Amazônia 122

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ISSN 1809-466X

Ano 17 Número 122 outubro/2023 R$ 29,99 €

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QUEIMADAS NO AMAZONAS ACIONAM DECRETOS DE EMERGÊNCIA AMBIENTAL

O governador do Amazonas, Wilson Lima, assinou na última 3ª feira (12/9) um decreto de emergência ambiental em virtude das queimadas que assolam o estado nas últimas semanas, que vigorará por 90 dias. O decreto abrange os municípios de Apuí, Novo Aripuanã, Manicoré, Humaitá, Canutama, Lábrea, Boca do Acre, Tapauá e Maués, no sul do estado, além da região metropolitana de Manaus. O governo também anunciou a destinação de R$ 1,1 milhão...

ONDAS DE CALOR RECENTES DESTACAM O NOVO ESTADO CLIMÁTICO DA TERRA À medida que o calor escaldante atinge grandes áreas da Terra, muitas pessoas estão tentando contextualizar as temperaturas extremas e se perguntando: quando foi tão quente antes? Globalmente, 2023 teve alguns dos dias mais quentes nas medições modernas, mas e mais para trás, antes das estações meteorológicas e dos satélites? Alguns meios de comunicação relataram que as temperaturas diárias atingiram uma alta de 100.000 anos...

SECA EM UMA REGIÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA PODE IMPACTAR ÁREAS VIZINHAS E COMPROMETER OS RIOS VOADORES

A seca pode atingir somente uma região da floresta amazônica, mas suas consequências se estendem para outras áreas, multiplicando os impactos, mostra estudo desenvolvido por pesquisadores internacionais, com participação da USP. De acordo com a pesquisa, para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na floresta, uma quarta árvore – embora não diretamente afetada...

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CARNÍVOROS

Um novo artigo publicado na PeerJ Life & Environment , de autoria de Camila Ferreira Leão, da Universidade Federal do Pará, lança luz sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre os mamíferos carnívoros na Amazônia e sua representação dentro de Áreas Protegidas (UCs). “Mudanças climáticas e carnívoros: mudanças na distribuição e eficácia das áreas protegidas na Amazônia”, revela descobertas alarmantes sobre a situação vulnerável desses animais e a eficácia das medidas de conservação. Os mamíferos carnívoros, essenciais para a manutenção e funcionamento do ecossistema amazônico, estão...

DIRETOR

Rodrigo Barbosa Hühn pauta@revistaamazonia.com.br

PRODUTOR E EDITOR

Ronaldo Gilberto Hühn amazonia@revistaamazonia.com.br

COMERCIAL

Alberto Rocha, Rodrigo B. Hühn comercial@revistaamazonia.com.br

ARTICULISTAS/COLABORADORES

Agência Brasil, Ascom Ibama, Ben Turner, Camila Ferreira Leão, Charles Q. Choi, Darrell Kaufman, Earth’s Future, Genevieve Normand, Graham Rush, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, IPBES, Imprensa MCTI, Mariana Alvarenga, Mathiew Leiser, Matt Davenport, Northern Arizona University, Ronaldo G. Hühn, Science, Universidade Estadual de Michigan, Universidade Federal do Pará, Universidade de Leeds, Universidade de Minnesota, Universidade de Utrecht;

FOTOGRAFIAS

Academia de Ciências da Califórnia, Agência Brasil, AFP, Anders Priemé,, Arquivo/Secom, BBC, BC Wildfire Service, Brett Monroe Garner, Cadu Gomes/VPR, CBMA/Divulgação, Center for Ecosystem Science and Society, Charles Q. Choi, Chien C Lee/PA,, Diego Lourenço Gurgel, Divulgação, DS Kaufman, Eloisa Lasso, Emily Stone, Environmental Research Health, Erika Berenguer, Earth’s Future, Federação Canadense de Vida Selvagem, GCARE, Getty/Michael Dantas, Graham Rush, Hamilton Garcia, IISD/ENB/Anastasia Rodopoulou, Instituto de Nutrição e Saúde de Xangai/CAS, Internet, IF/USP, IPCC, Kathryn Whitney, Leader, Luke Mosley, Mary Fetzer, Michael WI Schmidt, Miguel Monteiro (IDSM), Museu de História Natural da Universidade de Michigan, Nature, NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio, NASA/Joshua Stevens, Nature Reviews Earth & Environment (2023), Northern Arizona University, NP McKay, 2022, Observatório da Terra da NASA, OsakaWayne Studios via Getty Images, Pedro Biondi/Agência Brasil, PeerJ (2023), Penn State News, Pixabay/CC0 Domínio Público, Peter Roopnarine, PNAS, PNUMA, Polícia Federal, Prevfogo, Roy Kaltschmidt/Berkeley Lab, Science (2023), Science Advances (2023), Sean Gladwell via Getty Images, Stuart Wagenius, The Prairie Ecologist, Universidade da Colúmbia Britânica, Universidade de Copenhague, Universidade Estadual de Michigan, Universidade Estadual da Pensilvânia, Universidade Federal do Pará, Universidade de Adelaide, Universidade de Leeds, Universidade de Minnesota, Universidade de Utrecht, Universidade de Zurique, Unsplash, Unsplash/CC0 Domínio Público, Victor Leshyk, Visible Infrared Imaging Radiometer Suite (VIIRS) da NASA, Wanmei Liang; FAVOR POR

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Editora Círios SS LTDA

DESKTOP Rodolph Pyle

CIC

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A seca na Amazônia deve durar pelo menos até dezembro quando o fenômeno El Niño atingirá a sua máxima intensidade. Até lá, as previsões de chuva indicam volumes abaixo da média. O alerta foi feito nesta quartafeira (04) pelo Cemaden, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo o comunicado, desde o mês de maio, parte dos estados do Amazonas e do Pará vem registrando chuvas abaixo da média. A situação pode ser uma consequência do inverno...

EDITORA CÍRIOS

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DÉFICIT DE CHUVAS NO INTERIOR DO AMAZONAS E NORTE NO PARÁ FOI O MAIS SEVERO EM 40 ANOS

Editora Círios SS LTDA ISSN 1677-7158 CNPJ 03.890.275/0001-36 Rua Timbiras, 1572-A Fone: (91) 3083-0973 Fone/Fax: (91) 3223-0799 Cel: (91) 9985-7000 CEP: 66033-800 Belém-Pará-Brasil

I LE ESTA REV

NOSSA CAPA

Ações contra a mudança global do Clima. Árvores absorvem dióxido de carbono, removendo-o da atmosfera, ajudando a manter a Terra mais fria. O conjunto das árvores – as florestas, protegem a biodiversidade. Árvores, portanto, são fundamentais na natureza e para as nossas vidas. Na foto, sobrepostas, ramagem com folhas da Castanheira do Pará. Foto: ODS 13 .

PREVENINDO INCÊNDIOS FLORESTAIS

Brigadistas e pesquisadores do Cerrado apontam que o uso consciente do fogo vem ajudando a reduzir os incêndios florestais na Chapada dos Veadeiros (GO) nos últimos anos. Prática adotada por parte dos brigadistas da região desde o ano de 2014, ela se expandiu, principalmente, depois dos grandes incêndios de 2017 e 2020 que consumiram, respectivamente, 22% e 31% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O chamado Manejo Integrado do Fogo (MIF) é o conjunto de técnicas que usam o fogo como ferramenta para prevenir os incêndios florestais, como a queima do excesso...

MAIS CONTEÚDO [06] Prognóstico de seca para Amazônia [10] Aquecimento das águas pode ter provocado a morte de 5% dos botos de Tefé [11] Mundo ultrapassa marca de aquecimento de 1,5°C por número recorde de dias [17] IPCC emite orientações para a batalha contra as mudanças climáticas [18] Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os rios voadores [21] As plantas podem piorar a poluição do ar em um planeta em aquecimento [28] Usando o fogo conscientemente [30] Incêndios florestais no Canadá causam danos devastadores à vida selvagem [32] Medidas que podem ajudar a evitar incêndios florestais [33] Cientistas pedem plantação de árvores para ajudar a enfrentar ondas de calor [34] Os rios estão aquecendo rapidamente e perdendo oxigênio: a vida aquática está em risco [37] 10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas [40] Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica [42] Antigos amazônicos criaram intencionalmente uma “terra escura” fértil [46] Gases de bactérias e plâncton afetam o clima [48] O aquecimento climático altera a memória e o futuro das florestas [50] A qualidade da água está se deteriorando nos rios em todo o mundo devido às mudanças climáticas e ao aumento de eventos climáticos extremos [52] O derretimento do gelo provavelmente desencadeou mudanças climáticas há mais de 8.000 anos [54] A Corrente do Golfo pode entrar em colapso em 2025, mergulhando a Terra no caos climático [58] Preservando as florestas para proteger o solo profundo do aquecimento [60] Os seres humanos enfrentaram um “perigo de extinção” há quase um milhão de anos [62] 19 “extinções em massa” tiveram níveis de CO2 para os quais agora estamos nos voltando [64] A perda da biodiversidade levou ao colapso ecológico após a “Grande Morte”

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Déficit de chuvas no interior do Amazonas e norte no Pará foi o mais severo em 40 anos Fotos: Cadu Gomes/VPR

Desde maio, chuvas abaixo da média foram registradas principalmente na região central do Amazonas, segundo o Cemaden. Estiagem deve atingir a região até o fim de ano

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seca na Amazônia deve durar pelo menos até dezembro quando o fenômeno El Niño atingirá a sua máxima intensidade. Até lá, as previsões de chuva indicam volumes abaixo da média. O alerta foi feito nesta quarta-feira (04) pelo Cemaden, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo o comunicado, desde o mês de maio, parte dos estados do Amazonas e do Pará vem registrando chuvas abaixo da média. A situação pode ser uma consequência do inverno mais quente provocado pelo El Niño. O déficit de chuvas registrado entre julho e setembro no interior do Amazonas e no norte do Pará foi o mais severo desde 1980.

Dados do Cemaden indicam que a produção agrícola familiar poderá ficar comprometida em pelo menos 79 municípios da região

“Em grande parte do Amazonas, Acre e Roraima, observa-se uma anomalia de chuvas de -100 a -150 milímetros.

Devido ao déficit acumulado de precipitação, a umidade do solo alcançou níveis críticos ao longo do mês de setembro”, informou o Cemaden.

Níveis dos rios O Cemaden alerta ainda que o início da estação de chuvosa, entre novembro e dezembro, costuma elevar os níveis dos rios. Contudo, com previsões abaixo da média, alguns rios podem não atingir os níveis normais em 2023. No dia 27 de setembro, a estação de medição do rio Negro em Caricuriari registrou 3,37 metros – bem abaixo da mínima histórica para o mês, que é de 7,11 metros. Já o nível do rio Solimões baixou para 2,9 metros em Coari enquanto a mínima histórica já registrada para o mês de setembro é de 2,44 metros. “Grande parte dos rios da região Norte, entre os estados do Amazonas e Acre, encontra-se com níveis muito abaixo da média climatológica”, alertou o Cemaden. Mapa de percentil de umidade do solo para o mês de setembro. As áreas em tons de vermelho indicam os locais onde a umidade do solo está abaixo da média para setembro

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[*] Agência FAPESP

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Prognóstico de seca para Amazônia por * Mariana Alvarenga

Fotos: Hamilton Garcia

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escassez de água durante os períodos de seca na Amazônia afeta diretamente as atividades de pesca, agricultura e abastecimento das comunidades ribeirinhas. Para apoiar os órgãos de defesa civil na redução dos impactos da estiagem, o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), do Ministério da Defesa, promoveu recentemente a conferência “Pré-seca: Análise e Prognóstico para 2023”. O evento, que ocorreu em Porto Velho, Rondônia, durante o 1º Seminário de Hidrologia da Amazônia, contou com uma série de mesas-redondas e minicursos. Uma das palestras abordou o tema “Amazônia pelo clima: diagnóstico e prognóstico climático para a Amazônia Legal brasileira e internacional”, na qual o meteorologista Luiz Alves expôs as previsões climáticas para os próximos três meses na Amazônia, de julho a setembro. De acordo com o especialista, o fenômeno El Niño, que está ocorrendo desde junho, provoca interferência no clima no País. O evento natural caracteriza-se pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico tropical. “Boa parte da Amazônia vai apresentar chuvas abaixo do normal para esse trimestre. A estação seca deverá ser prolongada e vamos ter mais ocorrência de queimadas”, destacou.

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Durante o 1º Seminário de Hidrologia da Amazônia, o meteorologista Luiz Alves, falou sobre as previsões climáticas

O gráfico abaixo apresenta essa anomalia climática prevista para os próximos meses. A área em verde claro aponta baixa incidência de chuva nos estados de Roraima, Acre, Amapá e em parte do Amazonas, Pará, Mato Grosso e Maranhão. A conferência contou com a participação de membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), único bloco socioambiental da América Latina, além deles, integrantes de organizações intergovernamentais e representantes dos setores público e privado, além da sociedade civil também participaram.

O Assessor Executivo da Defesa Civil do Mato Grosso, Major do Corpo de Bombeiros, Lucas Souza, enfatizou que os conhecimentos adquiridos no seminário auxiliam na tomada de medidas preventivas e na execução de estratégias de assistência à população afetada pela seca. “O seminário gerou uma aproximação dos pesquisadores, cientistas e pessoas que geram dados conosco, da Defesa Civil. A partir das informações geradas por esses especialistas, podemos tomar as decisões em situações de risco iminente e buscar ações antes que os desastres possam vir a acontecer. O que a gente vê aqui traz mudanças e melhorias lá na ponta “, frisou. [*] Ascom Ministério da Defesa

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Queimadas no Amazonas acionam decretos de emergência ambiental Segundo o INPE, o Amazonas registrou 3.925 focos de queimadas nos dez primeiros dias de setembro. A intensificação do fogo cria problema de saúde pública Fotos: Arquivo/Secom, CBMA/Divulgação, Divulgação, Environmental Research Health, Polícia Federal

Segundo pior setembro em número de focos de fogo desde 1998

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governador do Amazonas, Wilson Lima, assinou na última 3ª feira (12/9) um decreto de emergência ambiental em virtude das queimadas que assolam o estado nas últimas semanas, que vigorará por 90 dias. O decreto abrange os municípios de Apuí, Novo Aripuanã, Manicoré, Humaitá, Canutama, Lábrea, Boca do Acre, Tapauá e Maués, no sul do estado, além da região metropolitana de Manaus. O governo também anunciou a destinação de R$ 1,1 milhão para remunerar uma equipe de 153 brigadistas que atuam contra as queimadas no “arco do desmatamento” do sul amazonense.

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A iniciativa acontecerá no âmbito de um novo projeto, em parceria com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e apoio da organização Re:wild, do ator Leonardo Di Caprio. Dados do INPE mostram que as queimadas estão se intensificando no Amazonas. Somente nos primeiros dez dias de setembro, foram registrados 3.925 focos de incêndio no estado. Desde janeiro, o Amazonas registrou 11.736 focos. A situação das queimadas também é preocupante no Acre. De acordo com o INPE, o estado registrou 976 focos de incêndio nos primeiros nove dias de setembro, número cinco vezes maior que o registrado no mesmo período no mês de agosto. Apesar da alta, o número de queimadas

reduziu mais de 73% em relação ao mesmo período no ano passado, quando o Acre registrou 3.650 focos de incêndio.

Amazonas tem o 2º pior setembro desde 1998 Calor e seca impulsionam queimadas no maior estado da Amazônia brasileira, que experimentou o segundo pior setembro em número de focos de fogo desde 1998. O Amazonas experimentou um setembro particularmente devastador com as queimadas. De acordo com o Programa Queimadas, do INPE, o estado registrou 6.871 focos de incêndio, o segundo pior índice para o mês desde 1998, quando começou a série histórica.

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Ações do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) no combate aos focos de incêndio

O número é parcial, já que contabiliza os focos até o último dia 29. O acumulado no último mês só não é maior que o de setembro de 2022, quando o Amazonas registrou 8.659 focos de incêndio. O total deste ano, no entanto, já está bem superior à média histórica anual no estado: de janeiro a setembro, foram contabilizadas 14.682 queimadas, superior à média de 9.617 dos últimos 25 anos. Os dados do Amazonas destoam do resto do bioma amazônico.

Segundo o INPE, foram registrados 32.094 focos em toda a Amazônia Legal em setembro, número abaixo dos 48.570 levantados no mesmo mês em 2022 e da média histórica para o mês (32.477). Dois fatores podem explicar essa diferença: o calor intenso e a seca atípica que acometem boa parte da Amazônia central nas últimas semanas. O tempo quente e seco facilita a disseminação do fogo, que segue sendo

utilizado por desmatadores para limpar o terreno depois da derrubada da vegetação. O quadro é particularmente preocupante na região metropolitana de Manaus. O governador do Amazonas, Wilson Lima, pediu a ajuda de dois helicópteros da Marinha para combater as queimadas no entorno da capital amazonense. As autoridades estaduais decretaram situação de emergência na 6ª feira (29/9) em 55 dos 61 municípios do interior afetados pela seca.

Helicópteros da Marinha ajudando a combater as queimadas no entorno da capital amazonense

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Preocupações com a queima de vegetação em termos de saúde pública Um estudo publicado na revista Environmental Research Health estimou o impacto dos incêndios florestais e queimadas que ocorreram na América do Sul entre 2014 e 2019 em termos de saúde pública. Os números são preocupantes: cerca de 12 mil mortes prematuras anuais registradas neste período podem estar diretamente associadas aos poluentes liberados pela queima de vegetação, sendo que 55% delas ocorreram no Brasil. A queima de vegetação libera material particulado do tipo MP2.5, que conseguem percorrer grandes distâncias pelas correntes de ar na atmosfera, chegando a regiões milhares de quilômetros distantes dos focos de incêndio. Por razões óbvias, as populações mais vulneráveis à poluição decorrente de incêndios florestais e queimadas são aquelas que vivem nas áreas próximas ao fogo, principalmente as comunidades indígenas.

Distribuição espacial das internações hospitalares

Ocorrências nacionais de internações hospitalares respiratórias e circulatórias (total de 2008 a 2018) (A, B). Concentrações de PM 2·5 (média durante o período de estudo) (C) e densidade de incêndios florestais (D) (com base na densidade do Kernel com um tamanho de célula de saída de 0,15°; aqui contabilizamos todos

Últimas notícias Na quarta-feira, 11/10, a Polícia Federal prendeu em flagrante dois homens por envolvimento em queimada ilegal em região próxima Manaus. Os presos assumiram que já praticaram o mesmo crime anteriormente e foram capturados com motosserras, galões de gasolina e fósforos. Os homens foram encaminhados para a Superintendência Regional da PF e, em seguida, para audiência de custódia, onde permanecerão à disposição da Justiça. A Polícia Federal abriu investigação para verificar as causas das queimadas na Região Metropolitana de Manaus. O Amazonas teve reforço federal contra as queimadas e foi enviado mais efetivo da Força Nacional para ampliar o combate aos incêndios florestais no Amazonas. A densa nuvem de fumaça que encobria Manaus já estava se dissipando

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Presos assumiram que já praticaram o mesmo crime anteriormente

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Aquecimento das águas pode ter provocado a morte de 5% dos botos de Tefé Somente no fim de semana, 110 animais morreram no Lago Tefé, no Amazonas. Especialistas buscam as causas da mortandade. Temperatura da água chegou a 40 graus por *Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT)

Fotos: Miguel Monteiro (IDSM)

População afetada

No Lago Tefé, no Amazonas

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erca de 5% da população de botos amazônicos da região de Tefé, no Médio Solimões, morreu desde o início da seca que atinge o estado do Amazonas. A estimativa é da pesquisadora Miriam Marmontel, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo ela, a mortandade inclui botos vermelhos e tucuxis. Especialista em mamíferos aquáticos, Miriam pesquisa os botos da Amazônia há 30 anos. Segundo ela, a população de botos e tucuxis no Lago Tefé é estimada em 900 e 500 indivíduos, respectivamente. “Estamos enfrentando um evento de mortalidade incomum de botos amazônicos no Lago Tefé – uma situação muito preocupante e grave. Entre sábado (24) e segunda-feira (2), perdemos 110 animais entre botos-vermelhos e tucuxis”, explicou. De acordo com a pesquisadora do Instituto Mamirauá, a causa da morte desses animais ainda é desconhecida. Ela acredita, no entanto, que a mortandade está ligada às altas temperaturas das águas. “A minha impressão é que tem algo na água, obviamente, relacionado à situação de seca extrema, baixa profundidade dos rios e, consequentemente, ao aquecimento das águas. A média histórica da temperatura da água no Lago do Tefé é de 32 graus e, na quinta-feira, nós aferimos 40 graus até três metros de profundidade”, disse. Miriam ressaltou que equipes de apoio e resgate de cetáceos vivos chegaram a Tefé no fim de semana. “Seguimos com a coleta e amostram de animais mortos e o monitoramento dos vivos. Agora, vamos tentar uma captura de animal debilitado para coleta de amostras e acompanhamento.” A pesquisadora explicou ainda que foi alugado um barco flutuante com piscina, para onde serão levados os animais resgatados com vida. O objetivo é manter os animais nesta piscina até sair o resultado da análise dos estudos. “Se for um agente infeccioso, seria muito arriscado liberar os animais para o rio Solimões, pois terminaria infectando o resto da população. Aparentemente, isso é um evento isolado no Lago Tefé, e não há registro de algo semelhante acontecendo nas cidades do entorno”, concluiu a pesquisadora. 10 REVISTA AMAZÔNIA

Aquecimento das águas pode ter provocado a morte de 5 dos botos de Tefé.indd 10

O diretor do Instituto Mamirauá, João Valsecchi, acrescenta que o baixo nível da água no Lago Tefé também tem causado transtornos para a população. “Os eventos extremos têm impactado não somente a biodiversidade da região, mas também a população da Amazônia pela dificuldade de mobilidade, incluindo restrição de acesso a muitas áreas, e consequentemente o aumento do custo de vida”, relatou. “Escolas estão sendo fechadas, linhas de barcos deixam de funcionar, todos os produtos estão mais caros nas cidades e principalmente no interior e, neste ano, de forma muito atípica, estamos registrando a mortalidade de pescado e botos no Lago Tefé”, ressaltou. Segundo o diretor do Mamirauá, na seca de 2010, o Lago Tefé atingiu um nível ainda mais baixo, mas os impactos da seca atual podem ser piores. “Esta seca de 2023 pode se tornar mais extrema. Mesmo antes de atingir níveis tão baixos, o evento causou mais danos do que qualquer outro anterior. Isso provavelmente é consequência de um acúmulo de impactos causados pela poluição urbana, pelo assoreamento do Rio Tefé, pela poluição do ar devido ao grande número de queimadas, e pode ser que ainda sejam descobertos outros agravantes.”

Ações com a comunidade Além do trabalho realizado para recuperar os cetáceos, pesquisadores do Instituto Mamirauá também estão ajudando a população ribeirinha. “A gente monitora as informações sobre o nível do rio e o clima e emite boletins periódicos que são distribuídos na rádio local e pelas redes sociais”, informou o pesquisador Ayan Fleischmann. O mapeamento da profundidade do Lago Tefé é disponibilizado para evitar que os barcos encalhem. “Também estamos falando sobre a seca em locais como a feira municipal, para conscientizar a população e discutir medidas de adaptação sobre os eventos climáticos extremos que temos vivido”, destacou. “Para lidar com esses impactos, precisamos que a população local se engaje, para que possamos nos antecipar à próxima seca extrema”.

No Lago Tefé, no Amazonas

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Mundo ultrapassa marca de aquecimento de 1,5°C por número recorde de dias Em cerca de um terço dos dias de 2023, a temperatura média global foi pelo menos 1,5°C superior aos níveis pré-industriais. Manter-se abaixo desse marcador a longo prazo é amplamente considerado crucial para evitar os impactos mais prejudiciais das alterações climáticas por Daniel Scheschkewitz

Fotos: BBC, IPCC, Pixabay/CC0 Domínio Público, Getty/Michael Dantas

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as 2023 está “no caminho certo” para ser o ano mais quente já registado, e 2024 poderá ser ainda mais quente. “É um sinal de que estamos a atingir níveis que nunca atingimos antes”, afirma a Dra. Melissa Lazenby, da Universidade de Sussex. Esta última descoberta ocorre após temperaturas recordes em setembro e um verão de eventos climáticos extremos em grande parte do mundo. Quando os líderes políticos se reuniram em Paris, em Dezembro de 2015, assinaram um acordo para manter o aumento a longo prazo das temperaturas globais neste século “bem abaixo” dos 2ºC e para envidar todos os esforços para mantê-lo abaixo dos 1,5ºC.

Meta de aquecimento global de 1,5 º C na COP21 em Paris

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O mundo está a ultrapassar um limiar de aquecimento fundamental a um ritmo que preocupa os cientistas, concluiu uma análise da BBC

Os limites acordados referem-se à diferença entre as temperaturas médias globais actuais e o que eram no período pré-industrial, entre 1850 e 1900 – antes da utilização generalizada de combustíveis fósseis. Ultrapassar estes limiares de Paris não significa ultrapassá-los durante um dia ou uma semana, mas sim ultrapassar este limite numa média de 20 ou 30 anos. Este valor médio de aquecimento a longo prazo situa-se atualmente em torno de 1,1ºC a 1,2ºC. Mas quanto mais frequentemente a temperatura de 1,5ºC é ultrapassada em dias individuais, mais perto o mundo fica de ultrapassar esta marca a longo prazo.

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A primeira vez que isto aconteceu na era moderna foi durante alguns dias em Dezembro de 2015, quando os políticos assinavam o acordo sobre o limiar de 1,5ºC. Desde então, o limite foi repetidamente quebrado, normalmente apenas por curtos períodos. Em 2016, influenciado por um forte evento El Niño – uma mudança climática natural que tende a aumentar as temperaturas globais – o mundo viu cerca de 75 dias acima dessa marca. Mas a análise da BBC aos dados do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus mostra que, até 2 de Outubro, cerca de 86 dias em 2023 foram mais de 1,5ºC mais quentes do que a média pré-industrial. Isso bate o recorde de 2016 bem antes do final do ano. Há alguma incerteza quanto ao número exato de dias que ultrapassaram o limite de 1,5°C porque os números refletem uma média global que pode apresentar pequenas discrepâncias de dados. Mas a margem pela qual 2023 já ultrapassou os números de 2016 dá confiança de que o recorde já foi quebrado. “O fato de estarmos a atingir esta anomalia de 1,5ºC diariamente, e durante um maior número de dias, é preocupante”, disse. Um fator importante no aumento destas anomalias de temperatura é o aparecimento de condições de El Niño. Isto foi confirmado há apenas alguns meses - embora ainda seja mais fraco do que o pico de 2016. Estas condições estão a ajudar a bombear calor do leste do Oceano Pacífico para a atmosfera. Isto pode explicar porque é que 2023 é o primeiro ano em que a anomalia de 1,5ºC foi registada entre Junho e Outubro – quando combinada com o aquecimento de longo prazo resultante da queima de combustíveis fósseis.

“Esta é a primeira vez que vemos isto no verão do hemisfério norte, o que é incomum, é bastante chocante ver o que está acontecendo”, disse o professor Ed Hawkins, da Universidade de Reading. “Sei que os nossos colegas australianos estão particularmente preocupados com as consequências para eles com a aproximação do verão [por exemplo, incêndios florestais extremos], especialmente com o El Niño.” Os oceanos do mundo também têm experimentado temperaturas anormalmente altas este ano e, por sua vez, liberando mais calor na atmosfera.

O mundo está ultrapassando um limiar de aquecimento

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“O Oceano Atlântico Norte é o mais quente que alguma vez registámos, e se olharmos para o Oceano Pacífico Norte, há uma língua de água anormalmente quente que se estende desde o Japão até à Califórnia”, disse a Dra. Jennifer Francis, do Woodwell Climate Research. Centro nos EUA. Embora as emissões de gases com efeito de estufa estejam a aumentar as temperaturas médias, as razões precisas pelas quais estas temperaturas do mar aumentaram não são totalmente conhecidas. Uma teoria - que ainda é incerta - é que a queda na poluição atmosférica causada pelo transporte marítimo através do Atlântico Norte reduziu o número de pequenas partículas e aumentou o aquecimento. Até agora, estes “aerossóis” tinham compensado parcialmente o efeito das emissões de gases com efeito de estufa, refletindo alguma da energia do Sol e mantendo a superfície da Terra mais fria do que seria de outra forma. Outro fator talvez menos conhecido é a situação em torno da Antártida. Tem havido preocupações contínuas sobre o estado do gelo marinho em torno do continente mais frio, com dados mostrando níveis muito abaixo de qualquer inverno anterior.

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O Oceano Atlântico Norte é o mais quente que alguma vez registramos

No início de julho, a Antártida ficou muito quente

Mas, segundo alguns especialistas, dois picos de temperatura nos últimos meses na Antártida – desencadeados pela variabilidade natural – impulsionaram a média global. No entanto, é difícil identificar a influência precisa do aquecimento a longo prazo causado pelo homem. “No início de julho, a Antártida ficou muito quente, registaram-se temperaturas recordes, que ainda são 20 ou 30 graus Celsius abaixo de zero”, disse o Dr. Karsten Haustein, da Universidade de Leipzig.“E o que vemos com as anomalias de 1,5°C e 1,8°C que estamos vendo agora, é parcialmente devido à Antártica novamente.” Embora o hemisfério norte vá arrefecer naturalmente no Outono e no Inverno, existe a ideia de que as grandes diferenças de temperatura em relação ao período

pré-industrial poderão persistir, especialmente quando o El Niño atingir um pico no final deste ano ou no início do próximo. Os investigadores acreditam que estas anomalias contínuas de altas temperaturas devem servir de alerta para os líderes políticos, que se reunirão no Dubai em Novembro para a cimeira climática COP28.É necessária ação sobre as emissões, dizem eles, e não apenas a longo prazo. Em Março, a ONU instou os países a acelerarem a acção climática, sublinhando que já estavam disponíveis opções eficazes para reduzir as emissões, desde energias renováveis até veículos eléctricos. “Não se trata apenas de atingir um objetivo final, de emissões líquidas zero até 2050, trata-se de como chegaremos lá”, disse o professor Hawkins. «O IPCC [o organismo climático da ONU] diz muito claramente que precisamos de reduzir para metade as emissões ao longo desta década e depois chegar a zero líquido. Não se trata apenas de atingir o zero líquido em algum momento, trata-se do caminho para chegar lá.» E como demonstraram os acontecimentos climáticos extremos deste ano – desde ondas de calor na Europa até precipitações extremas na Líbia – as consequências das alterações climáticas aumentam com cada fracção de grau de aquecimento.

Precisamos de reduzir para metade as emissões ao longo desta década e depois chegar a zero líquido, diz o IPCC

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Mundo ultrapassa marca de aquecimento de 1,5°C por número recorde de dias.indd 13

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Ondas de calor recentes destacam o novo estado climático da Terra É realmente mais quente agora do que em qualquer outro momento em 100.000 anos? Muito antes dos termômetros, a natureza deixou seus próprios registros de temperatura. Kaufman, cientista do clima explica como o aquecimento global atual se compara às temperaturas antigas por *Darrell Kaufman

Fotos: BC Wildfire Service, DS Kaufman e NP McKay, 2022, Emily Stone, Sean Gladwell via Getty Images, Unsplash

À

medida que o calor escaldante atinge grandes áreas da Terra, muitas pessoas estão tentando contextualizar as temperaturas extremas e se perguntando: quando foi tão quente antes? Globalmente, 2023 teve alguns dos dias mais quentes nas medições modernas, mas e mais para trás, antes das estações meteorológicas e dos satélites? Alguns meios de comunicação relataram que as temperaturas diárias atingiram uma alta de 100.000 anos. Como um cientista paleoclimático que estuda as temperaturas do passado, vejo de onde vem essa afirmação, mas me encolho com as manchetes inexatas. Embora essa afirmação possa estar correta, não há registros detalhados de temperatura que se estendam por 100.000 anos, então não temos certeza. Aqui está o que podemos dizer com confiança sobre quando a Terra esteve tão quente pela última vez.

Incêndio Donnie Creek, em 12 de maio de 2023, aproximadamente 136 km a sudeste de Fort Nelson e 158 km ao norte de Fort St. John, no norte de BC

Este é um novo estado climático Os cientistas concluíram há alguns anos que a Terra havia entrado em um novo estado climático não visto em mais de 100.000 anos. Como o colega cientista climático Nick McKay e eu discutimos recentemente em um artigo de jornal científico , essa conclusão fazia parte de um relatório de avaliação climática publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2021.

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Terra já estava mais de 1 grau Celsius (1,8 Fahrenheit) mais quente do que os tempos pré-industriais, segundo o IPCC

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A Terra já estava mais de 1 grau Celsius (1,8 Fahrenheit) mais quente do que os tempos pré-industriais, e os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera eram altos o suficiente para garantir que as temperaturas permanecessem elevadas por muito tempo. Mesmo sob os cenários mais otimistas do futuro – nos quais os humanos param de queimar combustíveis fósseis e reduzem outras emissões de gases de efeito estufa – a temperatura média global provavelmente permanecerá pelo menos 1°C acima das temperaturas pré-industriais, e possivelmente muito mais, por vários séculos. Este novo estado climático, caracterizado por um nível de aquecimento global de vários séculos de 1 C e superior, pode ser comparado de forma confiável com reconstruções de temperatura do passado muito distante.

A temperatura média da Terra excedeu 1 grau Celsius (1,8 F) acima da linha de base pré-industrial

Este novo estado climático provavelmente persistirá por séculos como o período mais quente em mais de 100.000 anos. O gráfico mostra diferentes reconstruções de temperatura ao longo do tempo, com temperaturas medidas desde 1850 e uma projeção até 2300 com base em um cenário intermediário de emissões

Como estimamos a temperatura passada

Tentando contextualizar as temperaturas extremas e se perguntando quando foi tão quente antes...

A cientista da Universidade do Arizona, Ellie Broadman, segura um núcleo de sedimento do fundo de um lago na Península de Kenai, no Alasca.

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Para reconstruir as temperaturas de tempos anteriores aos termômetros, os cientistas do paleoclima contam com informações armazenadas em uma variedade de arquivos naturais . O arquivo mais difundido que remonta a muitos milhares de anos está no fundo de lagos e oceanos , onde uma variedade de evidências biológicas, químicas e físicas oferece pistas sobre o passado. Esses materiais se acumulam continuamente ao longo do tempo e podem ser analisados extraindo um núcleo de sedimento do leito do lago ou do fundo do oceano. Esses registros baseados em sedimentos são fontes ricas de informações que permitiram aos cientistas do paleoclima reconstruir as temperaturas globais passadas, mas eles têm limitações importantes. Por um lado, as correntes de fundo e os organismos escavadores podem misturar o sedimento, obscurecendo quaisquer picos de temperatura de curto prazo. Por outro lado, a linha do tempo para cada registro não é conhecida com precisão; portanto, quando vários registros são calculados juntos para estimar a temperatura global passada, as flutuações em escala fina podem ser canceladas. Por causa disso, os cientistas do paleoclima relutam em comparar o registro de longo prazo da temperatura passada com os extremos de curto prazo.

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Tendências de temperatura nos últimos 65 Ma e potenciais análogos geohistóricos para climas futuros

Olhando para trás dezenas de milhares de anos A temperatura global média da Terra tem flutuado entre condições glaciais e interglaciais em ciclos que duram cerca de 100.000 anos, impulsionados em grande parte por mudanças lentas e previsíveis na órbita da Terra com mudanças concomitantes nas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Atualmente, estamos em um período interglacial que começou há cerca de 12.000 anos, quando as camadas de gelo recuaram e os gases de efeito estufa aumentaram.

Olhando para o período interglacial de 12.000 anos, a média da temperatura global ao longo de vários séculos pode ter atingido o pico cerca de 6.000 anos atrás , mas provavelmente não excedeu o nível de aquecimento global de 1°C naquele ponto, de acordo com o relatório do IPCC . Outro estudo descobriu que as temperaturas médias globais continuaram a aumentar durante o período interglacial. Este é um tópico de pesquisa ativa . Isso significa que temos que olhar mais para trás para encontrar um tempo que poderia ter sido tão quente quanto hoje.

O último episódio glacial durou quase 100.000 anos. Não há evidências de que as temperaturas globais de longo prazo tenham atingido a linha de base pré-industrial em qualquer momento durante esse período. Se olharmos ainda mais para trás, para o período interglacial anterior, que atingiu o pico cerca de 125.000 anos atrás, encontramos evidências de temperaturas mais altas. A evidência sugere que a temperatura média de longo prazo provavelmente não foi mais do que 1,5 C (2,7 F) acima dos níveis pré-industriais – não muito mais do que o atual nível de aquecimento global.

O que agora? Sem reduções rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa, a Terra está atualmente a caminho de atingir temperaturas de aproximadamente 3 C (5,4 F) acima dos níveis pré-industriais até o final do século, e possivelmente um pouco mais altas. Nesse ponto, precisaríamos olhar para trás milhões de anos para encontrar um estado climático com temperaturas tão altas. Isso nos levaria de volta à época geológica anterior , o Plioceno, quando o clima da Terra era um parente distante daquele que sustentou o surgimento da agricultura e da civilização. [*] Universidade do Norte do Arizona [*] Em The Conversation

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IPCC emite orientações para a batalha contra as mudanças climáticas Fotos: IPCC

Todos os dias, a temperatura parece bater todos os recordes, tornando cada dia mais quente que o anterior. Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que “a era da ebulição global chegou” depois de os cientistas confirmarem que Julho de 2023 foi o mês mais quente do mundo já registado

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emos constantemente os efeitos das alterações climáticas nas notícias – desde incêndios florestais violentos e ondas de calor até inundações devastadoras que deixam as comunidades com dificuldades para lidar com a situação. Mas mesmo diante destes desafios, há um vislumbre de esperança. O DISTENDER visa enfrentar os riscos das alterações climáticas através de estratégias de mitigação e adaptação. Apresentou os primeiros resultados do projeto durante a Conferência sobre Lugares Sustentáveis aos representantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o que marca um marco significativo na partilha de conhecimento e no alinhamento dos resultados do projeto e das atividades do IPCC. Especialistas de todo o mundo reuniram-se na Conferência sobre Lugares Sustentáveis, para discutir como os objetivos das alterações climáticas e como podem ser alcançados considerando edifícios, transportes e infraestruturas energéticas a diferentes níveis. Jan-Gunnar Winther, do grupo de trabalho 1 do IPCC sobre Bases das Ciências Físicas, partilhou a realidade alarmante de que o aquecimento global já se instalou. As ações humanas têm causado o aquecimento desde o final dos anos 70, levando a mudanças nos padrões climáticos em todo o mundo e a um aumento dos efeitos climáticos em frequência, número e intensidade. O aumento dos níveis de CO2 também afeta os nossos oceanos, tornando-os mais ácidos e colocando mais desafios ambientais. Piero Lionello, representante do grupo de trabalho 2 do IPCC sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, mudou o foco para a adaptação. Ele discutiu como os ecossistemas e os sistemas humanos são afetados por eventos influenciados pelas mudanças climáticas. A Europa é especialmente vulnerável, enfrentando problemas como o stress térmico, perdas agrícolas devido ao calor e à seca.

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A era da ebulição global chegou

Sem medidas urgentes de adaptação, a região mediterrânica enfrentará riscos de perda de ecossistemas terrestres, redução dos glaciares alpinos e impactos crescentes das ondas de calor. Maria Figueroa, do grupo de trabalho 3 do IPCC sobre Mitigação das Alterações Climáticas, sublinhou a necessidade de cumprir a meta de 1,5 graus e alcançar emissões líquidas zero até 2050 para que as gerações futuras possam desfrutar do direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável.

Para atingir este objetivo, Figueroa delineou várias oportunidades para a mudança de sistemas, concentrando-se na utilização de tecnologias sustentáveis (como a energia fotovoltaica, a energia eólica onshore e os veículos elétricos), melhores práticas de planeamento urbano e medidas de eficiência energética (como a modernização de edifícios, transportes sustentáveis meios e descarbonização das indústrias).

Por último, Figueroa destacou a importância dos instrumentos políticos, regulamentares e económicos para impulsionar mudanças positivas.Alcançar a meta de 1,5 graus e emissões líquidas zero até 2050 é essencial, exigindo tecnologias sustentáveis, planeamento urbano, eficiência energética e mudanças políticas. O DISTENDER está desempenhando um papel significativo na promoção desses objetivos. Ao integrar ações de adaptação e mitigação das alterações climáticas com abordagens participativas, o DISTENDER está promovendo estratégias comuns que reúnem cientistas, empresas, governos, decisores políticos e cidadãos. A singularidade do DISTENDER foi delineada pelo coordenador do projeto, Roberto San José, que enfatizou a abordagem holística e as metodologias desenvolvidas que serão testadas nos estudos de caso principais, entregando aos decisores políticos estratégias viáveis para lidar com os impactos das alterações climáticas através de estratégias integradas de mitigação e adaptação com ações multidisciplinares. abordagem. O trabalho do IPCC apela aos governos, às empresas e aos indivíduos para que trabalhem em conjunto para um planeta mais habitável, destacando que a ciência pode sugerir soluções e ações, mas a responsabilidade na decisão depende dos decisores políticos.

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Seca em uma região da floresta amazônica pode impactar áreas vizinhas e comprometer os rios voadores Fotos: Erika Berenguer, IF/USP, PNAS

Mesmo que a seca atinja somente uma região da floresta, suas consequências são sentidas em outras áreas e colocam em risco os rios voadores, grande quantidade de água que circula pela floresta, suspensa no ar, vital para o equilíbrio do ecossistema

Para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na floresta, uma quarta árvore – embora não diretamente afetada – também morrerá

A

Rios voadores

seca pode atingir somente uma região da floresta amazônica, mas suas consequências se estendem para outras áreas, multiplicando os impactos, mostra estudo desenvolvido por pesquisadores internacionais, com participação da USP. De acordo com a pesquisa, para cada três árvores que morrerão devido às futuras secas na floresta, uma quarta árvore – embora não diretamente afetada – também morrerá. Segundo os cientistas, o aumento das secas atinge de formas diferentes cada trecho da floresta.

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Como a falta de chuva diminui fortemente o volume de reciclagem de água, também haverá menos chuvas em regiões vizinhas, colocando ainda mais partes da floresta sob estresse significativo. Isso traz um alerta quanto aos rios voadores. Uma das características da região amazônica é a presença de uma grande quantidade de água que circula pela floresta, suspensa no ar, vinda da evaporação e da transpiração das plantas, dando origem à evapotranspiração: um processo fundamental para o bom funcionamento do ecossistema amazônico.

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O trabalho teve co-orientação de Henrique Barbosa, professor do Instituto de Física da USP e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. O artigo descrevendo o estudo, Recurrent droughts increase risk of cascading tipping events by outpacing adaptive capacities in the Amazon rainforest, foi publicado na revista PNAS e faz parte de uma série de publicações do grupo que analisa as interações atmosfera e floresta a partir de modelos teóricos da física. Com essa abordagem foi possível obter avaliações mais precisas sobre o funcionamento do clima. Segundo o professor Barbosa, um dos resultados relevantes

foi calcular como a umidade amazônica se desloca para outras regiões e se transforma em chuvas no Sudeste e no Sul. “O nosso modelo mostrou, de forma inédita, que o transporte direto junto com o transporte secundário da umidade é responsável por 27% das chuvas nas regiões Sudeste e Sul. Se diminuir a umidade amazônica pela perda de cobertura vegetal, diminuirão as chuvas em outras regiões do País”, alerta. O transporte direto é a umidade que se desloca para essas regiões e se transforma em chuva. Já o transporte secundário da umidade é a contribuição de precipitação que ocorre ao longo de todo o percurso,

evapora e volta a chover.“Utilizamos um conjunto de dados acumulados em vinte anos, composto de informações pontuais da evapotranspiração em diversos pontos da floresta, os ventos que deslocam a umidade, os dados de precipitação e imagens de satélites. Esses dados foram analisados a partir da teoria de redes complexas e considera as conexões do sistema junto com as informações pontuais de cada local”, explica Barbosa ao Jornal da USP. “Secas mais intensas colocam partes da floresta amazônica em risco de secar e morrer. Subsequentemente, devido ao efeito de rede, menos cobertura florestal leva a menos

Efeitos não lineares e rede de reciclagem de umidade atmosférica na floresta amazônica

(A) Propriedade dinâmica de cada1∘×1∘1°×1°célula da grade da floresta tropical representada como o estado da célula da grade versus o valor do MAP. O estado da célula da grade é limitado pela cobertura florestal total (valor do estado: 1,0) e um estado alternativo (copa aberta, floresta seca, savana, valor do estado sem árvores: –1,0). Entre estes dois estados estáveis, a inclinação ocorre quando o valor do MAP cai abaixo do seu MAP específico da adaptação. Como neste estudo estamos nos concentrando em eventos de derrubada induzidos pela seca de estados florestais para não florestais, cada célula é estável apenas nos estados marrons, mas não nos estados cinzas (uma vez que não estamos simulando uma recuperação da floresta). A linha tracejada cinza representa a borda que separa o estado estável superior do inferior (variedade instável). A seta azul representa uma redução potencial na precipitação que é suficiente para desencadear um evento de tombamento nesta célula específica. (B) O mesmo que em A para MCWD. (C) Rede exemplar de reciclagem de umidade atmosférica, onde cada círculo florestal representa um1∘×1∘1°×1°célula da grade, cuja dinâmica é mostrada em A e B . As diferentes células da grade recebem precipitação e experimentam REVISTA AMAZÔNIA 19 revistaamazonia.com.br

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Regiões vulneráveis e motivo de tombamento

(A) A probabilidade de tombamento (vulnerabilidade) como uma média de todos os membros do conjunto e de todos os cenários avaliados que se assemelham aos anos hidrológicos de 2004 a 2014. A região Sudeste é mais vulnerável que outras regiões, mas também as regiões Sul e Sudoeste são afetadas. (B) Razão geral de tombamento calculada em média para toda a Bacia Amazônica com barras de erro como o DP ao longo de todos os anos e de todos os 100 membros do conjunto. Uma versão separada nos cenários de seca futura 2004, 2005,……, 2014 para todos esses potenciais cenários de seca futura. O MAP não contribui para eventos de tombamento (a probabilidade é inferior a 0,1%) e, portanto, é omitido aqui. (C) Motivo de tombamento resolvido regionalmente no caso de MCWD ser o motivo de um evento de tombamento. (D) O mesmo que para C , mas mostrando efeitos de rede (efeitos em cascata da rede de reciclagem de umidade atmosférica) são o motivo do tombamento. Observe que A é a soma de C e D . água no sistema geral e, portanto, a mais danos”, explica o primeiro autor do estudo, o pesquisador Nico Wunderling, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático da Alemanha. “Embora tenhamos investigado o impacto da seca, essa regra também vale para o desmatamento. Isso significa essencialmente que, quando você derruba um acre de floresta, o que você está realmente destruindo é 1,3 acre”, diz Wunderling.Boa parte da água dos rios voadores retorna aos cursos d´água e solos por meio das abundantes chuvas e preserva o sistema floresta-atmosfera em equilíbrio. Com as alterações no clima, a quantidade de água

em circulação diminui e começa acontecer um desequilíbrio. Esse fenômeno atinge a floresta de maneira desigual devido à sua extensão. Existem regiões onde ocorrem secas periódicas enquanto outros locais têm abundância de chuvas todo o ano. Diferenciar o que poderia ser um fenômeno natural e o que eram consequências do aquecimento global foi um dos resultados relevantes obtidos pela pesquisa, graças ao modelo matemático proposto, que permitiu diferenciar e quantificar as perturbações. “No caso da região Sudeste da Amazônia, cerca de um terço de qualquer mudança potencial de floresta para não floresta é devido

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ao efeito cascata, ou seja, oriundo de outros locais, por exemplo, de regiões mais desmatadas a leste”, explica a coautora Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, que contou com o apoio do Instituto Serrapilheira para este trabalho. “Já para outras regiões da Amazônia, em torno de 50% dessa mudança está associada à intensificação da estação seca, e não diretamente ligada àquele efeito cascata. Isso é muito importante para nosso entendimento de como o sistema funciona”, finaliza. [*] Jornal da USP

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Embora o isopreno das árvores possa piorar a poluição do ar, não é ele que cria uma poluição atmosférica como esta, gosta de salientar Thomas Sharkey, da Michigan State University

por *Matt Davenport, Universidade Estadual de Michigan

Fotos: David Iliff, CC BY-SA 3.0

As plantas podem piorar a poluição do ar em um planeta em aquecimento

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everíamos cortar todos os carvalhos?” perguntou Tom Sharkey, ilustre professor universitário do Instituto de Resiliência de Plantas da Michigan State University. É uma pergunta simples que parece um pouco uma proposta modesta. Sharkey também trabalha no Laboratório de Pesquisa de Plantas Energéticas do Departamento de Energia da MSU e no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular. Para ser claro, Sharkey não estava sugerindo sinceramente que deveríamos derrubar todos os carvalhos. Ainda assim, a sua pergunta foi séria, motivada pela mais recente investigação da sua equipa, publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

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A emissão de isopreno diminui com o aumento do nível de CO 2 e é independente da fotossíntese

Efeito de 41 Pa e 78 Pa CO2 na emissão de isopreno e na fotossíntese em folhas de choupo. (A) Período de emissão de isopreno e fotossíntese à medida que o nível de CO2 muda entre 41 Pa e 78 Pa em uma folha de choupo. (B) Emissão de isopreno registrada em folhas de choupo (n = 14) após atingirem valor estável em 41 e 78 Pa CO2 . Os asteriscos indicam um declínio significativo na emissão de isopreno a 78 Pa CO2 em comparação com o CO2 ambiente (P < 0,001; teste t de Student). Os bigodes dos gráficos de caixa representam IC de 95%.

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A equipa descobriu que, num planeta em aquecimento, plantas como carvalhos e choupos emitirão mais de um composto que agrava a má qualidade do ar, contribuindo para a emissão de partículas problemáticas e para o baixo nível de ozono atmosférico. O problema é que o mesmo composto, chamado isopreno, também pode melhorar a qualidade do ar limpo, ao mesmo tempo que torna as plantas mais resistentes a fatores de estresse, incluindo insetos e altas temperaturas. “Queremos que as plantas produzam mais isopreno para que sejam mais resistentes, ou queremos que produzam menos para não piorar a poluição do ar? Qual é o equilíbrio certo?” Sharkey perguntou. “Essas são realmente as questões fundamentais que impulsionam este trabalho. Quanto mais entendemos, mais eficazmente poderemos respondê-las”.

Destaque para o isopreno Sharkey estuda o isopreno e como as plantas o produzem desde a década de 1970, quando era estudante de doutorado na Universidade Estadual de Michigan. O isopreno proveniente de plantas é o segundo hidrocarboneto mais emitido na Terra, atrás apenas das emissões de metano provenientes da atividade humana. No entanto, a maioria das pessoas nunca ouviu falar disso, disse Sharkey.

Efeito de diferentes intensidades de luz e temperaturas na supressão da emissão de isopreno induzida por CO2 em folhas de choupo

(A) Emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 3) em cinco diferentes intensidades de luz a 41 e 78 Pa CO2 . A temperatura foi mantida constante em 30°C. ( B ) Mudanças relativas e (C) absolutas na emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 3) a 41 Pa e 78 Pa CO2 sob diferentes intensidades de luz. (D) Emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 6) em três temperaturas diferentes de 41 Pa e 78 Pa CO2 . (E) Relativo e, (F) mudança absoluta na emissão de isopreno em folhas de choupo ( n = 6) entre CO2 ambiente e alto em diferentes temperaturas. A luz foi mantida constante em 1.000 μmol m −2 s −1 . Os asteriscos indicam declínio significativo na emissão de isopreno a 78 Pa CO 2 em comparação com 41 Pa CO 2 (* P < 0,05, ** P < 0,01 e *** P < 0,001; teste t bicaudal de Student ) em ( A e D ). Diferenças estatisticamente significativas pela ANOVA e HSD de Tukey ( P <0,001) são indicadas por letras minúsculas em B ,C , E e F. _ Os bigodes dos gráficos de caixa representam IC de 95%

Relação entre altas alterações na emissão de isopreno mediadas por CO2 e via de sinalização estomática dependente de ABA

Alteração absoluta na emissão de (A) isopreno; (B) fotossíntese (A); (C) condutância estomática (g sw); e ( D ) concentração intercelular de CO2 (Ci) medida numa folha de álamo a níveis de 41 Pa CO2 e 78 Pa CO2 na presença de água (controlo) seguida de tratamento com 5 nM de ABA .

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“Isso está nos bastidores há muito tempo, mas é extremamente importante”, disse Sharkey. Ganhou um pouco de notoriedade na década de 1980, quando o então presidente Ronald Reagan afirmou falsamente que as árvores produziam mais poluição atmosférica do que os automóveis. No entanto, havia um fundo de verdade nessa afirmação. O isopreno interage com compostos de óxido de nitrogênio encontrados na poluição do ar produzida por usinas termelétricas a carvão e motores de combustão interna em veículos. Estas reações criam ozono, aerossóis e outros subprodutos que não são saudáveis tanto para os seres humanos como para as plantas. “Há um fenômeno interessante em que o ar se move pela paisagem de uma cidade, captando óxidos de nitrogênio e depois se movendo sobre uma floresta para fornecer essa mistura tóxica”, disse Sharkey. “A qualidade do ar a favor do vento de uma cidade é muitas vezes pior do que a qualidade do ar na própria cidade”.

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Agora, com o apoio da National Science Foundation, Sharkey e a sua equipa estão a trabalhar para compreender melhor os processos biomoleculares que as plantas utilizam para produzir isopreno. Os investigadores estão particularmente interessados em saber como esses processos são afetados pelo ambiente, especialmente face às alterações climáticas. Antes da nova publicação da equipe, os pesquisadores entendiam que certas plantas produziam isopreno à medida que realizavam a fotossíntese. Eles também sabiam que as mudanças que o planeta enfrenta estavam a ter efeitos concorrentes na produção de isopreno. Ou seja, o aumento do dióxido de carbono na atmosfera reduz a taxa, enquanto o aumento das temperaturas acelera a taxa. Uma das questões por trás da nova publicação da equipe da MSU era essencialmente qual desses efeitos venceria. “Estávamos procurando um ponto de regulação na via de biossíntese do isopreno sob alto teor de dióxido de carbono”, disse Abira Sahu, principal autora do novo relatório e pesquisadora associada de pós-doutorado no grupo de pesquisa de Sharkey. “Os cientistas vêm tentando descobrir isso há muito tempo”, disse Sahu. “E, finalmente, temos a resposta”.

Thomas D. Sharkey , da Michigan State University, tem o dom de explorar os intrincados mecanismos bioquímicos da fotossíntese, as reações de sustentação da vida que as plantas usam para crescer literalmente a partir do ar

“Para os biólogos, o ponto crucial do artigo é que identificamos a reação específica retardada pelo dióxido de carbono, CO2”, disse Sharkey. “Com isso, podemos dizer que o efeito da temperatura supera o efeito do CO2”, disse ele. “Quando você atinge 95 graus Fahrenheit – 35 graus Celsius – basicamente não há supressão de CO2.

Curiosamente, o isopreno, também pode melhorar a qualidade do ar limpo, ao mesmo tempo que torna as plantas mais resistentes a fatores de stress, incluindo insetos e altas temperaturas

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O isopreno está jorrando como um louco.”Nas suas experiências, que utilizaram choupos, a equipa também descobriu que quando uma folha sofria um aquecimento de 10 graus Celsius, a sua emissão de isopreno aumentava mais de dez vezes, disse Sahu. “Trabalhando com Tom, você percebe que as plantas realmente emitem muito isopreno”, disse Mohammad Mostofa, professor assistente que trabalha no laboratório de Sharkey e foi outro autor do novo relatório. A descoberta ajudará os pesquisadores a antecipar melhor a quantidade de isopreno que as plantas emitirão no futuro e a se preparar melhor para os impactos disso. Mas os investigadores também esperam que possa ajudar a informar as escolhas que as pessoas e as comunidades fazem entretanto. “Poderíamos estar fazendo um trabalho melhor”, disse Mostofa. Num local como a MSU, que alberga mais de 20.000 árvores, isso poderia significar a plantação de menos carvalhos no futuro para limitar as emissões de isopreno. Quanto ao que fazemos com as árvores que já emitem isopreno, Sharkey tem uma ideia que não envolve derrubá-las.“A minha sugestão é que deveríamos fazer um trabalho melhor no controlo da poluição por óxido de azoto”, disse Sharkey. Sarathi Weraduwage, ex-pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Sharkey e agora professora assistente na Bishop’s University em Quebec, também contribuiu para a pesquisa.

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Mudanças climáticas e carnívoros Mudanças na distribuição e eficácia das áreas protegidas na Amazônia por * Camila Ferreira Leão

Fotos: PeerJ (2023), Internet

Mapa da área de estudo. Mapa do Bioma Amazônia (cor sólida verde claro), correspondente à área de estudo. Todas as unidades de conservação (UC) do Bioma estão representadas no mapa em verde escuro sólido. O arco do desmatamento está representado em forma listrada.

U

m novo artigo publicado na PeerJ Life & Environment , de autoria de Camila Ferreira Leão, da Universidade Federal do Pará, lança luz sobre os efeitos das mudanças climáticas sobre os mamíferos carnívoros na Amazônia e sua representação dentro de Áreas Protegidas (UCs). “Mudanças climáticas e carnívoros: mudanças na distribuição e eficácia das áreas protegidas na Amazônia”, revela descobertas alarmantes sobre a situação vulnerável desses animais e a eficácia das medidas de conservação. Os mamíferos carnívoros, essenciais para a manutenção e funcionamento do ecossistema amazônico, estão cada vez mais em risco devido à interferência humana, especialmente às mudanças climáticas e ao desmatamento.

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Riqueza taxonômica de carnívoros alvo

Mapa da riqueza taxonômica de espécies em todos os climas cenários. Os mapas foram gerados a partir dos SDMs sobrepostos (com remanescente florestal) de todas as espécies para cada cenário climático, totalizando 16 níveis. A riqueza varia de uma espécie a 16 espécies juntas ao mesmo tempo À medida que estes impactos aumentam, torna-se crucial compreender como a distribuição e persistência dos carnívoros são afetadas, particularmente na região tropical da Amazónia. A p e squ i sa r es s a lt a a n ece s s i d ad e u r ge nt e d e es t r a t é g i a s r o bu stas d e c on s er v a çã o pa r a m i t i gar a p e r d a po t en ci a l d e es pé ci es c a r ní v o r as n a A m a zô n i a .

O estudo fornece conhecimentos críticos para decisores políticos e conservacionistas, enfatizando a necessidade de adaptar as medidas de conservação para enfrentar os desafios específicos colocados pelas alterações climáticas aos carnívoros. O estudo utilizou Modelos de Distribuição de Espécies (SDMs) para avaliar a distribuição geográfica de 16 espécies de carnívoros na Amazônia, projetando o futuro sob

dois cenários climáticos para o ano de 2070. Ao incorporar variáveis bioclimáticas e de cobertura vegetal, a equipe de pesquisa avaliou a área potencial perda e adequação climática para estas espécies, bem como a eficácia das Áreas Protegidas existentes na salvaguarda do seu futuro. [*] Universidade Federal do Pará

As principais conclusões do estudo são

À medida que enfrentamos a crise climática global, esta investigação serve como um alerta para agirmos rápida e decisivamente para proteger a biodiversidade da Amazónia e os mamíferos carnívoros que desempenham um papel vital na sua preservação revistaamazonia.com.br

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1. Impacto negativo das alterações climáticas: Os SDM projetaram uma redução na distribuição potencial de espécies carnívoras em ambos os cenários climáticos futuros. No primeiro cenário, prevê-se que cinco espécies sejam afetadas negativamente pelas alterações climáticas, aumentando para oito espécies no segundo cenário. Isto realça a necessidade urgente de esforços de conservação direcionados para proteger estes animais vulneráveis. 2. Perda de adequação climática: Todas as espécies analisadas demonstraram uma perda de adequação climática, com algumas enfrentando uma perda quase completa de habitat adequado no segundo cenário. Isto indica a gravidade do impacto das alterações climáticas na capacidade dos carnívoros de prosperar nos seus ambientes actuais. 3. Eficácia Limitada das Áreas Protegidas: Apesar da presença de Áreas Protegidas, o estudo concluiu que elas podem não ser tão eficazes na salvaguarda de espécies carnívoras como previsto. A análise da lacuna revelou que as AP não conseguiram demonstrar uma protecção significativa em termos de riqueza de espécies, e a sua capacidade de reter a riqueza de espécies não foi substancialmente diferente das expectativas aleatórias. À medida que enfrentamos a crise climática global, esta investigação serve como um alerta para agirmos rápida e decisivamente para proteger a biodiversidade da Amazónia e os mamíferos carnívoros que desempenham um papel vital na sua preservação. REVISTA AMAZÔNIA 25

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Prevenindo incêndios florestais Fotos: Joédson Alves/Agência Brasil

Prática é adotada por brigadistas desde 2014 na Chapada dos Veadeiros (GO)

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rigadistas e pesquisadores do Cerrado apontam que o uso consciente do fogo vem ajudando a reduzir os incêndios florestais na Chapada dos Veadeiros (GO) nos últimos anos. Prática adotada por parte dos brigadistas da região desde o ano de 2014, ela se expandiu, principalmente, depois dos grandes incêndios de 2017 e 2020 que consumiram, respectivamente, 22% e 31% do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. O chamado Manejo Integrado do Fogo (MIF) é o conjunto de técnicas que usam o fogo como ferramenta para prevenir os incêndios florestais, como a queima do excesso de vegetação seca que é propícia a se tornar combustível de incêndios de grandes proporções.

Na cachoeira de Santa Bárbara, por exemplo, localizada no Quilombo Kalunga (GO), a brigada formada por quilombolas põe fogo no espaço em torno das nascentes e das veredas que protegem o curso do rio para evitar que, no período da seca, incêndios alcancem a mata que protege as águas. Entre abril e julho de 2023, os brigadistas do Prevfogo realizaram queimas conscientes em mais de 2 mil hectares dentro do quilombo. O Prevfogo é a unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Ibama) que atua no combate e prevenção de incêndios florestais.

Conhecimento tradicional

Cavalcante (GO) – A brigada de incêndio da Prevfogo, formada por quilombolas, faz simulação de combate ao fogo no Cerrado

O Manejo Integrado do Fogo (MIF) associa aspectos ecológicos, culturais, socioeconômicos e técnicos na execução, na integração, no monitoramento, na avaliação e na adaptação de ações relacionadas ao uso do fogo, por meio de queimas prescritas e controladas, à prevenção e ao combate aos incêndios florestais

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Apesar de adotado pelos brigadistas há quase dez anos, o uso consciente do fogo é parte do conhecimento ancestral do Território Kalunga, sétimo quilombo mais populoso do Brasil com cerca de 3.600 pessoas espalhadas em 39 comunidades por cerca de 261 mil hectares. O supervisor da brigada local, o kalunga José Gabriel dos Santos Rocha, contou que a queima do terreno sempre foi uma prática na comunidade. Cavalcante (GO) - Elias Francisco coloca fogo controlado em sua roça

“Nossos antepassados já faziam essas queimas nos pontos estratégicos. Queimavam uma área, dois anos depois queimavam outra área e iam remanejando o combustível. Isso sempre foi feito”, explicou. Por causa desse hábito, a antiga política de “fogo zero” sofreu resistência por parte dos moradores kalungas. A proibição total do uso do fogo foi adotada como regra pelos brigadistas desde a criação do Prevfogo em Cavalcante, em 2011. Com a política de fogo zero, Gabriel disse que a vegetação acumulava excesso de material que acabava virando combustível dos incêndios florestais. Com isso, no período da seca, temperatura alta e umidade baixa, “os incêndios florestais ficavam difíceis de combater”. Enquanto a reportagem conhecia a comunidade Engenho II no quilombo, presenciou o agricultor Elias Francisco Maia, de 46 anos, colocando fogo e, ao mesmo tempo, apagando as chamas em torno da sua roça.

Quilombolas lideram combate ao fogo na Chapada dos Veadeiros

“Só queimo onde quero, tenho total controle. Aqui no quilombo sempre teve fogo. No Parque [Nacional da Chapada dos Veadeiros] sempre foi política fogo zero, mas quando saiu um fogo ninguém conseguia controlar porque eles não faziam o manejo [do fogo]”, explicou.

Fogo e Cerrado No Cerrado, o fogo faz parte da evolução biológica do bioma, destacou a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Cerrado, Ane Alencar. Segundo a pesquisadora, existiu por muito tempo a ideia de que as chamas eram sempre ruins. “Isso vem de uma visão da Amazônia onde o fogo sempre foi visto como algo necessariamente ruim.

Recentemente temos aprendido muito com a importância de se manejar o fogo de uma forma correta em ambientes adaptados ou dependentes do fogo. Isso é fundamental para o Cerrado e para reduzir o risco de catástrofes”, explicou.

Uso do fogo pelos órgãos do Estado O responsável pelo Prevfogo em Goiás, Cássio Tavares, destacou que, no início, a prática do manejo do fogo não foi bem recebida por parte de órgãos ambientais do Estado, da sociedade e da academia. “Muitos foram taxados de loucos” por defender o método, contou o servidor do Ibama. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que faz a gestão do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, informou, em nota, que o uso consciente do fogo pelo órgão começou, de forma experimental, entre 2012 e 2014. De acordo com o ICMBio, o manejo do fogo para prevenção de incêndios florestais no Brasil foi motivado pela “troca de experiência com outros países que apresentaram resultados positivos na realização de ações de manejo”, em especial, com a Austrália. Como exemplo de sucesso, o Instituto citou o caso da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, que viu os incêndios florestais despencarem após o manejo do fogo pelo ICMBio, conforme ilustra o gráfico a seguir. [*] Agência Brasil

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Usando o fogo conscientemente Embora o fogo possa matar algumas plantas, muitas plantas precisam do fogo para sobreviver e florescer. Habitats inteiros, como pradarias de capim alto, dependem de incêndios, que historicamente queimaram milhares de hectares de pastagens a cada ano. A fragmentação do habitat separa a floração estimulada pelo fogo da aptidão reprodutiva das plantas por * Universidade de Minnesota

Fotos: PNAS, Stuart Wagenius, The Prairie Ecologist

O

fogo periódico mantém a diversidade de plantas em ecossistemas dependentes do fogo em todo o mundo. Os efeitos do fogo na dinâmica populacional e nas taxas vitais, como a reprodução, são atribuídos principalmente à influência do fogo no ambiente físico. No entanto, o nosso estudo experimental de 6 anos com 6.357 plantas individuais em 35 populações fragmentadas de pradarias revela que os efeitos do fogo na reprodução sexual dependem do tamanho da população. Hoje, os fogos são uma ferramenta importante para o manejo das pradarias e a conservação da diversidade de plantas nativas. Nas grandes reservas sabemos que o fogo reduz a sombra, influencia o solo e melhora a produção de sementes . Mas e os pequenos fragmentos de pradaria espalhados pelo Centro-Oeste? Uma nova pesquisa publicada na PNAS – Academia Nacional de Ciências, analisa como os incêndios afetam a polinização em remanescentes isolados de pradarias, que são extremamente importantes para plantas e polinizadores.

Uma queimada na pradaria em andamento

Cientistas da Universidade de Minnesota e do Instituto Negaunee de Ciência e Ação para Conservação de Plantas do Jardim Botânico de Chicago investigaram como os incêndios estimulam a floração e a polinização e até que ponto a influência do fogo depende do tamanho da população.

Durante um estudo de seis anos sobre Echinacea angustifolia, uma planta da pradaria comumente conhecida como coneflower roxo de folhas estreitas, os pesquisadores rastrearam 6.357 indivíduos em 35 populações no oeste de Minnesota, variando em tamanho de três a quase 4.000 plantas adultas.

A ciência do fogo é uma área de investigação madura, com ligações bem estabelecidas entre as condições meteorológicas, a aridez dos combustíveis (a secagem das florestas e de outros ecossistemas incineráveis) e os aumentos associados no potencial de ignição e na atividade do fogo

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Antes e depois de 22 queimadas experimentais, os pesquisadores mediram o esforço e os resultados da floração para aprender como o fogo influencia os diferentes estágios de reprodução das plantas em populações grandes e pequenas. Os pesquisadores descobriram que: Os efeitos benéficos do fogo na reprodução das plantas nas pradarias dependem do tamanho da população vegetal. A floração no verão aumenta após os incêndios na primavera, independentemente do tamanho da pradaria. Em contraste, a polinização e o rendimento de sementes aumentaram mais em populações pequenas (30–100 indivíduos). As populações maiores obtiveram um aumento substancial na produção de sementes após os incêndios, mas a população menor não obteve benefícios. “A produção de sementes depende tanto do esforço reprodutivo quanto da polinização”, disse Amy Waananen, pesquisadora de pós-doutorado na U of M e coautora do estudo. “É mais provável que as abelhas movam o pólen entre as plantas que estão próximas e florescem ao mesmo tempo. Em populações pequenas, mesmo após o incêndio, quando é provável que mais indivíduos floresçam, os parceiros potenciais ainda podem ser poucos e distantes entre si”.

A floração no verão aumenta após os incêndios na primavera, independentemente do tamanho da pradaria

A coneflower roxa de folhas estreitas é nativa da pradaria de grama alta entre o rio Mississippi e as Montanhas Rochosas, que vai do Texas ao Canadá. Os pesquisadores usam esta planta como organismo modelo para estudar plantas perenes em pastagens. Espécies relacionadas (como Echinacea purpurea e cultivares ornamentais) são frequentemente cultivadas em jardins e usadas na medicina tradicional.

“Os administradores de terras decidem quais pradarias queimar e com que frequência. Nossas descobertas ajudam a orientar essas decisões. Em particular, aprendemos que as queimadas prescritas realmente ajudam as populações menores”, disse Waananen. “É importante agir rapidamente para preservar as espécies. Se uma população se tornar demasiado pequena, o fogo provavelmente não conseguirá trazê-la de volta”.

Os cientistas investigaram como os incêndios estimulam a floração e a polinização e até que ponto a influência do fogo depende do tamanho da população

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Incêndios florestais no Canadá causam danos devastadores à vida selvagem Fotos: AFP, Federação Canadense de Vida Selvagem, Universidade da Colúmbia Britânica

S

em excrementos, pegadas, ninhos ou outros vestígios de vida selvagem – as florestas boreais do Canadá foram devastadas por incêndios florestais recordes este ano. Nas florestas da província de Quebec, o caçador Paul Wabanonik procura rastros frescos de alces nas terras ancestrais de sua tribo indígena, que sustentaram ele e sua família. “Normalmente, veríamos vestígios por toda parte”, diz o membro da tribo Ashinabe. Mas “é como um deserto”, diz ele enquanto conduz jornalistas da AFP por uma trilha na floresta. As pessoas da sua aldeia, centenas de quilómetros a norte de Montreal, foram forçadas a fugir dos incêndios florestais que avançavam em Junho. Alguns brotos verdes estão começando a brotar na outrora exuberante floresta verde carbonizada pelos incêndios. No outono, a folhagem normalmente explodiria com cores vermelhas, laranja e amarelas brilhantes, mas agora está toda enegrecida. Sem cobertura florestal , não há mais nada para caçar para alimentar Wabanonik e sua família, e há poucas chances de a vida selvagem retornar tão cedo, lamenta ele. “Não temos uma ideia precisa do número de animais que morreram, mas são centenas de milhares”, diz Annie Langlois, bióloga da Federação Canadense de Vida Selvagem. Castores, coiotes, gambás, carcajus, raposas, ursos – a floresta

Um cervo e um cervo são vistos em uma floresta enegrecida na província canadense de Nova Escócia, onde os incêndios florestais costumavam ser raros, em 22 de junho de 2023

A área acumulada queimada por ano por incêndios florestais no Canadá desde 2014

boreal canadense abriga 85 espécies de mamíferos, 130 de peixes e 300 de aves, incluindo muitas aves migratórias. Mas foi devastado pela época recorde de incêndios florestais deste ano, com mais de 18 milhões de hectares queimados – uma área próxima do tamanho da Tunísia.

Partículas de fumaça

Um grande incêndio queima florestas e casas em West Kelowna, na província canadense de British Columbia, em 17 de agosto de 2023

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O biólogo observa que certas espécies podem ficar presas rapidamente, porque não têm capacidade de voar ou correr com rapidez suficiente e por longas distâncias diante de incêndios muito intensos e de avanço rápido.

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E em certas regiões, os incêndios ocorreram muito cedo na estação, logo após a gestação, não deixando qualquer hipótese de fuga para os filhotes ou lactentes. As consequências são graves também para a fauna aquática. Além das cinzas que cobrem lagos e rios, a erosão do solo causada pela perda de vegetação altera a qualidade da água. “Lagos com águas límpidas no Escudo Canadense ficarão cheios de algas que sugarão o oxigênio da água, então haverá menos para os animais”, explica Langlois, referindo-se a uma grande área de rocha exposta. A composição química das partículas de fumaça de incêndios florestais também é diferente das partículas de outras fontes de poluição, como emissões de automóveis ou poluição industrial. Contém uma proporção maior de poluentes à base de carbono em diversas formas químicas que às vezes são depositados a centenas de quilómetros dos incêndios. Esses vapores têm efeitos agudos ou crônicos na saúde da vida selvagem, diz Matthew Mitchell, da Universidade da Colúmbia Britânica. “Os animais jovens são frequentemente mais susceptíveis aos efeitos do fumo, tal como os humanos”, acrescenta, e “até os animais marinhos como as baleias e os golfinhos são afectados quando emergem para respirar”. No Canadá, quase 700 espécies já são consideradas ameaçadas, em grande parte devido à destruição do habitat causada pela exploração madeireira e outras invasões. A longo prazo, os incêndios florestais constituem uma ameaça adicional para a vida selvagem. Este é o caso do caribu. É pouco provável que este emblema canadiano que vive em florestas antigas, alimentando-se de líquenes, recupere durante vários anos da devastação dos incêndios.

Os incêndios florestais no Canadá geraram emissões recordes de CO2

As florestas a oeste de Quebec, Canadá, foram devastadas como parte da temporada recorde de incêndios do país neste verão

Duas mulheres olham para a ponte Jacques-Cartier, em Montreal, através da fumaça causada pelos incêndios florestais no norte de Quebec, em 25 de junho de 2023

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“Se é provável que o alce se saia bem, o caribu terá um desempenho pior, visto que se encontra numa situação bastante precária”, preocupa Gabriel Pigeon, professor da Universidade de Quebec em Abitibi-Temiscamingue. Os incêndios também podem acentuar um fenómeno já observado pelos investigadores e ligado às alterações climáticas e à perturbação dos ecossistemas: certas espécies deslocaram-se para norte. É o caso de um lince que o Pombo segue usando uma coleira de rádio. Refugiou-se a 300 quilómetros (185 milhas) do seu território, enquanto a sua área de vida é geralmente de 25 quilómetros quadrados. O retorno dos animais às áreas queimadas varia de uma espécie para outra. Para alguns, isso pode levar anos.

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Medidas que podem ajudar a evitar incêndios florestais Fotos: Agência Brasil, Prevfogo

No período da seca, aumentam os riscos de incêndio florestal. O Ibama é responsável pela política de prevenção e combate aos incêndios florestais em todo o território nacional, por meio de campanhas educativas, treinamento e capacitação de produtores rurais e brigadistas, monitoramento e pesquisa e ações in loco de combate ao fogo. O trabalho é realizado pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo)

É

considerado incêndio florestal todo fogo fora de controle em qualquer tipo de vegetação, seja em plantações, pastos ou áreas de mata nativa. Os incêndios podem causar grandes prejuízos à biodiversidade, ao ciclo hidrológico e ao ciclo do carbono na atmosfera.

Além de destruir a vegetação nativa e matar muitos animais selvagens, um incêndio florestal também pode causar sérios prejuízos financeiros e, até mesmo, colocar em risco a vida de pessoas e de animais domésticos. Em outras palavras, os incêndios florestais, além de queimarem lavouras, pastos e áreas naturais, podem atingir casas, galpões, armazéns e instalações rurais, como celeiros, galinheiros, viveiros, chiqueiros e currais. Sobre os efeitos à saúde humana, a fumaça e a fuligem causam ou agravam doenças respiratórias como bronquite e asma, dores de cabeça, náuseas e tonturas, irritação na garganta, tosse e conjuntivite. Provocam alergias na pele e problemas gastrointestinais. Intoxicam e podem levar à morte.

No Brasil, 95% dos incêndios florestais são causados pela ação humana, seja de forma proposital ou acidental. Os incêndios florestais podem ter causas diversas, como a queima para plantio, queima para rebrota de pastagem, vandalismo, velas para rituais religiosos, fogueiras, balões e queima de lixo, entre outros. É importante compreender que combater um incêndio florestal não é tarefa fácil. Exige treinamento e equipamentos de segurança. Por isso, a orientação no caso de incêndios florestais é sempre acionar o Corpo de Bombeiros pelo número 193 ou a Defesa Civil (41 3281-2513). E Como prevenir sempre é a melhor opção, o Ibama destaca algumas medidas que podem evitar o início de focos de incêndios e a dispersão do fogo pela vegetação:

• Sempre capinar em volta e tirar o mato do local onde for fazer uma fogueira ou colocar velas; • Ao abandonar uma fogueira, apagar com água ou terra; • Manter fósforos e isqueiros fora do alcance das crianças; • Fazer aceiros ao redor de casas, currais, celeiros, armazéns, galpões etc.; • Manter os aceiros sempre bem roçados; • Optar, sempre que possível, por estratégias alternativas ao uso do fogo, como roçada manual ou por máquinas e plantio direto; • Se for fazer uma queimada controlada, fazer no fim da tarde ou de manhã cedo e com a autorização do Instituto Água e Terra – IAT (antigo IAP); O Ibama alerta: provocar incêndios sem autorização é crime ambiental! A pena prevista é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa (Lei nº 9.605/98 e Decreto nº 6.514/08). Para denúncias, ligue para 0800 61 80 80. Evite, combata e denuncie incêndios florestais! Ajude a preservar a qualidade de vida de todos! [*] Assessoria de Comunicação do Ibama

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Relatórios do PNUMA enfatizam a importância das soluções baseadas na natureza (SBN) para mitigar as mudanças climáticas

Cientistas pedem plantação de árvores para ajudar a enfrentar ondas de calor Adicionar mais áreas naturais às nossas cidades poderia resfriá-las em até 6°C durante ondas de calor, de acordo com uma nova pesquisa do Centro Global de Pesquisa de Ar Limpo (GCARE) da Universidade de Surrey

Fotos: GCARE, PNUMA

A

pós um ano de monitorização de temperaturas em quatro áreas distintas* de Guildford, Inglaterra, os investigadores descobriram que locais baseados na natureza – florestas, pastagens e lagos – eram até 3°C mais frios, em média, do que áreas construídas. Os investigadores do GCARE estão agora a apelar aos urbanistas para que se concentrem na adição de áreas “verdes” e “azuis” para ajudar a combater ondas de calor anuais cada vez mais frequentes. O professor Prashant Kumar, coautor do estudo e diretor fundador do GCARE, está endossando uma iniciativa nacional de plantio de árvores e soluções baseadas na natureza: “Com as temperaturas globais a subir e o Reino Unido a registar a temperatura mais quente de sempre em Julho de 2022, a nossa investigação contribui para o crescente conjunto de evidências que confirmam que a natureza é a chave para manter as nossas áreas urbanas frescas.

Soluções baseadas na natureza para ondas de calor. Assista o Vídeo: www.youtu.be/f46ZA6v5aoA

“Recomendamos a plantação de árvores no maior número possível de espaços públicos, especialmente em redor das nossas escolas, como um excelente ponto de partida para ajudar as comunidades a enfrentar o efeito da ilha de calor urbana. Corpos de água, como lagos e lagoas, também podem ajudar a resfriar áreas e podem ser úteis para gerenciar o excesso de águas pluviais.” Os investigadores monitorizaram as temperaturas continuamente desde junho de 2021 até ao final de agosto de 2022, com sensores de temperatura colocados dois a três metros acima do nível do solo.

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Cientistas pedem plantação de árvores para ajudar a enfrentar ondas de calor.indd 33

Os sensores capturaram dados a cada minuto, fazendo 633.780 leituras no total. Os investigadores descobriram que durante o verão de 2022, houve uma maior probabilidade de ondas de calor mais intensas e duradouras em comparação com 2021. A área construída excedeu frequentemente o limiar de ondas de calor de 28°C. Em 19 de julho de 2022, que foi o dia mais extremo do ano e o dia mais quente já registrado no Reino Unido, a temperatura subiu para 40,7°C. O professor Kumar acrescentou: “Queremos que os nossos dados ajudem a construir modelos ambientais à escala da cidade e auxiliem os planeadores e cidadãos comuns na incorporação de elementos naturais em áreas construídas. Este trabalho está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 11 (cidades e comunidades sustentáveis) e 13 (ação climática).

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Os rios estão aquecendo rapidamente e perdendo oxigênio: a vida aquática está em risco Desoxigenação generalizada no aquecimento dos rios. Os rios estão a aquecer e a perder oxigênio mais rapidamente do que os oceanos, de acordo com um estudo liderado pela Penn State e publicado na Nature Climate Change. O estudo mostra que dos quase 800 rios, o aquecimento ocorreu em 87% e a perda de oxigênio ocorreu em 70%. Fotos: Leader, Mary Fetzer, Penn State News, Universidade Estadual da Pensilvânia

O

estudo também projeta que nos próximos 70 anos, os sistemas fluviais, especialmente no Sul dos Estados Unidos, provavelmente passarão por períodos com níveis tão baixos de oxigênio que os rios poderão “induzir a morte aguda” de certas espécies de peixes e ameaçar a diversidade aquática em grande. “Este é um alerta”, disse Li Li, professor Isett de Engenharia Civil e Ambiental da Penn State e autor correspondente do artigo. “Sabemos que o aquecimento do clima levou ao aquecimento e à perda de oxigénio nos oceanos, mas não esperávamos que isso acontecesse em rios rasos e correntes.

Um estudo recente descobriu que os rios estão aquecendo e desoxigenando mais rapidamente do que os oceanos, o que poderá ter sérias implicações para a vida aquática — e para a vida dos seres humanos. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional estima que a maioria dos americanos reside a menos de um quilômetro de um rio ou riacho

O estudo mostra que dos quase 800 rios, o aquecimento ocorreu em 87% e a perda de oxigênio ocorreu em 70%

A quantidade de oxigénio dissolvido num rio é uma questão de vida ou morte para as plantas e animais que nele vivem, mas esta concentração de oxigénio varia drasticamente de um rio para outro, dependendo da sua temperatura, luz e fluxo únicos

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Este é o primeiro estudo a analisar de forma abrangente as mudanças de temperatura e as taxas de desoxigenação nos rios – e o que descobrimos tem implicações significativas para a qualidade da água e a saúde dos ecossistemas aquáticos em todo o mundo”. A equipe de investigação internacional utilizou inteligência artificial e abordagens de aprendizagem profunda para reconstruir dados historicamente escassos sobre a qualidade da água de quase 800 rios nos EUA e na Europa Central. Eles descobriram que os rios estão aquecendo e desoxigenando mais rapidamente do que os oceanos, o que pode ter sérias implicações para a vida aquática – e para a vida dos humanos. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional estima que a maioria dos americanos reside a menos de um quilômetro de um rio ou riacho. “A temperatura da água ribeirinha e os níveis de oxigênio dissolvido são medidas essenciais da qualidade da água e da saúde do ecossistema”, disse Wei Zhi, professor assistente de pesquisa no Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Penn State e principal autor do estudo.

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Os oceanos desempenham um papel importante no ciclo de carbono e no ciclo da água, entre atmosfera, o ambiente físico e os organismos vivos

“No entanto, são pouco compreendidos porque são difíceis de quantificar devido à falta de dados consistentes sobre os diferentes rios e à miríade de variáveis envolvidas que podem alterar os níveis de oxigénio em cada bacia hidrográfica”.A equipe de pesquisa desenvolveu novas abordagens de aprendizagem profunda para reconstruir dados consistentes e permitir a comparação sistemática entre diferentes rios, explicou ele. “Se você pensar bem, a vida na água depende da temperatura e do oxigênio dissolvido, a tábua de salvação para todos os organismos aquáticos”, disse Li, que também é afiliado ao Instituto de Energia e Meio Ambiente da Penn State. “Sabemos que as zonas costeiras, como o Golfo do México, têm frequentemente zonas mortas no verão. O que este estudo nos mostra é que isso também pode acontecer nos rios, porque alguns rios não sustentarão mais a vida como antes”.

Peixes mortos encontrados em um rio Reino Unido

Ela acrescentou que o declínio do oxigénio nos rios, ou desoxigenação, também impulsiona a emissão de gases com efeito de estufa e leva à libertação de metais tóxicos. Para conduzir a sua análise, os investigadores

treinaram um modelo informático com base numa vasta gama de dados – desde taxas anuais de precipitação, tipo de solo e luz solar – relativos a 580 rios nos Estados Unidos e 216 rios na Europa Central.

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Usando máquina para oxigenar a água do rio

O modelo descobriu que 87% dos rios ficaram mais quentes nas últimas quatro décadas e 70% perderam oxigênio. O estudo revelou que os rios urbanos demonstraram o aquecimento mais rápido, enquanto os rios agrícolas experimentaram o aquecimento mais lento, mas a desoxigenação mais rápida. Eles também usaram o modelo para prever taxas futuras e descobriram que em todos os rios que estudaram, as taxas futuras de desoxigenação eram entre 1,6 e 2,5 vezes mais altas do que as taxas históricas. “A perda de oxigénio nos rios é inesperada porque normalmente assumimos que os rios não perdem tanto oxigénio como em grandes massas de água como lagos e oceanos, mas descobrimos que os rios estão a perder oxigénio rapidamente”, disse Li.

O estudo revelou que os rios urbanos apresentaram o aquecimento mais rápido, enquanto os rios agrícolas experimentaram o aquecimento mais lento, mas a desoxigenação mais rápida

Se você pensar bem, a vida na água depende da temperatura e do oxigênio dissolvido, a tábua de salvação para todos os organismos aquáticos

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“Isso foi realmente alarmante, porque se os níveis de oxigênio ficarem baixos o suficiente, torna-se perigoso para a vida aquática”. O modelo previu que, nos próximos 70 anos, certas espécies de peixes poderão desaparecer completamente devido a períodos mais longos de baixos níveis de oxigénio, o que, segundo Li, ameaçaria amplamente a diversidade aquática. “Os rios são essenciais para a sobrevivência de muitas espécies, incluindo a nossa, mas têm sido historicamente negligenciados como um mecanismo para compreender as nossas mudanças climáticas”, disse Li. “Esta é a nossa primeira visão real de como estão os rios em todo o mundo – e é perturbador”.

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10ª Sessão da Plenária do IPBES e do Dia das Partes Interessadas O IPBES 10 centrou-se nas espécies exóticas invasoras – avaliando as tendências atuais, os impactos na biodiversidade e as opções de gestão, e formulando recomendações para os decisores políticos

O

Stakeholder Day reuniu cientistas, membros de comunidades indígenas e locais e representantes de organizações da sociedade civil para trocar opiniões sobre os assuntos da agenda da 10ª Sessão da Plenária da IPBES. Entre outros, refletiram sobre a avaliação temática das Espécies Exóticas Invasoras (EEI), que deverá ser lançada na sessão. O conhecimento é fundamental para informar a tomada de decisões. No que diz respeito à biodiversidade, é aqui que entra a IPBES: fornecendo informações baseadas em evidências e relevantes para políticas sobre biodiversidade e serviços ecossistémicos com o objetivo de promover a conservação e a utilização sustentável da biodiversidade., bem-estar humano a longo prazo e desenvolvimento sustentável.

A biodiversidade está em rápido declínio em todo o mundo. Com muitas espécies de plantas e animais em risco de extinção, é mais urgente do que nunca enfrentar os motores da perda de biodiversidade e empenhar-se em mudanças transformadoras : Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos (IPBES)

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Fotos: IISD/ENB/Anastasia Rodopoulou

Presidente do IPBES, Ana María Hernández Salgar

A décima sessão da Plenária da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES 10) terminou com nota alta e com várias salvas de aplausos. O plenário aprovou o resumo para os decisores políticos (SPM) da avaliação das espécies exóticas invasoras (EEI) e aceitou os capítulos da avaliação, com uma longa ovação. O copresidente da avaliação, Peter Stoett, convidou os delegados a agradecer aos autores ao traduzir a ciência em políticas, indicando que a melhor maneira de fazer isso é aproveitar as suas conclusões para informar a atualização das estratégias e planos de ação nacionais de biodiversidade (NBSAPs).

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Em termos de avaliações adicionais a serem preparadas até 2030, os delegados aprovaram: ☆ um processo de definição do escopo para uma segunda avaliação global da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, para consideração pelo IPBES 11; ☆ a realização de uma avaliação metodológica acelerada sobre o monitoramento da biodiversidade e das contribuições da natureza para as pessoas, para consideração do IPBES 13; e ☆ a realização de uma avaliação metodológica acelerada do planeamento espacial integrado e inclusivo da biodiversidade e da conectividade ecológica, para apreciação pelo IPBES 14. ☆ Decidiram também determinar o tema exato para uma avaliação adicional no IPBES 12, com base num novo convite à apresentação de sugestões.

A IPBES 10 terminou com nota alta e com várias salvas de aplausos

Os delegados elegeram David Obura (Quénia) como o próximo Presidente da IPBES e aceitaram a oferta da Namíbia para acolher a IPBES 11 em Dezembro de 2024. Eles adotaram ainda os termos de referência de:

O novo presidente eleito do IPBES, David Obura

☆ a revisão intercalar do programa de trabalho evolutivo para 2030; ☆ o grupo de trabalho sobre capacitação; ☆ o grupo de trabalho sobre conhecimento e dados; ☆ a força-tarefa sobre conhecimento indígena e local; e ☆ o grupo de trabalho sobre cenários e modelos de biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Em exposição na IPBES

As espécies invasoras – incluindo plantas, animais e peixes – causam graves danos às culturas, à vida selvagem e à saúde humana em todo o mundo. Alguns atacam espécies nativas; outros os superam na competição por espaço e comida ou espalham doenças. Um novo relatório das Nações Unidas estima as perdas geradas por invasores em mais de 423 mil milhões de dólares anuais e mostra que estes danos pelo menos quadruplicaram em cada década desde 1970. Os humanos movem regularmente animais, plantas e outras espécies vivas das suas áreas de origem para novos locais, seja acidentalmente ou propositalmente. Por exemplo, podem importar plantas de locais distantes para cultivar ou trazer um para atacar uma praga local . Outros invasores pegam carona na carga ou na água de lastro dos navios. revistaamazonia.com.br 38animal REVISTA não-nativo AMAZÔNIA

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Plenária do Grupo de Trabalho 1

Em Números – Principais Estatísticas e Fatos do Relatório Espécies • >37.000: espécies exóticas estabelecidas em todo o mundo • 200: novas espécies exóticas registradas todos os anos • >3.500: espécies exóticas invasoras registradas globalmente, incluindo 1.061 plantas (6% de todas as espécies de plantas exóticas), 1.852 invertebrados (22%), 461 vertebrados (14%) e 141 micróbios (11%) • 37%: proporção de espécies exóticas conhecidas relatadas desde 1970 • 36%: aumento previsto de espécies exóticas até 2050 em comparação com 2005, num cenário de “business-as-usual” (assumindo que as tendências passadas nos factores de mudança continuam) • >35%: proporção de peixes exóticos de água doce na bacia do Mediterrâneo que surgiram da aquicultura Impactos • 34%: proporção de impactos relatados nas Américas (31% Europa e Ásia Central; 25% Ásia-Pacífico; 7% África • 75%: impactos relatados no âmbito terrestre (principalmente em florestas temperadas e boreais e florestas e áreas cultivadas) • 14%: proporção de impactos relatados em ecossistemas de água doce • 10%: proporção de impactos relatados no domínio marinho • 60%: proporção de extinções globais registadas para as quais contribuíram espécies exóticas invasoras • 16%: proporção de extinções globais registadas em que espécies exóticas invasoras foram a única causa • 1.215: extinções locais de espécies nativas causadas por 218 espécies exóticas invasoras (32,4% eram invertebrados, 50,9% vertebrados, 15,4% plantas, 1,2% micróbios) • 27%: espécies exóticas invasoras impactam espécies nativas através de mudanças nas propriedades do ecossistema (24% através de competição interespecífica; 18% através de predação; 12% através de herbivoria) • 90%: extinções globais em ilhas atribuídas principalmente a espécies exóticas invasoras • >US$ 423 bilhões: custo econômico anual estimado de invasões biológicas, 2019 • 92%: proporção dos custos económicos das invasões biológicas atribuídas a espécies exóticas invasoras que prejudicam as contribuições da natureza para as pessoas e a boa qualidade de vida (com os restantes 8% dos custos relacionados com a gestão da invasão biológica) • >2.300: espécies exóticas invasoras documentadas em terras administradas, usadas e/ou de propriedade de Povos Indígenas • 400%: aumento do custo económico das invasões biológicas em todas as décadas desde 1970

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Estudo revela 10 mil registros de antigas comunidades indígenas escondidas sob a floresta amazônica Estudo liderado por pesquisadores do Inpe e publicado na revista Science, combinou tecnologia de ponta em monitoramento remoto com dados arqueológicos e modelagem estatística Fotos: Ciência (2023), Diego Lourenço Gurgel

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floresta amazônica pode abrigar mais de 10 mil registros de obras pré-colombianas, construídas antes da chegada dos europeus. É o que revela um novo estudo publicado recentemente na revista Science. A pesquisa combina tecnologia de ponta em monitoramento remoto com dados arqueológicos e modelagem estatística avançada para calcular a quantidade de ocupações que ainda podem estar escondidas debaixo do dossel da floresta amazônica e apontar os locais onde essas estruturas podem ser encontradas. Conhecidas como “obras de terra”, essas estruturas antecedem a chegada dos europeus ao continente. O estudo liderado pelos pesquisadores Luiz Aragão e Vinicius Peripato,

Obras de terra identificadas na paisagem amazônica

do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), identificou 24 novos registros arqueológicos por meio de uma tecnologia avançada de mapeamento remoto, utilizando um laser embarcado em avião, conhecido como LiDAR (Light Detection and Ranging).

Distribuição geográfica de terraplenagens geométricas pré-colombianas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia

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(A) Mapa de terraplanagens relatadas anteriormente e recentemente descobertas (círculos roxos e estrelas amarelas, respectivamente) relatadas neste estudo em seis regiões amazônicas: Amazônia central (CA), Amazônia oriental (EA), Escudo das Guianas (GS), noroeste da Amazônia ( NwA), Sul da Amazônia (SA) e Sudoeste da Amazônia (SwA). (B) Terraplanagens recentemente descobertas em SA. (C a F) Terraplanagens recentemente descobertas em SwA. (G a I) Terraplenagens recentemente descobertas em GS. (J e K) Terraplanagens recentemente descobertas na CA. Barras de escala, 100 m revistaamazonia.com.br

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O sensor permitiu reconstruir os elementos da superfície em um modelo 3D com alto nível de detalhamento. A partir dos modelos 3D, foi possível remover digitalmente toda a vegetação e iniciar a investigação arqueológica do terreno sob a floresta. “Investigamos um total de 0,08% da Amazônia e encontramos 24 estruturas, jamais catalogadas, nos estados do Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará”, explicou Vinicius Peripato. Usando todos os 961 registros de obras de terra encontrados até agora, a equipe também apontou a quantidade de estruturas que ainda podem ser encontradas, demonstrando que dezenas de espécies de árvores estão relacionadas a essas ocupações que remontam a um período entre 1.500 a 500 anos atrás. “O estudo indica que a floresta amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos pensam, já que quando buscamos uma melhor compreensão da extensão da ocupação humana pré-colombiana na região nos surpreendemos com a grande quantidade de sítios ainda desconhecidos pela ciência”, afirmou Peripato. “Tempos atrás, os ecólogos viam a Amazônia como a grande floresta intocada, mas agora, combinando outros tipos de vestígios pré-colombianos, podemos perceber como muitos locais que hoje sustentam uma densa floresta já foram submetidos a extensas obras de engenharia e ao cultivo e domesticação de plantas pelas sociedades pré-colombianas. Esses povos dominavam técnicas sofisticadas de manejo da terra e das plantas, em certos casos, ainda presentes nos conhecimentos e práticas dos povos atuais que podem inspirar novas formas de conviver com a floresta sem a necessidade de destruí-la”, acrescentou a pesquisadora Carolina Levis, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Ocupação ancestral O chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe, Luiz Aragão, destacou o avanço científico e tecnológico promovido pela pesquisa. “O estudo avança o conhecimento em três grandes áreas: na própria arqueologia, por meio de novas descobertas; nas ciências ambientais, demonstrando o nível de interferência humana na região, o que pode ter implicações para seu funcionamento atual e como modelamos o seu futuro; e finalmente na área de computação aplicada, que

Distribuição geográfica de terraplenagens geométricas pré-colombianas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia

(A) Mapa de terraplanagens relatadas anteriormente e recentemente descobertas (círculos roxos e estrelas amarelas, respectivamente) relatadas neste estudo em seis regiões amazônicas: Amazônia central (CA), Amazônia oriental (EA), Escudo das Guianas (GS), noroeste da Amazônia ( NwA), Sul da Amazônia (SA) e Sudoeste da Amazônia (SwA). (B) Terraplanagens recentemente descobertas em SA. (C a F) Terraplanagens recentemente descobertas em SwA. (G a I) Terraplenagens recentemente descobertas em GS. (J e K) Terraplanagens recentemente descobertas na CA. Barras de escala, 100 m possibilitou a análise dos milhões de pontos presentes nos dados LIDAR e na modelagem estatística da distribuição das feições estudadas”, explicou. Até agora, as obras de terra eram comumente encontradas por meio de imagens do Google Earth. No entanto, devido à extensão da floresta amazônica e às dificuldades de estudar áreas remotas, a pesquisa lança previsões testáveis sobre locais pouco conhecidos da Amazônia, onde novos trabalhos de campo provavelmente descobrirão sítios arqueológicos de dimensões monumentais e ainda bem preservados dentro da floresta.

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“A pesquisa traz inúmeras evidências da ocupação ancestral da floresta amazônica por povos originários, de suas formas de vida e da relação estabelecida por eles com a floresta. A proteção de seus territórios, línguas, culturas e heranças deve ser compreendida como milenar, como são, e não ligada a uma data, que é tão recente”, ressaltou Luiz Aragão. O estudo publicado na revista Science foi assinado por uma equipe composta por 230 pesquisadores de 156 instituições localizadas em 24 países de quatro continentes. [*] Imprensa MCTI

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Selva Amazônica, Brasil

Antigos amazônicos criaram intencionalmente uma “terra escura” fértil por *Instituto de Tecnologia de Massachusetts

Fotos: Science Advances (2023), Unsplash/CC0 Domínio Público

A bacia do rio Amazonas é conhecida por suas imensas e exuberantes florestas tropicais, então pode-se supor que as terras da Amazônia sejam igualmente ricas

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a verdade, os solos subjacentes à vegetação florestal, particularmente nas terras altas montanhosas, são surpreendentemente inférteis. Grande parte do solo da Amazônia é ácido e pobre em nutrientes, tornando-o notoriamente difícil de cultivar. Mas ao longo dos anos, os arqueólogos desenterraram manchas misteriosamente negras e férteis de solos antigos em centenas de locais em toda a Amazónia.

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Esta “ terra escura ” foi encontrada dentro e ao redor de assentamentos humanos que datam de centenas a milhares de anos. E tem sido motivo de algum debate se o solo super-rico foi criado propositadamente ou se foi um subproduto coincidente destas culturas antigas. Agora, um estudo liderado por pesquisadores do MIT, da Universidade da Flórida e do Brasil pretende resolver o debate sobre as origens da Terra escura.

A equipe reuniu resultados de análises de solo, observações etnográficas e entrevistas com comunidades indígenas modernas, para mostrar que a terra escura foi produzida intencionalmente pelos antigos amazônicos como forma de melhorar o solo e sustentar sociedades grandes e complexas. “Se você deseja ter grandes assentamentos, você precisa de uma base nutricional.

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Localização da área de estudo, locais e transecções de amostragem

(A) Área de estudo do Alto Rio Xingu mostrando a localização das modernas e históricas aldeias Kuikuro e cinco sítios arqueológicos. O mapa inserido mostra a localização da área de estudo na Bacia Amazônica (estrela vermelha) e localizações de sítios arqueológicos documentados com terra escura (pontos pretos). (B) Aldeia moderna de Kuikuro II. O círculo branco mostra a localização da aldeia histórica Kuikuro I (ocupada entre 1973 e 1983). (C) Sítio arqueológico de Seku. Os círculos magenta em (B) e (C) marcam os locais dos poços de teste ao longo dos transectos na Fig . As setas mostram as direções dos transectos na Fig.. Imagens de satélite: Esri, DigitalGlobe, GeoEye, i-cubed, Agência de Serviços Agrícolas do Departamento de Agricultura dos EUA, US Geological Survey, AEX, Getmapping, Aerogrid, IGN, IGP, swisstopo e comunidade de usuários de GIS. Mas o solo na Amazônia é extensivamente lixiviado de nutrientes e naturalmente pobre para o cultivo da maioria das culturas”, diz Taylor Perron, professor Cecil e Ida Green de Terra, Atmosférica e Ciências Planetárias no MIT. “Argumentamos aqui que as pessoas desempenharam um papel na criação da Terra escura e modificaram intencionalmente o ambiente antigo para torná-lo um lugar melhor para as populações humanas”. E acontece que a terra escura contém enormes quantidades de carbono armazenado. À medida que gerações trabalhavam no solo, por exemplo, enriquecendo-o com restos de comida, carvão e resíduos, a terra acumulava detritos ricos em carbono e mantinha-o trancado durante centenas a milhares de anos. Ao produzir propositadamente terra escura, então, os primeiros habitantes da Amazónia também podem ter criado involuntariamente um poderoso solo sequestrador de carbono. “Os antigos amazônicos colocaram muito carbono no solo, e muito disso ainda existe hoje”, diz o coautor Samuel

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Goldberg, que realizou a análise de dados quando era estudante de pós-graduação no MIT e agora é professor assistente no Universidade de Miami. “É exatamente isso que queremos para os esforços de mitigação das alterações climáticas. Talvez pudéssemos adaptar algumas das suas estratégias indígenas numa escala maior, para reter carbono no solo, de formas que agora sabemos que permaneceriam lá por muito tempo.” O estudo da equipe aparece na Science Advances. Outros autores incluem o ex-pós-doutorado do MIT e autor principal Morgan Schmidt, o antropólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, e colaboradores de diversas instituições em todo o Brasil.

Intenção moderna No seu estudo atual, a equipe sintetizou observações e dados que Schmidt, Heckenberger e outros reuniram anteriormente, enquanto trabalhavam com comunidades indígenas na Amazônia desde o início dos anos

2000, com novos dados coletados em 2018–19. Os cientistas concentraram seu trabalho de campo na Terra Indígena Kuikuro, na bacia do Alto Xingu, no sudeste da Amazônia. Esta região abriga aldeias modernas de Kuikuro, bem como sítios arqueológicos onde se acredita que os ancestrais dos Kuikuro viveram. Durante várias visitas à região, Schmidt, então estudante de pós-graduação na Universidade da Flórida, ficou impressionado com o solo mais escuro ao redor de alguns sítios arqueológicos. “Quando vi esta terra escura e como ela era fértil, e comecei a investigar o que se sabia sobre ela, descobri que era uma coisa misteriosa – ninguém sabia realmente de onde vinha”, diz ele. Schmidt e seus colegas começaram a fazer observações das práticas modernas de manejo do solo dos Kuikuro. Estas práticas incluem a geração de “monturos” - pilhas de resíduos e restos de comida, semelhantes a pilhas de composto, que são mantidas em determinados locais no centro de uma aldeia.

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Depois de algum tempo, essas pilhas de resíduos se decompõem e se misturam ao solo para formar uma terra escura e fértil, que os moradores usam para plantar. Os investigadores também observaram que os agricultores de Kuikuro espalham resíduos orgânicos e cinzas em campos mais distantes, o que também gera terra escura, onde podem então cultivar mais culturas. “Vimos atividades que eles fizeram para modificar o solo e aumentar os elementos, como espalhar cinzas no chão ou espalhar carvão na base da árvore, que eram ações obviamente intencionais”, diz Schmidt. Além destas observações, também realizaram entrevistas com os aldeões para documentar as crenças e práticas dos Kuikuro relacionadas com a terra escura. Em algumas destas entrevistas, os aldeões referiram-se à terra escura como “exegese” e descreveram as suas práticas

Aldeia Ipatse, no Parque Indígena do Xingu. Atividades do povo Kuikuro foram a base da pesquisa — Foto: Pedro Biondi/Agência Brasil

diárias na criação e cultivo do solo rico para melhorar o seu potencial agrícola. Com base nestas observações e entrevistas com os Kuikuro, ficou claro que as

comunidades indígenas hoje produzem intencionalmente terra escura, através das suas práticas para melhorar o solo. Mas poderia a terra escura encontrada em sítios arqueológicos próximos ter sido feita através de práticas intencionais semelhantes?

Uma ponte no solo

Diagramas de cerca da composição do solo ao longo dos transectos amostrais.

Os transectos se estendem radialmente através de uma vila moderna, Kuikuro II ( A , C e E ) e do sítio arqueológico de Seku ( B , D e F ). As linhas pretas verticais correspondem às localizações das amostras na Fig. 1 (B e C) . (A e B) SOC (g kg −1 ). (C e D) pH do solo medido em água. (E e F) Componente principal 1 de um PCA das 11 grandezas químicas medidas, que explica 51% (Seku) e 76% (Kuikuro II) da variação

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Em busca de uma conexão, Schmidt ingressou no grupo de Perron como pós-doutorado no MIT. Juntos, ele, Perron e Goldberg realizaram uma análise meticulosa de solos em sítios arqueológicos e modernos na região do Alto Xingu. Eles descobriram semelhanças na estrutura espacial da terra escura: depósitos de terra escura foram encontrados num padrão radial, concentrando-se principalmente no centro de assentamentos modernos e antigos, e estendendo-se, como raios de uma roda, até as bordas. A terra escura moderna e antiga também tinha composição semelhante e era enriquecida com os mesmos elementos, como carbono, fósforo e outros nutrientes. “Esses são todos os elementos que existem em humanos, animais e plantas, e são eles que reduzem a toxicidade do alumínio no solo, que é um problema notório na Amazônia”, diz Schmidt. “Todos esses elementos tornam o solo melhor para o crescimento das plantas”. “A ponte principal entre os tempos modernos e antigos é o solo”, acrescenta Goldberg. “Como vemos esta correspondência entre os dois períodos de tempo, podemos inferir que estas práticas que podemos observar e perguntar às pessoas hoje, também aconteceram no passado.” Por outras palavras, a equipa conseguiu mostrar pela primeira vez que os antigos amazónicos trabalhavam intencionalmente

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Algumas atividades que contribuem para a criação da Terra Negra

(A) Processamento de mandioca. (B) Descarte de lixo em monturos. (C) Cultivo de quintal. (D) Varrer cinzas e carvão de uma lareira. (E) Aldeia Kuikuro II com localizações de outras fotos indicadas. (F) Espalhar resíduos de mandioca. (G) Espalhar cinzas e carvão em volta das árvores. (H) Queimadas em campos e em áreas de descarte de lixo de quintal. (I) Processamento de mandioca no campo e queima de resíduos e restos culturais.

Algumas atividades que contribuem para a criação da Terra Negra

Nem todos os sites contêm todos os recursos mostrados

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o solo, provavelmente através de práticas semelhantes às de hoje, a fim de cultivar colheitas suficientes para sustentar grandes comunidades. Indo um passo adiante, a equipe calculou a quantidade de carbono na antiga Terra escura. Eles combinaram suas medições de amostras de solo com mapas de onde a terra escura foi encontrada em vários assentamentos antigos. As suas estimativas revelaram que cada aldeia antiga contém vários milhares de toneladas de carbono que foram sequestradas no solo durante centenas de anos como resultado de atividades humanas indígenas. Tal como a equipa conclui no seu artigo, “a agricultura sustentável moderna e os esforços de mitigação das alterações climáticas, inspirados pela fertilidade persistente da antiga terra escura, podem basear-se em métodos tradicionais praticados até hoje pelos indígenas amazónicos”.

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Gases de bactérias e plâncton afetam o clima Fotos: Anders Priemé, Eloisa Lasso, Universidade de Copenhague

Precisamos saber quantos gases as plantas, o solo, os fungos e as bactérias emitem na atmosfera. Os gases que eles liberam influenciam o clima do planeta e sabemos muito pouco sobre eles. Em 19 de junho de 2023, o primeiro centro de pesquisa do mundo especializado nessa área foi inaugurado na Universidade de Copenhague

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stamos constantemente cercados por eles. Embora não possamos vê-los ou senti-los, muitas vezes podemos sentir seu cheiro. Os gases voláteis são emitidos para a atmosfera por quase tudo ao nosso redor – tanto pelas criações humanas quanto pela própria natureza: móveis, cosméticos, plantas, fungos, bactérias – e até mesmo pelo nosso próprio corpo. Esses compostos químicos, que evaporam facilmente e se misturam com outras coisas no ar, são referidos coletivamente como compostos orgânicos voláteis (VOCs). Na natureza, todos os organismos produzem VOCs e os utilizam para se comunicarem uns com os outros e se protegerem dos inimigos por meio do cheiro e da química. Por exemplo, insetos comedores de folhas fazem com que as plantas comecem a liberar VOCs que eventualmente repelem os mesmos insetos.

Professor Anders Priemé fazendo amostragem em ilhotas ao norte da Groenlândia

Por outro lado, as flores tornam-se irresistivelmente deliciosas para atrair as abelhas e garantir a sua própria polinização. Dessa forma, os organismos ‘conversam’ uns com os outros nos ecossistemas com a ajuda dos gases VOC. Mas os gases VOC dos ecossistemas também influenciam o clima global. Entre outras coisas, eles contribuem para a formação de mais gases de efeito estufa atmosféricos. O problema é que ainda não sabemos por quanto. Pesquisadores da Universidade de Copenhagen dedicaram os próximos anos para descobrir. “Eles são um pouco brincalhões na equação climática. Porque ainda sabemos muito pouco sobre as quantidades de gases emitidos. Este é o conhecimento que gostaríamos de ter.

Precisamos saber quantos gases as plantas, o solo, os fungos e as bactérias emitem na atmosfera

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Quando acertamos os números, eles podem ser incluídos na equação climática mais ampla e nos fornecer modelos climáticos mais precisos”, diz o professor Riikka Rinnan, chefe do novo centro de pesquisa, VOLT – Center for Volatile Interactions, da Universidade de Copenhague. Departamento de Biologia. Juntamente com outros três pesquisadores do Departamento de Biologia, o professor Rinnan recebeu uma doação de DKK 60 milhões (8 milhões de euros) da Fundação Nacional de Pesquisa da Dinamarca para administrar o centro pelos próximos seis anos. A cerimônia oficial de abertura do centro acontecerá em 19 de junho de 2023.

Não é tão simples quanto os gases de efeito estufA VOCs são encontrados como milhares de compostos químicos. Por exemplo, em compostos como isopreno e metanol. Embora saibamos muito sobre como os gases de efeito estufa, como o CO2 e o metano, afetam o clima, o efeito dos VOCs é mais inexplorado e complicado. No entanto, eles são conhecidos por prolongar a vida útil do metano na atmosfera. Mas, ao mesmo tempo, os VOCs podem formar minúsculas partículas de aerossol que refletem a radiação solar e, assim, resfriam o clima. Portanto, seu efeito climático geral permanece incerto.

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“Embora o efeito dos gases de efeito estufa na atmosfera seja bastante simples, entender o efeito dos VOCs é mais difícil porque seus efeitos no clima variam e ocorrem nos dois sentidos. Além disso, os VOCs reagem de maneira diferente na atmosfera, dependendo do que mais está no ar. Portanto, os efeitos são bastante locais e variam de lugar para lugar, o que aumenta a complexidade”, explica Riikka Rinnan.

Organismos emitem e consomem VOCs A ideia por trás do centro VOLT é obter uma visão profunda de como funcionam as complexas interações entre os organismos, o ambiente e a atmosfera. Isso envolve entender todos os processos biológicos envolvendo VOCs na natureza – até como cada tipo de musgo, fungo ou plâncton emite e consome gases. “Anteriormente, descobrimos que os microorganismos produzem gases VOC e os ‘devoram’ como fonte de energia. Por exemplo, enquanto uma planta pode produzir 100 unidades de VOCs, os microorganismos em suas folhas podem consumir 20 unidades, de modo que apenas 80 são emitidos. De fato, processos opostos estão sempre em andamento e não os compreendemos hoje”, diz Riikka Rinnan, que continua: “Portanto, é importante saber quanto gás os organismos produzem e quanto absorvem para obter uma imagem mais precisa da quantidade e composição que escapa dos ecossistemas para a atmosfera.” A ambição dos pesquisadores é obter uma compreensão geral das interações entre todos os tipos de organismos e gases VOC.

A pós-doutora Amy Smart e a aluna de mestrado Anneka Williams coletando voláteis das plantas de Paramo em Matarredonda

E como as pesquisas anteriores se concentraram nos gases vegetais, os pesquisadores do novo centro vão voltar mais sua atenção para outros organismos. “Agora precisamos olhar para todos os organismos que ficaram de fora da pesquisa anterior. Isso inclui o solo – com sua comunidade de bactérias e fungos – plantas como musgos e organismos aquáticos como o plâncton. Mas precisamos fazer algumas medições muito difíceis, pois os VOCs são reativos e suas

concentrações geralmente são muito baixas”. Os primeiros projetos de pesquisa do centro serão sobre gases VOC em plâncton, solo e musgo.

VOLT O VOLT – o Centro de Interações Voláteis – opera sob os auspícios do Departamento de Biologia da Universidade de Copenhague e foi criado em 2023 com financiamento da Fundação Nacional de Pesquisa da Dinamarca. Além do diretor do centro Riikka Rinnan, que é professor de interações ecossistema-atmosfera, o centro é liderado pelos pesquisadores principais Lasse Riemann, Anders Priemé e Kathrin Rousk, que são respectivamente especialistas em microbiologia marinha, microbiologia do solo, bem como simbioses e interações do organismo. Estudando efeitos das minhocas em plantas e solos nos ecossistemas

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O aquecimento climático altera a memória e o futuro das florestas A memória ecológica armazenada em uma paisagem pode ajudar um ecossistema a se recuperar de distúrbios como incêndios e surtos de doenças. Mas o que acontece quando o aquecimento climático interrompe esses padrões de perturbação? Quanto tempo levará até que as memórias ecológicas armazenadas no Ártico em aquecimento sejam substituídas por novas, e o que isso significa para o futuro do Ártico? Fotos: Victor Leshyk, Center for Ecosystem Science and Society, Northern Arizona University

Um circuito mostra como o aquecimento climático pode alterar diferentes legados ecológicos na floresta boreal do Ártico, que então retroalimentam o aquecimento climático e as mudanças nos processos da paisagem

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ma equipe de mais de 40 cientistas recebeu US$ 9,6 milhões da National Science Foundation para investigar essas questões e uma rede de questões conectadas no interior do Alasca como parte do Programa de Pesquisa Ecológica de Longo Prazo Bonanza Creek. O projeto também é apoiado pela USDA Forest Service Pacific Northwest Research Station. Michelle Mack, investigadora principal e professora de biologia do Regents no Center for Ecosystem Science and Society da Northern Arizona University, disse que a próxima etapa da pesquisa ocorrerá durante um período potencialmente transformador para as florestas boreais do Ártico.

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Michelle Mack, investigadora principal e professora de biologia do Regents é reconhecida como líder em ciência do fogo

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Três painéis de experimento de aquecimento de longo prazo rotulados em texto cinza, da esquerda para a direita: controle, aquecimento de curto prazo, aquecimento de longo prazo. O tratamento de controle, à esquerda, mostra bactérias, protistas e outros microorganismos identificados pelo sequenciamento do metagenoma do solo em amarelo, laranja, verde e azul, junto com as cadeias de nutrientes disponíveis. O solo representado no painel central, que sofreu um aquecimento de curto prazo, mostra uma maior abundância e diversidade de micróbios, alguns dos quais estão crescendo, incorporando nutrientes e respirando dióxido de carbono. O solo que sofreu um longo aquecimento, imaginado no painel à direita, mostra menos espécies microbianas e relações competitivas que estão se desenvolvendo para o controle dos nutrientes mais escassos

“Vimos como as mudanças dramáticas no fogo e no permafrost na floresta boreal causadas pelo aquecimento climático já perturbaram a forma como esses ecossistemas se estabilizaram por milênios”, disse Mack. “Nos próximos seis anos, vamos observar como esses legados e interrupções estão moldando o futuro da floresta e o futuro das comunidades que dependem da floresta boreal.” A equipe de Mack também perguntará como a atividade humana moldou a história das florestas, trabalhando com tribos nativas do Alasca para desenvolver questões de pesquisa que sejam relevantes para suas comunidades e papéis no manejo do fogo hoje. O programa também reunirá um Conselho Consultivo Nativo do Alasca para

Floresta boreal Bonanza Creek LTER no Ártico

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O aquecimento climático altera a memória e o futuro das florestas.indd 49

melhor incluir as perspectivas e prioridades de pesquisa das comunidades nativas. A pesquisa nos próximos seis anos, que será co-liderada pelos pesquisadores da NAU Ted Schuur, Xanthe Walker, Logan Berner, Scott Goetz e colaboradores especializados de nove instituições acadêmicas, o Serviço Florestal dos EUA e o Serviço Geológico dos EUA, se baseará em décadas de dados anteriores coletados através do programa Bonanza Creek LTER desde 1987. Bonanza Creek, com sede na Universidade do Alasca-Fairbanks Institute of Arctic Biology, é um dos 28 locais LTER dos EUA no país. A equipe trabalhará em uma rede de locais no interior do Alasca investigando tópicos interligados, incluindo como o fogo

afeta as trajetórias sucessionais, como o degelo do permafrost está mudando a hidrologia na região, como os micróbios do solo estão respondendo ao aquecimento e como o inseto e planta mineiro da folha de álamo tremedor patógenos como o cancro do álamo podem determinar a capacidade futura do álamo de prosperar e se reproduzir na região. Aqui está um exemplo de como a próxima fase se baseará no legado de pesquisa de Bonanza Creek: a equipe descobriu que incêndios cada vez mais frequentes e intensos na floresta boreal resultaram em árvores de folha caduca de crescimento mais rápido, como a bétula e o álamo trêmulo, movendo-se para onde crescem mais lentamente. mas o abeto preto mais inflamável já dominou. Nos próximos seis anos, eles monitorarão uma série mais ampla de parcelas de floresta que queimaram em diferentes épocas, incluindo algumas acessíveis apenas por helicóptero, para construir uma espécie de lapso de tempo que ilustra como essas florestas estão crescendo e mudando, e que papel o fogo desempenha. “Nosso trabalho em Bonanza Creek LTER nos mostrou quão incerto é o futuro da floresta boreal do Ártico”, disse Mack. “A próxima etapa é para essa equipe realmente talentosa mapear que tipos de futuros são possíveis, prováveis e como os humanos desempenharão um papel em moldá-los”.

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A qualidade da água está se deteriorando nos rios em todo o mundo devido às mudanças climáticas e ao aumento de eventos climáticos extremos Fotos: Luke Mosley, Nature Reviews Earth & Environment (2023), Universidade de Adelaide, Universidade de Utrecht

Qualidade global da água dos rios sob alterações climáticas e extremos hidroclimáticos

Fatores hidroclimáticos, fatores geográficos e atividades humanas que afetam a qualidade da água do rio

A

s alterações climáticas e o aumento das secas e das tempestades colocam sérios desafios à nossa gestão da água. Não só a disponibilidade da água está sob pressão, mas também a sua qualidade. Contudo, de acordo com o relatório mais recente do IPCC, a nossa compreensão actual desta questão é inadequada. Para preencher esta lacuna, um grupo internacional de cientistas reuniu um grande conjunto de pesquisas sobre a qualidade da água nos rios em todo o mundo. O estudo publicado na Nature Reviews Earth & Environment, mostra que a qualidade da água dos rios tende a deteriorar-se durante eventos climáticos extremos.

Rios em risco: as alterações climáticas estão a diminuir a qualidade global da água

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A qualidade da água deteriora-se nos rios em todo o mundo devido às alterações climáticas

À medida que estes eventos se tornam mais frequentes e graves devido às alterações climáticas, a saúde dos ecossistemas e o acesso humano à água potável podem estar cada vez mais ameaçados. A pesquisa liderada pela Dra. Michelle van Vliet, da Universidade de Utrecht, analisou 965 casos de mudanças na qualidade da água do rio durante condições climáticas extremas, como secas, ondas de calor, tempestades e inundações, bem como sob mudanças climáticas de longo prazo (multidecadais). “Analisamos vários constituintes da qualidade da água, como temperatura da água, oxigênio dissolvido, salinidade e concentração de nutrientes, metais, microorganismos, produtos farmacêuticos e plásticos”, diz van Vliet. A análise mostra que, na maioria dos casos, a qualidade da água tende a deteriorar-se durante secas e ondas de calor (68%), tempestades e inundações (51%) e sob alterações climáticas de longo prazo (56%). Durante as secas, há menos água disponível para diluir os contaminantes, enquanto as tempestades e as inundações geralmente resultam em mais contaminantes que escoam da terra para os rios e riachos. Melhorias ou respostas mistas na qualidade da água também são relatadas em alguns casos devido a mecanismos de neutralização, por exemplo, quando o aumento do transporte de poluentes é compensado por uma maior diluição durante eventos de inundação.

Rio Finniss sofreu seca em 2009, onde solos com sulfato ácido racharam e acidificaram

As alterações na qualidade da água são fortemente impulsionadas pelas alterações na vazão dos rios e na temperatura da água. O uso do solo e outros fatores humanos, como o tratamento de águas residuais, também determinam a forma como isto se desenrola. “É crucial compreender a complexa interação entre o clima, o uso do solo e os fatores humanos, que juntos influenciam as fontes e o transporte de poluentes”, afirma van Vliet. A investigação também exige mais recolha de dados e estudos sobre a qualidade da água em países não ocidentais. “Precisamos de uma melhor monitorização da qualidade

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da água em África e na Ásia. A maioria dos estudos sobre a qualidade da água concentra-se agora em rios e riachos na América do Norte e na Europa”. Os resultados do estudo sublinham a necessidade urgente de uma melhor compreensão das mudanças na qualidade da água durante eventos climáticos extremos e dos mecanismos subjacentes a isto. “Só então seremos capazes de desenvolver estratégias eficazes de gestão da água que possam salvaguardar o nosso acesso à água potável e garantir a saúde dos ecossistemas face às alterações climáticas e ao aumento dos extremos climáticos”.

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O derretimento do gelo provavelmente desencadeou mudanças climáticas há mais de 8.000 anos Fotos: Dr. Graham Rush, Universidade de Leeds

U

sando amostras geológicas do estuário de Ythan, na Escócia, os cientistas identificaram o derretimento da camada de gelo como o provável desencadeador de um grande evento de mudança climática há pouco mais de 8.000 anos. E a análise – envolvendo uma equipe de geocientistas de quatro universidades de Yorkshire, liderada pelo Dr. Graham Rush, que ocupa cargos na Universidade de Leeds e na Universidade Leeds Beckett – poderá conter pistas sobre como a atual perda de gelo na Groenlândia poderá afetar a os sistemas climáticos do mundo. Há mais de 8.000 anos, o Atlântico Norte e o Norte da Europa sofreram um arrefecimento significativo devido a alterações num importante sistema de correntes oceânicas conhecido como Circulação Meridional do Atlântico, ou AMOC.

Mostra do núcleo de sedimentos sendo retirado do Estuário Ythan

A mudança na AMOC também afetou os padrões globais de precipitação.

Fósseis de um organismo unicelular Elphidium gerthi

As configurações do manto de gelo Laurentide (LIS) e do lago Agassiz-Ojibway (LAO) são retiradas de Dalton et al. (2020) e Teller et al. (2002) , respectivamente, com o subsequente encaminhamento da água de degelo através da Baía de Hudson mostrado em azul escuro. A proposta Hudson Bay Ice Saddle (HBIS) é destacada pela incubação. As principais correntes (quente = setas vermelhas, fria = setas azuis) são desenhadas para destacar o padrão geral da Circulação Meridional do Atlântico com base no conjunto de dados de Hamilton (2018). Os locais com reconstruções ao nível do mar mencionados no texto são mostrados em amarelo, incluindo o Estuário do Ythan

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Acredita-se que um influxo de uma grande quantidade de água doce nos mares de água salgada do Atlântico Norte causou o colapso do AMOC. A equipe de investigação recolheu amostras de sedimentos no estuário de Ythan para construir uma imagem do que estava a acontecer ao nível do mar há mais de 8.000 anos. Ao analisar os micro fósseis e os sedimentos nas amostras, eles descobriram que as mudanças no nível do mar se afastaram das flutuações normais de fundo de cerca de dois milímetros por ano e atingiram 13 milímetros por ano, com eventos individuais no nível do mar, resultando no aumento da água, provavelmente em cerca de 2 metros. no Estuário Ythan.

Mapa da região do Atlântico Norte c. 8.500 anos cal AP. A costa do noroeste da Europa em 9.000 anos cal AP é retirada de (Hill, 2020)

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A análise das amostras centrais fornece mais evidências de que havia pelo menos duas fontes principais de água doce que drenavam para o Atlântico Norte, causando as mudanças na AMOC, e não uma única fonte como se pensava anteriormente. A opinião de muitos cientistas era que a água doce provinha de um lago gigante – o Lago Agassiz-Ojibway, que tinha o tamanho do Mar Negro e estava situado perto do que hoje é o norte de Ontário – que desaguara no oceano. Dr Rush disse: “Mostramos que, embora enorme, o lago não era grande o suficiente para dar conta de toda aquela água que entrava no oceano e causava o aumento do nível do mar que observamos”.

Parte de uma visualização da NASA da Corrente do Golfo, mostrando temperaturas da superfície e padrões de fluxo

Em vez disso, o Dr. Rush e os seus colegas acreditam que o derretimento da sela de gelo da Baía de Hudson, que cobriu grande parte do leste do Canadá e do nordeste dos Estados Unidos, proporcionou a injeção de grandes quantidades de água que se refletiu nas amostras principais.

A circulação oceânica distribui calor

Mapa da região do Atlântico Norte c. 8.500 anos cal AP. A costa do noroeste da Europa em 9.000 anos cal AP é retirada de (Hill, 2020)

a) Uma visão geral do Reino Unido, mostrando a localização de b) - uma imagem de satélite do Estuário Ythan, costa oeste da Escócia (BingTM, 2019). c) Mapa do local de campo mostrando a localização de novos transectos e furos feitos neste estudo e os transectos existentes de Smith et al. (1999)+

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A energia térmica impulsiona o clima mundial e a perturbação das correntes oceânicas teve grandes ramificações em todo o mundo. As temperaturas no Atlântico Norte e na Europa caíram entre 1,5 e 5 graus C e duraram cerca de 200 anos, com outras regiões a registarem um aquecimento acima da média. Os níveis de precipitação também aumentaram na Europa, enquanto outras partes do mundo, como partes de África, registaram condições mais secas e períodos de seca prolongados. Os autores do estudo acreditam que o estudo dá uma ideia de como o atual derretimento das camadas de gelo na Groenlândia pode afetar os sistemas climáticos globais. Dr. Rush acrescentou: “Sabemos que a AMOC está atualmente a abrandar e, embora ainda debatida, algumas previsões indicam que poderá encerrar completamente. “No entanto, olhando para eventos passados podemos aprender mais sobre o que causa estas mudanças e a sua probabilidade. Mostrámos que o rápido recuo da camada de gelo, que pode ocorrer na Groelândia dependendo da trajetória das futuras emissões de combustíveis fósseis, pode causar uma série de efeitos climáticos significativos que teriam consequências muito preocupantes”.

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Uma visão dos furacões se formando sobre o Oceano Atlântico, criada pela montagem de imagens adquiridas em 6 de setembro de 2017 pelo satélite

A Corrente do Golfo pode entrar em colapso em 2025, mergulhando a Terra no caos climático Os pesquisadores previram que o colapso do AMOC poderia acontecer a qualquer momento entre 2025 e 2095 – muito mais cedo do que as previsões anteriores, embora nem todos os cientistas estejam convencidos. Aviso de um próximo colapso da circulação meridional do Atlântico Fotos: Nature, NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio, NASA/Joshua Stevens, Visible Infrared Imaging Radiometer Suite (VIIRS) da NASA

por *Ben Turner

U

m sistema vital de correntes oceânicas que ajuda a regular o clima do Hemisfério Norte pode entrar em colapso a qualquer momento a partir de 2025 e desencadear o caos climático, alerta um novo estudo controverso. A Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), que inclui a Corrente do Golfo, governa o clima trazendo águas tropicais quentes para o norte e águas frias para o sul. Mas os pesquisadores agora dizem que o AMOC pode estar caminhando para um colapso total entre 2025 e 2095, causando a queda das temperaturas, o colapso dos ecossistemas oceânicos e a proliferação de tempestades em todo o mundo. No entanto, alguns cientistas alertaram que a nova pesquisa vem com algumas grandes ressalvas.

O AMOC pode existir em dois estados estáveis : um mais forte e mais rápido do qual dependemos hoje, e outro que é muito mais lento e fraco. Estimativas anteriores previam que a corrente provavelmente mudaria para seu modo mais fraco em algum momento do próximo século. Mas a mudança climática causada pelo homem pode levar o AMOC a um ponto de inflexão crítico mais cedo ou mais tarde, previram os pesquisadores em um novo estudo, publicado na terça-feira (25 de julho) na revista Nature Communications. “O ponto de inflexão esperado – dado que continuamos com os negócios como sempre com as emissões de gases de efeito estufa – é muito mais cedo do que esperávamos”, disse a coautora Susanne Ditlevsen , professora de estatística e modelos estocásticos em biologia na Universidade de Copenhague, à Live Science.

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“Não foi um resultado em que dissemos: ‘Ah, sim, aqui está’. Na verdade, ficamos perplexos.” AMOC como uma correia transportadora global As correntes do Oceano Atlântico funcionam como uma correia transportadora global sem fim, movendo oxigênio, nutrientes, carbono e calor ao redor do globo. As águas mais quentes do sul, que são mais salgadas e densas, fluem para o norte para resfriar e afundar sob as águas em latitudes mais altas, liberando calor na atmosfera. Então, depois de afundar no oceano, a água lentamente se move para o sul, esquenta novamente e o ciclo se repete. Mas a mudança climática está diminuindo esse fluxo. A água doce do derretimento das camadas de gelo tornou a água menos densa e salgada, e estudos recentes mostraram que a corrente é a mais fraca em mais de 1.000 anos.

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Impressão digital da circulação meridional do Atlântico (AMOC), temperatura da superfície do mar (SST) e média global (GM)

a região do giro subpolar (SG) (contorno preto) no topo da reconstrução SST do conjunto de dados Hadley Center Sea Ice e Sea Surface Temperature (HadISST) para dezembro de 2020. A região SG SST foi identificada como uma impressão digital AMOC. b Registro mensal completo do SG SST junto com a média global (GM) SST. c , d anomalias SG e GM, que são os registros subtraídos da média mensal sobre o registro completo. O proxy de impressão digital AMOC, que é aqui definido como a anomalia SG menos duas vezes a anomalia GM, compensando o aquecimento global amplificado polar

Uma animação simplificada da “correia transportadora” AMOC global, com correntes de superfície mostradas em vermelho e correntes marítimas profundas em azul

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A região perto da Groenlândia, onde as águas do sul afundam (conhecida como giro subpolar do Atlântico Norte), faz fronteira com um trecho que está atingindo temperaturas baixas recordes, enquanto os mares ao redor atingem máximas históricas, formando uma “bolha” em constante expansão de água fria. A última vez que o AMOC mudou de modo durante a era glacial mais recente, o clima perto da Groenlândia aumentou de 18 a 27 graus Fahrenheit (10 a 15 graus Celsius) em uma década. Se fosse desligado, as temperaturas na Europa e na América do Norte poderiam cair até 9 F (5 C) no mesmo período de tempo. Dados diretos sobre a força do AMOC só foram registrados desde 2004, portanto, para analisar as mudanças na corrente em escalas de tempo mais longas, os pesquisadores recorreram às leituras da temperatura da superfície do giro subpolar entre os anos de 1870 e 2020, um sistema que eles argumentam fornecer uma ‘impressão digital’ para a força da circulação do AMOC. Ao inserir essas informações em um modelo estatístico, os pesquisadores avaliaram a diminuição da força e resiliência da corrente oceânica por meio de suas crescentes flutuações ano a ano. Os resultados do modelo alarmaram os pesquisadores – mas eles dizem que verificá-los apenas reforçou suas descobertas: a janela para o colapso do sistema pode começar já em 2025, e torna-se mais provável à medida que o século 21 continua. “Não me considero muito alarmista. Em certo sentido, não é frutífero”, disse Peter Ditlevsen , professor de física e ciência climática do Instituto Niels Bohr em Copenhague, à Live Science. “Então, meu resultado me incomoda, de certa forma. Porque [a janela para um possível colapso] é tão próxima e tão significativa que temos que tomar medidas imediatas agora”. Oceanógrafos e especialistas em clima disseram que, embora o estudo forneça um aviso preocupante, ele vem com algumas grandes incertezas. “Se as estatísticas são robustas e são uma maneira correta/relevante de descrever como o AMOC moderno real se comporta, e as mudanças se relacionam (apenas) a mudanças

Curvas de estado estacionário de simulações de modelos climáticos de Águas Profundas do Atlântico Norte (NADW), com um parâmetro de controle de mudança muito lenta (força de água doce)

Controvérsia sobre o colapso previsto O painel superior mostra modelos apenas do oceano, enquanto o painel inferior mostra os modelos da atmosfera oceânica. As curvas são, mesmo longe da transição, surpreendentemente bem ajustadas pela Eq. (curvas finas pretas). Os pontos de bifurcação são indicados com círculos pretos. Observe que, para alguns modelos, a transição ocorre antes do ponto crítico, como seria de se esperar em transições induzidas por ruído. Os círculos coloridos mostram as condições atuais para os diferentes modelos. Adaptado de Rahmstorf et al

no AMOC, então este é um resultado muito preocupante”, David Thornalley, professor de oceano e ciência climática na University College London, disse ao Live Science por e- mail . “Mas existem algumas incógnitas e suposições realmente grandes que precisam ser investigadas antes de termos confiança neste resultado”. Outros cientistas do clima chegaram ao ponto de jogar água fria nas descobertas, sugerindo que é “totalmente incerto” que a evolução observada da temperatura da superfície do AMOC possa estar ligada à força de sua circulação. “Embora a matemática pareça feita com habilidade, a base física é extremamente instável: baseia-se na suposição

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de que o colapso mostrado por modelos simplificados descreve corretamente a realidade - mas simplesmente não sabemos, e não há discussão séria sobre as deficiências desses modelos simplificados”, disse Jochem Marotzke, professor de ciência do clima e diretor do Instituto Max Planck de Meteorologia em Hamburgo, ao Live Science por e-mail. fica muito aquém de seu objetivo autoproclamado de estimar a evolução da circulação apenas a partir de observações”. Os pesquisadores por trás do novo estudo dizem que seus próximos passos serão atualizar seu modelo com dados dos últimos três anos, o que deve reduzir sua janela para o colapso previsto.

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As alterações climáticas dão nova cor ao oceano Duas décadas de medições por satélite mostram que a superfície do mar está ficando verde Fotos: Observatório da Terra da NASA por Wanmei Liang , usando dados de Cael, BB, et al. (2023).

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mar azul profundo está ficando um pouco mais Os valores apresentados em verde baseiam-se em toda a verde. Embora isso possa não parecer tão im- gama de cores e, portanto, captam mais informações sobre o portante como, digamos, temperaturas recor- ecossistema como um todo.Uma longa série temporal de um des da superfície do mar , a cor da superfície do único sensor é relativamente rara no mundo do sensoriamento oceano é indicativa do ecossistema que se encontra abaixo. remoto. Enquanto o satélite Aqua celebrava o seu 20º ano em Comunidades de fitoplâncton , organismos microscópicos órbita em 2022 – excedendo em muito a sua vida útil de 6 anos fotossintetizantes, são abundantes em águas próximas à su- – Cael questionou-se que tendências a longo prazo poderiam perfície e são fundamentais para a cadeia alimentar aquática ser descobertas nos dados. Em particular, ele estava curioso e o ciclo do carbono. Esta mudança na tonalidade da água para saber o que poderia ter faltado em todas as informações confirma uma tendência esperada no âmbito das alterações sobre as cores do oceano que havia coletado. “Há mais coisas climáticas e sinaliza mudanças nos ecossistemas do oceano codificadas nos dados do que realmente utilizamos”, disse ele. global, que cobre 70 por cento da superfície da Terra. Pesqui- Ao ampliar os dados, a equipe identificou uma tendência de cor sadores liderados por BB Cael , principal cientista do Centro do oceano que havia sido prevista pela modelagem climática, Nacional de Oceanografia do Reino Unido, revelaram que mas que deveria levar de 30 a 40 anos de dados para ser detec56% da superfície global do mar sofreu uma mudança signi- tada usando estimativas de clorofila baseadas em satélite. Isto ficativa de cor nos últimos 20 porque a variabilidade natuanos. Depois de analisar ral da clorofila é elevada os dados da cor do em relação à tendênoceano do instrucia das alterações mento MODIS climáticas. O (Espectrorranovo método, diômetro de incorporando Imagem de toda a luz viResolução sível, foi roModerada) busto o sudo satélificiente para te Aqua da confirmar a NASA , eles tendência em descobriram 20 anos.Nesta que grande fase, é difícil parte da mudizer que mudança decorre do danças ecológicas fato de o oceano ficar exatas são responsáImagem do dia 2 de outubro de 2023. Instrumento: Aqua — MODIS mais verde.O mapa acima veis pelas novas tonalidestaca as áreas onde a cor da sudades. No entanto, postulam os perfície do oceano mudou entre 2002 e 2022, com tons mais autores, eles poderiam resultar de diferentes conjuntos de escuros de verde representando diferenças mais significativas plâncton, de partículas mais detríticas ou de outros organis(maior relação sinal-ruído). mos, como o zooplâncton. É improvável que as mudanças de Por extensão, disse Cael, “estes são locais onde podemos cor venham de materiais como plásticos ou outros poluendetectar uma mudança no ecossistema oceânico nos últimos tes, disse Cael, uma vez que não são suficientemente difun20 anos”. O estudo concentrou-se nas regiões tropicais e didas para serem registadas em larga escala. subtropicais, excluindo latitudes mais altas, que são escuras “O que sabemos é que nos últimos 20 anos o oceano tornou-se durante parte do ano, e águas costeiras, onde os dados são mais estratificado”, disse ele. As águas superficiais absorveram o naturalmente muito ruidosos. Os pontos pretos no mapa in- excesso de calor do clima mais quente e, como resultado, são medicam a área, que cobre 12% da superfície do oceano, onde nos propensas a se misturar com camadas mais profundas e mais os níveis de clorofila também mudaram durante o período de ricas em nutrientes. Este cenário favoreceria o plâncton adaptaestudo. A clorofila tem sido a medida preferida pelos cien- do a um ambiente pobre em nutrientes. As áreas de mudança de tistas de sensoriamento remoto para avaliar a abundância e cor do oceano alinham-se bem com onde o mar se tornou mais a produtividade do fitoplâncton. No entanto, essas estima- estratificado, disse Cael, mas não existe tal sobreposição com as tivas usam apenas algumas cores do espectro de luz visível. mudanças de temperatura da superfície do mar. revistaamazonia.com.br

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Preservando as florestas para proteger o solo profundo do aquecimento Um estudo recente liderado por cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (Berkeley Lab) e da Universidade de Zurique revelou que os compostos orgânicos propostos para o sequestro de carbono em solos profundos são altamente vulneráveis à decomposição sob o aquecimento global Fotos: Michael WI Schmidt, Roy Kaltschmidt/Berkeley Lab, Universidade de Zurique

A

descoberta tem implicações para uma estratégia chave na gestão do carbono que depende do solo e das florestas – “sumidouros” naturais de carbono – para mitigar o aquecimento global. Cerca de 25% das emissões globais de carbono são capturadas por florestas, pastagens e pastagens. Durante a fotossíntese, as plantas armazenam carbono em suas paredes celulares e no solo. Devido aos ricos estoques de carbono de décadas passadas, os solos contêm duas vezes mais carbono do que a atmosfera, e os subsolos mais profundos (mais de 8 polegadas ou 20 centímetros) respondem por aproximadamente metade do carbono do solo. Mas à medida que as populações globais aumentam, também aumentam nossas demandas por novas terras agrícolas e madeira. A pesquisa mostra que perturbar o mundo natural para o comércio tem um preço: o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas alertou que as emissões do desmatamento e da agricultura representam cerca de um quinto dos gases de efeito estufa globais.

Reduzir simultaneamente as emissões de ozônio de baixo nível e outros poluentes climáticos de vida curta, bem como o dióxido de carbono de vida longa, poderia reduzir a taxa de aquecimento global pela metade até 2050, mostra um novo estudo

“Nosso estudo mostra que a mudança climática afetará todos os aspectos do ciclo de carbono e nutrientes do solo. Também mostra que, em termos de sequestro de carbono, não existe solução milagrosa. Se quisermos que o solo sustente o sequestro de carbono em um mundo em aquecimento, precisaremos de melhores práticas de manejo do solo, o que pode significar uma perturbação mínima dos solos durante o manejo florestal e a agricultura”, disse Margaret Torn, cientista sênior da Área de Ciências Ambientais e da Terra do Berkeley Lab. e um autor sênior do estudo.

Em 2021, Torn e sua equipe de pesquisa forneceram a primeira evidência física de que temperaturas mais altas levam a uma queda significativa nos estoques de carbono armazenados em solos florestais profundos – uma perda de 33% em cinco anos. No novo estudo, Torn e o primeiro autor, Cyrill Zosso, da Universidade de Zurique, revelam uma imagem mais clara do solo em um mundo em aquecimento. Desta vez, a equipe de pesquisa é a primeira a mostrar que temperaturas mais altas levam a uma queda significativa nos compostos de carbono orgânico do solo que são criados pelas plantas durante a fotossíntese. Durante um experimento na Blodgett Forest Research Station da Universidade da Califórnia, no sopé das montanhas de Sierra Nevada, os pesquisadores usaram hastes de aquecimento verticais para aquecer continuamente terrenos de 1 metro de profundidade (três pés de profundidade) em 4 graus Celsius ( 7 graus Fahrenheit). Essa é a quantidade de aquecimento projetada até o final do século 21, se as emissões de gases de efeito estufa permanecerem altas.

Cientistas do Berkeley Lab coletam amostras de solo na Blodgett Forest

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Eles descobriram que apenas 4,5 anos de aquecimento nessa temperatura levaram a grandes mudanças nos estoques de carbono a uma profundidade de mais de 30 centímetros (ou aproximadamente 12 polegadas) abaixo da superfície do solo. Durante experimentos espectroscópicos na Universidade de Zurique, Zosso identificou os compostos orgânicos afetados pelo aquecimento. Os resultados foram chocantes: uma perda de 17% em lignina – os compostos que dão rigidez às plantas – e uma perda de quase 30% em cutina e suberina, os compostos cerosos nas folhas, caules e raízes que protegem as plantas de patógenos. Torn e Zosso também ficaram surpresos ao encontrar uma diferença significativa na quantidade de “carbono pirogênico” nas amostras de solo que foram aquecidas artificialmente em relação às que não foram. O carbono pirogênico é um tipo de carbono orgânico do solo derivado de vegetação carbonizada e outros restos de matéria orgânica deixados na sequência de um incêndio florestal. Muitos pesquisadores assumem que o carbono pirogênico tem o maior potencial para servir como uma forma muito estável de carbono sequestrado. “Encontramos muito menos carbono pirogênico nos solos profundos quando eles foram aquecidos”, disse Torn. “O carbono pirogênico pode permanecer no solo por décadas ou mesmo séculos, mas precisamos entender sua vulnerabilidade ao aquecimento ou a mudanças no manejo da terra. Nosso estudo sugere que esse material se decompôs tão rápido quanto qualquer outra coisa quando o solo foi aquecido”, explicou Torn. “Isso mostra que, quando você coloca material profundamente no solo, onde está em contato com minerais e micróbios, esses sistemas naturais decompõem o material ao longo do tempo”.

Tempos globais de rotatividade de carbono orgânico no subsolo controlados predominantemente pelas propriedades do solo e não pelo clima

Padrão espacial dos tempos de renovação do carbono orgânico do subsolo. a, b e c, respectivamente, mostram o limite superior (ou seja, o quantil de 97,5%), média e limite inferior (ou seja, o quantil de 2,5%) dos tempos de renovação do carbono orgânico do subsolo (0,3-1 m) com base em 200 simulações de inicialização considerando incerteza na entrada de carbono em cada pixel na resolução de 0,0083

Pesquisadores da Universidade de Zurique medem o teor de carbono do solo na Floresta Nacional de Sierra Nevada

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A seguir, os pesquisadores planejam reamostrar o solo do estudo para determinar como nove anos de aquecimento afetam a composição e a saúde do solo. Um novo experimento de aquecimento de pastagens no Point Reyes National Seashore, no norte da Califórnia, também está no horizonte. “Também estamos organizando todos os experimentos mundiais de aquecimento do solo profundo (ou aquecimento total do solo) para compartilhar dados e know-how e conduzir a síntese dos dados para ver o que podemos aprender”, disse Torn.

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Os seres humanos enfrentaram um “perigo de extinção” há quase um milhão de anos por *Charles Q. Choi

Fotos: Charles Q. Choi, Instituto de Nutrição e Saúde de Xangai/CAS, Science

O gargalo ancestral inicial poderia ter significado o fim dos humanos modernos. A população humana pode ter permanecido em cerca de 1.300 habitantes durante mais de 100.000 anos, e esse gargalo populacional pode ter alimentado a divergência entre os humanos modernos, os neandertais e os denisovanos. Durante inferência genômica de um grave gargalo humano durante a transição do Pleistoceno Inferior para o Médio

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oje, existem mais de 8 bilhões de seres humanos no planeta. Dominamos as paisagens da Terra e as nossas actividades estão a levar à extinção um grande número de outras espécies. Porém, se um pesquisador tivesse olhado para o mundo em algum momento entre 800 mil e 900 mil anos atrás, o quadro teria sido bem diferente. Hu et al . usaram um modelo coalescente recentemente desenvolvido para prever tamanhos de populações humanas passadas a partir de mais de 3.000 genomas humanos atuais (ver a Perspectiva de Ashton e Stringer). O modelo detectou uma redução no tamanho da população dos nossos antepassados de cerca de 100.000 para cerca de 1.000 indivíduos, que persistiu por cerca de 100.000 anos.

A arte rupestre num penhasco ilustra como os nossos antepassados humanos sobreviveram face a um perigo desconhecido. Próximo a ele está o fórum central usado pelos pesquisadores para inferir o gargalo que ocorreu há cerca de 1 milhão de anos

O declínio parece ter coincidido tanto com grandes alterações climáticas como com subsequentes eventos de especiação. —Sacha Vignieri. Os humanos podem ter quase sido extintos há quase 1 milhão de anos, com a população mundial a oscilar em apenas cerca de 1.300 durante mais de 100.000 anos, conclui um novo estudo. Esta proximidade com a extinção pode ter desempenhado um papel importante na evolução dos humanos modernos e dos seus parentes extintos mais próximos, os neandertais de sobrancelhas grossas e os misteriosos denisovanos , acrescentaram os investigadores. Pesquisas anteriores sugeriram que os humanos modernos se originaram há cerca de 300 mil anos na África. Com tão poucos fósseis daquela época, ainda há muita incerteza sobre como a linhagem humana evoluiu antes do surgimento dos humanos modernos. Mapa mostrando a distribuição potencial de hominídeos arcaicos, incluindo H. erectus, H. floresiensis, H. neanderthalenesis, denisovanos e hominídeos africanos arcaicos, no Velho Mundo na época da evolução e dispersão de H. sapiens entre ca. 300 e 60 ka

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Para saber mais sobre o período próximo da evolução dos humanos modernos, os cientistas investigaram os genomas de mais de 3.150 humanos modernos actuais, de 10 populações africanas e 40 não-africanas. Eles desenvolveram uma nova ferramenta analítica para deduzir o tamanho do grupo que constitui os ancestrais dos humanos modernos, observando a diversidade das sequências genéticas observadas em seus descendentes. Os dados genéticos sugerem que entre 813 mil e 930 mil anos atrás, os ancestrais dos humanos modernos experimentaram um grave “gargalo”, perdendo cerca de 98,7% de sua população reprodutora. “Nossos ancestrais experimentaram um gargalo populacional tão grave por muito tempo que enfrentaram um alto risco de extinção”, disse Wangjie Hu , co-autor principal do estudo , da Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai, na cidade de Nova York, à WordsSideKick.com. Os pesquisadores estimaram que a população reprodutora humana moderna era de cerca de 1.280 durante cerca de 117.000 anos. “O tamanho populacional estimado para a nossa linhagem ancestral é minúsculo e certamente os teria levado quase à extinção”, disse Chris Stringer , paleoantropólogo do Museu de História Natural de Londres, que não esteve envolvido no novo estudo, à WordsSideKick.com. Os cientistas notaram que esta queda populacional coincidiu com um arrefecimento severo que resultou no surgimento de glaciares, numa queda nas temperaturas da superfície dos oceanos e talvez em longas secas em África e na Eurásia. Os cientistas ainda não sabem como é que esta mudança climática pode ter afectado os humanos porque os fósseis e artefactos humanos são relativamente escassos durante este período, talvez porque a população era muito baixa. Pesquisas anteriores sugeriram que o último ancestral comum compartilhado pelos humanos modernos, os neandertais e os denisovanos, viveu entre 765 mil e 550 mil anos atrás, aproximadamente na mesma época que o gargalo recém-descoberto.

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Este gráfico mostra a linha do tempo do grave gargalo e quantos indivíduos provavelmente existiram durante esse período. A lacuna fóssil dos hominídeos africanos e o período de tempo estimado da fusão cromossômica são mostrados à direita

O DNA humano moderno indica que os ancestrais humanos podem ter enfrentado a extinção há cerca de 900 mil anos, antes de se recuperarem e possivelmente evoluirem para o Homo heidelbergensis , uma espécie representada pelo crânio fóssil africano mostrado aqui

Isto sugere que a quase erradicação estava potencialmente ligada de alguma forma à evolução do último ancestral comum dos humanos modernos, os neandertais e os denisovanos. Se este último ancestral comum viveu durante ou logo após o gargalo, o gargalo pode ter desempenhado um papel na divisão de grupos humanos antigos em humanos modernos, Neandertais e Denisovanos, explicou Stringer. Por exemplo, pode ter dividido os humanos em pequenos grupos separados e, ao longo do tempo, as diferenças entre estes grupos

Um ‘gargalo ancestral’ destruiu quase 99% da população humana há 800 mil anos. Quatro crânios de ancestrais humanos A. africanus, A. afarensis, H. erectus, H. neanderthalensis e um crânio humano moderno

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revelar-se-iam suficientemente significativas para dividir estes sobreviventes em populações distintas – humanos modernos, neandertais e denisovanos, disse ele. Além disso, trabalhos anteriores sugeriram que cerca de 900 mil a 740 mil anos atrás, dois cromossomos antigos se fundiram para formar o que é atualmente conhecido como cromossomo 2 nos humanos modernos. Uma vez que isto coincide com o gargalo, estas novas descobertas sugerem que a quase erradicação dos seres humanos pode ter alguma ligação com esta grande mudança no genoma humano, observaram os investigadores. O estudo foi publicado na revista Science “Como os neandertais e os denisovanos partilham esta fusão connosco, ela deve ter ocorrido antes das nossas linhagens se separarem”, disse Stringer. Pesquisas futuras podem aplicar esta nova técnica analítica “a outros dados genômicos, como os dos neandertais e dos denisovanos”, disse Stringer. Isto pode revelar se eles também passaram por grandes gargalos.

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19 “extinções em massa” tiveram níveis de CO2 para os quais agora estamos nos voltando por *Earth’s Future

Fotos: Brett Monroe Garner, Earth’s Future, OsakaWayne Studios via Getty Images

A pesquisa analisou os picos de perda de biodiversidade e sua relação com o CO2 atmosférico, encontrando 50 eventos nos últimos 534 milhões de anos que podem ser considerados extinções em massa

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urante a vida humana, as concentrações de CO2 na atmosfera da Terra podem atingir níveis associados a 19 “extinções em massa” que ocorreram nos últimos 534 milhões de anos, sugere uma nova pesquisa. Até 2100, os níveis atmosféricos de dióxido de carbono podem subir para 800 partes por milhão em volume (ppmv) – quase o dobro da concentração de aproximadamente 421 ppmv registrada este ano – se não conseguirmos reduzir as emissões da queima de combustíveis fósseis e converter terras para agricultura.

Os níveis atuais de CO2 já estão causando perdas na biodiversidade, diz o estudo

Isso estaria próximo das concentrações médias de CO2 (870 ppmv) associadas a grandes acidentes na biodiversidade marinha nos últimos 534 milhões de anos, de acordo com um estudo publicado em 22 de junho na revista Earth’s Future. Esses eventos de extinção são preservados no registro fóssil, permitindo aos cientistas traçar como a biodiversidade e o CO2 atmosférico evoluíram ao longo da história da Terra.

“A relação entre o dióxido de carbono no passado e a extinção no passado nos dá uma espécie de parâmetro que podemos aplicar ao presente”, autor do estudo William Jackson Davis , biólogo e presidente do Instituto de Estudos Ambientais sem fins lucrativos em Santa Cruz. , Califórnia, disse ao Live Science. O CO2 atmosférico contribui para a perda de biodiversidade por meio da acidificação dos oceanos , disse Davis. Os oceanos absorvem o dióxido de carbono atmosférico, o que torna a água mais ácida, reduzindo a disponibilidade de íons de carbonato de cálcio necessários para que os organismos construam seus esqueletos e conchas. Quando esses efeitos são fortes o suficiente para afetar toda a cadeia alimentar, eles podem levar a extinções em massa.

CO2 e extinção se movem em conjunto

Séries temporais de extinções em massa e seus subestágios nos últimos 534 milhões de anos

Os rótulos identificam as cinco extinções em massa canônicas. Os dados originais são de Bambach (2006) e Melott e Bambach (2014) com base em JJ Sepkoski (1986 , 2002). Cf. com a Figura 1, pág. 178 de Melott & Bambach, 2014 . As linhas que conectam os pontos de dados nesta série temporal são apenas para clareza visual e não refletem a existência de dados reais entre os pontos de dados designados. Abreviaturas: Ordov., Ordoviciano; Sil., Siluriano; Carbonífero., Carbonífero; Paleog., Paleogeno; Neo., Neogene

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No novo estudo, Davis descobriu que as concentrações de CO2 oscilam com a biodiversidade marinha no registro fóssil. “Quando o dióxido de carbono aumenta, a extinção aumenta, e quando o dióxido de carbono diminui, a extinção diminui”, disse ele. Davis então usou essa relação para estimar a perda de biodiversidade nas condições atmosféricas atuais. “A concentração atual de CO2 na atmosfera é de 421 ppmv”, afirmou. “Quando ligamos isso à relação entre biodiversidade e concentração de CO2 no passado, isso corresponde a uma perda de biodiversidade de 6,39%”.

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Essa estimativa se aproxima da porcentagem de biodiversidade perdida no menor evento de extinção “em massa” considerado no estudo - chamado “evento de extinção nº 10” - que condenou 6,4% das espécies há 132,5 milhões de anos. Isso significa que “os humanos já causaram perdas de biodiversidade em grau de extinção”, disse Davis. Os cientistas geralmente definem as extinções em massa como três quartos das espécies morrendo em curtos períodos geológicos – em menos de 2,8 milhões de anos. Sob esta definição, cinco eventos de extinção em massa moldaram a história da Terra , com um sexto provavelmente em andamento. Mas outros 45 picos de perda de biodiversidade também podem ser considerados extinções em massa, disse Davis. Para o estudo, uma extinção em massa foi definida como “qualquer pico na perda de biodiversidade que é flanqueado por valores menores”. Por esta definição, houve 50 extinções em massa nos últimos 534 milhões de anos, variando de 6,4% a 96% das espécies marinhas extintas. É mostrada a relação entre a perda percentual do gênero e a concentração atmosférica de CO2 (curva vermelha, linha de tendência linear de melhor ajuste, método dos mínimos quadrados) com base no registro fóssil mais recente (últimos 33 milhões de anos). As setas para baixo acima da curva de extinção mostram os cortes percentuais anuais necessários para atingir a estabilização da concentração de dióxido de carbono atmosférico (CO2 ).

O CO2 atmosférico contribui para a perda de biodiversidade e branqueamento de corais por meio da acidificação e aquecimento dos oceanos

As setas para cima abaixo da curva de extinção marcam marcos de concentração de CO2 , começando com as concentrações atmosféricas interestaduais de CO2 entre as recentes Grandes Idades do Gelo (seta verde no canto inferior esquerdo) e culminando na concentração atmosférica média de CO2 das últimas 19 extinções

Gráfico de extinção mostrando os riscos calculados para a biodiversidade associados às metas e marcos de redução de CO 2 atmosférico explorados neste artigo

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em massa nos últimos 210 Myr (seta vermelha no canto superior direito). Esta curva de extinção mostra que a perda de biodiversidade associada ao CO2 atmosférico já está ocorrendo, enquanto perdas de biodiversidade comparáveis às extinções em massa passadas são projetadas para um futuro próximo. As unidades de todos os números, exceto porcentagens e datas, são ppmv. Abreviaturas: CO2, dióxido de carbono; ppmv, partes por milhão por volume; IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Os resultados sugerem que a acidificação oceânica resultante de concentrações elevadas de CO2 é “o mecanismo de morte imediata” da maioria das extinções em massa, de acordo com o estudo. “A ligação entre o CO2 na atmosfera, a temperatura global e a perda de biodiversidade está bem estabelecida”, disse Mike Benton , professor de paleontologia de vertebrados na Universidade de Bristol, no Reino Unido, ao Live Science por e-mail. As concentrações atmosféricas de CO2 estão aumentando atualmente em mais de 2 ppmv a cada ano , o que pode desencadear uma perda de 10% na biodiversidade nas próximas décadas, disse Davis.

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A perda da biodiversidade levou ao colapso ecológico após a “Grande Morte” A história da biodiversidade da Terra é pontuada episodicamente por extinções em massa. Estes são caracterizados por grandes declínios na riqueza de táxons, mas o colapso ecológico que os acompanha raramente foi avaliado quantitativamente. A extinção em massa do Permiano-Triássico (PTME; ~252 milhões de anos), como a maior extinção conhecida, alterou permanentemente os ecossistemas marinhos e abriu caminho para a transição das faunas evolutivas do Paleozóico para o Mesozóico. Assim, o PTME oferece uma janela para a relação entre a riqueza do táxon e a dinâmica ecológica dos ecossistemas durante uma extinção severa. No entanto, o colapso ecológico decorrente do PTME não foi avaliado em detalhes. Aqui, usando modelos de teia alimentar e um conjunto de dados de paleocomunidades marinhas abrangendo o PTME, mostramos que após a primeira fase de extinção, a estabilidade da comunidade diminuiu apenas ligeiramente, apesar da perda de mais da metade da diversidade taxonômica, enquanto a estabilidade da comunidade diminuiu significativamente na segunda fase. Assim, as mudanças taxonômicas e ecológicas foram inequivocamente dissociadas, com a riqueza de espécies diminuindo severamente ~ 61 ka antes do colapso da estabilidade do ecossistema marinho, implicando que em grandes catástrofes, uma queda na biodiversidade pode ser o prenúncio de um colapso mais devastador do ecossistema Fotos: Academia de Ciências da Califórnia © Kathryn Whitney, Chien C Lee/PA, Museu de História Natural da Universidade de Michigan, Peter Roopnarine, Unsplash

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história da vida na Terra foi pontuada por várias extinções em massa, sendo a maior delas o evento de extinção Permiano-Triássico, também conhecido como “Grande Morte”, que ocorreu há 252 milhões de anos. Embora os cientistas geralmente concordem com suas causas, exatamente como essa extinção em massa se desenrolou – e o colapso ecológico que se seguiu – permanece um mistério. Em um estudo publicado na Current Biology, os pesquisadores analisaram os ecossistemas marinhos antes, durante e depois da Grande Morte para entender melhor a série de eventos que levaram à desestabilização ecológica. Ao fazer isso, a equipe de estudo internacional – composta por pesquisadores da Academia de Ciências da Califórnia, da Universidade de Geociências da China (Wuhan) e da Universidade de Bristol – revelou que a perda de biodiversidade pode ser o prenúncio de um colapso ecológico mais devastador, uma sobre a descoberta, dado que a taxa de perda de espécies hoje supera aquela durante a “Grande Morte”.

O evento de extinção do final do Permiano causou a extinção de cerca de 90% da vida marinha e 70% dos vertebrados terrestres, provavelmente como resultado da mudança climática do vulcanismo hiperativo - quando vulcões expeliram lava basáltica e liberaram gases na atmosfera

“A extinção do Permiano-Triássico serve como modelo para estudar a perda de biodiversidade em nosso planeta hoje”, diz o curador de geologia da Academia, Peter Roopnarine, PhD.

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“Neste estudo, determinamos que a perda de espécies e o colapso ecológico ocorreram em duas fases distintas, com a última ocorrendo cerca de 60.000 anos após a queda inicial da biodiversidade”.

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O evento em si eliminou 95% da vida na Terra, ou cerca de 19 de cada 20 espécies. Provavelmente desencadeado pelo aumento da atividade vulcânica e um aumento subsequente no dióxido de carbono atmosférico, causou condições climáticas semelhantes aos desafios ambientais provocados pelo homem vistos hoje, ou seja, aquecimento global, acidificação dos oceanos e desoxigenação marinha. Para conduzir o estudo, os pesquisadores examinaram fósseis do sul da China – um mar raso durante a transição Permiano-Triássico – para recriar o antigo ambiente marinho. Ao classificar as espécies em guildas ou grupos de espécies que exploram recursos de maneira semelhante, a equipe conseguiu analisar as relações entre presas e predadores e determinar as funções desempenhadas pelas espécies antigas. Essas teias alimentares simuladas forneceram representações plausíveis do ecossistema antes, durante e depois do evento de extinção. “Os sítios fósseis na China são perfeitos para esse tipo de estudo porque precisamos de fósseis abundantes para reconstruir as redes alimentares”, diz o professor Michael Benton, da Universidade de Bristol. “As sequências de rochas também podem ser datadas com muita precisão, para que possamos seguir uma linha do tempo passo a passo para rastrear o processo de extinção e eventual recuperação”.

Resumo Gráfico

“Apesar da perda de mais da metade das espécies da Terra na primeira fase da extinção, os ecossistemas permaneceram relativamente estáveis”, diz o pesquisador da Academia Yuangeng Huang, PhD, agora na Universidade de Geociências da China.

Recriação do fundo do mar do período Permiano

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O curador de geologia da Academia, Peter Roopnarine, PhD, concentra-se na biologia da mudança global e em como podemos desenvolver ainda mais nossa compreensão dos ecossistemas do passado da Terra para

As interações entre as espécies diminuíram apenas ligeiramente na primeira fase da extinção, mas caíram significativamente na segunda fase, causando a desestabilização dos ecossistemas. “Os ecossistemas foram levados a um ponto crítico do qual não poderiam se recuperar”, continua Huang.

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Um ecossistema como um todo é mais resistente a mudanças ambientais quando existem várias espécies que desempenham funções semelhantes. Se uma espécie se extingue, outra pode preencher esse nicho e o ecossistema permanece intacto. Isso pode ser comparado a uma economia em que várias empresas ou corporações fornecem o mesmo serviço. O fim de uma corporação ainda deixa o serviço e a economia intactos, mas o oposto ocorrerá se o serviço for monopolizado por uma única entidade. “Descobrimos que a perda de biodiversidade na primeira fase da extinção foi principalmente uma perda nessa redundância funcional, deixando um número suficiente de espécies para desempenhar funções essenciais”, diz Roopnarine.

Uma seção de rocha do limite Permiano-Triássico tirada na província de Hubei, no sul da China

A extinção em massa no final do Permiano (252 milhões de anos atrás) foi a maior da história da Terra. Depois disso, um dos animais mais comuns na época era o Lystrosaurus, um parente primitivo de mamíferos cujos fósseis são conhecidos da Rússia, China, Índia, África e Antártida

“Mas quando distúrbios ambientais como o aquecimento global ou a acidificação dos oceanos ocorreram mais tarde, os ecossistemas perderam essa resistência reforçada, o que levou a um colapso ecológico abrupto”. Para a equipe de estudo, suas descobertas enfatizam a importância de considerar a redundância funcional ao avaliar as estratégias modernas de conservação e os lembram da necessidade urgente de ação para lidar com a atual crise de biodiversidade causada pelo homem. “Atualmente, estamos perdendo espécies em um ritmo mais rápido do que em qualquer um dos eventos de extinção anteriores da Terra. É provável que estejamos na primeira fase de outra extinção em massa mais severa”, diz Huang. “Não podemos prever o ponto de inflexão que levará os ecossistemas ao colapso total, mas é um resultado inevitável se não revertermos a perda de biodiversidade”.

Cenário estratigráfico e paleogeográfico das sucessões abrangendo o evento do final do Permiano na Bacia de Sydney, Austrália

a) Mapa da Bacia de Sydney mostrando a distribuição dos estratos Permiano e Triássico. b) Mapa paleogeográfico do final do Permiano de Gondwana oriental com a área de estudo marcada imediatamente a oeste de um arco vulcânico continental flanqueando a margem sudeste de Gondwana. c) Mapa paleogeográfico global para a transição Permiano-Triássico mostrando a localização da Grande Província Ígnea das Armadilhas Siberianas , a distribuição das zonas de subducção (linhas amarelas) e magmatismo félsico (símbolos vulcânicos) formando o ‘anel de fogo’ Pangeano

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