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MARISA MONTE lançamento resenhado
by comlimone
DEPOIS DE TUDO, AINDA SER FELIZ
DEPOIS DE TUDO, AINDA SER FELIZ
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Oano era 1989. O Brasil se preparava para eleger um presidente novamente, após quase três décadas. Havia um certo otimismo no ar, mas Marisa Monte estreava sua discografia cantando “Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz. Mas já não há caminhos pra voltar. O que a vida fez de nossa vida?”, versos que sucediam a faixa de abertura, que avisava “a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e balé”. Essas escolhas, olhando em retrospectiva, dão ar profético àquele álbum. E, se tivermos sorte, Marisa está manifestando esse dom em seu álbum mais recente.
O álbum Portas funciona como um olhar de desejo, voltado para o futuro próximo, a partir do presente. Esse espaço referencial substitui o universo verbal do passado e do futuro do pretérito.
Não à toa a primeira canção (a homônima Portas) faz o convite de escolheremos novas possibilidades, deixando claro que as portas não são iguais, mas não importa qual escolher, todas dão em algum lugar, em contraponto à escolha da melhor. Se não precisa ser uma única porta, também estamos diante de possibilidades complementares. Assim, na canção seguinte, ela anuncia suas intenções nos versos “Calma, que eu já tô pensando no futuro / Que eu já tô driblando a madrugada / Não é tudo isso, é quase nada / Tempestade em copo d’agua / Eu não tenho medo do escuro / Sei que logo vem a alvorada / Deixa a luz do sol bater na estrada /Ilumina o asfalto negro”.
Trata-se de uma prestidigitação já bem conhecida da música brasileira: inserir uma carga política intensa em um plano metafórico de uma suposta canção de amor. O resultado do truque é atingir o imaginário simbólico do ouvinte, ou seja, a causa de suas reflexões subjetivas. Com isso, Marisa monte não se coloca em um papel de criar uma identificação entre pares, ou mesmo, incendiar os já propensos à piromania. O que faz a artista é abrir espaço de aceitação de eventuais mudanças.
Para tanto, as canções do álbum têm uma roupagem levemente naïf, se aproximando de muitos sucessos radiofônicos de Marisa, lembrando o que pode ser chamado de “música de novela”. Porém, não existe nada de ingênuo no álbum, os arranjos são elegantes a ponto de parecerem simples - o que não são. As melodias vocais são de precisão cirúrgica (Marisa Monte nunca deixa de ser quem ela é) e embalam os devaneios pelos caminhos que ela escolhe.
Quando Marisa canta Medo do Perigo, a história de amor impedida com ares de Romeu e Julieta, ela delicadamente está abordando a crítica a pretensos valores morais cujo discurso tomou força nos últimos anos e conquistou representantes nas esferas de poderes.
É um álbum agradável, que trabalha com sons agradáveis ao ouvido. Está longe da audácia formal que Marisa apresentou no álbum Verde, Anil Cor de Rosa e Carvão, em especial no sucesso estrondoso de Segue o Seco. Ali, Marisa ainda sedimentava seu espaço na música brasileira. Hoje, como uma de suas estrelas máximas, Marisa sabe que seus códigos são outros, por isso a abordagem deve acompanhá-los.
Se alguns podem acusá-la de alienada, cantando canções em um universo quase onírico e positivo, eles o farão diante de uma superficialidade própria. Portas é um álbum político, que apresenta o mundo como ele pode e deve ser, dando os rumos de alcançá-lo e cantando muito além de qualquer nicho de público. Marisa monte trouxe para o mundo uma obra com mensagens para todos, e no fundo, ela diz que depois de tudo, ela ainda quer ser feliz, mas não sozinha.