440 Hz
GORDOFOBIA A INDÚSTRIA DA MUSICA PRECISA MUDAR
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
INDIE POP AS NOVIDADES QUE FARÃO VOCÊ DANÇAR
ARTE FEITA EM CASA O ALBÚM QUE MARCELO D2 FEZ EM LIVES
SUMÁRIO 06 NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
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20 TADINI uma aventura chamada Colletive Delusion 22 MARIANA FROES talento precoce que desponta 24 COLUNA Erico Malagoli 26 GA SETUBAL abrindo sua Via
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30 LUCAS GONÇALVES em trabalho acústico 32 COLUNA SUSPECT DEVICE Henrike Baliú 38 MARCELO D2 deixa para trás o ódio 42 FERNÊ eletricidade e muito reverb 44 A HORA E A VEZ DAS GUITARRAS explorando a música eletrificada e política produzida no país 48 INDIE POP buscando músicas diferentes que tefarão dançar 54 GORDOFOBIA o mercado músical precisa mudar
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58 O ESPETÁVULO NÃO PODE PARAR casas de shows e produtores de eventos contam como se viram enquanto não reabrem as portas 62 O INSTITUTO ENTREVISTA Murilo Luthier 64 O dinossauro Microconto - Imagine
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EDITORIAL PRECISAMOS FALAR QUE OS SHOWS ESTÃO FAZENDO FALTA PARA TODOS Reunam-se todos, de onde quer que vocês venham, que os tempos estão mudando. O desafio é acompanhar essa transformação e não ser vencido pela ansiedade e paúra. Sinto o frio na barriga do artista que precisa subir no palco daqui alguns minutos e encarar o público. Durante o artesanato que envolve fazer a Revista 440Hz, fomos carregados por todo tipo de correnteza, cuidando de pessoas queridas que adoeceram, mudanças de endereço e a sobrecarga inerente ao período de excessão mais longo de nossas vidas. Entre todas forças que nos afetaram, mais forte foi nossa obstinação. Fizemos entrevistas antes do sol nascer e muito após o horário de trabalho. Escrevemos com prazos estourados e sorrimos entre cobranças de quem já está acostumado a nos ler. m n Mas vibramos, pois os tempos estão mudando. E estamos avisando, saiam de nosso caminho e não bloqueiem os corredores, passaremos em um estouro e não queremos machucar ninguém. E se engana quem acha que nossa batalha é abstrata, nada é mais concreto que nossa resiliência. Ouçam bem o rufar dos tambores, amanhã estaremos nas ruas a cantar, a festejar e a viver a plenitude. E os grilhões da obscuridade se desmancharão no ar. Essa é uma edição sobre a liberdade. Que não tardará.
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Edição7 - Outubro 2020 Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Matheus Medeiros
Fernando de Freitas
Foto da Capa: Divulgação
Foto: Arquivo Pessoal
A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.
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LEIA A 440Hz
440 Hz
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA
PLEBE RUDE
Abrimos todos os segredos e testamos as novidades do
GALPÃO MALAGOLI
ENCENANDO A HISTÓRIA DA HUMANIDADE
ANTONIO NÓBREGA
RIMA, embolada e indignação
Todas as edições disponíveis em nosso site gratuitamente www.revista440hz.com.br
NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
Fotos: Divulgação / Crédito: George Holz
TRAVIS LANÇA INÉDITA
Após o lançamento de seu novo single estelar “The Only Thing” com Susanna Hoffs do The Bangles e a notícia de que “A Ghost” é um sucesso no Top 12 de airplay, Travis compartilha a nova faixa melancólica, “All Fall Down” ao lado de um belo lyric video, mais uma vez dirigido pelo frontman Fran Healy. A música faz parte do álbum da banda 10 Songs, que acaba de ser lançado. 2021 também dará as boas-vindas à banda de volta à estrada com uma extensa turnê no Reino Unido, incluindo um grande show em Londres no The Roundhouse.
DESEJOS E CAMINHOS P
ara comemorar o seu recém-lançado álbum, An Evening of New York Songs and Stories (agora disponível via Amanuensis / Cooking Vinyl), Suzanne Vega fez dois shows transmitidos ao vivo pelo mundo no icônico Blue Note Jazz Club de Nova York em Greenwich Village. Em um gesto de apoio à indústria de música ao vivo independente, que atualmente enfrenta a ameaça existencial da crise contínua do COVID-19, Vega fez parceria nos shows com locais e promotores independentes nos Estados Unidos e uma série de promotores e grandes promotores do Reino Unido e da Europa, festivais, incluindo Cambridge Folk, Isle of Wight e Underneath The Stars Festivals. Todos os parceiros se beneficiaram de uma parcela da receita de vendas de ingressos.
Sobre o álbum, Vega afirma: “É sempre um prazer tocar no Café Carlyle de Nova York, onde esse álbum foi gravado. É um pequeno clube exclusivo que já recebeu lendas de Eartha Kitt a Judy Collins, e também é conhecido por ser o lugar onde Jackie Kennedy conheceu Audrey Hepburn. Eu amo isso por seu glamour boêmio do velho mundo! Decidi que seria divertido realizar um show com o tema de Nova York lá com músicas inspiradas na cidade de Nova York ou para as quais Nova York forneceu o pano de fundo, incluindo ‘Walk on the Wild Side’ do meu falecido e grande amigo Lou Reed - um música que raramente o ouvi cantar. ”
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POM POKO A POUCO Tendo anunciado recentemente seu retorno com o segundo álbum Cheater, que acabou de ser lançado via Bella Union, Pom Poko compartilhou o estridente novo single “My Candidacy”. De acordo com a banda: “a música em si é uma espécie de desejo de poder acreditar no amor incondicional, mesmo sabendo que provavelmente não existe tal coisa. Nós, pelo menos, acreditamos no amor incondicional por melodias e riffs com refrões para cantar.” Entre as melodias suaves do quarteto, punk e erupções de rock selvagem, Cheater é o som de uma banda que celebra os extremos que os tornam tão qualificados para emocionar.
QUANDO O CARNAVAL CHEGAR Com a pandemia, a festa mais popular do Brasil está sob ameaça. Alguns governos já decretaram seu adiamento e a nova data para comemoração ainda não foi acertada, o que gera dúvidas quanto à realização. Pensando nisso, a Estalo, agência de marketing 360, encomendou uma pesquisa sobre o tema para entender o comportamento do brasileiro em relação à festa em 2021 e dessa forma, propor novas soluções para seus clientes. No estudo, constatou-se que 60% dos entrevistados pretendem mudar o comportamento diante das festas do feriado, mesmo depois de uma vacina contra a COVID-19, o que exige uma reformulação por parte das empresas e das marcas envolvidas com a festividade. Grande parte das pessoas, 68%, afirmam que estarão mais exigentes em relação às condições de higiene desses eventos, enquanto 49% darão preferência a festas menores, já 40% evitarão carinhos e beijos de desconhecidos, enquanto isso 38% evitarão blocos e aglomerações.
VIDA E MÚSICA DE JANIS JOPLIN
Escrito por Holly George-Warren, jornalista e uma das mais respeitadas cronistas da história da música norte-americana, “Janis Joplin: Sua Vida, Sua Música”, lançamento da Editora Seoman, chega ao Brasil no ano que marca o cinquentenário de sua morte. Para relatar a vida da cantora, a autora recorreu a familiares, amigos, colegas de banda, pesquisou arquivos, diários, cartas e entrevistas há muito perdidas. “A mistura de musicalidade confiante, sexualidade impetuosa e exuberância natural, que produziu a primeira mulher estrela do rock dos Estados Unidos, mudou tudo”, conta a autora Holly George-Warren na introdução da obra. À venda por R$ 52,42
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
AFROCHOQUE É A NOVIDADE DE MONKEY JHAYAM
O
artista volta à cena com um novo single de sonoridade glocal. Este termo – neologismo resultante da união de global e local – descreve bem a faixa “Afrochoque”. É o choque de culturas genuínas e tradições locais com o que há de mais globalizado. “Na Angola, o kuduru; na Nigéria, o afrobeat; na República Dominicana, o denbow; na Jamaica o dancehall; no Brasil, o funk. ‘Afrochoque’ une todos esses estilos como uma pangeia musical. É a diáspora africana se reunindo, se reencontrando, se levantando e expressando a sua voz”, explica Monkey Jhaya. O clipe que o acompanha é inspirado no filme “Jumanji”.
Fotos: Premier King / Divulgação
CANÇÃO DE NINAR O APOCALIPSE
Depois de dançar entre o bolero e o arrocha nas já mostradas faixas Quem Ama Sofre, parceria com Luiz Tatit, e Cinema Ilusão, co autoria com Zeca Baleiro e que tem vozes de Zeca e Chico César, Vanessa Bumagny lança uma canção de ninar para o próprio medo que não estava admitindo que sentia, mas estava lá. “Uma fantasia infantil, porque esse ‘bicho papão’ não vai dormir com a música. Mas ela pode acalentar a minha e a nossa fragilidade para a gente se fortalecer”, ela comenta. Assim é Canção para Ninar o Apocalipse: uma possibilidade de perceber o medo em cada um e poder acolher o sentimento.
ABRAM ALAS PARA O TUNECORE
Provedora de serviços de distribuição de música digital para artistas independentes, a TuneCore anuncia a sua expansão internacional com o lançamento da TuneCore Brasil. O serviço permite que artistas independentes distribuam suas músicas para a rede de mais de 150 lojas digitais e serviços de streaming em todo o mundo, incluindo Spotify, iTunes / Apple Music, YouTube Music, Amazon Music, TikTok e Deezer. A TuneCore paga mais de US$ 1 milhão por dia, com os artistas retendo 100% de suas receitas de vendas e direitos por uma baixa taxa anual fixa.
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CRÔNICAS CÍRIAS Estrategicamente marcado para o dia 7 de setembro, o cantor e compositor CIRIO abre lançou a canção de protesto “Independência ou Morte”, em defesa da democracia, evidenciando a sua preocupação com o autoritarismo e o descaso do atual governo com assuntos vitais como a pandemia do novo coronavírus e o desmatamento da Amazônia. A melodia, cantada boa parte em coro, lembra “jingles políticos e o acordeon dá um toque de brasilidade para o arranjo. A letra, inicialmente inspirada em “Podres Poderes”, de Caetano Veloso, é repleta de aliterações, marca constante do artista em suas últimas composições. Em “Independência ou Morte”, palavras de protesto misturam-se a uma sonoridade otimista que deposita esperanças no poder de decisão de um povo livre: o voto. Em seu canal do YouTube, o cantor já exercita a sua crítica ao atual governo em sua série Cantadas Crônicas desde o início do ano. Mês a mês estão sendo lançadas retrospectivas em músicas autorais, refletindo sobre os últimos acontecimentos do Brasil, trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelo artista, mas de forma anual.
TANGO DE ROBERTA “Roberta Tango Miranda” é o nome do álbum especial da cantora Roberta Miranda que já está disponível nas principais plataformas digitais. Gravado em Buenos Aires (Argentina), o projeto traz a produção de Cau Bornes e direção de Valeria Lynch e reúne grandes clássicos como “El Dia Que Me Quieras” e “La Cumparsita” , além de versões em tango de “A Majestade, o Sabiá”, “São Tantas Coisas”, “Vá Com Deus” e “Madrugada Amiga”.
Ouça: https://ps.onerpm.com/7774042108
A música “Afro Logic” do duo Anderson Soares + Will Robson, é produzido pelo Estúdio Bijari. Com coreografia de Vinicius Oliveira (@pitbullkrump), o single já alcançou, na primeira semana de lançamento, a posição de número 48 na parada afrouhouse do site Traxsource, dedicado às vertentes da música eletrônica. “Escolhemos usar uma metalinguagem que traz elementos da fotografia analógica.O clipe tem um ambiente virtual que traz memórias, texturas e manifestos do mundo físico”, explica Geandre Tomazoni do Bijari. “Um som groovado, timbres ácidos e vocal marcado fazem da versão original e seus remixes seus pontos fortes”, comenta Will..
FotosDivulgação
GROOVE E FOTOGRAFIA
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
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cantor e compositor paraibano Severino lança o vídeo lyric de Flowers in Bloom nesta sexta 28 de agosto. A canção é um extra do disco Grown Up Emancipation, lançamento de 2019, e fala sobre a auto descoberta de uma adolescente, com suas dúvidas e desejos. As referências evocam a lembrança de Zé Ramalho num clima de rock contemporâneo. “A música é pura emoção. É o momento em que uma garota descobre seu afeto, seu objeto de desejo, seu florescer. A levada, as letras e o sentimento é puro e intenso como a adolescência”, comenta Severino. “O vídeo marca o primeiro passo de uma guinada na carreira. Um EP está a caminho e deve ficar pronto até o final do ano, que será produzido e gravado no Rio, com uma galera da pesada”, adianta.
A BANDA LOUCA DE KEITH RICHARDS Keith Richards e sua incomparável banda, The X-Pensive Winos, tocaram no Hollywood Palladium. Foi o penúltimo show de uma turnê por 12 cidades nos Estados Unidos e uma noite que banda e público jamais esquecerão. Agora, este show lendário está disponível pela primeira vez como um box set de edição limitada. “Eu gostaria de agradecer a todos os caras dessa linda banda louca. Algo para amar. Eu sei que eu faço”, declarou. Keith montou o núcleo desta banda ao longo de 1987 e 1988 durante as sessões de ‘Talk Is Cheap’. Saiba mais em: https://www.keithrichards.com/
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Fotos: Divulgação
DESCOBERTAS DE SEVERINO
LA MELODIA DE NELSON É o mais recente resultado de uma série de faixas gravadas no Soundpark Studios e House Band Recording Studios, na cidade de Los Angeles, sob o selo americano One Little Blue Records. A obra é da banda argentina Inmigrantes, formada pelos irmãos Pablo Silberberg e Carlos Silberberg. A música foi composta por Pablo e Carlos, produzida por Ettoré Grenci e é distribuída pela Ingrooves Brazil. O clipe, filmado em Buenos Aires, foi dirigido por Ramiro Díaz e conta com a participação de dois bailarines também da Argentina: Muriel Bruschi e Ernestina Gatti e da Colômbia: Tian Aviardi. Este é o quarto single lançado este ano pelo duo, e é o mais recente resultado de uma série de faixas gravadas no Soundpark Studios e House Band Recording Studios, na cidade de Los Angeles, sob o selo americano One Little Blue Record. “Nessa música convivem duas personalidades de uma mesma pessoa. A fusão das duas partes sem deixar cicatrizes no meio era o objetivo principal da gravação. Por um lado, uma melodia nostálgica anestesiada por um cansaço e por outro lado a pressão, a ansiedade.”
PESO DE OURO
O duo de rap brasiliense Tribo da Periferia acaba de lançar o clipe “Preço de Ouro”. “Nesse momento de quarentena procuramos um modo de suprir nossa ausência com nossos ouvintes, então, aproveitamos para nos dedicar aos novos projetos, composições e produção de áudio e vídeo”, fala Duckjay. “Preço do Ouro” foi composta e produzida durante o período de isolamento. Este será o primeiro de oito singles e cinco videoclipes que serão lançados até o fim do ano, já que os planos do duo foram revisitados por conta da pandemia.
LITERATURA CANTADA
Formada pelo vocalista e compositor criativo Gabriel Soares e pelo guitarrista Conrado Passarelli – apaixonados por literatura, a banda Atalhos é conhecida pelo público por suas referências literárias, como a faixa “José, Fiquei Sem Saída” (2014), do álbum Onde A Gente Morre, mixado por Mark Howard (Neil Young, Tom Waits), canção inspirada na obra de Franz Kafka. Agora, o duo coloca de vez os pés no dreampop com o single acompanhado de videoclipe – dirigido pela dupla Cinza, formada por Lucas Justiniano e José Menezes, diretor que assina clipes como “Dia Lindo”, do Terno Rei; e “Calma” de Tim Bernardes. A obra audiovisual traz projeções de Gabriel Rolim – que já dirigiu clipes de artistas como Boogarins e Brvnks. “Mesmo Coração” chega pelo selo argentino Scatter Records (Buenos Aires), que já assinou outros artistas brasileiros como Macaco Bong, Superguidis e Autoramas. A faixa poderá ser ouvida em todas as plataformas.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS INDEPENDENTES FAZEM SUCESSO
O PRINCIPE É
YOUTUBER
C
om mais de 50 anos de carreira artística, o cantor e apresentador Ronnie Von cedeu aos encantos da internet depois do sucesso do seu Instagram, onde interage com mais de 200 mil seguidores. Para alegria dos fãs, ele acaba de lançar o seu canal do Youtube, a “Garagem do Ronnie” que será gravado em um espaço estiloso e muito especial dentro da sua mansão no bairro do Morumbi. Dentre as novidades de seu canal, o apresentador falará fatos inéditos sobre sua bem sucedida carreira, dicas de gastronomia e um bate-papo com convidados especiais. “O YouTube para mim é uma grande novidade. Como Kika, minha esposa, sempre diz, a TV é o meu oxigênio e estou aprendendo a respirar novos ares”, comentou o príncipe.
A Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) acaba de apresentar os resultados da Pesquisa do Mercado Brasileiro da Música Independente, que mapeia um setor em franca expansão. Os resultados apontam que 50% do faturamento das empresas pesquisadas vêm das plataformas digitais. “Ou seja, elas são fundamentais para entendermos a dinâmica da música independente, as oportunidades que se abrem a partir da nova onda de digitalização do ambiente e os desafios que vamos enfrentar. Especialmente agora num momento pós-pandêmico em que o consumo da música digital se ampliou para um patamar que deve se manter muito alto,” aposta Leo Morel, Coordenador da pesquisa. Os resultados apontam, entre outras informações, a impressionante participação de artistas independentes no TOP 200 do Spotify ao longo de 2019: 53,5%. O número levantado pela ABMI inclui artistas ligados a gravadoras e selos independentes, além de auto-produzidos, com base na Propriedade do Fonograma e não dos canais de distribuição.
O mercúrio é um metal líquido à temperatura ambiente e assim foi batizado em homenagem ao deus romano homônimo, considerado o mensageiro dos deuses. Pela sua fluidez, faz parte da classe dos metais de transição, exatamente o que este álbum, o primeiro da banda carioca Black Circle, representa. Com dez faixas - nove autorais, apenas uma releitura de um clássico do rock -, “Mercury” (independente) já está nas plataformas digitais. “Vivemos um momento de experimentação. Fomos introduzindo música por música, temperando o show do tributo com as nossas composições. Fazíamos uma hora de Pearl Jam e, quando a plateia estava dentraço, tocávamos uma nossa. Nisso, percebemos que muitas pessoas desenvolveram um interesse genuíno pelos novos sons que mostrávamos”, rebobina o guitarrista Luiz Caetano. Eddie Vedder, o cantor do Pearl Jam, e a sua mulher, Jill, estreitaram laços com os músicos este ano e viraram grandes incentivadores da banda. Recentemente, Jill foi a primeira a revelar a capa de “Mercury” no seu perfil (@j_vedder) no Instagram.
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Fotos: Coagula Divulgação
BLACK CIRCLE CHEGA AO MUNDO
Globo e Barry Company se uniram para desenvolver o projeto Replay, que irá regravar grandes discos da música brasileira na voz de jovens talentos. E com apoio de Devassa, o álbum ‘Acabou Chorare’, sucesso do Novos Baianos na década de 70, será o primeiro a ser celebrado pela iniciativa, com suas 10 faixas regravadas por Francisco el hombre - “Brasil Pandeiro”; Onze:20 - “Preta Pretinha”; Céu - “Tinindo Trincando”; Gilsons - “Swing de Campo Grande”; Maria Gadú - “Acabou Chorare”; Marcelo Jeneci - “Mistério do Planeta”; Xenia França - “A menina dança”; João Cavalcanti - “Besta é tu”; Afrocidade - “Um bilhete pra Didi”; Letrux + Iolly Amâncio - “Preta Pretinha (reprise)”. Com processo de regravação e curadoria artística da Som Livre, o álbum completo já está disponível nas plataformas musicais.
Depois de dois anos de estrada, as oito faixas inéditas são verdadeiras aventuras sonoras e variam de homenagem pro cachorro, crítica política, declaração de amor, solidão e personificações surrealistas, além de uma sonoridade única e indescutivelmente cheias de suingue. As músicas foram compostas e produzidas por Guilherme Silva (ex-Inky) e Stephan Feitsma (ex-Inky). Para acompanhar nos shows e gravações Bruno Bruni entra nos teclados e Nico Paoliello (Garotas Suecas) na bateria e voz.
Fotos: yasmim Pessoas Divulgação
ACABOU CHORARE REPAGINADO
PESSOAS ESTRANHAS, MESMO!
ALARCÓN NO DIA SEGUINTE
Após o bem sucedido projeto de versões “Com Carinho, Alarcon”, que alcançou mais de 150 mil views em seu canal do YouTube, o artista paulistano se inspirou na canção “Fim de Festa”, de Itamar Assumpção, para compôr o single inédito. “O Dia Seguinte (à do Itamar)” seria a canção que vem depois de “Fim de Festa”. “É como se essa música contasse o dia seguinte, o que acontece depois do término”, completa. E, nesta faixa, gravar à distância com Ana Muller foi uma experiência incrível com ela, estou morrendo de saudade”, finaliza o artista. A capa do single também é uma obra de arte assinada por Alarcon. Aos assíduos por Itamar Assumpção, vão entender a releitura da capa do álbum póstumo “Isso Vai Dar Repercussão” (2004), que é o disco que traz a faixa-inspiração. Já a produção musical é assinada por Niela Moura e Fábio Gomes.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
THE BOMBERS DE VOLTA
A
banda estava gravando um disco novo, se deslocando entre dois estúdios, um em Santos (no litoral paulista) e outro em São Paulo e já estavam com todas as linhas de bateria gravadas, quando houve o lockdown. Diante da impossibilidade de seguir em frente como o planejado, decidiram criar e gravar um novo trabalho, totalmente à distância. O EP “Bumerangue” foi lançado para celebrar a trajetória da banda. “Todas as músicas são um retrato atual do que estamos enfrentando. ‘Ardendo em Chamas’, por exemplo, é uma música onde compartilhamos a maneira que encontramos para enfrentar toda negatividade e os perigos da ansiedade e depressão dos tempos atuais”, reflete o vocalista.
Após o lançamento do primeiro single em agosto, a artista mineira radicada no Rio de Janeiro Mari Blue acaba de lançar o seu quarto álbum de estúdio, “Entre”. Totalmente autoral, a obra traz à tona o perfil multifacetado da cantora, destaque na cena independente nacional nos últimos anos. Mari é responsável por todo processo criativo do disco, desde as composições (tendo parcerias com nomes como Mário Wamser, Puppi, João Bernardo e Roberto Callado) até a produção musical, direção artística, gravação, mixagem e execução da maior parte dos instrumentos. Produzido em meio à pandemia da Covid-19, gravação contou com apoio do edital Cultura Presente nas Redes da SECEC-RJ. O álbum dialoga com a atual música alternativa, tendo influências de timbres vintage, sobretudo da MPB dos anos 70 e 80. Como uma boa mineira, Mari admite ter ouvido muito Lô Borges e Beto Guedes, trazendo referências da música de sua terra natal. .
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a
Fotos: Coagula Divulgação
AZUL COMO O CÉU
É BALANÇO QUE VOCÊS QUEREM?
A JORNADA DE AUTOCONFIANÇA DE HALSEY A marca de cervejas Budweiser anuncia uma parceria inédita com a cantora e compositora Halsey e lança o filme “Make your name - Be a King”. Nele, a estrela mundialmente conhecida, e indicada ao Grammy, destaca sua jornada de autoconfiança, desde a época em que era uma adolescente em New Jersey, ainda conhecida como Ashely Frangipane, até se tornar a artista premiada denominada Halsey. “Escrevi o poema da campanha para dizer ao meu eu mais jovem que poupe toda a sua raiva, entusiasmo e confusão, porque, um dia, no palco do Madison Square, eu sentiria tudo explodir e dissipar de mim. E assim conseguiria me sentir como a King na cidade onde encontrei meu nome”, completa a cantora.
SINGLE DE GUIMA
Vítor Guima tem relembrado as principais faixas de seu primeiro álbum, “O Estrangeiro” (2019), com videoclipes inéditos, lançados nos últimos meses, como o mais recente “Movimento”. Ele acaba de lançar “As Horas”, single inédito que fará parte de seu novo álbum, previsto para ser lançado em 2021. A canção fala sobre saudade e traz elementos mais solares do que as músicas anteriores. “Acredito que essa faixa traz algumas mudanças do que eu já havia mostrado no meu primeiro álbum. A batida mais funkeada com toques de samba, o trombone. Acho que ela é uma faixa mais alegre, mais solar”, conta o artista. A faixa já está disponível em todas as plataformas digitais
Fotos: P Divulgação
A canção, inédita, aborda a cultura de términos e despedidas, temática versada com bastante frequência na Música Popular Brasileira há muito tempo, desde meados dos anos 1930. “Eu sei que muitas pessoas se identificam com a letra”, diz Simoninha sobre sua nova composição. “Comecei a escrever ‘Nem Ontem, Nem Amanhã’ no ano passado, e no começo da pandemia acabei me reencontrando com essa melodia e vi um sentido para essa canção, resultando em uma obra cujo estilo e composição me agradam muito, e agora eu a apresento para o público”, conta o artista, compositor e intérprete da canção. Os arranjos musicais de “Nem Ontem, Nem Amanhã”, devido à pandemia da Covid-19 e recomendações de isolamento social, foram feitos separadamente, com posterior edição de Bruninho Marques.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
A MÚSICA
A
dupla de folk-tropical A Transe dá as caras novamente após o elogiado disco Hora Dourada. O novo projeto de Francesca Pera e Fernando Zorzal é um reflexo do tempo presente, no qual luzes e sombras são evidenciadas pelo isolamento social, a recorrência da morte e o convívio excessivo entre quem coexiste fisicamente. Bad Vibes de Casal é um EP sincero e desnudo como pede o momento. A dupla anuncia ainda que integrará os showcases oficiais da SIM São Paulo 2020. Realizado de maneira caseira, Bad Vibes de Casal é feito de duas canções autorais, Domingo e Pra Te Ver, compostas por ambos. Entre as DRs de uma crise amorosa, pode haver ainda afeto, comunhão e criação. Para quem precisa saber que não está sozinho, essa é oportunidade de se conectar com essas questões de uma maneira mais leve.
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ILESSI LANÇA ORAÇÃO PRO GIL
O primeiro single a ser lançado do novo disco da cantora e compositora Ilessi, abriu as portas para soltar ao mundo todas as faixas de “Dama de Espadas”, o seu primeiro disco autoral, que é o segundo pela gravadora Rocinante e o quarto de uma carreira que vem ganhando mais plateia dia após dia. “Fiz essa música como uma oração mesmo, quando Gilberto Gil apresentou aquele quadro renal sério que se desdobrou em diversas internações. Aquilo me bateu fundo. Senti como se fosse perder alguém próximo, da família”, recorda Ilessi. A música nasceu nesse contexto, em 2016, inspirada em três elepês que ele lançou nos anos 70: “Expresso 2222” (1972), “Refazenda” (1975) e “Gil ao Vivo em Montreux” (1978).
Fotos: Divulgação
TRANSE, DR
PEDRO PASTORIZ EM NOVA FASE Um dos fundadores de Mustache e os Apaches, Pedro Pastoriz não faz mais parte da banda. “A decisão é amigável, sigo agora como fã da banda, admirando o trabalho e a evolução do Rubens, Tomas, Axel, Lumineiro e Fernando. Vamos continuar amigos em caminhos diferentes e torço pelo sucesso desses caras”, diz. O motivo da saída é para se dedicar ao recém-lançado “Pingue-Pongue com o Abismo”. “Aceitar os ciclos é como ter uma enorme folha em branco de papel pra desenhar, novos dias cheios de possibilidade”, pontua.
O EP “Hang in There” traz três faixas: a inédita “Bad Thoughts” e versões ao vivo de “Do It” – originalmente gravada pela vocalista Karen Dió em carreira solo – e “Tangerine”, registrada no último show feito pela banda antes da pandemia. “Bad Thoughts” foi composta para fazer parte do disco de estreia do Violet Soda, lançado no final de 2019, pela Deck. Na ocasião, a música foi deixada de fora do álbum porque ainda não tinha uma letra. Durante a pandemia o quarteto decidiu finalizar a canção, compondo versos que retratam situações vividas por duas pessoas que compartilham um período intenso de isolamento social. A produção ficou a cargo de Alexandre Capilé e João Lemos e os vocais foram gravados no Estúdio Costella (São Paulo).
Fotos:so Divulgação
UMA SODA NOVA
AUTORAL DE PESO
Prestes a completar 40 anos de carreira, Maestro Tiquinho comemora com seu primeiro disco autoral. O álbum produzido por BiD conta com as participações de André Abujamra, Zeca Baleiro, Celso Borges, Fernanda Takai, Simone Sou e Chico César, numa mistura de música instrumental e poesia ao melhor estilo “Dub Poetry” presente na música jamaicana dos anos 70 e 80. “Trombonesia” chega acompanhado de um mini documentário produzido a partir de registros audiovisuais dos processos de pré-produção e gravação do disco do trombonista e arranjador, integrante das bandas Funk Como le Gusta, Karnak e Clube do Balanço.
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NOTÍCIAS E LANÇAMENTOS
UM PRESENTE QUE VEIO DE CÉU
A
cantora Céu traz ao mundo o single “Via Láctea”. A faixa, fruto de uma parceria inédita com Liniker, chega às plataformas de música pelo slap, selo da Som Livre - ouça aqui. A música foi totalmente composta e produzida à distância - ainda que inicialmente pré período de afastamento social -, e é o primeiro lançamento da artista após sua tripla indicação ao Grammy Latino por seu trabalho no álbum APKÁ!, incluindo categorias de destaque como “Melhor canção em língua portuguesa” e “Melhor álbum de pop contemporâneo em língua portuguesa”. “A Liniker me procurou com uma ideia de melodia e letra inicial, que ela já tinha começado com a Anelis Assumpção. E eu fiquei muito feliz, porque tudo aquilo estava dentro do meu universo, ainda mais quando eu escutei o verso ‘eu sou teu céu, toda do avesso’”, comenta Céu.
Fotos: Premier King / Divulgação
3H20 DE CHUCK
Em constante processo de composição, produção e tocando vários projetos simultaneamente Chuck Hipolitho lança “3h20”, mais um single do álbum “Mais Ou Menos Bem”. Escrita por Johnny Monster (exR.I.P. Monsters) e Paulo Marchetti (Filhos de Mengele), a música foi lançada originalmente em 2018 pelo The Xavantes — banda na qual Chuck era baterista. Assumindo o vocal, guitarra e bateria, Chuck entregou uma versão com andamento mais lento, instrumentos de sopro, percussão e efeitos ao estilo new wave. Uma atmosfera solar e animada, ainda que tudo esteja só “mais ou menos bem”.
ISOFÔNICOS GRAVAM ÁLBUM
Em meio a pandemia, os catarinenses da Isofônicos aproveitaram a participação na live promovida pelo Estúdio Show Livre para gravar o seu álbum ao vivo. Liderada pelo músico Gustavo Tayer (voz e violão), a Isofônicos nasceu em 2007 com forte influência do rock britânico clássico dos anos 60 e 90 e clara referência em músicos como Jim Morrison, Brian Jones, Liam Gallagher e Jupiter Maçã. Todas as 14 faixas são composições do vocalista, que contou com o acompanhamento de músicos de primeira: João Toik (bateria), Renato Café (contrabaixo) e Eliezer Fagundes (teclado).
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GABRIELA LERY TE CONVIDA Além de trazer músicas inéditas, o álbum vem acompanhado de um podcast que aborda e aprofunda os processos de composição e de produção de cada música e de um site no qual todas as faixas vocais e instrumentais serão disponibilizadas gratuitamente para quem desejar baixar e interagir com as gravações. Arquipélago emerge da ideia de pequenas porções de terra que fazem parte de um todo. Por mais isolados que possamos estar, sempre participamos de uma comunidade maior. Além do álbum, serão lançados 10 episódios de um podcast criado especialmente para o disco, nos quais serão destrinchados os processos de composição e de produção de cada música. Também será inaugurado um site no qual estarão disponíveis todas as faixas vocais e instrumentais que integram o álbum, em um formato que possibilita a edição por parte de quem sinta curiosidade e necessidade de ter material para aprender ou desenvolver seus conhecimentos em diferentes aspectos da produção musical.
UBC APOIA
NOVOS ARTISTAS Lançado em 2019 pela União Brasileira de Compositores (UBC), o Projeto Impulso foi um dos primeiros laboratórios de aceleração e gestão de carreiras para jovens artistas no Brasil. Durante um ano, as bandas Canto Cego, Mulamba e o cantor Romero Ferro, selecionados entre os mais de 400 inscritos, passaram por um processo de capacitação, mentoria e networking com grandes nomes da indústria da música. O processo, que alavancou suas carreiras e aumentou suas receitas de direitos de execução pública em mais de 400%, em média, está sendo compartilhado de maneira gratuita, com o lançamento do e-book Projeto Impulso, disponível para download no site da UBC. Os estudos de caso apresentados no ebook revelam não apenas os números, metodologia resultados obtidos pelos artistas, mas cada etapa do projeto, boa parte delas replicável. Acesse aqui:
Acesse aqui: http://UBC.vc/ebook
Uma videodança de isolamento social dirigida pela coreógrafa e diretora Renata de Lélis e pelo diretor de fotografia Edu Rabin: este é o clipe de Apatia, canção de Rita Zart. A faixa está no EP O Que Range, divulgado em Novembro do ano passado, que estreou nos palcos em Março, poucos dias antes da pandemia da Covid-19 se instalar no mundo. E, foi no clima da quarentena que nasceu o vídeo de Apatia. “Em meio a essa pandemia que devastou nossas vidas, nos sentimos bastante melancólicos. Apatia, passou a ser nossa música de quarentena, traduzindo nossos sentimentos”, comenta
FotosDivulgação
DANÇA À DISTÂNCIA
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NOVIDADE Por Ian Sniesko
A D A M A H C A R U T N E V A A UM LECTIVE DELUSION COL DINI A T E D A C I S Ú CONHEÇA A M
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Fotos: Divulgação
À
primeira vista, o álbum de estreia de Tadini, Collective Delusion, pode parecer puro rock’n’roll. Mas, aos ouvidos atentos, é um tanto mais que isso: é um trabalho com identidade original e sonoridade complexa, influenciada por diferentes gêneros musicais. O músico brasileiro, hoje com 24 anos e radicado nos EUA, começou a tocar piano aos 7, se dedicando totalmente à música na adolescência. Depois de um período estudando no Instituto Souza Lima, Lucas Tadini decidiu fazer uma audição para a Berklee College Of Music, sem criar muitas expectativas, e acabou surpreso quando descobriu que foi admitido, “toquei Ernesto Nazarth no piano”, declara. Foi em 2015 que partiu para Boston, para estudar na Berklee School of Music, e conta que “uma vantagem de se estudar lá é que você conhece muita gente”. Enquanto concluía seu curso, o músico tocou como artista de sessão em estúdio para diversos artistas, como por exemplo o Jota Quest. Quando se formou, em 2018, decidiu se mudar para Los Angeles para trabalhar em seu novo disco. O processo de produção do álbum levou dois anos, e Tadini chamou diversos amigos para participarem das gravações. As sessões aconteceram em Los Angeles, São Paulo, Toronto e Portugal. As partes foram, em sua maioria, gravadas em casa. No seu home-studio na capital paulista, por exemplo, Lucas gravou as guitarras direto em linha. A mixagem do álbum se deu em Nashville e a masterização no famoso Abbey Road, em Londres. Podemos dizer que Collective Delusion é um verdadeiro “cidadão global”. Entre suas influências, que dão forma ao álbum e, também, à vida de Tadini, estão desde os clássicos da música brasileira, como Milton Nascimento, Os Mutantes e Secos e Molhados; o rock dos anos 60 de The Beatles e Jimi Hendrix, e até
referências mais modernas como Jack White, Rival Sons e Lady Gaga. “Eu me considero um artista eclético e não gostaria de ser associado a um gênero durante toda a minha vida”, diz. Quanto a residir nos EUA, Tadini afirma: “Os amigos brasileiros que tenho aqui são essenciais, é difícil ficar longe da sua própria cultura”. Tais reflexões contribuíram bastante para o tema lírico do disco, pois Lucas diz ver de perto as características e os problemas da cultura e sociedade americana no dia a dia. Além das críticas sistemáticas, entra em pauta também a saúde mental, muito em voga nos dias de hoje e praticamente um tema universal. Tendo lançado seu primeiro disco em meio à pandemia de Covid-19, o artista enfrenta a saudade dos palcos e diz não ver a hora de poder apresentar seu trabalho ao público de forma ao vivo. No momento, a divulgação do trabalho está sendo bastante focada na internet, contando com a ajuda de profissionais da área. “No começo, era o Tadini mandando mil e-mails por dia”, conta ele. Além da divulgação nas redes sociais, Lucas planeja também uma live dia 24 de outubro com banda completa, algo que particularmente nos chamou a atenção, visto que até pouco tempo a maioria das live-streams de música eram num formato stripped-down, ou mais puxado para o acústico. Só agora, com o melhor entendimento da pandemia, os músicos estão tendo a possibilidade de fazer apresentações virtuais mais completas, claro que tomando todos os cuidados necessários. De mudança para Londres no ano que vem, a expectativa é que, em 2021, Collective Delusion finalmente possa ser apresentado nos palcos do mundo inteiro. Algo que nós, da Revista 440Hz, estamos ansiosos para ver, afinal, segundo o próprio Tadini um show é o melhor produto que ele tem para apresentar.
Ernesto Nazareth
Sendo um dos pais da música brasileira, Ernesto Nazareth (1863-1934) foi descrito por Mário de Andrade assim: “compositor brasileiro dotado de uma extraordinária originalidade, porque transita com fôlego entre a música popular e erudita, fazendolhe a ponte, a união, o enlace”. Um obra prolífica, na qual destacam-se numericamente os tangos (em torno de 90 peças), as valsas (cerca de 40) e as polcas (cerca de 20), destinando-se o restante a gêneros variados como mazurcas, schottisches, marchas carnavalescas etc., porém, sua importância foi levar ao piano e ares eruditos as sonoridades melódicas e rítmicas das serestas e choros dando roupagem requintada aos sons que encontrava nas ruas.
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PRESTE ATENÇÃO
Por Fernando de Freitas
A N A I R MA
O H L E P S E O N S E O FR
A FAZ R O T N A C A , E IDAD C O C E R P A D RETRATO S O T N E M A Ç N A OS L R I E M I R P S U E S
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O que sobra nesta pequena amostra é sofisticação. Nas letras e melodias ela se utiliza de recursos rítmicos para encaixar seu vocabulário requintado. Sua poesia tem uma dose de questões abstratas que adoça a narrativa mais concreta. São metáforas bonitas que preenchem o imaginário ainda em amadurecimento. Mariana tem a alma do samba-canção em si em sua plenitude. Ao cantar, a suavidade áspera do veludo arredonda o timbre limpo que revela detalhes de seu sotaque do centro do país. Nada em sua voz revela sua idade. Voz jovem? Sim! Mas não tão jovem. Diante da precocidade, é impossível não lembrar de Mallu Magalhães. À época, explorou-se exatamente sua imaturidade para ressaltar o talento bruto que surgia numa artista delicada. Mariana parece estar mais protegida em seu planejamento de carreira, com um caminho de passos firmes e segu-
ros, respeitando seu crescimento e a preparando para ocupar seu próprio lugar. As parcerias, com Phil Veras e Rodrigo Alarcón, foram a realização do sonho da adolescente que se apresentou ao mundo por meio de seu canal de Instagram e foi reconhecida por seus ídolos. Mariana conta que percebeu o alcance de seu canal quando pessoas que não conhecia passaram a comentar na plataforma. Mas a proporção mudou quando o próprio Rodrigo Alarcón a reconheceu em um show em Goiânia, em função de uma versão de uma música que ela havia postado. Após algum tempo, ela gravaria com ele o dueto da música 15b. Em breve, a artista pretende mudar para São Paulo e ingressar na faculdade (não necessariamente nessa ordem). O que há de se esperar é a influência em sua música que o palco e as experiências certamente imprimirão.
Fotos: Gustavo Arrais
O
Q
uantos adolescentes colocam suas músicas e versões dos artistas que admiram em versões caseiras no Youtube? A plataforma tem centenas de milhares (senão milhões) de jovens de maior ou menor talento com aspirações musicais e o sonho de serem reconhecidos. Até pouco tempo atrás, Mariana Froes era uma de muitas garotas que, em seu quarto, gravava vídeos acompanhada de violão. Hoje é uma artista em ascensão. A jovem goiana de 17 anos apresenta ao público seu primeiro EP de canções autorais chamado Nebulosa. Ao ouvir as melodias e harmonias, tem-se a sensação de ressoarem alguma coisa que já ouvimos. Mariana usa suas referências em pleno estado de formação para criar um ambiente de familiaridade com as canções, fugindo da armadilha do mimetismo.
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COLUNA
Por Erico Malagoli
NÃO TINHA MO
A VOLTA DAGUITARRA O
jornal “The Washington Post”, em um artigo de 2017, lacrou “a lenta morte da guitarra elétrica”. No mesmo ano, Clapton ponderou, em uma coletiva de imprensa, que “é possível que a guitarra tenha acabado”. Além disso, o pedido de recuperação judicial da Gibson, as más notícias por parte da Fender e o próprio mercado musical, mostravam o quanto isso era uma verdade incontestável. Não demorou para surgirem “bodes expiatórios”, como a concorrência com smartphones e videogames pela atenção dos jovens e até a falta de um novo Guitar Hero, que ajudaria as pessoas a se interessarem novamente pelo instrumento.
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Pois bem, um Guitar Hero realmente não apareceu, mas veio um vírus mortal, que matou (e continua matando) mais de um milhão de pessoas, modificou nossos hábitos, derrubou a economia mundial e colocou boa parte da população dentro de casa. E, justamente no isolamento, a guitarra pareceu uma boa. Pessoas com mais tempo, já enjoadas da Netflix, olharam para ela com outros olhos, agora como uma companheira na solidão ou uma salvação psicológica ao meio do caos. Tocar um instrumento faz muito bem ao cérebro, é uma terapia, uma meditação, e disso já sabíamos, mas a vida corrida não nos permitia tamanha dedicação.
ORRIDO?
A
Esse súbito interesse por guitarras e baixos ocasionou o que muitos estão já chamando de “O renascimento da guitarra elétrica”, que pegou todos desprevenidos. “Jamais teria previsto que este seria um ano recorde” disse Andy Mooney, diretor da Fender, que viu a marca bater um recorde histórico de vendas. Sim, a marca nunca havia vendido tantas guitarras. Crescimento semelhante também foi sentido pela Gibson e diversas outras marcas. Os violões também acompanharam a demanda, que o digam Martin e Taylor. Considerando que a maior parte das vendas se deu online e que as fabricas fecharam por conta da pandemia, dá para ter uma ideia do movimento nas lojas virtuais. Brendan Murphy vendedor sênior da Sweetwater, loja virtual de instrumentos, comentou em um e-mail de julho:
“cada dia é uma Black Friday, em 25 anos nunca vi nada parecido”. A Guitar Center também sentiu um aumento semelhante “de 3 dígitos” na procura da maioria das marcas de guitarras. Vídeos sobre o tema e aulas à distância aumentaram as visualizações de forma exponencial. Só o app do curso de guitarra Fender Play viu o número de inscritos disparar de 150 mil para 930 mil em 4 meses, sendo que 20% dos novos usuários tinham menos de 24 anos e 45% eram mulheres (antes da Pandemia, as mulheres representavam 30% do total). É isso pessoal! Pelo bem que faz à cabeça, pelo “novo normal”, no qual boa parte das pessoas permanecerão em home office e saindo menos de casa, esse movimento de Fênix da guitarra deve se estender até mesmo depois da quarentena.
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ÁLBUM
Por Fernando de Freitas
A M U A H N I T A I C N Ê U L INFEIO DO CAMINHO NO M
ação que t s e g a g n lo e um álbum d onizar tudo que Ga m precisou har dele Setubal quis
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Imagens: Divulgação e Helena Wolfenson
“N
os idos de 2010, Ga Setubal estreou, com sua banda Pitanga em Pé de Amora, aos 24 anos, como músico profissional, projeto que durou 6 anos até sua derradeira apresentação. Foi ali que começou a gestar o álbum Via, foi lançado em pleno período de isolamento social, em 2020, como nos conta o músico: “eu já tinha vontade de fazer uma coisa solo porque o Pitanga era uma coisa muito tradicionalista, a gente tocava uma MPB bem clássica, acústica. Eu não tinha problema nenhum com isso e adorava, mas eu sempre escutei outros sons, mais experimentais, que eu tentava introduzir no Pitanga, mas era difícil, tinha um pessoal que não aceitava.” Assim, o nome do álbum, Via, revela exatamente essa vontade de seguir seu próprio caminho, o que incluiu escrever as letras para melodia que ele compunha. Essa missão lhe foi auto imposta após o letrista da banda deixar
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Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira
ÁLBUM o Brasil, “quando o Diego Cazas, parceiraço meu, foi morar na Holanda [...] eu passei a escrever as primeiras letras que julguei apresentáveis” conta Ga, que continuou nesse caminho até 2017, quando fechou o repertório do álbum. Sobre a sonoridade, alguns elementos pop se destacam ao recapear sua MPB. “Eu queria trabalhar com elementos com os quais nunca havia trabalhado, como os sintetizadores e beats eletrônicos” conta o músico. Assim, na busca de brincar com esses instrumentos, incidentalmente Ga acabou encontrando a referência nas produções oitentistas, especialmente na parceria com Luiza Lian na canção Volúpia Pura. “Ficou uma coisa meio Marina Lima”, sorri Ga, reproduzindo a sonoridade das baterias no ar, “muito anos 80 mesmo!”. Com alegria, Ga Setubal descreve como um disco plural que busca inúmeras referências pop.
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O álbum parece um ser empreendido por um esforço intelectual, de melodias, arranjos e letras bem trabalhadas e com um certo refinamento estético. Fã confesso de Cazuza, Ga conta que “minhas letras, muita gente fala que elas são difíceis de entender, eu acho engraçado, porque geralmente eu acho que elas tem uma ideiazinha que eu estou colocando lá, tem um começo meio e fim, quase como se tivesse uma moral da história. As vezes eu acho que as pessoas não sacam o que eu estou querendo dizer, mas eu nem me incomodo com isso. [...] Eu adoro ouvir a interpretação dos outros, porque essas ideias estão lá, não conscientemente. De alguma forma, refletem uma ideia que eu tinha, mas na qual eu mesmo não pensei”. E complementa: “o fio condutor do disco é muito o tempo, o percurso e as mudanças, e isso estava muito na minha cabeça quando eu estava pensando no disco.”
A canção Decassílabas veio da inspiração de ler um livro de Décio Pignatari ao qual Ga chegou por meio de outro livro: Verdade Tropical, de Caetano Veloso. Foi brincando com palavras do poeta que o músico encontrou um decassílabo e se aventurou a metrificar nesse formato os versos para compor. Mas ressalta que uns três versos não encaixaram na proposta e justifica: “num poema, a ideia vale muito menos que a coisa em si, a imagem, o som. Você pode ter uma puta ideia boa de um verso, mas se ela está atrapalhando o som, a imagem de seu poema, joga fora a ideia”. Sobre o longo período de gestação, Ga conta que “foi muito sofrido segurar o disco, eu estou com ele pronto faz um ano quase, mas esperei por vários motivos diferentes”. E ressalta que quer lançar o próximo logo, sem esperar tanto.
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ACÚSTICO
N O L Y N M E O D I TEC
X U A E R T I V S A D BAN S A D , S E V L A Ç ALHO B LUCAS GOL A R T U E S A T SEN E R P A E R O L G E MA TA MAIS INTIMIS 30
Por Fernando de Freitas
L
ucas Gonçalves é vocalista e guitarrista da Vitreaux e baixista da Maglore, sendo, inclusive, autor de composições nos grupos em que atua. Ao se deparar com seu primeiro trabalho solo, Se Chover, você encontra uma nova faceta do músico que parece não caber naqueles formatos. Conta Lucas que “este é um disco mais autobiográfico, fala mais sobre mim. Nesse primeiro trabalho, eu resolvi contar mais da minha história” e, por isso, é uma obra tão pessoal. “Eu deixei vazar, revisitei minha infância, aquelas paisagens que ficaram presas no inconsciente”.
Para gravar o álbum, Lucas aproveitou o pouco tempo que tinha entre os compromissos com a Maglore e a Vitreoux. “Foram muitas sessões de final de semana”, que duraram quase todo ano de 2019, com ele e Luciano Tucunduva, seu coprodutor, e todos os músicos que emprestaram suas habilidades para as composições, o que causa um sorriso aberto do compositor: “eu falo a gente, porque é um disco solo, mas é banda, eu não consigo fazer tudo só, chamo a galera para fazer junto”. Mas é interessante que Lucas tenha gravado esse álbum com músicos com quem não trabalha no dia a dia em suas bandas, mas conta que “não rolou ciúmes” de ninguém. Apesar da restrição de apresentações em público, Lucas acredita que o álbum não perdeu tanto, por ser feito de canções contemplativas, e imagina que quando apresentá-lo ao vivo, espera fazê-lo em teatros, com os cuidados de acústica e equipamento que merecem a delicadeza do palco, e imagina que serão poucos shows, até porque ele precisa fazer as apresentações de lançamento do álbum da Vitreaux, além de entrar em estúdio com a Maglore tão logo seja possível.
Fotos: Carime Elmor
Ao escolher uma veia cancioneira, Lucas tornou o trabalho mais íntimo em todos os detalhes, escolhendo, por exemplo, fazer as
gravações no violão de cordas de nylon, que é como ele costuma compor, valorizando essa relação com o instrumento. E explica: “deixei o violão na frente, a voz na frente e o instrumental lá no fundo”, entendendo que deixou o “pessoal em primeiro plano”. Ao colocar a voz, Lucas faz a escolha de apostar nos falsetes, abrindo mão de uma postura mais gritada que tem nas bandas, que se conecta com uma sonoridade incorporada por ouvir Beto Guedes, Lô Borges e o Clube da Esquina. “Quando eu joguei Beatles fora, começou a aparecer a mineirada” brinca o compositor. E foi ao ouvir o disco pronto e lançado que Lucas percebeu que uma música destoava do conjunto. O artista correu para pedir para a gravadora retirar das plataformas de streaming a canção Viral-Lata. Sobre isso Lucas explica: “é uma canção boa, uma canção forte, mais pra fora e destoava do disco. Eu vou lançar mais para frente como um single”.
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COLUNA
T C E SUSP E C I V DE Por Henrike Baliú
ANOS 50
Johnny Burnette Trio “The Legendary Johnny Burnette Rock ‘n’ Roll Trio” – Rockabilly, o rock ‘n’ roll em seu estado mais bruto, mais primitivo. E nada mais primal que o lendário Johnny Burnette e seu Rock ‘n’ Roll
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Trio. Os irmãos Johnny (guitarra e voz) e Dorsey Burnette (baixo) são crias de Memphis, a Meca do Rockabilly, e juntos com Paul Burlison (bateria) gravaram, em 1956, várias faixas incendiárias, todas reunidas nesse disco duplo de 1984 do selo inglês Charly Records. Isso aqui é música para deliquentes juvenis com graxa no cabelo, para assustar os pais do pós-guerra. Claro que não fizeram sucesso, eram selvagens demais para a época. Ouça Rockabilly Boogie, Tear it Up e Rock Therapy que você vai entender. Duraram pouco. Desiludidos, acabaram com a banda em 1957. Johnny e Dorsey deixaram o sul do país e se mudaram para a Califórnia, onde eventualmente ganharam dinhei-
ro compondo os hits do ídolo adolescente Ricky Nelson. Johnny morreu em um acidente de barco em 1964 e Dorsey faleceu em 1979, de ataque cardíaco. Mas deixaram um legado imortal.
ANOS 60
Johnny Cash “At Folsom Prison” – Cash cantando Cocaine Blues para os detentos da prisão de segurança máxima de Folsom, na Califórnia, no dia 13 de janeiro de 1968, é um dos momentos mais impressionantes já registrados na história do vinil. I took a shot of cocaine and I shot my woman down, canta ele, enquanto os presidiários vão ao delírio. Muito já foi escrito sobre esse icônico álbum, então vou falar um pouco dessa
Imagens: Reprodução
Imagine que você pudesse entrar na fictícia Championship Vinyl e bater um papo com o vendedor Rob sobre sua coleção de vinil. Acontece que o personagem do autor Nick Hornby, de Alta Fidelidade, não existe. Mas, em nosso caso, a realidade supera a ficção. Henrike é um cara infinitamente mais legal que Rob e sua coleção é tão incrível quanto a dele (e não é imaginária). Acrescente aí que o cara não vai te sobrecarregar com os dramas juvenis de homem adulto. Se Henrike não tem uma loja de vinil na Vila Madalena ou na Pompéia é porque ele realizou o sonho de Rob: é vocalista de uma banda punk, a Armada, que sucede o Blind Pigs. E claro que eu não podia guardar para mim os papos com o cara! Então a Revista 440Hz passa a publicar suas colunas comentando o que tem de melhor na sua coleção, das raridades aos novos lançamentos. - Fernando de Freitas, o editor
edição da minha coleção. Por volta de 1968, várias gravadoras já haviam parado de prensar discos em mono, pois o glorioso, moderno e poderoso estéreo tinha vindo para ficar. O problema era que muitas rádios americanas ainda não tinham feito a transição do equipamento para estéreo e só poderiam transmitir em mono. At Folsom Prison só foi lançado para o grande público em estéreo. Porém, poucas cópias promocionais foram prensadas em mono para serem distribuídas exclusivamente para as rádios. Este é o motivo da raridade dessa cópia. A capa era a mesma, mas um adesivo no canto esquerdo superior indicava Special Mono – Radio Station Copy. Outra variação importante é o selo promocional branco, ao invés do tradicional selo vermelho da Columbia Records. Um single de Folsom Prison Blues também foi lançado. Na capa, Cash aparece apoiado na parede de pedras da prisão. 1968 foi o último ano em que a gigante Columbia Records lançou discos em mono. Para quem tem esse brilhante LP na coleção, indico o livro Johnny Cash At Folsom & San Quentin do fotógrafo Jim Marshall, cujas fotos ilustram as capas do LP e do single. Quem não tem, só lamento.
que mesclavam pop e punk com perfeição, o que não agradava os punks mais radicais. No entanto, a banda seguia lançando hit atrás de hit. Ano passado o álbum de estreia, de 1978, ganhou o tratamento de luxo que merecia. São três discos embalados em uma capa protetora com direto a encartes com fotos e letras. O primeiro é o LP original remasterizado. Tenho a versão de época, e o som desse relançamento é realmente muito superior. O segundo, são faixas dos três primeiros singles, devidamente remasterizados. No terceiro a coisa fica realmente interessante com outtakes e versões remixadas. Um espetáculo! O primeiro disco de Billy Idol e seus três talentosos asseclas não é apenas um clássico do punk rock, é um clássico do rock ‘n’ roll. Vale a pena caçar também o single com a versão remixada de Your Generation, lançado no Record Store Day.
ANOS 80
The Clash “Cut The Crap” – Ignorado pela própria banda, esse LP tem um lugar especial no meu coração.
Comprei a cópia nacional em vinil por volta de 1987 com o dinheiro da minha mesada. Ouvi muito esse LP quando era moleque. É aquela coisa, alguns discos te marcam, pois te trazem boas lembranças. É o caso desse. Mas sua história é conturbada. Joe Strummer e o baixista Paul Simonon tinham recentemente despedido Mick Jones e recrutado três jovens rockers para se juntar a eles na sua nova versão do The Clash. Bernie Rhodes, o empresário da banda, assumiu o pseudônimo de José Unidos e produziu o disco. Os novos integrantes mal participaram das sessões de gravação. Joe Strummer também não parecia muito interessado na mixagem, deixando tudo nas mãos do empresário. O resultado foi um LP cheio de efeitos desnecessários, uma bateria eletrônica aliada a uma mix bizarra, estragando músicas que tinham um grande potencial. Considerado uma das decepções musicais de 1985, recebeu críticas pesadas e foi o prego final no caixão do The Clash. Apesar disso, escuto o disco do começo ao fim e gosto de todas as faixas, especialmente This is England, que virou single com as inéditas Do It Now e Sex Mad Roar no lado B.
ANOS 90
The Pogues “Waiting for Herb” – Em 1990, os irlandeses do The Pogues lançaram seu último LP, Hell’s Ditch, com seu principal compositor e frontman, o poeta bêbado Shane MacGowan. Com a saída deste, a banda chamou o
ANOS 70
Generation X “ Generation X – Deluxe Edition” - Antes do Billy Idol cantar no Rock in Rio em 1991, o cara tava lá nas ruas sujas de Londres, em 1976, quando o punk explodiu na terra da Rainha Elizabeth. Ele era um dos punks originais, montou uma das melhores bandas da primeira onda do movimento e lançou uma série de singles
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ex-The Clash, Joe Strummer para honrar as datas de uma turnê mundial já agendada. Após alguns shows, Strummer seguiu outro caminho. Ao invés de recrutar sangue novo para cantar no novo álbum, Spider Stacy, membro fundador que tocava tin-whistle na banda, teve a ingrata função de substituir o insubstituível. E assim, desacreditados pelos fãs, gravaram uma obra prima. Lançado em 1993, Waiting for Herb é um belíssimo disco do começo ao fim. Os singles Tuesday Morning e Once Upon a Time são canções lindíssimas, poesias em forma de música. Até as faixas que foram relegadas para o lado B dos singles, são dignas de estarem em qualquer álbum da banda. Nunca relançado em vinil, o LP hoje é um item cobiçado por colecionadores.
música de trabalho e lançou um single 7” dela com um cover de Rock & Roll do Lou Reed. Um holograma impresso no vinil faz dele um lançamento verdadeiramente cool. Se você gosta de rock de verdade, esse disco é essencial na sua coleção.
NOVIDADES PIRATES PRESS RECORDS
CJ Ramone “Reconquista” & “American Beauty” - Tive a sorte de ver o Ramones ao vivo três vezes, todas elas já com o CJ no baixo. O cara trouxe um gás para a banda, além de cantar algumas músicas nos últimos álbuns. Entre 1993 e 2008, usando seu nome de batismo, CJ Ward, ele liderou duas bandas que nunca decolaram, a Los Gusanos e a Bad Chopper. Mas, para a felicidade dos órfãos dos Ramones, CJ retoma seu merecido ‘sobrenome’ no
The Ratchets “First Light” – Seriam os integrantes do The Ratchets, os filhos bastardos do The Clash? Stray Emotions, minha música favorita do segundo álbum da banda de Asbury Park (cidade natal do Bruce Springsteen), soa muito como um lado B de um single do The Clash dos anos 70. E isso é um elogio e tanto! A gravadora escolheu a faixa de abertura, Gotta Be Cool como
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The Aggrolites “Reggae Now” – Não sou o maior de fã de reggae do planeta, mas de vez em quando é gostoso de escutar, ainda mais quando se trata do dirty reggae do The Aggrolites, veterana banda de Los Angeles. Seu sexto álbum, Reggae Now! foi gravado em um único dia no começo de 2018. Ouça a incrível faixa de abertura Pound For Pound ou a linda Love Me Tonight, ideal para aqueles momentos românticos regados à vinho tinto barato.
apropriadamente intitulado “Reconquista”, de 2012, e volta a fazer o que faz melhor, punk rock. Faixas como Low on Ammo, a minha favorita, e Three Angels on My Shoulder, tributo aos seus ‘irmãos’ falecidos, mostraram ao mundo que o Ramones ainda vive no coração, na alma e nos três acordes do CJ. Os álbuns seguintes repetem a fórmula e não decepcionam. Quando ouço o LP American Beauty, de 2017, sinto o espírito do Joey Ramone assombrar o ar enquanto CJ canta a linda balada Before The Lights Go Out. Para quem não conseguiu as prensagens originais, os três primeiros LPs foram relançados no começo desse ano em maravilhosas versões picture disc. Vida longa CJ, muitos imitam, mas ninguém faz como você!
dos melhores lançamentos desse ano atípico. Wolves on the Throne, um hino anti Trump, Hold Fast, Them Rats e Cue The Violins se destacam. Ouça esse álbum e me agradeça depois. E eu agradeço ao Gowdy por me enviar o LP e o single 12” com Hold Fast” e Demons. Thanks man!
CHARGER “Charger” – Quem conhece Rancid sabe que Matt Freeman é o melhor baixista punk rock do planeta, sem discussões. Nesse seu novo projeto, ele também canta, e manda um som totalmente influenciado pelo Motörhead. Charger é um trio competente e furioso. O mini álbum de estreia contém sete tijoladas. O single doze polegadas de Watch Your Back parece, mas não é, um picture disc. A arte é impressa digitalmente em apenas um dos lados do vinil, uma nova técnica desenvolvida pela própria gravadora.
The Drowns “Under Tension” – Recebi o álbum no começo desse ano esquisito. “Henrike, man, you’re gonna love this LP”, me garantiu Gowdy, um dos funcionários do selo Pirates Press Records. Decidi não escutar o disco em nenhuma plataforma digital, esperei ele chegar pelos Correios. No dia que chegou, abri uma cerveja, coloquei meu fone de ouvido e soltei a agulha no vinil preto. Pois é Gowdy, você acertou, que disco! Uma das gratas surpresas da nova safra de bandas punk americanas. O LP Under Tension é realmente um
Suedehead “Constant Frantic Motion” – Não sei como definir o som do Suedehead. Uma mistura de The Jam com Elvis Costello, talvez? Brit Pop? Power Pop? Mod? Sei lá, só sei que é bom demais! O inglês Davey Warsop, além de cantar e tocar guitarra, compôs, produziu, mixou e masterizou tudo. Mas a Suedehead não é uma banda de um homem só, conta com medalhões do punk rock californiano como banda de apoio e o resultado é magnífico. O LP, na verdade, compila os quatro EPs da banda e tem uma arte gráfica simplesmente sensacional com capa gatefold e um single 7” encartado. Altamente recomendável. Savage Beat “Wired” – Sabe aquela banda que mistura o que há de melhor no Oi!, Pub Rock, Punk e Garage Punk? Que coloca tudo no liquidificador e faz aquele disco simplesmente foda? Não? Então apresento-lhes os holandeses da Savage Beat. Apesar de serem de Amsterdã, os caras cantam em inglês e o LP de estreia deles é recheado de petardos como So Much Hate (I feel so much
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Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira
hate, yeah so much hate, pura poesia!). Abra uma lata de cerveja holandesa, coloque esse disco na vitrola, e sinta o poder da batida selvagem. Você não vai se arrepender. Um lançamento Longshot Music/Rebellion Records, com distribuição da Pirates Press.
BRASIL
Partigianos “Frente de Batalha” – Partigianos, de Curitiba, é liderada pelo veterano da cena psychobilly, Vlad Urban, dos lendários Catalépticos. Mas, nesse dez polegadas em vinil vermelho, Vlad divide as vozes com sua irmã Dora para nos entregar um folk punk cantado em espanhol, italiano e português. É um belo disco, com oito hinos revolucionários, tocados com paixão por sete subversivos que usam seus instrumentos como verdadeiras armas contra
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o fascismo. Partigianos dividiu o palco com minha banda, Armada, no começo desse ano em São Paulo e deram um baita show. O disco ainda vem com um livreto contando as histórias por trás de cada letra. Lançado pela Neves Records, que, aos poucos, vai ganhando seu merecido espaço na cena independente brasileira.
COMANDANTE RECORDS
Idealizado por um piloto brasileiro da Qatar Airways, o selo Comandante Records levantou voo no final de 2017 com o compacto de estreia da minha banda, Armada. Especializado em street punk, já lançou 11 discos, todos em vinil. Alguns dias antes do fechamento dessa edição recebi um pacote com as novidades. Vamos por ordem de decolagem:
“The Blood, The Pain, The Sword”, apesar de ser o quarto LP da banda Oi! Francesa, Lion’s Law, é o primeiro a incluir músicas na sua língua nativa. Espero que sigam assim, porque soa bem demais! O Lion’s Law se apresentou no Brasil em 2017 e os fãs cantaram todos os hinos com os punhos cerrados. Esse último trabalho segue na mesma linha dos anteriores: Oi! melódico com vocal agressivo, que certamente irá agradar quem gosta do gênero. Formada por holandeses e belgas, a On The Rampage lançou seu álbum de estreia, “Feelgood Stories... in Disguise”, no meio da pandemia e o LP já está quase esgotado. A banda, formada por veteranos da cena, ganhou uma legião de seguidores na Europa por ter tocado nos festivais mais importantes de street punk. A capa foi a primeira coi-
sa que me chamou atenção. Sim, ainda julgo um disco pela capa, sou da velha guarda. Não trazem nada de novo, mas a banda é competente. Fazem um street punk furioso cantado em inglês. Música para escutar tomando cerveja com os amigos. O compacto “Triple Ace”, da banda punk rock americana Step 13, talvez seja o melhor lançamento dessa leva de discos do selo. O EP é um tributo ao ás da força aérea norte-americana, Capitão Joseph McConnnell. Um herói da Guerra da Córeia, nativo de Dover, cidade da banda, o Capitão abateu 16 caças durante o conflito com seu caça F-86 Sabre, que ilustra a capa e a contracapa. O disco tem três composições próprias incríveis e um cover de God Save The Queen do Sex Pistols, que
achei um tanto desnecessário. Gosto mesmo quando bandas gravam covers de músicas obscuras. Enfim, isso não desmerece o disco. Sou fã do Step 13. O split com os ingleses do Gimp Fist e os holandeses do One Voice já está esgotado, então boa sorte em conseguir uma cópia. O One Voice conta com ex-integrantes da lendária banda Evil Conduct e lançou seu LP de estreia, Tradition Not Trend, em 2017, pela Comandante Records. No seu lado do vinil, mandam um punk rock cru e direto. Support your club (apoie seu time) é o recado dos holandeses para os ouvintes. Me identifiquei, afinal meu Flamengo foi Campeão Brasileiro e da Libertadores ano passado. O Gimp Fist está na ativa desde 2005 e canta sobre como é ser um pai de família dentro da
cena punk rock, “I’m a family man, oh yeah!”. Casado e pai de três meninos, consigo me enxergar aí também. Um belo EP! Por último, temos o primeiro LP do Vis Vires, banda de Los Angeles que mistura Oi! com umas pitadas de hardcore e um pouco de metal nos riffs de guitarra. A capa tem um lobo babando de raiva com um castelo ao fundo. As músicas... bom, ao invés de tentar explicar o disco vou dizer o que senti quando o escutei pela primeira vez: fiquei com vontade de empunhar um machado, vestir uma armadura, colocar um elmo e partir para a batalha. Música para guerrear. Parabéns Comandante Records! Vida longa ao selo.
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CAPA
Por Fernando de Freitas
O I D O O A S ADEU fala de Marcelo D2 gião, ódio e política, reli amor
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Imagens: Divulgação
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lguns artistas estão fadados a se repetir, seja tocando o mesmo hit de sucesso repetidas vezes seja buscando repetir a fórmula do sucesso que o consagrou. Marcelo D2 definitivamente não é como “alguns artistas” e segue em constante movimento desde que emplacou seus primeiros sucessos. Assim tocam MEUS TAMBORES, seu oitavo álbum de estúdio na carreira solo, é um exemplo de um artista em constante desenvolvimento. Um dos aspectos mais interessantes da obra de Marcelo D2 é a conversa incessante que ele propõe entre as raízes e a inovação. Seus primeiros temas continuam presentes nas composições mais recentes, porém como uma auto influência, afastando-se do abismo que poderia ser o monotema. Aliás, é pelas influências que Marcelo impõe a inovação, agregando mais e mais em constante reformulação de si. Um dos elementos marcantes do filme que dirige para apresentar o álbum é a apresentação de sua casa enquanto instalação de seu repertório cultural. O que evidencia outra faceta de suas influências, a presença inexorável de arte de vanguarda, que se desdobra não apenas em estética, mas em processo. Quando, por exemplo, Marcelo mostra a bandeira-poema de Hélio Oiticica “Seja marginal, seja herói”, sua conversa vai além do que a leitura superficial da obra nos propõe, apresentando um diálogo com as propostas do artista enquanto vanguardista de seu tempo. Por mais que o significado imediato seja importante em termos de identificação, o contexto da inclusão do artista é fundamental dentro da narrativa do filme. O filme, todo em preto e branco, apresenta a casa e a rotina do artista sob a concepção de um olhar de verossimilhança. Enquanto outros artistas fabricam suas intimidades com peças encenadas em um teatro de ostentação para atração de caçadores de cliques, o filme-álbum é uma visita guiada ao templo-fortaleza de um alquimista do nosso tempo. E é nesse passeio que transparecem as influências da tradição e da vanguarda em um relacionamento dialético com as músicas que se apresenta Marcelo D2. A produção do álbum (e do filme) também é retrato do tempo que vivemos. Um constante resultado do processo artístico de Marcelo. As gravações ocorreram du-
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rante o período de isolamento social e foram documentadas no perfil do Twich de Marcelo D2, o que permitiu não apenas a conexão, mas a participação do público na empreitada. Conectados estavam os artistas que contribuíram para a obra, e não foram poucos, em participações que potencializam a obra: Anelis Assumpção, Baco Exu do Blues, BK’, Criolo - que narra o mito Bakongo da criação do tambor escrito pelo historiador Luiz Antônio Simas -, Da Lua, Djonga, Don L, Eduardo Santana, Helio Bentes, Ivan Conti “Mamão”, João Parahyba, Jorge Du Peixe, Juçara Marçal, Kassin, Kiko Dinucci, Luiza Machado, Nobru, Ogi, Rodrigo Tavares, Rogê, Russo Passapusso, Sain e Thiago França. Sendo um dos lançamentos mais interessantes da pandemia, entrevistamos Marcelo D2: São mais de 25 anos de carreira. O que mudou do Marcelo que fundou o Planet Hemp e o que lança o projeto Assim Tocam os MEUS TAMBORES? O que mudou do Planet Hemp pra meus tambores? É difícil dizer, porque não foi uma mudança rápida. Nesses 25 anos, acho que todo dia eu levanto com vontade de escrever alguma coisa nova, de fazer alguma coisa nova e isso tem me movido nesses 25 anos de carreira, que eu costumo dizer que a procura vale mais que a batida perfeita. Então é essa procura que tem me movido desde lá. Eu acho que estou um cara mais maduro, menos briguento e mais à vontade para escrever e [a vontade] de fazer arte para mudar o mundo ainda é a mesma. Ao ouvir o álbum, com todas as participações, tem-se a impressão de um disco de compositor, ou de produtor, o que não é muito comum no mercado brasileiro. Era essa a intenção? Nesse disco nada foi intencional. Basicamente, ele foi todo feito no feeling do que estava acontecendo nas lives, eu deixei a coisa acontecer. A coisa de ter muitas participações é que o chat, o público... foi pedindo, foi pedindo e eu fui atendendo. Eram pessoas com quem eu queria trabalhar também, tudo nesse álbum foi bem natural. Como você escolheu as parcerias? Foram escolhas dirigidas entre pessoas com quem você queria trabalhar, ou foram escolhas orgânicas entre pessoas que frequentam a sua vida? Existe alguma participação que você gostaria de destacar? Como eu disse, foi tudo bem natural. Então, eram pessoas com quem eu queria trabalhar já, pessoas que, quando eu vi a música, eu disse “nessa música o
Criolo ficaria bem”, “nessa música o BK ficaria bem”, então fui atrás dessas pessoas. Teve muita participação do chat, foi um disco todo feito via live streaming, então o chat da live participava demais, então isso foi bem interessante, foi um processo de colaboração aí. A álbum chama Assim Tocam os MEUS TAMBORES, a grafia em maiúsculas também aparece nos nomes das músicas. Por que essa escolha? Acho que tudo faz parte de uma coisa gráfica. Para mim, todo detalhe é importante. Para mim todo pequeno detalhe é importante para fazer uma obra. E foi assim que escolhi apresentar minhas músicas. Sou muito ligado aos detalhes e isso é importante. Você parece ser um cara bastante ligado à família e você os inclui no seu
trabalho. Seu filho, quando era adolescente já participava do seu trabalho lá atrás, por exemplo. Como foi a participação da sua família neste trabalho? É natural, né? Minha família, sangue do meu sangue, meus filhos. Amo estar com eles, dividir o que sei, aprender com eles também. É muito legal trabalhar com eles. E esse processo, dentro da quarentena, o que aconteceu é que a Luiza, minha companheira, é uma artista e produtora, então eu naturalmente fui pedindo ajuda a ela e era algo que a gente já queria fazer, trabalhar junto. E meus filhos foram achando os lugares deles. O Luca é um cara mais de tecnologia, foi me dando ajuda para botar as lives no ar, a Jojo se mostrou uma filmaker interessante, isso foi legal, en-
contrar alguém na família que pode ajudar a filmar. Pra mim é importante trabalhar com eles, é legal, me sinto à vontade. Meu trabalho toma muito do meu tempo e estar com eles no meu trabalho é uma maneira de estar com eles no dia a dia. Falando do filme, a forma como você mostra sua casa, parece evidenciar um aspecto presente da sua música, que é essa conversa entre a tradição popular e o universo artístico de vanguarda e pop. Isso se evidencia no sampler de A Praiera em MALUNGOFORTE. Essa também é uma característica do Russo Passapusso, que participa da música. Como surgiu a referência a Chico Science? Qual a influência do trabalho dele na sua música, passados tantos anos?
Chico foi e será uma referência eterna. Ser contemporâneo dele me deixa muito, muito feliz. Ter sido amigo dele e ter dividido tantas e tantas conversas e tantas ideias de mudança de mundo foi muito importante e até hoje a figura dele é muito importante para mim. Chico Science é um parceiro que, infelizmente, não está mais aqui na Terra, mas ainda está na minha música. Nossas conversas de bares, nossos sonhos de mudar o mundo, sonhos de mudar a música brasileira ainda são muito presentes em mim. Eu ainda lembro muito dele. Você faz diversas referências às religiões de matriz africana. Qual a influência delas na sua vida e na sua música? Eu não sou um cara muito religioso e
nunca fui. Mas eu sei da minha história e da história de minha família e do meu povo, que vem dos terreiros do candomblé. Eu tentei fugir um pouco disso, mas o nome, Assim Tocam MEUS TAMBORES, eu sabia que ia acabando me levando para esse lugar e Luiz Antônio Simas tem uma participação muito grande, entrou numa live falando sobre os tambores. Isso me impactou muito, acho que era inevitável que o disco Assim Tocam MEUS TAMBORES passasse pela África. Teu trabalho é manifestamente político e você evidencia esse aspecto em alguns pontos do filme, como quando mostra a placa em homenagem a Marielle Franco. O momento político te move? A necessidade de oposição é um catalisador deste trabalho em específico? O interessante é que esse disco me tirou de um lugar de ódio e raiva e me levou para um lugar de empatia e amor totalmente diferente, sabe? Acho que política é algo que eu mais gosto de fazer arte e escrever. Criar mesmo. Na política do dia a dia eu sempre vou ser oposição, mesmo com um governo de esquerda, mesmo com um governo progressista. Eu sempre vou ser oposição e sempre vou cobrar. Eu acho que isso faz parte do meu trabalho e eu gosto de escrever sobre isso e, nesse momento então!, isso se faz necessário demais. O Hip-hop tem sido marcado pela ostentação, algo que se tornou até uma vertente dele. Você, por outro lado, apesar do claro conforto, parece rejeitar a ostentação. Como viver e fazer música sem as armadilhas e tentações do excesso? Na cultura Hip-hop sempre foi muito forte a coisa do cordão de ouro e dos carros e de toda ostentação. Sempre foi muito forte e não é uma coisa que me fascina na cultura, sabe? Eu entendo, respeito, mas busco outro caminho. Não é só outro caminho no Hip-hop, é outro caminho de vida. Eu prefiro um bom abraço no pescoço que um cordão de ouro. O amor é revolucionário? O amor nos salvará? O amor sempre foi e sempre será revolucionário. É muito difícil escolher esse caminho. O caminho da guerra sempre parece mais confortável, apesar de ser o caos. Mas parece que as pessoas parecem querer viver no caos. Parece um pouco bobo, um pouco ingênuo falar que o amor vai nos salvar, mas eu tenho certeza de que o amor é o caminho.
REVERB
Por Fernando de Freitas
O G R A M A O I D ร O REM O D A R E P S E O MUIT
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a interpretação poderosa de Manu, que se repete em Consolação. A cozinha, a comando do baterista Theo Cecato e do baixista Tom Caffe, é responsável pelo clima sempre em movimento como uma tempestade cujo vento muda de direção, amaina e retorna com força em uma noite escura. Porém, vemos essa tempestade pela janela, sob a luz das velas que substituem a eletricidade, e no alento da tranquilidade de não estarmos ouvindo trovões. O som arrebata como uma força da natureza, cuja beleza está na delicadeza tênue dos elementos que formam o fenômeno invencível. Não se pode esquecer que Chico Bernardes havia lançado no ano passado seu trabalho solo, um álbum elogiadíssimo, já mostrando seu estilo de fazer música, que na dialética artística olha para o interior abstrato e busca, em seus recônditos, a revelação de angústias. Às vezes, em sua canção ressoa Dorival Caymmi e a Lagoa do Abaeté ou a tempestade que atinge a Suíte dos Pescadores, na roupagem urbana e jovem de um rock’n’roll absolutamente original. Seja como integrante da Fernê ou em seu trabalho solo, Chico não se pretende original, ele impõe originalidade. Assim ele aplica o remédio amargo que transcende expectativas e nos cura, por meio de um tratamento doloroso, ao final do qual encontramos a leveza.
Imagens:Julia Maurano
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bebida Fernet foi inventada na Itália, no século XIX, com uma mistura de ervas medicinais como ruibarbo e aloe. Seu gosto é amargo e se popularizou durante a epidemia do cólera, antes de se tornar uma referência dos bares portenhos trazida pelos imigrantes. No Brasil faz parte da receita do Rabo de Galo. Em meio à epidemia do coronavírus, a banda Fernê lançou um EP homônimo que resgata o que existe de mais profundo em nossas angústias nesse momento de muita solidão e reflexão. Quando a Revista 440Hz estreou seu programa de rádio, o guitarrista da banda, Chico Bernardes, nos presenteou com a interpretação da, até então, inédita Outros Tempos, na qual ele toma a frente para cantar. Naquele dia, as canções já haviam sido gravadas no Estúdio Canoa e a banda discutia sobre o lançamento. A faixa de abertura tem uma curta e deliciosa introdução instrumental antes que o baterista faça a contagem e a guitarra cheia de reverb nos descreva exatamente o ambiente melancólico que vamos enfrentar. Nesta posição, a conversa é entre Chico e Max Huszar. A vocalista Manuela Julian canta com a dose de exasperação que o clima pede. O mesmo acontece na faixa Ideias Doem, que apresenta um andamento mais acelerado, não foge do desconsolo e destaca
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OVERDRIVE
Z E V A E A R O H A S A R R A T I U G S DA Por Fernando de Freitas
A noite e um pĂşblic
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em que John Cale tocou para co que sabia que não haveria nenhum show amanhã
D
urante anos as gravadoras brasileiras diminuíram o peso sonoro das bandas de rock durante as mixagens. Para tornar o som mais palatável para a televisão (que até meados da década de 90 só operava em canais abertos), para as rádios comerciais e para o ouvido dos executivos, que não faziam a menor ideia de como vender os artistas de rock sem seu “raio pasteurizador”. Em contraposição, a cena underground caminhou quase sempre paralelamente, influenciada pelo som pesado que chegava do exterior. Do punk ao metal, as bandas que vinham ao Brasil encontravam exércitos de fãs que superavam seu público nativo - os exemplos são muitos, tais como o Ramones, o Queen e o Iron Maiden, para citar apenas alguns. É curioso como ainda em meados dos anos 1990, quando eram realizados os festivais Hollywood Rock, trazendo fenômenos da música alternativa ao Brasil, as bandas nacionais do line-up tinham o verniz do pop-rock. É famosa a história de Dave Grohl, então baterista do Nirvana, que ficou estarrecido ao saber que bandas alternativas que ele conhecia, tal como Pin-Ups, não abririam seus shows por aqui. Porém, naquele ano bandas como Biquini Cavadão e Engenheiros do Hawaii dividiram o palco com Red Hot Chilli Peppers, Alice In Chains e Nirvana. Bandas de destaque como Ratos de Porão e Sepultura, para citar duas somente, tinham público mais cativo na Europa e Ásia, repetindo e invertendo o fenômeno. Porém, eles eram produtos de cenas que nunca morreram, um nicho que produziu e produz talentos cujo fim da era das grandes gravadoras ajudou a revelar.
INSTITUTION
No álbum de estreia, Desolation Times, de 2015, mostrou a sua combinação de hardcore e metal. Algo mudou em 2017, quando o grupo lançou o EP
Fragmentos Subversivos com duas músicas cantadas em português. Foi quando se abriu o caminho para o segundo álbum, intitulado Ruptura do Visível, cantado em português. Com o objetivo de discutir o desenvolvimento de uma consciência crítica e o rompimento com práticas sociais opressoras, o álbum aborda o posicionamento político-social da banda. “Apenas quando somos capazes de compreender a nossa classe social é que entendemos o que se passa ao nosso redor para, então, buscarmos práticas para amenizar tais problemas. Uma pessoa que mora em uma área periférica não tem os mesmos privilégios que outra, que mora em uma área central ou de alta renda. E como isso impacta na vida das pessoas? Por que o sistema educacional ou de saúde é diferente entre regiões? Por que não há práticas ou espaços culturais em áreas de baixa renda? São perguntas como essas que nos fazem compreender as vicissitudes diárias que vivemos”, explica Helio Siqueira, que exalta: “Para nós, este é o nosso melhor trabalho. Dedicamos um bom tempo na composição deste disco para que ele ficasse o mais próximo do que tínhamos em mente”. Lançado pela gravadora paulista Hearts Bleed Blue (HBB) em CD e LP, com arte de Gustavo Magalhães, do Estúdio Miopia, Ruptura do Visível conta com nove faixas e produção de Rodolfo Duarte e Muriel Curi. O álbum foi mixado por Fernando Sanches e masterizado pelo americano Brad Boatright, que já trabalhou com nomes como Nails, Poison Idea, Harm’s Way e Full Of Hell. O som da banda é um atropelo de trem já na primeira música, Memória Falha, e segue faixa após faixa, entre riffs de palhetadas frenéticas e a linha de baixo que parece um boxeador em frenesi. É música barulhenta, para sacudir a apatia.
Imagens: Divulgação
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LUGGO
Quando Laura Lugo lançou seu EP My Soul, a banda Luggo não era propriamente uma banda. O projeto pessoal serviu para colocar no mundo algumas de suas composições com a produção de Carox Gonçalves, da banda Miami Tiger, e o Fernando Sanches, da banda O Inimigo e ex-CPM22. Além deles, o baterista Thiago Babalu, o músico e produtor Rodrigo Marques contribuíram para o lançamento do projeto. Foi somente depois do lançamento que a banda efetivamente formou-se, com Renato Benício, Livia Lee, Lucas Braga e João Gallo, e os primeiros shows foram apresentados. Com bastante inspiração no nu-metal e boas melodias, o álbum contou com boa mixagem, que equilibrou bem instrumentos e voz, destacando cada um em seu lugar. A personalidade da banda reflete a de Laura, cuja voz afinada marca as três canções do EP, fala de temas como relações abusivas e autoestima. Com boa presença de palco, algo lembra em seu timbre o melhor de Gwen Stefani como vocalista do No Doubt. O destaque entre as três músicas lançadas é My Soul is Mine, que tem uma bela progressão de acordes nos versos, que nos carrega para o refrão balançado, uma combinação deliciosa que beira o glam, com a purpurina fazendo o papel alegórico sem exagero.
RUBAH
O cantor e compositor Rubah lançou, em julho, o EP Libertad, que traz versões da trova latina que, em geral, passaram batido pelas nossas rádios em suas gravações originais. Em um projeto ousado, o músico mineiro homenageia o mexicano Rodrigo Gonzalez, conhecido como Rockdrigo, o Italiano Lucio Battisti, o cubano Silvio Rodriguez e a banda argentina La Renga. Tendo viajado pela América Latina e vivido no México, Rubah aproveitou as experiências para se dedicar à pesquisa de uma música que pouco chega ao Brasil. “Acredito que exista uma barreira linguística, também uma dificuldade de diálogos artísticos, salvo alguns pequenos grupos sociais. Também percebo uma cultura de consumo unilateral Norte - Sul, mais especificamente, consumimos músicas de EUA e Inglaterra e muito pouco do resto do mundo, de maneira geral”, explica o músico sobre as dificuldades de interação de nosso mercado com o restante dos países latino-americanos. O trabalho de Libertad traduz as sonoridades destas composições para a linguagem musical de Rubah, uma conversa entre sua formação musical e as sonoridades características com as quais se relacionava. “Eu, especificamente, tive muito contato com os ro-
cks mexicano e argentino e, em ambos, percebi uma identidade sonora muito singular. Percebi no rock mexicano uma identidade indígena importante. E no rock argentino e em algumas bandas chilenas um rock mais enérgico, que apelidei de ‘rock de estádio’, mais ligado a arranjos sonoros que contemplem as harmonias da língua espanhola... além de um pós-punk argentino único” conta o músico. O que Rubah nos apresenta é a oportunidade de tomar contato com cancioneiros de talento e reconhecimento em seus países, que que não necessariamente fizeram música “tipo exportação”. Por exemplo, em Cuba o músico Silvio Rodriguez é reverenciado como uma figura próxima ao que seria Chico Buarque no Brasil, com público em países como o Chile, onde gravou uma apresentação ao vivo. Seu reconhecimento o levou a tocar com a lenda do folk Pete Seeger em mais de uma ocasião. Sua obra compreende em não menos que 27 álbuns, se destacando a série Trípitico. É ao som da guitarra distorcida que Rubah nos apresenta nossos irmãos latinos. Nossa identidade fortemente influenciada pela cultura anglo-saxã passa a conversar e dançar nas músicas de Libertad e encontramos um pedaço de nós mesmos no que parece tão diferente.
NA PISTA
P O P E INDI
Por Fernando de Freitas
S N E G I R O S A M SA CO R E V N O C A M U
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“Algumas das minhas canções favoritas: Only Love Can Break Your Heart, de Neil Young; Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me, dos Smiths; Call Me, com Aretha Franklin; I Don’t Want To Talk About It, com qualquer um. E há também Love Hurts e When Love Breaks Down e How Can You Mend A Broken Heart e The Speed Of The Sound Of The Loneliness e She’s gone e I Just Don’t Know What To Do With Myself e… algumas destas canções eu ouvi cerca de uma vez por semana, em média (trezentas vezes no primeiro mês e, de vez em quando, depois disso), desde os dezesseis ou dezenove ou vinte e um anos de idade. Como é que isso pode não deixar você magoado de alguma forma? Como é que isso pode não transformá-lo no tipo de pessoa passível de se quebrar em pedacinhos quando seu primeiro amor dá todo errado? O que veio primeiro, a música ou a dor? Eu ouvia a música porque estava infeliz? Ou estava infeliz porque ouvia a música? Esses discos todos transformam você numa pessoa melancólica? As pessoas se preocupam com o fato de as crianças brincarem com armas e os adolescentes assistirem vídeos violentos; temos medo de que assimilem um certo tipo de culto à violência. Ninguém se preocupa com o fato de as crianças ouvirem milhares – literalmente milhares – de canções sobre amores perdidos e rejeição e dor e infelicidade e perda. As pessoas afetivamente mais infelizes que conheço são as que mais gostam de música pop; e não sei se foi a música pop que causou tal infelicidade, mas sei que elas vêm ouvindo as canções tristes há mais tempo do que vêm vivendo suas vidas infelizes.” Nick Hornby – Alta Fidelidade
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Antes que a música pop fosse sinônimo canções superproduzidas, cuja aplicação da mentalidade fordista resulta, reiteradamente, em produtos pasteurizados e de consumo imediato e perecível, essa era a música das pessoas comuns. Pop era tudo não era (dentro do universo anglófilo) música erudita ou jazz. Por aqui, nos acostumamos a denominar boa parte de nossa produção de Música Popular Brasileira, ou a sigla MPB. Em ambos os casos, graças ao sucesso de determinados ritmos, e a consequente influência de gravadoras, produtores, arranjadores e maestros, a noção de popular encaminhou para popularidade e se afastou da produção do povo. O Pop tem sua aristocracia. Rei e Rainha vindos do final dos anos 1970 e começo dos 1980, Michael e Ma-
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donna foram representantes dessa transformação, cujo resultado foi a tentativa de talhar em estúdios suas reproduções, em processos industriais. Por aqui, a coisa é mais complicada, a aristocracia da MPB é composta por poetas-diplomatas, maestros e intelectuais (alguns fadados, outros formados). Mas há uma contradição entre conceitos de música popular e a existência de uma aristocracia da música.
INGLATERRA
Um canal liga Manchester ao mar. Da cidade também parte a primeira linha de trem da história a transportar passageiros, fazendo uma ligação direta com Liverpool. O povo do norte industrial da Inglaterra está ligado ao mundo por vocação. A distância da aristocracia e da política londrinas produziu um universo artístico distante do acadêmico ou intelectu-
al, com raízes profundas nas classes trabalhadoras. Exatamente por isso o Indie Pop que vem de Manchester se destaca: sua ligação com as origens se dá por fundamento, não por “mera” estética. Dentro de um selo de rock independente, a Scruff of the Neck, se destaca a cantora Lucy Deakin. Seu caminho pela música começou ainda na infância, quando se deslumbrou por Miley Cyrus (apresentada, inicialmente, pela série infantil Hanna Montana) e a quem tem, ainda hoje, como grande referência. O que pode parecer estranho para quem já beira os 40 anos, é perfeitamente natural para quem nasceu no final dos anos 90. Miley Cyrus é uma artista que surgiu dentro do guarda-chuva da Disney, mas conseguiu se estabelecer como compositora na idade adulta (com a dose certa de polêmicas). Da obsessão por High School Musical e Hanna Montana, Lucy passou a fazer suas primeiras tentativas de cantar no videogame Nintendo Wii aos 7 anos, quando, como ela mesma afirma, “não conseguia cantar afinada nem que sua própria vida dependesse disso”, o que a leva, inclusive, a sentir pena de seus pais: “mas eventualmente eu aprendi a cantar de tanto que cantei aquelas músicas no repeat, cantando High School Music até que eu conseguisse cantar no tom”. Algum tempo depois, ela ganhou uma guitarra de presente de seus pais, o que, em sua linha temporal aconteceu “após sair o filme da Hanna Montana” no qual a personagem de Taylor Swift se apresentava com o instrumento. Esse foi o passo para que ela passasse a compor as próprias músicas e a levou para o curso de música na faculdade. Foi durante a faculdade de música que ela começou a trabalhar dentro do selo Scruff of the Neck, onde foi notada como artista. “Eles ficaram
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NA PISTA
bastante impressionados comigo e quiseram me ajudar a ir mais longe”. O single Bad In Love é sua música mais popular no Brasil, e curiosamente é onde ela mais toca. “Conseguir se conectar com outro país, em que nunca estive, é um sentimento muito bom”. A música surgiu da ideia do refrão e de uma linha de baixo. Lucy pediu para seu produtor trabalhar sobre essas ideias e algumas referências musicais. “Quando ouvi ela se formando, pensei ‘essa vai ser incrível’”, conta ela. Quando a ouvir terminada, não tinha dúvidas: “essa tinha de ser meu primeiro single, sem a menor dúvida”. Mas como todo lançamento de sucesso em meio à pandemia, Lucy enfrenta um sentimento agridoce de não poder se apresentar ao vivo, ou pelo menos não nos padrões em que gostaria. Porém, “embora seja ruim para mim, em termos de trabalho, em termo de tocar gigs, tem sido muito bom para desenvolver minha música e saber como quero soar, e
nisso eu tenho muita sorte, pois consigo gravar em casa. Eu tenho esse luxo que nem todo mundo tem. Se eu fosse parte de uma banda com quatro elementos, nós teríamos que estar na mesma sala para fazer isso. Eu tenho muita sorte de ter meu equipamento de gravação em casa. Tão sortuda que eu comprei o microfone que eu sempre usei para gravar duas semanas antes do lockdown”. Para Lucy “existe uma fronteira muito tênue entre soar muito genérico e parecer como quase todo mundo e ir muito longe e não soar mais como música pop. Por isso em suas canções, como Bad in Love, há a contraposição de sua voz com elementos eletrônicos e boas melodias. Ela explica: “você dificilmente vai entrar em um pub ou numa cafeteria e me ver fazendo voz e violão. Minha música está focada em sons e é isso o que mais me interessa”. Assim, ela acredita que é necessário usar os recursos tecnológicos a seu favor e encontrar o equilíbrio para não exagerar.
Também despontando a partir de Manchester, Darla Jade migrou do Indie Folk par o Pop para fazer uma música mais dançante e ter mais controle sobre o processo. Suas melodias têm um passo rítmico atraente entre dobras e de desdobras te tempo, destacando os singles Two of You e Frenemy. Darla conta que compôs Two of You a partir da sensação de déjà vu, de conhecer um lugar ou uma pessoa e ter o sentimento de que isso é uma repetição, sem que isso possa ter acontecido. Ainda em crescimento nas plataformas de streaming, a artista, que desponta agora em 2020, tenta não olhar para os números e estatísticas como medida de sucesso, mas olhar até onde seu trabalho está atingindo pessoas. O caminho independente para Darla é algo que “está em alta na Inglaterra e tem gente se dando bem por ele. É um caminho em que você tem mais controle sobre sua música e algumas empresas estão interessadas em
NA PISTA
NO CONTINENTE EUROPEU A DANÇA CONTINUA
A Suécia já revelou o ABBA, The Cardigans e Roxette. Agora é a hora de prestarmos atenção à banda Two Year Vacation, formada em Gotemburgo, que lançou recentemente os singles Django (em homenagem ao violonista belga Django Reinhart),
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Don’t Know Anybody Else, Never Been To Paris e Moving On From Yesterday, todos parte do álbum Laundry Day. Apostando em conceitos de contrastes, as faixas são radiofônicas e dançantes. Já a cena alemã tem um mundo de novidades. A banda Telquist, que aposta nos baixos dançantes de High and Low, synths bem anos 80 e vocais arrastados. Já Sacropolis apresenta a “semimelosa” For You, que embala devagarinho e dá vontade de dançar colado e apaixonado. Monta é o novo projeto do artista Tobias Kuhn, que havia se afastado dos holofotes para trabalhar nos bastidores e produzir outros artistas como Alec Benjamin, Alice Merton e Rhys Lewis. Agora ele apresenta a música All these Gods Are Gone, uma par-
ceria com Nic Cester. Esse pop dançante conversa com as pistas, mas com um pezinho nos anos 60, soando ligeiramente como as melodias inocentes dos Beach Boys. Para ficar apenas em alguns.
POR AQUI A PISTA ESQUENTA
O duo paulistano A Balsa é formado por Bruno Bari e o carioca Fil Souza. Os amigos publicitários se conheceram nos corredores de uma agência e se conectaram pela música. “A ideia original era bem diferente, o Fil veio com a ideia de fazer um som cover de Roberto, Roberto Carlos obviamente, tinha até o nome sacadinha de Hey Ho” conta Bari. Porém, a vontade de fazer suas próprias músicas encaminhou o projeto para outro lugar a partir de 2016. “Mais do que nossas referências, dentro de nossas habilidades, dentro de nossas possibilidades, acho que é o termo mais assertivo, começar a encontrar o que a gente se sente mais confortável em fazer, esse é o grande lance: o que a gente faz que nos deixa confortável, cantando, tocando, produzindo, escrevendo e cada vez menos sendo alguma coisa”, explica Fil. E Bari emenda: “a gente busca um som pop, mas sem medo de testar, é a vontade de fazer uma coisa diferente querendo agradar e curtir, uma estranheza controlada”. A incursão na sonoridade pop e dançante foi a materialização de uma necessidade, pois o duo era inicialmente uma banda de rock e o desejo de ter a liberdade sonora os fizeram apostar sempre na busca do improvável. A banda de seis pessoas acabou se dissolvendo quando a dupla resolveu investir mais pesado na carreira musical. Assim, a força ficou na voz de Fil e no trabalho de texturas da guitarra e sintetizador de Bari. Durante os últimos meses A Balsa lançou cinco singles, sendo o último a faixa Filtro Solar, balada meio melancólica e marcada por elementos eletrônicos, e que sucedeu Veraneio Temporal, mais dançante e bem mais
Fotos: Divulgação
lançar esse material independente”, mas ressalta que que a indústria, ainda hoje, é marcada pelo sexismo, mesmo no circuito independente. “Não sei se vocês têm o mesmo problema no Brasil, mas muitos dos festivais contratam muito mais homens que mulheres, acho que as mulheres na música precisam se unir e fazermos festivais apenas nossos”.
marcada em um som dos anos 1980, assim como Ondas do Rádio. Quem também despontou nos últimos meses foi Martte, cujo crescimento nas redes sociais, em especial no Tik Tok, aconteceu na mesma intensidade de sua música, feita para contagiar. Seu nome, explica o artista, “é a junção de Matheus com arte, e com dois t’s para ficar mais fácil para as pessoas pesquisarem”. O artista de 23 anos, que cresceu cantando na igreja evangélica, hoje brinca com a androgenia e a imagem de alegria espontânea. Seu som está marcado pelo trabalho com o DJ Kalfani, que produziu seus primeiros trabalhos e com o flerte com a música eletrônica. Mas foi com o produtor SKY que o trabalho deslanchou. A liga foi tamanha que o plano de um EP se tornou um álbum, o Ver Bem Vindo, de 2019, que trouxe o reconhecimento e indicações a prêmios.
O processo de amadurecimento de sua música também contribuiu com seu amadurecimento pessoal. “No meio deste caminho, me descobri gay, entendi o homem preto gay que sou (...) todo esse processo pelo qual todo mundo passa, principalmente quem vem de um berço evangélico. Meu pai era pastor da igreja na qual eu cresci, e rolava todo esse preconceito, bem pesado”, conta o cantor sem diminuir em nada sua alegria natural e complementa: “eu estou nesse momento de me conectar com minha ancestralidade, sinto que meus ancestrais estão comigo e fico muito grato de estar conectado às minhas raízes, mesmo que não descobertas totalmente”. Neste ano, Martte expressou seus sentimentos em relação à quarentena com o lançamento da música A Rua, com a intensão de fortalecer a conexão com seu público durante o
isolamento social e, logo depois, sua grande aposta, Me Diga. Seu sonho “grandioso e megalomaníaco” é estampar seus lançamentos na Times Square. Pela Balaclava Records, Apeles, pseudônimo de Eduardo Praça (ex-Integrante das bandas Quarto Negro e Ludovic) lançou recentemente Tudo que te move, música, que conta com a colaboração de diferentes músicos. Apeles é expoente de uma nova gama de influências: de Cleaners From Venus e U.S. Girls a nomes como Guilherme Arantes e Arthur Russell, resultando em um rápido tema Avant-pop. Seus arranjos trazem elementos como o baixo de Guilherme Almeida, guitarras de João Inácio “Jojô” da Silva, com um ar oitentista, que mostra estar realmente em alta, mas numa mixagem, ao mesmo tempo peculiar e intrigante, de Roberto Kramer.
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ATITUDE
Por Ana Sniesko
O T I U M O T SIN U O S O Ã N U SE E A R G A M é cruel l a ic s u m ia r a a indúst O tribunal d ulheres. Se o ponteiro d , querem s com as m le e e d n o está balança não ar. E elas não vão ligar lg eles vão te ju
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Imagens: Guilherme Campos / Divulgação
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e você canta, é mulher e não cabe em um jeans 40, invariavelmente você cairá no tribunal cruel das entranhas da internet. Não importa se você é Adele, Aretha Franklin, Cass Elliot ou Lizzo. A sua voz pode ser macia como um veludo alemão, clara e límpida como um cristal, doce como um macaron Ladurée. O corpo gordo, meus amigos, ele incomoda – e não é pouco. Mas você, caro leitor, se acostume com a voz dessas mulheres, porque elas não vão parar de cantar. Inclusive, vão engrossar o coro e cantarão cada vez mais alto. “Sinto muito, muito, se eu não sou o que você esperava/ Sinto muito se você não gosta muito da minha cara/ Você vai ter que me engolir” é o recado que a cantora Ekena manda em Sinto Muito, música que estará presente em seu próximo álbum, Cíclica. Desde 2010 no cenário da música autoral, Ekena canta desde os 6 anos de idade. Com o single Todxs Putxs, do disco Nó, a sua voz e o seu corpo gordo ocuparam lugar de destaque na música brasileira. “Hoje eu percebo que passei por dois processos muito bizarros. Quando lancei o single em 2017 e vim para São Paulo, percebia que era muito mais fácil as pessoas me aceitarem se eu não tentasse entrar nesse padrão da mulher bonita. Como, pra mim, era uma coisa muito distante: eu era careca, mãe... Eu tocava em todos os shows com pouca roupa – com peito de fora ou roupa transparente”, conta. E foi colocando o corpo no palco, que ela literalmente bateu no peito e fez da voz e do talento elementos mais importantes do que qualquer padrão estético imposto pela indústria musical. Se você acha que isso não é real, vamos fazer uma viagem pela história. Ella Fitzgerald tinha a fama de ser a menina ganhadora de concursos. Sua interpretação era marcada pela entonação perfeita e senso rítmico, porém, era uma mulher rechonchuda e longe dos padrões de beleza da época. Duas histórias marcantes quase impediram que o mundo conhecesse a “Primeira Dama do Jazz”.
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A primeira é de um concurso no mítico Apollo Theatre, no Harlem, em Nova York. Naquela ocasião, Ella, que vivia nas ruas, subiu ao palco nervosa e desajeitada, usava roupas emprestadas que não lhe serviam e botas masculinas. Mas, ao cantar ela colocou a casa abaixo. O concurso estava ganho, porém, lhe negaram o prêmio: uma semana de apresentações na casa de shows. E sabe por quê? O gerente achou que a imagem de Ella não condizia com o seu palco. Um pouco mais tarde, ela receberia sua segunda chance. Dessa vez foi quando o vocalista Charles Linton recebeu a missão do baterista e bandleader Chick Webb de encontrar uma bela garota que soubesse cantar. Charles trouxe Ella para uma audição, mas Webb se negou a dar-lhe uma chance. Ele teria dito “eu não vou colocar isso no meu palco”. Charles ameaçou se demitir e Ella acabou sendo contratada. A excelente banda de Chick Webb nunca fez tanto sucesso como com Ella Fitzgerald sobre o palco. Em seu leito de morte, Webb, que sofria da Doença de Pott desde a infância, o que lhe garantiu uma severa deformação física que o levou à morte precoce aos 30 anos, teria dito a um amigo “se algo acontecer a mim, cuide de Ella”. E a cantora se tornou o ícone que nós conhecemos. Ainda hoje, a imagem é um norteador para as mulheres da música. “No final de 2018, eu tive um problema de saúde
e emagreci 20 kg muito rápido. Eu percebi que quanto mais eu me padronizo, mais magra estou, mais dentro do ‘padrão’, parece que mais a minha música anda”, comenta Ekena. A jornalista, DJ e empresária Flavia Durante enxergou uma necessidade de mercado e criou um dos mais importantes eventos de moda, o Pop Plus Size. “O meu trabalho é político, embora ele não tenha começado dessa forma. Ele começou para resolver um problema comercial, querendo ser um Mercado Mundo Mix Plus Size”, comenta. Para quem não conhece, o MMM era um evento multicultural, que unia música e moda, e que foi superimportante na cena paulistana dos anos 1990. Fora dos tais padrões, Flavia começou pensando nas suas próprias questões – a mulher de classe média que queria uma roupa descolada para sair na noite. “Até que comecei a me deparar com outras questões, como mulheres que vestem acima de 54, 60 e sequer conseguiam comprar calcinha e roupa para trabalhar. O buraco era muito mais embaixo”, comenta. E com o pop ela estendeu a conversa para muito mais mulheres, criou um local de conversa, para que outras mulheres e seus corpos gordos pudessem se encontrar. A música é sempre uma amálgama importante do seu trabalho. “Existe uma imposição da indústria em relação ao corpo das mulheres. Embora
exista uma desconstrução muito grande do público, ainda tem uma pressão muito forte ao corpo da mulher. Quando aparece uma diva pop um pouco acima do que é considerado o peso ideal, é só ver a crueldade dos comentários que são feitos na internet em relação ao corpo dessas artistas”, destaca. As canções de Ekena, intimistas e densas, trazem à tona os relacionamentos interpessoais e a luta incessante de ser mulher em meio a uma sociedade machista. “Eu canto para mim, mas dou voz para muitas mulheres. O novo trabalho, que começou com Sinto Muito é um disco que fala sobre corpo livre, sobre autoaceitação. Nós passamos muito tempo procurando a aceitação dos outros e nos outros, e isso gera processos muitos doloridos”, diz. Segundo Flavia, é muito triste ver que o público gay, tão oprimido em diversas questões, nesse caso são os primeiros a atirar pedra em relação a aparência das artistas mulheres. “A questão aí é se eles gostam mesmo dessas artistas ou se eles querem apenas bonecas de plástico, que não engordam, que não envelhecem, que não se machucam. Enfim, acho que o público hoje é mais maleável sim, mas há muito preconceito também”, lamenta. As pessoas ainda tratam o corpo gordo como uma pauta, que merece ser a chamada em qualquer circunstância. “Eu luto para que essas outras meninas
Imagem: Pixabay
tenham reconhecimento. Para aquela mulher que precisa ligar no restaurante para saber se tem cadeira que caiba, a pessoa que não anda de ônibus por medo de não passar na catraca”, comenta Ekena, que canta e faz questão de levantar essas questões com a sua obra. Para que esse padrão comece a mudar, é preciso educar as novas gerações sobre a diversidade de corpos. “Para acabar com a gordofobia na música, precisamos acabar com a gordofobia na sociedade. A questão pode acabar com muita educação dos nossos filhos, sobrinhos, crianças próximas. Precisamos de mais diversidade, inclusão... Falar tanto de diversidade de corpos, como falamos de diversidade de etnia, diversidade sexual”, pontua Flavia. E a pressão sobre a imagem é um problema que afeta até mesmo as meninas magras, que precisam seguir sempre um padrão da moda. “Existem inúmeras pessoas magras cujas filhas que se encaixam no tal padrão, mas querem ser iguais às menina do Tik Tok, com a imagem do filtro. Não sou só eu, a Ekena gorda, que quer ser livre. Ninguém tem o direito de dar opinião em algo que não
lhe cabe. E o corpo do outro é do outro”, desabafa. No Pop e fora dele, Flavia segue com o seu trabalho cada vez mais político. “Eu percebi que precisava levantar essa bandeira porque essa não era apenas uma questão de vaidade, de não ter uma roupa para sair na noite. Mas era uma questão de dignidade, de você não ter uma roupa e ter uma calcinha e sutiã para sair de casa para ir trabalhar, ir ao médico, qualquer necessidade sua”, comenta. Muito mais do que tentar mudar a cabeça de quem ainda sustenta essa visão ultrapassada, é preciso olhar para a frente. “Investir mais tempo na educação das gerações que estão chegando do que ficar perdendo tempo brigando na internet com quem a gente sabe que não vai mudar nunca”, exemplifica Flavia. Para a indústria do entretenimento, o gordo tem um lugar especial como humorista. “O gordo precisa ser engraçado, fofo, não dá para ser só sério e fazer o seu trabalho”, comenta Ekena. Em mais uma volta ao passado, outra personalidade que sofreu com a gordofobia foi Cass Eliot. A vocalista do The Mamas & The Papas, também conheci-
da como Mama Cass, sempre conviveu com a perseguição da mídia pela sua forma física. “Era uma das cantoras mais talentosas e estilosas nos anos 60 e 70, mas sofreu muito com a gordofobia. Existe até uma história segundo a qual ela teria morrido engasgada com um sanduíche, mas não foi nada disso”, comenta Flavia. Inclusive, a morte de Mama Cass culmina com o nascimento do Ativismo Gordo, o Fat Underground, no final dos anos 70, que vinha na esteira das feministas e do movimento hippie nos Estados Unidos. Para Ekena, o mundo está mudando, mas ainda estamos bem longe do ideal. “São passos de formiga, mas estamos caminhando. Se cada um fizesse a sua parte, a gente estaria muito mais longe. Eu luto para furar essa bolha. Não quero ser uma artista que vai ficar a vida inteira nesse meio underground”, comenta. Enquanto isso, haja força para seguir. “Se a gente não se aceita, a gente não se ama, é difícil ser encontrar em outro lugar”, finaliza.
SHOWS
Por Fernando de Freitas
A I Z A V A S CA ? A R O G A E
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Imagens: Divulgação
E
m Nova York, o lendário café Wha? reabriu as portas para receber artistas e público. O palco, que revelou artistas como Bob Dylan, Jimi Hendrix e Bruce Springsteen, voltou a funcionar dentro de uma série de protocolos sanitários. Inicialmente, apenas com mesas na lendária McDonnnall Street, e depois de um tempo, conforme as autoridades locais permitiram, o salão interno foi reaberto. Porém, o fim das restrições sanitárias no Brasil não parece estar tão perto de se encerrar, e ainda que os protocolos de reabertura já permitam, com muitas restrições, a realização de eventos em São Paulo, por exemplo, desde outubro, poucas casas efetivamente caminharam nesse sentido. Com as casas de espetáculo paradas por mais de seis meses, o número de profissionais afetados é imenso. Da porta de entrada aos camarins, passando pelo atendimento de bar, restaurante e salão, temos equipes inteiras responsáveis pelo sucesso de um espetáculo que ficaram sem seu ganha-pão. E sabemos que muitas dessas casas sequer voltarão a funcionar, deixando o público e os profissionais com ainda menos opções quando a reunião de pessoas em lugares fechados for novamente possível. Com uma proposta fora da caixa, o Agulha, em Porto Alegre, abrigou, nos últimos anos, inúmeros artistas em ascensão, tanto do circuito alternativo-cult e quanto do mainstream. É uma casa em que artistas como Maurício Pereira ou BNegão poderiam se apresentar dentro de padrões técnicos de primeira linha. Seu tamanho permite a existência de uma cena musical não contemplada pelas grandes casas de show, mas para a qual os espaços menores não oferecem estrutura satisfatória. Quando conversamos, em setembro, com o sócio da casa, ele ressaltou: “nós, até agora, conseguimos não dispensar nenhum funcionário”. E contou sobre as campanhas que criaram na internet para arrecadar algum dinheiro. A casa passou a vender itens até bem-humorados com a necessidade de ficar em casa, tais como pijamas, meias, baralhos e até rede de pingue-pongue, tudo personalizado. Porém, com o esgotamento da demanda destes itens, a casa partiu para a venda de uma cerveja artesanal com rótulo próprio e o início
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das atividades de entrega de comida. Em meio a todos os imprevistos, a casa tinha um projeto aprovado no edital da Natura Musical que não poderia ser realizado. Mas a instituição foi compreensiva e foram negociadas mudanças no projeto para realização de lives com os artistas que se apresentariam na casa. O Agulha.r foi ao ar com shows de Zudizilla, Ana Frango Elétrico, Saskia, Zilladxg e Jadsa. E foi da Casa Natura Musical que o WME Conference RMX, evento focado nas mulheres na música, realizado por mulheres para as mulheres, transmitiu parte de seus painéis em 2020, sendo a outra parte transmitida diretamente da casa das participantes. Com tantas mudanças, a WME Conference deste ano assumiu a tag RMX, em alusão à técnica dos DJs e produtores de música eletrônica de usar as mesmas bases para criar um remix, ou seja, uma faixa “nova” usando os mesmos elementos da música. Toda a programação original foi descartada para se adequar ao novo modelo, que incluiu um ambiente virtual, que permitia transitar entre as salas de conferência e a realização de networking. Todos os protocolos foram levados à risca para garantir a segurança das participantes e da equipe técnica. Entre as medidas de
controle de riscos, realizaram sanitização do espaço e foi reforçado o uso de EPIs. A permanência no espaço foi permitida apenas para as profissionais envolvidas e para as convidadas que participaram de atividades ao vivo, com distanciamento entre elas durante as atividades. “E quando acabava o painel, as convidadas eram logo convidadas a se retirar, ninguém podia ficar por lá”, conta Claudia Assef, organizadora do evento. No Rio de Janeiro, a Fundição Progresso interrompeu as atividades presenciais em 13 de março, antes que fosse decretado o isolamento social. “Acreditávamos em algo em torno de 3 a 4 meses”, nos informou a casa por meio de sua assessoria. “Acompanhamos, assim como todos, as notícias e a evolução da pandemia, e percebemos que, para o tipo de atividade que realizamos, o tempo para o retorno seria maior do que o esperado inicialmente. Seguimos acompanhando todas as orientações dos órgãos responsáveis nesse caso.” No mesmo movimento de muitos estabelecimentos, a Fundição passou a atuar em diversas frentes para dar continuidade a seus trabalhos, ainda que remotos. “A casa está fechada, mas seguimos com um grande número de ações. Temos a campanha “Sal-
ve Salve Fundição” em andamento, na qual as pessoas podem comprar vouchers no valor de R$ 50 e trocar por qualquer show da programação a partir da reabertura. Além disso, preparamos nossos palcos e equipe para realização de lives, como a de Marcelo Falcão, que aconteceu em julho, transmitida diretamente do nosso terraço. E, atualmente, estamos com o projeto Fundição Multicultural 2020, celebrando a primavera, que tem atividades online, como oficinas gratuitas, música, cinema, teatro e web-encontros até 10 de dezembro. Todas essas campanhas são fundamentais para ajudar a manter o Centro Cultural Fundição Progresso nesse momento”. Também foram claros em afirmar que a Fundição não tem previsão de reabertura. “Estamos trabalhando na ideia de shows transmitidos ao vivo. Não acreditamos que já seja possível realizarmos eventos. Talvez, mais pra frente, pequenos eventos ao ar livre, como exibição de filmes, com cuidados de higienização e segurança sanitária, mas não vemos a possibilidade de reabertura por enquanto”. Um velho lema se mostra mais vivo que nunca: o show não pode parar, nem que tenhamos que nos adaptar para sobreviver.
O INSTITUTO ENTREVISTA
A R I E R R E F O L I R U M
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Por Felipe Ricco
S
Me apaixonei por restaurar instrumentos. Quais as principais diferenças você enxerga entre a luthieria de hoje em dia com a de quando você começou? O acesso a ferramentas importadas, com certeza, facilitou muito o trabalho. Você vê competitividade no mercado da luthieria? A competividade ainda é muito pouca na profissão de luthier. Novos profissionais são bem-vindos nesse mercado? O campo (da luthieria) é muito grande, tem serviço para todos. Para os bons (profissionais) e também (até mesmo) para os ruins. E o que você acha do mercado brasileiro de luthieria? Talvez falte um pouco mais de profissionalismo, como em qualquer outra profissão: qualidade, bom atendimento, bom local, honestidade, aprender todo dia etc...
Você já visitou fábricas gringas de instrumentos e captadores, fale um pouco sobre isso. Fui convidado por três grandes empresas para fazer treinamento: Taylor, Martin, Godin. E também visitei as fabricas Hofner, DR, Seymour Duncan, PRS, Fender. Já pensou ministrar aulas de luthieria? Penso sim em, um dia, montar uma escola de luthier. Há alguma iniciativa do mercado brasileiro ou internacional que valha a pena citar? Fora do país, eu sei que tem muitas, mas aqui (no Brasil), desconheço. Muito obrigado, Murilo, deixe um recado pra galera. Aos que estão começando no ramo, não desistam, se aprimorem, se apaixonem pela profissão. Não pensem apenas em tentar ganhar dinheiro, primeiro seja feliz com a profissão, o resultado virá um dia, eu sou prova disso. Abraços a todos.
Fotos: Divulgação
er um luthier está no sangue de Murilo Ferreira, mais conhecido, tanto no meio artístico quanto no da própria luthieria, como Murilo Luthier. Seu avô começou em 1921 e ensinou seu pai, que, mais tarde, o iniciou no ofício. Hoje, Murilo passa o conhecimento de três gerações para seu filho, que também se chama Murilo, enquanto trabalha construindo e regulando instrumentos para músicos de todos os calibres em sua oficina na Rua Turiassú, na zona oeste de São Paulo. Confira agora a entrevista que fizemos com ele: Como você descobriu a luthieria? Minha mãe vinha ajudar meu pai (na oficina). Eu tinha por volta de cinco anos e ficava vendo meu pai trabalhar. Você fez algum curso na área? Aprendi vendo meu avô, meu pai e amigos deles trabalhando. Foi uma baita escola. O que você mais gosta de fazer como luthier?
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DINOSSAURO Por Fernando de Freitas
IMAGINE
Era uma vez...
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uma canção de esperança. Ressoava a sétima.
COXIA Anneliese Kappey
Ana Sniesko Erico Malagoli
Camila Duarte Fernando de Freitas
Carolina Vigna Ian Sniesko
Luis Barbosa
AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA
Matheus Medeiros
440 Hz