#9
www.violetaskaterock.com.br
RODA #9
A última edição do ano, além de trazer seu conteúdo tradicional, sempre faz uma resenha do período que está terminando. Quando pensamos em Tiê para ser a capa e a entrevista da vez, sabíamos que estávamos, através dela, mostrando aos nossos leitores aquilo que foi, para muitos, o maior destaque da cena musical brasileira em 2015. Com canção estourada do Oiapoque ao Chuí, a cantora encontrou espaço na disputada agenda e contou para a jornalista Luciana Werner, de forma muito sincera e corajosa, um pouco da sua história e como é complicado, mas muito prazeroso, conciliar a vida de estrela, empresária, mulher e mãe. Não necessariamente nessa ordem. Paralelamente, podemos apreciar os traços sinuosos da artista gráfica Tamara Arroba e os impressionantes registros místicos saídos das lentes do fotógrafo André Vilaron. Dois artistas em perfeita sintonia com suas inspirações. Inspirados também estão os textos de Fausto Fawcett e Márcio Bulk: o primeiro investe contra a inércia brasileira diante de suas mazelas políticas e o outro, contra a homofobia silenciosa. O designer Flávio Albino inaugura a sua galeria de imagens preferidas e o cantor e compositor Silva disseca todas as faixas do seu novo álbum, “Júpiter”. Um cardápio variado, com tudo aquilo que você já está acostumado e, de quebra, um turbinado #365 com o melhor do ano. Clique e compartilhe.
4
EDITORIAL
BOB COTRIM . EDITOR
LUCIANA WERNER
Aqui na redação era unânime a opinião de que a Lu era a pessoa mais apropriada para conduzir uma entrevista com a cantora Tiê. A jornalista, que aproveitou uma das brechas na corrida e concorrida estrada da menina, conseguiu bater um papo revelador e recheado de sensibilidade. Uma verdadeira joia.
FLÁVIO ALBINO
Quando produz suas fantásticas imagens no cultuado estúdio carioca da Platinum FMD, Flávio costuma consultar seu imenso álbum de referências visuais. A partir de agora, ele vai dividir conosco um pouco desse acervo no “Frente e Verso”. O ponto de partida é um ponto de partida em preto e branco.
FAUSTO FAWCETT
A metralhadora giratória do cronista transforma Brasília na verdadeira cidade do purgatório e do caos, onde cabeças que já deveriam ter rolado permanecem intactas. Ao repassar o ano, Fausto vislumbra um questionamento que, mais cedo ou tarde, todos teremos que encarar.
MARCELO D’ALMEIDA
Acompanhar de perto a passagem de Eddie Vedder & CIA pelos palcos brasileiros estava longe de ser tarefa difícil para o nosso gajo. Profundo conhecedor da carreira do grupo de Seattle, D’Almeida conferiu a apresentação do Maracanã, no Rio de Janeiro, e nos conta o que aconteceu quando “Jeremy” (Jeremias para os íntimos) e outras pérolas ecoaram pelo estádio.
BIANCA GISMONTI
O fato de ser filha de Egberto, já seria suficiente para imaginarmos que ela carregasse consigo um imenso conhecimento musical. Bianca, que iniciou seus estudos musicais aos nove anos, hoje já trilha uma elogiada carreira musical. Ela aperta o “Play” e nos conta como foi, é e será sempre influenciada por um brilhante disco do pianista Keith Jarrett.
MARCIO BULK
Depois de algumas colunas mirando na direção dos holofotes artísticos, Bulk resolve abrir o verbo dando um pitaco dos mais controversos. Tipo dedo na ferida. Um recado para aqueles que tem teto de vidro ou falam que nunca atiraram a primeira pedra. Gostar de uma coisa não exclui uma outra. Sensibilidade e metal podem conviver numa boa. Qual o problema?
IVAN COSTA
Ivan, finalmente, teve a chance de conferir e aferir o longa dirigido por Guilherme Fontes e que conta a história de Assis Chateaubriand. Será que valeu essa espera? Ele também viajou até 1982 para lembrar o álbum de estreia de Lulu Santos. Um trabalho que ainda hoje mantém o mesmo frescor da época.
EDU MONTEIRO
Edu é um sujeito que enxerga na sua curadoria fotográfica uma boa oportunidade de exibir a miscigenação do nosso povo. Ainda embalado pelos ares da Bahia, ele agora apresenta um ensaio de autoria do premiado fotógrafo André Vilaron, que acentua de maneira mística as nossas raízes e referências.
COLABORADORES
Revista Roda #9 dezembro 2015
Editor de Conteúdo . Bob Cotrim bobcotrim@revistaroda.com.br Editor de Imagem . Daryan Dornelles daryandornelles@revistaroda.com.br Editor de Arte . Tello Gemmal tellogemmal@revistaroda.com.br
RODA #9
Colaboraram também nessa edição Flora Pimentel, Gal Oppido e Renan Perobelli.
RODA . CONTATO Para enviar comentários, sugestões e críticas contato@revistaroda.com.br RODA . PUBLICIDADE comercial@revistaroda.com.br RODA . REDAÇÃO Para enviar sugestões e material para review redacao@revistaroda.com.br RODA . WEB www.revistaroda.com.br RODA . SOCIAL Coordenador de Redes Sociais . Alexandre Florez redesocial@revistaroda.com.br FACEBOOK.com/revistaroda
Projeto Gráfico Ofício21
6
EXPEDIENTE
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
...ĂŠ arte
arte . Tamara Arroba
#9
EDITORIAL ENTREVISTA . TIÊ 3x4 . TAMARA ARROBA CRÔNICA . FAUSTO FAWCETT FOTOGRAFIA . ANDRÉ VILARON PERFIL . CADU TENÓRIO PITACOS VALVULADOS . MARCIO BULK MUITO PRAZER! . LULU SANTOS SÓ LETRA . MARIA GADÚ FRENTE VERSO . FLÁVIO ALBINO +++DISPLAY+++ 365
04 10 22 34 38 52 56 58 60 62 64 74
RODA #9
POR LUCIANA WERNER FOTOS . DARYAN DORNELLES
Tiê
10
Tiê me recebe com um sorriso tímido e certa cautela. Com o decorrer da conversa, vai se soltando e derramando um mar de simpatia. De short jeans, camiseta com os dizeres “Eu vou parar de beber” (nome do disco de André Whoong, artista que ela produz) e muitos colares no pescoço (um deles é uma espécie de patuá da igreja messiânica, o “colar da sorte”, conta), não traz um pingo de maquiagem no rosto. Olhando para aquela cara de garota, emoldurada por longos cabelos de ‘mendigata’, como
ela mesma define (‘nunca penteio e, quando vou ver, estão cheios de nós e vão virando uma coisa meio dread’, explica), Tiê Gasparinetti Biral (é, o nome é Tiê mesmo, a inspiração veio do passarinho tiê-sangue, ave-símbolo da mata atlântica) dá a impressão de ser completamente relax, com uma postura hippie diante do mundo. Verdade que ela tem um ritmo bem particular de viver, mas essa batida passa longe da calmaria e, de tantas funções que acumula, às vezes pode ser tão intensa que chega a beirar o
caos. Talvez seja justamente essa a receita do sucesso da artista, que só faz aumentar depois que a música “A Noite”, versão escrita e interpretada por ela, foi parar na trilha sonora de uma novela. Mãe de duas meninas pequenas, Liz e Amora, a cantora, compositora e empresária paulista começou a soltar a voz aos 15 anos, só se assumiu como artista quase uma década depois e fez das redes sociais seu primeiro palco. Mora numa casa em São Paulo, onde
também funciona sua produtora, e está sempre viajando pelo país para fazer shows. Quando fui encontrá-la, pude comprovar essa multiplicidade. Ela conseguiu responder às perguntas, resolver detalhes da produção de um show e cuidar das filhas, que brincavam, ouviam música (de Nirvana à música-tema da animação “Frozen”) e solicitavam a atenção da mãe durante toda a entrevista. Tudo ao mesmo tempo agora. Assim é Tiê. Uma doce explosão.
Você era modelo antes. Como a música apareceu na sua vida? Eu tenho uma família de artistas. Minha avó (a atriz Vida Alves) deu o primeiro beijo na TV, minha mãe nasceu nos bastidores das rádios, sempre trabalhou com jornalismo. Ela é formada em artes plásticas, acho que foi a primeira VJ, hoje tem um programa na Jovem Pan, escreve livros. As duas me incentivaram muito a fazer arte. Então fui dançar, fiz curso de teatro e queria muito cantar, mas era insegura demais, além da conta. Comecei com 15 anos. Com 17 ganhei o Fico, aquele festival do (colégio paulista) Objetivo, e isso me animou. Mas, mesmo assim, passei anos cantando de costas, de olhos fechados, com uma vergonha muito grande. Eu não me sentia segura para cantar, achava que não era boa suficiente para gravar disco de interpretações. Pensava: “Vou cantar pra quê? Já tem tanta cantora..”. E como fui modelo desde os 12 anos, percebia um certo preconceito do tipo “é bonitinha, não deve cantar bem” ou “só está aí porque é bonitinha, deve ser burra”. Mas quando eu conheci o Toquinho, num festival da MTV, em 2004, aí eu comecei a cantar profissionalmente. Trabalhei com ele dois anos e meio, viajei pelo Brasil e Europa. Esse momento foi muito importante, aprendi demais. Desde ouvir o retorno até cumprimentar o contratante e trabalhar sempre de bom humor, porque com o Toquinho não tem tempo ruim pra
trabalhar. Junto com ele conheci o Dudu Tsuda, o (artista multimidia) japonês lá da minha turma, a turma da Tulipa (Ruiz), do (Thiago) Pethit. Um superjaponês ousado. Nessa época eu fazia um trabalho bem autoral com ele toda quarta-feira às duas da manhã. Foram seis meses muito intensos. Eu brincava que era bipolar. Com Toquinho era flor no cabelo e com Tsuda, cinta-liga e asa de borboleta. Trabalhar com o Toquinho foi um marco na sua vida? Foi, ele me salvou. Em 2006, numa turnê pelo Chile, já no fim do meu trabalho ao seu lado, apareci com uma superfebre por 40 dias. Ninguém descobria o que eu tinha e então o Toquinho achou que eu ia morrer e me mandou pro médico dele. Foi a minha sorte. Esse supermédico descobriu que eu tinha uma doença rara, lúpus no pulmão, uma doença autoimune. Fiquei um ano e meio muito mal. Foi um processo de quase morrer mesmo. Tinha um tumor no pulmão, uma infecção, me abriram e só aí eu comecei a melhorar. Lúpus é o topo da cadeia autoimune. Tenho vitiligo também, tenho várias coisas por causa do lúpus, de lobo mesmo. Com isso, seu corpo se come. Como você encarou essa doença tão séria? Foi um processo muito marcante. Primeiro porque eu quase morri e tinha
só 26 anos. Achava tudo muito difícil, eu era realmente uma pessoa muito dura, muito desconfiada mesmo, insegura demais. Para mim, a doença foi mais positiva do que mil divãs, como eu falo lá na música “Chá Verde”. Realmente me transformou. Vi que não tinha nada a perder, decidi que ia fazer minhas próprias músicas e contar minhas histórias, mesmo que fosse da forma mais simples possível. Foi perfeito, porque assim comecei a compor, a fazer cartas de amor para as pessoas. “Chá Verde” é uma música pra mim, fala sobre a doença. Já “Passarinho” é sobre memória.... Tudo muito simples, porque até hoje eu não sei, e sabia menos ainda, tocar violão e piano. Hoje sei o suficiente pra me acompanhar. Sua carreira solo começou a tomar forma a partir desse momento? Nessa época, eu era muito amiga do Caio Mariano, meu advogado e advogado de muita gente desse meio. Depois que eu sarei, em 2007, disse pra ele que queria viver de música e pedi ajuda. Ele me deu um livro pra ler, um dever de casa: “A Cauda Longa”, do Chris Anderson, que era editor da (revista) Wired na época. Eu li, era tipo encontre o seu nicho, faça você mesmo, explica a evolução da internet e como a gente tem que se encaixar. Comecei a trabalhar nisso, me organizar, fazer vídeo. Inventei minha própria secretária, a Telma Flores, que
“Eu não me sentia segura para cantar, achava que não era boa suficiente para gravar disco de interpretações. Vou cantar pra quê? Já tem tanta cantora...”
14
“Fiquei um ano e meio muito mal. Tinha um tumor no pulmão, uma infecção, me abriram e só aí eu comecei a melhorar. Lúpus é o topo da cadeia autoimune.” na verdade era eu mesma. Ela respondia tudo, falava com todo mundo. Comecei a compor e encontrei o (produtor, DJ, compositor e músico) Plínio Profeta, gravei as bases das músicas com a minha banda e mostrei pra ele. Eu disse que o ideal era alguém fazer como eu, de uma forma bem simples, porque se a gente tentava sofisticar ficava cafona. Aí ele falou que eu tinha que aprender a tocar e que a gente ia conversar de novo em quatro meses. Fiz isso. Fiquei trancada em casa por quatro meses, cantava e treinava o dia inteiro. Aí a gente fez o primeiro disco, “Sweet Jardim”, e comecei a aparecer. Antes, saía só uma notinha aqui, uma coisinha ali... Eu estava focada, sabia o que queria fazer, que era achar o meu público, percebi isso a partir do livro. Antes eu tentava agradar um público que eu não sabia quem era... Então passei a ser totalmente verdadeira, fiz um disco cru, com capa simples, tudo combinava muito comigo. O “Sweet” era pra pessoa ouvir como se estivesse sozinha comigo, um sussurro, e acho que a gente conseguiu imprimir esse tom. Era independente, feito com cinco pessoas, a Telma Flores que era eu mesma, Caio, Plínio e uma superassessora de imprensa, a Fê Couto. A Rita Wainer também, que é minha parceira até hoje, faz minhas ilustrações. E o Alê Youssef na produção executiva. Foi as-
sim. A divulgação deu certo, o disco saiu em todos os lugares possíveis e a Warner me procurou pra comprar alguns meses depois. Eu não tinha pago ninguém, tinha pago o disco a custa de cantar em evento, churrascaria, barzinho, locução, que faço até hoje, então achei bom. Com a Warner fiz um contrato de mais dois discos, que é o que estou fazendo agora. Mas como eu comecei independente, continuo com uma alma independente. Mas ter o apoio de uma grande gravadora faz muita diferença, não faz? Sempre fui muito autogestora, tenho minha produtora, a Rosa Flamingo, faço tudo, eu e mais duas pessoas, mas a parceria com a gravadora me abre muitas portas. Ela comprou o disco e falo pro Sérgio (Affonso Fernandes, diretor da Warner Music Brasil) que os números (de vendas) podem ser ridículos, mas pra mim são lindos, é mágico. No segundo disco, esse número aumentou um pouquinho e nesse terceiro, o “Esmeraldas”, ainda mais. O disco demorou, pois me enrolei muito, fiquei entalada, entupida. O Sérgio me pressionava e, um dia, sugeriu uma música, mas me deixou à vontade. Era “A Noite”, versão de uma música italiana. Pensei o que ia fazer, pois italiano é muito dramático, e perguntei se podia criar minha própria versão de letra, sem ser uma tradução.
Ele deu o OK. Falei com o Adriano Cintra, produtor do disco, um cara ousadíssimo, e ele deu a maior força. Fiz essa música e tive toda a liberdade do mundo pra fazer as outras. Obviamente porque “A Noite”, essa encomenda, funcionou. O Sérgio estava certíssimo. Seu público mudou muito com “A Noite” na novela? Realmente essa música é um chiclete. Hoje em dia, quando falo meu nome, os caras do 99 Táxi perguntam se eu sou a cantora da música da novela. Em toda parte toca. Meu público se diversificou. Às vezes um ou outro reclama desse sucesso e então me dá vontade de mandar um código de barras e falar: “Meu, então paga essa conta”. É interessante esse público novo. Eu fui outro dia no Rodrigo Faro fazer o programa dele e toda a plateia cantou alto, é muito legal ver isso. Sou fã do Rodrigo, queria conhecer ele há anos. Faço todos esses programas numa boa, mas vou com meu cabelo de mendiga, sendo eu mesma, levo a galera comigo, minhas filhas. A babá ficou tão louca que se produziu toda pra ir. Seria difícil se eu tivesse que ser diferente do que sou, usar outras roupas, mudar meu estilo. Esse éėmeu primeiro hit, com certeza. Espero que venham outros, mas não sei essa continuidade como é. Está batendo
nove milhões de views só do clipe, se juntar todas as músicas que as pessoas colocam da “Noite” com outros filmes dá 30 milhões. Muita gente ouvindo mesmo. Tem um número enorme de crianças cantando, velhinhas... Tem um fator sorte aí, pois a novela deu certo, os personagens também. Mas tem que estar pronta pra pegar esse trem, tem que ralar muito pra ter sorte, como disse pra mim outro dia o (executivo da indústria fonográfica) Marcelo Castello Branco. Como é sua rotina? Você mistura família, amigos e trabalho? Tudo é realmente uma coisa só pra mim. Não tenho pudores com as redes sociais, exponho minha vida, mas não sei onde isso pode dar. É uma rotina muito puxada, de quem trabalha muito. Ando com as meninas sempre que posso e, por isso, todo mundo conhece elas, os meus fãs sabem seus nomes, cumprimentam as duas. Hoje em dia não está dando pra levar em viagem, pois é um bate-volta desgraçado, os shows são tarde. Aí a gente tenta conciliar. O marido (o produtor de cinema Leandro HBL, pai das duas crianças), mãe, babá, a gente se divide, se vira. Em São Paulo também é bastante loucura, tenho a produtora, estou lançando o André Whoong, também tenho meus projetos. Eu me desdobro, mas faço o que está ao meu alcance, não vou ficar louca. Fico muito cansada, mas tenho uma coisa de guerreira que vem da minha família, de mulheres fortes. Comecei a modelar aos 12 anos para ajudar minha mãe. Não passava fome, era classe média, mas queria ajudar, pagar a escola, alguma coisa. E minha avó trabalhou em rádio para comer mesmo, precisava ajudar a mãe dela. Fiz show até 15 dias antes da Liz nascer. Com a Amora também.. Fiz um réveillon da (Avenida) Paulista com ela recém-nascida, tinha só dez dias.
O que você está fazendo agora na sua produtora? Estou trabalhando fortemente o André. Tem também o trabalho com o Finger Finger, que é um duo que devo lançar ano que vem, e com a Naná Rizinni, que é minha baterista. Eu sou muito exigente, tenho voz fofa, mas as pessoas que trabalham comigo sabem que eu sou tirana às vezes, fico na cola, não perdoo nada. Mas sou fiel, trabalho com amigos de quem sou fã, é mais fácil me deixarem do que eu deixar alguém. Gosto de turma, esse colaborativismo funciona mesmo, um ajuda o outro. Minha parceria com a (estilista e artista plástica) Rita Wainer, por exemplo, virou amizade. Ela é madrinha da Amora. Como é o seu processo criativo? Você faz música até batendo roupa na “Máquina de Lavar”, título de uma de suas canções? Tive três processos criativos diferentes
para cada um dos três discos. O primeiro, “Sweet Jardim”, foi totalmente íntimo e estranho até, porque foi a primeira vez que eu tive contato com o que queria falar. Foi muito solitário. Quando vi que eu estava lançando um disco com dez músicas totalmente autorais, meio desafinado, porque eu estava gravando ao vivo violão e voz, meio chorando, bem sincero, que quem me conhece sabe exatamente pra quem eu fiz cada música, achei meio loucura. Mas depois eu saquei que você faz uma música pra uma pessoa e depois da quarta vez que você toca ela acaba virando de todo mundo. E também foi legal a identificação grande do público, porque essas histórias de amor e desamor são universais, a gente muda nome e sobrenome, mas as histórias são muito parecidas. No segundo, “A Coruja e o Coração”, eu tinha a Liz pequena e estava numa felicidade tão grande com a maternidade que ele foi todo mais solar, mais mellow, mais
leve. E o terceiro, “Esmeraldas”, que achei que nem ia sair pois uma hora pensei que não conseguia mais compor, pra fazer esse eu pedi ajuda pras pessoas. Estava descabelada, com uma produtora, duas filhas, sem babá, com muito trabalho e pouca ajuda. Pensei: “Será que vou ter que falar sobre cocô?” Tinha que bater roupa na máquina de lavar todo dia e esticar a porcaria da roupa toda na corda. Hoje, com a secadora, fica tudo muito mais fácil, minha vida já melhorou muito. Aí surgiu a música “Máquina de Lavar”. A história do (músico escocês) David Byrne foi por causa desse processo, sou muito cara de pau, essa é uma característica minha, tive que aprender a ser assim. Já que eu não sei cantar tão bem quanto algumas e não tenho tanta técnica, vou na cara de pau mesmo. De palco sempre fui mais solta, segurava bem.... Fui ver um show do David em 2011, em Nova York, peguei o contato e um ano depois, quando voltei pra produzir o disco da Naná lá, eu liguei pra ele e o convidei pra almoçar, imagina. E aí contei muita coisa, conversei um monte, disse que talvez não conseguisse compor nunca mais. Eu não aguentava mais as histórias de amor, já não sentia mais amor por nada, entupi. Perguntei se ele tinha uma música pra me dar e ele me deu. Esse terceiro é mais cascudo mesmo... Fiquei três anos sem conseguir compor e, quando comecei, fiz tudo em
15 dias. Acho que meu processo criativo é de acordo com as fases mesmo. Se sinto que ainda estou apaixonada pelas músicas, é difícil compor. Preciso entupir do “Esmeraldas” pra depois limpar e começar outra coisa... Sua produtora nasceu em que momento? A Rosa Flamingo tem dois anos. Agora a gente acabou de virar uma gravadora, pois esse disco do André eu estou lançando. Eu faço toda a venda de shows, todos os editais, projetos, faço o merchand, faço tudo de loja, produtos, tenho uma loja online e uma loja para pósshow que vende bastante, uma renda boa. Tem camisetas, brechó, pôster, várias coisas. Eu atendo todo mundo na loja depois do show, colei essa estratégia de um artista que eu vi lá fora, quero desenvolver isso cada vez mais. Cuido das redes sociais também. E quero produzir um disco por ano, fico satisfeita assim, não quero produzir 15. Quero ter dois artistas pra cuidar. Gosto dessa história de não ser só cantora. É legal ser empreendedora, isso me coloca em outros lugares, faço palestras, programas, é bem bacana. Fiz um programa pra Globonews, o “Mundo Livre”, com cinco caras incríveis, empresários, falando sobre empreendedorismo e economia criativa... Não dá pra ficar dependendo de shows.
Quais são suas influências musicais? Pergunta difícil, porque sempre ouvi muitas coisas, mas tem a influência dos discos da infância, quando ouvi muito Clube da Esquina, Elis, Milton, Pink Floyd, Beatles, as músicas infantis todas. Depois ouvi muita música de rádio, popzão mesmo, sabia tudo de cor, hip hop, dance. Em seguida veio Chet Baker, João Gilberto, essas caras, isso quando comecei a cantar fino e pra dentro. Aí teve Radiohead, Ennio Morricone, Philip Glass, umas coisas mais clássicas, trilhas, que tem a ver com o “Esmeraldas”, apesar de ver Milton no “Esmeraldas” também. Ouço muita música com minhas filhas, elas compõem o tempo todo. Outro dia fiz um show com a Liz e tocamos uma música dela. Quando estou sozinha, fico em silencio. Já a Amora vai ser do Teatro Oficina, amiga do Zé Celso, vai ficar pelada na Paulista daqui a dez anos, é bem mais performática. Consegue me dizer três músicas que você ame? “Trovoa”, do Maurício Pereira, é uma das músicas que eu mais amo, “Quero”, do Thomas Roth, uma das mais queridas, do disco da Elis, e “Trouble”, do Cat Stevens. São três músicas lindas, talvez não as que eu mais gosto ou que eu mais ouvi, mas são três que eu amo.
“Eu sou muito exigente, tenho voz fofa, mas as pessoas que trabalham comigo sabem que eu sou tirana às vezes, fico na cola, não perdoo nada”
18
Em que o nascimento das suas filhas modificou você? Modifica porque não dá mais pra fazer mimimi, corpo mole. É preciso fazer e pronto. A gente fica mais prática, simplifica a vida. É difícil demais educar, ter filho dá um trabalho desgraçado e ninguém nunca fala isso. A gente sente um amor profundo, isso abre muitas portas, mas não é só. O mais difícil é não sentir culpa e conseguir educar. Eu sinto culpa de tudo, só de ter parido as meninas já sinto culpa. Sinto culpa pelo bullying que elas vão sofrer na escola. E agora tenho um medo que eu não tinha antes. Não posso mais ver filme com cenas trágicas. É como se eu tivesse um HD lotado de cenas horrorosas, desde acidentes até sacanagens. Então, se alguém atrasa 15 minutos, imagino logo uma desgraça e não que a pessoa foi ali comprar um chiclete. Isso é novo pra mim... assustador... Só vejo filmes tipo ‘Cinderela’, se deixar. Filhos ensinam muito também. Saíram dos mesmos pais, mas têm personalidades muito diferentes... Aí a gente percebe que não tem culpa de tudo até por causa disso, cada uma é de um jeito, as crianças já nascem prontas em muitas coisas. Você é doce, singela, delicada nas músicas, mas percebo que há uma certa melancolia nas canções e em você, concorda? Concordo, isso vem lá de trás. Tenho um pai que foi embora antes de eu nascer, acho que fico lidando com essa questão de abandono muito tempo. Meu pai mora no Xingu com os índios, foi pra Bahia antes do meu nascimento. Acho que essa melancolia que me acompanha talvez fique comigo pra sempre. E tem uma coisa minha, uma solidão minha, sou muito fechada mesmo. Ainda bem que eu faço música, se não fizesse talvez já tivesse me matado ou ficasse muito doente. Eu
fiquei muito doente, tive a sorte de não morrer e comecei a fazer música. Por conta do seu pai, você tem alguma ligação com os índios? Não. Fui lá pra conhecer, fiquei quase dois meses, achei superinteressante, mas é isso. Aprendi coisas superlegais. Como o jeito deles se abaixarem pra falar com as crianças, para estar no mesmo nível que elas. Mas também vi coisas ruins. Uma vez um garoto puxou o brinco da orelha do irmão e o pai puxou o brinco do filho que fez a agressão. Você já teve um brechó. O que é moda pra você? Eu não sou fashionista, se deixar uso jeans e camiseta todo dia. Tenho atitude, mas sou simples. No brechó, que era ao lado da MTV, tinha roupas antigas, vintage, foi ótimo, pois conheci o Toquinho e o Dudu lá, foi perfeito, me levou pra música. Eu reciclo muito as coisas, sou meio catadora de lixo, acumuladora, vou juntando e transformo as coisas. Gosto disso mais do que de moda. A Rita Wainer me ajuda muito nos figurinos. Nesse disco eu tenho figurinista e ela bolou uns camisões bem bacanas. Agora eu estou numa fase que é calça jeans, camiseta e jeans amarrado na cintura, se deixar só mudo a camiseta. Tenho meu cabelo de mendigata e faço umas bochechas pintadas, rosadas, assim meio de índio boliviano, foi uma estética que a gente pensou por causa dos meus olhos puxados. Mas olha os dreads, meu. Lavo e não penteio quase e agora eu passei da conta, tentei tirar os bolos todos mas ainda não consegui. Ontem tirei um. Tem mais cinco. Tem algum plano de fazer carreira internacional? Já fiz vários shows fora, mas ainda não tenho esses planos. Tenho vontade de
ficar muito bem no Brasil. Acho bacana fazer show fora, mas não quer dizer que eu tenha que ter uma carreira internacional pra isso. E o lúpus, como você cuida dele? Meu médico diz que minha imunidade é um pouco mais baixa que a dos outros. Recentemente, andei tendo umas alergias, saia dos shows e parecia que eu estava com pulga, me coçava toda. Mas é só olhar pro médico que passa, é emocional. Não tomo remédio, sou bem tolerante pra dor. Não sou hipocondríaca. Estou numa fase bem hippie, uso patuá, rezo, acendo vela em vez de tomar remédio. Quando você pensa no que mais quer da vida o que vêm à cabeça? Me vem uma carreira sólida na música e na empresa, com uma certa facilidade de dinheiro, não para esbanjar, mas para fazer umas coisas legais. Também tenho vontade de viajar pelo mundo e morar uns tempos fora com as meninas. Mas não penso muito pra frente. É isso, ficar bem, numa boa, com a família, sem ficar louca, neurótica, sem ficar doente também. Como você vê o Brasil? Fico triste dessa xingação toda, porque a Dilma foi eleita democraticamente. Fico triste quando vejo um taxista grosseiro, mal-educado e fedido falando mal do Uber... Mas gosto muito do Brasil e torço pra que dê certo. Me envolvo, não me envolvo muito, mas sou até conselheira da cidade de São Paulo, me convidaram. Faço umas reuniões. Me dá tristeza ver um parque do lado de casa se transformar em 20 prédios, por exemplo. Me deixa triste ver que o Brasil, por causa da corrupção, não pensa no futuro. Mas tenho esperança de que as meninas tenham um futuro bacana aqui.
“Meu pai mora no Xingu com os índios, foi pra Bahia antes do meu nascimento. Acho que essa melancolia que me acompanha talvez fique comigo pra sempre.” Você tem preocupações com o planeta? Tento fazer a minha parte. A gente economiza água, usa água da máquina de lavar pra lavar banheiro. Eu reciclo, estou colocando luz solar, faço compostagem, tenho jardim grande. Não sou xiita pois nada assim é bacana, não serve pra mim. A gente come superbem. As meninas nunca tomaram coca-cola. Mas outro dia fiz uma tatoo e a Liz me disse que, quando pudesse, ia fazer tatuagem também. Perguntei o que tatuaria e ela
disse: “Uma lata de coca-cola”. Então tive a certeza de que não dá pra ser radical. Se ela tomar refrigerante numa festa, não tem problema, não vai ficar doente por causa disso. Tento o equilíbrio o tempo todo, não acredito em nada radical. Até em religião vou no geral. Nasci messiânica, mas faço radiestesia, outro dia fui numa sessão de terreiro de umbanda e achei lindo. Acho o judaísmo muito interessante, superbonita a história deles. O importante é acredi-
tar. Nessa minha fase hippie, tenho um spray pra chamar anjo na bolsa. Rezo com as crianças, agradecemos, gratidão é muito importante. Mas não rezo “Pai Nosso” e “Ave Maria”. Temos uma reza pra tirar o medo, por exemplo. A Liz reza certinho, mas a maloqueira da Amora muda tudo. Em vez de falar “sai medo, sai tudo que é ruim, entra amor, entra tudo que é bom”, ela diz: “Entra medo, sai tudo que é bom”.
Tiê no palco foto . Renan Perobelli
RODA #9
3
3x4 TAMARA ARROBA
Data de nascimento: 15/05/1985 Cidade onde nasceu: Rio de Janeiro Cidade onde cresceu: Rio de Janeiro Cidade onde vive: Los Angeles Uma cor: Laranja Um trabalho de alguém na sua área que te marcou: Jean-Michel Basquiat e as colagens de Henri Matisse Principais ferramentas de trabalho: No momento tenho usado bastante tinta acrílica, aquarela, caneta nanquim e papel Onde gostaria de ver o seu trabalho exposto? Gostaria de ver meu trabalho espalhado pelo mundo Quem você convidaria para ser seu modelo vivo? Marina Abramović Quem você gostaria que fizesse um retrato seu? Anita Malfatti, Van Gogh e Shepard Fairey Se pudesse levar só uma imagem para Marte, qual seria? Uma foto dos meus pais com meu cachorro Dalí
24
Em que momento da sua vida você se decidiu por esse caminho profissional? Eu sabia o que não queria, mas não sabia exatamente o que queria. Optei por seguir uma direção e não um caminho apenas. Essa direção foi ficando cada vez mais clara a partir dos 25 anos. “Navegar é preciso; viver não é preciso” diz Fernando Pessoa. A concepção do seu trabalho mudou durante essa trajetória? Mudou bastante. No começo, minha arte era basicamente spray e muro. Com o tempo, fui desenvolvendo mais a arte “indoor” em escalas menores e com um foco mais abstrato. Quais são as suas maiores influências? São muitas as influências, mas uma que está sempre presente com certeza é a arte de rua. Gosto muito das colagens de Henri Matisse também. Suas formas e cores sempre me trazem boas inspirações. Seus trabalhos são desenvolvidos dentro de uma técnica especifica ou você se utiliza de muitos recursos disponíveis em prol da sua arte? Tento limitar as técnicas que utilizo, para ter mais foco, em um certo período de tempo. Limitações são algo importante no meu processo de criação. Por outro lado, estou constantemente procurando desenvolver técnicas novas que podem me levar a lugares que desconheço. Até que ponto a “fidelidade a uma técnica” pode engessá-la, artisticamente falando? Acho que a fama pode engessar muito mais um artista do que a fidelidade a uma técnica.
26
28
Qual o papel da tecnologia na concepção e resultado na sua arte? Tecnologia tem um papel importante, mas não fundamental na minha arte. Gosto de começar tudo no papel. Às vezes passo meus rascunhos para o computador e faço testes de cores. Isso agiliza muito mais o processo de estudo. Quais são seus temas preferidos, aqueles que você mais gosta de trabalhar? Gosto de abordar temas cotidianos (desde política até coração partido)
usando um dos meus personagens, o Conejoloco. Exploro o corpo feminino em monotipias e a temática abstrata em repetições. Um dos meus favoritos é de uma serie chamada “Integridade entre casal”. Foi pensando num presente de casamento que queria fazer para uns amigos. Queria expressar o quão importante numa relação é cada um manter sua identidade e integridade, mas estar sempre lado a lado. A partir desse primeiro desenho surgiram muitos outros.
Por que ainda existem poucas mulheres em relação ao número de homens no seu mercado de trabalho? Me faço a mesma pergunta. Acredito que é uma consequência do ingresso tardio das mulheres no mercado de trabalho. No passado, a mulher era aceita como musa, objeto de desejo, mas não como criadora/artista. No mundo das artes, os homens sempre estiveram em evidência e atualmente podemos ver algumas mulheres ganhando cada vez mais espaço.
30
Você já sofreu algum tipo de preconceito no seu trabalho por ser mulher? Nunca sofri preconceito direto. Mas já me senti excluída por grupos exclusivamente de homens ou festivais artísticos onde nenhuma mulher estava presente entre os expositores. Que outros artistas você acompanha com interesse? São muitos os artistas que acompanho. Estão entre eles Agata Wierzbicka, Katy Ann Gilmore, João Lelo, Felipe Guga, Joan Cornellà, Vhils, Diego Berjon, Carla Fuentes e Fefe Talavera.
Qual a relação entre inspiração e transpiração no sucesso de um artista? Funciono muito bem sobre pressão. Encomendas são sempre desafios e as vejo como uma forma de colocar um pouco da cabeça de outra pessoa num trabalho meu. Quanto mais limites são impostos melhor para a minha criatividade. Qual o preço da sua inspiração? São muitas as variáveis. Me manda sua proposta que eu te mando o orçamento.
O ABISM CRÔNICA
34
Pois é, lá se foi 2015 despencando no abismo que nunca chega também conhecido como Brasil. Um país cheio de vertigens sociais que nunca acaba e nunca decola. Uma nação purgatória que, claro, não está sozinha nesse quesito, mas certamente é uma das mais “animadas” no que diz respeito a pancadaria social, desleixos industriais, cartorialismos e corrupção, heranças da formação confusa da tal nação impondo seus ecos nada democráticos ao cenário geral. Montanha e roleta russas dominam a vida no país, não deixando ninguém relaxar, ninguém des-
cansar e, de quebra, forçando-nos a manter a chama da cenourinha estimulante da superação, do mundo cão da superação acesa de forma cruel. Afinal de contas temos que lidar com esperanças e fé e trabalho e amor, essas
características da psicologia evolutiva que mantêm o eterno confronto entre básicos instintos sociais e antissociais
MO QUE NUNCA CHEGA POR FAUSTO FAWCETT
dentro de todos nós. De alguma forma as instituições estão funcionando, punindo quem de direito, gritam com razão
os arautos da transparência. Ainda bem. A ministra Carmem Lucia definiu muito bem esses últimos doze anos: “Primeiro vivemos a esperança contra o medo, depois o cinismo venceu a esperança e, por fim, o escárnio venceu o cinismo”.
O fundamentalismo do PT calou fundo em todo mundo (a não ser, obviamente, nos fanáticos de plantão que, agarrados, aí sim com pertinência, aos tais programas sociais que incluíram os famosos quarenta milhões de miseráveis numa vida decente, a vida do consumo que movimenta a economia, mas que depois se mostrou insuficiente, quer dizer, uma bolha, já que não era acompanhada por indústria, produção, tecnologia, planejamentos, mercado... bem, agarrados a isso acham que basta para se levar a sério Dilma e Lula, o que não absolve outros setores da vida pública, outros
36
partidos bem mancomunados com o dito PT naquele esquema do toma lá da cá e etc., pois a bandidagem está solta há algum tempo em todos os setores, com a diferença que ela era venal e, com o PT, virou um plano institucional pra tomar de assalto o Estado. Mas isso é golpismo, dirão os fanáticos. O problema é que instalou-se a crise das crises no âmago da tal nação - a de confiança não apenas numa renovação política, apesar de a todo momento referências serem feitas a políticos honestos no congresso - mesmo com cenourinha, com amor, com trabalho, com dignidades e esforços saídos das tais superações. Uma situação de recessão, violência e brutalidade, desperdícios
variados, inadimplências e desemprego, fora as tragédias climáticas, que ninguém segura o playboy meteorológico conhecido como aquecimento global. Numa situação assim, algum monstro vai ser gerado a partir das múltiplas precariedades que surgiram depois de um período que anunciava o país como novo tigre sul-americano. Como num filme de ficção cientifica classe D, um monstro,
um gigantesco doberman psiquiátrico, patológico godzilla toma conta das mentes brasileiras (e internacionais por outros motivos e motivações) e várias cachorradas doentias vão surgindo nas grandes cidades brasileiras, nas pequenas cidades e estradas brasileiras.
Cachorrada doentia cibernética, ligada a redes sociais e vício tecnológico, cachorrada doentia por revoluções que já aconteceram, cachorrada doentia porque é doentia mesmo, tem problemas afetivos mais do que crônicos – aliás, a maioria, diga-se de passagem, cachorrada doen-
tia do pseudo embate político que tirou do armário todos os fanáticos de todas as seitas ditas políticas, boçais que só querem um time pra defender e não troca de ideias. A pergunta é: quanto de Estado Islâmico temos dentro de nós? Vitalidade grotesca explode na vida brasileira. Montanha russa, roleta russa. Essa é a cultura brasileira atual muito
além de tropicalismos, amálgamas e antropofagias que agora são de consumo e consumação. Integrados no apocalipse brasileiro, desfrutamos perversamente das suas vertigens sociais, do abismo que nunca chega. Pois é, 2015 já despenca e 2016 cheio de argolas vai chegando, vem que vem envolvido por tudo isso que eu falei acima. Precisaremos cada vez mais de planejamentos e alguma competência levada a sério além das gambiarras, característica desse país, gambiarras sociais, ou seja, Swats de auxílio emergencial para a paisagem Mad Max que se avizinha. Vitalidade grotesca e patológico godzilla. Cachorradas doentias. Quanto de Estado Islâmico temos dentro de nós?
OXALÁ RODA #9
FOTOS . ANDRÉ VILARON
40
42
44
48
Vivemos tempos sombrios de intolerância religiosa no mundo todo. Por aqui, o recente incêndio da Casa de Ylê Axé Oyá Bagan em Brasília foi um dos exemplos mais trágicos. Convidamos o fotógrafo André Vilaron, que esteve nas ruínas deste ato criminoso, para rechear nossas páginas com um ensaio inédito. Um trabalho forte, pedindo aos orixás paz e, principalmente, respeito pelas religiões de origem africana. No Renascimento, uma frase atribuída a Cosme de Médicis tornou-se conhecida no universo da arte: “Todo pintor se pinta a si mesmo”. A fotografia de André também é autorretrato, são imagens cristalizadas pelas camadas que constroem sua arquitetura como sujeito. Só que, no seu caso, ainda temos a alteridade, que se apresenta como um agente complicador para quem busca um entendimento mais cartesiano desta afirmação, sua estruturação está impregnada pelo mágico - pelas mandingas dançantes de quem recebe e incorpora o outro. André nos explica que o candomblé é uma religião que tem em seu centro o ser humano, e que cada pessoa possui, em seu interior, um deus principal, que recebe de nascença. Ele é Oxalá ou Oxalufã (Òrìsàálà, Òsàlúfón), um orixá branco que só veste branco, considerado velho e sábio, muito respeitado no candomblé, um deus cultuado no Brasil e em outros países da diáspora africana, como Cuba, cuja origem vem da região de Osogbo, no estado de Osun, na Nigéria. Os orixás são deuses ligados à cabeça (o nome vem da palavra Ori, “cabeça” em yoruba) e à alma. É curioso notar que e as pessoas a eles consagradas têm algumas características comuns ao seu deus. Neste ensaio, André e seu orixá se incorporam através da criação, um cruzamento entre arte e religião ritmado na discreta performance do fotógrafo, que dança com os deuses na batida do tambor para acender a visão. EDU MONTEIRO
RODA #9
52
má
qui na
De toda a nova cena independente da música brasileira, um personagem tem se destacado por sua versatilidade e produção intensa: Cadu Tenório. Com 28 anos, além de ter um apetite voraz para criar seus projetos pessoais, ainda arruma tempo para arriscar parcerias muito promissoras, como a desenvolvida com a incensada cantora Juçara Marçal. Fisgado no fim da infância pelo rádio e pelas fitas cassetes em que o padrasto gravava Ramones e Nirvana, entre outras bandas, ele foi criando, aos poucos, uma relação intensa com a música. Aos 14 anos, quando conheceu a cena hardcore e punk independente, percebeu que, além de ouvir, podia gritar. O que vai parecer um contrassenso nessa história é, talvez, o que faz com que Cadu seja considerado hoje um dos mais plurais criadores de música: “Desde moleque, em casa, minha mãe colocava os discos do João Gilberto e eu,
sn oo
ra
sem perceber, criei um laço afetivo com isso. Na adolescência, ainda não tinha maturidade para perceber que gostava daquilo”, conta ele.
Imerso na cena hardcore independente, Cadu, que nasceu em Maceió e foi criado no Rio de Janeiro, tomou contato com a música eletrônica estrangeira, que já trazia em seu DNA o lema do ‘faça você mesmo’. “A música eletrônica que me interessava não era a de pista e sim aquela chamada música esquisita. Para chegar nisso, passei primeiro pelo black metal, depois, pelo industrial para, finalmente, me encontrar esteticamente falando”, explica ele que, no fim de 2003, conseguiu comprar os equipamentos adequados para esboçar o que faz hoje em dia em termos de som. Segundo o artista, era tudo muito rudimentar, tanto que ele não tinha coragem de mostrar seu trabalho em público. Nessa fase,
Cadu Tenório
POR IVAN COSTA FOTOS . DARYAN DORNELLES
54
para se aprimorar um pouco mais, Cadu chegou a ter aulas de bateria e violino, mas nada que chegasse a tirar dele a característica de autodidata. Em 2009, ao concluir o primeiro álbum , intitulado “Sobre a Máquina”, essa percepção em relação ao próprio trabalho mudou, como ele recorda: “Foi o primeiro disco dessa fase inicial que eu não tenho vergonha de ouvir (risos). Ouço e não mudaria nada”. Sempre com vontade de transgredir, Cadu utilizou metaforicamente a antiga influência de João Gilberto em sua formação para identificar um caminho para seus projetos, que era o de ir ao encontro de novos pares, de propor um diálogo entre as muitas vertentes musicais, mesmo que esses diálogos preliminarmente causem alguma estranheza “É o sentimento que me move na hora de misturar o som de Karlheinz Stockhausen, um compositor alemão de música contemporânea, com uma outra sonoridade. Quero tentar encontrar um ponto de interseção no meio das diferenças. A ideia é tentar surpreender sempre, algo que cause um impacto, desrespeite o status quo musical”, conclui. De suas parcerias, “Anganga”, álbum que divide com a cantora Juçara Marçal, vem tendo uma enorme receptividade de público e critica. A química da dupla é tanta que apenas um ensaio foi feito antes das recentes apresentações. Em grande
Estilo . Elson Bemfeito
parte de seus projetos individuais, a Beleza . Amanda Schon Assistente de fotografiapor . Rogério improvisação responde 50%Belorio do resultado final. Essa, aliás,Agradecimentos é uma forte . característicaEstudio no processo criativo de Híbrido, Joana Passarelli, Folic, Escudero, Checklist, Aramis, Tenório. E a enorme usina de sons que Jorge Bischoff, Fill Sete é a musica produzida por ele começa a encontrar outros veículos para se expressar. Recentemente, produziu a trilha e fez a direção musical, junto com Romulo Fróes, do espetáculo teatral “Labirinto”. Com mais de 30 discos em sua breve carreira, entre álbuns individuais e em parcerias, o projeto “Victim!” é o passaporte de Cadu no mercado internacional alternativo de música. Distribuído por um selo americano e outro italiano, já foi tema de matérias e elogios em sites de referência. Momentaneamente, ele se separa dos “inseparáveis” companheiros, como pedais, microfones de contato e voz, violino e objetos amplificados de variados tipos, para descansar um pouco e repensar os caminhos. Sua complexidade musical fica ainda mais evidente quando o jornalista aqui pergunta qual é o seu disco de cabeceira. Depois daquela velha conversa de que são muitos e que citar só um é muito complicado, ele resolve tirar um dos tempos de infância, nas idas e vindas no carro do padrasto: a coletânea “Tears Roll Down – Greatest Hits 1982/1992”, do duo inglês Tears for Fears. Fico só imaginando o que ele poderia aprontar misturando as “Tias Fofinhas” com “Ministry”. No mínimo, mais um impacto.
PItaCOS valVUlaDOS
POR MARCIO BULK
MÚSICA, ROSCAS E PINGULINS
RODA #9
56
Pitacos Valvulados é uma coluna sobre música, correto? Afinal, é com isso que eu “trampo”, que eu despiroco, que eu me sinto “pinto no lixo”. Mas, até por ser uma área tão abrangente e porosa, decidi dedicar a coluna de hoje a um assunto que atravessa não só a música, mas também outras áreas: a homofobia. Quando comecei a trabalhar com música, há cinco anos, achei melhor “chegar no sapatinho”, pois, há décadas, eu ouvia falar do preconceito de músicos em relação a gays. Entretanto, para minha surpresa, encontrei um ambiente bastante acolhedor e não cheguei a me confrontar com nenhuma situação violenta ou exacerbadamente homofóbica. Perto do achincalhe e das discussões que já vivenciei em outros ambientes de trabalho, a música chega a ser um Éden. Mesmo. Mas houve alguns casos que, mesmo não intencionais, acabaram gerando incômodos que me fizeram pensar a respeito do quanto ainda precisamos evoluir nesta questão. Foram comentários rápidos e pontuais, mas que me atravessaram a ponto de, passado certo tempo, ainda relembrá-los com bastante desconforto. Há uns dois anos, em uma festinha, num papo informal com um colega jornalista, eu estava discutindo a respeito da cena independente brasileira e festejando o destaque que as cantautoras vinham obtendo, relacionando-o com o empoderamento feminino em um universo tão machista. Em meio à conversa, meu colega me interrompe e solta: “Ah, mas você fala isso porque é gay! Todo gay ama cantoras, divas e essa parada toda!”. Corta. Um ano depois, após uma reunião demorada a respeito de um projeto musical, um produtor que acabara de me conhecer, me olha de cima a baixo e fala de forma levemente debochada: “Você tem cara que curte Bethânia!” [sic]. Risos. Da parte dele, óbvio. Por fim, este ano, após participar da curadoria do festival Dia da Música – em que privilegiei artistas que dialogavam com a música experimental – fui convidado a realizar outra curadoria que me alegrou bastante, o projeto Contemporâneos na Sala Funarte. Neste, decidi dar destaque a músicos que possuíam uma ligação estreita com a MPB e a bossa nova. Por uma questão de recorte curatorial,
exaustivamente pensado, mais da metade dos artistas convidados eram mulheres. Assim que divulguei a escalação, um amigo músico, imaginando estar sendo apenas engraçado, comenta entre risos: “Nossa, que seleção mais careta e... GAY!”. Sinceramente, acho pouco provável que qualquer dessas cenas acima se repetisse em um diálogo entre homens heterossexuais. Duvido que, se um deles, ao formar uma banda de reggae, metal, um quinteto de jazz, um projeto de música experimental ou uma dupla sertaneja, ouça coisas do tipo: “Que coisa de hétero!” ou “Que coisa de gay!”. Entretanto, imagine se aquele seu amigo bem “pintosinha” revela que A-M-A Nine Inch Nails e Death Grips e que vai montar um projeto de hip-hop industrial... Consigo ver claramente a cara de incredulidade e espanto. “Mas como assim?! Essa doida tá falando isso pra impressionar! Não deve sacar de porra nenhuma desse bagulho! Esse trampo não vai durar nem uma semana.” Ou seja: “Contente-se em saber a coreografia de ‘Single Ladies’, beeee!”. Sendo mais direto, não acredito que se questione de forma tão opressora o discurso e o trabalho de artistas, pesquisadores, críticos e curadores heterossexuais por conta de sua sexualidade. É perturbador perceber que, ainda hoje, a minha orientação sexual sirva de parâmetro para rotular e invalidar o meu trabalho. Tanto a minha bagagem como as minhas preferências culturais e artísticas, assim como de qualquer outra pessoa, moldaram-se através de experiências compreendidas por mim de maneira absolutamente pessoal. Algo totalmente intransferível e que torna qualquer ser humano (hétero, homo, bi, pansexual ou assexuado) absolutamente único e complexo. Mesmo que meu trabalho se caracterizasse por um aprofundamento nas questões relacionadas à orientação sexual ou identidade de gênero, isso jamais o desqualificaria ou o impediria de dialogar de igual para igual com qualquer outro. Como diria minha avó: “Cada cabeça uma sentença”. Dona Elza sabia das coisas. O mundo é enorme, baby... doido, plural, legal, FA-TAL... e pode ser divertidíssimo se nós o experimentarmos de forma generosa, sem reservas ou preconceitos. O que não pode ocorrer de maneira alguma é que se continue utilizando de comentários e brincadeiras, mesmo não intencionais, para inferiorizar grupos que sabidamente sofrem enorme preconceito, ainda mais em certos círculos que possuem um looooongo histórico de homofobia. Dói, cai mal, deixa a gente sem palavras, sem chão... e, principalmente, acaba com a nossa autoestima, que, diferentemente de alguém que possui sua orientação sexual socialmente legitimada, foi construída a duras e duras e duras e duras penas. E, por fim, para você, curioso: dispenso Bethânia, mas A-MO Gal e Death Grips.
MUITO PR RODA #9
58
POR IVAN COSTA FOTO . DARYAN DORNELLES
RAZER! LULU SANTOS Os anos 80, um período farto em sucessos radiofônicos que ainda ecoam nos ouvidos do grande público, tem em Lulu Santos, sem sombra de dúvida, seu maior hit maker. O cantor, que já havia explorado seu lado erudito como guitarrista na banda de rock progressivo Vímana, ao lado de Lobão e Ritchie, enveredou musicalmente nessa década com a inspiração mais voltada para o gênero pop, que trazia a bordo reminiscentes referências musicais da jovem guarda. Depois de lançar um compacto como Luiz Mauricio, acabou assumindo de vez o apelido de “Lulu” e firmou uma vitoriosa parceria musical com Nelson Motta. “Tempos Modernos”, seu primeiro álbum, é um cartão de visita delicioso. Composições como “Tudo Com Você”, “Tempos Modernos” e “De Repente Califórnia” - esta última já estourada nas rádios por ter sido também tema
do filme “Menino do Rio” - ainda hoje ecoam forte nos shows do artista. O disco também traz “Scarlet Moon” (composição da rainha Rita Lee), “Sirigaita” e “Palestina”, os chamados “lados B” da época, que poderiam soar perfeitamente como músicas de trabalho. Com produção de Liminha, que tocou baixo na maioria das canções e arranjos do próprio Lulu, a chamada “cozinha instrumental” contou com um time de músicos que trazia Lincoln Olivetti, Serginho Merval, Mu Carvalho e Repolho, entre outros. Pela quantidade e variedade de álbuns lançados ao longo da carreira, é perfeitamente possível que você tenha preferência por um outro trabalho do artista, mas se você parar para ouvir “Tempos Modernos” hoje em dia, verá que já estava tudo ali. Ritmos e versos, assobiáveis, concisos e elegantes.
Ano de lançamento . 1982 Produção . Liminha Direção Artística . Liminha Gravação . Richard Alderson, Liminha e Andy P. Mills nos Estúdios Transamérica (RJ) e Sigla(RJ) Mixagem . Richard Alderson, Liminha e Lulu Santos nos Estúdios Transamérica(RJ) Mixagem na faixa ‘Scarlet Moon’ . Liminha e Vitor Farias Corte . Osmar Furtado Montagem . Wilson Medeiros e Chico Neves Fotos . Marco Rodrigues Foto Postal . Ivan Cardoso Capa . Artistas Gráficos Ltda. Arranjos . Lulu Santos e Liminha Faixas . De Repente Califórnia, Sirigaita, Palestina, Areias Escaldantes Lulu Santos e Nelson Motta Tempos Modernos, Bole Bole Lulu Santos Tudo com Você Lulu Santos e Fausto Nilo Scarlet Moon Rita Lee De Leve (Get Back) John Lennon e Paul MacCartney Versão de Gilberto Gil e Rita Lee Guitarras, Violões e Vocais . Lulu Santos Baixo . Liminha e Pedro Fortuna Bateria . Serginho Merval, Picolé, Edinho Espindola e Pena Café Sintetizadores . Lincoln Olivetti e Mu Percussão . Cidinho Clave . Repolho Piano Rhodes e Clavinet . Robson Jorge
Maria Gadú
ELA
AQUARIA
RODA #9
DOIS PONTOS NEGROS NO CÉU FOCAM SEUS OLHOS NO MAR PRENDO O SILÊNCIO NO PEITO PRENDO O SILÊNCIO COM OS OLHOS FAÇO SILÊNCIO DE MIM
AS PAREDES DO QUARTO SE ABREM PRUM CÉU DE PANDORA ELA ENTRA DIVINA BELEZA EM MEU CORAÇÃO CANTA, CANTA ELA VESTE UMA TÚNICA COR DE LUGARES SAGRADOS ME SEGREDA EM SILÊNCIO CANSAÇO PRA MAIS SOLIDÃO E CANTA CANTA CANTA EU NÃO VEJO MAIS MEUS MÚSCULOS DE FERRO
PENSO NELA
COMO UM RAIO DE EMOÇÃO PARALELA A TODA FEMINILIDADE
ELA
CANTA CANTA CANTA
Guelã Slap . Som Livre Ano . 2015
Só letra
60
...ĂŠ fotografia
FRENTE
OSREV POR FLÁVIO ALBINO
Desenho original em preto e branco que ilustra a capa do álbum “Born and Raised” de John Mayer (2012) David A. Smith é um artista inglês que se auto define como tipógrafo.
RODA #9
64
Disp
play
Faixa a Faixa Discos Digital Vitrola DVD Livros Na Tela Palco Play
66
Faixa a Faixa
1 . Júpiter Essa é a faixa tema e a música que melhor resume o conceito do álbum. A produção, além de bastante minimalista, faz referências ao R&B e segue uma estrutura clássica de canção pop. O refrão com a letra “Júpiter pode ser começar de novo / se por lá houver esse mesmo povo / que só quer controlar o que a gente quer / e o que a gente só quer é amar” abre o disco. 2 . Sufoco A faixa foi construída com samples de piano, sons de respiração e foi composta dentro de um avião. Pode-se ouvir os ruídos de vôo ao fundo de toda a faixa. “Sufoco” é praticamente uma aula de relacionamento. 3 . Eu Sempre Quis Uma balada de produção simples e carregada de sentimento, esta faixa de alguma forma complementa a canção “Júpiter” e é basicamente produzida com guitarra, bateria eletrônica e alguns poucos elementos ao fundo. Uma canção de amor minimalista. 4 . Feliz e Ponto Fusão entre a bossa nova e o R&B e talvez a música mais pop do álbum. A estrutura da canção é clássica e simples, porém os elementos de bateria
POR SILVA
eletrônica dão um toque moderno à faixa que faz muitas referências à MPB clássica. 5 . Io Única faixa instrumental do disco, funciona como uma vinheta. Cheia de ruídos ambiente, pessoas conversando e um tema de piano. 6 . Sou Desse Jeito Uma canção muito sensível, tanto na letra quanto na melodia. Guiada por um piano elétrico e uma bateria eletrônica, surpreende no final com poslúdio que parece um trap espacial e lento. 7 . Nas Horas Talvez a música mais minimalista do disco, essa é uma verdadeira canção de amor. O refrão vai direto ao ponto e o piano elétrico sofistica a canção que se utiliza apenas dos elementos necessários, sem qualquer excesso. Apenas bateria eletrônica, piano elétrico e baixo. 8 . Se Ela Voltar É uma clássica canção pop, com um refrão que se repete algumas vezes e uma letra simples e direta. A faixa faz várias referências ao R&B misturado com um baixo de reggae e melodia pra cima.
foto . Daryan Dornelles
9 . Marina A estrutura da música de Dorival Caymmi foi mantida porém a canção foi trazida para os dias atuais com uma batida que remete ao UK Garage. O interlúdio na metade da canção traz uma harmonia que surpreende quem só conhecia as versões de 1947. 10 . Deixa Eu Te Falar Mistura de gêneros que faz referências ao mimi bass e ao funk melody com produção bastante minimalista. Batidas de 808, base e rifes de piano e uma melodia que fica na cabeça. 11 . Notícias A produção é super orgânica, com bateria, baixo, várias camadas de guitarra e algumas texturas de sintetizador. A última faixa do disco é basicamente uma despedida.
JÚPITER SILVA 2015 Slap . Som Livre
68
Discos BOOGARINS MANUAL OU GUIA LIVRE DE DISSOLUÇÃO DOS SONHOS Stereomono / Skol Music
Nesse segundo disco, a banda goiana aprofunda ainda mais o seu rock com ares psicodélicos, predominante em seu álbum de estreia. Depois de cair na estrada tocando em vários festivais pelo Brasil e mundo afora, chamando a atenção do público e dos jornalistas estrangeiros, os quarteto tem nesse “Manual” a oportunidade real de se transformar numa das grandes promessas do rock nacional. O trabalho pilotado pelos guitarristas e vocalistas Benke Ferraz e Dinho Almeida não nega as origens rurais e consegue soar inglês e baiano, mas sem sotaque . Músicas como “Avalanche”, “6.000 Dias” e “Cuerdo” ratificam uma versatilidade capaz de carimbar um visto, sem prazo de validade, no passaporte dos meninos.
Digital JAIR NAVES ATIRADO AO MAR Independente (disponível no Apple Music, Deezer, Google Play, iTunes, Napster, Rdio, Spotify e Tidal)
Jair Naves é, sem sombra de dúvida, um dos artistas mais comentados e elogiados pela nova geração da MPB. Dono de uma personalidade musical peculiar, esse brasiliense que adotou São Paulo como lar aproveitou as fartas sessões de gravação do álbum “Trovões a me Atingir” para lançar um EP com o material que não foi aproveitado no inicio de 2015. Na verdade, essas canções, com um certo ar de melancolia, formam aquilo que poderia ter sido um álbum duplo. São registros complementares, segundo afirmação do próprio autor. As quatro canções desse minidisco - “Gélido”, “Invernal”, “A Recusa, A Renúncia e Converta em Algo Belo a Minha Dor”, além da faixa-título - utilizam o mesmo motor criativo do trabalho anterior.
Vitrola BOX CHICO BUARQUE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA - OS PRIMEIROS ANOS Polysom
No mesmo momento em que o Brasil tem a oportunidade de passar a carreira de Chico Buarque a limpo nos cinemas, através do belo documentário “Chico - Artista Brasileiro”, a Polysom, em parceria com a Som Livre/RGE, teve a feliz ideia de relançar os quatro primeiros trabalhos fonográficos do artista em vinil, numa caixa especial. Composto pelos volumes 1, 2 ,3, além de mais um com versões em italiano, como “La Banda”, composição muito famosa na Itália, o conjunto de álbuns mostra Chico despontando e se transformando no compositor que iria ocupar, alguns anos mais tarde, o posto de um dos principais artistas brasileiros de todos os tempos.
DVD TRIO MADEIRA BRASIL AO VIVO EM COPACABANA
Com uma trajetória de duas décadas, o trio formado por Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Ronaldo do Bandolim (bandolim) e Zé Paulo Becker (violão) já estava devendo um registro ao vivo de suas concorridas apresentações. Passeando por um repertório que contempla Jacob do Bandolim, Tom Jobim e Egberto Gismonti entre outros, o DVD - com direção musical do próprio Marcello e direção geral do cineasta e diretor finlandês Mika Kaurismäki - tem o mérito de optar por um posicionamento de câmeras que registra de forma sutil e precisa todas as nuances e detalhes da performance dos músicos em cima do palco. Técnica e emoção, nada escapa ao olhar do espectador. Nos extras, um documentário com a trajetória do grupo ratifica a importância desse grande expoente da música instrumental brasileira.
70
Livros MAESTRO . A VOLTA POR CIMA DE JOAO CARLOS MARTINS E OUTRAS HISTÓRIAS RICARDO CARVALHO Editora Gutenberg
A carreira artística de João Carlos Martins por si só já mereceria todo o tipo de literatura. Se juntarmos os aspectos da vida pessoal do maestro, então, temos certamente um enredo dos mais ricos e emocionantes. Foi exatamente essa fusão que o jornalista Ricardo Carvalho tomou como parâmetro para contar a fabulosa história do menino apaixonado por Bach, que começou a fazer aulas de piano com 7 anos e que com 20 anos já se apresentava no Carnegie Hall. Todo esse sucesso e talento acabou sendo acompanhando por um drama pesado – um distúrbio neurológico, caracterizado por contrações musculares involuntárias. Cerca de 20 cirurgias foram necessárias para que ele recuperasse o movimento das mãos, mas não o suficiente para a continuidade como pianista. Martins, aos 64 anos e longe das teclas, viu na carreira de maestro o caminho para ressurgir na música e, consequentemente, na vida. Bravo!
Na Tela CHATÔ . O REI DO BRASIL GUILHERME FONTES
Na cinematografia brasileira, poucos filmes estiveram envolvidos em tamanha polêmica como “Chatô”. Produzido e dirigido pelo ator Guilherme Fontes e com a estreia praticamente desacreditada pelo mercado, o longa finalmente chega aos cinemas. Fontes, que teve a carreira catapultada em 1987 por conta de uma excelente atuação no filme “Um Trem para as Estrelas”, de Cacá Diegues, abriu mão de protagonizar a história da vida de Assis Chateaubriand para poder se dedicar de corpo e alma à direção e produção do projeto. Baseado no livro do escritor Fernando Morais e com um grande trabalho de composição do ator Marco Rica no papel-título, o longa tem na linguagem cinematográfica escolhida o seu maior equívoco. O tom excessivamente histriônico de alguma forma tira a grande eloquência do personagem. Com participações de Andréa Beltrão, Paulo Betti e grande elenco, tem na aparição de José Lewgoy e Walmor Chagas na mesma cena - o primeiro morreu em 2003 e o outro, em 2013 - a medida exata do tempo e dos problemas que a produção enfrentou até ficar pronta. O resultado não valeu a pena.
Palco PEARL JAM 22/11/2015 MARACANÃ RIO DE JANEIRO
Na terceira passagem pelo Brasil, o Pearl Jam comprovou para o grande público aquilo que os fãs que acompanham a carreira do grupo mais de perto já sabiam. Essa é uma banda de palco, qualidade que hoje em dia é quase uma prerrogativa para quem quer se aventurar no show business. A diferença é que eles possuem “quilometragem”. Abrir os trabalhos com “Oceans” e “Present Tense”, músicas não muito apropriadas para um inicio, é uma prova cabal do controle que eles têm sobre essa relação com público ao vivo. Depois de preparada, a plateia de cerca de 50 mil pessoas vai sendo conduzida na direção dos hits, sempre inevitáveis. Tirando o álbum “Binaural”, toda a discografia é contemplada no set list, mas é o multiplatinado álbum “Ten” que faz a alegria e o êxtase do público, que canta os versos a plenos pulmões. O show teve espaço para as já conhecidas intervenções sóciopolíticas do vocalista, que não perde esse hábito. Um grande momento foi a execução de “Porch”: Vedder, além de convidar o vocalista de uma banda cover do Pearl Jam para cantar com ele, finalizou a canção no meio da multidão que se aglomerava na pista. “Rockin’ in the Free World” e “Yellow Ledbetter” tiveram a missão de encerrar os trabalhos. O brinde para celebrar o epílogo dessa passagem foi em cima do palco e com cachaça. Saúde!!! POR MARCELO D’ALMEIDA
Play
KEITH JARRETT The Köln Concert . 1975 por Bianca Gismonti pianista e compositora
ta em 1975, de uma apresentação solo de composições improvisadas ao vivo em Colônia, na Alemanha. Neste caso específico, de uma inspiração sem paralelo, um álbum referencial para mim e aclamado até hoje por público e crítica mundo afora. Um dos discos de jazz mais vendidos da história, com mais de 3,5 milhões de cópias.
RODA #9
72
Conheci o disco “Köln Concert”, do grande pianista Keith Jarrett, quando eu tinha cerca de 16 anos. Foi um marco para a eternidade. Meu pai, Egberto Gismonti, já era fã e conhecedor da música de Jarrett há muito tempo e tinha vários álbuns do pianista - por fazer parte da mesma gravadora, a ECM Records, uma empresa alemã fundada em 1969 em Munique por Manfred Eicher, grande amigo do meu pai e idealizador dos projetos do selo. Como outros álbuns de Jarrett, este “The Köln Concert” é uma gravação, fei-
Desde a primeira vez que o escutei, as lágrimas inundaram meus olhos e fiquei pasma com a capacidade de alguém simplesmente sentar ao piano sem repertório prévio e criar, ao vivo, 66 minutos de música com uma inspiração e profundidade sem tamanho. Como a minha ligação com o piano sempre foi muito grande, esse disco foi um marco, referência de uma das mais importantes portas a seguir através da música: liberdade, criação e entrega plenas. Posteriormente, continuei acompanhando a maior parte da discografia de Keith e tive o privilégio de assistir a duas apresentações do pianista no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, também no formato de piano solo e composições criadas ao vivo. É sempre muito impressionante ouvi-lo. “The Köln Concert” segue sendo um marco na história do jazz e do piano e continua me emocionando a cada audição.
...é música
RODA #9
#o que
de melhor aconteceu
365 Pedaテァo Duma Asa . MARIANA AYDAR Transmutaテァテ」o . B_NEGテグ The Epic . KAMASI WASHINGTON Conversas com Toshiro . RODRIGO CAMPOS
#discos
365 CARLOS BRACHER . Pintura e Permanência (ABR . CCBB/RJ) MARCOS HERMES . Brasilerô (AGO . PHOTOIMAGE / 23o Feria Internacional de Fotografia . Expo Center Norte) JOSE DAMASCENO . É Pura Épura (AGO . Galeria Artur Fidalgo/RJ) KANDINSKY . Tudo Começa Num Ponto (FEC . CCBB/RJ)
#expos
365 CHICO, ARTISTA BRASILEIRO . Miguel Faria Jr. A PELE DE VENUS . Roman Polanski MAD MAX, ESTRADA DA FÚRIA . George Miller QUE HORAS ELA VOLTA? . Ana Mulyaert
#filmes
365 W STORIES . Stefano Tonchi ORFEU DE BICICLETA . Francisco Bosco UM CERTO MAL ESTAR . Victor Mascarenhas COMO A MUSICA FICOU GRÁTIS . Stephen Witt
#livros
365 LENINE (JUN . Teatro Net/RJ) BABY, PEPEU e PEDRO BABY (SET . Rock in Rio, Palco Sunset/RJ) ARRIGO BARNABÉ, LUIZ TATIT E LIVIA NESTROVSKI (JAN . Sala Cecília Meirelles/RJ) FOO FIGHTERS (JAN . Maracanã/RJ)
#shows
365 ROLLING STONES . Sticky Fingers
CRIOLO . Convoque Seu Buda
#vitrola