Revista 440Hz - Ed. 11

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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

PETER LAKE O FENÔMENO INVISÍVEL

LUCINHA TURNBULL

A LENDA DO ROCK BRASILEIRO

A VOLTA PRESENCIAL

COM CAUTELA E VACINA



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SUMÁRIO 06 NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS 26 PETER LAKE 30 DUAS VEZES BRECHT 32 O ANIVERSÁRIO DE GRACELAND 40 LUCINHA TURNBULL um perfil de uma lenda 48 CAPA - A VOLTA DOS ESPETÁCULOS

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54 MUITO ALÉM DO STREAMING 56 COLUNA SUSPECT DEVICE 62 REFRESCA MINHA ALMA novidades musicais 64 RESENHAS 68 ENCERRAMENTO - ERICO MALAGOLI

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EDITORIAL SOBREVIVEREMOS Uma das coisas que mais amo em música, é que se trata de uma atividade comunitária. Fazer ou escutar música, se faz de forma coletiva. Mesmo isolados, socialmente distantes e com medo, fizemos e ouvimos música para nos reconectar. Dos três elementos que fazem a música, a harmonia e o ritmo pressupõem a experiência coletiva. Já a melodia é a linha individual que (quase sempre) respeita os outros elementos. Ouso dizer que a força do grupo é o que cria os momentos mais sublimes da música. De uma orquestra (com coro) cantando a “Ode da Alegria”, no 4º movimento da 9ª Sinfonia de Beethoven, a um estádio lotado entoando “Love of my Life”, ao comando de Freddie Mercury, ao som de violão de Brian May. A experiência coletiva, inclusive, é o que faz com que, eventualmente, a estrela individual brilhe. A história da música, por outro lado, é implacável aqueles que não se entregam à experiência coletiva, quer seja em relação ao seu público ou aos seus parceiros. A entrega é necessária. Quando assistimos à retomada dos espetáculos, é como se pudéssemos assistir à reconstrução desta essência. Espero que este reencontro signifique luz sobre o obscurantismo e que a multidão seja implacável contra os interesses individuais e escusos que nos afastaram. Fernando de Freitas

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Edição 11 - Outubro 2021 Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Lucas Vieira Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Ian Sniesko, Henrike Baliú Imagem da Capa: Divulgação FreeBeats Todas as fotos de evento foram feitas antes das restrições sanitárias A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

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JÚ AGORA É

LAZULI

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oi na pedra lápis-lazúli que a cantora Ju Strassacapa encontrou aquela que viria a ser a sua nova alcunha musical. Capaz de amplificar a intuição pessoal e estabelecer pontes com a espiritualidade, a energia proposta vai de encontro com o que a artista pensa para a sua carreira “solo” (em paralelo à da banda que integra, Francisco, el Hombre). “Quero trazer à tona muito do processo de auto-investigação que venho fazendo ao longo dos anos e que foram ficando num cantinho”, afirma LAZÚLI. “São músicas de magia, sinto que estou co-criando a minha realidade conforme eu me manifesto”, ela completa. O single “Me Aconteci” é o primeiro que chega ao público. A faixa faz parte de uma nova fase da carreira de LAZÚLI e integra o disco-solo que ela pretende lançar no primeiro semestre de 2022.

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EGO KILL TALENT LANÇA ÚLTIMA PARTE DE TRILOGIA A banda Ego Kill Talent acaba de lançar seu primeiro álbum acústico. Intitulado EGO KILL TALENT ACOUSTIC, o trabalho chega ao mundo quando o grupo está prestes a retornar aos palcos, em uma turnê internacional que passará por festivais norte-americanos e europeus, como Welcome to Rockville, na Flórida (12 de novembro); Rock am Ring (4 de junho de 2022) e Rock im Park (5 de junho de 2022), na Alemanha; além de Hellfest (17 de junho de 2022), na França. Pensado como uma trilogia de EPs e lançado no decorrer dos últimos três meses, ACOUSTIC comprova a potência da coletividade na dinâmica do Ego Kill Talent. Theo Van Der Loo (guitarra e baixo), Jean Dolabella (bateria e guitarra), Raphael Miranda (bateria, baixo e guitarra) e Niper Boaventura (guitarra e baixo) dividem a responsabilidade das composições com Jonathan Dörr, que define o EKT como uma “entidade com cinco fontes criativas”.

FotosVinicius Cerchiari

Fotos: Flora Vieira

NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS


HERVOLUTION REVELA TALENTOS FEMININOS DO FUNK Idealizado por Alana Leguth, sócia-fundadora da KondZilla Filmes, a plataforma HERvolution estreou como um concurso para trazer talentos femininos para a produção musical do funk. Pesquisa realizada pela União Brasileira de Compositores (UBC) demonstrou que 79% das mulheres que atuam na música são discriminadas. “Nossa ideia é ter letra escrita por mulher, o arranjo e a produção feito por elas e, claro, cantada por uma mulher, seja ela do funk, do trap ou do rap”, explica Alana. Na primeira etapa foram apresentados lançamentos com músicas e videoclipes produzidos pela produtora KondZilla com artistas da casa. Depois, HERvolution estreou como um programa televisivo semanal de variedades, na RedeTV!, em que todo o universo feminino é protagonista de histórias, desafios e debates – sendo uma das faces do projeto homônimo idealizado por Alana. Skye foi a grande campeã e fará a produção musical da nova música da Mila, que também contará com um clipe. Ambas com produção da KondZilla e lançadas no canal KondZilla – o maior canal de funk do mundo e o primeiro maior do Youtube no Brasil e América Latina. “Realizar esse concurso e em um canal de televisão aberta é mostrar a potência feminina não só com talentos novos, mas com profissionais do audiovisual que estão conquistando um espaço imenso, antes, dominado por homens”, finaliza Leguth.

“CORAÇÃO MISERÁVEL” REÚNE O GRITO E ANGELO GONZALEZ “Uma atmosfera densa e niilista”. Assim a banda O Grito define seu novo single, “Coração Miserável”, feito em parceria com o cantor potiguar Angelo Gonzalez. Com produção de Daniel Koffman e Ric Moraes, a canção lançada em outubro pelo trio formado por Daniel Canuto (guitarra e voz), Edu Raddi (bateria e coros) e Bê Queiroz (baixo e coros) é envolta de psicodelia e influências do country rock. A capa, feita pelo artista Philipe Baldissara, ilustra e realça o clima da música, que está disponível no YouTube e nas plataformas de streaming.

THE YOUNG, NOVO SINGLE DE AMESLARI

O single, que fala sobre ser jovem e o impacto emocional dessa fase, chega com um clipe produzido pelo próprio artista,gravado no Teatro Municipal de Ribeirão Preto. Esta é a quarta faixa que o artista apresenta de seu segundo disco – ainda sem previsão de lançamento por conta da pandemia – traz a sonoridade característica de AMESLARI: pop rock forte, enérgico e emotivo. “Espero que ‘The Young’ possa trazer reflexão e emoção para as pessoas, mas sem “baixo-astral”, ou seja, sem deixar de lado o entretenimento e a energia”, diz o artista.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

VIRIDIANA E A SUA EXPECTATIVA

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TINÉ PARA DANÇAR JUNTINHO

A relação que o cantor e compositor pernambucano Tiné vem da infância. “Minha avó tinha vários discos repetidos de Nelson Gonçalves, porque as pessoas davam de presente porque sabiam que ela gostava daquele tipo de som”, lembra o vocalista da Academia da Berlinda e da Orquestra Contemporânea de Olinda. Ele faz essa viagem e se inspira na sonoridade em Românticos do Rosarinho, terceiro disco solo do vocalista, tocado ao lado de uma recém-formada banda, que ainda conta com participações de Moreno Veloso, Lirinha, Jorge Du Peixe, Kassin e o jovem, prodígio do maracatu pernambucano Mestre Anderson Miguel. Cada um destes vem acrescentar qualidades distintas à essa celebração romântica para dançar juntinho.

NOVIDADES DO ALTER DO CHÃO

“Rio Mar”, do Mestre Chico Malta, “Batuque Mestiço”, de Cristina Caetano, e “Batuque do Coração”, de Dan Selassie, chegam ao público por meio da produtora de conteúdo e selo musical independente, Alter do Som. Mestre Chico Malta lança o disco “Rio Mar”. O álbum, que tem patrocínio da Natura Musical, é o primeiro registro de carreira solo do cantor e compositor de Alter do Chão e traz carimbó, xote, música popular paraense e marambiré. Já o álbum “Batuque Mestiço” é o primeiro trabalho solo da experiente cantora e compositora Cristina Caetano, que propõe um resgate da sua ancestralidade, enaltecendo a cultura e resistência dos povos afro-amazônicos e afro-indígenas. Por fim, Dan Selassielança seu primeiro álbum “Batuque do Coração”. Dan, que já passou pelo rap, rock, reggae e soul, tem se dedicado nos últimos anos ao carimbó.

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Fotos: Divulgação

pós debater o desejo nas paixões à distância em “3x4”, Viridiana busca a esperança no reencontro da dançante e poética “Expectativa”. O lançamento, disponível em todas as plataformas de música digital, antecipa o álbum “Transfusão”. “‘Escrevi ‘Expectativa’ no fundinho do inverno de 2020, em julho. Acho que foi um dos períodos do ano em que eu tava mais deprê, então tentei ir pro outro lado, tentei escrever sobre algo leve, mas que ainda fosse verdadeiro pra mim: a saudade de ligar pra uma amiga num dia baixo astral e dizer ‘ai amiga, vamo?’. Vamo pra qualquer lugar, beber qualquer coisa, fofocar de qualquer coisa, dançar qualquer hit, o melhor rolê que tem. Era um momento em que eu estava sempre procurando olhar pra frente, pro futuro, tentando enxergar portas se abrindo”, conta a artista. Viridiana é o projeto artístico de Bê Smidt, multiartista trans não-binária de Porto Alegre. Mesclando referências da canção brasileira com a música pop e eletrônica dançante, Viridiana canta sua vivência se camuflando nos sintetizadores e se descobrindo na voz. Viridiana foi selecionada pelo edital Natura Musical, por meio da lei estadual de incentivo à cultura do Rio Grande do Sul (Pró-Cultura).


Fotos: Camila Cornelsen / Divulgação

FRESNO INICIA MIXTAPE INVENTÁRIO

ELAS QUEREM SAMBA

“Temos umas coisas para mostrar para vocês”. Foi desta forma, em suas redes, que a Fresno fez a primeira menção do que será a mixtape INVentário. E é nessa mesma pegada enigmática que as faixas chegaram aos aplicativos de streaming. A banda disponivilizou: “INV001: 12 WORDS 30000 STONES”, “INV002: O SONHO É A SENHA” e “INV003: SAFC REMIX (feat. TWIN PUMPKIN - INSIDE A FAST CAR). Tal movimento é explicado pela banda como “a hora de abrir e vasculhar o nosso INVentário”. A ideia é explorar diferentes sonoridades e formatos, seja numa faixa inédita engavetada, em um remix ou um feat. “INV001: 12 WORDS 30000 STONES” foi a primeira a chegar ao conhecimento do público, no dia 30 de agosto.

Já está disponível, em todas as plataformas digitais, o terceiro EP autoral da cantora Dani Cruz, “Elas Querem Samba” – composto por quatro sambas inéditos em parceria com Mônica Michelly e Jubileu Filho. Ao longo de sua carreira, Dani Cruz já encabeçou outros projetos objetivando reverenciar esta importância na música, como Elas (2016) e Samba de Sereia (2017). Agora no EP “Elas Querem Samba”, a cantora busca fazer registros inéditos, muito relacionado a seu desejo e missão musical, mas também a uma forte demanda do público, devido à relação do seu nome ao gênero. Nessa ideia de valorizar o papel da mulher não apenas como intérprete, mas também como compositora, a artista se junta a parceiros para tornar o EP “Elas Querem Samba” real, fortalecendo o samba natalense, que vem ganhando muita notoriedade nos últimos tempos, e vem contando com grandes nomes ao longo da sua história.

LIZANDRA EM REFERÊNCIAS MINEIRAS

A faixa traz no título uma expressão muito utilizada no interior de Minas Gerais, local de origem da artista, e representa a situação de quando alguém está com dificuldades na vida. Composta em parceria com o amigo Aoni, entre São Paulo e Minas, Lizandra conta que a própria canção foi uma “pelejada danada” para ser finalizada. “Três meses se passaram e eu sempre com essa música na cabeça, pensando em terminar, mas o refrão não era aquilo ainda. Aí um dia tomando banho, eu estava lá cantarolando e de repente veio. Acredito que casou muito bem e ficou um refrão bem universal. Quando eu canto, fecho os olhos e imagino uma multidão no teatro cantando comigo”, explica. Embora a canção se relacione com as situações de dificuldade do período pandêmico, toda sua produção foi realizada anteriormente, com Maurício Hoffman e Rafa Reis, de São Paulo e a artista em Patos de Minas. “Acredito que a faixa veio muito a calhar, porque ressalta as dificuldades que temos na vida. Estou muito feliz e acho que agora sim é o momento certo de lançar”, completa.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

JUÇARA MARÇAL

LANÇA CRASH

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cantora e compositora Juçara Marçal começa a revelar, com o single “Crash”, as cores e camadas de seu segundo disco solo. Sucessor do aclamado “Encarnado”, “Delta Estácio Blues” está sendo finalizado pela artista ao lado do produtor musical Kiko Dinucci. Composição de Ogi, “Crash” apresenta uma nova faceta da artista e chega com um clipe assinado pela diretora carioca Ana Julia Theodoro. O lançamento é uma realização Natura Musical, QTV Selo e Mais um Discos. “‘Crash’ é ataque surpresa, colisão. É grito de vingança. É usar o poder da raiva com astúcia. A base bombástica, pesada, é de Kiko Dinucci. Os versos contundentes são de Rodrigo Ogi, capaz de aliar com precisão e naturalidade Kill Bill, orixá Ogum guerreiro, cenas de HQ, como metáforas do destemor e da violência estratégica”, conta Juçara.

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“Me Cuidar” nasceu de uma desilusão amorosa e ganhou forma diante da amizade de Anná e Amanda Magalhães. A composição, que fala de um clássico momento de desilusão e sofrimento amoroso sob uma perspectiva feminina, tem influências que vão de Gonzagão a Destinys Child. “Eu e Amandinha já tínhamos cantado juntas, eu era fã dela e ela minha, o match sempre existiu”, conta Anná, cantora, compositora, cineasta e artista plástica mocoquense. “Ser convidada pra cantar essa música foi uma honra gigante, eu tenho uma relação de muita admiração pela Anná, flertava com o som que ela produz há muito tempo, foi uma grata surpresa”, pontua Amanda, cantora, atriz e compositora. O roteiro criado por Anná traz diversas referências das artes plásticas. A abertura do clipe é inspirada no clássico filme “Cão Andaluz”(1929) do artista surrealista Salvador Dali e Luís Buñuel, seguida de cenas baseadas na performance “A artista está presente” de Marina Abramovic. O clipe também homenageia o quadro “As Duas Fridas” de Frida Kahlo e foi filmado com equipe 100% feminina em Mococa, cidade natal de Anná. Misturando MPB, baião, pop e anos 2000, “Me Cuidar” é o segundo single do novo álbum “Bra$ileyrah” de Anná, previsto para o próximo semestre.

Fotos: Divulgação

Fotos: Lucas Raion / Divulgação

ANNÁ E AMANDA MAGALHÃES


DANTE OZZETTI E LUIZ TATIT COMEMORAM 25 ANOS DE PARCERIA

MARIÁ PORTUGAL APRESENTA “DOIS LITORAIS”

Fotos: Cristina Zalesky /Divulgação

“Dois Litorais” é a faixa mais jazzística do álbum, com um caráter instrumental denso mas relaxado, que se desenvolve numa onda ao longo de sua relativamente longa duração. É também a única faixa do álbum que não sofreu qualquer edição, apenas overdubs da voz da Mariá. O take já trazia um caráter “aquoso” que se relacionava diretamente com as imagens contidas na letra da canção, com um piano de Chicão atravessando toda a duração da faixa como a luz do sol no mar. A faixa se relaciona imageticamente com o clássico filme mudo “Limite” (1931), do realizador brasileiro Mario Peixoto, para o qual Mariá compôs uma trilha sonora alternativa em 2017.

“De repente eu me toquei / Tem toda uma vida pra levar / Não tem vida pra perder / Se perder tem que achar / Não dá pra desperdiçar”. Assim começa a comemoração dos 25 anos de parceria musical de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, no disco Abre a Cortina. Os versos são de Ao Menor Sinal, primeira faixa do álbum de canções inéditas, que já está nas plataformas digitais. Composto, produzido e gravado ao longo da pandemia, obedecendo os protocolos de segurança, Abre a Cortina conta com as participações especiais de Ná Ozzetti, Patrícia Bastos, Renato Braz, Livia Mattos e Livia Nestrovski, além de instrumentistas que reforçam que essa é mesmo uma festa de peso, como Tiago Costa (piano), Fi Maróstica (baixo), Guilherme Held (guitarra), Sérgio Reze (bateria), Fernando Sagawa (baixo), Bruno Buarque (Percussão), Marta Ozzetti (flauta), Adriana Holtz (violoncelo), Fábio Tagliaferri (viola), Fábio Curi (fagote), Zezinho Pitoco (clarinete), Rui Barossi (tuba), Nazaco Gomes (percussão) e Reanto Rosas (banjo), além é claro, dos violões, arranjos e direção musical de Dante Ozzetti.

AURORA DE KRISTAL

Após lançar o seu primeiro single, chamado “Acorda”, em março desse ano, a cantora Kristal Werner acaba de lançar o seu primeiro EP da carreira, nomeado “AURORA”. Em 4 faixas, o EP narra os processos de desenvolvimento, terapia e cura da depressão ao longo de sua trajetória. As músicas contam essa história em ordem cronológica tanto em suas letras e arranjos quanto em seus nomes. Com o lançamento desse trabalho, a artista pretende encerrar este capítulo da sua vida e abrir portas para que novas histórias possam ser vividas por ela. “Eu estou muito feliz com o lançamento, porque esse trabalho é muito importante para mim, é como um encerramento de um ciclo. Além de ser o meu primeiro EP, ele retrata o pior momento da minha vida até então, que foi a depressão. Foi muito importante falar sobre o que eu vivi, para que eu pudesse seguir em frente, e para que, a partir de agora, eu possa viver novas histórias sem que haja uma mancha no meu passado, mas, sim, uma conclusão. Eu espero que esse trabalho chegue em pessoas que enfrentam ou já enfrentaram a depressão e sirva como um abraço, um lugar seguro.” conta Kristal.

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Fotos: Divulgação

DAMON ALBARN SOLO

ALICE MERTON LANÇA

HERO

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om inúmeras posições nas principais paradas em toda a Europa, 650 milhões de streams e até mesmo uma temporada vitoriosa como treinadora na edição alemã do The Voice, a perspectiva musical de Alice Merton tem um enorme apelo voltado para o mundo todo. Depois de começar o ano com “Vertigo”, Alice agora inicia um novo capítulo em sua carreira, compartilhando o novo single “Hero”. Se desenrola de uma forma emocionante e inesperada, parecendo uma síntese improvável entre o pop moderno de Halsey e o rock alternativo com toque eletrônico de Garbage. Produzida por Alice com Jonny Coffer (Beyoncé, Ellie Goulding, Jess Glynne) depois que a onda de inspiração da dupla resultou na composição da música em uma hora. “Tudo o que senti no ano passado se resumiu nas duas primeiras frases da música”, diz Alice. “É sobre o conflito de querer tanto algo, mas perceber que você simplesmente não tem mais força para lutar por isso. Fala sobre a discrepância de querer ser tudo para alguém e, ao mesmo tempo, desejar que eles não significassem nada para você.”

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Particles é a terceira faixa do segundo álbum solo de Damon Albarn, The Nearer The Fountain, More Pure The Stream Flows, que será lançado no dia 12 de novembro na Transgressive Records. Esta é a última faixa edificante do álbum e teve origem em uma conversa casual entre Albarn e um passageiro em um avião com destino a Reykjavik, na qual falaram sobre a ruptura causada pela pandemia e o reconhecimento de que isso é impossível de manter, já que a paz sempre prevalece. A canção segue o recente lançamento da faixa-título que define o tom do álbum, além da eufórica Polaris, que está atualmente na principal playlist da BBC 6 Music. Junto com o lançamento digital, haverá edição limitada em formatos de vinil colorido, além de CD e cassete. Haverá também uma versão deluxe do álbum, assumindo a forma de um livro de capa dura com fotografia adicional, letras digitalizadas originais e arte de Damon, juntamente com uma versão em vinil transparente do álbum, um arquivo digital de alta qualidade e um bônus apresentando uma música exclusiva das sessões de gravação.

PLACEBO RESURGE

Ao longo de mais de 25 anos e mais de 13 milhões de vendas de álbuns, os Placebo mostraram-se mestres em catalogar a condição humana. Então, é com certa angústia que o novo single ‘Beautiful James’ chega, descobrindo-se nascido em um mundo que está tão dividido como sempre esteve. Contra o pano de fundo de relações globais fragmentadas, abuso on-line incontestado, e medo generalizado entre as mentes limitadas do que elas não conseguem entender, ‘Beautiful James’ traz consigo uma mensagem de desafio que busca normalizar e celebrar relacionamentos não heteronormativos na música.


In Virus Times é uma peça acústica instrumental em quatro partes, escrita e executada por Lee Ranaldo, estendendose sobre uma das faces do vinil. O lado B é uma gravura desenhada por Ranaldo, e a capa é da fotógrafa brasileira Anna Paula Bogaciovas. A edição limitada em vinil turquesa transparente vem com um pôster da capa, assinado e numerado por Lee Ranaldo. “Esta gravação começou em uma noite de setembro de 2020, preso em casa na parte baixa de Manhattan durante os dias sombrios da pandemia Covid-19, quando saímos de um verão mortal. Um sentimento intensificado de ansiedade decorrente das então próximas eleições presidenciais dos Estados Unidos, bem como do vírus que parecia permear todos os aspectos da vida, para mim e para todos que eu conhecia. Sua qualidade mínima reflete a sensação de ‘tempo imóvel’ que muitos de nós sentimos”, diz. Gravado em sua casa, ele continua a dizer: “O ambiente doméstico casual uma sirene ou caminhão fazendo barulho na rua pela janela; alguém conversando ao redor da mesa em outra parte do loft; água correndo - se intromete em pontos. Trabalhei para desenvolver alguns elementos temáticos simples, mas principalmente queria ouvir as notas e acordes ecoando, pairando no ar por um longo tempo naquela noite em que o mundo parecia perto de parar em seu eixo.”

EDIÇÕES SESC LANÇAM A SÉRIE DE LIVROS ÁLBUM

Pode-se dizer que boa parte da identidade do brasileiro está gravada em músicas que atravessam o tempo e contam, cada qual no seu estilo e época, uma parte da história do país. Essa linha de pensamento pode ser clara para quem vivenciou momentos marcantes sob trilhas sonoras que dialogavam com os acontecimentos de um determinado período, mas entender como ocorreu a chegada até ali não é tão fácil. Essa é a missão de Pedro Alexandre Sanches, autor do livro Álbum 1 - 1950 a 1972: saudade, bossa nova e as revoluções dos anos 1960, que destrincha, nesse primeiro volume, a transição da produção fonográfica para o padrão do long play (LP) desde os anos 1950, evoluindo em períodos de domínio de estilos, passando pelo samba e chegando à onda black power que dominou as paradas até 1972. A coleção Álbum será lançada, num primeiro momento, apenas no formato digital.

Fotos: Patrícia Soransso Divulgação

LEE RANALDO ANUNCIA IN VIRUS TIMES

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RELANÇAMENTO SP CHAOS

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á 25 anos, a banda punk rock paulista Blind Pigs lançava o álbum de estreia, “São Paulo Chaos”, pela gravadora Paradoxx Music. O disco produzido pelo ex-baterista do Bad Religion, Jay Ziskrout, também foi lançado pelo selo Grita! nos EUA, Europa e Japão. Para a banda, que na época contava com Henrike, Gordo, Mauro, Fralda e Arnaldo, foi uma experiência única. Era a primeira vez que o Blind Pigs entrava em um estúdio de verdade, com um produtor experiente. “O ‘São Paulo Chaos’ foi o que fez a banda ser reconhecida no Brasil e até no exterior. Acredito que poucas bandas punks nacionais tiveram esse privilégio, de ter um lançamento mundial para o seu álbum de estreia”, lembra o vocalista Henrike. “São Paulo Chaos” acaba de ganhar uma edição comemorativa limitada de 250 cópias em vinil colorido, capa ‘gatefold’, encarte com fotos inéditas da época e masterização do próprio Jay Ziskrout. O lançamento é assinado pela gravadora americana Pirates Press Records.

LO-FI BRASIL GANHA NOVA COLETÂNEA

Com a intenção de organizar e impulsionar a crescente onda de produções do gênero, o selo Tangerina Music abriu inscrições para os trabalhos de músicos e beatmakers de todo o país. Com o título de “Chill Brazilian Storm: A Trip to Rio”, a coletânea será acaba de ser lançada em todas as plataformas digitais. Ao todo, mais de 60 produções passaram pelo processo de pré-seleção e curadoria. O resultado é uma coletânea com 18 canções, completamente originais, que misturam batidas eletrônicas relaxantes a um caldo plural e irresistível de brasilidade. Entre os selecionados estão artistas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Manaus, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. O lançamento é o segundo volume da coletânea “Chill Brazilian Storm”.

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Fotos: Divulgação

NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS


Johnny Monster e Bianca Jhordão, vocalista do Leela, te convidam para dançar a noite inteira no clipe do single “Pra Lembrar de Você”. O clipe da canção, dirigido por Eduardo Menin, leva o espectador a curtir o embalo dançante, ao mesmo tempo que remete, no aspecto visual, aos clipes e filmes dos anos 80, com uma atmosfera lúdica e divertida com luzes UV e efeitos neon. “ O clipe foi uma experiência intensa, um dia inteiro de gravações no estúdio do lendário fotógrafo Rui Mendes”, relembra Johnny Monster. “Tivemos algumas trocas de figurino e maquiagem, de acordo com as luzes que estavam em cena. Foi quase uma experiência de Fórmula 1, onde os pilotos param pra reabastecer, troca de pneus, etc (risos). O resultado é um vídeo cheio de nuances e rico em texturas e cores, estamos muito orgulhosos dele, eu e Bianca!” Com referências ao som contagiante dos anos 80, a faixa traz como inspirações sonoridades de bandas como Blondie, Human League, ABBA, e trazendo para os dias de hoje, nomes como Future Islands e The Big Moon.

DEVOTOS EM TRANFORMAÇÃO

Previsto para ser lançado ainda este ano, o novo álbum da banda de punk rock Devotos, que será dedicado ao reggae, trará 10 releituras de seu repertório autoral, além da inédita “Nossa História”, . Cannibal (vocal e baixo), Neilton (guitarra) e Celo (bateria) liberam mais uma amostra do trabalho. “Orixás” foi produzida por P3dr0 Diniz e traz a participação especial da cantora pernambucana Isaar. “Convidamos Isaar não só por ser uma grande artista, mas também por ser uma pessoa super envolvida nas questões sociais, que através da música são debatidas e engajadas. Isaar, assim com a Devotos, sabe que nossa arte não gira só em torno da música, nossa arte é um dos grandes meios de transformação social”, conta Cannibal.

BEMTI APRESENTA O SINGLE “QUANDO O SOL SUMIR”

Com a participação de Fernanda Takai, o mineiro Bemti lança o single “Quando o Sol Sumir”. A faixa faz parte do segundo disco do artista, intitulado “Logo Ali”, realizado através do edital Natura Musical. “Quando o Sol Sumir” é uma composição de Bemti em parceria com a também mineira Roberta Campos (uma das artistas de MPB mais tocadas dos últimos anos) e conta com a presença de Helio Flanders (Vanguart) no trompete. A letra é um romance com contornos apocalípticos que brinca com a dualidade do “sol sumir” ser um simples pôr do sol ou um evento cataclísmico. O arranjo começa com um jogo delicado entre o piano de cauda e a viola caipira de 10 cordas tocada por Bemti, até crescer para um som grandioso inspirado por artistas como Bon Iver, Baleia, Mew e Sigur Rós. Além de Fernanda Takai, o disco conta com participações especiais de Jaloo, Josyara, do artista português Murais e do duo ÀVUÀ. Já entre os musicistas convidados, além de Helio Flanders estão Paulo Santos (do grupo Uakti) e Marcelo Jeneci, que co-produziu, toca e canta vocais de suporte em uma das faixas. Nas composições, também há colaborações com artistas como Barro, Nina Oliveira e Pedro Altério (produtor musical do disco ao lado de Luis Calil).

Fotos: Patrícia Soransso Divulgação

PRA LEMBRAR DE VOCÊ

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

SILVA CELEBRA

DEZ ANOS DE

CARREIRA

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ssa década de carreira que Silva celebra está resumida na primeira estrofe e no setlist de seu novo trabalho, “De Lá Até Aqui”. O próprio título já entrega a premissa, mas a estrofe traça a rota: “Meu caminho não é reto pra lá/ Ninguém me falou onde é que ia dar/ Eu saí com a certeza de errar/ Cheguei para não voltar”, canta na música que abre o trabalho, “Pra te Dizer que Tô Feliz Assim”. “De Lá Até Aqui” também vem em vídeo, todas as faixas ganharam o seu, e mostram Silva no lugar da gravação, sua nova casa, que construiu junto com seu irmão Lucas, na região serrana do Espírito Santo. “De Lá Até Aqui” tem nessa a única inédita do trabalho, mas as releituras de canções de toda a década que passou mostram as nuances da obra do cantor, compositor e multiinstrumentista que celebram seu talento para curvas tão suaves quanto deliciosas.

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A LEVEZA DA TERRA

A cantora mineira Joice Terra lança “Leveza”, single que apresenta sua face como compositora, abre seus lançamentos em 2021 e é uma das faixas que compõem seu primeiro álbum autoral, “de(vagar)”. Reflexiva, a canção revela muito do que a artista enxerga sobre a vida e, em especial, de que a fortaleza condiz em ser leve. A letra reflete vários aspectos, entre eles, os vários caminhos que podemos seguir e, por fim, convida o público a escolher pela paz, em um mundo que oferece, cada vez mais, o contrário. “Apesar de ser uma música com o nome de ‘Leveza’ e a letra girar em torno disso, no instrumental ela traz muita percussão, pensando muito em ambientação e acordes com bastante tensão. Assim, acaba por misturar tensão com leveza. A mineiridade e brasilidade estão muito fortes em toda a construção da música”, comentou Joice sobre a sonoridade que também explora a mescla entre o ritmo Boi do Maranhão com Boi do Pará.


PORTIFÓLIO DE PESO

Inspirado nas musicalidades afro-brasileiras, Afrodiaspórico” está em todas as plataformas digitais, com o objetivo de reafirmar a existência das musicalidades afrobrasileiras na música instrumental. Composto por 10 faixas instrumentais e dançantes, o primeiro lançamento do grupo Luan Sodré Tri convida as pessoas a pensarem o mundo a partir da música e dos seus corpos. Os clipes, gravados em estúdio durante a produção do álbum, serão publicados no canal do YouTube. “O álbum tem a ver com a possibilidade de uma música instrumental que dialoga com as existências afro diaspóricas de uma maneira mais ampla. É um disco instrumental que tem improvisação, que tem uma série de elementos situados na música instrumental, mas é também um disco dançante, onde as pessoas podem se comunicar a partir dos seus corpos”, disse o violonista e compositor, Luan Sodré.

Fotos:so Divulgação

LUAN SODRÉ INSTRUMENTAL

A gestora musical Adaggio segue crescendo no mundo de aquisição de catálogos musicais e acaba de fechar mais três parcerias, desta vez com grandes nomes: Jorge Aragão, Délcio Luiz e Dado Villa-Lobos. Eles se juntam a um portfólio que conta com artistas de peso como Toni Garrido, da banda de reggae Cidade Negra, Danilo Caymmi, entre outros grandes nomes. “Sempre buscamos diversificar gêneros, mas, focamos nas músicas de performance mais resilientes e que valorizam com o tempo, que independem de estilo musical. A cada parceria fechada, além do imenso orgulho que sentimos em trabalhar os direitos autorais de artistas tão renomados, ficamos mais motivados a seguir o nosso propósito. É um trabalho que valoriza o trabalho do artista e melhora seus ganhos, mas que valoriza e fortalece a cultura do país, mantendo vivos grandes sucessos e aumentando o alcance dessas obras”, destaca João Luccas Caracas, CEO da Adaggio.

RONISON BORBA LANÇA DISCO DE ACORDEON ERUDITO Residente em Portugal, o acordeonista brasileiro Ronison Borba acaba de lançar nas plataformas digitais, Instantes, seu disco de estreia em que apresenta um repertório de obras eruditas escritas originalmente para o acordeon, um viés pouco explorado no Brasil. O álbum resulta da pesquisa e estudo de Ronison no âmbito da música original contemporânea escrita para o acordeon, com conceitos composicionais muito distintos. O repertório apresenta músicas de Viatcheslav Semyonov, Paul Rovsing Olsen, Jürgen Ganzer, Yuji Takahashi, Gennady Banshchikov, Franck Angelis, Sergey Voytenko e Paulo Jorge Ferreira.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

MÚSICA MANIFESTO DE

C

om direção de Helder Fruteira, o clipe foi concebido em forma de manifesto, com alguns importantes e representativos signos para as sequências. Toda a equipe estava alinhada no propósito comum desse projeto: construir um filme que fosse potente e trouxesse a revolta e indignação pelo momento caótico que o Brasil passa, mas que também trouxesse poesia e esperança, uma das formas que temos para atravessar esse momento tão denso. “Um diretor cheio de sensibilidade e amor pela arte e meus pais comigo nesse processo (sozinho não conseguiria). O desejo de levar ao mundo toda a nossa indignação, mas com respeito e amor a todas as pessoas no Brasil. Não acabou e nunca vai acabar a pandemia, sobretudo pra quem perdeu um ente querido. A arte, mais uma vez, ajuda a ressignificar e emanar boa energia, mesmo no meio de um caos tão complexo e profundo, que vai pra além dos últimos anos, mas que agora reencontra num limite nunca visitado. Que o amor possa de algum jeito, forma e milagre visitar o coração de todos sem estrutura, por escolha de um país que decide quem vive e quem morre.”

Fotos: Jão vicente

CRIOLO

Acontece no dia 16 de dezembro, em São Paulo, a transmissão multiplataforma do WME Awards by Music2 ao vivo pela TNT, que já conta com dois patrocinadores: Samsung e Heineken. A parceria vai render entrega de conteúdo e ações das marcas ao longo de todo o evento, que, pela primeira vez em cinco edições, será realizado em formato híbrido, sem a presença de público e reunirá cerca de 100 mulheres da indústria da música, respeitando as medidas de isolamento da Organização Mundial de Saúde. Idealizado por Claudia Assef, Monique Dardenne e Fátima Pissarra, CEO da Music2! Mynd, o WME impactou mais de 1.2M de pessoas nas diferentes plataformas do canal em 2020. Com a proposta de ser mais do que uma celebração à música, o evento é uma multiplataforma sobre empoderamento feminino, grandes encontros, empreendedorismo e inovação.

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Fotos: Divulgação

WME ANUNCIA PATROCÍNIO E TRANSMIÇÃO


THE BAGIOS, CHICO CÉSAR

E CÁTIA DE FRANÇA EM

BARRA PESADA

Último single antes do lançamento do álbum Tupã-Ra une poesia, rock, música nordestina e reflexões atemporais sobre discrepâncias sociais. Em ‘Barra Pesada’, quarto e último single antes da chegada em outubro do quinto álbum Tupã-Ra, o The Baggios une poesia, rock e música nordestina junto aos ilustres convidados Chico César e Cátia de França para refletir sobre discrepâncias sociais. É uma música que denuncia os abismos escancarados pela ganância e egos, mas é também sobre olhares sensíveis e reluzentes diante das adversidades. As participações de Chico César e Cátia de França, junto ao caldo único do The Baggios para elucidar a vida, trazem leveza ao tema. São todos artistas do Nordeste, mas cada um gravou de um local diferente. A banda foi em Sergipe, Chico do Uruguai e Cátia do Rio de Janeiro.

ATALHOS EM ESPANHOL O duo paulista Atalhos dá mais um passo à frente do mercado internacional e anuncia a entrada no selo espanhol Costa Futuro, de Barcelona, Espanha. Nas preparações para o lançamento do quarto álbum da carreira, “A Tentação do Fracasso”, os integrantes Gabriel Soares e Conrado Passarelli cruzam fronteiras e trazem influências e colaborações especiais. Com lançamento previsto para o início de 2022, o quarto álbum da carreira terá uma edição em 12’ formato de vinil pelo selo Costa Futuro, que une forças no projeto junto a Brain Productions, do Brasil; e Rock City, da Argentina.

ODE À AMIZADE

Em outubro de 2019, a banda Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo entrou no Estudio Canoa para a gravação do seu primeiro disco homônimo, produzido por Ana Frango Elétrico e lançado pelo selo RISCO. Durante duas semanas, a banda, composta por Sophia Chablau, Téo Serson, Theo Cecato e Vicente Tassara, não só gravou o disco. Imersos nesse contexto de convivência diária, a banda vive grandes momentos de amor, amizade, tensão, discussões, ataques de riso, bobeirol, reflexões esdrúxulas e muita alegria em conjunto. Todo esse lado afetivo e humano está registrado no filme “Este Filme é Uma Porcaria”, minidocumentário do processo de gravação dirigido, estrelado e feito a mão pela banda que já está no ar.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

MARGARETH

MENEZES cantora e compositora Margareth Menezes foi reconhecida pela MIPAD - Most Influential People of African Descent, instituição chancelada pela ONU, como uma das 100 personalidades negras mais influentes do mundo em 2021. A artista foi a única brasileira nomeada na categoria ‘Música’ para a lista Creatives 100, que reconhece os afrodescendentes mais influentes para economia criativa. Ao lado dela, aparecem artistas norte-americanos como Beyoncé e Jay-Z, além de personalidades do Haiti, África do Sul e Nigéria. “Fiquei muito feliz com essa nomeação. É um reconhecimento que vem coroar a minha trajetória como artista e também o trabalho social que desenvolvemos na Fábrica Cultural, ONG que toco ao lado de uma equipe incrível. É uma honra e também uma responsabilidade estar nesse rol de pessoas negras tão importantes e inspiradoras reconhecidas especialmente pela sua atuação junto à economia criativa. Que isso possa inspirar muitas outras iniciativas nesse sentido”, comenta.

ANIS ESTRELADO APRESENTA A SUA MÚSICA Thalita Arruda é uma jovem multiinstrumentista e a mente por trás da Anis Estrelado, projeto que surgiu na cidade de Araucária no Paraná. A calma e conforto característica da planta, é o que a jovem quis passar. A estreia do projeto veio com o primeiro EP sonhandoacordado, lançado em junho de 2019 com três músicas gravadas e produzidas de forma totalmente independente, em casa, com microfone de celular, violão e um notebook. Pouco tempo depois Thalita começa a trabalhar em novas composições, e a partir daí surge seu novo disco, o EP Como Vão As Plantas Lá Fora?, resultado do período em que esteve reclusa em casa. As quatro músicas são envoltas por uma sonoridade que vai de momentos delicados, espaciais e até barulhentos, vindos de suas referências em estilos como shoegaze, dream pop e psicodelia.

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Fotos: Divulgação

A

2022


AMIGO ARRIGO Arrigo Barnabé é maestro, compositor, cantor, ator e personagem principal do longa-metragem “Amigo Arrigo”, que acaba de chegar aos cinemas. Com direção de Alain Fresnot e Junior Carone, produção da A.F Cinema e distribuição da Elo Company, o filme revisita a carreira do cantor, desde sua chegada à São Paulo, vindo do Paraná, até os dias atuais, e mostra suas diversas facetas - como compositor de óperas, trilhas sonoras, músicas eruditas e missas. O documentário, que participou do festival In-Edit Brasil, poderá ser assistido no Espaço Itaú Frei Caneca (SP), Espaço Itaú Rio de Janeiro, Espaço Itaú Brasília e no UNA Cine Belas Artes (BH). “Registrar a trajetória do Arrigo, é apresentar um gênio lutando contra a insensibilidade do Brasil em relação a arte de seus mais talentosos filhos”, diz o diretor Alain Fresnot.

LABORATÓRIO MUSICAL Sendeiros, palavra aportuguesada do castelhano que significa trilhas, caminhos, foi a escolhida para nomear uma banda formada pelo músico latino brasileiro Arthus Fochi e alguns amigos no ano de 2007. Eles tinham como objetivo criar uma espécie de laboratório musical de ritmos latino-americanos. O álbum homônimo, começou a ser produzido e gravado em 2011, com a banda ainda na ativa, mas só no final de 2020 foi concluído, com o projeto numa pausa desde o final de 2015. A Sendeiros atualmente conta com os mesmos vocalistas Arthus Fochi e Ziza Sales, ambos radicados na Europa e trabalhando na pré-produção de um novo disco e na apresentação que reúne as novas canções e canções compostas durante os primeiros seis anos do projeto - presentes neste trabalho.

PITECO CRITICA A INÉRCIA

“Estamos assistindo a tudo paralisados/ Enquanto tudo que é puro e belo é destroçado/Empresas nos consumindo com o aval do Estado/Trocando encontros de alma por lógica de mercado”, assim canta Piteco, no refrão de “O show da vida fake”, música que acaba de lançar e já está disponível em todas as plataformas digitais. A canção é um grito e uma forte crítica à inércia de pessoas que acreditam que estão fazendo muito apenas em postar algo nas redes sociais e ao atual governo que apoia à violência contra o cidadão. “O show da vida fake” estará no primeiro disco, intitulado Beta, que está previsto para sair em 2022. Segundo Piteco, o álbum trará várias experimentações musicais, especialmente eletrônicas.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

Fotosdivulgação

PLANT & KRAUS

Robert Plant e Alison Krauss acabam de estrear sua nova canção “High and Lonesome”, oferecendo outra pista do que será o primeiro novo álbum do duo em 14 anos. Com lançamento previsto para o dia 19 de novembro pela Warner Music – uma distribuição Warner Music Brasil, “Raise The Roof” foi declarado um dos mais aguardados álbuns do segundo semestre. Como o predecessor de 2007, “Raising Sand”, ganhador da platina e de seis Grammys, incluindo o de “Melhor Álbum” e de “Gravação do Ano”, “Raise The Roof” apresenta novas gravações de canções de lendas e heróis anônimos do folk, blues, country e soul music. “É tão distante de tudo que eu já fiz antes” diz Robert Plant. “Eu amo esse caleidoscópio musical todo queexploeia, mas esse é um lugar onde você pode pensar por dentro da canção, você pode decider como trazer para casa uma emoção. É uma outra mistura que temos agora, e tomara que possamos ter mais delas por muito tempo”.

RUBAH O

s impactos causados durante a pandemia intercalados ao negacionismo levou Rubah a lançar o single inédito, Quarantine, nas plataformas digitais e Youtube. O cantor e compositor mineiro buscou na faixa um ar mais amistoso e de grande representação ao sentimento humano, em uma época marcada pela dor e a angústia. Os efeitos do tema, letra e imagens do clipe causaram bloqueio pelas plataformas. Apesar disso, a repercussão do trabalho foi pra lá de positiva. “Por outro lado, consideramos que ao levantar estes temas entramos em um caminho de sentimentos diversos... e muito desconforto, pois a humanidade passa com muito sofrimento neste momento”, avalia Rubah sobre a importância de destacar sobre essas temáticas sobre a pandemia. As gravações do novo single aconteceram no Estúdio Massa em Viçosa, Minas Gerais. O videoclipe contou com a produção e edição da Wolf Estúdio.

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Fotos: Coagula Divulgação Ju Matemba /

QUARENTENA DE


SIDHARTA DE TADINI

OIL ON THE SEA O single do Midnight Oil chegou às vésperas da conferência crucial das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26). Os mantos de gelo estão derretendo com o ‘aumento da temperatura’ e, ainda assim, a Austrália está arrastando a cadeia global para uma ação real sobre metas significativas de emissão de carbono. A música também é a primeira amostra de um novo álbum de estúdio do Midnight Oil, que foi criado ao mesmo tempo que seu colaborativo MAKARRATA PROJECT, que recentemente recebeu cinco indicações ao prêmio ARIA. Ambos os lançamentos foram gravados antes do Covid com os agora falecidos baixista Bones Hillman e o produtor Warne Livesey. Este novo LP deveria ter sido lançado no início deste mês, mas estreará no início do próximo ano, quando poderá ser acompanhado por shows ao vivo.

Para muitos a pandemia de Covid-19, que no levou a uma quarentena forçada foi um momento de refletir sobre a própria vida e olhar para dentro de si. Foi o que aconteceu também com o artista Lucas Tadini, agora radicado em Londres. Tadini lança o primeiro clipe de uma virada de chave, “Sidhartha”. A canção traz parte de sua letra em português, parte em inglês e o conectou com personagens e pessoas que fizeram parte de sua vida pregressa. “Essa música basicamente é uma resposta minha a tudo que estava acontecendo. Ela é uma meditação, um grito de socorro, uma conexão minha comigo mesmo e exibe alguns dos meus questionamentos atuais”, revela.

LAGUNITAS NO QUINTAL

Lagunitas vai lançar o “Lagunitas De Quintal”, projeto musical com a participação de nomes importantes da cena indie brasileira, como Beeshop (projeto solo do Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno), Deadfish, Raquel, Ana Canãs, Jadsa e Sugar Kane. Como o nome sugere, o EP foi desenvolvido no quintal, assim como a cervejaria Lagunitas, que nasceu como um projeto caseiro na cidade de Petaluma, na Califórnia. O disco produzido por Chuck Hipolitho e Alexandre Capilé, sócios do Estúdio Costella, contará com seis faixas exclusivas - sendo quatro inéditas e duas releituras - e promete agradar os amantes de indie rock, indie pop, hardcore e punk rock. Os bastidores das gravações do EP podem ser acompanhados no Instagram das bandas, artistas e também no de Lagunitas (@LagunitasBeerBr). “De quintal” estará disponível em todas as plataformas digitais a partir de novembro. A idealização e execução do projeto conta com a assinatura da Agência Lema, à frente do desenvolvimento da estratégia e execução de projetos em brand PR da marca.

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DANCOES CANTA ARY BARROSO

S

ituado na Flórida, EUA, o capixaba Dancoes acaba de lançar o videoclipe de “Pra machucar meu coração”. O single é uma versão da música composta pelo mineiro Ary Barroso (1903-1964), lançada originalmente de 1943. A iniciativa de gravar a canção veio após Dancoes associar uma das frases de “Pra machucar meu coração” com o momento atual, consequente da pandemia de Covid-19. “Minha mãe tinha o CD do João Gilberto tocando a música com Stan Getz, e sempre gostei da musicalidade dela. De uma forma estranha, achava a energia de ‘Pra machucar meu coração’ (ou talvez de sua versão) parecida com aquele peso arrastado de bandas como Mogwai, e tinha a curiosidade de ver como ela ficaria interpretada assim. Aí veio a pandemia, que desestruturou a vida em geral. Ao pensar no tempo absurdo que isso estava durando, me vinha aquela frase na cabeça: ‘Tá fazendo um ano e meio’. Então decidi fazer a versão”, conta. Apesar das músicas lançadas anteriormente pelo projeto serem em inglês, Dancoes diz que gostaria de incorporar a identidade brasileira à sua música, de uma forma natural e autêntica, mas sem se prender a língua. “Dependendo da oportunidade eu componho nas duas línguas, mas as músicas atualmente têm saído mais em inglês.”

RROCHA ESTRANGEIRO O cantor, compositor, fotógrafo e diretor de filmes RROCHA lança seu primeiro trabalho solo. Conterrâneos Estrangeiros é um projeto que ele vem desenvolvendo há três anos e que mostra que, para RROCHA, música e imagem são linguagens complementares e indissociáveis. “O RROCHA / Conterrâneos Estrangeiros, desde sua fase embrionária, foi desenvolvido para ser um projeto multi-plataformas. Que viesse à tona em diversas timelines, e trouxesse a minha expressão artística em forma de disco, filme e um livro. Este último, que unificasse todas as narrativas, trazendo um sentido coeso para o enredo dos Conterrâneos Estrangeiros, como um grande centro de conteúdo da história toda. O livro tem 250 páginas dividida entre fotos, histórias narrativas, ilustrações, devaneios soltos, letras das músicas, que dão e são de fato um mergulho dentro das experiências que vivi e originaram a proposta narrativa e conceitual desse projeto”, pontua.

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Fotos: Divulgação

NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS


ARTE EM TODOS OS NÍVEIS A trajetória de Saulo na música é precoce, antes mesmo de ele se dar conta disso. O avô paterno, pianista e afinador de pianos, era um dos donos dos Pianos Schwartzmann no Brasil. Saulo não o conheceu, mas o legado foi transmitido, uma ligação umbilical com a música, carreira que iniciou quando tinha 14 anos e ganhou de sua avó sua primeira guitarra. Anos depois, na Faculdade de Artes na Unesp, em Bauru, participou como guitarrista de uma banda de amigos artistas, a banda Serotonina e a Música de Metro, além de exercitar seus outros dons em pinturas, desenhos e como tatuador. Com a pandemia, Saulo parou de vender quadros e fazer desenhos na pele das clientes e desenterrou as músicas de dez anos atrás. Mostrou o material para o cantor e compositor Wado, que conheceu há 20 anos, ainda na Faculdade de Artes. Wado ouviu as músicas, gostou e, logo depois, começou a produzir remotamente o álbum, assinando ainda a parceria na faixa-título Segredo. O disco foi gravado de maneira remota e houve vários encontros virtuais ao longo de um ano de produção. Os bastidores dessas conversas podem ser observados em seu canal do Youtube e que se encontram também no feed do Instagram.

Fotos: D Henrique Gaspar

VÉSPERA Izabel Lenza lança seu novo álbum Véspera. A cantora e compositora conta que as músicas ganharam corpo com a produção caprichada e a coleção fina de instrumentos de Leonardo Marques, em seu estúdio Ilha do Corvo, em Belo Horizonte. Leo além de produzir, gravou, tocou, mixou e masterizou o disco. “Véspera é o que antecede com a força do que é. Como uma tarde ensolarada que nutri antes do espetáculo da noite de lua cheia. Uma fotografia de um tempo entre o ´Imenso Verão´ e ´Janeiro Gelado, 2020´, revelada por canções que nasceram em sua maioria no meu violão de nylon. Com elas, broto com vitalidade nesse novo momento solar, mirando mais no agora e no que está por vir, realizando que eu sou meu lugar de acolhimento e também de potência. O disco conta com uma parceria, ´Colados´, composição minha com Regis Damasceno.”

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NY

O Ã D I T L U M A N O T S O R UM

Fotos: Divulgaçãop

Por Fernando de Freitas

NÃO E S G IN M A E R T S E MILHÕES D ADEIRA D R E V A U S S O M E CONHEC IDENTIDADE 26


J

á fomos enganados mais de uma vez por farsas, embustes e brincadeiras dos artistas. É impossível não se lembrar do fenômeno Milli Vanilli, que arrematou um Grammy, da superbanda Travelling Wilburys gravando álbuns sem o nome real de seus integrantes (Dylan, Harrison, Petty, Lynne e Orbinson), do álbum que Garth Brooks gravou sob o pseudônimo de Chris Gaines ou mesmo da banda virtual Gorillaz.

Peter Lake é uma espécie de farsa. Conversamos por mais de uma hora por videoconferência com uma pessoa que se identificou sendo Peter Lake. Jamais vimos seu rosto, uma vez que sua câmera permaneceu desligada durante toda a conversa. Em um papo divertidíssimo, o artista foi espirituoso e falou longamente sobre seu desejo de manter sua identidade anônima, sobre o mercado da música e questões filosóficas. Após a conversa, não se tratava mais sobre acreditar ou não no que foi falado, mas em contar uma boa história.

TEMPO A SEU FAVOR “Nada é mais valioso que nosso tempo”, repetiu Peter mais de uma vez, “eu não entendo como grandes artistas conseguem passar meses longe de casa e da família e ainda compor uma música”. Ele também mostrou uma repulsa especial a cafezinhos sociais, compromissos publicitários e, claro, a interesseiros orbitais. Para Peter o que importa é compor a melhor música pop de todos os tempos. “Eu não quero que as pessoas me reconheçam na rua. Meu tempo é valioso, quando somos jovens não damos valor ao tempo”, diz em um primeiro momento. “E, imagina, as pessoas te julgam a partir de preconcepções, se você não sabe como eu me pareço, você pode imaginar o que você quiser”. Me pergunto, porém, se a persona e o mistério não podem se sobrepujar à música, essa que Peter valoriza tanto, quando brinca: “imagina alguém que gosta de música indie me encontre na rua e me veja usando meu chapéu de cowboy. Ele se questionará por que se identifica com minha música. Mentira, eu não uso um chapéu de cowboy. Eu tenho um guardado em algum lugar, mas não uso” e complementa: “se eu vou me dar o direito de ser anônimo,

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NY eu tenho a obrigação de falar apenas a verdade”. Peter também é categórico a respeito da realização de shows. Eles não acontecerão. O artista revela seu pavor de encarar a rotina de viagens com longos períodos longe de casa, noites mal dormidas em hotéis, jetleg (aquela ressaquinha de avião, sabe?) e tudo que o afaste do aspecto fundamental da criação musical. E, pasmem!, ele afirma que jamais foi a um espetáculo musical, admitindo que isso é muito estranho, pois ele sempre gostou muito de música.

algum tempo de trabalho, Peter ouviu pela primeira vez sua música gravada no alto-falante. Era muito estranho, ao ouvir sua voz e sua música, ele não sabia o que pensar. Ele sabia que era ele, mas como poderia?

A DESCOBERTA MUSICAL

E assim foi. O telefone tocou quase que imediatamente. O pai, ao fundo, gritava “eu gostei”, enquanto a mãe disse, séria: “filho, eu gostaria que você fosse a um neurologista”. Sim, era muito estranho que ele tivesse tal habilidade. Isso precisava ser investigado.

Cerca de três anos atrás, Peter estava em uma festa e começou a conversar com um produtor musical, que o anfitrião era amigo em comum. Ele passou a criticar a indústria, sentia que tudo era muito igual e que a qualidade havia caído muito. O produtor, cansado do discurso de Peter desafiou: “então porque não tenta você compor uma música?”. Peter achou engraçado, afinal, o que havia de tão difícil nisso? Mas Peter jamais havia tocado um instrumento e não sabia nada sobre teoria musical. Mais tarde, já em sua casa, o desafio ficou em sua mente. Pegou o celular e cantou uma melodia com uma letra. Enviou para o produtor e foi dormir. No dia seguinte, recebeu o convite para visitá-lo no estúdio e Peter foi. No caminho, sem entender muito o convite, chegou à conclusão de que receberia uma aula de música. Iria recusar a gentileza. Ao chegar no estúdio havia um guitarrista a postos. Peter explicou que não queria aulas e que tudo não passava de uma brincadeira. “Você acha que vou perder meu tempo para te dar uma aula? Se foi você mesmo que fez esse áudio, eu preciso te gravar neste estúdio. O que você me mandou é bom e quero registrar”. Após

Se existe alguém em quem Peter confia, esta é sua irmã. Ela lhe diria se tudo aquilo era uma ilusão. Enviou o arquivo para ela, que retornou quase imediatamente “eu sei que é você, mas isso é muito estranho”, disse a irmã. “Isso é muito bom, você precisa mandar para o papai e para a mamãe”.

No médico indicado pela mãe a consulta correu normalmente. Tudo parecia bem até que Peter explicou o motivo da consulta. Ele havia descoberto essa habilidade incrível, compor e cantar músicas sem qualquer treinamento e estudo. O médico riu ironicamente. Peter mostrou a gravação. “Você compôs isso? Sem nunca ter nunca estudado música? Vou pedir mais alguns exames”. (Cabe aqui lembrar do filme O Fênomeno, estrelado por John Travolta e com a canção “Change the World”, de Eric Clapton, em sua trilha. Nele, o personagem de Travolta, um homem absolutamente ordinário, passa a aprender uma série de habilidades – principalmente da mente – até que descobre ter um câncer em seu cérebro. A história veio à mente de todos os envolvidos.) Enquanto fazia exames e esperava os resultados. Peter começou a compor novas canções. Assim, passou a acumular material e a gravá-lo com a

ajuda do produtor. Peter tinha a noção exata do que queria, cantava as partes instrumentais para os músicos reproduzirem. Logo se seguiram duas boas notícias, Peter não tinha nenhuma condição clínica/neurológica e as pessoas gostavam de suas músicas.

O QUE ESPERAR Com cerca de 300 músicas já compostas, Peter diz que ninguém sabe muito bem o que fazer com elas. Já existe um plano de lançamentos para os próximos anos que “o pessoal do dinheiro” está implementando. Sem ter um estilo definido, Peter sente-se livre para explorar estilos e formas musicais. Sempre com uma pegada pop, não importa o que ele faça, ele faz para que as pessoas gostem. Peter afirma que seu objetivo é que “se os extraterrestres chegarem na Terra, as autoridades discutam qual será a música de Peter Lake que eles mostrarão no primeiro contato”. Realmente, é um fenômeno um artista “sem rosto” ultrapassar os milhões de ouvintes como em “Vaccinate with Love” e “Bonfire Eyes”, mantendo bons resultados em seus incansáveis lançamentos. Diante de uma indústria com valores superficiais e excludentes, que penaliza as pessoas fora dos padrões estéticos eurocêntricos e irreais, não deixa de ser interessante que, neste caso, a música esteja em primeiro plano. É possível que tudo isso não passe de uma jogada de marketing muito bem orquestrada. E daí? A ilusão faz parte da arte, Orson Wells já nos ensinou isso com o cinema. Mas gosto de uma referência quase apócrifa do fotógrafo Robert Capa (cuja identidade se formou a partir de um embuste): não importa se história contada é totalmente real, mas se história é interessante.



LANÇAMENTO

Por Fernando de Freitas

P

oucos autores de teatro são tão remontados como Bertold Brecht. Sua obra, com forte teor político foi escrita como panfletos de ideais para a população proletária e seu formato o mais simpático ao seu público. A música faz parte da obra de Brecht e, por vezes, a ultrapassou. A parceria com Kurt Wiel rendeu canções que se espalharam como standards cantados, inclusive, por Frank Sinatra e Ella Fitzgerald (o que dizer da interpretação de Berlin em que ela confunde a letra de “Mack the Knife” e improvisa maravilhosamente?), e traduzidas para inúmeros idiomas. Em tempos de pandemia e obscurantismo, quando mais precisamos dela, a obra é reencontrada e revisitada.

Roberti Gava

DUAS

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T H C E R B S VEZE


T

NOVAS LEITURAS

Roberto Gava se reconectou com a poesia de Brecht a partir da tradução de André Vallias (que recebeu o prêmio Jabuti pelo trabalho) e se encantou. Ao ler os poemas do dramaturgo alemão, selecionou aqueles que gostaria de musicar. Entrou em contato com o tradutor, que autorizou o uso de sua obra. Com participações de Zezé Motta, Carlos Careqa, Skowa, Virginie Boutaud, Gereba Barreto, Nina Ximenes, Camila Costa e Ana Lee, Roberto Gava lançou “Bertolt Brecht”. Disponível nas principais plataformas digitais, o disco conta com 15 faixas. Além de compor e interpretar as canções, Roberto Gava fez os arranjos, tocou diversos instrumentos, mixou e masterizou o álbum. Diferente das canções de cabaré de Kurt Weill, que se notabilizou por musicar Bertolt Brecht, as músicas de Gava sobre os poemas do dramaturgo nasceram com influências do jazz do início do século XX, do tropicalismo, da música erudita, da música brasileira e do psicodelismo dos anos 60. “Tentei fazer um Bertolt Brecht tropical, com pitadas de rock, jazz, MPB e world music, com toques teatrais e certa irreverência, querendo fazer jus à poesia do Brecht, que considero lírica, irônica, teatral, questionadora e revolucionária”. O projeto foi desenvolvido durante a pandemia de Covid-19 e todos os músicos gravaram de forma isolada, cada um do seu jeito, em suas casas em diversas partes do Brasil e do mundo. Gava explica que os convites para os artistas que participaram do disco foram pensados de acordo com as canções. “O Gereba cantou um rock nordestino; o Skowa, um soul; a Zezé Motta, um tango com pegada teatral; o Carlos Careqa, uma canção mais irônica; a Camila Costa, um samba e um mambo; a Virginie, uma balada e uma canção mais con-

temporânea, que remete à vanguarda paulista; a Ana Lee, uma balada e um jazz; a Nina, um rock sinfônico”. Roberto Gava diz ainda ter sido bastante especial trabalhar com artistas que foram referência na sua formação artística. “Cada um deu um toque de si, abrindo minha canção e a poesia do Brecht para outros horizontes”. O resultado é uma obra singular. Gava se revela numa dualidade de compromisso e descompromisso, próprio de quem entende a necessidade artística de realizar um trabalho sem as imposições dos freios da indústria cultural, porém com o crivo intelectual necessário para se fazer escutado por sem barreiras sociais.

UMA MONTAGEM CUIDADOSA

No mês de novembro, o Theatro São Pedro, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, estreia a ópera Os Sete Pecados Capitais, última colaboração entre o compositor Kurt Weil (1900-1950) e o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956). Com direção cênica de Alexandre Dal Farra, a montagem terá direção musical de Ira Levin, que vai comandar a Orquestra do Theatro São Pedro, cenografia de Fernando Pessetti, iluminação de Wagner Antônio e figurinos de João Marcos de Almeida e Renato Paiutto. Montagem inédita conta com direção musical do maestro norte-americano Ira Levin e direção cênica de Alexandre Del Farra. O espetáculo traz ainda Concerto para Violino, do compositor alemão, e Cláudio Cruz como solista. Estreia será dia 05/11, mas haverá ensaio aberto, gratuito, no dia 04/11, às 19h. Ao todo, serão 8 récitas até o dia 14. Os Sete Pecados Capitais narra a história de uma família na Louisiana, que decide enviar sua filha Anna para as grandes cidades dos EUA, para traba-

lhar e ganhar dinheiro suficiente para construir uma casa para a família (representada por um quarteto masculino, em que o baixo representa a mãe). Anna consiste em duas pessoas - Anna I (uma cantora) e Anna II (atriz ou bailarina). A ópera é composta por um prólogo e um epílogo e sete cenas em que cada cena é dedicada a um pecado capital. “As duas irmãs aprendem a se reprimir, mas não para serem melhores pessoas, e sim, para poderem se vender melhor. É também uma ópera sobre empreendedorismo. Sobre essa espécie de estrutura de discurso moral que consiste em internalizar as dificuldades, como se o problema fôssemos sempre nós - e não a estrutura em que estamos inseridos”, destaca Alexandre Dal Farra. Concebida como sendo um balé cantado, Os Sete Pecados é a obra de Kurt Weill em que predominam os vários tipos de dança e os ritmos a eles associados. O ritmo desempenha um papel importante, sublinhando a ação e os sentimentos dos protagonistas. Na primeira cena, Preguiça, o compositor faz uma paródia da música coral. Na segunda, Orgulho, evoca uma valsa; na terceira, Raiva é um exemplo de foxtrote; na sétima, Inveja é uma marcha que leva em direção ao Epílogo. Antes da ópera será apresentado o Concerto para Violino, que Kurt Weil compôs em 1924, que terá o maestro e violinista Cláudio Cruz como solista. “Tocarei pela primeira vez essa obra raramente programada. Apesar de ser uma obra complexa e ter, inicialmente, uma leitura difícil, o estudo está se transformando numa atividade absolutamente prazerosa. Tenho grande expectativa”, afirma Cláudio Cruz. Com direção audiovisual de Giuliano Saade, o espetáculo será gravado e transmitido posteriormente pelo canal de YouTube do Theatro São Pedro.

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MEMÓRIA Por Lucas Vieira

E D L E V Í T U R T S E D N I A D I A BAT

O ÁLBUM GRA COMPLETA 3 SUL-AFRICA DÉCADA DE

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O T E W O S E

, N O IM S L U A P E D , ACELAND P O P O O M O C U O , S 35 ANO DO NA N U M O U O H N A G ANO 1980

E

m 1948, foi implantado na África do Sul um regime de governo segregacionista denominado apartheid. Com ele, a minoria branca passou a ter o domínio econômico e político do país e a maioria negra passou a viver marginalizada, perseguida e alijada de direitos fundamentais. Nelson Mandela, que passou 27 anos preso por sua luta política e, posteriormente, recebeu o prêmio Nobel da Paz (em 1993) e, no ano seguinte, foi eleito presidente do país, ainda é a figura mais emblemática de resistência ao regime de segregação racial. O regime, duramente criticado ao redor do mundo, gerou um boicote cultural promovido pela ONU. Músicos de outros países não realizavam shows na África do Sul e a nação também era proibida de participar de eventos esportivos, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo de futebol. Ignorando a medida, o cantor Paul Simon, que completou 80 anos em outubro, decidiu gravar um álbum com artistas sul-africanos. Simon havia se encantado com a musicalidade do país, que conheceu por meio de uma fita K7 dada a ele pela musicista Heidi Berg. Com a decisão, o astro do folk estadunidense produziu Graceland, que encontrou grande sucesso comercial, mas também foi alvo de duras críticas, vindas de outros artistas, ativistas e da imprensa. Porém, para Paul a atitude tinha intenções artísticas, longe de um apoio ao regime segregacionista ou de desrespeito ao boicote. Em depoimento ao New York Times revelou: “Eu não estava indo gravar para o governo, ou tocar para audiências segregadas. Eu estava seguindo meus instintos musicais, que iam ao encontro do desejo de trabalhar com pessoas que faziam uma música que eu realmente admiro”. O impacto do LP de Paul Simon na indústria musical foi enorme e fez com que crescesse o interesse dos ouvidos ocidentais para a musicalidade africana. Em depoimento para o documentário “Under African Skies” (2012), Peter Gabriel - que, em 1980, gravou a canção “Biko”, em homenagem ao ativista sul-africano Steve Biko, preso, torturado e morto pelo apartheid - afirmou: “Graceland apresentou para milhões de pessoas em todo o mundo o que era maravilhoso na música sul-africana. O disco ajudou o planeta a entender que a África era muito mais do que sofrimento”.

“WORLD MUSIC”? A partir de 1979, com a fundação do selo Celluloid, o mundo começou a olhar com mais atenção para a música pop da África. Nessa época, o grupo senegalês Touré Kunda foi um dos primeiros a assinar com a gravadora e, durante a década de 1980, vendeu milhares de cópias de seus álbuns ao redor do mundo. A exemplo do Touré Kunda, manifestações pop vindas de diversos países e continentes naquele momento inauguraram um novo rótulo, comprimindo toda a diversidade musical de países que não são europeus ou estadunidenses em um único termo: world music.

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Trazendo uma série de questões, o rótulo é discutido até hoje. Seu caráter reducionista de tentar classificar o som do Buena Vista Social Club e do Mory Kanté em uma mesma seção de lojas de discos mostra o quão centralizado o mundo ainda está no eixo Europa-Estados Unidos. Em 2020, a Recording Academy, responsável pelo Grammy Awards, substituiu sua categoria de mesmo título pelo novo nome “global music”. Porém, a segregação continua a mesma.

“UMLUNGU OMNYAMA”

Um dos poucos artistas brancos do país a confrontar o apartheid foi Johnny Clegg, cantor e guitarrista inglês radicado na África do Sul desde a infância. Ao lado da banda Savuka, foi um dos principais nomes a alcançar sucesso mundial com a explosão da “world music”, com discos lançados na Europa, Oceania, Japão e t no Brasil. Em 1969, quando era ilegal a convivência entre negros e brancos na África do Sul, Johnny se reuniu ao guitarrista Sipho Mchunu para formar o grupo Juluka, banda que, no auge da segregação, uniu seis músicos das duas etnias com um som que misturava rock, música zulu e celta. Com canções de protesto político que traziam mensagens implícitas, a Juluka foi duramente censurada pelo apartheid. A execução de suas músicas era proibida nas rádios e os músicos não podiam se apresentar em locais públicos, sendo limitados a tocar em festas particulares, universidades e hotéis. Com a censura,

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encontraram como solução realizar turnês pelo mundo, onde conquistaram relativo sucesso na Europa, Canadá e Estados Unidos. Após a separação da Juluka, em 1985, Clegg criou a banda Savuka. A base do som do grupo foi a música maskandi, que tinha como características o uso da guitarra (ou violão) com afinações não-tradicionais e a presença da concertina, acordeão de proporções pequenas, com caixa em formato poligonal. Ao ritmo popular zulu a banda adicionou roupagem pop e ganhou o ocidente, tendo como maiores hits as canções “Scatterlings of Africa” (regravação de música da Juluka) e “Asimbonanga” (título traduzido para o português como “Não o vimos”), uma homenagem a Nelson Mandela que, apesar de ter sido um ponto alto da carreira de Johnny Clegg & Savuka, teve execução proibida na África do Sul. O governo racista do apartheid, incomodado pelo sucesso de um grupo multirracial liderado por um branco, perseguiu duramente os artistas, que foram detidos diversas vezes e tiveram shows e canções censuradas.

THE GREAT ROCK N’ ROLL SWINDLE Ao visitar o acervo do Centre Pompidou, na França, em 1980, Malcolm McLaren, ex-empresário dos Sex Pistols, descobriu a mbaqanga, estilo musical originado em Soweto, no subúrbio de Joanesburgo, que une características pop com música tradicional da África do Sul. A descoberta veio através de um compacto que continha a canção “Umculo

Kawupheli”, gravada pela banda Mahotella Queens, um dos principais nomes do gênero sul-africano. Sem autorização dos compositores, o artista fez, ao lado da banda Bow Wow Wow, uma versão em inglês batizada de “Jungle Boy”, que registrou ao lado dos integrantes do grupo inglês como autor. Em 1983, Malcolm decidiu fazer um disco solo em que exploraria a musicalidade de diversos países ou “as origens do rock’n’roll”, como preferia dizer. Seu primeiro álbum, Duck Rock, foi formatado como um programa de rádio pirata, apresentado pelo World Famous Supreme Team, uma equipe de som estadunidense especializada em rap e hip hop. Na obra, Malcolm gravou ritmos da República Dominicana, Cuba, Estados Unidos e África do Sul. No encarte, fez questão de descrever as características das músicas, das culturas e dos países que visitou. Porém, mais uma vez, deixou de fora informações muito importantes: os créditos dos músicos que participaram do disco e dos autores das composições. Músicas tradicionais e de autores dos países que visitou foram creditadas a Malcolm e ao produtor do LP, Trevor Horn - que chegou a ser vocalista do Yes e trabalhou com artistas como Art Of Noise e Seal. No lugar em que deveria estar o nome das citadas Mahotella Queens, por exemplo, o texto se referiu apenas a “Zulu singers”. Como empresário ou artista, McLaren nunca foi conhecido pelos seus princípios éticos ou por seu compromisso com a verdade.

Fotos Divulgação

MEMÓRIA


AS RAINHAS E O LEÃO DE SOWETO Com a ideia de criar um grupo de vocalistas para o selo Mavuthela Music Company, pertencente à gravadora Gallo Africa, o produtor Rupert Bobape criou a banda Mahotella Queens, que teve formações variadas, que incluíram Hilda Tloubatla, Juliet Mazamisa, Ethel Mngomezulu, Nobesuthu Mbadu - falecida em agosto de 2021 - e Mildred Mangxola. Além de grandes cantoras, as artistas levaram para o palco danças e coreografias tradicionais da música de rua de Soweto. Um dos ingredientes do sucesso das rainhas foi o apoio da Makgona Tsohle Band, criada originalmente também para participar das gravações do estúdio pelo qual era contratada. Em sua formação, o grupo trazia o saxofonista West Nkosi (produtor de grande parte da discografia do

grupo Ladysmith Black Mambazo), o baixista Joseph Makwela (primeiro sul-africano negro a tocar baixo elétrico), o guitarrista Marks Mankwane e o baterista Lucky Monama. Formada por trabalhadores domésticos de uma das três capitais do país, Pretória (com exceção do guitarrista, originário da região hoje conhecida como Bela-Bela), a Makgona foi responsável pela formatação da mbaqanga, com guitarras limpas, linhas de baixo melodiosas e solos de saxofone, eletrificando o som rural da música Zulu. Completando a receita, uniu-se às Mahotella Queens o “Leão de Soweto”, apelido pelo qual ficou conhecido o cantor Mahlathini, nome artístico de Simon Nkabinde. Dono de um estilo particular de canto, o vocalista tinha uma voz profunda, descrita em inglês como “groaning” - em tradução

livre “ronco”, “resmungo”, “gemido”. Essa assinatura lhe dava o aspecto de um verdadeiro rei das selvas ao microfone, e o contraste entre sua voz e as das outras vocalistas criou uma das principais características sonoras do grupo. Com sucessos na década de 1960, separações e declínio da popularidade da mbaqanga nos anos 1970, o reconhecimento mundial da banda veio na década de 1980. Com o crescimento do interesse pela música da África do Sul após o lançamento da coletânea The Indestructible Beat of Soweto (da qual participaram com o nome de Mahlathini Nezintombi Zomgqashiyo) e de Graceland, respectivamente em 1985 e 1986, novos caminhos se abriram para os artistas, que também gravaram a faixa “Yebo”, com o grupo Art Of Noise, em 1989. A partir de 1987, agora assinando Mahlathini & Mahotella Que-


MEMÓRIA ens (contando com as vocalistas Hilda loubatla, Nobesuthu Mbadu e Mildred Mangxola), o grupo fez turnês por vários países e lançou discos na Europa e nos Estados Unidos, com destaque para “Paris-Soweto” (1987) e “Melodi Yalla” (1988). Como forma de apresentar signos de sua cultura para o mundo, os vocalistas passaram a usar vestimentas Zulu, com colares, bordados e chapéus que remetem a tradição do povo sul-africano.

UNDER AFRICAN SKIES Assim como Mahlatini & Mahotella Queens, os Boyoyo Boys tiveram sua obra utilizada indevidamente por Malcolm McLaren. Formada por Lukas Pelo (saxofone), Thomas Phale (bateria), Vusi Xhosa (baixo) e Vusi Nkosi (guitarra), a banda

Mahotella Queens

não teve sequer uma citação no encarte, além de ter sua música “Puleng” plagiada, transformada em “Double Dutch”, um dos sucessos do álbum. O grupo moveu uma ação contra o inglês e seu produtor e, através de acordo extrajudicial, o autor Petrus Maneli e a editora Gallo Music receberam pagamento pelos direitos autorais da composição, porém, McLaren e Trevor Horn mantiveram créditos de compositores e, segundo reportagem do Sunday Times publicada em março de 2021, a correção dos autores ocorreu recentemente, 38 anos depois do lançamento do LP. Com Graceland, Paul Simon teve uma conduta completamente diferente de McLaren. O cantor não só aproveitou o talento dos instrumentistas (com banda base que contou com o baixo de

Bakithi Kumalo, a bateria de Isaac Mtshali e a guitarra de Ray Phiri) como também realizou com eles parcerias em composições. Dos Boyobo Boys, comprou os direitos de gravar “Gumboots” e criou uma letra em inglês para a canção. Ao coral Ladysmith Black Mambazo coube parcerias nas faixas “Homeless” e “Diamonds on the Soles of her Shoes”, divididas entre os idiomas, inglês e zulu. Com General M.D. Shirinda e as cantoras do The Gaza Sisters fez “I Know What I Know”. No LP, também transformou uma composição do acordeonista Forere Motloheloa na faixa de abertura, “The Boy In The Bubble”.

AS VOZES DA ÁFRICA DO SUL Com carreira iniciada na década de 1960, o Ladysmith Black Mambazo foi um dos fenômenos pop sul-africanos de maior reconhecimento ao redor do mundo. O coral foi uma das grandes referências da isicathamiya, canto a capella do povo zulu que se concentra em uma mistura harmoniosa de vozes e, também, do mbube - em que grupos de vozes cantam em uníssono para criar harmonias e texturas interligadas. Liderados por Joseph Shabalala, o grupo que fez plateias dançarem ao som emocionante de suas vozes e aos passos de suas coreografias contagiantes foram peças fundamentais na sonoridade de Graceland. Inicialmente, um coral que cantava em casamentos e eventos locais na região de Ladysmith, a banda se tornou grande sucesso na África e, após a gravação no disco de Paul Simon, ganhou o mundo e foi vencedora de 13 prêmios importantes da música, incluindo cinco Grammys.


Durante uma entrevista sobre a participação em Graceland, a banda revelou sobre sua sonoridade: “O som do Ladysmith Black Mambazo é o som de tudo que nos rodeia, porque nós crescemos no campo. Pássaros cantando, vento soprando, sapos cantando e alguns insetos pequenos. A música está lá o tempo todo”.

CANÇÕES DO EXÍLIO Com mais de 16 milhões de cópias vendidas, o álbum de Paul Simon recebeu premiações no Grammy por dois anos consecutivos, nas categorias “Álbum do Ano” e “Gravação do Ano”. Em 1987, o cantor excursionou pelo mundo com músicos que participaram do LP. Registrado em vídeo, “Graceland - The African Concert”, mostra Paul e banda em um show para mais de 20 mil pessoas no Zimbabwe, com plateia composta por negros e brancos. Além do Ladysmith Black Mambazo, a excursão de Graceland deu destaque para dois importan-

tes artistas sul-africanos, que não participaram da gravação de estúdio. Trompetista e cantor, o jazzista Hugh Masekela teve como grandes sucessos no ocidente as músicas “Bring Him Back Home” e “Soweto Blues”. Sua passagem pela turnê foi uma grande presença artística e, também, política. A primeira de suas canções citadas se tornou um hino da libertação de Nelson Mandela. Em meio ao apartheid, o músico bradou: “Devolvam Nelson Mandela para sua casa em Soweto! Eu quero vê-lo caminhar sobre as ruas da África do Sul amanhã!”. Outra artista que participou da turnê de Graceland foi Miriam Makeba, cantora que teve sua vida marcada por muito talento e brilho, mas também pela opressão. Assim como Masekela, a vocalista passou mais de 30 anos exilada, voltando à África do Sul apenas com o fim do regime racista. Sua fama teve início com a participação no filme antiapartheid “Come Back, Africa” (1959), que

a direcionou para a carreira internacional, gravando um álbum nos Estados Unidos, em 1960, após sua primeira excursão europeia. Naquele ano, a “Mama Africa” já começou a ser duramente censurada pelo governo segregacionista, sendo proibida de retornar ao país para o funeral de sua mãe. Com um legado musical que começou nos anos 1960 com a clássica “Pata Pata” e passou pelo afro-pop, jazz e até por um disco cantando canções que remetem à história de seu povo (Sangoma, 1988), Miriam Makeba é parte indissociável da história da África, sendo considerada a primeira estrela pop do continente e, nas palavras de Nelson Mandela, dona de uma musicalidade que “inspirava um senso poderoso de esperança em todos”. No show realizado no Zimbabwe, em 1987, Miriam disse à plateia: “Espero que um dia possamos convidar Paul Simon para Joanesburgo, na África do Sul livre”. O convite chegou apenas

Ladysmith Black Mambazo


MEMÓRIA Apresentada quase dois anos após o início do desmantelamento do apartheid, em um momento em que as consequências do regime racista ainda eram muito presentes, a série de shows foi considerada um marco do fim do boicote cultural, e criticada por parte dos grupos de militantes sul-africanos negros que consideravam que ainda não era o momento para a realização de atividades culturais no país. Embora fotos apresentem uma plateia multirracial, a dificuldade de acesso para o público negro foi criticada na época: “A maioria dos sul-africanos negros não tinha dinheiro para pagar até US$30 por um ingresso ou para viajar dos distritos periféricos

até Joanesburgo”, revelou matéria do New York Times de 13 de janeiro de 1992. Em 2011, vinte e cinco anos após o lançamento de Graceland, Paul Simon voltou à África do Sul. Durante a viagem, produziu o documentário “Under African Skies” e se reuniu novamente com os músicos que gravaram o álbum, para contar a história do disco e, também, para uma apresentação intimista realizada em Joanesburgo. No ano seguinte, os artistas subiram ao palco juntos pela última vez em um show, no Hard Rock Calling Festival, realizado no Hyde Park, em Londres, com quase três horas de apresentação e a participação da Ladysmith

Fotos: Marcus Steinmeyer / Divulgação

em 1992, feito por Nelson Mandela, quando o cantor estadunidense já estava em turnê com o álbum The Rhythm of the Saints (1990), que gravou com a participação dos músicos brasileiros do Olodum.

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Black Mambazo e de Hugh Masekela. Para o The Daily Telegraph, ver Paul Simon no palco apresentando esse repertório foi uma confirmação “da capacidade da música de nos transportar para uma terra de graça”.

REFERÊNCIAS DISCOGRÁFICAS Uma lista com 16 álbuns para conhecer o pop sul-africano da década de 1980. Stimela - Mama Wami (1982) Juluka - Scatterlings (1982) Makgona Tshole Banda – Mathaka, Vol.1 (1983) Boyoyo Boys - Back in Town (1983) Malcolm McLarern - Duck Rock (1983)

Coletânea - The Indestructible Beat of Soweto (1985) General M. D. Shirinda and Gaza Sister - Music is the Food of Love (1985) Paul Simon - Graceland (1986) Tau Ea Matsekha - Khomo Likae Lekhoolokoe (1987) Coletânea - Sounds of Soweto (1987) Hugh Masakela - Tomorrow (1987) Johnny Clegg & Savuka - Third World Child (1987) Ladysmith Black Mambazo Shaka Zulu (1987) Mahlatini - The Lion of Soweto (1987) Mahlatini & Mahotella Queens Paris - Soweto (1987)

Miriam Makeba - Sangoma (1988)


PERFIL Por Lucas Vieira

Fotos: Ariela Bueno /Divulgação

A IR E IM R P A D IA R Ó A HIST A IC S Ú M A D A T IS R R MULHER GUITA BRASILEIRA

L L U B N R U T A H LUCIN 40


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ma grande história não se faz só de protagonistas. Não se pode esquecer dos coadjuvantes, que complementam enredos e são parte fundamental do desenvolvimento dos outros personagens. Na história da música brasileira, Lucia Maria Turnbull desempenha com excelência os dois papéis. Cantora, compositora, violonista e considerada a primeira mulher a tocar guitarra no Brasil, a artista é figura fundamental da MPB, tendo feito parte de bandas como Tutti-Frutti e Made In Brazil, além de ter participado de álbuns históricos de Erasmo Carlos, Gilberto Gil e muitos outros cantores e cantoras nacionais. Aos 68 anos, Lucinha tem muitas histórias para contar. Viu a beatlemania chegar ao Brasil, assistiu Ten Years After em Londres nos anos 1960, cantou com Moraes Moreira no trio elétrico em Recife, emprestou sua voz para quadros inesquecíveis do humorístico Casseta e Planeta e segue presenteando o Brasil com seu talento. Com a pandemia, alguns de seus projetos mais recentes foram adiados, como o show em que comemoraria os 40 anos de seu primeiro álbum solo, Aroma (1980). Aproveitando esse momento em que esteve mais reclusa, compôs novas canções para seu próximo álbum, ainda sem data prevista. Em 2020 também foi lançado o documentário “Lucinha Turnbull”, dirigido por Luiz Thunderbird e Zé Mazzei, um resumo de sua carreira com depoimentos emocionantes de artistas como Guilherme Arantes, Alzira E e Tulipa Ruiz. Em atividade desde os anos 1960, a artista não deixa dúvidas: seu tempo é o agora e ela sabe aproveitá-lo. Filha do escocês Ronald Turnbul com a brasileira Maria Helena Arantes Negro, Lucinha é a terceira dos cinco irmãos deste casamento, nascida em 22 de abril de 1953. Com a casa sempre preenchida pelas canções francesas e italianas e trilhas sonoras de musicais, a paixão pela música veio cedo: “minha mãe me contou que eu chorava emocionada ouvindo os discos de gaita de fole”, relembra a artista. Através de um compacto de Lonnie Donegan, trazido por seu pai da Escócia, Lucinha teve ainda nos primeiros anos de vida, contato com o skiffle, ritmo popular entre a juventude britânica na década de 1950. “O primeiro grupo do John Lennon era de skiffle. Eu com 4 anos estava ouvindo a mesma coisa que os Beatles na adolescência”, comenta a artista.

UMA ETERNA BEATLEMANÍACA

Segundo Lucinha, sua primeira paixão musical foi Ray Charles, quando tinha nove anos. Mas tudo mudou quando aos 11 ela escutou Beatles na rádio - “quando ouvi ‘I Wanna Hold Your Hand’ eu paralisei”, relembra. “Meu irmão disse que tinha visto um disco da banda na [loja] Hi-Fi e eu fui correndo comprar”. O amor pelo fab four se tornou tão presente na vida da jovem que mudou tanto seu comportamento quanto norteou seus caminhos artísticos. Pouco tempo depois, quando tinha entre 12 e 13 anos, Lucinha foi trabalhar na mesma loja em que havia comprado seu disco dos Beatles: “a Hi-Fi ficava na Rua Augusta, e depois eles tiveram uma outra loja no Shopping Iguatemi, que era imensa. Lembro que tinham cabines para as pessoas ouvirem os discos e decidirem se iam comprar ou não”, recorda. O motivo de ter começado a trabalhar tão cedo foi a sua rebeldia: “Minha mãe

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PERFIL

Também foi por causa do quarteto britânico que Lucinha optou por aprender música na adolescência. Com a ajuda de amigos que a ensinaram a afinar e fazer os primeiros acordes em seu violão Del Vecchio apelidado de “Horácio”, a artista formou sua primeira banda, a CAPOPs (sigla para Cagando e Andando Para a Opinião Pública). Na forma de cantar e tocar de Lucinha, a influência dos garotos de Liverpool também é clara. A artista executa as notas com clareza e precisão únicas. Quando toca o instrumento (seja a guitarra, o violão ou a craviola) cada som é ouvido com distinção. A influência é declarada: John Lennon. “O John sempre teve uma coisa de fazer os solos dentro da base, ‘I Feel Fine’ é um exemplo disso. Eu fui para a guitarra rítmica por sempre gostar desses lances”, explica. Com o canto o caminho foi o mesmo. Através dos vocais ouvidos nos LPs dos Beatles, Lucinha encontrou sua principal referência estética. Porém, tanto para a voz principal quanto para os coros, a artista afirma que a intuição é essencial: “A voz tem uma questão muito intuitiva. No coro, é preciso entender que a projeção tem que ser em um plano mais baixo, e ainda muito presente, não dá para botar muito gás”. Hoje, 54 anos após ouvir “I Wanna Hold Your Hand”, Lucinha segue

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uma beatlemaníaca. Às vésperas do lançamento de “Get Back”, documentário dirigido por Peter Jackson a partir de um acervo de mais de 50 horas de gravações inéditas do Fab Four, a artista está ansiosa. “Já assisti ao trailer umas trezentas mil vezes, estou mais adolescente do que nunca. O que me transpareceu no vídeo foi o quanto que eles gostavam de tocar e estar juntos, ali tinha muito amor. Espero que o filme tenha um ritmo diferente do ‘Let It Be’, que faz os Beatles parecerem tediosos, coisa que eles nunca foram”.

A PRIMEIRA GUITARRISTA DO BRASIL

Em 1969 Lucinha se mudou para Londres com a família, onde viveu por dez meses. A ida para a capital inglesa ficou marcada pela viagem de barco com trilha sonora dos Rolling Stones. Era 5 de julho, data em que a banda realizava o histórico show no Hyde Park, dois dias após o falecimento do guitarrista Brian Jones. A jovem artista ouviu tudo pelo rádio. Na Inglaterra, participou de uma banda com os amigos do colégio onde estudava, chamada The Solid British Hat Band. Com eles, se apresentou na Folk Evening, evento semanal promovido pela escola. “O Alan Wakeman, letrista do conjunto, tinha umas músicas relacionadas ao meio ambiente, falavam da loucura dos carros, do movimento gay, assuntos que eu ainda não era ligada”. Ainda nessa passagem, a artista assistiu ao Ten Years After e ao Deep Purple ao vivo. Porém, em 1970, Lucinha precisou voltar ao Brasil e saiu da banda. Na volta, se aproximou dos Mutantes, banda que já conhecia antes de sua mudança para a Inglaterra e que assistiu diversas vezes no programa O Fantástico Mundo de Ronnie Von. Andando com os ro-

queiros da Pompeia, a cantora fez sua primeira gravação profissional, cantando no álbum Hoje É O Primeiro Dia do Resto da Sua Vida (1972), creditado a Rita Lee e último LP que reuniu a formação original da banda paulista. Meses após a gravação do disco, Lucinha voltou à Londres com o produtor Liminha, a fotógrafa Leila Lisboa Sznelwar e Rita Lee. Nessa viagem comprou sua primeira guitarra, uma réplica japonesa da Gibson Les Paul. No passeio à Inglaterra, a artista reencontrou-se com os parceiros da The Solid Britsh Hat Band. Junto a eles, que agora se chamavam Everyone Involved, Lucinha e o então baixista dos Mutantes gravaram “Either/Or”, LP que contou também com a participação de Ritchie e trazia em seu selo a seguinte frase: “Não pague por esse disco! Ele é gratuito…”. De volta ao Brasil, Rita Lee recebeu o convite para abrir o show d’Os Mutantes no Phono 73, festival realizado pela Philips Phonogram para promover seu catálogo de artistas que incluía os principais nomes da MPB, entre eles Gal Costa, Chico Buarque, Elis Regina, entre outros. Para acompanhá-la na apresentação, a artista convidou Lucinha e, assim, formaram a dupla As Cilibrinas do Éden. Segundo relato da eterna mutante em sua autobiografia, no show, as artistas se vestiram a caráter: ela com antenas de joaninha, e Lucinha com asas de anjo. A dupla apresentou, em formato folk rock, as novas canções que Rita havia composto após sair de sua antiga banda, com ambas cantando e tocando violão. A recepção, porém, não foi calorosa: os fãs dos Mutantes, ansiando pelo som do rock progressivo da nova formação,

Fotos Divulgação

me colocou para trabalhar porque eu era muito rebelde, e lá eu fiquei feliz, ouvia música o dia inteiro. Eu usava o cabelo igual o John Lennon, tinha uma camisa com um desenho dele que eu mesma fiz”. Na loja, Lucinha acompanhou o lançamento de discos de Françoise Hardy, Chris Montez (que atendeu pessoalmente na Hi-Fi) e do clássico Rubber Soul, dos Beatles.


vaiaram e jogaram bolinhas de papel no palco, encurtando a apresentação. Depois da estreia, Rita resolveu seguir caminho por um som mais elétrico e Lucinha apresentou para a parceira o Lisergia, uma banda de rock do bairro da Pompeia, de São Paulo, que tinha entre seus integrantes Lee Marcucci (baixo), Luis Carlini (guitarra) e Emilson Colantonio (bateria). Com os novos integrantes,

o conjunto entrou no estúdio e gravou um LP que originalmente se chamaria Tutti-Frutti, que também se tornou o nome do grupo, que passou a acompanhar a autora de “Mamãe Natureza”. Porém, por seu caráter experimental e pouco comercial, o disco foi cancelado pela gravadora e só se tornou conhecido pelo público de forma não oficial. Em 2008, a gravação foi editada em vinil e lançada

como um suposto disco das Cilibrinas do Éden. Lucinha participou do Tutti-Frutti até o ano de 1975. Com eles, cantava e tocava guitarra e participou da gravação do primeiro disco lançado oficialmente, Atrás do Porto Tem Uma Cidade. Nessa empreitada, assumiu a posição de primeira mulher guitarrista do Brasil. Sua despedida da banda aconteceu no ano seguinte, no


PERFIL festival Hollywood Rock. Realizado no Estádio de General Severiano, no Rio de Janeiro, o evento teve público estimado de 10 mil pessoas. Entre as pessoas na plateia do festival estavam Eric Clapton e sua então namorada, Pattie Boyd. Em uma reunião após o show, Lucinha e o guitarrista se encontraram e aquele foi um momento marcante para a artista: “a gente se encontrou no camarim e depois em uma festa, tocamos juntos rapidinho e ele falou que eu poderia ser filha do John e da Yoko, eu pensei: ‘nossa, ele me conhece’. E ter esse momento com ele foi muito legal, porque os músicos não me davam muita bola e eu estava ali tocando com o Eric Clapton”. Comentários como “para tocar guitarra tem que ter culhão” e tentativas de comprar seus equipamentos como se a artista não entendesse do assunto eram comuns nessa época,

porém Lucinha nunca se amedrontou com o machismo. “Eu nunca fiquei apavorada, nem mal humorada com isso, eu só não esquentava a cabeça”, revela. Lucinha ainda se reuniria com Rita e também com o Tutti-Frutti diversas outras vezes, como nos discos Refestança (1977), Babilônia (1978) e Saúde (da fase com Roberto de Carvalho, em 1981). Em 1975 a artista participou da montagem brasileira de The Rocky Horror Show, em São Paulo. No ano seguinte, se apresentou no Festival de Saquarema com o Made In Brazil, com quem gravou o álbum Pauliceia Desvairada (1978). Em 1977 Lucinha estava, em suas palavras, “de saco cheio do Brasil”, e juntou um dinheiro para sair do país. Porém, antes de partir, resolveu conhecer o carnaval da Bahia e, como mistério sempre há de pintar por aí, encontrou-se com Gilberto Gil, que a convidou para

gravar seu próximo álbum, Refavela, que se tornaria um grande clássico da MPB. “O Gil me convenceu a ir pro Rio gravar com ele e eu fui ficando, ficando… Fizemos mais de cem shows nessa turnê”. Lucinha não só gravou o LP como também fez parte da banda Refavela, cantando e tocando guitarra ao lado de Moacyr Albuquerque (baixo) e Djalma Corrêa (percussão), entre outros músicos. Com o grupo, gravou também em 1977 o disco Refestança, que reuniu Gil e Rita Lee (ainda acompanhada pelo Tutti-Frutti) no palco. “Na música ‘De Leve’ eu faço um solo mas como era mulher tocando meu volume ficava escondido, aí quando a Rita grita ‘de leve, Lucinha’ você ouve a minha guitarra chegando”, relembra. Com Gil, a cantora também gravou Luar (1981), um LP que, segundo relata, “é uma glória, tão oposto ao que estamos vivendo hoje”. O ano de 1979 foi intenso para Lucinha. Gravou com Paulinho Nogueira o álbum Nas Asas do Moinho, que considera uma de suas melhores gravações. “Não foi tão natural porque eu gravava com Rita, Gil, que eram de universos parecidos com o meu. Eu conheci o Paulinho através da filha dele, a Julia Nogueira, que era minha amiga, também cantou no Made In Brazil. Eu frequentava a casa dele, tomava café com ele vestido de pijama. Um dia ele me chamou pra gravar, eu fui meio apavorada, mas acho que gravei 92% bem”, recorda. Cinema Transcendental, de Caetano Veloso, é outro álbum importante de 1979 que traz a voz de Lucinha, que gravou nas faixas “Beleza Pura”, “Oração Ao Tempo” e “Lua de São Jorge” - “eram arranjos primorosos de vocal, maravilhosos”, comenta. Também neste ano, a artista iniciou uma longa parceria com Moraes Mo-


reira, gravando no disco Lá Vem O Brasil Subindo A Ladeira. Ao lado do eterno Novo Baiano, Lucinha se apresentou no carnaval do Recife, em cima do trio elétrico, e também gravou outros álbuns, como República da Música e Bahiano Fala Cantando (ambos de 1988). Sobre o amigo, falecido em abril de 2020, Lucinha comenta: “Moraes tinha uma cultura, um entendimento profundo de suas raízes, de uma coisa brasileira que a gente acessa muito pouco. Sabia muito de cordel, de literatura nacional. Ele tinha aquele jeito hippie, festeiro, e era um ser humano de uma profundidade que as pessoas não suspeitavam”.

O AROMA DO SUCESSO Além de tantos encontros, 1979 marcou o momento em que Lucinha fez suas primeiras gravações em carreira solo. Naquele ano chegou ao mercado seu primeiro compacto, com as canções “Música No Ar” e “Ói Nois Aqui Trá Veis”. O EP foi a porta de entrada para a artista lançar em 1980 seu primeiro disco, Aroma. “A gravadora veio atrás de mim, eu acho que queriam uma Rita Lee para eles, ela estava dando certo sozinha. Mas eu fiz um trabalho completamente diferente”, revela a artista, que teve a faixa título do LP entre as 100 mais tocadas no rádio no ano de seu lançamento. Contando com as orquestrações de Lincoln Olivetti e produção de Perinho Santana, o repertório do disco inclui canções de Lucinha, parcerias com Rita Lee, composições de Gonzaguinha e a faixa título assinada por Gilberto Gil. “Aroma” fez parte da trilha sonora de “Plumas e Paetês”, novela da Globo, e teve clipe no programa Fantástico, dois indicativos de sucesso comercial na época. Sobre a influência do disco, a cantora comenta: “Eu fiquei pasma porque a Preta Gil me revelou recentemente que co-

meçou a cantar por causa de ‘Aroma’, que ficava me imitando no espelho. Foi muito emocionante ouvir isso”. Depois de Aroma, Lucinha resolveu deixar a Odeon por conta de uma promessa de outra gravadora, que acabou não se concretizando. “Eu fui bem feliz, mas acabei ficando meio que na rua, eu não tinha noção do lado business, não tinha um produtor ou empresário que me orientasse, fui inocente. Depois não consegui outro contrato, são coisas do mercado. Eu tenho maior preguiça do showbizz, mas faz parte”, explica. Sobre a diferença entre estar no papel de destaque ou acompanhar os artistas em uma gravação, ela comenta: “as pessoas tem mania de querer ganhar o Oscar o tempo todo. É chato estar na mira, as pessoas querendo saber a cor da sua calcinha, quem você pegou na mão. Tem coisa mais gostosa do que fazer coro em ‘Refavela’?”. Lucinha seguiu a década de 1980

como musicista de estúdio, participando de diversos LPs. Sua voz está em Transe Total (1980, A Cor do Som), Corações Paulistas (1980, Guilherme Arantes), Saúde (1981, Rita Lee), Erasmo Carlos Convida (1982), Tubarões Voadores (1984, Arrigo Barnabé) e em Benjor (1989). Sua composição “Bobagem”, em parceria com Rita Lee, também foi gravada pela cantora Cristina Camargo em 1981 e, em 1992, por Cássia Eller. A artista também participou de A Brazilian Love Affair (1980), álbum do músico estadunidense George Duke. A gravação ocorreu de forma inusitada: “No encarte do disco eu estou com um macacão Lee jeans, eu tinha ido assistir ao show Tropical, da Gal Costa, vestida de caipira e lá recebi o convite para gravar os vocais. Eu fui da plateia direto pro estúdio. Eu sou muito fã do Frank Zappa, o Duke e o Kerry McNabb, que foi técnico desse LP, trabalharam com ele”.


PERFIL No começo da década de 1990 Lucinha se mudou para a Europa, onde viveu até o ano de 1993 entre a Escócia, onde sua filha Alice nasceu, e a Alemanha. Nesse período, realizou alguns shows no formato voz e violão e também trabalhou em um curso de alemão. De volta ao Brasil, a cantora gravou jingles, fez traduções e participou do disco Todos Os Sambas (1997), de Paulinho Boca de Cantor.

LUCINHA REVISITADA

Sua apresentação no Festival Psicodália, com uma plateia de seis mil pessoas, em 2019, foi uma enorme emoção para a artista. “Foi a última edição antes da pandemia. Foi muito gratificante, eu via o interesse nos olhos das pessoas. O Mamão, baterista do Azymuth, que tocou comigo no Atrás do Porto… assistiu o show chorando, foi muito forte”. Foi neste mesmo ano que foi realizado o documentário sobre a vida e obra da artista, com direção de Zé Mazzei e Luiz Thunderbird. Parte do projeto “MOV.doc apresenta Diretores Convidados”, da Uol, o filme resume magistralmente a carreira de Lucinha em uma duração de pouco mais de 15 minutos, com entrevistas da cantora e de músicos que fizeram

parte de sua história. A ideia do documentário surgiu após Zé Mazzei (da banda Forgotten Boys) ter sido convidado para participar do projeto. “O Zé disse que só toparia se eu pudesse participar com ele”, revela Thunderbird. “E eu disse que só participaria se o documentário fosse sobre a Lucinha Turnbull”. Thunderbird e a artista se conheceram pessoalmente no velório do Kid Vinil, uma grande referência do jornalismo musical e do rock dos anos 1980. Desde então, criaram uma forte amizade que foi estendida para a parceria musical. “Eu conheci o trabalho dela através do Tutti-Frutti, depois vi o show do Refavela. A Lucinha é uma pessoa muito carinhosa e preocupada com as pessoas à volta dela, é um Ser Humano com S maiúsculo e H maiúsculo”, revela

Fotos: Marcus Steinmeyer / Divulgação

A partir dos anos 2000, Lucinha fez gravações e shows eventuais. As apresentações ao vivo foram os principais destaques de sua carreira nos últimos anos, com repertório que inclui suas composições, músicas marcantes em que participou da gravação e covers de Beatles e Bob Dylan. Atualmente, a artista tem um projeto no formato de trio, com

Tonho Penhasco na guitarra e Luiz Thunderbird no baixo.

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o músico e apresentador do Music Thunder Vision. Ainda sobre o documentário, o diretor revela: “Contar essa história em 15 minutos foi uma arte, é difícil fazer essa síntese em tão pouco tempo. A Lucinha é uma aula de backing vocal e guitarra. Ela é excelente nos dois e faz parte do clube dos heróis da música brasileira, digo isso porque ela vai além do rock. Ela está ativa até hoje, continua fazendo shows, compondo. Ela é incansável, ela ama música. Ainda bem que a Lucinha escolheu ser uma musicista, ela inspira muito”. Para a cantora, a experiência do documentário foi emocionante. “O Zé e o Thunder são maravilhosos. Nós gravamos tudo em um dia e eu só fui assistir em 2020, quando já estava pronto. Foi conduzido com muita

delicadeza, eu fiquei super à vontade, não queria que aquele dia acabasse nunca. Eles dois são pessoas que vão estar para sempre na minha vida”.

Involved Atrás do Porto Tem Uma Cidade (1974) - Rita Lee e Tutti-Frutti Refavela (1977) - Gilberto Gil

Tendo participado do disco de Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo em 2021 e pronta para gravar com Edgard Scandurra e Silvia Tape no projeto EST, Lucinha está preparando repertório para seu segundo disco solo e afirma: “Eu já me diverti muito e pretendo me divertir bastante ainda”.

Cinema Transcendental (1979) Caetano Veloso

REFERÊNCIAS DISCOGRÁFICAS

Todos Os Sambas (1997) - Paulinho Boca de Cantor

Alguns discos para conhecer a obra de Lucinha Turnbull. Hoje É O Primeiro Dia Do Resto da Sua Vida (1972) - Rita Lee Either/Or (1972) - Everyone

Nas Asas do Moinho (1979) Paulinho Nogueira A Brazilian Love Affair (1980) George Duke Aroma (1981) - Lucinha Turnbull República da Música (1988) Moraes Moreira

Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo (2021) - Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo


CAPA

L U C Á T E P S E S O D A D A M O RET

Por Fernando de Freitas

Fotos: Ariela Bueno /Divulgação

PARA A T L O V A O D N E S COMO ESTÁ WS O H S S O A R A P A H QUEM TRABAL ACONTECEREM

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LOS “Com 2022, eu não estou preocupada, vai ser muito legal. Mas meu problema agora é fechar 2021”, este é o sentimento de Amanda Souza, produtora de artistas como Ana Cañas e Maglore. Foram praticamente 18 meses praticamente sem espetáculos. Ainda que tenham acontecido esporádicas lives e shows em drive-ins, sua fonte de renda secou e, ainda que as casas de show estejam reabrindo, o momento ainda é de muita incerteza. Amanda conta que voltou a receber um volume considerável de consultas para a realização de shows dos artistas com quem trabalha, porém, muitos contratantes preferem jogar as datas mais para frente, ainda inseguros com o momento. “Os artistas querem muito voltar e a indústria está animada e apostando, mas a maior parte dos eventos está sendo adiada para o ano que vem”. A mesma incerteza acomete os organizadores da festa Free Beats, que na última década ocupou as ruas do centro de São Paulo. Com a data marcada para 5 de dezembro, o festival precisa acontecer, seja em formato presencial, online ou híbrido. Os organizadores foram contemplados com recursos da Lei Aldir Blanc e têm a obrigação de promover o evento ainda este ano. Thiago Pessutto, um dos organizadores conta que “jogamos a data o mais do final do ano possível, esperando o avanço da vacinação” e relata ainda outras dificuldades: “nós sempre fizemos o evento em espaços públicos, porém, nesse momento, não existe articulação possível com o poder público, então é impossível ocupar as ruas”. A solução, nesse momento está na realização do evento em um espaço privado, a céu aberto, na região da Barra Funda. Não apenas os produtores, mas os patrocinadores estão animados com a volta dos espetáculos. A marca de cerveja Heineken volta a olhar para o movimento noturno, após uma série de

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CAPA ações de apoio a estabelecimentos e artistas durante a pandemia, seu representante conta que “agora, no momento que vivemos, com o período de retomada de convívio social e cultural cada vez mais próximo, mudamos a abordagem do apoio, mas sempre mantivemos em mente o objetivo de buscarmos conexão com o nosso consumidor por meio de experiências únicas e, para esse momento, não poderia ser diferente. Os nossos movimentos de apoio mais recentes, partiram do anúncio do fechamento de locais icônicos e importantes para a construção da cultura urbana, um território em que a Heineken sempre esteve presente e que faz parte da nossa história. Percebemos a necessidade de reação e a urgência de um novo olhar para a cidade, para a vida noturna se manter

Amanda Souza

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e todo seu entorno, como ambientes de convívio, cena cultural, difusão de vozes diversas e reflexões a respeito do futuro das cidades. [...] estabelecemos essa parceria com organizações culturais que oferecem uma relação genuína das pessoas com os espaços urbanos, propondo esse elo entre o agora e o futuro e visando, assim, o momento de retomada segura, com o maior controle da pandemia. Entre os locais que estamos apoiando e farão parte da iniciativa estão: Exit, Audio, Fatz + Praça, Heavy House, Estepe, Cavepool, Studio SP, e Circo Voador, no Rio de Janeiro”.

ESPETÁCULO SIGNIFICA CONSUMO Mesmo como avanço da vacinação, a transmissão da COVID-19 ainda preocupa. A vontade de ficar pertinho ainda é a mesma (ou ainda maior!)

e não há como controlar grupos de pessoas reunidas em um mesmo lugar, senão por meio da conscientização. Porém, existem muitas outras medidas que podem ser tomadas para diminuir os riscos. Algumas casas ainda mantêm lotações menores do que aquelas já permitidas pelo poder público. O uso obrigatório de máscaras e a disponibilização de álcool em gel já virou algo corriqueiro, embora o público faça uso de uma escusa para retirar a proteção: o consumo de bebidas e alimentos. Os estabelecimentos e marcas precisam desse consumo, são essenciais a sua atividade, mas seus gestores pensam que é necessário cuidar. A Heineken declarou para a Revista 440Hz: “nós, como marca, confiamos e acreditamos que nossos consumidores entendem a importância


de socializar apenas de forma responsável, principalmente respeitando os protocolos locais de saúde estabelecidos em cada cidade, estado ou país”.

Foto: leo Pinheiro / Divulgação

Pensando nisso, a marca implementou ações que incentivam a manutenção dos cuidados na socialização responsável, tais como a parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein no projeto “De Volta ao Bar”, uma plataforma de conteúdo e aprendizagem eletrônica em que os donos dos bares e restaurantes recebem recomendações de boas práticas para garantir o bem-estar e a segurança de suas equipes e clientes; e junto ao Movimento “NÓS”, que estabeleceu uma parceria com outras companhias do ramo de alimentos e bebidas, para ajudar o pequeno varejo na retomada de suas atividades com kits de higiene, orientações de segurança e condições comerciais especiais. A Meep, empresa de tecnologia em soluções e meios de pagamento, explica que é possível contar com diferentes tipos de recursos cuja aplicação se faz cada vez mais presente. O credenciamento mobile, por exemplo, faz com que os organizadores repensem as estratégias de controle de acesso e otimizem todo o processo de cadastro dos usuários, redundando em redução de filas, rapidez na validação dos ingressos através de QR Code, retirada de kits e, até mesmo, realização de cadastros personalizados. Outra solução é o uso de cartões e pulseiras cashless, ou seja, com essa ferramenta, basta que o vendedor coloque sua maquininha perto da pulseira ou cartão do cliente para que a compra seja realizada, quase que instantaneamente. Desta forma, o consumidor poderá inserir créditos na sua conta e gastá-los como desejar, evitando assim que pegue filas grandes e incentive a aglomeração.

Thiago Pessutto

NOS BASTIDORES Os cuidados não podem se limitar somente ao público ou linha de frente dos estabelecimentos, proteger cada um da cadeia de trabalho é, no fim das contas, cuidar de todos, ou seja, da coletividade. Em Curitiba o espetáculo infantil A menina Akili e seu tambor falante, o musical fechou uma parceria com a Hilab, empresa especialista em exames laboratoriais remotos, para testagem de Covid-19 de todos os envolvidos no projeto. A Hilab fez a doação de 300 testes de antígeno para que toda a equipe de produção, atrizes e demais envolvidos na montagem, ensaios e gravação realizem suas atividades com mais segurança. O espetáculo, transmitido online, é uma realização da Baluarte Cultura, com direção de Rodrigo França, idealizado, roteirizado e protagonizado por Verônica Bonfim, inspirado em um personagem real e busca reforçar a autoestima e cultura afro-brasileira. “A menina Akili e seu tambor falante, o musical, estava em pré-produção quando a pandemia começou e, por conta disso, teve sua estreia adiada. Tivemos que replanejar tudo e pensar com muito cuidado em como garantir a segurança de todos os envolvidos. [...] E isso permite

que estejamos focadas na parte técnica e artística do espetáculo, criando e construindo da melhor forma possível o universo de Akili”, afirma Paula Sued, diretora de produção da Baluarte Cultura. As viagens ainda são escassas. O preço das passagens aéreas atrapalha. O ideal ainda é que toda equipe seja acomodada em quartos individuais, porém, mesmo para quartos duplos é preciso negociação. Novamente a questão de custos atrapalha. A boa notícia é que nem toda a contenção de custos não afetou os cachês que, quando pagos em um valor fixo, estão no mesmo padrão anterior. O problema ainda são as contratações com parte da bilheteria, uma vez que a maior parte dos estabelecimentos trabalha com lotação parcial. Em se tratando de segurança, uma diferença é notável. Nos camarins havia mesas de catering (o famoso buffet), em que toda a equipe se servia à vontade. Agora, por uma medida de higiene, cada um recebe um kit alimentação. É uma medida básica e, também, econômica, mas desagrada os trabalhadores detrás das cortinas, representa menos variedade de escolha e, claro, o tamanho da fome de cada um é diferente.


CAPA

Em sua primeira apresentação depois de 20 meses, Fabiana Cozza, sobre o palco da Casa de Francisca, brincou: “gente, não precisa pedir mais um, o artista está há tanto tempo cantando sozinho que vai cantar mais um, mais duas, mais três”, seguida de uma salva de palmas e risadas. A reabertura da casa para os shows foi marcada por muita emoção de Rubens Amatto e seus colaboradores, aos quais ele agradeceu com os olhos marejados até as lágrimas o tomarem. Todos que estavam ali vestiam máscara ao entrar no salão e tiveram de apresentar o comprovante de vacinação. Não se observou qualquer

pessoa a circular sem o apetrecho, embora boa parte do público (em mesas distanciadas) se utilizavam da escusa do consumo para não permanecer com o rosto coberto. Quando perguntamos aos organizadores do festival Free Beats sobre essas questões eles foram categóricos na resposta: “nós exigiremos duas doses da vacina em nosso evento, a menos que o poder público legisle no sentido de exigir somente uma, pois nós cumpriremos a lei” e complementa: “quem não quiser se vacinar é negacionista e não tem lugar no FreeBeats”. Amanda, enquanto produtora, revela “não estamos em posição de exigir que as casas estabeleçam o passaporte vacinal, mas claro que ficamos mais confortáveis

Por outro lado, ainda há aqueles que acreditam que a volta é precipitada e criticam quem está iniciando a retomada. É uma daquelas questões que despertam sentimentos ambivalentes. (Fazendo aquela ressalva que todos com quem conversei preferiam que a pandemia tivesse se encerrado por completo.) Amanda ressalta “na realidade só a gente do midstream está voltando agora, mainstream já voltou faz tempo ou não parou”, fazendo lembrar os relatos de (muitos) shows clandestinos durante a pandemia, e completa: “o futebol voltou, os bares voltaram, os shoppings estão abertos, por que só a gente não pode voltar?”

Fotos: Ariela Bueno /Divulgação

O SHOW TEM QUE CONTINUAR

quando o estabelecimento tem essa política”.


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EPISÓDIOS INÉDITOS QUINZENALMENTE. ÀS TERÇAS NA WEB RÁDIO GRAVIOLA. ÀS SEXTAS NAS PLATAFORMAS DE STREAMING.

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ARTIGO

Por André Luiz e Luciana Almeida

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Photo by Alexander Sinn on Unsplash

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ão só o varejo, mas praticamente todos os negócios enfrentaram, e ainda enfrentam, desafios no mercado de consumo na era digital. Este, inclusive, passa por tantas alterações, tão rápidas, que também é estudado por diversos especialistas e universidades ao redor do mundo. O mesmo ocorreu com a música. Basta pensar num passado não tão distante, quando todos consumíamos música por meio de LPs, depois CDs, depois em tocadores de mp3 e assim por diante, até chegar ao momento atual: música pela internet, que pode ser ouvida pelo computador, celular, televisores e tablets, em plataformas de streaming – que, aliás, não param de se multiplicar. Pesquisas recentes da Federação Internacional da Indústria Fonográfica apontam que o mercado fonográfico no Brasil teve alta de 24,5% no ano de 2020. Já o crescimento geral do streaming musical foi de 37,1%, enquanto os serviços pagos de música online tiveram um aumento de 28,3%. Atualmente, vivemos a era da indústria 4.0, em que a internet e a conectividade se consolidam cada vez mais na era móvel e digital, com o País na porta de entrada do 5G, que promete outra revolução na forma como consumimos entretenimento digital. Trata-se de um contexto histórico, fruto de diversas transformações, que usam até algoritmos, inteligência artificial e machine learning para oferecer o tipo de

música que mais se encaixe no perfil do ouvinte – e até o humor com que ele se encontra no dia. E toda essa evolução, tecnologia e inovação afetam fortemente os recursos de gestão e até os modelos de negócios. Nesse contexto, o grande desafio para os negócios passa a ser entregar valor para uma demanda latente, existente ou crescente em um cenário de mudanças constantes, que não apenas gera muitas incertezas, mas também obriga os negócios a se reinventarem. No caso da Sony Music, que está presente em mais de 40 países e acolhe inúmeros artistas, essa percepção e mudança de chave ocorreu já faz alguns anos, pois a inovação e a tecnologia estão no DNA da companhia. A Sony foi pioneira, quando o movimento de digitalização começou e, já em 2015, passou a atuar com foco total no ambiente digital. O acesso à música se democratizou com o crescente acesso à internet e à informação, gerando aumento de competição no setor. É necessário entregar cada vez mais conteúdo de qualidade. Para tanto, é preciso entender os próprios artistas e seus fãs, com o objetivo de conectá-los de formas inovadoras. Além de gerar conexão, tanto para o consumo quanto para o engajamento. O objetivo de todo o trabalho é fazer música, claro, mas também fazer com que essa música chegue ao maior número de pessoas possível, amplie a comunidade de fãs, promova colaborações entre artistas, e até vá além, com a cola-

boração entre artistas e seus fãs. Com a pandemia, o mercado da música também foi muito impactado, por causa da ausência dos shows, o que nos obrigou a inovar mais uma vez, para que não se perdesse o contato do ídolo com o fã, incluindo lançamento de shows online, desenvolvimento e promoção de lives e conteúdos exclusivos, além de ações para promover interações e engajamento entre as partes – antes e depois dos lançamentos. Entende-se que não basta apenas disponibilizar o conteúdo nas plataformas, mas também é preciso se ajustar às tendências do mercado, adaptando-se ao novo momento, que mudou as regras do entretenimento para sempre. Ou seja, o mercado da música precisou se adequar novamente, para criar experiências e atrair cada vez mais engajamento do público, em vez de perdê-lo. Com tudo isso, é possível perceber que o consumo de música digital ultrapassou apenas a barreira do streaming. O que virá a seguir? Já estou ansioso para descobrir!

Por André Luiz, diretor de tecnologia e inovação da Sony Music Brasil e Luciana Almeida, líder da estratégia de playlist da Sony Music Brasil. * Sobre esse mesmo tema em palestra recente para a Campus Party Digital Edition 2021. Assista à palestra completa aqui.

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COLUNA

T C E SUSP E C I V DE

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Por Henrike Baliú

BANDEIRA NEGRA STRIA Ú D IN A D S IO R Á S OS COR FONOGRÁFICA

ootlegs e discos piratas sempre exerceram um grande fascínio em colecionadores como eu. São difíceis de encontrar, nem todo site vende e são prensados em edições super limitadas. Mas, você sabia que existe uma grande diferença entre um bootleg e um disco pirata? Um bootleg é um disco que contém uma gravação não oficialmente lançada de um artista, seja um show, uma sessão de gravação de demos, uma sessão de estúdio abortada etc. Um disco pirata é apenas uma cópia ilegal do disco original. Para os fãs, os LPs bootlegs são como ouro em forma de vinil, e nessa coluna vou falar um pouco dos tesouros da minha coleção.

JOHNNY CASH

Vamos começar pelo eterno Man in Black. Sou um ávido colecionador do Cash. O cara foi muito prolífero, lançando músicas de 1954 até 2003, o ano de sua morte. Sua discografia oficial tem mais de cem álbuns e, mesmo assim, muito do que ele gravou nunca viu a luz do dia por lançamentos oficiais. Songs from the Real America LP. Em 1969, Bob Dylan estava nos estúdios da CBS terminando de gravar o álbum

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Nashville Skyline, quando recebeu a visita de Cash. Os dois já eram amigos e a admiração era mútua. Começam, então, a brincar no estúdio, tocando alguns clássicos do Cash da época da Sun Records, entre outras canções. O produtor Bob Johnston não teve dúvidas, apertou o botão de gravação e registrou o momento. Nada foi ensaiado, o Dylan cantou algumas músicas erradas e vamos ser sinceros, a voz grave do Johnny não combina muito com a aguda do Bob. Das quinze faixas gravadas, apenas uma, “Girl of the North Country”, acabou sendo oficialmente lançada. Os “bootleggers” não tiveram dó, e existem várias versões em vinil com a sessão completa. A minha se chama

“Songs from the Real America”, pelo selo The Swingin’ Pig Records. Não é um disco que ouço toda hora, mas tem o seu valor histórico. American Outtakes LP. Em meados dos anos 90, Johnny Cash assinou com a gravadora de Rick Rubin, a American Recordings por onde lançou seis álbuns, mais uma caixa essencial com cinco CDs. Porém, várias músicas gravadas nessa época acabaram ficando de fora. Algumas delas foram compiladas no LP American Outtakes, uma coleção belíssima com treze faixas de arrepiar, incluindo uma das minhas favoritas, “I Witnessed a Crime”, com Billy Gibbons, do ZZ Top, na guitarra.


Imagens: Reprodução

THE CRAMPS

Uma banda muito querida pelos bootleggers é a lendária banda americana, The Cramps. Existem literalmente centenas de bootlegs deles por aí. Memphis Poseurs LP. Amo bootlegs que trazem gravações demo. Na minha opinião não há nada mais legal do que escutar a criação de clássicos ganhando forma em estúdio. Claro que demos não foram feitas para serem lançadas, por isso aprecio o trabalho dos bootleggers nesse quesito. Como eles conseguem essas gravações? Gostaria de saber essas estórias. Em 1977, o The Cramps entrou em estúdio, em Memphis, com o lendário produtor Alex Chilton (tem uma faixa do The Replacements em sua homenagem, escutem!) e gravaram várias faixas demos selvagens de músicas que entrariam no primeiro EP e álbum da banda. A gravação é bem crua, mas captura de maneira magistral os primórdios da trupe do casal Lux Interior, vocalista e Poison Ivy, guitarrista. All Tore up LP. Mais um disco com demos, dessa vez gravadas em 1979. Elas já tinham sido lançadas antes com outro nome, The Ohio Demos, espalhadas em três compactos. Mas, na edição que tenho, a capa do single “Drug Train” ganha uma releitura, e os três compactos são compilados em um LP absolutamente essencial para quem é fã de rock’‘n’roll. É simplesmente inacreditável que ele nunca tenha ganhado um lançamento oficial. A gravação é


ótima, nem parece que você está escutando um disco de demos. Talvez seja o melhor bootleg de todos os tempos e, com certeza, é um dos melhores álbuns do The Cramps.

Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira

The King is Back!!! LP. Em 1986, o The Cramps lançou o LP A Date with Elvis”, e esse bootleg traz as músicas desse álbum tocadas ao vivo em programas de TV e rádio durante a turnê daquele ano. A qualidade não é das melhores, mas a arte compensa, tanto que comprei esse disco pela capa, uma linda “homenagem” ao primeiro LP do Rei do Rock, Elvis Presley. THE CLASH Também conhecida como “a única banda que importa”, os ingleses do The Clash tiveram sua discografia relançada várias vezes. Porém, as únicas demos lançadas oficialmente foram as do antológico LP London Calling, que saíram em 2004 para comemorar os 25 anos do álbum. Mas, para a alegria dos admiradores da banda, as demos dos outros discos aparecem nos seguintes bootlegs: 1976 - 1977 Demos LP. Tive a sorte de encontrar esse LP em uma feira de discos em São Paulo por um preço justo, anos atrás, quando ainda vendiam vinil por preços não abusivos. Eu já tinha um LP com algumas demos do primeiro álbum, mas esse aqui é completo. Quando a agulha abaixa no lado A, você sente o poder bruto e primitivo das demos gravadas no estúdio da gravadora Polydor, que tinha demonstrado interesse na gangue do Joe Strummer antes de eles assinarem com a CBS. No lado B, temos as demos que antecedem o álbum de estreia, gravadas por Mickey Foote, engenheiro de som da banda, que acabou produzindo o primeiro disco. O LP ainda conta com mais algumas faixas extras gravadas em 77. Resumindo, essencial.

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One Emotion LP. Esse é um disco bem interessante. O lado A apresenta cinco faixas ao vivo, em 1976, que nunca foram gravadas em estúdio, ainda com Keith Levene, um dos guitarristas originais, na formação. A qualidade, infelizmente, é bem fraquinha, mas dá pra ter uma ideia boa das músicas. No lado B que a coisa fica realmente instigante com algumas demos do álbum Give ‘em Enough Rope. É muito legal escutar “Safe European Home” com a letra original. Além dela, mais cinco faixas completam o lado B. A gravação é boa, vale a pena ter na coleção se você é fã. Rat Patrol from Fort Bragg LP duplo. Esse aqui é o cálice sagrado dos bootlegs do The Clash. A estória desse disco é muito louca. Quando o The Clash entregou seu quinto álbum para a CBS, produzido e mixado pelo guitarrista da banda, Mick Jones, ela se recusou a lançá-lo daquele jeito. Os executivos da gravadora chamaram então, Glyn Johns para remixar o disco todo, e eis que nasceu o “Combat Rock” que conhecemos e que escalou as paradas de sucesso com “Should I Stay or Should I Go” e “Rock the Casbah”. Mick Jones ficou puto, mesmo com o disco vendendo milhares de cópias, e acabou sendo chutado da banda logo depois. Esse bootleg duplo nada mais é do que a mixagem original do guitarrista, incluindo duas inéditas que Glyn Johns limou do LP: “Kill Time” e “The Beautiful People are People Too”. O lado D do disco só tem versões instrumentais, o que parece ser chato, mas na real é bem bacana. The New Testament – Cut the Crap Demos LP. Sempre fui fã do infame LP Cut the Crap, já confessei isso aqui na coluna um tempo atrás, então fiquei bem feliz quando encontrei esse LP em uma loja de discos em Los Angeles, durante minha lua de mel. O som do lado A parece que foi captado em


um ensaio, mas compensa pela raridade das faixas. A versão crua de “This is England” é maravilhosa! Algumas faixas nem entraram no Cut the Crap, como a ótima “Jericho”. Temos aqui nove músicas gravadas nessa sessão de novembro de 1983. O disco fecha com algumas peculiaridades, como Mick Jones e a banda punk sueca Eba Grön tocando três clássicos do The Clash ao vivo na cidade de Estocolmo em 2003. Pearl Harbor ‘79 LP duplo e Live Jamaica LP. É surreal que uma banda lendária como o The Clash tenha apenas um único disco ao vivo oficial com o show na íntegra, o Live at Shea Stadium, gravado quando a banda já estava no final da carreira, em outubro de 1982. Nesse show, o The Clash nem foi a banda principal, estava abrindo para os dinossauros do The Who. Por essas e outras, que eu levanto as mãos aos céus e louvo os bootlegers por discos como Pearl Harbor ‘79, captado da mesa de som do show, em Nova Iorque, em setembro de 1979. O álbum duplo traz 23 faixas com uma qualidade ótima, com a banda no seu auge e cheia de energia. Imagina estar nesse show, um pouco antes do lançamento do LP London Calling e escutar em primeira mão músicas como “Clampdown”, “Koka

Kola” e “The Guns of Brixton”. Aliás, foi esse show que rendeu a icônica foto do baixista Paul Simonon quebrando seu baixo no palco, foto essa que ilustra a capa do London Calling. Preciso dizer mais alguma coisa? O Live Jamaica foi gravado em um festival em Kingston, no Bob Marley Centre em novembro de 1982. A qualidade é muito boa, mas você quase não ouve o público, o que faz desse álbum uma audição um tanto peculiar. É um belo registro, com um setlist bem montado para o público jamaicano.

MISFITS

12 Hits from Hell: the MSP Sessions LP. Os Misfits entraram no estúdio MSP em agosto de 1980, com a intenção de gravar um LP. No final das

contas, o tal LP nunca foi lançado. Algumas músicas acabaram em singles e o restante foi engavetado. O que faz essa sessão de gravação ser especial é que foi a única vez que a banda contou com dois guitarristas no estúdio: o Doyle, que tinha acabado de entrar na banda e continua até hoje, e o Bobby Steele, chutado da banda logo após essa histórica sessão. O detalhe das duas guitarras é importante, pois deixou as clássicas composições dos Misfits com um som muito mais encorpado e interessante do que as outras gravações que existem dos desajustados de New Jersey. Dois anos depois, eles regravariam várias dessas músicas para o álbum de estreia, Walk among us. Em 2001, a Caroline Records pegou as masters dessa sessão perdida de 1980, remixou, masterizou e produziu algumas cópias promocionais em CD, com capa e tudo. Mas, por razões obscuras, o disco teve seu lançamento cancelado. Entram em cena os bootlegers, que mais uma vez salvam os fãs e disponibilizam esse registro absolutamente crucial. Um álbum que merece estar na prateleira de qualquer punk rocker.

BAD RELIGION

The Gray Race Demo Sessions LP. Temos aqui o LP The Gray Race inteiro em sua versão demo, mais as faixas “Strange Denial” e “Universal Cynic”. Para os fãs, é um prato cheio, a qualidade de gravação é boa, mas as versões demo se parecem muito com as versões finais.

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SOCIAL DISTORTION

Love me Tonight LP. Outra banda que sofre com a pirataria e da qual tem muitos bootlegs no mercado é a californiana Social Distortion, do Mike Ness. Esse bootleg gravado em 1994, tem alguns outtakes do LP White Light White Heat White Trash, outros do disco solo do Ness, o Cheating at Solitaire, mais algumas faixas inéditas. O disco inteiro é muito bom, a qualidade sonora é impecável e a arte da capa é melhor do que a arte de muito disco oficial.

RANCID

Lembro quando escutei Rancid pela primeira vez, no ano de 1993. Não existia internet para escutar música em plataformas digitais. Você era obrigado a ter o disco físico, em vinil, CD ou fita K7. Eu estava em uma banca de jornal, folheando a Thrasher, revista importada de skate, quando vi um anúncio do álbum de estreia deles, anunciando que aquela era a banda nova do Lint e do Matt do Operation Ivy. Porra!, eu era muito fã do Op Ivy, então fiquei na pilha de pegar aquele CD. Tinha um garoto que eu conhecia que estava indo passar férias nos Estados Unidos. Ele era mais novo que eu e estava come-

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çando a descobrir o punk rock. Ele me pediu para fazer uma lista de CDs que ele deveria comprar. Fiz a tal lista e coloquei Rancid no meio. O garoto viajou e voltou todo feliz com a mala cheia de CDs. No meio estava o Rancid. Peguei emprestado, escutei, me impressionei e nunca mais devolvi. Inventei que o CD tinha sido roubado num ensaio do Blind Pigs, em Barueri, e dei uma grana pro garoto. Ah, sim, me arrependo do que fiz, não aconselho ninguém a ser pilantra assim como eu fui. Mas paguei o garoto, acho que isso desconta algum tempo no inferno, não? Bom, vamos deixar meus pecados de lado e focar no que interessa, os bootlegs dessa grande banda punk americana. Let’s Go...Wolves Demo Session LP. As demos dos álbuns Let’s Go, de 1994, e do And Out Come The Wolves, que estourou a banda nas rádios americanas em 1995. Edição limitada de 500 cópias. Cara, se você é fã dessa banda californiana, vai atrás desse disco, você não vai se arrepender! São 19 faixas explosivas, cheias de raiva, sem a produção polida dos álbuns oficiais. Life Won’t Wait Demo Sessions LP. Em 1998, o Rancid ousou musi-

calmente e lançou seu álbum mais ambicioso até então, o And Out Come The Wolves, um LP duplo, gravado em uma série de estúdios em Los Angeles, Nova Iorque e Jamaica. Esse bootleg é interessantíssimo, pois o lado A contém sete demos do álbum, enquanto o lado B tem sete faixas inéditas do projeto The Silencers, que conta com Tim Armstrong e Lars Frederiksen, do Rancid, Vic Ruggiero, do The Slackers e Josh Freese, baterista do The Vandals e do Devo. Na boa, esse é aquele LP que você “tem que ter”! Dead End Sessions LP. Gravado ao vivo em julho de 2009, em uma sessão acústica. Gravação perfeita com treze clássicos da banda. Edição limitada, numerada, de 300 cópias. Todos os três bootlegs do Rancid que resenhei aqui foram lançados pelo selo europeu, Deadcat Records. Como vocês puderam ver, nem todo pirata é do mal. Eu, como amante da música e colecionador de discos, sou eternamente grato aos corsários que, corajosamente, navegam os mares bravios da indústria fonográfica, caçando tesouros que as grandes gravadoras gostariam de deixar enterrados.


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FIQUE DE OLHO

Por Fernando de Freitas

A M L A A H N I M A C S E R REF

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A

N

os últimos meses, alguns músicos lançaram trabalhos que reencontram o passado musical, transformando suas sonoridades em novas decupagens. A apropriação em busca da renovação faz da arte uma experiência sublime. Nessa identidade, olhamos para eles em conjunto.

VERONA

Lucas Gonçalves apresenta seu novo álbum, Verona, uma continuidade ao excelente Se Chover. Em seu segundo lançamento em meio à pandemia (porém, só este gravado durante o isolamento social), o baixista da Maglore enriquece seu repertório solo para a retomada das apresentações. Natural de Passa Quatro, MG, Lucas está ligado ao Clube da Esquina por um cordão umbilical que lhe alimenta, novamente, nesse trabalho. Mas, também, reencontra a psicodelia dos irmãos Antunes Baptista. Se, antes, declarou ter “abandonado os Beatles”, esses encontros musicais se estabelecem por aqueles que abrasileiraram o melhor nos liverputianos.

Verona é uma narrativa musical. Seria demais de chamar de ópera-rock. Está mais para uma suíte, pela sua delicadeza terrena. Lucas faz da contenção a liberdade musical de poder ser protagonista de si mesmo. Para tanto, ele reúne músicos que primam para a elegância a cada faixa.

NOUVELLA

Formada por Yasmin Zoran na voz, Gabriel Viegas na guitarra, Anderson Barba no baixo, Xuan Arfenoni no saxofone e Gustavo Grillo na bateria, a banda Nouvella, surgida em 2019, em Florianópolis, fez cerca de 20 shows entre 2020 e o começo de 2021, antes da pandemia. Já diante do distanciamento social, a banda aproveitou um momento de flexibilização para registrar as canções que se acumulavam. O EP foi gravado no estúdio Magic Place, do produtor musical Renato Pimentel, e viabilizado através de financiamento coletivo e apoio de marcas locais. Com o sugestivo título The Sun will Rise Again, a banda, que vem movimentando a cena de rock de Santa Catarina, traz um diferencial. “Desde o começo, a estética da banda é algo importante pra gente. Toda questão que o nosso som trás, de transpor a mente e o corpo pra outro estado... queremos envolver os fãs de todas as formas. Nossas fotos, figurinos, camisetas e maquiagem são, pra gente e pro nosso público, uma forma de identificação com o movimento Nouvella”, diz Gabriel Viegas, guitarrista da banda. A música de trabalho, “Melhor Amigo”, com letra composta pelo guitarrista, Gabriel Viegas, trás o diferencial da banda: um rock’n’roll em português. “The Sun Will Rise Again”, apesar do nome, também é em português, uma brincadeira que a banda gosta de fazer com os idiomas. As músicas “Future” e “Friend

Indeed” são canções em inglês. O trabalho tem fortes raízes noventistas. O som é cru, apostando na formação clássica de uma banda de rock e na sonoridade próxima à de uma apresentação ao vivo. Lembra muito desdobramentos do que chamam de grunge, mas com um perfil mais próximo a 4 Non Blondes e L7, diante também da voz feminina, mas de uma atitude pouco extravagante, mas muito direta e afiada.

HOLY PILLS

Se engana quem acha que Paris é apenas Chanson, jazz e cabaret. Segundo Felicia, vocalista e guitarrista da Holy Pills, a cidade tem uma cena forte, espalhada por todos os bairros da cidade. A atitude da banda é bastante punk, mas não se limita a isso. Com forte influência do funk da década de 70, a banda percorre um caminho feito pelo Living Colour, com destaque para as pesadas distorções que não deixam dúvidas: é rock de verdade. Tendo lançado uma marretada em forma de EP em 2020, com o nome de Time Lapse, os parisienses vão ainda mais longe com o single City’s Burning. É o resultado de quem aproveita do caldeirão cultural mais rico do mundo para mostrar que ouviu e entendeu o punk de cada parte do mundo e gravado ao longo das últimas décadas, para mostrar que a cidade luz pode iluminar um gênero que pode estar desgastado em outros lugares. As referências de Holy Pills não são novidade. Outras bandas como Red Hot Chilli Peppers, Faith No More, Pearl Jam e Afghan Whigs visitaram a sonoridade soul, como fez Living Colour, dentro deste universo do rock pesado. Porém, o que Holly Pills faz magistralmente é dar o frescor a este som, como essas bandas fizeram duas décadas atrás.

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RESENHAS LINIKER – INDIGO BORBOLETA ANIL

CAETANO VELOSO – MEU COCO

Um artista como Caetano está fadado a ser comparado com sua própria obra. É injusto olhar para qualquer lançamento sob a penumbra de uma obra grandiosa, a expectativa, por si, faz rechaçar ou amar qualquer possibilidade musical diante de paixões por vezes perversas. Assim como desde o início de sua carreira, Caetano esteve próximo da (ou na) vanguarda, é difícil não encontrar uma solução melódica, harmônica ou estética com a qual ele não tenha trabalhado antes. Por outro lado, Caetanear é um verbo (inventado por Djavan) que explica o processo artístico sublime do tropicalista. Ninguém caetaneia melhor que Caetano, por Caetano ser. O que tento dizer é que, ainda que Meu Coco não seja uma obra que traga surpresas, ainda é uma obra de Caetano Veloso, o que significa que é um álbum muito acima da média. São canções certeiras sobre tudo aquilo que se passa na cabeça de um dos mais importantes artistas de nossa história. Meu Coco parece um espelho capaz de refletir a nós mesmo dentro de Caetano e o Caetano que existe em nós.

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Depois de encerrar sua fase com os Caramelows, Liniker acaba de lançar o aguardado Indigo Borboleta Anil. Os arranjos de metais fazem referência direta à black music de Tim Maia, Cassiano, Di Melo e outros sons dançantes que embalaram os bailões da suburbanos e as festinhas aburguesadas. Por outro lado, não deixa de flertar com a estética do funk contemporâneo, que dá frescor ao som. A voz da Liniker apresenta suavidade melódica e suingada em todo espectro vocal explorado. Existe um encontro profundo com Marvin Gaye na elegância impassível com que enfrenta os riscos musicais e encontra a beleza do outro lado. É um álbum que pode acompanhar os dias bons ou os dias mais difíceis. É o conforto macio em forma de música. É necessário ressaltar que a participação de Milton Nascimento em “Lalange” chancela a busca da artista em seu lugar no panteão da música brasileira, por meio de uma canção confessional que nos envolve e isola do mundo exterior.

TOM MORELLO - THE ATLAS UNDERGROUND FIRE

Com uma história mais do que sedimentada no rock alternativo, Tom Morello acumula em seu currículo as bandas Rage Against the Machine, Audioslave e Prophets of Rage tendo se firmado como um dos guitarristas mais originais e inventivos dos últimos 30 anos. Seu novo álbum, The Atlas Underground Fire, é uma continuação do elogiado álbum de 2018, The Atlas Underground. A gravação contou com participações estreladas como Bruce Springsteen, Eddie Vedder, Chris Stapleton, Mike Posner e Damian Marley entre outros. Trata-se de um álbum de guitarrista, em que o foco é a exploração das mais diversas sonoridades que o instrumen-

to pode proporcionar. Embora o caráter experimental não seja uma novidade em sua obra, a ideia é não ficar dentro das linhas já estabelecidas. Sobre o álbum, Morello disse: “Fazer esse álbum foi um bote salva-vidas durante uma época conturbada. Criar uma conspiração global de amigos do rock’n’roll com talentos incríveis e diversos me manteve ativo e me ajudou como artista e guitarrista. Gravei todas as minhas partes de guitarra em isolamento e é ótimo agora liberar essas músicas no mundo e infligir o último capítulo da minha guitarra tocando a um público desavisado.” O álbum, como testemunhado por Morello, é um subproduto de dias de pandemia, sombrios e desafiadores. Gravando guitarras em seu telefone, o álbum foi feito criativa e tecnicamente em seu estúdio em Los Angeles, enquanto compartilhava arquivos com colaboradores em todo o mundo. “Durante o lockdown, não tive acesso a um engenheiro de som, então tive que gravar todas as partes da guitarra no memo de voz do meu telefone”, disse Morello. “Parecia uma ideia ultrajante, mas me levou a uma liberdade de criatividade,


já que eu não conseguia pensar demais em nenhuma das partes da guitarra e só precisava confiar em meus instintos”. A prática remonta, inclusive, às gravações caseiras de Keith Richards nos anos 70, que resultaram, inclusive na distorção única de “Street Fighting Man” a partir de um gravador de fita. Com alguma variedade de temas, a ansiedade causada pelo isolamento social também marca esse álbum e canções mais pessoais, que, porém, não o afastam da temática política que sempre o acompanhou.

MULAMBA - AO VIVO EM ESTÚDIO

Com versões intimistas, o lançamento transforma o trabalho de estreia da banda em versões afiadas e moldadas pelo amadurecimento dos palcos. Agora, arranjos minimalistas e referências eletrônicas se somam à estética orgânica, trazendo roupagens diferentes para músicas já conhecidas. O projeto recorda a trajetória percorrida nos últimos anos, celebrando conquistas, desafios e aprendizados. Duas faixas extras também chegam ao público: “Carne de Rã” e a inédita

“Dandara”, canção que personifica a nova fase do sexteto. “A gente está se desprendendo de alguns rótulos e de uma imagem idealizada em relação à Mulamba. É uma busca por outras maneiras de existência. Agora, conseguimos olhar para dentro; e não só para o mundo, esse lado externo que sempre enxergamos”, diz Érica Silva, integrante da banda junto com Amanda Pacífico, Cacau de Sá, Caro Pisco, Fer Koppe e Naíra Debértolis. Após a interrupção de shows na pandemia, o álbum marca o reencontro na apresentação online realizada em abril. A apresentação teve a presença especial de Gabriela Bruel (percussão), Klüber (piano e teclado) e Joe Caetano (castanholas). O álbum também conta com uma versão em piano e voz de “Interestelar”, mantendo o clima aconchegante e a letra sensível sobre afetos maternos. Outro destaque é “Lama”, que lembra os cinco anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG).

CABURÉ CANELA – CABEÇA DE COBRE

A banda londrinense (PR), composta por Carolina Sanches (voz), Lucas Oliveira (voz, violões, violino e teclados), Maria Thomé (percussão e live electronics), Mariana Franco (contrabaixo), Paulo Moraes (bateria) e Pedro José (voz, guitarra, clarinete e pífano), lança uma série de materiais exclusivos junto


RESENHAS

ao segundo trabalho de estúdio de sua carreira, Cabeça de Cobre. Gravado em processo totalmente analógico no ForestLab (Petrópolis/ RJ), o disco tem a produção fonográfica do mineiro Lisciel Franco, conhecido por construir equipamentos e por realizar gravações em uma máquina de 24 canais da década de 80, processando e mixando exclusivamente na fita. Isso, inclusive, foi o que tornou possível percorrer a encruzilhada entre o sintético e o orgânico, proposta definida pela banda desde o início do projeto. Em uma vertente experimental, a banda aposta em sonoridades da música brasileira que vêm sendo exploradas desde Villa-Lobos, reproduzindo os sons da vida e da natureza por meio da instrumentação, porém, alinhados às técnicas de gravação atuais. O álbum conversa com o samba-rock e o soul, ultrapassando os estilos e fundindo-os com o eletrônico e com o rock. É música de quem se diverte fazendo música para retratar a realidade das ruas.

JOÃO DONATO E JARDS MACALÉ – SÍNTESE DO LANCE

“Nunca se falou tanto de um álbum meu”, exclamou João Donato em conversa ao telefone. Realmente, Síntese do Lance surpreendeu a todos com a deliciosa parceria entre Donato e Jards

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Macalé. O que poderia parecer improvável se tornou um acerto gigantesco. A abertura do álbum, com Donato exclamando “só alegria” é contagiante. Com estilos completamente diferentes, mas com admiração mútua, os dois ícones da música brasileira provam aquilo que já ressaltaram anteriormente: são somente sons. Eles encontram os sons em comum com uma habilidade tamanha que só um projeto descompromissado pode resultar. O descompromisso também está no registro. Sem abrir mão da maestria técnica que dois dos instrumentistas mais aclamados do país merecem, a produção destaca a organicidade do encontro, em que, segundo Jards, “do erro se faz um acerto”. Se você ainda não dançou no balanço de Coco Taxi, o molejo cubano (abrasileirado pelos dois) que remete ao transporte característico de Havana, faça-o imediatamente. Divertido e levemente perigoso, o transporte é uma moto com

uma cobertura em formado de coco (ou, talvez, um antigo orelhão) para seu piloto e dois passageiros, que cortam em velocidade o Malecón Habanero com turistas que visitam a ilha. O passeio é irresistível como a música da dupla. O Passeio continua por temas instrumentais e canções que ultrapassam os limites da Bossa. A exploração das melodias e ritmos em todo tempo apenassegue uma linha, o encontro entre os estilos de Jards e Donato em busca da harmonia de sons que fazem a músic. Juntos, a dupla mostram a possibilidade de reler sua própria obra e apresentar novidades. Com isso, provam que são atualíssimos e podem ser populares com as novas gerações que admiram sua música, o resultado é que este lançamento da Roncinante é um presente às novas gerações, que podem presenciar este encontro único de dois gênios criativos, que após uma longa carreira podem transformar o improvável em um álbum fundamental.


FLÁVIO MACHADO DE OLIVEIRA CANCIONAUTA

Cancionauta, álbum de Flávio Machado de Oliveira, chegou às plataformas digitais em 2020, sete anos após seu lançamento. Com timbres graves e encontro com musicalidades de diversas origens - samba, bossa-nova, MPB, música nordestina, erudita e indígena é, como sugere o título, a expedição de um viajante pela canção brasileira. Prezando pela clareza, a gravação aposta em sonoridade orgânica, onde se pode perceber distintamente a sonoridade dos instrumentos e diferentes vozes e timbres eletrônicos (como teclados, guitarra e programações de percussão) aparecem com menor destaque. Em sua capa, o disco apresenta colagem de diversos elementos que dialogam com os temas do álbum e remetem à identidade e às origens do Brasil: a natureza, a lua, uma borboleta, montanhas e um arco-íris. Dentro das canções, a viagem pelo Brasil é mais profunda. Cancionauta abre com “Nosso Canto” e a faixa-título em diálogo em que se completam. A primeira música ressalta as belezas do país com o poder das percussões e sua sucessora aposta na beleza dos arranjos de cordas, em uma apresentação da persona do artista - “Canto feito um poro do planeta/ feito erupção de primavera/ com a alma em pose de serpente/ e na mente imanente imensidão”. As baladas românticas de influência soul, presentes na MPB das noites dos anos 1990 e 2000, dão a tônica de “Ilha”. A religiosidade é representada em “Encontro das Águas” e o samba aparece em “Quitéria” e “Auê”. O grande destaque do disco fica para “Brasa”, penúltima música do disco em que Flávio enaltece as muitas faces da cultura brasileira. Em publicação de sua página no Facebook, o autor revela: “Antes de tudo é a minha declaração do mais profundo amor. Mas é também um voto, em forma de canção, para que os humanoides se tornem Humanos e

abarquem em seus corações todas as crianças da Terra, independentemente de cor, crença ou origem”. (LV)

FÁBIO JORGE - O TEMPO

A noite e suas nuances em esfumaçadas sensações de torpor e angústia transbordam neste álbum de Fábio Jorge. São 10 canções interpretadas com a suavidade de quem tem a tarimba de fazer música para as almas atormentadas que precisam preencher o impreenchível. A trilha sonora da nossa vida é feita de todo tipo de canção, mas algumas são reflexivas e representam pontos de virada da nossa existência. É com essa seleção que Fábio apresenta o que parece ser sua própria jornada. A delicadeza e suavidade significa um pouco mais que as canções íntimas. As escolhas encontram reflexos políticos com A Paz, composição de João Donato e Gilberto Gil, ou mesmo Pra Fazer o Sol Adormecer, de Gonzaguina, Porta Estandarte de Geraldo Vandré e Can-

ção do Medo de Gianfrancesco Guarnieri e Toquinho. Ainda assim, essa voz política se faz por meio de canções com carga foremente metafóricas. Trata-se, portanto, de um álbum que revela diversos estudos. Em um trabalho dialético Fábio Jorge se propõe olhar para sua própria voz a partir da poesia e arte de grandes compositores, numa jornada de entender o próximo e o coletivo.


MEMÓRIA Por Érico Malagoli

SURGE UMA NOVA ESPERANÇA E

ssa semana finalmente pude ver uma pequena luz no finalzinho do túnel. Ainda é uma luz fraca, é verdade, mas o suficiente para ter certeza de que, pelo menos, há um final nesse longo caminho em que estamos desde março do ano passado, quando a palavra COVID se tornou a mais buscada no Google (depois substituída por “Juliette do BBB”) . Mas, por que tal esperança, Érico? Bom, durante a semana, eu pude ir em a show presencial de meu amigo Beto Guedes e de seu filho, Ian Guedes, lá no Bourbon Street. Há quanto tempo não fazia isso?!?! Depois, visitei a primeira feira de instrumentos musicais desde que começou a pandemia, a CONECTA + Business, ainda fechada ao público geral, mas na qual os lojistas e empresários do ramo puderam conferir algumas novidades que, em breve, estarão nas lojas. (E, se me permite a digressão, teve até uma nova marca de guitarras, chamada Studebaker, que provavelmente sairá com captadores Malagoli.) Já no final da semana, tive a honra de visitar a orquestra de Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate”,

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adaptação para o teatro de A Fantástica Fábrica de Chocolate, em que meu amigo Diogo Cardoso é o guitarrista. Aliás, se puderem, assistam! A orquestra é regida pelo o maestro Daniel Rocha, para uma pegada mais jazz em várias músicas. (O Diogo usa prioritariamente uma guitarra semiacústica, além de violões, um banjo e uma Fender Strato Japonesa, escolhida para os timbres mais agudos.) A peça mostrou acima de tudo, uma resiliência enorme, com trocas de atores e até a mudança de teatro, como comentou Marília di Dio, responsável pelas mídias sociais do espetáculo. Para fechar a semana, fomos conferir o som da grande Mamá Trindade, que, inclusive, já foi pauta dessa revista. Acompanhada de piano e baixo, ela canta músicas que vão do pop ao rock, numa pegada mais jazzística. Sim, amigos! Uma semana movimentada e alegre, como esperamos que sejam as próximas. Ainda com cuidados, afinal a pandemia ainda não terminou, mas que cada vez mais possamos nos encontrar para conferir presencialmente uma das coisas que o ser humano faz de melhor: sua arte! Abraços!


COXIA Anneliese Kappey

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Henrike Balíú Ian Sniesko

Luis Barbosa

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

Lucas Vieira

440 Hz



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