R E V I S T A
UMA PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL
EDIÇÃO 06 | MARÇO 2013
Pág 22
Pesquisa elaborada para tese de doutorado do professor Marcos Paz abordou aspectos da violência dentro da comunidade escolar.
Aniversário
FETEMS completa 34 anos de história, lutas e conquistas. Pág. 10
Personalidade
Merendeira com orgulho, Dona Cidinha, relata uma vida dedicada à escola pública. Pág. 20
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EXPEDIENTE
WWW.FETEMS.ORG.BR Rua 26 de Agosto, 2.296, Bairro Amambaí. Campo Grande - MS CEP 79005-030. Fone: (67) 3382.0036. E-mail: fetems@fetems.org.br
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Redação e Produção Íris Comunicação Integrada Rua Chafica Fatuche Abusafi, 200 Parque dos Poderes - 79036-112 Campo Grande/MS + 55 67 3025.6466 Diretora de criação: Nanci Silva Diretor de arte: Ivan Cardeal Nunes Jornalista responsável e editora: Laura Samudio Chudecki (DRT-MS 242) Revisão: Vanda Escalante (DRT-MS 159), Mário Márcio Cabreira (DRT-MS 109) Colaboraram nesta edição Vanda Escalante Carol Alencar Fotos Wilson Jr. Elis Regina Jefferson Ravedutti (SIMTED Ponta Porã)
Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, a opinião da revista.
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DESTAQUES
Sarobá ..................................................................................................................................................07 Ação cultural leva para as ruas de Campo Grande as diversas expressões da arte regional
FETEMS .................................................................................................................................................10 Maior entidade sindical do Estado completa 34 anos de história
Entrevista ...........................................................................................................................................16 Emmanuel Marinho deixou os grandes centros culturais do país, voltou às origens e se tornou uma referência da cultura sul-mato-grossense
Capa .....................................................................................................................................................22 Pesquisa revela que maioria dos casos de violência na escola está ligada as dificuldade de relações interpessoais
Especial Mulher ................................................................................................................................30 Tendências, estilos, comportamentos, sentimentos e aspirações: esses são os elementos que compõem o perfil da mulher moderna
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EDITORIAL
Escola é lugar de educação e não de agressão “A prática da compreensão é vital contra pestilências humanas, como o desprezo e o ódio. Quem compreende isso deixa de odiar”. Edgar Morin A sexta edição da Revista Atuação chama os leitores para uma reflexão sobre um tema que afeta a sociedade de um modo geral: a violência. Uma pandemia mundial que adentra nossas vidas, nossas escolas e nossos lares, roubando-nos o direito a uma convivência pacífica. Quem, nos dias atuais, nunca presenciou ou foi alvo de um ato de violência? Não importa como ela se manifesta – corporal, verbal, emocional –, todos já sentiram, de algum modo, seus efeitos, muitas vezes, devastadores e irreparáveis. É impossível classificar em qual espaço da sociedade a violência é mais prejudicial. Contudo, podemos afirmar que a violência no ambiente escolar está ganhando contornos de barbárie, com consequências imensuráveis. Infelizmente, a mídia tem veiculado com frequência casos de violência nas escolas de todo o mundo. Alunos sem limites, pais sem autoridade e uma escola em meio a transformações sociais efêmeras, buscando construir um novo papel, uma nova identidade. Nós, educadores, inseridos neste contexto, precisamos refletir e agir. Como nos alerta o sociólogo Edgar Morin, é necessário exercitar a compreensão. “Isso deveria começar nas classes infantis, ensinando aos meninos e meninas que brigam entre si, a sair do círculo vicioso no qual a ofensa de um provoca a ofensa no outro”. Também é fundamental e imprescindível investir na cultura da paz, indo além dos muros da escola. Escola é lugar de educação, e não de agressão. É na escola que aprendemos que somos cidadãos, que temos direitos e deveres. É, também, na escola que devem residir os princípios de respeito, moral e ética. O estudo, aliado à tríade respeito, moral e ética, garante a dignidade e a liberdade do ser humano. Para combater a violência, também é preciso combater as desigualdades sociais, entre elas, a pobreza. Pobreza gera exclusão, exclusão gera violência. A reportagem de capa desta edição é uma oportunidade para repensarmos nosso papel enquanto educadores, cidadãos e formadores de opinião. Como diria o eterno Paulo Freire, “se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”. Boa leitura! 6 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
Roberto Magno Botareli Cesar Presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul
CULTURA
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M
as o que é Sarobá? É o que a maioria das pessoas, provavelmente, deve se perguntar. Se você, também, quer saber como é o evento de rua que ganhou adeptos e a simpatia dos campo-grandenses, venha com a gente redescobrir ritmos, cores e sabores dos bairros e recantos da bela Cidade Morena. O Sarobá é uma ação cultural de caráter coletivo e espontâneo. Foi idealizado com o objetivo de estreitar as relações humanas, criando um espaço onde as pessoas possam contar suas experiências de vida, trocar ideias, mostrar talentos, onde possam esquecer seus medos e ser aceitas, sem preconceito ou discriminação. Pode-se dizer que o Sarobá começou parecido com um sarau. Os primeiros encontros do Sarobá aconteceram num bar, na esquina das ruas da Imprensa e Rui Barbosa, no São Francisco, um dos bairros mais antigos da capital sul-mato-grossense. No São Francisco, o Sarobá ficou por algum tempo, virou um ponto de encontro de amigos e de pessoas que se identificavam com a proposta. Um dia, o bar que servia de teto para as reuniões do Sarobá, fechou. E para onde ir? Sem teto, os idealizadores do Sarobá, que, também, compunham o Teatro Imaginário Maracangalha, decidiram ganhar as ruas da cidade – unindo poesia, música, dança, teatro, artesanato e todas as formas de expressão artístico-cultural. Com isso, o Sarobá se tornou móvel, mutante, uma festa que muda de lugar, mais ou menos assim. Os itinerantes levam cultura, alegria e diversão para bares, praças e pontos históricos da cidade. E esse nome, Sarobá? Bom, o nome foi inspirado na obra do poeta corumbaense Lobivar Matos, publicada no ano de 1936. O 8 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
poeta abordava a vida do bairro negro da Cidade Branca, vida marcada pela miséria. O popular e o social eram temáticas da literatura do autor. A proposta do nome foi apresentada pelo ator e diretor de teatro Fernando Cruz, em um concurso realizado pelo proprietário do bar no São Francisco, Edson José. Na época, o bar também foi batizado de Sarobá. Agora, as edições do Sarobá acontecem a cada dois meses, e as atividades têm duração de dois dias. O primeiro dia é dedicado ao seminário Arena Aberta,
Bar da Dona Carmem
com algumas palestras e alguns debates com a plateia. No segundo dia, acontece a Festa-Sarau com shows, sarau, teatro, dança, poesia, artes visuais, artesanato, bolicho e escambo. A primeira edição de 2013 fez menção ao Carnaval e aconteceu no Bar Pingo de Ouro, popularmente conhecido como Bar da Dona Carmem, também na região do São Francisco. Com o tema Sambas, Bambas e Cateretês (trecho de uma das poesias de Lobivar), o Coletivo Sarobá deu movimento à rua, à calçada e ao bar. A trupe constituiu um cenário colorido, misturando fantasia e realidade. Tambores, bumbas e versos prenderam a atenção dos curiosos transeuntes.
Nilton Couto, na sanfona. A dupla fundou o grupo Pingo de Ouro, que apresenta um repertório voltado para o sertanejo de raiz ou, como ela mesma diz, música caipira. “Nada me deixa triste, nem cliente bebum. Quando alguma coisa está para pegar, eu canto e espanto essas energias”, revela. Ícones como a pinga com guavira (genuinamente pantaneira), o pastel de carne e os tapetes feitos com retalhos, que Dona Carmem customiza, revelaram a contribuição à nossa cultura e fizeram parte do cenário da festa. Artistas, produtores, estudantes, amantes da arte e cultura, pensadores, poetas e pessoas que apreciam uma boa música formaram o público do Sarobá.
Aos 76 anos, Dona Carmem vive há 53 no mesmo lugar. Lá, ficou viúva de dois maridos, criou filhos, netos e bisnetos. Dedicou-se dia a dia ao bar e à clientela. O estabelecimento soma 50 anos de tradição e é, até hoje, o sustento da família. A música é a grande paixão de Dona Carmem. Entre os intervalos de um cliente e outro, um ensaio. Ela no violão e o genro,
A primeira edição de 2013 fez menção ao carnaval e aconteceu no Bar Pingo de Ouro, popularmente conhecido como Bar da Dona Carmem (...) Tambores, bumbas e versos prenderam a atenção dos curiosos transeuntes.
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CAPA
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FETEMS completa 34 anos de lutas e conquistas A maior entidade sindical do Centro-Oeste representa mais de 22 mil servidores municipais e estaduais, o que equivale a 45% do funcionalismo público de Mato Grosso do Sul
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curso de remoção do magistério, e a realização do concurso público para o magistério e para os administrativos da educação, no primeiro semestre de 2013. A FETEMS comemora os 34 anos de fundação no dia 3 de março de 2013 e reconhece que ainda existe muita luta pela frente, mas se pauta nas conquistas obtidas para continuar a batalha pela educação pública de qualidade, uma educação que seja mais justa, humana e igualitária.
A
história da maior entidade sindical de Mato Grosso do Sul se confunde com a história do próprio Estado. Os tempos eram de mudança e desafios e, para a categoria da educação, uma grande luta era defender os interesses dos trabalhadores, fazendo frente à prática das nomeações e contratações pautadas pela influência política. Na década de 1980, havia muito a se fazer. A educação era precária em todos os sentidos, não havia condições estruturais, faltavam escolas, não existia concurso público, não havia uma carreira estabelecida. Na pauta de reivindicações, com as questões salariais, sempre esteve a luta por uma educação de qualidade, bem como pela valorização profissional da categoria, tanto professores quanto administrativos. A capacidade de organização foi determinante para consolidar o movimento e hoje, ao completar 34 anos de fundação, a FETEMS já é a maior entidade de todo o Centro-Oeste brasileiro: reúne 72 sindicatos municipais filiados, mais de 22 mil trabalhadores na base e representa 45% do funcionalismo 12 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
público de Mato Grosso do Sul. Ao longo do tempo e somando avanços, o movimento sindical foi passando por grandes transformações. Atualmente, já não exige tanto uma postura de enfrentamento, mas sim, de manutenção das conquistas e renovação das bandeiras de luta. O ano de 2012 foi marco de grandes vitórias para a FETEMS. Em meio a protestos, reivindicações, muita luta e persistência, foi possível garantir direitos e efetivar conquistas. Entre elas, a retomada de negociações com o governador André Puccinelli, que resultou na reformulação da Lei Complementar 0087/2000. A legislação unifica a carreira de administrativos e professores, acrescentando oito mil profissionais ao Estatuto da Educação Básica, amplia a promoção funcional e regulamenta a implantação de 1/3 da hora-atividade, a partir de 2014. A unificação da carreira é uma reivindicação que vinha sendo debatida por mais de 20 anos. Outros pontos conquistados são a política salarial do magistério, contemplando a política salarial nacional, a progressão funcional dos administrativos da educação, a realização do con-
Depoimentos
Personagens que ajudaram a construir a maior entidade sindical de Mato Grosso do Sul
“Nossa entidade nasceu com a criação do Estado de Mato Grosso do Sul. Na época, não tínhamos estrutura alguma. Negociávamos com os professores do interior e da capital, até chegarmos num consenso, de que éramos todos responsáveis pela fundação da entidade que nos representaria. Levou um tempo, mas conseguimos. Começamos do zero e na labuta! Lembro-me do primeiro Estatuto do Magistério, que foi elaborado por professores unicamente indicados pela FEPROSUL. Sinto-me feliz e ciente de toda a minha contribuição como primeiro presidente da maior entidade sindical do Estado. Ainda pretendo escrever um livro, contando na íntegra toda essa história”. Eusébio Garcia Barrio Ex-presidente da FETEMS 1979 a 1980 e 1981 a 1982
“Ainda éramos Mato Grosso e a FETEMS era um movimento que vinha na esteira da divisão do Estado para Mato Grosso do Sul. Nossa entidade nasce com a criação do Estado. Foi um desafio enorme, porque era um momento propício para mudanças. Foi um período de muita luta, de muito trabalho, porque não havia ninguém com experiência, e nos identificamos para construir o que, atualmente, é de muita valia. Tenho certeza, que todos que atuaram na fundação sentem-se honrados por este legado. Nos dias atuais, a educação pública de Mato Grosso do Sul tem um nível de desenvolvimento, de qualidade e, deve isso à organização sindical, porque os líderes sindicais participaram dos grandes debates nacionais ao longo da história, levaram propostas daqui e trouxeram outras propostas de melhorias para a educação local. Neste período, nós pudemos experimentar avanços que outros Estados ainda não têm; portanto, isso nos torna referência.”
Antônio Carlos Biffi Atual Deputado Federal pelo PT e ex-presidente da FETEMS por três mandatos 1983 a 1984; 1985 a 1986 e 1990 a 1992
“O período em que estive à frente da FEPROSUL, atual FETEMS, foi um período muito difícil para educação pública do Estado. A educação e os trabalhadores estavam desamparados. Constantemente, realizávamos greves, mobilizações e protestos. Lutávamos pelo pagamento do salário em dia, pela eleição para diretor nas escolas, pela criação do plano de cargos e carreira e pelo Piso Salarial – reivindicações que se transformaram, ao longo dos anos, em direitos garantidos, frutos de muitas lutas e união dos trabalhadores em educação. A FEPROSUL mudou a história do movimento sindical sul-mato-grossense. É muito gratificante ver os resultados de uma história que teve início há décadas”. Elza Maria Jorge Ex-presidente da FETEMS 1987 a 1989
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“Lembro-me de que uma de nossas marcas era tentar manter os salários em dia. Tinha época, que o governo pagava em dia, e outras, que em virtude das dificuldades em caixa, efetuava o pagamento por regiões. Outra lembrança é a luta pela eleição de diretor nas escolas. Conquistamos o direito de eleger nossos diretores em 1991. Em determinada situação, eu havia me candidatado a diretor, e nosso grupo foi eleito. Aquela eleição foi minha base para eu chegar à presidência da FETEMS – nossa campanha da Federação tinha um lema: 93, três outra vez – que se referia aos três salários mínimos como Piso Salarial para a categoria. Enfrentamos um governo avesso aos educadores, um período difícil. Porém, nossa luta não foi em vão. Estamos colhendo o que plantamos. É muito gratificante”!
François de Oliveira Vasconcelos Ex-presidente da FETEMS 1993 a 1995
“O período em que estive na FETEMS como presidente foi uma época de muita efervescência política em todo o Estado, marcada por total descaso com a sociedade sul-mato-grossense, em especial, com o funcionalismo público: salários atrasados, carreiras desrespeitadas, corrupção e total desgovernação. Um caos, o campo, a cidade e os movimentos sociais em pleno fervor de mobilizações e manifestações com muita criatividade e garra para mudar o que precisava ser mudado. Gostaria de citar o fórum dos servidores do Estado, que teve um papel muito importante: a mobilização dos funcionários para garantir as jornada de seis horas e a luta para receber os salários em dia. Foi uma época de tempos muitos difíceis, mas, também, de garra e mobilizações. Nestes 34 anos, fomos protagonistas dos momentos históricos de nosso Estado e do país. Foi uma honra muito grande fazer parte desta história, sendo presidente da minha entidade profissional, ser protagonista de um momento histórico com mulheres e homens que seguem defendendo a educação pública e valorização dos seus profissionais... seguimos com nossos sonhos e nossas utopias”. Fátima Aparecida da Silva Atual secretária de Relações Internacionais da CNTE e ex-presidente da FETEMS 1996 a 1998 e 1999 a 2002
“Acredito que foi um período em que houve várias modificações. Conseguimos trabalhar a liberdade sindical, e as várias correntes tinham vez e voz. Foi também um período um tanto conturbado, por conta de que as correntes majoritárias lutavam para que a política se modificasse. Mas, foi de uma evolução muito grande, tanto que hoje, nas eleições da FETEMS forma-se chapa única, o que demonstra que todos aprenderam a conviver”.
Mara Eulália Carrara da Silva Ex-presidente da FETEMS 2002 a 2004 14 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
“Eu praticamente vivi essa história da FETEMS nas ruas, no dia a dia, no decorrer da história, tenho um conhecimento amplo do que a FETEMS representa e o que ela significa para a evolução das escolas de Mato Grosso do Sul. Quando a FETEMS ampliou os interesses, passando a atender todos os trabalhadores da educação, foi uma evolução, uma posição de vanguarda. Obtivemos uma plenitude na educação no final dos anos 1990, mas nosso maior desafio, ainda hoje, está na modernização das escolas, na universalização do acesso à Educação Infantil e na luta pelo Plano Nacional de Educação. O movimento sindical está diferente, mais preparado tecnicamente, e estamos bastante ativos.”
Jaime Teixeira Atual tesoureiro da FETEMS e ex-presidente da entidade 2005 a 2008 e 2009 a 2012
“Ao falar dos 34 anos da FETEMS, confesso que fiquei emocionado. Relembrei vários momentos da minha história no movimento sindical. Já tenho 20 anos de militância, e minha história está entrelaçada à história da FETEMS. Revivi momentos ao lado de companheiros como o Biffi, o Jaime, a Fátima e outros que me antecederam e foram de suma importância para que a FETEMS chegasse ao que é hoje. Foram muitas lutas e muitas conquistas – ações que fizeram da FETEMS a maior entidade sindical do Estado, com aproximadamente 25 mil filiados. Tenho certeza que a cada passo dado, a nossa federação se torna mais forte e atuante. Como diria o eterno Paulo Freire, não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”. Roberto Magno Botareli Cesar Atual presidente da FETEMS 2012 a 2015
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Versatil
ENTREVISTA
Música, teatro, educação, literatura e artes visuais compõem o trabalho de Emmanuel Marinho 16 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
A
os 56 anos, Emmanuel Marinho é uma referência da cultura sul-mato-grossense. Poeta, ator e educador, Emmanuel deixou duas décadas de vivência nos grandes centros culturais brasileiros e retornou para suas origens na cidade de Dourados, onde coordena, desde 1993, oficinas de leitura, mostras culturais, festivais e uma série de atividades que asseguram acesso à cultura e melhoram a qualidade da educação. Revista Atuação – Ao unir poesia, teatro, música e literatura, você fez da versatilidade uma das marcas do seu trabalho, que, também, é instrumento de arte-educação. Como você próprio define a arte de Emmanuel Marinho? Emmanuel – Sou um “brincante”, que trabalha na fronteira das diferentes linguagens das artes. A minha poesia está mais próxima da música, das artes visuais e do teatro do que da literatura propriamente dita, e o teatro que faço é todo tecido pela poesia. Este é o meu trabalho, um cantador que brinca com as palavras, que canta a sua terra e as cidades que nos habitam. Revista Atuação – Durante cinco anos, de 2006 a 2011, você foi coordenador de Cultura da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Qual a sua avaliação sobre esse período? Que resultados você aponta? Emmanuel – Foi um momento muito importante em minha vida, ali atuava o poeta-educador, um momento inaugural, uma universidade que nascia, tudo para ser criado. Na minha gestão, criamos a sala de exposições, cineauditório, cineclube, Festival Internacional de Teatro, Mostra Sul-Americana de Música, encontros de leitura, oficinas de todas as artes, celebrações que aconteciam mensalmente, com shows de artistas da casa e de grandes nomes da música po-
pular brasileira. A implantação do curso de Artes Cênicas, que, em 2012, formou sua primeira turma. Tudo foi uma grande conquista. Ressalto, ainda, o trabalho sociocultural com a implantação de vários pontos de leitura; pontos de teatro; o resgate da tecelagem indígena; ponto de hip-hop na aldeia indígena, que revelou o grupo de rap indígena Brô Mc’s e tantos outros projetos que fizeram a diferença em Dourados, contribuindo, sobremaneira, com o desenvolvimento cultural da cidade. Revista Atuação – Entre os diversos projetos que desenvolveu e coordenou, estão várias atividades de incentivo à leitura em Dourados. Que tipo de transformações projetos como os encontros de leitura e as oficinas de contação de história são capazes de provocar? Emmanuel – A leitura é uma ferramenta poderosa para se ler o mundo, instrumento fundamental na construção de uma educação de qualidade, possibilita novos olhares sobre o mundo e para o exercício pleno da cidadania.
“Como artista, sou um andante, recebo convites de varios lugares e, assim, vou contando historia e cantando minha terra por este mundo”
No início dos anos 1990, fui convidado pela Biblioteca Nacional, por meio do programa Nacional de Incentivo à Leitura [Proler], a ministrar oficinas de leitura e palestras em diferentes regiões do país, experiência valiosa de trocas e aprendizagem. Esta vivência possibilitou que eu criasse um comitê de leitura em Dourados para realizar esses encontros também em minha cidade. A cada encontro, recebíamos mais de 600 educadores de todo o Mato Grosso do Sul, oferecendo oficinas, palestras, workshops, minicursos, seminários, lançamento de livro, assegurando o acesso à cultura para diferentes segmentos da sociedade, por meio desses educadores, multiplicadores do conhecimento em leitura. Vale ressaltar que significativos nomes da cultura brasileira e internacional participam desses encontros, como Bartolomeu Campos Queirós, Frei Beto, Ezequiel Theodoro, Bartomeu Meliá, Moacyr Scliar, Francisco Gregório, entre outros. Revista Atuação – Como você define os projetos desenvolvidos junto à comunidade escolar e aos grupos de terceira idade? Emmanuel – O acesso à cultura deve ser propiciado a todas as classes e grupos sociais. Só a arte salva! Foi uma experiência gratificante ter trabalhado com a terceira idade, levando para este grupo momentos de alegria e de conhecimento. Quanto à comunidade escolar, é um trabalho contínuo, que desenvolvo desde 1980, essencial por contribuir para uma educação com mais qualidade, voltada para a educação dos sentidos, possibilitando a formação de alunos e educadores mais atuantes, criativos e críticos. Revista Atuação – A crítica social e a defesa dos povos indígenas sempre foram marca de seu trabalho e renderam, inclusive, prêmios a suas obras. Como Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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“O acesso a cultura deve ser propiciado a todas as classes e grupos sociais. So a arte salva!” você define sua ligação com essa temática? Emmanuel – É uma forma do artista mostrar sua indignação com esses cenários que a civilização nos apresenta, dar voz aos oprimidos e denunciar os opressores através da arte. Revista Atuação – Diferente de outros artistas, mesmo com trabalho e trajetória reconhecidos e fartamente premiados, você continua vivendo e trabalhando em Dourados. Por que essa opção? Emmanuel – Durante 20 anos, morei em São Paulo e Rio de Janeiro; em 1993, voltei para Dourados, que sempre foi meu porto seguro, para ficar mais próximo da família e dos amigos daqui. Quanto ao trabalho, continuo atuando em outros lugares, assim como em minha cidade. Como artista, sou um andante, recebo convites de vários lugares e assim vou contando história e cantando minha terra por este mundo. Revista Atuação – Pela sua vivência junto às comunidades escolares, é possível fazer uma avaliação da educação brasileira? Emmanuel – Sim, precisamos de uma escola que trabalhe questões ligadas à educação do olhar e dos sentidos, uma educação voltada para as humanidades, que incentive diferentes leituras 18 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
do mundo, o contato com a natureza e com a arte. Precisamos de muita arte nas escolas, professores que sejam educadores e criadores, que levem o conhecimento de forma lúdica, com alegria e encantamento para a sala de aula. Uma escola que contribua para a sensibilidade, formando cidadãos críticos, criativos e atuantes, fazendo da sala de aula um ambiente propício para a geração de ideias e de práticas culturais. Os educadores que atuam hoje, na educação brasileira, são frutos do que aconteceu nos anos de 1960 e 1970, quando eram alunos, no projeto MEC/ USAID, implantado em nosso país pelo governo americano, em parceria com a ditadura militar brasileira. Reformularam uma educação que era voltada para as humanidades, para uma educação tecnicista, dirigida para favorecer as grandes corporações internacionais, nacionais, o capital e o consumo. Paisagem que a gente assiste todos os dias, nos mais diversos meios de comunicação do país. Precisamos estar sempre atentos a nossa história, a nossa memória e desvendar esses e outros acontecimentos que maculam a educação no Brasil. Só assim, poderemos criar novos caminhos e novas perspectivas de transformações efetivas e afetivas na educação brasileira.
“Precisamos de uma escola que trabalhe questoes ligadas a educacao do olhar e dos sentidos”
Inquietações e desafios na escola Priscila Pereira Boy 148 páginas Editora Wak Fonte: Site Nova Escola; autor da Resenha: AIRTON CARDOSO, mestre em Ciência da Educação e consultor educacional
O livro conduz o leitor a questões fundamentais para a Educação no século XXI. Ao longo das páginas, constata-se que o Brasil é grande, mas os desafios e as inquietações dos nossos profissionais são comuns. Para começar, a autora apresenta um breve histórico das correntes pedagógicas, organizadas dentro de três grandes teorias: a liberal, a progressista e a evolucionária. Em cada uma delas, dados sobre seus pensadores, o papel a que a escola se propõe, os conteúdos abordados, o método utilizado, a relação estabelecida entre o professor e os alunos, a concepção de aprendizagem e os principais seguidores. A função da escola no processo de inclusão de tantos excluídos (negros, mulheres e homossexuais, entre outros) é colocada de forma clara e objetiva e acrescida das políticas públicas vigentes no país acerca do tema. Já o vínculo entre a intolerância e a violência é abordado por meio de pesquisas feitas em escolas de todo o Brasil. No conjunto, o livro demonstra a fragilidade das relações estabelecidas na escola, onde tudo se entrelaça: a exclusão gera a violência, que causa dificuldades de aprendizagem e resulta em frustração, afetando, assim, a carreira docente.
Dicas para uma boa leitura
Atividades para o desenvolvimento da inteligência emocional nas crianças Textos Grop Ilustrações Ana Zurita 192 páginas Editora Ciranda Cultural
A Inteligência Emocional é um dos aspectos mais importante de uma pessoa. Possuir inteligência emocional promove as relações com os demais e consigo mesmo, melhora a aprendizagem, facilita a resolução de problemas e favorece o bem-estar pessoal e social. Nesta obra, são trabalhados cinco blocos de competências emocionais, um bloco por capítulo: consciência emocional, adequação emocional, autonomia emocional, habilidades socioemocionais e habilidades para a vida e o bem-estar emocional. Em cada capítulo, um grande número de atividades e exercícios é proposto para ajudar os educadores a desenvolver a inteligência emocional das crianças. Adquirir e ensinar inteligência emocional não são tarefas fáceis. É necessário treinamento e muita prática. Por isso, a obra é uma ferramenta fundamental para os educadores e pais, que encontrarão nela exemplos de como abordar e avançar esse tema nas crianças entre 8 e 12 anos.
Fonte: http://www.magiadaleitura.com.br
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PERSONALIDADE
Dona Cidinha .. orgulho de ser merendeira e amor à arte de cozinhar
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A
felicidade sempre esteve presente no ritmo de vida de Maria Aparecida da Costa Souza, a dona Cidinha. Aos 48 anos, ela não mede esforços para fazer sempre o melhor para atender as pessoas, principalmente as crianças da escola onde trabalha. Dona Cidinha é merendeira, “com muito orgulho”, e, desde a hora que levanta, às 4h45 da manhã, está disposta a servir. “A cozinha é uma peça importante na minha vida; faço na cozinha da escola o que eu faria em casa, porque o amor é tudo na arte de cozinhar, e é com amor que vivo”, exclama dona Cidinha. Atualmente, ela atende 325 alunos, no período da manhã, na Escola Estadual Elvira Mathias de Oliveira, no bairro Santo Eugênio, em Campo Grande. Nascida na área rural de Campo Grande, dona Cidinha conta que sempre teve o sonho de trabalhar dentro de uma escola. Ela começou na faxina e, desde então, sentia-se privilegiada em estar onde sempre quis estar. Depois que prestou concurso público para o administrativo escolar, ela ficou na espera durante quatro anos, até ingressar de vez na cozinha e se tornar a merendeira mais conhecida do bairro. “Não gosto de me gabar, mas até as mães de alunos me falam que sentem o cheiro da minha comida do lado de fora da escola, isso é demais de gratificante”, conta. E o reconhecimento entre a comunidade também a faz feliz. “Até conselhos para alunos e mães eu dou, porque acho que, se estou ali, é para ajudar. E a gente, que fica o tempo todo na escola, passa a fazer parte da família dos alunos”, avalia. Casada há mais de 30 anos, Cidinha teve apenas uma filha e tem uma paixão imensurável pelos três netos, Talisson (10), Renan (7) e Juan (3), que estudam na mesma escola em que ela trabalha. “Eles são minha alegria... mas se tiver que corrigir, eu corrijo. E,
“Na minha época, a gente tinha vergonha de o professor chamar a atenção na frente de todo mundo” quando eles estão na escola, consigo separar bem, porque o tratamento é igual a todos os outros alunos”, diz. Cardápio Para dona Cidinha, o segredo para cozinhar com amor está associado à maneira de preparar as coisas na cozinha. A merendeira explica que o cardápio é definido com antecedência e, de acordo com ela, a preferência das crianças serve de inspiração. “Como já fica definido o cardápio da semana, a gente sempre chega inspirada para cozinhar. O que as crianças mais gostam é do arroz carreteiro”, conta. Entre as outras receitas servidas nas cumbucas dos pequenos, também fazem sucesso a macarronada com molho vermelho, as saladas, o arroz com calabresa ou linguiça e, esporadicamente, algum prato com sardinha. Educação Ativa em movimentos relacionados aos trabalhadores da educação, dona Cidinha é presença assídua no movimento sindical de Campo Grande e leva consigo todas as experiências adquiridas
nos 20 anos dentro da escola. “Eu sempre participo dos congressos promovidos pela FETEMS, porque acho importante estar a par desta evolução. A sociedade fica melhor se todos se envolverem e harmonizarem com o ambiente de trabalho e para o próximo”, conta a merendeira, que já esteve em Coxim/MS, Jardim/MS, Três Lagoas/ MS e Brasília/DF, aprendendo e partilhando experiências com representantes dos administrativos da educação pública. Sobre o ensino dos dias de hoje, dona Cidinha enfatiza: “Na minha época, a gente tinha vergonha de o professor chamar a atenção na frente de todo mundo. Hoje em dia, a criançada desafia o professor. Acredito que boas atitudes têm que começar em casa, com o respeito ao próximo e aos pais; a base deve vir de casa e ser estendida à escola”. Dona Cidinha considera, ainda, que muito desse “descaso” vem dos pais, que “deixam as crianças na escola e não participam da educação dos filhos”. “Vejo muitas mães que largam a criança na escola e não se empenham para a criação e até mesmo para o futuro do filho e, depois, vem culpar a escola por conta da personalidade que o filho tem. Isso sim é errado, e se você não souber dialogar, ele se torna alvo das maledicências que há no mundo”, conclui.
“A gente, que fica o tempo todo na escola, passa a fazer parte da família dos alunos” Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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CAPA
Pesquisa mostra a realidade cotidiana e aponta caminhos para repensar a convivência no espaço escolar
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Q
uando se fala em violência na escola, qual a primeira imagem que vem à cabeça? Vandalismo? Depredação do patrimônio? Agressões físicas? Franco-atiradores fazendo vítimas na pré-escola? Ou a morte do diretor de escola em Nova Andradina no ano passado? Ainda é recente na memória, a tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, em 2011, quando um ex-aluno, de 23 anos, invadiu a escola e matou a tiros 12 crianças, ferindo outras dez. Em dezembro passado, em Newport, Connecticut (EUA), 20 crianças e seis adultos foram mortos por um atirador de apenas 20 anos. Mas qual ou quais motivos levam crianças e jovens a cometerem atos de violência em um ambiente onde o respeito, a amizade, a educação e a disciplina deveriam prevalecer? A pesquisa desenvolvida pelo professor Marcos Paz para sua tese de doutorado em Educação abordou o assunto. “Buscamos identificar o que de fato é essa violência, como se dá, de que forma é encarada, enfrentada ou incorporada no cotidiano escolar, com o objetivo de promover o enfrentamento da questão. Não queremos dar uma receita pronta, mas esse diagnóstico é necessário no sentido de apontar caminhos”, explica. Professor da rede pública estadual em São Gabriel do Oeste, desde 2000, Marcos Paz já havia trabalhado tema relacionado à disciplina dentro da escola quando fez mestrado em Educação, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em 2005. Agora, para o doutorado, ainda pela UFMS, escolheu o tema “Violências na Escola”. Como é também representante sindical, obteve a parceria da FETEMS para realizar a pesquisa e optou pelo tratamento dos dados a partir da visão dos trabalhadores em educação. 24 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
De acordo com o professor, a maioria dos casos registrados nas escolas está ligada a dificuldades nas relações interpessoais (de professor com aluno, aluno com aluno, aluno com funcionário, com a comunidade de forma geral) e com a própria rotina escolar. “Repete-se muito o jargão de que o pai tem que estar presente na vida escolar do filho, mas não é tão simples assim. O cotidiano escolar é que está desconectado da comunidade, não há uma vivência da comunidade com a rotina escolar, e isso foi identificado como causa das situações de violência. Ficou muito claro que o fundamental é a questão do convívio, da harmonia e da convivência no espaço escolar”, considera. Além disso, o professor assinala que é preciso haver “um objetivo na educação”. “O projeto pedagógico da escola tem que ter uma ligação com a realidade do aluno, porque a educação não é uma coisa mecânica. Se a gente não avançar nessa integração no ambiente escolar, pode encher de computador, pode encher de estrutura material, que não vai suprir a necessidade, que é o que acaba gerando a situação de violência. A ação educacional dentro do espaço escolar precisa ter sentido, não só para o trabalhador, mas também para o aluno. O aluno tem que estar sabendo o que ele está fazendo no espaço escolar, para quê está ali, por que é importante ele passar por esse processo de educação formal que a escola dá. Quando isso perde o sentido, o aluno questiona o que é que ele está fazendo ali, e, aí, começam os conflitos, xingamentos e agressões”, afirma.
tação e supervisão do professor doutor Antônio Osório, da linha de pesquisa em Educação e Trabalho, da UFMS, que elaborou também o instrumento de coleta de dados (questionário) aplicado pelo Projeto Tosco (veja matéria a seguir) nas escolas estaduais. Universo Os dados da pesquisa em parceria com a FETEMS foram coletados durante o último Congresso Estadual dos Trabalhadores em Educação, realizado em 2011, na cidade de Jardim. Dos 995 delegados participantes do evento, que representavam sindicatos de 71 municípios, de todas as regiões do Estado, 891 responderam o questionário. Desse total, 78% são do sexo feminino, e 65% têm idade entre 41 e 50 anos; sendo que 74% têm vínculo com escolas da rede estadual; cerca de 90% delas localizadas na zona urbana (53% nos bairros e 35% no centro). Entre os pesquisados que atuam no magistério, 62% estão no ensino Fundamental e 26% no ensino Médio. Entre os administrativos, 40% estão em cargos na secretaria ou na coordenação escolar.
Pesquisa A pesquisa do professor Marcos Paz, iniciada em 2009, teve a participação de outras entidades e foi desenvolvida sob a orien-
Professor Marcos Paz
Resultados dos dados coletados durante o Congresso Estadual dos Trabalhadores em Educação, em 2011. Pesquisa “Violências na Escola” - Professor Marcos Paz Característica da violência 76% dos entrevistados afirmaram haver ocorrências de violência nas escolas onde atuam 75% das ocorrências acontecem entre os alunos 20% das ocorrências acontecem entre alunos e professores 15% das ocorrências acontecem entre alunos e familiares Horário das ocorrências 36% dos entrevistados disseram que as ocorrências acontecem em qualquer período 22% dos entrevistados disseram que as ocorrências acontecem no período matutino 27% dos entrevistados disseram que as ocorrências acontecem no período vespertino 47% das ocorrências acontecem na saída escola 43% das ocorrências acontecem na hora do intervalo/recreio
Idade dos agressores 87% dos casos envolvem alunos entre 11 e 16 anos Tipo de violência 80% desrespeito aos colegas 58% xingamento e agressões verbais 54% agressões físicas 52% desrespeito ao professor 50% constrangimento pessoal (apelidos e comentários negativos sobre o físico do aluno) 27% danificação do patrimônio escolar Bullying, drogas e agressão 53% dos entrevistados convivem com alunos que são alvo de bullying 47% dos entrevistados convivem com alunos que praticam bullying 41% dos entrevistados têm conhecimento de alunos que usam drogas lícitas (cigarro e álcool) 35% dos entrevistados têm conhecimento de alunos que usam drogas ilícitas (maconha, cocaína, cola e crack) 39% dos entrevistados têm conhecimento de alunos que feriram a integridade física do colega Causa da violência 50% dos entrevistados responderam que a família desagregada e/ou desestruturada é uma das principais causas que levam os alunos a atos de violência 24% família ausente no ambiente escolar 18% falta de limites e/ou respeito às pessoas 13% excesso de liberdade e ociosidade dos jovens 891 trabalhadores em educação responderam o questionário da pesquisa Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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Medidas Sobre quais instrumentos a escola utiliza para resolver as ocorrências de violência, 65% das respostas indicaram que a escola tem ficha de ocorrência e o envolvido é chamado para resolver o problema; 59% responderam que, quando há reincidência, a família é convocada a tomar providências com rigor; e 54% responderam que a ocorrência é encaminhada ao
conselho tutelar. O preenchimento de formulário específico para registro dos casos de violência foi citado em 22% das respostas, seguido por 20% em que a ocorrência é registrada na delegacia de polícia e 18% de que as ocorrências são encaminhadas à promotoria pública. Acionar a polícia, também, aparece como ação corriqueira no ambiente escolar: 61% afirmaram que a escola já acionou a polícia para resolver questão de aluno que praticou violência. Entre esses, 51% afirmaram que a polícia é acionada às vezes, e 33% responderam que a polícia é acionada diversas vezes. Soluções e consequências Quanto à ação mais eficiente para o enfrentamento da violência escolar, a alternativa mais abordada foi a de trazer a família para uma maior participação na escola e na vida escolar, resposta presente em 31% dos formulários; seguida de maior sensibilização e conscientização de alunos e pais,
com 23%; promoção do diálogo/ conversas na comunidade escolar com 23%; estabelecimento de disciplina e limites aos alunos cumprindo leis e regras escolares e penalizando os infratores obteve 18% de respostas; promoção de palestras, projetos e cursos de combate à violência escolar 16% e conscientização e união da comunidade escolar para esse enfrentamento 13% das respostas. Finalmente, na questão sobre a violência escolar ter ou não relação com casos de problemas de saúde do trabalhador em Educação, 30% afirmaram que não existe relação da violência com a saúde do trabalhador e 25% não responderam. Dos formulários que afirmaram que sim à questão, 39% citaram o estresse como consequência do acometimento da saúde; 34% a depressão, seguido de doenças e desgaste com alterações psicológicas em 22% das respostas; 14% com doenças e desgaste com alterações físicas; síndrome do pânico com 10%; e sentimento de apatia, impotência ou sensação de impunidade em 6% das respostas.
Marcos Paz já foi diretor de escola, presidente do SIMTED por dois mandatos, vice-presidente regional da FETEMS, delegado de Base da FETEMS na CNTE, e exerce o terceiro mandato consecutivo como vereador pelo PT, sendo atualmente o Presidente da Câmara Municipal de São Gabriel do Oeste.
Sem limites Em 2012, a Secretaria de Estado da Educação de Mato Grosso do Sul implantou nas escolas públicas estaduais o Projeto Tosco em Ação, desenvolvido pela Editora Alvorada. O projeto consiste na capacitação dos professores, na aplicação de uma pesquisa e no trabalho em sala com um livro – intitulado Tosco – que conta a história de um menino acostumado à violência e que, com a ajuda de um professor, consegue superar a situação e mudar 26 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
o curso de sua história. Na fase de pesquisa, em todo o Estado, foram entrevistadas aproximadamente 45 mil pessoas, entre alunos e professores das escolas públicas estaduais. Entre os resultados obtidos, ficou demonstrado que 67% dos alunos haviam apresentado comportamento agressivo nos seis meses anteriores à pesquisa, e que 74,63% das manifestações de agressividade se dão por meio de provocações verbais. Entre os professores entrevistados, 82% afirmaram já ter presenciado agressões físicas, verbais ou psicológicas no
ambiente escolar, e 55,54% disseram que as agressões acontecem no mínimo uma vez na semana. Embora componham uma amostragem significativa, os números não conseguem traduzir a complexidade cada vez maior das relações de crianças e adolescentes com pais e professores. E em meio a pesquisas – embora poucas –, análises, relatos e troca de experiências, uma constatação é frequente e comum: o grande problema é a falta de limites. Mas, onde está a raiz do problema? O promotor da Infância e Ju-
ventude, Sérgio Fernando Harfouche, defende que se faça, de forma “emergencial”, um “resgate à autoridade”. “O respeito dentro da sala de aula só vai ser concretizado quando essa autoridade do professor voltar a valer. Hoje alunos humilham zelador, desrespeitam o professor e até o diretor. É preciso disciplinar o aluno – sujou, tem que limpar; quebrou, conserte; destratou, retrate-se”, diz. Nesse sentido, desde 2009, o promotor desenvolve um projeto junto a diretores e professores da rede pública, centrado, justamente, na aplicação de medidas disciplinares. Apesar de ter sido divulgado que esse trabalho já teria reduzido em 60% os casos de violência nas escolas, a iniciativa não recebe apenas elogios, mas também tem críticas e questionamentos. “Afinal, não se pode judicializar a educação”, resume o professor Marcos Paz, que tem pesquisa recente sobre o tema. “A escola não está conseguindo resolver essa questão e está chamando um suporte de fora, que, num primeiro momento, talvez, dê a sensação de que está solucionando, mas nós estamos é tirando da rotina escolar a capacidade de tentar mudar a realidade. A gente está transferindo esse enfrentamento para outra instituição, que, no caso, é a Promotoria”, completa. A psicóloga Gleice Taciana Barbosa, que há cerca de 10 anos atende internos da Unei Dom Bosco, em Campo Grande, avalia, ainda, que é preciso restabelecer a ordem dos valores, sobretudo dentro da família. A psicóloga explica que os alunos que apresentam comportamento agressivo ou violento dentro da escola, geralmente, estão repetindo padrões: “Por exemplo, a diretora chama a mãe por
“O respeito dentro da sala de aula só vai ser concretizado quando essa autoridade do professor voltar a valer” Promotor Sérgio Harfouche
conta de um infração cometida pelo aluno, e ela chega e espanca o filho na frente da diretora ou da professora, e o humilha. Isso faz parte da vivência dele e, por isso, ele vai agir da mesma forma. Se ele apanha, ele vai bater. A agressividade é um aspecto do ser humano, todos têm, e isso deve ser trabalhado”. Gleice também aponta a falta de limites como uma das marcas dessa geração que desconhece a autoridade e vive sob um regime de inversão de valores. “Vivemos numa sociedade de consumo, onde o importante é ter. Ora, se os pais estão ocupados trabalhando e ficam ausentes a maior parte do tempo, acabam dando tudo para os filhos, como uma forma de compensar essa ausência. E, então, a criança aprende que ela tem que ter tudo que ela quer, não importa como. Ao mesmo tempo, e também por esse distanciamento imposto pelo ritmo de vida, os pais acabam transferindo para a escola uma responsabilidade que é deles, pais. A escola não é a responsável pela educação da criança, mas sim, pelo ensino, pela instrução formal”.
O promotor Harfouche, também, compartilha dessa avaliação. “Os pais estão transferindo a responsabilidade para o professor, e não é por aí. Pela lei, os pais têm total responsabilidade pela formação do filho e podem, inclusive, ser punidos por abandono intelectual”, comenta. De modo geral, a falta de limites, a desestruturação familiar, o contexto de violência e agressividade, a falta de orientação e a ausência dos pais são fatores que compõem o cenário cotidiano da maioria dos alunos que acabam se envolvendo nos episódios de violência dentro da escola, sobretudo nas escolas públicas. “São crianças e adolescentes que não têm a menor consciência ou o menor discernimento do que é certo ou errado, porque não aprenderam isso. Eles, simplesmente, fazem o que querem, o que têm vontade, e não sabem que é errado o que estão fazendo”, relata a psicóloga Gleice. E esse “fazer o que quer” engloba situações das mais diversas, que vão desde a provocação verbal a colegas e professores, até aos extremos da agressão física. Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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“Eles, simplesmente, fazem o que querem, o que têm vontade, e não sabem que é errado o que estão fazendo” Psicóloga Gleice Barbosa
Violência extrema Em junho de 2012, o diretor da Escola Municipal Luiz Cláudio Josué, uma extensão da Escola Estadual Luiz Carlos Sampaio, no distrito de Nova Casa Verde, em Nova Andradina, foi morto a tiros na hora da saída da escola, por um aluno de 16 anos, que sequer sabia seu nome. Delmiro Salvione Bonin tinha 55 anos e fazia quatro meses que havia assumido a direção. O aluno, por sua vez, coleciona um histórico de problemas e violência, tanto na vida escolar quanto na familiar. Segundo noticiário da época, o pai, acusado de homicídio, era foragido da Justiça; a irmã mais velha cumpria pena pelo assassinato de uma mulher; e, em março de 2012, ele próprio chegou a ser expulso da escola, por ter ferido a facadas um colega de 15 anos. Em sua ficha de ocorrências constam brigas dentro e fora da escola, desde o ano de 2010. A expulsão do adolescente teria sido revertida por uma medida cautelar da Promotoria. 28 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
De volta à escola, ficou definido que ele trocaria de turno, passando a frequentar as aulas no período da tarde. Mas o rapaz, segundo ele próprio contou à polícia, estava contrariado porque o diretor o obrigava a entrar na aula em horário diferente, 20 minutos depois do restante da turma, que entrava às 11h40. Ele contou ainda ao delegado que estava muito zangado pelo fato de o diretor “pegar no pé” dele, “encher o saco” constantemente, e ter dito que ele “não tinhamais jeito”. A arma utilizada no crime foi comprada duas semanas antes, por R$ 500. Depois de atirar no diretor, o adolescente passou quatro dias escondido no mato, para fugir do flagrante. Contou à polícia que escolheu antecipadamente o local do esconderijo e já havia deixado lá uma garrafa pet com água para beber. Disse que à noite dormia em cima de uma árvore e que, na fuga, perdeu a arma. Da delegacia de Nova Andradina, foi transferido para a Unei de Dourados, onde permanece internado. Para o presidente do Simted de Nova Andradina, professor
Edson Granato, esse episódio trágico foi o extremo de uma situação que denuncia a falta de articulação entre as instituições. “Quando a escola contatava o conselho tutelar, a Promotoria ou a própria família, não obtinha retorno. Ficou evidente que é preciso trabalhar em parceria para enfrentar esse tipo de situação. Houve diversas reuniões, fizemos um planejamento para um trabalho em conjunto, envolvendo escola, família e autoridades. Então, vamos ver este ano se conseguimos bons resultados”, diz o diretor. Experiências negativas que geram situações positivas Campo Grande, também, registrou no ano passado um caso emblemático, pela extrema violência, numa escola estadual. No dia 13 de abril de 2012, um professor de Física, de 29 anos, foi esfaqueado e o diretor da escola foi ameaçado com a faca encostada no pescoço por um adolescente de 17 anos, aluno do 1º ao do ensino Médio, no período noturno. Foi na Escola Estadual José Barbosa Rodrigues, no bairro Universitária II,
região Sul de Campo Grande. Segundo o noticiário, o jovem conversava com uma adolescente fora da sala de aula, quando o professor pediu para que a aluna entrasse. Teria começado aí uma discussão, e foi quando o rapaz tirou uma faca da mochila. O professor foi ferido com duas facadas, uma nas costas e outra no braço, foi levado para o hospital e levou sete pontos no total. Ao fugir, o garoto se deparou com o diretor da escola no portão, e o teria ameaçado então. Dali, o garoto correu para casa, onde foi apreendido pela Polícia Militar. O adolescente não tinha histórico de indisciplina na escola, nem registro de infrações na polícia. Os pais, também, mostraram-se surpresos com a atitude do rapaz, que foi levado para a Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude (Deaij), para responder por ato infracional análogo à lesão corporal dolosa e ameaça. Na delegacia, disse que estava de “cabeça quente”.
O professor ferido ficou afastado do trabalho por uma semana. Ao final da licença, desligou-se da escola por pressão familiar. “Foi uma pena, porque ele era muito querido pelos alunos”, comenta o diretor da escola, Edvaldo Lourenço da Silva. O diretor afirma que, na escola, não há histórico de violência entre alunos, ou entre alunos e professores, e que esse foi um episódio isolado, extremo, que acabou modificando a rotina e aproximando mais as famílias da escola. “O clima ficou bastante tenso, todos ficamos assustados. Eu, por exemplo, passei vários meses vindo trabalhar nos três turnos, porque nossa presença na escola dá uma sensação de mais segurança aos alunos e aos pais. Os pais também se aproximaram mais, passaram a trazer e buscar os filhos. Então, de um fato negativo, acabaram surgindo várias situações positivas. E, no geral, a comunidade, aqui, é bastante parceira”, avalia. “Os jovens de hoje estão per-
“Cabe à família acompanhar e ensinar valores positivos(...) É preciso trabalhar o resgate dos valores familiares e socioculturais” Professor Edvaldo Lourenço, diretor da Escola Estadual José Barbosa Rodrigues
dendo os valores, que têm que ser passados pela família. Cabe à família acompanhar e ensinar valores positivos, mostrar o que é negativo e que as coisas negativas têm consequências. É preciso trabalhar o resgate dos valores familiares e socioculturais”, conclui o diretor.
“Ficou evidente que é preciso trabalhar em parceria para enfrentar esse tipo de situação (…) Vamos ver se este ano conseguimos bons resultados” Professor Edson Granato, presidente do SIMTED de Nova Andradina Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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ESPECIAL MULHER
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Discutir “o papel da mulher”, ou “o comportamento feminino” na atualidade, é abrir um campo de infinitas possibilidades e particularidades
“A
o separar o coito da concepção, a pílula deflagrou um dos mais monumentais movimentos dos tempos recentes, o gradual divórcio entre sexo e reprodução”. A frase foi dita pelo químico Carl Djerassi, austríaco radicado nos Estados Unidos, que, em 1951, integrava o grupo de responsáveis pela primeira síntese de um contraceptivo oral. A criação da pílula anticoncepcional marcou a conquista da mulher ao pleno direito sobre o próprio corpo, a possibilidade da escolha de procriar ou não. Prazer e concepção passaram a ser situações distintas. O marco da liberdade sexual e reprodutiva é, assim, inquestionavelmente, o mais visível entre as conquistas femininas, depois de aproximadamente cinco mil anos de patriarcado. No entanto, na esteira dessa verdadeira revolução, vêm outras várias discussões que envolvem questões relativas ao gênero num contexto ainda mais amplo, que é o das
múltiplas e rápidas transformações da sociedade contemporânea. Assim, discutir “o papel da mulher”, ou “o comportamento feminino” na atualidade, é abrir um campo de infinitas possibilidades e particularidades. “Penso que existem duas vertentes em relação ao comportamento. Temos uma questão biológica e a questão ambiental/cultural. Na questão biológica, homens e mulheres são completamente diferentes, com organismos diferentes. Os homens sofrem a influência da testosterona, e as mulheres do estrogênio. Os hormônios influenciam no comportamento. Sendo assim, existe uma grande diferença entre comportamento masculino e feminino. Além disso, temos a questão cultural/ambiental. A sociedade trata, desde o nascimento, homens e mulheres de maneira diferente. Contudo, a sociedade vem mudando”, pondera a psiquiatra Danusa Cespedes Guizzo Ayache. As mulheres de hoje desfrutam conquistas que resultaram de duras lutas históricas pela igualdade de direitos, mas ainda reservam-se ao direito de querer fazer do casamento e da família uma prioridade em suas vidas. Ao mesmo tempo em que se
desdobram. E, muitas vezes, até “reeducam” o companheiro para que possam dividir obrigações e responsabilidades domésticas, ainda abrem mão de muita coisa, em nome da profissão, num mercado de trabalho cada vez mais disputado. “A sociedade mudou, e os valores também mudaram. Porém, vejo ainda um desejo das mulheres em ter um companheiro. É evidente que, para manter um casamento, elas não aceitam mais o que aceitavam no passado. Hoje, não precisam mais se submeter a uma relação infeliz. São poucas as que aceitam tais circunstâncias. Na minha vivência profissional, tenho visto mulheres emocionalmente dependentes. Penso que existe uma independência emocional maior do que existia no século passado. Entretanto, muitas mulheres são ainda emocionalmente dependentes de um companheiro. Essa dependência não é exclusividade feminina, ela é do ser humano. Contudo, o desejo de casar e de constituir família continua sendo mais evidente entre as mulheres”, revela Danusa. Já para a psicóloga social Jacy Corrêa Curado (veja entrevista), a dependência emocional é, na realidade, uma espécie de sequela dos séculos de domina-
“A sociedade trata, desde o nascimento, homens e mulheres de maneira diferente” Danusa Cespedes Guizzo Ayache, psiquiatra 32 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
“para mim, o papel social da mulher é a causa, a luta” ana Cláudia salomão Silva, jornalista
ção machista e patriarcal. “Esse é um dos setores mais complexos, porque, há milênios, as mulheres se encontram em uma posição de subordinação que deixou profundas marcas emocionais. Rose Marie Muraro, Heleieth Saffioti, entre tantas outras feministas, apontaram que o patriarcado e o mito do amor romântico foram devastadores para vivência emocional das mulheres (…) No Brasil, os séculos de escravidão colaboraram para estreitar a relação de ‘posse’ à relação afetiva. (…) Eu ainda sonho com uma sociedade em que o gênero não deva importar e ser motivo para desigualdade, exploração, mutilação e qualquer outro tipo de violência ainda tão comuns em nossa sociedade.” A análise de Jacy pode servir, também, como indicativo de que, mesmo com todas as transformações, ainda há muito a superar. Tudo ao mesmo tempo agora Para definir a “mulher moderna”, então, é necessário fazer um “mix” de tendências, estilos, comportamentos, sentimentos e aspirações. No geral, se fosse possível traçar uma linha reta, ideal e imaginária, na história da humanidade, teríamos um período de total dominação machista, seguido pela reação revolucionária do feminismo e agora uma tendência a compatibilizar tudo numa espécie
de síntese, ainda em curso. E mesmo com toda a superação, com toda a cobrança e – ainda hoje – com toda a culpa que acompanham as mulheres nas transformações da sociedade, a grande diferença é que as mulheres agora podem, sim, escolher. E não têm medo ou vergonha de assumir e defender suas escolhas ou sua condição. Aos 48 anos, a jornalista Ana Cláudia Salomão Silva pode ser considerada uma espécie de anti-heroína se quisermos buscar exemplos para um perfil da mulher contemporânea. Solteira – não exatamente por opção, mas por força das circunstâncias – avessa aos padrões de “felicidade obrigatória” que a sociedade vem impondo com rigor cada vez maior, ela conta que viveu um grande amor, que pensou em ser mãe, diz que se realiza com as relações familiares, mas acredita que o engajamento e a participação política são fundamentais para sua satisfação pessoal e profissional. Aos 22 anos, Ana Cláudia já era militante do PCdoB e participava de vários movimentos sociais. Trabalhava num banco e fazia faculdade de Letras. Foi presa por ocasião de uma mobilização envolvendo questões sindicais, e foi nesse contexto que encontrou o amor e viveu um grande romance, que durou quatro anos. O moço
era advogado de um sindicato e a tirou da prisão. “Ele era dois anos mais velho que eu, e foi um relacionamento muito bacana. Pensei até em ‘juntar os trapos’ com ele (não casar de véu e grinalda como minha mãe sonhava). Nossos ideais eram semelhantes e tínhamos as mesmas vontades de vida”, lembra. Mas um acidente de trânsito mudou o curso dessa história e a morte do namorado deixou marcas profundas. Superada a dor, Ana Cláudia se declara avessa a “padrões de relacionamento de conto de fadas” e contra todos os padrões de felicidade socialmente impostos. Numa família com mais três irmãs, sobrinhos e sobrinhos-netos, ela se diz realizada com relação aos laços familiares e conta que superou até a cobrança para que ela própria tivesse filhos. “Aos 35 anos me questionei se teria ou não uma produção independente. Optei por não ter. E já que os caminhos da vida me levaram a não ter um casamento e não ser mãe, eu me acomodei. Hoje não consigo imaginar como seria viver com outra pessoa dentro da privacidade da minha casa. Sou bastante racional. Não acho que maternidade e casamento sejam prioridades da forma como as pessoas veem. Para mim, o papel social da mulher é a causa, a luta”, afirma.
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Não basta ser mulher para transformar! Especialista em Metodologia de Pesquisa em Gênero, a psicóloga social Jacy Corrêa Curado fala sobre as conquistas e os desafios das mulheres na sociedade atual Como a sociedade encara a posição que a mulher contemporânea vem representando, de múltiplas funções? Existem vários modos de compreender as “múltiplas funções” da mulher, mas considero importante reconhecer que elas não fazem parte de uma essência ou um comportamento estável e permanente, mas são construídos em dadas circunstâncias, em que as mulheres são cobradas a cuidar dos filhos, da casa e do emprego, e, ainda, participar da política, frequentar academia de ginástica etc.. Me parece um fenômeno bastante característico das mulheres ocidentais modernas do período pós-revolução feminista. Contudo, assistimos, hoje, a um uso nem sempre positivo desse comportamento, o que tem servido para uma superexploração das mulheres, pois, já que somos multifuncionais, então vão se acumulando novas funções, sem haver, no entanto, uma redistribuição mais equitativa. A mulher atual é mais feliz? Como ela vê a felicidade nos dias de hoje? É difícil medir um estado subjetivo como a felicidade. No entanto, se colocarmos alguns critérios, como liberdade e autonomia, podemos dizer que sim. Atualmente, posso ler muitos livros que, na época da ditadura, eram proibidos. Não sei se isso me faz mais feliz, mas com certeza, prefiro ter a liberdade de 34 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
Jacy Corrêa Curado, doutora em Psicologia Social PUC/SP; Master of Arts in Gender and Development (ISS/ Holand); Mestre em Psicologia (UCDB); Especialista em Metodologia de Pesquisa em Gênero (UERJ/ FIOCRUZ) e professora Adjunta da UFGD.
lê-los. Assim funciona para as mulheres. Se propusermos um retorno à condição de apêndice, ou a “outra” do ser integral “homem”, o qual era o único portador de projetos pessoais, como dizia Simone de Beauvoir, acredito que ninguém vá querer. Porém, se, hoje, com os nossos inúmeros projetos e nossas funções, estamos mais felizes, isso não saberia dizer. Só posso afirmar que não queremos um “backlash” (retornar às fases anteriores) e, sim, ampliar as liberdades e autonomia para todas as mulheres! Como tem sido, a seu ver, o posicionamento dos homens em relação às mulheres? Acredito que vivemos em relação, e se uma das partes muda de posição, a “outra” muda também. Os homens, não todos, estão questionando os padrões rígidos de masculinidade, e também estão se libertando das amarras do machismo e do sexismo. Mas há, ainda, aqueles que preferem usufruir dos benefícios da condição subordinada da mulher, principalmente em relação ao trabalho doméstico e
nos empregos dos setores mais conservadores. Acredito que devemos trabalhar as relações de gênero em uma perspectiva da transformação, porque não me agrada essa escalada da mulher ao poder pelo poder. Para mim, é trocar seis por meia dúzia. Existem inúmeros exemplos que demonstram que não basta ser mulher para transformar! A dependência emocional é uma característica de todo ser humano? Como ela é dividida entre masculino e feminino? Esse é um dos setores mais complexos, porque há milênios as mulheres se encontram em uma posição de subordinação que deixou profundas marcas emocionais. Rose Marie Muraro, Heleieth Saffioti, entre tantas outras feministas, apontaram que o patriarcado e o mito do amor romântico foram devastadores para vivência emocional das mulheres. O sofrimento, a posse e a culpa são componentes constitutivos do sentimento de amor na sociedade judaico-cristã, e para podermos nos livrar desses sentimentos necessitamos
“Para o homem, amar significa dominar; e para a mulher, entregar-se é se deixar dominar. Essa relação é difícil de ser desfeita” de um esforço de desconstrução muito grande. No Brasil, os séculos de escravidão colaboraram para estreitar a relação de “posse” à relação afetiva. Para o homem, amar significa dominar; e, para mulher, entregar-se é se deixar dominar. Essa relação é difícil de ser desfeita, e aí está Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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a raiz dos milhares de casos de violência doméstica, por a mulher desobedecer essa posição. Quando esse homem é punido pela lei, a mulher se sente culpada, por não ter cumprido o papel que lhe foi milenarmente concebido. São dependências mútuas, das relações de dominação-subordinação, que ainda resistem às mudanças. O Brasil possui a melhor lei (Lei Maria da Penha) do mundo para combater a violência doméstica, o que vem trazendo alterações positivas para as relações emocionais entre homens e mulheres. Qual a prioridade para a mulher moderna? Isso é relativo ou faz parte de um conjunto? As pesquisas indicam que as mulheres estão priorizando o projeto de vida profissional, o que é uma mudança enorme em se tratando de prioridade feminina, que até há poucas décadas, era exclusivamente composta de casamento e maternidade, quase como um destino. As tendências apontadas pelos estudos de gênero indicam um compartilhamento, a corresponsabilidade das atividades domésticas, do cuidado dos filhos, com o marido, a família, o Estado e as empresas. Não dá para pensar em projeto emancipatório com essa sobrecarga absurda de trabalho das mulheres. O empoderamento político e econômico, também, são considerados prioritários, já que aí residem as maiores iniquidades. Precisamos ampliar as conquistas feministas, pois ainda existem milhares de mulheres sem acesso à educação e que vivem sob a tutela do Estado e/ou do marido, e sonham em ser “uma” e não o complemento inferior do “outro”. Eu ainda sonho com uma sociedade em que o gênero não deva importar e ser motivo para desigualdade, exploração, mutilação e qualquer outro tipo de violência ainda tão comuns em nossa sociedade. 36 | Revista ATUAÇÃO | Março 2013
“Eu ainda sonho com uma sociedade em que o gênero não deva importar e ser motivo para desigualdade, exploração, mutilação e qualquer outro tipo de violência ainda tão comuns em nossa sociedade”
ARTIGO
Sindicatos de Educação da América Latina Em busca da igualdade em todos os espaços de poder e decisão Ao longo da história, o movimento de mulheres organizadas no mundo tem obtido avanços significativos em vários setores: participação no mercado de trabalho, acesso à educação e às universidades, conquista de direitos sociais e civis. No entanto, nos espaços institucionalizados da política e do poder, as mulheres ainda são subrepresentadas, apesar de serem a metade da população mundial. Essa desvantagem também está presente no movimento sindical. Isso não é um problema apenas das mulheres, mas é um tema político, exigindo que as organizações repensem seus modelos de participação e representação, criando novas metodologias de superação de práticas sexistas e excludentes. De acordo com levantamento da Internacional da Educação (IE), no movimento sindical da Educação na América Latina, cerca de 70% dos membros das organizações são mulheres. Porém, nas direções sindicais, representam apenas 30%. Repensar as nossas organizações requer reconhecer que o espaço de direção sindical continua sendo majoritariamente masculino e exige de todos nós uma vontade política de modificar essa realidade. A ausência das mulheres nos espaços de poder e de decisão significa um déficit na democracia e uma dívida que a sociedade ainda tem para com todas nós. A nossa representação política e sindical é fundamental para se avançar na construção de uma sociedade mais democrática e com mais
igualdade. É fundamental que, em todos os espaços políticos e representativos, as mulheres tenham uma inserção condizente com a sua presença no conjunto da população, considerando sempre a diversidade étnica, ou seja, a representatividade negra e indígena. A luta das mulheres pela cidadania é histórica e foi, literalmente, de perder a cabeça. Em 1793, em plena Revolução Francesa, quando se transpiravam lemas de liberdade, igualdade e fraternidade, Olympe de Gouges acabou decapitada por defender os direitos das mulheres e propor a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em que afirmava que as mulheres tinham os mesmos direitos dos homens – eram, portanto, iguais – e, também, tinham necessidades específicas por serem mulheres, ou seja, diferentes. É de Olympe a célebre frase “se a mulher pode subir ao cadafalso, pode também subir à tribuna”. Para compreender a nossa sub-representação nos espaços de poder, devemos utilizar o conceito de gênero, uma categoria que surgiu nas ciências sociais, para dar conta dos símbolos, valores, das representações e práticas que cada cultura tem na relação entre um e outro sexo. Essa reformulação conceitual veio para mostrar que as desigualdades entre homens e mulheres foram construídas histórica, social e politicamente. Portanto, acontecem no campo político, cultural e relacional. Não foram dadas pela natureza. O conceito de gênero surgiu com o intuito de romper com o conceito de “sexo”, que
Fátima Silva
Secretária de Relações Internacionais da CNTE e Vice-Presidenta do Comitê Regional da Internacional da Educação
analisa a relação entre homens e mulheres a partir da biologia, dos corpos sexuados. Portanto, gênero não é sinônimo de mulher. Refere-se aos distintos significados, social e político, que existem numa sociedade, ao se tratar do ser mulher e do ser homem. É necessário lembrar que as desigualdades do presente têm as suas raízes na divisão sexual e social do trabalho, instituída Revista ATUAÇÃO | Março 2013 |
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com o surgimento da sociedade patriarcal, quando o trabalho masculino passou a ser supervalorizado, e o trabalho feminino desvalorizado. Os espaços públicos e de poder foram dominados pelos homens. E, deles, as mulheres foram excluídas. A supremacia do poder masculino estendeu-se pelos mais diferentes períodos históricos e, ainda hoje, tem força na sociedade contemporânea. Porém, com outros contornos e outras contradições. E, até hoje, as barreiras culturais têm um peso muito importante na exclusão das mulheres dos espaços políticos. Os padrões machistas a respeito da vida privada, o cuidado com os filhos e as tarefas domésticas fazem com que as mulheres tenham uma dupla jornada de trabalho, dificultando a sua participação social. Por isto, muitas mulheres que participam em cargos de direção são solteiras, viúvas ou divorciadas. E, quando têm filhos, são grandes, já criados. Portanto, todos esses fatores devem ser considerados na construção de novas práticas e cultura sindical. As demandas da vida privada das mulheres precisam ser consideradas na agenda dos sindicatos. A Internacional da Educação tem reiterado que, sendo o Magistério um setor majoritariamente composto por mulheres, é imprescindível a construção de políticas eficazes de participação, formação política e empoderamento das mulheres. Um passo importante foi a elaboração e publicação de um estudo que revela os obstácu-
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los e as práticas que dificultam a participação das mulheres na vida sindical e apresenta uma série de recomendações para o fortalecimento da democracia sindical e construção de uma nova cultura. Nesse aspecto, a política de cotas tem se constituído num importante caminho. As cotas alteram a composição dos espaços de tomada de decisão, trazem diferentes pontos de vista e favorecem um novo aprendizado. No entanto, não são uma solução mágica ou automática. Mas, sua aplicação rompe com a visão de que o poder é somente masculino. A aplicação das cotas não é um fim em si mesmo, mas inaugura diferentes perspectivas. É uma construção política que tem como base novas configurações para a igualdade de condições entre homens e mulheres. Paridade nos sindicatos Participar de direções sindicais é um direito político das mulheres. A ausência de trabalhadoras nesses espaços tem reflexos na organização sindical, nas pautas de negociações que atingem diretamente a vida das trabalhadoras. É um desafio para o movimento sindical incorporar uma nova concepção de trabalho e de organização sindical, que considere o trabalho reprodutivo realizado pelas mulheres no âmbito familiar e doméstico, na definição da política sindical e que, portanto, leve em consideração as desigualdades de gênero e a divisão sexual do trabalho.
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A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é, atualmente, uma importante referência na construção da igualdade no movimento sindical. O seu 11º congresso aprovou a paridade de gênero na direção. Para o movimento nacional dos trabalhadores em Educação da CNTE, está colocado o desafio de realizar esse debate e aprimorar os espaços de participação das educadoras nos cargos de direção. Para a Rede de Trabalhadoras da Educação da América Latina da IE, as organizações da categoria de educadores de cada país precisam, além da política de cota, investir na seguinte agenda: • trabalhar mais a formação político-sindical das trabalhadoras; • incorporar novas temáticas na formação, tais como: conceito de gênero, vida pública e privada, direito e legislação, economia, análise conjuntural, entre outros; • garantir financiamento para o desenvolvimento de uma política de gênero; • incorporar cláusulas de gênero nas negociações coletivas; • realizar formação específica para os homens em temática de gênero, que permita desenvolver uma nova masculinidade. É assim que vamos rompendo os muros visíveis e invisíveis da exclusão e da discriminação, e engendrando a tão sonhada igualdade entre homens e mulheres, em todos os espaços da vida humana.
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