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NOVA AUTORA DE BEL
by comlimone
AURORA MUSICAL
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Da canção se faz o poema e do poema, a canção. Para ser mais abrangente, da poesia se faz a música e da música, a poesia. Existe um elemento metalinguístico inexplicável capaz de fazer com que a sucessão de sons (tons ou semitons) nos remeta a sensações, memórias e afetividades que estão no campo do sentimento, do subjetivo. É na plena consciência deste processo que Bel Aurora apresenta seu EP Mulher ao Mar. As fronteiras entre a obra poética, sua apresentação sonora e a composição musical são permeáveis em experimentalismo contido. O cantar e o declamar são separados pelo fundo instrumental. A palavra é apresentada quase crua sobre melodias diretas, porém de riqueza imagética. “Sempre enxerguei as letras de músicas mais como poemas, e me esforço um tanto para as minhas composições poderem se sustentar como poemas, mesmo quando se tira a música delas. Acho que a poesia é uma espinha dorsal das artes, ela é perpétua. Me fascina muito. Então eu comecei a testar essas inserções poéticas entre faixas, ou os poemas como movimentos dentro das músicas”, diz a compositora. São, formalmente, 4 canções e 3 poemas, que, em 15 minutos e 34 segundos, Bel Aurora apresenta em sua estreia e que nos fazem esperar pelo primeiro álbum, Metanoia, previsto para o primeiro semestre de 2022, com produção de Guilherme Kastrup. “Esse EP é uma viagem curta. Ele me apresenta como artista, tem uma sonoridade mais seca, mais limpa. Mas ele é genuíno e acho que, com ele, quero alcançar os corações de pessoas que se sentiram perdidas como eu, que elas se sintam menos sozinhas”. Bel Aurora é a alcunha encontrada por Isabel Chaib Moreau, de apenas 24 anos, para este novo velejar na carreira, que passa por um processo de mergulho em si mesma e de autocura, após a tormenta que foram os anos de 2016 e 2017. “Eu estava indo morar sozinha e tinha rompido com meu primeiro grande amor. Nessa época, estava refletindo muito sobre o meu processo de autonomia e sobre como eu ia elaborar as violências que tinham me atravessado até aquele ponto. Fui estudar justiça restaurativa, passei por momentos fortes nos coletivos em que eu militava, passei por essa quebra de confiança com o espaço da minha faculdade, estava tentando me virar com a música e gerir o espaço em que eu morava”, relata Bel. A artista cursava Letras na USP e deu uma pausa nos estudos para se dedicar ao trabalho musical. A insegurança que sentia ao transitar pelo campus veio após uma agressão sexual que sofreu em 2017 de um homem que também a ameaçou. Bel trata do assunto no poema que aparece na faixa que fecha o disco, “Sabor seu/Onde não quero estar”. “O poema ‘Sabor Seu’ foi um poema que surgiu de um processo de entender que eu tinha sofrido uma agressão sexual e a música ‘Onde não Quero Estar’ surgiu de um processo de entender que eu tinha sofrido uma agressão mental. Foram compostos em momentos diferentes. “Onde não Quero Estar” é a música mais antiga desse repertório, eu compus quando tinha 16 anos. Era uma música que eu tinha um pouco de vergonha de mostrar no começo, porque achava ela muito “juvenil”, mas, aos poucos, fui conseguindo mostrar para as pessoas. Aí, nessas situações de mostrar as pessoas, fui testando misturar esse poema com essa música e surgiu esse medley possível que figura no EP. Eu acho que é uma das faixas que as pessoas mais tendem a gostar” acredita Bel. Bel transparece sua afinidade com a arte enquanto linguagem e não o inverso. A obra transcende a forma e conversa desde um detalhe, como os brincos de origami, às fotografias, trabalhando os elementos imagéticos desconstruídos de sua música ao cerne de sua apresentação em forma sonora. O importante é que Bel tem algo a dizer e sabe como fazer isso.