440 Hz
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
ANA CAÑAS CANTA BELCHIOR
JONI MICHELL
50 ANOS DE BLUE
MÁRCIO LUGÓ
E SEUS PROJETOS
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SUMÁRIO 06 NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS 28 REENCONTRANDO O RUMO 30 NOVA MALANDRAGEM 32 MÁRCIO LUGÓ 34 CAPA ANA CAÑAS CANTA BELCHIOR 40 MARISA MONTE lançamento resenhado 42 RESENHAS 44 JONI MICHELL 50 anos de Blue 54 COLUNA SUSPECT DEVICE 60 CONSTRUINDO UMA GUITARRA 64 O INSTITUTO ENTREVISTA
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56 ENCERRAMENTO - ERICO MALAGOLI
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EDITORIAL SOBREVIVEREMOS É impossível ignorar as mais 550 mil mortes de uma doença para a qual existe vacina. Tampouco posso fechar meus olhos para 100 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar. O cenário é de terra arrasada, que acompanha a destruição sistemática das instituições democráticas, ora desautorizadas, ora profanadas, em favor de interesses escusos. Nas ruínas, os soldados deste apocalipse tentam estrangular a arte. Em vão. Em cada pescoço artista que se aperta, a arte escapa pelos dedos e escorre pelas mãos do agressor, em infinitas cores fulgurantes. Não entendem, os filisteus, que a arte é matéria abstrata, tecido da vida, nos unindo em humanidade. Sendo representação metafórica de nossa complexidade, entre o grotesco e o sublime, a arte é o espelho resistente de uma época que se transforma em inapagável retrato. O fazer artístico é a denúncia do algoz, que o leva direto ao banco dos réus da história. Cada morto e cada verso é a semente de uma árvore de ideias que fincará raízes permanentes no solo de uma pátria vilipendiada, como a antítese das cicatrizes da tortura, marcadas na pele e no âmago. Nenhum impulso autoritário, seja fascista ou macarthista (se é que há real diferença), jamais venceu aos duros olhos do tempo, que é preenchido pelo tecido artístico. Mas as mãos autoritárias não aprendem e ainda tentam sufocar pessoas para matar ideias. Cada obra de museu, canção, livro e peça de teatro transcende seu suporte material, gravando em nosso peito o mapa de uma jornada entre a realidade e o imaterial. A história não absolve. Não é sobre estar do lado certo. É sobre a aurora de cada dia revelando corpos nus que se amaram durante a escuridão. E todas as outras coisas que nos fazem humanos.
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Edição 10 - julho 2021
Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Lucas Vieira, Henrike Baliú Imagem da Ariela Bueno/ Divulgação A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.
Por me não deixar respirar, por não me deixar existir, Deus lhe pague.
Fernando de Freitas São Paulo, SP contato@revista440hz.com.br
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Fotos: Divulgação Flavio Salgado /
NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
POESIA CANTADA
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á está no ar o primeiro episódio do podcast Velhas Rimas Novas, composto por conversas com autores que têm a poesia rimada brasileira como parte do seu fazer artístico, como é o caso do primeiro convidado, o pernambucano e parceiro de Nóbrega em grande parte de suas músicas, Wilson Freire. O podcast será lançado sempre às sextas-feiras, 11h, via YouTube, Spotify e demais plataformas de podcast. Com este projeto, Nóbrega quer dar maior conhecimento e visibilidade a essas estruturas e formas, seja incentivando a sua prática lúdica nas atividades educativas, seja difundindo-as entre os artistas da palavra do país. “Nosso objetivo é dar uma função e significado mais amplos a esses gêneros e modalidades poéticas que, assim como o Rap e o Slam – tão em voga na atualidade – também têm vigor e substância para reivindicar um mundo melhor, um mundo mais de todos e para todos”, explica o multiartista pernambucano.
“Tiny Barn” é um projeto que surgiu como alternativa no contexto da pandemia para propiciar aos ouvintes uma experiência mais próxima de uma apresentação ao vivo acústica. A iniciativa teve como inspiração a simplicidade e como referência o famoso programa Tiny Desk, conhecido pelas pessoas amantes de música. Ao longo do ano serão realizados novos concertos no Tny Barn, através da parceria entre a artista e o selo Tal % Tal. Assista aqui ao show da Gui Flor no Tiny Barn. Ela lançou recentemente o single “Flor de Manacá” e também participou da Coletânea Mapa Astral Vol. 2 ::: Água da Tal & Tal Records com a música “Som das Conchas”.
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Fotos: Divulgação
DISTANTE, MAS COM SENSAÇÃO DE AO VIVO
NOVA FACE DE SCUBA Não é de hoje que o DJ e produtor inglês Paul Rose (aka Scuba) explora sonoridades que atravessam gêneros, misturando com habilidade elementos e atmosferas. Ao longo dos anos 2010, o artista residente em Berlim ficou conhecido por suas produções de techno. Antes disso, Scuba fez parte da inovadora geração inicial do dubstep. Seu novo projeto é o mais novo desenvolvimento de uma carreira marcada por diversidade e inquietude. Em uma parceria com o cantor DOMiNii, o músico e produtor britânico explora um novo território de melodias, canções, guitarras e refrões. É uma direção que ele vem dsenvolvendo desde 2018, quando deu uma pausa em suas atividades de DJ. Caracterizado por uma variedade de referências, o álbum “Diivorce” (com dois “is”) oferece um amálgama de estruturas de canção, conduzidas por guitarras, e timbres e efeitos eletrônicos que remetem aos trabalhos anteriores de Scuba. O disco já ganhou o mundo.
SODA ACÚSTICA Quarteto paulista de rock, o grupo Violet Soda está lançando uma nova roupagem de suas músicas, agora de forma acústica. O projeto “Unplugged” foi inspirado no formato clássico apresentado pelo canal MTV e traz ainda novas faixas e versões, com registros de áudio e vídeo. O lançamento é feito via Olga Music, selo criado em parceria com a distribuidora ADA. Banda nascida em 2018, a Violet Soda lançou o disco de estreia em 2019 e realizou o show de lançamento em dezembro do mesmo ano. Os planos para 2020 eram de viajar em turnê, o que precisou ser interrompido por conta da pandemia. O reencontro da banda para a gravação do álbum, foi celebrado pelos integrantes: “O acústico foi o momento perfeito de reencontro da banda na pandemia. Foi um acolhimento, um abraço! Estar junto daqueles que você ama, fazendo o que mais ama, depois de tanto tempo separados. Feliz demais que fizemos um registro jus a esse acontecimento incrível que foi o unplugged”, exalta a vocalista e guitarrista Karen Dió. “O projeto foi uma oportunidade de reunir a banda novamente depois de 8 meses e aproveitar para experimentar novos caminhos”, completa Murilo.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
DINHEIRO FÁCIL
D
POSTAL DE AMOR
O cantor Daniel Peixoto acaba de lançar o videoclipe para a música “Postal de Amor”, sua parceria com Filipe Catto em releitura do original de Ney Matogrosso e Fagner. A música é o primeiro single do seu próximo disco “Tropiqueer” e originalmente gravada em 1975. Na nova versão, o líder da banda Montage divide os vocais com Catto em releitura eletrônica, que agora ganha um tratamento audiovisual. Com ares de ficção científica, a produção é dirigida pelo cineasta Marco Mateus, que já assinou mais de 60 videoclipes e tem dois longas-metragens lançados pela O2. Composta por Fagner, Fausto Nilo e Ricardo Bezerra, conterrâneos cearenses de Daniel, “Postal de Amor” foi o primeiro single do terceiro álbum de estúdio do artista em carreira solo, com lançamento marcado para julho deste ano. A faixa visita a melancolia do passado, com beats e timbres do pop contemporâneo, misturando lirismo e drama, elementos já característicos tanto nos trabalhos de Peixoto quanto de Catto.
CHICO POR FRANCISCO, EL HOMBRE
A banda Francisco, el Hombre lançou uma nova versão de “Roda Viva”, de Chico Buarque, releitura que faz uma citação a outro clássico do artista, “Apesar de Você”. A faixa integra a trilha-sonora de “A Fantástica Fábrica de Golpes”, documentário que destrincha o colapso da democracia brasileira a partir do golpe que resultou no impeachment de Dilma Rousseff. A canção já está disponível nos aplicativos de streaming e também ganhou um videoclipe“’Roda Viva’ é uma música cíclica, que vai acontecendo de novo e de novo, sempre levemente diferente, porém em ciclos. Acho que essa característica tem uma analogia forte com as fases da história”, pensa Mateo Piracés-Ugarte (voz e violão), que forma a Francisco, el Hombre ao lado de Juliana Strassacapa (voz e percussão), Sebastián Piracés-Ugarte (voz e bateria), Andrei Martinez Kozyreff (guitarra).
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Fotos: Divulgação
ia 13 de março ficou conhecido como “Djonga Day”. Afinal, há cinco anos, nesta mesma data, o rapper mineiro Djonga coloca um álbum na rua. Em 2021, não foi diferente, ele apresentou ao mundo o disco Nu, que é resultado de um dos anos mais sinistros vividos pelo artista. Traz tudo o que ficou acumulado dentro dele durante o período de isolamento social e digital (ele optou por deletar o seu Twitter e sair das redes sociais). Agora, ele pega o público de surpresa ao lançar o single “Easy Money”. Diferente do disco Nu, em que Djonga aparece mais introspectivo, a nova música - produzida pelo Coyote Beatz - traz o rapper mineiro num modo mais descontraído, com referências ao trap e ao funk. “Nos últimos anos, eu fiz um trabalho muito necessário, com ideias que tinham que ser faladas. Agora, quero mesclar isso com umas paradas mais leves e divertidas. Isso também veio do meu gosto pela música popular”, afirma.
EP SEM NINGUEM AO LADO
FLIP ROMÂNTICO
A Relespública acaba de lançar o EP Sem Ninguém ao Lado e o clipe de Mods Are Back Again, primeiro single do novo trabalho. O clipe e o EP estão disponíveis nas plataformas digitais. Sem Ninguém Ao Lado é a volta do trio ao estúdio depois de quase 13 anos sem gravar. Também é o reencontro com o produtor Marcelo Crivano com quem a banda criou o cultuado álbum “As Histórias São Iguais” (2003) e o especial MTV Apresenta (2006). “13 anos é tempo demais para uma banda como a nossa, mas a vida dá umas rasteiras e a gente foi protelando. Quando o Crivano reapareceu querendo levar banda pro estúdio, juntou a fome e a vontade de comer”, disse Fabio Elias, guitarrista e compositor da Reles. Para produzir o EP, a Relespública precisou revirar o próprio baú. As cinco faixas de Sem Ninguém ao Lado estão no repertório de shows da banda há décadas, mas nunca tinham sido gravadas. Nelas estão a essência do som e da estética da banda formada em Curitiba em 1989: rock de garagem, a fúria adolescente inconformista e a elegância mod.
Em “Ruim de Esquecer”, rapper paulista apresenta novo feat com a cantora Lio, da banda Tuyo, e explora seu lado mais sensível. Voltado totalmente para a carreira solo e construindo uma nova etapa de sua trajetória musical, Felipe Flip lança “Ruim de Esquecer”, uma declaração de amor em forma de poesia, em novo feat com a artista curitibana Liu, da banda Tuyo. Disponível nas plataformas digitais e com videoclipe no Youtube, a música é o quarto single do novo disco, com previsão de lançamento no segundo semestre, e o primeiro via Olga Music, selo criado em parceria com a distribuidora ADA. “A letra é inspirada em fatos reais. É como um poema de alguém que está apaixonado, mas também sabe que amor é uma construção e que é preciso estar disposto a reconquistar a pessoa amada todos os dias, como no trecho “foi bom, mas foi ontem”.
Saiba mais em: https://www.youtube.com/ watch?v=CT9GhG-i1J8
MISTURADA, AQUI E ALI
Após um convite para realizar um show em formato de live, o Trio Misturada decide transformar esse encontro em um álbum, reunindo composições de cada integrante que surgiram durante o isolamento. Formado em 2019 por Gabriel Maia (guitarra), Matheus Marinho (bateria) e Mateus José (baixo), o grupo lança “Aqui e Ali”. Numa sincronia não planejada, as composições trazem um sotaque brasileiro bem acentuado, o que acabou por ser a marca principal desse trabalho. O título “Aqui e Ali” faz referência aos encontros virtuais. Compondo separadamente, sem imaginar que “conversavam” nas referências temáticas da música popular brasileira e traziam sentimentos do exílio, lembranças, anseios, esperanças, discos admirados e homenagens. O baião, maracatu, bolero, sons mineiros, samba, samba jazz são os estilos presentes nesse trabalho. Com a participação especial da pianista, compositora e arranjadora Debora Gurgel, o disco foi gravado em novembro de 2020 no Estúdio Arsis em São Paulo.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
NOVO SINGLE DA MARCELA
A
pós lançar o single e o videoclipe Sobre Maria, Marcela Brandão chega com nova canção autoral nas plataformas digitais, pelo selo Selim de Música. Trata-se de Moxotó (parceria com Zé Tedesco), single produzido pela percussionista e vocalista Lan Lanh, cujo arranjo traz um contraponto entre a viola caipira e a sonoridade eletrônica. Segundo a autora, “a viola realça na canção o Brasil profundo, presente na nossa raiz, na nossa memória, que dialoga com o urbano de um Brasil moderno pela vibração eletrônica da bateria e percussão”. Moxotó é o nome de um rio que banha os estados de Pernambuco e Alagoas. Na letra, Marcela Brandão faz uma viagem poética pelo caminho desenhado por ele, pelo seu percurso que vai encontrando vidas e histórias ribeirinhas, onde a ancestralidade é o cenário espelhado em suas águas.
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O músico e produtor brasileiro de música alternativa Gil Mosolino retorna com seu novo single Olhar // Agubatizada (02/06/21). Após lançar três singles nos últimos meses como Kermit Machin, e um single como compositor e produtor musical na Applegate, as músicas de Gil foram mencionadas e tocadas em diversos canais importantes de comunicação. A música foi produzida por conta própria em seu home studio, uma vez que o músico também trabalha como produtor musical. “Eu gosto de trabalhar sons inteiros tendo o controle total da obra. Para mim é como se eu estivesse pintando um quadro, porém com áudio”, comenta. Para trazer novos sabores ao som, o músico chamou Pedro Lacerda, baterista que toca com Gil na banda Applegate.
DEBUT DA PARANOIA
Em uma busca pela internet é possível encontrar uma definição para “anemoia”: nostalgia de um tempo no qual você nunca viveu. É mais ou menos essa “paranoia” que aflige os integrantes do projeto musical Anemoia Paranoia, que lamça o seu primeiro álbum com músicas que jamais foram tocadas ao vivo. Dois singles da Anemoia Paranoia já estão disponíveis no canal da banda no YouTube. O álbum “A linha que separa o que veio e o que ainda virá” está disponível digitalmente no perfil da Anemoia Paranoia no Bandcamp e nas principais plataformas de streaming.
Fotos: Divulgação
Fotos: Lucas Raion / Divulgação
OLHAR // AGUABATIZADA
HANNIBOLL, 21 ANOS Hanniboll Becker tem só 21 anos de idade, mas já vem trilhando sua trajetória no rap nacional: tem dois singles lançados - Vida Preta e Becos - participou de projetos como “Passa o Mic”, “BIOSOM” e “Do Graja pro Mundo” e produziu o EP Incentivo à Revolução Igualitária. Agora, o rapper paulistano mostra seu novo trabalho, o disco Adelescente. “O disco vem para contar sobre todas as situações que me fizeram chegar até o estado de hoje”, reflete. Para criar Adolescente, além da experiência pessoal, o artista transitou por referências variadas, como o blues - uma escola para ele -, o soul house e o jazz. Promovendo autoreflexões a partir do mundo que vive e observa, Adolescente é um disco sobre cotidiano e desejo.
RÁDIO À GRANEL
A rádio se dedica ao projeto ‘Jazz Rural’, as gravações de Mário de Andrade no Departamento de Cultura de São Paulo. Inspirado no trabalho escritor com literatura e música, conta com uma já lançada série de 4 podcasts feitos a partir da pesquisa do autor sobre a música paulista quando diretor do no órgão. Nos episódios ouvimos as cuidadosas anotações manuscritas de Mário e também gravações sonoras originais feitas em viagens comandadas por ele no final da década de 1930. Dialogando com essas sonoridades paulistas, há toda uma costura entre música contemporânea feita à mão pela Rádio a Granel, misturando à memória uma produção autoral e atual. ‘Jazz Rural’ é ainda um disco e um livro, ou melhor, uma fonocaderneta, publicada pela Editora Hedra. Nela foram editados textos de Mário de Andrade sobre a música paulista, inseridas as gravações originais da equipe de Mário, escritos ensaios contemporâneos sobre essa produção e criadas composições inéditas baseada na obra do autor. O material virou, ainda, um show musical: um contraponto livre e aberto entre sonoridades captadas nos anos 30 no interior de São Paulo, composições contemporâneas, festas populares e uma diversidade de vozes.
O PRIMEIRO EP DA CÃO A banda formada pela conexão São Paulo/Aracajú nasceu na cidade de São Paulo em 2018, e acaba de lançar seu primeiro EP autoral intitulado “Cão”. A obra conta com 5 faixas co-produzidas entre 2018 e 2020. Somando as diferentes influências de cada integrante, rock, blues, jazz, pop, progressivo, elas se misturam e dão vida a uma sonoridade diversa e original. A banda cria um som fluido e intenso, indo do melancólico ao êxtase do silêncio ao caos de forma verdadeira e criativa. A mistura de ritmos, referências e sonoridades reunidas nesse EP, indicam uma matriz criativa forte que busca sempre a renovação e inovação. O EP “Cão” já está disponível nas plataformas digitais.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
VIVER SEM DÓ
Fotos: Cvic sales /divulgação
Laura Aufranc começou a filmar o clipe da música Viver Sem Dó em agosto do ano passado e, ao longo de todo esse tempo pandêmico, fomos elaborou e aprofundou essa viagem audiovisual. Tudo foi feito de forma remota e com uma equipe reduzida, porém de peso: Tarsila Araújo na direção, Tatá Aeroplano na participação especial, e Pedro Rui Von na fotografia.
PELA CONTINUIDADE
DO NOITE
A
Heineken® estreia a nova campanha “We’ll Meet Again” e exalta a forma como as pessoas contornam situações cotidianas durante o isolamento social usando a criatividade, mantendo assim o espírito noturno vivo. Com edições de 30” e 90”, o filme retrata que é essencial manter o otimismo, mesmo vivendo em momentos adversos, no qual ainda é preciso socializar com responsabilidade. Embalado pela voz da cantora britânica Vera Lynn, que interpreta a canção We’ll Meet Again (1939), música famosa entre os soldados britânicos que partiram para a Segunda Guerra Mundial (1939 e 1945), o vídeo homenageia a força e a esperança necessárias para manter o ânimo, mesmo após mais de um ano de pandemia, e expõe no roteiro como as pessoas conseguiram transformar até situações das mais rotineiras, como passear com os cachorros, em ocasiões especiais. E traz um alerta de que, para a vida noturna continuar, ainda é preciso ficar em casa.
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FÁCIL FALAR
A música foi composta por Cora e Arthur Favero, repetindo a dobradinha do single, “Você Chegou”, que também contou com a participação do compositor e produtor nos vocais. Ajovem artista de apenas 19 anos começou a ganhar destaque nas redes sociais ao postar covers de grandes nomes da música como Nina Simone, Edith Piaf e Amy Winehouse. Em outubro do ano passado, ela lançou o seu primeiro single pela Alma Music, “Só Deixa Acontecer”, a primeira parceria na composição com Arthur. A canção ganhou um videoclipe com direção geral de Rick Bonadio. “’É Fácil Falar’ foi produzida durante a quarentena, com meus produtores”, conta CORA. A letra é baseada não apenas em vivências, mas principalmente em muitas coisas que presenciei e observei... naquela ideia de que é mais fácil apontar um erro e falar do outro, do que escutar e refletir sobre si mesmo.”
AQUAFABA ESTÁ NA RUA
ASIMÉTRICO, O NOVO DISCO DE EL REMOLÓN
“Por todas las veces que no pude bailar, que baile mi pasado y mi futuro” canta Pol Nada, referência em psicodélicos litorâneos contemporâneos, tomando a frase dos bailarinos, coreógrafos e pedagogos da dança Lucas Condró e Pablo Messiez, nesta cumbia que o convida a dançar e se desconectar. Asimétrico é o próximo álbum de El Remolón e é uma nova experiência que nos convida a desconstruir as normas da música eletrónica e dos sons mestiços, a partir das irregularidades e áreas pouco nítidas do mundo de hoje. Uma viagem eclética que vai do experimental ao downtempo, do folk minimalista ao noventoso techno, tomando a música como modo de expressão. Que Bailen já está nas plataformas de streaming.
Fotos: Patrícia Soransso Divulgação
A banda Aquafaba acaba de lançar o álbum homônimo. Liderada pelo chileno Cristóbal Rey e pelo brasileiro Danilo Timm, a banda baseada em Berlim traz em sua sonoridade a complexidade do encontro de dois universos unidos pelo mesmo continente: América do Sul. E com robustas influências regionais, eles fundaram o grupo que transita em uma vasta gama rítmica, entre elas a envolvente bossa nova, o contagiante baião, a vanguarda de Berlim, chegando até aos compassos não lineares do jazz. As letras são escritas em português, inglês e espanhol. Quanto aos temas presentes no álbum estão a proteção ambiental, empoderamento e expansão de consciência.
IARA RENNÓ MUITO BEM ACOMPANHADA Iara Rennó acaba de lançar, pela Altafonte, Pra Te Abraçar, o sétimo álbum de sua carreira. Com musicas inéditas, na maioria compostas já durante o período pandêmico, são sete duetos, com participação dos respectivos parceiros na autoria de cada faixa: Céu, Thalma de Freitas, Joy Espíndola, Alzira E, Duda Brack, Ava Rocha e Josyara, além de cinco faixas, onde a autora sola, dentre elas parcerias com Tiganá Santana, poeta arrudA, Lucina e Peri. O álbum mostra um tipo de registro fonográfico inédito na discografia da artista, bastante intimista, onde as canções estão praticamente nuas e recém-nascidas. Com exceção das faixas Virá (com teclados tocados por Céu) e Sol a Sol (com Alzira E no baixo e Peri Pane no cello), o acompanhamento é apenas o violão. Já disponível em todas as plataformas de streaming.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
A DOR EM UMA MÚSICA M
oreno Veloso, filho de Caetano Veloso, e outros três músicos amigos Nenung, Lulina e Edo Portugal estão lançaram a canção “Era o Amor de Alguém”, uma homenagem em forma de solidariedade às vítimas da Covid-19. É uma mistura de poesia e melodia a quem está sofrendo em meio à essa pandemia. O compositor e músico Nenung compôs “Era o Amor de Alguém” e resolveu usar a poesia para dar voz a um sentimento indizível. Ele, então, compartilhou a letra com uma rede de amigos engajados e dela surgiu o movimento #EraoMeuAmor. Nele, se juntaram, Moreno, Lulina e Edo. “Juntos, somos mais fortes e num momento como esse, queremos levar uma mensagem de solidariedade em forma de música”, disse Moreno. O vídeo está disponível no site www.eraoamordealguem.com.br e tem direção de Mauriã Sabbado e a participação de Luís Santiago, Diego Pimenta, Marcela Chaves, Geralda Oliveira e Maurício Sabbado.
O novo single “Se Você Viesse”, da Anjo dos Becos, estreia nas plataformas digitais. O som retrata um pouco da trajetória da banda e da magia que acontece quando as luzes da cidade se acendem e o tempo passa, mas na noite ainda somos todos iguais em busca da grande fusão, festa e diversão. Com as participações especiais de Joe Klenner da banda Corazones Muertos na Guitarra e Apollo 9 ex-Planet Hemp no Hammond, o single faz parte do disco “OverAllRockDelic”. Álbum que foi gravado entre 2011 e 2014 e finalmente chega ao streaming. “Se Você Viesse” tem sua distribuição digital pela Ditto Music e a assinatura do selo Funny Fluxo.
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ANJO DOS BECOS COM SOM NOVO
MESTRE LUIZ PAIXÃO, 60 ANOS DE RABECA
CANÇÕES PARA BEATRIZ O paulista Vítor Guima comemora a repercussão de seu segundo disco da carreira, “Canção Para Beatriz” que produziu um álbum que passa por diferentes arranjos e estilos. Gravado durante o período pandêmico, as composições se completam, como nas parcerias como o poeta Paulo César Carvalho em “Beatriz. Com a participação da big band paulistana Funk Como Le Gusta e do guitarrista Diego Figueiredo, diversos elementos foram incluídos no projeto, como naipe de metais e quarteto de cordas. “Tirei um pouco de mim o controle total da estrutura e trouxemos novos elementos que também contam histórias musicalmente. Esse disco já está sendo contado pelo instrumental, que inchou de tamanho e agora a música está sendo tão protagonista quanto a letra”, conta.
NASCIDA NO ISOLAMENTO
Novidade no casting da Balaclava Records, o cantor, compositor, instrumentista e produtor Nelson D começa a mostrar do novo trabalho que será lançado no mês de agosto pelo selo paulistano. “Algo em Processo” é o primeiro single deste trabalho. De origem indígena, Nelson foi adotado ainda pequeno e criado na Itália e traz nos traços da sua sonoridade um eco de suas raízes mais ancestrais misturado ao som de instrumentos orgânicos e eletrônicos. “Algo em Processo” fala sobre uma relação de amizade efêmera entre dois indivíduos em estado de prisão. Um rápido alívio no fundo de um destino incerto, um fugaz sossego que se propaga em diferentes dimensões antes do ato da separação. É uma canção que transita entre o passado e o futuro, mantendo uma poética decadente e solitária sem perder o ritmo e o peso de um bom beat.
Fotos: Patrícia Soransso Divulgação
Exaltando os ritmos do Nordeste brasileiro, como sambas, forrós, cocos, cirandas e cavalos-marinhos, “Forro de Rabeca” traz 14 faixas entre composições inéditas de autoria de Luiz Paixão e temas de domínio público, com participações de Siba e Renata Rosa. Desde o dia 24 de junho, dia de São João Batista, o Santo Festeiro, o álbum completo chegou principais players de streaming e a plataforma Sesc Digital. Mestre Luiz Paixão tem 72 anos de vida e 60 dedicados à rabeca e sua carreira pode ser considerada um ponto de encontro entre passado e futuro: aprendeu com a tradição familiar e os mestres da Zona da Mata Norte de Pernambuco e, mais tarde, influenciou uma nova geração de artistas nordestinos, que (re) colocaram a rabeca na indústria fonográfica e renovaram o interesse pelo instrumento para além dos limites regionais.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
TODA A FORÇA DE
AMARELO
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PRETA, POR LUIZA AUDAZ
A cantora e compositora baiana Luiza Audaz retorna com o single “Preta” após um hiato de um ano de seu último lançamento, “Bahia Flor”, em que vivenciou como artista as dificuldades da pandemia e o nascimento do seu primeiro filho. Luiza marca seu retorno trazendo groove de alta qualidade, assinando mais uma parceria de produção feita por Gustavo Koshikumo e Juliano Parreira, do duo paulista Deep Leaks. Em seu novo trabalho a cantora passeia entre pianos e sopros sampleados junto a referências do Bahia Bass e da guitarra baiana. O discurso coloca a mulher no centro, enaltecendo sua energia ancestral, compondo uma canção que sai do raso e voa alto. “Preta” convoca o feminino a protagonizar livremente sua força e dançar suas próprias revoluções.
Foto: vidanumclick Divulgação
“P
ara que hoje a gente esteja nesse lugar, que foi negado aos nossos ancestrais, muitas pessoas suaram e sangraram no caminho”, Emicida afirmou, em novembro de 2019, de cima do palco do Theatro Municipal, na apresentação de lançamento do experimento social AmarElo. Para o cantor e compositor paulistano, aquele foi o dia mais bonito da história daquele espaço e, por isso, ele merecia ser eternizado em vídeo. Usando esse show como fio condutor, o artista deu novos contornos à história da cultura brasileira com o lançamento do documentário AmarElo - É Tudo pra Ontem. Em tempos de pandemia, que a indústria do entretenimento vem sofrendo com a paralisação, Emicida lança o registro desta apresentação histórica, com as participações especiais de Pabllo Vittar, Majur, MC Tha, Drik Barbosa e Jé Santiago. Ele disponibiliza o registro do espetáculo em lançamento global na Netflix, além de liberar o álbum ao vivo do show - pela sua gravadora, Laboratório Fantasma, em parceria com a Sony Music. “Quando a gente coloca naquelas cadeiras do Theatro Municipal de São Paulo o pessoal do Movimento Negro Unificado, que em 1978 estava do lado de fora, protestando contra o racismo nas escadarias porque eles não podiam acessar aquele espaço, a gente está passando a seguinte mensagem: nós somos a continuidade daqueles homens e daquelas mulheres”, comenta sobre a importância do show.
WME UNREAL
Tim Maia, Marcos Valle e Gramatik. Essas foram algumas das inspirações do vocalista e violonista da Roça Nova, Pedro Tasca, no single Magrelinha. Em outras palavras, a faixa mistura samba, boom bap e fuzz e conta com a participação especial de BrunãoDUBASS e Vito lofi. A letra aborda a importância da fé e da força para resistir aos contratempos da vida, relatando principalmente o isolamento social durante a pandemia, tendo em vista que Magrelinha antecipa a coletânea Crisálida, do Selo Abacateiro. O disco reúne aproximadamente 20 artistas, que unidos visam superar as adversidades e os bloqueios criativos relatando suas respectivas experiências durante os últimos meses.
Fotos:so Divulgação
PEDRO TASCA, SAMBA E FUZZ
A quinta edição da WME Conference, plataforma dedicada às mulheres da indústria da música, foi realizada no mês de junho. Com a tag Unreal, a Conferência teve como tema o metaverso, a nova dimensão que mistura o real com tecnologias de realidade aumentada e foi transmitida diretamente da Casa Natura Musical. Apresentada pela Heineken®, o evento contou com 135 mulheres da indústria da música e foi transmitido pela plataforma oficial do WME, com as salas e ativações ambientadas online e os shows transmitidos pelo Youtube de forma gratuita. Ao longo de dois dias do final de semana foram feitos 1738 logins na plataforma. As duas salas de painéis foram as mais acessadas, com mais de 5.000 visualizações em cada uma. Outros espaços concorridos foram as salas de oficinas (com quase 2.000 acessos) e de masterclasses (com 1.540 acessos ao longo do final de semana). Os conteúdos da conferência foram acessados de 10 países.
MAIS UM ÁLBUM DE TUYO O trabalho do trio paranaense é um retrato de quando eles fecharam a porta dos seus respectivos lares e abriram um portal de possibilidades sonoras, de pertencimento e de amadurecimento ao se questionarem sozinhos: o que vem depois do caos? Os processos de “adultecer” e a ideia do “não lugar” guiam as 9 faixas que compõem a parte 1 do disco. O registro audiovisual da primeira apresentação de uma das canções, “O Jeito É Ir Embora” – que aconteceu no festival SXSW e foi apontado pelo jornal NYT como uma das apresentações de destaque do evento – acompanha o lançamento.
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PROMESSAS E
PREVISÕES
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jovem artista e revelação da cena independente, Ana Frango Elétrico, se junta a cineasta Paula Gaitán para apresentar o videoclipe de “Promessas e Previsões”, segunda faixa do álbum Little Electric Chicken Heart – que lhe rendeu o Prêmio APCA de 2019 como Revelação da Música Popular, além de indicações ao Grammy Latino 2020, como Melhor Álbum de Rock em Língua Portuguesa e ao Prêmio Multishow de Música Brasileira 2020, como Álbum do Ano. O clipe é montado a partir de imagens de arquivo cedidas pela cineasta colombo-brasileira, Paula Gaitàn, que assina a fotografia, montagem e direção. “Eu conheci a Paula num festival de cinema feminino, de curtas, e vi um trabalho dela que me marcou muito. Quando isso aconteceu, eu estava começando a ficar muito fã da Ava Rocha, que começou a ser muito importante pro meu trabalho, e eu não sabia que elas eram mãe e filha. Só depois eu fui fazer a ligação”, conta Ana. Vale assistir!
Fotos: Jão vicente
NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
O SOM POLÍTICO DA BANDA FLAKE ROCK INC
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Fotos: Divulgação
O ano é 2018, época de eleição, grandes protestos acontecem em diversos lugares do país, cada um de um lado da moeda, a duas únicas faces que se apresentam para a população. Hoje, três anos depois, a um ano da próxima eleição e o cenário não mudou e, no meio dessa guerra política, ficam os brasileiros em um barco à deriva. É este sentimento que a banda Flake Rock Inc traz em seu mais novo single, “Bandeira Preta”, quejá está disponível nas plataformas de streaming. Composta pelo baixista, Ricardo Scaglioni, e pelo vocalista, Guilherme Valeriani, a canção foi inspirada por uma frase em uma camiseta, “não tenho pena de ninguém”, e se tornou um um retrato da raiva e do ódio que floresciam em cada esquina da cidade de São Paulo em 2018 e que ainda podemos ver nas manifestações deste ano. A canção não tem lado político, é uma crítica à polarização e aos dois lados que remam um contra o outro, deixando o barco sempre parado.
MARIEME INSPIRA MUDANÇA EM NOVO EP Já está nas plataformas digitais o EP “Songs For The Revolution”, da cantora americanasenegalesa Marieme, conhecida no Brasil pela relação próxima que tem com o país. “People” é o single carro-chefe do registro, com videoclipe indo ao ar simultaneamente. Com cinco faixas, o novo trabalho explora narrativas sociais, como questões feministas, desigualdade e união entre os povos. Assinam a produção do EP o italiano Michele Iorfida, que já trabalhou com Alicia Keys, e Kelly Rowland, além do frequente colaborador Davy Nathan (Jessie J, Toni Braxton). “Cada música do EP tem um senso de urgência, mas de modos diferentes. Sinto que, juntas, as faixas tratam dos assuntos necessários para instalarmos uma revolução. Então essas músicas vêm para ajudar na revolução social da qual a música sempre fez parte”, ela explica. É o caso de “People”, single que Marieme lança junto com o EP, que foi inspirada pelos protestos do movimento Black Lives Matter.
CAPRICORNIANA
Com influências do reggae, do hip hop e do pop, a banda Mafu, formada em 2008 na cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, lança “Capricorniana”. O single, que conta com um videoclipe dirigido por Sandrow Almeida, é o primeiro do EP “Tropical Session”, com lançamento previsto para agosto deste ano. A banda composta por Woody (voz), Alexandre (baixo) e Tico (guitarra e voz) convidou o rapper americano B.A. Farmer para participar de “Capricorniana”. Tico diz ainda, que “Capricorniana” é uma mescla de hip hop nacional, poesia romântica, guitarras de blues, trompete com surdina do smooth jazz americano e timbres modernos.
PERSIE E OS ALQUIMISTAS
“Uma intensidade tão profunda quanto o fundo dos mares”. É com esse sentimento que a cantora Persie divulga o single Baixo Oceano. A faixa tem participação especial da banda Luisa e os Alquimistas e trata-se de um lançamento do selo Maxilar Music. Este é o terceiro single de Persie em 2021, tendo em vista que a cantora anteriormente divulgou as canções Caroço Coração e Saudades da Bahia, sendo esta última em parceria com o rapper e baterista da Vivendo do Ócio, Dieguito Reis. As três faixas misturam brega, pop e indie enquanto antecipam o álbum de estreia de Persie, que está previsto para os próximos meses.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
A PIMENTA DE
ABACAXEPA A
COM AFETO, INDY NAÍSE
A cantora, compositora e empresária Indy Naíse lança revela ao mundo seu novo EP visual “Esse É Sobre Você”, que visita conceitos visuais e sonoros do R&B contemporâneo buscando passear, da primeira à última faixa, pelas memórias e relações afetivas de forma sensorial. O novo EP da artista conta com as participações especiais de Drik Barbosa e D’Ogum, produção musical de Rincon Sapiência e direção vocal de Yasmin Olí. O EP visual, com cinco videoclipes produzidos pela produtora audiovisual Noyze, promete ser uma experiência sensorial e afetiva para quem quer que ouça. “O EP aborda o afeto, fala sobre as fases de um relacionamento numa ordem cronológica. Eu digo que é do início ao recomeço, não do início ao fim, porque acho que é importante falar sobre autoamor, autosuficiência, sobre a gente se reencontrar em si mesmo quando termina uma relação. O título ‘Esse É Sobre Você’ não é sobre alguém específico, mas afeto em si”, conta a artista.
“MÓ FITA...” A banda zanzar lança o bootleg “Mó fita...”, que reúne todos lançamentos audiovisuais da banda até hoje, configurando um discurso de resistência, diversidade e desejo prospero por um futuro sem fascismo e com igualdade financeira e social em todos os cantos desse planeta. Zanzar é uma banda de rock/mpb, que diversifica narrativas dentro da música gaúcha, criando sua identidade na mistura com o samba e com ritmos da américa latina.
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Fotos: Divulgação
banda Abacaxepa estreia o videoclipe da canção “Pimenta”, que integra o álbum intitulado “Caroço”, lançado em 2019. A música faz parte da primeira fase autoral da banda, sendo uma das primeiras criações. Composta em 2016, ela foi idealizada a partir de uma proposta de linha melódica no contrabaixo, inspirando a letra que veio mais tarde, após uma série de manifestações populares de cunho sociopolítico que aconteciam naquele ano e que fizeram emergir algumas angústias. Fatores como gritos, tiros, medo, spray de pimenta, gás lacrimogêneo, violência e repressão policial, se tornaram elementos chave para a composição da letra (“Pimenta de arder, pimenta de reinar”) e para a composição do arranjo musical, a fim de ajudar a ilustrar essa narrativa vivida pelos integrantes nessa época. O clipe é dirigido por Bruno Mata e tem realização da BOTO com produção da 3K Films e produção executiva da DOX Produções.
MAIS UM SOLO DE DAMON ALBARN The Nearer The Fountain, More Pure The Stream Flows, o novo álbum de estúdio de Damon Albarn, será lançado pela nova gravadora Transgressive Records no dia 12 de novembro de 2021. The Nearer The Fountain, More Pure The Stream Flows foi originalmente concebido como uma peça orquestral inspirada nas paisagens da Islândia. Este último ano viu Albarn retornar à música em lockdown e desenvolver o trabalho de 11 faixas que exploram ainda mais temas de fragilidade, perda, emergência e renascimento. O resultado é uma coleção panorâmica de canções com Albarn como contador de histórias. O título do álbum foi retirado de um poema de John Clare, Love and Memory. Albarn diz “Eu estive em minha própria jornada sombria enquanto fazia este álbum, e isso me levou a acreditar que uma fonte pura ainda pode existir. ”
SEIVA DA SEQUÓIA Assim como a admirável árvore, a banda Sequóia construiu sua história com raízes fortes, que vêm de uma longa amizade entre dois amigos que cresceram na mesma rua, e que já dura mais de 25 anos. Embora os primeiros arranjos do grupo tenham começado em 2013, foi com a entrada de um novo membro, em 2019, que o projeto ganhou fôlego e trouxe para banda dimensões agigantadas em suas composições. O trio de rock instrumental formado em Santos, litoral do estado de São Paulo, é composto por Daniel Siqueira, baterista das bandas Garage Fuzz e CPM 22, Fabio Carcavalli, baixista do Mistanásia e ex-integrante do Blackjaw e Leonardo Mangeon na guitarra. Trazem em seu repertório uma sonoridade com influências de Explosions in the Sky e The Mercury Program.
SEBASTIANISMOS LANÇA “HASTA SIEMPRE”
Sebastianismos, projeto do cantor e compositor Sebastián Piracés-Ugarte, está lançando o single “Hasta Siempre”, música feita especialmente para compor o tema da abertura da série de TV “Submersos”, disponível pela Paramount Channel Brasil. O lançamento é realizado via o selo Olga Music e a distribuidora ADA. Com letra, composição, arranjo e mix feito pelo próprio artista, “Hasta Siempre” possui trechos em português e espanhol,. O artista comenta como escolheu a canção para apresentar aos produtores de “Submersos”, a primeira série de TV com coprodução Brasil-Argentina: “O convite veio por parte de Ju Baratieri, que faz parte da equipe aqui no Brasil e que conhece meu trabalho de longa data. Uma das referências que me passaram foi Mano Chao, principalmente por ter essa mistura de línguas e uma pegada latina. Eu já estava trabalhando com algumas ideias que iam nesse sentido e encontrei no Hasta Siempre esses elementos. Além de ser uma letra que compara o movimento da vida com o mar, que também é um tema central da série”.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
CHICO E ZECA EM
NOVO DUO
U
ma nova safra de mais de 20 canções, compostas ao longo deste último ano, marcou a retomada da parceria inaugurada há quase 30 anos por Chico César e Zeca Baleiro. Animados pelo resultado das novas parcerias musicais, anunciam o lançamento de um álbum para breve. Mas antes disso, Chico e Zeca antecipam as canções “Respira” e “Lovers”. O single duplo já está disponível e chega nas plataformas digitais pela Chita/ Saravá Discos com distribuição ONErpm. “Concretiza-se assim o encontro de três décadas. Parece que demorou mas tudo tem seu tempo, o período de maturação. A pandemia, de certo modo, veio nos dizer da necessidade de estar perto das pessoas com as quais nos identificamos”, diz Chico César. “Resolvemos gravá-las por reconhecer nessa produção o coroamento de uma longa história de amizade e afinidade musical”, completa Zeca Baleiro.
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“Até Cair” foi a última canção composta para o álbum Inteiro Metade, lançado no final do ano passado em uma parceria com a Natura Musical no Brasil (através da Lei de Incentivo à Cultura com financiamento pelo Governo do Estado – Secretaria da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer - Pró-cultura RS LIC, Lei n.o 13.490/10) e pelo selo espanhol, Costa Futuro, na Europa. “Considero uma música mais densa que as demais, mesmo não sendo a mais lenta e melancólica delas. Uma curiosidade é que na gravação original tem pouquíssimas guitarras, ela é toda mais baseada nos sintetizadores e no beat da bateria, porém na versão ao vivo isso se inverteu um pouco, a guitarra ganhou destaque e deu um peso novo para a música”. Inteiro Metade Session tem direção de Guillermo Calvin e traz no repertório “a execução do disco ao vivo exatamente como se escuta no vinil”, frisa o artista. Inteiro Metade foi selecionado pelo edital Natura Musical, por meio da lei estadual de incentivo à cultura do Rio Grande do Sul (PróCultura), ao lado de Dessa Ferreira, Pâmela Amaro, Circuito Orelhas, Gravina DasMina e Feijoada Turmalina.
Fotos: Coagula Divulgação Ju Matemba /
Fotosdivulgação
INTEIRO METADE SESSION
JAZZ AUTORAL Produzido inteiramente durante a pandemia e em casa, vencendo o desafio da distância de 1160 km entre Rio de Janeiro e Brasília, Indiana Nomma e Tico de Moraes, acabam de lançar em todas as plataformas digitais, o álbum “Indiana & Tico”, que surge como prova de superação, cooperação e reinvenção em tempos inusitados através da música. Com nove canções autorais, todas em inglês, com arranjos de jazz, que passeiam pelos ritmos dos anos 20 a 50 fazendo uma despretensiosa homenagem ao clássico disco “Ella & Louis”, do qual Indiana e Tico são incondicionalmente fãs. “Este disco surge com tanta leveza e fluidez que nem mesmo o contexto histórico no qual ele nasce é capaz de influenciá-lo. Música cura e na pandemia, a parceria e a inspiração desse álbum foram o melhor remédio”, conta Indiana. “Nosso trabalho é o resultado de uma dedicação colaborativa à música, à composição e ao valor que a arte deixa impresso na vida das pessoas, especialmente em tempos como este”, finaliza Tico.
LONELY ELLA
Lonely vem acompanhada de videoclipe com ares de videoarte dirigido por Gabriela Taketani, compositora paulistana à frente do projeto. A letra da música discorre sobre um sentimento que muitas pessoas enfrentam não só na era pandêmica, mas diariamente no fluxo da vida: a sensação de impotência frente a rotina escravizadora, que tende a não prezar pela saúde mental, e alimenta o sistema econômico que rege o mundo. “A música basicamente fala sobre essa sensação de tentar e não sair do lugar, sobre a inércia da sensação de estar flutuando e não conseguir atingir o que você espera. O título representa a sensação de solitude em que nos encontramos, mas uma solidão boa, em um momento muito específico que estamos vivendo, e como isso reflete nos dias de hoje”, pontua a artista. Lonely é o primeiro single do próximo EP de Ella, Forever Unknown.
MATHEUS GODOY ESTREIA A NEO BOSSA SÚPLICA
O cantor, compositor e produtor paranaense Matheus Godoy apresenta a canção Súplica, construída a partir de referências da bossa nova e do samba de Paulinho da Viola, somadas a adições pouco comuns aos gêneros, como sintetizadores e uma guitarra de 12 cordas. A faixa foi escolhida para abrir o segundo álbum de Matheus, Carta de Achamento, sucessor do disco homônimo de 2016 que lhe colocou na lista dos 100 Melhores Discos da Música Brasileira (Embrulhador) e teve sua estreia ao vivo dividindo palco com a banda O Terno. Ouça Súplica nas principais plataformas digitais. Em seu arranjo, Súplica revela instrumentos e elementos que vão aparecer no decorrer de Carta de Achamento. Já a letra, direta, tem caráter confessional, podendo ser interpretada como uma intenção de conversa entre o autor e o ouvinte, uma prosa doce como um verso de Vinícius e, ao mesmo tempo, nova como a lua que o autor ilustra na faixa. Súplica foi mixada e masterizada por Leonardo Gumiero, assim como as demais faixas do álbum.
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FOLK NA VIOLA CAIPIRA C
arlos Gayotto, compositor e cineasta que dedica sua vida à criação artística multiplataforma, lança seu segundo álbum, Realize, em um encontro inédito entre a música sertaneja produzida no Brasil – gênero musical mais popular no país, dominando as paradas por mais de 20 anos, com raízes na música folclórica executada nas regiões rurais do Brasil na década de 1920 – com o folk norte-americano, fundindo os sons da guitarra elétrica, pedal still guitar e viola caipira. O resultado, também uma síntese de 11 anos de meditação Kriya Yoga, são 10 faixas – 3 em português, 1 instrumental e 6 em inglês – com arranjos orquestrais e forte influência cinematográfica. Realize tem produção musical de Neymar Dias, que trouxe suas influências do pai compositor de música caipira, do jazz e da música erudita, além de sua experiência com artistas como Inezita Barroso Nelson Aires, Tinoco, Monica Salmaso, Ivan Lins, Theo de Barros, Nana Vasconcellos, André Mehmari, Toninho Ferragutti, entre outros.
VACINA NO BAIXO AUGUSTA A vacinação contra a Covid-19 em quadras das escolas de samba da cidade de São Paulo ganha uma música oficial, intitulada “Vacina”, assinada por Wilson Simoninha com o bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. A iniciativa do projeto “Sambando com Saúde” é uma parceria entre a Prefeitura de São Paulo e a Secretaria Municipal da Saúde com a Coordenadoria Regional de Saúde Centro. Criado em 2007 pela Área Técnica da Saúde da População Negra da SMS, o projeto “Sambando com Saúde” é uma estratégia para promover saúde em quadras de escolas de samba, vistas como símbolos da cultura negra, além de serem espaços muito frequentados por jovens e adultos que representam grupos vulneráveis aos fatores de risco. Para mostrar que samba também combina com saúde, o samba “Vacina”, de Wilson Simoninha com o Acadêmicos do Baixo Augusta, foi cedido para a Prefeitura e a Secretaria Municipal da Saúde pelo período de um ano.
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A ESTREIA DE GABE RINAS Em seu single de estreia “Tudo Passa”, a música tem um tom levemente sombrio e psicodélico, com marcantes riffs de guitarra. “Eu considero o som como um bom rock alternativo com pitadas de psicodelia! O instrumental surgiu a partir de alguns riffs que eu tinha guardados há alguns anos, e considerava um bom material. Então contatei o Gil Mosolino, produtor e membro da banda Applegate - de quem sou muito fã!”, conta. O produtor o ajudou a definir os arranjos, fez toda a produção, gravação, mixagem e masterização, e também deu pitacos na letra da música, “que se tornou uma espécie de mantra pra mim nesse momento horrível que estamos vivendo”, diz. O clipe foi gravado com a ajuda da artista Lia Petrelli, responsável também pela capa do single.
Fotos: Divulgação
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UMA ODE POP À PALAVRA ESCRITA
PRA MARTE A cantora mineira Isabela Morais acaba de lançar seu mais recente clipe, animação do tema Pra Marte. O trabalho é assinado pelo artista visual Andi, dessa vez recriando uma poética história de amor de um casal que se conhece nas ruas de uma cidade da belle époque, com direito a passeios aos primórdios do cinema e vôos interplanetários. A gravação, presente no álbum “Do Absurdo” (2020), contou com participação especial do grupo Brasileirinhos, trazendo a linguagem do chorinho para tema do compositor paulistano Maurício Pereira, em parceria com Daniel Szafran.
Tila é cantora e compositora e está perto de lançar seu primeiro álbum, Azul. Vento à Flor da Pele. Na música desde jovem, foi como backing vocal que se apoderou de microfones e teve nos palcos, seja dos bares da Vila Madalena ou no Centro Cultural da Penha cantando Alcione, o cenário para soltar a voz profissionalmente. Com Rascunho, a artista descreve o sentimento de uma paixão refrescante como mate gelado na praia ou cerveja com os amigos. Música pra bater bem como um hit da Rita Lee. Para Tila, “Rascunho é uma canção que fala sobre o poder de escrever, de exercitar as palavras não enviadas mas, de algum jeito, ditas (no papel riscado, no e-mail na caixa “rascunho”). É sobre ao organizar em palavra escrita o que se sente, se empoderar das emoções”.
UM OLHAR SOBRE A PANDEMIA
Fotos: D Henrique Gaspar
Baby Grani de estrear o single Pés no Muro, já disponível nos diversos canais de streaming. Uma produção de Gil Mosolino e composição de Baby Grani, completando o lançamento do álbum As Mais Loucas e (não) Divertidas Histórias de Ouvir. Como primeira colaboração do artista, a música foi mixada e masterizada na Buzy Night Recs, por Gil Mosolino. O single gravado em durante a pandemia, é um relato sincero sobre isolamento social e relações humanas, conta com uma ambientação de caos e nostalgia, uma proposta moderna de Lo-fi. A letra fala sobre medos, encontros e autocríticas que são sintomas cotidianos.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
MULUNGU CHEGA COM BEL_MEDULA E AS
uando Jader, Guilherme Assis e Ian Medeiros se reuniram num estúdio para compor “O Que Há Lá”, disco de estreia da Mulungu, em maio de 2019, eles não imaginavam o que estava por vir. Ao mesmo tempo, não poderíamos ter em mãos um disco tão coerente com o momento que estamos vivendo desde o ano passado. São letras e arranjos que trazem questionamentos sobre quem somos, o que queremos, qual o propósito do que procuramos, qual o tempo certo? Não há respostas, mas temos aí músicas que despertam os sentidos e nos fazem buscar um autoconhecimento, nos redescobrir em meio ao caos e à calmaria.
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Isabel Nogueira, multiartista que lidera o projeto Bel_Medula, lança a terceira música de trabalho, e última antes do seu novo álbum Semente vir ao mundo. A faixa escolhida para suceder Os Ouvidos Têm Parede e Dona Quixota, foi Coração de Papel. Assim como os lançamentos anteriores, a música já nasce nas plataformas digitais acompanhada de um videoclipe dirigido e produzido pelo artista americano radicado em João Pessoa (PB), Rieg Rodig. Uma jam session regada de grooves e beats foi o que deu vida a nova música de trabalho. A letra conta sobre o processo de imersão que o artista passa durante o processo criativo e como isso se relaciona com o próprio universo.
Foto: vidanumclick Divulgação
O QUE HÁ LÁ Q
REDES SOCIAIS
TRILHAS DE TAUBKIN
O disco “Sobre o que tem pra depois”, que apresenta dez faixas inéditas, compostas pelo vocalista da banda Fevereiro da Silva, abordam temas como amizade, superação pessoal e relacionamento. “Estas canções retratam um pouco da minha experiência de vida e da minha visão de mundo”, diz o compositor. Três músicas já foram lançadas: “Na hora da queda”, “Constelar” e “Pássaro-Homem”. As gravações, realizadas no estúdio WeCanDo de Joinville, foram feitas com verba de um financiamento coletivo realizado em 2019. O disco contou com a produção e a bateria de Tiago Luis Pereira, vocalista da banda Mosaico Adulto. O baixo ficou a cargo de Julay, baixista, diretor do estúdio onde “Sobre o que tem pra depois” foi gravado e também coprodutor do álbum.
Saiba mais em: https://bit.ly/3fkcoIR
Fotos:so Divulgação
GUTO GINJO LANÇA SOLO
A composição que nasce junto com as primeiras impressões de cada cena. Esse é o caminho particular que o pianista, compositor e arranjador Benjamim Taubkin desenvolveu para criar, nos últimos 25 anos, trilhas para documentários e projetos especiais. A cada mês, o autor lançará uma dessas músicas que compõem o projeto Trilhas, que reúne 12 criações. O primeiro single deste projeto é Reneé Gumiel - A Vida na Pele, filme de Sergio Rozenblitz , que retrata a trajetória da grande dama da dança Reneé Gumiel, fundamental no desenvolvimento da dança moderna em São Paulo
MAIS DEVOTOS DO... REGGAE? Uma das bandas de punk rock mais respeitadas do Brasil, a Devotos vai lançar um álbum dedicado ao reggae, uma homenagem feita com muito carinho e respeito por esse ritmo que nasceu de um propósito; unir as raças e acabar com o preconceito. “A Devotos sempre teve o pé muito forte no reggae, não na sua arte, mas ouvindo, indo para show e se relacionando com pessoas do reggae pernambucano como Marcelo Santana e Ivano. Lógico que com o tempo e influenciados por bandas como Bad Brains, introduzimos o reggae nas nossas
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Por Fernando de Freitas
O T S I V E R UMO
“N
ós só éramos famosos na praça Benedito Calixto e arredores”, diz um dos membros da banda Rumo em determinado ponto do documentário que retrata o grupo. Para quem conhece São Paulo, isso é até um pouco irônico. A praça fica no bairro de Pinheiros, entre as ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, e é como um portal para o bairro boêmio da Vila Madalena para quem vêm da região central. Lá, aos sábados, é montada uma feira de pulgas (que, ao longo dos anos, se tornou mais abrangente), ponto de reunião histórico de artistas. É um daqueles lugares que povoa o imaginário cultural da cidade. Ser famoso “só na Benedito Calixto” é algo bastante significativo. O grupo formado por Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Hélio Ziskind, Paulo Tatit, Pedro Mourão, Gal Oppido, Zecarlos Ribeiro, Geraldo Leite, Ricardo Breim, Fábio Tagliaferri, Akira Ueno e Ciça Tuccori (falecida), existiu initerruptamente entre 1974 e 1991, fazendo eventuais reuniões posteriores. Alguns nomes nesta lista podem ser, inclusive, familiares aos ouvidos, como o de Luiz Tatit, professor estrela da Letras-USP ou o de seu irmão, Paulo Tatit, que faz a cabeça da criançada com o Palavra Cantada. A cantora Ná Ozzetti dispensa apresentações. Gal Opiddo é um importante fotógrafo do meio musical e Pedro Mourão professor de música respeitado (com quem o autor deste texto teve aulas durante a adolescência). Essa reunião, um tanto eclética, se fez durante um período durante o qual, em São Paulo, se formava um movimento que fi-
cou conhecido como Vanguarda Paulistana, uma cena alternativa que se reunia em torno do Teatro Lira Paulistana. Seus contemporâneos eram Arrigo Barnabé, como o Premeditando o Breque, Os Mulheres Negras, Língua de Trapo, Itamar Assumpção, entre tantos outros. Eram, em sua essência, músicos que faziam uma nova leitura experimental da música popular, sem a extravagância da tropicália ou da contemporânea Geração do Desbunde. Para apresentar a banda para as novas gerações, foi lançado o excelente documentário de Flavio Frederico e Mariana Pamblona com o nome da Banda. Misturando desenho animado, composições gráficas, depoimentos atuais e antigos, material de arquivo de shows, fotos, matérias de jornal, televisão e rádio o documentário resgata a história de do grupo. O filme expõe toda a diversidade de imagens de arquivo das principais e mais conhecidas canções do grupo, assim como trechos de antigas entrevistas, clipes e bastidores, de forma bem-humorada e buscando alcançar um tom de leveza e humor, sem que se abra mão do compromisso histórico e de conteúdo de um bom documentário. É rico em apresentar o panorama cultural dos anos 80 em São Paulo, traçando um quadro mais amplo do período e discutindo os seus significados através de diferentes pontos de vista. Vale a reflexão sobre a desconstrução das animações ao longo do filme, talvez, como o encontro com a realidade que se forma aos poucos.
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BIG BAND
M A V O N 30
Por Fernando de Freitas
M E G A R D N A AL
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“O que eu quero é tocar em lugares que tenham pessoas parecidas comigo”, diz Luan Charles, idealizador da Banda Nova Maladragem, uma banda formada prioritariamente por homens negros. “O homem negro é a maior parte da população carcerária neste país, o homem negro é quem mais morre nas mãos da polícia e por mortes violentas, quando você vê uma banda de homens pretos tocando música, não era para estarmos lá”. A Banda Nova Malandragem lançou, no dia 11 de junho, seu primeiro EP, em que sua música instrumental, criada nas periferias de São Paulo, nasce pronta para o baile. Produzido por Marco Mattoli, do veterano Clube do Balanço, a banda une a percussão brasileira com o brilho da orquestra de metais. A banda é formada por Luan Charles, Atila Silva (trompetes), Everton Martins, Ian de Souza Arruda (trombones), Danilo Rocha (sax alto), Léo Brandão (sax tenor), Wellington Souza (sax barítono), Mateus José (baixo elétrico), Gabriel Cartocci (guitarra), Matheus Marinho (bateria), Lucas Souza, Danilo Rodrigues, Clency Santana (percussões). Os músicos, vindos na sua maioria das periferias de São Paulo, foram alunos da Escola do Auditório Ibirapuera, de grandes nomes da música instrumental brasileira, como Nailor Proveta e Walmir Gil, Edson Alves (Banda Mantiqueira), Maestro José Roberto Branco (Banda Savana). Quando ressaltamos a ausência as mulheres na banda ele deixa claro: “Não podemos, nem temos a obrigação de abraçar todas as causas, a gente mal consegue juntar uma banda somente de homens negros”, uma vez que a banda conta com dois integrantes que não se encaixariam no perfil. Mas, para ele, diante das circunstâncias de violência racial no Brasil, é importante que seja possível apresentar a imagem de
homens negros fazendo arte. Assim, conta sobre a formação: “A Escola do Auditório Ibirapuera foi, para a maioria de nós, um espaço de (re)conhecimento e descoberta dessa plêiade de gêneros musicais que compõem aquilo que hoje chamamos de Música Popular Brasileira. Foi lá, ao lado de renomados maestros, músicos e professores, que pudemos desenvolver uma formação voltada à produção artístico-musical de uma afro-diáspora brasileira, ainda muito pouco estudada em conservatórios e universidades do Brasil” conta Luan Charles, “uma vez que banda traz em sua formação instrumental uma maioria de homens negros, visados ao cárcere e ao extermínio sistêmico, todo ou qualquer trabalho desenvolvido por nós revela implicitamente e explicitamente, as dimensões políticas de nossa existência; inclusive, no mero fato de existirmos enquanto banda.” Por outro lado, rejeitam o discurso da superação, e com isso o olhar condescendente que está incluído neste imaginário. Assim como sua música, a banda se coloca intensamente no papel de protagonista de sua história. Ainda que não seja uma Big Band em sua formação tradicional, a Nova Malandragem soa perfeitamente como uma, aproveitando a tarimba de seus integrantes que, a despeito de ainda que serem jovens, já são experientes. É, provavelmente uma das consequências de sua “nova malandragem”, este savoir-faire desenvolvido pelas populações periféricas para sobreviver em uma sociedade que impõe as estatísticas contra sua existência individual. A banda, portanto, apresenta proposta radical, em seu sentido mais literal, em que as raízes cravam todos os aspectos de sua atuação, musical e politicamente.
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LANÇAMENTO
MÁ
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Por Fernando de Freitas
U T E D O P RCIO
zem com a mesma elegância de suas músicas ou de sua fala. Seu jeito polido, em falas e gestos, denota a mesma simplicidade de suas canções. Não há espaço para exageros (que estão guardados para o palco), em seu estúdio pessoal, o Estúdio Mínimo, onde ele grava a si e aos amigos.
UDO
LONGA ESPERA
“A
maral pode tudo”, diz Márcio Lugó em determinado momento da entrevista. Amaral é seu cachorro, na realidade seu alter ego. Também é o nome do projeto paralelo ao autoral que mantém com amigos ao trabalho autoral. O nome da banda surgiu entre umas e outras cervejas, quando um deles brincou: “vocês já pensaram o que o Roberto faz quando dormimos?”. Roberto é o nome do integrante canino da turma, mas Amaral, bom... Amaral é a forma humana que Roberto assume quando dormimos. Nessa transmutação, Amaral é um cara que fuma e bebe, sai pela noite e, claro, faz tudo aquilo que, de alguma forma, precisamos sublimar. Amaral é a liberdade plena.
Márcio está acostumado com transformações, seu caminho pela música está marcado por certa impermanência. O cabeludo baixista de uma banda de rock progressivo um dia resolver tocar violão no trabalho autoral. O violão, em certo momento, se fez guitarra. É interessante que todas as transformações de Márcio se fa-
O álbum [esque]ser estava pronto em março de 2020. Inclusive, Márcio havia encomendado a prensagem de CDs para a venda em shows. Pelo sim, pelo não, quando foram suspensas as apresentações, ele resolveu segurar um pouco o lançamento. Mas ninguém previa que estaríamos há mais de um ano e meio sem poder frequentar casas de shows, e, depois de tanto tempo, era necessário colocar o material no mundo. “Eu precisava lançar, logo eu ia deixar de me relacionar com esse material” conta o compositor, que, inclusive, teve de reaprender parte deste repertório. Por outro lado, pela primeira vez, Márcio tinha a possibilidade de construir o lançamento do álbum com calma. Assim, ele abriu o calendário e marcou a data, prevendo uma semana para cada canção. Se pôs, assim, a produzir conteúdo relacionado ao álbum, dia após dia, semana após semana. Dando ao seu público a possibilidade que dava a ele mesmo de se relacionar com o material. Enquanto espera a possibilidade de subir novamente no palco, onde Márcio Lugó diz que ele revela seu verdadeiro “eu”, com toda a pulsão e energia que tem dentro de si, ele trabalh a as canções direto de seu estúdio mínimo por meio das redes sociais. O álbum que quase foi esquecido, tornou um reflexo de quem ele é.
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CAPA
O I R Á S S E C E N O ÁLBUM
Por Fernando de Freitas
Fotos: Ariela Bueno /Divulgação
OBRA A A N R O T E R S A Ñ A ANA C IO R Á IN G A IM O A R IO DE BELCH MUSICAL
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na fez uma parada antes de entrar no estúdio. Com o álbum quase todo gravado, precisava de uma cerveja. Ela já não bebe mais para cantar, mas precisava dessa cerveja. Apenas uma cerveja, e foi direto para a sala de gravação. Não quero lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos. Os pés se prenderam no chão. Ana sentiu a eletricidade percorrer o corpo. A energia viva em seu corpo, libertando cada sentimento que tinha dentro de si. Quero lhe contar como eu vivi, e tudo o que aconteceu comigo. É a última gravação de seu álbum dedicado a Belchior. É aquela canção que ecoa o timbre de Elis Regina na memória afetiva de cada um que ama a música brasileira. Imortal, como Belchior e Elis. O diamante bruto de Falso Brilhante. Um diamante bruto como Ana Cañas. Viver é melhor que sonhar / Eu sei que o amor é uma coisa boa. Em quase 20 anos de carreira, Ana Cañas evitou o repertório de Elis. Uma admiração enorme. As duas têm espectro vocal semelhante, os timbres se encontram entre a doçura e o aveludado. Tamanha é a admiração que, antes mesmo de alçar a fama, Ana fez uma temporada de shows com o repertório que, desde então, evita. Conta a cantora que, a cada show, médiuns a abordavam com uma mensagem que teria vindo de Elis: siga seu próprio caminho. Mas também sei que qualquer canto, é menor do que a vida, de qualquer pessoa. Inevitável. A canção toma a cantora em frente ao microfone. Energia pura, ela descreve, eletricidade. Talvez seja possível reportar a presença imortal e mística dos dois que não estão ali encarnados. Aos 40 anos, Ana apenas entende a força, etérea inclusive, ser carregada em palavras, notas, acordes. Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina. É um álbum que ela precisa fazer e é necessário cantar essas ideias que, em seu peito, estão mais atuais que nunca. Ana sempre quis ser a força da transformação, e agora precisa transformar o mundo o mais profundamente que conseguir. Eles venceram. E o sinal está fechado pra nós, que somos jovens. Cada dia de sua carreira, cada palco e estúdio, cada aplauso e vaia. Tudo. Tudo se resume àquela canção. Na frente daquele microfone, Ana se torna eu e você. É cada um do meio milhão de mortos pela pandemia. Cada vítima da violência de gênero, que morrem aos punhados a cada dia. Cada homem e mulher trans e homossexual, vítimas de toda forma de violência. Ana é pura energia, e ela canta. Para abraçar seu irmão, e beijar sua menina na rua, é que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz.
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CAPA Em um determinado momento, Belchior sumiu. Levou alguns meses para notarem. Seu carro estacionado indefinidamente em um aeroporto de São Paulo foi o que o denunciou. A realidade é que sua estrela fora eclipsada por tempos que não mais o compreendiam. O cancioneiro de uma juventude havia envelhecido e, para muitos, era brega. Em bares, na noite, sua música era lembrada, mas sua persona esquecida. Em falso brilhante, a luz infinita nunca se apaga. Ainda que encontrado entre o Uruguai e o Rio Grande do Sul por jornalistas que fizeram de sua busca um folhetim dominical, aos poucos foi ignorado novamente. Alguns anos se passaram até que fizesse a definitiva viagem ao desconhecido. E sua luz, como estrela da máxima grandeza que era, já num distante infinito, se revelou uma supernova, e numa explosão galáctica, nos engoliu novamente. Ana fora do céu ao inferno, algumas vezes. Quando cursava artes cênicas na faculdade (queria ser educadora), começou a cantar na noite para não passar fome. A voz e a afinação lhe permitiram o repertório de jazz. O tempo e os palcos lhe deram a elegância dos intérpretes lapidados pela vida - algo que pode ser chamado de tarimba, marca que carregam artistas como Roberto Carlos, Tim Maia e até o piano de Tom Jobim. Abandonando os palcos ébrios, Ana se lançou cantora independente acompanhada de uma banda certeira. Vieram o sucesso imediato, o disco premiado, a música na novela e o reconhecimento dos pares. Mas, ébria, passou a subir nos palcos. Em uma lealdade à memória de seu pai, ela que nunca fora de beber, passou a ritualisticamente a beber para se
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apresentar. Em uma farsa teatral, se revelou a força da autossabotagem. A fama se fez negativa, os shows minguaram e a carreira quase acabou. Foi preciso uma lenda para resgatá-la. Um gigante mitológico de carne e osso. Um amigo chamado Ney Matogrosso. Sob a direção artística do cantor, retomou as rédeas de sua carreira. Provocada pelo amigo, Ana decidiu não trocar seu talento por um porre. Renovada, Ana reencontrou seu público e seu caminho. Arriscou, direta e reta, em um álbum disruptivo chamado TODXS. Abraçou polêmicas e aproveitou para dançar o Carnaval em total alegria. Uma década e meia de carreira sobre os palcos, e Ana tinha atingido o status de estrela permanente. E veio a pandemia. Reclusa em seu apartamento, segurou as pontas, mais uma vez, do viés financeiro para sobreviver. Mas um flerte antigo reapareceu. Ana o abraçou e a música de Belchior, que ecoava de esquina em esquina, encontrou sua voz. Uma live de sua sala de estar a levou ao reencontro daquela banda que estava com ela nos primeiros anos. O reencontro com o palco aconteceu no SESC e, mais recentemente, no WME. O público também abraçou esse flerte e, depois de tantos reencontros, Ana está em uma relação de poliamor com Belchior, sua banda e seu público. Nada mais Ana Cañas.
ANA É AZEDA, MAS QUANDO A ANA É DOCE, É MUITO DOCE Foi uma conversa de duas horas com a cantora. Para entender como se fez a transformação daquela menina segurando uma fita cassete na sua primeira capa na mulher que fala em cacetes e bucetas com a mesma liberdade que despeja mel sobre as
canções de Belchior. Ana conversa com naturalidade e emenda assuntos como quem, entre amigos, disserta sobre diversos temas. Não existem tabus, mas ela não faz deles assuntos obrigatórios. Não é uma ativista de tabus, mas de que eles caiam. Nada mais condizente com a obra de Belchior, que diz “que tudo é proibido, quer dizer, tudo é permitido, até beijar você no escuro do cinema”. A artista tem pleno domínio da situação. É ela quem conduz a entrevista pelos caminhos que deseja, o entrevistador tem a função de sugerir assuntos e caminhos que ela queira explorar. O que pode parecer um possível paradoxo, acaba sendo uma conversa desarmada. Se todos os assuntos podem ser colocados na mesa, todos os caminhos pelos quais Ana os conduzem revelam a resposta mais completa a uma pergunta. A identificação com Belchior, a quem ela parece se conectar quando fecha os olhos ao cantar, pode ser explicada por ela pela quantidade de casas em escorpião no mapa astral, ou pelo fato de terem ambos andado pela corda bamba da segurança alimentar no começo da carreira. Mas, musicalmente, as relações são muitas também. Ana sempre navegou entre a experimentação, o pop e o rock, dentro de um universo da música brasileira que tem uma relação agridoce com o sucesso. O espaço de ambos se encontram entre os “artistas malditos”, sempre em busca do seu próprio antimaldito momento. É impressionante que, tendo os dois a mesma referência explícita de Dylan durante a carreira, o fraseado de Ana Cañas se assemelhe tanto ao de Belchior. A aposta é exatamente essa, a reprodução desde cantar falado. O senso melódico privilegiado
Fotos: Marcus Steinmeyer / Divulgação
REENCONTROS
CAPA
A questão é que, para encontrar o ápice de suas interpretações, Ana inverte o clichê. Ela coloca toda sua potência no grito abafado. As palavras de Belchior pedem a contenção, pois se aproximam da confissão fatigada. Assim, a virtuose cristalina precisa ser abandonada em prol de um canto limitado entre as oitavas. Com menos, se faz muito mais. Ana acredita na simplicidade do rock. Para ela, é libertador poder fazer música com três acordes. Conta
que comprou seu primeiro violão na Rua Teodoro Sampaio, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, por uns oitenta reais, com o intuito de acompanhar a si mesma ao cantar. O rock se tornou estilo de vida, muito mais que uma sonoridade, e percebeu que, muitas vezes, o samba ou o funk podem ser muito mais rock que álbuns cheios de guitarras distorcidas. É por isso que seu encontro com Belchior é essencialmente um disco de rock, ainda que os arranjos sejam puxados para sonoridades mais jazzísticas e da música popular brasileira. Em cada sentimento que transborda do canto de Ana Cañas está a indignação (que alguns chamam de rebeldia, mas vamos dar os
nomes mais apropriados) que move os corações selvagens. Ana Cañas cantando Belchior chega muito próximo das obras primas do cânone da música brasileira. Ela chega aos 40 anos no ápice de sua carreira, cantando não o que quer, mas o que precisa intimamente para aplacar sua inquietude, lançando o que talvez seja sua própria obra-prima. É a obra de arte possível diante de uma série de contradições que a moldam de uma forma única. Bruta como um diamante e complexa como um floco de neve, a cantora direciona sua energia criativa para interpretações fortes, canalizando toda sua potência em arte. Ao terminar, encontra a paz, e nos mostra o caminho possível para isso.
Fotos: Ariela Bueno /Divulgação
está ali, contido, por Ana, em prol de uma interpretação poderosa que dispensa piruetas técnicas. Como intérprete, ela encontra neste cenário, em um plano intangível, a cantora que tem tatuada no braço, Billie Holiday.
MARISA MONTE
Por Fernando de Freitas
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E S A D N I A , O D TU
Z I L E F ER
O
ano era 1989. O Brasil se preparava para eleger um presidente novamente, após quase três décadas. Havia um certo otimismo no ar, mas Marisa Monte estreava sua discografia cantando “Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz. Mas já não há caminhos pra voltar. O que a vida fez de nossa vida?”, versos que sucediam a faixa de abertura, que avisava “a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e balé”. Essas escolhas, olhando em retrospectiva, dão ar profético àquele álbum. E, se tivermos sorte, Marisa está manifestando esse dom em seu álbum mais recente.
O álbum Portas funciona como um olhar de desejo, voltado para o futuro próximo, a partir do presente. Esse espaço referencial substitui o universo verbal do passado e do futuro do pretérito. Não à toa a primeira canção (a homônima Portas) faz o convite de escolheremos novas possibilidades, deixando claro que as portas não são iguais, mas não importa qual escolher, todas dão em algum lugar, em contraponto à escolha da melhor. Se não precisa ser uma única porta, também estamos diante de possibilidades complementares. Assim, na canção seguinte, ela anuncia suas intenções nos versos “Calma, que eu já tô pensando no futuro / Que eu já tô driblando a madrugada / Não é tudo isso, é quase nada / Tempestade em copo d’agua / Eu não tenho medo do escuro / Sei que logo vem a alvorada / Deixa a luz do sol bater na estrada /Ilumina o asfalto negro”. Trata-se de uma prestidigitação já bem conhecida da música brasileira: inserir uma carga política intensa em um plano metafórico de uma suposta canção de amor. O resultado do truque é atingir o imaginário simbólico do ouvinte, ou seja, a causa de suas reflexões subjetivas. Com isso, Marisa monte não se coloca em um papel de criar uma identificação entre
pares, ou mesmo, incendiar os já propensos à piromania. O que faz a artista é abrir espaço de aceitação de eventuais mudanças. Para tanto, as canções do álbum têm uma roupagem levemente naïf, se aproximando de muitos sucessos radiofônicos de Marisa, lembrando o que pode ser chamado de “música de novela”. Porém, não existe nada de ingênuo no álbum, os arranjos são elegantes a ponto de parecerem simples - o que não são. As melodias vocais são de precisão cirúrgica (Marisa Monte nunca deixa de ser quem ela é) e embalam os devaneios pelos caminhos que ela escolhe. Quando Marisa canta Medo do Perigo, a história de amor impedida com ares de Romeu e Julieta, ela delicadamente está abordando a crítica a pretensos valores morais cujo discurso tomou força nos últimos anos e conquistou representantes nas esferas de poderes. É um álbum agradável, que trabalha com sons agradáveis ao ouvido. Está longe da audácia formal que Marisa apresentou no álbum Verde, Anil Cor de Rosa e Carvão, em especial no sucesso estrondoso de Segue o Seco. Ali, Marisa ainda sedimentava seu espaço na música brasileira. Hoje, como uma de suas estrelas máximas, Marisa sabe que seus códigos são outros, por isso a abordagem deve acompanhá-los. Se alguns podem acusá-la de alienada, cantando canções em um universo quase onírico e positivo, eles o farão diante de uma superficialidade própria. Portas é um álbum político, que apresenta o mundo como ele pode e deve ser, dando os rumos de alcançá-lo e cantando muito além de qualquer nicho de público. Marisa monte trouxe para o mundo uma obra com mensagens para todos, e no fundo, ela diz que depois de tudo, ela ainda quer ser feliz, mas não sozinha.
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RESENHAS foto: Jão Vicente
BAIÃO DE SPOKENS – STATUS QUANTICO / EPIKO
AMARO FREITAS – SANKOFA
O novo álbum de Amaro Freitas está na contramão musical e, exatamente por isso, é nada menos que genial. Suas composições têm um elemento obsessivo no trabalho dos temas e sonoridades, entremeados com delicadeza melódica. Ao se afastar deliberadamente da Bossa Nova e do Samba, Amaro explora a musicalidade ancestral em ritmos e harmonias surpreendentes. O resultado o aproxima de figuras como Miles Davis, John Coltrane e Thelonoius Monk, em inventividade.
EDGAR – ULTRALEVE
A ascensão de Edgar como artista nestes últimos 2 anos foi impressionante. Poucos músicos se apresentaram com tal força e o lançamento deste álbum gerou muita expectativa desde que foi anunciado o projeto. Desde Nó na Orelha, de Criolo, vêm emergindo rappers dotados de um lirismo transcendental. As letras
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passam como um trator sobre nós e o ritmo nos levanta. Atenção especial para a faixa Também Quero Diversão, cujo imaginário atualiza a canção Comida, dos Titãs, com uma roupagem mais periférica. Destaque para a parceria com Kunumi MC na faixa Que a Natureza Nos Conduza, trazendo novas possibilidades, para além dos artistas consagrados pela indústria.
Baião de Spokens – Status Quantico / Epiko Alguns sons soam tão familiares quanto fora dos rótulos tradicionais. Baião de Spokens diz fazer “uma combinação de um mergulho fundo no universo literário com escavações no terreno musical que passam pelo trip-hop, afrobeat, rock, dub, samba, rap e cantiga”, mas a melhor forma que encontrei para definir foi “o som da paisagem urbana brasileira”. Nesse projeto, soma-se às participações de Ava Rocha, Dinho Nascimento, Laya, BNegão e Thomas Harres a experiência proposta pelo EP Status Quântico/EPiko, do Baião de Spokens, um lançamento Amplifica Records. É pleno de sonoridades, simbologias. As quatro composições de Caco Pontes e Rafa Eko são reflexo da pluralidade de nossa sociedade, se opondo esteticamente ao discurso de homogeneização da polarização. Em nossas diferenças, somos todos nós, a música mostra essa possibilidade.
LIÉGE – ECDISE
Na música pop brasileira de hoje despontam nomes, principalmente de mulheres, que conseguem harmonizar
os ritmos e influências da música brasileira (muito além do eixo rio-sp) com os formatos da grande indústria. Como produto final entregam um som autêntico, longe de simulacros pasteurizados que, desde sempre, transborda em nossas paragens. O álbum de Liége é um exemplo claro dessa qualidade. Com produção certeira, a instrumentação é deliciosa e cheia de suingue, sem exageros na compressão digital, o que faz com que seja agradável ouvir os detalhes dos arranjos. A artista canta sem esforço aparente, dando suavidade melódica às canções.
BLUEBAGBANG – MANIFESTO DOS VENTOS DELIRANTES Escutamos, em primeira mão, o EP da banda Blubagbang. Navegando pelo soft-rock noventista, a combinação do violão dedilhado com a voz feminina aveludada faz lembrar o trabalho do Frente! ou 10.000 Maniacs. É música para corações apaixonados, mixtapes do amor platônico e lágrimas na solidão de uma noite fria. É como tomar um vinho à meia luz, inebriando delicadamente os momentos mais bonitos ou tristes de nossa vida.
DARLA JADE – DISCONECTED (EP)
Desde que entrevistamos Darla Jade, ano passado, mantivemos contato para receber as novidades. Ouvimos o EP Disconected com exclusividade para a imprensa brasileira. O Pop dançante e bem-acabado de Darla atinge um novo patamar, e merecidamente tem recebido a atenção da BBC e da Radio 1. O ritmo forte nos dá saudades das pistas de dança e nos faz sonhar com o verão europeu, com os ares noturnos de Londres, Paris ou Barcelona sob as luzes que nunca se apagam e a juventude aglomerada. Ouvir o EP de Darla Jade nos dá força para acreditar que voltaremos a viver como antes, ou melhor.
ESPECIAL
Fotos: Clarice Lissovski /Divulgação
Por Lucas Vieira
E D A Ç R O F A E A I L O C A MELAN L L E H C T I JONOIS M E, U L B E D S E R O ID T S BA QUE O IC R Ó T IS H M U B ÁL S COMPLETA 50 ANO
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E
tica especializada ao longo dos anos.
de suas condições.
Como obra confessional, Blue é um álbum de histórias, como é característico da música folk, e fala de diversos episódios ocorridos em um período difícil da vida de Mitchell. Nas páginas a seguir, conheça os caminhos percorridos pela artista nessa estrada solitária.
Entre as associações, há a relação com o fato de navegadores hastearem bandeiras ou vestirem faixas azuis na ocasião da morte de um oficial de suas embarcações. Em literatura, o registro mais antigo encontrado pela pesquisadora data de 1385, quando Geoffrey Chaucer usou o termo em seu poema Complaint On Mars. Em 1807, Washington Irving abreviou o termo “blue devils”, utilizado como sinônimo de “presença ameaçadora” para “blues”.
CANÇÕES SÃO COMO TATUAGEM
Joni tentava a vida cantando na noite de Toronto, mas não era fácil tocar em uma cena que privilegiava músicos que eram membros de uma união. Com a ajuda do também cantor Vicky Taylor, conseguiu apresentações em casas menores, numa das quais uma noite foi vista por Chuck Mitchell, um artista folk americano que se apresentava pelo Canadá.
m janeiro de 2016, Laurie Burrows Grad, colaboradora do Huffpost, publicou um artigo em que investigou o uso da palavra “Blue” como sinônimo do sentimento de tristeza e melancolia, para além da tradução do inglês para a cor azul. Em sua pesquisa, a colunista encontrou resultados diferentes ao longo da história da língua inglesa.
No final XIX, o blues surgiu entre dos escravos retirados da África que colhiam algodão no Sul dos Estados Unidos. Parte dos negros escravizados vinha do lado ocidental do continente africano, onde era comum pintar as roupas com pigmento azul anil (índigo blue) em momentos de luto e morte, para indicar sofrimento. A partir de 1971, além de significar o gênero musical, a cor e o sentimento, a palavra batizou um álbum considerado uma obra prima da música folk. Lançado por Joni Mitchell, Blue é o quarto LP de sua carreira e completou 50 anos de lançamento no dia 22 de junho de 2021. Em quase 36 minutos, ao longo de dez faixas, a artista canadense criou uma das obras mais sinceras e densas produzidas em seu tempo, reverenciada desde seu lançamento como um dos mais transparentes retratos de uma artista e aparecendo sempre em destaque em listas da crí-
Em 1964, a canadense Robert Joan Anderson dava os primeiros passos para se tornar uma cantora folk. Aos 21 anos, havia se mudado para Toronto após abandonar a Alberta College Of Art, em Calgary, por não se adaptar ao ensino tradicional. Posteriormente, essa rejeição aos métodos padronizados se tornaria característica de sua criação como musicista, artista plástica e poeta. Ao chegar à nova cidade, uma descoberta a desesperou: estava grávida de seu ex-namorado. Sem vínculo ou contato com o antigo parceiro, sem trabalho e vivendo na sociedade conservadora canadense, Joni teve que enfrentar a gravidez sob julgamentos, conforme revelou em 1997 ao Los Angeles Times: “Isso te arruinava no sentido social. Você não tem ideia de como era o estigma. Era como se você tivesse assassinado alguém”. Mesmo com as dificuldades, Joni manteve a gravidez escondida. Fazer com que os pais não descobrissem não era difícil, uma vez que viviam em Saskatchewan, uma província há três mil quilômetros de Toronto, em uma época em que a comunicação não era simples. Em 19 de fevereiro de 1965, com complicações no parto, Kelly Dale Anderson, a “Little Green”, nasceu, “com a Lua em Câncer”. Após dez dias internada, Joni saiu do hospital com a intenção de prover uma vida segura à filha, apesar
Em poucas semanas, Chuck declarou-se para Joni e a pediu em casamento, com a proposta de cuidar dela e da filha recém-nascida. Mitchell aceitou, porém, os planos não deram muito certo e, em poucos meses, o casal resolveu entregar o bebê para adoção, acreditando que seria melhor que Kelly vivesse com uma família com melhor estrutura. Fragilizada com toda a sua situação emocional e financeira, Joni mudou-se com o marido para Detroit. Joni sempre acreditou ter feito a escolha certa pensando na criança, e seguiu a vida e a carreira de cantora, sem ter outros filhos e sempre com a “Little Green”, personagem da sua canção gravada em Blue, na memória. A artista manteve a história em segredo e, anos depois, mais estabilizada, passou a procurar a filha. A situação começou a mudar em 1993, quando um ex-colega de quarto da época da faculdade vendeu a história para um jornal. Mitchell considerou a história uma traição, porém a notícia abriu portas para o reencontro. Simultaneamente, em Toronto, Kelly Dale - que recebeu o nome de Kilauren Gibb após a adoção - procurava por sua mãe biológica. Quando tinha 27 anos, Gibb recebeu de seus pais adotivos a notícia de que havia sido adotada. Grávida, quis buscar informações sobre seu passado e, após muita pesquisa em instituições e na internet, que ainda engatinha-
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ESPECIAL gravou seu primeiro álbum, Song to a Seagull, lançado em 1968. Em 2020, as gravações anteriores ao LP de estreia da cantora foram reunidas em Archives Vol 1: The Early Years (1963-1967), um box contendo cinco discos. Após quase 50 anos, Mitchell fez as pazes com gravações que ela questionava se eram ou não parte canônica de sua discografia. Conforme revelou também a Crowe, em 2004, a artista considerava as músicas muito ingênuas e “vulneráveis para esses tempos tão duros, como se pertencessem a um mundo antigo”.
Mitchell conheceu Gibb quando a filha tinha 32 anos e o neto, Marlin, 4. A “Little Green” tinha uma carreira como modelo há 13 anos e, durante a década de 1980, ambas haviam morado em Nova York ao mesmo tempo. Segundo a matéria do Los Angeles Times, Mitchell confessou que a beleza do fim da história era um contraste ao tamanho da tristeza de seu começo. Ao longo dos anos seguintes, porém, mãe e filha enfrentaram momentos em que nem sempre estiveram em harmonia.
CROSBY, COHEN, NASH E MITCHELL “Why do fools fall in love?” (“Por que os idiotas se apaixonam?”) perguntava uma canção que Joni ouvia quando criança e regravou em seu álbum ao vivo, Shadows And Light
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(1980). Já uma idosa, aos 76 anos, em 2020 ela revelou, em entrevista a Cameron Crowe, quando perguntada sobre o amor: “eu sou uma idiota em relação ao amor, cometo o mesmo erro várias e várias vezes”. Durante a segunda metade da década de 1960, a vida e a obra de Joni foram marcadas por relacionamentos - alguns curtos, mas todos intensos - com cantores da cena folk. Algumas dessas histórias serviram de inspiração para as histórias contadas em Blue, que traz músicas não sobre esses homens, mas sobre Joni e como ela se relacionou com eles. Nos anos que se seguiram à adoção de Kilauren, Joni conseguiu efetivamente iniciar sua carreira como cantora folk. Após alguns shows em cafés, festivais e pequenas casas de shows, além do término do casamento com Chuck, a artista mudou-se para Nova York e, em 1967,
A seu biógrafo, David Yaffe, autor de Reckless Daughter: A Portrait of Joni Mitchell, a cantora revelou que Crosby agia “de um jeito embaraçoso, uma vez que eu era tratada como a descoberta dele”. A história do casal chegou ao fim pouco depois do lançamento do disco, com a descoberta de que, com o relacionamento se deteriorando, o cantor resolveu trair Joni com uma ex-namorada. Pouco antes da gravação do disco, Joni estava tocando em um clube em Ottawa, no Canadá, na mesma noite em que o The Hollies fazia um show na cidade. Depois das apresentações houve uma festa, durante a qual a artista conheceu um dos integrantes da banda, Graham Nash. Mitchell conhecia o grupo do qual o artista fazia parte e David Crosby já havia falado sobre a cantora para o colega.
Fotos: Divulgação
va na segunda metade da década de 1990, conseguiu confirmar que era filha de Joni Mitchell em 1997.
Sua estreia no mercado fonográfico teve produção de David Crosby, recém-saído da banda The Byrds, com quem Joni havia iniciado um romance. Em biografia do supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young, o escritor David Browne revelou que o produtor “adorava apresentar a cantora aos amigos como uma posse valiosa e talentosa”.
Naquela noite, em que já havia a expressa vontade de ambos se conhecerem, uma paixão começou. Mitchell e Graham não iniciaram um relacionamento logo após se conhecerem. Viajando e tocando em cidades diferentes, não conseguiam ficar juntos. Um dia, ainda casado, Graham voou para Nova York para encontrar Joni, porém, chegando lá teve uma decepção: a cantora estava namorando com Leonard Cohen. De obra celebrada e estilo poético, Leonard Cohen é um dos principais nomes do folk de sua geração. Em 1967, estava entre as atrações do Newport Folk Festival assim como Joni. Naquele evento, começaram o que daria origem a uma relação batizada pelo cantor como “uma extensão da amizade”. O namoro acabou em poucos meses, porém os artistas foram amigos até o falecimento de Cohen, em 2016. Muito ainda se especula sobre a música “A Case Of You”, presente em Blue. Há dúvidas sobre se ela foi
feita para Nash ou para Cohen, porém, ao que tudo indica, o segundo é o homenageado nessa “canção de amor e ódio”, embora Joni nunca tenha confirmado esse fato. Apesar de já ter domínio na escrita, a artista não sabia muito de literatura na segunda metade da década de 1960. Interessada, pediu a Cohen uma lista de livros para se aprofundar. Segundo revelado no livro Joni Mitchell In Her Own Words, de Malka Marom, ao ler O Estrangeiro, de Albert Camus, a cantora percebeu que Leonard havia roubado um verso da obra e inserido na música “Hey That’s No Way To Say Goodbye”. Muito admiradora de Cohen, a quem tem também como influência, Mitchell ficou desapontada com a descoberta. Talvez buscando vingança, em “A Case Of You” a artista escreveu uma história de término em que usou um verso dito por Leonard sem creditá-lo. Também no livro de Marom, Joni explicou: “Quando lhe mostrei ‘A Case Of You’ ele disse:
‘Estou feliz por ter escrito isso’. Leonard ficou com raiva de mim, na verdade, porque eu coloquei um verso dele, algo que ele disse, em uma das minhas canções. Para mim, isso não é plágio. Ou você rouba da vida ou dos livros. Com a vida é jogo limpo, com a literatura não. Essa é a minha opinião pessoal. Não roube a arte de outra pessoa, isso é trapaça. Roube da vida - isso está em jogo, certo?”. Diferente de como ocorreu com os dois últimos namorados, com Graham a relação foi mais duradoura. Mitchell e o músico chegaram a morar juntos por cerca de dois anos, até 1970. No clássico álbum Deja Vu (1969), do supergrupo Crosby, Stills Nash and Young, o cantor inseriu a canção “Our House” sobre o cotidiano do casal. Joni também escreveu músicas sobre a vida ao lado de Graham, gravadas em Blue. As dela, porém, foram destinadas ao rompimento, e Nash só ouviu as versões finais após o término. Para o ex-parceiro, Mitchell de-
ESPECIAL
Segundo o livro CSNY: Crosby, Stills, Nash & Young, de Peter Dogget, após o término, Nash recebeu um telegrama poético de Mitchell, que viajava pela Europa, que talvez confirme o receio. Dizia a mensagem: “Se você segurar a areia com muita força, ela irá escapar pelos seus dedos”. Outra música sobre a relação com Nash presente em Blue é “River”. Apesar de a canção falar sobre um momento difícil da vida de ambos, Graham revelou recentemente ao The Guardian que sente orgulho do fato de a canção ser dedicada a ele: “‘River’ me deixou triste, porque narrava o fim do nosso relacionamento, mas também contente, por-
que era uma música tão linda e ela [Joni] teve coragem de despir sua alma. Nós éramos muito apaixonados. Eu valorizava aquela relação”. Apesar de retratar a melancolia do rompimento, com o passar dos anos, a canção passou a receber uma curiosa interpretação, como se fosse uma canção de Natal. A gravação, de fato, possui elementos que podem direcionar a essa leitura, uma vez que começa com as notas da tradicional “Jingle Bells” ao piano e diz, já no primeiro verso, que a época natalina está chegando. Com o passar dos anos, “River” passou a ser incluída no repertório de diversas apresentações e discos natalinos, o que causou surpresa naqueles que têm conhecimento de que a canção fala sobre o término com Nash. Nas próprias palavras de Mitchell, em entrevista ao NPR em 2014, a canção é uma história sobre “assumir responsabilidade pessoal pelo fracasso de um relacionamento”. Na mesma matéria, indagada sobre a nova conotação que sua composição recebeu, a cantora respondeu, com humor: “precisávamos de uma canção triste de Natal, não é
mesmo?”.
DETROIT, 1968? O ano de 1968 também ficou marcado na carreira da cantora como “a última vez que ela viu Richard”. Por anos, acreditava-se que a história da canção que encerra Blue ocorreu durante um encontro de Joni Mitchell com Chuck, no ano seguinte ao divórcio. Porém, o personagem da canção foi inspirado em Patrick Sky, cantor folk também surgido na década de 1960. Nascido no estado da Georgia, Patrick Sky teve sua carreira marcada por fazer duras críticas políticas através de sátiras. Entre os anos de 1965 e 1969, teve o período mais constante de sua carreira, gravando discos anualmente. Em 1971, mesmo ano do lançamento de Blue, gravou seu LP mais radical, Songs That Made America Famous que, por seu conteúdo, enfrentou dificuldades para ser lançado e só foi aceito por uma gravadora em 1973. Joni e o cantor fizeram parte do mesmo circuito de música folk nos Estados Unidos, aparecendo também em programas de rádio e shows em universidades. Segundo a cantora revelou em entrevista a Michelle Mercer para o livro “Will You Take Me As I Am”, em que se investiga a história de Blue, a história de “The Last Time I Saw Richard” surgiu após uma frase dita pelo colega: “Patrick Sky, um amigo e cantor de folk, me disse uma noite em um bar de Nova York: ‘Joni, você é uma romântica incurável. Só há uma maneira de você seguir na vida: com cinismo incurável’”. Na canção, Joni uniu realidade e ficção para criar uma de suas letras mais profundas. Há elementos fictícios em “The Last Time I Saw Richard” porque, como o próprio site
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Fotos: Clarice Lissovski /Divulgação
dicou “My Old Man” e “River”. Na primeira, a inspiração foi um dos motivos do término. Nas palavras de Nash, a canção foi feita a partir de um pedido de casamento que ele fizera à então namorada: “Eu a pedi em casamento, mas acho que ela entendeu que eu queria uma ‘esposa’ para cozinhar para mim e coisas do tipo, o que nunca foi minha intenção. Eu queria que ela fosse livre, o quão brilhante fosse possível”.
da cantora revela, ela e Patrick se encontraram em um show na Syracuse University, em 1969. Logo, a última vez em que se viram até aquele momento não foi em 1968. Além disso, a frase foi dita em Nova York, e não em Detroit. Apesar dessas considerações, há também fatos verossimilhantes na canção, segundo depoimento de Mitchell. No mesmo livro que traz o verso de “California” no título, a cantora afirma que Patrick, assim como Richard, estava naquele momento casado com uma patinadora e que saía pouco, bebendo em casa e vivendo uma vida mais doméstica. Apesar do depoimento da artista, a única mulher citada como cônjuge de Sky em sites como Allmusic e em notícias sobre seu falecimento por câncer em 2017 é Cathy Larson Sky, musicista e escritora, com quem ele se casou em 1981 e gravou, em dueto, o álbum Down To Us (2009). Para muitos brasileiros, “The Last Time I Saw Richard” foi a canção que apresentou a obra de Joni Mitchell e o disco Blue, através da versão feita pela banda Legião Urbana em 1992 no álbum Acústico MTV (1999). Em fala antes de tocar a música, o vocalista Renato Russo diz: “Essa é uma música de um dos maiores poetas do rock’n’roll, e ela se chama Joni Mitchell. É de um disco chamado Blue, de muito tempo atrás, e é uma letra seríssima”.
VIAJANDO EM UMA ESTRADA SOLITÁRIA No começo de 1970, o relacionamento de Nash e Joni estava se encaminhando para o fim. Em fevereiro, a cantora se juntou a uma amiga e resolveu fazer uma viagem pela Europa, com a primeira parada na Grécia. Para a estrada, a artista resolveu não levar o violão, seu principal acompanhamento, mas sim um instrumento
que havia descoberto recentemente: um saltério dos Apalaches.
tista compôs parte do disco no novo instrumento e o utilizou no estúdio.
Tradicionalmente feito com três cordas, o instrumento da família das cítaras foi descoberto por Mitchell durante o festival folk de Big Sur em 1969, onde ela adquiriu o saltério da musicista e luthier Joellen Lapidus, que se tornou também uma referência nesse tipo de tricórdio, conhecido em inglês como “dulcimer”.
Já se destacando pelas afinações abertas do violão que marcariam toda a sua produção, Joni adaptou a linguagem ao novo instrumento e compôs canções definidoras de sua carreira como “Carey”, “California”, “A Case Of You” e “All I Want”.
Nunca tendo ouvido um antes, Joni criou sua própria técnica de tocar o saltério. Enquanto a forma tradicional utilizava um tipo de pena, a cantora executava o instrumento de maneira percussiva, adaptando sua técnica de violão.
Canção que abre o álbum, “All I Want” é um resumo de Blue, de Joni e da própria viagem à Europa. É uma música que apresenta esses três elementos, falando sobre uma viagem solitária em busca por algo desconhecido, por liberdade, sobre a vontade de amar e as dificuldades em se relacionar, tudo ao som do saltério.
A escolha de levar o saltério (e uma flauta) no lugar do violão teve como principal motivo o fato de os instrumentos serem mais leves. A opção mudaria não só a viagem como a sonoridade de Blue, uma vez que a ar-
Joni revelou à revista Mojo em 2019 que, mesmo que acreditem que existam mensagens nas entrelinhas (em versos poéticos como “I want to shampoo you”), “All I Want” é uma canção sincera: “Eu não sou uma
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compositora evasiva. Você não tem que cavar os significados nas palavras. Os significados estão todos ali. É muito claro”. Não muito tempo após chegar na Grécia, Joni decidiu ir de barco para a ilha de Creta, onde fez uma viagem de Fusca por mais de 70 quilômetros até Mátala, um vilarejo de pescadores no qual hippies viviam naquela época, alojando-se em pequenas cavernas próximas ao mar. Um dia, passeando pelo vilarejo, Joni ouviu um grande barulho e, ao olhar na direção do som, vislumbrou a figura de um homem de barba ruiva vestindo um turbante branco. Não se tratava de uma alucinação. Aquele era Cary Raditz, um jovem americano de 24 anos que fora arremessado do café onde trabalhava após um forno explodir. Cary e Joni se envolveram na mesma noite em que Penelope desapare-
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ceu, sem dar notícias, para seguir um outro rumo em sua viagem. A ida da amiga mexeu com Joni, que seguia abalada emocionalmente. Cary acabou se tornando sua nova companhia, com quem passou bons momentos durante sua estadia na Grécia. Em uma das noites em Mátala, Joni escreveu “Carey” (que ganhou um “e” por erro ortográfico da cantora), que narra esse período passado na Grécia. A música foi apresentada ao companheiro na noite de seu aniversário e fala de seu jeito retrógrado (“you’re a mean old daddy”), sobre o café que a cantora frequentava na ilha (“come on down the Mermaid Cafe”) e diversas outras lembranças, como a bengala de ferro que Cary vivia carregando, as ruas da ilha e o vento vindo da África. A indecisão do próximo destino também aparecia em “Carey” (“maybe I’ll go to Amsterdam/or
maybe I’ll go to Rome”), mas Mitchell acabou optando pela França como seu próximo destino. Lá, encontrou a inspiração ilustrada nos primeiros versos de “California”, outra canção em que Cary é um dos personagens, referido como “um caipira em uma ilha grega”. Apesar da citação, o ruivo não é o protagonista da música, que fala sobre um sentimento de tristeza e fim da era hippie de paz e amor (“reading the news and it sure looks bad/they won’t give peace a chance”), cita uma festa ocorrida na casa do editor da revista Rolling Stone, Jann S. Wenner (“a party down a red dirt road”) e revela uma vontade da cantora de voltar para casa.
JONI E JAMES A volta para os Estados Unidos, após a viagem que também contou com uma passagem pela Espanha, marca o período em que Joni Mi-
Fotos: Clarice Lissovski /Divulgação
ESPECIAL
tchell iniciou um relacionamento com James Taylor, importante nome da música folk que teve participação decisiva em Blue. Joni estava de volta a Laurel Canyon, bairro californiano onde boa parte dos músicos folk moravam. No período em que Joni trabalhava nas composições do álbum, Taylor se adaptava a uma nova vida, após um período de internação para tratar de seu vício de heroína. O casal permaneceu junto durante cerca de um ano e, quando não estavam separados pelas turnês, acompanhavam o processo criativo um do outro. Taylor preparava as músicas de seu terceiro álbum, Mud Slide Slim and the Blue Horizon, no qual Joni participou fazendo vocais. Em agosto, a cantora viajou com o parceiro para o Novo México, onde James gravaria o filme Two-Lane Blacktop. Durante a gravação, Mitchell tricotou um suéter que o namorado passou a vestir constantemente, segundo revela o livro “Girls Like Us”, de Sheila Weller. Estaria aí a inspiração ou a realização do verso “I wanna knit you a sweater” de “All I Want”? Sheila sugere em seu livro que confissões de Mitchell sobre como o parceiro a tratava originaram “This Flight Tonight”, que fala do período em que passaram no set de filmagens: “Joni parece ter escrito ‘This Flight Tonight’ sobre aquela época no Novo México. Seu amante ‘gentil e doce’ a magoa com ‘aquele olhar tão crítico’, mas ela se arrepende de ir embora quase assim que o avião decola. Ela repassa um momento de ternura em que observaram uma estrela no céu entre os trailers do set de filmagem e quer que o piloto ‘vire esse pássaro louco’ para que ela possa voltar para ele”. Meses depois, em outubro, Joni e Taylor estavam fazendo shows jun-
tos. Um deles, gravado no dia 16 no mesmo palco em que Phil Ochs se apresentou, se deu em um evento beneficente de lançamento da ONG ambiental Greenpeace, no qual Mitchell mostrou boa parte das canções de Blue que já estavam prontas, conforme registrado no álbum Amchitka (2009). Doze dias depois, a dupla performou no Royal Albert Hall, em Londres, durante sua breve temporada na Inglaterra, instalados em um apartamento com o guitarrista Peter Asher. Segundo depoimento do músico no livro de Sheila Weller, ele estava presente na noite em que a artista compôs a canção que batizou seu álbum lançado em 1971: “Tenho uma memória distinta”, diz Peter, “de ouvir Joni tocar ‘Blue’, que ela acabara de compor no piano.” Asher achou a música extraordinária. As referências às ‘agulhas’ de um viciado em drogas e ao fato de Joni oferecer uma concha para seu amante - John Fischbach se lembra
dela dando uma concha para James em uma noite em Los Angeles - deixam bem claro que ‘Blue’ é sobre James”. Mesmo sendo inspiração de ao menos duas canções de Blue, James Taylor revelou ao The Guardian, em matéria sobre os 50 anos do álbum, que sua faixa favorita do LP é “California”, que dialoga também com o momento de separação do casal: “Depois de viajar, sua casa ganha um contexto diferente e essa canção capta isso. É encantador, pessoal e genuíno. Quando eu estava levando Joni para encontrar minha família na Carolina do Norte, entre os voos, ela repentinamente disse que precisava voltar para a Califórnia e me deixou no aeroporto - no altar, por assim dizer. Talvez ela tenha sentido os destroços dos meus próximos 15 anos e não quisesse ser amarrada. Ela é totalmente real e é uma das melhores coisas da minha vida que eu a tenha conhecido”.
ESPECIAL Com seu vocabulário poético, Joni contou em entrevistas como estava sua saúde mental quando Blue foi gravado. À revista Rolling Stone a artista revelou: “Eu não tinha defesas. Me sentia como a embalagem de celofane de um maço de cigarros. Eu sentia que não tinha segredos para o mundo e que não poderia fingir ser forte ou feliz na minha vida”. Outra analogia da cantora sobre Blue foi publicada no livro Joni Mitchell: In Her Own Words, de Malka Marom. A artista revelou ter tido um sonho em que estava assistindo “uma banda de mulheres meio gordas tocando tuba. Mulheres enroladas em vestidos de náilon tocando grandes trompas e eu era uma sacola plástica cheia de órgãos expostos, soluçando em uma cadeira no auditório. Foi como me senti, com minhas entranhas expostas. Eu fiz Blue nessa condição”.
No mesmo lugar estavam gravando a banda Carpenters e a cantora Carole King, que era amiga do casal, e naquele mesmo ano lançaria Tapestry, seu histórico LP de estreia do qual James e Joni participaram, na produção. No mesmo ano, em Mud Slide Slim, o cantor gravou “You’ve Got A Friend”, sucesso composto por Carole registrado também em Tapestry. Enquanto Carole gravava no estúdio B, Joni escolheu a sala ao lado para gravar Blue. Lá havia um piano Steinway de cauda que seria ideal para a sonoridade do disco. Em uma manhã antes de Mitchell chegar para as gravações, King aproveitou
as horas vagas e gravou com o instrumento o clássico “I Feel The Earth Move”. Se era possível aproveitar o estúdio C quando Mitchell estava ausente, na presença da cantora era tudo diferente. A artista optou por fazer uma gravação bastante reclusa, na qual apenas ela e os profissionais responsáveis pela gravação transitavam pelo estúdio - “se alguém entrasse pela porta, eu me acabaria em lágrimas”, confessou. Com percussões abafadas, majoritariamente utilizando instrumentos acústicos, Joni fez registros carregados de emoções profundas, como revela o livro de David Yaffe: “Joni estava traduzindo aquelas emoções que ninguém gostaria de ter em uma música que todos gostariam de ouvir”. Quando Blue chegou às lojas, em junho de 1971, causou reações diversas. Johnny Cash, por exemplo, sentiu o pesar do disco, como revelou a Joni: “Você está suportando o
Fotos: Clarice Lissovski /Divulgação
ENFIM, O ÁLBUM
Em janeiro de 1971, Joni começou a gravar Blue, ao lado de poucos músicos: James Taylor (violão), Russ Kunkel (percussão), Stephen Stills (baixo e violão) e Sneaky Pete Kleinow (pedal steel). As gravações se estenderam até março, nos estúdios da A&M Records, em Hollywood.
peso do mundo”. Quando Mitchell mostrou o LP ao cantor country Kris Kristofferson sua reação foi dizer: “Jesus, Joan, preserve algo sobre si mesma”. Ao chegar nas lojas, com fotografia feita por Tim Considine, de Joni tonalizada de azul na capa, Blue foi um grande sucesso internacional, atingindo lugares expressivos em listas das gravações mais ouvidas, e recebeu um certificado de disco de platina duplo (600 mil cópias) pela Britsh Phonography Industry (BPI). Além de consolidar Mitchell como cantora e compositora, tornou-se um parâmetro de qualidade para LPs relacionados da época. O disco também foi bem recebido pela crítica especializada. Com repertório que já vinha sendo celebrado por publicações como NME e Melody Maker, Blue recebeu uma longa análise na edição de agosto de 1971 da Rolling Stone, feita por Timothy Crouse, que encerra o texto com a seguinte declaração: “Ao se retratar de forma tão nítida, ela arriscou o ridículo para alcançar o sublime. Os resultados raramente são ridículos; em Blue, ela combinou suas habilidades musicais populares com a pureza e a honestidade do que uma vez foi chamada de música folk e, por meio da combinação, ela nos deu alguns dos mais belos momentos da música popular recente”. Em tom confessional para Cameron Crowe, Joni refletiu sobre sua obra: “Na época do meu quarto álbum eu estava vivendo aquela terrível oportunidade que as pessoas têm em sua vida, quando descobrem que são completamente idiotas e precisam decidir seus valores, quais partes são realmente necessárias. Blue foi um ponto de virada em diversos aspectos da minha vida”. O disco foi precisamente resumido por Rob Hughes, em texto publica-
do na revista Uncut em 2017: “Mitchell estava tentando reconciliar sua vida com sua arte, comprimindo uma busca indescritível por contentamento pessoal em uma grande declaração artística. Blue é triste, engraçado, poético, revelador e, muitas vezes, dolorosamente sincero. E uma experiência tão intensa que parece muito mais longa do que relativamente breves 35 minutos”.
CINQUENTA ANOS DEPOIS Segundo informa o site oficial de Joni Mitchell, a soma das vezes que as músicas de Blue foram regravadas de forma oficial nos 50 anos após seu lançamento ultrapassa 1400 gravações. Só “River” recebeu 793 versões. Com o passar dos anos, o álbum se posicionou entre as obras mais importantes de diversas listas publicadas pela imprensa, com destaque para o ranking publicado pela NPR em 2017, que posicionou o LP como o maior álbum feito por mulheres entre 150 obras.
cinquentenário de Blue em dois lançamentos. O primeiro deles é o box The Reprise Albums, que reúne os quatro primeiros discos da cantora em edições em vinil e CD. O outro, lançado nas plataformas digitais, é o EP Blue (Demos & Outtakes) que traz versões alternativas de “A Case Of You”, “California” e “River”, além de “Hunter” e “Urge For Going”, canções gravadas nas mesmas sessões, mas que não entraram na edição original do disco. Além de ser uma obra de qualidade acima dos padrões, eternizada na história da música pop, Blue consolidou Joni Mitchell com a projeção de uma grande artista. Aos 27 anos, a cantora criou uma obra ideal para momentos de sofrimento e “dark cafe days”. Quem já sentiu o peso desse disco ao ouvir suas músicas, sem dúvidas entendeu o que quer dizer o verso da canção que batiza o LP: “Blue, songs are like tattoos”.
Em 2021, Joni Mitchell celebra o
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COLUNA
T C E SUSP E C I V DE Por Henrike Baliú
ELO S M U , IC S U M N Ó Z DEL CORA SEM FRONTEIRAS
N
o começo desse ano recebi um pacote da gravadora independente californiana Del Corazón Music, com sete compactos visualmente lindos. No meio tinha reggae, ska, bolero, rock, folk, punk e até cumbia, tudo cantado em espanhol. Coloquei disco por disco na vitrola. Não tinha um ruim, eram todos incríveis. Fiquei surpreso comigo mesmo, pois não costumo ser um cara mente aberta para música, não. Gosto do que gosto, e ponto final. Mas, como um bom baseado, esse selo abriu minha mente. Entrei em contato com o Alberto, que gerencia a gravadora junto com seu irmão Antonio, e batemos um papo sobre sua trajetória pessoal, música brasileira e seu selo eclético que carrega o espírito punk em 45 rotações por minuto. A estória começa nos anos 1970, quando os pais do Alberto imigraram do México para a Califórnia em busca do sonho americano. Sua mãe fez a travessia grávida de seis meses. Os filhos foram na sequência, atravessados pela avó. Alberto nasceu e cresceu em Santa Cruz, na Califórnia, mas orgulha-se de dizer que tecnicamente ele é “hecho
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en México”. Em meados dos anos 90, descobriu o punk quando começou a ir a shows e trocar CDs e fitas K7 com amigos, aprendendo sobre “a rica e longa estória do punk rock nas Américas”, como ele diz. Mais tarde montou, com o irmão Antonio, a incrível banda de
ska punk La Peble, e fez algumas turnês pela Europa e é claro, pelo México. “Os punks mexicanos me ensinaram sobre suas lutas, a violência urbana e os perigos de viver ativamente uma vida que a grande sociedade via com desprezo. Eles me mostraram suas ci-
Imagens: Reprodução
“Nem só de punk rock vive o homem”
catrizes causadas por garrafas quebradas, cassetetes, isqueiros e socos que eles levavam dos policiais ou uns dos outros e, portanto, sempre achei que o punk rock mexicano tinha um som que era perigoso, pronto para a briga, rudimentar em sua expressão, embora elevado em seu pensamento (por necessidade). O punk rock abriu meus olhos de muitas maneiras e me permitiu realmente ver o que era o anti-autoritarismo em ação. Mais tarde, em turnês com a La Plebe, pude conhecer e ver o mesmo tipo de realidade por toda a Europa e nos Bálcãs. Vendo as lutas universais e a ameaça de violência ocorrendo em terras distantes, eu não consegui enxergar mais o punk rock apenas como um gênero musical” conta Alberto. A La Plebe, infelizmente, acabou em 2014, após lançar quatro ótimos álbuns recheados de hinos em espanhol. Cinco anos depois do fim da banda, Alberto e Antonio montaram o selo independente Del Corazón Music com o objetivo de lançar não apenas ótimos discos, mas também de ajudar a facilitar várias formas de liberação, inclusão e exposição de vozes sub-representadas. Embora os contatos e a experiência dos dois irmãos os ajudem a focar atualmente em vozes cantadas em espanhol, o selo não tem regras e espera trabalhar com artistas que cantam em outras línguas para fazer valer o slogan da Del Corazón Music: “música sin fronteras”. Quem sabe o selo não lança uma banda brasileira? “Adoro a Elis Regina e me imagino cantando Águas de Março com ela”, diz Alberto. “Também adoro Clara Nunes, Jorge Ben, Maestro Sivuca. De coisas mais pesadas, eu realmente não conheço muito. Ratos de Porão e Sepultura são, claro, os pesos pesados que eu conheço e minha banda favorita é o Blind Pigs, que ouvi pela primeira vez por volta de 1999. Ficaríamos honrados em lançar algo do seu país, nós amamos toda boa música e adoraríamos ouvir mais música do Brasil”.
Fiquei honrado com a menção à minha antiga banda, e fica a dica para os artistas brasileiros! A Del Corazón Music lança discos apenas no glorioso formato sete polegadas, o famoso compacto. As capas são quase todas genéricas, porém caprichadas, dando um tom vintage aos discos. A prensagem é bem limitada e esgota rápido. Vamos então ao que interessa, a música sem fronteiras desse selo fora de série: Travellers All Stars “Don’t Give Up/Sabata” Os campeões mexicanos do skinhead reggae e rocksteady tocam duas faixas instrumentais que eles rotulam de Reggae Gordo. Olha, não sou fã de música instrumental, mas esse compacto me dá vontade de levantar, lustrar e vestir meu par de botas Doc Martens, raspar a cabeça, colocar uma camisa Ben Sherman, pegar uma cerveja da geladeira e dançar junto com
os skinheads mexicanos no clipe de “Don’t Give Up”. Aliás, assista ao clipe no YouTube e depois assista também a versão matadora de “Sabata”, música tema de um faroeste italiano de 1969 pra mim, a melhor das duas faixas desse compacto. ¿Quiensave? “High Class /5121433” Bom, depois de dançar com os skinheads mexicanos ao som de Travellers All Stars, aqui eu tiro os coturnos, troco a Ben Sherman por uma camisa florida e vou pra pista de dança embalado pelo som da Quiensave. Mentira, não danço, sou um zero à esquerda nesse quesito, mas depois de escutar esse compacto vou começar minhas aulas. Mano, isso é muito bom! Eu nem sabia o que era cumbia antes de escutar ese disco! Agora quero mais! Los Overlines “Real Hot” Vocais femininos cantam uma estória assustadora de lealdade e amor,
Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira
perseguida pela sombra de um coração quebrado. Com raízes afro-jamaicanas, o som hipnótico do reggae tradicional do Los Overlines carrega um pouco do calor mexicano. O lado B é uma versão dub bem legal do lado A. Assista a esse e outros clipes (“Ya Me Voy”, “Amor”, “Sólo Una Vida” etc) no canal da banda no YouTube e me agradeça depois.
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Laurel Atkin “Quizás/Negro” Conhecido como o ‘Padrinho do Ska’, Laurel Atkin nasceu em Cuba, em 1927, e com seis anos se mudou para a Jamaica. Laurel faleceu em 2005, mas deixou uma rica discografia. Esse compacto pega duas faixas do LP “En Espanõl” lançado pelo selo Liquidator Music. O que dizer de um cara como o senhor Atkin? Aqui é ska tradiconal
do mais alto quilate. Na minha opinião, o lado B, “Negro” ofusca o lado A. Um lançamento essencial para fãs do estilo. Cuevo Pérez “Así Te Vi/Esclavo y Amo” Esse aqui é o meu lançamento favorito do selo. O lado A é uma música original, meio country com toque latino, tirada do álbum “Pajaros en la
Bruma” de 2014. Mas o destaque é o lado B, uma versão arrasadoramente linda de “Esclavo y Amo”, um clássico da música mexicana dos anos 60. Som para transar à luz de velas, num cenário meio brega, uma transa gostosa, não aquela foda meia boca. Altamente recomendado. Fui atrás de mais músicas do Cuevo Pérez e gostei de tudo que escutei. Virei fã.
Los Nuevos Bajos “Gema/Cien Años” Se o Henrike de vinte anos de idade, com moicano em pé, soubesse que o Henrike de quase cinquenta estaria escutando Post-Punk Bolero com um pé no Caribe, e achando sensacional, ele me daria um soco bem dado no estômago! Mas cara, sério, o que é isso? Parece trilha sonora de algum filme do Taran-
tino. O disco foi gravado em um estúdio cheio de fumaça de Cannabis na Cidade do Panamá, o que deixa tudo muito mais interessante. Ah, quem canta é o Spike Slawson, da banda Me First and The Gimme Gimmes e que já tocou na banda punk Swingin’ Utters. O baixo está a cargo de ninguém menos que CJ Ramone! Acho que, sabendo disso, o Henrike de 20 anos me perdoaria. Ou não.
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Imparcial “Imaginando Lo Sucedido” EP A estreia do selo. Esse seria o único lançamento do selo que o Henrike de vinte anos de idade aprovaria. Folk punk de primeira qualidade. A música que abre o EP, “La Muerte”, começa tranquila, mas logo engata a marcha para um punk rock de respeito. O lado A fecha com a inesquecível “De Noche Se Nos Mete el Diablo”, um hino punk. O lado B quebra tudo com um hardcore político, “Matarile”, que me lembrou os argentinos do 2 Minutos. O EP fecha
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com “Imaginando Lo Sucedido (En Oaxaca)”, um lindo folk punk. Letras inteligentes e melodias lindas fazem desse disco uma pérola em vinil. Na minha opinião, um clássico instantâneo. Tem no Spotify. Ouça já, me agradeça depois. O selo ainda conta com mais três lançamentos, mais recentes, que estão a caminho deste que vos escreve, e quando chegarem serão devidamente resenhados aqui na coluna. Mas e o futuro? Alberto solta a notícia: “Estou super
empolgado com nossa nova ‘Serie de Oro’, por meio da qual vamos relançar joias perdidas, esquecidas ou difíceis de obter de diferentes partes do mundo de lendários selos latinos e europeus, na esperança de levar esses compactos para pessoas que simplesmente amam discos. Serão superdivertidos e ficarão bonitos também”. Não tenho dúvidas e fico ansiosamente à espera. Para maiores informações do selo, acesse o site: delcorazonmusic.bigcartel.com
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GUITARRA Por Fernando de Freitas
A CONSTRUÇÃO DE
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UMA GU
UITARRA
O
que é uma guitarra? Para mim, é uma alegoria e um resumo da cultura ocidental dos últimos 70 anos. Não à toa, alguns dos artistas mais interessantes desse período tocaram ou estiveram acompanhados delas. Bob Dylan, laureado com um Nobel de Literatura, vencedor do Oscar, do Grammy e do Pulitzer, em 1966 passou a empunhar a guitarra depois de alguns anos sendo um trovador ao violão. Nunca mais largou.
Mas o que é uma guitarra? É uma composição de madeiras e metal, construído por técnicas de marcenaria, metalurgia, elétrica e mecânica. Do bruto ao delicado em um instrumento de lazer e entretenimento. É um símbolo do cool. É imortal como a jaqueta de couro do jovem Marlon Brando, como o pretinho básico de
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GUITARRA
A guitarra é o instrumento musical mais popular que existe. Mas como é feita uma guitarra?
AS AULAS Quando aceitei o convite para fazer o curso n’O Instituto, localizado em São Bernardo do Campo, cidade da Grande São Paulo, logo lembrei das histórias dos meus antepassados, imigrantes habilidosos nas oficinas. Durante toda vida, tive bastante intimidade com ferramentas e máquinas, gosto do cheiro da madeira e da sensação de fadiga muscular após horas de trabalho manual. E, acima de tudo, amo guitarras. O primeiro contato com o curso se dá nas instruções de segurança. Cada pedaço será construído com ferramentas diferentes, cada uma com seu risco próprio. Também com conceitos básicos de cada uma dessas partes e suas especificidades. O raio do braço e seu cumprimento de escala. As madeiras, aspectos mecânicos e elétricos relevantes em sua construção. O projeto em nossa men-
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te toma forma e algumas decisões deste momento influenciarão todo seu caminho. Também foi quando tomei contato com minha turma, de quatro pessoas, com idades entre 18 e 50 anos de idade. Em comum, a vontade de aprender um ofício. A construção de guitarras (e sua manutenção) é muito ligada à marcenaria. Aprende-se a cortar com uma serra de fita e escavar com uma tupia. Manusear uma furadeira de bancada (e, para quem não tem experiência, uma manual). Desbastar e dar forma com o uso de limas e grosas. Aos poucos, você começa a adquirir mais sensibilidade no trato da madeira e no olhar volumétrico. O trabalho de lixamento é meditativo e encontrei muito prazer nele. Ainda que seja uma atividade física intensa, as ferramentas manuais e elétricas são fruto de milhares de anos de trabalho em marcenaria, ou seja, seu uso correto faz com que a ferramenta faça o trabalho por você, não demandando força física, mas jeito. A lição zen (ou da física) é que toda ação resulta numa reação, de força igual e contrária. Assim, ao forçar a madeira, essa resistirá à sua força. A força bruta, então, resultará apenas em cansaço, danos à peça ou às ferramentas. Quando trabalhamos corretamente, a madeira, as fer-
ramentas e a pessoa se tornam uma coisa só em coreografia de mutação. No grupo, direcionado por um professor experiente, aprendemos todos uns com os outros. A troca de experiências (mesmo em meio às nossas próprias descobertas) passa a acompanhar a evolução do trabalho. Assim como cada um carrega sua história de vida para a oficina, trazemos nossas habilidades e dificuldades que servem a todos. A atenção que demanda cada passo da construção não exclui a descontração. O resultado não é impecável, uma vez que é objeto de um aprendizado que permite erros do aluno. Porém, é um instrumento artesanal de qualidade, que permite ajustes aos quais aqueles que são frutos industriais talvez não sejam tão amigáveis, talvez pela intimidade que você desenvolve com a peça. Fica meu agradecimento ao Lucas, nosso professor e instrutor, e ao Átila, seu assistente. Um abraço especial aos meus colegas Cassio (que contribuiu com as fotos desse artigo), Edgar e Matheus. Quem tiver interesse no curso, se inscreva em www.oinstituto.com.br e use o cupom 440hz10, para receber 10% de desconto.
Fotos: Cassio Gadelha e Fernando deFreitas
Chanel. É o drible desconcertante de Rivelino (imitado por Ronaldos e Messi). É Elvis, Jimmi Hendrix, os Beatles, os Rolling Stones e Bruce Springsteen, mas também é o sonho adolescente de que um dia será você sobre aquele palco.
O INSTITUTO ENTREVISTA
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Por Felipe Ricco
T E A L E D L E U G I M
Fotos: Divulgação
Miguel De Laet atua há mais de 20 anos no setor musical, desempenhando diversas atividades. Foi músico erudito e popular, tocou na banda de rock Karmanguia e no grupo de prog metal santista Metal Jam, que teve álbuns distribuídos em 8 países. Foi editor da revista Violão PRO. Produziu jingles e spots publicitários, trabalhou como músico de estúdio, produtor musical e atuava como desenvolvedor de produtos de fabricantes, tanto do Brasil quanto do exterior. Em 2014, trabalhando na Anafima, elaborou o plano de internacionalização setorial de que auxiliou empresas como Tagima, Rozini, Music Kolor, Meteoro, Giannini, Izzo Musical e Odery. Após este período, teve contatos com alguns fabricantes de instrumento brasileiros para desenvolver projetos em conjunto. Foi aí que surgiu o esboço da De Laet. De Laet se tornou a marca que dá nome ao ateliê onde Miguel produz seus instrumentos autorais. Nessa entrevista ele conta mais sobre toda sua empreitada. Como você começou na luthieria? Comecei razoavelmente cedo. Sempre fui muito curioso e, quando adolescente, comecei a estudar de forma autodidata depois que ouvi de um luthier “quem é você na fila do pão?” para negar um trabalho de um violão fretless. Estudei métodos de construção de autores do hemisfério norte, como os de Jonathan Natelson, William Cumpiano e Heron-Allen, entre outros, e não parei mais. Frequentei a B&H Escola de Luthieria bem garoto. Quando me dei conta já estava construindo meus primeiros instrumentos e foi um caminho
natural trabalhar para alguns fabricantes do segmento, coordenando departamentos de marketing e desenvolvendo novos produtos. Continuei meus estudos no Conservatório de Tatuí, onde pude estudar de forma aprofundada conceitos e técnicas de construção da Escola de Cremona orientado pelos professores Fachinetti e Vlamir Ramos. Quando você entrou no mercado, o principal intuito era construir instrumentos ou trabalhar com regulagem? Quando entrei no mercado meu intuito era fazer música, não importava onde, com quem ou de que forma. Isso foi tomando uma proporção tão grande que não consigo separar a música da minha vida. Tudo que tenho hoje eu construí através dela. A construção entrou de forma curiosa. Eu comecei a estudar muito cedo, e isso pode ser legal por um ponto, mas péssimo pela imaturidade e pelas ideias esdrúxulas. Num determinado momento dos primeiros passos de concertista, tive a “ideia genial” de querer estudar com um violão sem trastes, visto que os instrumentos temperados (ou seja, que renunciam à afinação natural pela praticidade do cromatismo, nos quais o dó sustenido e ré bemol são a mesma nota, por exemplo) jamais conseguiriam soar com a afinação perfeita. Na época, um amigo me sugeriu procurar um luthier para fazer o trabalho. Foi o que fiz! Quando apresentei minha ideia, o luthier perguntou “quem é você na fila do pão? Violão fretless, isso nunca vai dar certo! Vai soar desafinado e eu não quero meu nome envolvido nisso”. Isso foi um convite para eu começar a construir meus primeiros instrumentos. A partir disso, o resto
é essa carreira toda sinuosa que foi construída no meio musical. Você se especializou numa das mais tradicionais escolas do país, o conservatório de Tatuí. Conta pra gente a importância de fazer um curso numa escola de luthieria. Se eu fosse levar em consideração a percepção dos clientes que a maioria das oficinas de instrumentos de cordas atendem, talvez eu nem saísse de casa pra estudar. Via de regra, o cliente que busca o serviço de um luthier deseja pagar mais barato por um serviço que ele não consegue fazer ou não quer se aventurar. No entanto, pessoalmente tem um peso muito importante na minha formação e me ajudou a compreender melhor aspectos históricos e os motivos das transformações estéticas e mecânicas dos instrumentos, o que nos cria atalhos na aplicação de soluções, seja na construção ou na manutenção de um instrumento musical, em especial nos violinos que, não raramente, possuem alto valor mercadológico e histórico. Importante lembrar que a educação, infelizmente, é pouco valorizada em países sul-americanos de forma geral. E sempre que me questionam sobre a importância de se estudar formalmente, sempre digo que depende muito daquilo que procura. Se o intuito é apenas um diploma, não vale a pena, pois é um curso que exige sacrifícios de tempo e recursos. No entanto, é possível, atualmente, ter contatos homeopáticos com o estudo da luteria através de cursos online, minicursos, oficinas, entre outros formatos de curta duração e descobrir se realmente está dis-
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O INSTITUTO ENTREVISTA posto a investir tempo e dinheiro, pois além do trabalho e dedicação, temos o ferramental para desempenhar nossas atividades. Podemos ilustrar o caminho de possibilidades entre os cursos regulares/formais e os cursos livres/ informais com os termos “luthieria” e “luteria”. Se você perguntar para um músico ou um luthier in-
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formal qual é a forma correta de dizer, muitos deles irão afirmar categoricamente “luthieria”, porque o termo “luteria é estranho” ou algo do gênero. Se você perguntar para um acadêmico, um estudante de letras, ou para um luthier que estudou formalmente, categoricamente dirão que “luteria” é o correto e irão argumentar com referências
bibliográficas e, principalmente, com o dicionário de português que possui apenas o verbete “luteria” catalogado. De fato, se levarmos em consideração a língua portuguesa, luteria é o único termo correto e aceito. No entanto, existe uma terceira via apresentada pela sociolinguística de Saussure que leva em consideração o hábito de um povo, indicando que não se deve corrigir a maneira de se expressar, sendo aceitável o uso do termo comercial “mussarela” para se referir ao tipo de queijo que possui a grafia correta “muçarela”, ou até mesmo o uso coloquial de “praca” para designar “placa”; basta lembrarmos também do termo “igreja” que surgiu de “iglesia” e se tornou o termo para designar um templo em português. Deste modo, “luthieria” é um termo que deve ser compreendido também como correto em um ambiente coloquial, pois a maioria das pessoas da cultura a que pertence entendem o seu significado. Vejo o estudo da luteria (ou luthieria) do mesmo modo. Não importa muito o caminho, mas o quão profundamente você deseja seguir naquele estudo. Muita gente não deseja se aprofundar num determinado tópico, e isso não irá aumentar ou diminuir o seu grau de importância mercadológica. Você pode, informalmente, traçar estudos daquilo que interessa ou não para desempenhar determinada atividade. Do mesmo modo, o estudo formal não será determinante para se atingir o sucesso em uma determinada área, apesar do seu peso acadêmico. Muitos profissionais não concluíram cursos de graduação e se tornaram referências em suas áreas. Isso não quer dizer que não houve estudo e disciplina na construção do seu conhecimento. O domínio da técnica (prática) em conjunto com a compreensão teórica e o domínio do referencial bibliográfico são complementares e essenciais quando se exige verdadeiramente a excelência num determinado serviço ou produto. E, infelizmente, não há outra forma
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de se chegar a isso sem renúncias e sacrifícios. Estudar qualquer coisa demanda tempo. Estudar uma arte multidisciplinar que exige conhecimento de princípios de física (mecânica, acústica etc.), química (para o preparo de vernizes, no caso dos ateliês de luteria clássica), dendrologia, artes plásticas e percepção musical, por exemplo, é algo que deve ser realizado com persistência, dedicação, disciplina e preparo físico também. Entrar num curso de luteria sem base alguma, sem conseguir esculpir um cubo de madeira e acreditar que o mesmo será capaz de torná-lo um luthier em um curto período de tempo será frustrante, pois qualquer curso formal exigirá conhecimentos e habilidades mínimas necessárias para um bom rendimento do estudante. Por isso, é fundamental reconhecer que o esforço pessoal é determinante nos estudos, ainda mais nesta área. Já ministrou algum curso na área? Sim. No segmento de luteria ministrei algumas oficinas. Até 2019, atuava como professor universitário em cursos presenciais da área de música, mas nenhuma disciplina relacionada à luteria, apesar de ter um projeto para um curso de graduação na gaveta. Com a pandemia, tive que deixar a sala de aula e estou apenas com as atividades de construção de instrumentos do ateliê. É a favor do uso da tecnologia para passar conhecimento? O que você acha de cursos online de luthieria? Sim! A tecnologia e a era da informação revolucionaram o mundo, não poderia ser diferente com a educação. Existe a limitação de se conseguir efetivamente acompanhar um curso online de luteria por conta do ferramental necessário para algumas atividades. Digo isso porque é alto o investimento em ferramentas como goivas, plainas boas, ferramentas de corte boas, sargentos, grampos de qualidade, assim como madeiras, o que impede muita gente de iniciar um curso de luteria à distância e de se desenvolver na área. No entanto, vi muita
coisa legal sendo produzida online, especialmente abordando regulagem de instrumentos de cordas dedilhadas ou princípios básicos de construção que podem ajudar estudantes a terem confiança em pegar seus primeiros serviços de manutenção e chegar naquele conhecimento mínimo necessário, que comentamos anteriormente, para encarar um curso formal, ou paulatinamente adquirir ferramental e novos cursos online, e evoluir efetivamente. Outro ponto que podemos destacar – e que ficou ainda mais evidente no período de pandemia - é a dificuldade que muitos possuem para se deslocar e ir ao local do curso. O e-learning veio para ficar como solução para levar a educação de qualidade para áreas remotas ou para que as pessoas estudem de acordo com o seu tempo disponível. Além das guitarras, você está construindo violinos também. Como está esse projeto? Conta o intuito dele pra gente. Eu, basicamente, produzo ins-
trumentos de autor, então consigo flexibilidade para trabalhar com projetos de guitarras, violinos, ou qualquer outro que um músico desejar construir. Mas acho legal contar uma história que pode ajudar a entender um pouco melhor a “maluquice” de misturar guitarras com violinos. Quando comecei a produzir as guitarras usando apenas espécies brasileiras como conceito do projeto, um amigo meu, luthier, afirmava que “eu iria morrer na praia. Ninguém compraria, pois era impossível vender guitarra com madeiras nacionais, ainda mais apostando em design original”. Depois de alguns anos, recebemos, com o nosso modelo DeLaet Julie Spicy, o selo “Melhor Compra” da revista Total Guitar (2016) e vimos tanta gente boa surgir, seja produzindo instrumentos de autor seja instrumentos de oficina (aqueles que contam com uma equipe de luthiers ou uma CNC), utilizando somente madeiras brasileiras. Isso sem contar as grandes fabricantes internacionais, que estão utilizando nossas espécies.
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O INSTITUTO ENTREVISTA (1700) dos instrumentos de cordas friccionadas. Não demorou muito para que os violinos inspirados no Messiah (1716), de Stradivari, que estou fazendo, dividissem espaço na bancada com um projeto autoral que, aliás, devo apresentar ainda este ano. O mapa foi baseado na proporção áurea com o intuito de oferecer um instrumento contemporâneo com projeção e equilíbrio tonal, mantendo os princípios estéticos que norteiam um instrumento de alto padrão.
Eu não fui o primeiro a usar exclusivamente madeiras brasileiras em projetos. Referências minhas, como o Ronay e o Josino Saraiva da Cast Guitars, já faziam isso muito bem décadas atrás e com resultados excepcionais. A única coisa que fiz diferente de luthiers de gerações anteriores é que eu não vendia instrumentos com madeira brasileira como uma alternativa, “madeira substituta” para as espécies tradicionais. Os instrumentos foram projetados para o uso delas, levando em considerações suas características mecânicas e acústicas, e, por esse motivo, conquistaram os músicos e o público que atendemos. Com o tempo, por pedido de um ou
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outro cliente, fui produzindo com madeiras tradicionais também, sem que isso afetasse o DNA dos instrumentos DeLaet, que são autorais. Os violinos surgiram de forma curiosa. Visitando a casa da minha mãe para buscar alguns documentos, encontrei, entre as caixas que ali estavam, um antigo violino tcheco que ganhei de presente quando era criança. Levei pra casa, o restaurei e comecei a estudar novamente alguns temas no violino (aqueles do método Suzuki, bem básicos). Quando me dei conta, estava novamente debruçado em livros, anotações e muito cavaco de madeira, construindo instrumentos inspirados no período de ouro
No Site da De Laet há um blog com textos muito bem escritos, inclusive com textos e pesquisas bastante pertinentes. Você tem esse perfil de pesquisador? Gosta de estudar e adquirir novos conhecimentos? Como isso pode acrescentar ao trabalho de um luthier? Obrigado! Sempre gostei de escrever. Fui editor da revista Violão PRO por muitos anos. Depois, fui colaborador da revista Música&Mercado para matérias técnicas voltadas para lojistas e fabricantes. Como professor universitário também publiquei alguns artigos científicos, mas sempre tive a intenção de ter um canal direto para falar sobre coisas diversas, mesmo que de maneira informal. Acredito que a busca pelo aprimoramento deve ser uma constante na vida do ser humano. Na luteria, por ser uma área multidisciplinar, a exigência é ainda maior. Infelizmente, são poucos os estudos publicados em nosso país para nossa área de estudo, mas, graças à tecnologia, consigo pesquisar em sites e bancos de pesquisa de instituições europeias que possuem muito material. Artigos que tratam do comportamento vibracional de polímeros naturais (madeiras), sintéticos, propriedades de amortecimento sonoro de tipos de cola na luteria, por exemplo. Muitos estudos não contribuem necessariamente para a evolução da prática, mas servem de parâmetro para desmistificar assuntos que geram discussões intermináveis e que se resumem a uma opinião e gosto pessoal. O blog foi sugestão de minha es-
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posa, Dandara, mas confesso que comecei a me dedicar há pouco tempo devido à agenda corrida que temos aqui. Ultimamente, venho estudando um material publicado em 1786 por Antonio Bagatella sobre design de instrumentos e que serve de base até hoje para luthiers da Alemanha e da região do Tirol. Ele foi apresentado na época em que o autor publicou na Academia de Ciência, Letras e Artes de Padova. É um material que devo compartilhar no blog, certamente. Espero que o espaço possa contribuir, de algum modo, com outros apaixonados pela música e luteria, bem como estimular as pessoas a compartilhar suas vivências e práticas dentro deste nosso rico universo. Com a pandemia do Coronavírus, diversos segmentos do mercado entraram em crise e muita gente está precisando se adaptar. Como a De Laet está lidando com esses novos tempos? Sim. Um ateliê de instrumentos artesanais de alto padrão não atende muita gente, normalmente. Não dá para negar que fomos afetados, em especial com inadimplência e atrasos de pagamento, mas temos que agradecer por continuarmos vivos e trabalhando. São raras as empresas que se mantiveram e muitos profissionais estão sofrendo com a falta de trabalho e emprego. Atualmente, trabalho sozinho na oficina. São raros os casos de recebermos serviços de manutenção, mas, quando acontece, os clientes apenas deixam os instrumentos e retornam para retirá-los. Quanto ao envio ou entrega dos instrumentos, sempre tivemos preocupação com a higienização das peças. Seguimos com o mesmo rigor com o intuito de evitarmos as chances de contágio, tanto nossa como dos clientes. Acredito que muitos dos hábitos que surgiram durante a pandemia continuarão persistindo. O uso de máscara, apesar de poder logo mais não ser exigido, pode se tornar um hábito comum para alguns adeptos, mesmo quando a pandemia do Covid-19 estiver controlada, assim como acontece em países no oriente. Torço para que, em breve, este temor se torne apenas uma lem-
brança e que voltem os espetáculos musicais, a alegria das rodas choro, a balada rock do final de semana. Como você vê o mercado da luthieria no Brasil? Bastante promissor, em especial no setor de guitarras. É incrível como temos inúmeros bons construtores, talvez pelo mix de grande oferta de cursos online, fóruns de discussão na internet de construção de instrumentos e facilidade da aplicação e acesso a máquinas CNCs, tornando viável o surgimento de novos empreendedores no setor, que atualmente não precisam ter habilidades artísticas para usinar uma peça de madeira. De qualquer modo, exige-se conhecimento do material a ser usinado e de programação. Além do surgimento de fabricantes voltados a instrumentos de oficina com uso de CNC, temos o setor de serviços de pintura que ajudou bastante gente a ter um acabamento profissional, resolvendo com a terceirização a etapa mais importante para um instrumento de alto padrão. Cito a Music Kolor como uma das pioneiras e a grande referência neste segmento. Os acessórios produzidos no país também são merecedores de destaque. Christian Bove, uma das maiores referências, produz hardware custom com um capricho ímpar. Ram-
me Custom, pelo que acompanho nas redes sociais, vem agradando muita gente também. Creio que a luthieria brasileira nunca esteve em um nível tão elevado e promissor. E tem guitarra e baixo para todo tipo de gosto e bolsos. Algum conselho para novos profissionais? Dediquem-se ao máximo em tudo que se comprometerem a fazer. Sejam perseverantes, tenham paciência e não tenham receio de errar. Sejam obstinados, arrisquem-se e, principalmente, estudem! A educação é transformadora. Façam as renúncias e sacrifícios valerem a pena. E como último conselho: “não sigam conselhos desmotivadores”. Se eu tivesse seguido os “sábios conselhos” de um amigo luthier, perderia a chance de vivenciar todas as experiências importantes que me trouxeram até aqui. Curtam a jornada, pois ela é a razão de tudo. Finalizando por aqui, muito obrigado pela entrevista, o espaço é seu para mandar um recado. Quero agradecer a toda equipe da 440hz pela oportunidade da entrevista e a você, Felipe, pelo trabalho que O Instituto desempenha, contribuindo na formação de muita gente interessada pelo universo musical.
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MEMÓRIA Por Érico Malagoli
PASSEATA CONTRA A GUITARRA ELÉTRICA Sim, isso ocorreu… no Brasil, é claro! Anos 50 e 60, enquanto, nos EUA, inventores como Leo Fender e Les Paul, à frente de fábricas como Fender e Gibson desenvolviam guitarras, no Brasil algumas personalidades da música da época, especialmente da MPB, decidiram se colocar contra o instrumento que, para eles, simbolizava a invasão cultural estrangeira, especialmente da música americana e inglesa. Nesse período já se fabricavam guitarras no Brasil e muitos músicos do rock brasileiro a usavam, mas eram “malvistos” por seus colegas músicos. Com o slogan “defender o que é nosso” em mente, para se proteger da influência cultural estrangeira (além de alguns outros interesses não ditos), em 17 julho de 1967, centenas de pessoas, acompanhadas por artistas do gabarito de Gilberto Gil, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré e Edu Lobo, dentre outros, liderados por Elis Regina, caminharam pelo centro de São Paulo gritando “Fora Guitarra”! O trajeto percorrido foi desde o Largo São Francisco até o Teatro Paramount (hoje Teatro Renault), na avenida Brigadeiro Luís Antonio, onde ocorreria o programa Frente Ampla da MPB. Diz a história que Caetano Veloso e
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Nara Leão assistiam a tudo da janela do Hotel Danúbio horrorizados. Nara chegou a dizer que aquilo parecia uma manifestação integralista. Em entrevista ao jornalista Júlio Maria, Gilberto Gil se justificou de maneira equilibrada: “Eu participava com Elis daquela coisa cívica, em defesa da brasilidade, tinha aquela mítica da guitarra como invasora, e eu não tinha isso com a guitarra, mas tinha com outras questões, da militância, era o momento em que nós todos queríamos atuar. E aquela passeata era um pouco a manifestação desse afã na Elis”. Chico Buarque, quando cobrado por não ter participado, teria respondido “não tenho nada contra a guitarra elétrica, só não toco”. O irônico é que é impossível imaginar os grandes discos de Elis Regina da década de 70 sem a guitarra de Natan Marques, por exemplo. Pouco tempo depois, em outubro de 1967, aconteceria o III Festival da TV Record, histórico, porque foi aí que se revelou a renovação da MPB, onde Gil tocou com os Mutantes e Caetano Veloso se apresentou com os Beat Boys (banda de rock argentina), marcando uma aproximação dos músicos com a guitarra, e dando origem ao movimentoconhecido como Tropicália.
COXIA Anneliese Kappey
Ana Sniesko Erico Malagoli
Camila Duarte Fernando de Freitas
Henrike Balíú Ian Sniesko
Luis Barbosa
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
Lucas Vieira
440 Hz