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RODA RODA #10 #1
Num momento em que a atenção mundial se volta para o Brasil, principalmente por conta das Olimpíadas que pela primeira vez acontecem em nosso continente - a crise a gente deixa de lado, porque o lema aqui é falar do que é bom -, resolvemos abrir as próximas páginas para personagens e trabalhos que vão muito além das nossas divisas. O motor editorial da revista é - e continuará sendo - a nossa cena artística, mas, num mundo cada vez mais globalizado, o Brasil se tornou, definitivamente, um mercado indispensável no roteiro dos grandes artistas internacionais, que a Roda procura acompanhar de perto. Um dos destaques é a portuguesa Carminho, cantora que vem consolidando sua carreira pelos quatro cantos do planeta e que, vira e mexe, aporta por aqui. Numa dessas passagens, a intérprete querida de Chico Buarque e Milton Nascimento conversou exclusivamente com nossa equipe. Outra estrela estrangeira é um velho conhecido, o guitarrista Andy Summers, que também está sempre por estas bandas. O que muita gente não sabe é que ele vem construindo um trabalho como fotógrafo paralelamente à sua carreira musical. Andy selecionou alguns de seus cliques preferidos, que vêm rodando o planeta em exposições, para ocupar um espaço nobre nesta edição. As ideias e o traço do artista Marcelo Gemmal, a diva Shirley Horn nos “Pitacos do Bulk”, uma análise do novo suingue tropical da cantora Céu e uma crônica de Edu Monteiro sobre a história nem tão recente assim do nosso selfie de cada dia completam este número. E assim continuamos girando, cada vez mais longe.
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EDITORIAL
BOB COTRIM . EDITOR
ANDY SUMMERS
Famoso e consagrado como guitarrista, o inglês Andy Summers sempre esteve com sua máquina fotográfica a postos para um registro. Ele separou algumas dessas imagens para o nosso ensaio e já prepara uma nova e ampla exposição por aqui.
FLÁVIO ALBINO
Na sua segunda empreitada no Frente&Verso, Albino abre o leque de influências e saca uma releitura de um trabalho clássico. Em arte tudo é possível, basta ter a inspiração e as ferramentas certas.
IVAN COSTA
Depois de conversar com o cantor e compositor paulista Daniel Salve e viajar até o final dos anos setenta para comentar a estreia fonográfica de Angela Ro Ro, Ivan acabou percebendo que o piano é o elo de ligação entre os três. Afinal, Ro Ro é uma cantora e compositora consagrada que toca e compõe ao piano como poucos; Daniel está começando sua trajetória com imenso talento e o auxílio luxuoso do instrumento. Já Ivan é, assumidamente, um pianista frustrado.
TELLO GEMMAL
T9, temido centroavante dos campos de pelada do Rio, é conhecido por não passar a bola pra ninguém quando ela chega aos seus pés. Mas, como designer, tal qual o jargão popular, joga pro time. Com ele em campo, a edição do 3x4 foi um golaço.
MARCIO BULK
Os Pitacos do Márcio preferencialmente vão na direção do canto feminino. São nuances e peculiaridades que ele sempre observa como poucos. A voz da vez é da cantora americana Shirley Horn.
EDU MONTEIRO
Ela entrou na nossa vida definitivamente: hoje em dia, é impossível imaginar alguém que não se sinta seduzido pelo ato de se autofotografar. A chamada selfie, imagine só, acompanha o ser humano há muito mais tempo do que se pensa. O fotógrafo Edu Monteiro se debruçou sobre essa questão para descobrir, na verdade, que cara a selfie tem.
MARCELINHO DA LUA
Ao receber a missão de apontar um disco marcante em sua vida, o intrépido Dj não pensou duas vezes e escolheu um exemplar adquirido em uma de suas passagens por São Francisco, EUA. Um disco de blues gestado num selo de jazz com muito funk na veia. Aperta o play, Marcelinho!!!
COLABORADORES
Revista Roda #10 junho 2016 Editor Geral . Bob Cotrim bobcotrim@revistaroda.com.br Editor de Imagem . Daryan Dornelles daryandornelles@revistaroda.com.br Editora de Cultura . Luciana Werner lucianawerner@revistaroda.com.br Editoria de Arte Jefferson Lobo
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Colaboraram também nessa edição Marcos Hermes . Victor Oliveira Edição do Site Oficio 21 RODA . CONTATO Para enviar comentários, sugestões e críticas contato@revistaroda.com.br RODA . PUBLICIDADE comercial@revistaroda.com.br RODA . REDAÇÃO Para enviar sugestões e material para review redacao@revistaroda.com.br RODA . WEB www.revistaroda.com.br RODA . SOCIAL Coordenador de Redes Sociais . Alexandre Florez redesocial@revistaroda.com.br FACEBOOK.com/revistaroda Instagram.com/revistaroda/Revista RODA (@revistaroda) Projeto Gráfico Ofício21
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EXPEDIENTE
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
...é arte
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EDITORIAL ENTREVISTA . CARMINHO FOTOGRAFIA . ANDY SUMMERS CRÔNICA . EDU MONTEIRO 3X4 . MARCELO GEMMAL PERFIL . DANIEL SALVE MUITO PRAZER! . ANGELA RO RO PITACOS VALVULADOS . MACIO BULK SÓ LETRA . MAHMUNDI FRENTE VERSO . KRIS KUKSI +++DISPLAY+++
04 10 20 42 46 58 62 64 66 68 70
arte . Marcelo Gemmal
RODA #10
POR LUCIANA WERNER FOTOS . DARYAN DORNELLES
Carm
minho A portuguesa Carminho, 31 anos, tem personalidade forte, beleza clássica e uma voz que invade os ouvidos sem pedir licença. Parece uma desbravadora, como seus antepassados. A música que canta navega com sensibilidade pela alma para conquistar território firme no coração. Cantora de uma geração que trouxe o fado de volta ao Olimpo da cena musical de sua terra natal, é uma das artistas mais conhecidas por lá. Tanto que ganhou o título de Comendadora da Ordem Infante Dom Henrique por sua enorme contribuição à cultura.
Familiarizada desde pequena com o Brasil graças principalmente às novelas que exportamos para lá, acabou se encantando por nossa música e resolveu aportar por aqui. Os brasileiros também se apaixonaram por ela e abriram as fronteiras para a cantora, que a cada dia conquista mais corações verdeamarelos. Principalmente depois de fazer uma bela participação no aplaudido documentário “Chico – Artista Brasileiro”, sobre Chico Buarque de Holanda.
O poder de fascinar o público através de uma interpretação que carrega o colorido do fado seja qual for o gênero musical escolhido é apenas um dos assuntos dessa conversa sincera que ela teve com a Roda em uma de suas muitas passagens pelo Rio. Para vocês, um pouco de Carminho, que na certidão de nascimento é Maria do Carmo Carvalho Rebelo de Andrade. Uma entrevista com direito àquele sotaque familiar da “terrinha”.
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Como a música surgiu em sua vida? Toda vida minha mãe (Teresa Siqueira) cantou, ela é cantora e tinha muitos discos de fado em casa. Saímos de Lisboa e nos mudamos para o Algarve, no sul de Portugal, eu, minha mãe, meu pai e meus três irmãos. Lá não tinha casas de fado. Então meus pais organizavam noites de fado e vinham amigos até de Lisboa. Desde que tenho 3, 4 anos, habituei-me a ouvir música ao vivo em casa, tenho fotos de pijama ao colo do meu pais a ouvir fados muito pequenina e isso me marcou. O fado tem uma coisa de magia. Cada interpretação é sempre a primeira, é sempre nova. Aí, quando as coisas estão muito intensas, paramos para fazer um intervalo, beber ‘uns copos’ e desanuviar, porque aquilo é uma coisa muito intensa. Não se dança, não se conversa, não se canta. É sentir e escutar. A aprendizagem dessa linguagem comportamental e artística me foi influenciando nessa caminhada. A primeira vez que cantei foi com 6 anos. É verdade que quando você era pequena tinha vergonha de cantar fado, que os amigos faziam uma espécie de bullying? Meus pais voltaram para Lisboa para abrir uma casa de fados, o Embuçado. Fui pro quinto ano e, lá, começaram a perceber que eu gostava de cantar. Então, não sei se aquilo era bullying ou minha própria insegurança, mas começaram a falar e a fazer-me reagir. Achei que estavam a abusar com o fado, não tanto comigo, mas com o fado. A verdade é que ninguém gostava de fado, não era só minha insegurança. Ninguém ouvia, era algo ultrapassado, uma coisa de outra geração. Como entender que uma menina como eu gostava de um gênero tão pesado? Mas, quando eu tinha 12 anos, minha mãe participou de um show grande no Coliseu, em Lisboa, com vários artistas,
e perguntaram se eles queriam levar os filhos para cantar. Minha mãe perguntou lá em casa e meus irmãos, que também cantam, disseram que não, mas eu disse que queria. Como ela não achava que eu sabia cantar um fado inteiro com as guitarras, participei de um casting na casa de fados dela. Fiz um teste com o Paquito, um violista de fado que já não está mais aqui, mas que foi muito importante para a minha formação. Ele disse que eu podia ir. A primeira vez que cantei em público, ao vivo, foi para três mil pessoas, no Coliseu, a sala mais emblemática de Lisboa. Não tinha essa consciência. Minha mãe disse: “Você só vai ver uma luz, não vai ver ninguém, vai ficar tranquila”. E fiquei. Só estava furiosa porque fui vestida como uma menina de 5 anos. Foi a primeira vez que senti o público, a força das palmas.
O fado vive de ciclos, como muitas culturas que, de tão enraizadas, nunca se perdem. Antes dessa geração mais morta e mais apagada houve gerações de ouro, como a anterior à Amália (Rodrigues), a geração da Amália. Ela foi a internacionalizadora do fado, levou o fado para grandes palcos com uma atitude de espetáculo. Mais tarde, há vários artistas como Mariza, (António) Zambujo, Ana Moura. São artistas que vão começar a interpretar o fado de uma forma pessoal, de maneiras distintas. No meu caso, sou mais tradicional, gosto muito da cultura tradicional do fado. Não que eu não possa interpretar outros estilos musicais, que eu interpreto, mas o fado para mim é uma coisa que é muito rica e eu não tenho essa tendência de misturar. Ouvi muito fado dos anos 40 e 50, convivi com artistas de tempos áureos e que depois cantaram Mesmo cantando outros estilos, existe na casa de fado da minha mãe. Isso vai me uma atmosfera de fado em tudo que você influenciando como artista. O movimento interpreta. Concorda? de resgate foi natural, causa e efeito. Trago É, na verdade não é uma questão de a tradição comigo, mas com a intenção intencionalidade, é uma questão de de ser atual. Também é importante ver linguagem. Uma linguagem portuguesa, aquela geração de puristas, que às vezes que tem a ver com o fato de eu ser uma são muito exigentes, que dizem mal de intérprete. Mais do que cantar as canções, tudo o que se faz. Essa parte também é interpretá-las. Isso torna as coisas muito importante, porque eles vão colocando mais orgânicas como minha língua, a uma raiz muito forte no chão de onde veio forma como eu digo as palavras, como o fado. É importante ter âncoras. eu, intencionalmente, quero dar energia a cada palavra. Isso é muito definidor, dá Deram algum nome a esse movimento de uma personalidade artística, seja ela qual renovação do fado? for. Procuro ser fiel à minha personalidade Novo fado, mas não gosto desse nome, artística. Muitos estilos são realmente porque o fado evolui, avança, caminha, muitos ricos, quero ser o mais autêntica mas não é outro, continua sendo fado. possível. Isso, mal ou bem, quer eu queira Aquilo que se desvia demasiado é que ou não, vai trazer uma linguagem, uma deixa de ser fado, então não é novo fado, cor ligada ao fado, a Portugal e à maneira é uma outra coisa qualquer. Fado tem como dizem as palavras no meu país. uma raiz e uma linguagem própria. O fado me liberta. Ele é rígido, mas a mim não Hoje o fado é bem mais forte em Portugal me prende. Me levou ao mundo inteiro, a e você foi uma das responsáveis por conhecer outras culturas, porque foi ele seu resgate. Que artistas fizeram parte que me deu as bases de intérprete, porque desse movimento? eu sinto que o fado é formação de um
“Naquela casa, que se chama “Missionárias da Caridade”, pra onde eu vou novamente, foi o lugar em que eu consegui ver mais vida, justamente o lugar que recebe pessoas que vão morrer” intérprete, de uma pessoa que interpreta a vida na forma de música. É assim que vejo os outros estilos musicais. Quando os interpreto, vou com minha bagagem... Você começou a compor quando passou um ano viajando sozinha para se conhecer e conhecer o mundo. Como surgiu a composição em sua vida? Na verdade, sinto que sou um bocado injusta com os poetas e compositores, porque eu trabalho muito pouco e eles trabalham muito. Então eu me colocar no mesmo lugar que eles acho um pouco injusto. Eu também não vou esconder que vou escrevendo e, de vez em quando, compondo algumas canções. A maior parte delas fica numa gaveta para nunca mais de lá sair. Havia muito tempo livre, muita coisa para me inspirar. O corpo começa a deitar suas informações para fora. Não se sabe de onde vêm, mas começam a sair histórias que não sabemos o que são, o que significam. Foi o que aconteceu. Eu canto, desde sempre, portanto a forma como eu compunha até há pouco tempo era a cantar. No fado tradicional podemos utilizar as melodias e colocar diferentes poemas neles, desde que tenha a mesma estrutura métrica. Isso é cultural. Então eu cantava, em melodias que eu conhecia, poemas intuitivos. Neste último disco, “Canto”, já começou a surgir uma outra
coisa: fazia música e letra ao mesmo tempo. Toco um pouco de guitarra, mas normalmente canto e gravo no celular. Depois, um músico me ajuda a traduzir a harmonia até que ela fica gravada. No disco, fiz letra e música de “Andorinha” e “Contra a Maré”. Eu devia trabalhar mais. Sua viagem de um ano teve como destino inicial a Índia. Lá, você fez trabalho voluntário numa instituição comandada pela Madre Teresa de Calcutá, cuidando de pessoas que estavam à beira da morte. Como foi essa experiência? Naquela casa, que se chama “ Missionárias da Caridade”, pra onde eu vou novamente, foi o lugar em que eu consegui ver mais vida, justamente o lugar que recebe pessoas que vão morrer. Há um encontro com a origem daquilo que você pode supor que seja a coisa mais importante da vida. Há o encontro com o outro de uma forma descomprometida. É como uma dança entre a morte e a vida, sendo que o que fica a prevalecer é a vida, porque as pessoas estão ali a viver seus últimos dias da melhor maneira possível. Ninguém pensa na morte, porque a morte já é garantida, está lá. Então não vamos olhar para ela, porque ela vai acontecer de qualquer jeito. Vamos viver aquela vida da maneira mais honesta, mais simples, sem confusões, sem
drama, com amor e dedicação àquelas pessoas que viveram toda uma vida de sofrimentos, porque aquele sistema de castas é muito duro. As pessoas não tem acesso à saúde, a cuidados médicos, pois as que estão lá são da casta dos Intocáveis, a última delas. Falo isso mas não quero nunca criticar aquela cultura, até porque uma das coisas que aprendi nessa viagem foi a tolerância pelas diferenças. Valeu à pena a experiência, então? Eu ganhei mais do que dei, é um clichê, mas foi assim. Aprendi muito. Aprendi que o voluntariado não basta ser feito, tem que ser bem feito. Por exemplo: a primeira vez que fui lá, logo no primeiro dia, uma senhora precisava fazer sua higiene e eu tinha que ajudar. Então, me explicaram que, por mais inconsciente que uma pessoa esteja, sem noção de si própria, a última coisa que se perde é o pudor. Disseram que eu não poderia deixá-la nua e teria que ter muita sensibilidade para fazer esse serviço. Fiquei muito nervosa querendo fazer tudo certo e, por isso, às tantas, deixei o armário das roupas todo desarrumado. Então levei uma ‘desanda’ da freira. No fim, não interessa o que eu fiz bem, interessa eu fazer tudo bem, para que aquela casa funcione e as pessoas tenham o melhor.
Qual a sua relação com o Brasil? A primeira vez que vim ao Rio eu tinha 18, 19 anos. Foi por mar, como os meus, fui cantar num cruzeiro. Desembarquei por mar e isso me marca até hoje, ver aquela cidade cinematográfica, ver o que os portugueses viram há mais de 500 anos, que maravilhoso e assustador deve ter sido esse encontro. Conhecia várias pessoas aqui, trazia muito amor pela música brasileira, que comecei a ouvir através das músicas das trilhas sonoras das novelas exibidas em Portugal. Queria conhecer mais esses compositores, saber quais as referências dos cantores, dessas músicas. Então comecei a ouvir Elis (Regina), Tom Jobim, Chico Buarque... Hoje, sinto que quanto mais conheço mais quero conhecer. É uma cultura riquíssima. Imagina estar do outro lado do mundo, com todo esse mar separando, e chegar numa cultura totalmente diferente, mas que fala a minha língua. É todo um mar de possibilidades para uma intérprete. Isso me marcou muito e comecei a vir para cá. Esse encontro musical mais forte foi já depois do meu primeiro disco, quando conheço Milton Nascimento em Lisboa, que me convidou para cantar num show dele. Eu sonho muito. Não sou maleducada, mas sou atrevida. Meu sonho era gravar com Chico Buarque, Milton Nascimento e Nana Caymmi. E não é que eles aceitaram? Aí é que me caiu a ficha.
“O amor é a base de tudo. O mim, é uma palavra muito quem inventou essa palavra consciência do que estava
amor, pra reduzida, não tinha fazendo.”
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Milton Nascimento tem um papel importante na sua vida, então? O encontro com o Milton mudou totalmente a minha vida. Musical sobretudo, e também pessoal, porque ele é uma pessoa especial. Me ensina muito ter que cantar as canções dele. São tratados musicais harmônicos e melódicos, superexigentes e bonitos, muito intensos. E depois, ele me ajuda sempre. Ficamos amigos e já fizemos muitos shows em conjunto. Em Lisboa, no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, Natal... Meu primeiro disco no Brasil “Alma”, o segundo da minha carreira, tem tudo a ver com Milton. A partir daí, comecei a vir muito para cá para fazer shows. Um que me marcou bastante foi a abertura do carnaval de Recife, com Naná Vasconcelos, Milton e aquela bateria à frente. Como você vê a cultura portuguesa aqui? Acha que a gente sabe pouco de Portugal? Acho, mas isso está mudando. Começou pelos atores, que vieram para o Brasil através do cinema, como a Maria de Medeiros e o Ricardo Pereira. Depois veio a música, através do António Zambujo, de mim. Isso vai alargando os horizontes e agregando público. Na música, por exemplo, a plateia começa pelo público interessado em fado e depois alarga para os interessados em música no geral e em música brasileira, que veem uma voz nova interpretando canções conhecidas. Minha participação cantando no filme sobre Chico Buarque é uma forma impactante de abrir vários públicos. Como é a cena musical de Portugal? Que artistas portugueses da nova geração você admira? Há várias pessoas a aparecer, tem
bandas novas, de soul, de rock, de pop. Mas o universo é muito mais pequeno do que cá. Tem uma banda chamada Orelha Negra, que faz um projeto eletrônico superespecial, com vários artistas que se juntam. Tem o Zambujo, que admiro muito, tem a Ana Moura, que canta fado, várias pessoas que têm contribuído para essa geração de música portuguesa feita em português. Você já pensou em cantar em outra língua, como inglês? Já cantei em espanhol, mas por enquanto não tenho essa vontade. Não quer dizer que essa vontade não apareça. Ainda não consegui encontrar em outra língua a força que encontro na língua portuguesa. O inglês, a meu ver, é uma língua mais objetiva. O português é mais lírico. Acho que o inglês tem que ser cantado por quem é nativo. E cantar em português em outros países é mágico também. Quais são os artistas brasileiros da nova geração que você admira? Gosto muito do Marcelo Camelo, do Rodrigo Maranhão, são artistas que escrevem muito bem. O Emicida, em outra área musical, é uma pessoa muito talentosa. Posso citar também o Tom Veloso, que fez uma música pra mim, primeira parceria de pai e filho, Tom e Caetano. Eu canto, é inédita no meu disco e se chama “O Sol, Eu e Tu”. Agora tem uma banda superinteressante, a Dônica, que está aí a fazer imenso furor através desse rock brasileiro tão especial. O amor é a essência das músicas que faz ou escolhe para cantar. Para você, o amor é tudo? O amor é a base de tudo. O amor, pra mim, é uma palavra muito reduzida,
“Eu não me sentia segura para cantar, achava que não era boa suficiente para gravar disco de interpretações. Vou cantar pra quê? Já tem tanta cantora...” quem inventou essa palavra não tinha consciência do que estava fazendo. A quantidade de relações de amor que se pode ter em diferentes dimensões e panoramas e nuances, tudo funciona com o amor. Mais do que tudo, o amor é um combustível de vida. Essa é a matéria prima do ser humano. Por isso é que, quando se canta o amor como verdade, caso do fado e de alguns estilos musicais de raiz, você não precisa entender a letra para sentir a energia. Sinto que há algo de comum nesse sentido com as músicas que estão perto do mar, as músicas portuárias. O que um homem precisa ter para te encantar? Acho que um homem encanta-me pela sua inteligência. É um clichê, meio
chato essa resposta, mas é que com a inteligência vem muita coisa, vem também a generosidade e o amor.... E é preciso haver identificação, pois quando há identificação fica tudo mais fácil, há a vontade de deixar o outro bem dentro do mesmo universo. Quando as coisas são muito diferentes é difícil porque há muitas barreiras para ultrapassar. Quando há uma identificação fica fácil a generosidade vir e o amor vir. Mas a inteligência é fascinante. Ter filhos é fundamental para uma mulher ser feliz? Acho que está na natureza da mulher o instinto de ser mãe. Mas que ela depende disso para ser feliz eu não acredito, acho que um ser humano vai se reinventando e encontrando a felicidade naquilo que decide com liberdade. É importante ser livre para decidir com amor como ser melhor. Se a pessoa está no mundo para os outros ela vai ser retribuída com amor. Se a escolha é egoísta, tanto dum lado como do outro, o retorno vai fazer com que sua vida perca um bocado o sentido. Se você escolhe não ter filhos com sentido de fazer outras coisas pelo mundo, isso vai se reverter a seu favor. A pessoa tem que ser livre para escolher. Com muito amor. Você é vaidosa? Acha que a beleza abriu muitas portas para você?
Sou vaidosa, que mulher não é? Mas não faço muita coisa. Bebo muita água, porque acho que me ajuda na voz e a pele fica sempre boa. Ponho protetor solar na cara. Com relação à beleza, agora começo a sentir um pouco mais. Desde o início eu contrariava muito isso. Como eu não queria, não que eu me achasse bonita, não era esse o caso, mas sempre tive preconceito com quem ganhava uma posição por motivos que não fossem a arte. Então me fechava toda, sem decote, manga. Queria que a minha arte estivesse à frente. Aos poucos fui ganhando mais confiança, os medos e inseguranças acalmaram. Se a imagem tiver uma mensagem que acompanhe aquilo que é sua música, aí é muito forte. Tem uma frase que gosto muito: “A obra é mais importante que o obreiro”. Tem alguém que cuida do seu visual no palco? Eu faço isso, desenho minhas roupas de dois anos pra cá. Tenho uma estilista que é muito minha amiga, se chama Madalena Braga e ela me apoia. Ela tem a marca dela, mas cortamos com marcas, quisemos explorar a minha própria identidade. Ela me ajuda a concretizar as coisas que eu penso, até porque tem a ver com meu conforto. Então comecei a cantar de calças, com outras cores...
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Como se imagina no futuro, quando estiver velhinha? Na verdade, não me imagino com 90 anos ou com 80. Mas desejo que, quando tiver 80 anos, que eu tenha conseguido preservar minha carreira até lá. Tenho uma vontade muito grande de nunca me esquecer de onde vim porque tudo é efêmero, tudo acaba com um piscar de olhos. Acha que pessoas mais velhas são discriminadas? Acho e acho que esse é o grande mal do mundo. As pessoas se esquecem que os mais velhos é que sabem mais. Essa cultura ocidental de descartar os que já estão velhos, falo assim exatamente porque é assim que as pessoas veem, é muito burra, uma atitude muito estúpida. Viajando para outras culturas, como Índia, como África, você vê que há uma ancestralidade que é respeitada, posta quase como divindade. Agora há muitas sociedades que vivem para a criança, ela é supervalorizada e nunca vai ser formada como deve ser, isso é estranho. Não pelas crianças, porque adoro crianças, mas pela desvalorização da sabedoria, do conhecimento. Na Índia, escolhi fazer essa casa de moribundos porque acho que os velhinhos são crianças que sabem muito, têm todo um mundo para nos ensinar. Você faz algo pelo meio ambiente? Separo o lixo, tomo banho rápido, desligo a água para me ensaboar, fico
controlando a torneira, não abro toda, sigo várias dicas que meus sobrinhos me ensinaram. Porque as crianças também nos ensinam. Só que elas precisam ser dirigidas, elas querem isso, não sabem quase nada, querem saber e não podem ser o centro do universo. Como você vê o Brasil de hoje? Muito difícil julgar todo um sistema. Continuo a dizer o mesmo em relação às culturas. De fora é difícil julgar. É complicado ver muita distinção, muita pobreza. O que se ouve lá é que se está vivendo uma crise muito grande, que houve uma subida muito repentina e uma queda muito repentina e isso faz mal para as pessoas, que se iludem e se desiludem de uma maneira muito rápida e isso impede o avanço. Porque motivação é o que faz com que um povo inteiro ande. É preciso estar motivado. Essa é a grande crise. Se você tivesse que fazer três coisas para melhorar o mundo, quais seriam? Isso é muito difícil de responder. Pensei muito já sobre o mundo e é difícil, não quero deixar uma resposta solta, de Miss Universo. Acho que eu punha mais música no mundo, apostaria mais nas artes, na cultura. Cada vez mais essas crises afastam o povo da cultura, parece que todo o resto é mais importante. A cultura são os pequenos e breves sopros de alegria que uma pessoa tem na vida. É importante que deem a cada um a oportunidade de não pensar que o
mundo é só levantar, trabalhar e deitar. Isso é sufocante. Pode dizer pra mim três músicas que fazem parte da trilha sonora da sua vida? Sim.”Escrevi teu nome no vento”, um fado que eu canto no meu primeiro disco, que vi minha mãe cantar muitas vezes, de autoria do Jorge Rosa, um poeta popular muito interessante, que nem livro tem. A segunda é “Construção”, do Chico Buarque. Me marcou muito forte, não só pela forma como foi escrita mas também pela dureza da melodia, a inteligência daquele homem. A terceira pode ser toda a obra do Queen, uma das minhas bandas favoritas. No Brasil o mercado da música mudou muito e é cada vez mais difícil viver de música. Em Portugal é assim? É. Lá já não se vendem discos e ainda é mais difícil, porque o mercado é muito mais pequeno. É com concertos e shows que as pessoas ganham suas vidas. O artista tem que se reinventar, as próprias gravadoras também, agora elas querem fazer a produção dos shows. Tudo isso vai mudando a figura da indústria. Temos que encontrar outros caminhos, tornar as coisas sempre vivas. Como é a relação com seus fãs? Você usa muito as redes sociais? Vou usando médio. Uso para ‘publicitar’ aquilo que meu trabalho faz, certos momentos mais lúdicos, pessoas que
“O fado tem uma coisa de magia. Cada interpretação é sempre a primeira”
conheço, partilho com eles minhas alegrias no meu trabalho, não me exponho pessoalmente, pois acho que a minha vida pessoal é igual a dos outros, o que tem de diferente é o meu trabalho. Recebo todos no fim dos shows. Adoro. Quando vc está aqui no Brasil, em Portugal, nas suas horas de folga, o que vc gosta de fazer? No Rio, gosto de encontrar amigos, ir à casa deles, almoçar, ir à praia, fazer uma vida mais rotineira, porque já conheço bem o Rio, já me sinto em casa. Em Portugal, gosto muito da minha casa, sendo que nunca lá estou. Moro em Lisboa e quando estou lá fico muito em casa, com minha família, irmãos, sobrinhos, amigos. É isso que gosto de fazer. Morro sempre por voltar.
“Essa cultura ocidental de descartar os que já estão velhos, falo assim exatamente porque é assim que as pessoas veem, é muito burra, uma atitude muito estúpida.”
O MUNDO DE ANDY RODA #10
FOTOS . ANDY SUMMERS
MAN /HORSE Nós estávamos na ilha de Montserrat gravando “Ghost in The Machine”. Fomos convidados para um churrasco do outro lado da ilha, acessível apenas pelo mar aberto. Quando chegamos à praia, vi um homem levando seu cavalo para a água. Pareceu-me uma grande foto. Imediatamente, pulei do barco em que estava e, segurando minha câmera acima da cabeça, consegui chegar perto do homem e do cavalo e tirar seis fotos até o animal começar a se agitar e se afastar de mim. Os dois pareciam uma única criatura - um centauro. A tensão entre os dois parecia fazer um paralelo com as tensões pelas quais passávamos naquele momento.
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ELVIS FAN Estava andando pelo parque Yueno, em Tóquio. Seu perímetro estava cheio de barracas vendendo todo tipo de objeto que costuma ser encontrado nos mercados de pulgas: de móveis a pinturas e brinquedos quebrados. Peguei uma velha capa de LP do Elvis, achando que era uma grande imagem e que eu poderia usá-la em uma fotografia de alguma forma. Fiz essa imagem no dia seguinte, com uma bela jovem modelo japonesa que estava interessada em fotografia...
BALI Passei algum tempo em Bali, acompanhado de uma modelo famosa. Comprei um rolo enorme de seda balinesa, pensando que de alguma forma poderia usĂĄla em fotografia. Fizemos uma sĂŠrie inteira de fotos naquele verĂŁo.
HONEY TRAP O elemento que se sobressai nesta foto é o sinal de dólar tatuado dentro do lábio da modelo. Ela me disse que tinha uma tatuagem em alguma parte do corpo, mas que eu não conseguiria adivinhar onde. Naturalmente, minha mente se dirigiu para as partes íntimas da anatomia feminina. Mas aí ela mostrou-me a parte interna de seu lábio e eu vi a tatuagem. Por coincidência, eu tinha comigo, para usar como objeto de cena, um pente africano pontudo. Então, fiz com que ela pressionasse o pente no lugar da tatoo, simbolizando para mim, de alguma forma, a armadilha, o cinismo e o fato de que não existe prazer sem dor.
MUSICIANS - Cusco Peru Por sorte eu estava em Cusco no Dia de Todos os Santos. Um festival incrĂvel estava acontecendo, com pessoas fantasiadas, mĂşsica o tempo todo e bebidas sem parar. Eu segui uma banda pelas ruas. Eventualmente, eles pararam em alguma esquina e eu pude conversar com eles e tirar fotos.
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SET LIST Isso foi em algum lugar da Austrรกlia, em 1980. Estava meio que formando imagens na minha cabeรงa e documentando o que estava acontecendo comigo. A foto dessa lista reflete meu outro trabalho...
TELECASTER Isso era um momento típico pra mim naquela época... A guitarra Fender que está na foto era minha melhor amiga e constante companheira. Parece que o roadie está segurando a guitarra para que eu volte ao palco e toque um bis.
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ALBUQUERQUE Viajando pelos Estados unidos no começo dos anos 80, sempre acabávamos na proximidade de alguma cidadezinha... nem sempre uma boa ideia. Essa foto mostra um típico bar decadente na periferia de Albuquerque, no Novo México, aonde eu não deveria ter ido, mas...inspirado pelo grande fotógrafo americano Robert Frank, fui de qualquer jeito.
CIGARETTE Isso é de um café em Copenhagen. Esse homem (como é o nome dele?), acende um cigarro depois de terminar seu café. Ele fumará e aí...
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EYES Essa foto foi tirada às seis da manhã em Winnipeg, Canadá.
COWGIRL Sempre foi uma alegria chegar em São Francisco naquela época, porque parecia uma cidade única, autêntica - muito diferente da versão de hoje de Silicon Valley. Lá, eu conhecia uma linda moça americana-mexicana que estava sempre pronta para me dar conforto e tirar fotos comigo. Ela tinha longos cabelos negros até a cintura, pernas compridas e um dente de ouro. Eu adoro as botas de cowboy...
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TRANSVESTITE Eu dirigi por Marseille uma noite, depois de um show. Vi uma pessoa parada na esquina de uma rua. Saí do carro e falei com ela por alguns minutos - ela era muito doce. Nós negociamos uma pequena quantia para que eu pudesse tirar uma única foto...
SMOKING Isso era típico da minha vida em Nova York no começo dos anos 80, quando eu dividia um apartamento de vez em quando com uma menina - o anonimato da existência...
MARKET SHANGHAI Recentemente eu virei um frequente visitante de Shanghai - agora uma das minha cidades favoritas. Ainda é possível observar sinais do passado por lá... A indiferença desse vendedor de rua parece estar repleta da China que está desaparecendo - ou eu estou ficando maluco...
CRÔNICA
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EU É UM OUTRO. O que é uma imagem verdadeira? Esta questão não surgiu apenas com o advento da fotografia, entretanto, foi ela que prometeu uma resposta mais garantida através de sua técnica objetiva, mesmo assim, sabemos que as imagens mentem e não lhes perdoamos por isso, segundo o filósofo Hans Belting: buscamos nelas provas para o que desejamos ver com os próprios olhos. Onde tal não é possível, ansiamos por imagens para fazermos uma ideia de algo... desejamos crer nas imagens[1]. A relação da fotografia com a autorrepresentação remonta ao seu próprio advento, em 1840, um ano após a data oficial da sua invenção, Hippolyte Bayard apresentava seu autorretrato i n t i t u l a d o “Autorretrato afogado”, onde aparece com a cabeça encostada se fingindo de morto, como uma forma de protestar pelo fato de ele não ter sido reconhecido como um dos inventores da fotografia, já que seus experimentos foram contemporâneos aos de Niépce e Daguerre que levaram este mérito. Esta imagem é considerada
uma das primeiras obras íntimas da fotografia, mostrando que além da técnica, este novo meio trazia a evocação do imaginário e a ficção narrativa. Eu é um outro - sentenciou Rimbaud, o poeta maldito. Será que nos fotografamos tanto hoje em dia em busca
desta alteridade? Ou pela necessidade de nos inscrever no mundo como sujeitos, como já fazíamos há mais de 30 mil anos atrás, quando imprimíamos nossas mãos nas cavernas, deixando nossa marca, nosso selfie. Ou será que o mundo está acabando e só nos resta
POR EDU MONTEIRO
realizar um inventário desesperado do que sobrou, como falou o fotógrafo Miguel Rio Branco em uma entrevista. Talvez ambas afirmações estejam corretas. Um sintoma desta realidade pode ser percebido através da grande quantidade de artistas que trabalham com a autorrepresentação e a avassaladora quantidade de selfies que se proliferam diariamente nas redes sociais. O novo traz sempre algo de narcísico e catastrófico – o contemporâneo aporta consigo reconfigurações que mesmo querendo não conseguem negar o passado, pois conjugam e repetem velhos impulsos para configurações futuras, híbridas – polifônicas. As redes sociais se tornaram uma das principais plataformas para a construção do sujeito nesse novo tempo. Só que este sujeito virtual, pixelado, conjuga realidade e ficção na sua projeção pessoal de uma forma radicalmente nova, atravessada por complexos aparatos tecnológicos. A produção de imagens é necessária para este sujeito se inscrever na cena do mundo, não basta estar no mundo para nos constituirmos como sujeito hoje
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em dia. Diante dessa realidade, onde as redes sociais são construídas acima de tudo através da visualidade, a fotografia ganha uma enorme importância neste novo processo histórico. A abundância de autorretratos - os famosos selfies, e outras fotografias efêmeras; como a de um prato de comida, o bichinho de estimação, a última compra, apontam para esta tendência narcísica e caótica do mundo atual. Esta crescente necessidade do homem contemporâneo em se autorrepresentar, tanto na esfera artística, quanto nas redes sociais, deixa claro uma fratura profunda na busca deste sujeito, que se ficciona na imagem de um “objeto eu”, falso, múltiplo, indecifrável, que clama melancolicamente por pertencimento adoração. Joan Fontcuberta é um fotógrafo que possui uma longa trajetória, com diversas séries de autorretratos. Em uma delas, do livro “Desconstruindo Osama” ele se apropria de fotos divulgadas durante a caça de Osama Bin Laden, fazendo montagens grosseiras, que remetem diretamente ao universo das redes sociais, onde ele aparece como o braço direito de Osama, chamado Fasqiyta-Ul Junat e cérebro do Al-Qaeda. São imagens de capas de revistas, ações de guerrilha, nas cavernas, andando de burro e diversas outras cenas do dia a dia destes guerrilheiros. Neste exemplo, a confusão entre a autorrepresentação artística e o selfie das redes é proposital. Mas a estruturação da série não tem nada em comum com um ato tradicional do selfie, onde basta apertar o botão que a rede faz o resto. A imagem (caricatamente
falsa) é o acontecimento. Criticando dessa forma, a incessante produção e circulação de imagem, que induz a uma cega idolatria e seu papel, até hoje presente nas lutas religiosas. A proliferação dos Selfies pode ser considerado um sintoma de uma iconomania, termo cunhado por Gunther Anders em 1956, referindo-se ao homem que diante deste turbilhão de imagens, cria para si múltiplas existências, para fugir de sua unicidade. Selfie do esportista, do bom marido, da mãe dedicada, do coxinha, do petralha, do festeiro... Estes retratos em geral apresentam uma projeção de pertencimento sem ruídos, sua identificação é direta e a mensagem é clara: vejam como eu sou legal, feliz e popular nestas tribos! Autorretratos de artista, também engendram a criação de múltiplas existências, mas diferenciam-se dos selfies por buscar o ruído, ao invés de evitá-lo. Propondo experiências/ imagens que perturbem os limites do que se conhece por identidade, espaço, tempo, grupo, religião... propondo alteridades radicais - atravessamentos do self. Selfies e autorretratos de artista carregam convergências e divergências que se atravessam e confundem, ambos necessitam do outro em seu processo de alteridade como comenta a psicanalista Tania Rivera se referindo a inscrição do sujeito na arte contemporânea: o sujeito se perfila como nada além de um efêmero efeito, surgindo em um circuito que necessita do outro e só com ele se completa[2]. Assim como o artista apresenta-se através de sua obra, o
selfie é uma forma de inscrição do self. É bom frisar que os atravessamentos são constantes entre os selfies e os autorretratos de artista, e existem inúmeras exceções nos dois lados, mas de uma forma em geral, ambos convergem em suas proposições através de um visualidade fraca, uma idolatria ao clamar pela adoração de imagens falsas e um certo mal-estar do sujeito na cultura. No entanto, na arte busca-se uma fotografia capaz de arranhar a pele do visível, e aí neste ponto, reside a principal divergência: enquanto o selfie é a tentativa vã de pertencimento de quem acredita que a vida pode ser um transcorrer linear e previsível, onde o eu é algo indivisível e estável ao ancorar-se no idêntico[3] - o autorretrato de artista escarna o descompasso do eu consigo mesmo e as fraturas do si, lançando-se na vertigem do diverso. [1] BELTING, Hans. A verdadeira imagem. Dafne Editora. São Paulo. 2011. P.9 [2] Rivera, Tania. O sujeito na psicanálise e na arte contemporânea. Psic. Clin., Rio de Janeiro, VOL.19 N.1, p.13 – 24, 2007 [3] Matos, Olgária. Discretas esperanças – reflexões filosóficas sobre o mundo contemporâneo, São Paulo, Nova Alexandria, 2006.
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3x4 MARCELO GEMMAL
Data de nascimento: 01/10/1972 Cidade onde nasceu, cresceu e vive: Rio de Janeiro Uma cor: Luz Um trabalho de alguém na sua área que te marcou: Tô atento aos novos e aos velhos. Procuro brilho nos olhos. Principais ferramentas de trabalho: Ando sempre com um bloquinho de papel e uma pontinha de lápis HB no bolso. A câmera do telefone também ajuda. No atelier não pode faltar giz de cêra, pincel, tinta, corante, verniz, papel, estilete, lona, jornal, fita crepe, arame, alicate. E café. Onde gostaria de ver o seu trabalho exposto? Uma exposição é um conjunto de fatores, onde há uma troca direta com espaço e público. Há locais que abraçam melhor determinadas obras, envolve questões técnicas, entre outras. Quem você convidaria para ser seu modelo vivo? Prefiro me surpreender. Quem você gostaria que fizesse um retrato seu? Não vou incomodar ninguém, faço um selfie que tá bom. Se pudesse levar só uma imagem para Marte, qual seria? Um pôr do sol na praia de Ipanema, cheia de amigos, a família, a mulher e a filha no primeiro plano.
Em que momento da sua vida você se decidiu por este caminho profissional? A pergunta me faz lembrar da época do vestibular, quando paramos pra tomar uma decisão. As primeiras experiências de trabalho já indicavam que o caminho seria este. Até quando a gente sente que sempre foi isso. Houve alguma mudança radical no seu trabalho durante essa trajetória? Muita coisa o público não vê, mas pra mim há mudança sempre e é sempre radical. Este movimento gera esta energia capaz de mudar tudo sem mudar o DNA. Quais são as suas maiores influências? Tenho a sorte de encontrar grandes pessoas
pelo
caminho,
mestres
Urian Agria de Souza, Amador Perez, Valério Rodrigues, Wladimir Machado, Sergio Vidal, entre outros. Parceiros para sempre, como Aurelio Alpoim (não menos mestre), André Côrtes, Bernardo Alevato, Fábio Campos, Rafael Doria, Rafael Garcia, Ricardo Queiroz. Os “meninos” Mateu Velasco e Juca Rivera, Duda Simões, André Dahmer. Esteticamente está muito claro pra mim a influência dos nordestinos, principalmente os mestres Vitalino, Samico e J. Borges, aquela simplificação cheia de movimento. Misture isso ao trabalho do Vidal, muito importante, e de Heitor dos Prazeres. Um pouco de Fred Flintstone na infância e Will Eisner mais tarde.
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Seus trabalhos são desenvolvidos dentro de uma técnica especifica ou você se utiliza de todos os recursos disponíveis em prol da sua arte? Acredito que a técnica deve se adaptar ao resultado desejado, deve haver margem para os “acidentes”. Gosto de trafegar por diferentes técnicas, pois uma acrescenta algo à outra. Muitas vezes pego alguma coisa pra fazer pra descansar da outra, e esta acaba me ensinando como terminar aquela.
Até que ponto essa “fidelidade a uma técnica” pode engessá-lo, artisticamente falando? A técnica é libertadora. Fornece o que você precisa pra começar qualquer coisa. A ordem é boa. Mas estar aberto para o caos também é. O erro é fundamental para que ocorram resultados diferentes. E não é inimigo da técnica. Me sinto engessado quando tudo começa a dar “certo” e cria uma situação cômoda. Então preciso mergulhar de novo.
Qual o papel da tecnologia na concepção e o resultado na sua arte? É maravilhoso ter uma câmera no bolso o tempo todo. Tenho uma farta coleção de referências, mas acabo esquecendo o que já tenho e vou buscar tudo de novo. Aí já entra a fotografia, o enquadramento, pensar ali naquele instante, o que já é por si uma tradução do tri para o bidimensional e é matéria prima, junto com o caderninho de desenho, o bloco de notas, combustível pra fazer girar. Mas o trabalho é feito sem qualquer recurso, projeção, impressão, tudo é resolvido no olho e na mão.
Quais são seus temas preferidos, aqueles que você mais gosta de trabalhar? É uma questão de momento, do que te toca e passa a te emocionar. Pode-se encontrar esta motivação em qualquer lugar, depende do aprofundamento do olhar. De que forma você busca inspiração para compor os seus trabalhos? F a zen d o . Er r an do. Ob ser v an d o. Apreendendo. Fazendo. A composição dos seus trabalhos convive de que forma com as suas outras atividades do dia a dia? É conflitante. Primeiramente por serem dois tempos diferentes. Mergulhado no atelier, as horas fazem pouco sentido, o tempo é determinado pela questão que se está resolvendo e interromper esse processo pode adiar ou até modificar o resultado. Ali a gente encontra o momento em que a própria peça está tentando nos ensinar sobre ela, é como parar uma boa aula porque o tempo acabou, mas esta pode não acontecer nunca mais. Aí o cara esquece de comer, de dormir, de fazer pipi… Mas não sou de atrasar e não falto compromisso, não. O conceito de arte se ampliou bastante nos últimos tempos. Quais as formas não convencionais ou contemporâneas de arte que lhe chamam mais atenção no momento? Me chama mais atenção o fato da ocupação, da arte nas ruas. Há uma carência muito grande dos dois lados, tem muita gente querendo ver e muita gente com coisa pra mostrar. Creio que
vivemos uma constante transformação e vejo a arte mais acessível num futuro próximo. Que outros artistas você acompanha com interesse? Gosto sempre da Celina Portella, tenho acompanhado alguma coisa do fotógrafo Bill Church, o Vasco Mourão. Com certeza, tô esquecendo de muita gente. Arte e comércio podem conviver sem conflitos conceituais? Não. Qual o preço da sua inspiração? A necessidade física de ter que saber o resultado daquilo.
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AMOR ABASTECIDO DE
O universo da música pop é, sem dúvida nenhuma, um ambiente plural no que diz respeito a gêneros e gostos. Mas, se existe uma singularidade, ela, com certeza, está na capacidade que um artista tem de atingir todo tipo de público. O que para alguns pode ser um problema, para outros se transforma numa valiosa moeda de troca. O cantor e compositor paulista Daniel Salve vem, ao longo da sua trajetória, aparando todo tipo de aresta para que sua música consiga dialogar com o maior número possível de pessoas, sem nenhum tipo de preconceito. “Grande Amor”, seu segundo álbum, é recheado de refrãos que tem tudo para colar no ouvido da gente. Fã incondicional dos anos 80 e dos ícones Michael Jackson e Madonna, Daniel, que tem 39 anos, começou a estudar piano ainda menino, na erudita companhia de Chopin e Debussy. Por conta da mãe, que adorava ouvir Chico, Caetano e Gil, entre outros artistas, acabou tendo que arrumar um pouco mais de espaço na sua bagagem musical para a MPB. Na adolescência, completamente envolvido com as atividades artísticas do colégio, descobriu que seu grande barato era contar histórias através da sua música. “Nessa época, meu foco era mais no teatro, eu gostava de atuar e de escrever. Só que minha participação no coral da escola acabou me fazendo descobrir o canto, que me abriu outras possibilidades e, lá na frente, quando o teatro deixou de ser minha prioridade artística, apontou um caminho para eu seguir”, lembra.
Daniel Salve
POR: IVAN COSTA FOTOS : VICTOR OLIVEIRA
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Alguns anos mais tarde, após uma pequena experiência morando nos Estados Unidos e encantado com a cena musical alternativa de lá, ele voltou para o Brasil decidido a investir fundo em sua carreira de músico. Em 2009, lançou seu primeiro disco, “Psychotropic”, um álbum que tem pouco a ver com sua proposta atual e mostra que a evolução artística de Daniel ainda estava no início. Tanto que ele tem dificuldade de reconhecer o trabalho como o pontapé inicial de sua carreira. “Foram longos três anos entre o processo de composição e produção. Acabei criando uma persona que, na época do lançamento, já não conversava com a minha essência. Eu estava passando por um processo de mudança pessoal, o que de certa forma me fez boicotar esse trabalho. Já no segundo disco, que tem um gosto de primeiro, eu finalmente consegui estar em sintonia comigo mesmo. Eu me reconheço inteiro nele”, revela o artista. No fim de 2014, Daniel, que já tinha boa parte do novo repertório pronta, resolveu arregaçar as mangas e começar a produzir o trabalho. Familiarizado com os estúdios, pois fazia jingles no início da carreira, ele, tem conhecimento e aptidão para trabalhar com produção, mas optou por dividir essa tarefa com o produtor Rick Ferreira, o que considera um grande acerto. “O Rick, que fez a direção artística do meu primeiro álbum, é um cara que tem uma preocupação muito grande com a qualidade de captação e edição dos sons. Foi muito bom ter ele e o João Milliet, que fez a mixagem, junto comigo, pois a sonoridade que nós alcançamos é um diferencial em relação ao que está sendo feito atualmente”, conta o cantor e compositor.
A próxima etapa, que é pegar a estrada e levar sua música para todo canto sem ter ainda um público formado, não intimida Daniel. Ele confia plenamente na força que o repertório tem de tocar as pessoas através do tema que permeia todo o álbum: o amor. Mas um grande desafio vai ser conseguir reproduzir no palco o resultado obtido no estúdio, onde as suas canções contam com todo tipo de suporte para soar do jeito que ele quer. Nessa hora, a experiência com o teatro pode se transformar num trunfo: “Estou começando a tocar de forma acústica para pequenas plateias e já dá para perceber a força das composições. Mesmo precisando adaptar um pouco o formato, o importante é despir as músicas, chegar no coração da canção e fazer com que ela soe fiel a sua essência. Nos shows, pretendo usar um pouco de teatralidade e ideias visuais para criar novas camadas de percepção do meu trabalho”, aposta ele.
MUITO PR RODA #10
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RAZER! ANGELA RO RO
Ter como batismo uma pequena participação tocando gaita no cultuado disco londrino de Caetano Veloso, “Transa”, em 1972, seria apenas um bom prenúncio do que viria a ser o início da carreira discográfica de Angela RoRo. Poucas cantoras brasileiras chamaram tanta atenção na sua estreia como essa carioca em seu disco homônimo, de 1979. Recheado de sucessos, esse é, para muitos, o trabalho mais marcante que a artista realizou até hoje. Basicamente composto por ela, o disco tem músicas que são um retrato fiel da própria carreira da cantora, que nunca teve pudor de expor nas suas canções as suas
dores e amores (nessa ordem mesmo!). “Amor Meu Grande Amor”, “Tola Foi Você” e “Não Há Cabeça” (esta também, presente no disco de estreia de Marina Lima) são alguns exemplos da força “bluseira”contida nesse repertório. Apoiada pelo mestre Antonio Adolfo, Ro Ro conseguiu imprimir nos arranjos enxutos, mas precisos, uma simplicidade que aquele tipo de poesia pedia e que acabou virando sua marca registrada. O grande Robertinho Silva na bateria e Jamil Joanes no baixo são alguns dos cobras que ajudaram a conceber esse belo álbum de estreia na música popular brasileira.
Ano de lançamento . 1979 Direção de Produção . Paulo Lima e Ricardo Cantaluppi Estúdio . Polygram na Barra da Tijuca RJ Técnicos de Gravação . L.C. Varela, João e Jairo Auxiliares de Estudio . Rui e Julinho Mixagem . Luigi Hoffer Corte . Ivan Lisnik Fotos . Marco Rodrigues Capa . Aldo Luiz Arte . Jorge Vianna Arranjos . Antonio Adolfo e Angela RoRo Faixas . Cheirando a amor, Gota de Sangue, Tola foi Você, Não há Cabeça, Me Acalmo Danando, Agito e Uso, Mares da Espanha, Minha Mãezinha, Balada da Arrasada, Abre o Coração Angela Ro Ro Amor, Meu Grande Amor Angela Ro Ro e Ana Terra A Mim e a Mais Ninguém Angela Ro Ro e Sergio Bandeira Piano . Angela Ro Ro Guitarra . Rick Ferreira Bateria . Roberto Silva e Téo Baixo . Jamil Joanes Saxofone . Zé Carlos Trompete . Niltinho
PItaCOS valVUlaDOS
POR MARCIO BULK
PARA MS. HORN, MUITO OBRIGADO POR TUDO. RODA #10
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Não tem jeito, baby. Mais hora, menos hora, todos nós iremos levar um belíssimo pé na bunda. E não importam nem a razão nem as circunstâncias, passaremos noites sem dormir, ficaremos sem fome, beberemos até o c* fazer bico e alugaremos nossos amigos da forma mais inconveniente possível. Tem jeito não, luto é isso aí. Mas, tirando os ultrarromânticos, todos sobrevivemos a esse processo e, após certo tempo, voltamos a borboletear pelos aplicativos da vida. Porém, acredito eu, que pelo menos dê pra transformar um pouco desse limão azedíssimo e trevoso em uma limonada palatável ou, até mesmo, saborosa. Pelo menos foi o que aconteceu comigo da última vez, quando fui pego totalmente desprevenido e em meio ao desenvolvimento de um projeto. No dia seguinte ao término, tentei colocar minimamente a cabeça no lugar e me joguei no trabalho. Estava acabando de fazer uma seleção de referências para meu próximo disco e havia selecionado algumas canções da Shirley Horn para ouvir. Tratava-se de um processo bem mais intuitivo do que técnico e deixei as músicas falarem por si. Até que começou “The Sun Died”. O bicho pegou. Nó no estômago, azia hardcore e chororô de dar dó a Oxum. “Yesterday, when I was looking in your eyes / I thought it was sweet paradise/ For love completely changed my life / But that was yesterday / The sun died / The sun died, with my love”. Sim, essa canção se tornou a trilha sonora desse meu rompimento (e também entrou para a lista de referências do disco). Além de dizer que há sempre uma boa trilha sonora para essas horas punks — e que “ainda é melhor sofrer em dó menor do que você sofrer calado” —, queria comentar um pouco a respeito dessa canção e, principalmente, de Ms. Horn. “The Sun Died” é, na verdade, uma versão para uma canção francesa chamada “Il Est Mort le Soleil” (Hubert Giraud/ Pierre Delanoë), posteriormente adaptada e gravada por Ray Charles no disco ”A Portrait of Ray”, de 1968. A versão é
belíssima, claro, como boa parte de tudo que esse grande gênio produziu. Densa, pungente, rasgada. Mas, daí, 25 anos depois, Horn decide fazer um tributo a Charles, lançando o álbum “Light Out of Darkness”. E que tributo! Pois Horn pouco se esforçou em mimetizar Charles, tomando para si o seu repertório, moldando-o ao seu crivo personalíssimo. Horn não é de arroubos, exageros. Tem uma voz intimista, confessional e absolutamente densa. A cantora e pianista é da mesma escola de Billie Holiday e, certamente, de João Gilberto. Na minha cabeça meio doida, sempre comparo Shirley com Nana Caymmi, pois as duas me causam a mesma impressão: espanto, assombramento. Várias vezes me peguei em algum café onde uma ou outra surgiam nas caixas de som do local e me provocavam a mesmíssima reação: olhos arregalados, silêncio profundo e a sensação de que estava ouvindo as profecias de algum oráculo. Negócio de arrepiar. Sério! Shirley faleceu em 20 de outubro de 2005 e sua discografia, diferentemente de outras grandes cantoras de jazz, não é uma das coisas mais fáceis de se achar. O que é uma lástima. Na verdade, uma tragédia, pois a cantora e pianista foi uma das mais relevantes intérpretes de Tom Jobim. Desculpemme Ella, Sarah e companhia, mas só Shirley soube entender realmente a melancolia da bossa nova e dialogar com a tradição do jazz e do blues. Ouça “How Insensitive”. Tudo dói, voz que corrói por dentro, delicadamente, até deixar o oco que tanto tentamos esconder. Não há rigidez, pau ou pedra que Horn não corroa. Sempre tive enorme apreço por esse tipo de cantora que, pelo mínimo, chega a nosso núcleo duro e o revira, lançando-nos para fora de nossa zona de conforto. “Como vês o amor vai carregar / As coisas na hora que ele chegar / Vai levar tudo que conseguir /
Chutando as paredes que eu construí”. Ana Lomelino também domina esse encanto: fragilidade que nos fragiliza e expõe o que tão levianamente encarceramos. Sinceramente, é nesse tipo de música em que eu acredito e que quero ter ao meu redor. É absurdamente besta se fazer de forte, de herói, numa hora dessas, sabe? “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?” Fernando também dominava sublimemente esse encanto. E, acima de tudo, acho que é disso que precisamos, aceitar nossa condição e, a partir daí, “a new world, a new day to see”. Obs: Guilherme Falcão Peregrino, obrigado por me relembrar de Pessoa. Foi um lindo e providente achado. Obs 2: agradeço também as participações especiais de Chico Buarque, Björk, Sjón, Lars von Trier, Bruno di Lulo e Domenico Lancellotti.
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Mahmundi DESAGUAR Desconfigurar o meu coração Pra saber da boa nova que corre por aí Posso até parar, tentar reagir Pra saber da boa nova que espalhou no corredor Pra saber da boa nova que reinou quando você chegou Que é você a boa nova que elevou o céu com o seu amor Vem pra descansar, desaguar no mar, ficar, se reanimar Entreguei o dia na mão do redentor, vou descansar Vem pra descansar e desaguar no meu mar, vem cá, se reanimar Entreguei o dia na mão do redentor pra descansar Como o sol que deixa a pele morena Como o vento que vem, traz os seus sinais Encontrar alguém que me faça também assim Marinheiro perdido no mar Vida nova só de você chegar Encontrar alguém pra amar e desaguar
Mahmundi Skol Music Stereomono Ano . 2016
Só letra
...ĂŠ fotografia
FRENTE
OSREV
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POR FLÁVIO ALBINO
“The Recreation” (2009) Releitura da obra “A criação de Adão”, feita por Michelangelo por volta de 1511, no teto da Capela Sistina (2009) Kris Kuksi é um artista norte-americano nascido em 1973.
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Disp
play
Disco Digital Vitrola DVD
Na Tela Livro Palco Play
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Disco
CÉU TROPIX Slap / Som Livre O liquidificador rítmico em que está se transformando a música brasileira contemporânea muitas vezes nos oferece gratas surpresas, mas talvez nenhuma tenha causado tanto impacto sonoro como o recente disco da paulistana Céu. Batizado de “Tropix”, o álbum é um verdadeiro deleite para os ouvidos. Incrementada por sintetizadores, a básica cozinha de bateria/baixo/ guitarra cria uma atmosfera extremamente favorável ao repertório. São muitos os destaques, como “Amor Pixelado”, “Varanda Suspensa”, “A Nave Vai” e o bolero “Sangria”. Mas a canção “Chico Buarque Song”, cantada em inglês, merece o troféu de número um e é séria candidata a megassucesso pelo mundo afora. A mesma inquietude criativa que faz a artista atingir um patamar acima na cena musical com “Tropix” pode estar nos reservando algo igualmente inesperado e saboroso mais à frente. Um(a) Céu sem limites.
Digital MORAES MOREIRA MORAES MOREIRA 1975 / CARA E CORAÇÃO / ALTO FALANTE Som Livre (Disponível no Spotify, Deezer, Apple Music, Napster, iTunes e Google Play) O início da carreira solo de Moraes Moreira se confunde um pouco com a sua participação no cultuado grupo Novos Baianos: algumas canções desse fértil período do cantor e compositor poderiam perfeitamente figurar no repertório da banda. Em função disso, a chegada de três álbuns desse período “Moraes Moreira” (1975), “Cara e Coração” (1977) e “Alto Falante” (1978) - ao formato digital é mais do que bem vinda. Muitas vezes, dentro de um supergrupo, é difícil conseguir dar vazão a toda a criatividade. Por isso, no caso dos baianos, a exploração de novos caminhos por seus integrantes foi a melhor coisa que aconteceu. Fez bem para Baby e Pepeu, mas, principalmente, para Moraes.
Vitrola ROBSON JORGE & LICONLN OLIVETTI ROBSON JORGE & LICONLN OLIVETTI Polysom A série “Clássicos em Vinil - 180 gramas”, da Polysom, mais uma vez faz jus ao nome, reeditando um álbum referencial na história da música brasileira, pois a dupla Jorge e Olivetti (ambos já morreram) é uma das responsáveis pela sonoridade vigente no final dos anos 70 e início dos anos 80. Lançado em 1982, este disco até hoje é referência quando o assunto é balanço e suingue. No embalo de sucessos como “Aleluia”, “Pret-à-Porter” e “Eva”, a dupla - que foi acompanhada nas gravações por um verdadeiro dream time de músicos da época, como Oberdan Magalhães (líder da Banda Black Rio), Márcio Montarroyos, Jamil Joanes -, infelizmente, nos deixou apenas este belo exemplar de herança e um imenso gostinho de quero mais.
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DVD VANGUART MUITO MAIS QUE O AMOR Deck Com um roteiro costurado na interpretação de cinco cartas feitas por amigos como Thiago Pethit, Cida Moreira e demais parceiros da banda, o DVD “Muito Mais que o Amor”, do Vanguart, revela como as canções do último álbum de estúdio aliadas aos antigos sucessos funcionam ao vivo. Hélio Flanders (totalmente à vontade) e seu grupo transformam o Centro Cultural São Paulo numa arena despojada, alegre e muito adequada ao seu público. As baladas “Demorou pra Ser”, “Eu Sei Onde Você Está” e “Olha Pra Mim”, assim como o country rock “...Das Lágrimas”, a cargo do baixista Reginaldo Lincoln, se sobressaem no repertório escolhido.
NA TELA A LUNETA DO TEMPO FOCUS FILMS LONGA METRAGEM . DRAMA . 97 MIN DIREÇÃO . ALCEU VALENÇA Alguns cantores e compositores brasileiros têm a capacidade de produzir músicas ricas em imagens e - por que não dizer? - cinematográficas. O pernambucano Alceu Valença é, seguramente, um dos mais talentosos para isso. Portanto, “A Luneta do Tempo”, seu primeiro longa-metragem, é, digamos assim, um acerto de contas artístico. Como não podia deixar de ser, o árido sertão nordestino e o cangaço foram escolhidos por ele como cenário e temática para compor a história. A evidente inexperiência do diretor, que seria um grande problema para muitos, nesse caso é exatamente o ponto diferencial em relação aos vícios e manias adquiridas por novos diretores em escolas e faculdades de cinema. A versão dele para a trajetória e a influência que Lampião exerce até hoje no imaginário brasileiro é rica em minúcias e detalhes às vezes esquecidos ou mesmo ignorados em outros exemplares do gênero. As boas atuações de Irandhir Santos como Lampião, Hermila Guedes como Maria Bonita e do próprio Alceu só reforçam a capacidade que o longa tem de fazer uma leitura autêntica e original de um universo por vezes retratado e até premiado do cinema nacional. Seja bem-vindo, Alceu!!
Livro
I Would Die 4 U . Why Prince Became an Icon Autor . Touré Idioma . Inglês www.amazon.com / Edicão . Kindle As perdas no universo musical são, na sua essência e maioria, uma mera questão matemática, já que os maiores ícones do gênero, por terem nascido em meados do século 20, já estão em idade avançada. Recentemente, um integrante desse time, o inglês David Bowie, nos deixou. Quando ainda estávamos nos recuperando, eis que somos surpreendidos com a notícia da morte do norte-americano Prince. Muito já se falou e especulou sobre a vida e a obra desse pequeno gênio musical. Pequeno no tamanho, cerca de 1,58 cm, mas gigante dentro de um estúdio e um vulcão em erupção em cima de um palco. Ainda bem que o crítico de cultura, romancista e apresentador americano Touré lançou, em 2013, a mais completa biografia não autorizada do músico, que agora também está disponível na versão e-book. No livro, dividido em fases, o autor disseca os motivos e as circunstâncias que transformariam Prince num ícone e mostra de que forma isso influenciou sua trajetória artística. Por que o ídolo era tão recluso e reservado, sua infância conturbada, o início polêmico, o reconhecimento avassalador de crítica e público na década de 80, que lhe rendeu inúmeros Grammys e um Oscar com a canção “Purple Rain” - tudo foi contado e analisado em suas páginas. A chegada da maturidade nos anos 2000, tendo que lidar com desafio, perdido por alguns colegas seus de envelhecer aos olhos do grande público também está lá. Touré nos proporciona uma ótima oportunidade de conhecer a fundo o mais espetacular músico dos últimos 30 anos, que um dia ousou se autodenominar “O Artista”. Um bom parâmetro para medir a genialidade e a versatilidade do Príncipe foi a resposta dada por Eric Clapton quando pediram a ele que dissesse qual era a sensação de ser “o Deus da guitarra”: “Perguntem ao Prince”, disparou, sincera e respeitosamente. Precisa mais?
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PALCO IRON MAIDEN 17/03/2016 HSBC ARENA RIO DE JANEIRO
Poucas são as bandas capazes de ainda empolgar em cima do palco depois de quatro décadas de estrada. O Iron Maiden é um dos expoentes nessa façanha. De frente para a plateia carioca, uma das melhores em sua história, a banda subiu ao palco do HBSC Arena apoiada, em boa parte, no repertório do elogiado e recente álbum “The Book of Souls”. Com uma performance mais teatral do que a das últimas turnês, o vocalista Bruce Dickison, cantando de forma um mais contida algumas canções, correu pelas plataformas colocadas no fundo do se fosse um garoto igual aos inúmeros presentes na plateia. Aliás, esse é sempre shows da banda: muitos adolescentes empolgados que, ao lado de seus pais, têm a somente conheciam através de histórias contadas.
pouco palco como um destaque nos oportunidade de ver algo que
Ao todo, foram seis músicas do novo álbum, intermediadas por antigos hits que sacudiram a arena, como “Powerslave”, “Fear Of The Dark”, “Hallowed Be Thy Name” e “The Number Of The Beast”. Os guitarristas Adrian Smith e Dave Murray são sempre um espetáculo à parte - discrição e habilidade na medida certa. O baixista Steve Harris, líder da banda, entende bem a importância de continuar levando a música do Iron aos quatro cantos do planeta, por isso é bem provável que a donzela de ferro e o seu inseparável monstro inflável “Eddie” continuem nos assombrando por mais algum tempo. Que assim seja! POR BOB COTRIM
PLAY
PLAY BIG FOOT COUNTRY GIRL . 1973 MEL BROWN Impulse Records Por Marcelinho Dalua . músico e dj Esse é um disco quente em que o blues encontra o funk sem rodeios. Mel Brown talvez seja o único artista de blues do catálogo da Impulse Records, selo fundado em 1960 na cidade de Santa Monica, nos Estados Unidos, que tem o jazz como a sua principal vertente. Esse era um dos álbuns favoritos do arranjador Oliver Nelson, que também já havia feito os arranjos no disco de estreia de Mel, “Chicken Fat”. Brown é um cara pouco reverenciado, mas que tem uma carreira e som brilhantes. Comprei esse vinil na loja Groove Merchant, que fica na Haight St. em São Francisco, acompanhado do meu amigo Vinnie, e ele acabou sendo a maior surpresa dos últimos anos para mim. Minhas faixas preferidas são: “Big Foot Country Girl”, que dá nome ao disco, e “Stinging Bea”, que é diferente de tudo que eu tenho escutado no gênero ultimamente.