Backstage 311 - Fevereiro 2023

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SOM NAS IGREJAS

FONES REFERÊNCIA E TÉCNICAS DE EQUALIZAÇÃO

Fotos: divulgação

Na nossa última oportunidade, paramos a nossa análise dos processos da mixagem na equalização dos canais. (Não se trata da equalização ou o alinhamento do sistema de caixas, ok?) Aqui entra um elemento essencial à qualidade do trabalho de qualquer operador de som, chamada referência.

Écomum encontrarmos equipamentos como amplificadores, monitores de estúdio e fones de ouvido descritos por este termo “referência”. Mas o que ele significa? Basicamente, ele nos transmite a ideia de que estes equipamentos reproduzem os sinais que lhes são apresentados com transparência, “honestamente” sem adulterar ou contaminar o som pela introdu -

ção de colorações ou distorções permitindo que confiemos que o que eles reproduzem e nos apresentam é fiel ao sinal que receberam.

É importante que quem mixa tenha os seus fones de ouvido referência para usá-los quando for solar um canal ou uma mix e poder avaliar o seu trabalho sem a influência dos elementos finais da cadeia de sinal (ampli -

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David atua no som de igrejas e sonorização de congressos no Brasil e Estados Unidos há 40 anos. Recentemente, servido como diretor de mídia, liderou cerca de 70 voluntários nas equipes de produção de som, vídeo, iluminação, digital signage, transmissão e cenografia.
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ficação, caixas e acústica do ambiente). Os ouvintes do nosso trabalho, na plateia ou congregação, obviamente ouvirão o som influenciado por estes últimos elementos da cadeia. Mas os ouvintes não precisam tomar decisões

um par de fones referência, honestos e transparentes. Eles são a ferramenta que nos permite focar com maior precisão nos ajustes. É como se estivéssemos dando um “zoom acústico” com eles, para atuar com precisão na

críticas quanto aos ajustes na mix, para corrigi-los e/ ou adequá-lo a esses elementos finais como cabe a nós que mixamos. É por isto que é importante termos à mão

fonte do sinal e depois ouvir o resultado no PA e ambiente. Na equalização existem algumas decisões críticas em que os fones referência podem nos ajudar. Se o som de um

instrumento ou voz está soando natural e não requer correções, obviamente não precisamos alterá-lo. Basta apenas aplicar no canal os filtros que deixarão passar as frequencias produzidas por ele para que o seu som fique limpo. Aqui, os fones nos ajudam a identificar os limites superior e inferior destas frequências produzidas pela voz ou instrumento, especialmente os harmônicos mais sutis que podem não ser ouvidos facilmente no som amplificado devido à acústica e ou outros sons simultâneos. Porém, além do caso ideal, acima, o mais comum é precisarmos aplicar a equalização para resolver diversas necessidades que encontramos.

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É por isto que é importante termos à mão um par de fones referência, honestos e transparentes. Eles são a ferramenta que nos permite focar com maior precisão nos ajustes.

Estas necessidades podem pedir desde a equalização “de combate” passando pela equalização “paliativa” e, se formos abençoados, chegam na equalização artística. Estes termos não são de uso padrão, estou criando-os para facilitar a lembrança destas

caixas, para redirecionar as reflexões, resolva sem ter que cortar frequencias inocentes. Mas como, muitas vezes, a passagem de som é feita às pressas, você acaba aplicando lá na consoles a EQ de Combate, identificando a frequência ou frequências que estão

Estas necessidades podem pedir desde a equalização “de combate” passando pela equalização “paliativa” e, se formos abençoados, chegam na equalização artística.

três áreas de correções da EQ, por isto vou definir o que quero dizer por eles. Primeiramente temos a EQ de Combate. Esta é a mais simples de entender. Na passagem de som, você abre o canal e quando ele se aproxima do nível adequado na mix, surge a microfonia. Independentemente de se a microfonia surgiu por algum mal alinhamento ou mal posicionamento das caixas, em um sistema fixo, ou da interação destas com a acústica do ambiente, não vai ser o caso de você começar a fazer ajustes no sistema com a banda tocando e/ou os ouvintes presentes. Se for o caso de uma voz fraca, pode ser que aproximar o microfone da fonte sonora, adequar a inclinação do mic e/ou pedir que a pessoa projete mais a voz proporcione energia suficiente para você não precisar já começar a corrigir na EQ. Se for microfonia média-aguda em um sistema portátil, pode ser que uma alteração do ângulo das

gerando a realimentação acústica entre as caixas, acústica e o transdutor (microfone ou captador de instrumento) que a capta, para cortá-las e eliminar a realimentação. Se isto é feito em meio à passagem de som, com os outros elementos da banda tocando e cantando, você, obviamente, irá querer isolar apenas o som do canal afetado usando os fones de referência para aplicar o filtro com precisão para cortar apenas a frequência que realimenta e não retirar frequências “inocentes” do

usado em contextos da saúde. Porém, no caso da EQ Paliativa, acabamos fazendo algo bastante semelhante. Digamos que o violão que você irá mixar tenha uma sobra imensa de médios graves, ou que a guitarra tenha tantos médios-agudos que ela dói nos ouvidos. Você não vai conseguir trocar o captador do instrumento, nem o amplificador, ficar ajustando a posição do mic no amplificador demora e pode não dar resultado, e boa sorte se for tentar pedir para o músico alterar o tom do instrumento dele –que pode até estar legal nos fones de retorno. Então você aplica a EQ Paliativa, que não vai resolver o timbre produzido por um captador barato, mas vai limpar os excessos de frequencias que sobram na mix, proporcionando clareza e evitando sobrepor e embolar elementos importantes como as vozes, por exemplo. Aqui, novamente os fones se tornam importantes para que em meio à passagem de som você consiga identificar a frequência principal e largura do filtro que aplicará para não

Muitas vezes, a passagem de som é feita às pressas e você acaba aplicando lá na consoles a EQ de Combate, identificando a frequência ou frequências que estão gerando a realimentação acústica entre as caixas, acústica e o transdutor.

som da voz ou instrumento. Em segundo lugar, temos a EQ Paliativa. Por definição, paliativo significa acalmar ou abrandar temporariamente um mal, sendo geralmente

cortar desnecessariamente as frequencias “inocentes”. Em terceiro lugar, temos a EQ Artística, quem nos dera que Deus nos abençoasse a ponto de precisarmos apenas

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trabalhar com esta! Deixei esta por último, porque se as outras forem necessárias, elas terão prioridade na qualidade da sua mix. Porém, se você não precisou usá-las ou conseguiu aplicá-las e ainda tem tempo de trabalhar com esta, é nela que você pode levar a qualidade da sua mix para um nível superior. Quem segue essas minhas reflexões já me ouviu dizer que a diferença entre um trabalho, uma mix,

que transforma o som do que você está ajustando para algo maravilhoso. Porém é mais comum que seja apenas um ganho sutil, talvez nem muito ouvido pelos ouvintes presenciais, mas importante para as gravações e o público de streaming bastante comum desde a pandemia. Novamente serão os seus fones que lhe permitirão avaliar estas nuances da EQ Artística. Um exemplo desta EQ Artística é quando uma voz ou

Os reforços são acréscimos eletrônicos e, portanto, a rigor, não serão fiéis ao timbre original da fonte sonora. Mas se o canal não aprece na mix, é preferível fazê-los do que deixar instrumento ou voz sem clareza.

regular e uma de excelência, se revela por meio dos detalhes. Pois é na EQ Artística que iremos atuar nestes detalhes. Às vezes esta EQ pode dar um ganho de qualidade incrível

instrumento não está aparecendo bem entre os outros componentes da mix, mas se você subir um pouquinho o fader do canal, fica muito alto. Neste caso, um reforço de fre -

quências específicas daquele canal pode fazer o seu som aparecer ou “chegar junto” sem ficar alto demais. Vale comentar que, enquanto nas outras duas EQs, usamos apenas cortar o nível nos filtros, nesta podemos reforçar frequencias. Aqui é preciso comentar dois aspectos. Primeiramente, os reforços são acréscimos eletrônicos e, portanto, a rigor, não serão fiéis ao timbre original da fonte sonora. Mas se o canal não aprece na mix, é preferível fazê-los do que deixar o instrumento ou voz sem clareza. E segundo, porém importante, é que esta EQ Artística deve ser feita após a estrutura de ganho dos canais estar bem ajustada, pois ela dificilmente conseguirá corrigir desníveis de ganho entre os canais. E normalmente, ela deve ser aplicada com moderação, assim como adicionamos um tempero numa receita; até porque fortes reforços de frequên -

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cias podem gerar microfonia, ressonâncias e até serem prejudiciais aos drivers e falantes das caixas e fones. Por outro lado, é preciso relembrar que no nome desta EQ temos a palavra “artística”, e o que é chamado de arte nunca foi algo tão subjetivo quanto nesses tempos em que vive -

mixar aquela turnê. Ele ficou triste por não poder agregar aquela banda top ao seu expressivo currículo, mas foi honesto com a sua consciência e indicou um colega que aceitou o desafio e foi contratado pela banda. Mais tarde, quando ligou para o colega para saber como estava indo,

Se você tem o recurso visual de uma mesa digital, use-o para confirmar aquilo que o seu sistema auditivo já deve estar lhe indicando. Por exemplo, se você deseja eliminar uma microfonia, o seu sistema auditivo deve lhe informar que ela ocorre por volta de 2kHz. Então, você olha na tela da sua mesa digital e vê que tem um pico de energia em 2.375 Hz.

mos. Portanto, se um reforço mais forte for útil em um canal ou outro para ajudar a transmitir a linguagem da banda, e ele não colocar os componentes do sistema em risco, aplique-o.

Nessa questão de arte subjetiva, vem à mente o caso de uma banda bastante famosa que insistiu com o engenheiro de PA que queria que o seu som parecesse o som de um rádio AM. O engenheiro imediatamente disse que ele não seria o cara indicado para

ele lhe confidenciou que para tomar decisões sobre como equalizar o som da banda ele estava escutando as gravações no falantinho do celular... A arte é de fato subjetiva!

Os recursos visuais nas consoles digitais têm facilitado bastante o trabalho com a EQ. Estes recursos podem ser ferramentas valiosíssimas na identificação de frequências, porém, qualquer ferramenta pode ser mal-usada. No caso do nosso trabalho com o som, é imprescindível lembrar de

trabalhar com os ouvidos e não apenas com os olhos. Já ouvi depoimentos de engenheiros de som de primeiríssima linha sobre como confiarmos apenas no visual pode nos levar a errar. Então a minha recomendação é que se você tem o recurso visual de uma mesa digital, use-o para confirmar aquilo que o seu sistema auditivo já deve estar lhe indicando. Por exemplo, se você deseja eliminar uma microfonia, o seu sistema auditivo deve lhe informar que ela ocorre por volta de 2kHz. Então, você olha na tela da sua mesa digital e vê que tem um pico de energia em 2.375 Hz. Os seus ouvidos podem não ter toda a resolução precisa até as dezenas e unidades de Hertz, mas devem poder lhe indicar que é neste pico que você precisa trabalhar e não em um pico de energia igual ou, talvez superior, que um instrumento está produzindo mais embaixo, digamos em 900 Hz.

Na próxima oportunidade, voltarei dando sequência neste tema importante. Até lá!

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INDEPENDÊNCIA E ÁUDIO

Ficou na história que em 1822 o Imperador Dom

Pedro I levantou sua espada às margens do Rio Ipiranga e declarou, após receber e ler mensagem da esposa, a Imperatriz Leopoldina, a independência do Brasil. Mas, ainda que D. Pedro I seja um dos compositores do Hino da Independência, não é ensinado nos livros que ele tinha a música em sua rotina, com várias peças compostas.

Essa história é resgatada no livro Pedro I: Compositor Inesperado, organizado e criado pelo musicólogo Ricardo Cravo Albin.

O livro vem com um CD no qual estão disponíveis peças do compositor inesperado, inclusive gravações inéditas produzidas especialmente para o projeto.

O musicólogo e presidente do Instituto Cultural Cavo Albin, Ricardo Cravo Albin, já tinha, há muito tempo, interesse na trajetória musical de D. Pedro I, inclusive na relação do Imperador com a música popular do Rio de Janeiro na época. “Muitas décadas antes eu já havia ido à Lisboa

procurar coisas que ele poderia ter feito com relação a modinhas e lundus, mas não encontrei”, lamenta. Ainda que não tenha encontrado o material que procurou, Cravo Albin permaneceu com interesse nas atividades musicais do Imperador. Com a aproximação do bicentenário da independência, entendeu que esta poderia ser uma boa oportunidade de explorar o envolvimento de D. Pedro com a música. E foi a partir de um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) que Albin percebeu que poderia trazer a história musical de D. Pedro I à tona.

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Reportagem: Miguel Sá | Fotos: Sérgio Nascimento / Divulgação

A equipe que trabalhou no livro já fazia parte das relações profissionais e pessoais de Ricardo Cravo Albin - “são pessoas que já compartilhavam do meu interesse”, reforça. Com esta equipe, o musicólogo inscreveu o projeto no edital e conseguiu viabilizar o projeto de um livro sobre a atividade musical de D. Pedro I.

fundamental no desenvolvimento musical do Brasil. . “Uma figura extraordinária”. O músico era amigo de D. João VI e D. Pedro não só herdou sua amizade como teve boa parte da formação musical promovida por ele. D. Pedro I também teve em sua convivência e formação musical no Brasil o português Marcos

Entre as faixas, algumas precisaram ter um trabalho especial para retirada de ruídos:

as que foram restauradas de discos 78 rotações e de LP.

Na formação musical de D. Pedro, Cravo Albin destaca o papel do Padre José Maurício Nunes Garcia, descendente de negros africanos escravizados com papel

Portugal e o austríaco Sigismund Neukomm.

AS MÚSICAS

O livro vem com um CD no

qual constam 17 faixas, sendo a segunda – o Credo Unum Deum – uma peça com seis movimentos. Entre as faixas, quase todas são de D. Pedro I. As exceções ficam por conta da Variação sobre Tema de Kozenluch, dedicada à esposa de D. Pedro I, a Princesa Leopoldina, de Sigismund Neukomm, e o Lunduda Marquesa de Santos, de Villa-Lobos e Viriato Correia.

Entre as faixas, algumas precisaram ter um trabalho especial para retirada de ruídos: as que foram restauradas de discos 78 rotações e de LP. Restauradas a partir de 78 rotações estão a primeira faixa, o Hino da Independência do Brasil, tocado pela Orquestra Sinfônica do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e a última, um coro a capella regido por Miguel

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Parte da equipe do projeto: Sérgio Almeida Firmino, Denise Barbosa de Menezes, Elizabeth Camarão, Ricardo Cravo Albin (organizador e criador do projeto), Ana Paula de Castro Albin, Sérgio Lima Nascimento e Simone Torres.

Aqueróns cantando o mesmo hino da primeira faixa. Duas delas, o Credo Unum Deumexecutado pela Orquestra Sinfônica Nacional e o Coroda Rádio MEC - e o Hino da Maçonaria – tocado pelo Conjunto Musical da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Banda e Coral Masculino –foram restauradas a partir do LP.

O Lundu da Marquesa de Santos, com a cantora lírica Maria Lucia Godoy e Orquestra de Violoncelos, regida por Alceo Bocchino, e o Hino Constitucinal, com Orquestra Sinfônica Nacional também sob regência de Alceo Bocchino, foram retirados de registros já digitalizados das matrizes analógicas. O Te Deum Laudamus, com arranjo para órgão e coro de Sacha Amback, com o coro regido por Julio Moretzsohn, usado nas novelas da TV Globo Novo Mundo e Nos Tempos do Imperador, veio da matriz digital original de 2017. Quatro das músicas foram gravadas especialmente para o projeto. Três delas, Abertura da Independência para Grande Orquestra em Mi Bemol; Hino a

D. João (este também com coro) e Marcha Imperial foram com a Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (OSJRJ)sob regência do Maestro Leonardo Bruno no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Esta última, escrita originalmente para piano a quatro mãos e clarineta, teve um arranjo para orquestra escrito pelo Maestro. A faixa Variações Sobre Tema de Kozenluchfoi gravada no Estúdio Visomcom Pianoforte tocado por Rosana Lanzelotte e violoncelo tocado por Marcus Ribeiro. Algumas das gravações utiliza -

das eram do acervo do Instituto Cultural Cravo Albin (ICCA). Outras da coleção pessoal do pesquisador musical e engenheiro de som responsável pela restauração sonora e masterização do CD do projeto Sérgio Lima Nascimento. As partituras das músicas gravadas foram captadas a partir do acervo do ICCA e do site Musica Brasilis, instituto criado em 2009 com o objetivo de difundir o repertório musical brasileiro, que é dirigido por Rosana Lanzelotte.

RESTAURAÇÃO E MASTERIZAÇÃO

As fontes diversas trouxeram complexidade ao trabalho de masterização feito por Sérgio Lima Nascimento em seu estúdio La Macchina Del Tempo. Complexidade que começa pelos fonogramas retirados de discos de 78 rotações e de vinil. “Quando vamos fazer uma restauração não existe receita de bolo, mas existe uma ordem natural de retirada de tipos de ruído que, se você não fizer, prejudica a restauração. Tem que ouvir o material para ver o caminho que vai seguir”.

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Contrabaixos e violoncelo A partitura de uma das composições de D. Pedro I

Para Sérgio, o primeiro elemento é a agulha com a qual será reproduzida a fonte do áudio a ser restaurado. “A restauração começa na transcrição. Fiz primeiro uma tentativa com um agulha Ortofon. Ela é maravilhosa, mas para certos detalhes ela não tem uma resposta tão boa quanto a Stanton”. A partir daí Sérgio pesquisou para achar e comprar o modelo de agulha adequado e aplicá-lo em seu trabalho. Os maiores problemas na restauração ocorrem por conta das partes com dinâmica mais baixa, porque os chiados, pops e clicks ficam mais evidentes. Com a música mais baixa em relação ao rúido, fica mais difícil conseguir uma boa amostragem para um processamento contínuo em tempo real. Desta forma, o processamento antirruído pode degradar a parte musical, seja retirando harmônicos demais, alterando os timbres de fora indesejada, ou até gerando efeitos que se assemelham a um “borbulhamento”, tão ruim ou pior que os ruídos característicos de um vinil ou 78 rotações velho. Por isso a opção de Sérgio foi por

usar parâmetros leves de dclick na transcrição e depois, já com o áudio transcrito, usar ferramentas de interpolação,defeito por defeito, ao invés de processamento contínuo em tempo real. “A música erudita tem uma forma específica de trabalho. Não são os mesmos parâmetros da música pop, tem uma dinâmica maior. Tirei o ruído usando ferramentas de interpolação, na mão, um por um. Eu preservei os harmônicos.E se eu tivesse usado um dcrackle poderia ficar

tudo borbulhando. Poderia ficar aquele ruído de fundo d’água.Se eu uso um dclick leve e depois a interpolação, eu consigo preservar os harmônicos dos instrumentos, mas é bem trabalhoso. Tirei uns 500 clicks na mão”.As ferramentas de retirada de ruído que Sérgio utilizou foram as do software iZotope RX6.

Além de retirar os rúidos, Sérgio também teve de, na masterização, equilibrar as diversas gravações de fontes das mais diversas: desde as faixas restauradas até as gravações recentes feitas especialmente para o projeto. Este é um trabalho difícil, onde é necessário fazer escolhas técnicas e estéticas com relação a equalização e compressão. O software usado foi o software de masterização WaveLab com suas ferramentas de equalização e compressão multibanda. A referência escolhida para aproximar as faixas restantes foi o Te Deum Laudamus, gravação que já havia sido veiculada, testada e aprovada em 2017, quando foi trilha de novelas da Globo.

Normalmente, em gravações de

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Leonardo Bruno orienta a orquestra durante os ensaios Naipes de cordas não precisaram de acrílicos

música erudita, não é comum usar ferramentas como a compressão multibanda, que podem interferir bastante no resultado final dos timbres. Mas, como as fontes sonoras fora muito distintas, Sérgio usou a compressão multibanda principalmente para compensar as limitações das gravações retiradas diretamente de mídias físicas analógicas antigas em relação a gravações recentes, como o Te Deum... . “Eu comecei com ela, que é uma gravação de qualidade total. A qualidade das outras tinha que se aproximar dela. Mas mesmo assim, eu mexi um pouco nela para retirar baixa frequência, que estava com muita diferença em relação às outras gravações. Mas a base foi ela.”, reforça Sérgio

ARREGIMENTANDO A ORQUESTRA

Leonardo Bruno foi convidado por Ricardo Cravo Albin para trabalhar no projeto. “O Ricardo era muito amigo do meu pai(Leonardo é filho do clarinetista Abel Ferreira) e fui convocado para fazer esse trabalho sobre a obra composicional de D. Pe-

dro I. Fiquei muito honrado e muito feliz com isso”, comemora o maestro.

Além de reger a Orquestra em quatro obras, Leonardo Bruno reescreveu o arranjo de uma delas: a Marcha Imperial foi composta, originalmente, para piano a quatro mãos e clarineta. “Escrevi para a Orquestra Jovem e para esse solista, João Emanuel, que é talentosíssimo. Procurei preservar as Ideias, porque a cultura composicional de D. Pedro era focada em Joseph Haydn e no Padre José Maurício. De um classicismo absoluto e indiscutível.Isso foi mantido com todo rigor, porque esse tipo de obra não admite flexibilidade. Tem

dado com rigor.Inclusive com os andamentos.Foi tudo dentro das Ideias e da intenção de D. Pedro I.Procuramos fazer exatamente o pensamento dele”, reforça. Leonardo Bruno conhece a diretora e fundadora da Orquestra, Fiorella Solares, há mais de 20 anos e teve a oportunidade de trabalhar pela primeira vez com a Orquestra Jovem ao regê-la em um concerto de homenagem ao Dia da Consciência Negra na Cidade das Artes no Rio de Janeiro, em novembro de 2021. Ao receber o convite de Cravo Albin, propôs a ele que a orquestra fizesse a gravação. Pediu então a Fiorella para reger a orquestra no trabalho, no que foi atendido.

GRAVANDO

A partir daí, com a verba já disponível para o projeto a partir do final de 2021, Sergio Nascimento entrou em contato com Carlos de Andrade para a gravação das peças, a princípio, nos estúdios da Visom. Mas Carlos logo observou que não haveria espaço para uma orquestra completa. Começaram então gestões para que o espaço do Theatro Municipal pudesse ser usado nas gravações, o que foi conseguido, inclusive com a possibilidade de ensaiar a orquestra por dois dias. Para gravar a Orquestra Jovem,

que manter aquilo o que o compositor queria, essa seriedade classicista que foi a intenção de Dom Pedro I. Tomamos esse cui-

Carlos de Andrade entrou em contato com Eduardo Monteiro. Flautista e engenheiro de som, Eduardo tem formação na área

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Além de reger a Orquestra em quatro obras, Leonardo Bruno reescreveu o arranjo de uma delas: a Marcha Imperial foi composta, originalmente, para piano a quatro mãos e clarineta.
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Ricardo Cravo Albin e Leonardo Bruno

de eletrônica e também atua como músico, tendo tocado na Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC; na Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e como flautista substituto por duas temporadas na Orquestra da Ópera de Stuttgart, Alemanha, além de dar, atualmente, aulas na faculdade de música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eduardo lembra que, na época da gravação, ainda no início de 2022, havia o problema da pandemia, o que trouxe condições específicas para a sessão com a Orquestra no Theatro Municipal porque os músicos de sopro tiveram de tocar com placas de material acrílico em volta. “Na orquestra, temos que trabalhar como um fotógrafo, retratando o que acontece ali da maneira mais convincente possível. O acrilico, subverte isso. O ideal é ter, pelo menos, 70% de ambiência (no som da orquestra captado). Com o acrílico, especialmente no naipe das madeiras(clarinete, oboé, fagote, etc.), isso passa a não valer mais. Com o acrílico para cada músico, você não tem mais a opção de (soar como um) naipe. A captação tem que obedecer a outros regimes. Tenho que microfonar, praticamente, cada instrumento. Cada músico

tão problemático. Podemos fazer até uma microfonação por cima do acrílico, o que preserva um pouco ambiência. Isso já dá uma noção de naipe”, detalha.Os músicos das cordas – contrabaixo, violoncelo, viola e violino – puderam tocar com máscara e não precisaram das placas acrílicas. Ainda por conta das placas acrílicas, Eduardo Monteiro teve que tomar cuidados extra com ondas estacionárias, “Os instrumentos estão tocando entre paredes à vezes com 30 a 40 cm de distância, o que faz com que tenha ondas estacionárias fortes. Tivemos de mexer na posição do microfone até rejeitar essas ondas o máximo possível, e tivemos que usar

Os instrumentos estão tocando entre paredes à vezes com 30 a 40 cm de distância, o que faz com que tenha ondas estacionárias fortes. Tivemos de mexer na posição do microfone até rejeitar essas ondas o máximo possível.

envolvido pelo acrílico tem que ter um microfone. No caso dos metais, como eles têm uma projeção acústica maior isso não fica

microfones mais direcionais. Não podemos usar microfones bidirecionais. Muitas vezes, em situações normais, eu os usoen-

tre dois instrumentos, mas no acrílico não tem como usar o bidirecional porque vai ter alguma volta do som e pode dar um cancelamento de fase. Então usamos apenas cardióides, supercardióides e hiper cardióides”, detalha. Normalmente Eduardo trabalha da seguinte forma: com um par semicoincidente de microfones cardióides (o chamado ORTF) com ângulos de 110º entre eles e as cápsulas a uma distância de, aproximadamente, 17 cm com mais dois microfones omnidirecionais lateralmente cobrindo os flancos. Quando o ambiente não tem reverberação em excesso, monteiro se permite usar quatro omnidirecionais: dois na posição do maestro e dois mais afastados, um em cada lado da orquestra. ‘Isto é uma captação básica de ambiência, e podemos fazer mais uma ambiência par trás, com mais dois ou três omnidirecionais. De todo modo, para cada dois instrumentos de sopro coloco, normalmente, um cardióide ou se o instrumento tiver de ter mais pressão, um supercardióide”, explica. Nas peças do projeto, com a

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Eduardo Monteiro durante as gravações

questão da pandemia, a microfonação foi feita da seguinte forma: quatro omnis na frente, com dois DPA 4003 como os principais. “São DPAs que gravam com Phantom power de 130 volts ao invés de 48. Eles tem um pré só para eles, e nas lateraisuso os Schoeps MK2. Em cada naipe usei basicamente Schoeps MK4V, que é a versão vertical do MK4, que são cardioides; MK 41, que são super cardioides, o KM140 da Neumann e o KM184 também cardioide.

Vários AKG C414 - se não me engano foram seis - Neumann TLM 193 e um DPA 2011, todos cardioides com exceção dos dois MK41”, detalha. Monteiro mandou para a mixagem cerca de 42 canais. Estes microfones foram usados em madeira, metal, percussão, solista de clarineta e nas cordas. No solista foi usado especificamente um par de KM184. Eduardo Monteiro usou como sistema móvel de gravação, o Piramix com conversores Hapi e Horus. “Entro em duas interfaces com 24 canais cada já com o microfone direto. O sistema já tem pré-amplificador, con -

versão e o cabo de redeCAT-6 aguenta até 384 canais em um cabo só, com controle remoto. Normalmente uso cabo de 80 metros”, finaliza.

Já a peça Variações sobre Tema de Kozeluch foi gravada e mixada no estúdio Visom por Léo Pinheiro, com o pianoforte de Rosana Lanzelotte e o violoncelo de Marcus Ribeiro. De acordo com Carlos de Andrade, a peculiaridade desta gravação fica por conta da gravação do pianoforte, instrumento que antecedeu ao

piano que usamos hoje. “Ele tem as cordas tangidas, como a do violão, e não percurtida, como o piano tradicional. Outra característica é que este piano usa cordas únicas.É um piano pequeno, com o som mais brilhante e metálico.Precisamos, portanto, usar um microfone mais suave, de fita, que deu tamanho ao som”, finaliza.

Outra gravação que aconteceu no estúdio foi o reforço das vozes do coro, que teve uma limitação de quantidade de pessoas no Theatro Municipal por conta da pademia.“Nós gravamos com poucas pessoas e depois trouxemos para o estúdio e os cantores dobraram os coros. Fazer isso no estúdio facilitou o tamanho do som e a inteligibilidade” conclui Carlos de Andrade.

MIXAGEM

Carlos de Andrade coordenou os trabalhos de mixagem em seu estúdio Visom, sendo o responsável direto por duas músicas: Hino a D. João e Marcha Imperial. Ricardo Dias mixou Abertura da Independência. “Para mixar uma peça de orquestra,

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Coro O clarinetista João Emanuel e Leonardo Bruno

tem determinadas regras a seguir para homogeneização de ambiência e uma disposição espacial coerente com a orquestra. Neste caso tivemos um complicador que foi a pandemia. Os naipes tiveram que ser separados por acrílicos e isso interfere em questões de ambientação. Por isso tivemos de recriar o ambiente na mixagem”. Recriar o ambiente significa criar a imagem sonora da orquestra usando ambiência digital ao invés de simplesmente usar a ambientação já captada, como normalmente ocorre mas não foi possível fazer por causa das placas acrílicas separando os músicos. Carlos manipulou os parâmetros de pré-delay da ambiência em plug-ins usados na mixagem de forma que desse a sensação da distância entre os naipes como seria com a ambiência natural. “Os atrasos (de som) entre os naipes dão a sensação psicoacústica da espacialidade. Tive que distanciar cada naipe do outro para dar essa sensação da profundidade e no final adicionar o reverb que seria a sala.

Aí você usa uma máquina como TC Electronics ou Lexicon”, resume. Para as ambiências entre os naipes, Carlos usou os plug-ins Altiverb.

Também foi necessário corrigir a posição do solista na mixagem. Isto porque foi respeitada a distância social de dois metros na gravação, e ele soava muito à esquerda na mixagem. O so do clarnete solo foi, então, reposicionado um pouco mais ao centro aumentando a presença

EQUIPE E PROJETO

da micrfofonação próxima ao instrumento ao invés da geral. Carlos de Andrade montou, para esta mixagem, um sistema com a controladora S1, da Avid, com 32 canais de controle, trabalhando no Pro Tools. “Tudo sem precisar usar um somador externo, porque isso dá uma coloração que é bem vinda no rock, no pop, mas não na música erudita. Tem que ser o mais transparente possível”. Reforça.

O livro Pedro I, o Compositor Inesperado é um livro com oito ensaios que falam sobre três aspectos de D.Pedro I: compositor, homem de família e político. Além do CD, o livro vem com um QR Code que permite o acesso às músicas. Os ensaístas convidados foram, além do próprio Ricardo Cravo Albin, Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, Paulo Rezzutti, Rosana Lanzelotte, Isabel Lustosa, Paulo de Assunção, Mary Del Priore e Arno Wehling.A curadoria dos articulistas foi feita por Mary Del Priore e pelo também coordenador de produção e pesquisa editorial Giovanni Codeça da Silva, que fezainda a coordenação, produção e pesquisa editorial. A coordenação editorial foi de Carlos Barbosa, o projeto gráfico de capa e miolo e tratamento de imagens foi de JulioLapenne, a revisão foi de Charles Mourão e Denise Scofano Moura, a editoração final foi de Solange Trevisan, a produção musical (em sua parte burocrática) foi de Simone Torres, a produção cultural e literária foi feita por Denise Barbosa de Menezes, a produção executiva ficou a cargo de Sérgio Almeida Firmino, a assessoria da direção foi feita por Ana Paula de Castro Albin e a assessoria de imprensa foi de Elizabeth Camarão.

Para saber mais: https://musicabrasilis.org.br/ | https://dicionariompb.com.br/ www.faperj.br/?id=216.6.5

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Rosana Lanzelotte e Marcus Ribeiro

IMPRESSÕES E EXPRESSÕES NA ILUMINAÇÃO CÊNICA

PERSPECTIVAS E POTENCIALIDADES

Espetáculos musicais evoluem, conceitualmente e tecnologicamente, com imbricação entre esses dois aspectos, desde sempre. Isso não quer dizer que as tecnologias (equipamentos, técnicas, conhecimentos) sejam limitadoras nesse processo evolutivo. Do contrário, podem, inclusive, estimular a hibri-

dização de recursos, sejam novos ou historicamente consolidados e estabelecidos. Nesta conversa, impressões e expressões na iluminação cênica serão abordadas sob o enfoque de estudos mais abrangentes e dos potenciais a serem explorados e percebidos na contemporaneidade. Modernidade e modernização são

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David atua no som de igrejas e sonorização de congressos no Brasil e Estados Unidos há 40 anos. Recentemente, servido como diretor de mídia, liderou cerca de 70 voluntários nas equipes de produção de som, vídeo, iluminação, digital signage, transmissão e cenografia.
A evolução dos espetáculos musicais, conceitualmente e tecnologicamente. Impressões e expressões na iluminação cênica sob o enfoque de estudos mais abrangentes e dos potenciais a serem explorados e percebidos na contemporaneidade.
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Uso de velas de parafina na cenografia do “Acústico MTV” com a banda inglesa Florence + The Machine (2012). Fonte: Universal Music Publishing Group

conceitos por vezes complementares como também confundidos, na mesma medida que a ideia de tecnologia tende a ser associada ao que existe de mais atual. Em um recorte histórico, o termo “moderno” deve ser mais apropriado às vanguardas artísticas, políticas e sociais da primeira metade do século XX (e que ainda repercutem para a pós-modernidade), na mesma medida em que a evolução tecnológica está associada ao modo de produção, desde os primórdios da humanidade.

Nesse contexto, um projeto de iluminação cênica que utiliza velas de parafina pode ser tão “moderno” como tecnológico, mesmo que sejam utilizados instrumentos arcaicos para a criação de efeitos, impressões e expressões. As impressões aqui são associadas às sensações esperadas e proporcionadas, e as expressões às linguagens definidas e estipuladas para a transmissão das sensações propostas.

Naturalmente, os espetáculos musicais não são mais os mesmos, desde o momento em que as luminárias com dispositivos móveis começaram a ser elementos dinâmicos nos projetos de

iluminação cênica. Se durante décadas as únicas variações visuais de expressão artística na iluminação cênica estavam centradas nas formas, cores e nas alternâncias pelo acionamento de luminárias, com os primeiros moving lights as impressões visuais possibilitaram a produção de sensações distintas e dos sentidos para além da visão. Também, outras expressões foram possibilitadas, pela capacidade da iluminação adquirir mobilidades até então inexistentes (ou mais limitadas e ‘artesanais’,

pesquisadores, de montadores a diretores criativos, de projetistas a gestores de iluminação –responsáveis pelo mapeamento físico do espaço a roteiristas de equipes e operações relacionadas aos espetáculos. Os profissionais envolvidos nas produções cenográficas, em todas as áreas de criação e implantação de projetos de iluminação cênica, não somente diversificaram e ampliaram os conhecimentos, como também desenvolveram um setor produtivo que requer atualização e capacitação para as mais diversificadas e distintas tecnologias.

Nisso, há um “quê” de (re)modernização. Na atualidade, as constantes modificações, aprimoramentos, melhorias e ressignificações (um termo “contemporâneo”) permitem novas combinações para vários equipamentos de iluminação em um contexto digital para diversas funções e efeitos, seja para a busca de filigranas de dimerização ou para a (re)criação de cores, em novas conexões, materializadas pelos equipamentos e recursos cada vez mais “tec -

Nesse contexto, um projeto de iluminação cênica que utiliza velas de parafina pode ser tão “moderno” como tecnológico, mesmo que sejam utilizados instrumentos arcaicos para a criação de efeitos, impressões e expressões.

realizadas com recursos distintos e específicos ou mesmo pela manipulação dos follow spots, os canhões seguidores).

Assim, os profissionais designers de iluminação de palco (lighting designers) tecnologicamente evoluíram e passaram de eletricistas a professores, de engenheiros a artistas visuais, de operadores a

nológicos” – conhecimentos, sistemas, métodos, dispositivos e equipamentos.

Claro que as rupturas que ocorreram no fim do século XIX para o seguinte não podem ser comparadas ao que ocorre hoje, como também é muito difícil qualificar as produções dos shows realizados na década de 1970

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Operação da iluminação cênica – equipamentos e conhecimentos. Fonte: Vecteezy

com os mesmos critérios utilizados nos espetáculos atuais. Primeiro, porque devem ser considerados aspectos quantitativos – recursos materiais e financeiros - e o dimensionamento do espetáculo; depois, as condições de operação, distintas sob diversos enfoques, que já foram explorados em conversas anteriores. Mas também não se pode omitir um outro componente que começa a ser estudado e explorado nas produções musicais, que incluem os espetáculos: a inteligência artificial (IA). Em maior ou menor escala, o conceito de IA tem sido utilizado para a execução de tarefas, realizadas através de máquinas e equipamentos, como também pela coleta de dados e informações e produção de soluções e resultados, autonomamente. Desde o protocolo DMX512, a autonomia tem sido uma área amplamente desenvolvida na iluminação cênica, desde a capaci-

dade de reprodutibilidade técnica e operacional em escala, como também pelas múltiplas funções e possibilidades, a exigência de vários profissionais sempre foi requisito imprescindível, para a concepção, programação e natural implementação. Com esses insumos, adicionam-se outros relacionados a sistemas exclusivamente digitais, tais como

softwares capazes de reconhecimento de áudio e acionamento por trilhas; banco de dados com análise comparada para a ativação de cenas de iluminação de acordo com a música; softwares de sincronismo e de edição de presets diversos (áudio, vídeo, luzes), entre outros recursos e dispositivos.

Nesta perspectiva, novas possibi-

Inteligência Artificial (IA) e iluminação cênica. Henri Juvonen/Finland Toolbox
CEZAR GALHART | www.backstage.com.br 18
Drones – utilizações diversas em projetos de iluminação cênica. Fonte: EY/ Ernst & Young Global Limited

lidades podem surgir na forma como a iluminação cênica interage com os outros elementos de um espetáculo, como a música, ou mesmo a plateia. Isso não é totalmente novo, já ocorrem iniciativas conceituais e práticas, mas poderão ser mais e mais presentes – e de maneira “autônoma”, ou seja, sem uma equipe de operação e, em um modelo mais abstrato e intangível na atualidade, sem um processo criativo como ocorre hoje em dia. Em outras palavras: com recursos da IA, a iluminação pode ser “operada” de acordo com melodias, reações da plateia ou mesmo combinações diversas, a partir de dados e informações previamente estipuladas (o que significaria ainda milhares de possibilidades).

Se por um lado esse “cenário” ainda requer mais e mais estudos e experimentações para a demonstração de respostas efetivas e interessantes, duas reflexões se tornam também necessárias: a inexistência de legislação de

proteção para a propriedade intelectual dos projetos de iluminação cênica e a mais amplo surgimento do conceito de “auteria” aplicado às produções de shows (entendido como uma autoria coletiva, não mais restrita a uma pessoa como centralizadora ou finalizadora no processo criativo). Para a primeira situação, um projeto já existente poderia ser

“marca” ou “impressão digital” de alguém.

Essas temáticas continuam abertas, irresolutas, mas nem um pouco estáticas e rígidas. Deve-se sobretudo valorizar cada vez mais as produções autorais (individuais ou coletivas) e as possibilidades das tecnologias – sem restrições – como caminhos para a ampliação das potencia-

Deve-se sobretudo valorizar cada vez mais as produções autorais (individuais ou coletivas) e as possibilidades das tecnologias – sem restrições – como caminhos para a ampliação das potencialidades da iluminação cênica, principalmente pelas possibilidades que essa fascinante área de conhecimento (e, portanto, tecnologia)proporciona na ampliação de perspectivas.

configurado em outros, “recortados” e definidos, tais como efeitos sonoros pré-configurados em pedaleiras. Para o segundo caso, processos de configuração de cenas, também previamente definidas, mas sem a

lidades da iluminação cênica, principalmente pelas possibilidades q ue essa fascinante área de conhecimento (e, portanto, tecnologia) proporciona na ampliação de perspectivas, sob todos os olhares e sensações.

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CEZAR GALHART | www.backstage.com.br 20
Interações entre plateia e iluminação cênica. Fonte: Harmann Professional Solutions

O ANO DA RECUPERAÇÃO 2022

Booooora lá pro último post do ano... Um ano de recuperação e de dúvidas sobre o que seria o show bizz, pós Pandemônia. Uma coisa é certa, as pessoas voltaram aos shows e eventos como se nunca tivessem presenciado uma performance ao vivo. Era muito legal a interação de público com as gigs, os olhinhos brilhando como se fosse a primeira vez!!!

ueria falar um pouco sobre segurança nessa volta... Foi um pouco assustador as pessoas abandonarem as medidas de

segurança em alguns eventos, o que nos deixou muito preocupados com o que poderia acontecer, em uma provável volta dos ca -

PAULO FARAT | www.backstage.com.br
Q
Paulo Farat é Monitor Engineer de Milton Nascimento, Ivan Lins, Maria Betânia, Rita Lee, Fábio Jr., Ritchie, Capital Inicial, Maurício Manieri, Guilherme Arantes, Chrystian & Ralf, Charlie Brown Jr., RPM, Free Jazz, Projeto SP, A Chorus Line, entre outros... De 1980 até o momento • São Paulo
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Trabalho em estúdio; Vice-Versa, Maurício de Souza Produções, Nossoestúdio, Mosh, KLB Studios & Artmix.

sos de COVID. Eventos com milhares de pessoas e algu -

profissionais de eventos tomarmos nossos cuidados no

mas poucas dezenas delas de máscaras. Enfim, coube a nós

stage. E vem aí Reveillon & Carnaval. Que o CARA lá de

cima nos proteja. As empresas que sobreviveram e cuidaram da atenção ao atendimento na volta estão aí, apesar de muitos profissionais mudarem de ramo e não retornarem aos palcos. Cuidados com manutenção também foram importantes, pois novos equipamentos ficaram complicados de compra, frente ao caos da pandemia. Uma coisa

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As empresas que sobreviveram e cuidaram da atenção ao atendimento na volta estão aí, apesar de muitos profissionais mudarem de ramo e não retornarem aos palcos.

é certa; quem não se modificou nesses quesitos, sentiu na pele que ficou devendo...

Sobre os esforços das produ -

ções, locais de das gigs, para que viabilizassem eventos, diria que foram valentes, sem que diminuíssem a qualidade das

entregas, por total respeito ao público. Isso tem que ser dito.

Sobre quem aprendeu e quem não aprendeu nada com a cri -

| www.backstage.com.br 24
PAULO FARAT

se causado pela situação de pandemia, já falei muitas vezes aqui. As máscaras de postura e índole caíram lá no início. Foi explícita a característica de comportamento do “Universo Meu Umbigo no País da Primeira Pessoa do Singular” e a

que planta!!!

Nós da Falamansa, cada vez mais, trabalhamos para uma entrega total nos eventos. O São João foi muito produtivo, pois as pessoas estavam com muita saudade da bagunça, das fogueiras e da banda. Não

Nós da Falamansa, cada vez mais, trabalhamos para uma entrega total nos eventos. O São João foi muito produtivo, pois as pessoas estavam com muita saudade da bagunça, das fogueiras e da banda.

cumplicidade de quem não faz parte desse mundinho questionável do Planeta. Enfim, cada um é responsável pelo

tiramos um ítem dos shows, tentando levar em cada pedacinho do mapa a mesma qualidade do que faríamos

nos palcos com mais estrutura disponível. Lançamos músicas novas, continuamos com o texto de paz e boas energias nos shows e uma cumplicidade da equipe, pra que tudo voltasse com serenidade e diversão, afinal são muitas milhas dentro do busão em longos caminhos percorridos. Que venha 2023 com tudo isso e mais um pouco. Muita coisa boa vem por aí. Que todos tenhamos uma Virada nas melhores vibes e que o ano seja Musical e Produtivo. Nos vemos no ano que vem, em nosso papo mensal por aqui!!

Thanks Backstage, por esse espaço, e “Let´s mix Music”!!

A HISTÓRIA DO MICROFONE UNIDYNE SÉRIE 55

Caro leitor. Aqui vou contar a história de um famoso microfone que tem a sua imagem gravada na mente de todos, dentro e fora da indústria do entretenimento: com o design art decô, inspirado nas grades dos luxuosos carros da épocaem especial, o Oldsmobile Six coupe conversível - vou mostrar o Unidyne série 55.

EEm 1925 o Sr Sidney N. Shure fundou a Shure Bros. Incorporated, hoje simplesmente “Shure”. O que ele não sabia é que um produto chamado Unidyne Model 55 seria o microfone mais reconhecido do mundo. Como resultado do brilhante trabalho do engenheiro Benjamin Bauer, ele foi lançado ao mercado com inovações significativas para aquela época (1939). Essas inovações solu-

cionavam problemas frequentes de realimentação acústica (microfonia) em aplicações de shows ao vivo, programas de rádio com plateia e uso em sistemas de anúncio. O microfone dispunha de um sistema acústico proprietário chamado “Uniphase”, que reduzia a microfonia por meio de cancelamento acústico dentro do transdutor. Também contava com um sistema de amortecimento interno para reduzir

ÁUDIO & ELETRÔNICA | www.backstage.com.br
Áudio & Eletrônica
Cesar Portela atua sempre ligado à eletrônica do áudio profissional. Os mais de trinta anos de carreira o levaram também a dar consultoria em estúdios de gravação e mixagem famosos no Brasil, como S de Samba, Baticum, Panela Produtora, Lógico Music, Som Max e outros. Projetista restaurador, consultor e professor membro da Audio Engineering Society.
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os ruídos provocados por acoplamento mecânico, ambos problemas comuns para microfones de fita. Somado a estas inovações, o Unidyne foi equipado com um transdutor de bobina móvel montada em um domo de alumínio extremamente fino que garantia uma grande sensibilidade acústica e boa extensão na resposta de frequência da cápsula. Logo após o lançamento em 1939, o Unidyne começou a reunir uma legião de admiradores, tanto profissionais do audio e artistas quanto entusiastas. Nos anos 40 um dos artistas mais famosos do mundo encontrou o microfone mais reconhecido da história. Sim, estou falando do Rei do Rock, Elvis Presley. A imagem desses dois ícones está eternizada na memória da música em todo planeta. Curiosamente, embora seja comum em fotos onde o Elvis aparece cantando com este microfone, o Unidyne não era usado para gravações de discos; e sim para apresentações ao vivo em meados de 40s e 50s.

Outro fato interessante é que o USPS “Correio Americano” lançou em 1994, uma série de selos

postais com grandes cantores americanos usando o modelo 55. Do lançamento em 1939 até

1947 o Unidyne recebeu poucas atualizações, como uma versão para Broadcast cujo sistema anti

Sidney N. Shure
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Design art decô, inspirado nas grades dos luxuosos carros da época

vibração era mais elaborado. Já em 1951 foi lançado o Model 556s “Small Unidyne”. Tratava-se de uma versão que reunia tudo de melhor do conhecimento adquirido naqueles tempos, desde o conjunto eletroacústico com melhor ajuste de resonância da cápsula até o tamanho do microfone, que ficou mais harmonioso. Foi a versão tecnicamente mais sofisticada da época, portanto a

mais cara até 1978, quando já ha-

crofone serie 55 mudou muito pouco externamente, mas bastante internamente. Hoje ele é adequado a tecnologias atuais de fabricação usando as mesmas cápsulas da serie SM beta. No entanto, perdeu aquele som “aveludado” e com uma “pontinha de médio-grave” que remete ao som da voz de grandes ícones da era das “Big Bands”. A serie

as mesmas cápsulas da serie SM.

via efeitos da inflação econômica. Em 83 anos de fabricação o mi-

do modelo 55 é a evidência que o seu “design” clássico e elegante é atemporal.

Recentemente restaurei um Unidyne 556s para o Museu da Imagem e do Som (MIS). A unidade foi produzida no último ano de planta da Shure em Chicago antes da mudança para EvanstonIL. Gostaria de compartilhar que me senti muito honrado com o convite do MIS para restaurar um item tão importante na História da música. O fiz com total esmero e dedicação. Trazer de volta o verdadeiro som desse microfone único, para ser apreciado pelas gerações atual e futura foi algo revelador e de grande satisfação, tal como se uma cápsula do tempo se abrisse...

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ÁUDIO & ELETRÔNICA
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Em 83 anos de fabricação o microfone serie 55 mudou muito pouco externamente, mas bastante internamente. Hoje ele é adequado a tecnologias atuais de fabricação usando
Transdutor de bobina móvel montada em um domo de alumínio extremamente fino
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Billie Holiday

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