Revista 440Hz - Ed. 12

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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

JOSÉ ROBERTO AGUILAR MÚSICA ENQUANTO PERFORMANCE

MÚSICA E LITERATURA AMÁLGAMA COMPLEMENTAR



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SUMÁRIO 06 NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS 28 MÚSICA E LUTERATURA 30 JOSÉ RONERTO AGUILAR 32 QUESTÕES DE SAÚDE MENTAL 42 RESENHAS 6 ENCERRAMENTO - ERICO MALAGOLI

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EDITORIAL AMOR EM TEMPOS DE OBSCURANTISMO Eu gostaria de trazer boas notícias. Mas receio que ainda não as tenho. Ainda que pareça que estamos chegando ao fim da pandemia e das restrições sanitárias, as mãos que estrangulam a cultura imprimem com mais força seu intento de nos matar. E a perspectiva é de que, até o final deste ciclo de ódio, teremos de lutar por nossa existência. A arte é nossa salvação, mas também nossa sina. O trabalho com a matéria subjetiva e abstrata assusta os filisteus e, por isso, nosso trabalho e nossas vidas são perseguidos. A incapacidade de combater nossas ideias e ideais no campo em que trabalhamos faz com que nossas vidas e existências sejam colocadas em xeque. Nossa arma, nossa única arma, por fim é o amor. Ana Cañas tem relembrado Belchior e cantando que “amar e mudar as coisas” nos interessam muito mais. Amar em tempos de ódio é revolucionário. Amar sempre, amar por completo, amar pleno. Amar. Esta é uma edição curta. Porém, sem abrir mão de todo carinho com que produzimos nem o cuidado da curadoria. Espero retomarmos nosso ritmo em breve. Se posso prometer algo é que a Revista 440Hz será, enquanto necessário, uma chama a romper com a escuridão. Fernando de Freitas

440 Hz Edição 12 -dezembro 2021 Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Lucas Vieira Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Ian Sniesko, Henrike Baliú Imagem da Laís Aranha/ Divulgação A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

São Paulo, SP contato@revista440hz.com.br

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Todas as edições disponíveis em nosso site gratuitamente www.revista440hz.com.br


Fotos: Lawrence Kirsch /Divulgação

NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

THE BOSS EM NYC

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he Legendary 1979 No Nukes Concerts”, um filme de Bruce Springsteen & The E Street Band com filmagens inéditas das performances explosivas da banda nos shows beneficentes do Madison Square Garden MUSE, está disponível pela primeira vez através da Divisão de Conteúdo Premium Sony Music Entertainment em parceria com a Sony Pictures Home Entertainment. Os destaques do set de 90 minutos incluem a estreia ao vivo de “The River”, participações de Tom Petty e Jackson Browne, as celebrações do 30º aniversário de Springsteen no palco, um grand finale exuberante repleto de covers e os sucessos “Born To Run”, “Badlands” e” Thunder Road” ao vivo. Para obter uma lista completa de opções para assistir e ouvir “The Legendary 1979 No Nukes Concerts”, visite brucespringsteen.lnk.to/NoNukes.

NOVOS CAMINHOS DE GUSTAVO DA LUA Percussionista da Nação Zumbi, Gustavo da Lua acaba de lançar seu terceiro single em período de pandemia. “Abrindo os Caminhos” chega com videoclipe gravado em cantos pitorescos de São Paulo. A música traz influência da pegada percussiva de Olinda, cidade natal de Da Lua, e agradece a Ogum pela proteção e abertura de caminhos. Produzida pelo produtor musical Davi Índio e gravada no Estúdio Casa Azul, em São Paulo, sai pelo Índio Rock Selo e conta com a participação dos músicos Manucio Porto e Toca Ogan (Nação Zumbi) nas percussões, Rafael Krauss no baixo acústico, Gui Andrade no violão e Edward Sotto na guitarra. Davi Índio também foi o responsável pela mixagem e masterização.

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Foto: Fred Othro Divulgação

Com o intuito de levar ainda mais vida para o Beco do Nego - antigo Beco do Aprendiz - em Pinheiros, o novo espaço cultural LOTE chega para movimentar a cena musical, a arte e cultura local com a realização de shows e eventos artísticos com valores acessíveis (quando não gratuitos) em uma nova experiência de convívio na cidade. Criado por Luan Cardoso (produtor cultural, curador e idealizador do Festival NALATA), Caio Taborda (produtor cultural, sócio do selo Gop Tun e da rádio Na Manteiga) e Antônio Carlos Figueira de Mello (sócio do escritório de arquitetura Superlimão), o LOTE tem como principal pilar a valorização da equidade dentro da arte, promovendo uma troca entre diferentes talentos, sejam eles musicais, visuais ou digitais. “A proposta é fugir um pouco da atual dinâmica que os espaços de lazer da cidade apresentam. Queremos muito representar a integração entre a comunidade e a cultura, facilitando o acesso à arte de maneira democrática”, conta Antônio Carlos Figueira de Mello. Entre as primeiras atrações confirmadas para o LOTE estão: Luedji Luna, Zudizilla, Hermeto Pascoal, discotecagem do coletivo de reggae music Feminine Hi Fi, DJ Tudo, Gop Tun Djs e o selo Balaclava.

Foto: Paola Alfamar / Divulgação

LOTE DE ARTE, MÚSICA E ARQUITETURA

MATHEUS ALELUIA LANÇA NOVO ÁLBUM O cantor e compositor Mateus Aleluia lança o álbum inédito “Afrocanto das Nações - Jêje” (Natura Musical), já disponível em todas as plataformas digitais. O disco é resultado das suas pesquisas mais recentes no âmbito da ancestralidade ritualística musical panafricana e faz parte do projeto “Nações do Candomblé”, idealizado por ele e desenvolvido em parceria com Tenille Bezerra, com quem assina a direção artística. O projeto surgiu do desejo de registrar e reatar a herança afro musical brasileira com o continente africano, aproximando os toques e cantos praticados aqui no Brasil com os toques e cantos dos Orixás, Nkises e Voduns em suas terras de origem. Também será lançado um Museu Virtual, com o nome homônimo ao projeto e que conta o percurso da pesquisa. O projeto tem patrocínio de Natura Musical e do Governo do Estado, através do Fazcultura, Secretaria de Cultura e Secretaria da Fazenda.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

O

cantor, compositor e músico paulistano Gah Setúbal apresenta o EP Álbum, seu segundo trabalho solo. O projeto é uma obra sem um fio condutor. O EP conta com cinco faixas, dentre elas as já lançadas “Na Pressão”, uma versão atual da música original de Lenine, e “Perguntas”, uma canção para corações confusos. “Assim como num álbum de família em que se organizam memórias em fotos de diferentes cores e tamanhos, tiradas por pessoas em épocas e lugares diversos, o que une essas canções é a própria desconexão que há entre elas, os diferentes tempos a que pertencem, os temas que tratam e como me atravessam neste momento de introspecção pandêmica e alta pressão política. Ta”, explica o artista. O disco, produzido por Rafael Castro, ganhará formato de livreto contendo imagens, letras e outras informações do trabalho com assinatura da designer Maria Cau Levy.quanto como musicista.

BUENA ONDA REAGGAE CLUB

Buena Onda Reggae Club, um dos nomes de destaque da cena instrumental nacional contemporânea, acaba de lançar “Big Trouble (Inna Ska Jazz Town)”, segundo single da nova trilogia da banda, prevista para ser concluída no primeiro trimestre de 2022. A obra sucede “A Night In Bollywood”, que foi ao ar em março do ano passado e abriu a sequência. A trilogia traz a conexão entre música e cinema como linha principal das composições. O primeiro single trouxe elementos bollywoodianos somados a pitadas de pop, que se encontraram com o ska jamaicano. Em “Big Trouble (Inna Ska Jazz Town)”, o clima também é de cena de filme e traz a participação do vibrafonista Beto Montag e da percussionista Rayra Maciel. A versão dub da música foi feita por Sérgio Soffiati, da Orquestra Brasileira de Música Jamaicana. “Essa é uma música que traz na sua atmosfera um ambiente noturno, inquieto, de emboscada e vigia. O single conta uma história através da sua instrumentação conduzida em sua maior parte pelo ritmo do Ska Jazz, por uma linha de baixo que representa uma perseguição intensa, harmonia que traz texturas nebulosas e os sopros que narram essa saga”, pontua Kiko Bonato, compositor da música e tecladista da banda.

MARIA GADÚ CELEBRA 20 ANOS

Intitulado “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, o quarto álbum de estúdio de Maria Gadú já está nas plataformas digitais. Como uma velha alma que sente a tempestade antes que ela atinja a costa, em 2019, pré-pandemia, Gadú permitiu-se viver um tempo de solidão e introspecção na produção de seu novo álbum, e por conta disso, a artista decidiu tocar todos os instrumentos que vestiram o repertório do álbum”. Celebrando o marco dos seus 20 anos de carreira, o projeto apresenta regravações de canções brasileiras que marcaram a vida da cantora, como Caetano Veloso, Gonzaguinha, Marisa Monte, Rita Lee e Renato Russo, além de três faixas internacionais. São ao todo doze faixas produzidas por Gadú, nas quais ela interpreta e toca todos os instrumentos das canções, comprovando sua versatilidade e pluralidade tanto como intérprete quanto como musicista.

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Fotos: Divulgação

O ALBÚM EP


TERRA EM TRANSE

3 INVERNOS

O duo capixaba de indie-pop e música brasileira contemporânea A Transe traz mais uma prévia de seu próximo trabalho, o EP “Chorey”. Tendo apresentado ao público a faixa-título, com participação da dupla Borabaez, a dupla estreia “Taróloga Pessimista com Sintomas de Ansiedade”, segundo single-clipe a anteceder o EP visual. “Compomos de uma forma descontraída, pensando naquele momento em que buscamos respostas e não encontramos, afinal, a vida anda mesmo muito desagradável e confusa. Diante de todo o caos político, social, sanitário e mental é difícil se manter firme. Enxergamos pouca saída, mas continuamos fazendo e vivendo, mantendo um mínimo de esperança para poder continuar”, explica a dupla formada por Francesca Pera e Fernando Zorzal. A Transe está em um momento de resgatar influências brasileiras em seu trabalho: inserindo arranjos e fazendo um mix de música brasileira contemporânea, indie pop, reggae e forrozinho, com uma pitada de neo psicodelia nos timbres.

O cantor carioca Diego Tavares traduz uma vivência dedicada à música na sua aguardada estreia como compositor solo. O álbum “3 Invernos” chega após uma sequência de singles bem recebidos e atesta a versatilidade de um artista em pleno amadurecimento para unir tons, sons, ritmos e inspirações. Essa primeira coleção de canções é plural e diversa, tendo como base a música brasileira e o folk mesclados a sintetizadores e batidas eletrônicas climáticas. O trabalho chega acompanhado do clipe para um de seus destaques: a faixa de abertura “Interminável”. “Trancado com os discos de meus artistas favoritos, como Leonard Cohen, tirei deles inspiração para as músicas, que também absorveram naturalmente diversas outras influências, musicais ou não”, complementa o artista.

SPOTIFY FOR ARTISTS EM PT-BR

Spotify For Artists ganhou uma versão com 16 novos idiomas no Spotify para computador e celulares, tudo para que os artistas consigam ter controle da sua presença na plataforma utilizando a língua que estão mais habituados, incluindo o português. A ferramenta ficará disponível no idioma escolhido automaticamente, mas caso não fique, basta os artistas selecionarem a língua de preferência no menu para começarem a se expressar, entender sua performance e também se promover para uma audiência global da forma que estão melhores acostumados.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

A VOLTA DO

PLANET HEMP

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a ativa desde 1993, o Planet Hemp retorna aos palcos após um hiato de apresentações ao vivo causado pela pandemia. E o lugar escolhido foi a Fundição Progresso, casa icônica da Lapa, berço do rap, rock e sonoridades que formam a base da Planet. Os shows, que aconteceram em dezembro, também marcaram a reabertura do espaço. O momento é muito aguardado pelos fãs da banda formada por Marcelo D2, BNegão, Nobru Pederneiras, Formigão e Pedro Garcia. Especialmente porque, após mais de 20 anos, desde o lançamento do álbum A Invasão do Sagaz Homem Fumaça (2000) o quinteto apresentará pela primeira vez faixas inéditas. “Estamos com três músicas prontas pra mostrar pra galera do disco que vem aí. Todos nós, integrantes da banda e público, precisávamos de um show do Planet Hemp para lavar a alma “, afirma D2.

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Antes de seu álbum, We Can Make The World Glow, Sticky Fingers continua a entregar novas músicas para os fãs. Revelando seu lado A duplo, Sticky Fingers lançam “Saves The Day”, uma música sobre reflexão e crescimento, ao lado da assombrosa “My Rush” que fala sobre vício, overdose e as questões de saúde mental. ‘Saves The Day’ é sobre a importância de confrontar o seu passado e chegar a um acordo com ele. “Foi uma daquelas músicas que veio do nada. Escrevi em menos de meia hora. Esse tipo de música costuma ser minha favorita”, comenta. Com mais de 1.5 bilhão de streams em DSPs, Sticky Fingers são os 5 artistas australianos mais ouvidos de 2016-2019. Com uma base de fãs dedicada em todo o mundo, a banda esgotou ingressos de diversas casas de show e arenas.

CAT POWER

Depois de trazer ao mundo o seu novo clipe, “Pa Pa Power”, Cat Power se prepara para lançar o álbum Covers. Junto com o videoclipe de “Pa Pa Power” - a versão de Marshall da música dos Dead Man’s Bones - ela anunciou uma extensa turnê pela América do Norte. As datas ao vivo se juntam a seus shows europeus anunciados anteriormente no próximo ano. Produzido integralmente por Marshall, Covers também apresenta canções reinventadas de Nick Cave, Iggy Pop, The Replacements, Billie Holiday, Lana Del Rey e outros, além de uma versão atualizada de sua própria canção “Hate” de The Greatest (2006), renomeada “Unhate” para este álbum.

Fotos: Divulgação

Fotos: Wilmore Oliveira / Divulgação

NOVA DO STICKY FINGERS


CLIPE DA CRIME CAQUI Quando ela olha pra mim eu escorro. Assim começa a mais nova faixa da banda Crime Caqui, que desde 2017 integra a cena da música autoral fortalecendo a presença feminina no meio. Post-punk, um tanto indie e até sonhador, mas seguramente brasileiro (com direto à presença de “erres” marcados, típicos do interior paulista), o quarteto sorocabano formado por Fernanda Fontolan (bateria), May Manão (guitarras), Larissa Lobo (guitarras) e Yolanda Oliveira (baixo) delicia ouvintes com Quartzo Aranha. Com referências nostálgicas ao indie e ao pop dos 90 e 00, o single chega acompanhado de videoclipe na mesma toada retrô e coloridíssima.

PUNK SOLO

“Apesar de sempre ter tocado punk rock, as minhas primeiras influências musicais foram na MPB”, revela Caio Uehbe, quando fala sobre o novo projeto autoral, o EP “Ode aos Perdedores”, que deixa de lado o punk rock, apresentado pelo vocalista na banda Rota 54, para se aventurar numa inspiração tropicalista. Com 6 faixas, “Ode aos Perdedores”, já está nas principais plataformas digitais, através dos selos Orangeira Music e Viena. Segundo Caio Uehbe, o som é um ‘tropicalifonismo transgresso’, como o nome de uma das músicas que compõe o EP de estreia, uma MPB com forte influência tropicalista e guitarras elétricas misturadas com elementos tradicionais da música brasileira. Ainda de acordo com o músico, o título do novo trabalho é uma exaltação a todos que historicamente resistiram e ainda resistem, às variadas formas de opressão. “A resistência muitas vezes pode ser encarada como derrota. O que pretendo com o disco é ressignificar esse sentido de derrota dado em nossa sociedade, pautado em uma visão meritocrática, dualista e maniqueísta, onde a vitória de um lado, obrigatoriamente tem que significar a derrota, anulação ou aniquilação do outro”, explica.

A FORÇA DO FEMININO NO FESTIVAL DAS MARIAS O Festival das Marias - Festival Internacional de Artes no Feminino apresenta o último episódio da série musical 12 Histórias, no YouTube / Festival das Marias. O micro documentário traz a cantora e compositora Priscila Rosa que lança o single Alento nas plataformas de música. Esta atividade integra a programação paralela do Festival que aconteceu em novembro de 2021. Ao longo do semestre, a série audiovisual vem destacando 12 artistas do universo da música, em publicação simultânea ao lançamento de seus respectivos singles. Os 12 documentários, bem como os singles, foram produzidos e gravados no estúdio O’Sete Arte, em Diadema, SP, com a direção artística de Letícia Aoki e produção musical do baterista Gudino Miranda, idealizadores do projeto. O Festival das Marias entrou como parceiro para dar palco à música dessas cantoras/compositoras, difundir suas histórias e contemplar o fazer feminino na arte.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

Fotos: Cvic sales /divulgação

PERFUME DE IOMMY

CHICO BERNARDES &

THE FOOLS

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e uma troca de mensagens no Instagram nasceu a parceria do cantor e compositor paulistano Chico Bernardes com o músico norteamericano Chris Bear, mais conhecido por empunhar as baquetas do quarteto Grizzly Bear. O resultado são duas canções que já estão nas plataformas digitais pela RISCO e ganham edição em vinil pelo selo Mapache Records. O convite para a colaboração partiu de Chris e Chico mostrou para ele músicas que escreveu e que não caberiam no seu próximo disco, já repleto de outras canções. Como Chico já conhecia a bateria de Chris no Grizzly Bear e sempre a tomou como uma referência importante, sugeriu que Chris adicionasse bateria, assim como percussões e vibrafones, criando uma nova atmosfera para os arranjos. Como a ideia do collab era de trocar de uma forma divertida um pouco dos dois universos, utilizando uma forma de gravação “pingue-pongue intercontinental”, ambos se abriram para experimentar de forma orgânica buscando preencher os tons e cores das músicas.

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Tommy Iommi, guitarrista icônico do Black Sabbath, cujos riffs monolíticos são creditados com a criação do vasto gênero conhecido como heavy metal, além de sua colaboração acústica de 2017 com o Birmingham Cathedral Choir, retorna com sua primeira música elétrica nova desde o lançamento do álbum ‘13’ do Black Sabbath de 2013. Intitulado ‘Scent Of Dark’, o novo single é uma faixa instrumental épica que é distintamente Iommi. Desde a introdução carregada de doom, os leads harmônicos e o riff esmagador, não há como confundir o estilo distinto que já vendeu mais de cem milhões de álbuns em todo o mundo e criou uma mudança de paradigma no mundo do rock.

VALE APOIAR

Em 1979, o país vivia o início do período de anistia política. Os artistas brasileiros começavam a ver a produção fonográfica independente como uma saída. E as mulheres cantoras e compositoras davam um passo maior rumo à abertura de seu espaço no cenário musical. Havia ainda a discoteca, e a resposta a ela. O samba, como sempre, agonizava, mas mantinha-se altivo a cada nova melodia. A cantora e compositora Joyce Moreno costuma dizer que “a MPB tem resposta pra tudo, e sempre prova”. E a música popular brasileira teve “resposta” para o ano de 1979. Dessa constatação nasceu o livro “1979 – O ano que ressignificou a MPB”, uma “quase biografia” daquele ano musical. O lançamento está previsto para o segundo semestre de 2022, e depende do resultado da a campanha de financiamento coletivo realizado pela editora Garota FM Books na plataforma do Catarse (www.catarse.me/1979).


A FÁBULA DE UMA GRANADA

A BALSA APRESENTA “SESSÃO EVEREST’’

A convite da empresa norte-americana de livestreaming, Legato, A Balsa encerrou o ano com a “Sessão Everest”: primeira live original e EP ao vivo do duo paulistano. Gravado em São Paulo, no estúdio Everest, conta com 9 faixas das quais 5 irão virar um EP. Músicas que transitam tanto entre os últimos lançamentos do duo, quanto uma versão inédita de “Aquilo” do Lulu Santos. As imagens, edição e captação são de responsabilidade da cineasta peruana, Camila Sánchez, que já trabalhou em lives como a de Tagua Tagua. As projeções de arte são assinadas pelo coletivo DUTO.

Fotos: Patrícia Soransso Divulgação

A Canto Cego se despediu do ano de 2021 e tudo o que ele simboliza com a música ‘Fábula de uma granada’, um rock de tom agressivo. Junto à música no digital sai o clipe, que mistura a estética de filmes de terror com mensagens de protesto. ‘Fábula de uma granada’ apresenta timbres distorcidos e ruídos em primeiro plano, tendo como referência Turnstile, Tigercub e Thriller de Michael Jackson. É uma massa sonora contornada pelo vocal feminino doce e atormentado pelo repúdio aos governantes do ódio. A letra traz o afrontamento a figura de um monstro, que se espelha nos homens detentores de grande poder e riqueza.

MULHER TERRA Quem foi Maria Severa Onofriana? É sobre essa pergunta aparentemente simples que tem se debruçado o pesquisador independente Riccardo Cocchi. Em 30 de novembro completou 175 anos da morte da reverenciada fadista portuguesa e ainda existem muitas questões não esclarecidas sobre a sua vida. Severa, como é conhecida, nasceu em 1820 e morreu jovem, aos 26 anos. É consenso quase unânime entre historiadores a sua relevância para o gênero musical tradicional português, o Fado. Cocchi reacende o debate ao encontrar documentos inéditos que podem lançar novas pistas sobre a biografia de Severa. A novidade é uma potencial ascendência escrava dessa figura histórica. “Conhecer a figura de uma mulher como Severa é muito importante também para combater a invisibilidade que se impõe sobre as mulheres na História”, diz. O pesquisador afirma estar satisfeito em dar essa contribuição. “Muitas pessoas acreditavam não ser mais possível haver novas informações sobre a vida da fadista e essas descobertas são de fato muito relevantes”, comemora.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

BALUARTE INTERTEMPORAL

A

banda santista baluart traça as suas origens do final de 2018 para início de 2019, apresentando em seu portfólio atual um álbum de autorais e três singles acústicos. Seu som pode ser descrito como rock alternativo (tendo como inspiração bandas como Supercombo e Paramore), mas reforça desde o começo que toma inspirações de diversos gêneros e artistas, como música clássica, jazz, pop, entre outros. Já a banda Intemporal firmou seu powertrio no final de 2015, tendo conquistado o 1o lugar na quarta edição do Festival da Juventude com “Anseio” e o 3o lugar no Festival MAIS com “O eu que existe em mim”. Carrega em seu portfólio múltiplas composições próprias, tendo lançado três nas plataformas digitais até o momento. As influências são claras em sua sonoridade: O Terno, Los Hermanos e The Beatles.

Uma mescla de elementos de rock e jazz conectada ao movimento contracultural dos anos 60 e 70 foi o que marcou a banda Os Mamíferos, expoente referencial para as gerações da família Ruy. Tanto, que na obra do escritor Francisco Grijó sobre o grupo, ele cita que naquela família só se ouviam “coisas realmente interessantes”, como lembra o capixaba Gabriel Ruy. Em um mergulho entre as inspirações que marcaram a história de seu pai e avô na música instrumental, ele acaba de conceber o EP Matriz. Ao longo de 4 faixas, Gabriel relembra nomes como Moacir Santos, Miles Davis e Tom Jobim em um ensaio geracional assinado pelo selo Casulo. “Eu cresci num meio ouvindo muita música instrumental, entre ensaios do Nota Jazz e do Conjunto Gato Preto, grupos que meu pai, Mário Ruy, fazia parte”, lembra Gabriel sobre as suas primeiras memórias culturais.

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Fotos: Divulgação

GABRIEL RUY RESGATA SUAS REFERÊNCIAS


ALCEU ACÚSTICO

FORÇA DA FLORESTHÁ Floresthá é uma artista ribeirão-pretana que mistura a música e a performance cênica como ferramentas de expressão. Conhecida pela indumentária exótica e sua apresentação em Live Act através de softwares e dispositivos eletrônicos, seu primeiro EP “HABITAT” foi lançado no decorrer de 2021 através de singles e videoclipes que dão vida a esta obra. A produtora já tem dois singles lançados: “O Que Não Cabe” e “Teto Azul” e o terceiro – “Estacionáutica” – vem como um manifesto sobre as mazelas que assolam nosso país na atualidade. O novo single já está em todas as plataformas musicais.

MERCEDES SOSA

Considerada a maior intérprete do folclore argentino, Mercedes Sosa se tornou uma das principais representantes da música latina no mundo. A trajetória artística e pessoal da cantora, símbolo das lutas por igualdade e justiça, é contada no livro Mercedes Sosa – A Voz da Esperança. A biografia é de autoria da escritora dinamarquesa Anette Christensen. Publicado originalmente em inglês, a obra com traduções de Mariana D’Angelo é fruto de mais de sete mil horas de pesquisa. Além da consulta bibliográfica, a autora teve acesso a gravações, participações da cantora em eventos, shows, entrevistas concedidas, entre outras realizadas por Anette em quase uma década. Amigos, colegas e fãs relevam histórias nunca antes contadas ao público. Ilustrada com 44 fotos históricas, a primeira parte retrata a extraordinária vida e carreira de Sosa e mostra como a criação em uma família pobre da classe operária, o ambiente político da Argentina durante a ditadura militar e as aflições pessoais moldaram sua vida e carreira. Entre os períodos marcantes, como as perdas do pai e do marido, a cantora foi acusada de desobediência civil, chegou e a ser presa e também exilada. Na segunda parte, a autora retrata os impactos positivos da conexão com “La Negra”, como a argentina era conhecida, que a ajudaram a superar traumas emocionais e a fadiga crônica.

Fotos: Patrícia Soransso Divulgação

Ao concluir a trilogia solo - na sequência de “Sem Pensar no Amanhã” e “Saudade”, todos em 2021 -, “Senhora Estrada” percorre as referências primeiras do artista, pavimentadas no agreste e no sertão nordestino. As onze faixas transitam entre o xote e o baião, a toada, e o rojão, gêneros cultivados no solo mais fértil do Brasil profundo. O poeta andarilho dá a partida na trilha ancestral aberta por Luiz Gonzaga, em personalíssimas versões de “Pau-de-Arara” e “Sala de Reboco”. Munido de seu violão, tempera o legado do rei do baião com a saliva doce de suas melhores criações. “Senhora Estrada” foi gravado no Estúdio Tambor, no Rio de Janeiro, em março de 2021, com produção de Alceu Valença e Rafael Ramos.

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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS

CARAMELOWS

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ontando histórias de amor vividas durante a pandemia, o grupo paulista Caramelows e o baiano Edoux se juntam em ‘Sozinho’, feat inédito disponível em todas as principais plataformas de streaming. Revelando as facetas artísticas do cantor, o novo single mistura sax, conga, piano e solos de guitarra em uma conexão sonora da música brasileira com influências latinas. “Eu sou um artista pop e versátil. Minhas letras, estilo visual e vocal sempre conversarão com variados ritmos, levandoos para o mais envolvente universo popular”, frisa. Parceiros musicais, o grupo Caramelows conta que ‘Sozinho’ é o primeiro trabalho pós-pandemia. “Esse feat’ com Edoux vem abrir os caminhos para o novo momento dos Caramelows”, destaca Rafael Barone, baixista do grupo.

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NANÁ RIZINNI LANÇA MARACUJÁ AZEDO

Produzido durante a pandemia e lançado em parceria com o selo de jazz e música brasileira Umbilical, o álbum Maracujá Azedo, da baterista Naná Rizinni acaba de ser lançado nas plataformas digitais. O disco foi iniciado em São Paulo e finalizado em Londres, onde Naná reside atualmente, e conta com a participação de músicos do mundo todo. A habilidade de Naná Rizinni nos tambores a levou a ser solicitada por nomes tão díspares como Tiê, Jaloo, Johnny Hooker, Ana Cañas, Paulo Miklos, Lucy Alves e o duo belga Vive La Fête, entre outros. Após alguns anos focada em acompanhar e produzir outros artistas, sentiu desejo de embarcar em um novo projeto solo. Essa vontade foi reforçada pelos estudos de bateria sob tutela de Lilian Carmona, que Naná procurou em 2016 e cuja influência viria a elevar a sua percepção do instrumento e das potencialidades do mesmo como ferramenta de composição. A colaboração musical remota é uma das novas realidades que a pandemia trouxe e, no caso de Maracujá Azedo, foi amplamente explorada.

Foto: vidanumclick Divulgação

EDOUX FEAT.


CANTO DA CIDADE

“Doroja” é o terceiro disco do músico argentino Santiago Córdoba, gravado em parceria dos míticos indianos The Bauls of Bengal no Hansadhwani Studio, localizado na cidade de Calcutá, Índia. O álbum foi concebido antes da pandemia, durante residência de Santiago na mística cidade indiana, onde ele desembarcou com apenas um sintetizador e um bombo leguero (instrumento de percussão do tipo membranofone, originário da Argentina). Além do álbum no streaming, Santiago e o The Bauls of Bengal lançaram videoclipe da música ‘Manush Gache Ekbar’, com imagens captadas pelas ruas de Calcutá. “Doroja” significa portal, e nesse caso a música, os sinais e a dança eram os únicos meios de comunicação entre Santiago e seus colegas bengalies. Funcionou como um portal astral para construir o leque sonoro dessa jornada por paisagens mágicas que construíram pontes entre diferentes culturas do nosso planeta.

O livro tem como ponto de partida um show da cantora realizado em São Paulo, no vão do Masp. Em junho de 1992, ela, ainda pouco conhecida do grande público, parou a Avenida Paulista em pleno meio-dia, mas sua apresentação foi interrompida, após 40 minutos, por conta da enorme concentração de pessoas e da forte vibração sonora que poderia abalar a estrutura do museu. É justamente a partir desse fato que contribuiu para a consolidação da chamada axé music que Matos conta a história de Daniela e do álbum O canto da cidade. Os títulos podem ser adquiridos nas unidades do Sesc, principais livrarias e pelo portal www. sescsp.org.br/livraria

Fotos:so Divulgação

O PSICODELISMO DE SANTIAGO CÓRDOBA

Quarto livro da coleção Discos da Música Brasileira, O canto da cidade: da matriz afro-baiana à axé music de Daniela Mercury é o novo e-book das Edições Sesc SP. Neste volume dessa coleção que contempla a valorização da memória musical e busca observar os ecos e reverberações dessa produção, o jornalista baiano Luciano Matos entrevistou artistas e compositores – como o recém-falecido Letieres Leite, além de Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Liminha, Vovô do Ilê , Márcia Castro e Márcia Short – para recontar a história e os bastidores do disco e do estilo que surgiu na Bahia e ganhou as ruas pelo Brasil.

ZABELÊ RELÊ EVANDRO MESQUITA A cantora Zabelê lançou uma versão inédita para “Deusa do Amor”, originalmente interpretada por Pepeu Gomes, seu pai e um dos integrantes do icônico grupo Novos Baianos. Esta nova roupagem serve como um aquecimento para ‘Auê’, seu segundo álbum solo com estreia prevista ainda para este ano. A canção traz também a colaboração do cantor Evandro Mesquita, que toca gaita na faixa produzida por Wagner Fulco, que já trabalhou com diversos nomes como Elton John, Alanis Morissette, Bob Dylan, Guns N’ Roses, entre outros.

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O D A M A S O D A M R A S A T E PO

LETRAS

Por Fernando de Freitas

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O Ã N U O DOS

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m uma noite acalorada da boêmia paulistana, dois amigos e sócios tomavam cerveja refrescando as ideias. Até que um deles, ao ouvir “O Mundo é um Moinho”, comentou, entre goles, “Cartola é mesmo um poeta”. O outro discordou, letra de música não é poesia (talvez tentando até valorizar o ofício do letrista, que navegaria por outros mares). A discussão tomou rumos e secou os goles de cerveja e a amizade. No dia seguinte, a sociedade foi desfeita.

A mesma discussão, aparentemente boba, ocupou os críticos quando, em 2016, Bob Dylan foi laureado pelo prêmio Nobel de Literatura. Enquanto compositor, a carreira percorre 34 álbuns de estúdio, somados a lançamentos ao vivo, bootlegs, compilações e participações eventuais. São cerca de 60 anos de carreira, 960 composições e 2.114 gravações (números do ECAD, em 2021). Já como escritor, Bob tem (além das compilações de letras) poucos livros publicados, entre eles adaptações de suas letras para livros infantis, a prosa poética “Tarântula” (1971), “Writing and Drawings” (1972) e “Crônicas, Vol. 1” (2004). Até mesmo os fãs mais apaixonados têm dificuldade de elogiar “Tarântula”, uma obra que beira o ininteligível turbinado pelo uso de substâncias entorpecentes, que, embora supostamente ficcional, encontra alguns paralelos reais. Por outro lado, sua autobiografia, é um dos grandes exemplos Dylanescos de se fazer arte. A prosa é deliciosa e escapa, em algumas mentiras e faz-de-conta, que dão ares de ficção, ao que seria supostamente documental. Dylan não recebeu o Nobel por essas obras, definitivamente.

VINÍCIUS E CHICO – CAMINHOS INVERSOS O poeta e diplomata Vinicius de Moraes flertou com a música por bastante tempo. Porém, foi após a montagem da peça “Orfeu da Conceição”, com músicas de Tom Jobim, que a relação se tornou séria. Com mais de 40 anos e já tendo publicado a primeira edição de sua “Antologia Poética”, Vinicius contribuiu com tom em canções que se tornaram a pedra fundamental da bossa nova, entre elas, “Chega de Saudade”. Sem nunca deixar de lado a poesia (e as crônicas, deliciosas crônicas), após ser defenestrado da diplomacia brasileira pelos milicos no poder, Vinicius fez novas parcerias com jovens talentos como Baden-Powell e Toquinho. Passou a subir ao palco, conheceu o sucesso, amores, cantores, até sua luz apagar em 1980. Entrelaçado com a carreira de Vinicius, um certo Chico, estudante de arquitetura, irmão da cantora Miúcha e filho do intelectual Sérgio Buarque de Holanda, deu seus primeiros passos na música. Já nos primeiros anos de carreira fez parcerias com Tom Jobim e um sucesso estrondoso. O rapaz de uma timidez elegante largou a FAU-USP e passou a flertar com teatro e com a literatura, escrevendo, em uma primeira fase, as peças “Roda Viva” (1967/8), “Calabar” (1973) e “Gota d’água” (1975)

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LETRAS e a novela “Fazenda Modelo” (1974). Porém, a literatura se tornou um ofício dentre suas prioridades a partir da publicação de “Estorvo” (1991), seguido de mais 6 livros, todos eles sucessos de vendas e com boas críticas. É difícil conseguir ler o escritor Chico Buarque sem a admiração ao músico e compositor. Porém, é possível afirmar que, enquanto escritor, sua obra permanece em busca de uma voz, dentro de cenários de grande estranhamento. Dentre seus livros, “Budapeste” (2003) parece, até agora, sua melhor obra literária. Apesar de razoavelmente elogiado, “Leite Derramado” é uma obra menos inspirada, apesar de impecavelmente escrita.

Foto: Leo Aversa / Divulgação

Publicando seu primeiro livro de contos, “Anos de Chumbo” (2021), Chico aproxima o escritor do compositor. É seu talento de apresentar personagens e cenas que se destaca. A estrutura do conto permite que sua ironia mordaz esteja concentrada em poucas palavras e, também, em tudo que é não dito. Chico sempre teve essa qualidade em suas letras, mostrar muito naquilo que ele não diz. Tem um sabor especial o conto “Passaporte”, em que um Artista Famoso tem seu passaporte surrupiado no aeroporto antes de embarcar para

Paris. A autorreferência é óbvia e a verossimilhança rompe com as barreiras da ficção a ponto de nos fazer acreditar serem páginas de seu diário. Porém, essa versão do artista famoso é de uma humanidade dolorida, beirando ao mesquinho e um tanto patético, como seus antagonistas. É a desconstrução daquele artista famoso que paira acima dos meros mortais e que pode derrotar a ditadura com raios laser que saem de seus olhos verdes. “Anos de Chumbo” é, definitivamente, a obra de um artista que tem a capacidade de ser cronista ficcional, apresentando realidades únicas ao leitor, que se torna expectador de muito do que apenas imagina. Não é segredo a admiração, que transborda em estilo, a dois contistas brasileiros: Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. Porém, seria reducionista e tolo apontar a mera mimetização de estilo por Chico, cuja maturidade enquanto autor, permite que a homenagem seja reflexo de excelência.

MÚSICA SOLAR PARA TEMPOS SOMBRIOS Como o próprio título sugere, Blubell lançou um “Lisco”, resultado de um olhar amoroso sobre nós

mesmos nestes anos de dificuldade. “Lisco” é, pois, um disco que acompanha um livro, ou o contrário, um livro que acompanha o um disco. O que poderia ser uma obra ambiciosa, mas prepotente, tem o mérito de serem duas obras que se sustentam sozinhas, embora conversem. A questão de não existir uma interdependência, mas uma complementariedade, soa como como se uma homenageasse a outra. Na realidade, o ímpeto de Blubell de contar histórias ultrapassa a forma sem querer demoli-las. O que é possível, e um grande mérito da artista, é que ela não se leva a sério o suficiente para que o título grandioso, as influências jazzísticas, o projeto ambicioso e tudo mais soem arrogantes. Quando ouvimos a faixa “Música Americana”, por exemplo, é praticamente uma releitura da ironia de Carmen Miranda e seu “Dizem que Voltei Americanizada”. A possibilidade de rir de si mesma é o elemento mais solar de uma obra de Tempos Sombrios. A voz de Ná Ozzetti em a “Nata Sou Eu” nos remete ao humor que ela imortalizou no Grupo Rumo (Enooooorme! Enoooooorme!). Assim, Blubell mostra a água de que bebe do movimento da Vanguarda Paulistana dos anos 80, que era a representação da música alternativa quando ela nascia. O timbre inconfundível de sua voz, que ressoa de uma ingenuidade adocicada a um provocativo flerte que encobre as intenções sem escondê-las, também chegam ao tom de sua escrita. Existe uma delicadeza inteligente neste jogo, pois ele estimula a imaginação de seu leitor/ouvinte, sem subestimá-lo.



ENTREVISTA

Fotos: Ariela Bueno /Divulgação

Por Lucas Vieira

AOS 8 JOSÉ MUIT BRAS

” M É L A S U T A M I E R I V “EU 22


RTISTA IA T L U M O , S O N A 80 M E T R A IL U G A O T R E ROB TURA L U C A E R B O S R E TO A DIZ ASILEIRA

N

o Antigo Testamento da Bíblia, Matusalém foi um personagem que viveu 969 anos. Talvez por dar conta de uma carreira que inclui literatura, performance, artes plásticas, música, videoarte, curadoria de exposições e uma participação como representante do Ministério da Cultura em São Paulo, o paulistano José Roberto Aguilar, que em 2021 completou 80 anos de vida, se identifique com a figura bíblica. Presença importante na cultura brasileira desde a década de 1960, Aguilar nasceu em 11 de abril de 1941 e segue incansável. Além de lançar novo livro neste ano, “O Salvador do Mundo”, o artista levou à FIESP, em 2020, a exposição “Destinos, o Homem Inventa o Homem”, mostra de 69 quadros em que abrangeu desde os filósofos da Antiguidade até a defesa das florestas e rios da Amazônia, na tentativa de desvendar a natureza, o universo e o homem. A criatividade tem sido sua grande aliada na pandemia, um período que, para sua produção, considera excelente: “Você cai dentro de si. Ou você fica criativo ou vira múmia”, afirma. As produções artísticas de Aguilar começaram ainda na escola. Na década de 1950, o jovem começou a realizar as primeiras obras, de forma autodidata, com a ajuda de um grande amigo: “O que me despertou interesse pela arte foi que eu escrevia muito bem e tinha um colega que escrevia melhor do que eu, que se chamava Jorge Mautner. A partir dessa amizade, fizemos o partido do Kaos e mil outras coisas. Descobri literatura através dos pais dele, foi uma explosão. Filosofia, os pré-socráticos, física quântica e até pintura”.

Cantor, compositor e escritor, Jorge Mautner fundou com o amigo artista o movimento artístico do Kaos, que pregava não o caos da barbárie, mas uma liberdade total e criativa. No site do amigo, o autor de “Maracatu Atômico” comenta: “Aguilar arranca coisas do espaço cósmico, ele como que fotografa a aura psíquica não só das pessoas que retrata, mas das coisas, paisagens, mesmo das próprias abstrações. Aguilar constrói o transcendente, fotografa a aura, daí a forma fantasmagórica de suas concepções, jogos de luz, luzes entrecruzando-se, mas luzes com calor humano, um espiritual muito quente, a aura, aquela emanação do corpo das coisas que nos conduz a mistérios maiores”. Sobre as artes plásticas em particular, Aguilar afirmou que Jorge Mautner foi em busca de uma fórmula mágica que o fez entrar de cabeça no mundo da pintura: “Um dia, ele chegou e disse: ‘vamos pintar’. Meu avô é pintor. Vou até lá, olho como ele faz e trago toda a informação. Passou uma tarde com o avô e voltou: ‘já sei como pintar! Temos que comprar uma tela, terebentina, uns pincéis e tintas’. Compramos também nosso material. Quando abri o tubo de terebentina, aquele cheiro me envolveu. Foi como se tivesse acionado a lâmpada de Aladim. O cheiro evocou todas as maravilhas imaginadas e não imaginadas. Senti na hora que pintar seria muito mágico, um ritual”, revelou à Galeria de Arte de São Paulo em 1984. Dentro de casa, o artista também teve influência dos pais, como revelou em texto da exposição “Tarot” (1984), realizada no período em que se tornou discípulo do líder espiritu-

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ENTREVISTA

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mada da Bastilha”, que contou com mais de 300 artistas - entre eles, o próprio autor e o teatrólogo José Celso Martinez Corrêa, na pele dos “anjos” Voltaire e Jean-Jaques Rousseau, respectivamente - e foi assistida por mais de 10 mil pessoas em São Paulo, no ano em que o início do evento histórico completou seu bicentenário. Mas foi também com muita música que Aguilar desenvolveu seus talentos de performer, através da Banda Performática. Em novembro de 1980, o artista levou à Pinacoteca de São Paulo a performance “Per 4 – Per concerto: concerto para piano de cauda, luvas de boxe, violino, cítara, quatro letras de dois metros de altura, dois extintores de incêndio e instrumentos vários” cujo extenso título é literal e explicativo. A partir dessa experimentação sonora, o também músico deu início ao seu grupo musical com o qual gravou três álbuns. A Banda Performática ganhou notoriedade não só pela sua ideia inusitada de unir música e performance nos palcos. Em uma de suas primeiras formações, contou com os músicos Paulo Miklos e Arnaldo Antunes (que fariam parte dos Titãs) e com o guitarrista Lanny Gordin, cultuado instrumentista da Tropicália. Faixas como “Você Escolheu Errado seu Super Herói” e “Monsieur Duchamp” se tornaram cultuadas, enquanto outras criações memoráveis como a faixa “Corações”, em que Aguilar rasga corações de plástico cheios de

tintas sobre sua roupa branca, e a ópera rock “Macunaíma Performático” não chegaram aos LPs, embora hoje estejam disponíveis em vídeos no YouTube. Além do som experimental somado ao pop rock oitentista, a banda levou ao palco baldes de tintas, roupas pintadas pelo próprio Aguilar e performances anárquicas. Em 1984, o artista definiu a Banda Performática para o Jornal do Brasil: “É arte conceitual, um discurso sobre banda de rock and roll que acabou virando uma banda de rock and roll mesmo. Não sei cantar, não toco. Entro no meio do conjunto como integrante da música. Eu sou a música”. Com muitas exposições realizadas na década de 1990, Aguilar também se tornou diretor do Centro Cultural Casa das Rosas em 1995, onde foi um dos pioneiros a debater o espaço das artes na internet e promoveu diversos eventos sobre a cultura brasileira. Em seguida, na gestão do cantor Gilberto Gil como Ministro da Cultura, o artista atuou como representante do Ministério da Cultura em São Paulo entre os anos de 2003 e 2007, durante o governo do ex-presidente Lula.

O SALVADOR DO MUNDO

Em 2021, chegou às livrarias a sexta obra literária de Aguilar, “O Salvador do Mundo”, romance que mistura elementos de fábula, aventura, ficção científica e filosofia. O livro conta a história das sete vidas de um mesmo personagem: Zé da Mer-

Fotos Divulgação

al Rajneesh e passou a assinar como Swami Antar Vigyan: “Acho que minha loucura veio do meu pai. Era uma criança, um homem que mostrava todo seu maravilhamento diante do homem. Engenhoso, criativo. Tem também o lado materno, minha mãe tocava piano muito bem”. Elementos da abstração, do expressionismo e a mistura de técnicas são algumas das características da obra de Aguilar, que também dialoga com temas existencialistas e político-sociais. Ao longo dos 60 anos de carreira, o artista já expôs em diversas cidades brasileiras e diversos países como França, Alemanha, Estados Unidos e Japão. Expandindo sua criação artística na década de 1970, Aguilar se tornou um dos pioneiros da videoarte no Brasil. As experimentações tiveram início em sua estadia em Nova York entre os anos de 1974 e 1975. Em 1977, de volta ao Brasil, participou da 14ª Bienal Internacional de São Paulo com “Circo Antropofágico Ambulante Cósmico e Latino-Americano Apresenta esta Noite: A Transformação Permanente do Tabu em Totem”, instalação em que expôs 12 monitores de TV no palco do Teatro Ruth Escobar e foi vencedora do Prêmio Governador do Estado. O aprofundamento na linguagem do vídeo aproximou Aguilar das performances e, consequentemente, dos happenings. Entre suas obras como performer mais conhecidas está “O Megaespetáculo da Revolução Francesa”, também referida como “A To-



ENTREVISTA da, o último empreendedor brasileiro. Para o cantor Arnaldo Antunes, que assina o texto de lançamento da obra, “Aguilar tece a trajetória de um personagem que se desdobra em vários, descobrindo-se e autotransformando-se sucessivamente, numa saga iniciática que flui como um filme de ação, pontuado por referências culturais dos clássicos ao pop, da filosofia ao cinema, da música erudita à popular, dos antigos aos modernos, do ocidente ao oriente que irrompem como portas no corredor do enredo”. Dias antes de lançar o livro, em evento realizado em novembro, que contou com apresentação de seu novo projeto musical, a Orquestra Performática, Aguilar atendeu a reportagem da Revista 440Hz para uma entrevista exclusiva. Por vídeo chamada, deitado em um sofá em seu ateliê, o artista falou sobre música, tecnologia, artes e os caminhos da cultura no Brasil. Você declarou anteriormente que, aos 20 anos, quando começou a vida de artista, tinha uma necessidade existencial muito grande. Essa necessidade ainda se manifesta aos 80?

Na realidade é um verdadeiro “dá ou desce”. É o bote salva-vidas, um canal de liberação muito grande. Então, nesse nível, é existencial. Tem pessoas que fazem cursos, outras que são guiadas pela mente. A gente que é mais conduzido pela pele, por tudo, não tem escolha. É saltar ou o prédio do Empire State cai em cima de você. Você é um dos pioneiros da videoarte no Brasil. Hoje, na internet, existem aplicativos voltados para vídeos, gravações curtas, como o Instagram e o Tik Tok. Você se interessa por esses recursos? Vê espaço para videoarte nessas plataformas? Não, na verdade eu acho que a videoarte não tem nada a ver com as redes. A videoarte é mais parecida com a pintura, não existe tanta diferença no estado de cair dentro de uma linguagem que é corporal, que tem a ver com a performance. A imagem usada de uma forma não-sagrada, digamos assim, é apenas o zumbido de um mosquito. Quando você consegue olhar com tudo, com a mão, com os olhos, com a boca, você caiu dentro. Eu acho que é por aí.

Outra tecnologia que está em alta em relação à arte digital são os NFTs. Você já se aprofundou nesse universo? Ainda não! Mas estou com muita vontade de dar uma olhada dentro dele! Sabe aquele personagem do Nelson Rodrigues, o Sobrenatural de Almeida? Quando ele entrava em campo e narrava um jogo de futebol de repente acontecia uma coisa espetacular e impossível. Eu acho que o NFT deve ser um cruzamento de sincronicidades muito maluco. Dentro da minha geração é uma coisa como uma brincadeira dos deuses, mas uma boa brincadeira. Então dou boas-vindas, tudo é ótimo. Creio que o NFT pode levar outra vez à veracidade existencial da videoarte. Tudo é questão de enquadramento dentro de uma verdade. Como foi transportar o que a banda fazia nos palcos com performance, unindo imagens e sons, para um disco, em que havia apenas o recurso do áudio? Tinha um pouco de radicalidade mas, ao mesmo tempo, uma ingenuidade muito grande, que era interessante. Agora parece que foi no século retrasado, mas, basicamente, é muito difícil, o vídeo é muito melhor, ter a banda, o visual, é muito bom. O pri-


meiro disco foi produzido pelo Belchior e tinha pessoas com quem eu já fazia performance, como o Arnaldo Antunes, o Paulo Miklos e também o Lanny Gordin. Dada a sua experiência como representante do Ministério da Cultura anteriormente, qual a sua opinião sobre a gestão da Secretaria de Cultura do atual governo? Sabe aquela expressão “Eu era feliz e não sabia”? Não tem mais Ministério e nem Secretaria, é uma piada. Os caras lá de cima falam “Quem é o mais imbecil que existe? Esse cara já leu três livros? Então não serve, chama o outro que é um burro mesmo, aquele a quem ninguém iguala”. É uma piada o que esses imbecis fazem com a gente. Existe algum projeto que você gostaria de ver em prática para a cultura em um próximo governo? Qualquer ideia criativa cabe nesse momento. Qualquer lufada é muito

bem-vinda. A gente fica muito feliz de ver uma Bienal de São Paulo funcionando como a última. Imagine, a gente teve o Gilberto Gil que era um símbolo tão fantástico e tem gente tão bonita, tão absurda. Podes crer que não vai faltar gente boa nesse renascimento que a gente deseja. Gostaria de te fazer duas perguntas relacionadas a sua obra como compositor. Hoje, o que mais te dói é que o Brasil escolheu errado o seu super-herói? Mas vai ser profético assim na casa do chapéu, né? A gente elegeu um Gengis Khan! Mas eu tenho outra: “Nós espantaremos o urubu, ele quer bicar a cultura brasileira”. Essa música é tão ingênua, mas, ao mesmo tempo, tão bonitinha. Por último: me diga, monsieur Aguilar, qual é a transa? A transa, a transa, a transa. Tem tantas transas. Uma é derrubar o boi de lá de cima. A outra é a gente ficar livre, solto, maravilhoso, criativo.


T E P S E O M O C O Ã S S E R P DE

SAÚDE

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Por Fernando de Freitas

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TÁCULO E

m meados de dezembro, Zac Condo, da banda Beirut, fez uma longa postagem sobre sua decisão de não entrar em turnê após o lançamento do próximo álbum. As últimas turnês o deixaram física e mentalmente exausto. Durante toda sua carreira ele lidou com crises de ansiedade e pânico associadas à rotina de turnês que o afastavam durante semanas ou meses de sua casa. Após anos usando (e abusando) do álcool para encarar o palco (o que causou problemas de saúde e muitos cancelamentos de shows), ele tentou, em 2019, fazer uma turnê sóbrio, mas seu corpo não aguentou. A história de Zac não está isolada, por exemplo, Mike Patton, vocalista do Faith no More, cancelou shows e turnês por razões de saúde. Bill Wyman deixou os Rolling Stones, cansado de encarar a estrada depois da mais lucrativa turnê (até aquele momento) de uma banda na história, seguindo os passos de Mick Taylor. Ainda existem artistas, que se olharmos em perspectiva, não deixaram o showbusiness e isso pode os ter consumido, lembrando o caso clássico de Kurt Cobain.

DECISÕES DE UM JORNALISTA

A questão sempre me preocupou. Não tenho formação na área de saúde, porém, assim como um terapeuta, minha principal atividade é ouvir e fazer perguntas que tirem o entrevistado do lugar comum, respostas ensaiadas e chavões. Minha responsabilidade é transcrever para meu leitor o que disse um artista, mas, muitas vezes, minha impressão sobre a conversa se torna tão importante quanto a fala do entrevistado. Muitas vezes escrevo sobre o que eles não falaram. Ou pelo menos, não verbalizaram. Certa vez marquei uma entrevista com um de meus maiores ídolos. Para mim, um gigante. Telefonei no horário combinado e atrapalhei seu almoço. Foi bastante desconfortável. Mais tarde, voltei a telefonar. Foi uma entrevista difícil, ele mudava de humor constantemente, por vezes dando respostas ásperas e combativas, outras sendo generoso. Fiquei com a impressão de que havia um rancor ou uma mágoa de não se sentir tão reconhecido como ele gostaria. No fundo, era uma figura triste, um artista que não conseguia conciliar sua importância no passado com seus trabalhos no presente. No fim, a entrevista (que está gravada) nunca foi transcrita. Não sei se por respeito a ele, à sua obra ou à minha admiração, decidi que não valia a pena publicar aquelas palavras. Meses depois, ele faleceu. Nunca me arrependi.

FALAS ABERTAS

Algumas pessoas têm mais clareza sobre seu processo. Peter Lake, garante que uma das razões de não revelar sua identidade mundana é seu absoluto desinteresse em subir em um palco e fazer turnês (coisa de que os Beatles também abdicaram após algumas experiências desagradáveis.) Ou mesmo, como Ana Cañas, que fala aber-

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SAÚDE

tamente sobre sua autossabotagem nas bebedeiras, até que numa conversa com Ney Matogrosso, ele deu uma dura na cantora “você não vai desperdiçar seu talento por uma dose”. Em sua biografia, Eric Clapton conta dos anos em que passou entorpecido pelo álcool (e outras substâncias), machucando aqueles que ele amava, disfarçando suas questões profundas em seu círculo vicioso. Em uma das declarações mais tristes do livro, Clapton diz que a morte de Jimi Hendrix não lhe causou tristeza pela perda do amigo, mas por não ter sido “levado junto”. Tenho a impressão de que aqueles que puderam falar sobre essas questões são aqueles que tiveram a chance de se safar da “roda da fortuna” que, em algum momento, termina por atirar o artista no abismo. Jerry Garcia é retratado nesta roda em pelo menos em dois documentários, “Long Strange Trip” (de Amir Bar-Lev) – disponível no Amazon Prime - e “The Other One” (de Mike Fleiss) – disponível no Netflix. O lendário guitarrista do Greatful Dead talvez seja um dos exemplos mais tristes sobre a impossibilidade de parar. Ainda que suas questões de saúde estivessem ligadas ao abuso de heroína, parece claro que a impossibilidade de parar (autoimposta) levou o artista a condições ainda mais precárias. Explicando um pouco, Jerry se sentia

responsável por aqueles que estavam à sua volta acompanhando a banda. Pessoas próximas relatam que ele se mantinha em constante turnê pois acreditava que aquelas pessoas dependiam dele (financeiramente, sendo bem claro). Dessa forma, a diabetes, agravada pela heroína, sobrepeso, fadiga física e mental, unidos com o estranhamento em se tornar um ícone do rock (ele nunca havia sido um homem atraente ou eloquente) e símbolo máximo de sua banda, tornaram toda a experiência tóxica. Outro caso conhecido é o de Brian Wilson, o gênio dos Beach Boys, que luta contra uma série de condições de saúde mental desde meados dos anos 60, entre tantos diagnósticos, o de esquizofrenia paranoide. Ao longo dos anos, ele paralisou e retornou à carreira musical algumas vezes. Um dos primeiros sinais se deu quando ele deixou de fazer turnê com a banda e passou a comandar as gravações dos próximos álbuns (entre eles o disruptivo “Pet Sounds”) tendo à sua disposição o “Wrecking Crew”, um conjunto de músicos de estúdio de primeiríssima linha, para gravar.

ARTISTA EXCÊNTRICO? SERÁ?

Existe uma narrativa romântica do gênio atormentado produzindo sua obra prima. Isso remonta (e destrói artistas) desde o século XIX com alguma intensidade. É possível lembrar do poeta francês Arthur Rimbaud como um exemplo deste mito. O poeta que influenciou Dylan e Jim Morrison (para citar apenas dois) tem uma história intensa dentre as rodas literárias durante os primeiros anos de sua juventude, para, diante de uma desilusão cínica, se tornar mercador de armas na África. Um certo estereotipo acompanha os artistas e, por vezes, atrapalha demais suas vidas. Muitos se interessam em fazer a grana continuar girando e se vende uma confusão entre genialidade e loucura. João Gilberto e Roberto Carlos foram duas vítimas dessa lógica cruel. O Rei Roberto, em um determinado momento, após décadas de valorização de suas manias por parte da mídia (principalmente, mas não exclusivamente daquela com a qual mantém polpudos contratos comerciais), se deparou com o diagnóstico de Transtorno Obsessivo Compulsivo, que apenas não o paralisava totalmente pelo fato de todos ao seu redor se curvarem às suas exigências mais estapafúrdias.

Roberto já declarou por mais de uma vez que faz terapia para amenizar os sintomas. Já João Gilberto se tornou cada vez mais isolado e não está claro para o público em como ele passou os últimos anos (ou décadas) de sua vida e em que condições de saúde e qualidade de vida. Ao que parece, pelo menos em seus últimos dias, João encontrou algum conforto propiciado por sua filha Bebel. A condição de João Gilberto era conhecida ao longo de toda sua carreira, são muitos os relatos de sua excentricidade, como sair dirigindo pela noite para ouvir o barulho do carro, ou receber encomenda de conhecidos abrindo apenas um vão de sua porta de hotel. Mas parece que sua genialidade e o lucro de terceiros se sobrepuseram ao interesse de cuidar de suas condições mentais. Como teria sido sua vida e (quiçá) os últimos anos de carreira se ele tivesse sido tratado? As respostas não são tão simples. Na realidade, o futuro do pretérito são apenas conjecturas irreais que manifestam os nossos desejos e padrões. Conversando com o psicanalista Marcus Techainer, podemos ter uma ideia mais ampla. Como ele explica, “nem toda loucura precisa ser tratada. Essa loucura que afirmo é um certo inconformismo com as regras vigentes, com os padrões, com o estabelecido. A possibilidade psíquica de se ver só e apostar em uma novidade, que pode tanto naufragar, como pode ser o divisor de águas de um tempo. Isso não tem a ver com uma excentricidade formatada, vida louca, rock’n’roll, jogar TV pela janela do quarto, isto é sociedade do espetáculo, é a própria adequação aos padrões. Então, quando você me pergunta sobre diagnóstico e tratamento, eu me pergunto sobre saúde mental. Talvez haja um imperativo da felicidade na nossa sociedade atual, da felicidade e da produtividade. E talvez esse não seja um bom modelo de saúde mental. Nem todo mundo precisa de diagnóstico, muito menos de tratamento. Deste ponto de vista, quando falamos de saúde mental, estamos falando de sofrimento psíquico, que são condições subjetivas de estar no mundo, condições que impedem a pessoa de desejar, trabalhar e amar. Assim, ainda que o músico não tenha encontrado a plenitude da felicidade, mas que ele possa desejar algo para si, e para si mesmo no mundo. Que ele possa trabalhar para se ver atuando no laço social, e possa amar, seja o ou-


tro, seja o que faz, seja o que for. Então, provavelmente, estamos falando de saúde mental. Mas, se este músico sente que antes de tudo, antes de sua expressão ele precisa se adequar a um padrão. Talvez aí estejamos falando de uma amarra que impede a criatividade, a fruição e a fluidez do desejo. Neste caso, o sofrimento talvez seja não se permitir ser quem se deseja ser, e nesta inautenticidade, se encontra a dor psíquica”.

O SOFRIMENTO COMO ESPETÁCULO

Durante sua curta carreira, Amy Winehouse atraiu a atenção por dois motivos, um talento estrondoso que parecia não conhecer limites e sua autodestruição física e mental diante dos holofotes e câmeras do mundo inteiro. Tenho dificuldade de me lembrar quando a degradação de uma pessoa foi um espetáculo tão aplaudido e, em alguns momentos, muito mais que seu talento e sua voz. Quando ela se apresentou no Brasil, já se faziam apostas se este seria o último show dela e em que condições (ou falta delas) ela se apresentaria. Foi um espetáculo sádico, sua música, ficou em segundo plano. Porém, sua rebeldia era exatamente uma forma de adequação às expectativas alheias. Amy morreu aos 27 anos, entrando para o seleto grupo de Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain, e entre eles, quem deixou a menor obra. Também no “clube dos 27” e talvez quem inaugurou o grupo, foi Robert Johnson, o mítico bluesman que teria feito pacto com o diabo e deixou uma obra de 29 músicas e 40 gravações. Todas elas clássicos do blues. A vida desregrada e muitas lendas acerca de sua vida, ao longo de seus 9 anos de carreira às margens do Mississipi como músico itinerante, fazem crer que ali existia algo que jamais seria diagnosticado em Johnson e acredita-se que ele sofria de enfermidades que podem ter afetados seu sistema nervoso. Também existe a lenda de Buddy Bolden, o músico que teria “criado” o jazz, por meio de uma forma rítmica conhecida como “Big Four”. Este, por sua vez não deixou nenhuma gravação conhecida e, entre os diagnósticos de psicose alcoólica e demência precoce (essa conhecida hoje como esquizofrenia) desde os 30 anos, viveu em manicómios até o fim da sua vida, aos 57 anos. A diferença clara é, com o passar dos anos, a celebrização e a intensificação

da sociedade do espetáculo. Enquanto no passado os músicos sofriam da falta de possibilidades para o cuidado com sua saúde, após mais de um século após o advento da psicanálise e dos avanços da psiquiatria, a importância de manter alimentado a “roda da fortuna”, ainda que por meio de factoides, transformou o sofrimento público em mercadoria. Voltando a Zac Condo, vivia situação parecida com Amy Winehouse, era comum as pessoas fazerem piadas sobre seus cancelamentos e as condições (ou falta delas) para se apresentar. Sua

degradação era um show tão grande quanto sua música. Vanusa faleceu como um exemplo do espetáculo do declínio, ficando marcada pelos seus últimos anos de (registradas) apresentações desastrosas sobrepondo seu sucesso prévio. Rebelde, ao fim das contas, parece ser o líder do Beirut, que decidiu encerrar com este ciclo em sua carreira. Enquanto ele não se retoma as apresentações públicas, pelo menos eu fico com seu setlist do show em São Paulo em minha parede, torcendo que a esperança também possa nos unir.

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RESENHAS

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ão gostamos de listas. Nós não fazemos listas. Listar os “10 melhores” acaba dizendo muito mais sobre as escolhas que não fizemos sobre aquelas que fizemos. É uma vergonha constante ver o que deixamos passar. Porém, é claro que álbuns nos chamam a atenção. A vontade é de compartilhar o que nos chamou atenção e, por que não?, lançar um novo olhar sobre aquilo que já escrevemos. O Lucas fez isso com algumas obras que já passaram por aqui esse ano, mas sobre as quais ele pode trazer outra leitura. Eu mesmo revisito a mim mesmo e tento olhar para o que deixei para trás. É mais sobre dividir do que ranquear.

LUCAS VIEIRA NORDESTE FICÇÃO - JULIANA LINHARES Uma das ideias centrais de Juliana Linhares em seu primeiro álbum solo foi contestar a imagem de um Nordeste generalizado, carregado de estereótipos. Para as composições, absorveu os conceitos de Durval Muniz de Albuquerque Júnior, para mostrar que Nordeste nunca houve. Nordeste é ficção. Para a sonoridade do disco, se apoiou nos ombros de Cátia de França, Amelinha, Belchior e Elomar, entre outros tantos que inventaram Nordestes antes dela. Com direção artística de Marcus Preto e produção de Elísio Freitas, a artista que também integra os projetos Pietá e Iara Ira apresenta uma voz forte, com sotaque igualmente potente, que diz que cantar para os seus é mais importante que explodir igual “Bombinha”. Reforça que a alegria é revolucionária com “Lambada da Lambida” (em parceria com Chico César), dá seu recado de “fora Bolsonaro” no agito do “Frivião” e lembra que, mesmo que não dê

para mudar o mundo, é preciso balançá-lo com seu “Balanceiro”. Juliana trouxe, em seu álbum, um debate profundo, ultrapassando as superficialidades junto de um som enérgico de quem soube reunir ritmos de vários nordestes, rock, teatro e literatura. Vale destacar a faixa-título e afirmar que Nordeste Ficção é o grande disco do ano de 2021.

MEU COCO - CAETANO VELOSO Meu Coco é um álbum do agora de Caetano e do Brasil. Após um hiato de nove anos na sua discografia de estúdio (sem contar o álbum com Ivan Sacerdote, lançado em 2020), o artista buscou caminhos para modernizar os elementos presentes em seus últimos 20 anos de produção, como a sonoridade indie da banda Cê, as cordas de Jaques Morelembaum e o encontro com as percussões do axé. Para isso, trouxe novos timbres eletrônicos, coros, arranjos de Letieres Leite e Thiago Amud e a colaboração de músicos como Hamilton de Holanda e Mestrinho. O disco tem, entre os destaques, suas discussões relativas à identidade do Brasil. Sobre a música nacional, o artista enaltece seus arquitetos em “GilGal”. E aponta por quais caminhos ela tem seguido em “Sem Samba não Dá”, evocando novos nomes e suas ramificações. Para a situação política, o artista reservou três canções. Em “Anjos Tronchos”, reflete sobre o caos e o resultado da desordem das redes sociais. Com “Não Vou Deixar”, afirma que a história do país e de seu povo não serão destruídas por um governo que tenta apagá-las. Em “Enzo Gabriel”, título que traz o nome mais registrado em cartórios nacionais em 2018, deposita esperanças na nova geração e questiona seu papel na mudança do mundo. O vovô tá nervoso, teimoso, manhoso. Caetano Veloso retoma sua discografia dando um passo à frente em sua obra e, também, na música brasileira, como

costumou fazer ao longo de mais de 50 anos de carreira. Com sua voz (cada vez mais) doce, o artista mostra que seu coco continua a brilhar.

SÍNTESE DO LANCE - JARDS MACALÉ E JOÃO DONATO Com “Síntese do Lance”, Jards Macalé e João Donato uniram seus universos distintos, que têm como ponto comum a bossa-nova, celebrada em clima descontraído por esses dois jovens senhores que aparecem nus em uma das capas mais icônicas da MPB dos últimos anos. Pautado pelos timbres do piano elétrico e por uma sonoridade latino-americana, o álbum se mostrou mais próximo da musicalidade do acreano do que do parceiro carioca. Faixa que abre o álbum, “Coco Táxi” faz referência ao meio de transporte cubano de mesmo nome e é a única composição feita em conjunto pela dupla. Porém, outros encontros se dão nitidamente nas gravações, recheadas por percussões e sons de metais cujos arranjos são assinados por Marlon Sette. Faixas como “João Duke”, com as vocalizações de Macalé, “Açafrão” com os cantos quase sussurrados e a faixa-título, o grande destaque da obra, mostram como João Donato e Jards Macalé souberam se entrosar, botando lenha para depois se esquentarem na “Síntese do Lance”. “Síntese do Lance” é um momento marcante para a música brasileira, reunindo dois músicos tão cultuados. Contando com parcerias realizadas ao lado de nomes que incluem Joyce e Ronaldo Bastos, o álbum mostrou ser uma obra que é, ao mesmo tempo, dançante e serena, uma homenagem que é também uma revitalização da sonoridade que formou os dois artistas.

DELTA ESTÁCIO BLUES - JUÇARA MARÇAL Apesar de Delta Estácio Blues ser o


RESENHAS segundo álbum que Juçara Marçal assina sozinha, sua discografia é extensa e sempre teve o experimentalismo como marca. São exemplos as gravações ao lado do Metá Metá, o disco “Padê” (2008), com o violão de Kiko Dinucci (também produtor deste disco lançado em 2021), e o projeto “Anganga” (2015), com Cadu Tenório. Um dos grandes destaques de Juçara no novo álbum é transformar canções que poderiam se enquadrar dentro de arranjos mais tradicionais, como os de seu álbum “Encarnado” (2014), em experimentações que incluem ruídos, samples e sons eletrônicos, sem perder a essência de sua musicalidade. Dentro deste mosaico, a artista encontrou lugar para versar em forma de rap (“Crash”), expressar lirismo em francês (“La Femme à Barbe”), além de, através da faixa-título assinada por Rodrigo Campos, fazer um paralelo entre o blues estadunidense e o samba carioca do Estácio, gêneros norteados pela matriz musical africana. Destacam-se também no álbum as canções “Iyalode Mbé Mbé”, “Sem Cais” e “Baleia”. Com a potência de sua voz, que se mistura às camadas sonoras, Juçara produziu um disco ousado, que dialoga com elementos não convencionais da canção e, ainda assim, mantém sua essência. Reafirmando a força de “Delta Estácio Blues”, a obra foi duplamente premiada pelo Superjúri do Prêmio Multishow, nas categorias “Canção do Ano” (por “Crash”) e “Álbum do Ano”.

SANKOFA - AMARO FREITAS Segundo a tradição da África Ocidental, a ave Sankofa tem a cabeça virada para trás porque voa em direção ao futuro sempre olhando para o passado. Este é o mesmo movimento que Amaro Freitas faz no álbum de mesmo nome, o grande destaque da música instrumen-

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tal em 2021, através do qual foi de encontro às origens da história do negro e de sua musicalidade. Ainda que o disco seja instrumental, Amaro utiliza os nomes de suas músicas para reverenciar figuras e lugares da história negra, como o escravo Mahommah Baquaqua, a região de Vila Bela, onde Tereza de Benguela liderou comunidade quilombola, além do artista Milton Nascimento, com quem o pianista trabalhou no EP “Não Existe Amor” (2020), ao lado de Criolo. Sankofa começa com a introspectiva faixa-título e se desmembra em outros sete temas, que têm o swing de “Ayeye”, os arranjos percussivos de “Cazumbá” e a dinâmica grandiosa de “Malakoff” como destaque. Com o entrosado trio que inclui Jean Elton (baixo acústico) e Hugo Medeiros (bateria e percussão), Sankofa é um disco rico em detalhes, com sonoridade expansiva, onde a pluralidade dos ritmos brasileiros se soma aos improvisos e à quebra de fronteiras do jazz.

FERNANDO DE FREITAS

OLHO DE VIDRO - JADSA Definitivamente, um dos álbuns mais interessantes do ano. Ouvindo mais algumas vezes fica a sensação de que o trabalho faz das vozes e dos instrumentos, vozes. A produção mistura elementos conceituais com organicidade e acerta a mão.

ÁLBUM - GAH SETUBAL Dando sequência ao excelente “Via” (2020), Gah lançou “Álbum”, que é um EP. A releitura de “Na Pressão”, de Lenine, é uma pancada dedilhada no violão. A sensação é que Gah é um daqueles artistas que não consegue ficar parado e que tem um campo bem grande para evolução. Na inexistência

física do álbum (ou EP), Gah lançou um livreto (eu chamo de plaquete) com suas letras e trabalho gráfico de Maria Cau Levy. É trabalho de um artista que entende a produção como um trabalho sistêmico.

SOPHIA CHABLAU E UMA ENORME PERDA DE TEMPO - SOPHIA CHABLAU E UMA ENORME PERDA DE TEMPO O rock experimental paulistano faz as pazes consigo mesmo neste lançamento. Desde o início da década de 1980, não existe uma cena tão interessante e tão identificável na cidade. Foi preciso uma banda jovem ouvir e entender Mutantes e Tutti-Fruti, foi necessário passar por cima da geração que ignorou a vanguarda paulistana. Espero que possamos enterrar o Pop-Rock pasteurizado que surgiu de uma cena interessante, mas que se perdeu em interesses comerciais ao longo das últimas 3 décadas. Sophia Chablau é a representação do rock’n’roll experimental, jovem, boêmio.

ÍNDIGO BORBOLETA ANIL - LINIKER Em seu primeiro álbum em carreira solo, Liniker mostra que é artista essencial da música brasileira hoje. Este álbum é feito das referências que formam a artista, todas elas apontadas para o que existe de melhor na música contemporânea e elementos que entenderemos melhor no futuro. Liniker estabelece sua identidade, única, como se a amalgama de Tim Maia e Elza Soares resultasse no futuro da música brasileira.

ENCOSTA - RACHEL REIS (EP) A música dançante de Rachel vem chegando sorrateira e vai invadir cada vez mais nosso imaginário afetivo. Ela tem o talento de cantar nossas sauda-


des, desejos e amores de maneira direta e simples, mas com uma elegância e suavidade deliciosas. Quando ouço sua música eu vejo a imagem de Sá Marina (aquela que cantou Simonal) fazendo todo mundo dançar.

PUTZ - PUTZ

A banda de Gi Ferreira (AKA Zambianchi) retoma o som noventista que jamais conquistou a indústria nacional. Ainda que tenha existido uma cena efervescente no Brasil em paralelo ao Grunge (com bandas como Pin Ups, por exemplo), o som de rock nacional na época é lembrado como uma continuidade dos anos 80, com raríssimas exceções. Putz é como um revival em forma de estreia, pois tem o potencial de chegar às rádios e ao público com força.

FICAR DE OLHO: AMANDA MAGALHÃES – Talentosíssima, provavelmente será uma das principais vozes da música brasileira nos próximos anos. Tenho a sensação de que a veremos cada vez mais presente em 2022. GAIVOTA NAVES – Depois de muitos anos como parte de bandas, Gaivota deu a partida de seu trabalho solo em 2021 ao assinar com a PWR. Ela tem tudo que um grande artista precisa: voz própria, personalidade e, claro, um som irretocável. ANNÁ – Depois do excelente “Colar” (2020), a sambista experimental é uma pedra que rola sem criar limo. Em termos de criatividade, poucas artistas têm tanto escopo e coragem quanto Anná na música brasileira. Acrescente à receita afinação perfeita e um cantar que você praticamente ouve seu sorriso. ANA PASSARINHO – Depois de se apresentar como Ana Julia por algum tempo, a irmã de Gi Ferreira (ler acima sobre a banda Putz), lançou o single “Eclipse Total”, flertando com a mú-

sica eletrônica. A sensação é que vem um repertório autoral bem trabalhado em breve. FAMÍLIA BERNARDES PEREIRA – Sempre é possível ter grandes expectativas com Maurício Pereira, Tim e Chico Bernardes. Maurício está preparando uma releitura de seu repertório ao lado de Tonho Penhasco para o álbum e show “Micro”. Tim Bernardes passou 10 dos 12 meses de 2021 em estúdio, é de se esperar que tanto o trabalho solo quanto o do Terno estarão presentes em 2022. Chico, por sua vez, já mostrou uma veia sensível e experimental nos seus primeiros trabalhos, tanto na carreira solo quanto na Fernê, e ainda não tempos a dimensão de onde pode chegar. Ainda que dificilmente apareçam juntos sobre um palco esse ano, os três ocuparão nossos streamings. CIANOCERONTE – Venho acompanhando de perto o trabalho de estreia da banda, que será lançado no primeiro semestre. Pelo que ouvi das demos, e considerando a expectativa de que 2022 será o “ano da retomada do rock”, Cianoceronte tem tudo para conquistar quem gosta de um som psicodélico e stoner rock. Dica exclusiva, então: vai lá, siga, curta e compartilhe e você poderá dizer que conhecia before it was cool.


MEMÓRIA

NÃO SOMOS SIMULAÇÃO

Por Érico Malagoli

Para Elon Musk, a chance de não vivermos em uma simulação de computador é de “uma em bilhões”. Isso mesmo, o cara que constrói carros autônomos, envia foguetes ao espaço e quer implantar um chip em seu cérebro, acha que vivemos em algo próximo ao retratado na trilogia “Matrix”. Aliás, ele não está sozinho, pois vários cientistas também defendem essa tese e há até um estudo que visa encontrar falhas no sistema, o que comprovaria uma possível limitação computacional e, portanto, o fato de que vivemos em uma simulação. Será que vivemos mesmo na Matrix? Eu tenho certeza de que não, e a prova, em minha humilde opinião, é o fato de que fazemos música. Apesar de a música ser matemática, e, portanto, teoricamente passível de ser simulada por uma inteligência artificial altamente avançada, para produzila necessita-se de uma enorme dose de criatividade, e essa é uma essência humana. Além da linguagem, o que todos os povos têm em comum ao redor do mundo é que todos fazem sua própria música, faz parte de nossas culturas. E talvez até em nível intergaláctico. Veja bem, em 1977, a Nasa lançou duas

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espaçonaves chamadas de Voyager no espaço, com dois discos de ouro tocando sons e canções ininterruptamente, caracterizando a diversidade cultural, natural e industrial do planeta Terra — de Chuck Berry a Vincent Bach, são, ao todo, 27 composições. A ideia é que, mesmo que os ETs não entendam a nossa música, eles perceberiam que foi produzida por seres inteligentes. E essa não é a única tentativa de contato fora do planeta com música, pois enviamos continuamente ao espaço sinais de rádio de forma aleatória, com o mesmo fim. A música agrega, transforma, relaxa e é o que mais nos aproxima de Deus para Friedrich Nietzsche “sem a música, a vida seria um erro”. É o que temos de mais elevado como seres humanos e se isso é, de fato, verdade, provavelmente não poderia ser simulado por uma máquina, afinal por mais avançada que seja e qualquer que seja a enorme capacidade de processamento de que disponha, ela provavelmente não teria criatividade. Se Musk utiliza os Jogos de videogame para validar sua tese, eu uso a música para invalidar.


COXIA Anneliese Kappey

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Henrike Balíú Ian Sniesko

Luis Barbosa

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

Lucas Vieira

440 Hz



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