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SUSTENTABILIDADE

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SYNGENTA

SYNGENTA

Por Gustavo Queiroz Lima de Vita

SUSTENTABILIDADE E GESTÃO DO CARBONO

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NA PROPRIEDADE RURAL

GUSTAVO QUEIROZ LIMA DE VITA

Consultor em Sustentabilidade e Agropecuária. Zootecnista, Mestre em Aquicultura e Especialista em Perícia e Auditoria Ambiental. P or vezes, as conveniências dos supermercados, dos postos de combustíveis e de boutiques de roupas trazidas pelo progresso urbano causam um lapso de memória quanto à dependência a que todos estamos submetidos em relação ao campo. Onde, felizmente, graças ao domínio de técnicas de cultivo da terra, são concebidas nossas necessidades mais elementares, especialmente os alimentos. Na atualidade, mais do que nunca se faz necessário recordar ações do setor agropecuário que efetivamente contribuem para agendas globais de forma a abrir a porteira da fazenda para a cidade entrar, motivar empatia e engajamento, desmotivar o distanciamento.

Hoje o extrativismo como fonte de alimento é insuficiente e inexequível. Para a dimensão demográfica da nossa existência, a compreensão humana sequer evidenciou um prognóstico mais sustentável do que o atual meio de subsistência da população global: a agropecuária. A questão é: este modelo atende aos preceitos ambientais, sociais e de governança hoje propostos pelo mercado e pela sociedade?

Espontaneamente, antes mesmo de serem conceituados termos como “Desenvolvimento Sustentável”, “Sustentabilidade”, “ESG” e até “Mudanças Climáticas”, o setor da agropecuária de maneira geral está dedicado ao aumento da produção em menores áreas (produtividade) somado a conservação dos recursos naturais. A resolução desta equação gera emprego e renda, fixa o homem no campo e movimenta parcela considerável da economia ao produzir riqueza. Além disso, da perenidade e da constância da atividade no campo depende a vida não somente do produtor, mas de toda comunidade rural. Entre as atividades laborais, talvez a lida com a terra esteja entre as mais inerentes à vocação pura e nata, a despeito do incontestável crescimento da profissionalização e especificidade do setor diante da modernidade.

No decorrer da história do agronegócio brasileiro, para resolver a equação da produtividade com conservação, dois são os aspectos fundamentais na formação do modus operandi do agricultor profissional nos últimos 60 anos: políticas públicas “agroambientais” e a profícua parceria entre institutos de pesquisa como a Embrapa e a iniciativa privada. No recorte tropical, possivelmente não encontramos paralelo deste arranjo em todo mundo. Tanto no que diz respeito a rigidez das normas legais, haja vista os códigos florestais, como no que tange desenvolvimento de ciência aplicada às dores do produtor.

Neste contexto, grandes desafios surgem. Ainda no final do século XX, se evidencia no mundo um problema que o agricultor convive desde o seu nascimento como tal: o clima. “Uma hora era o fogo que rasgava o chão, outra hora era a água que descia e afogava toda plantação…” (Zé Geraldo). A influência do clima e sua relação química, física e biológica com o manejo de solo e água talvez constitua o alicerce da maior parte do estudo das ciências agrárias e da própria vida no campo. Dessa vez porém, as predições de alterações drásticas na geografia global suplanta o campo. Na busca por responsáveis, se atribui ao agro uma parcela maior de causa do que de solução. Ao mesmo tempo em que o Brasil converte-se de importador a exportador de alimentos, na concepção de alguns, passa de mocinho coadjuvante a vilão protagonista na trama das relações internacionais.

Atribuídas direta ou indiretamente às atividades humanas, as Mudanças Climáticas são alterações na composição da atmosfera planetária que influenciam o clima. Desde a era pós-industrial tem sido observado um aumento significativo nas concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa como dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, entre outros. Segundo parte substancial do universo científico, este incremento vem causando aquecimento da superfície da terra adicional ao natural. Modelos matemáticos indicam que as consequências destas alterações podem resultar em maior frequência de eventos extremos, calor excessivo, chuvas e secas concentradas, além da perda de biodiversidade, extinção de espécies e elevação do nível do mar. Os riscos, portanto, estão associados à saúde, abastecimento de água, segurança humana, crescimento econômico e, principalmente, segurança alimentar, ponto sensível ao Agro.

Diante desta conjuntura desafiadora, em 2012 o Brasil elabora o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) com o objetivo de promover a redução das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária, melhorando a eficiência no uso de recursos naturais e aumentando a resiliência de sistemas produtivos e de comunidades rurais. Este plano, estruturado para o período de 2010 a 2020, inseriu definitivamente o setor na agenda climática mundial. Na prática, esta política se relacionou diretamente com a implementação de compromissos internacionais e voluntários assumidos pelo Brasil como: a) recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas,

b) aumentar em 4 milhões de hectares a adoção do Sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta,

c) ampliar em 8 milhões de hectares a utilização do Sistema de

Plantio Direto,

d) ampliar em 5,5 milhões de hectares o uso da Fixação Biológica de Nitrogênio,

e) expandir em 3 milhões de hectares a área com Florestas Plantadas destinadas a produção de fibras, madeira e celulose e

f) ampliar em 4,4 milhões de m3 o Tratamento de Dejetos Animais para geração de energia e produção de biofertilizantes.

Passada a década de abrangência do Plano ABC (2010-2020), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) conduziu estudo para avaliar o nível de adoção das tecnologias agropecuárias de baixa emissão de carbono e o cumprimento das metas estabelecidas. Neste estudo, foi verificada uma mitigação de aproximadamente 153 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente sendo, portanto, atingida 113% da meta estabelecida para o período2. Para década de 2020 a 2030 foi lançado recentemente o Plano ABC+ que dá continuidade às ações do plano anterior com maior robustez metodológica. Novos sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis foram incorporados, como por exemplo Sistema de Plantio Direto em Hortaliças, Sistemas Irrigados, Terminação Intensiva, Bioinsumos, Microrganismos Promotores de Crescimento de Plantas, entre outras.

DE DENTRO PRA FORA DA PORTEIRA, QUAL A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS ABC?

Os três maiores reservatórios de carbono no planeta, nesta ordem, são o oceânico, o geológico (combustíveis fósseis) e o solo3; este último a “fábrica da propriedade agrícola”. A estrutura do solo é constituída por ar, água, frações de minerais e matéria orgânica. Formada basicamente por carbono, a matéria

orgânica é toda substância morta no solo proveniente de plantas, microrganismos e excreções animais. Na sua decomposição por fungos e bactérias, parte do carbono é emitido para atmosfera, parte é armazenada no solo. O estímulo a este armazenamento é uma das importantes contribuições das tecnologias ABC na mitigação das mudanças climáticas. Existe ainda uma singularidade na gestão do carbono em propriedades rurais sem igual em outro setor da economia; além da mitigação ou redução das emissões proporcionadas pela adoção de boas práticas, o processo produtivo naturalmente permite o sequestro de carbono, já que este elemento é a “matéria-prima” básica na fisiologia e constituição das plantas, que, por sua vez, é o produto final ou intermediário do agronegócio. E a ‘cereja do bolo’ é que as tecnologias fomentadas podem proporcionar maior produtividade e saúde financeira à atividade. Ganha meio ambiente, ganha agronegócio, ganha a sociedade.

O eixo central das inovações desenvolvidas para sequestro de carbono e mitigação das emissões na propriedade agrícola está em uma das cadeiras mais tradicionais da Agronomia; Manejo Conservacionista do Solo. Ana Maria Primavesi, considerada por muitos uma das maiores agrônomas conservacionistas de todos os tempos, já dizia na década de 60 que “o clima faz o solo e o solo faz o clima”. Nascida e graduada na Áustria, de clima predominantemente temperado, foi radicada no Brasil onde conduziu sua carreira e concebeu a maior parte de sua obra de enorme relevância até os dias de hoje. Uma das suas principais contribuições para os posteriores avanços nas ciências agrárias foi a ideia de tropicalização das técnicas de manejo ecológico do solo. Na sua visionária concepção, cada região deveria desenvolver suas próprias técnicas como um “ecótipo”, adequadas às condições locais favoráveis ao desenvolvimento vegetal.

O Brasil começa a tropicalizar suas tecnologias agrícolas quando passa a produzir seu próprio conhecimento científico. E neste aspecto, a Embrapa, fundada em 1973, e outros órgãos de pesquisa e extensão regionais, têm papel primordial. Antes disso, tudo o que sabíamos de agricultura era importado, principalmente pelos imigrantes europeus que fixaram residência nos nossos campos após as grandes guerras. Foi justamente nas adversidades que se consolidou a exitosa parceria destes agricultores com os institutos de pesquisa e, concomitantemente, o entendimento de que a forma de se trabalhar a terra no

AS TECNOLOGIAS PODEM PROPORCIONAR

MAIOR PRODUTIVIDADE E SAÚDE

FINANCEIRA À ATIVIDADE. GANHA MEIO AMBIENTE, GANHA AGRONEGÓCIO, GANHA A SOCIEDADE.

clima tropical teria que ser completamente distinta daquela utilizada no clima temperado. Neste contexto começam a ser semeadas as bases que constituiriam a consolidação de tecnologias conservacionistas atualmente recomendadas inclusive pela FAO, a exemplo do Sistema de Plantio Direto (SPD).

Franke Dijkstra, Herbert Arnold Bartz e Manoel Henrique Pereira quando se reuniram no interior do Paraná não planejavam impactar o clima global. Eram simplesmente agricultores imigrantes que, quando aqui chegaram, tratavam a terra da forma que aprenderam com seus pais e avós na Europa. No clima de lá, segundo palavras do Sr. Franke, somente é viável uma cultura por ano e a degradação que acontece no solo é incomparavelmente mais lenta. As temperaturas do solo mais baixas contribuem para menor atividade biológica, sendo necessária sua mobilização para o adequado desempenho das culturas. Nas condições temperadas, em benefício da vida e da produtividade do solo, as práticas de preparo são obrigatórias, a priori, para seu aquecimento e aeração. Porém, replicadas aqui na zona tropical e subtropical estas práticas se mostraram prejudiciais no decorrer dos anos. No solo exposto e quente, a decomposição da matéria orgânica é muito mais rápida, o que favorece a perda de carbono e desestruturação do solo. O instinto de sobrevivência despertou quando estes empreendedores passaram a observar em suas áreas agrícolas perdas substanciais de solo por erosão e suas produtividades minguar. Não se conformaram e foram buscar soluções. Promoveram dias de campo, uniram esforços entre cooperativas e institutos regionais, abriram suas porteiras para a pesquisa, tiveram contato com outras realidades. Investiram tempo, dinheiro, paciência. Erraram muito, tentaram de novo. Hoje são considerados os pais do Plantio Direto, um

FOTO: ADOBE STOCK ambientes, sejam estes tropicais, subtropicais ou temperados.

Um segundo aspecto desafiador, que depende mais de articulação política do que da ciência em si, é a questão conceituada como adicionalidade. Esta é a variável que determina uma contribuição. Seria, por exemplo, calcular quanto foram reduzidas as emissões com a adoção de uma tecnologia a partir de determinada data, definida como linha de base. E aqui está o imbróglio que gera algum debate e deve ser resolvido; a definição da linha de base para cálculo da adicionalidade no setor agropecuário. É fato que tecnologias como o Plantio Direto já vem proporcionando adicionalidades há muitos anos nas propriedades rurais. Assim, resgatar a linha de base coerentemente para calcular a contribuição da tecnologia não é tarefa trivial. Corre-se o risco de proporcionar maior vantagem para quem até hoje nada fez no que diz respeito a boas práticas.

‘case’ de sucesso incontestável. Uma revolução na agricultura que segue em constante evolução. No Brasil, dados mais recentes da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) e FEBRAPDP (Federação Brasileira do Sistema de Plantio Direto) para a safra de 2017/18 indicaram que, dos 61,7 milhões de hectares de área plantada com grãos, foram cultivados em plantio direto 33,06 milhões, o que representou, portanto, 53% da área naquela safra. Hoje, provavelmente esta contribuição seja maior, mas temos ainda bastante margem para avançar.

CURIOSIDADE

Por conta da importância do solo como estoque de carbono, a fim de trazer a temática definitivamente para a agenda global, durante a COP 21 da Organização das Nações Unidas foi levantada a bandeira “4 por 1000”. A referência foi trazida a partir de cálculos que indicam que com um incremento anual de apenas 0,4% de matéria orgânica nos solos agricultáveis de todo o mundo é possível frear o aumento da concentração antropogênica de carbono no planeta. Esta possibilidade, a longo prazo, não deixa de inspirar otimismo. Por todo o mundo, pesquisadores já têm se mobilizado neste sentido. O incremento de matéria orgânica no solo, não de hoje, é um objetivo da agricultura profissional por oportunizar, além da redução de emissões, condições adequadas para melhor estruturação do solo, retenção de água, fertilidade, menores perdas por erosão e, finalmente, melhor produtividade.

PERSPECTIVAS FUTURAS

Para conhecimento da efetiva contribuição de um setor, tecnologia, cidades ou países na redução de emissões de gases de efeito estufa são necessárias mensurações. Mais do que isso. É preciso estar muito claro e definido todo o processo do que se convencionou chamar de MRV, sigla em inglês para monitorar, declarar e verificar. Estas etapas, no agro, acabam por esbarrar em alguns obstáculos inerentes à atividade. São gargalos factíveis de resolução pela pesquisa nos próximos anos. Neste sentido, dois desafios devem ser destacados para o setor.

Primeiro a forma de medir. Existem técnicas para, por exemplo, medir matéria orgânica, frações de carbono estocado e perdido do solo? Sim, existem. Porém estas técnicas são onerosas e demoradas para atender a demanda que precisa ser praticamente imediata, o que hoje parece inviabilizar sua utilização prática para o fim pretendido. A pesquisa e o mercado estão avançando a passos largos para contornar estes obstáculos. A atividade agrossilvopastoril é singular no que diz respeito a remoção de carbono da atmosfera e, para que esta seja adequadamente contabilizada nos inventários e projetos, precisam ser consolidadas metodologias de mensuração operacionalmente práticas, economicamente viáveis e adaptadas cada qual a diferentes

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As perspectivas das mudanças climáticas matematicamente modeladas para os próximos anos e seus reflexos para a sociedade são significativos. Alguns dos eventos previstos são efetivamente observados desde já, causando danos em diversas áreas, por vezes irreparáveis. No caos, porém, não há nada mais essencial, no sentido fisiológico da palavra, do que o alimento. A escassez deste é factual e contemporânea. A demanda por quantidade e qualidade é exponencialmente crescente. Este paradigma, no entanto, dentro da viabilidade técnico-científica existente, não autoriza a produção de alimentos em bases insustentáveis.

As tecnologias fomentadas pelo Plano ABC têm enorme potencial de contribuição para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Para que o produtor rural faça além do que já vem sendo feito serão necessários incentivos econômicos e evolução das pesquisas, além de regras claras estabelecidas. Para tanto, as ferramentas estão postas. Crédito Rural, Pagamento por Serviços Ambientais, Financiamentos Verdes, Economia de Baixo Carbono, Mercado de Carbono, entre outras. O problema não vai deixar de existir de um dia para o outro. O desafio já está lançado e muitos estão engajados em soluções dentro do Agronegócio. Apontar dedos e transferir responsabilidades não geram nenhum efeito prático. Condenar a produção agropecuária é um desserviço à vida na terra. Precisamos de empatia, colaboração e paz.

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