UMA PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL
EDIÇÃO 07 | JULHO 2013
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EXPEDIENTE
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Diretoria Presidente: Roberto Magno Botareli Cesar Vice-Presidente: Elaine Aparecida Sá Costa Secretária-Geral: Deumeires Batista de Souza Secretária-Adjunta: Maria Ildonei de Lima Pedra Secretário de Finanças: Jaime Teixeira Sec. Adjunto de Finanças: José Remijo Perecin Sec. de Assuntos Jurídicos: Amarildo do Prado Sec. de Formação Sindical: Joaquim Donizete de Matos Sec. de Assuntos Educacionais: Edevagno P. da Silva Sec. dos Funcionários Administrativos: Idalina da Silva Sec. de Comunicação Social: Ademir Cerri Sec. de Administração e Patrimônio: Wilds Ovando Pereira Sec. de Políticas Municipais: Ademar Plácido da Rosa Sec. dos Aposentados e Assuntos Previdenciários: José Felix Filho Sec. de Políticas Sociais: Iara G. Cuellar Sec. dos Especialistas em Educação e Coord. Pedagógica: Sueli Veiga Melo Dep. dos Trabalhadores em Educação em Assent. Rurais: Rodney C. da Silva Ferreira Dep. dos Trabalhadores em Educação Antirracismo: Edson Granato Dep. da Mulher Trabalhadora: Leuslania C. de Matos Vice-presidentes regionais: Amambai: Humberto Vilhalva; Aquidauana: Francisco Tavares da Câmara; Campo Grande: Paulo César Lima; Corumbá: Raul Nunes Delgado; Coxim: Thereza Cristina Ferreira Pedro; Dourados: Admir Candido da Silva; Fátima do Sul: Manoel Messias Viveiros; Jardim: André Luiz M. de Mattos; Naviraí: Nelfitali Ferreira de Assis; Nova Andradina: Maurício dos Santos; Paranaíba: Sebastião Serafim Garcia; Ponta Porã: Vitória Elfrida Antunes; Três Lagoas: Maria Aparecida Diogo Delegados de base à CNTE: Jardim: Sandra Luiza da Silva; São Gabriel do Oeste: Marcos Antonio Paz da Silveira; Costa Rica: Rosely Cruz Machado Conselho Fiscal da FETEMS: Fátima do Sul: Adair Luis Antoniete; Naviraí: José Luis dos Santos; Dourados: Nilson Francisco da Silva; Miranda: Robelsi Pereira Assessoria de Imprensa da FETEMS: Karina Vilas Boas e Azael Júnior
Redação e Produção Íris Comunicação Integrada Rua Chafica Fatuche Abusafi, 200 Parque dos Poderes - 79036-112 Campo Grande/MS + 55 67 3025.6466 Diretora de criação: Nanci Silva Diretor de arte: Ivan Cardeal Nunes Jornalista responsável e editora: Laura Samudio Chudecki (DRT-MS 242) Revisão: Vanda Escalante (DRT-MS 159), Henrique Pimenta Colaboraram nesta edição Vanda Escalante Karina Vilas Boas Fotos Wilson Jr. Bosco Martins
Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, a opinião da revista.
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DESTAQUES
Recursos públicos ............................................................................................................................07 Livro lançado pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul detalha a aplicação dos recursos da Educação nos municípios do estado
Educação Infantil ..............................................................................................................................16 Estados e municípios terão que se adequar à Emenda Constitucional Nº 59/2009, que torna obrigatória a matrícula de alunos com quatro anos, a partir de 2016
Entrevista ...........................................................................................................................................22 O filósofo e teólogo Leonardo Boff fala sobre a importância de a humanidade zelar pelo meio ambiente
Capa .....................................................................................................................................................26 De forma invisível, o tráfico de pessoas movimenta mais de US$ 32 milhões e faz incontáveis vítimas pelo mundo
CUT ........................................................................................................................................................40 Vagner Freitas de Moraes, atual presidente da CUT Nacional, fala sobre os 30 anos da entidade e comenta os novos desafios do sindicalismo brasileiro
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EDITORIAL
País que prima pela Educação tem armas para lutar Nesta edição da Revista Atuação, direcionamos o olhar para um tema que há pouco ganhou, por meio da ficção televisiva, a atenção do Brasil – o tráfico de seres humanos. Um crime que passa despercebido para muitos de nós e, silenciosamente, movimenta milhões a cada ano, fazendo incontáveis vítimas. Digo incontáveis, pois devemos considerar que cada ser humano traficado deixa para trás outras vítimas – mãe, pai, irmãos, filhos, amigos – e uma história de vida que poderia ter um final feliz. Lamentavelmente, Mato Grosso do Sul está entre os estados brasileiros considerados como origem, rota e destino do tráfico de seres humanos. Daqui saem, por aqui passam e para cá são trazidos mulheres, jovens, indígenas, meninos e meninas, que, ultrapassando fronteiras e delimitações territoriais, se tornam vítimas do trabalho escravo e da exploração sexual. A vulnerabilidade social em que vivem muitas famílias é a principal fonte de alimentação dessa rede criminosa. O tráfico de pessoas é um atentado aos direitos humanos. Por ser um crime com proporção internacional e que envolve uma rede difícil de desmantelar, as ações de enfrentamento acabam sendo limitadas, parecendo quase nulas diante da dimensão criminosa do tráfico de seres humanos. Sendo assim, cabe a nós, educadores, debater o tema e alertar a sociedade a respeito deste crime, que, discretamente, se propaga diante de nossos olhos. Mais uma vez, a Educação tem papel fundamental no combate às diferenças sociais, à desinformação e ao preconceito. País que prima pela Educação tem mais armas para lutar por uma vida melhor para todos. Também nesta edição, registramos algumas histórias que nos motivam a persistir em defesa de uma Educação digna e de qualidade. Histórias emocionantes, como a do Lar Mãe Mariana, um recanto de amor e oportunidades, onde crianças e jovens são encaminhados para a vida. Iniciativas como a do professor de Matemática, Roberto Luís Dambros, que a partir de um projeto, que virou livro, ajudou a melhorar o desempenho escolar de centenas de alunos. E assim nasce cada edição da Revista Atuação: uma infinidade de temas que envolvem debate, reflexão, histórias, lutas, conquistas, sonhos, Educação... Uma revista feita com dedicação e carinho para todos os leitores. Boa leitura!
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Roberto Magno Botareli Cesar Presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul
RECURSOS PÚBLICOS
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reocupado em medir a boa ou má aplicação dos recursos públicos, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE/MS), criou um núcleo estratégico da Educação, visando à coleta e sistematização de dados que servem como base para julgar as contas públicas na área educacional. O trabalho do núcleo resultou na recente publicação do livro Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e Gastos em Educação: Contribuição para Análise das Contas Municipais do Estado de Mato Grosso do Sul. A publicação traz uma visão geral dos 78 municípios do estado em relação à aprendizagem, seus indicadores de qualidade da Educação Básica do Ensino Fundamental, e apresenta o gasto anual por aluno. O município de Paraíso das Águas é o 79º município do Estado e concluiu sua emancipação política em 2012, por isso não foi incluído no estudo. O presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS), Roberto Magno Botareli Cesar, e demais membros da entidade estiveram reunidos no mês de abril com a conselheira do TCE/MS, Marisa Serrano, e debateram aspectos do livro que servirão para implementar as ações da FETEMS junto aos SIMTEDs. Conselhos Para otimizar o trabalho dos Conselhos Municipais de Educação, Roberto Botareli sugeriu que os professores que compõem os conselhos sejam substituídos em suas aulas por outros professores, nos dias de reunião dos conselheiros. Segundo ele, essa seria uma forma de estimular a participação e garantir mais transparência da gestão pública. A conselheira do TCE se dis8 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
pôs a levar a sugestão aos prefeitos, informando que, no ano passado, ela já havia sugerido aos gestores da sua área de atuação que indicassem membros independentes para compor os conselhos, garantindo, assim, maior segurança nas prestações de contas. Livro A proposta para elaboração do trabalho é uma iniciativa da conselheira Marisa Serrano. A publicação foi elaborada por Fernanda Olegário dos Santos Ferreira e Maria Cecilia Amendola da Motta, da Diretoria Geral de Gestão e Modernização (DGGM), que tem como chefe da Assessoria de Sistematização das Informações e Procedimentos de Controle Externo, Etsuo Hirakava, e direção superior de Elza Keiko Oikawa, da Divisão de
Estudos e Padronização dos Procedimentos de Controle Externo, do TCE/MS. O livro está disponível no site do TCE/MS (http:// www.tce.ms.gov.br). Ranking Entre os dados levantados pelo estudo, consta o ranking do IDEB 2011 Anos Iniciais. O município de Costa Rica apresenta a maior classificação no IDEB, e o município de Juti, a menor. A classificação dos 78 municípios varia de 1º a 23º, visto que os municípios com o mesmo IDEB permanecem na mesma posição. Também estão discriminados IDEB Anos Finais, gasto aluno/ano, número de alunos matriculados na rede municipal no ano de 2011 e a região a qual o município pertence. Para a organização dos dados, o TCE/MS dividiu o Estado em seis regiões. Veja tabela ao lado.
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CAMINHO DE LUZ
Nos caminhos da oportunidade Há mais de dez anos, a entidade filantrópica Lar Mãe Mariana vem mudando a realidade de centenas de crianças e jovens da região norte de Campo Grande Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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m meio aos entraves da Educação Pública brasileira, iniciativas da sociedade civil ajudam a mudar a “cara” do país. Em Campo Grande, entre tantos exemplos, uma história de dedicação e persistência faz a diferença na vida de mais de cem crianças e adolescentes. É o Lar Mãe Mariana, instalado numa chácara, na Região Norte da capital de Mato Grosso do Sul – a Chácara Estrela do Sul –, onde funciona, há mais de 40 anos, o Centro Espírita Caminheiros de Jesus. A bela vegetação da propriedade, com árvores frondosas e centenárias, rodeia o lugar, repleto de cores e vida. Uma energia positiva paira sobre o ambiente. Trabalhadores se movimentam de um lado para outro e organizam as atividades no local. São 110 estudantes sob os cuidados do Lar Mãe Mariana, entidade filantrópica que oferece aos moradores dos bairros do entorno, nos períodos matutino e vespertino, aulas de reforço escolar, leitura, informática, oficinas de artes, aulas de música, modalidades esportivas, alimentação e transporte. O Lar Mãe Mariana atua como complemento do ensino regular. Crian-
“Na quinta-feira tem uma aula que a gente aprende a respeitar os colegas. É a aula que eu mais gosto. Também gosto de matemática. E, quando eu crescer, quero ser médica” Maria Luiza Delpilar Benites, 7 anos, moradora do bairro Nascente do Segredo 12 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
“O aluno que está aqui, não fica na rua e aprende muitas coisas” Erick Roberto de Oliveira, 19 anos, ex-aluno do Lar
ças e jovens, entre 5 e 15 anos, que antes ficavam sem nenhuma ocupação no contraturno escolar, agora passam suas manhãs ou tardes concentrados em uma série de afazeres. A instituição foi fundada em 6 de maio de 2002, com o objetivo de atender à comunidade carente da região. A entidade funciona nas instalações do Centro Espírita Caminheiros de Jesus. Sua fundação só foi possível graças ao empenho e à dedicação dos frequentadores do Centro, que, unidos, pouco a pouco, arrecadaram fundos para a construção do prédio. “Além do reforço escolar e
das oficinas, procuramos trabalhar, em sala de aula, a questão da disciplina e do respeito ao próximo. Quando essas crianças chegam aqui, geralmente, têm o comportamento difícil, são indisciplinadas. Aos poucos, vão progredindo, se adequando às nossas normas”, conta a professora Irene Provate, que há oito anos dá aulas de reforço escolar no local. Para o presidente da entidade, Milton Ferreira dos Santos, os trabalhos no Lar têm caráter social e são de extrema importância para muitas famílias. “É muito gratificante ver esses alunos, todos vindos de comuni-
dades carentes, recebendo novas oportunidades para a vida. O Erick é a prova de que, com oportunidade, podemos chegar aonde quisermos”, diz Milton, referindo-se a um dos ex-alunos. Erick Roberto de Oliveira é morador do bairro Nascente do Segredo, tem 19 anos, e frequentou o Lar dos 7 aos 15 anos de idade. “Foi aqui que fiz minhas primeiras aulas de informática. A biblioteca, também, sempre me chamou a atenção. Gosto de ler e aqui tinha uma quantidade de livros maior do que na biblioteca da escola onde eu estudava”, conta. Atualmente, Erick está no 3º ano do curso de Sistemas para a Internet, no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) e já está inserido no mercado de trabalho. Para o jovem, frequentar a entidade mudou os rumos de sua história. “O aluno que está aqui não fica na rua e aprende muitas coisas”, completa. Da mesma opinião, compartilha Elvis Goirez, 20 anos, também ex-aluno da instituição. “Eu poderia ter ficado em casa, na rua, e sem fazer nada. Mas preferi vir para cá, seguir um caminho melhor”, afirma. Segundo Elvis, no Lar existem algumas
“Eu poderia ter ficado em casa, na rua e sem fazer nada. Mas preferi vir para cá, seguir um caminho melhor” Elvis Goirez, 20 anos, ex-aluno do Lar
regras que devem ser cumpridas. “Tem gente que não gosta de regras, e aí se perde no meio do caminho. A vida é assim, em todos os lugares vamos ter que viver com regras”, comenta Elvis. “Nós trabalhamos algumas regras básicas de comportamento, de respeito com as atividades e com os horários. Nós entendemos que sem limites e sem disciplina não é possível aprender”, explica o vice-presidente e coordenador do Lar, Mário Guido de Paulo. Antônio de Oliveira Panhoti, professor de informática que lecionou na casa durante 12 anos,
faz um comparativo com outras entidades filantrópicas por onde já passou: “Aqui, o envolvimento com o aluno é diferente: toda a equipe pedagógica conhece as crianças, sabe das suas dificuldades e da capacidade de cada uma delas. O Lar é um caminho de luz para esses estudantes”. A procura por vagas na instituição é grande, especialmente para o período vespertino. Uma das exigências para ingressar no Lar é que os alunos estejam matriculados nas escolas regulares. Vários nomes ficam aguardando na fila de espera, e, assim que surge uma vaga, os responsáveis são comunicados.
“Aqui a gente canta e, na hora da chegada e da saída, tem o lanche” Gabriel Soares Franco, 8 anos, morador do bairro Morada Verde Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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Benefícios da música A música é o coração da escola. Afinado, o Coral do Lar Mãe Mariana canta e emociona os ouvintes. “No início, foi bem difícil trabalhar, os alunos não obedeciam. Com o passar do tempo, eles começaram a ficar mais calmos. Os projetos musicais ajudaram a melhorar o comportamento de todos, resgatando a autoestima e a disciplina em sala de aula”, diz a professora de música, Patrícia Cassimiro. Além do Coral, a entidade está formando uma orquestra. Os alunos têm aulas de violão, violoncelo, contrabaixo, violino, flauta e teoria musical. O Coral do Lar Mãe Mariana se apresenta constantemente em atividades culturais pela cidade.
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Doações e ações ajudam a manter a entidade funcionando Para manter toda essa estrutura, a instituição tem uma despesa mensal de aproximadamente R$ 15 mil. São nove funcionários registrados, oito prestadores de serviços, e uma série de gastos com manutenção e melhorias na infraestrutura. A Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) repassa, mensalmente, para a entidade o valor de R$ 50,00 por aluno. O Mãe Mariana Mariana Ribeiro de Souza foi a segunda esposa de Joaquim Inácio de Souza, que perdeu a primeira companheira para a gripe espanhola no início do século 20. Viúvo, com quatro filhos, Joaquim conheceu Mariana, logo casaram e tiveram mais nove filhos. Joaquim era fazendeiro e plantava café no interior de São Paulo. Além de ser bom administrador de suas terras, era um homem generoso e se preocupava com a educação daqueles que estavam ao seu redor. Em sua fazenda havia escola e dentista para seus filhos e para as crianças da região. Além desses serviços prestados à população, funcionava na fazenda de Joaquim Joaquim Inácio de Souza
restante das despesas são pagas com recursos vindos de doações, realização de bazar e churrascos beneficentes. “Nos últimos anos, a Receita Federal tem sido uma grande parceira, com a doação de mercadorias. Os produtos são comercializados no nosso bazar e o valor arrecadado é direcionado para completar o pagamento das despesas. Além disso, com a ajuda das lojas maçônicas Estrela do Sul e Ordem e Progresso, realizamos, duas vezes ao ano, um churrasco beneficente em prol do Lar”, explica o presidente Milton. um centro espírita, onde várias pessoas buscavam ajuda e conforto. Em determinada ocasião, Joaquim Inácio não estava muito bem de saúde e resolveu consultar um médico. O médico disse que o fazendeiro teria mais quatro anos de vida. Preocupado com a família, Joaquim resolveu se mudar para um lugar menor, onde a esposa e os filhos pudessem ficar em segurança. Ouviu falar, num noticiário de rádio, de terras prósperas no então estado de Mato Grosso. A notícia falava da cidade de Campo Grande. Então, no dia 21 de agosto de 1943, a família Souza pisou nas terras vermelhas da futura capital sul-mato-grossense. Instalaram-se na sede de uma
chácara que recebeu o nome de Estrela do Sul. No mesmo local, se estabeleceu, posteriormente, o Centro Espírita Caminheiros de Jesus. Vários filhos do casal trabalhavam na casa espírita. O médico não estava errado e, em setembro 1947, Joaquim Inácio de Souza faleceu, deixando seu legado de trabalho para a esposa Mariana – apelidada carinhosamente de Mãe Mariana, em virtude de seu carisma e dedicação ao próximo. Ao lado dos filhos, Mariana continuou seus trabalhos na casa espírita. O Centro Espírita Caminheiros de Jesus foi oficialmente fundado em 15 de outubro de 1969 e, desde então, suas atividades não param de beneficiar aqueles que ali procuram amparo.
Mariana Ribeiro de Souza
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EDUCAÇÃO INFANTIL
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Os desafios de cuidar e educar na primeira infância “Não moramos na Suíça”, alerta a doutora em Educação, preocupada com a proteção às crianças pequenas, que também não podem sofrer uma escolarização precoce
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partir de 2016, a matrícula na Educação Infantil será obrigatória para as crianças de quatro anos de idade. A nova regra, prevista pela Emenda Constitucional Nº 59/2009 e posteriormente regulamentada em resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), traz avanços, obriga a mudanças e adequações nas estruturas das redes públicas de ensino e, acima de tudo, suscita um debate fundamental não apenas sobre Educação, mas também sobre a realidade da primeira infância no Brasil. Agora, a Educação Infantil inclui também o período chamado de creche, que é para crianças de zero a três anos. Nessa fase, a matrícula não é obrigatória, mas o atendimento é “direito da criança, opção da família e obrigação do Estado”, conforme indica a Constituição Federal. A primeira questão que surge é sempre a da falta de vagas, historicamente insuficientes, mesmo antes da mudança. E Campo Grande, ainda que seja a capital do estado, não apresenta um cenário diferente. A Rede Municipal de Ensino, incluindo Escolas e Centros de Educação Infantil (Ceinfs), atende pouco mais de 23 mil crianças, com idade entre quatro meses e cinco anos. “Realizamos matrículas todos os dias”, comenta Daniela Richter Kanitz, coordenadora de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação, embora admita que a demanda real é desconhecida. “Os alunos atendidos nos Ceinfs têm idade entre quatro meses e cinco anos. Nos Ceinfs, o atendimento é integral. São 96 Ceinfs e 80 Escolas Municipais que prestam atendimento infantil. Nas escolas Públicas Municipais são matriculados apenas alunos de pré-escola I e II. 18 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
Nas escolas, os alunos ficam apenas um período. As turmas de berçário são divididas de acordo com a estrutura física do Ceinf. Em algumas unidades, temos o berçário que atende crianças de quatro meses a dois anos. E, em outras, temos o berçário I (de 4 a 18 meses) e o berçário II (de 18 meses a 2 anos)”, descreve a coordenadora. De acordo com informações do Fórum Estadual de Educação Infantil, a insuficiência de vagas é um problema recorrente e generalizado. “Basta ver a relação entre número de crianças matriculadas e o total da população nessa faixa etária”, aponta a presidente do Fórum, Mariete Félix Rosa. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD – IBGE/2011) revela que, no Brasil, apenas 30,84% das crianças de zero a quatro anos estão matriculadas em creche ou pré-escola. Em Mato Grosso do Sul, o índice é ainda mais baixo, ficando em 27,86%. Cuidar, alimentar e proteger “Esse problema da falta de vagas é seríssimo, e sequer deveríamos mais ter essa demanda, porque se trata de um direito constitucional. Mas os municípios, os prefeitos, estão deixando isso em segundo plano. A primeira providência necessária é realizar um levantamento sério, para que cada município conheça sua realidade e saiba exatamente qual é a demanda relativa a crianças de zero a três anos”, aponta a professora Ângela Maria Costa, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), doutora em Educação e coordenadora da Aliança pela Infância em Campo Grande. De acordo com Ângela, a realidade social brasileira ainda exige que se adote um modelo com viés assistencial, para atender a Educação na primeira in-
fância. “Não moramos na Suíça; vivemos num país em que muitas pessoas passam fome e, entre essas pessoas, as crianças são as maiores vítimas. Elas precisam de um espaço educativo, mas também precisam ser cuidadas, alimentadas e protegidas”, observa, em referência a situações como a negligência e a violência sexual a que as crianças acabam expostas e vulneráveis quando são deixadas sob a tutela de irmãos mais velhos, parentes ou vizinhos. Na contramão Justamente por causa dessa estreita relação tradicionalmente estabelecida entre o assistencial e o educativo, em Campo Grande os Ceinfs têm um regime de gestão compartilhada entre as secretarias municipais de Educação (Semed) e de Assistência Social (SAS), uma cuidando da parte pedagógica e outra de todo o restante, inclusive a estrutura administrativa e burocrática das unidades. No entanto, a atual administração tem como meta a modificação dessa estrutura. De acordo com a coordenadora de Educação Infantil da Semed, Daniela Kanitz, a proposta é desvincular totalmente a Educação Infantil da SAS, ficando toda a gestão sob responsabilidade da Semed. “Será um marco trazer a administração dos Ceinfs para a Secretaria de Educação”, considera. A coordenadora argumenta que “são Secretarias com visões diferentes”. E completa: “Não existe porque ter essa divisão. A nova gestão pública municipal entende que a Educação Infantil deve estar sob a administração apenas da Secretaria de Educação, porque desde 1996, com a LDB, a Educação Infantil passou a fazer parte da Educação Básica”.
Para isso, o prefeito precisa revogar o Decreto nº 10.000, de 27 de junho de 2007, que “dispõe sobre o funcionamento dos Centros de Educação Infantil municipalizados e obrigações dos órgãos de gestão compartilhada, e dá outras providências”. Para Daniela Kanitz, o fim da gestão compartilhada será benéfico. “Vamos falar uma língua só. Por exemplo, quando vamos discutir a questão das férias escolares, do ponto de vista da Educação, nós entendemos que as crianças precisam ter férias e um convívio familiar. Do ponto de vista da Assistência Social, o período de férias é um problema para os pais que precisam trabalhar. A Educação Infantil em Campo Grande vai estar sob o olhar da Educação”, comemora. Mas essa medida pode estar na contramão das reais necessidades da primeira infância, como aponta a professora Ângela Costa: “Eu sou uma das poucas pessoas, desde o início, favorável ao funcionamento dos Ceinfs durante as férias. Quando discuti isso com o promotor da Vara da Infância, ele me relatou que, no período das férias, aumenta em 80% o índice de violência sexual contra crianças pequenas. Só isso, para mim, já é um dado que não precisa nem discutir. É necessário, sim, e é papel da sociedade e do Estado dar essa oportunidade para as crianças. Não precisa ser em todos os Ceinfs, mas que haja alguns espaços que façam esse atendimento nas férias, sim, para dar comida e proteção”.
qualidade. “A maioria só cuida (que seria dar comida, dar banho, essas coisas) ou escolariza. E as duas coisas estão erradas”, afirma, apontando a escolarização precoce como outro grave problema a ser enfrentado. “Não se pode querer enfiar na cabeça de crianças de três, de quatro, de cinco anos, letras do alfabeto para que aprendam a ler e a escrever. É isso que muitos acreditam que seja a Educação. Quanto mais as pessoas fazem isso com as crianças menores, mais demonstram a ignorância que têm na questão da infância”, afirma Ângela. Nem apenas cuidados, nem tampouco a escolarização precoce, mas o acesso à Educação e a uma escola de qualidade continua um direito a ser garantido. “É importante a criança estar em um espaço coletivo, institucional de Educação, convivendo com outras crianças e outros adultos fora do seu círculo familiar, pois terá mais oportunidades para se desenvolver e exercer a sua autonomia”, lembra a presidente do Fórum Estadual de Educação Infantil, Mariete Félix Rosa.
Inverter a pirâmide A UFMS foi a terceira universidade no país a implantar um curso de Pedagogia voltado à formação de professores para a Educação Infantil, em 1981. Em virtude do pioneirismo, era de se esperar que houvesse mais avanços com relação à qualidade da Educação Infantil oferecida no Estado. Nesse sentido, um primeiro critério seria fixar a exigência de nível superior nos concursos para professor desde o berçário, conforme alerta a professora Ângela Costa. “Quanto mais formação esse professor tiver, melhor. É preciso inverter essa pirâmide, porque as pessoas acreditam que os melhores professores, doutores, mestres, têm que ser lá para o ensino superior. E não é verdade.
Não à escolarização precoce Ainda de acordo com a professora Ângela, um levantamento recente, realizado em todo o país, demonstrou que poucas escolas ou instituições fazem uma Educação Infantil de Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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A grande mudança na Educação vai se dar quando as pessoas que estão no poder entenderem isso: quem tem que ter a melhor formação é o professor do berçário, são os professores do nível 1, com crianças de zero a três anos de idade”, garante, lembrando ainda que “só a formação inicial não pode dar conta de tudo. Ela dá uma base, mas é necessário que haja a formação continuada, durante a vida profissional”. Em abril, o Seminário Internacional Marco Legal da Primeira Infância, realizado em Brasília pela Câmara dos Deputados, teve como objetivo central “estabelecer uma legislação em consonância com os novos descobrimentos da ciência, que valorizem e garantam a atenção integral mais adequada para todas as crianças de zero a seis anos, do Brasil e do continente americano”. Com base nas descobertas da neurociência, já se sabe que,
quando a criança nasce, não está no “zero”, pois já teve nove meses para trás, no período da gestação. As crianças, então, nascem com uma série de possibilidades neuronais, pois o cérebro tem plasticidade nesse período, mas depois vai perdendo, se não for estimulado. “Esses nove meses na barriga da mãe são importantíssimos. De nove meses na barriga da mãe, a criança na gestação, até os três anos de idade, é o período em que o ser humano mais se desenvolve. A criança aprende a falar, engatinhar, andar, tudo, de zero a três. Então, esse período está sendo desperdiçado, nós estamos queimando a inteligência do povo brasileiro”, considera a professora Ângela.
“Eu sou uma das poucas pessoas, desde o início, favorável ao funcionamento dos Ceinfs durante as férias. Quando discuti isso com o promotor da Vara da Infância, ele me relatou que, no período das férias, aumenta em 80% o índice de violência sexual contra crianças pequenas. Só isso, para mim, já é um dado que não precisa nem discutir” Professora Ângela Maria Costa, da UFMS, doutora em Educação e coordenadora da Aliança pela Infância em Campo Grande
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ARTIGO
Drogas o Mal do século? Desde que o homem é homem, em seu processo sócio-histórico, observamos que as drogas sempre estiveram presentes, como na Grécia Antiga, de que temos, através dos mitos, a figura do deus Baco, deus do vinho. Ao longo da trajetória humana, o álcool assume um papel de destaque social, e a ligação do homem com o álcool é um culto que vem sendo praticado por muito tempo. Hoje, através das relações de consumo em um mundo globalizado, de sistema capitalista, se estabelece um relacionamento de busca de prazer por fatores compensatórios externos ao sujeito, a satisfação de consumir e sentir “prazer”. Mesmo dentro desse panorama, observamos sujeitos usuários e abusadores de drogas, mas que não se tornam dependentes. A questão da dependência surge para o indivíduo que passa a ter prejuízos e perdas significativas nas áreas da sua vida, cujo o papel das drogas assume a função principal. Focamos, então, nossas atenções em alternativas e meios de enfrentamento, mas como cada indivíduo é um universo diferente, nem sempre o mesmo remédio serve para o outro. Temos que definir o que é drogadicção e o que é adicção, primariamente, para podermos organizar e esquematizar um plano de ação, dentro de uma abordagem sistêmica, com uma equipe interdisciplinar e práticas multidisciplinares. A psicoterapia individual e em grupo é sempre recomendada e é essencial. Grupos de mútua ajuda, como AA/ NA, também são importantes, e grupos para os familiares, como AE e Nar-Anom, são recomendados, mas existem casos que a intervenção medicamentosa, em
primeira instância, é necessária para uma desintoxicação. O uso e abuso de álcool e outras drogas é uma questão de saúde pública agora, e alguns dizem se tratar do mal do século, uma verdadeira epidemia. Essas notícias são disparadas todos os dias, mas temos que tomar certa cautela ao examinar as notícias dadas à revelia, que ficam soltas dentro do contexto social. Pensar que toda pessoa que usou drogas se torna um drogado é algo muito precipitado e prematuro sobre o assunto, assim como é sabido que se trata de uma doença incurável, progressiva e recorrente. E também é preciso lembrar que nem todos os indivíduos respondem ao mesmo tratamento. Temos comunidades terapêuticas que se propõem a fazer uma intervenção voluntária, porém a sua grande maioria não segue os padrões mínimos exigidos pelo Senad, que tenta regulamentar a atuação dessas instituições. E muitas delas são dirigidas e coordenadas por agentes oriundos de um assistencialismo e de fundo religioso. A sociedade civil organizada acaba dando uma resposta para essa demanda, pois a necessidade de se tratar é emergencial. Porém, a que preço? Ou melhor: como isso é feito? O Conselho Federal de Psicologia entregou um relatório nas mãos da presidente Dilma, com um panorama da realidade dessas instituições no território nacional. Esse documento público está disponível para ser consultado. Em uma pesquisa feita pelo Lenad temos que “a idade de experimentação é um indicador importante, uma vez que estudos mostram que há uma relação entre a precocidade do uso e o aumento do risco de desenvolvimento de dependência e de outras doenças psiquiátricas. Constatamos que quase metade dos
Ezequiel de Almeida Azevedo
Psicólogo clínico em atendimento de dependentes e familiares, consultor especializado dependência química e saúde familiar, trabalha com comunidades terapêuticas e clinicas de tratamento em dependência química.
usuários (45%) experimentou cocaína pela primeira vez antes dos 18 anos de idade”. Com esse dado, é consensual que o dito popular, de que “prevenir é melhor que remediar”, é verdadeiro. No entanto, um planejamento estratégico deve ser usado, caso a caso, para encaminhar o paciente a um atendimento adequado e encontrar alternativas no sentido também da prevenção, através da promoção do diálogo entre os poderes públicos, ambientes escolares e sociedade civil organizada. O grande desafio é a interlocução das áreas da educação, saúde e poder público, chegando a um denominador comum. Abreviaturas: AA – Alcoólicos Anônimos NA – Narcóticos Anônimos AE – Amor Exigente Nar-Anom – Grupo para pais (familiares/ amigos) de dependentes Senad – Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas Lenad – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas
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ENTREVISTA
Qual é a realidade da educação brasileira com relação ao debate sobre o meio ambiente dentro da escola? E qual é o incentivo que os alunos recebem para que tenham atitudes que prezem pela sustentabilidade?
Leonardo Boff fala sobre a Sustentabilidade na Reinvenção da Educação O filósofo e teólogo aborda o tema com a “Visão de Um Apaixonado Pelo Criador e Pela Criatura”
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eonardo Boff foi um dos palestrantes da Educar 2013, 20ª edição do evento, realizada em São Paulo no final de maio e considerada a maior feira e congresso educacional da América Latina. Com o tema “Sustentabilidade na Reinvenção da Educação na Visão de Um Apaixonado Pelo Criador e Pela Criatura”, Boff abordou questões referentes ao meio ambiente e à importância de a humanidade zelar pelo seu planeta. Esse é um debate oportuno, que pode e deve fazer parte da escola, sobretudo para marcar o 5 de Junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. Confira a entrevista de Leonardo Boff à jornalista Patrícia Melo, da Presença Comunicação Educacional, disponibilizado no site Educar - Futuro Eventos. 22 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
Mais e mais as escolas estão despertando para temáticas ligadas à ecologia. A consciência geral na sociedade é muito insuficiente e mesmo no governo, que trata esta questão como uma externalidade, vale dizer, que pode ser sacrificado em nome do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do progresso imediato. É importante descolar o conceito de sustentabilidade daquele do desenvolvimento. Pois o tipo de desenvolvimento que temos supõe a dominação da natureza e a acumulação ilimitada. Isso é totalmente insustentável. Desenvolvimento sustentável significa atingir um crescimento econômico que seja amplamente compartilhado pela sociedade e que proteja os bens e serviços vitais do planeta. Sustentabilidade é permitir que todos os seres sejam vistos como tendo um valor em si, independentemente do uso humano, zelar para que continuem a existir e que possam ser passados
“Se respeitarmos a dinamica na natureza, ela nos dara tudo o que precisamos. Mas precisamos escutar a natureza e conhecer seus mecanismos”
“Desenvolvimento sustentavel significa atingir um crescimento economico que seja amplamente compartilhado pela sociedade e que proteja os bens e servicos vitais do planeta” às futuras gerações enriquecidos. A educação supõe transmitir um novo olhar para com a natureza e para com a Terra. Esta é mãe que nos dá tudo o que precisamos. Nossa missão é cuidar dela. Isso implica cuidar de seu sangue que é a água para que seja limpa, de sua pele que é a mancha verde, de sua respiração que é o ar que não pode ser poluído, dos solos onde vivem quintilhões de quintilhões de microorganismos para que não sejam destruídos pelos agrotóxicos etc. O título de sua palestra afirma que a visão a ser apresentada sobre a “Sustentabilidade na Reinvenção da Educação” será a partir dos olhos de um “apaixonado pelo criador e pela criatura”. O senhor poderia explicar em outras palavras esta afirmação? Ninguém se engaja pelas questões ecológicas que têm a ver com a vida, com a mãe Terra e com o futuro de nossa civilização se não for tomado pela paixão de amar, cuidar, proteger e defender essa herança sagrada que o universo ou Deus nos legaram. Não basta a razão. Ela é fria
e calculista. Precisamos de coração e de afeto. Quer dizer, precisamos resgatar a razão cordial e sensível que é a sede dos valores, da ética e da espiritualidade. Ver em cada criatura a marca registrada de Deus, descobrir as mensagens que cada criatura nos quer transmitir, essa é a singularidade do ser humano, portador de consciência e de inteligência. Esta atitude de encantamento e de respeito diante de cada ser, por insignificante que possa parecer, é urgente hoje, pois maltratamos a natureza e tiramos mais dela do que ela pode repor. Esta estratégia é irresponsável e hostil à vida. Os professores estão preparados para trabalhar com os alunos questões sobre sustentabilidade? Ninguém está preparado porque no processo de formação dos docentes não havia ainda a preocupação ecológica. Ela surgiu mundialmente só a partir dos anos 70, quando se deu o primeiro alarme ecológico com a detecção dos limites da Terra, que obrigava a propor limites ao crescimento. Hoje não temos alternativa: ou nos preparamos para um novo modo de habitar o planeta, convivendo com seus limites e com as possibilidades reduzidas dos ecossistemas ou então não teremos futuro. Já construímos uma máquina de morte que nos pode eliminar a todos e agravar profundamente o sistema-vida. Então, importa que todos os saberes sejam ecologizados, quer dizer, deem a sua colaboração no sentido de limitar nosso consumismo, respeitar a capacidade de suporte dos ecossistemas e viver uma sobriedade compartilhada. Se respeitarmos a dinâmica na natureza, ela nos dará tudo o que precisamos. Mas precisamos escutar a natureza e conhecer seus mecanismos.
Leonardo Boff, filósofo e teólogo. www.facebook.com/leonardoboff
Qual o papel dos pais para que os jovens e as crianças tenham atitudes responsáveis com relação ao meio ambiente e que isto não seja apenas um incentivo da escola? A família é fundamental para uma educação ecológica. Pois é na família que os filhos e filhas aprendem os hábitos de cuidar do lixo, da água, das plantas, de não queimar nada, de reduzir o consumo, de reusar e reciclar. Porém, mais do que tudo: é na família que se aprende a ter limites, tarefa principal dos pais. Precisamos hoje de limites na exploração da natureza, limites no consumo, limites nas relações sociais. Devemos buscar a justa medida em todas as coisas. A justa medida é o meio termo entre o mais e o menos, mas aquilo que nos satisfaz e deixa espaço para os outros. No fundo devemos aprender a ser responsáveis por tudo. Isto significa darmo-nos conta das con-
“A educacao supoe transmitir um novo olhar para com a natureza e para com a Terra. Esta e mae que nos da tudo o que precisamos” Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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“Ninguem se engaja pelas questoes ecologicas que tem a ver com a vida, com a mae Terra e com o futuro de nossa civilizacao se nao for tomado pela paixao de amar, cuidar, proteger e defender essa heranca sagrada que o universo ou Deus nos legaram” sequências de nossos atos e de nossas palavras para que sejam construtivos e não destrutivos, para que favoreçam a continuidade da natureza, da vida e de nossa civilização. Se não tivermos responsabilidade poderemos conhecer os caminhos já percorridos pelos dinossauros, que despareceram após uma grande catástrofe ecológica. Como a tecnologia pode estar inserida neste contexto? E como ela pode ser utilizada como uma ferramenta que incentive a sustentabilidade? Grande parte da tecnologia hoje não se orienta pela melhoria da vida, mas para o aumento dos lucros no mercado. Tudo virou commodities, tudo virou mercadoria com a qual se pode fazer dinheiro. 70% da tecnologia atual é tecnologia para fins militares. Podemos destruir toda a vida na Terra por 25 formas diferentes. Então devemos perder o fascínio pela tecnologia. Ela pode ser a grande arma de destruição coletiva. Mas ela pode nos ajudar a 24 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
curar as chagas da Terra, prolongar a vida humana, tornar mais leve o fardo da existência e facilitar a comunicação entre todos. Mas ela nunca substitui a pessoa humana. Um computador ou um iPad não estende um braço virtual e nos enxuga uma lágrima ou nos coloca a mão ao ombro para nos dar força. O ser humano, solidário e amigo de outro ser humano, pode. Hoje, foram desenvolvidas tecnologias que agridem menos a natureza e assim favorecem uma perspectiva ecológica. Mas o que precisamos mesmo não é de novas tecnologias, mas um novo paradigma, vale dizer, uma forma nova de nos relacionar com a Terra e a natureza de tal modo que entremos em sinergia com elas. E aí, sim, usaremos as tecnologias que nos ajudarão na preservação dos bens e serviços escassos da Terra. Qual a importância em levar este debate para um grande evento, como a Educar? Hoje, encostamos nos limites da Terra. O aquecimento global é a forma como a Terra, supe-
“O proprio Governo americano, que sempre relutava em aceitar esse fenomeno porque atrapalhava os negocios das grandes corporacoes, hoje trata o aquecimento global como uma questao de seguranca nacional”
rorganismo vivo (chamado Gaia) revela seu estado doentio. Daí se entende os eventos extremos de secas e enchentes, nevascas de grande magnitude e tufões devastadores. O próprio Governo americano, que sempre relutava em aceitar esse fenômeno porque atrapalhava os negócios das grandes corporações, hoje trata o aquecimento global como uma questão de segurança nacional. A educação deve introduzir os estudantes para essa nova fase da Terra e da humanidade. Se nada fizermos poderemos chegar tarde demais, e seguir um caminho que nos conduz a um abismo sem volta. Não dá para seguir com uma educação alienada da situação global da Terra e da vida. Não seria responsável e nem estaria à altura dos desafios atuais. Agora não temos uma arca de Noé que salve alguns e deixa perecer os demais. Ou nos salvamos todos ou pereceremos todos. Por isso a importância dos valores do cuidado, do respeito pela vida, da responsabilidade por tudo o que fazemos em termos dos bens essenciais à vida, como água, fibras, solos, ar, alimentos etc. Esse debate deve ser levado aos estudantes para que sejam ativos e não passivos diante da gravidade da situação geral do planeta.
Toda Poesia Autor: Paulo Leminski Editora: Companhia das Letras, 2013 Fonte: Editora Companhia das Letras www.companhiadasletras.com.br
“Toda Poesia” reúne mais de 630 poemas do escritor Paulo Leminski Filho. O escritor nasceu na cidade de Curitiba (PR) em 24 de agosto de 1944. Foi professor, escritor, poeta e crítico literário. Sua obra tem exercido marcante influência mesmo 24 anos após sua morte. Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre duas enormes construções que rivalizavam na década de 1970, quando publicava seus primeiros versos: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens de vinte e poucos anos da chamada “geração mimeógrafo”. Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Se por um lado tinha pleno conhecimento do que se produzira de melhor na poesia - do Ocidente e do Oriente -, por outro parecia comprazer-se em mostrar um “à vontade” que não raro beirava o improviso, dando um nó na cabeça dos mais conservadores. Pura artimanha de um poeta consciente e dotado das melhores ferramentas para escrever versos. Paulo Leminski morreu jovem, aos 44 anos, por consequencia de uma cirrose hepática que sofria já havia alguns anos.
Dicas para uma boa leitura
Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos Autor: Zygmunt Bauman Editora: Zahar, 2004
A modernidade líquida – um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível – em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos, um amor líquido. Zygmunt Bauman, um dos mais originais e perspicazes sociólogos em atividade, investiga nesse livro de que forma nossas relações tornam-se cada vez mais “flexíveis”, gerando níveis de insegurança sempre maiores. A prioridade a relacionamentos em “redes”, as quais podem ser tecidas ou desmanchadas com igual facilidade – e frequentemente sem que isso envolva nenhum contato além do virtual –, faz com que não saibamos mais manter laços a longo prazo. Mais que uma mera e triste constatação, esse livro é um alerta: não apenas as relações amorosas e os vínculos familiares são afetados, mas também a nossa capacidade de tratar um estranho com humanidade é prejudicada. Como exemplo, o autor examina a crise na atual política imigratória de diversos países da União Européia e a forma como a sociedade tende a creditar seus medos, sempre crescentes, a estrangeiros e refugiados. Com sua usual percepção fina e apurada, Bauman busca esclarecer, registrar e apreender de que forma o homem sem vínculos — figura central dos tempos modernos — se conecta.
Fonte: Livraria Saraiva – www.saraiva.com.br
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CAPA
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Na ZONA CINZENTA do tráfico de pessoas Um crime invisível, que movimenta mais de US$ 32 milhões e atinge cerca de 3 milhões de pessoas, preocupa autoridades e provoca mobilização da sociedade
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Minha família conheceu um povo, da mesma igreja nossa, evangélicos, de São Paulo. Eles se ofereceram para me levar para eu estudar lá, com eles. Eu tinha dez anos. Chorei muito, sentia muita falta de minha família. Trabalhava muito, cuidava de seis crianças menores, fazia todo o serviço da casa. Não recebia dinheiro, nem roupas, nem calçados. Fiquei quatro anos e meio, até que achei um rapaz muito bom, e me casei para sair de lá. Agora, nessa capacitação é que tô me dando conta de que o que aconteceu comigo pode ser tráfico de criança.
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sse é o relato de uma mulher indígena brasileira, que participou do Projeto Cunã (pesquisa sobre tráfico de pessoas e violência contra mulheres nas comunidades indígenas da fronteira Brasil/Paraguai). Exatamente como ela, numa ação silenciosa, quase invisível, milhares de crianças, geralmente meninas, sempre Professora Nilda da Silva Pereira, doutora em Educação e coordenadora do Programa Direito de Ter Direitos, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável – Centro-Oeste (Ibiss-CO)
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pobres e vulneráveis, têm a infância roubada e o futuro comprometido. De forma semelhante, iludidas por promessas de trabalho e dinheiro, jovens mulheres, também pobres, acabam forçadas à prostituição. Muitas não conseguem ganhar qualquer dinheiro. Muitas não dão mais notícias às famílias. Muitas nunca voltam. São situações mais comuns do que se imagina, que ilustram o grau de invisibilidade das diversas violações dos direitos que estão envolvidas e compõem o nebuloso quadro do tráfico de pessoas, em especial nas regiões de fronteira, e mais especificamente em Mato Grosso do Sul, que é, ao mesmo tempo, ponto de partida, destino e rota, inclusive de outras ações do crime organizado. “Existe também uma questão cultural em Mato Grosso do Sul, porque os fazendeiros traziam muitas índias e filhas de peões para trabalharem na cidade. Muitas meninas ainda são levadas para casas de famílias, onde, em troca de alimentação e moradia, fazem todo o serviço doméstico, sem receber salário, sem registro em carteira. Isso é trabalho escravo. É uma cultura
que já mudou muito, mas ainda existe”, diz a psicóloga Odete Fiorda, que trabalha com o projeto Capacitando para o Enfrentamento ao Tráfico e Exploração Sexual de Mulheres, desenvolvido pelo Governo do Estado. Alvo de Investigações, CPIs e pesquisas, o tráfico de pessoas ainda é um universo envolto em grande desconhecimento, seja por parte das autoridades e organismos que têm a atribuição do enfrentamento à questão, seja por parte das próprias vítimas, que muitas vezes nem se reconhecem nessa condição, e, mais ainda, pela sociedade como um todo. “Eu costumo dizer que é uma zona cinzenta”, comenta a professora Nilda da Silva Pereira, doutora em Educação e coordenadora do Programa Direito de Ter Direitos, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável – Centro-Oeste (Ibiss-CO), que realizou também o Projeto Cunã. E a definição se justifica pela complexidade da questão, que envolve grande diversidade e variada tipologia de crimes, contravenções e violações de direitos. Nos casos de tráfico para fins
de exploração sexual comercial, é comum a alegação de que não há crime, pois houve o consentimento da pessoa. No entanto, legalmente, isso não é levado em consideração, uma vez que tal consentimento é, geralmente, obtido porque a pessoa é enganada ou obrigada a tal. O que é afinal? Para caracterizar o tráfico de pessoas é preciso identificar quatro elementos básicos: o recrutamento ou aliciamento da vítima, o transporte, o alojamento ou abrigo e, finalmente, a exploração. A exploração é, geralmente, a do trabalho forçado, incluindo aí a prostituição e o trabalho doméstico. Mas existem também outras modalidades, como o tráfico de pessoas para retirada de órgãos, para o casamento servil, e, ainda, o tráfico de crianças para adoção. Os meios empregados tam-
bém são marca do tráfico de pessoas, que utiliza sempre formas como a ameaça ou uso da força, coerção, abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios em troca do controle da vida da vítima. O tráfico de pessoas pode ser internacional ou, ainda, se dar na condição de migração interna, incluindo aí, no caso específico de Mato Grosso do Sul, a movimentação das populações indígenas da fronteira (que não é caracterizada como tráfico internacional). Na maior parte dos casos, o tráfico internacional está ligado à exploração sexual, sendo mulheres a grande maioria das vítimas. Mas, considerando que a prostituição, nesse caso, é, também, uma modalidade de trabalho forçado, verifica-se que a finalidade maior do tráfico de pessoas é o trabalho escravo, que está também por trás da
produção e posterior comercialização do mais variado tipo de mercadoria, em diversos ramos de atividade. “A gente tem mania de comprar aquelas bugigangas, as pessoas gostam de roupas e tênis que imitam os de marca famosa e são vendidos bem barato, mas ninguém para para pensar que, muitas vezes, tem trabalho escravo por trás desse precinho bacana. Assim, as pessoas acabam contribuindo com esse crime, e, também, sem ter consciência disso”, comenta a professora Nilda Pereira. “No caso do trabalho escravo, a pessoa também não sabe o que está realmente acontecendo. Não se percebe como vítima, pois, geralmente, vivia em condições sub-humanas. Então, trabalhar em troca de alimento e moradia, para essa pessoa, é bem melhor do que a vida que levava antes”, explica a psicóloga Odete Fiorda.
“Existe também uma questão cultural em Mato Grosso do Sul, porque os fazendeiros traziam muitas índias e filhas de peões para trabalharem na cidade. Muitas meninas ainda são levadas para casas de famílias, onde, em troca de alimentação e moradia, fazem todo o serviço doméstico, sem receber salário, sem registro em carteira. Isso é trabalho escravo. É uma cultura que já mudou muito, mas ainda existe” Odete Fiorda, psicóloga Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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Contrabando De pessoas Embora a legislação brasileira não tipifique o contrabando de pessoas, existe também essa modalidade. Segundo o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), o contrabando de migrantes é também uma forma de traficar seres humanos. Consiste na “entrada ilegal de pessoas em países nos quais ela não possui residência nacional ou permanente, para aquisição de bens financeiros e outros ganhos materiais”. O contrabando de migrantes, mesmo em condições perigosas e degradantes, envolve o conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso. No tráfico de pessoas, o consentimento da vítima de tráfico é irrelevante, uma vez que ele é, geralmente, obtido por meio de engano. O contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino, enquanto o tráfico de pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de algum benefício ou lucro. De um ponto de vista prático, as vítimas do tráfico de pessoas tendem a ser afetadas mais severamente e necessitam de proteção maior. Contrabando de migrantes é sempre transnacional, enquanto o tráfico de pessoas pode ocorrer tanto internacionalmente quanto dentro do próprio país.
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O enfrentamento De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o tráfico de pessoas movimenta cerca de 32 milhões de dólares por ano e atinge aproximadamente três milhões de pessoas. É uma das modalidades mais rentáveis no mundo do crime organizado transnacional, perdendo apenas para o tráfico de armas e o de drogas, ao qual muitas vezes também se mistura. No final de fevereiro, no lançamento do II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Governo Federal, foi apresentado um estudo produzido pela Secretaria Nacional de Justiça em parceria com o UNODC. O relatório traz os dados consolidados sobre o tráfico de pessoas no Brasil entre 2005 e 2011. De acordo com o estudo, o trabalho escravo corresponde a dois terços dos inquéritos relacionados a tráfico de pessoas instaurados pela Polícia Federal entre 2005 e 2011. Dos 514 inquéritos policiais instaurados nesse período, 344 foram de trabalho escravo, 157 de tráfico internacional e 13 de tráfico interno. Além disso, a Polícia Federal indiciou 381 suspeitos por tráfico internacional de pessoas para exploração sexual entre 2005 e 2011, dos quais apenas 158 foram presos. O estudo identificou que esse baixo índice de punição dos criminosos é resultado de uma dificuldade em reunir provas do crime e também de falhas na própria legislação penal, que prevê somente o tráfico para fins de exploração sexual e deixa à margem do sistema outras modalidades como o tráfico para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo e o tráfico para fins de trabalho escravo. O estudo reuniu estatísticas
de órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como o Departamento de Polícia Federal, Departamento de Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional, Defensoria Pública da União e a Secretaria Nacional de Segurança Pública, além dos organismos que atendem diretamente vítimas de tráfico de pessoas, como a Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores. Também foram ouvidos o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. A conclusão principal é de que há uma dificuldade dos órgãos que lidam com esse crime no Brasil em registrar essas informações. Por esse motivo, o Ministério da Justiça desenvolveu junto ao UNODC, e em diálogo com outros órgãos do sistema de justiça criminal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, o II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com uma nova proposta de metodologia integrada de coleta e análise de dados sobre tráfico de pessoas, que deve ser implementada ao longo dos próximos anos. Todas as ações de combate e enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao crime organizado transnacional são pautadas por convenções internacionais, em especial o Protocolo de Palermo, firmado em 2000, do qual o Brasil é signatário. O tráfico de pessoas também está descrito na Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, de 2011. Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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As vítimas Estima-se que 90% das vítimas do tráfico de pessoas sejam mulheres jovens e crianças. O estudo divulgado pelo governo mostrou também que, entre 2005 e 2011, houve 475 vítimas do tráfico de pessoas e quase todas (337) sofreram exploração sexual, lembrando que os números podem estar subestimados, em virtude das dificuldades de registro. A maioria (25%) não tinha sequer 20 anos de idade, era solteira e tinha baixa escolaridade. De acordo com o levantamento, a maioria das vítimas brasileiras teve como destino os países europeus: Holanda, Suíça e Espanha. Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul são os estados onde se registram mais casos de vítimas. E entre as vítimas mais suscetíveis a todas as vulnerabilidades, está a população feminina jovem das reservas indígenas, das regiões de fronteira de Mato Grosso do Sul. Nesse segmento, o crime é silencioso e as violações de direitos invisíveis, em virtude de todas as circunstâncias e peculiaridades de ordem sociocultural que envolvem a vida e o cotidiano nas aldeias indígenas. Uma das principais estratégias para modificar a angustiante realidade de jovens e crianças indígenas é fazer com que as comunidades e, em especial, as mulheres, tenham conhecimento suficiente e ganhem consciência do problema. É nesse sentido que ganham importância intervenções como o projeto Cunã, que capacitou e orientou mulheres indígenas na fronteira Brasil/Paraguai, “para que elas aprofundassem o conhecimento da realidade de violações de direitos, com atenção ao tráfico de mulheres indígenas e que, inicialmente, incidissem nas polí32 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
ticas públicas e procurassem mecanismos de resolução dentro das comunidades”, conforme descreve o relatório do projeto. Nas aldeias situadas na faixa de fronteira, brasileiras e paraguaias levantaram dados e informações sobre as várias formas de violação de direitos das mulheres jovens indígenas, para depois serem analisados pelo grupo. No lado brasileiro, as aldeias estão localizadas nos municípios de Bela Vista, Porto Murtinho, Ponta Porã e Coronel Sapucaia. No Paraguai, em Carmelo Peralta, Pedro Juan Caballero e Capitán Bado. “Consideramos que esses territórios vêm sofrendo impactos de grandes projetos desenvolvimentistas, que desrespeitam as vidas dos povos indígenas”, assinala o relatório. “O projeto Cunã destacou alguns pontos essenciais: contribuir para o fortalecimento das mulheres jovens indígenas como lideranças das suas comunidades; ter informação sobre a situação das mulheres jovens indígenas da fronteira Brasil-Paraguai para poder pensar em ações que possam melhorar suas condições de vida; visibilizar a problemática do tráfico e exploração indígena como consequência de modelo socioeconômico; e coordenar, trabalhar em equipe, obter os resultados propostos. As políticas públicas, se
trabalhadas com eficácia e em sua totalidade, são capazes de, no mínimo, amenizar os fatores macro e micro que tornam as pessoas mais vulneráveis”, diz o documento, apontando ainda que “todas as
participantes, ao verem sua realidade, as violações dos direitos, puderam discuti-las e pensar coletivamente possibilidades de mudanças”.
Também é fundamental que haja respeito à diversidade, às peculiaridades e especificidades da organização sociocultural das comunidades indígenas para que os programas de atendimento e, mais especificamente, os projetos de enfrentamento à violência e ao tráfico de pessoas alcancem os resultados desejados.
las 32 entidades participantes, destacando os principais tópicos que necessitam de intervenção política, como a demora na demarcação de terras em Mato Grosso do Sul, a falta de providências quanto aos assassinatos de lideranças indígenas por conflitos de terra e a poluição provocada pelo uso de agrotóxicos nas plantações de cana e soja.
Os colóquios Mato Grosso do Sul abriga a segunda maior população indígena do Brasil e a maior concentração de índios do país e, no início de abril, Campo Grande foi sede do IV Colóquio Nacional e III Colóquio Internacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: Mulheres Indígenas Desafiando Fronteiras. O evento reuniu 32 entidades do Brasil, Chile, Argentina, Bolívia e Paraguai. O colóquio foi realizado simultaneamente em três idiomas – Português, Espanhol e Guarani –, e abordou temas que afetam diretamente as diversas populações indígenas da América do Sul, como a violência étnica, o tráfico de pessoas, a exploração sexual, e denúncias sobre tráfico de órgãos. O colóquio resultou em uma Carta de Repúdio assinada pe-
O tráfico de pessoas pode ser internacional ou ainda se dar na condição de migração interna, incluindo aí, no caso específico de Mato Grosso do Sul, a movimentação das populações indígenas da fronteira (que não é caracterizada como tráfico internacional). Na maior parte dos casos, o tráfico internacional está ligado à exploração sexual, sendo mulheres a grande maioria das vítimas.
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O contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino, enquanto o tráfico de pessoas envolve, após a chegada, a exploração da vítima pelos traficantes, para obtenção de algum benefício ou lucro.
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O tráfico de pessoas movimenta cerca de 32 milhões de dólares por ano e atinge aproximadamente três milhões de pessoas. É uma das modalidades mais rentáveis no mundo do crime organizado transnacional, perdendo apenas para o tráfico de armas e o de drogas.
32 milhões de dólares por ano Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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Mariana e as Políticas Sociais Três filhos pequenos, de pais diferentes, nenhum contribuindo com sua educação. Mariana, 21 anos, mora em Belém em uma casa de madeira que pertence a sua mãe, quer dizer, oficialmente não, porque se trata de uma área de “ocupação”, mas foi ela e seus irmãos que a construíram. Mariana acabou de perder seu emprego numa loja no shopping da cidade, que demitiu uma parte dos seus funcionários depois do Natal. Sem Ensino Médio completo, devido a três gravidezes e a cuidar dos filhos, ela ajuda a mãe a lavar roupas de outras famílias, o que rende um salário mínimo por mês. Os filhos têm 5, 3 e 2 anos. A bolsa família de 95 reais, que ela conseguiu, mal dá para comprar leite e remédios para os filhos. O programa Primeiro Emprego não a cadastrou, porque ela não
estava estudando e sua carteira de trabalho já mostrava seis meses de trabalho como vendedora, além de existir um número limitado de vagas para participar (em 2005 foram 1500 jovens, em 2006 o programa não funcionou). Sua filha mais nova sofre de constantes ataques de asma. No posto de saúde, quando ela conseguiu ser atendida depois de várias noites aguardando em frente do posto de saúde, o médico pediu um raio-x do tórax e exame de pele e sangue. Mariana conseguiu agendar os exames só para três meses depois da consulta. O médico prescreveu também dois remédios, um broncodilatador e um anti-inflamatório, que infelizmente não estavam disponíveis no posto. Presentes, brinquedos, roupas novas, produtos de higiene,... não estão dentro do orçamento, menos ainda cinema, passeios ou restaurantes. Os cartões de crédito, entregues nas casas popu-
lares por lojas e supermercados, já estouraram com as primeiras compras e as dívidas saltaram para valores gigantescos. Sem crédito na praça, a única diversão é a televisão e os amigos da esquina, onde há um barzinho e ponto de táxi, conhecido como boca de fumo e objeto de constantes investidas policiais (para receber propinas ou exigir pagamento para não prender certas pessoas...) Que Políticas Públicas chegaram até esta mulher jovem? A de moradia? Educação? Assistência? Emprego e Renda? Lazer? Profissionalização? Segurança? Chegou um convite: viajar para o Suriname para ganhar, em pouco tempo, dinheiro para saldar dívidas e pagar um médico particular para seus filhos, além de contribuir na reforma da casa. É arriscado, com certeza vai ter sofrimento, mas... é o que se apresenta neste momento. (Texto extraído do artigo de Marcel Hazeu, publicado na cartilha Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério da Justiça, Brasília, 2007)
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PERSONALIDADE
Problemas não são mais problema Os medos e receios da Matemática são desvendados em livro que trata das dificuldades que muitos alunos têm com a disciplina
O
s problemas que distanciam alunos da temida disciplina de Matemática podem estar com seus dias contados. Pelo menos para os alunos da Escola Estadual Professora Clarinda Mendes de Aquino, em Campo Grande. A solução veio lá do Rio Grande do Sul, de um pequeno município chamado Maquiné, e percorreu aproximadamente 1.800 quilômetros até a capital sul-mato-grossense. “Em 2007 vim para cá, para fazer uma prova de concurso, e, chegando aqui, a prova foi cancelada. Nesse ínterim conheci minha esposa e acabei vindo embora”, conta o professor de Matemática, Roberto Luís Dambros. Roberto Dambros tem 27 anos, leciona na rede estadual de ensino, é formado em Matemática pela Faculdade Cenecista de Osório (FACOS), pós-graduado em Ensino da Matemática, Gestão e Supervisão Escolar, e Neuropsicopedagogia. Atualmente, está cursando mestrado em Matemática Pura na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Números e cálculos são familiares e fazem parte do dia a dia do professor. “Fiz Matemática porque sempre gostei da disciplina. É um desafio, e eu gosto de desafios. A Matemática está presente em tudo”, afirma.
Fácil para alguns e um enigma para outros. A matemática é um terror para 90% dos estudantes. Em 2012, Dambros fez uma avaliação com mais de 700 alunos, e diagnosticou que a maioria não sabia resolver exercícios básicos, como contas de adição, subtração, multiplicação, expressões numéricas etc. Diante dessa realidade e das corriqueiras reclamações dos jovens em sala de aula de que não tinham empatia com a disciplina, o professor iniciou um trabalho com o objetivo de acabar com as barreiras que envolvem a matéria. O trabalho resultou no livro Aspectos Neuropsicopedagógicos Aplicados ao Ensino e à Aprendizagem da Matemática. A primeira edição do livro contou a colaboração do Programa Ensino Médio Inovador (Proemi), do Governo Federal, e Programa Jovem do Futuro, do Instituto Unibanco. A prática pedagógica do professor e a leitura do livro aumentaram o interesse e o desempenho dos jovens. A obra resgata o conhecimento de Matemática Elementar, que, por sua vez, é primordial e indispensável para a aprendizagem em todos os níveis do ensino. Utilizando recursos da Neuropsicopedagogia, o autor chama os leitores para uma reflexão sobre os motivos que o levam a não gostar de números e cálculos. “O problema está no Ensino Básico, do 1° ao 8° ano. Nesses anos, são aplicados os principais conteúdos. Se o aluno não tiver uma boa base, vai ter dificuldades no Ensino Médio. É o que acontece. Por isso, o índice de repetência no Ensino Médio é alto”, explica. Para Dambros, uma das alternativas para mudar essa realidade começa por mudanças na política educacional. “É preciso ter uma política adequada para a realidade da escola. Hoje, a escola enfrenta vários problemas que
Roberto Dambros
Formado em Matemática pela Fauldade Cenecista de Osório (FACOS), pós-graduado em Ensino da Matemática, Gestão e Supervisão Escolar, e Neuropsicopedagogia.
vão desde o comportamento até a defasagem da aprendizagem. Algumas políticas que envolvem a Educação Pública, como a aprovação de alunos sem conhecimento, acabam gerando uma série de outras problemáticas, e resultam no baixo desempenho dos estudantes. Temos muitos desafios no ensino e muito caminho a percorrer”, afirma o professor. Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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CULTURA E CIDADANIA
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Projetos mudam realidade de jovens e ajudam a manter a disciplina no ambiente escolar
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bela música vem dos fundos. É preciso percorrer alguns metros até encontrar a sala de onde as vozes escapam e ganham o espaço. O grupo de jovens que canta e toca em harmonia pertence à Escola Estadual Professora Clarinda Mendes de Aquino, nas proximidades do Aeroporto Internacional de Campo Grande. A escola atende especificamente estudantes do Ensino Médio. A juventude e seus anseios caminham por todos os lados. Uma senhora enérgica, de passos firmes, é a responsável por conduzir a galera estudantil. A disciplina e a organização são visíveis em todos os lugares. Ninguém fica para fora da sala de aula e todos estão uniformemente vestidos. Manter a ordem entre mais de 700 jovens não é tarefa fácil, mas a diretora Marlene Filippeto Rossi de Oliveira e sua equipe de professores dispõem de uma série de alternativas que ajudam a manter a tranquilidade. Música e teatro estão entre as diversas atividades que complementam o ensino e ajudam a manter a disciplina. Meninos e meninas aprendem a tocar violão e teclado, e descobrem seu tom de voz nas melodias entoadas pelo coral. “Com as aulas de música, os alunos pararam de ouvir funk. E conseguimos apresentar a eles canções com conteúdo”, conta o professor de música, Fernando Galeano. Os projetos culturais foram implantados em 2012 e acontecem em parceria com o Comitê de Cultura e Esporte (COCESP), da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul (SED-MS). “Esses projetos são de suma importância. Por meio deles conseguimos envolver toda a comuni-
“Aqui a gente canta com emoção, com sentimento. A música está me ajudando a vencer a timidez” Juliana Gomes dos Santos, 16 anos
dade escolar. Os pais ficam mais próximos, participam das reuniões. No ano passado nós participamos do Encontro Estadual de Música, no Palácio Popular da Cultura”, diz a diretora. Formando cidadãos Em parceria com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran/MS) e a SED/MS, a direção da Escola Professora Clarinda conseguiu implantar ainda o programa Jovem Condutor, que tem como proposta formar motoristas conscientes, preparados para enfrentar o trânsito de forma segura. Após completar 18 anos, o aluno que participou do programa pode realizar a prova teórica do processo de habilitação sem precisar realizar o curso teórico oferecido pelas autoescolas. O curso é dividido em cinco módulos e tem carga horária total de 155 horas/aula, com provas simuladas. O material didático foi elaborado, produzido e distribuído pelo Detran. Em todo o estado, mais de 2 mil jovens estão matriculados no programa. Além disso, a escola também dispõe de outra parceria, com o Instituto Unibanco, MEC e SED/MS, que permite a realização do proje-
to Jovem de Futuro. Composto por membros da comunidade escolar, o projeto consiste em promover a melhora da aprendizagem do aluno, por meio de ações e estratégias estabelecidas pela própria escola. Segundo Marlene, o Jovem de Futuro já rendeu diversos benefícios. “Nós conseguimos adquirir gramáticas com recursos do projeto; formamos a Academia Clarindense de Letras, que ao final de cada ano publica um livro com textos produzidos pelos estudantes; ajudamos a editar o livro do professor e coordenador de Matemática, Roberto Luís Dambros (Aspectos Neuropsicopedagógicos Aplicados ao Ensino e a Aprendizagem da Matemática) e realizamos muitas outras atividades”. Diretora Marlene Filippeto Rossi de Oliveira coordena mais de 700 jovens na Escola Estadual Professora Clarinda Mendes de Aquino, em Campo Grande
“Cantar me deixa feliz, eleva meus pensamentos e me deixa em paz” Jennifer Clemmet, 14 anos Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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CUT/MS
FETEMS presente no Congresso Extraordinário da CUT/MS
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e 11 a 13 de abril, a Central Única dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul (CUT/MS) realizou, em Corumbá, o Congresso Extraordinário para definir os novos dirigentes sul-mato-grossenses. A Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS), maior entidade sindical do Estado, filiada à CUT, participou com 46 delegados do movimento sindical da Educação Pública. Durante os três dias de atividades, além de eleger a nova diretoria, a Plenária debateu as estratégias de ação da CUT aprovadas no Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT/2012), aprovou o plano de lutas da Central em Mato Grosso do Sul, homenageou Apolônio de Carvalho e deu início às comemorações dos 30 anos de fundação da CUT Nacional. Com 55,11% dos votos, Genilson Duarte, do Sindicato dos Trabalhadores Públicos em Saúde, Trabalho e Previdência no Estado de
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Mato Grosso do Sul (SINTSPREV/ MS), foi eleito o novo presidente da CUT/MS. Foram 274 votos válidos. Jeferson Borges obteve 123 votos (44,89%) e o presidente eleito, Genilson Duarte, teve 151 votos (55,11%). A diferença foi de 28 votos. Segundo o presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS), Roberto Magno Botareli Cesar, que apoiou o candidato
eleito, essa vitória significa muitas mudanças para o movimento sindical de Mato Grosso do Sul. “Nós estamos ansiosos por uma CUT mais presente, atuante e responsável com as lutas das trabalhadoras e dos trabalhadores de Mato Grosso do Sul, por isso acreditamos e investimos nossa força na mudança. Agora é somar com o companheiro Genilson e lutar pelo fortalecimento da nossa Central em MS”, disse.
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MOVIMENTO SINDICAL
Presidente da maior central sindical da América Latina fala da história e dos desafios da entidade 40 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
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s vésperas de completar 30 anos de fundação, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) comemora a trajetória de lutas e conquistas, reafirmando o compromisso histórico com a defesa da classe trabalhadora. O presidente da CUT, Vagner Freitas, fala sobre as mudanças ao longo de três décadas de luta e os desafios do novo sindicalismo. Vagner Freitas de Moraes é bancário e, desde o início da vida profissional, participa ativamente dos movimentos sindicais e lutas da categoria. Confira a entrevista: O que significa estar à frente da maior entidade representativa de trabalhadores da América Latina e a quinta maior do mundo? A CUT faz 30 anos em agosto e a trajetória da nossa Central é
“A pauta que queremos destravar no governo e no Congresso Nacional é essencial para toda a sociedade brasileira. Queremos desenvolvimento, cidadania e valorização do trabalho. E isso é prioridade para todas as categorias”
de resistência e luta pela conquista de direitos para a classe trabalhadora. Participamos da luta pela redemocratização do país e vários líderes sindicais foram presos pelo regime militar, lutamos pelas Diretas Já e pela eleição de presidentes comprometidos com os interesses da classe trabalhadora. Paralelamente, lutamos pela manutenção e ampliação dos direitos dos trabalhadores. Isso dá uma ideia do que representa presidir a nossa Central. É uma tarefa fenomenal, uma responsabilidade enorme. Afinal, sou o primeiro bancário brasileiro a presidir a CUT. E, parodiando a frase do companheiro Lula quando foi eleito presidente, eu não posso errar para não inviabilizar a eleição de outros bancários à presidência da CUT.
dores públicos e os governos das três esferas – municipal, estadual e federal. Esta foi, inclusive, uma das conquistas da Marcha da Classe Trabalhadora, em Brasília, no dia 6 de março. Após a marcha, na audiência que tivemos – a CUT e as demais centrais sindicais – a presidente Dilma assinou decreto que possibilita a regulamentação da 151. Agora, a luta será no Congresso Nacional. Quanto
Em 2012, quando assumiu a presidência da CUT, várias categorias estiveram envolvidas em greves: professores universitários, polícia federal, polícia rodoviária federal, correios, bancários e outras. De um modo geral, qual sua avaliação sobre essas paralisações? Foram positivas ou negativas para as categorias? No caso das greves dos servidores públicos federais, a greve foi um instrumento importante para pressionar o governo. A demora em iniciar um processo de negociação da pauta de reivindicações foi uma política equivocada, estimulou o confronto, fortaleceu o movimento grevista. Neste sentido, foi positivo para os servidores. Mas, como sempre digo, é preciso acabar com a cultura de só negociar de verdade depois do conflito estabelecido. O governo federal tem que regulamentar a Convenção 151 da OIT, que estabelece o princípio da negociação coletiva entre trabalha-
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“ (…) a greve é o instrumento que a classe trabalhadora tem para conquistar direitos (…) queremos resolver questões trabalhistas por meio do diálogo, da negociação, dos acordos, mas não tenham dúvidas de que, quando for necessário, vamos recorrer a paralisações” às categorias da iniciativa privada, a estratégia é a mesma. Só cruzamos os braços quando os patrões não sentam à mesa de negociação para apresentar propostas concretas. Neste sentido, as paralisações são positivas, porque a greve é o instrumento que a classe trabalhadora tem para conquistar direitos. Estamos preparados e queremos resolver questões trabalhistas por meio do diá-
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logo, da negociação, dos acordos, mas não tenham dúvidas de que, quando for necessário, vamos recorrer a paralisações. É possível fazer um paralelo entre o sindicalismo dos anos de 1980, período em que a CUT nasceu, e o sindicalismo dos dias atuais? O que mudou nesses 30 anos? O fato mais relevante quando comparamos os anos 1980 com o período atual é que antes vivíamos sob o comando de uma Ditadura Militar, sob censura, enquanto que, atualmente, vivemos numa democracia e, mais do que isto, temos um governo comprometido com os trabalhadores. Atualmente, qual é o principal desafio da CUT? Nossa Central é a mais estruturada, preparada e capacitada para ser a principal interlocutora da sociedade. Todos os debates relacionados à política e à economia são de interesse da classe trabalhadora: cidadão que utiliza o transporte público, precisa de saúde e educação de qualidade, tem de ter segurança para ir e vir, abastecimento de água e luz e rede de esgoto em suas residências. Nosso maior desa-
fio é, portanto, representar os trabalhadores de maneira mais ampla. Afinal, passamos oito horas no trabalho e o restante, a maioria do tempo, em muitos casos pelo menos, em nossas casas e, além de melhores condições de trabalho e renda, temos de ter melhores condições de vida. Qual é, hoje, a pauta de reivindicações dos trabalhadores brasileiros? O que é prioridade comum para as diversas categorias? A pauta que queremos destravar no governo e no Congresso Nacional é essencial para toda a sociedade brasileira. Queremos desenvolvimento, cidadania e valorização do trabalho. E isso é prioridade para todas as categorias. Queremos ampliação do mercado de trabalho – com mais e melhores empregos e condições de trabalho –, mais investimentos públicos em infraestrutura e nas áreas sociais e, para finalizar, o fortalecimento do mercado interno. No dia 6 de março, após a Marcha da Classe Trabalhadora, entregamos à presidente Dilma Rousseff a pauta de reivindicações da CUT e das demais centrais sindicais com 11 itens que consideramos fundamentais para o Brasil continuar crescendo, gerando emprego decente e distribuindo renda. Entre esses itens, alguns são prioridades e comuns às mais diversas categorias. Entre eles, destaco a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salário, fim do fator previdenciário, 10% do PIB para Educação e regulamentação da Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que protege o trabalhador contra demissão imotivada, ou seja, contra a rotatividade.
O Governo Dilma dá atenção às entidades sindicais da mesma forma que fazia o ex-presidente Lula? Qual a diferença entre os dois governos? As principais diferenças entre Lula e Dilma são de personalidade, estilo, trajetórias de vida. Para nós, o que importa é que a presidente tenha compromisso com os interesses das trabalhadoras e dos trabalhadores. Neste sentido, não há diferenças. Apoiamos a eleição de Dilma porque seu projeto de governo prevê esse compromisso e é absolutamente contrário à política neoliberal implementada pelo ex-presidente FHC, que prejudicou os trabalhadores com aumento do desemprego, inflação galopante e desrespeito aos direitos conquistados. Unificar as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade é uma proposta que vem sendo defendida por gestões anteriores à sua. Em se tratando de realidades tão diferentes - campo e cidade -, o que vem sendo feito para a unificação da luta desses dois segmentos? A história da CUT em relação à unidade de ação campo-cidade é uma história marcada por grandes lutas. Chico Mendes, Margarida Maria Alves e tantos outros sindicalistas rurais que foram assassinados pelos patrões por defenderem a classe trabalhadora e a floresta servem como símbolos dessa história. Atualmente, estamos organizando o macrossetor dos trabalhadores rurais e apoiamos intensivamente as lutas da Contag, da Fetraf e do MST. Participamos também das grandes campanhas como as cisternas para o Nordeste, a de luz para todos e agora com a campanha Minha Casa Minha Vida.
O que falta para que sejamos um país de fato democrático? Precisamos superar os preconceitos e as discriminações históricas, fazendo uma profunda reforma educacional onde sejam incorporadas a história dos negros, dos índios e dos trabalhadores, além das contribuições regionais. Precisamos também fazer uma nova constituição para democratizar o Judiciário, a Imprensa, a dinâmica partidária e a própria participação dos trabalhadores, de forma tripartite, em instituições como o Sistema S, do Sesi, Sesc, Sebrae etc. O que tem a dizer aos milhares de trabalhadores brasileiros por ocasião do 1º de maio, Dia do Trabalhador? 1º de Maio é data de luta, de reivindicações, de enfrentamento contra o capital, de alavancar as conquistas da classe trabalhadora. Portanto, acima de tudo, é dia de luta. E no 1º de Maio deste ano, cobramos do governo a pauta que entregamos no dia 6 de março. Queremos negociar a redução da jornada para 40 horas semanais sem redução de salário, o fim do fator previdenciário, reforma agrária, 10% do PIB para Educação, regulamentação das convenções 151 e 158 da OIT –
Organização Internacional do Trabalho. Vamos lutar contra o projeto de lei 4.330, de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), cujo substitutivo, do deputado Roberto Santiago (PSD-SP), é uma excrescência, transformando todos os trabalhadores em pessoas jurídicas, colaboradores e não trabalhadores.
“Nossa Central é a mais estruturada, preparada e capacitada para ser a principal interlocutora da sociedade. Todos os debates relacionados à política e à economia são de interesse da classe trabalhadora: cidadão que utiliza o transporte público, precisa de saúde e educação de qualidade (…)” Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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DIREITOS
E agora, como fica a situação dos trabalhadores domésticos? Polêmica, Emenda Constituicional 72 causa insegurança entre trabalhadores
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aria de Fátima de Oliveira, a Fátima, tem 35 anos e é doméstica. Com orgulho, exerce a profissão há mais de 16 anos. Sempre trabalhou “em casa de família”, como costuma dizer. Não tem planos de mudar de profissão, mas passou a ter dúvidas quanto à garantia de seu emprego com a regulamentação da Emenda Constitucional 72, que amplia os direitos dos trabalhadores domésticos. A Emenda entrou em vigor no mês de abril e ganhou as manchetes dos jornais de todo o país. Com a EC 72, todas as alíquotas que serão pagas pelo empregador somam 20% sobre o total do salário. Por conta do aumento das alíquotas e demais encargos trabalhistas, vai ficar bem mais caro para a entidade familiar manter um empregado doméstico. Por isso, a Fátima e milhares de outros trabalhadores têm tantas dúvidas a respeito da garantia de um emprego fixo a partir de agora. Advogada trabalhista Roseany Menezes acredita que a oferta de trabalho formal deve diminuir com a EC. “A equiparação de encargos, em minha opinião, terá um efeito drástico no setor, uma vez que existe uma diferença muito grande entre uma empresa, que possui finalidade eminentemente lucrativa, e uma entidade familiar, que não visa obtenção de lucro algum com o trabalho prestado pela doméstica. O ônus acarretado às entidades familiares, certamente, não será suportado por grande parte dos que hoje empregam, o que, acredito, vai causar uma redução na oferta de emprego formal nesse setor”. Já o presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul (TRT/MS), de-
sembargador Francisco Lima Filho, sugere formas de conter a informalidade desses profissionais: “Deve-se criar algum mecanismo que incentive a formalização da contratação do trabalhador doméstico, como, por exemplo, algum incentivo fiscal. O que não podemos permitir é a redução dos direitos do trabalhador. Como toda mudança, principalmente em razão de ainda não ter sido bem compreendida, poderá, no primeiro momento, causar alguns problemas. Mas, com o tempo, tudo será acomodado. Foi assim com o trabalhador rural, por exemplo”. Jornada A jornada de trabalho é outro ponto polêmico da EC. Como controlar essa jornada no ambiente familiar? Para Roseany, patrões e funcionários terão que contar com a “boa fé”. “É importante dizer que o princípio da ‘boa fé’ deve fazer parte de qualquer contrato de trabalho. Não podemos exigir que uma entidade familiar adquira uma máquina de ponto, como uma empresa, por exemplo. Neste caso, teremos que recorrer ao caderno de ponto e à ‘relação de confiança’ entre as partes, para que as anotações tenham veracidade”, explica. O excedente da jornada de 44 horas semanais deverá ser pago como hora extra. O trabalhador deve receber 50% a mais pelas horas extras trabalhadas. Até as primeiras 40 horas do mês, as horas extras deverão ser pagas ou abatidas no mesmo mês, por meio de folgas ou horas trabalhadas a menos em outros dias. Se as horas adicionais ultrapassarem as 40 horas mensais, a compensação poderá ser feita ao longo do ano.
SIMULACAO SALARIAL COM PAGAMENTO DO FGTS E HORA EXTRA Salário Mínimo = R$ 678,00 O que o empregado paga? 8% do INSS = R$ 54,24 6% de vale transporte = R$ 40,68 678,00 - 54,24 - 40,68 = R$ 583,08 (Salário Líquido) O que o empregador paga? 12% INSS = R$ 81,36 8% FGTS = R$ 54,24 Vale-transporte R$ 5,70 x 26 dias = R$ 148,20 (Valor de Referência de Campo Grande/MS) 20 Horas extras mensais, ou seja, 4 horas extras semanais = R$ 114,64 (Esse valor de hora extra é apenas uma exemplificação) 583,08 + 81,36 + 54,24 + 148,20 + 114,64 = R$ 981,52 (Despesa Total)
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Maria de Fátima de Oliveira tem 35 anos e há mais de 16 anos trabalha como empregada doméstica. Com a aprovação da EC passou a ter dúvidas sobre a garantia de um emprego fixo
Se houver trabalho entre 22h e 5h, o empregado terá que receber adicional noturno de, no mínimo, 20% para cada hora trabalhada. A hora noturna tem 52 minutos. Multa dos 40%, FGTS e INSS Com a nova legislação, o empregador doméstico passará a recolher 20% sobre o salário pago. Desses, 8% serão referentes à contribuição patronal ao INSS; outros 8% serão a contribuição ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS); 3,2% comporão o fundo de demissão, que vai compor a multa de 40% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa; e os 0,8% se referem ao seguro contra acidentes de trabalho. O fundo de demissão, que substitui a multa de demissão, correspondente a 40% de todas as contribuições do empregador ao FGTS, poderá ser sacado pelo empregado apenas em caso de demissão sem justa causa. Em caso de rescisão do contrato de trabalho por justa
causa ou por iniciativa do trabalhador, o valor poderá ser sacado pelo patrão. Todas as alíquotas deverão ser pagas em uma guia única, que também incluirá o recolhimento, pelo patrão, da parte do empregado no INSS e do Imposto de Renda que será retido na fonte. A guia será chamada de Simples Doméstico. Em caso de demissões sem justa causa, o empregado também terá direito, durante três meses, ao seguro-desemprego, de um salário mínimo.
Site facilita cumprimento da EC 72 No início do mês de junho, o Governo Federal lançou o Portal do Empregador Doméstico, o eSocial (www.esocial.gov.br), que vai facilitar a vida do empregador no cumprimento das determinações estabelicidas pela EC. 46 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
No portal estão disponíveis todas as normas já vigentes da EC e as que estão esperando aprovação da Câmara e do Senado. Além de todas as orientações de como cadastrar o empregado, notícias e perguntas frequentes.
O projeto eSocial é uma ação conjunta do Governo Federal, Caixa Econômica Federal, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) Ministério da Previdência Social (MPS) Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).
“Não podemos exigir que uma entidade familiar adquira uma máquina de ponto, como uma empresa, por exemplo. Neste caso, teremos que recorrer ao caderno de ponto e à ‘relação de confiança’ entre as partes, para que as anotações tenham veracidade” Roseany Menezes, advogada trabalhista
Direitos Previstos Na EC 72
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Indenização em caso de demissão sem justa causa Seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) Garantia de Salário Mínimo para quem recebe remuneração variável Adicional Noturno Proteção ao Salário, sendo crime retenção dolosa de pagamento Salário-família Jornada de trabalho de 44 horas semanais Hora extra Observância de normas de higiene, saúde e segurança do trabalho Auxílio creche e pré-escola para filhos e dependentes até cinco anos de idade Reconhecimento dos acordos em convenções coletivas Seguro contra acidentes de trabalho Proibição de discriminação de salário, de função e de critério de admissão Proibição de discriminação em relação à pessoa com deficiência Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 16 anos
“Deve-se criar algum mecanismo que incentive a formalização da contratação do trabalhador doméstico, como, por exemplo, algum incentivo fiscal. O que não podemos permitir é a redução dos direitos do trabalhador” Desembargador Francisco Lima Filho, presidente do TRT/MS Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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HOMENAGEM
O jornalista e o poeta cultivam amizade e boas histórias São pouquíssimos os interlocutores que nos levam ao poeta Manoel de Barros! O jornalista Bosco Martins é um deles. Sendo um de seus mais frequentes porta-vozes, Bosco Martins conhece como poucos a intimidade do poeta e da esposa, Stella, com quem nutre uma amizade de mais de 30 anos. O jornalista já conduziu à Rua Piratininga, em Campo Grande, residência do poeta, personalidades como o então ministro Gilberto Gil, o escritor José Júlio Chiavenatto, o jornalista e também escritor José Hamilton Ribeiro, a atriz Cássia Kiss, entre centenas de famosos e anônimos. Segundo Bosco Martins, embora muito assediado, o poeta atualmente tem se resguardado. A idade avançada tem dificultado a visão e a audição, provocando incômodo no contato com os admira48 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013
dores. Manoel de Barros tem evitado as entrevistas, mesmo com perguntas previamente enviadas, que são geralmente respondidas à mão pelo próprio poeta. Bosco Martins revela que a média é de 100 pessoas por mês, que gostariam de conhecê-lo ou que enviam textos ou cartas, expondo carinho e admiração por ele. “O Manoel de Barros se transformou num superstar da poesia e, claro, não consegue atender a todos, mesmo desejando e mesmo querendo”, diz o jornalista. A seguir, uma homenagem do jornalista Bosco Martins ao poeta e à esposa Stella, numa referência ao movimento dos anos de 1980 em Mato Grosso do Sul, época de efervescência cultural em que o já então septuagenário Manoel de Barros foi descoberto e apresentado ao mundo.
Manoel de Barros e Bosco Martins
MANYPHESTO DE VANGUARDA PRYMITIVA Vanguarda primitiva Regresso ao futuro Palavra-alma guarani Chamas & orvalho Origem própria original originalidade selvagem A fala dos loucos dando flores Todos os dialetos possíveis Inventados encantados alucinados Dialeto-rã Dialeto-pedra Dialeto-fogo Dialeto-bosta A beleza das coisas nunca vistas Adivinhação divinação divinare Em vez do plágio sutil Vidência O aproveitamento de todas as ancestralidades desprezadas Vanguarda primitiva: os dicionários de pedra, de areia, de água, de árvore O poeta lambe as palavras e alucina o idioma; Para que o idioma volte a dar encantamento, um coração quente, com um olho de pássaro Você pode ver o mundo De modo diferente Vanguarda primitiva: Amor sem data de vencimento Invenção em vez de cópia Bárbara e nossa como queriam rimbaud baudelaire oswald Agora o andarilho Lambe as palavras até que elas produzam uma alucinação que renova sentidos do mundo no coração. Duas, três câmeras na mão e mil ideias fervendo na cabeça, nas veias, nos testículos, no corpo todo.
Depois de lamber as palavras O andarilho caminha alucinado Atravessa Paris Rio de Janeiro Oropas Nova Yorque e reaparece por encantamento na beira do Rio Paraguai ou na remota província de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul ao mesmo tempo. Vanguarda primitiva: o português mágico manoelês arcaico à imagem das máfias das academias de letras e de outras máfias letradas Luz câmera poesia em ação Nas margens do mundo onde o céu se confunde com as águas O olhar dum pássaro é uma lente de panavision Sem hollywood-money nos bolsos O poeta lambe as palavras e o idioma se alucina para sempre Uma luz torta Uma luz rupestre Uma luz vegetal Uma luz de vanguarda primitiva Uma luz diferente Uma luz que não se pode comprar nas lojas da capital Agora um andarilho pode ser oito andarilhos Ayores guaranis terenas bororos xavantes kinikinau guatós O amor o humor os paradoxos encantatórios O voo da palavra O canto do peixe O perfume do mistério Vanguarda primitiva Um mergulho no desconhecido Das diferenças No mistério da luz do Pantanal Revista ATUAÇÃO | Julho 2013 |
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SEMIVAZIO
ACOMPANHE A FETEMS NAS MÍDIAS SOCIAIS
Jogar sentimentos aos ventos e desejar que chovam mágoas
por sobre o nosso telhado de vidro
gritar o maior de todos os gritos e esperar que os ecos redobrem
todos os nossos lamentos e fugir para a barra do orgulho ferido
facebook/fetems
e instalar-se nas areias da praia do esquecimento
e refastelar-se na preguiça da desistência e concluir quão inútil é produzir
ondas para um mar revolto trilhas nas dunas confusas frutas num pomar de pimenteiras
e as vidas inteiras
twitter/fetems
ver imagens difusas num pensar absorto desse não existir
quão tolo construir-se castelos num rincão despovoado... desculpas a se pedir pela pretensão
youtube/fetems
pela prepotência de querer-se
que todos sonhem os NOSSOS sonhos!
Ademir Cerri
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Rua 26 de Agosto, 2296 - Bairro Amambaí Campo Grande - MS Cep 79005-030 (67) 3382-0036 / (67) 3321-5116 fetems@fetems.org.br
www.fetems.org.br 52 | Revista ATUAÇÃO | Julho 2013