Amazônia 75

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ISSN 1809-466X

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Ano 14 Nº 75 Julho / Agosto 2019

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Ano 14 Número 75 2019

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ATERRO SANITÁRIO DE MANAUS GERA ENERGIA LIMPA ENCICLOPÉDIA INDÍGENA DE MEDICINA TRADICIONAL ADAPTA SIMULA FUTURO CLIMÁTICO NA AMAZÔNIA RESTAURAÇÃO MACIÇA DA FLORESTA PODE DESACELERAR O AQUECIMENTO GLOBAL


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EXPEDIENTE

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Futuro climático da Amazônia previsto pelo IPCC é simulado em salas do projeto Adapta

DIRETOR Rodrigo Barbosa Hühn

Em Manaus (AM), pesquisadores do projeto Adaptações da Biota, Aquática da Amazônia (Adapta) utilizam resultados dos modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para simular condições ambientais futuras em salas climáticas. Futuro climático da Amazônia previsto pelo IPCC é simulado em salas do projeto Adapta Criadas dentro do Inpa, em Manaus, os...

COMERCIAL Alberto Rocha, Rodrigo B. Hühn

A enciclopédia de Medicinado povo Matses

Em uma das grandes tragédias da nossa era, tradições, histórias, culturas e conhecimentos indígenas estão desfalecendo em todo o mundo. Línguas inteiras e mitologias estão desaparecendo e, em alguns casos, até mesmo grupos indígenas inteiros estão em processo de extinção. Isto é o que chama a atenção para uma tribo na Amazônia – o povo Matsés do Brasil e do Peru –, que criou uma enciclopédia de 500 páginas para que sua medicina tradicional seja...

Restauração maciça da floresta pode desacelerar bastante o aquecimento global

Nós ouvimos há anos que plantar árvores pode ajudar a salvar o mundo do aquecimento global. Esse mantra foi principalmente uma declaração de fé, no entanto. Agora, os dados finalmente existem para mostrar que, se as espécies certas de árvores forem plantadas nos tipos corretos de solo em todo o planeta, as...

PRODUTOR E EDITOR Ronaldo Gilberto Hühn

ARTICULISTAS/COLABORADORES Carlos Nobre, Catherine Hours, Cimone Barros, CLPC, Denise Oliveira, Evaristo Miranda, Izabel Santos, Jeremy Hance, traduzido por Beatriz Utsumi, José Renato, Liz Goldman, Mark Fischetti, Mikaela Welsse, Peter Moon, Ronaldo G. Hühn, Tom Rickey, Venâncio Rezende/Wikimedia Comons

FOTOGRAFIAS Alex Pazuello/Semcom, Amazon Explorer, Amil Tarris, Ascom FIEPA, Biofach, CIC Bioma GUNE, Cesar David Martinez/Avaaz, CLPC, Cortesia do Acaté/ Instituto Investigaciones de la Amazonia Peruana, Cortesia do PNNL, Cimone Barros, Divulgação/Adapta-Inpa, Divulgação /IBAMA, Felipe Maeda/ Agência Fapesp, INPE, Flávia Costa, Gabriela Zuquitn, Izabel Santos, Izabela Aleixo(Arquivo), J. Bastin, Et.Al. Science 365, 76, 2019, Juscelino Simões, Liniker Patrício/Leem-Adapta, MDPI, Mike Muzurakis, PPBio INPA, PPR IUCN2015, Rhelt A. Butler, Renato Chalu, Rudolph Hühn, Universidade de Leeds, Universidade de Maryland, Warner RudWardt/GIZ, WRI

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Editora Círios SS LTDA DESKTOP Rodolph Pyle NOSSA CAPA Araras no rio Tambopata na região de Madre de Dios e Puno, na Amazônia Peruana. Foto: Shotsandbites

Favores vitais da natureza ao homem

O declínio acelerado da biodiversidade ameaça os múltiplos benefícios vitais que a natureza fornece ao homem, como os medicamentos, a polinização de cultivos e a regulação do clima, segundo os especialistas. “Normalmente as pessoas não vinculam a natureza com a segurança alimentar, a água potável, a coesão social...”, lamenta Bob Watson, presidente da plataforma científica para a biodiversidade IPBES. “Mas a perda de biodiversidade tem implicações econômicas e sociais”. “E não são só os grandes...

Bioenergia gera ciência, renda e educação ao país

O ciclo de desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis está com os dias contados e as alternativas energéticas renováveis abrem um novo campo de pesquisa e de emprego mais bem remunerado e qualificado para as futuras gerações. A conclusão é de especialistas participantes do terceiro episódio do programa Ciência Aberta em 2019, lançado recentemente. Segundo os pesquisadores, a bioenergia é mais democrática do que as fontes tradicionais...

MAIS CONTEÚDO [05] Amazônia 4.0 [08] UFAM inaugura a Casa do Carbono [14] 50ª Sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC-50 [25] Espécies arbóreas da Amazônia ameaçadas pelo desmatamento e mudanças climáticas [36] Imitar a fotossíntese para gerar energia limpa [38] Mercados Verdes E Consumo Sustentável [40] Brasil vai incorporar mais 170 mil km² de plataforma continental e ampliar sua Amazônia Azul [53] Em 2018 o mundo perdeu 12 milhões de hectares de florestas tropicais [56] Mortalidade de árvores da Amazônia acontece em meses chuvosos mesmo em ano de seca [58] Samambaias são usadas como plantas indicadoras para mapear solos da Amazônia [60] Empresários discutem prioridades ambientais para a Amazônia [62] Animais gigantes viviam em megapantanal na Amazônia

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Instalado no Km 19 da AM–010, estrada que liga a capital do Amazonas ao município de Itacoatiara, o Aterro Sanitário de Manaus já está produzindo energia limpa a partir da captação do gás metano. Além disso, a captação de biogás instalada no complexo continua quebrando o gás metano, 22 vezes mais impactante no efeito estufa que dióxido...

EDITORA CÍRIOS

ST A

Aterro Sanitário de Manaus produz energia limpa e gera créditos de carbono para a prefeitura

PUBLICAÇÃO Período (Julho/Agosto) Editora Círios SS LTDA ISSN 1677-7158 CNPJ 03.890.275/0001-36 Rua Timbiras, 1572-A Fone: (91) 3083-0973 Fone/Fax: (91) 3223-0799 Cel: (91) 9985-7000 www.revistaamazonia.com.br E-mail: amazonia@revistaamazonia.com.br CEP: 66033-800 Belém-Pará-Brasil

I LE ESTA REV


A lucratividade do açaí no Pará é de quatro a seis vezes maiores do que a soja no estado

Amazônia 4.0 Carlos Nobre aponta como aproveitar potencial o econômico da Amazônia com tecnologia e sem desmatamento, e quer transformar a floresta em um polo tecnológico que fomente o empreendedorismo sustentável

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a visão do pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também especialista em mudanças climáticas e pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, os recursos naturais da floresta são atualmente subaproveitados, e é por meio da tecnologia que a Amazônia pode ganhar um molde econômico sustentável. “Com as novas tecnologias, temos, pela primeira vez, a possibilidade de criar uma bioeconomia a partir da biodiversidade da floresta”, afirma. O cientista é um dos criadores do projeto “Amazônia 4.0”, do IEA/USP. Usando tecnologias como inteligência artificial, nanotecnologia, blockchain e internet das coisas (IoT), a proposta é criar, ainda neste ano, quatro laboratórios móveis de produção e capacitação da comunidade local – e, dessa maneira transformar a floresta em um centro tecnológico e de empreendedorismo sustentável. “A maior parte dos produtos vindos da floresta não são processados na região”, diz Nobre. “Queremos criar uma economia local com base nas novas tecnologias.” Nesses laboratórios móveis, cientistas, engenheiros e especialistas em tecnologia capacitarão de 30 a 100 moradores da comunidade local a aplicarem modelos econômicos sustentáveis para a exploração de recursos locais. As aulas acontecerão em tendas ou plataformas flutuantes, durante um período de quatro meses.

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A meta é realizar seis cursos ao ano.Haverá três laboratórios dedicados a diferentes culturas. Atualmente, já existem unidades para o cupuaçu e o cacau – o próximo será dedicado à castanha. Na unidade do cupuaçu, por exemplo, a proposta é usar uma impressora 3D para aumentar o valor nutricional do alimento, introduzindo nutrientes do bacuri. “O potencial econômico dos recursos da Amazônia é imenso”, diz Nobre. Ele cita como exemplo o açaí. A fruta, que ganhou o mercado global, gera uma receita de cerca de US$ 1 bilhão por ano. “A lucratividade do açaí no Pará é de quatro a seis vezes maior do que a soja no estado”, diz Nobre. “Com tecnologia, temos o potencial de explorar os recursos naturais de maneira sustentável, sem precisar de grandes áreas de exploração. E ainda podemos aumentar a produtividade.” Junto com o time do IEA, Nobre também está desenvolvendo um modelo de laboratório que fará uso de blockchain para mapear os genomas das espécies locais e desenvolver novos produtos.

O objetivo é criar um banco digital de dados chamado de Amazônia BioBank. Os laboratórios devem servir também como bases para novos negócios de empreendedores locais. Até 2022, deve ser criada a Escola de Negócios da Floresta Tropical, que pretende ser a primeira escola virtual de negócios sustentáveis da floresta do mundo. O currículo terá como objetivo expandir o modelo aplicado pelos laboratórios, ensinando práticas como a diversificação das ofertas de produtos locais e das fontes de renda, a promoção de produtos de valor agregado e o cuidado para evitar a superexploração insustentável. Até agora, o projeto foi financiado por órgãos filantrópicos – Nobre está à procura de novos investimentos. “O Brasil ainda não investe o suficiente em biotecnologia”, diz Nobre. “Temos que começar aplicar tecnologia na floresta, porque o nosso diferencial econômico é a biodiversidade”. Para Carlos Nobre, as novas tecnologias são a solução para a Amazônia

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Aterro Sanitário de Manaus produz energia limpa e gera créditos de carbono para a prefeitura

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nstalado no Km 19 da AM–010, estrada que liga a capital do Amazonas ao município de Itacoatiara, o Aterro Sanitário de Manaus já está produzindo energia limpa a partir da captação do gás metano. Além disso, a captação de biogás instalada no complexo continua quebrando o gás metano, 22 vezes mais impactante no efeito estufa que o dióxido de carbono (CO²), obtendo, com isso, mais créditos de carbono para a Prefeitura de Manaus. O aterro, por suas condições atuais, torna-se agora um dos maiores em geração de energia limpa no país. O potencial elétrico estimado é de 10 megawatts, que já está sendo captado em forma de gás. O projeto-piloto, com a instalação de um novo gerador, torna autossuficiente toda a operação do complexo e ainda gera um excedente de 120 kilowatts/hora de energia limpa. “Isso é motivo de muita comemoração. O gás excedente já está gerando crédito de carbono e há uma possibilidade imensa de se trabalhar esse projeto como fonte de empresas, de emprego, de renda e de energia limpa”, disse o prefeito Arthur Virgílio Neto. “Essa questão do gás é revolucionária. É uma inovação, é muito forte”, completou. Para se ter uma compreensão da potencialidade de produção de energia limpa, pelas tubulações da usina de biogás correm, aproximadamente, 6 mil metros cúbicos por hora e para a geração atual, são utilizados apenas 150 metros cúbicos por hora. Segundo técnicos do projeto, o potencial de energia da usina de biogás do Aterro Sanitário seria suficiente para abastecer um quarto da estrutura predial de toda a prefeitura. “Já contribuímos, mantendo a floresta em pé e reduzindo os efeitos negativos da emissão de gases no aquecimento global, com o projeto Zona Franca de Manaus. Não satisfeitos, há mais de dez anos, temos aqui a usina de biogás, que faz a queima do gás metano, reduzindo seus efeitos e agora estamos produzindo energia limpa, aumentando essa capacidade com a instalação do novo gerador e tornando o complexo totalmente sustentável”, destacou o secretário da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana, Paulo Farias.

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Fotos: Alex Pazuello / Semcom Para o prefeito Arthur Virgílio Neto (e para todos os amazônidas), isso é motivo de muita comemoração – a queima limpa de gases de efeito estufa, feita no Aterro Sanitário, elimina 40 mil toneladas de biogás por mês, gerando ainda créditos de carbono ao município

Ao centro o prefeito Arthur Virgílio Neto e esposa, observando o controle de operação do novo gerador que torna autossuficiente toda a operação do complexo e ainda gera um excedente de 120 kilowatts/hora de energia limpa

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Queima de gases

Instalado no Km 19 da AM–010, o Aterro Sanitário de Manaus produz energia limpa a partir da captação do gás metano

Mantido pela Prefeitura de Manaus desde 2008 e essencial para o meio ambiente, a queima limpa de gases de efeito estufa, feita no Aterro Sanitário, elimina 40 mil toneladas de biogás (metano CH4 e CO2) por mês, gerando créditos de carbono ao município. A geração de créditos de carbono é uma das “moedas universais”, instituídas pelo Protocolo de Kyoto (assinado em 1997), que estabeleceu ao mundo metas de redução de emissão de gases na atmosfera. “Cada tonelada de CO2 não emitida ou retirada da atmosfera por um país em desenvolvimento pode ser negociada no mercado mundial”, disse Farias.

Essa iniciativa levou Manaus a firmar um protocolo de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) com o programa das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, para a geração de créditos de carbono por meio da queima limpa de gases no aterro sanitário. Atualmente, os queimadores ou “flares” processam 6.500 metros cúbicos por hora. De 2009 a 2018, foram reduzidas 3.606.344 toneladas de emissão de biogás (metano), sendo a média diária de 1.039 toneladas de biogás.

Saiba mais O gás excedente já está gerando crédito de carbono e há uma possibilidade imensa de se trabalhar esse projeto como fonte de empresas, de emprego, de renda, fonte de energia limpa”, disse o prefeito

Os aterros sanitários são locais para onde os resíduos sólidos urbanos podem ser destinados. Diferentemente dos lixões (depósitos a céu aberto), nos aterros sanitários existe toda uma preparação do solo para

que não haja contaminação do lençol freático e das áreas de entorno, assim como o monitoramento do ar, para que sejam verificadas as emissões de gases provenientes dos resíduos enterrados ali. Os aterros de resíduos sólidos normalmente emitem dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) na atmosfera, sendo que esses compostos são gerados pela decomposição anaeróbica dos resíduos orgânicos ali depositados, onde o metano tem um grau de poluição da atmosfera de, aproximadamente, 22 vezes mais que o dióxido de carbono. No aterro de Manaus, a operação de controle e medição da emissão dos gases é realizada exclusivamente pela Conestoga-Rovers e Associados Engenharia Ltda. (CRA). A empresa Det Norske Veritas (DNV) é a responsável pela certificação das emissões reduzidas que estão em andamento.

O aterro, por suas condições atuais, é agora um dos maiores em geração de energia limpa no país

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UFAM inaugura a Casa do Carbono O Laboratório é resultado de uma parceria entre a Ufam e o Serviço Florestal Brasileiro e dará apoio ao Inventário Florestal Nacional na Amazônia para o desenvolvimento de equações e processamento de dados para estimativas de estoques de madeira, biomassa e carbono em florestas da região Fotos: Juscelino Simões

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Laboratório de inventário e mensuração de florestas tropicais – também conhecido como Casa do Carbono –inaugurado recentemente, é o primeiro laboratório de inventário e mensuração florestal que irá apoiar os esforços do Inventário Florestal Nacional na estimativa do volume de madeira, biomassa e o carbono de florestas da Amazônia.

Estrutura Vinculada ao Departamento de Ciências Florestais da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA), no Setor Sul do Campus Universitário Arthur Virgílio Filho, a Casa do Carbono está localizada entre o Laboratório de Arqueologia e o Setor de Avicultura da Universidade.

Fachada do Laboratório de Inventário e Mensuração de Florestas Tropicais, também conhecido como Casa do Carbono

O engenheiro florestal Joberto Veloso de Freitas, diretor de Pesquisa e Informações Floretais do Serviço Florestal Brasileiro; o professor Sylvio Puga, Reitor da Universidade Federal do Amazonas; o engenheiro agrônomo Valdir Colatto, diretor de Pesquisa e Informações Florestais do Serviço Florestal Brasileiro; Nabil Moura Kadri, o chefe do departamento de Meio Ambiente e Fundo Amazônia do BNDES; Carmem Silvia Viana Guimarães, prefeita do campus universitário

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O laboratório conta com 287,32 metros quadrados de área, distribuídos entre os ambientes recepção, xiloteca, almoxarifado, sala de carbono, sala de biomassa, sala de dados espaciais, sala de dados analíticos, banheiros e copa.

Marco histórico Coordenador Técnico do projeto que resultou na importante obra para a Ufam, o professor Ulisses Silva da Cunha afirma que a Casa do Carbono é um marco histórico para a Universidade. “A Amazônia Brasileira é uma das maiores reserva de recursos florestais, os quais tem uma importante função na regulação do clima. Para que ações concretas com resultados reais sejam implantadas, são necessários estudos de longa duração envolvendo a dinâmica dos estoques de biomassa e carbono em nossas florestas. A construção de um laboratório para tratar os aspectos relacionados à mensuração da biomassa, carbono e dinâmica do crescimento e produção em florestas tropicais, além de preencher uma lacuna, vem contribuir para ampliar o domínio e competência da Ufam nesta importante área de conhecimento”, observou o pesquisador. O diretor de Pesquisa e Informações Florestais do Serviço Florestal Brasileiro, Joberto de Freitas explica que, para que as estimativas do volume de madeira e peso da biomassa de cada árvore possam ser feitas, é necessário dispor de equações matemáticas adequadas. “As equações matemáticas adequadas transformam os dados coletados em campo (altura e diâmetro, por exemplo) em variáveis mais complexas (biomassa). Essas equações são usualmente chamadas de equações alométricas e devem ser ajustadas para o maior número possível de tipos e condições de florestas em cada bioma”.

Mais laboratórios Está prevista a construção de três laboratórios semelhantes para apoiar o projeto na região amazônica. O laboratório da Ufam é o primeiro a ser inaugurado e foi projetado para dispor dos espaços necessários para o tratamento de amostras de árvores, determinação da biomassa e ajuste das equações e os equipamentos mínimos necessários. O espaço deverá ser utilizado também para o processamento e análise de dados e o desenvolvimento de pesquisas complementares utilizando dados do IFN, inclusive com a participação de estudantes de pós-graduação.

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is v o c ê v ê m u it o m a n a m a r c a A lu b a r

Nos orgulhamos de investir em projetos sociais que levam novas perspectivas e mais qualidade de vida aos moradores das comunidades próximas. • No mês de agosto de 2019, o Projeto Japiim completa 13 anos de atuação. • 50 mães atendidas em 2018*. • Capacitação em corte e costura para geração de renda extra. • 5 mil peças produzidas em 2018.

• No mês de setembro de 2019, o Projeto Catavento completa 10 anos de atuação. • Incentivo ao hábito da leitura, em parceria com a Secretaria de Educação de Barcarena - PA. • Cerca de 1.500 alunos da Educação Infantil ao 5º ano beneficiados. • Participação de 29 escolas ribeirinhas multisseriadas e 1 escola rural. • Dois livros lançados com histórias escritas por alunos e professores.

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Futuro climático da Amazônia previsto pelo IPCC é simulado em salas do projeto Adapta Criadas dentro do Inpa, em Manaus, os locais utilizam tecnologia e previsões do IPCC para preparar a região para cenários futuros Fotos: Cimone Barros, Divulgação/Adapta-Inpa, Izabel Santos, Liniker Patrício/Leem-Adapta

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m Manaus (AM), pesquisadores do projeto Adaptações da Biota, Aquática da Amazônia (Adapta) utilizam resultados dos modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para simular condições ambientais futuras em salas climáticas.

Os locais servem de laboratório para estudar como peixes, plantas, insetos e fungos da Amazônia responderão às mudanças em cenários ambientais futuros. Localizadas no Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem), do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), as quatro salas, de 25 metros cúbicos cada, reproduzem as condições climáticas do ano de 2100 seguindo as previsões do IPCC para temperatura, concentração de dióxido de carbono (CO2) e umidade relativa do ar. “Construímos quatro salas climáticas que reproduzem o cenário ambiental. A primeira sala, chamada de controle, reproduz as condições

climáticas atuais da Floresta Amazônica. A segunda, representando um cenário brando, simula um clima baseado em uma concentração de 250 partes por milhão (ppm) de CO2, acima das concentrações atuais, e 1oC mais quente. Na terceira, representando um cenário intermediário, há uma concentração aumentada em 400 ppm de CO2 em relação a concentração atual e 2,5oC mais quente. Já a quarta sala, representa uma condição drástica, em que a concentração de CO2 é aumentada em 850 ppm acima dos níveis atuais e a temperatura é 4,5oC mais quente”, explica o coordenador do projeto Adapta, o biólogo Adalberto Luís Val.

Corredor de acesso às 4 salas climáticas Equipamento que comprime o ar e coordena as saidas para as salas

Manômetro mostrando a regulação das condições dentro da sala

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Painel de temperatura do monitoramento em tempo real das salas

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Alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado manipulam a equipamentos modernos como um sequenciador de última geração

Todas as salas são exatamente iguais. Possuem a mesma estrutura com tanques, de plástico e vidro; recintos vedados com telas para experimentos com mosquitos; e um balcão com pia de mármore e torneira d’água. Somente os pesquisadores envolvidos em atividades em andamento nas salas têm acesso ao local. A circulação frequente de pessoas não é restrita, pois a presença e respiração humanas nos locais alteram as condições do ambiente. “Tudo nas salas está de acordo com o previsto

pelo IPCC, que faz modelagens baseadas na perspectiva da sociedade e estima o cenário ambiental para o futuro. Se a sociedade continuar o que está fazendo hoje, teremos um cenário drástico. Nós elegemos o cenário para 2100, por ser emblemático, pois ou conseguimos mudar ou vamos viver períodos de grandes desafios para a humanidade”, explica Val. Segundo ele, as simulações realizadas nas salas dispõem de um conjunto de sensores em uma reserva florestal que medem os níveis de

Na imagem estão os tanques, vazios no momento do registro, onde são realizados os experimentos com peixes dentro da Sala 2

CO2, temperatura, umidade e luminosidade no local. Por meio de rádio, a cada dois minutos, as informações são transmitidas para os computadores do laboratório, que ajustam as máquinas e criam na sala controle as mesmas condições da floresta. “Essas condições variam de acordo com aquilo que tem na floresta: durante o dia, a floresta faz fotossíntese e tira CO2 do ar, mas, durante a noite ela respira e devolve o CO2 para o ar. Ou seja, temos oscilações da quantidade de CO2, temperatura, etc.”, acrescenta.

Tanques, vazios no momento do registro, onde são realizados os experimentos com peixes dentro da Sala 2

Nas salas, há cerca de dez anos, são incubados peixes, plantas, insetos e fungos para observar como eles reagem nesses diferentes cenários. “Vimos logo de pronto que havia um impacto muito grande nesses organismos em um curto espaço de tempo. Assim, houve a necessidade de avançar nessas pesquisas para saber o porquê que eles reagiam dessa forma e produzir novas informações para minimizar o efeito das mudanças”, explica Adalberto. Alguns exemplos dos resultados dessas pesquisas dizem respeito aos mosquitos da malária, ao tambaqui e a plantas. No caso dos mosquitos da malária, eles terão gerações mais curtas e portanto um número maior de mosquitos presentes no ambiente. “Isso pode indicar que teremos mais chances de propagação da doença, ou não, se eles não estiverem na fase de transmissão da doença”, explica. “É preciso ir além dos resultados referentes a biologia reprodutiva. Em pouco tempo teremos novas informações sobre a habilidade dos mosquitos em transmitir as doenças amazônicas”

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Peixes criados no laboratório e usados nos experimentos

Plantas herbaceas aquaticas usadas em experimentos no laboratório

Peixes em túneis durantes os experimentos realizados na pesquisa

O tambaqui, muito apreciado na gastronomia amazônica e proveniente da piscicultura, apresentou problemas de desenvolvimento. “Cerca de 40% das larvas, nos primeiros 16 dias de vida, apresentaram deformações esqueléticas profundas como problemas na mandíbula, cifose, escoliose. Isso significa uma perda muito grande para piscicultura e se for no ambiente natural, é maior ainda. Os peixes com deformação não vão conseguir sobreviver à predação, pois não terão como fugir dos predadores naturais por não conseguirem nadar mais rápido”, diz. Plantas herbaceas aquaticas usadas em experimentos no laboratório

Plantas usadas em experimentos no laboratório. Na imagem, uma Pistia stratiotes

Já as plantas apresentaram crescimento acentuado nos cenários mais drásticos. “Isso quer dizer, em tese, que teríamos florestas maiores nos cenários intermediário e drástico. Mas também notamos que os parasitas fitófagos, que comem as plantas, aumentam de forma significativa. Portanto, no final, a biomassa, que é a quantidade de plantas que temos, seria menor, porque teríamos mais parasitas comendo as plantas”, acrescenta.

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seu tempo. Quando os cientistas produziram os primeiros antibióticos, eles não sabiam para que serviria. Depois salvou um monte de gente na Segunda Guerra Mundial. Quando produzimos os primeiros motores a combustão, ninguém sabia que teríamos carros e aviões”, exemplifica. O pesquisador também defende que “não existe mais ciência neutra”. “Hoje, fazemos ciência para sociedade. Quando fazemos Ciência no Adapta, em Manaus, estamos preocupados com a região onde vivemos, a Amazônia, e com o que ela representa para o mundo. Cada vez mais precisamos ter de fato a Ciência exercendo o seu papel social”, finaliza.

Projeto Adapta

Adalberto Luís Val, biólogo coordenador do projeto Adapta: “Precisamos deixar o planeta preparado para gerações futuras..

Adalberto Luís Val defende o alinhamento de ações e discursos entre pesquisadores e tomadores de decisões, como os governos. Ele explica que a Ciência produz matéria-prima para subsidiar políticas públicas que

preparam hoje o mundo para o futuro. “Precisamos deixar o planeta preparado para gerações futuras. É esse o trabalho da pesquisa científica. A Ciência é uma atividade social com fins sociais, que deve se antecipar ao

O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia “Adaptações da Biota, Aquática da Amazônia (INCT/Adapta)” foi implantado em 2009 com o objetivo de avaliar os processos adaptativos das espécies em diferentes ambientes, naturais ou modificados pelo homem. A iniciativa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Inpa.

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50ª Sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC-50 Corte de carbono do transporte e da energia não será suficiente. Precisamos mudar a produção de alimentos para salvar o mundo, diz IPCC Fotos: Mike Muzurakis, Rudolph Hühn

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50ª sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aprovou o Relatório Especial “Mudanças Climáticas e Terra - SRCCL: um relatório especial do IPCC sobre mudança climática, desertificação, degradação da terra, gestão sustentável da terra, segurança alimentar e fluxos de gases de efeito estufa em ecossistemas terrestres”. Divulgado em 8 de agosto de 2019, o SRCCL explora a forma de como usamos nossa Terra contribui para as mudanças climáticas e como a mudança climática afeta nossa Terra. “Este relatório elaborado em conjunto pelos três Grupos de Trabalho do IPCC em colaboração com a Força Tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa – no total de 107 cientistas de 52 países, aborda todas as três convenções do – clima, biodiversidade e desertificação – e, portanto, nosso relatório reconhece o nexo desses desafios globais e demonstra a ampla relevância política do trabalho do IPCC”. “Espero que este relatório desperte a conscientização de todas as pessoas sobre as ameaças e oportunidades trazidas pela mudança climática à Terra em que vivemos e que nos alimenta”, disse o presidente do IPCC, Hoesung Lee. Além de explorar o impacto das mudanças climáticas na terra, o relatório também avalia como a gestão da terra pode contribuir para lidar com as mudanças climáticas e como isso interage com a segurança alimentar. O SRCCL é o primeiro relatório do IPCC a ter mais autores de países em desenvolvimento do que de países desenvolvidos. As equipes de autores, por sua vez, contaram com a ajuda de 96 autores colaboradores. Mais de 7.000 artigos foram avaliados neste relatório que recebeu um total de 28.275 comentários de revisores especialistas e também de governos.

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Desertificação, degradação do solo e segurança alimentar são abordados nos capítulos 3, 4 e 5, compondo o núcleo do relatório. Os capítulos 1-2 apresentam e dão o contexto para o relatório, com o Capítulo 2 olhando para terra e interações climáticas. O capítulo 6 examina as ligações entre a desertificação, a degradação da terra, segurança alimentar e fluxos de gases com efeito de estufa (GEE), bem como sinergias e trade-offs associados a opções de resposta. Capítulo 7 abrange riscos decorrentes da in-

teração das alterações climáticas com a desertificação, degradação do solo, segurança alimentar, bem como respostas de gestão e tomada de decisão em diferentes escalas. Resumo do Relatório Especial “Mudanças Climáticas e Terra - SRCCL O bem-estar da terra de nosso planeta é fundamental para seu futuro. Para cumprir as metas do Acordo de Paris, precisamos melhorar a gestão da terra, transformar a Agricultura em uma solução climática e reduzir as emissões de combustíveis fósseis - tudo ao mesmo tempo

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Depois de uma intensa sessão plenária de negociação, que se estendeu além do tempo previsto ao longo da última noite, 195 governos aprovaram o Relatório Especial do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) sobre Mudança Climática e Terra (SRCCL). O relatório descreve os desafios específicos que a mudança climática representa para a superfície terrestre. O Resumo para os Formuladores de Políticas (SPM) foi publicado após uma sessão exaustiva de uma semana, durante a qual os cientistas responderam aos comentários dos governos sobre o esboço do documento. O IPCC adverte que estamos fazendo enormes e insustentáveis demandas sobre a terra do planeta. A forma como tratamos a terra pode ajudar ou prejudicar o clima e, a menos que mudemos rapidamente de rumo, não poderemos evitar o agravamento da crise climática. Ao desmatar e eliminar animais e plantas a um ritmo impressionante, os seres humanos estão acelerando o colapso climático.

A Diretora Executiva do Programa de Meio Ambiente da ONU, Inger Andersen, observou que o relatório da SRCCL é oportuno e ressaltou a necessidade de traduzir a ciência em ação para restaurar “nosso planeta degradado”

As principais conclusões incluem: • Os impactos climáticos sobre a terra já são severos. Ondas de calor e secas tornaram-se mais frequentes e intensas em algumas regiões, e a segurança alimentar

A mudança de temperatura não é uniforme em todo o mundo. As mudanças projetadas são mostradas para a temperatura média do dia mais quente anual (topo) e a noite anual mais fria (abaixo) com 1,5 ° C do aquecimento global (esquerda) e 2 ° C do aquecimento global (direita) em comparação aos níveis pré-industriais Membros do IPCC Bureau conferenciando com os autores principais

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já foi prejudicada por afetar o rendimento das colheitas e a produção animal, entre muitas outras mudanças como resultado da crise climática. • A meta de manter o aquecimento global dentro do limite de 2°C traz a ameaça de uma crise alimentar, particularmente para regiões tropicais e subtropicais. Projeta-se que uma combinação de elevação do nível do mar e ciclones mais intensos ponha em risco vidas e meios de subsistência em áreas propensas a ciclones. O aquecimento já criou risco de incêndios florestais e estes devem se tornar um alto risco a partir de 1,5˚C de aquecimento. • A agricultura, a produção de alimentos e o desmatamento são impulsionadores significativos das mudanças climáticas e produzem cerca de 23% das emissões de gases de efeito estufa induzidas pelo homem. • Diferentemente do setor de combustíveis fósseis, a agricultura sustentável poderia ser parte da solução para o aquecimento global, ao retirar carbono da atmosfera e colocá-lo no solo. Mas a janela de oportunidade está se fechando rapidamente, pois a capacidade dos solos de realizar essa função diminui à medida que a temperatura aumenta. • O progresso inicial em direção a uma ampla transformação da agricultura, silvicultura e uso da terra é necessário para alcançar as metas do Acordo de Paris. Essa transformação precisa estar bem encaminhada até 2040. • Existem muitas soluções em que todos ganham no setor da terra, particularmente na agricultura e silvicultura, mas algumas soluções terrestres para o aquecimento global, como BECCS (bioenergia com captura e sequestro de carbono) podem forçar trade-offs com produção de alimentos se não forem feitas com cautela ou em escalas inadequadas.

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• Os impactos climáticos sobre a terra já são severos: o solo está se degradando por conta de múltiplos fatores de estresse, as ondas de calor estão se intensificando e se tornando mais frequentes, e os padrões de precipitação estão mudando. • A superfície da terra também está cada vez mais degradada devido à exploração e intensificação sem precedentes do uso da terra. • A mudança climática já está minando a segurança alimentar, como evidenciado pelo impacto sobre o rendimento das colheitas, pela redução da produtividade do gado em algumas regiões e pelo aumento do risco de pragas e doenças agrícolas em algumas regiões. • Uma crise alimentar se aproxima se as emissões não forem controladas, especialmente nas regiões tropicais e subtropicais. O aumento das temperaturas também pode afetar o valor nutricional das culturas e reduzir significativamente o rendimento das culturas. • A escassez de água em regiões secas será um desafio cada vez mais urgente, além de um aumento global de temperatura de 1,5 ° C. • Mudanças climáticas e eventos climáticos extremos relacionados podem intensificar a migração através das fronteiras e dentro dos países.

É preciso haver uma grande mudança na forma como a terra é usada

Fatores da mudança climática • A agricultura, o desmatamento e outros usos da terra são impulsionadores significativos das mudanças climáticas e produzem cerca de 23% das emissões causadas pelo homem.

• O desmatamento e a produção de alimentos estão frequentemente interligados, pois as florestas são desmatadas para a agricultura. • O sistema alimentar global contribui com até 37% das emissões globais de gases com efeito de estufa, principalmente através da criação de gado e outros ruminantes, do cultivo de arroz e aplicação de fertilizantes a pastagens

Grupo do IPCC Bureau e membros da TSU e CLAs no encerramento e aprovação do Relatório Especial-SRCCL

O presidente do IPCC, Hoesung Lee, encerrando a reunião ao final

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• Mais de um quarto dos alimentos é desperdiçado ou perdido, produzindo emissões durante a decomposição. Abordar o desperdício de alimentos oferece uma oportunidade para reduzir as emissões e favorecer a segurança alimentar global. revistaamazonia.com.br


Importância de começar já • A janela para essas mudanças está se fechando rapidamente. Se houver mais atraso na redução de emissões, perderemos a oportunidade de gerenciar com sucesso a transição para a mudança climática no setor de terra. • Somente agindo agora é que os setores relacionados ao uso da terra podem esperar fazer uma captura significativa de carbono e, ao mesmo tempo, proteger a produção de alimentos e preservar a biodiversidade. Deixar de tentar controlar a elevação da temperatura média do planeta levaria a grandes perdas em todas as frentes. • O setor agrícola, em particular, tem pouco tempo para uma ação bem-sucedida. À medida que o aquecimento aumenta, ele reduz o rendimento das colheitas, torna os esforços de adaptação cada vez mais fúteis e prejudica a capacidade dos campos agrícolas de armazenar carbono. • Se não perseguirmos os objetivos do Acordo de Paris e reduzirmos as emissões rapidamente, até 2050, ou antes, poderemos nos encontrar em uma situação em que estamos sem opções e não temos escolha a não ser negociar entre segurança alimentar e reduções de emissões. • Não existe uma solução única – uma “bala de prata”. Mudar nosso relacionamento com a terra é uma parte vital do combate à crise climática, mas devemos também: • o Mudar para as energias renováveis e manter os combustíveis fósseis no solo • o Descarbonizar rapidamente a economia global • o Desenvolver cidades mais eficientes e infraestrutura de transporte

Soluções para a mudança climática • Transformar a terra em uma solução climática significará adotar práticas agrícolas que trabalhem com a natureza, eliminar o desperdício de alimentos, fazer uma dieta balanceada, interromper o desmatamento e restaurar ecossistemas danificados. Juntos, esses passos reduzirão as emissões e farão com que a terra e as pessoas que dependem dela sejam mais resistentes a choques climáticos. • Reduções significativas de emissões no sistema alimentar podem ser asseguradas pela redução da perda e desperdício de alimentos e mudança para dietas equilibradas e diversificadas, ricas em alimentos de origem vegetal e alimentos de origem animal produzidos de forma sustentável. • Existem grandes oportunidades para melhorar a agricultura e as práticas agrícolas para reduzir as emissões, mantendo ou aumentando a produção. A maioria das respostas são ações ganha-ganha que lidam com a mudança climática, apoiando a produção: agrofloresta, gestão do solo, aumento da produtividade e redução da perda de alimentos. • Ao contrário do setor de combustíveis fósseis, o setor agrícola pode desempenhar um papel crítico na extração de carbono da atmosfera e no armazenamento de carbono nos solos. Esta é uma oportunidade importante, já que a captura de carbono foi considerada obrigatório pelo IPCC no relatório especial 1.5 devido a atrasos até o momento na redução de emissões. • Acabar/reduzir o desmatamento é uma prioridade crítica. A restauração florestal e o reflorestamento também oferecem grandes oportunidades para reduzir o carbono atmosférico e armazená-lo nas florestas. • Existem muitas soluções no setor da terra, particularmente na agricultura e silvicultura, mas algumas soluções terrestres para o aquecimento global, como o BECCS, podem forçar trade-offs com a produção de alimentos se não forem feitas com cuidado ou se forem promulgadas em escalas inadequadas.

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A enciclopédia de Medicina do povo Matses Tribo indígena da Amazônia perpetua seus conhecimentos medicinais por * Jeremy Hance, traduzido por Beatriz Utsumi

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m uma das grandes tragédias da nossa era, tradições, histórias, culturas e conhecimentos indígenas estão desfalecendo em todo o mundo. Línguas inteiras e mitologias estão desaparecendo e, em alguns casos, até mesmo grupos indígenas inteiros estão em processo de extinção. Isto é o que chama a atenção para uma tribo na Amazônia – o povo Matsés do Brasil e do Peru –, que criou uma enciclopédia de 500 páginas para que sua medicina tradicional seja ainda mais notável. A enciclopédia, compilada por cinco xamãs com a ajuda do grupo de conservação Acaté , detalha cada planta utilizada pelos Matsés como remédio para curar uma enorme variedade de doenças. “A [Enciclopédia de Medicina Tradicional Matsés] marca a primeira vez que xamãs de uma tribo da Amazônia criaram uma transcrição total e completa de seu conhecimento medicinal, escrito em sua própria língua e com suas palavras”, disse Christopher Herndon, presidente e co-fundador da Acaté, em uma entrevista para o Mongabay (na íntegra abaixo).

Fotos: Amazon Explorer , Cortesia do Acaté/Instituto Investigaciones de la Amazonía Peruana, Rhett A. Butler

Um xamã e um aprendiz

Os Matsés imprimiram sua enciclopédia só em sua língua nativa para garantir que o conhecimento medicinal não seja roubado por empresas ou pesquisadores, como já aconteceu no passado.

A enciclopédia foi revisada e editada por muitos dias em reunião dos líderes Matsés e dos xamãs mais velhos remanescentes Aplicação da medicina tradicional dos Matsés

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Em vez disso, a enciclopédia pretende ser um guia para a formação de jovens xamãs, para que eles possam obter o conhecimento dos xamãs que viveram antes deles. “Um dos mais renomados e antigos curandeiros Matsés morreu antes de que seu conhecimento pudesse ser transmitido, então o momento era este. A Acaté e a liderança Matsés decidiram priorizar a enciclopédia antes de perder mais anciãos e seus conhecimentos ancestrais”, disse Herndon. A Acaté também iniciou um programa para conectar os demais xamãs Matsés com jovens estudantes. Através deste programa de orientação, os indígenas esperam preservar seu modo de vida como o fizeram durante séculos. “Com o conhecimento de plantas medicinais desaparecendo rapidamente entre a maioria dos grupos indígenas e ninguém para escrevê-los, os verdadeiros perdedores no final são tragicamente os próprios atores indígenas”, disse Herndon. “A metodologia desenvolvida pelos Matsés e pela Acaté pode ser um modelo para outras culturas indígenas protegerem seus conhecimentos ancestrais”.

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Rã-kambo ou sapo-verde Chris Herndon (esquerda) e Arturo, um xamã (direita), estudam rascunhos da nova enciclopédia

Historicamente, o que seguiu logo da perda dos sistemas de saúde endêmicos em muitos grupos indígenas é a quase total dependência dos rudimentares e extremamente limitados serviços de saúde que estão disponíveis nestes locais remotos e de difícil acesso. Não surpreendentemente, na maioria dos países, os grupos indígenas têm as maiores taxas de mortalidade e doença. Pela perspectiva dos Matsés, a iniciativa é importante porque a perda da cultura e o atendimento precário à saúde estão entre suas maiores preocupações. A pioneira metodologia para proteger e salvaguardar o seu próprio conhecimento pode servir como um modelo replicável para outras comunidades indígenas que enfrentam uma erosão cultural semelhante. Em termos mais amplos de conservação, sabemos que existe uma forte correlação entre os ecossistemas intactos e regiões habitadas por índios, o que torna o fortalecimento da cultura indígena uma das maneiras mais eficazes para proteger grandes áreas de floresta tropical.

Mongabay: Por que é agora o momento de se registrar esta informação?

Mongabay: Por que a enciclopédia é importante? “Em um mundo que desestabiliza até mesmo as sociedades mais isoladas, o conhecimento tradicional está rapidamente desaparecendo” Christopher Herndon: A enciclopédia marca a primeira vez que xamãs de uma tribo da Amazônia criaram uma transcrição total e completa de seu conhecimento medicinal, escrita em sua própria língua e com suas palavras. Ao longo dos séculos, os povos da Amazônia têm repassado através da tradição oral uma riqueza acumulada de conhecimentos e técnicas de tratamento que são um produto de seus profundos laços espirituais e físicos com o mundo natural. Os Matsés vivem em um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta e têm dominado o conhecimento das propriedades curativas das suas plantas e animais. No entanto, em um mundo em que a mudança cultural desestabiliza até mesmo as sociedades mais isoladas, este conhecimento está rapidamente desaparecendo.

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É difícil pensar o quão rapidamente este conhecimento pode ser perdido após uma tribo fazer contato com o mundo exterior. Uma vez extinto, este conhecimento, juntamente com a auto-suficiência da tribo, nunca pode ser totalmente recuperado.

Christopher Herndon: O conhecimento dos Matsés e a sabedoria acumulada através de gerações estava perto de desaparecer. Felizmente, restavam alguns poucos Matsés mais velhos, que ainda detinham o conhecimento ancestral, já que o contato com o mundo exterior só ocorreu na última metade do século. Os curandeiros eram adultos na época do contato inicial e já haviam dominado suas habilidades antes de que missionários e funcionários do governo lhes dissessem que elas não eram úteis. Uma das muitas plantas utilizadas pelos Matsés como medicamento

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No momento em que o projeto começou, nenhum dos xamãs mais velhos tinha jovens Matsés interessados em aprender com eles. Um dos mais renomados e antigos curandeiros Matsés morreu antes de seu conhecimento ser transmitido, então o momento era este. A Acaté e a liderança Matsés decidiram priorizar a enciclopédia antes de perder mais anciãos, com seus conhecimentos ancestrais. O projeto não tratava de salvar uma dança tradicional ou vestuário, mas da saúde deles e a das futuras gerações de Matsés. A aposta não podia ser maior.

Mongabay: Como é a enciclopédia? Christopher Herndon: Após dois anos de intenso trabalho por parte dos Matsés, a Enciclopédia agora inclui capítulos escritos por cinco mestres curandeiros Matsés e tem mais de 500 páginas! Cada entrada é classificada pelo nome da doença, com uma explicação sobre como reconhecê-la pelos sintomas, a sua causa, quais plantas usar, como preparar o medicamento e opções terapêuticas alternativas. Uma fotografia feita pelos Matsés de cada planta acompanha cada entrada na enciclopédia. A Enciclopédia é escrita para e desde uma visão de mundo do xamã Matsés, descrevendo como os animais da floresta estão envolvidos na história natural das plantas e conectados com as doenças. É uma verdadeira enciclopédia xamânica, totalmente escrita e editada por xamãs indígenas – a primeira, que conhecemos, de seu tipo e alcance.

Mongabay: Como você espera que esta enciclopédia possa ajudar os esforços de conservação? “Empoderar os povos indígenas é a abordagem mais eficaz e duradoura para a conservação da floresta tropical” Christopher Herndon: Acreditamos que empoderar os povos indígenas é a abordagem mais eficaz e duradoura para a conservação da floresta tropical. Não é por acaso que as extensões restantes intactas da floresta tropical na região neotropical estão sobrepostas às áreas habitadas por indígenas. Os povos tribais compreendem e valorizam a floresta porque são dependentes dela. Esta relação vai além de uma dependência utilitária; há uma ligação espiritual com a floresta, um senso de interconectividade que é difícil de se compreender por meio da mentalidade ocidental compartimentalizada – por mais que seja, no entanto, real.

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Mapa mostrando boa parte do território Matsés, embora sem incluir as comunidades Matsés brasileiras da reserva do Vale do Javari

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Muitas das graves ameaças ambientais em áreas indígenas remotas de que você ouve falar no noticiário – petróleo, madeira, mineração e afins – são indústrias externas que oportunisticamente se aproveitam da enfraquecida coesão social interna dos povos indígenas de contato recente, de seus recursos limitados e da crescente dependência do mundo exterior. O tema unificador das três áreas programáticas da Acaté – economia sustentável, medicina tradicional, e agroecologia – é a autossuficiência. A Acaté não predetermina estas três prioridades de conservação; elas foram definidas em discussão com os anciãos Matsés que sabem que a melhor maneira de proteger sua cultura e terras é através de uma posição de força e independência. Do ponto de vista de conservação global, os Matsés protegem mais de 3 milhões de acres [1,2 milhões de hectares] de floresta tropical só no Peru. Esta área inclui algumas das florestas mais intactas, biodiversas e ricas em carbono no país. As comunidades Matsés no lado brasileiro dos rios Javari e Yaquerana marcam as fronteiras ocidentais da reserva indígena do Vale do Javari, uma região quase do tamanho da Áustria, que contém o maior número de tribos ‘sem contato’, em isolamento voluntário, no mundo.

Conservação da medicina tradicional e práticas de saúde indígena na floresta amazônica, proporcionando acesso e treinamento em práticas de medicina ocidental

Ao sul das margens do território Matsés, nas cabeceiras do rio Yaquerana, encontra-se La Sierra del Divisor, uma região de beleza natural impressionante, biodiversidade, e também grupos tribais isolados. Por estas razões, embora os Matsés somente cheguem a somar pouco mais de 3 mil pessoas no total, eles estão estrategicamente posicionados para proteger uma vasta área de floresta tropical e uma série de tribos isoladas. Empoderá-los é uma preservação de alto rendimento. Examinando a nova enciclopédia

Outra das plantas medicinais no território Matsés

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Mongabay: Você mencionou que a enciclopédia é apenas a primeira fase de uma iniciativa mais ampla da Acaté. Quais são os outros componentes necessários para manter os sistemas tradicionais de saúde deles? Christopher Herndon: Completar a enciclopédia é um primeiro passo histórico e crítico para mitigar as ameaças existenciais para a sabedoria de cura e autossuficiência dos Matsés. No entanto, a enciclopédia sozinha não é suficiente para manter a autossuficiência, já que seus sistemas de saúde baseiam-se na experiência que só pode ser transmitida através de longos aprendizados. Infelizmente, devido a influências externas, quando começamos nosso projeto, nenhum dos xamãs tinha aprendizes. Ao mesmo tempo, a maioria dos povos ainda usa e depende do conhecimento de plantas medicinais dos curandeiros, muitos dos quais têm mais de 60 anos. Na Fase II, o Programa de Aprendizes, cada xamã – muitos dos quais são autores de capítulos da Enciclopédia – será acompanhado na selva por Matsés mais jovens para conhecer as plantas e ajudar no tratamento de pacientes. O programa de aprendizado foi iniciado em 2014 na aldeia de Estirón sob a supervisão do xamã Luis Dunu Chiaid. Devido ao sucesso do projeto piloto em Estirón, os Matsés concordaram em unanimidade, em sua última reunião, que este programa deveria ser expandido para o maior número possível de aldeias, dando prioridade às que não têm mais curandeiros tradicionais. O objetivo final da iniciativa é a Fase III – a integração e melhoria dos serviços de saúde do ‘ocidentais’ feita com práticas tradicionais.

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As secreções da pele da rã Kambo Wilmer, um promotor de saúde em uma “A enciclopédia está escrita somenpequena clínica em Estirón e um dos (Phyllomedusa bicolor) são utilizadas pete em Matsé e não haverá traduções aprendizes do programa-piloto, serve de los Matsés em seus rituais de caça. para outras línguas” exemplo para outros Matsés que trabalham As secreções, ricas em uma variedade com saúde. Ele entende que o futuro da de peptídeos [pequenas proteínas] bioaO medo da biopirataria é, infelizmente, saúde do seu povo depende da criação de tivos, são administradas diretamente no uma porta que se abre para ambos os lasistemas de saúde duais e vibrantes que organismo em cortes frescos ou queima- dos. Muitos grupos ambientalistas e cienpermitam à comunidade aproveitar o me- duras. Quase imediatamente, as toxinas tistas têm realizado projetos na Amazônia lhor de ambos os mundos da medicina. induzem intensas e autonômicas respos- documentando o conhecimento indígena Além disso, foi decidido que o nosso tra- tas cardiovasculares que levam a um es- da fauna local, como nome de aves, mas balho agro-florestal deve ser expandido tado alterado de consciência e acuidade mantiveram-se à margem em relação às para incluir a integração com plantas medi- sensorial muito maior. plantas medicinais, por medo de serem acucinais. Este trabalho será baseado no bosEmbora a rã Kambo esteja presente ao sados de facilitar a biopirataria. No entanto, que de cura criado por um dos principais longo do norte da Amazônia, apenas os com o rápido desaparecimento dos conhexamãs curandeiros Matsés em Nuevo San Matsés e um número reduzido de tribos cimentos sobre as plantas medicinais entre Juan, agora mantido por seu filho, Antonio vizinhas Panoan são conhecidos por usar a maioria dos grupos indígenas e não sem Jimenez. Para um estrangeiro, este bosque suas secreções poderosas. ninguém para registrá-lo, tragicamente os parece uma trecho comum de selverdadeiros perdedores ao final são va no caminho para as fazendas os índios, os verdadeiros geradeles, a uns 10 ou 15 minutos dores desse conhecimento. A de caminhada fora da cometodologia desenvolvida munidade. Na presença pelo Matsés e a Acaté de um xamã conhecedor deve ser um modelo para que indique quais são outras culturas indígenas as plantas medicinais, conservarem seus conhevocê percebe na mesma cimentos ancestrais. hora que está cercado por uma constelação de Mongabay: Qual Preparando a vacina kambô plantas medicinais cultié a metodologia vadas pelos curandeiros da Acaté e como Matsés para o tratamento ela protege esse conhecimento? de uma variada gama de doenças. Muitas vinhas Christopher Herndon: A e fungos da floresta não Acaté e os Matsés desencrescem em jardins exvolveram uma metodolopostos ao sol e requerem gia inovadora para evitar o ecossistema da floresta Especialista da tribo Mayoruna/ Matses, inicia os trabalhos Aplicacão da kambô a extinção de seu conhepara a sua propagação. cimento ancestral sobre Colocar o bosque de as plantas medicinais e plantas medicinais a 10 ao mesmo tempo proteou 15 minutos de distânger as informações contra cia da comunidade é um o roubo por grupos exterexemplo característico nos. A enciclopédia está da eficiência do Matsés. escrita somente em MatSe você tem uma criança sé. É por e para os Matdoente, não quer ter que sés e não haverá traduções viajar quatro horas para enpara outras línguas. Não foram contrar o remédio. incluídos nomes científicos nem Mongabay: A enciclopédia foi Depois de se conhecer o uso das secre- fotografias de flores ou alguma outra caracescrita apenas na língua dos ções pelo Matsés, pesquisas de laborató- terística que possa facilitar a identificação Matsés como proteção contra rio sobre as secreções da rã Kambo reve- das plantas por um estrangeiro. Cada capítulo da Enciclopédia de Medicina a bioprospecção e o roubo do laram um complexo coquetel de peptídeos conhecimento indígena. com potentes propriedades vasoativas, Tradicional foi escrito por um veterano xamã renomado escolhido pela comunidade. Para O medo da biopirataria narcóticas e antimicrobianas. é uma preocupação real Várias empresas farmacêuticas e uni- cada xamã veterano foi designado um Matsés para os Matsés? versidades registraram patentes dos pep- mais jovem, que durante meses registrou em tídeos sem reconhecimento ou benefício forma escrita o conhecimento xamã e fotografou cada planta. Os textos e as imagens foram Christopher Herndon: Infelizmente, a his- aos povos indígenas. tória está cheia de exemplos de roubo dos Um destes peptídeos com atividade an- compilados e escritos no computador de Wilpovos indígenas. Para os Matsés em parti- tifúngica foi até mesmo transgenicamente mer Rodríguez López, um Matsés que é especialista na transcrição escrita de sua língua. cular a preocupação é muito real. inserido em batatas.

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Herndon com um xamã, examinando plantas medicinais

Na reunião, a Enciclopédia compilada – um rascunho de mais de 500 páginas – foi revisada e editada coletivamente pelos xamãs das tribos por vários dias. Toda a enciclopédia está sendo formatada e impressa pelos Matsés sob a sua direção exclusiva, e nunca será publicada ou divulgada fora de suas comunidades. Esperamos que o incontroverso sucesso desta metodologia iniciada pela Acaté e por nossos parceiros índios abra a porta para esforços semelhantes em toda a Amazônia e além. Já estamos vendo os esforços de outras organizações para replicar a metodologia.

Mongabay: Obviamente, o foco é preservar a cultura e o conhecimento Matsés, mas o seu conhecimento médico poderia teoricamente ajudar as futuras gerações ao redor do mundo. Existem condições específicas para que os xamãs Matsés e a população possam compartilhar seus conhecimentos sobre as plantas medicinais na Amazônia? Ou a confiança está destruída? Christopher Herndon: A Acaté não pode falar pelos Matsés. Posso dizer que trabalhando com xamãs índios na Amazônia, eu tenho notado que eles são muito abertos a compartilhar o seu conhecimento, quando nos aproximamos com respeito. Eles também têm uma grande curiosidade intelectual sobre outros métodos de cura, incluindo o nosso. Alguns dos medicamentos desenvolvidos pela humanidade, como a quinina e aspirina, foram desenvolvidos através do conhecimento de curandeiros tradicionais.

Devido ao clima político e temores internacionais de biopirataria, mesmo para as empresas farmacêuticas que promovem a distribuição equitativa dos lucros, é um desafio participar de tais iniciativas. A complexidade do conhecimento indígena de plantas medicinais é tal que não é possível avaliar plenamente a fitoquímica dentro do prazo em que o conhecimento está prestes a ser perdido. A Enciclopédia, apesar de não ser desenhada para esse fim, mantém as opções abertas no futuro para os Matsés; um futuro que, em contraste com a maioria de seus precedentes históricos, será um de sua própria determinação.

Até a criação da enciclopédia o sistema tradicional de saúde Matsés estava prestes a desaparecer devido às influências do mundo exterior

Clínica em aldeia Matsés. Os Matsés usam cura tradicional e medicina ocidental, mas é e difícil administrar e abastecer clínicas em locais remotos

Não devemos perder de vista que, até a criação da enciclopédia, o sistema tradicional de saúde Matsés estava prestes a desaparecer devido às influências do mundo exterior. Os Matsés vivem em áreas remotas onde a prestação de serviços de saúde é um desafio e limitada. As farmácias em muitas comunidades Matsés, particularmente as de mais longe, rio acima, são desprovidas dos medicamentos mais básicos, como remédios para tratar a malária, que veio de fora das comunidades. Os Matsés precisam pagar de seu bolso pelo medicamento que vem de fora, cujo preço é inalcançável para a maioria dos anciãos da comunidade que não têm nenhuma fonte de renda. O simples microscópio necessário para analisar o sangue e diagnosticar a malária estava quebrado em quase todas as comunidades que visitei. Em comparação, vivemos em um mundo que é abundante em cuidados de saúde. Se houver necessidade de dialogar, na minha opinião, isso deve começar com a resposta de como podemos apoiar os Matsés no presente, em vez de como eles podem nos ajudar no futuro.

Mongabay: Muita gente vê a medicina e a preservação da floresta como questões separadas. Como a saúde está ligada ao meio-ambiente? Christopher Herndon: A saúde de um povo, sua cultura e meios-ambientes são indissociáveis. Não podemos pensar sobre as condições deprimentes de saúde e a situação socioeconômica no Haiti sem considerar o contexto de que 98% deste país que ocupa a metade de uma ilha foi devastado e, assim, o seu potencial futuro também foi destruído.

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A fronteira entre o Haiti e a República Dominicana pode ser claramente vista a partir de imagens de satélite como uma transição abrupta do marrom ao verde, como o resultado de diferentes formas de uso dos recursos naturais. Da mesma forma, as imagens da Etiópia que existem na consciência moderna baseiam se no fato de, que há apenas 100 anos, a Etiópia era um país com uma significativa cobertura florestal. O futuro dos Matsés e a sua cultura estão eternamente ligados ao futuro de suas florestas. Ao proteger as florestas e reforçar sua cultura, a saúde deles é protegida contra um futuro carregado de diabetes, desnutrição, depressão e alcoolismo – a segunda onda de doenças ‘importadas’ que normalmente acontece em comunidades indígenas após algumas gerações depois do contato com o mundo exterior. Visto desta forma, iniciativas de conservação biocultural seriam extremamente rentáveis e podem ser abordagens preventivas de saúde.

Aldeia Matsés de Puerto Alegre Três xamãs revisam a enciclopédia

Mongabay: Como a enciclopédia pode ajudar a preservar a cultura Matsés? A iniciativa da enciclopédia restaura o respeito pela sabedoria dos mais velhos Christopher Herndon: Uma mudança radical começa muitas vezes com algo tão simples e tão poderoso como uma ideia. A ideia de que a sua cultura, as suas tradições e seu estilo de vida não são inferiores ou algo para se envergonhar, como outros talvez já lhe tenham dito. A ideia de que a selva, que você chamar de lar, tem um valor infinitamente maior do que reservas de petróleo ou de mogno para produzir mobiliário de luxo.

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A ideia de que o seu conhecimento e familiaridade com a floresta não faz o torna primitivo ou atrasado, mas o coloca à frente do movimento global de conservação. A enciclopédia é o primeiro passo concreto para a formação de uma ponte para vencer a lacuna cada vez maior entre gerações, antes que seja tarde demais. A iniciativa da enciclopédia restaura o respeito pela sabedoria dos mais velhos e devolve a selva como um repositório de saúde e um lugar para aprender.

Mongabay: A enciclopédia foi completada e terminada em uma reunião de líderes Matsés vindos de todo seu território e antigos xamãs das tribos. Como foi o clima naquela reunião? Christopher Herndon: Esta reunião sem precedentes foi realizada em uma das aldeias mais remotas do território Matsés. É extremamente difícil descrever em palavras a emoção sentida por todos os participantes quando os líderes Matsés mais antigos falaram de batalhas que eles lutaram – literalmente – para defender o território Matsés e seu modo de vida. Muitos deles tiveram de conter as lágrimas enquanto um ancião após o outro convidava os jovens a aproveitar esta oportunidade para preencher a lacuna que será deixada por eles quando morrerem, assim como eles fizeram quando seus avós estavam vivos. Eu trabalho na conservação biocultural na Amazônia há 15 anos, mas esta foi uma das mais inspiradoras experiências, para se ouvir o poder da oratória deles e determinação em suas vozes. É facilmente perceptível que os Matsés são guerreiros de coração, que lutaram por um longo tempo para proteger suas terras e que eles continuarão lutando.

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Espécies arbóreas da Amazônia ameaçadas pelo desmatamento e mudanças climáticas por *Catherine Hours

Fotos: Renato Chalu

Novo estudo sugere que efeitos combinados reduziriam a riqueza de espécies em até 58% e criariam “duas Amazônias”, com porção fragmentada no sudeste A combinação entre desmatamento e mudança climática pode reconfigurar radicalmente o mapa da Amazônia em 2050, informa o Observatório do Clima (rede de 37 entidades da sociedade civil brasileira formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no contexto do nosso país). Um estudo publicado em 24 de junho no periódico “Nature Climate Change” por pesquisadores do Brasil e da Holanda indica que esses dois fatores podem cortar a maior floresta tropical do mundo ao meio, com uma imensa porção a sudeste reduzida a fragmentos.

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m estudo publicado em 13 de fevereiro de 2015, na revista Science “Limites planetários: orientando o desenvolvimento humano em um planeta em mudança”, diz: A taxa em que os seres humanos estão degradando o meio ambiente (eles continuam) é sem precedentes nos últimos 11.700 anos. Níveis sem precedentes de dióxido de carbono na atmosfera, extinção generalizada de espécies e desmatamento, e altos níveis de nitrogênio e fósforo nos oceanos por causa do uso de fertilizantes estão colocando a humanidade além dos limites que os cientistas dizem ser seguros para a continuação da vida na Terra. Recentemente, 24 de junho 2019, na Nature Climate Change, novo estudo diz que – o desmatamento é atualmente a maior ameaça às espécies arbóreas da Amazônia, mas a mudança climática pode superá-lo em apenas algumas décadas. Além do que o clima e o desmatamento combinados podem causar um declínio de até 58% na riqueza de espécies amazônicas, enquanto o desmatamento por si só pode causar 19-36% e a mudança climática entre 31-37% até 2050. A quantificação é obtida pela sobreposição da distribuição de espécies modelos para cenários atuais e futuros de mudanças climáticas com desmatamento histórico e projetado. As espécies podem perder uma média de 65% de sua área original ambientalmente adequada, e um total de 53% pode estar ameaçado de acordo com os critérios da Lista Vermelha da IUCN; No entanto, as redes de áreas protegidas da Amazônia reduzem esses impactos. O pior cenário combinado – supondo que não haja progresso substancial na política climática ou de desmatamento – sugere que até 2050 a floresta amazônica de terras baixas possa ser dividida em dois blocos: um bloco contínuo com 53% da área original e outro bloco severamente fragmentado. Essa perspectiva exige um progresso rápido para o desmatamento zero, o que ajudaria a mitigar a mudança climática e promover a conservação da biodiversidade”. revistaamazonia.com.br

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A riqueza total de espécies de árvore pode cair 58%, com quase metade delas sob algum grau de ameaça de extinção. O resultado sinistro vem de uma análise da distribuição atual de mais de 10 mil espécies arbóreas, cruzada com modelos de projeção de desmatamento e com dois cenários dos modelos climáticos do IPCC, o painel do clima da ONU. O grupo liderado pelo cientista ambiental Vítor Gomes, da Universidade Federal do Pará, mostrou que, embora seja hoje a maior causa da perda de habitat na Amazônia, nas próximas décadas o desmatamento deverá ser suplantado pela crise do clima. No meio deste século, motosserras e tratores poderão acarretar perdas de 19% (no melhor cenário) a 36% (no pior) na riqueza de espécies da Amazônia, enquanto a mudança climática causaria reduções de 31% a 37%. “O resultado nos surpreendeu”, disse Gomes ao Observatório do Clima.

Ação generalizada A explicação para isso reside na ubiquidade do clima. “O desmatamento está concentrado em determinadas faixas e seu impacto no oeste e no norte da Amazônia é menor”, afirmou o cientista.

Apenas metade da floresta amazônica pode permanecer em 2050 (pior cenário). Azul, um bloco contínuo de floresta amazônica relativamente intacto, composto pelo noroeste e centro da Amazônia Riqueza de espécies da Amazônia (número de espécies por célula de grade) afetada por mudanças globais e desmatamento

Desflorestamento na Amazônia

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Policiais em jangada cheia de toras confiscadas, colhidas ilegalmente na floresta amazônica

“O clima, por outro lado, age em toda a floresta, alterando a precipitação e a temperatura.” Quando isso acontece, a área de distribuição ideal de uma espécie muda. Em geral, as criaturas impactadas pelo clima migram em busca de locais mais adequados. No caso da Amazônia, os climas mais adequados daqui a 35 ou 40 anos poderão estar a mais de 300 km das zonas de distribuição atuais das espécies. O problema é que árvores são lentas para migrar. “A gente sempre brinca que elas não vão subir num ônibus e dizer, ‘tchau, pessoal, vamos para um lugar melhor’”, diz Gomes. Durante os períodos secos do Holoceno (período geológico iniciado 12 mil anos atrás), comunidades de árvores da Amazônia também precisaram migrar. Isso ocorreu a uma taxa de menos de 100 quilômetros em 3 mil anos. Ou seja, a perspectiva de deslocamento de 300 quilômetros em 35 ou 40 anos simplesmente não existe. Já hoje o desmatamento vem causando impactos graves na diversidade de espécies. Estima-se que a Pan-Amazônia (ou seja, o bioma em todos os seus nove países) já tenha perdido 11% de sua cobertura. Isso causou uma redução de 7% no habitat das espécies. Para 2050, a projeção com políticas de controle de desmatamento mostra

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21% de perda da floresta (e 19% na diversidade); sem controle, isso vai a 40% (e 36% de perda de diversidade).

Perda inevitável Para a mudança climática foram considerados dois cenários: o melhor, o qual o Acordo de Paris é cumprido e o mundo esquenta menos de 2 °C, causa uma perda de 31% na diversidade de espécies na Amazônia; no pior, no qual não se faz nada, esse número sobe para 37%. Quando se somam os dois efeitos, a Amazônia literalmente quebra. Uma linha diagonal de nordeste a sudoeste passa a dividir o bioma a partir do leste do Amapá. Os maiores remanescentes de floresta permanecerão na porção noroeste (em verde no mapa). Toda a metade sudeste consistirá de matas altamente fragmentadas, e o que sobrar estará praticamente confinado a áreas protegidas e terras indígenas. No pior cenário de desmatamento somado com o pior cenário de mudança do clima, a riqueza de espécies declinaria 65% e 22% delas estariam criticamente ameaçadas de extinção. Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautora do estudo, afirma que a situação pode ser ainda pior:

o trabalho, afinal, não considera os potenciais efeitos do projeto de lei do Senado 2362/2019, de autoria de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da república.

Piorar o que já está ruim O texto propõe simplesmente o fim da reserva legal nas propriedades rurais, o que autorizaria o desmatamento de 89 milhões de hectares na Amazônia. “O valor é 30 vezes maior do que prevê o pior cenário de desmatamento usado neste estudo”, afirma. “Se já ficamos assustados com os resultados dessa pesquisa, imaginem o que pode vir pela frente com esse nível de retrocesso ambiental?” Para evitar um desastre maior do que o que o estudo já aponta, afirma a cientista, “a rede de proteção da floresta amazônica deve sempre considerar as áreas protegidas e as reservas legais, que são complementares na proteção da biodiversidade”. As áreas protegidas, vale lembrar, também estão sob cerco, com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Novo-SP), propondo a revisão de 334 unidades de conservação federais e considerando reduzir 67 delas alegadamente a pedido do Ministério da Infraestrutura.

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Restauração maciça da floresta pode desacelerar bastante o aquecimento global As árvores certas, plantadas nos locais certos, poderiam armazenar 205 gigatoneladas de dióxido de carbono por *Mark Fischetti

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ós ouvimos há anos que plantar árvores pode ajudar a salvar o mundo do aquecimento global. Esse mantra foi principalmente uma declaração de fé, no entanto. Agora, os dados finalmente existem para mostrar que, se as espécies certas de árvores forem plantadas nos tipos corretos de solo em todo o planeta, as florestas emergentes poderiam capturar 205 gigatoneladas de dióxido de carbono nos próximos 40 a 100 anos. Isso é dois terços de todos os CO2 que os humanos geraram desde a revolução industrial. “A restauração florestal é de longe a nossa solução planetária mais poderosa hoje”, diz Tom Crowther, professor de ecologia ecossistêmica global no Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique, e autor de um estudo publicado na revista Science que gerou a abertura dos olhos. número.

Fotos: J. Bastin, Et. Al ., Science 365, 76, 2019, Tom Crowther no Laboratório da ETH Zürich: Ciência do Ecossistema para Restauração Global

A equipe do estudo analisou quase 80.000 medições de fotos por satélite de cobertura de árvores em todo o mundo e combinou-as

Reflorestamento maciço poderia reduzir significativamente os níveis de carbono na atmosfera

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com enormes bancos de dados globais sobre as condições do solo e do clima, avaliando um hectare de cada vez. O exercício gerou um mapa detalhado de quantas árvores a terra poderia suportar naturalmente - onde as florestas crescem agora e onde poderiam crescer, fora de áreas como desertos e savanas que suportam muito poucas ou nenhuma árvore. A equipe então subtraiu florestas existentes e também áreas urbanas e terras usadas para agricultura. Isso deixou 0,9 bilhão de hectares que poderiam ser florestados, mas não foram. Se esses espaços foram preenchidos com árvores que já florescem nas proximidades, o novo crescimento poderia armazenar 205 gigatoneladas de carbono no momento em que as florestas amadurecerem.Depois de 40 a 100 anos, é claro, a taxa de armazenamento se achataria à medida que os níveis de crescimento da floresta diminuíssem - mas os pesquisadores dizem que as 205 gigatoneladas seriam mantidas à medida que as árvores antigas morrem e as novas crescem. Haveria “um excesso de carbono que não está mais na atmosfera”, diz Crowther.

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Os pesquisadores afirmam que a cobertura de 900 milhões de hectares de terra com árvores poderia armazenar até 205 bilhões de toneladas de carbono, cerca de dois terços do carbono que os seres humanos já colocaram na atmosfera

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A equipe também criou uma ferramenta de planejamento vinculada ao mapa que será aberto ao público a partir de 5 de julho. Indivíduos e organizações podem ampliar qualquer local para ver onde novas florestas poderiam ser iniciadas. Crowther não estudou outras técnicas de sequestro de carbono que têm sido muito discutidas ultimamente, como a fertilização oceânica (cultivo de algas para absorver carbono) ou a captura direta de ar (máquinas que extraem CO 2 da atmosfera), mas ele acha que seria muito mais caro do que cultivar árvores. Ele estima que pode custar ao mundo US $ 300 bilhões para plantar 0,9 bilhão de hectares. E as novas florestas fornecem outro benefício forte: elas restauram a biodiversidade, o que é crucial porque muitas espécies de plantas e animais estão desaparecendo. Crowther diz que começou a estudar reflorestamento porque estava realmente procurando maneiras de impedir a perda de espécies.

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O potencial para cobertura florestal global

A Terra poderia naturalmente suportar 4,4 bilhões de hectares de floresta (cores no mapa superior; cinza representa áreas como o deserto que não tem potencial). Quando florestas, terras agrícolas e áreas urbanas existentes são subtraídas de terras florestais em potencial, restam 0,9 bilhão de hectares (cores no mapa de fundo), onde novas florestas poderiam crescer, retirando 205 bilhões de toneladas de CO 2 da atmosfera

Grandes benefícios além do sequestro de carbono “vêm da biodiversidade - fornecendo alimentos, remédios, água limpa e todo tipo de coisas para os seres humanos”, diz ele. Puxar todo o carbono da atmosfera poderia demorar mais do que o previsto, no entanto. As florestas podem precisar de mais de 70 a 100 anos para alcançar a plena maturidade, diz Robin Chazdon, ecologista e biólogo evolucionário da Universidade de Connecticut, que não esteve envolvido no estudo. No entanto, ela diz que qualquer replantio deve começar o mais cedo possível, porque a mudança climática provavelmente comprometerá a capacidade das florestas de crescer. Temperaturas mais altas aumentam a respiração das árvores, o que causa estresse. E a seca aumentará, reduzindo o crescimento das árvores. Crowther acrescenta que, embora as mudanças climáticas permitam que mais árvores cresçam em latitudes setentrionais, também secarão as latitudes tropicais. A perda de árvores nos trópicos, diz ele, superará os ganhos no alto norte.

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A restauração de terras florestais em escala global poderia ajudar a capturar o carbono atmosférico e mitigar as mudanças climáticas. Bastin et al. utilizou medições diretas da cobertura florestal para gerar um modelo de potencial de restauração florestal em todo o mundo (ver a Perspectiva de Chazdon e Brancalion). Seus mapas espacialmente explícitos mostram quanta cobertura adicional de árvores poderia existir fora das florestas existentes e das terras agrícolas e urbanas. Os ecossistemas poderiam suportar mais 0,9 bilhão de hectares de floresta contínua. Isso representaria um aumento de mais de 25% na área florestal, incluindo mais de 500 bilhões de árvores e mais de 200 gigatoneladas de carbono adicional na maturidade. Tal mudança tem o potencial de reduzir o estoque de carbono atmosférico em cerca de 25%.

Reflorestar é necessário para ajudar a evitar/minimizar as Mudanças Climáticas

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As árvores absorvem CO2 do ar e armazenam o carbono

Chazdon adverte que o replantio pode não ser tão simples quanto parece, e ela se pergunta se serão possíveis 0,9 bilhões de novos hectares, dadas as prioridades concorrentes. Mais árvores consomem mais água e isso pode ameaçar a agricultura ou outras atividades humanas em áreas secas. E as pessoas locais podem não querer florestas se precisarem gerar renda a partir da terra, digamos, da agricultura ou pastoreio.

Alguns proeminentes programas de reflorestamento, como os das Filipinas, fracassaram “porque não havia envolvimento local”, diz ela. Os melhores lugares para começar o reflorestamento são onde múltiplos benefícios podem ser facilmente obtidos. Em um artigo da Science Advances de 3 de julho , Chazdon e seus colegas identificaram uma série de locais nos trópicos que têm um potencial de benefícios acima da média, bem como facilidade de começar.

Todo o novo trabalho na árvore, Chazdon diz, sinaliza que “estamos entrando no estágio de praticidade” do reflorestamento inteligente. “Podemos trazer muita ciência interdisciplinar para suportar. Espero que haja mais interação entre cientistas e políticos, percebendo que as ferramentas que temos agora podem guiar o reflorestamento que é o mais econômico e tem múltiplos benefícios e menos compensações”. Veja o video:

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Favores vitais da natureza ao homem

Os solos fornecem serviços ecossistêmicos que permitem a vida na Terra por *Catherine Hours

Alimentos

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declínio acelerado da biodiversidade ameaça os múltiplos benefícios vitais que a natureza fornece ao homem, como os medicamentos, a polinização de cultivos e a regulação do clima, segundo os especialistas. “Normalmente as pessoas não vinculam a natureza com a segurança alimentar, a água potável, a coesão social...”, lamenta Bob Watson, presidente da plataforma científica para a biodiversidade IPBES. “Mas a perda de biodiversidade tem implicações econômicas e sociais”. “E não são só os grandes animais carismáticos que contam, mas também o besouro, os vermes, o morcego, são a pedra angular dos ecossistemas”.

O primeiro “favor” que os insetos nos fazem é polinizar os cultivos. Cerca de 1,4 bilhão de empregos e 3/4 dos cultivos dependem disso, segundo um estudo. “Hoje em dia, nos Estados Unidos, as pessoas transportam milhões de abelhas de um pomar a outro para polinizar”, segundo Watson. “Mas sabemos que a diversidade importa tanto quanto o número: uma mistura de abelhas selvagens e domésticas será mais eficaz que só domésticas”. A redução de insetos provoca ao mesmo tempo a dos predadores: pássaros, ouriços, lagartos, anfíbios... que protegem os cultivos eliminando as lagartas. Em menos de 30 anos, a queda do número de insetos na Europa (-80%) contribuiu para o desaparecimento de mais de 400 milhões de pássaros. As rãs e outros anfíbios são os que estão mais ameaçados, segundo o biólogo Gilles Boeuf, que lembra que na história da Terra eles “foram os primeiros a sair da água e respirar, e vamos perder isto!”.

Outro entorno em perigo são os recifes de coral que protegem as costas da erosão, alimentam os peixes e abrigam 30% das espécies marinhas. Mais de 500 milhões de pessoas dependem diretamente deles.

Saúde Metade dos nossos medicamentos procedem de espécies vivas, sobretudo vegetais, e de animais, especialmente marinhos. Como exemplo, a estrela-do-mar e o ouriço-do-mar contribuíram com o desenvolvimento de quimioterapias contra o câncer.

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Plantas e micro-organismos contribuem para sanear as camadas da terra. Nas cidades, o Conselho Econômico e Social francês destacou recentemente um regresso às “soluções verdes alternativas à gestão das águas pluviais só com tubulações”. Esta opção serve igualmente para limitar as inundações. “Nenhuma estação de tratamento vale o mesmo que um pântano bem vivo”, confirma Gilles Boeuf. “Os elementos vivos são indispensáveis para o homem: um corpo humano tem tantas bactérias quanto células humanas e um recém-nascido é 3/4 composto de água”, afirma.

Perante a poluição, a vegetação filtra os agentes poluentes. Em Xangai, os parques permitem capturar 10% das partículas finas, segundo um estudo. Uma árvore pode absorver até 20 kg/ano destas partículas, segundo outro informe de 2008. Muitas investigações mostraram os vínculos entre a natureza e a saúde (alergias, doenças crônicas, psicológicas...) Nos Estados Unidos, um estudo que acompanhou 100.000 mulheres que viviam em ambientes urbanos durante oito anos revelou que as que viviam a menos de 250 metros de um espaço verde tinham uma taxa de mortalidade 12% inferior ao resto, especialmente em relação a casos de câncer. A Escola Médica de Harvard detalhou os benefícios da natureza na cidade: menos poluição, ruído, estresse...

Água

Alguns especialistas defendem quantificar estes “favores” gratuitos da biodiversidade, para dar mais visibilidade a eles. Os economistas os calcularam em 125 bilhões de dólares por ano, ou seja, 1,5 vez o PIB mundial. Por exemplo, o valor da polinização se aproxima de 200 bilhões de euros anuais. Segundo o estudo sobre a Economia dos Ecossistemas (TEEB), publicado em 2010, a erosão da biodiversidade custa entre 1,3 e 3,1 trilhões de euros por ano. Este conceito de “capital natural” continua sem ser compreendido, reconheceu recentemente o economista Pavan Sukhdev, que dirigiu este estudo e preside atualmente a área internacional da WWF. “Trata-se de encontrar uma razão racional para garantir que esta riqueza pública se conserve. Líderes empresariais e dirigentes econômicos têm o devem mundial de reconhecer estas externalidades”.

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Bioenergia gera ciência, renda e educação ao país Pesquisadores participantes do programa Ciência Aberta destacam as oportunidades tecnológicas e sociais da bioeconomia Bioenergia é opção para novo ciclo de desenvolvimento Fotos: Felipe Maeda / Agência FAPESP

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ciclo de desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis está com os dias contados e as alternativas energéticas renováveis abrem um novo campo de pesquisa e de emprego mais bem remunerado e qualificado para as futuras gerações. A conclusão é de especialistas participantes do terceiro episódio do programa Ciência Aberta em 2019, lançado recentemente. Segundo os pesquisadores, a bioenergia é mais democrática do que as fontes tradicionais. “Ela não pode ser gerada de forma tão centralizada como uma refinaria de petróleo ou uma central nuclear. A bioenergia pressupõe uma distribuição maior [dos empregos e recursos]”, disse Luiz Augusto Horta Nogueira, pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) e consultor de agências das Nações Unidas. Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), destacou que a produção de cana-de-açúcar para fabricação de etanol levou ciência e tecnologia para o interior do Estado de São Paulo, inclusive para regiões onde nem sequer havia estrutura para produzir alimentos. “Temos exemplos muito interessantes, do próprio BIOEN, que mostram a evolução da qualidade do emprego, o desenvolvimento das regiões onde se produz o etanol e de como ele trouxe toda uma indústria em volta dele”, disse Maciel, coordenador do Centro de Inovação em Novas Energias (Cine). Com unidades na Unicamp, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), o centro tem apoio da FAPESP e da Shell, no âmbito do programa Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE).

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A cada segundo se queima neste planeta mil barris de petróleo. É o equivalente a uma piscina olímpica. Imagine em um ano! Então, nós estamos frente a uma nova mudança, disse Nogueira

Luiz Augusto Horta Nogueira, pesquisador associado do Nipe-Unicamp e consultor de agências das Nações Unidas

Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenadora do BIOEN

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Durante episódio de Bioenergia e outras opções para o Brasil, na sede da FAPESP

Do ponto de vista educacional, Maciel destacou que as biorrefinarias – que além de combustíveis podem produzir insumos químicos, alimentos, fertilizantes e energia, entre outros – levarão cada vez mais doutores e outros profissionais de alta qualificação para o interior do Estado, promovendo seu desenvolvimento. Estudos mostram ainda que a instalação de uma usina de etanol e açúcar traz ganhos para três ou quatro cidades no seu entorno, demonstrando como o impacto social da chamada bioeconomia é uma realidade no Brasil. “Os municípios em volta se beneficiam diretamente do ponto de vista da educação dos seus cidadãos. Os funcionários de uma usina têm os seus filhos educados em nível melhor do que a média e ganham mais do que a média na agricultura”, disse Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenadora do BIOEN.

Melhor opção Com a demanda por energia aumentando no mundo todo, fontes renováveis como a cana-de-açúcar, a energia solar e a eólica são apontadas pelos especialistas como algumas das melhores alternativas.

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“A cada segundo se queima neste planeta mil barris de petróleo. É o equivalente a uma piscina olímpica. Imagine em um ano! Então, nós estamos frente a uma nova mudança”, disse Nogueira. Segundo o pesquisador, embora o petróleo ainda seja a principal fonte de energia no Brasil, correspondendo a 57% da matriz energética, o país é menos dependente do que a média dos países desenvolvidos, onde o índice chega a 80%. Respondendo por 18% da nossa matriz, a cana-de-açúcar tem ainda a vantagem de ser muito produtiva, ocupando apenas 1% das terras disponíveis para agricultura no Brasil. Ainda assim, só metade desse porcentual é usado para plantar cana para produção de biocombustível. A outra parte é destinada à produção de açúcar. “Todo biocombustível líquido que foi produzido no mundo até recentemente ocupou 13 milhões de hectares [em área plantada]”, disse Souza. No mundo todo, há 13 bilhões de hectares de terras agriculturáveis, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). A pesquisadora afirmou que, desta área, 3 bilhões de hectares são usados para plantar alimentos e outros 3 bilhões para pastagens.

“Estou falando de 13 milhões [de hectares para a produção de biocombustíveis]. É uma fração de uma fração que, no caso brasileiro, produz 20% da energia consumida. São dois séculos usando petróleo e se imagina que não tem alternativa, mas tem. Com poucas plantas se resolve essa equação”, afirmou. O aumento da demanda em países em desenvolvimento como Brasil, Índia e China traz um desafio, mas também uma oportunidade para desenvolver novas formas de gerar energia. “Estamos falando de algo em torno de 4 bilhões de pessoas. Certamente elas querem e precisam usar mais. Porque a energia está associada com a qualidade de vida. Quanto mais energia o país tem, maior o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), melhor a educação, melhor a condição de saúde, maior a longevidade”, disse Maciel.Segundo o pesquisador, a biomassa, como a da cana, é uma saída inteligente e propícia para vários lugares do mundo obterem energia de forma sustentável, além de ser uma oportunidade de desenvolver pesquisa científica de alto nível. “As tecnologias têm de ser desenvolvidas aqui, porque a biomassa é nossa”, disse. [*] Agência FAPESP

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Imitar a

fotossíntese para gerar ENERGIA

LIMPA

Fotos: CIC biomaGUNE, Divulgação

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s plantas são capazes de produzir seus próprios alimentos através da fotossíntese, um processo químico extremamente complexo que grupos de cientistas em todo o mundo tentam reproduzir em seus laboratórios. Isso é conhecido como “fotossíntese artificial” e, embora ainda esteja em fase de pesquisa, será útil gerar energia menos poluente. Embora a fotossíntese envolva a energia solar – que a planta converte em energia química e, posteriormente, em nutrientes –, C02 ou clorofila, o que mais importa para os cientistas é a água e os dois elementos que a compõem, o hidrogênio e o oxigênio. E um dos objetivos da fotossíntese artificial é imitar o processo pelo qual esse líquido é decomposto em moléculas de hidrogênio e oxigênio, como ocorre na fotossíntese natural: o hidrogênio formado poderia ser usado no futuro como combustível em veículos motorizados que substituem o petróleo. As plantas fazem sua fotossíntese em dois estágios, uma chamada luminosa que depende da luz do sol, e outra chamada escura, na qual ocorrem reações que não precisam daquela luz solar.

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Divisão de água em hidrogênio e oxigênio Uma equipe combinada de pesquisadores do CIC BiomaGUNE (Donostia-San Sebastián), as Universidades de Trieste, Ferrara e Mesina (Itália), os Institutos ITM e ISOF (Itália), o centro de pesquisa Elettra-Sincrotone em Trieste (Itália), o Graz A Universidade de Tecnologia (Áustria) e a Universidade de Erlangen (Alemanha) progrediram no sentido de dividir a água em hidrogênio e oxigênio, combinando a catálise bio-inspirada com a nanociência. Na primeira fase, é onde a divisão da água em hidrogênio e oxigênio pela luz solar ocorre, e agora essa equipe de cientistas, conseguiu para reproduzir. E isso fez com a luz do sol. Decomposição da água nos seus dois moléculas pode ser feito muito facilmente, mas a aplicação

de energia elétrica, um processo comum conhecido como eletrólise da água, detalha Maurizio Prato, um dos maiores especialistas do mundo em grafeno e nanotubos de carbono, da CIC biomaGUNE Isso requer muita energia e “se precisarmos de mais energia do que conseguimos, não é um processo que valha a pena”. Daí o empenho do grupo de Prato em copiar plantas: “nós tentamos e conseguimos a divisão da água em hidrogênio e oxigênio através da luz do sol, que não custa nada”, resume o pesquisador na revista Nature Chemistry: Identificaram estruturas semelhantes a blocos de Lego que imitam o essencial do maquinário foliar. O trabalho não reproduz a perfeição idêntica dos sistemas biológicos e sua arquitetura frágil, mas explora alternativas artificiais, projetadas com componentes sintéticos altamente robustos, versáteis e sintonizáveis ​​ que são prontamente escaláveis. Para fazer isso, eles criaram um sistema com vários elementos: um tipo de antena que recebe a luz do sol; um cátodo, onde o hidrogênio é concentrado; um ânodo, onde o oxigênio é concentrado, e um catalisador – uma substância que aumenta a velocidade de uma reação química. Para conseguir a antena, a equipe recriou a menor peça funcional que compõe a lâmina, um quanta artificial; Nas plantas, os pigmentos - antenas para capturar a luz – são organizados em quanta, que são a entidade estrutural mínima que pode obter luz e convertê-la em energia química. revistaamazonia.com.br


Assim, os pesquisadores utilizaram esse sistema para captar energia do sol e iniciar um processo – o da fotossíntese – que tem entre suas primeiras reações químicas a oxidação da água no oxigênio - a energia solar estimula a ruptura das moléculas de água, causando que o oxigênio é liberado. O objetivo final de Prato e sua equipe é contribuir para a obtenção de uma fonte de energia limpa e eficiente. Você poderia conseguir células solares que geram moléculas de hidrogênio, mas não apenas isso.

Carros com hidrogênio? A fotossíntese artificial é a prima esquecida da energia solar

O hidrogênio e o oxigênio se combinam para formar água em um processo altamente energético; Ele gera muita energia, semelhante ao que se obtém quando um hidrocarboneto como o metano ou a gasolina queima no motor de um carro. O ideal seria fazer um motor que trabalhe com hidrogênio – daí a necessidade de primeiro dividir as moléculas de água com a luz do sol – e combiná-lo com oxigênio, e então gerar água e energia para mover o veículo, diz Prato, que observa que fabricar hidrogênio agora ainda custa muito. O Dr. Jean-Pierre Sauvage, ganhador do Prêmio Nobel de Química 2016 e professor do Instituto de Ciência e Engenharia Supramolecular (ISIS) em Estrasburgo, acrescenta: “A divisão da água é um sonho há muito procurado e foi um tópico de minha pesquisa há muito tempo atrás. É um processo extremamente árduo, com muitos grupos de pesquisa tentando imitar a natureza, mas ainda longe de conseguir fazê-lo”. Esta pesquisa abre novas perspectivas e possibilidades. A auto-montagem de um sensibilizador robusto com um catalisador eficiente gera um sistema extremamente fascinante e eficiente para oxidar a água ao oxigênio, um passo fundamental para a divisão da água “. Esquema para geração eficiente de hidrogênio fotocatalítico de luz visível. Os sistemas fotocatalíticos heterogéneos artificiais do esquema Z, imitando o processo de fotossíntese natural, superam as desvantagens dos foto catalisadores de componente único e satisfazem os requisitos acima mencionados

Maurizio Prato explica ainda mais o avanço obtido: “Neste trabalho, usamos um semicondutor orgânico robusto e versátil para criar uma estrutura fotoativa em torno do centro catalítico para transferir elétrons e retardar a recombinação”. O hidrogênio e o oxigênio se combinam para produzir água em um processo altamente intensivo em energia. A quantidade de energia gerada nesse processo é comparável a quando um hidrocarboneto como metano ou gasolina entra em combustão em um motor de carro. “A situação ideal seria produzir revistaamazonia.com.br

um motor a hidrogênio que combine com o oxigênio para produzir água e gerar energia para alimentar o veículo. No momento atual, produzir hidrogênio é um processo caro. O que estamos tentando não é apenas produzir hidrogênio, mas tornar o processo economicamente viável. Esta é uma área altamente competitiva e o que conseguimos é um sistema molecular que possibilitará avanços consideráveis ​​”, O desafio, acrescenta Patro, é fabricar catalisadores baseados em átomos mais abundantes, como átomos de ferro e cobalto, conclui Maurizio Prato.

Maurizio Prato, no Laboratório de Bio nanotecnologia da CIC biomaGUNE

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Mercados VERDES e Consumo

SUSTENTÁVEL Projeto é lançado para ampliar acesso aos produtos sustentáveis da Amazônia, com ideia de aproximar os consumidores do mercado sustentável, que inclui o açaí, a castanha do Pará, os óleos vegetais e insumos usados na fabricação de cosméticos Fotos: Biofach, Divulgação, PPBio INPA, Werner Rudhardt/GIZ

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a Amazônia, a expansão de sistemas de produção sustentáveis é fundamental na estratégia de preservação da floresta. Baseados em produtos tradicionais da sociobiodiversidade e da agroecologia, contribuem para reduzir o desmatamento. Existem mais de 400 mil famílias vivendo da floresta e produzindo alimentos, cosméticos, artesanato e outros produtos e serviços que preservam o patrimônio natural e cultural de seus territórios. O acesso aos mercados consumidores, porém, ainda é limitado para produtos da Amazônia, como o açaí, a castanha do Brasil, os óleos vegetais e os insumos usados na fabricação de cosméticos. Além de diminuir o desmatamento, o sistema de produção sustentável garante ao agricultor familiar e aos povos e comunidades da Região Amazônica uma alternativa de comercialização e de geração de renda. Com o objetivo de ampliar o acesso aos mercados para os produtos da sociobiodiversidade e da agroecologia, a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ) estão lançando o projeto “Mercados Verdes e Consumo Sustentável”. A ideia é fomentar as cadeias produtivas sustentáveis na Amazônia 38

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e, com isso, aliviar a pressão sobre a floresta e gerar renda para as populações locais. O projeto vai contribuir para a proteção das florestas ao impedir a perda da biodiversidade, o aumento na emissão dos gases de efeito estufa e a redução dos espaços vitais para povos e comunidades tradicionais. Vai usar o potencial para criar riqueza e aumentar a renda da população local sem prejudicar o ambiente. O projeto inclui quatro estados: Acre, Amazonas, Pará e Amapá. Os produtos provêm de organizações econômicas da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais na Amazônia, todos com práticas sustentáveis de produção. A intenção é melhorar as políticas públicas que promovem a comercialização desses produtos, ampliando o acesso aos mercados privados nacionais e internacionais voltados para o consumo sustentável, agregando valor. O açaí da Amazônia já é exportado para a União Europeia, na forma de polpa de fruta, o que exige trabalho de processamento. Nos quatro estados foram criadas câmaras de comercialização, nas quais todos os envolvidos no projeto desenvolvem soluções para promover as cadeias produtivas. Um elemento importante é apoiar a gestão nas cooperativas. Para isso, profissionais de serviços de assistência técnica e extensão rural estão sendo treinados em métodos e instrumentos apropriados.

Alguns dos produtos sustentáveis da Amazônia: Açaí, Castanha do Pará, Óleos vegetais (Andiroba - Cumaru) revistaamazonia.com.br


Sistema de produção sustentável garante ao agricultor familiar e aos povos e comunidades da Região Amazônica uma alternativa de comercialização e de geração de renda

taria e a GIZ viabilizaram a participação de nove cooperativas brasileiras, que realizaram mais de 200 contratos comerciais. O volume de negócios fechados e prospectados foi superou R$ 7,7 milhões. Foram criadas câmaras estaduais de comercialização, para articulação de oferta e demanda de produtos da agricultura familiar, priorizando a produção da sociobiodiversidade e da agroecologia. Nelas são discutidas a promoção comercial, que pode ser melhorada por meio de adaptação do marco regulatório e institucional, assim como por ações concretas. As três já instituídas são a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos do Amazonas, em Manaus; a Câmara Estadual de Comercialização da Produção Familiar, em Rio Branco, no Acre; e o Colegiado de Comércio e Consumo Sustentável do Tapajós, em Santarém, no Pará. [*] Fonte: Ministério da Agricultura

Novos canais de comercialização Estão sendo desenvolvidas campanhas para fortalecer a ideia de consumo consciente dos produtos da Amazônia. Novos canais de comercialização estão sendo abertos junto à iniciativa privada para produtos provenientes de cadeias que garantem condições favoráveis para as comunidades locais, e que contribuam para a conservação. O projeto incentiva a criação de Parcerias com o Setor Empresarial (PSE) para direcionar investimentos privados adicionais na construção de sistemas de produção sustentáveis. E busca investidores interessados em oportunidades de negócios. A GIZ é apoiada pelo Consórcio Eco Consulting /IPAM na implementação do projeto. No Brasil, o termo agricultura familiar engloba diversidade social importante para a preservação do patrimônio cultural de biomas: são famílias de agricultores tradicionais, assentados da reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais, entre outros. Já foram mapeadas na Amazônia 341 cooperativas e associações de pequenos agricultores e 121 empresas que são potenciais compradoras de produtos da Amazônia. Os dados ajudam a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Mapa a aproximare oferta e demanda, gerando aumento de renda aos agricultores. No ano passado, na maior feira de produtos orgânicos do mundo, a Biofach 2018, em Nürnberg, Alemanha, a secrerevistaamazonia.com.br

No ano passado, na maior feira de produtos orgânicos do mundo, a Biofach 2018, em Nürnberg, Alemanha, a secretaria e a GIZ viabilizaram a participação de nove cooperativas brasileiras, que realizaram mais de 200 contratos comerciais

Cooperativas da Amazônia participaram da Feira Internacional de Alimentos Orgânicos, realizada em Nuremberg – Alemanha

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Brasil vai incorporar mais 170 mil km² de plataforma continental e ampliar sua Amazônia Azul A partir daí, o Brasil dividiu o pedido de expansão de suas águas jurisdicionais em três lotes: Sul, Equatorial e Oriental/Meridional, que somados têm área 2 milhões de Km². A autorização publicada é relativa ao lote Sul, de 170 mil Km², que vai da fronteira brasileira com o Uruguai até o platô de Santa Catarina. A expectativa do governo brasileiro é de que em agosto o país seja legitimado a incorporar a Região Equatorial e, em 2020, a Oriental Meridional.

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o recente dia 11 de junho, a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) publicou recentemente em seu portal da Organização das Nações Unidas (ONU) na internet um documento legitimando um pedido feito pelo governo brasileiro para aumentar seu território marítimo – para o Brasil incorporar 170.000 km2 de área de Plataforma Continental, além da Zona Econômica Exclusiva. Isto significa a ampliação do nosso mar territorial, além das 200 milhas. É a nossa Amazônia Azul ampliada ainda mais. Uma conquista sem precedentes, que não repercutiu em nosso país. Isso vai significar um aumento nas possibilidades de nossas riquezas, um aumento do número de pesquisas, além de obrigar o país a aumentar seu nível de segurança e vigilância, impondo o Brasil a investir mais em nossa Marinha. A decisão da ONU é resposta a um processo de estudos a respeito da costa nacional que começou em 1987 e tem sido capitaneado pela Marinha do Brasil. Com o levantamento dos dados, o governo concluiu ser possível aumentar sua Plataforma Continental – área sobre a qual o país tem direito de exploração dos recursos – de acordo com os critérios exigidos pela Organização das Nações Unidas.

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Mapa de linhas e limites do mar

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Figura com o limite exterior da Plataforma Continental, além das 200 milhas, na Região Sul, da Margem Brasileira, representada pela linha vermelha revistaamazonia.com.br

O processo de estabelecimento do limite exterior da Plataforma Continental do Brasil foi iniciado em 1987, por meio do trabalho de levantamentos de dados. Em 2007, fruto da primeira submissão de pleitos, depositados em 2004, o Brasil recebeu da CLPC, o Relatório de Recomendações no qual aquela Comissão endossou cerca de 80% da proposta brasileira. No dia 25 de agosto de 2015, no plenário da ONU, em Nova Iorque, a Delegação Brasileira, seguindo o protocolo estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, procedeu à apresentação da Submissão Parcial revista do Brasil cobrindo a Região Sul da margem brasileira, para os 21 peritos da CLPC. Naquela oportunidade, foram enfatizados os aspectos técnicos e legais que o Brasil baseava-se para justificar o limite exterior proposto da plataforma continental. Desde o início do processo, a expansão da Plataforma Continental tem sido vista pelo governo federal como fonte de desenvolvimento ambiental, científico, econômico e como forma de fortalecer a soberania nacional. Com ares de grandiosidade, o projeto foi batizado de “Amazônia Azul”.Em suma, com as aprovações da ONU, o Brasil passa a ter direito a explorar uma área marítima maior. Consequentemente, aumentam as fontes de recursos que podem ser explorados, como, por exemplo, petróleo, carvão e fósforo, entre outros minerais. A exploração mineral em áreas marítimas rende royalties aos governos estaduais e municipais. Entretanto, para que isso aconteça de modo mais justo e sem o risco de judicialização excessiva, é preciso haver uma solução para as disputas entre os estados. Ao longo das sessões de trabalho da CLPC, em Nova Iorque, ocorreram reuniões de trabalho da Delegação Brasileira com os peritos da CLPC designados para conduzir a análise da Submissão da Região Sul, na qual foram respondidas e esclarecidas questões que levaram àquela Comissão a aceitar e recomendar que o Brasil adotasse o limite exterior da plataforma continental na Região Sul exatamente como consta na submissão apresentada. O documento, na íntegra, pode ser acessado em: https://www. un.org/Depts/los/clcs_new/submissions_files/bra02_rev15/Executive_Summary_Brazilian_Partial_Revised_Submission_SR.pdf

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Estudo inédito revela que a Amazônia está perdendo superfície de água por Denise Oliveira

Fotos: Divulgação/ Ibama, MDPI, WWF-Brasil/Bruno Taitson

Análise mostra que há uma tendência de perda de corpos hídricos. Em média, foram perdidos 350km2 de magens do satélite Landsat coletadas durante 33 anos (1985 a 2017), novas área coberta por tecnologias de processamento de dados ambientes aquáticos em nuvens de computadores e uma análise dedicada de pesquisadores tornaram por ano. Alteração nos possível um novo olhar sobre a Amazônia, agona perspectiva das transformações que vem ecossistemas aquáticos raocorrendo nos corpos hídricos da região. Assim como o Prodes nos mostra anualé influenciada por como está a supressão da vegetação intervenções humanas mente natural dos ecossistemas terrestres, o novo teve como objetivo avaliar as dinâcomo desmatamento, estudo micas de transformação na superfície de na Amazônia. Esse pode ser o pontapé obras de infraestrutura água inicial para um acompanhamento anual e e mudanças climáticas regular sobre o estado dos corpos hídricos

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Área de estudo do bioma Amazônia, cenas Landsat (n = 194) e como folhas do mapa (n = 294) usado para produzir mosaicos anuais do Landsat para mapear anualmente como águas superficiais de 1985 a 2017

– rios, lagos, áreas úmidas inundáveis etc. Mas os resultados obtidos não são positivos: A análise realizada pelo WWF-Brasil e Imazon, no âmbito do Projeto MapBiomas, e com apoio do Google Earth Engine, mostra que há uma tendência de redução da superfície hídrica na Amazônia brasileira. Em média foram perdidos 350 km2 de área coberta por ambientes aquáticos por ano. O resultado da análise foi publicado recentemente em edição especial da revista científica Water (MDPI) sobre a situação dos recursos hídricos nas Américas, trazendo dados inéditos para o bioma. Esta foi a primeira vez que um estudo dessa magnitude foi realizado na escala do bioma Amazônia. revistaamazonia.com.br


Vetores e impactos Exemplo de resultados de Análise de Mistura Espectral (SMA) para uma porção do rio Amazonas e do afluente do Tapajós

Em (A), um conjunto colorido para a combinação de imagens fracionadas de Solo (Vermelho), Verde Vegetação (Verde) e Sombra (Azul). Em (B), um classificador de água sem classificador de água superficial (SWSC) e em (C) o mapa de frequência da água ao longo de 33 anos. As áreas azuis-claras adjacentes são pequenas manchas de terra, as inundações e as escovas também podem ser projetar áreas que possuem menos nuvens de luz sem nuvens Bernardo Caldas, analista do Programa de Ciências do WWF-Brasil e um dos autores do estudo, explica que existe uma correlação entre a perda de superfície de água na região Amazônica e a construção de hidrelétricas e desmatamento. As intervenções humanas como a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), açudes, barramentos de rios por grandes

ou pequenas obras, a formação de lagos para piscicultura somadas, assim como as grandes obras de infraestrutura, afetam a dinâmica natural e geram alterações nos corpos hídricos e fluxos de água que impactam todo o sistema. A faixa onde estão mais evidenciadas essas múltiplas intervenções humanas coincidem com o chamado arco do desmatamento, na porção sul da Amazônia.

Intercâmbio entre a água e o solo detectado entre 1991 e 2017, que é o maior e menor extensão de água superficial, respectivamente

Como áreas de laranja representam áreas que mudaram de água em 1991 para a terra em 2017, são responsáveis ​​pela mudança de água para os dois anos. Nenhum painel (A ) como zonas húmidas mudaram de Água para Terra; em (B ) Terra à Água, à revistaamazonia.com.br

construção da hidrelétrica de Belo Monte e Água ao longo dos rios que tiveram o fluxo de água desviado para a construção da barragem; e em (C ) principalmente água para terra em planícies aluviais ao longo de lagos e rios REVISTA AMAZÔNIA

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O barramento de rios (interrupção de seu curso natural) afeta o pulso de inundação. Os efeitos cumulativos de muitos barramentos podem levar o curso d’ água a entrar em colapso e, assim, subsequentemente, interferir na dinâmica e serviços ecológicos da bacia hidrográfica como um todo.

As áreas mais afetadas com essa perda de superfície são as áreas de inundação (várzeas) e lagoas que se formam com o pulso de cheias e vazantes dos rios. A bacia Amazônica forma uma rede de ecossistemas aquáticos, diferenciados e interligados. Esses ecossistemas são fundamentais para a biodiversidade, a reprodução de peixes e outras espécies aquáticas.

Tipos de água superficiais mapeados para todo o Bioma Amazônia em 2007

Os blocos retratam os exemplos de represas hidrelétricas (parte inferior direita), pequena fragmentação de riachos no Arco do Desmatamento, Superfície natural da água (superior direito) e mineração ao longo dos rios (canto superior direito).

“A perda desses habitats dinâmicos, que são influenciados pelo bombeamento natural e pelos fluxos de água, coloca em risco espécies como os botos, peixes, incluindo os ornamentais, os quelônios, entre muitas outras espécies que dependem desses locais para se reproduzirem. Ou seja, estamos perdendo os berçários da vida na Amazônia. Consequentemente, as comunidades que dependem dessa biodiversidade também serão afetadas”, explica Bernardo Caldas. Bernardo Caldas, do WWF-Brasil, lembra que a água não respeita barreiras político-administrativas estaduais ou mesmo federais. A unidade é a bacia hidrográfica, o sistema de rios e os 44

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fluxos naturais de água. “É necessário um macroplanejamento ambiental estratégico que considere não só as grandes infraestruturas, mas também o impacto de um conjunto de milhares de pequenas obras que cumulativamente pode afetar os serviços ambientais prestados por determinada bacia hidrográfica. Entre esses serviços estão o abastecimento de água para a população local, a dessedentação de animais, a produção agropecuária, a segurança alimentar de comunidades, o turismo e a própria necessidade dos ecossistemas de terem espaço e tempo para sua auto-manutenção”, completa. revistaamazonia.com.br


Proporção de áreas florestais (verdes) e desmatadas (laranja) em bacias hidrográficas de nível 4 (A, e, a, e, a, perdas de águas superficiais em 2017 por a bacia hidrográfica em relação à média de exclusão de 1985 a 2017 (B )

Desafios Os principais desafios para a realização do estudo foram a escala e complexidade da região e o extenso período histórico analisado. Carlos Souza, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), explica que esse estudo só foi possível por conta dos recentes avanços técnicos para o processamento de grandes volumes de dados que estão disponíveis atualmente. “Utilizamos o Google Earth Engine e seus servidores de computadores espalhados pelo mundo para processar um volume impressionante de imagens de satélites. O que seria uma tarefa quase impossível há alguns anos atrás”, comenta.

Próximos passos Este estudo faz parte de uma série de trabalhos que vem sendo conduzidos pelo WWF-Brasil e que incluem uma análise sobre a fragmentação dos rios da Amazônicos e os impactos decorrentes. Realizada em conjunto com diversos parceiros na região, essa análise visa integrar aspectos hidrológicos e de biodiversidade em uma visão transfronteiriça. O conjunto de estudos possibilitará o desenvolvimento de estratégias públicas e privadas que garantam o desenvolvimento sustentável da região. Uma Amazônia ecologicamente saudável, que possa continuar fornecendo produtos e serviços dos ecossistemas terrestres e aquáticos para todos, localmente e globalmente, é imprescindível. Os estudos desenvolvidos pelo WWF-Brasil e parceiros contribuem para a compreensão e conservação desse complexo sistema natural.

Alteração nos ecossistemas aquáticos é influenciada por intervenções humanas como desmatamento, obras de infraestrutura e mudanças climáticas

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Rio Jamanxim, Parque Nacional de Jamanxim, sudoeste do Pará, na Amazônia

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Microrganismos são os maiores emissores de carbono em águas da Amazônia

Maior parte do carbono circulante em lagos, várzeas e planícies inundáveis não vem do fitoplâncton, de invertebrados ou de peixes, mas da teia alimentar microbiana

Um novo estudo verificou que a teia alimentar microbiana responde pela maior parte do carbono circulante em lagos, várzeas e planícies inundáveis da Amazônia por Peter Moon

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osso trabalho concluiu que a quantidade de carbono que circula na teia alimentar microbiana das regiões alagáveis amazônicas é até 10 vezes maior do que o carbono circulante na cadeia alimentar clássica, que envolve fitoplâncton e zooplâncton”, disse Hugo Miguel Preto de Morais Sarmento, professor no Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Apoiado pela FAPESP, o estudo foi publicado na revista Hydrobiologia. Pela sua enorme extensão, a Amazônia tem papel fundamental no ciclo de carbono do planeta – que precisa ser compreendido para se poder mensurar a dimensão e as consequências das mudanças climáticas globais. Daí a importância de quantificar os estoques e fluxos de biomassa das diversas cadeias alimentares amazônicas, terrestres ou aquáticas. A maioria dos estudos que buscam quantificar o ciclo de carbono na Amazônia parte da análise da biomassa terrestre (plantas e animais) ou então da biomassa na água dos grandes rios, como o Solimões. Até o momento, poucos trabalhos científicos investigaram a participação no ciclo do carbono da biomassa presente em águas das regiões alagáveis, que abrangem nada menos do que 20% de todo o bioma amazônico. E esses estudos levam em conta apenas o ciclo de carbono da cadeia alimentar clássica, que inclui fitoplâncton (produtores primários) e zooplâncton, peixes e invertebrados (consumidores primários, secundários e detritores). O novo estudo investigou a chamada teia alimentar microbiana, que se refere às interações tróficas combinadas entre todos os microrganismos em ambientes aquáticos, o que inclui bactérias, 46

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Fotos: Divulgação, José Renato Venâncio Resende/Wikimedia Commons)

algas microscópicas (fitoplâncton), microrganismos unicelulares como ciliados (protozoários) e flagelados, além de invertebrados. “Nosso trabalho buscou verificar e quantificar no sistema amazônico as interações na teia alimentar microbiana em dois momentos, na estação úmida, quando o nível das águas é mais elevado e a teia alimentar é mais simples (menos interações), e na estação seca, quando a quantidade de água é menor e a teia alimentar se torna mais complexa, com mais interações”, disse Sarmento.

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Para coletar o material do estudo, os pesquisadores elegeram o Puruzinho, um lago muito estreito e sinuoso de quase 8 quilômetros de comprimento que fica num afluente do rio Madeira, no estado do Amazonas. Foram coletadas 30 amostras de água cerca de meio metro abaixo da superfície, no fim de maio de 2014, durante o final da época chuvosa na Amazônia, quando as áreas inundadas atingem seu nível máximo, e no final de outubro do mesmo ano, na estação seca, quando o nível do lago é o mais baixo. “O lago é raso, com profundidade máxima de 11 metros. Portanto, não há diferença relevante na composição microbiana das águas coletadas a meio, a 2 ou a 5 metros de profundidade, uma vez que a coluna de água é homogênea. Seria diferente caso o lago fosse mais profundo, com a formação de duas ou mais camadas de água com temperatura e oxigênio dissolvido diferentes”, disse Sarmento.

Biodiversidade desconhecida No laboratório, foi feita a contagem da quantidade de bactérias, de fitoplâncton, de ciliados e flagelados e de zooplâncton presentes nas amostras. Sarmento explica que, em 1 mililitro de água do lago (equivalente a três gotas), espera-se encontrar cerca de 1 milhão de bactérias. Já os vírus, muito menores (e que não foram contabilizados no trabalho), são cerca de 10 milhões. Quanto ao fitoplâncton, há cerca de 10 mil na mesma quantidade de água. No caso do zooplâncton, trata-se de organismos muito maiores, alguns inclusive visíveis a olho nu. Daí o que se espera é encontrar cerca de 10 animais do zooplâncton em 1 litro de água do lago. “No caso do fito e do zooplâncton, a contagem é feita com microscópio óptico invertido, contando e medindo os organismos um a um. No caso das bactérias, usamos o citômetro de fluxo, o mesmo equipamento usado em laboratórios de análises clínicas para contar a quantidade de plaquetas e células no sangue”, disse o pesquisador. Outro passo importante da pesquisa foi fazer o rastreamento (screening) genômico, de modo a determinar quais são os diferentes grupos de bactérias na amostra – descrito em outro artigo publicado recentemente pelo mesmo laboratório na revista Freshwater Biology (Flood pulse regulation of bacterioplankton community composition in an Amazonian floodplain lake). O trabalho mostrou que as bactérias, além de numerosíssimas, são muito diversas e variam muito de tamanho. Para estimar o total de carbono nas amostras de forma precisa, foi necessário verificar quais eram os grupos de bactérias presentes e as quantidades de cada uma, de modo a poder inferir quanto cada grupo aporta de carbono no cômputo geral. “O rastreamento genômico revelou outro dado muito interessante. Cerca de 60% das bactérias nas amostras pertenciam a espécies e gêneros ainda desconhecidos. Muitos microrganismos só identificamos no nível da família. Seus gêneros permanecem desconhecidos. Isso demonstra o quanto ainda não se sabe sobre a biodiversidade microbiana nos rios e lagos da Amazônia”, disse Sarmento. O passo seguinte foi estimar o total da biomassa microbiana (do carbono) que existe, em média, em cada mililitro de água do lago Puruzinho, coletada na estação chuvosa e na estação seca. revistaamazonia.com.br

Foi assim que os pesquisadores puderam constatar a diferença de uma ordem de grandeza entre as quantidades de carbono da teia alimentar microbiana nas águas do lago (em média 245,5 microgramas por litro) e da cadeia alimentar clássica (24,4 microgramas por litro), formada por fito e zooplâncton. Em outras palavras, 90% da quantidade de carbono no lago Puruzinho circula na teia alimentar microbiana. Se essa mesma relação servir de parâmetro para estimar o total de carbono circulante na teia alimentar microbiana de todas as áreas alagáveis da Amazônia, o que se verifica é que, sob qualquer ponto de vista, a quantidade de carbono na região ainda é muito subestimada. Outro dado curioso que despontou da análise geral dos resultados foi a constatação de que a grande maioria dos microrganismos da teia alimentar microbiana no Puruzinho, tanto em diversidade como na quantidade de carbono acumulado, é formada por heterotróficos, ou seja, consumidores primários, secundários e detritores. Os microrganismos autotróficos – algas unicelulares que constituem o fitoplâncton e que realizam fotossíntese – perfazem um volume incompatível com o sustento da teia aliIlustração esquemática do Lago Janauacá mentar do lago. mostrando a pia (ch) e as De acordo com o estudo, fontes de dispersão. As os produtores primários setas brancas indicam a dinâmica típica do fluxo microbianos do lago não de água na queda de são em número suficiente água e as setas pretas nos períodos de aumento para metabolizar o carbono da água. ba, bacia de necessário para sustentar a drenagem; canal; ma, teia alimentar lá existente. macrófitas; sol, Solimões; la, lago aberto A dúvida é de onde vem a maioria do carbono utilizado pelos consumidores microbianos primários e secundários. “Nossa hipótese é que a maior parte do carbono nas águas do Puruzinho seja proveniente de folhas, material em decomposição e partículas orgânicas do húmus e da serapilheira da floresta circundante”, disse Sarmento. “Na ausência da teia trófica microbiana, todo esse carbono acumularia no fundo do lago e ficaria sequestrado no lodo e no sedimento. Mas o que se verifica é que muito do carbono que escorre das margens é reciclado na cadeia microbiana, retornando para a atmosfera nas formas de gás carbônico e de metano, que são gases do efeito estufa. Cada elemento desta teia trófica participa do ciclo de carbono na atmosfera”, disse. Agora que os pesquisadores sabem quais são os integrantes da teia trófica microbiana no lago Puruzinho, os próximos passos da pesquisa envolvem descobrir o que aquelas bactérias estão fazendo. “Queremos entender a ligação da matéria orgânica terrestre com os sistemas aquáticos e saber de onde vem toda a matéria orgânica consumida no lago. Queremos também saber especificamente o que é produzido no lago e o que é proveniente da floresta, de modo a entender melhor os fluxos de carbono na Amazônia”, disse Sarmento. Participaram da pesquisa publicada na revista Hydrobiologia cientistas das universidades federais de Juiz de Fora, do Rio de Janeiro e de Rondônia e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. O trabalho também contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). [*] Agência FAPESP

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Situação efetiva da PROTEÇÃO e da PRESERVAÇÃO da VEGETAÇÃO NATIVA no bioma AMAZÔNIA BIOMA AMAZÔNIA BIOMA CAATINGA

No Brasil, o bioma Amazônia ocupa cerca de 4,2 milhões de quilômetros quadrados, praticamente a metade do país (49,4%). Ele engloba Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, além de parte do Mato Grosso, Maranhão e Tocantins por Evaristo Miranda

A

s Unidades de Conservação de Proteção Integral, como Estações Ecológicas e Parques Nacionais, são 204 no bioma Amazônia e totalizam uma área superior a 76 milhões de hectares. Elas recobrem 18% do bioma, excluem a presença humana e não admitem qualquer atividade produtiva. Reservas Extrativistas (Resex) e de Desenvolvimento Sustentável (RDS) não fazem parte desse conjunto de proteção integral. Também há 330 Terras Indígenas legalmente atribuídas no bioma Amazônia, sob a gestão da FUNAI. Elas totalizam quase 107 48

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BIOMA CERRADO BIOMA PANTANAL

A

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A TIC N LÂ AT A T MA

BIOMA PAMPA Fotos/Mapas: PPR IUCN,2016

milhões de hectares e recobrem 25,4% do bioma. Existem sobreposições entre as 534 áreas atribuídas a meio ambiente e povos indígenas. Descontadas as sobreposições, elas totalizam 171,5 milhões de hectares de áreas protegidas e 40,8% do bioma. As áreas militares, cadastradas com florestas nacionais, totalizam cerca de 2,7 milhões de hectares e 0,6% do bioma Amazônia. No total, unidades de conservação integral, terras indígenas e áreas militares protegem hoje 174,2 milhões de hectares ou 41,4% do bioma. revistaamazonia.com.br


A preservação da vegetação nativa Até o advento do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a contribuição dos agricultores, pecuaristas e extrativistas à preservação ambiental na Amazônia era subestimada e pouco conhecida. Criado e exigido pelo Código Florestal (Lei 12.651/12), esse registro eletrônico obrigatório tornou-se um relevante instrumento de planejamento agrícola e socioambiental. Até agosto de 2018, no bioma Amazônia, registraram-se no CAR mais de 468.000 imóveis rurais, incluindo Resex e RDS. A Embrapa Territorial analisou esse bigdata geocodificado. E mapeou com 10 metros de detalhe a área dedicada à preservação da vegetação nativa em terras extrativistas e de agropecuária, em cada imóvel rural, município, microrregião, estado e no bioma (https://www.embrapa.br/car). Uma área total de 103,1 milhões de hectares está dedicada à preservação da vegetação nativa pelo mundo rural. Isso corresponde a 24,6% do bioma Amazônia e a 64% da área dos imóveis. Ou seja, o mundo rural preserva, em meio às suas atividades produtivas, um quarto do bioma Amazônia e dois terços de seus imóveis.

Até agosto de 2018, no bioma Amazônia, registraram-se no CAR mais de 468.000 imóveis rurais, incluindo Resex e RDS

Bioma Amazônia

Um bioma protegido e preservado Em resumo: as 534 áreas de proteção mais estrita (unidades de conservação integral e terras indígenas) totalizam 171,5 milhões de hectares e alcançam 40,8% do bioma Amazônia. Com as áreas militares essa porcentagem chega a 41,4%. Em mais de 468.000 imóveis rurais, pelos dados do CAR, as áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa totalizam 103,1 milhões de hectares ou 24,6% do bioma. O total de áreas legalmente protegidas e preservadas, devida e detalhadamente mapeadas, é de 277,3 milhões de hectares, 66,1% ou dois terços da Amazônia. Para o mundo rural e para os órgãos governamentais, isso implica num grande custo operacional e patrimonial, ainda por calcular. Sem descontar áreas urbanas e de mineração, cuja dimensão é muito pequena em relação ao total da região, existem ainda cerca de 83,8 milhões de hectares passíveis de ocupação no bioma Amazônia. Em sua maioria, são áreas inundáveis, superfícies hídricas do rio Amazonas e terras pouco propícias ao extrativismo e à agropecuária, sem acesso logístico. Em boa parte, trata-se de terras devolutas.

O real desafio Mesmo diante da hipótese muito pouco provável de uma futura ocupação integral dessas áreas pelo mundo rural, o Código Florestal já impõe o limite de 20% para uso e exploração (desmatamento legal). A área de

Áreas protegidas no mundo

reserva legal prevista para a vegetação nativa é de 80%. Assim, cerca de adicionais 67 milhões de hectares, ou 16% da região, já estão previa e legalmente destinados à preservação, por exigência do Código Florestal. O país já abriu mão de explorar e usar 82% do bioma Amazônia, com todas essas áreas legalmente destinadas à proteção e à preservação da vegetação nativa. Uma área maior do que a Índia! Esse fato precisa ser melhor conhecido e reconhecido. Qual país de mundo dedica 3,5 milhões de quilômetros quadrados à preservação? Tente alguém propor essa área em preservação aos Estados Unidos, Canadá, Rússia ou China. A proteção ambiental da Amazônia é um exemplo sem equivalente no planeta, em valores absolutos e relativos, como atestam documentos internacionais (IUCN, 2016. Protected Planet Reports). [*] Doutor em ecologia, chefe-geral da Embrapa Territorial

Fonte: IUCN e UNEP-WCMC

Áreas protegidas terrestres

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Áreas protegidas marinhas e costeiras

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Em Manaus, poluição causada por seres humanos estimula a produção de partículas que mudam o clima da Amazônia Pesquisadores exploram ar rarefeito e intocado para revelar o impacto da poluição por Tom Rickey

Fotos: Cesar David Martinez / Avaaz, Cortesia do PNNL,

A poluição causada pelo homem estimula a produção de partículas que mudam o clima, conhecidas como aerossóis orgânicos secundários, muito mais do que se pensava anteriormente. Os pesquisadores fizeram a descoberta analisando amostras de ar que foram capturadas a bordo de uma aeronave de pesquisa enquanto ziguezagueava entre o ar puro da floresta amazônica e o ar poluído sobre a cidade vizinha de Manaus. Foi como uma viagem de ida e volta pelo tempo, enquanto os cientistas se moviam entre os dois ambientes muito diferentes

C

inco anos atrás, pesquisadores passaram três horas a bordo de uma aeronave de pesquisa Gulfstream-1, que zigue-zagueou entre o ar puro da floresta amazônica e o ar poluído nas proximidades. Foi como uma viagem de ida e volta pelo tempo, enquanto os cientistas se entrelaçavam entre os dois ambientes imensamente diferentes, capturando amostras de ar características do ambiente industrial de hoje, bem como amostras de ar não poluído, como antes da era industrial. 50

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Uma equipe internacional de cientistas liderada por Manish Shrivastava, do Laboratório Nacional Pacific Northwest, analisou alguns dos dados e descobriu que a poluição causada por seres humanos estimula a produção de partículas que mudam o clima, conhecidas como aerossóis orgânicos secundários, muito mais do que se pensava anteriormente. . A equipe publicou seus resultados na Nature Communications. As descobertas ilustram como a poluição de carros, usinas e outras fontes combi-

na com as emissões naturais de árvores na Amazônia para estimular um aumento significativo de partículas minúsculas que podem refletir ou absorver a luz solar, ajudar a criar nuvens, mudar padrões de chuvas e determinar como os fluxos de carbono entre a terra e a atmosfera - tudo com efeitos dramáticos em nosso planeta. O resultado vem de uma campanha de pesquisa, conhecida como GOAmazon, liderada pelo Mecanismo de Pesquisa de Medição de Radiação Atmosférica, uma instalação de usuário do Departamento de Energia do Escritório de Ciências. A campanha concentrou-se na região próxima a Manaus, uma cidade brasileira com mais de 2 milhões de habitantes cercada por florestas tropicais por centenas de quilômetros. Os cientistas se referem ao vasto dossel da floresta em torno de Manaus como um “Oceano Verde”, dando ao nome da campanha suas primeiras letras.

Manish Shrivastava, do Laboratório Nacional Pacific Northwest, analisou alguns dos dados e descobriu que a poluição causada por seres humanos estimula a produção de partículas que mudam o clima

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A região oferece um ambiente de pesquisa difícil de encontrar em qualquer outro lugar do mundo. De um lado de um limite indefinido, há uma floresta tropical reta com ar cristalino e níveis de 300 partículas de aerossol por centímetro cúbico; do outro lado está o ar sobre Manaus, com concentrações de partículas 100 vezes maiores devido à atividade humana. “Para realmente entender como a poluição influenciou a atmosfera, precisamos comparar a atmosfera de hoje com os tempos anteriores à era industrial”, disse Shrivastava. “Isso é um desafio; é claro que não podemos voltar no tempo. Mas a Amazônia é um dos poucos lugares na Terra onde podemos estudar a química atmosférica tanto no passado quanto no presente simultaneamente”. Naquele dia ensolarado, há cinco anos, a aeronave ARM passava de um lado a outro da fronteira, voando o comprimento de um campo de futebol a cada segundo, tirando amostras de ar da intocada e depois da poluída. “A região oferece um maravilhoso laboratório natural para entender como as emissões antropogênicas têm impacto na química atmosférica e no clima”, disse Shrivastava. Enquanto apenas uma pequena parte do nosso planeta oferece a oportunidade única para este estudo, as descobertas se aplicam à química atmosférica que ocorre em todos os lugares da Terra a cada momento. Esta química está por trás dos aromas refrescantes de um prado florestal ou de flores frescas. Quando esses aromas atingem nosso nervo olfativo, na verdade estamos sentindo uma série de gases, como isopreno e terpenos contendo carbono, que são emitidos naturalmente por árvores e outras vegetações. Os gases contribuem para o ozônio e outras formas de névoa que afetam a quantidade de luz solar que atinge a Terra. Quando essas emissões de carbono natural interagem na luz do sol com o óxido de nitrogênio - emitido naturalmente dos solos, mas também um produto comum amplamente emitido pela atividade humana -, um resultado é a formação de minúsculas partículas conhecidas como aerossóis orgânicos secundários. Embora os aerossóis sejam minúsculos, muito menores do que a largura de um fio de cabelo humano, eles não são jogadores quando se trata do clima da Terra. Eles são um componente importante nos ciclos de energia e carbono do planeta, determinando em parte o destino do vasto reservatório de carbono do planeta e como ele flui entre a terra e a atmosfera. Shrivastava e seus colegas procuraram aprender como as emissões antropogênicas aumentam a produção dessas partículas de carbono que ocorrem naturalmente - quão extensa os efeitos da atividade humana esrevistaamazonia.com.br

tão estimulando a transformação de gases ejetados da vegetação para essas poderosas partículas que mudam o clima. A equipe integrou esses dados com outras medições de laboratório para desenvolver um modelo avançado de computador para simular reações químicas que formam partículas na atmosfera. O modelo duplica, reproduzindo a química pré-industrial e atual. A maioria dos modelos foi criada em grande parte com base nas condições atuais; as medições da Amazônia fornecem informações sobre condições químicas pré-industriais que melhoraram as habilidades preditivas do modelo. A equipe descobriu que o óxido de nitrogênio emitido pelas atividades humanas como o tráfego e refinarias de petróleo promove a criação dessas partículas a partir do carbono florestal natural muito mais do que se pensava, causando um aumento médio de 60 a 200% e até 400% em alguns casos. Isso é comparado aos 20% estimados anteriormente por cientistas com base em dados em locais continentais mais poluídos. A equipe também mostrou que a maioria dessas partículas secundárias contendo carbono foram formadas por esse fenômeno.

“O impacto da poluição na criação de aerossóis orgânicos secundários tem sido muito difícil de provocar”, diz Shrivastava. “Nossas descobertas indicam que a atmosfera da Terra em muitos locais continentais já foi substancialmente alterada pelas atividades humanas, e há um impacto muito maior e generalizado do que foi apreciado.” Em seu artigo, Shrivastava e os outros autores concluem: “Nossos resultados fornecem uma imagem clara de como as emissões antropogênicas são susceptíveis de ter SOA biogênicas muito modificado [aerossóis orgânicos secundários] formação desde os tempos pré-industriais sobre a terra, e implica que a rápida urbanização no futuro anos podem melhorar substancialmente a formação de SOA biogênica nas regiões florestais intocadas da Amazônia. “ Shrivastava é um dos muitos cientistas em todo o mundo que estão criando modelos complexos de computadores para explicar a atmosfera e o sistema terrestre. Ele descreve a atmosfera como “um grande reator químico que processa constantemente as emissões naturais e humanas e, por sua vez, afeta tanto o clima quanto a saúde humana”.

A floresta amazônica, durante a estação chuvosa, é um dos poucos lugares remanescentes na Terra onde a química atmosférica transita entre condições pré-industriais e urbanas. Aqui, integramos insights de várias medições de laboratório e simulamos a formação de aerossóis orgânicos secundários (SOA) na Amazônia usando um modelo de transporte químico de alta resolução. Simulações mostram que as emissões de óxidos de nitrogênio de Manaus, uma cidade de aproximadamente 2 milhões de pessoas, aumentam em muito a produção de SOA biogênico em 60 a 200% com aumentos de pico de 400%, através do aumento da oxidação do carbono orgânico em fase gasosa emitido pelas florestas. Os aprimoramentos simulados concordam com as medições de aeronaves e são muito maiores do que os relatados em outros locais. A implicação é que o aumento das emissões antrópicas no futuro pode melhorar substancialmente a SOA biogênica em locais intocados, como a Amazônia. O estudo foi conduzido por um grupo de pesquisadores brasileiros, canadenses e norte-americanos que integram a campanha científica Green Ocean Amazon (GoAmazon), que conta com apoio da Fapeam, da Fapesp e do DoE *DOE / Pacific Northwest National Laboratory REVISTA AMAZÔNIA

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O ar puro revela o impacto da poluição Os cientistas foram para o céu coletar os dados e ziguezaguearam entre dois ambientes muito diferentes - ar puro sobre a floresta amazônica e ar poluído sobre a cidade de Manaus e nas proximidades - para obter amostras de ar raras e valiosas. Eles aprenderam que a poluição causada pelo homem estimula a produção de partículas que mudam o clima muito mais do que se pensava anteriormente.

Aerossóis criam névoa que espalha luz e nuvens que a refletem

O ar poluído da cidade de Manaus, reproduz o estado atmosférico durante condições pré-industriais e poluídas

Poluição urbana aumenta muito a formação de aerossóis naturais, afetando a chuva nas densas florestas da Amazônia. O estudo analisou a cidade amazônica de Manaus, no Brasil, um centro industrial de 2 milhões de pessoas com um grande porto de um lado e mais de 1.600 quilômetros de floresta tropical do outro. À medida que a cidade cresceu, também houve uma pluma industrial de fuligem e fumaça, dando aos pesquisadores um teste ideal

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Em 2018 o mundo perdeu 12 milhões de hectares de florestas tropicais por Mikaela Weisse e Liz Goldman

Fotos: INPE, Amil Tarris, Universidade de Maryland, WRI

Uma vez que estas florestas sejam derrubadas, elas nunca poderão retornar ao seu estado original

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s trópicos perderam 12 milhões de hectares de cobertura florestal em 2018, a quarta maior perda anual desde que a manutenção de registros começou em 2001. A maior preocupação é o desaparecimento de 3,6 milhões de hectares de floresta primária, uma área do tamanho da Bélgica. Os números vêm de dados atualizados da Universidade de Maryland, divulgados recentemente no Global Forest Watch. O crescimento antigo, ou florestas tropicais “primárias”, são um ecossistema florestal crucialmente importante, contendo árvores que podem ter centenas ou mesmo milhares de anos de idade. Elas armazenam mais carbono do que outras florestas e são insubstituíveis quando se trata de sustentar a biodiversidade. Florestas primárias fornecem habitat para animais que vão desde orangotangos e gorilas das montanhas até onças e tigres. Uma vez que estas florestas sejam derrubadas, elas nunca poderão retornar ao seu estado original. Pela primeira vez, novos dados sobre a localização das florestas primárias podem ajudar a distinguir a perda dessas florestas revistaamazonia.com.br

Floresta perdida em Bornéu, na Indonésia

importantes de outras perdas de cobertura de árvores (leia mais sobre os dados aqui ). Os dados revelam que, apesar do crescente número de compromissos de desmatamento zero de governos e empresas, a perda de florestas primárias atingiu recordes em 2016 e 2017 devido a incêndios e permaneceu acima dos níveis históricos em 2018. A perda de florestas primárias parece diferente em todas as regiões - incluindo o que está impulsionando, onde está acontecendo e seu impacto. Aqui está uma visão mais profunda das tendências:

Quais países estão perdendo a floresta primária mais primária? Em 2002, apenas dois países - o Brasil e a Indonésia - representavam 71% da perda de floresta primária tropical. Dados mais recentes mostram que as fronteiras da perda de florestas primárias estão começando a mudar. O Brasil e a Indonésia foram responsáveis ​​por apenas 46% da perda de florestas primárias em 2018, enquanto países como Colômbia, Costa do Marfim, Gana e República Democrática do Congo registraram um aumento considerável nos índices de perdas. REVISTA AMAZÔNIA

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Perda de floresta no Brasil permaneceu elevada após pico de fogo

Indonésia Perda de Floresta Primária Reduzida Massivamente

A perda de floresta primária no Brasil em 2018 foi menor que a de 2016-2017, mas ainda mais do que em 2007-2015, quando o país reduziu sua taxa de desmatamento em 70 %. O PRODES, sistema de monitoramento oficial do Brasil para a Amazônia, também mostrou uma tendência de aumento no desmatamento desde 2012. Embora parte da perda de 2018 possa ser atribuída ao fogo, a maior parte parece ser devida ao corte raso na Amazônia, colocando em risco os declínios no desmatamento que o país alcançou no início dos anos 2000. Notavelmente, vários pontos críticos de perda de florestas primárias ocorreram perto e dentro dos territórios indígenas. Por exemplo, a reserva Ituna Itata viu mais de 4.000 hectares de desmatamento ilegal dentro de suas fronteiras no primeiro semestre de 2018, mais que o dobro da perda total de 2002-2017. A reserva abriga alguns dos últimos povos isolados do mundo , que dependem da floresta para sobreviver e a conservam há séculos.

A perda de florestas primárias na Indonésia caiu para a taxa mais baixa desde 2003 no ano passado, continuando um declínio esperançoso que começou em 2017 . A perda de floresta primária foi 40% menor em 2018 do que a taxa média anual de perdas de 2002-2016. O país viu um declínio ainda mais dramático na perda de florestas em florestas protegidas, sugerindo que as políticas governamentais recentes estão funcionando. Em turfeiras com profundidade superior a 3 metros, que foram legalmente protegidas do desenvolvimento desde 2016, a perda florestal caiu 80% em relação à média de 2002-2016. E em áreas sob a moratória florestal da Indonésia , a perda de florestas primárias caiu 45% em 2018 em comparação com 2002-2016. O país já está vendo os benefícios financeiros desse declínio. Em fevereiro, a Noruega anunciou que compensará a Indonésia por reduzir suas emissões relacionadas ao desmatamento como parte de uma parceria climática e florestal que os dois países assinaram em 2010. Embora o declínio na perda de florestas primárias nos últimos dois anos seja promissor, a luta contra o desmatamento está longe do fim. Os últimos dois anos foram relativamente úmidos no país, impedindo uma forte temporada de incêndios como a que queimou 2,6 milhões de hectares em 2015. Este ano será outro ano do El Niño (embora mais fraco que 2015-2016), o que geralmente leva a condições de seca e uma temporada prolongada de incêndios na Indonésia. A província de Riau já viu mais de 1.000 hectares queimados em 2019 devido a uma onda de calor, e o governo está se preparando para mais.

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Ainda é cedo para avaliar como o enfraquecimento das leis ambientais e da fiscalização sob a nova administração do Brasil terá impacto na perda de florestas. A alta taxa de perda de floresta primária em 2018 ocorreu antes da posse do Presidente Bolsonaro (embora haja evidências de que as taxas de desmatamento aumentaram durante a temporada eleitoral ). Teremos que esperar até os dados do próximo ano para obter mais insights.

Na Colômbia, a perda de florestas primárias aumentou 9% entre 2017 e 2018, continuando uma dramática tendência ascendente desde 2016

toramento eficazes, como O Global Forest Watch Pro , previsto para ser lançado ainda este ano, ajudará a reduzir a perda florestal nos próximos anos. Na República Democrática do Congo, a perda de floresta primária foi 38% maior em 2018 do que em 2011-2017. A expansão da derrubada de florestas em pequena escala para agricultura e lenha provavelmente causou cerca de três quartos dessa perda. Alguns padrões de perda sugerem que a agricultura nova e de tamanho médio e o deslocamento populacional induzido por conflitos também contribuíram. Finalmente, Madagascar perdeu 2% de sua floresta primária em 2018, uma proporção maior do que qualquer país tropical. Embora a maior parte dessa perda tenha sido causada pela agricultura de corte e queimada, alguns se deviam à mineração ilegal de safiras perto da parte norte da área protegida do Corredor Zahamena Ankeniheny, bem como à mineração legal de níquel na parte sul do Corredor.

Salvando as Florestas Tropicais Primárias do Mundo

Florestas da América do Sul enfrentam aumento de ameaças Embora o Brasil tenha experimentado um declínio no desmatamento no início dos anos 2000, isso não foi verdade em outras partes da América do Sul. Colômbia, Bolívia e Peru experimentaram taxas crescentes de perda de florestas primárias desde a virada do século, embora com motivadores bastante diferentes. Na Colômbia, a perda de florestas primárias aumentou 9% entre 2017 e 2018, continuando uma dramática tendência ascendente desde 2016. Ironicamente, essa perda foi relacionada ao processo de paz, como áreas na Amazônia anteriormente ocupadas pelas Forças Revolucionárias Armadas da Colômbia (FARC) abriram para o desenvolvimento. O Parque Nacional de Tinigua foi uma infeliz vítima do desabamento desenfreado da floresta, perdendo cerca de 12.000 hectares de floresta em 2018, 6% de sua área florestal total. Na Bolívia, a maior parte da perda florestal estava relacionada à conversão de florestas em agricultura e pastagens em grande escala, particularmente no Chaco. A perda florestal no Peru, por outro lado, era geralmente para agricultura de pequena esrevistaamazonia.com.br

cala , incluindo alguma produção ilegal de coca . O Peru também viu uma proliferação de novas estradas madeireiras em áreas remotas da Amazônia em 2018, bem como a limpeza contínua para mineração ilegal de ouro no sul do país.

Perda de Floresta Primária Aumentada na África Subsaariana e Madagascar Novas fronteiras da perda estão emergindo em partes da África. O Gana e a Costa do Marfim experimentaram o maior aumento percentual na perda de florestas primárias entre 2017 e 2018 de qualquer país tropical (60% e 26%, respectivamente). A mineração ilegal causou parte da perda e, embora seja difícil atribuir a localização exata e a quantidade de perda florestal, a expansão das fazendas de cacau causou perdas nos dois países. O Gana, a Costa do Marfim e as principais empresas de cacau e chocolate se comprometeram em 2017 a acabar com o desmatamento dentro das cadeias de fornecimento de cacau. Embora este seja um primeiro passo promissor, o recente aumento na perda de florestas primárias - especialmente em áreas protegidas, onde ocorreram 70% das perdas - é um sinal preocupante. O setor do cacau precisa de sistemas de moni-

Centenas de países e empresas assumiram compromissos para reduzir ou eliminar o desmatamento até 2020. À medida que nos aproximamos desse prazo, alguns países estão fazendo progressos reais na redução da perda de florestas primárias, mas muitos outros estão tendendo na direção errada. Os primeiros relatórios e a alta taxa de perda de floresta primária em 2018 sugerem que não estamos no caminho certo para atingir essas metas. Dada a urgência de evitar a mudança climática descontrolada e a perda irreversível da biodiversidade, precisamos conter o desmatamento - antes que seja tarde demais. Os autores gostariam de agradecer a Peter Potapov e Svetlana Turubanova, da Universidade de Maryland, que atualizaram o conjunto de dados de perda de cobertura arbórea. *Global Forest Watch

A expansão da derrubada de florestas em pequena escala para agricultura e lenha provavelmente causou cerca de três quartos dessa perda REVISTA AMAZÔNIA

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Mortalidade de árvores da Amazônia acontece em meses chuvosos mesmo em ano de seca A mortalidade das florestas da floresta amazônica é impulsionada pelo clima e características funcionais. Vinte por cento da morte dessas árvores ocorre em janeiro e eventos climáticos podem causar mortalidade até dois anos após o evento por *Cimone Barros

Fotos: Izabela Aleixo (acervo), Universidade de Leeds

E

ventos extremos provocados pelas mudanças climáticas estão afetando o padrão de mortalidade da dinâmica da floresta amazônica. Estudo que analisou dados mensais de 52 anos de monitoramento de mais de 200 espécies mostrou que a seca (menos que 100 milímetros de chuva por mês) aumenta a chance de morte das árvores, mas elas morreram mais durante o mês chuvoso de janeiro, mesmo em anos de seca extrema. Janeiro é um mês chuvoso e de transição da estação seca (junho a novembro) para chuvosa (dezembro a maio) e possui alta precipitação e registro de tempestades de ventos. Árvores debilitadas de uma estação seca severa anterior costumam cair, quebrar, desenraizar durante o período de chuva. Para ter uma ideia do peso da chuva, aproximadamente 20% de todas as mortes de árvores aconteceram no mês de janeiro durante as cinco décadas analisadas. Em setembro, um dos meses mais secos do ano, também há uma taxa alta de mortalidade (12%), porém estatisticamente inferior a janeiro.

“Isso é uma novidade, porque todo mundo sempre fala que a morte das árvores aqui acontece na seca. Com as análises mensais e não anuais ou multianuais como os estudos costumam ser feitos, vimos que a seca é importante para determinar o momento de morte, mas as árvores não morrem imediatamente, e sim nos meses posteriores, porque ficam debilitadas e morrem com os

Pupunharana morta

fortes ventos que ocorrem nessa mudança de estação seca para a chuvosa”, explicou Izabela Aleixo, engenheira florestal, doutoranda de Ecologia do Inpa e primeira autora do trabalho “Clima e características funcionais de espécies determinam a mortalidade de árvores na floresta Amazônica” publicado recentemente (22/04) na revista científica Nature Climate Change.

Murici

Abieiro morto

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Envira

A seca é importante para determinar o momento de morte, mas as árvores não morrem imediatamente, e sim nos meses posteriores, porque ficam debilitadas e morrem com os fortes ventos que ocorrem nessa mudança de revistaamazonia.com.br estação seca para a chuvosa


Segundo Izabela, a análise dos dados de mortalidade de grandes árvores da Amazônia Central presentes na Reserva Florestal Adolpho Ducke e na Estação Experimental de Silvicultura Tropical, áreas de pesquisa do Inpa, foi possível por conta da longa série temporal que o Instituto possui. Desde 1965, técnicos monitoram todos os meses essas árvores para avaliar as características fonológicas – como as plantas se desenvolvem no decorrer de diferentes fases – e mais recente para ver a mortalidade. O estudo também leva a assinatura de Darren Norris (Universidade Federal do Amapá/Ufap e orientador de Izabela Aleixo), Lia Hemerik (Universidade de Wageningen/Holanda), Antenor Barbosa (pesquisador do Inpa), Eduardo Prata (Pós-doutorando pelo Inpa), Flávia Costa (Pesquisadora do Inpa), LourensPoorter (Universidade de Wageningen/Holanda).

Tronco de Muiragibóia preta

Castanha de macaco, morta

Em setembro, um dos meses mais secos do ano, também há uma taxa alta de mortalidade (12%), porém estatisticamente inferior a janeiro.

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As linhas verticais tracejadas indicam anos extremos de secas ENSO-El Niño (vermelho), ENSO – La Niña anos úmidos (azul) e NAO seca (laranja). A linha preta vertical tracejada, a mortalidade média

Eventos climáticos A pesquisa identificou que eventos climáticos extremos relacionados com o El Niño (seca) e La Niña (chuva) e variações no Atlântico Tropical Norte, são acontecimentos globais que afetam os padrões de mortalidade nas áreas da Amazônia Central. Isso está relacionado com eventos de seca ou de chuva extremos e de grandes ventos que são capazes de derrubar as árvores. Para a Bacia Amazônica, as taxas de mortalidade das árvores variam de 1% a 3% ao ano. No estudo foi encontrada uma taxa de mortalidade de árvores adultas de 0,9% ao ano. Porém, em ano de El Niño como em 1982, essa taxa subiu para 2,5%, e em ano sob a influência do Atlântico, como 2005, a mortalidade alcançou 2,2%, mostrando que esses eventos globais relacionados às mudanças climáticas mais do que dobraram a taxa de mortalidade das árvores. Os cientistas destacam que as espécies que morrem nesses eventos são espécies de determinados grupos ecológicos, como as espécies de madeira mais leve (baixa densidade da madeira), as pioneiras de rápido crescimento e menos resistentes à seca, e aquelas que permanecem com a copa completa de folhas durante todo o ano, ou seja, não tem a capacidade de perder as folhas sazonalmente durante a seca para evitar a perda de água pelas folhas. “As mudanças climáticas estão afetando os padrões de mortalidade e a dinâmica da floresta amazônica, isso pode alterar os ciclos hidrológico e o estoque de carbono na maior floresta tropical do mundo e tem um papel importante para todo clima global”, disse Aleixo.

“Então, é preciso olhar para as mudanças do clima e entender como isso afeta as nossas vidas, os produtos que vem da floresta e todo os serviços ecossistêmicos que essas florestas trazem para o mundo todo”, completou Aleixo, que participou do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/Capes) na Universidade de Wageningen na Holanda. As árvores pioneiras (aquelas que crescem rápido e colonizam áreas recém-abertas) ou com densidade da madeira mais leve, como a Andiroba (Carapa spp.), Lacre (Vismia spp.) e Murici (Byrsonima spp.), apresentam rápidos ciclos de vida e são mais suscetíveis a morrer primeiro que as espécies tardias (aquelas que crescem lentamente no interior da floresta), ou que possuem madeira mais densa, chamadas de espécies de madeira nobre, como o Angelim (Dinizia excelsa), Casca preciosa (Anibacanelilla), Acariquara (Minquartiaguianensis) e Massaranduba (Manilkara spp.). As espécies pioneiras e de madeira leve investem mais em crescimento, o que acaba diminuindo as taxas de sobrevivência, enquanto as espécies tardias e de madeira dura investem mais em segurança. As árvores decíduas (aquelas que perdem regularmente suas folhas e permanecem com a copa desfolhada por certo período durante a seca) tiveram uma menor mortalidade quando comparadas às árvores de espécies que permanecem com a copa cheia de folhas durante todo o ano. Isso mostra que a capacidade de ficar sem folhas pode ajudar a planta a evitar o stress da seca, pois diminui a transpiração de água pelas folhas e diminui o peso das copas durante as tempestades.

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Samambaias são usadas como plantas indicadoras para mapear solos da Amazônia

Estudo em colaboração do Inpa, Universidade de Turku (Finlândia) e com a Ufal utilizou 2,6 mil pontos de amostragem de solo e mais de 30 mil registros de samambaias de bancos de dados digitais Samambaia Lindasea lancea, comum nas áreas arenosas e pobres em nutrientes

Fotos: Flavia Costa, Gabriela Zuquim

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om variados tamanhos, cores e formatos, as samambaias que são muito utilizadas na decoração de ambientes agora são usadas por pesquisadores para mapear propriedades dos solos da Amazônia. Abundantes em florestas tropicais, as samambaias foram escolhidas porque cada espécie tem preferência de solo específica. A espécie Lindsaea lancea, comumente encontrada ao redor de Manaus, por exemplo, prefere solos arenosos e pobres em nutrientes. Já a espécie Cyclopeltis semicordata encontrada, por exemplo no sul do Pará, prefere solos ricos em nutrientes. Estima-se que na Amazônia existam cerca de 550 espécies de samambaias e no mundo são conhecidas cerca de 13.500 espécies. De acordo com estudo “Making the most of scarce data: Mapping soil gradients in data-poor areas using species occurrence records” publicado recentemente na revista Methods in Ecologyand Evolution, a compreensão da 58

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ecologia e distribuição de espécies na Amazônia é dificultada pela falta de bons mapas digitais sobre condições ambientais, como certas propriedades dos solos. Dados de ocorrência de plantas são mais abundantes do que amostras de solo, então pesquisadores da Universidade de Turku (Finlândia), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC e da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), ambas no Brasil, decidiram aproveitar os dados de ocorrência de plantas, além do solo. Segundo a Dra. Gabriela Zuquim, colaboradora do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio/Inpa) e pós-doutoranda da Universidade de Turku, gerações de botânicos fizeram expedições à Amazônia e trouxeram espécimes de plantas que são depositados em herbários em todo o mundo, e com o Sistema Global de Informação sobre Biodiversidade (GBIF, sigla em inglês) e outros portais online, agora se pode acessar facilmente esses dados. “Então nós pensamos: talvez possamos

Dra. Gabriela Zuquim coletando samambaias

usar essas ocorrências aleatórias de plantas para obter estimativas das propriedades do solo, colocá-las junto com os dados realmente medidos do solo e produzir um novo mapa do solo”, explicou Zuquim, que liderou o estudo. revistaamazonia.com.br


Na Amazônia, a professora Hanna Tuomisto, líder do grupo de pesquisa da Amazônia da Universidade de Turku, e sua equipe coletaram dados de campo sobre samambaias por um longo tempo, para usá-los como indicadores de solos e tipos de floresta na Amazônia. Depois, os pesquisadores agruparam os dados das parcelas amostradas na Amazônia Ocidental pela equipe de Tuomisto e, na Ama-

zônia Brasileira, amostrada por pesquisadores em parcelas do PPBio. “Com isso, tivemos as informações necessárias para converter os dados de ocorrência de espécies de samambaias em uma estimativa das propriedades do solo em escala Amazônica”, contou Tuomisto, explicando que as samambaias têm uma forte associação com o solo.

Mapeamento

Samambaia Cyclopeltis semicordata, comum nas áreas argilosas e ricas em nutrientes

Mapa – distribuição da fertilidade do solo na Amazônia, estimada com base na distribuição de samambaias. A escala vai de solos muito pouco férteis (branco e rosa claro) até solos muito férteis (verde escuro)

O mapeamento foi baseado em 2,6 mil pontos de amostragem de solo e mais de 30 mil registros de samambaias de bancos de dados digitais. O método consiste em cinco etapas. O primeiro é compilar os dados disponíveis, seguido por determinar as relações espécie-solo. Na sequência, é preciso relacionar os registros das plantas com suas preferências de solos e depois interpolar os valores dos solos estimados usando os registros das plantas. Por fim, tem de validar os mapas com dados independentes. Interpolar é gerar valores para locais desconhecidos, a partir dos valores de locais conhecidos que estejam próximos geograficamente. A validação usando um conjunto independente de amostras de solo obtidos do projeto Rede Amazônica de Inventários Florestais (Rainfor), por meio do pesquisador do Inpa Carlos Quesada, sugeriu que o mapa é preciso o suficiente para ser usado como uma camada digital para estudos de distribuição de espécies e modelagem de habitat. “Isso também é relevante no contexto do aquecimento global. As espécies precisam revistaamazonia.com.br

rastrear áreas climaticamente adequadas, mas elas só serão capazes de se estabelecer se também os solos são adequados. Informações sobre os solos são necessárias para identificar e proteger as áreas adequadas do presente e do futuro”, afirma a colaboradora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Juliana Stropp.

A pesquisadora do Inpa Flávia Costa também participou do estudo e se diz muito feliz com a contribuição que um mapa de fertilidade de solos tem para as pesquisas na Amazônia. “O mapa de fertilidade de solo obtido será relevante em muitas aplicações, além da modelagem de distribuição de espécies. Estudos das respostas dos ecossistemas a mudanças ambientais podem agora incorporar esta importante variável preditora, já que a fertilidade do solo afeta a dinâmica da vegetação e suas propriedades funcionais”. Para acessar o estudo: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/ doi/full/10.1111/2041-210X.13178

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Ao centro o presidente do Centro de Indústrias do Pará (CIP), José Maria Mendonça: O que queremos é que nossos governantes tenham mais conhecimento, mais embasamento, na hora de pensar suas estratégias para o país, sejam elas ambientais, econômicas ou políticas

Empresários discutem prioridades ambientais para a Amazônia Fotos: ASCOM/FIEPA

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ontestar a posição de ambientalistas que defendem restrições na economia para minimizar os efeitos de mudanças climáticas e discutir uma pauta de políticas públicas ambientais voltadas para o enfrentamento de problemas que fazem parte do dia a dia da sociedade foram alguns dos pontos tratados pelo Conselho Temático de Infraestrutura (Coinfra), do Sistema Federação das Indústrias do Estado do Pará e Centro de Indústrias do Pará (CIP), durante a reunião de trabalho, na sede da FIEPA. Segundo o presidente do Centro de Indústrias do Pará (CIP), José Maria Mendonça, a discussão visou alertar os governantes para que concentrem suas ações e investimentos em questões ambientais que afetam diretamente a sociedade, como por exemplo, a falta de acesso a redes de saneamento básico para mais de 100 milhões de brasileiros. 60

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Durante a palestra de Luiz Carlos Baldicero Molion, na FIEPA revistaamazonia.com.br


“O que queremos é que nossos governantes tenham mais conhecimento, mais embasamento, na hora de pensar suas estratégias para o país, sejam elas ambientais, econômicas ou políticas. E quando se fala em Amazônia, essa atenção deve ser redobrada pois muitas informações sobre a região são divulgadas de forma incorreta ou influenciada por interesses políticos e financeiros, provocando um engessamento ao nosso desenvolvimento”, afirma Mendonça.

Luiz Carlos Baldicero Molion, físico, doutor em Meteorologia e pós-doutor em Hidrologia de Florestas

Parte das questões discutidas durante o encontro estão contidos na Carta Aberta encaminhada recentemente, ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles, por 20 estudiosos da área ambiental, entre os quais o físico, doutor em Meteorologia e pós-doutor em Hidrologia de Florestas, Luiz Carlos Baldicero Molion, que participou da reunião em Belém. Para Molion, o posicionamento de ambientalistas no mundo todo têm criado “cenários alarmistas que não devem ser usados para fundamentar políticas públicas e estratégias de longo alcance, com grandes impactos socioeconômicos, tanto em âmbito nacional como global”. Segundo o pesquisador, um exemplo de informação equivocada e que deve ser rebatida é a de que as ações humanas impactam nas alterações climáticas. “Não há evidências físicas da influência humana no clima global”, afirma. “A influência humana no clima se restringe às áreas urbanas e seus entornos (o conhecido efeito das “ilhas de calor”), sendo esses impactos muito localizados e sem influência na escala planetária”, explica o estudioso que defende correções de rumo, tanto na alçada do Ministério do Meio Ambiente, como na de outros ministérios, “para proporcionar uma melhora efetiva do conhecimento da dinâmica climática e um aumento da capacidade geral da sociedade para fazer

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frente aos mais diversos fenômenos meteorológicos e climáticos, que sempre ocorreram no passado e continuarão a ocorrer no futuro”, conforme descrito no documento encaminhado ao MMA. Também participaram do encontro o meteorologista e coordenador do Instituto Nacional de Meteorologia (2º Distrito de Belém) José Raimundo Abreu Souza, que falou sobre “Tempo e clima na Amazônia” e o professor doutor da Universidade Federal do Pará, Luis Ercilio Faria Junior, que abordou “A evolução do Sol e da Terra”.

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A nova técnica pode eficientemente converter CO2 a partir de um gás em partículas sólidas de carbono oferecendo um caminho alternativo para a remoção segura e permanente do gás de efeito estufa de nossa atmosfera

Cientistas transformam dióxido de carbono em carvão à temperatura ambiente Avanço pode revolucionar a captura e armazenamento de carbono

P

esquisadores usaram metais líquidos para transformar dióxido de carbono (CO2) de volta em carvão sólido com tecnologia que eles dizem ter o potencial de revolucionar a captura e o armazenamento de carbono e fornecer uma nova maneira de remover gases de efeito estufa da atmosfera.

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Fotos: Peter Clarke; Rmit University

A equipe internacional liderada pela RMIT University, na Austrália, desenvolveu um eletrocatalisador de metal líquido que transforma dióxido de carbono gasoso diretamente em sólidos contendo carbono em temperatura ambiente. O catalisador, que é baseado em ligas de gálio não tóxicas , também impede a formação

de coque - onde o carbono sólido adere à superfície do catalisador - o que tem sido um problema em trabalhos anteriores nesta área. A chave para tudo isso é o bit “temperatura ambiente”. Outros métodos para preparar nanomateriais de carbono geralmente requerem trabalhar a temperaturas de centenas de graus Celsius, tornando-os intensivos em energia e não comercialmente viáveis. Da mesma forma, dizem os pesquisadores, as tecnologias que se concentram em compactar o CO2 em uma forma líquida e depois injetá-lo no subsolo têm desvantagens econômicas e ambientais, principalmente possíveis vazamentos de locais de armazenamento. E reduzir o CO2 a produtos de alto valor, como matérias-primas químicas e combustível, não retém permanentemente o carbono. Os combustíveis, por exemplo, são queimados, liberando tudo de novo. O pesquisador da RMIT, Torben Daeneke, diz que converter o gás em sólido pode ser uma abordagem mais sustentável. “Embora não possamos literalmente voltar no tempo, transformar o dióxido de carbono de volta em carvão e enterrá-lo de volta no solo é como rebobinar o relógio de emissões”, diz ele. Dorna Esrafilzadeh, colega da Daeneke na RMIT, desenvolveu a técnica eletroquímica para capturar e converter CO2 atmosférico em carbono sólido armazenável. revistaamazonia.com.br


“ Com os colegas, ela projetou um catalisador de metal líquido com propriedades de superfície específicas que o tornam extremamente eficiente na condução de eletricidade enquanto ativa quimicamente a superfície. O CO2 é dissolvido em um béquer preenchido com um líquido eletrolítico e uma pequena quantidade do metal líquido, que é então carregado com uma corrente elétrica. O CO2 se converte lentamente em flocos sólidos de carbono, que são naturalmente separados da superfície do metal líquido, permitindo a produção contínua de sólido carbonáceo. Esrafilzadeh diz que o carbono produzido também pode ser usado como eletrodo. “Um benefício colateral do processo é que o carbono pode conter carga elétrica, tornando-se um supercapacitor, por isso potencialmente poderia ser usado como um componente em veículos futuros”, diz ela. “O processo também produz combustível sintético como subproduto, que também pode ter aplicações industriais”. Daeneke enfatiza que mais trabalho ainda precisa ser feito, mas vê os primeiros resultados como “um primeiro passo crucial para a entrega de armazenamento sólido de carbono”. A colaboração envolveu pesquisadores da Alemanha, China, EUA e Austrália.

Um benefício colateral do processo é que o carbono pode conter carga elétrica, tornando-se um supercapacitor, por isso potencialmente poderia ser usado como um componente em veículos futuros

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Esrafilzadeh, Pesquisadora

Cientistas transformam dióxido de carbono de volta ao carvão pela primeira vez no mundo

Até hoje, o CO2 só foi convertido em sólido a temperaturas extremamente altas, tornando-o industrialmente inviável

A nova maneira de capturar e armazenar carbono A tecnologia de emissão negativa usa um eletrocatalisador de metal líquido para transformar gás de dióxido de carbono em sólidos contendo carbono em temperatura ambiente. No entanto, a pesquisa é apenas um pequeno passo. Para ter algum efeito significativo sobre o aquecimento global, a técnica terá que ser ampliada em massa, o que representa um enorme desafio. A população global gerou quase 30 bilhões de toneladas de CO2 em 2017, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Converter tanto CO2 resultaria em montanhas de carbono sólido. “Até hoje, o CO2 só foi convertido em sólido a temperaturas extremamente altas, tornando-o industrialmente inviável. “Ao usar metais líquidos como catalisadores, mostramos que é possível transformar o gás novamente em carbono à temperatura ambiente, em um processo que é eficiente e escalável.

“Embora mais pesquisas precisem ser feitas, é um primeiro passo crucial para a entrega de armazenamento sólido de carbono”. O cumprimento das metas estabelecidas no Acordo Climático de Paris exigirá novas estratégias para refrear e capturar as emissões de gases de efeito estufa. De acordo com o mais recente relatório climático da ONU, o mundo precisará triplicar seus esforços para manter o aquecimento abaixo da meta de 1,5 graus Celsius. Isso certamente exigirá a remoção de alguns dos gases de efeito estufa existentes do meio ambiente. Mas, embora a captura de carbono possa e deva fazer parte da estratégia global de mudança climática, a redução de emissões deve permanecer no topo da agenda. No entanto, este é um primeiro passo importante para o armazenamento sólido de carbono.

Um catalisador de metal líquido transforma dióxido de carbono em carbono sólido

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Animais gigantes viviam em megapantanal na Amazônia

Reconstituição artística de Potamarchus adamiae. Ilustração por Renata Cunha

Lago que existiu na região há mais de 10 milhões de anos sobreviveu à inversão de curso do rio Amazonas com a elevação dos Andes por Peter Moon

T

erra de gigantes. Esta é a melhor definição para o lago Pebas, o megapantanal que existia no oeste da Amazônia durante o Mioceno, período que se estendeu de 23 milhões a 5,3 milhões de anos atrás. O Pebas foi o lar do maior jacaré e do maior crocodiliano gavial de que se tem notícia, ambos com mais de 10 metros de comprimento, e da maior das tartarugas, cujo casco media 3,5 metros de diâmetro. Sem mencionar roedores do tamanho dos búfalos atuais. Vestígios daquele antigo bioma estão espalhados por mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, divididos entre Bolívia, Acre, oeste do Amazonas, Peru, Colômbia e Venezuela. As datações mais antigas, feitas na Venezuela, dão conta de que o lago Pebas existia há 18 milhões de anos. Entretanto, acreditava-se que o megapantanal teria secado há mais de 10 milhões de anos, antes da reversão do curso do rio Amazonas, que na maior parte do Mioceno corria de leste a oeste, portanto no sentido contrário do curso atual. Com o esgotamento do Pebas, os grandes animais desapareceram. Investigando sedimentos provenientes de dois sítios paleontológicos dos rios Acre e Purus, associados a fósseis de vertebrados, o biólogo Marcos César Bissaro Júnior, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), obteve datações de ao menos 8,5 milhões de anos, com uma margem de erro de 500 mil anos para mais ou para menos. Há 8,5 milhões de anos, há indícios de que o Amazonas já corria na direção atual, indo dos Andes peruanos em direção ao Atlântico. Àquela altura, o Pebas não deveria lembrar mais o magnífico pântano de outrora. Deveria parecer uma planície inundável, à semelhança do atual Pantanal mato-grossense. Esta é a opinião de Annie Schmaltz Hsiou, professora do Departamento de Biologia da FFCLRP-USP e supervisora do trabalho de Bissaro Júnior, cujos resultados foram publicados na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology. O estudo contou com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Participaram pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria, do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal do Acre e da Boise State University, nos Estados Unidos. 64

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Os leitos fossilíferos da Formação Solimões, Amazônia Ocidental Brasileira, produziram vários fósseis de vertebrados que são fundamentais para entender a evolução das biotas neotropicais

Dá-se o nome de sistema Pebas à associação dos registros de diversas formações geológicas existentes na Amazônia ocidental. São elas a formação Pebas e Fitzcarrald no Peru e no Brasil, a formação Solimões no Brasil, as formações Urumaco e Socorro na Venezuela, a formação La Venta na Colômbia e a Quebrada Honda na Bolívia. “Embora a Formação Solimões seja uma das unidades estratigráficas do período Neógeno com fósseis de melhor amostragem do norte da América do Sul, as suposições sobre a idade de deposição em território brasileiro foram baseadas, em grande parte, a partir de métodos indiretos”, disse Bissaro Júnior. “A ausência de idades absolutas dificulta interpretações mais refinadas sobre os paleoambientes e a paleoecologia das associações faunísticas ali encontradas e não permite responder a algumas questões fundamentais importantes, como se essas camadas foram depositadas antes da formação do proto-Amazonas ou quando esse já havia se formado”, disse. Para ajudar a responder a essas e outras questões, Bissaro Júnior apresenta em seu trabalho a primeira geocronologia (por amostras do mineral zircão) da Formação Solimões. As amostras foram coletadas em dois dos sítios paleontológicos mais bem amostrados da região, nas localidades de Niterói, no rio Acre (município de Senador Guiomar), e Talismã, no rio Purus (município de Manuel Urbano). revistaamazonia.com.br


No sítio Niterói foram encontrados, a partir dos anos 1980, muitos fósseis do Mioceno, entre crocodilianos, peixes, roedores, tartarugas, aves e mamíferos xenartros (preguiças terrestres). Em Talismã, a partir do fim dos anos 1980, foram achados restos miocênicos de crocodilianos, de serpentes, roedores, primatas, preguiças e ungulados sul-americanos extintos (litopternas). Como resultado das datações, Bissaro Júnior descobriu que as rochas do sítio Niterói têm, como idade máxima de deposição, cerca de 8,5 milhões de anos e as rochas de Talismã, cerca de 10,9 milhões de anos. “Com base em dissimilaridades faunísticas e diferenças máximas de idade entre as duas localidades, sugerimos que Talismã é mais antigo que Niterói, mas ressaltamos a necessidade de novas datações absolutas para testar essa hipótese, bem como os esforços de datação de outras localidades da Formação Solimões”, disse Bissaro Júnior.

Esgotamento do Pebas A formação do lago Pebas foi decorrência do soerguimento dos terrenos da protobacia amazônica. Isso se deu em função da elevação dos Andes, que acelerou a partir de 20 milhões de anos atrás. Naquela época, a Amazônia ocidental era banhada pelas bacias do Amazonas (que corria em direção ao Caribe) e do rio Magdalena, na Colômbia. A elevação dos Andes, no que são hoje o Peru e a Colômbia, acabou por interromper o fluxo de água em direção ao Pacífico, que acabou empoçando na altura da Amazônia ocidental, dando origem ao megapântano. Mas os Andes continuaram subindo. O contínuo soerguimento dos terrenos da Amazônia teve dois efeitos. O proto-Amazonas, antes represado no lago Pebas, inverteu seu curso, tornando-se o majestoso rio que conhecemos. Ao longo desse processo, as águas do megapântano Pebas foram escoando. O antigo pantanal viria a se tornar uma planície alagada, repleta de bichos imensos, que ainda existia há 8,5 milhões de anos, segundo as novas datações de Bissaro Júnior. Eventualmente, as irrefreáveis forças geológicas acabaram por escoar as águas do que restava de lagoas e lagos temporários na Amazônia ocidental. Foi o fim do Pebas e de sua fauna. “O problema da datação do Pebas sempre foi associar as datações diretamente à fauna de vertebrados. Existem inúmeras datações de rochas onde se acharam fósseis de invertebrados. Mas conseguir datar, no Brasil, rochas com vertebrados era um dos nossos objetivos”, disse Schmaltz Hsiou. revistaamazonia.com.br

1 Niterói localidade, rio Acre

Rios

2 Talismã localidade, rio Purus

Cidades

Capital do Estado do Acre

Localização das localidades de Niterói e Talismã (Formação Solimões), Amazônia Ocidental Brasileira (estados do Acre e Amazonas). Linha completa = limites políticos; linhas pontilhadas = estradas principais; linhas azuis: principais rios da região amazônica. Localização das localidades de Niterói e Talismã (Formação Solimões), oeste brasileiro. Amazônia (estados do Acre e Amazonas). Linha completa = limites políticos; linhas pontilhadas = estradas principais; linhas azuis: principais rios da região amazônica.

* 8.1 +- 0.8 Ma

Perfil estratigráfico da Formação Solimões na localidade de Niterói, Rio Acre. Idade máxima deposicional da média ponderada de LA-ICP-MS é de dois grãos de zircão

Espessura (m)

mud

f

m

c

Legenda Barro / lama

Lodo

Plantas

Répteis

Anfíbios

Estratos datados

Mamíferos

Peixe

Segundo a professora, as novas datações dão condições de sugerir que o Sistema Pebas, do grande pantanal, teria existido entre 23 milhões e 10 milhões de anos atrás. Esse deu lugar ao chamado Sistema Acre, a grande planície de inundação que existiu entre 10 milhões e 7 milhões de anos atrás,

Moluscos

onde ainda viviam répteis como o Purussaurus e o Mourasuchus. “O Sistema Acre devia ser um bioma semelhante ao da Venezuela da mesma época, formado por lagunas ao redor do delta de um grande rio, que seria o proto-Orinoco”, disse Schmaltz Hsiou. REVISTA AMAZÔNIA

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Reconstituição artística de roedores Caviomorpha Ilustração por Renata Cunha

Roedores gigantes Os roedores compõem um grupo de mamíferos extremamente diversificado que habita todos os continentes, com exceção da Antártica. Na Amazônia, o grupo conta com grande número de espécies. “Particularmente, um grupo de roedores conhecido cientificamente como Caviomorpha chegou ao nosso continente há cerca de 41 milhões de anos, vindos da África”, disse outro autor do artigo publicado na Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, Leonardo Kerber, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa) da Universidade Federal de Santa Maria. “Nesse período, conhecido como Eoceno, a África e a América do Sul já estavam totalmente separadas por pelo menos 1.000 km de extensão entre os pontos mais próximos de ambos continentes, o que inviabilizaria as conexões biogeográficas para que os vertebrados terrestres pudessem migrar entre as duas massas de terra. Entretanto, as correntes oceânicas propiciaram a dispersão por meio de balsas flutuantes naturais formadas por aglomerado de troncos e galhos derrubados em rios por tempestades, que acabam por desembocar no mar. Essas balsas flutuantes eventualmente carregam pequenos vertebrados. Um evento como este pode ter favorecido a travessia de pequenos mamíferos, como os macacos Platyrrhyni e também pequenos roedores que dariam origem a um dos mais emblemáticos grupos de mamíferos sul-americanos, os roedores caviomorfos”, disse. 66

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Segundo Kerber, desde que chegaram ao continente, os roedores caviomorfos passaram por um longo período de evolução o que fez com que se tornassem extremamente diversificados. Atualmente, os representantes desse grupo encontrados no Brasil são as pacas, cutias, preás, porcos-espinhos, ratos-espinhosos e a capivara, o maior roedor do mundo. “Particularmente na Amazônia, hoje encontramos uma grande diversidade de ratos-espinhosos e porcos-espinhos ou ouriços, além de cutias e pacas. Entretanto, no Mioceno, a fauna da região amazônica era bastante diferente daquela que podemos observar atualmente”, disse Kerber.

“Nos últimos anos, além de termos comunicado a presença de diversos fósseis de espécies já conhecidas pela ciência, algumas que já haviam sido registradas na Formação Solimões e outras conhecidas para outras regiões da América do Sul, e registradas ali pela primeira vez, descrevemos três espécies novas de roedores de médio porte (Potamarchus adamiae, Pseudopotamarchus villanuevai e Ferigolomys pacarana – Dinomyidae), que possuem uma relação de parentesco com a pacarana”, disse. Kerber conta que em artigo que será publicado em breve no Journal of Vertebrate Paleontology a espécie Neoepiblema acreensis, um roedor neoepiblemídeo endêmico do Mioceno do Brasil que pesava cerca de 120 quilos, foi reconhecida como uma espécie válida. “A espécie foi descrita em 1990, mas havia sido considerada inválida ao final da mesma década. Esses registros, tanto das espécies já conhecidas como também das espécies novas, auxiliam a entender como a vida evoluiu naquela região, mostrando como a biodiversidade evoluiu e também se extinguiu ao longo dos últimos milhões de anos”, disse Kerber. [*] Agência FAPESP [*] Ilustrações das Reconstituição artística de Renata Cunha, no artigo “Imigrantes em um continente perdido: O registro fossilífero de roedores Caviomorpha (Mammalia: Rodentia: Ctenohystrica) do Cenozoico do Brasil” de Leonardo Kerber

Ilustrações das Reconstituição artística de Renata Cunha, no artigo “Imigrantes em um continente perdido: O registro fossilífero de roedores Caviomorpha (Mammalia: Rodentia: Ctenohystrica) do Cenozoico do Brasil” de Leonardo Kerber

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Ano 14 Nº 75 Julho / Agosto 2019

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