, envolvente que se mistura entre pernas e peles, e assim se faz um certo poliamor, que envolve relações com diversas pessoas com quem Iara quer se relacionar. Sua poesia em outras bocas, seu corpo fotografado e sua música em nosso peito. A experiência proposta por Iara retoma não apenas Eros e Afrodite, mas Baco e Dionísio, transmutados em total Liber. Talvez queira apontar o hedonismo e simplificar a ideia como um bacanal, mas existe uma contenção que a aproxima do erótico e do afrodisíaco, que mesmo explícito, há uma sedução sobre o mistério que nos induz a devaneio.

trantes, sempre cercado de muitas cores, seja em suas roupas, cenário, quadros ou música. Sua força artística faz pensar em um Basquiat tupiniquim ao colocar em telas a linguagem das ruas. Das ruas são o samba e o rap de Chicco, cuja canção Caos ou Questão dá forma melódica, suingue e poética, na assertividade da arte e dos olhos de Chicco. Sua linguagem se afasta um pouco da tradição do rap paulistano e conversa um pouco mais com trabalhos

iniciais de bandas como O Rappa. A denúncia literal na letra de Caos ou Questão tem o intertexto denotativo mais metafórico que vai ao encontro das experiências do Mangue Beat, que aparecem em outras de suas canções como Pitanga, Evoluindo e Visão Nua. Recém-chegado a São Paulo, Chicco traz na bagagem a leveza de não pertencer. Sua liberdade transparece na falta de reverência (mas nunca de respeito) aos círculos das grandes metrópoles.

CHICCO

Suas pinturas são extravagantes. Chicco é um artista extravagante. Um homem extravagante. Um homem preto, altivo, de olhos pene-

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PRODUÇÃO

Por Ian Sniesko

T I M R E K / GIL

DESPONTA UM NOVO PRODUTOR

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Fotos: Divulgação / Yasmin Kalaf

A

lternando entre produzir outros artistas e trabalhar em seus próprios projetos, Gil Mosolino, ainda jovem e novo no cenário musical, já traz boa bagagem e interessantes visões sobre a indústria. Conversamos com o produtor sobre suas origens, feitos e até sobre suas ideias, bastante ousadas, para o futuro das plataformas de streaming. Confira. Gil começou sua jornada no mundo do áudio depois de deixar seu antigo trabalho, na área de TI, e partir para algo bem mais ousado: a filmagem de shows ao vivo. O aspirante a produtor acompanhava as bandas pelas casas de show da capital paulista e frisa uma em específico que, segundo ele, abriu-lhe muitas portas: a Casa do Mancha. “A maioria das bandas do cenário alternativo nacional já tocaram na Casa do Mancha: Boogarins, Supercombo etc.”, cita Gil. Os contatos que encontrou no local foram de grande importância para que pudesse adentrar o mundo da produção musical de vez. Como produtor, o artista diz se inspirar em nomes como Dr. Dre, Will.I.Am, Toro Y Moi e Timbaland. Recentemente trabalhou com artistas como Danny D. Weirdo e LUMANZIN, fazendo a maior parte do seu trabalho em seu home-studio na cidade de São Paulo, e dá destaque para a vasta gama de microfones que possui, fruto também da época em que trabalhava gravando apresentações ao vivo. Atualmente, segundo ele, está procurando focar mais em seus projetos pessoais devido a quarentena que vivemos. Antes de começar a produzir, Mosolino já tocava em diferentes bandas, com destaque para a Applegate, seu projeto junto com Vinicius Gouveia, Rafael Penna e Pedro Lacerda. A banda já possui uma quantidade

de material considerável: um álbum, um EP e diversos singles, além de várias apresentações ao vivo realizadas. Devido à pandemia do Covid-19, os membros não estão se encontrando para compor, mas já possuem material pronto para distribuição. Para o próximo lançamento da Applegate, Gil quer testar uma ideia ousada, mas bastante interessante: o trabalho vai ser lançado, inicialmente, somente no site Bandcamp, onde quem desejar pode adquirir a música por um preço justo. Entre 3 e 6 meses depois, a música finalmente vai ser lançada nas plataformas de streaming. A meta da banda com este plano é trazer de volta ao material fonográfico seu valor, que gradativamente se perdeu e, também, estimular outros artistas a aderirem ao movimento. Mosolino porém pontua: “O streaming é ótimo, mas ainda pouco lucrativo para os músicos”. A maioria das plataformas, de fato, apesar de democratizarem a indústria musical e trazerem a possibilidade de alcançar o grande público sem compromisso com

grandes gravadoras, oferecem um retorno muito baixo para os independentes. Quem sabe com o tempo gigantes como o Spotify reavaliem melhor as suas práticas? Gil também está com um projeto relativamente novo em mãos: Kermit Machin. Ele explica que Kermit, o famoso sapo do programa de TV Muppets, é seu apelido de longa data e diz também apreciar os memes com o personagem. Machin, por sua vez, vem de machine (ou máquina em português). O produtor, portanto, trata este projeto como sua máquina pessoal de fazer músicas, priorizando a liberdade artística e, no momento, tirando proveito da quarentena para compor com mais calma em busca de inspiração e de melhores resultados. “Vou fazer as coisas devagar, até para não enjoar das músicas”, diz. Para este seu projeto pessoal, o produtor fechou recentemente contrato com o selo digital Alcalina Records, que fará a distribuição e a divulgação dos singles. Também está começando a planejar a criação de sua própria produtora para 2021: vale a pena para os artistas independentes ficarem de olho.

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ENTREVISTA

E R O V R Á A UM Por Fernando de Freitas

Premeditando o Breque VA NG U

Zé Ramalho

Belchior

Walter Franco

Gonzaguinha

Tulipa Ruiz

Zizi Possi

Céu

Aldir Blanc

Fagner

Joyce

Vanessa da Mata Zeca Baleiro

Mônica Salmaso

Leila Pinheiro

Maria Bethânia MPB-4

Guinga

Marisa Monte

Lenine

Yamandu Costa

Paulo Moura

Claudia Leitte

Roberta Miranda

É o Tchan

Pena Branca & Xavantinho

Cheiro de Amor

Olodum

Filhos de Gandhy

Margareth Menezes

Ilê Ayê

Almir Sater

Chiclete com Banana

Armandinho, Dodô & Osmar

Carlinhos Brown

XÉ ,T RI OS

Carrapicho

EL ÉT RI CO S

Kaoma

Claudionor Germano Capiba Irmãos Valença

LAMB ADA, CA RIMBÓ E BOI

Lamartine Babo

Jacob do Bandolim

ER TA N

Carmen Miranda

Garoto Benedito Lacerda

EN TA L

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Casemiro Rocha

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Ernesto Nazareth

Chiquinha Gonzaga

Patápio Silva

Edmundo Villani-Côrtes

MAXI XE,

Henrique Alves de Mesquita Aylton Escobar

TANG O BR ASIL EIR O

Edino Krieger

Os Cariocas

A OV

Dick Farney

Orla

Dominguinhos

Luiz Bonfá Tom Jobim

Isaurinha G

João Gilberto Cyro Monteiro Jackson do Pandeiro

M

Moreira da Silva

Luiz Gonzaga

Dorival Caymmi

Adoniran Barbo

Humberto Teixeira Geraldo Filme

Jamelão

Cláudio Santoro

Hans-Joachim Koellreutter

Geraldo Pereira Aracy de Almeida

João da Baiana

Wilson Batista Almirante

Lup Noel Rosa

Sinhô

SA M BA -C

Donga Ary Barroso

EC HO RO

Assis Valente

Or

Mário R Cauby Peixoto

ANÇ

ÃO

Francisco Alves

Alberto Nepomuceno

Ismael Silva

Mussurun

UMA ÁRVORE DA 40 MÚSICA BRASILEIRA Organização: Guga Stroeter e Elisa Mori

MODINH A E LUNDU

Domingos Caldas Barbosa (Lereno)

Heitor Villa-Lobos Hekel Tavares

Lobo de Mesquita

MÚS ICA D E

CONC ERTO

Cândid Inácio d

Mestre Nemésio

ONAL RADICI ICA T MÚS

EIN UR ÍGPEENIA DO ANA AFRIC

Lino José

Dona Maria

Carlos Gomes

Waldemar Henrique

Sílvio C

Vicente Celestino

José Maurício Nunes Garcia Francisco Mignone

Miltinh

Ataulfo Alves

Camargo Guarnieri

Gilberto Mendes

M

Frank Aguiar

César Guerra-Peixe

Marlos Nobre

Miguel Proença

Nara Leão

Vinicius de Moraes Johnny Alf

SAMBA

Joaquim Callado

Almeida Prado

Conrado Silva

GU

Oswaldinh do Acorde

Newton Mendonça

Roberto Menescal

PI R A

Anacleto de Medeiros

Baden Powell Sérgio Ricardo

Falamansa

João Donato

Wanderley Cardoso

MARCH INHA

Pixinguinha

Os Oito Batutas

C AI

Dori Caymmi

Eumir Deodato

IÃO E BA FORRÓ

João de Barro (Braguinha) Zequinha de Abreu

Canhoto

M VE JO

Luís Carlos Vinhas

Ronaldo Bôscoli

Luiz Eça

Jerry Adriani

Carlos Imperial

João Pacífico

Jararaca & Ratinho

Radamés Gnattali

Ademilde Fonseca

Paulo Sérgio V

Marcos Valle

Astrud Gilberto

Alaíde Costa

Celly Campello

Tonico & Tinoco Alvarenga & Ranchinho

Edgar Moraes

Zé Kéti

Waldir Azevedo

INS TR UM

Moacir Santos

Inezita Barroso

Irmãs Galvão

Altamiro Carrilho

Lúcio Alves

Carlos Lyra

Vanusa

Roberto Carlos

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Izaias e Seus Chorões

Levino Ferreira

EB LO CO SA FRO

Sérgio Me

Sylvia Telles

Eduardo Araújo

Heraldo do Monte

Dilermando Reis

Teixeirinha

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Pinduca

Tião Carreiro & Pardinho

VO FRE

Banda Calypso

Raul de Souza

Sérgio Reis

Nelson Ferreira

A

Timbalada

SpokFrevo Orquestra

Leny Andrade

Durval Ferreira

Erasmo Carlos

Elis Regina

Sivuca

Milionário & José Rico

Caetano Veloso

Theo de Barros

Hermeto Pascoal

Chitãozinho & Xororó Renato Teixeira

Luiz Caldas

Rosa Pas

Joelho de Porco

Wanderléa

The Jordans

Francis Hime

Edu Lobo

Airto Moreira

ROMÂ NT IC A

Os Incríveis

Gilberto Gil

B MP

Rolando Boldrin

Ivete Sangalo Daniela Mercury

Raphael Rabello

Leandro & Leonardo

Netinho

Naná Vasconcelos

Amado Batista

Chico Buarque

João do Vale

Egberto Gismonti

Luan Santana

Barão Vermelho

Kid Abelha

Lulu Santos

Raul Seixas

Gal Costa

Nana Caymmi

Geraldo Vandré

Michel Teló Zezé di Camargo & Luciano

Léo Jaime

Arnaldo Baptista

Tom Zé

Jards Macalé

Hamilton de Holanda

Geraldo Azevedo

Cazuza

Ritchie

Paralamas do Sucesso

Blitz

Rita Lee

Odair José

Os Mutantes

Ivan Lins

Elba Ramalho

Wando

Camisa de Vênus

Reginaldo Rossi Novos Baianos

João Bosco

Torquato Neto

DJ Mau Mau

Lobão

Secos & Molhados

Ira!

DJ Marky

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Made in Brazil Fábio Jr.

Toquinho

Luiz Melodia

Som Nosso de Cada Dia

Capinan

QUINA A ES ED UB CL

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Alceu Valença Danilo Caymmi

Lanny Gordin

Ronaldo Bastos

DA AR

Fafá de Belém

Emílio Santiago

Tony Osanah O Terço

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Ney Matogrosso

Júlio Medaglia

Milton Nascimento

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Adriana Calcanhoto

Ratos de Porão Celso Blues Boy

Toninho Horta

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DJ Dolores

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Flávio Guimarães

Blues Etílicos

Rogério Duprat

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Fátima Guedes

Oswaldo Montenegro

Damiano Cozzella

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Mundo Livre S/A

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Zélia Duncan

Seu Jorge

Marina Lima

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Tavinho Moura

Luiz Tatit

Guilherme Arantes

Nação Zumbi

Nuno Mindelis

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Suzana Salles

Itamar Assumpção

Chico César

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Lô Borges

Rumo

Renato Braz

TROPICÁLIA

Maria Rita

Cordel do Fogo Encantado

Mestre Ambrósio

Beto Guedes

Paulinho Moska

IENUD RÍG OE PN ÉIAA

Mestre Curica

Mestre Pastinha


Pitty Cássia Eller Capital Inicial

Titãs Legião Urbana Skank

Sepultura Ultraje a Rigor

Pato Fu

O Rappa

Engenheiros do Havaii

Jota Quest

RPM Mamonas Assassinas

Karol Conka

Anitta

Black Alien

Rappin’ Hood

Bonde do Tigrão Marcelo D2

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Tati Quebra-Barraco

Gabriel, o Pensador

DJ Marlboro

Racionais MCs MC Catra

Thaíde e DJ Hum

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Claudinho e Buchecha

Black Juniors

Wilson Simonal

Ras Bernardo Tim Maia

Edson Gomes

Luis Vagner

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Jorge Ben

Arlindo Cruz Fundo de Quintal

Jorge Aragão

João Nogueira

Zeca Pagodinho

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Beth Carvalho

Clara Nunes

Bezerra da Silva

Elza Soares

Nelson Cavaquinho

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Jair Rodrigues

Paulo César Pinheiro

Clementina de Jesus

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Alcione Dona Ivone Lara

Emilinha Borba Custódio Mesquita

Dolores Duran

Ângela Maria

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Sombrinha

Trio Mocotó

Paulinho da Viola

Martinho da Vila

Cassiano

Ed Lincoln

Garcia

Art Popular

Funk como Le Gusta

Bedeu

Branca Di Neve

Exaltasamba

Carlos Dafé

Almir Guineto

Clube do Balanço

Marku Ribas

MUSIC BLACK

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Negritude Júnior

Gerson King Combo

Hyldon

Planta e Raiz

Raça Negra

Tony Tornado

Ed Motta Cidade Negra

Soweto Só pra Contrariar

Paula Lima

P

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REGGAE

Natiruts

FUN K

Nelson Triunfo

Tribo de Jah

PAGODE

Valle

Ludmilla

Charlie Brown Jr.

Sabotage

Emicida

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Raimundos

Criolo

Rincon Sapiência

Maysa

Elizeth Cardoso

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Nelson Gonçalves

Reis

Dalva de Oliveira

Caldas

Catulo da Paixão Cearense

Sátiro Bilhar

Salvador Fábregas

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Xisto Bahia

Crioulo Dudu (Diamante Negro)

Américo Jacomino (Canhoto)

Antonio de Menezes

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Sapopemba Selma do Coco

Seu Manelim

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Guerreiro Mestre Venâncio

Esther

Mestre Verequete

Cândido das Neves (Índio)

Zé Coco do Riachão Lia de Itamaracá

Sambador Honorato Missé

Pai Élcio de Oxalá

Mestre Darcy Pai Euclides

Manuel Salustiano

Este gráfico é parte do livro Uma árvore da música brasileira, das Edições Sesc São Paulo, e não pode ser vendido separadamente.

experiências pessoais. Alguns seguiram essas orientações mais do que outros. Durante o processo, prevaleceu o diálogo, sempre priorizando a organicidade desses conteúdos, garantindo que o foco dos artigos sempre fosse o assunto “música brasileira”. Esta publicação encerra um projeto de muitos anos para que outros trilhem seu caminho ou é apenas uma forma de apresentar uma obra em andamento? Minha amiga Elisa Mori e eu iniciamos esse projeto ainda nos anos 90 do século passado. Originalmente, era uma “diversão cultural”: Elisa era proprietária de uma videolocadora que folgava às segundas-feiras. Compartilhávamos o gosto pela música brasileira, então, durante as tardes de segunda, nos encontrávamos para conversar e esboçar uma Árvore da Música numa parede da minha casa, que foi forrada por uma placa de isopor onde fixávamos esses papeizinhos amarelos (post-it) com os nomes e dados a respeito dos músicos. Com alfinetes e barbantes fomos formando os galhos. Não havia Google, então nossa pesquisa era fundamentalmente bibliográfica (e fonográfica também). Ficamos muito contentes porque o SESC abraçou nossa pesquisa e a publicou com critério e qualidade gráfica total. Um privilégio! No entanto, no meu íntimo, considero esse livro e esse poster um passo inicial de uma caminhada que eu, sinceramente, não sei aonde vai chegar. Esse livro é uma coletânea de 23 autores, no qual eu mesmo escrevi apenas três parágrafos. Mas esse processo todo me instigou a ler e a pesquisar sobre o assunto. Tenho muitas opiniões e ideias sobre a história da música brasileira... Portanto, brotou, entre meus objetivos, a incumbência natural e automática de escrever e tentar publicar esses pensamentos, e no meu timing, já estou cuidando disso. Também vejo a Árvore da Música como um guarda-chuva que, naturalmente, tende a gerar e abrigar outros produtos. Sonho (e trabalharei para isso) que, no momento correto, a Árvore será capaz de desdobrar-se em um site, em uma série de shows artísticos/didáticos/ temáticos, em programas de YouTube etc.

Imagens: Divulgação

N

ós separamos e classificamos coisas para tentar entendê-las. Porém, esse furor epistemológico encontra resistência na fluidez dos objetos de estudo. Quando falamos de arte (e de música), a separação por gêneros é mero fruto dessa necessidade, pois o olhar atento repara nas interrelações, influências e nas misturas que fazem parte do processo criativo. É por isso que acertam Guga Stroeter e Elisa Mori em apresentar “uma” árvore da música brasileira. O infográfico e o livro são frutos de quase três décadas de pesquisa, feita sem a preocupação acadêmica, mas com o ímpeto do entusiasta e profundo conhecedor dos temas. Guga é um músico talentoso que navega entre o jazz, a música brasileira e, por que não?, pelo pop. Portanto, a árvore faz parte do trabalho criativo de sua própria formação enquanto músico e instrumentista. É também um mérito que um projeto grandioso como este se torne uma obra coletiva, que uma vez colocado nas páginas de um livro, transforme seu organizador apenas uma peça de ligação entre todos os participantes. Um reflexo, talvez, do próprio modo de exercer a função musical de percursionista de Guga é, essencial e discreto. Nesta Big Band de “Uma Árvore da Música Brasileira”, publicada pelo sempre excelente SESC-SP, acompanhamos relatos confessionais de quem fez parte da história que está sendo contada e surgem nomes que analisam as influências na produção musical nacional em 23 artigos escritos por profissionais da música, como Edmundo Villani-Cortês, Nelson Ayres, Solano Ribeiro, Júlio Medaglia, Chico César, Orlando Bolão, o rapper Xis, Eder “O” Rocha e Kassin, entre outros. Aproveitamos o lançamento para um bate bola com Guga: A árvore me pareceu um retrato possível, assim como os textos têm a mesma característica. Essa foi a intenção ao publicar o livro? Buscamos alguma unidade na diversidade. Os autores tiveram toda liberdade para escrever o que quisessem, sem limite de caracteres. Ao explicar a eles os objetivos da publicação, sugerimos que buscassem combinar informações sobre as especificidades históricas que emolduram o gênero musical ao qual se dedicam com o amalgama de suas vivências e

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Como foi o processo de escolha dos autores dos textos? Algum discordou de como era organizada a árvore? Alguma mudança foi feita a partir dos textos? Elisa e eu optamos por escolher artistas para escrever sobre sua música e sua vida. Poderíamos ter escolhido trabalhar com jornalistas e professores. Esses estudiosos pesquisam e publicam sobre os temas com uma profundidade incrível! Mas nossa ideia foi justamente contribuir com o cenário do registro e da memória da música brasileira num formato não acadêmico. Apesar de “não acadêmico”, o conteúdo foi rigorosamente checado, parágrafo por parágrafo. Os editores do SESC bem poderiam blindar-se explicitando aquela conhecida ressalva que informa que “os textos são de inteira responsabilidade dos autores e não representam a instituição”... Mas, felizmente, não foi isso o que ocorreu. Durante as revisões, os artigos voltaram inúmeras vezes para os autores e nada foi publicado sem uma confirmação documental. Evidentemente, isso demandou muito esforço de todos os envolvidos. Para que os nomes escolhidos para constar na Árvore refletissem credibilidade, contratamos e entrevistamos especialistas em cada gênero musical para nos auxiliar. Infelizmente, é impossível contemplar a todos, mas temos certeza de que os nomes elencados, de alguma forma, contribuíram para a evolução da música brasileira. Quando se apresenta um “sistema de classificação” duas turmas correm para jogar pedras, os acadêmicos e os fãs. Como enfrentar os haters? Ainda estamos num primeiro momento de lançamento do trabalho, por enquanto ainda não fomos abduzidos pelo redemoinho das polarizações. Uma precaução que tomamos reside justamente no título do trabalho: nós não sistematizamos “A” Árvore da Música Brasileira. Nosso livro chama-se “Uma” Árvore da Música Brasileira, ou seja, criamos um diagrama a partir das nossas convicções, mas, evidentemente, esse mesmo universo pode ser recortado de infinitas maneiras. Quando tivermos um site dedicado a esse produto, teremos um tutorial para incentivar todos a fazer suas próprias árvores. A meu ver, esse projeto tem vocação para funcionar num sistema wiki, que ganhará vida própria com a participação de todo aquele que quiser contribuir e atualizar. Onde você se coloca, como músico, na árvore? Estou muito contente de poder, nesse momento contribuir com a memória e o registro da música brasileira. Isso me sa-

tisfaz completamente. Como músico, acho que não faço falta nesse diagrama que foi criado a partir de uma certa fúria classificatória minimamente necessária para criar as condições de homenagear aqueles que dedicaram suas vidas à evolução da música brasileira. Gosto de tocar vibrafone, de produzir música ao mesmo tempo em que me dedico à literatura e a me vincular a espaços culturais e casa noturnas que envolvem palcos e música. Vamos em frente... Não sei ainda aonde esse caminho vai me levar.


ALGUNS AUTORES DA Ă RVORE

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LANÇAMENTO

Por Ana Sniesko

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NÃO ERA PARA SER ASSIM

Depois de onze anos desde o último disco, Fernanda lança Corpo Elétrico e Alma Acústica, um álbum com experimentações que são a marca da artista, que, em 2002, foi a precursora do termo “drum n’bossa” – a mistura do drum n’bass e da bossa nova. “O nome me ajudou a nortear o disco. É a junção desses dois mundos, o elétrico e o acústico”, conta. A paixão pelos ritmos nacionais é uma das marcas registradas da artista, que apostou em experimentações que deixam claro que Fernanda quer mais é fazer do estúdio um grande laboratório. O resultado são faixas que aguçam ouvidos, balançam o corpo e não tem pé que consiga ficar parado. Mas, por que demorou tanto? Fernanda passou esse tempo compondo, dando aula, experimentando no seu próprio casulo. “Quando a EMI faliu, eu achei que estava sem gravadora. Ficou tudo meio perdido. No ano passado enviei e-mails e quem respondeu foi a Universal, que assumiu o portfólio”, lembra. Embora tenha apresentado o esboço do que viria a ser o novo disco, uma conversa de alinhamento de expectativas colocou um fim no contrato, que abriu espaço para que a artista fundasse o próprio selo, o Giramundo Records. A transformação nas formas de

distribuição musical nos últimos anos contribuiu para essa pausa quase forçada. “Não foi um sabático, não foi planejado. Fui fazendo outras coisas, compondo, esperei ter grana para parar e produzir um disco”, conta.

DA VIBRAÇÃO À CORRENTE

A artista começou a flertar com o universo musical bem cedo. Um dedilhado no piano de casa, uma aventura com o violão popular e as velhas revistas de cifras marcaram os seus primeiros acordes. Quando descobriu que existia uma faculdade de música, se dedicou ao piano para ser aprovada no teste de aptidão. E foi. Estudou piano, canto lírico, regência, mas se encontrou na composição. Fernanda estudou composição erudita e canto lírico, mas logo conheceu a música eletrônica contemporânea. “Fiz alguns cursos extras dessa linguagem na USP, escolas de música eletrônica para DJs e um curso online na Berklee (USA). Mergulhei nos softwares de programação de música para, finalmente, poder me apropriar das ferramentas que precisava para experimentação”, relembra. O encontro com o drum n’bass foi o passaporte para que ela mergulhasse no universo da música eletrônica, em Londres, por longos meses de 1998. “A paixão foi tanta, que eu arrumei a mala para mergulhar nesse universo”, diz. Quando voltou, com uma série de composições debaixo do braço, a síndrome da impostora não deixou que ela lançasse logo de cara. “Fiquei com receio de mostrar para as pessoas”, relembra. Mas, aos poucos, a segurança veio e uma cópia aqui, outra ali, até que ela levou a demo para o DJ Patife, que só ouviu dois meses depois, mas pediu para remixar Sambassim.

Imagens: Divulgação

Q

uem frequentou as pistas do início do século certamente dançou ao embalo do samba com guitarra e drum n’bass de Fernanda Porto (eu, inclusive!). Antes mesmo de lançar o disco que leva seu nome, o hit já tinha estourado, tocava nas rádios, e o caminho da compositora e multi-instrumentista colecionava muitos outros capítulos.

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Portas abertas para toda a experimentação de Fernanda Porto, que mostrou a que veio e acabou em uma maratona incansável, típica da empolgação de quem ama o que faz. “Eu não dizia não para nada. Os singles estouraram em Londres, lancei o disco em 2002 no Brasil e na Europa no ano seguinte. Cheguei a fazer uma turnê por lá com 25 shows em 28 dias. Foi incrível, mas eu exagerei”, reconhece. Ali Fernanda consolidou sua identidade e ainda colecionou parceria com grandes nomes da música brasileira, como Chico Buarque e Marina Lima. E teve também sua contribuição para a sétima arte, com a composição da trilha sonora do filme Cabra Cega. Nos anos seguintes, a cantora ainda lançou Giramundo, em 2004. Assim como o álbum que leva o seu nome, saiu pela Trama, uma gravadora que lançou muitos sons

interessantes, mas que acabou sucumbindo com os novos rumos do mercado. Pela EMI, um Ao Vivo e Auto-Retrato, já em 2008, com uma sonoridade diferente dos demais.

CORPO ELÉTRICO ALMA ACÚSTICA

Pioneira na mistura da música eletrônica com a música popular brasileira, a artista assina a direção artística, a produção musical, os arranjos e a gravação de todos os instrumentos e voz de Corpo Elétrico e Alma Acústica. Com nove singles já lançados (Minha Cabeça, Nosso Amor vai Virar um Segredo, Aprenda a Calcular, Melodia Infinita, Corpo Elétrico, Tempo me Ensina, Um Dia Inteiro Só Pra Nós, Eu já te Conheço e Tá Tudo Bem?), ela reafirma sua marca e resgata o conceito de seu primeiro disco. “A produção musical é uma aventura sonora de que eu gosto muito. Eu sou apaixonada pela possibilidade de buscar

sonoridades, fazer arranjos, criar batidas diferentes. Produzir meu próprio álbum é sentir uma química da música com minha personalidade, é garantir que eu estou ali por inteiro”, completa. Quando conversamos, a pandemia já estava em curso e a saúde mental já se mostrava uma pauta constante das rodas no Zoom aos headlines dos principais veículos. Coincidência ou não, entre as faixas do disco está Minha Cabeça, uma música que fala sobre ansiedade. “Compus em uma noite de insônia. É um pedido para se soltar, deixar a vida rolar...”, conta. Entre uma resposta e outra, Fernanda cantarola, recita um verso, entoa a poesia de sua música. Tão intimista quanto um show no Sesc São Caetano, que está próximo de completar 20 anos, no qual ela entrava descalça, marcando o passo com o seu tambor. Fernanda Porto está de volta, tão surpreendente quanto.


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NO EXÍLIO Por Fernando de Freitas

E G R O J U E S E Ê G O R

É E U Q O D U T A ELEBR C E U Q M U B L ZADE I UM Á M A A N E D A MÚSIC A N O C I T N Ê T AU

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Existe algo mágico nos fonogramas produzidos até a metade do século passado. Em nosso fetiche, sentimos que essas gravações carregam uma autenticidade que não se encontra naquelas produzidas com a evolução da tecnologia. Seja pelo “calor” do som que os suportes analógicos produzem (ou supostamente fazem, essa é uma longa discussão) ou pelas limitações resultarem em uma gravação mais próxima de uma apresentação ao vivo, a busca pela “verdade” analógica se tornou o desejo de muitos aficionados. Sendo ou não um romantismo (particularmente, eu faço parte daqueles que valorizam o analógico), existe todo um mercado para o vintage na música, desde os instrumentos produzidos com técnicas artesanais e amplificadores valvulados até a retomada do vinil, com a consequente busca pelos aparelhos de reprodução e gravação antigos (claro) reformados. Se posso arriscar uma opinião, existe um paradoxo que explica a busca pelo analógico, a música perfeita está cheia de imperfeições. É como pensar no conceito de “punctum” da fotografia de Roland Barthes, um elemento pré-reflexivo que representa um distúrbio e nos prende a atenção. Foi pensando nisso que conversamos com Rogê, que transformou as quase três décadas de amizade com Seu Jorge em uma gravação direct-to-disc nos estúdios Artone, em Haarlem, na Holanda, produzido e lançado pelo selo Night Dreamer. Cada lado gravado em um único take sem interferências, do microfone Neumann para o torno de corte da mesma marca. O estúdio conta com um das últimas mesas de mixagem RCA 76D (o mesmo modelo que era usado no lendário Sun Studio, em Memphis – que gravou o início do rock’n’roll de Elvis, Carl Perkins e Johnny Cash, entre tantos) e outros equipamentos clássicos (você pode ver uma apresentação de todos eles aqui https://www.artone-studio.com/Brochure-Artone-weblr.pdf ) O músico carioca, hoje radicado em Los Angeles, recebeu a proposta da Night Dreamer para

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gravar o álbum para registrar a amizade com Seu Jorge junto com uma tarefa muito difícil: convidar o amigo. “O Jorge é muito ocupado, além da música, ele tem os trabalhos no cinema e na televisão” conta Rogê. “Mas para minha surpresa ele aceitou na hora”. A disponibilidade era limitada, Seu Jorge chegou na Holanda em um dia, os dois amigos passaram a noite em claro repassando as músicas e arranjos, gravaram no segundo dia e fizeram a sessão para o lado b no dia seguinte. Em três dias de encontro, o álbum estava gravado. É um contraste de como estabelece-

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ram a amizade tantos anos atrás. Um certo dia se encontraram por acaso em Santa Tereza, bairro boêmio do Rio de Janeiro, sendo apenas dois conhecidos. A conversa evoluiu e acabaram compondo juntos a canção Caminhão (que está registrada no disco). “Compor é assim, você pode se juntar com o maior compositor do mundo e não sair nada, mas com outras pessoas, simplesmente flui”. E com Seu Jorge deu certo: “a gente mudou o arranjo, a música era para groovar, fizemos uma bossinha no disco”. Caminhão é, inclusive, uma palavra

quase impronunciável para qualquer estrangeiro, cheia de sons anasalados, tão característicos da língua portuguesa. E é curioso que ambos os músicos agora residam nos Estados Unidos, onde fizeram a primeira turnê de lançamento deste trabalho. Mas não é mero detalhe, uma das músicas mais marcantes do álbum é Meu Brasil, que descreve a visão apaixonada de Rogê pelo seu próprio país, bem como as facetas que ele particularmente valoriza em nossa cultura. “Quando eu digo que é o meu Brasil, pode não ser o seu ou de outro cara. Esse é o Brasil que eu amo” diz Rogê sobre a canção: “é o meu violão, é o batuque do candomblé em que eu acredito, que tem Dona Ivone, Anastácia e Pelé, e Marielle é a voz da mulher, tem o samba com a bola no pé, que é o futebol e a música, que ainda são os melhores do mundo”, complementa usando a letra da composição. O músico conta também sobre a canção Pra Você Amigo, que aparecia em seu mais recente álbum, mas que, na voz de seu Jorge, ganhou um novo contorno, ainda que a canção não seja escrita especificamente para ele. “Claro que eu pensei no Jorge e em tudo que fizemos juntos, mas também tem o Arlindo (Cruz) e tantos outros”, diz, citando o amigo com quem foi indicado ao Grammy Latino pelo álbum Na Veia. “Eu tenho apenas dois álbuns em vinil, esse gravado agora e o com o Arlindo”. Ele conta, também, que as canções, quando tocadas ao vivo tomam corpo e mexem com o público. É o caso de Onda Carioca, que foi composta para homenagear uma casa de shows brasileira em Paris e executada com muita descontração para fechar o álbum. A música mostra um pouco do espírito dos músicos que rompem barreiras mesmo onde não são inteiramente compreendidos linguisticamente, fazendo graça com palavras

Fotos: Divulgação

NO EXÍLIO


em português e francês, meio aleatoriamente. O sabor deste álbum é exatamente como imagino o cardápio do lendário Zicartola, o bar onde dona Zica, esposa do compositor Cartola, servia seus quitutes da cozinha caseira enquanto a melhor música carioca rolava solta no palco. A comida caseira depende de uma mão única, que não aparece na alta gastronomia ou na comida industrializada. Existe um elemento que extrapola a técnica, que faz você acessar suas memórias

afetivas, assim é este álbum. A sensação é a de que Rogê e Seu Jorge cantam na sala de sua casa, mas, mais que isso, existe uma intimidade que faz você sentir que esse evento é absolutamente natural, como se você participasse da amizade dos dois. O álbum inteiro é gravado apenas pelos dois acompanhados por Peu Meurray e Pretinho da Serrinha, com quem ambos já têm uma longa relação. Existem elementos neste álbum que estabelecem essa diferenciação e que rechaçam toda pasteurização

musical que pode resultar dos processos digitais. As vozes por vezes entram descasadas por milésimos de segundo, você ouve os músicos se distanciarem e se aproximarem dos microfones e, claro, afinações que saem levemente do padrão perfeito. Sem os muitos recursos de softwares como Protools (por exemplo, Autotune), o resultado é um registro muito natural, que requer talento e experiência, principalmente de quem foi moldado pelas apresentações sobre o palco.

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CAPA Por Fernando de Freitas

Fotos: Divulgação

N Â T I R B O Ã S A V N I A V O N A Glass Caves

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AP M U , R E T S E H DE MANC END P E D N I A R O D GRAVA O R O A R A P O T MOVIMEN SICAL U M O D A C R E M


NICA

PEQUENA M U A R E D I L E T DEN RO A M O T E R K C O R

“N

ão importa o que eu acho da Mafalda, importa o que Mafalda pensa de mim”, disse Júlio Cortázar ao ser perguntado sobre a personagem de Quino. E Mafalda amava os Beatles e os Rolling Stones, referência que apareceu diversas vezes durante o tempo que a tira foi publicada na Argentina. Em uma delas, a professora da pequena Argentina corrige os deveres de casa que devem retratar “as invasões inglesas”. Após desenhos de combatentes feitos por seus colegas, a professora toma um susto com o desenho de Mafalda, retratando hippies pregando paz e amor e exaltando as bandas. Era a década de 60 e a importância cultural da música britânica era tamanha e estava tão marcada no mais resistente símbolo da cultura pop portenha que nem a posterior Guerra das Malvinas conseguiu afastar. A Invasão Britânica foi o primeiro fenômeno verdadeiramente global da indústria fonográfica, pois, antes disso, mesmo entre os países de língua inglesa, a difusão da música entre fronteiras ficava restrita a nichos e seus discos, quase sempre importados, de lojas específicas. Ao ver os relatos de Paul McCartney ou Keith Richards, é possível ver como o rock´n´roll era objeto de adoração de um público segmentado, quando a moda era o skiffle e este sequer é mencionado por artistas americanos como Bob Dylan. A Invasão Britânica tomou os EUA e o resto do mundo como nenhum outro movimento musical tinha feito antes dele. De uma só vez o mundo inteiro sabia quem eram os Beatles, os Rolling Stones, o The Who, The Yardbyrds e Donavan. Os anos se seguiram e novas invasões aconteceram nas décadas seguintes, seja com o hard rock, com o punk, com o post-punk e com tantas outras manifestações que, nos anos 1990,

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CAPA chegaram à sua síntese com o britpop de Oasis, Blur e Radiohead, dominando o mercado na música no rescaldo do grunge. Movimentos como estes são resultado de uma cultura musical decorrente da efervescência cultural em grandes polos econômico-culturais, em um país que, convenhamos, precisa de música que fique bem tocada em pequenos clubes e pubs devido ao conhecido clima frio e chuvoso (lembrando os ensinamentos de David Byrne em Como é Feita a Música).

O QUE O NORTE TÊM DE ESPECIAL?

Ainda que Londres seja, bem... Londres, no norte da Inglaterra existem algumas grandes cidades famosas internacionalmente por duas coisas: futebol e música. Liverpool foi a casa dos Beatles e Shefield, o berço de Joe Cocker, Def Leppard, Arctic Monkeys, Pulp e Moloko. Mas Manchester foi mais prolífica com Oasis, The Smiths, Joy Division (e seu successor, New Order), Buzzcocks, The Stone Roses, The Fall, The Durutti Column, 10cc, Godley & Creme, The Verve, Elbow, Doves, The Charlatans, M People, The 1975, Simply Red, Take That, Dutch Uncles, Everything Everything, Pale Waves e The Outfield, bem como foi o lugar onde Tony Wilson fundou a Factory Records e o clube Haçienda. Entre essas cidades, em comum há o fato de serem grandes polos industriais e econômicos, que permitiram o desenvolvimento e intercâmbio necessário para as artes, em especial a música, florescessem. É interessante como essas cidades industriais, e não polos educacionais como Oxford e Cambridge, são terrenos férteis para a o rock inglês (e sim, eu seu que Syd Barrett era

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natural de Cambridge e que Roger Waters e David Gilmour também residiram na cidade). Talvez isso seja resultado de algo que John Lennon tentou retratar em Working Class Hero, o rock é uma música que tem em sua base elementos de rebeldia e catarse que atraiam (e ainda atraem), especialmente na Grã Bretanha, jovens das classes proletárias. E como já dito, o clima ao norte não é exatamente amigável (winter is coming!), o que propicia a escassez de atividades ao ar livre e a necessidade de entretenimento para locais fechados, como pubs. E quando você junta tédio, cerveja e desigualdade social, tem, canalizado em arte, rock’n’roll.

SCRUFF OF THE NECK

Existe uma lenda segundo a qual Dick Rowe, um executivo da Decca Records, teria dito a Brian Epstein ao recusar os Beatles: “grupos com guitarras já estão indo embora, os Beatles não têm futuro no show business”, sendo considerado o maior erro de uma gravadora na história da música. Quando perguntei a Mark Lippmann, CEO da Scruff of the Neck, porque ele acreditava na música feita com guitarras em 2020, ele esticou o braço e trouxe para o vídeo uma Stratocaster. A resposta era simplesmente essa. O complemento é que existe algo de mágico em um tipo de música que qualquer um pode fazer aprendendo alguns acordes e soar como seus ídolos. A Scruff começou sem grandes pretensões. Mark vivia sobre um pub em Manchester na época em que era estudante e a música lá era inexistente. Ele insistiu muitas vezes para promover bandas no local e, depois de várias recusas, o dono do pub lhe deu uma oportunidade e comprou uma mesa de som. Foi um

sucesso. A cada show que promoviam, o dono do pub comprava mais um equipamento, como luzes e caixas de som melhores, até que Mark tinha sob sua responsabilidade um inventário bastante respeitável para organizar os eventos. Eventualmente, o local teve problemas financeiros e fechou. Foi quando Mark comprou os equipamentos com os quais trabalhava e passou a organizar shows nas cidades dos arredores de Manchester. Outro relativo sucesso, que acabou após os adolescentes e jovens que iam ver as bandas promoverem confusões em praticamente todo lugar que eles tocavam. Mais uma vez, a Scruff se adaptava, agora para se tornar uma promotora de shows em casas de médio porte de Manchester, crescendo até se tornar um negócio em âmbito nacional. Em parte dos 11 anos de existência da Scruff, Mark se dividiu entre ela e uma posição corporativa em um banco. Mas com o negócio da música dando certo, ele usou da experiência adquirida na instituição financeira para tornar a empresa de promoção um grupo de sete empresas que cuida do trabalho artístico em todos os níveis, desde empresariar artistas, gravá-los e promover seus shows, como também, a área de publicação e marketing, podendo cuidar de cada aspecto do trabalho de um talento em que eles acreditam. Foi assim que conquistaram o prêmio de melhor gravadora pequena em um prêmio do mercado independente de música.

SEGUINDO A INTUIÇÃO

Mark estava esperando sua esposa em frente a uma loja quando viu uma banda incrível tocando na rua. Era uma das muitas e constantes apresentações da banda Glass


Somebody’s Child

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CAPA

The Reytons Caves. Imediatamente, Mark se apresentou e apresentou a Scruff para os músicos e se ofereceu para ser empresário da banda. Naquele momento, a Glass Caves tinha compromissos com outro empresário, mas Mark passou a promover seus shows, transformando a relação em forte amizade, que fizeram da banda a principal aposta do modelo de

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negócios da Scruff hoje. Glass Caves é uma daquelas bandas que trabalha em busca de autenticidade em toda sua atuação. Sua busca na música passa longe da artificialidade da fama. Apostam nesse contato direto com seu público, alegando, inclusive, ter cumprimentado pessoalmente cada um de seus fãs durante as apresentações

de rua, entre eles o ex-jogador de futebol Peter Crouch. O som da banda não é propriamente cru, mas pode-se dizer que é uma música que retoma princípios básicos. São rocks para dançar, pular e se divertir. É música feita de energia pulsante para conquistar, entre batidas com muita caixa de bateria e guitarras com riffs marcantes. Os


singles mais recentes, Chasing a Feeling e Eye to Eye, marcam um estilo que pode se tornar a tendência das próximas temporadas de shows que virão após o fim da pandemia. A banda irlandesa Somebody’s Child é estrela em ascensão que acabou de assinar com a gravadora. A banda de rock alternativo trabalha com uma música inquieta carregada de sentimentos. As canções são guiadas pelas linhas do baixo marcado que faz um papel organizador das canções. Entre as conquistas da banda está esgotar ingressos nas maiores casas de shows de Dublin e abrir para o Kaiser Chiefs. Já The Reytons é uma banda de levadas de guitarra, com a sonoridade mais direta e agressiva. A bateria abusa da batida reta, o que realça a rítmica da melodia vocal. São arranjos simples e cheios de breques causando múltiplas pancadas na música. Existe a sinceridade simples de quem sabe explorar os espaços vazios de uma música para deixá-la mais marcante. E, por fim, entrando no universo pop mais puro, está o jovem talento de Lucy Deakin, que apresenta aquelas músicas que deliciosamente grudam em nossa mente. A cantora tem melodias sedutoras que cabem em qualquer ambiente, da pista de dança ao som do carro, sempre te deixando em constante movimento. Essas são as tropas da Scruff of the Neck para tomar o mundo. Fica claro que, a partir de Manchester, eles buscam mais tropas pela Europa e, muito provavelmente, apostarão em talentos brasileiros, uma vez que já encontraram representantes por aqui. O Brasil, segundo as pesquisas deles, é o ponto de partida para conquistar a América Latina, pois a música que produzem tem grande aceitação por aqui. Não se surpreenda se, com a Scruff of the Neck, outras empresas embarcarem na invasão.

Lucy Deakin

Mark Lippmann

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O INSTITUTO ENTREVISTA

O J Ú A R A Y E L HAR

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Por Felipe Ricco


Fotos: Jacek Dylag on Unsplash

O

luthier Harley Araújo tem 36 anos e há seis se tornou profissional na construção e reparo de instrumentos musicais. Antes disso, trabalhava como consultor de sistemas. Decidiu que queria ser um profissional da luthieria para estar mais próximo do mundo da música, pois já era guitarrista amador e sempre teve aptidão para fazer a manutenção dos seus instrumentos e dos amigos. Após fazer cursos de especialização e ser estagiário na Romano’s Luthier por quase um ano, abriu sua própria oficina e vem vivendo disso há mais de cinco anos. Em paralelo, também trabalha como professor de luthieria em cursos presenciais e online nO Instituto. Confira nossa entrevista com ele. Como você descobriu a luthieria? Trabalhei como vendedor em uma loja de instrumentos musicais, nos anos de 1999 e 2000, e, mesmo já tocando guitarra e tendo banda desde 1997, a primeira vez que ouvi a palavra “luthier” foi trabalhando nessa loja. Lá, tive os primeiros contatos com manutenções básicas e conheci profissionais da música de vários segmentos, inclusive, luthiers. Você fez algum curso na área? Sentiu dificuldades para obter o aprendizado? Estudei na escola B&H Luthieria, em São Paulo/SP por alguns meses. Em seguida, fiz um curso online de regulagem de instrumentos na Luthieria Mundo das Cordas, de Belo Horizonte/MG e, por fim, fiz um curso de construção de instrumentos da Nesher Guitars, em Cafelândia/PR. Não senti dificuldade no aprendizado, pois eu estava bem certo de que queria isso como profissão, mas tive certa dificuldade em me sentir seguro para mexer nos instrumentos de outras pessoas, pois o músico tem um apego grande pelos seus instrumentos e basta um erro e um problemão vai ser causado. Esse motivo me fez adiar em quase um ano os planos de abrir a minha oficina. A segurança começou a

vir depois que trabalhei na Romano’s Luthier e, definitivamente, quando aprendi a construir instrumentos. Qual a sua especialidade? Você se considera um guitar tech ou um construtor? Apesar de ser um construtor e professor de construção, considero que minha especialidade é o trabalho de Guitar Tech, pois é isso o que faço diariamente na minha oficina. Meu dia a dia é cheio de manutenções, regulagens, ajustes, troca de encordoamentos, esquemas elétricos de todos os tipos, troca de peças etc. Essa foi uma escolha que fiz desde o planejamento da abertura da minha empresa: primeiramente questões de estrutura física e o investimento necessário para se ter uma oficina dedicada à construção; e, segundo, por uma ideia do que considero “a ordem natural das coisas” nessa profissão. Em todos esses anos, qual a maior dificuldade que você encontrou no ramo? Como eu estava “virando uma chave” e largando uma profissão para me tornar um empreendedor, procurei fazer tudo da forma mais correta e organizada possível: planejamento total, elaboração do plano de negócios, abertura da empresa formal, montagem da oficina completa, contatos com os primeiros fornecedores, e tudo isso antes de abrir as portas, eu não iria trabalhar paralelamente com outra profissão, não iria mudar aos poucos. Assim, minha maior dificuldade foi conseguir captar clientes e gerar receitas a partir do primeiro dia, fazendo a empresa me pagar um salário já no primeiro mês, e se mantendo dali em diante, tudo isso sem caixa, pois o pouco capital que tinha foi usado no investimento inicial da empresa. Como você vê o mercado da luthieria no Brasil? Vejo em total crescimento, pois cada vez mais músicos estão se interessando pelos serviços, entendendo a importância de um instrumento bem regulado, valorizando mais os instrumentos handmade nacionais. O refle-

xo disso é o surgimento de cada vez mais cursos presenciais e online. Novos profissionais são bem vindos nesse mercado? Totalmente bem vindos, quero ser amigo de grande parte desses novos profissionais. Mantenho ótima relação com vários colegas de profissão de todas as regiões do Brasil e, também, com todos os meus alunos, pois aprendi com grande parte dos meus tutores e professores que o mercado é gigante e sempre terá espaço pra novos e bons profissionais. Com tantos instrumentos novos e usados sendo vendidos diariamente no Brasil, vai precisar de mais gente pra regular tudo isso. Como é a competitividade no meio da luthieria? Olha, já acompanhei muitos conflitos e egos exaltados em grupos de Facebook relacionados à luthieria, inclusive não faço mais parte de nenhum há uns bons anos, então acredito que haja, sim, pessoas muito competitivas. Mas, felizmente, não vivo essa realidade, não considero que tenho nenhum concorrente, tenho relação de amizade com grandes profissionais da minha região e de todo o país, inclusive trocando serviços, passando clientes em caso de indisponibilidade, tirando dúvidas sobre trabalhos específicos, ferramentas e produtos etc. Além de luthier, você é professor de luthieria. O que acha desse ramo? Acho necessário para o nosso mercado em crescimento, pois, pra atender pessoas interessadas em aprender, precisamos de profissionais dispostos a ensinar. Hoje, o mercado já não é o mesmo que já foi um dia. Creio que há pouco espaço pro luthier “guardador de segredos” e muito mais pro luthier que está disposto a passar seu conhecimento. Mas é uma responsabilidade grande ser professor, pois não é só ensinar a lixar, é preciso também falar sobre segurança na operação de máquinas e ferramentas, sobre respeito ao cliente, sobre honestidade e sobre qualidade do serviço. Creio que qualquer um que tenha isso em mente e

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que tenha algo a ensinar, pode se tornar um excelente professor, independente de ter dois ou vinte anos de profissão. Você também é professor do curso online de luthieria, “Os Segredos do Luthier”. Qual sua opinião sobre cursos online nessa área que antes era marcada pela não divulgação de conhecimento? Sem dúvida, é uma evolução e totalmente indispensável hoje em dia. Vivemos uma época em que os conteúdos online estão ganhando cada vez mais espaço e não seria diferente com a luthieria, pois, mesmo sendo uma profissão que necessita de muito tato, com trabalhos que exigem atenção aos detalhes, é possível absorver perfeitamente as informações passadas online e aplicar na prática todos os conceitos. Eu não abro mão de conteúdos online, pois, além de participar da produção desse tipo de conteúdo, também sou consumidor, tendo

inclusive um curso online como parte da minha formação de luthier, por isso eu tento ser bem criterioso quanto à qualidade da informação e à forma como eu vou passar e independente se o aluno já é um luthier experiente ou um músico que deseja regular seus próprios instrumentos, tento sempre ser claro e didático. Qual seu conselho para os novos profissionais? Estudem bastante, não parem de estudar. Pratiquem bastante, sejam cuidadosos e façam sempre trabalhos com a melhor qualidade que vocês puderem entregar. Estabeleçam limites para os seus serviços, saibam o que são e o que não são capazes de realizar com qualidade, e saibam dizer não para o cliente quando não puderem fazer algum serviço. Sejam ousados, mas não aventureiros. Sejam amigos de

outros luthiers, sejam humildes, passem o conhecimento pra frente, troquem indicações e se ajudem sempre. E o principal, trabalhem sempre como profissionais, mesmo que ainda sejam iniciantes, pois demonstrar profissionalismo encanta o cliente. Muito obrigado, Harley. O espaço é seu, deixe seu recado par os leitores. Meu recado vai para os amigos músicos. Se vocês nunca tocaram em um instrumento regulado, com trastes nivelados e polidos, vocês não sabem o que estão perdendo. Seja iniciante ou profissional, tendo instrumento barato ou caro, tocar com um instrumento impecável vai ser muito vantajoso par o seu aprendizado ou pra sua evolução. Sejam exigentes para poderem tirar o melhor de seus instrumentos, levando pra um luthier ou fazendo vocês mesmos a regulagem, seus fãs agradecem, o mercado agradece.



HOMENAGEM Por César Ricky Mendes e Bianca Silva

D N E L EXP GADO DE

Fotos: Tinho Souza / Divulgação

UM LE E O Ã Ç A C DEDI A I C N Ê L EXCE

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E

m tempo para lá de recorde, a Explend Amplificadores Valvulados ganhou espaço e notoriedade na indústria handmade brasileira. Amplificadores de altíssimo nível, construídos por um cara extremamente simpático e caprichoso – José “Zezinho” Silva. Porém, infelizmente a história da marca chegou ao fim em agosto de 2019, após o falecimento do fundador/proprietário. Contudo, essa história precisa ser contada e lembrada. Pois, para muitas pessoas, os amplificadores Explend tornaram-se um item colecionável de um trabalho que foi construído com muita dedicação.

O INÍCIO DE TUDO

Para contar a história da Explend é preciso dizer que ela começou muitos anos antes de seu primeiro amplificador valvulado ser produzido. José “Zezinho” Silva, fundador e criador da empresa, sempre teve paixão por música, e por eletrônica. Na música, como ouvinte; na eletrônica, como um curioso e grande estudioso do assunto. Por diversos motivos, comuns à vida de todas as pessoas, não foi possível que, desde sua juventude, Zezinho, seguisse pelo ramo da eletrônica e dos equipamentos musicais que tanto amava. Ao invés disso, teve uma longa carreira de bancário, finalizada em 2009. E foi depois disso que a história da Explend começou: com a fabricação do primeiro amplificador valvulado para guitarra. Zezinho formulou o primeiro modelo a partir de muito estudo e por conta própria. E, também, através de inúmeras fontes de pesquisa e do seu conhecimento em eletrônica. Outra fonte de pesquisa foram os músicos, pois tinha uma grande preocupação em atender às expectativas e à busca pelo timbre desejado dos guitarristas. O primeiro modelo, chamado, não à toa de “Model One”, foi inspirado no clássico Marshall JCM-800. A partir disso, ao longo de 10 anos, foram criados os modelos Epicus, Exp-30, Diamond Drive, Cappuccino e K2S (obs.: o K2S foi desenvolvido com o guitarrista Kléber K. Shima; e o nome “Cappuccino”, foi escolhido após tomar um cappuccino com o amigo César Ricky Mendes, autor desse texto). Outro grande desafio inicial era fazer um amplificador que funcionasse também para gaita. O músico Márcio Abdo proporcionou um grande aprendizado nesse começo ao propor tal desafio. O resultado foi recompensado pela aprovação e satisfação de Márcio, algo que serviu como um enorme incentivo.

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HOMENAGEM Um dos primeiros nomes a utilizar os amplificadores da Explend foi o guitarrista Eduardo de Oliveira, respeitado músico e professor na cidade de Louveira/SP. “Dú”, como é conhecido pelos amigos, conheceu os amplificadores do Zezinho meio que “por acaso”, através da indicação de um técnico de som que tinha ouvido falar de um cara que construía amplificadores. Quando Eduardo conheceu o Zezinho, imediatamente se encantou com o timbre e a qualidade dos amplis. Os dois formaram uma parceria e amizade que durou até o fim. “Dú”, além de ter sido o músico que mais indicou e “vendeu” amplificadores para a Explend, também foi professor de guitarra da filha do Zezinho, a Bianca.

A PROPAGAÇÃO DE UM TRABALHO

Outro guitarrista muito importante na história da Explend foi o músico e produtor Fernando Gambini. O músico conheceu o Zezinho através do mesmo técnico de som que indicou os amplis para o “Dú”, Reinaldo Picchi. Zezinho foi até o estúdio do Fernando Gambini, já sabendo que o músico era um pesquisador de timbres e muito entendido no assunto. Ali, ele apresentou o protótipo do Model One. Naquela época, os transformadores ainda não eram produzidos pela própria Explend (depois que passaram a ser produzidos pela própria empresa, a qualidade melhorou muito). Fernando Gambini deu muitas dicas sobre os graves e timbres clássicos. O músico foi importantíssimo no desenvolvimento dos amplificadores e, também, com o seu estúdio, onde aconteceram muitas gravações e demonstrações dos amplis da Explend. Muitos músicos conhecidos do interior de São Paulo passaram a utilizar

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os amplificadores da Explend. Podemos citar Jean Pedroso, Rogério Portella e Beto Baialuna, entre outros, que foram alguns dos primeiros guitarristas – e também professores – que testavam, compravam e indicavam para amigos e alunos os modelos da Explend.

UMA NOVA FASE

Por volta de 2013, num momento crítico e de desesperança para a Explend, a história da empresa entrou numa nova fase. César Ricky Mendes, jornalista e guitarrista da banda Tehilim Celtic Rock, que já trabalhava com assessoria de imprensa e consultoria de marketing para o mercado musical, conheceu o Zezinho na mesma comunidade de fé que frequentavam e foi convidado para testar os amplificadores Explend. Em seu primeiro contato com os amplis, o espanto foi imediato por estar diante de um equipamento tão bom e que precisava ser conhecido em nível nacional, não apenas no interior de São Paulo. César Ricky montou, então, um planejamento de marketing e fez uma proposta para Zezinho, cujo objetivo seria levar os amplificadores para que fossem testados e conhecidos por importantes músicos do cenário nacional. Assim, César Ricky apresentou o Zezinho para o empresário Célio Ramos, conhecido sócio do EM&T. O objetivo era colocar os amplificadores no programa “Setup on Fire” (atual “Rig on Fire”), do guitarrista Silas Fernandes. Célio gostou dos amplificadores logo de cara e, além de fazer a “ponte” entre a Explend e Silas Fernandes, também colocou alguns modelos para que ficassem na escola e fossem testados pelos professores. Logo após os amplificadores aparecerem no programa “Setup on Fire”,

a procura cresceu muito e uma parceria com o programa aconteceu, parceria essa que durou até a mudança de Silas Fernandes para os EUA. Porém, através disso, muitos guitarristas importantes puderam conhecer a Explend. Entre esses guitarristas estão Wanderson Bersani, que utilizou o modelo Diamond Drive e fez vídeos de review para a Explend e para a revista Total Guitar. Além de Wanderson, o músico e professor Fábio Santini foi outro guitarrista que passou a contar com os amplificadores Explend. Por volta de 2015, a Explend lançou o modelo EXP 30 – baseado no Matchless – que foi o modelo mais encomendado da marca e o favorito de muitos guitarristas que buscavam um amplificador com nível de “importado de boutique”.

A CONSOLIDAÇÃO DA EXPLEND

Através do EM&T, Zezinho teve contato com muitos guitarristas dos quais ele mesmo era admirador. E por estar sempre conversando com Célio Ramos, conheceu o músico Kléber K. Shima. A aproximação entre os dois foi imediata e Kléber teve um papel fundamental na propagação da Explend. Segundo a esposa do Zezinho, Márcia, o músico trabalhava dia e noite ajudando na divulgação da empresa, indicando os amplificadores. Essa parceria com Kleber K. Shima se estendeu e quando ele fundou sua própria escola de música, o IMKS (2017), a Explend esteve presente e o instituto se tornou o showroom oficial da marca. Em 2018, mais um parceiro muito importante surgiu: o guitarrista Bruno Piapara, músico que, entre outros trabalhos, apresentou-se com a Família Lima. Bruno gravou reviews do modelo EXP-30 até o ano de 2019 e sempre fez uma forte divulgação.


“Vivemos muitos e muitos momentos de crise e desesperança, mas a fé da família no Deus que é Autor dessa história, atrelada a muito trabalho prático e de pesquisa, nos faz ter certeza da sólida reputação construída ao longo dos anos. E essa é uma reputação que faz jus ao nome da empresa: Explend”. Bianca Silva (filha do querido Zezinho).

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HOMENAGEM

Nessa mesma época, a Explend, que já produzia seus próprios transformadores, também passou a produzir os próprios alto-falantes. O curioso é que o impulso para a produção dos falantes – a empresa costumava utilizar Celestion e Eminence –, foi a alta do dólar e o aumento das taxas de importação. Como a empresa sempre foi muito cuidadosa com os componentes utilizados, a produção dos falantes não seria inferior. Assim, a Explend passou a desenvolver alto-falantes de altíssima qualidade para incorporar em seus amplificadores. Uma das últimas parcerias da Explend Amplificadores, muito importante, se deu com o guitarrista country Guto Vighi. Guto conheceu

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o Zezinho através de Kléber K. Shima, ali no IMKS. Zezinho gostou do Guto de imediato, pois percebeu que o músico conhecia eletrônica e sabia muito bem o tipo de timbre que queria. Os dois estavam desenvolvendo um novo modelo de amplificador para a Explend, bastante voltado para o country. Segundo relatos, seria um produto revolucionário no mercado de amplificadores. O próprio guitarrista ficou com o protótipo do amplificador para terminar de produzi-lo após o falecimento de Zezinho. Guto Vighi também foi o responsável por fazer o contato entre Explend e a Malagoli Captadores, abrindo uma nova porta para a empresa.

OS ÚLTIMOS DIAS

Muitos reviews foram produzidos em vídeo para os amplificadores da marca. Os últimos foram realizados por meio da parceria com o músico e cinegrafista Marcelo Bertola, que cuidou da gravação e edição de áudio/vídeo, oferecendo um material de qualidade para aqueles que não poderiam estar pessoalmente em contato com os amplificadores, mas queriam conhecer os produtos através do site, mídias sociais e Youtube. Em 2019, a Explend Amplificadores, estaria com seus produtos na Music Show. Além dos diversos modelos da empresa, Zezinho havia compartilhado com o músico e jornalista César Ricky, que estava desenvolvendo não apenas um novo modelo de am-


plificador, mas também pedais valvulados baseados em cada um dos seus amplis. Segundo César Ricky, esse seria um grande salto para a empresa, pois o objetivo era fazer com que esses pedais também funcionassem como pré-amps para serem ligados em linha. Infelizmente, em agosto de 2019, pouco antes de estrear na Music

Show, com novas ideias, produtos e parcerias em desenvolvimento, José Silva, faleceu devido a diversas complicações de saúde. A notícia foi um grande choque para músicos, parceiros e amigos. Após 10 anos de Explend Amplificadores, Márcia e Bianca, esposa e filha de, sentem-se gratas por cada um que acompanhou a história da marca. Por

cada músico que testou os amplificadores e alto-falantes, cedendo seu tempo e compartilhando suas impressões e seu conhecimento. Cada um foi importante e expandiu as oportunidades da Explend por meio de seus contatos. Muitos importantes músicos não foram citados, mas todos têm parte fundamental na história da Explend Amplificadores.

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DINOSSAURO Por Erico Malagoli

O mundo mudou tanto desde que a primeira guitarra foi lançada... A primeira, lançada em escala nacional nos Estados Unidos, foi a broadcaster que mais tarde veio a se chamar telecaster. Era uma versão com dois captadores do protótipo chamado Esquire, lançado em 1950. Embora hoje a telecaster continue exatamente igual a essa primeira guitarra de 70 anos atrás, o tempo passou para carros, telefones e TVs. Isso sem falar em computadores, porque a comparação seria absurda. Esses produtos evoluíram muito em tecnologia e design. Mas, apesar de toda essa evolução, as guitarras mais vendidas hoje em dia são as mesmas guitarras desenvolvidas nos anos 50. Pensando, então, nessas 7 décadas desde o lançamento da telecaster, eu me propus um desafio mental e comecei a imaginar como seriam os carros, os telefones, as televisões, os computadores e, claro, as guitarras daqui a 70 anos. Provavelmente, os carros finalmente estarão voando (temos tudo que os Jetsons prometeram, menos o carro voador), se dirigindo sozinhos, com alguma tecnologia inovadora e limpa para os alimentar. Os telefones estarão em nosso cérebro e não precisaremos de um aparelho para fazer ligações, assim como as televisões, que também estarão dentro do nosso cérebro, e projetaremos as imagens em alguma superfície. Já as guitarras... provavelmente não serão mais

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em madeiras, por questões ambientais, mas provavelmente de algum material tecnológico tão bom ou melhor do que a madeira, que terá sido inventado. Mas, com certeza, as cordas terão sido a primeira coisa a desaparecer, tornando desnecessárias pontes e tarraxas. Os captadores também mudarão e creio que até o amplificador não será mais necessário fisicamente e o som saíra de vibrações do ar projetados diretamente da guitarra. As escolas de música e as videoaulas não serão mais necessárias, já que poderemos fazer um download em nosso cérebro, perda de tempo para aprender um novo instrumento ou aprimorar nossa técnica. Eu estou fantasiando, mas é interessante pensar que, se você fizer uma busca no Google, encontrará poucas projeções de guitarras realmente do futuro, geralmente são modificações no design ou tentativas de se esconder a tarraxa, a ponte e os próprios captadores. Isso prova o quão difícil é pensar em uma guitarra do futuro. E, refletindo na evolução da guitarra nos últimos 70 anos e nos próximos 70 no nosso mercado, chego à conclusão (dessa vez sem delírios) de que, quando essa época chegar, as guitarras mais desejadas continuarão sendo as guitarras desenvolvidas nos anos 1950 e as pessoas continuarão buscando os timbres perfeitos dos captadores vintage enrolados à mão.

Photo by Viktor Forgacs on Unsplash

O R U T U F O D A R R A T I U G A


COXIA Anneliese Kappey

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Carolina Vigna Ian Sniesko

Luis Barbosa

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA

Matheus Medeiros

440 Hz



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