UMA PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL
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EDIÇÃO 12 | AGOSTO 2015
EXPEDIENTE
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Diretora de criação: Nanci Silva Diretor de arte: Rogério Castilho Jornalista responsável e editora: Laura Samudio Chudecki (DRT-MS 242) Revisão: Greice Maciel Colaboram nesta edição: Vanda Escalante Fotos Wilson Jr. FETEMS Onésio Dias Eugênio Gonçalves Nanci Silva Stefan Grol
DESTAQUES
Luta
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Trabalhadores(as) em Educação paralisam atividades na rede estadual de ensino pela integralização do piso para 20 horas e pela garantia de outros direitos
Entrevista ..............................................................................................................................................14 Wanderley Dias Cardoso, indígena da etnia terena, conta sua história de superação e faz uma leitura sobre o papel da educação nas comunidades indígenas
Capa ......................................................................................................................................................18 Novas diretrizes da educação reafirmam a cultura das comunidades indígenas, associando os saberes locais aos conhecimentos universais
Direitos humanos ..............................................................................................................................36 Aprovada pela Câmara Federal, PEC 171 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, descumpre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Cultura ..................................................................................................................................................44 Peculiaridades e riquezas do Pantanal sul-mato-grossense são retratos em telas de acrílico por Stefan Grol
Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015 |
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EDITORIAL
A educação resgatando a dignidade dos povos indígenas Já se passaram três anos que retomamos o projeto da Revista Atuação. Nesse período, tivemos a oportunidade de abordar vários aspectos e segmentos que envolvem a educação pública. Registramos temas como a educação especial na perspectiva inclusiva, educação no campo, educação no sistema penitenciário como meio de reinserção social, violência nas escolas e uma infinidade de outras questões que renderam boas reportagens aos nossos leitores. Entretanto, estávamos em falta com um tema de extrema relevância para Mato Grosso do Sul: a educação escolar indígena. Temos a segunda maior população indígena do país, e o estado enfrenta sérios problemas decorrentes da demarcação de terras, um lamentável episódio que se perpetua na história regional. No cenário de conflitos entre índios e fazendeiros, em que a população indígena é a minoria desfavorecida, eis que a educação vem garantindo direitos, elaborando defesas e preservando a cultura dos povos. Sem arco e flecha, os indígenas do século XXI lutam utilizando o conhecimento. O acesso à educação garante-lhes a liberdade, a emancipação e, acima de tudo, a dignidade e o orgulho de ser índio. Assim como em outros segmentos da educação pública, a educação ofertada nas escolas das aldeias é carente de muitos recursos e ações, e seus profissionais indígenas necessitam de políticas específicas de valorização. Por isso, aproveitamos a oportunidade para convidar esses profissionais a unir-se à FETEMS nas lutas pelo ensino público de qualidade e pela valorização profissional. É unindo forças que vamos garantir direitos e efetivar conquistas. Ainda na 12ª edição, é possível conferir o acordo entre a FETEMS e o governo do Estado, feito após a greve da categoria que aconteceu entre os dias 27 de maio e 5 de junho. O compromisso dispõe sobre a integralização do piso para 20 horas, o pagamento de 1/3 da hora-atividade e a eleição de diretores na rede estadual de ensino. Continuamos as negociações pelo reajuste no salário dos funcionários administrativos, e não temos dúvidas de que vamos avançar, assegurando aos(às) nossos(as) companheiros(as) a valorização e o reconhecimento de que todos(as) os(as) trabalhadores(as) têm direto. Fica registrado, também, a nossa homenagem ao professor Eusebio Garcia Barrio, primeiro presidente da FEPROSUL, que nos deixou recentemente, partindo para a viagem além do horizonte. O professor Eusebio foi um homem íntegro e dedicou sua vida às causas da Educação, presidiu com firmeza e seriedade a maior entidade sindical de Mato Grosso do Sul. Nossos mais sinceros votos de reconhecimento e agradecimento. Mais uma revista concluída, mais um compromisso entregue aos(às) trabalhadores(as) em Educação. É assim que a FETEMS é conduzida: com competência e compromisso com todos os que acreditam e confiam em nosso trabalho.
Roberto Magno Botareli Cesar Presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul
LUTA
Movimento garantiu conquistas e manutenção de direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Mato Grosso do Sul
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greve é um direito constitucional e, na categoria dos trabalhadores e das trabalhadoras em Educação de Mato Grosso do Sul, sempre foi democraticamente deliberada nas instâncias da FETEMS. Assim, a paralisação mais recente, entre os dias 27 de maio e 5 de junho, foi deflagrada a partir de um amplo debate com a base. Cerca de 20 mil trabalhadores e trabalhadoras em Educação, por meio das assembleias municipais e da Assembleia Geral da Federação, definiram pelo início e pelo fim da greve. Os trabalhadores em Educação foram à luta porque o governo do Estado não cumpriu a Lei nº 4.464, que trata do pagamento de reajuste aos professores, integralização do piso para 20 horas, 1/3 da hora-atividade e reajuste no salário dos funcionários administrativos. Depois de duros embates, só foi possível firmar um acordo porque o Tribunal de Justiça fez a intermediação, garantiu a ma-
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nutenção de conquistas e afastou os riscos de retrocesso e retirada de direitos, que eram a ameaça com a qual o governo vinha acenando. Certamente, ainda há muito para avançar, mas em comparação com outros estados, onde os trabalhadores em Educação também entraram em greve, o debate em Mato Grosso do Sul já está bastante adiantado. Além da questão salarial, outros pontos, como a prorrogação dos concursos de professores e administrativos, e a garantia de participação do administrativo nas eleições para diretor, representam grandes conquistas. A FETEMS reconhece nos administrativos(as) verdadeiros(as) educadores(as), que precisam ser valorizados(as). Diante do anúncio de reajuste zero para 2015, a Federação entrou com uma ação para que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) reveja o parecer que considerou “adiantamento de reajuste” a correção salarial de dezembro de 2014. A luta é para
garantir à categoria o que lhe é de direito. Conheça a proposta acordada com intermediação do TJMS: 1 Alteração da Lei n° 4.464/2013, integralizando o Piso Salarial dos Professores da Rede Estadual de Ensino em outubro de 2021, garantindo o reajuste anual do piso com acréscimo de 4,37% todo o mês de outubro, o que corresponderia a mais de 6% além do reajuste anual do Piso Nacional, que é em janeiro. Portanto a porcentagem de integralização do piso por 20 horas ficará da seguinte forma:
Porcentagem 69,42% 73,78% 78,15% 82,52% 86,89% 91,26% 95,63% 100%
Data Hoje 10/2015 10/2016 10/2017 10/2018 10/2019 10/2020 10/2021
GOVERNADOR VAI À FETEMS E OFICIALIZA COMPROMISSO COM A CATEGORIA
Em 2018, data inicialmente prevista na Lei nº 4.464/2013, faltarão 13,11% para a integralização de 100% do piso por 20 horas. Outra questão importante é que os 4,37% referentes ao Piso Nacional correspondem a 6,30% de reajuste neste ano, levando-se em conta o salário de dezembro de 2014. Portanto, em 2015, o valor do reajuste acumulado dos professores será de 20,11%, embora a legislação atual previsse um índice de 25,42%. O governo concordou ainda com um dispositivo na lei que permite a revisão para antecipação da integralização do piso.
2 Abertura de negociação para a antecipação da data-base dos administrativos da Educação para janeiro, em conjunto com todos os sindicatos representantes das categorias de servidores públicos do Estado. Ficou estabelecido que o tema será debatido em um prazo de no máximo 90 dias, no Fórum “Dialoga” dos Servidores Públicos, que congrega representantes sindicais e uma comissão do governo.
tavam em sala de aula. O governo propôs que este pagamento seja realizado em 11 parcelas.
4 Prorrogação do Concurso do Magistério. A FETEMS também conseguiu que o Concurso dos Administrativos fosse prorrogado. 5 Chamada do Concurso dos professores: 500 em julho de 2015 e 500 em janeiro de 2016. 6 Garantia de que os administrativos da Educação possam disputar eleição para diretor de escola na Rede Estadual, preservando a conquista histórica da eleição direta e democrática, ao contrário do que pretendia a Secretaria de Educação, que era banir os administrativos da disputa eleitoral.
7 Eleição direta para as escolas de tempo integral. A decisão sobre a eleição nas escolas indígenas e nas de educação especial ficou para ser acordada na minuta da lei que altera as eleições.
8 A FETEMS também conseguiu 3 Pagamento da diferença de a garantia de não corte do pon1/3 de hora-atividade, referente a 2013, previsto no artigo 23, § 3°, da Lei Complementar nº 087/2000, a partir de janeiro de 2016, para os professores que es-
to dos grevistas, ficando o compromisso de reposição das aulas conforme calendário de cada unidade escolar, como determina a legislação.
No dia 30 de junho, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) esteve na sede da FETEMS, em Campo Grande/ MS, para oficializar o compromisso de valorização dos(as) trabalhadores(as) em Educação de Mato Grosso do Sul. O primeiro compromisso assinado foi a alteração da Lei Complementar nº 087/2000, que passará a vigorar com nova redação do § 3º do art. 24 e com acréscimos dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 49, que rege sobre a política de implantação do piso salarial dos professores por 20h, que será consolidada em 2021. A partir de agora, os educadores terão dois reajustes anuais, o primeiro em janeiro, equivalente ao valor estabelecido pelo Ministério da Educação, e em outubro, referente à política estadual. O outro compromisso é referente à Eleição de Diretores da Rede Estadual de Ensino, no início do ano. A FETEMS entrou em embate com o governo sobre o tema e saiu vitoriosa, pois conseguiu manter os administrativos no processo eleitoral e manter também as eleições nas escolas indígenas, de período integral e de educação especial. Além disso, os alunos da 8ª série em diante poderão votar. A eleição será totalmente igualitária, pois valerá 50% dos votos da comunidade interna (professores e funcionários administrativos) e 50% da comunidade externa (pais e alunos). O projeto de lei altera as leis nº 3.244/2006 e nº 3.479/2007. Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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PERSONALIDADE
EUSEBIO In memoriam 1936 2015
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a bagagem para sua viagem além do horizonte, Eusebio Garcia Barrio leva sabedoria e o sentimento de missão cumprida. Na lembrança dos que ficam, o professor Eusebio deixa um legado de realizações e conquistas para a educação pública de Mato Grosso do Sul. O professor foi o primeiro presidente da FEPROSUL [Federação dos Professores de Mato Grosso do Sul – atual FETEMS], entre os anos de 1979 e 1983. “Lembro-me do primeiro Estatuto do Magistério, que foi elaborado por professores, unicamente indicados pela FEPROSUL. A gente nasceu com a criação do estado, e na época não tínhamos estrutura alguma. Começamos do zero e na labuta. Tudo foi com muita luta, todas as conquistas obtidas. Negociamos com professores do interior e da capital, até chegarmos num consenso de que éramos todos responsáveis pela entidade que nos representaria. Sintome feliz e ciente de toda a minha contribuição como primeiro presidente da maior entidade sindical do estado. Ainda pretendo escrever um livro, contando na íntegra toda essa história”, disse durante entrevista à revista Atuação, em 2013. Eusebio nasceu em 1936, na Província de Zamora, Castela, na Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola. Estudou Filosofia e Teologia. Veio para o Brasil em 1962. “Diziam que o Brasil era o país do futuro.” Trabalhou como professor em comunidades assistenciais na cidade do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, formou-se em Pedagogia. Em 1975, mudou-se para Aquidauana/MT, onde começou a lecionar em escolas de 1º e 2º graus. Em 1976, ingressou
na Universidade Estadual de Mato Grosso, passando a atuar no Centro Universitário de Aquidauana, como professor de Filosofia. Já nesse período, estava engajado no movimento sindical e filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi presidente da APA [Associação de Professores de Aquidauana]. Eusebio também foi o primeiro sul-mato-grossense a ser vice-presidente regional para o Centro-Oeste da Confederação dos Professores do Brasil (CPB), atualmente, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), por dois mandatos. Com a divisão do Estado de Mato Grosso e a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, coordenou várias equipes e grupos de trabalho na área da Educação, para elaboração do plano de carreira e enquadramento dos professores e especialistas de Educação. Também participou da elaboração do Estatuto do Magistério durante os governos de Harry Amorim Costa, Marcelo Miranda e Pedro Pedrossian.
“A FEPROSUL começou numa casa de madeira, que foi cedida pela Nelly Bacha, nas proximidades da Rua Engenheiro Roberto Mange, no bairro Amambaí. Quando chovia, molhava tudo, e a gente tinha que recolher o material” Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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“Participei das discussões para a formação da federação, dependíamos do Estado de Mato Grosso, e o poder público não estava nem aí pra gente. Quando foi criada a federação, nós fazíamos reunião na Escola Estadual Maria Constança Barros Machado, em Campo Grande.” “A FEPROSUL começou numa casa de madeira, que foi cedida pela Nelly Bacha, nas proximidades da Rua Engenheiro Roberto Mange, no bairro Amambaí. Quando chovia, molhava tudo, e a gente tinha que recolher o material. Depois fomos para um sobradinho ao lado do Senai, que o Biffi alugou.
Também trabalhamos numa sala na rodoviária até o Biffi ser eleito presidente.” Sobre o livro que o professor Eusébio disse que pretendia escrever, está em fase final de diagramação. A obra “Uma história a ser preservada: FEPROSUL – Fundação e crescimento do sindicalismo magisterial de Mato Grosso do Sul: 1979 a 1982” será lançada no Congresso da FETEMS, que acontecerá no mês de setembro. Mestre em Educação pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, trabalhou até se aposentar, em 1993, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Aquidauana.
O professor Eusebio dedicou os últimos dois anos de sua vida para redigir o livro que conta a história da FEPROSUL. A obra será lançada no Congresso da FETEMS, no mês de setembro.
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“Sinto-me feliz e ciente de toda a minha contribuição como primeiro presidente da maior entidade sindical do estado. Ainda pretendo escrever um livro, contando na íntegra toda essa história”
FÁTIMA DO SUL
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utoconhecimento, reconhecimento, aceitação. Esses são alguns dos princípios que servem de base a um projeto desenvolvido com as crianças da Educação Infantil (Pré I e II), da Escola Municipal Favo de Mel, em Fátima do Sul. O objetivo é levar as crianças a refletir sobre as diferenças, para estimular nelas atitudes de inclusão, respeito e valorização de si mesmo e do outro. Utilizando atividades lúdicas, com jogos, brincadeiras, música, desenho e contação de histórias, a professora Adriana Pereira da Silva Oliveira tem alcançado resultados tão bons, que o projeto “Conhecer
e Respeitar: Conviver com as Diferenças” foi premiado no final de 2014. O 4º Prêmio Ação Destaque selecionou projetos em sete categorias, desenvolvidas em escolas públicas municipais dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. As escolas participantes adotam o Sefe (Sistema Educacional Família e Escola), responsável pela organização do Prêmio. O projeto foi desenvolvido ao longo do primeiro semestre de 2014 e parte do segundo, envolvendo, no total, 35 crianças, com idade entre 4 e 5 anos.
AS ATIVIDADES VISAVAM PONTOS ESPECÍFICOS COMO: • • • • • • • • • • •
Levar os alunos a um pensamento reflexivo sobre as diferenças. Observar, identificar, aceitar, compreender, respeitar e conviver com as diferenças. Compreender, valorizar e respeitar a si mesmo como também ao próximo. Oportunizar o diálogo para troca de conhecimentos e solução de conflitos. Ser instrumento de respeito e valorização. Disseminar atitudes de respeito aos que estão em nossa volta para que eles também tenham mudanças de atitudes. Criar situações que aproximem os diferentes colegas de classe. Colaborar para que deixem atitudes excludentes. Desenvolver nas crianças atitudes de respeito e aceitação. Estimular a valorização da amizade. Incentivar a inclusão.
Para a professora Adriana, os resultados alcançados foram extremamente satisfatórios:
“Tínhamos crianças que, apesar da pouca idade, já se sentiam diminuídas por serem negras. Outras eram alvo de brincadeiras dos colegas por conta do nome, por exemplo. Ao final, conseguimos elevar a autoestima das crianças e aumentar o respeito ao outro, eliminando as brincadeiras que causavam constrangimento” Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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ENTREVISTA ESCOLA PANTANEIRA
Sem arco e flecha, muito distante da imagem estereotipada que domina o senso comum, o terena Wanderley lutou pelo direito à educação e por uma vida com mais respeito e dignidade
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anderley Dias Cardoso, indígena da etnia terena, nasceu e cresceu na aldeia Limão Verde, em Aquidauana/MS. Desde que se entende por gente, viu e participou das lutas de seu povo, pela retomada de terras tradicionais e pela garantia de direitos básicos, como educação, saúde e assistências sociais. A vivência com todos os tipos de carência fez com que o guerreiro terena lutasse por dias melhores. Seu único recurso era es-
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tudar. Estudou na aldeia até o 4º ano do Ensino Fundamental. “Era o que tinha na época”, conta. Em Aquidauana, com muito sacrifício, conseguiu terminar o Ensino Médio. “Precisei deixar a escola várias vezes para ir trabalhar como boia-fria no canavial, pois precisava garantir o sustento da família”, relembra. “Eu pensava assim: se um dia eu chegar à universidade, quero fazer História, para desmitificar a concepção de que índio é preguiçoso, vagabundo ou bêbado”, diz.
Guiado pelo destino e pela vontade de vencer, Wanderley foi para Campo Grande/MS, onde concluiu o sonhado curso de História, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Trabalhava e estudava. Logo após a conclusão do curso, fez mestrado em Desenvolvimento Local, também na UCDB. Depois do mestrado, concorreu à bolsa da Fundação Ford e fez doutorado no Rio Grande do Sul. Aos 43 anos, o doutor em História tem uma história de supe-
ração para contar aos seus alunos, amigos e familiares. Com os títulos conquistados por mérito próprio, Wanderley voltou para suas origens, leciona no Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no câmpus de Aquidauana, e é professor do Ensino Fundamental na Escola Municipal Indígena Polo Lutuma Dias, na aldeia Limão Verde. Em entrevista à Revista Atuação, o guerreiro que lutou sem armas faz uma leitura sobre o papel da educação formal nas comunidades indígenas. Atuação – No Brasil, quando começou o debate sobre educação específica para as comunidades plurais? Wanderley – O direito à Educação Escolar Indígena foi garantido na Constituição Federal de 1988, a partir daí a população indígena é reconhecida não mais naquela política de extermínio ou uniformização. Deixar de ensinar a língua materna em sala de aula era uma forma de extermínio cultural dos povos. A Constituição é o primeiro marco legal que reconhece os povos indígenas como cidadãos brasileiros e garante-lhes uma educação específica. Depois, em 1996, a LDB [Leis de Diretrizes e Bases da Educação] vem reforçar esse direito, e a Resolução nº 03/1999, do Conselho Nacional de Educação, cria a categoria de escola indígena. Atuação – Qual o ponto fundamental das novas diretrizes da Educação Escolar Indígena em Mato Grosso do Sul? Wanderley – Penso que o ponto mais importante é avançar na proposta de que a escola seja um instrumento da aldeia. Quando a escola oferecia o ensino até o 4º ano [Ensino Fundamental] nas aldeias, ela tinha uma finali-
dade. Em um debate na academia, eu disse que a escola na aldeia havia fracassado, e alguém na banca me redarguiu dizendo que ela não havia fracassado, que havia atingido seu objetivo, que era o de aniquilação, de anulação de uma sociedade em busca de seus direitos e de seu projeto de futuro na condição de um povo diferenciado. Essa minuta vem reforçar que a instituição escolar está cada vez mais à disposição do projeto de futuro da comunidade local, permitindo que cada povo indígena possa formatar a escola de acordo com seus interesses, sobretudo, cada vez mais, com a inserção do educador indígena atuando na gestão escolar, nas salas de aulas e no trabalho do dia a dia da escola. Atuação – Em algumas etnias, encontramos resistências, especialmente no que se refere à Educação Infantil. O que faz com que os Terena sejam diferenciados nesse sentido? Wanderley – Penso que está relacionado a um histórico de contato. O povo terena, por exemplo, sempre soube se relacionar tanto com outros povos indígenas, como com os não indígenas. Na Guerra do Paraguai [Tríplice Aliança (1864-1870)], o povo terena fez alianças com os Kadiwéu com os Guaicurus e também com os portugueses. Também existe uma proximidade dos Terena com o mundo urbano. Essa proximidade permitiu a adaptação de elementos e instituições não terenas (como a escola e a igreja) à vivência da comunidade. Isso permitiu uma ressignificação tanto desses elementos/instituições na comunidade, como da cultura terena como um todo. A questão da Educação Infantil já vem sendo discutida pelos Terena há alguns anos, e já é aceita na comunidade. Agora, para outros povos, ainda não é. Outro
“O maior desafio é promover a escola indígena de forma que ela possa ofertar projetos que venham a beneficiar as comunidades. A escola indígena continua sendo uma extensão da escola não indígena, tanto na proposta legal como na pedagógica. Eu defendo que o Ensino Médio na comunidade terena seja em tempo integral” ponto que entendemos ser importante, e até uma questão de necessidade para a comunidade, é a educação profissionalizante, o que para outros povos é uma questão que não está definida, assim como a Educação Infantil. A interação dos Terena com o mundo urbano e com outros povos criou esse perfil de fácil assimilação. É importante ressaltar que essa assimilação não significa negação da cultura indígena. A educação vem fortalecer a nossa cultura. Nós entendemos que a população terena precisa se apropriar de todos os níveis de educação que estão ao dispor da sociedade, entre eles, a tecnologia. Atuação – Sendo indígena, como é sua relação com os demais colegas dentro da universidade. Existe preconceito? Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015 |
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Wanderley – Existe sempre uma desconfiança. O preconceito em relação ao índio existe em todas as instâncias da sociedade.
“Quando estava no Ensino Médio, eu pensava assim: se um dia eu chegar à universidade, quero fazer História para desmitificar a concepção de que índio é preguiçoso, vagabundo ou bêbado. Eu desejava, no máximo, chegar à faculdade. Não planejei tudo isso” 16 | Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
Mesmo porque a formação do país se deu dessa maneira. Não só no mundo urbano existe resistência, mas dentro da própria aldeia. Por exemplo, com a criação da categoria de Escola Indígena, a resistência da comunidade em relação aos professores indígenas foi muito forte. Existia uma ideia de que, sendo um indígena ensinando na comunidade, a qualidade do ensino não seria a mesma. Muitos pais ameaçavam tirar os filhos da escola e matriculá-los na cidade. Também acreditavam que não era necessário o ensino da língua materna, argumentavam que a língua já era falada em casa. O preconceito sempre existe, a cada passo dado é preciso desmitificá-lo. Na academia não é diferente. Não diria que é um ‘preconceito’, mas uma desconfiança. Costumamos brincar: se o professor é índio, o coordenador é não índio. Se o coordenador é índio, o diretor é não índio. Parece que estamos sempre sendo vigiados, como se o índio, a qualquer momento, possa fazer algum desastre. Atuação – Quais os avanços e os desafios da Educação Escolar Indígena desde a Constituição de 1988? Wanderley – O principal avanço é a oferta da Educação Escolar Indígena em todas as séries do Ensino Fundamental. Antes, como já dissemos, só se ofertava até o 4º ano. Atualmente, já temos em algumas aldeias a oferta do Ensino Médio. Claro que ainda existe muita demanda reprimida. Outra questão é a condição para que o aluno se mantenha na escola. Eu mesmo tive que interromper os estudos para garantir a sobrevivência. No final do Ensino Fundamental, parei de estudar para trabalhar num cafezal. Depois, no Ensino Médio, parei para trabalhar num canavial. Eu não tinha um emprego na cidade que me permitisse manter os
estudos. Naquele momento era mais fácil eu voltar para aldeia e incorporar uma turma de boias-frias que saía para garantir o sustento. Hoje, já temos algumas políticas alternativas que garantem a permanência do aluno na escola. O maior desafio é promover a escola indígena de forma que ela possa ofertar projetos que venham a beneficiar as comunidades. A escola indígena continua sendo uma extensão da escola não indígena, tanto na proposta legal como na pedagógica. Eu defendo que o Ensino Médio na comunidade terena seja em tempo integral. Desta forma, em um período, o aluno vai estudar os conteúdos curriculares, e no outro vai ter acesso ao ensino técnico, com disciplinas que estejam voltadas para atender as necessidades da comunidade, como técnicas agrícolas e desenvolvimento sustentável. Atuação – O senhor estudou e voltou para a sua comunidade. Atualmente, com o conhecimento que adquiriu, presta serviço ao seu povo. Como a comunidade vê aqueles que não querem mais voltar para suas origens? Wanderley – Eu cresci ouvindo críticas sobre os que se formavam e iam embora. No meu caso, também recebi críticas quando voltei. Houve um estranhamento. As pessoas me perguntavam o que eu estava fazendo aqui. Por que não havia ficado junto com os outros que tinham estudado também. Penso que é preciso instituir novas políticas públicas, voltadas para as populações indígenas. Por exemplo: um indígena que decide estudar Medicina precisa ter garantias profissionais para retornar e trabalhar na aldeia. Como ele vai voltar se não tem emprego ou infraestrutura para trabalhar? Mas é preciso dizer que essa pessoa tem toda a liberdade de escolher o que for
melhor para ela. O ideal seria que atuasse como profissional e em benefício da sua comunidade. Atuação – O senhor usufruiu de algum benefício para estudar? Wanderley – Na verdade, a minha história se mistura a esse processo de lutas, conquistas e garantias para os povos indígenas. À medida que fui estudando, também fui participando dessas discussões. Mas nunca usufrui desses direitos enquanto aluno. Lutamos pelas cotas e pela bolsa universitária. Eu me lembro que para ter a garantia de alimentação e estadia em Campo Grande, era sofrível. Hoje em dia temos as bolsas específicas, que ajudam a nova geração de alunos indígenas. Atuação – Como é a demanda dos alunos que concluem o Ensino Médio para as universidades? Wanderley – A maioria dos alunos terenas tem interesse em continuar os estudos. As áreas de licenciatura são as mais procuradas, pois estão mais próximas da comunidade, nos campus das Universidades Federal e Estadual. Atuação – O senhor imaginava chegar onde chegou? Wanderley – Não. Imaginar isso seria um absurdo. Quando estava no Ensino Médio, eu pensava assim: se um dia eu chegar à universidade, quero fazer História para desmitificar a concepção de que índio é preguiçoso, vagabundo ou bêbado. Eu desejava, no máximo, chegar à faculdade. Não planejei tudo isso. Atuação – De que forma a educação pode contribuir para o futuro da comunidade indígena? Wanderley – Hoje a nossa luta maior é pela reconquista do território tradicional. Penso que a educação vem para colaborar nessas lutas e, depois, para que
as comunidades se preservem por meio de projetos e ações que visem o desenvolvimento sustentável. Atuação – Qual sua opinião sobre a FUNAI? Wanderley – No início, quando ainda era o SPI [Serviço de Proteção ao Índio], a instituição ajudou, inclusive, a desapropriar terras indígenas. O SPI agiu de
de 13 ministérios respondem pelas questões indígenas, e o índio não sabe disso. Não tem informações de como acessar esses recursos. Hoje, a FUNAI exerce um papel limitadíssimo, não tem força política junto aos poderes públicos. Restaram ao órgão algumas questões de elaboração de estudos para a demarcação de terras indígenas, mas faltam autonomia e legitimidade. É com tristeza que vejo um órgão como a FUNAI tão enfraquecido.
“A partir do governo Collor, a FUNAI Atuação – De que forma a FUNAI poderia se fortalecer? começa a perder a Wanderley – Penso que a responsabilidade FUNAI deveria ter a função e a autonomia de executar políticas sobre os setores públicas, sem subordinação a ouessenciais aos índios, tros órgãos. como a Educação Atuação – Não seria interessante que a categoria de profese a Saúde. Isso sores indígenas estivesse vincuenfraquece o órgão. lada a entidades representativas, como a FETEMS? Atualmente, mais Wanderley – Sim. No ano de de 13 ministérios 2009, nós organizamos o Fórum de Educação Escolar Indígena, respondem pelas onde debatemos a possibilidaquestões indígenas, de de se criar uma associação. Um ano depois, veio a regulação e o índio não sabe do MEC que dividiu a Educação Escolar Indígena em territórios. disso” Foram instituídos dois territórios maneira a facilitar a titulação de terras a não indígenas. Também foi o SPI que estabeleceu a questão das reservas. Reserva no verdadeiro sentido da palavra, reserva de misérias, de mão de obra barata, de confinamento de seres humanos e de todas as mazelas. Bom, quando o SPI se transforma em FUNAI, existe uma preocupação maior com a autoafirmação indígena, o que foi positivo para as populações. A partir do governo Collor, a FUNAI começa a perder a responsabilidade sobre os setores essenciais aos índios, como a Educação e a Saúde. Isso enfraquece o órgão. Atualmente, mais
em Mato Grosso do Sul, o Cone Sul e o Povos do Pantanal. E a proposta se criar uma associação a partir de uma unidade territorial acabou se dispersando. Temos alguns índios filiados aos SIMTEDs, mas sem nenhuma participação efetiva. Temos outro fator que impede a nossa filiação aos SIMTEDs, que é a questão dos contratos temporários de trabalho. Ficamos alguns meses do ano sem vínculo de trabalho. Todos os anos paramos de receber em novembro e voltamos a receber apenas em fevereiro. Mas estamos retomando o debate sobre a representatividade.
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CAPA
Em nova perspectiva e respaldada por diretrizes técnicas, a educação, que durante cinco séculos foi instrumento de dominação, começa a resgatar a dignidade dos povos indígenas
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“
Costumo dizer que no canavial ganhei um facão.” A frase é do doutor em História Wanderley Dias Cardoso, índio terena da aldeia Limão Verde, em Aquidauana/ MS. O professor faz uma analogia de sua vida com um trecho do artigo* de Jorge Eremites de Oliveira e Levi Marques Ferreira, em que uma liderança indígena, de 85 anos, conclui que os Terenas receberam do Governo Imperial apenas três botinas por lutarem ao lado do exército brasileiro contra as tropas paraguaias: “Duas no pé e uma na bunda”. Historiadores e antropólogos concordam que a participação dos índios na guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) interferiu profundamente na organização sociocultural dos povos indígenas que viviam no território onde posteriormente se constituiu o estado de Mato Grosso do Sul. O período pós-guerra foi marcado por um acelerado processo de desterritorialização da maior par-
te das aldeias e pela consequente marginalização dessa população que se envolveu, direta ou indiretamente, no episódio. Após 145 anos do fim do maior evento bélico das Américas, o cenário ainda é de batalha. Agora não mais entre nações, mas entre os próprios brasileiros. A hostilidade entre índios e não índios tem como pivô a demarcação de terras, motivo de mortes, invasões e constantes conflitos. Em Mato Grosso do Sul, de um lado, fazendeiros alegam que as terras lhes são de direito, uma vez que os títulos de propriedade foram emitidos pelo governo brasileiro, o qual estimulou, no período pós-guerra, o avanço das frentes de expansão econômica nas regiões de fronteira, como forma de proteger regiões consideradas vulneráveis ou devolutas. Do outro lado, os índios reivindicam as terras que lhes são tradicionais, posto que já habitavam o território desde tempos imemoriais. Na incansável luta por terra, a
vida segue. Para Wanderley Dias Cardoso, do facão e do canavial – provas da exclusão indígena – restou a lembrança dos dias difíceis em que precisou deixar a sala de aula para trabalhar como boia-fria, pois sacrificar os estudos era a única forma de garantir a sobrevivência da família. Entre idas e vindas do canavial, o terena conseguiu concluir o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Mudou-se para Campo Grande/MS, onde deu início à trajetória acadêmica. Era o começo de uma nova etapa, também repleta de dificuldades. “Eu me lembro de que era sofrível garantir alimentação e estadia. Tinha um desconto no valor da mensalidade do curso”, conta. Hoje, aos 43 anos, Wanderley é doutor em História, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no câmpus de Aquidauana, e professor do Ensino Fundamental na Escola Municipal Indígena Polo Lutuma Dias, na Aldeia Limão Verde.
MS tem a segunda maior população indígena do Brasil No Mato Grosso do Sul Brasil
815 mil
indígenas
80 mil índios. 2ª maior população do Brasil, atrás apenas do Estado do Amazonas
Os índios representam da população de MS
2,85%
Fonte: IBGE; Censo Demográfico 2010
*Jorge Eremites de Oliveira & Levi Marques Pereira – “Duas no pé e uma na bunda”: da participação Terena na guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança à luta pela ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti. In: Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 1 n. 2 – UFGD - Dourados Jul/Dez 2007.
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Leis que garantem direitos, educação que preserva a cultura A educação garantiu ao professor Wanderley emancipação e uma vida com mais dignidade. A escola, por sua vez, já foi instrumento de dominação e negação dos povos indígenas. Até há pouco tempo, a educação ofertada aos índios era monocultural, uniformizada e imposta pela sociedade não indígena, uma herança do processo de colonização. A doutora em educação bilingue, Onilda Sanches Nincao e coordenadora do Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind), da UFMS, câmpus Aquidauana, explica que, com a Constituição Federal de 1988, os povos indígenas passaram a ter garantido o direito à Educação Escolar Específica, com uso da língua materna em sala de aula, respeito à cultura e aos proces-
sos próprios de aprendizagem. “É preciso esclarecer que a escola sempre vai ser uma instituição não pertencente ou ‘natural’ das comunidades. Tradicionalmente, a educação dos índios sempre foi passada de pais para filhos”, diz. A consolidação de direitos trouxe uma nova perspectiva para a educação, que passou a ressignificar os processos de aprendizagem nas sociedades plurais, enfatizando no currículo escolar a reafirmação da cultura da comunidade onde a escola está inserida e a integração dos saberes locais aos conhecimentos universais (Matemática, Geografia, Física, etc.). Para Onilda, “a partir da efetivação desses direitos, a escola passa a ser um instrumento de defesa. Uma forma de garantir que os índios continuem sendo índios”.
O professor terena formado em História Valdevino Gonçalves confirma o pensamento da doutora Onilda: “A educação não enfraquece a nossa cultura; ao contrário, ela tem nos ajudado. As nossas conquistas sociais se deram a partir do momento em que saímos para estudar e voltamos com conhecimento”. De acordo com Valdevino, o professor indígena exerce um papel na aldeia que vai muito além do ato de ensinar. “Nós, professores, acabamos prestando vários serviços à comunidade. Ajudamos em questões burocráticas e documentais”, assinala. “A escola sempre se fez presente na nossa luta pelo território tradicional. A educação é importante para a garantia de nossos direitos”, completa o professor Wanderley Dias.
“É preciso esclarecer que a escola sempre vai ser uma instituição não pertencente ou ‘natural’ das comunidades. Tradicionalmente, a educação dos índios sempre foi passada de pais para filhos” Onilda Sanches Nincao, doutora em Educação Bilíngue e coordenadora do Prolind, da UFMS, câmpus Aquidauana
Diretrizes e necessidades
“A escola sempre se fez presente na nossa luta pelo território tradicional. A educação é importante para a garantia de nossos direitos” Wanderley Dias Cardoso, índio terena, doutor em História
Como a Educação Escolar Indígena ainda é uma política relativamente recente, aos poucos vai ganhando normatização, e surgem novas pautas para debate. Mato Grosso do Sul é pioneiro na publicação de diretrizes para a área. As novas regras foram publicadas no dia 28 de abril deste ano, no Diário Oficial do Estado. As resoluções nºs 2.960 e 2.961, que normatizam a Educação Escolar Indígena nos territórios etnoeducacionais Povos do Pantanal (Ofaié, Guató, Atikum, Terena, Kadiweu, Kinikinau, Camba) e no Cone Sul (Guarani e Kaiowa), são frutos da ação que aconteceu ao logo do ano de 2013, a qual envolveu mais de mil profissionais indígenas e não indígenas de 29 municípios. A resolução nº 03/1999 do Conselho Nacional de Educação determina que a administração das escolas indígenas seja de competência dos estados. Entretanto, anteriormente à resolução, os municípios já vinham desenvolvendo a oferta de escolas para a população indígena. Na prática, em Mato Grosso do Sul, os municípios continuam ofertando a maior parte do Ensino Funda-
mental, e o Estado, o Ensino Médio. “Pelo fato de os municípios manterem uma relação mais próxima às comunidades, a própria população indígena entende que é melhor que as escolas [Ensino Fundamental] sejam administradas pelo poder público local”, esclarece a doutora Onilda Sanches Nincao. As leis garantem a oferta de uma Educação Escolar Específica, mas a grande dificuldade é efetivar tais direitos. Nas escolas das aldeias faltam recursos, infraestrutura, bibliotecas e capacitação. O maior obstáculo para a equipe pedagógica e os alunos da Escola Municipal Indígena Polo Lutuma Dias, na Aldeia Limão Verde, é conviver com os precários computadores e o acesso ruim à internet. “Precisamos de mais computadores; os que temos mal funcionam. Os alunos precisam e solicitam contato com as tecnologias. Como qualquer outro aluno, querem estar conectados. Também precisamos desses recursos para realizar as atividades administrativas, como enviar os diários de classe para a Secretaria de Educação”,
diz a coordenadora pedagógica Enilda Dias. Com ou sem recursos, as escolas nas aldeias continuam funcionando. Na Lutuma Dias, no 3º ano do Ensino Fundamental, a rotina se divide em aulas dentro e fora da sala. Dois dias da semana são dedicados a atividades referentes às tradições indígenas, como o aprendizado da língua terena, colheita de sementes, plantas medicinais, oficinas de artesanato e visitas aos anciãos. A professora terena Valdirene Souza Cardoso conta que os alunos aprendem a conhecer as plantas medicinais e a fazer remédios com elas. “O chá de fedegoso serve para tratar os sintomas da dengue. As crianças já aprenderam a receita. Nem sempre é possível ir ao posto de saúde, fica longe. Por isso, utilizamos os recursos naturais que temos na aldeia para tratar algumas enfermidades”, explica. Outro aspecto trabalhado em sala de aula é a autoestima dos alunos. “Existe uma influência forte que vem da sociedade não indígena e da mídia; isso faz com que vários alunos não queiram ser índio, acham que ser índio é algo ruim. Procuramos mostrar que não há nada de errado em ter nascido índio, que somos seres humanos como os demais. Visitar os anciãos também ajuda a preservar a nossa história e o nosso orgulho”, conta a professora terena Ozieli Farias Francisco. A diretora da Escola Lutuma Dias, Arlene de Oliveira Souza, explica que a participação da comunidade é sempre considerada na organização da escola indígena: “As decisões da escola têm que ser passadas primeiro às lideranças [caciques] e depois à comunidade. Desta forma, lideranças, pais e professores aprovam ou não os projetos”. Para o professor Wanderley Dias Cardoso, o ensino nas aldeias deve atender as necessidades locais. “Precisamos de ações
para diversificar e aumentar nossa produção, recursos tecnológicos modernos e alternativas para comercialização do que produzimos. Precisamos de Assistência Técnica e Extensão Rural. Um Ensino Médio Profissionalizante nesta área nos ajudaria a suprir a demanda”, sugere. Além disso, o professor Wanderley aponta a ausência de políticas públicas que incentivem o retorno do índio graduado à aldeia, de forma que preste serviços à população: “Nós tivemos um aluno que se formou em Odontologia e não pôde ficar trabalhando aqui por falta de recursos. É preciso que haja infraestrutura e garantias profissionais que favoreçam a permanência desse profissional aqui, atendendo o seu povo”. O cacique da Limão Verde, Odir Cardoso, também acredita que cursos de Assistência Técnica são fundamentais. “O índio tem potencial, só que precisamos do apoio do poder público. Não queremos apenas ganhar cesta básica e merenda escolar. Queremos produzir dentro da comunidade e vender os nossos produtos. Queremos trabalhar, queremos usar a terra de forma correta. Nós queremos ter dignidade.
“O índio tem potencial, só que precisamos do apoio do poder público. Não queremos apenas ganhar cesta básica e merenda escolar. Queremos trabalhar, queremos usar a terra de forma correta. Nós queremos ter dignidade” Odir Cardoso, índio terena, cacique da aldeia Limão Verde, em Aquidauana/MS
“As decisões da escola têm que ser passadas primeiro às lideranças [caciques] e depois à comunidade. Desta forma, lideranças, pais e professores aprovam ou não os projetos” Arlene de Oliveira Souza, índia terena, diretora da Escola Lutuma Dias
“Existe uma influência forte que vem da sociedade não indígena e da mídia; isso faz com que vários alunos não queiram ser índio, acham que ser índio é algo ruim. Procuramos mostrar que não há nada de errado em ter nascido índio, que somos seres humanos como os demais. Visitar os anciãos também ajuda a preservar a nossa história e o nosso orgulho” Ozieli Farias Francisco, índia terena, professora
É lei! A política nacional de Educação Escolar Indígena atende preceitos legais estabelecidos na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Plano Nacional de Educação e na Convenção 167 da Organização Internacional do Trabalho. O Ministério da Educação (MEC) é responsável por coordenar as ações da Educação Escolar Indígena no país. A política educacional implementada pelo MEC para os povos indígenas é pautada pela oferta de uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue, e tem como objetivo garantir a essas populações a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas e a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional, tal como preceituado nos artigos 78 e 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (Fonte: MEC) 24 | Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
Escolas Indígenas em Mato Grosso do Sul 56 estabelecimentos
nos moldes da educação específica
41 escolas municipais 14 ESCOLAS estaduais
sendo três com oferta de Ensino Fundamental e Ensino Médio
1 ESCOLA privada 600 professores indígenas
(aproximadamente) estão atuando nas aldeias do estado. Os indígenas também ocupam cargos de coordenador e diretor escolar
Fonte: Indígenas no ensino superior - As experiências do programa Rede de Saberes em Mato Grosso do Sul; Censo Escolar 2011
É importante saber a diferença! Educação Indígena
Educação Escolar Indígena
É o ensinamento passado por meio da família, de pais para filhos, como a cultura, os hábitos, a língua materna, e as tradições. Ao logo dos séculos, a educação indígena vem sendo ressignificada, pois as práticas tradicionais mudam, como em qualquer outra sociedade. Nada fica parado no tempo.
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É a oferta de escolas para os povos indígenas e a normatização dessas instituições dentro das comunidades, de forma a integrar os conhecimentos universais (Matemática, Geografia, Física, etc.) ao conhecimento sociocultural de cada etnia.
Cotas Agora, o desafio é a permanência Com a esperança de melhores oportunidades por meio da educação, Valdevino Gonçalves resolveu seguir o exemplo do primo Wanderley e deixou a aldeia Limão Verde em busca do diploma. “Quando saí para estudar, saí sem nada. Minha mãe ficou chorando. Enfrentei todos os tipos de necessidades. Na universidade, precisei encarar o choque cultural: todos eram brancos e eu ficava sempre de lado. Nós, indígenas, temos dificuldade em nos expressar por causa da língua materna, isso nos exclui. Com o dinheiro que ganhavam na roça e na feira, meus pais conseguiram me ajudar a terminar os estudos”, lembra o professor
de História. As políticas de ações afirmativas garantiram aos estudantes pobres, pretos, pardos e índios o acesso ao Ensino Superior. Contudo, pouco mais de uma década após a implantação do sistema de cotas, o desafio das instituições e do poder público tem sido manter esses alunos nos bancos universitários. A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) foi a primeira no estado e a terceira do país a implantar as cotas. Uma pesquisa realizada pela própria UEMS identificou que, do período da implantação do sistema, em 2002, até o ano de 2012, nas 1.820 vagas reservadas para
“Quando saí para estudar, saí sem nada. Minha mãe ficou chorando. Enfrentei todos os tipos de necessidades. Na universidade, precisei encarar o choque cultural: todos eram brancos e eu ficava sempre de lado. Nós, indígenas, temos dificuldade em nos expressar por causa da língua materna, isso nos exclui” Valdevino Gonçalves, índio terena, professor de História
indígenas (o equivalente a 10% das vagas), apenas 731 alunos foram matriculados e apenas 68 concluíram o curso, ou seja, 9,3% do total de matriculados. O cenário de evasão é formado basicamente por fatores relacionados à falta de recursos das famílias para manter o aluno fora da aldeia, ao contraste cultural, à diferença no idioma, à necessidade de trabalho e à deficiência no Ensino Básico. Em 2011, segundo dados do Ministério da Educação, haviam 3,5 mil indígenas entre o total de 1,77 milhão de alunos matriculados no Ensino Superior público, ou seja, um indígena a cada 500 alunos.
Alternativas Alguns programas que oferecem bolsas e monitorias foram criados pela iniciativa privada e pelo poder público, como forma de evitar a evasão universitária dos estudantes com perfil socioeconômico vulnerável. Em 2005 foi implantado em Mato Grosso do Sul o Programa Rede de Saberes – permanência de indígenas no Ensino Superior, financiado pela Fundação Ford, sob a coordenação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As primeiras universidades a implantar o programa foram a Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS); posteriormente, a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) também aderiram ao programa. Cerca de 800 acadêmicos indígenas estão matriculados nas universidades mencionadas. De acordo com a coordenadora local, Eva Maria Luiz Ferreira, ao longo de 10 anos, o Rede de Saberes se consolidou como metodologia de permanência e apoio à autonomia indígena. “O programa atua na facilitação de
acesso aos materiais didáticos, na disponibilização de estrutura (salas de informática e equipamentos), no suporte à realização de tarefas acadêmicas e outras assistências aos alunos”, explica. Em 2013, o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa Bolsa Permanência, que garante aos universitários indígenas o valor de R$ 900,00 mensais para que permaneçam fora de suas aldeias e cidades de origem durante o período letivo. No que diz respeito à formação de professores indígenas, também sugiram vários programas e cursos específicos.
Amostragem da composição étnica dos acadêmicos indígenas de Mato Grosso do Sul (2009) Não informado
7
Xavante
3
Kaingang
2
Kinikinau
1
Kadiweu
12 243
Terena
68
Guarani
89
Kaiowá 0
50
100
150
200
Gráfico extraído de AGUILERA URQUIZA; NASCIMENTO & ESPÍNDOLA (2011, p. 82), com base em levantamento realizado pela equipe do Programa Rede de Saberes.
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300
Formação O primeiro curso superior de formação indígena do Brasil nasceu em Mato Grosso do Sul. O Normal Superior Indígena era ofertado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), sob a coordenação da professora doutora Onilda Sanches Nincao, e funcionou entre 2001 e 2005, no câmpus de Aquidauana. “A principal característica do curso era a formação de professores para lecionar nas séries iniciais. “As licenciaturas indígenas, inclusive a que coordeno atualmente, formam professores para trabalhar nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.” No estado, a formação de professores indígenas para trabalhar nas séries iniciais é feita por meio do Curso Normal Médio Formação de Professores Indígenas (Magistério) da Secretaria de Estado de Educação (SED), em parceria com as secretarias municipais. Para Onilda, o Normal Superior Indígena era de suma importância para garantir a qualidade da educação básica. “A formação de professores por meio do Magistério foi extinta há muito tempo no país. Então, por que continuar ofertando essa formação apenas aos índios? Isso é diminuir a capacidade deles. É preciso ressaltar que os professores indígenas têm uma complexidade muito maior no ato de ensinar, devido ao bilinguismo.
É preciso ter um vasto conhecimento de linguística e sociolinguística para trabalhar na alfabetização. Por isso, a formação superior se faz necessária”, justifica. No debate sobre formação superior indígena, o MEC lançou o Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind) e abriu edital para as universidades interessadas. A UFMS, câmpus de Aquidauana, concorreu e, recentemente, formou 90 professores indígenas que estão habilitados a lecionar nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, nas disciplinas de Geografia, Matemática, História, Língua Portuguesa, Física, Química, etc. É o caso do recém-formado em Ciências Sociais Zaqueu de Souza, índio da etnia Guató, da aldeia Uberaba, em Corumbá. “Para mim, é uma vitória muito grande. Minha aldeia fica a 350 quilômetros de distância de Corumbá, na divisa com o estado de Mato Grosso e na fronteira com a Bolívia. O único meio de chegar lá é de barco ou de avião. Nós, índios, não temos avião. A viagem de barco dura 36 horas para ir e mais 36 horas para voltar. Com essa distância, fica difícil estudar. Na minha aldeia, fui o único a conseguir fazer a graduação. Somos sete educadores, e vamos lutar para que eles possam fazer a faculdade também.”
“Para mim, é uma vitória muito grande. Minha aldeia fica a 350 quilômetros de distância de Corumbá, na divisa com o estado de Mato Grosso e na fronteira com a Bolívia. O único meio de chegar lá é de barco ou de avião. Nós, índios, não temos avião. A viagem de barco dura 36 horas para ir e mais 36 horas para voltar. Com essa distância, fica difícil estudar. Na minha aldeia, fui o único a conseguir fazer a graduação. Somos sete educadores, e vamos lutar para que eles possam fazer a faculdade também” Zaqueu de Souza, recém-formado em Ciências Sociais, índio da etnia Guató, da aldeia Uberaba, em Corumbá
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Lei das Cotas O Brasil deu um grande passo rumo à inclusão: a Lei Federal nº 12.711, de 2012, chamada Lei das Cotas, define que as Instituições de Ensino Superior vinculadas ao Ministério da Educação e as Instituições Federais de Ensino Técnico de Nível Médio devem reservar 50% de suas vagas para estudantes que cursaram o Ensino Médio público, em cursos regulares ou da Educação de Jovens e Adultos. Os demais 50% permanecem para ampla concorrência. A partir da promulgação, começou a contar o prazo de quatro anos para a implementação integral de lei. Nos vestibulares de 2013, as instituições tiveram que reservar o mínimo de 12,5% do total de vagas; em 2014, o mínimo foi de 25%; em 2015, 97,5% e, em 2016, metade das vagas deverá ser reservada para as cotas, como prevê a legislação. Fonte: MEC.
“Isso representa um avanço e uma conquista. É o fruto de muitos anos de luta e batalha. Eu já havia começado o curso de Matemática na UCDB, mas por falta de recursos não pude concluir. Quando surgiu essa oportunidade, abraçamos a causa. Com o curso superior, podemos melhorar a qualidade da educação na nossa comunidade. Meu projeto é continuar trabalhando pelo meu povo e continuar estudando” Arcênio Francisco Dias, recémformado em Matemática, índio da etnia Terena, da aldeia Limão Verde, em Aquidauana
Prolind O Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind) é um programa realizado pelo Ministério da Educação (MEC), numa iniciativa conjunta de duas de suas secretarias: a Secretaria de Educação a Distância, Alfabetização e Diversidade (Secad) e a Secretaria de Ensino Superior (SESU). O principal objetivo do programa é apoiar financeiramente cursos de licenciatura especificamente destinados à formação de professores de escolas indígenas, as chamadas licenciaturas indígenas ou licenciaturas interculturais. O Prolind não constitui uma política de apoio permanente, sendo a liberação de fluxos financeiros condicionada pela criação de editais que selecionam os projetos das universidades públicas interessadas. Foram lançados até hoje três instrumentos jurídicos desse tipo (o já mencionado edital de 2005, o edital de 2008 e o de 2009), que, por sua vez, já contemplaram 20 institutos de ensino superior. O MEC estima que 1.564 professores indígenas estavam em formação no ano de 2010, em cursos financiados pelo programa. Fonte: ensinosuperiorindigena.wordpress.com.
“Estar aqui hoje é uma vitória do meu povo. Fiz a faculdade tardiamente porque não tive a oportunidade de fazer antes. Com a graduação, podemos melhorar o ensino na nossa escola. Depois de 14 anos de experiência no Magistério, agora tenho um diploma de curso superior” Gilberto Pires, recém-formado em Ciências Sociais, índio da etnia Kadiweu, da aldeia Alves de Barros, em Porto Murtinho
Escolas Indígenas de Porto Lindo/Yvy Katu valorizam o conhecimento, a cultura e a ciência do povo Guarani Por Nanci Silva
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ma aula diferente. No centro da sala não está um professor, mas sim um Ñanderu, um rezador, um ancião, que, com um mbaraka (chocalho) na mão e muitos conhecimentos na cabeça, é a memória viva dos antepassados Guarani. Por cultivar os ensinamentos tradicionais e a espiritualidade da comunidade, é reconhecido como uma importante autoridade. Com voz baixa e grande serenidade, o Ñanderu Aprício Martins explica que o mbaraka é um instrumento sagrado que, ao ser tocado, coloca a pessoa em sintonia com o Tupã, o deus dos Guarani. E, assim, o Ñanderu prende a atenção dos alunos da escola municipal Tekohá Guarani Polo, que teve uma programação especial durante a Semana dos Povos Indígenas, realizada no último mês de abril. A escola está localizada na aldeia Porto Lindo, em Japorã, a 480 quilômetros de Campo Grande, no extremo Sul do estado, fronteira com o Paraguai. É assim, recuperando e fortalecendo as tradições guarani, que as escolas de Porto Lindo promovem o encontro entre o conhecimento e os saberes indígenas e não indígenas. As crianças estão aprendendo desde o valor do jeroky e guachiré, que são danças religiosas tradi-
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cionais, até a aplicação dos conceitos matemáticos milenares. Junto a Porto Lindo está Yvi Katu. Esses dois tekohás (aldeias), de acordo com o censo da Funasa/Sesai de 2014, abrigam quase 4.500 pessoas das etnias Guarani-Ñandeva e Kaiowá, ou seja, quase 60% da população do município. Nas quatro escolas onde estudam 1.100 crianças e adolescentes, a educação escolar é bilíngue, ou seja, as aulas são ministradas em Português e Guarani. A língua é um elemento vital para qualquer povo, uma vez que traz consigo conhecimentos incorporados a ela, como os conhecimentos culturais, ecológicos e científicos. A língua mantém viva a cultura. O professor e coordenador pedagógico da rede municipal de Japorã, Joaquim Adiala, cujo nome em guarani é Guarani Atemim, que significa pequeno guarani, esclarece que hoje a educação escolar indígena tem o desafio de complementar os conhecimentos tradicionais do povo Guarani, promover a cultura e fortalecer as lutas dos povos indígenas, além de garantir o acesso aos códigos escolares
não indígenas. Isso significa um grande avanço quando se compara com o passado. “A primeira escola que chegou às aldeias, por meio da Funai e da Missão Evangélica, tinha o olhar, o conteúdo e o método colonizadores, e visava catequizar e liquidar com a nossa língua e com os nossos saberes”, relata. Joaquim é formado em Matemática pelo curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e também é graduado em Pedagogia. Ele ressalta que, ao contrário do que prevalece no senso comum dos não indígenas e ainda é difundido pelas escolas brasileiras, cultura não é só dança: “Cultura é o nosso modo de ser e viver. É a nossa forma de organização política, social e econômica. É a nossa língua, é a nossa identidade”. Compartilha da mesma opinião o professor de Educação Infantil Eliezer Martins Rodrigues, cujo nome em Guarani é Avá Tendotá, que significa
aquele que está sempre à frente dos desafios e das lutas. Formado em Ciências Sociais pelo curso de Licenciatura Indígena da UFGD, ele reforça que a língua é fundamental para manter vivos os conhecimentos que vêm sendo transmitidos de geração em geração. “Sem a língua, não existe cultura”, afirma. Mas tanto a língua como o jeito de ser dos Guarani vêm sendo, ao longo dos anos, alvo de preconceito e perseguições. Situação que se agravou com a entrada de diversas igrejas evangélicas pentecostais na aldeia. Para compreender a riqueza e a diversidade da educação tradicional indígena, é preciso estar aberto à multiculturalidade, superando o olhar eurocêntrico, colonizador e preconceituoso. Daniel Munduruku, graduado em Filosofia, História e Psicologia, doutor em Educação e escritor premiado, da etnia Munduruku, do Pará, com mais de 40 livros publicados, diz que a cultura indígena ainda é vista como folclórica. Isso
é fruto de uma política que sempre tratou os indígenas como seres do passado, parados no tempo, sem história. “O resultado disso tem sido desastroso para a própria sociedade, pois acabou negando a participação efetiva de nossa gente indígena na composição da identidade nacional”. Em seu artigo A Milenar Arte de Ensinar dos Povos Indígenas, Daniel afirma que educar é dar sentido: “É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam desse sentido para se realizar plenamente. Mas também nossos corpos são vazios de imagens e elas precisam fazer parte da nossa mente para que possamos dar respostas ao que nos apresentam diuturnamente como desafios da existência. É por isso que não basta dar alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o espírito. Sem comida o corpo enfraquece, e, sem sentido, é a alma que se entrega ao vazio da existência”.
Fotos: Onésio Dias Eugênio Gonçalves Nanci Silva Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015 |
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Identidade Guarani Cultura viva na escola Baseado neste tripé – corpo, mente e espríto –, o professor Joaquim explica que quando as crianças são educadas por professores indígenas, elas são formadas para a afirmação e a valorização da sua identidade. Nesse contexto, o universo escolar não pode estar separado da comunidade e precisa estar aberto à participação dos anciãos, os ñanderus e ñandecys, que são os rezadores e as rezadoras. Na Semana dos Povos Indígenas de 2015, por exemplo, a escola municipal Tekohá Guarani Polo organizou uma agenda de atividades com a presença de rezadores, danças, reflexões e ensinamentos, a Semana dos Povos Indígenas possibilitou, dentro do espaço escolar, o encontro de saberes entre as gerações.
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Se com os ñaderus e ñandecys as novas gerações vão aprendendo a atualizar o conhecimento milenar e vão obtendo o saber imemorial capaz de dar sentido ao estar no mundo, ou seja, o sentido da própria existência, o espaço territorial é o local onde isso pode ser vivenciado. Por essa razão, a terra, o tekohá, é muito mais do que uma localidade indígena, um território físico. É um espaço vital, que não pode ser definido por instrumentos topográficos que instituem os limites geográficos. A terra é onde se cultua o modo de viver, sentir, de se relacionar e de ser dos Guarani. “Tekohá vem de teko que, para nós, é vida. Sem a terra, sem o nosso território, sem o nosso espaço, não existe cultura,
não existe vida”, afirma o professor Joaquim. Para os Guarani, tudo está integrado: terra, água, meio ambiente, conhecimento, cultura, espiritualidade. Tudo compõe a sua cosmologia.
Ciência e Tecnologia
Articulando saberes indígenas e não indígenas A valorização da cultura tradicional indígena, no entanto, não significa desprezar os saberes não indígenas. Para o professor Joaquim, também é importante promover o encontro dos dois campos, das duas culturas. “Precisamos nos apropriar e ter acesso a outros saberes e tecnologias. Eles podem nos ajudar a viver melhor, e ter acesso a isso não significa que vamos deixar de ser indígenas”, esclarece. Ele enfatiza que a universidade ajuda a aperfeiçoar os conhecimentos, a ciência e os saberes indígenas, bem como possibilita melhor compreensão sobre o funcionamento das estruturas do outro lado da sociedade. O professor Eugênio Gonçalvez, que está se formando em Matemática, também pela UFGD, vai na mesma direção: “Ser indígena Guarani e ser professor faz com que eu aprenda vários conceitos e relações pelas quais a Matemática percorre e, depois, aplico isso na minha comunidade, relacionando esses conceitos com o conhecimento matemático milenar que, muitas vezes, não é reconhecido. Assim, busco contextualizar tudo que aprendo na universidade com o conhecimento da nossa cultura”. Foi ensinando os seus alunos a confeccionar o mbaraka, sob a orientação dos ñanderus, que Eugênio mostrou que a Matemática está em todas as atividades cotidianas das pessoas, das mais simples até as mais complexas.
Porto Lindo e Yvy Katu:
uma história de resistência e lutas Antes da chegada dos não indígenas à região de Japorã, os Guarani viviam espalhados na beira do rio Iguatemi, configurando uma grande aldeia. Por volta de 1918, a companhia Mate Laranjeira colocou os pés na região e, com ela, chegou a violência e a expropriação das terras indígenas. A Mate Laranjeira passou a extrair e a vender a erva-mate, que existia em abundância na localidade. Para melhor explorar essa matéria-prima e a mão de obra indígena, os empresários, em articulação com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), expulsaram as famílias das suas terras, confinando-as num pequeno território, que recebeu o nome de Porto Lindo. Sem condições de sobreviver numa área tão pequena, a
qual abriga hoje quase cinco mil pessoas, os indígenas, com base nos seus direitos constitucionais, iniciaram um processo de retomada dos seus territórios. São mais de 30 anos de luta pela demarcação de Yvy Katu, tekohá expropriado dos indígenas de Porto Lindo. Nesse período de retomada, sofreram despejo, violência física, perseguição, e tiveram lideranças assassinadas. Hoje, a demarcação física já foi realizada, faltando agora a homologação pela Presidência da República, ato final da demarcação. Mas essa homologação está demorando e, sem ela, a comunidade fica sem acesso aos equipamentos sociais, uma vez que a legislação impede a construção de bens públicos em áreas cujo processo de demarcação não esteja concluído. * Nanci Silva é jornalista e diretora de criação da Íris Comunicação Integrada
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ARTIGO
por Joaquim Adiala
Educação Escolar
INDÍGENA
P
ara dar início ao texto, vou falar um pouco da educação indígena de Mato Grosso do Sul. Os povos existentes no estado são os do Pantanal (Kadiwéu, Terena, Kinikinau, Guató, Ofaié, Camba, Atikum) e os do Cone Sul (Guarani e Kaiowá). Até onde tenho conhecimento, apenas o povo Guató, localizado na região do Pantanal, tem suas escolas vinculadas à Secretaria Estadual de Educação (SED), desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Já as demais etnias têm suas escolas vinculadas às secretarias municipais de Edu-
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em
Mato Grosso do Sul cação (Educação Infantil, Ensino Fundamental, e algumas aldeias têm escolas de Ensino Médio). Neste sentido, quero falar especificamente sobre o território Guarani e Kaiowá, ao qual pertenço, cujas escolas também estão vinculadas às secretarias municipais de Educação (Educação Infantil e Ensino Fundamental). Nós, Guarani e Kaiowá, somamos 45 mil indígenas distribuídos na região do Cone Sul do estado. Para essa população, só dispomos de cinco escolas de Ensino Médio: Escola Indígena Tengatui Marangatu, no município de Dou-
rados; Escola Indígena Ñandejara, no município de Caarapó; Escola Indígena Ubaldo Arandu Kuemi, no município de Tacuru; Escola Estadual Indígena Mbo Eroy Guarani Kaiowá, localizada na aldeia Amambai, no município de mesmo nome; e a Escola Municipal Indígena Ñande Reko Arandul, localizada na aldeia Taqueri, no município de Coronel Sapucaia. A população indígena do Cone Sul está distribuída em reservas indígenas, terras em litígio ou em beira de estradas. Neste contexto, há inúmeras crianças sem ir à escola, especialmente as que
vivem em áreas de conflitos. As escolas que existem não são suficientes para atender a demanda de alunos, faltam vagas na Educação Infantil, e as poucas escolas existentes têm infraestrutura precária. Nenhum governo quer assumir a responsabilidade da Educação Escolar Indígena. Além disso, também enfrentamos resistências relacionadas à nossa cultura. Existem muitos pais indígenas que se sentem inseguros em mandar as crianças com idade entre quatro e cinco anos para a escola. A própria comunidade resiste ao ingresso na Educação Infantil. Essas são questões que merecem um debate amplo. Como professor indígena, formado em Pedagogia e licenciado em Matemática Intercultural Indígena, penso e defendo que a educação é o melhor caminho para discutirmos nossos problemas e construirmos juntos propostas de melhores condições de vida para as nossas comunidades. Acredito que precisamos preservar a nossa cultura, manter aquilo que serve e beneficia a nossa população, mas também é necessário romper com alguns costumes e aceitar aquilo que é de outras culturas e que vem a beneficiar a comunidade indígena. Não quero pregar aqui que todos os pais indígenas devam matricular suas crianças pequenas na Educação Infantil, mas vejo que, muitas vezes, os índios aceitam com mais facilidade as igrejas, as danças e as músicas, do que a educação. Claro que todas essas situações também são importantes para as comunidades. Eu confio na Escola Indígena. Contudo, é preciso respeitar as decisões da comunidade, os órgãos públicos precisam escutá-
-las, e as escolas indígenas devem ser gerenciadas pela comunidade onde estiver instalada. Não podemos aceitar as imposições do poder público. Eles acham que a educação deles vai servir aos índios, mas não deve ser assim. Nós, índios, também temos coisas a ensinar aos não índios. Porém, é importante conhecermos a escola deles, para, a partir daí, construirmos a nossa escola dentro de diretrizes que melhor atendam nossas necessidades e nossa realidade. Posso assegurar que é impossível a população indígena de Mato Grosso do Sul viver isolada, aprendendo apenas a língua, a cultura e os conhecimentos indígenas. Por outro lado, cometeremos um etnocídio se não ensinarmos o nosso idioma e não passarmos a nossa cultura às nossas crianças. A escola indígena tem um grande desafio a enfrentar, o de integrar conhecimento indígena e não indígena à didática pedagógica, considerando que as duas culturas são importantes. Além disso, é preciso ressaltar a importância da formação de professores em Mato Grosso Sul, uma conquista fruto de muita luta dos Movimentos dos Povos Indígenas, que resultou na criação do Projeto Ára Verá (que significa “espaço –tempo iluminado”), um Curso Normal em Nível Médio de Formação de Professores Guarani/Kaiowá e, ainda, o Projeto Povos do Pantanal, um Curso Normal em Nível Médio de Formação de Professores Indígenas, que visa formar os professores indígenas Atikum, Guató, Kinikinau, Kadiwéu, Ofaié e Terena em Nível Médio, com habilitação para o exercício do Magistério junto a alunos da Educação Infantil, nas comunidades indígenas. O projeto
Joaquim Adiala é coordenador pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Japorã/MS
Ará Verá já formou cinco turmas e já está previsto o início da sexta. Da mesma forma, garantimos a formação em Nível Superior como a Licenciatura Intercultural. Era preciso a formação superior dos docentes para dar continuidade à atuação na aprendizagem dos alunos nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Inicialmente, o projeto de formação superior estava a cargo da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), mas, antes mesmo de ser aprovado, sofreu várias modificações pela própria universidade. A instituição não estava engajada na proposta. Sendo assim, uma Comissão de Professores recorreu ao Ministério Público para retirar o projeto da UEMS. No mesmo período, nasceu a Universidade Federal da Grande Dourados, com ideias inovadoras e conceito de conhecimento sem fronteira. O reitor Damião se colocou à disposição para nos ajudar. O projeto continua formando docentes indígenas e integra quatro áreas de conhecimento (Ciências Sociais Intercultural, Ciências da Natureza Intercultural, Matemática Intercultural e Linguagem Intercultural). Também é preciso mencionar o curso do Magistério Indígena e a Licenciatura Intercultural, ambos com parceria efetiva das secretarias municipais de Educação. O município de Japorã/MS também dispõe dessa parceria.
DIREITOS HUMANOS
pec 171
Redução da maioridade penal descumpre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil
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A
provada na Câmara dos Deputados, no dia 2 de julho de 2015, a PEC 171/93 [Proposta de Emenda à Constituição], que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, gerou polêmica e ganhou as principais manchetes do país. Votaram a favor 323 deputados, 155 contrários e houve duas abstenções. Eram necessários ao menos 308 votos a favor para a matéria seguir tramitando. Para virar lei, o texto ainda precisa ser apreciado mais uma vez na Casa e, depois, ser votado em outros dois turnos no Senado. Um dia antes, a proposta tinha sido derrubada, com 303 votos favoráveis, outros 184 votos contra e três abstenções. Contudo, uma manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reverteu o cenário, e a PEC foi aprovada no dia seguinte. Para o pesquisador *Roberto da Silva, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), “a redução da maioridade penal descumpre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU)”. A ONU possui um Comitê dos Direitos da Criança, que recomenda o estabelecimento da maioridade penal em 18 anos, com leis e um sistema judicial especializado para crimes cometidos antes dessa idade. É o que ocorre na maior parte do mundo: segundo levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de 59 países analisados, 80% definem a idade penal a partir dos 18 anos. Para a ONU, contrária à medida, isso só agravaria o problema da violência no país. “Encarcerar jovens de 16 e 17 anos em presí-
dios superlotados será expô-los à influência direta de facções do crime organizado”, disse a organização em um comunicado sobre a questão. O ECA é considerado um marco na proteção à criança e ao adolescente, por institucionalizar direitos como a prioridade no atendimento, uma vez que, nessa etapa da vida, os indivíduos estão em fase peculiar de desenvolvimento. O Estatuto também discorre sobre a observação de medidas socioeducativas para o caso de atos infracionais praticados por jovens com menos de 18 anos. Roberto da Silva é organizador do livro “Ciência da delinquência: o olhar da USP sobre o ato infracional, o infrator, as medidas socioeducativas e suas práticas”, lançado no ano de 2013, em comemoração aos 23 anos do ECA. A publicação conta com uma série de artigos, oriundos de pesquisas das mais diversas áreas acerca da temática da criminalidade. No livro, Silva é autor do artigo “Por que dizer não à redução da maioridade penal”. Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a redução da maioridade penal é inconstitucional, assim como a votação do projeto menos de 24 horas após a Câmara ter rejeitado proposta sobre o tema. O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, no último dia 2 de julho, disse em nota “que a entidade considera um equívoco colocar mais alunos nas universidades do crime, que são os presídios do país. Mais adequado é aumentar o rigor de sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente, aumentar o prazo de internação, ampliar o período diário de serviços comunitários para quem comete delitos, obrigar a frequência escolar e o pernoite em casa, além de investir na inclusão de todos”. Dados – No Brasil, existem 111 mil jovens detidos por algum
crime, e eles representam 0,5% da população de 21 milhões de adolescentes brasileiros. Com a aprovação da PEC 171, esses jovens deixam de receber punições socioeducativas para cumprir pena no sistema prisional brasileiro, que tem sérios problemas de superlotação, insalubridade e negação de direitos básicos, como educação, saúde e trabalho. Os últimos dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de julho de 2013, apontam que existem 574.027 presos no país, para um total de 317.733 vagas. No estado de São Paulo, onde está quase a metade do total de menores infratores brasileiros, 67,7% são negros e pardos, e apenas 0,88% cometeu homicídio qualificado. A maioria está internada por roubo (43%) ou tráfico de drogas (39%) e não tem Ensino Fundamental completo. De acordo com a Anistia Internacional, mais da metade dos homicídios tem como alvo jovens entre 15 e 29 anos, e 77% deles são negros. Segundo dados da Fundação Casa de São Paulo, o índice de reincidência dos infratores é de 15%, menor que o das penitenciárias, com 70%. O Brasil também está em 4º lugar no ranking da Organização Mundial da Saúde com 99 países, sobre mortalidade de jovens entre 15 e 19 anos. (Com informações da Agência Universitária de Notícias – USP; Jornal Folha de São Paulo e Revista Galileu).
Roberto da Silva já foi interno da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor [Febem] e atual Fundação Casa, e interno no complexo do Carandiru; como ex-presidiário concluiu o Ensino Fundamental e Médio, formou-se em Pedagogia, fez Mestrado em Educação e tornou-se doutor e livredocente pela Universidade de São Paulo (USP). *
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População carcerária Presos no Brasil
Vagas nos presídios
574.027
317.733 Deficit de vagas
256.294
“A redução da maioridade penal descumpre o Estatuto da Criança e do Adolescente” Roberto da Silva é professor da Faculdade de Educação da USP e organizador do livro Ciência da delinquência: o olhar da USP sobre o ato infracional, o infrator, as medidas socioeducativas e suas práticas
18 Razões CONTRA a Redução da Maioridade Penal 1°. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional. A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional. Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa de entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.
2°. Porque a lei já existe. Resta ser cumprida! O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação. As instituições que
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Fonte: Depen, 2013.
recebem esses adolescentes não dispõem de infraestrura adequada e, muitas vezes, reproduzem o ambiente de uma penitenciária. No Brasil, de acordo com o ECA, o adolescente pode ficar até nove anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando-o se reinserir na sociedade. Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre!
3°. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%. Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe os(as) adolescentes a mecanismos/ comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%. A violência não será solucionada com a culpabilização e a punição, mas pela ação da sociedade e dos governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantêm a violência só gera mais violência.
4°. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas. O Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil). O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”. Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.
5°. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência. Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência. No sentido contrário, no entanto, observa-se que são as políticas e as ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade. Dados do Unicef revelam a experiência malsucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.
6°. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial. Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países. De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro. Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.
7°. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado. A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e aos adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando a operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa. A definição do adolescente como pessoa Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente. A imposição de medidas socioeducativas e não de penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.
dada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção. Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado, é mais fácil prender do que educar.
8°. Porque as leis não podem se pautar na exceção.
A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos desse processo. Puni-los com o encarceramento é tirar-lhes a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres; é assumir a incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico, que é a educação. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vul-
Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos. Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da Educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.
9°. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa! A Constituição Brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens. O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população. A marginalidade torna-se uma prática mol42 | Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
10°. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir.
nerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência. Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor, e não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.
11°. Porque reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude. O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e aos jovens o pleno exercício de seus direitos, e isso ajudou, e muito, a aumentar os índices de criminalidade da juventude. O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.
12°. Porque os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência. Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos. Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinados, ou seja, 24 POR DIA! A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4ª posição entre 99 países analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito, cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.
13°. Porque, na prática, a PEC 33/2012 é inviável! A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar a inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos. E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas especializadas criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Público quiser, poderá pedir para “desconsiderar inimputabilidade”, e o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde. A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto. No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas – e para um número cada vez mais abrangente de pessoas – não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.
14°. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime. Se reduzida a idade penal, as crianças e os adolescentes serão recrutados cada vez mais cedo. O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/ educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante. A redução da maioridade penal não visa resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado. Medidas como essa têm caráter de vingança, Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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não de solução dos graves problemas do Brasil, que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular. Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.
15°. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais. Vai contra a Constituição Federal Brasileira, que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional. Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas. Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro, que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa. Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos, autoras de infrações penais. Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, compromissos assinados pelo Brasil.
16°. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos. O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado. Nessa idade, ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional. Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei. O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo, 44 | Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajudá-lo a recomeçar.
17°. Porque o Brasil está dentro dos padrões internacionais. São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto. Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal, e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos. Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média, os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais. No Japão, eles representam 42,6% e, ainda assim, a idade penal no país é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
18°. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução. O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como a qualquer alteração dessa natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O Conselho Regional de Psicologia (CRP) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da Idade Penal. CNBB, OAB, Fundação Abrinq também lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país. Mais de 50 entidades brasileiras aderem ao Movimento 18 Razões para a Não Redução da Maioridade Penal. Fonte: Movimento CONTRA a Redução da Maioridade Penal. Disponível em: <https://18razoes.wordpress.com/ quem-somos/>. Acesso em: 3 jul. 2015.
ARTIGO
Tome, que o filho é seu!
O
título que escolhi para este texto é fruto de muita reflexão, discussão e observação acerca da realidade das nossas escolas, em especial das escolas públicas. Durante anos de docência e estudo sobre a educação em diferentes níveis, principalmente na Educação Básica, ouvi várias experiências de estagiários, professores, coordenadores e diretores. Reiteradas vezes, deparei-me com depoimentos iguais a este: “A mãe chegou à escola, olhou para a professora e disse – não sei mais o que fazer com esse menino, ele não tem jeito, tome conta dele, professora, eu lavo as minhas mãos”. Um caso como esse sempre me levou e me leva a pensar sobre as seguintes questões: será que as famílias sabem a grande importância do envolvimento delas no processo de aprendizagem dos filhos? Por que as famílias estão cada vez mais transferindo a responsabilidade para a escola? A educação vem de casa. Essa frase já virou chavão, mas parece que é dita em vão. Pensar sobre essas questões nos obriga a pensar sobre o papel da família e da escola na aprendizagem, sobre como
é importante que todos trabalhem juntos para garantir que a criança tenha condições de aprender e que tenha uma educação de qualidade. A participação dos pais na aprendizagem escolar é necessária e fundamental. A família precisa ser cúmplice da escola, ou seja, precisa auxiliar e dar condições para que a escola possa fazer o seu trabalho. Uma família em que os pais se preocupam em saber como os filhos estão na escola, que participam das reuniões com o intuito de contribuir para que o processo de aprendizagem do filho seja o melhor possível, que auxiliam a criança no momento de fazer as tarefas e que demonstram interesse pela vida escolar dos seus filhos, é claro que tem um papel ativo e significativo no processo de aprendizagem, e isso é deveras importante para o sucesso do aluno na escola e na sua vida. Jogar o filho na escola e deixá-lo lá horas após a saída, não se preocupando com a criança nem com a escola que, muitas vezes, precisa arrumar uma alternativa para resolver essa situação desagradável, pois não pode deixar a criança na rua, é óbvio que essa negligência traz consequências sérias para a aprendizagem e a educação das crianças. As pessoas se comportam na sociedade tal como se comportam dentro dos seus lares, quem cresce vendo maus exemplos tende a repeti-los. Então, podemos dizer que é no berço que a criança começa a entender e a
aprender as relações interpessoais. São vários os motivos que levam os pais a colocarem seu filho cada vez mais cedo na escola. O grande problema disso é que muitos delegam o papel de primeiro educador ao professor, à escola. É preciso que fique claro: professor não é o substituto dos pais, não é a babá. Cada um (pai e escola) deve fazer a sua parte e trabalhar unidos, sem esquecer que educar é um processo sério e fundamental para que tenhamos pessoas equilibradas e cidadãos críticos e conscientes, que sabem defender os seus direitos e cumprir com os seus deveres, sendo ativos na nossa sociedade, com humanidade e respeito. Como já disse Paulo Freire: “Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano”.
Rosemeire Farias Professora da Anhanguera-Uniderp, graduada em Letras, Direito e Pedagogia, especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, especialista em Direito Público, mestra em Linguística e doutoranda em Educação. Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015 | 45
CULTURA
Stefan Grol retratou em acrílico a rotina e as belezas exóticas da região pantaneira
A
natureza sempre foi a motivação de Estefan Grol. “Quando era criança, passava horas no jardim da minha casa”, lembra. Esfefan cresceu e sua paixão pela natureza criou formas, linhas e cores, uma fusão de elementos e emoções que ele passou a retratar em telas. Começou a pintar com gua-
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che, mas com o tempo adotou a tinta acrílico. Segundo ele, a tinta seca rápido e tem uma boa variedade de cores. “Não misturo as cores, uso a cor pura na tela. É meu estilo”, explica. Filho de um holandês e uma americana, o artista plástico é carioca. Nasceu no Rio de Janeiro, e, quando tinha um ano de idade, a família mudou-se
para a Inglaterra. No país britânico, passou a maior parte de sua vida. Também morou em Edimburgo, na Escócia, onde estudou Francês em Negócios e começou a pintar.
Stefan Grol retratou a natureza da região do Mar Vermelho, da Malásia, do Equador e de outros países por onde esteve, mas a principal inspiração de sua obra ainda estava por vir. Em 2009, por força do destino, o ‘carioca inglês’ desembarcou novamente na terra onde o sol escolheu brilhar mais intensamente – Brasil – a pátria da natureza, da rima, das cores, dos contrastes e das múltiplas expressões culturais. Seguiu para o Pantanal sul-mato-grossense onde trabalhou como gerente e guia turístico em uma pousada que sua família havia adquirido na Nhecolândia. Em contato com a paisagem pantaneira e com as belezas exóticas da região, pintou a série Silhuetas do Pantanal. Sensível, Grol descreveu com o acrílico a vida bucólica do maior bioma do planeta, a rotina campeira, o silêncio noturno quebrado pela sinfonia dos habitantes da escuridão, a arquitetura do joão-de-barro, a precisão do pica-pau, as curvas desproporcionais das emas, o gado e outras peculiaridades. A série Silhuetas do Pantanal ficou em exposição durante todo o mês de junho de 2015, no Centro de Cultura José Octavio Guizzo, em Campo Grande/ MS. As obras de Stefan já estiveram na Society of Wildlife, exposição que acontece anualmente em Londres e na Land Gallery. Além da pintura, Stefan também tem paixão pela fotografia. “Minhas fotos tem uma perspectiva artística, uso macro”, conta. Suas fotos renderam o livro Segredos do Pantanal, que teve mil exemplares impressos na primeira edição. Atualmente, Stefan procura uma editora que queira publicar a segunda edição. Questionado sobre seu retorno à Inglaterra, ele responde: “Não volto mais. Aqui é um país com muitas riquezas. Tenho tudo que preciso aqui. Tenho necessidade de estar em contato com a natureza”, diz.
Fotos: Stefan Grol Revista ATUAÇÃO | Agosto 2015
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Dicas para uma boa leitura
História dos Índios no Brasil Organização: Manuela Carneiro da Cunha Editora: Companhia das Letras 611 páginas
História dos Índios no Brasil é resultado dos trabalhos do Núcleo de História Indígena da Universidade de São Paulo (USP) e foi organizado por Manuela Carneiro da Cunha. A obra reúne 27 colaboradores, entre especialistas brasileiros e estrangeiros, que atuam em diferentes áreas de pesquisa, como antropologia, história, arqueologia e linguística. A coletânea oferece ao grande público a oportunidade de ter acesso às principais questões ligadas à presença dos povos indígenas no Brasil, como exemplo, as novas teorias sobre a origem do homem americano. História dos Índios no Brasil dá grande importância à iconografia, trazendo documentos pouco conhecidos e inéditos, além de mapas ilustrativos e vinhetas alusivas à cultura material dos povos indígenas destacados nos estudos. (Fonte: https://books.google.com.br/books/about/Hist%C3%B3ria_dos_%C3%ADndios_no_Brasil. html?hl=pt-br&id=3cOI6I_9YHoC)
O livro reúne 16 pesquisas de mestrado e doutorado realizadas na USP, por diversas áreas de conhecimento, e as experiências educacionais realizadas na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), que dão importantes argumentos para entender a impropriedade da redução da idade penal no Brasil e reforçam a necessidade de plena implantação dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Ciência da Delinquência: o olhar da USP sobre o ato infracional, o infrator, as medidas socioeducativas e suas práticas Organização: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regime de Privação de Liberdade (GEPÊPrivação) Editora: Expressão e Arte 304 páginas 3ª Edição
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