Revista Atuação - Edição 8 - Novembro de 2013

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UMA PUBLICAÇÃO DA FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO DO SUL

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EXPEDIENTE

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Redação e Produção Íris Comunicação Integrada Rua Chafica Fatuche Abusafi, 200 Parque dos Poderes - 79036-112 Campo Grande/MS + 55 67 3025.6466 Diretora de criação: Nanci Silva Diretor de arte: Ivan Cardeal Nunes Jornalista responsável e editora: Laura Samudio Chudecki (DRT-MS 242) Revisão: Vanda Escalante (DRT-MS 159) e Henrique Pimenta Colaboraram nesta edição Vanda Escalante Eder Rubens da Silva Fotos Wilson Jr. Roberto Okamura | ALMS Eder Rubens da Silva

Os textos assinados são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, a opinião da revista.

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DESTAQUES

Entrevista ............................................................................................................................................09 O jornalista Vito Giannotti, um dos coordenadores do Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro, fala sobre o papel da comunicação sindical no Brasil

Ações afirmativas .............................................................................................................................12 Política de cotas é eficiente, mas precisa ser aprimorada para garantir a permanência de negros, índios, pardos e pobres nas universidades

Capa ......................................................................................................................................................16 Pioneiro na regulamentação da Ensino Penitenciário, Mato Grosso do Sul oferece educação e capacitação para quem um dia voltará a viver em sociedade

Maioridade Penal ..............................................................................................................................32 Polêmicas, PECs que tratam da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos são criticadas por entidades, profissionais e estudiosos

Cultura ..................................................................................................................................................38 Projeto Educacional valoriza a história e a cultura de Mato Grosso do Sul. O estado completou 36 anos em outubro

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EDITORIAL

Educação e cidadania Educar é ensinar e aprender, é colaborar na tarefa de construir caracteres e formar cidadãos. E, apesar de a tarefa não ser exclusiva da escola e do educador, cabe a nós grande parte do processo, senão a parte fundamental, que é a de permitir que o aluno – criança, adolescente, ou mesmo adulto – possa desenvolver e exercitar o senso crítico e a cidadania, plena de direitos e deveres. A matéria de capa desta edição fala justamente sobre o poder transformador da Educação num ambiente que podemos chamar de inusitado: o das penitenciárias. Vemos a dedicação desses educadores ser recompensada a cada vitória, a cada conquista desses alunos que, a priori, teriam tudo para trilhar o caminho do insucesso. Mas não. Com motivação e condições em grande parte criadas pelos próprios educadores, esses presos viram alunos, transformam sua realidade imediata e ganham um mundo de possibilidades futuras. Em outra reportagem, reacendemos a discussão sobre a proposta de redução da maioridade penal, que tem sido defendida como uma solução mágica para barrar a violência crescente e deter uma pseudo-onda de criminalidade juvenil. Na realidade, as pesquisas apontam que os adolescentes não são responsáveis por tantos crimes bárbaros quanto a grande mídia – invariavelmente sensacionalista – quer fazer a sociedade acreditar. Uma reflexão necessária, principalmente para os trabalhadores em Educação. Falamos também sobre os dez anos das cotas universitárias, mostrando que, embora a inclusão necessária ainda seja um objetivo a atingir, as políticas afirmativas têm transformado a vida de muitos jovens e podem, sim, ser consideradas um avanço. Pesquisa realizada na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) – primeira instituição pública no Estado a adotar o sistema de cotas étnicas – mostra os números e um pouco da realidade desses estudantes. Esta edição traz ainda matéria sobre a 6ª Conferência Estadual de Educação, realizada em Aparecida do Taboado, uma entrevista com o jornalista Vito Gianotti, que fala sobre a realidade da comunicação sindical, além de um relato tocante sobre o universo da Língua Brasileira de Sinais (Libras), mostrando que onde há Educação, não há limites. Boa leitura, bom final de ano, e um 2014 cheio de realizações!

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Roberto Magno Botareli Cesar Presidente da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul


PONTA PORÃ

Plantando e aprendendo Cultivando hortas, alunos da rede pública aprendem a cuidar do meio ambiente e da alimentação

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m Ponta Porã, município que faz fronteira com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, alunos das escolas municipais Jardim Ivone e Dora Landolfi participam do Projeto Horta, uma iniciativa que alcança toda a comunidade escolar e tem o apoio da Secretaria Municipal de Educação. O Projeto Horta é uma alternativa sustentável, que envolve mais de 500 alunos das duas escolas, beneficiando, 1.200 estudantes, com alimento saudável e compromisso com o meio ambiente. Na Escola Jardim Ivone a horta é cultivada em uma área de 800m. O coordenador do projeto é o professor Eronides Vital de Bar-

Professor Eronides Vital de Barros coordena Projeto Horta

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ros, que além de ensinar as técnicas de plantio e cuidados com os canteiros, cria, com a ajuda dos alunos, as ferramentas que serão utilizadas para manejo do solo. O Projeto Horta é desenvolvido com alunos do 1º ao 6º ano do Ensino Fundamental, do período matutino, por meio do Programa Mais Educação, do Ministério da Educação (MEC). Os canteiros chamam a atenção pela qualidade das verduras e legumes produzidos, que são utilizados para incrementar a merenda escolar dos alunos. São cultivados, na Horta da Escola Municipal Jardim Ivone, alho, alface roxa, alface mimosa, cenoura, cebolinha, cebola, beterraba, couve, salsinha e repolho, além de plantas medicinais como a cidrei-

ra, o bálsamo e o anador. Outro destaque do projeto são os produtos naturais utilizados para eliminar as pragas e os insetos que eventualmente podem prejudicar a qualidade da produção. “Após um bom tempo de pesquisa, participando de projetos voltados para a produção de alimentos saudáveis, descobrimos diversos fertilizantes e produtos naturais que são eficazes contra as pragas, e que não comprometem o solo e a qualidade dos alimentos”, explica Eronides. O professor destaca, ainda, que uma das preocupações do projeto é alertar os alunos sobre a importância nutritiva e os benefícios de cada planta cultivada. “A beterraba, por exemplo, é fonte das vitaminas A, B1, B2, B5 e C, tem minerais como fósforo, potássio, zinco, magnésio e ferro. Enquanto que o rabanete é fonte das vitaminas C e B3 (Niacina), além de conter os minerais cálcio, fósforo e ferro. São informações que repassamos aos alunos”, diz. “O Projeto Horta é essencial para aplicação da interdisciplinaridade, fortalece o bom convívio com os alunos e permite que a merenda escolar seja enriquecida com alimentos saudáveis”, comenta o diretor da Escola Jardim Ivone, professor Ricardo Torraca, acrescentando ainda que o excedente da produção é distribuído gratuitamente para outras instituições, como hospital, asilo e para a própria comunidade. A Escola Municipal Dora Landolfi, situada no Distrito de Sanga Puitã, também vem impulsionando o Projeto Horta. Alunos do 1º ao 5º ano participam de aulas práticas, manejo e cultivo de hortaliças, também sob a coordenação do professor Eronides. “Estamos na fase de cultivo e, em breve, devemos ter um bom resultado, com alimentos de qualidade e em quantidade considerável para incrementar a merenda escolar”, disse.


ENTREVISTA

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jornalista Vito Giannotti, italiano, radicado no Brasil e militante do movimento sindical há mais de 20 anos, é autor de mais de 20 livros nas áreas de comunicação e sindicalismo. Atualmente, é um dos coordenadores do Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro. Entre seus livros estão alguns títulos adotados nas faculdades de jornalismo, como: O Que é Jornalismo Sindical, Comunicação Sindical – a arte de falar para milhões, História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil e Muralhas da Linguagem. Em julho deste ano, Vito Gianotti participou do Seminário de Comunicação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), evento que pôs em debate a força das redes na luta sindical. Pode nos contar um pouco de sua história? Por que veio para o Brasil? O que me despertou o interesse pelo Brasil, no começo dos anos 60, foi o livro Geografia da Fome, de Josué de Castro, que falava da miséria e injustiça no Nordeste. Também foi o encontro, em Roma, com dois estudantes brasileiros, cheios de alegria.

“O jornalista sindical, além do diploma formal, precisa ser formado politicamente, na visão dos trabalhadores.” 10 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

Cheguei aqui em 1966 e me apaixonei logo pelo povo. Como analisa as manifestações em massa que tomaram as ruas do país no primeiro semestre de 2013? É possível fazer um comparativo com o movimento das Diretas Já? Estas manifestações não têm nada a ver com as Diretas Já. O Brasil é outro, o mundo é outro, a juventude – após duas décadas de individualismo e vazio político neoliberal – é outra, e a esquerda é totalmente outra. As manifestações deste ano mostraram uma profunda insatisfação com a política/politicagem exercida pela quase totalidade dos partidos e pelo vazio dos sindicatos. Não é à toa que a direita sempre nadou de braçadas na onda da negação da política e especificamente na rejeição aos partidos. Claro que isso é o plano de sempre da burguesia, desde a ditadura militar à ideologia neoliberal dominante. Mas, para mim, este é um dos pontos-chave a ser pensado. O Partido dos Trabalhadores (PT), que nasceu do sindicalismo e foi idealizado por libertários como Apolônio de Carvalho, sofreu modificações ideológicas ou apenas mudou de posição ao longo do tempo, passando de oposição para situação? Que leitura faz do PT da “Era Apolônio” à “Era Dilma”? O PT nasceu das greves de 1978/79 e das lutas contra a ditadura, com lutadores de várias origens: 1 - trabalhadores sindicalistas, 2 - participantes das Comunidades Eclesiais de Base e 3 - revolucionários marxistas de várias matrizes. O ideário inicial era de transformação radical da sociedade, uns falavam em revolução, outros em reforma. Mas em 30 anos muita água rolou. O

mundo viveu vários terremotos, muitos tsunamis. Uns continuam mantendo os sonhos e programas iniciais, enquanto a maioria se adaptou à via legal/institucional. Para estes últimos, a “Era Apolônio” não passa de um sonho juvenil. Outros insistem em manter estes sonhos. Eu estou entre esses. Como avalia a mídia brasileira no século XXI? A mídia brasileira do século XXI é muito capaz e aparelhadíssima. Todos os governos, desde os militares até hoje, só facilitaram a vida e o domínio ideológico da mídia dos patrões sobre a sociedade. É esta mídia que dita os valores, as ideias, para onde a sociedade deve ir. Hoje, a mídia hegemônica no Brasil é o verdadeiro Partido do Capital. Ela organiza, divulga e multiplica por dez os planos da camada dominante da sociedade: do agronegócio, do capital financeiro, do imperialismo globalizado, enfim, da direita conservadora. Qual o papel da comunicação sindical após 30 anos da fundação da CUT? O que mudou nesse período? A comunicação sindical teve um papel importantíssimo na década de 1980. Incentivou, organizou e politizou as lutas daquela década, na qual nasceram ou renasceram partidos políticos e centrais sindicais. Quem popularizou, e fez a batalha das ideias contra as privatizações e todo o projeto neoliberal, na década de 90, foi a imprensa sindical. Em 1990, tínhamos seis jornais sindicais diários. Hoje, há um e meio. É verdade que o que fizemos foi insuficiente, mas a mídia dos sindicatos teve um papel importantíssimo. Faltaram muitas outras coisas, muitos outros fatores, muitos outros atores políticos e sociais, mas esse é outro papo.


“Estas manifestações não têm nada a ver com as Diretas Já. O Brasil é outro, o mundo é outro, a juventude – após duas décadas de individualismo e vazio político neoliberal – é outra, e a esquerda é totalmente outra.”

Ao longo da história do sindicalismo brasileiro, quais foram as principais contribuições do jornalismo sindical para a ampliação dos direitos dos trabalhadores? A imprensa dos trabalhadores foi determinante para divulgar planos, ideias, experiências de lutas, daqui do Brasil e do resto do mundo. Mas, não vamos nos iludir. Mesmo a partir do renascimento sindical pós-ditadura, o conjunto dos sindicatos não compreendeu que a batalha pela hegemonia na sociedade exige um enorme trabalho de convencimento dos trabalhadores. E a maioria dos dirigentes sindicais, mesmo os de luta, de qualquer tendência, uns mais e outros menos, não esteve e não está convencida da centralidade desta batalha. Ou seja, da centralidade da comunicação, da mídia, com todos os seus meios, do “antigo” jornal ao Facebook, do rádio à TV, às bandeiras, às revistas, aos blogs e à conversa pessoal, boca a boca, sempre essencial. As lideranças sindicais de hoje têm consciência do papel que exercem na sociedade? Acho que falta muito para esta compreensão. Há várias categorias que, nos últimos dois

anos, começaram a acordar para a necessidade da comunicação para uma ação sindical forte e consciente. Vários seminários, plenárias e encontros têm sido realizados sobre esse tema. Para mim, ou a gente acorda para a centralidade da comunicação das nossas ideias para a construção de uma nova sociedade, ou esqueçamos as fantasias e sonhos de um dia chegar a um novo projeto socialista, como Apolônio de Carvalho imaginava. As universidades formam jornalistas preparados para trabalhar em sindicatos? As universidades desta sociedade são universidades do sistema. Elas estão ali para formar profissionais para esta sociedade. Qual? Capitalista, neoliberal, injustíssima, escravocrata (é só pensar na reação dos “nossos” médicos à vinda de médicos cubanos). Profissionalmente, formarão jornalistas para serem belos profissionais do sistema. O jornalista sindical, além do diploma formal, precisa ser formado politicamente, na visão dos trabalhadores. Além do diploma oficial, deve ter mais uns quantos “diplomas”: de história, de filosofia, de geografia social, de política e de luta de classes. Da história das lutas dos traba-

lhadores no Brasil e no mundo. Da nossa história da esquerda. Enfim, precisa ter uma formação vastíssima para melhor servir aos trabalhadores para os quais vai produzir, junto com eles próprios, sua mídia. No Seminário de Comunicação da CNTE, no mês de julho, o senhor teve acesso à edição da Revista Atuação, da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (FETEMS). O que achou da nossa abordagem? Rapidamente: primeiro, parabéns por ela existir. Nota 10. Segundo, parabéns pela pauta ampla, que trata da vida do trabalhador nos seus vários aspectos. Terceiro, a periodicidade: é óbvio que é insuficiente para combater tudo o que a Globo, a Veja e toda a mídia do sistema vomitam diariamente, no mínimo semanalmente, na cabeça de professores, alunos, pais de alunos, avós e avôs, tias e tios! Ou seja, estaremos bonitos quando... a periodicidade da nossa comunicação (de todas as formas) for muito maior. Quarta coisa: que tal pensar numa revista bonita como a Atuação, que unifique cinco, seis, dez categorias em cada Estado, e fale com cem mil trabalhadores semanalmente? Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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AÇÕES AFIRMATIVAS

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rasileiras, negras e acadêmicas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Swellen, Erivânia e Ângela têm histórias de vida parecidas. Nascidas em famílias de baixa renda, filhas de pais que tiveram pouco acesso à educação, e alunas de escolas públicas, essas mulheres são as primeiras integrantes de suas famílias, depois de várias gerações, a chegar à universidade. Ingressaram no Ensino Superior pelo sistema de cotas e, dentro de pouco mais de um ano, estarão com seus diplomas nas mãos. Para elas, uma conquista. Para o Brasil, mais um passo rumo à mudança nos aspectos econômico, social e cultural. A UEMS foi a primeira universidade de Mato Grosso do Sul e a terceira do país a implantar o sistema de cotas. As leis estaduais 2.589/2002 e 2.605/2003 garantem a reserva de vagas para candidatos autodeclarados indígenas e negros. A primeira garante 10% das vagas para indígenas e a segunda, 20% para negros. Em 2010, a universidade aderiu ao Sistema Unificado de Seleção (Sisu/MEC), conservou as cotas, mas modificou a seleção dos inscritos autodeclarados negros, passando a valer somente a autodeclaração e a assinatura do termo de responsabilidade no ato da matrícula. “Antes do Sisu, os candidatos inscritos nas cotas para negros tinham as inscrições analisadas por uma comissão que avaliava o fenótipo e aspectos sociais. A inscrição era deferida ou indeferida confor-

Censo

O Censo da Educação Superior 2011 demonstra um aumento de jovens negros nas universidades brasileiras entre os anos de 1997 e 2011. As universidades públicas federais foram as que mais matricularam alunos negros nesse período. Em 14 anos, o número de jovens acadêmicos que se autodeclaram pretos e pardos cresceu quatro vezes. Antes de 1997, apenas 1,8% dos jovens autodeclarados pretos frequentavam ou haviam concluído o Ensino Superior. No Censo de 2011, esse índice chegou a 8,8%. No universo de pardos, também houve aumento: em 2011, 11% dos jovens pardos frequentavam ou haviam concluído o Ensino Superior. Em 1997, esse índice era de apenas de 2,2%.

me a Resolução nº 430/2004 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE/UEMS). Caso não tivessem a inscrição deferida, esses candidatos podiam ainda concorrer às vagas gerais. A partir de 2014, a UEMS vai implantar a comissão novamente. A diferença é que essa análise será feita após o processo seletivo, no ato da matrícula. Caso a inscrição seja indeferida, o candidato perde a vaga e tem a inscrição anulada, tendo que concorrer às vagas gerais no próximo processo”. A explicação é da professora doutora Bartolina Ramalho Catanante, do Programa de Mestrado Profissional em Educação da UEMS. Na cota para indígenas, uma declaração de descendência emitida por lideranças indígenas em conjunto com a Fundação Nacional Índio (Funai) ou o RG indígena são considerados provas para concor-

rer às vagas reservadas. Mesmo com a política de cotas e outras modalidades de ações afirmativas, o Brasil ainda tem um grande caminho a percorrer no que diz respeito à permanência desses alunos nas universidades. Pesquisa de doutorado (PUC/SP, 2008) da professora doutora Maria José de Jesus Alves Cordeiro, também do Programa de Mestrado da UEMS, mostra que as vagas destinadas aos alunos cotistas não são 100% preenchidas e que o índice de conclusão de curso ainda não é o ideal. A pesquisa foi realizada na própria UEMS e identificou que, do período da implantação do sistema de cotas, em 2002, até o ano de 2012, haviam sido matriculados 2.331 cotistas negros e um total de 483 haviam concluído o curso. Já entre os indígenas, 731 cotistas foram matriculados e apenas 68 concluíram o Ensino Superior.

Dados UEMS de 2002 a 2012 • 2.331 alunos negros matriculados = 62,9% das pouco mais de 3.700 vagas reservadas para negros, o equivalente a 20% do total de vagas. • 483 alunos negros concluíram o curso = 2,05% dos cotistas negros matriculados. • 731 alunos indígenas matriculados = 40,1% das pouco mais de 1.820 das vagas reservadas para indígenas, o equivalente a 10% do total de vagas. • 68 alunos indígenas concluíram o curso = 9,3% dos cotistas indígenas matriculados. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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vulnerabilidade social. Embora o número de alunos cotistas formados pela UEMS nesse período possa não parecer significativo, os pesquisadores comemoram o avanço. “O sistema de cotas foi altamente benéfico para a população negra. Em 2002, o Grupo Tez [Trabalhos Estudos Zumbi] elaborou um estudo em que foi constatado que apenas 2% dos acadêmicos das universidades de Mato Grosso do Sul eram negros. Hoje, pouco mais de uma década após a implantação da política de cotas, temos cerca de 20% de alunos negros nas instituições”, explica a professora Bartolina.

“A maioria desses jovens, mais de 70%, é de famílias que ganham até três salários mínimos, ou seja, são pobres. A evasão dos cursos se dá pela necessidade de trabalho, e o sonho do diploma acaba sendo adiado.” Maria José de Jesus Alves Cordeiro, professora doutora da UEMS

Para a professora Maria José, os fatores que contribuem para a desistência de brancos, negros e indígenas são os mesmos. “A maioria desses jovens, mais de 70%, é de famílias que ganham até três salários mínimos, ou seja, são pobres. A evasão dos cursos se dá pela necessidade de trabalho, e o sonho do diploma acaba sendo adiado. No caso específico dos indígenas, o contraste cultural e o idioma também contribuem com o cenário de desistência”, diz. Ainda na pesquisa, a docente ressalta que as instituições oferecem poucos programas para atender e apoiar alunos em situação de 14 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

tas foram aprovados em todas as disciplinas no primeiro semestre do ano de 2003, contra 47% dos estudantes que ingressaram pelo sistema regular. No início de 2010, a universidade divulgou novo estudo, que constatou que, desde que foram instituídas as cotas, o índice de reprovações e a taxa de evasão totais permaneceram menores entre os beneficiados por políticas afirmativas.

Desempenho Houve muita polêmica quando a política de cotas começou a ser implantada nas universidades brasileiras. Não faltaram críticos e críticas. Muitos diziam que os alunos cotistas não iriam acompanhar o desenvolvimento do curso e que isso rebaixaria o nível do Ensino Superior. Contudo, as cotas vêm dando certo e os alunos são qualificados para as vagas. “A nota de corte é a mesma para todos os candidatos, portanto, não há diferença em relação a aprovação entre cotistas e não cotistas, uma vez que a concorrência se efetiva entre iguais. Os critérios específicos do mérito sempre foram os mesmos para todos, no entanto, o que faz a diferença com o sistema de cotas é o fato de a concorrência se dar em igualdades de condições, ou seja, negro pobre de escola pública concorre com os demais negros pobres de escolas públicas e não com os alunos oriundos de classes econômicas mais favorecidas que tiveram acesso a escolas com padrão de ensino mais qualificado, cursinhos preparatórios particulares durante todo o ensino médio, por exemplo.”, esclarece Maria José. Estudos realizados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) indicou que 49% dos cotis-

“O sistema de cotas foi altamente benéfico para a população negra.” Bartolina Ramalho Catanante, professora doutora da UEMS

Lei 2.589 É de autoria do então deputado estadual Murilo Zauith a Lei nº. 2.589, de dezembro de 2002, que instituiu na UEMS as cotas para índigenas.

Lei 2.605 É de autoria do deputado estadual Pedro Kemp a Lei nº. 2.605, de janeiro de 2003, que instituiu na UEMS as cotas para negros.


“Quando terminei o Ensino Médio em 1995, não tive acesso à universidade. Não por falta de capacidade, mas, sim, por falta de condições de vida. Hoje, 18 anos depois, estou cursando o Ensino Superior. Era um sonho meu voltar a estudar. Sempre quis ser professora. Já estava mais do que na hora de ter essas políticas. Eu competi com os demais, a nota de corte é a mesma para todos.” Erivânia Oliveira, 37 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS, ingressou no Ensino Superior pelo sistema de cotas

“Minha avó não pôde estudar, minha mãe também não, só tenho uma tia que terminou o Ensino Médio. Pra mim, é um progresso na minha família eu estar na faculdade. As oportunidades que elas não tiveram, agora eu tenho.” Swellen Pereira, 24 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS, ingressou no Ensino Superior pelo sistema de cotas

“Sempre estudei em escola pública. Sou a favor das cotas, mas acho que esse sistema não tem que durar pra sempre. Acho que deveria haver um maior investimento na Educação Básica, no Eensino Público, assim as oportunidades serão as mesmas para todos.”

Lei das Cotas

Ângela Batista, 20 anos, acadêmica do curso de Letras na UEMS, ingressou no Ensino Superior pelo sistema de cotas

A Lei Federal 12.711, de 2012, chamada Lei das Cotas, define que as Instituições de Ensino Superior vinculadas ao Ministério da Educação e as Instituições Federais de Ensino Técnico de Nível Médio devem reservar 50% de suas vagas para estudantes cotistas. A lei não atinge as instituições de ensino estaduais ou privadas. A partir da promulgação, as instituições começaram a contar o prazo de quatro anos para a implementação integral da lei. Nos vestibulares de 2013, as instituições tiveram que reservar o mínimo de 12,5% do total de vagas; em 2014, o mínimo será de 25%; em 2015, 37,5% e, em 2016, a metade das vagas, como prevê a legislação. Assim, em 2016 todas as instituições terão reservadas 50% de suas vagas para as cotas. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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CAPA

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Heróis do Cárcere Professores e coordenadores pedagógicos concentram seus esforços no ensino para presos, uma atividade que requer compreensão, paciência, respeito, coragem, compaixão e despreconceito Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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aminhar pelas instalações de uma penitenciária brasileira desperta sentimentos que se confundem com tristeza e piedade. Seres humanos amontoados dividem espaços insalubres, onde caberiam apenas 25% deles. Além de espaço, faltam muitas outras condições de vida no sistema prisional. O ambiente lúgubre do cárcere promove a violência, a miséria e a perda de valores humanitários. Em 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registrou 550 mil reclusos. O déficit de vagas nas penitenciárias é superior a 200 mil. Os números demonstram a falência do sistema e o desrespeito aos direitos de qualquer ser humano. No entanto, em meio às mazelas do sistema penal, ações paralelas à custódia do preso tentam melhorar a vida de quem está atrás das grades, oferecendo oportunidades de trabalho e educação para aqueles que, um dia, voltarão à sociedade. Diante dos inúmeros problemas do sistema penitenciário, essas ações podem até ser consideradas discretas, mas os resultados são positivos e oportunizam condições mais dignas e equânimes no retorno à liberdade. Em Mato Grosso do Sul, professores e coordenadores pedagógicos concentram seus esforços no ensino para presos, uma atividade que requer compreensão, paciência, respeito, coragem, compaixão e despreconceito. De segunda a sexta-feira, 92 professores entram na rotina de 26 unidades prisionais do estado para ensinar os desprovidos de liberdade. Esses profissionais são motivados pela certeza de que a educação transforma realidades, mesmo dentro das penitenciárias de um dos estados que mais encarcera pessoas no país. Educação na prisão Depois de cruzar os pavilhões do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG), chega-se a um local 18 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

que, para muitos, é impensável que exista dentro de uma prisão: uma escola. Isso mesmo, uma escola! Com salas, carteiras, lousas, professores, alunos, sala de informática e biblioteca. É uma sexta-feira, e a aula é de Ciências. Os estudantes, todos internos do IPCG, permanecem em silêncio, sentados e concentrados. A única voz que se ouve é a da professora. Bom comportamento e disciplina são fundamentais para que possam continuar frequentando as aulas. Na escola, todos são iguais, e os artigos do Código Penal que os levaram à condenação não interessam a ninguém. “Aqui, a gente aprende a ter mais paciência e aprende com os alunos também. Tentamos resgatar os valores que, em algum momento, ficaram perdidos ou nunca foram apresentados a eles. Os alunos nos veem como a única fonte de ressocialização. Não os vejo pelos artigos, nem sei porque chegaram aqui. Olhamos para eles de uma maneira uniforme, como seres humanos, e trabalhamos como se estivéssemos em uma escola como as outras”. O depoimento é da professora de ciências, Jucimary Barros, que leciona há pouco mais de um ano no IPCG. Mesmo estando em uma penitenciária, a impressão que os alunos passam é de comprometimento com os estudos. “Aqui os alunos são mais interessados, sabem que estão aqui para estudar. Não precisamos chamar a atenção de ninguém. Geralmente, conseguimos concluir o conteúdo programático antes do previsto”, comenta o professor de Matemática, Arnaldo Bispo. A informação do professor é confirmada pelo aluno Izaías Euzébio de Souza, que gostaria, ainda, que fosse maior a carga horária de duas disciplinas: “Eu acho que nós teríamos que ter mais aulas de inglês e de informática, são matérias importantes. Aqui a gente fica muito desatualizado. Temos

pouco tempo de aulas dessas matérias”. Izaías tem 40 anos e parou de estudar aos 10, na 4ª série. “Eu morava em uma região que não tinha mais estudo, morava na divisa do Xingu. Quando eu vim para cá, optei por estudar. No começo foi pela remição e também para não ficar sem fazer nada dentro da cela. Aí, quando comecei a estudar, comecei a ter vontade de aprender”, afirma.

“Quando saírem de lá, com uma formação, uma profissão, certamente que a sociedade vai recebê-los de uma outra forma. Eu acredito que a educação melhora a vida do ser humano atrás das grades. Pode ter certeza que melhora.” Regina Lúcia Rosa Sales, diretora da Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine


A Escola No IPCG funciona uma das extensões da Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, criada por meio do Decreto Nº 11.514, de 2003. É a primeira escola pública brasileira regulamentada para atender a população carcerária. “Somos uma escola como as demais. A diferença é que a nossa estrutura funciona dentro das unidades”, explica a diretora, Regina Lúcia Rosa Sales. A Escola Estadual Prof.ª Regina Betine está presente em 17 municípios do estado e dispõe de 26 extensões. É vinculada à Secretaria de Estado de Educação (SED), obedece à mesma grade curricular e carga horária das demais escolas públicas. Dispõe das três etapas do Ensino Fundamental e, nos municípios de Campo Grande, Dourados, Corumbá

e Três Lagoas, oferece o Ensino Médio. Em Corumbá e Três Lagoas, os anos iniciais do Ensino Fundamental são oferecidos também no período noturno. Para atender as 123 turmas, a escola dispõe de 33 professores em Campo Grande e 59 no interior, além de oito coordenadores pedagógicos, dois coordenadores de área e cinco funcionários administrativos. No primeiro semestre de 2013, foram matriculados 1.683 alunos. Para ingressar na escola, o interno precisa fazer uma avaliação que mede seu grau de escolaridade, e a nota mínima é sete. Muitos estão em fase de alfabetização. “Essa prova é feita porque não podemos esperar a transferência dos alunos, alguns são de outros estados e, às vezes, essa transferência nunca chega. Mas, a média geral da escola é seis”, esclarece a diretora Regina.

A escola não realiza concursos, o corpo docente é formado por professores contratados. Antes do professor ingressar nas unidades, ele passa por entrevistas e capacitações. Os presídios têm regras e horário, e a escola está adequada à rotina do sistema. Existe um compromisso entre a Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen/ MS) e a direção da escola para que as aulas aconteçam diariamente. O efetivo da Agepen é reduzido, são apenas 1.286 funcionários em todo o estado. “É preciso aumentar o número de servidores para garantir mais segurança a todos. Mesmo assim, as aulas acontecem, não deixamos nada parar. O Instituto Penal é referência no ensino de internos. Temos 191 internos em sala de aula”, comenta o diretor do IPCG, Erani Antônio Boeno.

Sede da Escola fica na Rua Pernambuco, 1.512, em Campo Grande Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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Bra sil De acordo com dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo e está atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Nos últimos 20 anos, o número de presos cresceu 251% no país.

“Só é possível reinserir por meio da capacitação e do ensino. Não há dúvida de que essa é a principal finalidade da educação dentro das unidades. Contudo, atingimos outros objetivos com a educação. Para o Estado, é interessante quando o preso sai da cela e vai para a sala de aula, é uma maneira de retirá-lo do ambiente insalubre. Mato Grosso do Sul, assim como o restante do Brasil, enfrenta sérios problemas de superlotação.” Gil Messias Fleming, juiz da 1ª Vara de Execução Penal, Comarca de Campo Grande

“Para os que ficam desocupados, a reincidência é de 80%. Por isso, o sistema penitenciário precisa investir nas duas frentes, trabalho e educação.” Deusdete Souza de Oliveira Filho, diretor-presidente da Agepen/MS

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Mato Grosso do Sul Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2010, Mato Grosso do Sul tinha cerca de 468 presos para cada 100 mil habitantes, enquanto que a média nacional era de 258 presos por 100 mil habitantes. Atualmente, o estado tem 11.972 reclusos. A localização geográfica de Mato Grosso do Sul permite que o estado seja rota de várias modalidades de crime, ganhando destaque o tráfico de drogas. O estado faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia e divisa com cinco estados: Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Fonte: Ministério da Justiça/2010

Cenário da educação nos presídios de Mato Grosso do Sul 2013 • 1.683 alunos foram matriculados na Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine no primeiro semestre de 2013, em todo o estado • 20 internos do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG), já com o Ensino Médio concluído, frequentam o curso de Transações Imobiliárias, oferecido pelo Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) • 4 internos do IPCG estão cursando graduação superior a distância pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), um no curso de Administração, um no curso de Processos Gerenciais e dois no curso de Gestão de Cooperativas • 3 internos do Centro de Triagem Anízio Lima (estabelecimento penal masculino de segurança média) estão cursando graduação superior a distância pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), um no curso de Gestão de Meio Ambiente, um no curso de Negócios Imobiliários e um no curso de Comércio Exterior • 985 internos de 32 unidades fizeram a inscrição do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) • 761 vagas de cursos profissionalizantes foram disponibilizadas aos detentos por meio de parcerias com o SENAI, SENAC, SENAR e IFMS

2012 • 1.951 matriculados na Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine • 1.022 internos, de 29 unidades, fizeram o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem)

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Remição de pena Remição é a redução da pena por meio do trabalho e, agora, do estudo. Em 2011, houve um novo incentivo para que os presos retomassem os estudos. A Lei 12.433 prevê a redução de pena, que já ocorria com o trabalho, também para quem estuda. A cada três dias de trabalho, o preso tem direito a um dia de remição. Com a educação é a mesma coisa, só que o cálculo é por horas: a cada 12 horas de estudo, um dia a menos na pena. Se o recluso trabalha e estuda, o desconto é dobrado. “No início, os alunos frequentavam as aulas por conta da remição, para facilitar a relação com a assistência social, o judiciário, e para sair da cela. Hoje, já mudaram o comportamento, já estão interessados na escola e apresentam bons resultados”, garante a diretora Regina. O diretor-presidente da Agepen/MS, coronel Deusdete Souza de Oliveira Filho, explica que, entre os internos que trabalham e estudam, a reincidência no crime, quando voltam à sociedade, fica entre 3% e 5%. “Para os que ficam desocupados, a reincidência é de 80%. Por isso, o sistema penitenciário precisa investir nas duas fren-

tes, trabalho e educação”, afirma. Uma das principais contribuições do ensino é a reinserção do preso no mercado de trabalho. Além disso, ler e escrever garante certo grau de autonomia ao preso, pois pode se comunicar com a família por meio de cartas e acompanhar o desenrolar de seus processos. Para o juiz da 1ª Vara de Execução Penal, Gil Messias Fleming, a educação nos presídios vai além da proposta pedagógica. “Só é possível reinserir por meio da capacitação e do ensino. Não há dúvida de que essa é a principal finalidade da educação dentro das unidades. Contudo, atingimos outros objetivos com a educação. Para o Estado, é interessante quando o preso sai da cela e vai para a sala de aula, é uma maneira de retirá-lo do ambiente insalubre. Mato Grosso do Sul, assim como o restante do Brasil, enfrenta sérios problemas de superlotação. Uma cela de 10 metros quadrados chega a ter 20 presos. Uma das funções do Estado, quando condena o indivíduo, é contribuir com sua ressocialização, e o ambiente da cela acaba contribuindo com a índole criminosa”, avalia. Além da escola, as unidades promovem regularmente cursos profissionalizantes. Por meio de

parcerias com entidades como o Serviço Nacional do Aprendizagem Rural (Senar/MS) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), já foram oferecidas capacitações em áreas como confeitaria, padaria, pizzaria e outras. Atualmente, a Agepen é parceira de 163 empresas em todo o estado. Dessas, 151 são entidades privadas. As empresas que contratam a mão de obra de presos ficam livres dos encargos sociais. O salário pago corresponde a 1/3 do salário mínimo. No regime semi-aberto e aberto, os presos recebem um salário mínimo integral. A diretora Regina Lúcia conta que vários ex-alunos saíram do sistema e conseguiram refazer a vida. “Os que estão em sala de aula, estão de fato interessados em aprender e mudar. Sempre visito as unidades e digo que eles têm tudo para estudar. Não é demagogia não, eles têm kit escolar, salas de tecnologias, merenda e bons professores. Quando saírem de lá, com uma formação, uma profissão, certamente que a sociedade vai recebê-los de uma outra forma. Eu acredito que a educação melhora a vida do ser humano atrás das grades. Pode ter certeza que melhora”, garante.

Direitos Todo preso tem direito à educação. Além da Constituição Federal, garantem o acesso dos detentos brasileiros aos estudos a Lei de Execução Penal (LEP), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394) e o Plano Nacional de Educação (PNE).

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Revista Revista ATUAÇÃO ATUAÇÃO | Novembro | Julho 2013 |

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Mudando o universo do prisioneiro Na proposta pedagógica da Escola Estadual Prof.ª Regina Lúcia Anffe Nunes Betine, existem vários projetos, desenvolvidos em sala de aula, que estimulam o pensar, a reflexão, a autoestima, e contribuem com a mudança de comportamento. Os projetos Leitura Falada e Mundo Mágico da Leitura têm esses objetivos, além de promoverem as habilidades da leitura e da escrita. No Leitura Falada, os alunos escolhem os livros, fazem o resumo e, depois, transformam os textos em áudio gravado nas salas de tecnologias. Essas gravações são encaminhadas a entidades que atendem pessoas com deficiência visual. Da leitura, para os cálculos. No ano passado, seis alunos participaram da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Um deles, do Presídio Federal de Campo Grande, ficou em 3º lugar. A medalha de bronze lhe garantiu uma bolsa no Programa de Iniciação Científica Júnior (PIC). “Os agentes dizem que, quando os internos estudam, voltam para a cela mais tranquilos, começam a ser mais exigentes com os relacionamentos, e muitos acabam buscando a cela só para estudantes. Melhoram a maneira de se vestir, ficam mais asseados e deixam de falar gírias. Tudo isso permite que mudem seus conceitos e valores. Outro dia, eu estava no shopping e um ex-aluno do sistema me chamou para contar que havia passado no vestibular. Quando estão bem, quando vencem, querem mostrar suas conquistas. Isso é muito bom, é muito gratificante!” A declaração é da coordenadora pedagógica Helena Leite Baptista, que há 10 anos trabalha como educadora no sistema penitenciário. 24 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013


A história de Nataniel Nataniel Antunes, 32 anos, pai de três filhos, cumpre pena em regime aberto. Chegou ao sistema aos 19 anos, por causa de uma briga de bar que acabou em homicídio. Os 11 anos que passou preso no Instituto Penal de Campo Grande fizeram-no repensar sua vida, seus atos, seus valores, e recomeçar. Na minha infância, fui um bom aluno, sempre gostei de estudar, de ler. Aos 13 anos, me envolvi com más companhias e foi quando tudo começou. Quando fui preso, comecei a trabalhar no presídio para ajudar minha esposa. Depois de

sete anos que estava no Instituto, a Escola Regina Betine se instalou lá. Consegui me matricular na escola e gostei muito do que vi, do projeto que me apresentaram, e da forma como os professores tratavam os alunos. Só que houve um empecilho: não pude terminar os estudos lá dentro, porque precisava trabalhar. Naquela época, tínhamos que escolher, ou estudava ou trabalhava, nem tinha remição. Mesmo assim, não desisti de estudar. Eu pensava assim: se esse professor vem de longe e acredita em nós, por que é que nós não vamos fazer por onde, e mostrar que podemos mudar? Bom, aí eu saí do regime fechado e fui estudar no EJA [Educação de Jovens e Adultos]. No EJA, recebi um prêmio de melhor aluno. Trouxe o prêmio aqui para a diretora Regina ver e encaminhei para o juiz também. O pessoal do EJA me incentivou a fazer o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio].

Eu fiz. Mas como minha pontuação não foi tão alta, resolvi terminar o EJA com calma. Isso vai ser bom, porque eu queria passar por uma formatura e agora vou me formar com o pessoal. Sou presidente da comissão de formatura, estou organizando uma festinha bem legal. Minha mãe me disse que eu tenho que fazer aquilo que eu gosto. Quero fazer faculdade de Letras. Trabalho aqui na Escola Regina Betine. Faço serviços gerais, tudo que me pedem eu faço. Também fiz um curso de auxiliar administrativo e departamento pessoal. Agora estou fazendo um curso de computação. Pra mim, tudo isso que passei foi uma lição de vida. Principalmente, porque tenho filhos adolescentes. Vejo que meus esforços, tanto lá dentro, como aqui fora, estão ajudando no crescimento deles. Isso aí, pra mim, não tem preço. Sou outra pessoa hoje, estou 100% melhor. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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O recomeço da menina Edilaine Jovem e vaidosa, Edilaine dos Anjos da Silva tem 22 anos e é interna do Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi, em Campo Grande. Condenada por latrocínio, Edilaine está no sistema há três anos. Desde que foi presa, decidiu mudar sua história de vida. “Desde que fui presa, em Rio Brilhante, comecei a estudar. Na rua, eu perdi muito tempo. Estudando, a gente fica mais relaxada para voltar pra cela. Quando estou na sala de aula, eu esqueço da cela. Também trabalho no setor de artesanato. Quando sair daqui quero trabalhar, estudar e terminar de cuidar da minha 26 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

filha. Ela mora com meus pais, em Nova Andradina, e tem seis anos. Também já fiz vários cursos aqui. Fiz curso de xadrez, pátina, corte e costura básico, bordado de chinelo, crochê, manicure e pedicure. Aprendi de tudo um pouco na cadeia. Estar aqui é uma experiência de vida”, relata. Assim como Edilaine, muitos outros jovens têm chegado ao sistema logo que completam 18 anos. Em 2011, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) fez um levantamento e constatou que os indivíduos com faixa etária entre 18 e 24 anos representavam 30% do total de detentos. Logo depois, aqueles com idade entre 25 e 29 anos, que somam 26% do total. Considerando como juventude a faixa etária entre 15 e 29 anos (padrão brasileiro adotado pela Política Nacional da Juventude), conclui-se que os jovens compõem 56% de toda a população carce-

rária nacional. Para o psicólogo da Agepen, Marcos Moisés, a criminalidade entre os jovens é reflexo da falta de estrutura familiar e de acesso à educação. “Esses jovens chegam aqui sem concluir a 6ª série. A maioria vem de famílias desestruturadas, sem nenhuma base de comportamento. Com isso, cabe ao sistema penitenciário pegar esses jovens, que estão no auge da sua capacidade produtiva e dar a eles formação intelectual e laboral. Quando não conseguimos isso, sem dúvida, esse indivíduo será nosso cliente novamente. O sistema penitenciário fica com a responsabilidade de consertar o comportamento de indivíduos, que as famílias e a sociedade não foram capazes de fazer. A escola deveria ter educado, a família amparado e instruído, mas, isso não aconteceu. Essas instituições – família e escola – não fizeram parte da vida deles”, avalia.


Uma vida de superação Roberto da Silva, o ex-interno da Febem e do Complexo do Carandiru que virou professor, mestre, doutor e livre-docente da USP

Roberto da Silva chegou à Febem (antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor e atual Fundação Casa) quando tinha apenas dois anos de idade. Naquela época, a entidade era responsável pela tutela de órfãos. A mãe de Roberto foi internada num hospital psiquiátrico e os quatro filhos entregues a abrigos diferentes. Roberto

“Não é só a custódia que tem que melhorar. É a reconceituação do crime e da pena de reclusão no Código Penal Brasileiro para que a prisão seja efetivamente para quem precisa ser temporariamente confinado, e não o encarceramento indiscriminado, em massa, como se faz.”

permaneceu na Febem até os 17 anos. Em liberdade, foi para as ruas e começou a praticar pequenos delitos, sendo aprisionado mais tarde, no Complexo do Carandiru, em São Paulo, acusado de vários crimes. Depois de mais de dez anos no Carandiru, o ex-presidiário voltou aos estudos. Concluiu ensino Fundamental e Médio em curso supletivo, formou-se em Pedagogia em 1993, fez Mestrado em Educação, na USP, em 1998, tornou-se doutor em 2001 e livre-docente em 2009, também pela Universidade de São Paulo. Já publicou várias obras, e algumas tratam da educação no sistema prisional. Recebeu diversos prêmios em reconhecimento à sua vencedora história de vida. Nesta entrevista, Roberto da Silva fala sobre sua participação na elaboração do Plano Estadual para a Melhoria da Educação no Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul, (estado pioneiro na regulamentação de uma escola pública para atender a população carcerária) e sobre a educação como direito de todos os cidadãos. O senhor participou do processo de elaboração do Plano Estadual para a Melhoria da

Educação no Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul. Como foi essa experiência, tendo em vista sua história de vida? Mato Grosso do Sul foi o primeiro estado brasileiro a iniciar o processo de discussão sobre a elaboração de um Plano Estadual para Educação em Prisões, mesmo antes de o governo federal publicar as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação em Estabelecimentos Penais. Coordenei esse processo, que envolveu técnicos, profissionais, professores, agentes penitenciários e diretores de unidades penais. Foram intensos discussões para chegarmos ao consenso do que era possível fazer. Minha experiência de vida e o fato de conhecer a prisão, a escola por dentro e por fora, foi decisiva para inspirar confiança na turma, mediar os debates e sistematizar as propostas que surgiram nos diversos grupos de trabalho. Qual a importância da educação dentro dos presídios? Deve-se entender a educação em prisões como a extensão de um direito que já existe para todos os brasileiros. Se, em algum momento, esse direito foi negaRevista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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do ou não foi possível exercitá-lo, isso não significa que ele não possa ser reivindicado. No caso particular da prisão, a educação e o trabalho são as duas vias possíveis para o preso retomar um projeto de vida e diminuir as

“O papel da educação em prisões é o de qualificar o preso para que o mesmo possa disputar em condições de igualdade as oportunidades que a sociedade oferece a todos os seus cidadãos”.

deficiências que tem em relação às pessoas em liberdade. A educação muda o criminoso? Não é esse o objetivo da educação e está errado quem pensa assim. A educação e os seus profissionais não podem assumir isso como responsabilidade. O papel da educação em prisões é o de qualificar o preso para que o mesmo possa disputar em condições de igualdade as oportunidades que a sociedade oferece a todos os seus cidadãos. O que cada pessoa vai fazer do patrimônio constituído por meio da educação é do livre arbítrio dela. A remição por meio do estudo é positiva? Sim, mas a legislação que o Congresso Nacional aprovou não é o melhor exemplo. A remição da pena deve ser concedida ao preso em função da conclusão de módulos de estudos, de ciclos, de modalidades e níveis, sempre com certificação comprobatória das atividades, que podem ser presenciais, a distância ou de livre iniciativa como os estudos autodidatas. A educação trabalha com projetos de médio e longo prazo, tem terminalidade própria, e a premiação só deveria ser concedida quando alcançados os seus objetivos. As penitenciárias brasileiras oferecerem meios de integração social (trabalho, educação e acompanhamento piscossocial) como prevê a Lei de Execução Penal (LEP - Lei Nº 7.210/1984)?

Instituto Penal de Campo Grande/MS 28 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

Em todo o sistema penitenciário brasileiro, a infraestrutura, os recursos humanos e financeiros, para prestar ao preso as assistências previstas na LEP,

são deficitários. As condições de trabalho são precárias, não há investimento em qualificação ou formação profissional, o dinheiro da remuneração pelo trabalho não é bem administrado e não há perspectiva de que o trabalho feito dentro da prisão, e pelo qual o preso foi beneficiado com a remição, possa ser útil para sua vida quando em liberdade. A educação carece de espaços físicos apropriados, de material didático próprio e de profissionais qualificados. O acompanhamento psicossocial deveria ser extensivo à família do recluso, que, na maioria das vezes, não recebe qualquer acompanhamento. O que falta para melhorar a qualidade da custódia do preso no Brasil? Não é só a custódia que tem que melhorar. É a reconceituação do crime e da pena de reclusão no Código Penal Brasileiro para que a prisão seja efetivamente para quem precisa ser temporariamente confinado, e não o encarceramento indiscriminado, em massa, como se faz. O encarceramento indiscriminado faz do Brasil o quarto país em números de presos. As prisões federais e os centros de ressocialização existentes em São Paulo podem ser bons exemplos: são unidades pequenas, para poucos presos, com atendimentos individualizados, feitos por profissionais qualificados. Existe alguma Instituição Penal no Brasil que pode ser citada como modelo de ressocialização por meio do trabalho e do estudo? Citaria as prisões federais recém-construídas para os casos em que o confinamento é necessário. A perspectiva de


trabalho destas supermax não é necessariamente a ressocialização, mas o controle absoluto sobre o preso, para dar eficácia à lei que o condenou. A ressocialização e todos os “rês”, comumente usados como sinônimos, constituem mitos para pregar a “reforma” do sujeito inadaptado socialmente. Trabalho e educação são valores necessários para a construção da identidade, da personalidade e do caráter da pessoa e não “remédios”, que possam ser usados para curar os males sociais. A Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, construiu uma boa experiência, com todos os presos trabalhando e estudando em horários alternados. O trabalho resultava em profissionalização do preso, e os estudos, em certificação. Atualmente, existe um alto percentual de reclusos com idade entre 18 e 29 anos. Esses jovens já chegam ao sistema como profissionais do crime, condenados por tráfico de drogas, homicídio, roubo, latrocínio etc. O que leva tantos jovens à criminalidade? A maioria desses jovens não é, necessariamente, “criminosos”, no sentido clínico do termo. Foram condenados, mas não são criminosos. A maioria acumula déficts de socialização, de escolarização, de profissionalização e de cultura – o que quer dizer que diversas instituições anteriores, tais como a família, a religião, a escola, o mercado de trabalho, a comunidade e as políticas públicas, falharam em dotar essas pessoas das competências e habilidades necessárias para se tornarem úteis socialmente. O envolvimento com drogas e os pequenos delitos respondem a uma necessidade econômica, de consumo, insistentemente colocada como fator de sucesso e de qualidade de vida que suas famílias não mais conseguem lhes

oferecer. Uma coisa é prender, condenar e manter em custódia um “cidadão” com residência fixa, escolaridade suficiente, profissão definida, e que opta pelo crime como resultado de suas escolhas. Outra coisa, é o encarceramento maciço de uma população de miseráveis, desqualificados de todos os atributos socialmente valorizados, e para os quais se espera que a prisão resolva todas essas deficiências acumuladas.

compromissos que mantém fora, principalmente em relação aos filhos e à esposa, o que resulta em sofrimento moral, redução da autoestima e sensação de impotência para assumir um papel ativo na vida de sua família.

A privatização não seria uma alternativa para solucionar os infinitos problemas que envolvem o sistema penitenciário nacional? Não, definitivamente não. Empresas privadas precisam de mercado, mercado precisa de escala e, escala, neste caso, significa aumentar o encarceramento para justificar o investimento e gerar lucro. A liberdade humana não pode ser submetida à lógica de mercado. Um meio termo entre a estatização e a privatização é a “gestão comunitária da prisão”, como foi feita com os Centros de Ressocialização em São Paulo. Estado e comunidade local (não empresas) administram a unidade prisional de forma compartilhada, com atribuições e competências bem definidas. Como é estar preso? Em diferentes estágios da vida estar preso tem significados diferentes. Um bebê no útero da mãe por nove meses, quando começa a “chutar” a porta, é imediatamente libertado porque ele está pronto para sair: mantê-lo mais tempo ali seria sacrificá-lo. A criança pequena, desde que esteja perto da mãe, não se ressente de estar crescendo e sendo criada dentro de uma prisão. Para o adolescente, a prisão é cruel e em poucos dias ele sente o peso da privação da liberdade. O adulto sofre em função dos laços afetivos e dos

Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi Campo Grande/MS

“Em todo o sistema penitenciário brasileiro, a infraestrutura, os recursos humanos e financeiros, para prestar ao preso as assistências previstas na LEP, são deficitários”. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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PERSONALIDADE

S

ilencioso e interativo. É assim o universo da Libras [Língua Brasileira de Sinais] – uma linguagem corporal precisa, que proporciona independência e autonomia para aqueles que vivem com limitações. A Libras é o meio de comunicação usado pelas pessoas com deficiência na audição. Diferente de todos os demais idiomas, que são orais e auditivos, a Libras é visual e gestual, requer os movimentos do corpo para ser compreendida, mais necessariamente das mãos e dos braços. Enquanto a medicina não consegue driblar as anomalias causadas pelas leis da genética ou as deficiências decorrentes das circunstâncias da vida, a educação, com seus infinitos recursos, forma profissionais capazes de oferecer informação, formação e inclusão social para pessoas com surdez. É assim, gesticulando, que Itamar Lopes dos Santos, intérprete de Libras, passa seus dias, trans30 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

formando palavras em sinais. Divide seu tempo entre a Rede Pública de Ensino e os estúdios de gravação de uma universidade privada, que oferece Ensino a Distância (EAD). Graças a profissionais como Itamar, milhares de pessoas com surdez, dos mais diversos rincões brasileiros, podem cursar o Ensino Superior. Itamar começou a se interessar pela linguagem de sinais ainda na escola, no Ensino Fundamental. O interesse surgiu quando viu um de seus colegas conversando por meio de gestos com a namorada, uma jovem surda. “Eu perguntei pra ele como funcionava aquela linguagem. Ele me explicou algumas coisas e me disse que me daria uma cartilha com informações. Quando fui na sala do meu colega pegar a cartilha, vi uma menina bonita e me interessei por ela. Ele me falou que ela era surda também. Disse que se eu quisesse me apresentaria pra ela. Eu topei, claro. No nosso primeiro encontro, eu ainda não sabia nada de Libras, tive que es-

crever o que eu queria falar. Foi um pouco complicado, porque os surdos têm dificuldades na língua portuguesa. Bom, eu perguntei pra ela como se falava em sinais ‘Posso te dar um beijo?’. Ela me mostrou. Depois disso, não nos separamos mais”, conta. E foi assim que tudo começou. Itamar conheceu a Stella, surda de nascença e começaram a namorar. O namoro e a boa vontade de Itamar em aprender a linguagem de sinais fizeram dele intérprete de Libras. Aprendeu uma profissão, ganhou uma namorada, e, mais tarde, uma esposa e uma família. O primeiro emprego de Itamar como intérprete foi no Instituto Luther King, em Campo Grande. Depois disso, não parou mais. Fez vários cursos, faculdade de Letras e aprendeu muito com a comunidade surda. Atualmente, intérpretes de Libras são reconhecidos como profissionais da Educação. O Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta as leis 10.098/2000


(Lei da Acessibilidade), e 10.436/2002 (Lei que regulamenta a Língua Brasileira de Sinais), garante acesso à educação ao indivíduo com deficiência auditiva, determina a formação de docentes para o ensino de Libras e dá outras providências. Além disso, a Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, instituída pelo Ministério da Educação em 2008, assegura às pessoas com deficiência o direito

de acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis da Educação. Esse direito foi incorporado à Constituição Federal, por meio do Decreto nº 6949/2009. A partir da promulgação da Lei 10.436, os profissionais, intérpretes de Libras, passaram a ser mais valorizados. “A remuneração salarial é a mesma dos professores. É uma área boa que precisa de profissionais sérios e comprometidos. A

Libras é uma língua que precisa de muito estudo e dedicação”, explica. Para Itamar, a Libras vai muito além da linguagem. “Talvez, pra mim, o significado da Libras não seja tão expressivo quanto é para minha esposa e para as demais pessoas com surdez. É o único meio que essas pessoas têm de entender o mundo e expressarem o que sentem. Pra mim é uma profissão. Para elas, sem dúvida, é tudo!”

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é específica do Brasil. Cada país tem sua própria língua de sinais, tal como temos nossa própria língua falada. Libras é uma língua com influência da língua de sinais francesa. O primeiro instituto para surdos no Brasil foi fundado em 1857, por Edward Huet. Inicialmente chamado de Imperial Instituto de Surdos-Mudos, recebeu o nome de Instituto Nacional de Surdos-Mudos e, depois, de Ins-

tituto Nacional de Educação de Surdos. Edward Huet era surdo, francês e foi trazido por Dom Pedro II para o Brasil com o objetivo de iniciar um trabalho de educação para surdos. Graças à luta sistemática e persistente das pessoas com deficiência auditiva, a Libras foi reconhecida no Brasil como Língua Oficial da Pessoa Surda, com a publicação da Lei nº 10.436, de 24 de abril 2002, e da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro 2000.

Segundo pesquisa do IBGE de 2010, Brasil tem cerca de 9,7 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência auditiva. Dessas, 2,1 milhões têm deficiência auditiva severa, 344,2 mil são surdas e 1,7 mil tem grande dificuldade de ouvir.

“ Talvez, pra mim, o significado da Libras não seja tão expressivo quanto é para minha esposa e para as demais pessoas com surdez. É o único meio que essas pessoas têm de entender o mundo e expressarem o que sentem. Pra mim é uma profissão. Para elas, sem dúvida, é tudo!” Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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MAIORIDADE PENAL

De vítimas

a vilões

Tramitam no Congresso Nacional três PECs que tratam da redução da maioridade penal no país. Caso sejam aprovadas, adolescentes de 16 anos, atualmente inimputáveis, podem ter como destino as penitenciárias brasileiras. Entidades, profissionais e estudiosos consideram a medida incoerente, uma vez que a violência praticada por menores de 18 anos é, em geral, decorrente da incapacidade do Estado em assegurar direitos básicos e políticas públicas eficientes para crianças e adolescentes. 32 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013


E

u vim para Mato Grosso do Sul com um tio meu. Vim conhecer o estado, a cidade de Ponta Porã e o Paraguai. Moro em Alterosa. É no interior de Minas Gerais. Meu tio veio trabalhar e vim com ele. Minha mãe deixou eu vir porque ele é uma pessoa da nossa confiança. Na verdade, ele é casado com a irmã da minha mãe. Ele me disse que trabalha com transporte escolar. Eu acho que ele tem uns 40 anos. Aí, na viagem, a Polícia Federal prendeu a gente, porque tinha droga no carro. Me trouxeram para cá.” O relato é de uma jovem de 16 anos. Isabela*, menina moça de trança longa e feições ainda infantis, conta sua história com naturalidade, desprovida de qualquer traço de malícia e aparentemente sem noção da gravidade dos fatos que envolvem sua vida recente. No momento da entrevista, Isabela está em uma Unidade Educacional de Internação (Unei) em Campo Grande, aguardando parecer da Vara da Infância e da Juventude. O juiz tem prazo de 45 dias para decidir se a adolescente vai ou não cumprir medida socioeducativa. Assim como Isabela, milhares de outros adolescentes são encaminhados às Uneis por envolvimento com o tráfico de drogas e outros delitos. Meninos e meninas, a maioria em situação de vulnerabilidade social, são aliciados por criminosos, muitas vezes membros da própria família. Celulares, computadores, roupas de marca, viagens... Essas são algumas das promessas que atraem os jovens para a ilusão do dinheiro rápido e fácil, que faz a cada dia novas vítimas do crime organizado. A realidade é reflexo de um Estado incapaz de assegurar a crianças e adolescentes direitos básicos, como educação, saúde e promoção social. De vítimas de “

*Nome fictício

um sistema cruel, meninos e meninas passam a vilões e ganham a imagem de “bandidos” ao protagonizar delitos, crimes e tragédias, cada vez em idade mais precoce. A reação mais fácil, imediata e simplista é propor punição aos “culpados”. Assim, como expressão de um “clamor popular”, tramitam no Congresso Nacional três PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que tratam da redução da maioridade penal. Duas flexibilizam a maioridade de acordo com a gravidade do delito, e uma terceira estabelece o limite de 16 anos para qualquer tipo de crime cometido. A maioridade penal aos 18 anos foi estabelecida na legislação brasileira em 1940, cinco décadas antes da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990). Com o ECA, crianças e adolescentes deixaram de ser vistos e tratados como “menores” – infratores ou não – e passaram a ser sujeitos de direitos. Assim também as medidas aplicadas ganharam o caráter socioeducativo, buscando a oferta de atendimento psicossocial e a implementação de ações que objetivam a reintegração desses adolescentes à sociedade.

O artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas socioeducativas previstas na Lei. Dados da Fundação Casa demonstram que apenas 1,5% dos internos no estado de São Paulo cometeram homicídio. A maioria está detida por tráfico de drogas (41,8%) e roubo (44,1%).

Redução é a solução?

Caso as PECs para reduzir a maioridade penal sejam aprovadas e sancionadas, adolescentes como Isabela, atualmente inimputáveis, serão julgados de acordo com as determinações do Código Penal. Se condenados, cumprirão suas penas nas penitenciárias brasileiras. Se dependesse da população paulistana, aterrorizada pela onda de insegurança que atinge a maior cidade do Brasil, a redução da maioridade penal já estaria valendo. Pesquisa Datafolha, publicada no segundo bimestre de 2013, mostra que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade a partir da qual uma pessoa deve responder criminalmente por seus atos. Estudiosos e entidades representativas consideram a proposta de redução da maioridade penal uma medida incoerente e defendem que o poder público deve investir na efetivação das Leis – como o próprio ECA – e políticas públicas que garantam o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, bem como no atendimento adequado aos que cometem atos infracionais, conforme prevê o Sistema Nacional do Atendimento Socioeducativo (Sinase). Para a psicóloga e conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Sandra Maria Francisco Amorim, a opinião pública é conduzida pela mídia sensacionalista. “O que a mídia veicula, as pessoas aceitam. A população precisa estar mais atenta ao que dizem as pesquisas, estatísticas e estudos. É preciso ter uma visão mais coerente dos fatos. Dos homicídios cometidos no Brasil, por exemplo, apenas 1% é praticado por menores de 18 anos”, afirma. De fato, dados da Fundação Casa demonstram que 1,5% dos internos no estado de São Paulo cometeram homicídio. A maioria está detida por tráfico de drogas (41,8%) e roubo (44,1%).

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Números Segundo o Mapa da Violência, divulgado em 2012 pelo Instituto Sangari, entre os anos de 1980 e 2010, o número de crianças e adolescentes assassinados no Brasil cresceu 346%. Foram 176.044 mortes por homicídio em 30 anos. O Brasil ocupa a quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes. Ou seja, o adolescente brasileiro morre muito mais do que mata. Sandra Amorim, que também é pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e desenvolve estudos com internos das Uneis, explica que um viés apenas punitivo aplicado ao adolescente não vai diminuir os índices de violência. “É muito simples dizer que o problema é o adolescente. Isso é restringir o indivíduo a uma situação que não se limita somente a ele. A violência envolve muitas questões que vão além do indivíduo. É preciso analisar a história do sujeito, os valores que foram passados para ele, que garantias ele teve de um desenvolvimento saudável”, avalia. Ainda de acordo com a pesquisadora, o Brasil tem “leis maravilhosas”, que protegem e garantem o desenvolvimento da população menor de 18 anos. Mas, o Estado não consegue efetivá-las. E, a partir do momento em que a legislação não é cumprida, surgem outros problemas, pois “quando o adolescente não tem seus direitos garantidos, ele pode se tornar um violador de direitos”. “Quando falo de direitos, não me refiro apenas às questões econômicas e materiais, mas, também, aos aspectos afetivos e humanos. Onde começa o ato infracional? Sem dúvida, que começa na história de vida do sujeito. Penso que o adolescente precisa sim ser responsabilizado 34 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

pelos seus atos, precisa ressignificar suas atitudes, mas colocá-lo como grande responsável pelo aumento da violência e da criminalidade é um erro. Não é mais fácil e produtivo investir na garantia dos direitos básicos, nas medidas socioeducativas, do que mandar um adolescente de 16 anos para a prisão? Nosso sistema prisional é falido!”, diz Sandra Amorim. Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos apontam que, entre os anos de 2002 e 2011, os casos de homicídios praticados por adolescentes apresentaram redução, caindo de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio, caíram de 5,5% para 1,9%; os de estupro, de 3,3% para 1%. E do total da população adolescente no Brasil, apenas uma parcela de 0,09% é identificada como infratora. Demagogia O juiz da Vara da Infância e Juventude, Comarca de Campo Grande, Roberto Ferreira Filho, também discorda das propostas de emenda à Constituição: “Tratando o adolescente como adulto, nós logo teríamos, por consequência, uma cooptação cada vez mais precoce de adolescentes, de 12 e 13 anos, e até de crianças, com menos de 12 anos, pelo crime organizado e seus tentáculos. E, então, logo estaríamos defendendo redução da maioridade penal novamente, para alcançar pessoas em faixas etárias ainda mais reduzidas. Violência não se diminui com mudança de legislação, isso é ilusão e até demagogia. Violência se reduz com prevenção, com trabalho efetivo de reinserção social, com agilidade e cientificidade na apuração e julgamento dos delitos cometidos, seja por adolescentes ou por adultos.” Ainda segundo Ferreira, colocar adolescentes nas penitenciárias é o mesmo que instituir o

“É muito simples dizer que o problema é o adolescente. Isso é restringir o indivíduo a uma situação que não se limita somente a ele. A violência envolve muitas questões que vão além do indivíduo. É preciso analisar a história do sujeito, os valores que foram passados para ele, que garantias ele teve de um desenvolvimento saudável.” Sandra Maria Francisco Amorim, Conselheira do Conselho Federal de Psicologia


“Violência se reduz com prevenção, com trabalho efetivo de reinserção social, com agilidade e cientificidade na apuração e julgamento dos delitos cometidos, seja por adolescentes ou por adultos.” Roberto Ferreira Filho, juiz da Vara da Infância e Juventude, Comarca de Campo Grande

caos. “Nosso déficit de vagas já é enorme, absurdo, e os presídios, em regra, superlotados, sem divisão pelo critério de idade ou de periculosidade, fazendo com que os presos de menor periculosidade tenham convivência diuturna e promíscua com ‘presos profissionais’, que integram organizações criminosas. Imagine levar para esse mesmo ‘barril de pólvora’ pessoas ainda mais frágeis, mais vulneráveis, mais influenciáveis? Iríamos retroagir!”, avalia o juiz. Profissionais Os profissionais ligados às medidas socioeducativas também criticam a proposta. “Redução da maioridade penal não é solução, isso é mascarar o problema, ignorando sua origem. Não é possível falar em causa única para a origem da prática infracional por adolescentes. Normalmente, vamos encontrar no histórico desses adolescentes situações de vulnerabilidade e violações de direitos, que resultam em infrações. Podemos dizer, de uma maneira mais simples, que antes de o adolescente ser o agressor ele foi a vítima de toda uma situação”, diz a psicóloga Simone Grisolia Monteiro, que há mais de 10 anos trabalha com medidas socioeducativas. O Conselho Federal de Psicologia tem posicionamento contrário às PECs. De acordo com documento publicado em agosto, crianças e adolescentes são “sujeitos em curso de desenvolvimento humano e devem ter seus direitos garantidos por meio de políticas orientadas para a conquista de identidade, autonomia, responsabilidade e socialização”. Em síntese, o CFP defende, entre outros, os seguintes argumentos contra as emendas: 1º) as peculiaridades dos diferentes momentos do desenvolvimento humano; 2º) que o desenvolvimento de cada sujeito ocorre em um contexto

relacional, social e histórico, e a compreensão de suas condutas não pode se dar com base em uma perspectiva individualista, 3º) que a perspectiva educativa é norteadora do desenvolvimento humano saudável, em oposição às perspectivas punitiva e repressiva; 4º) que a responsabilidade do Estado brasileiro no fracasso da garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes deve ser considerada como entrave ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes; 5º) que a leitura equivocada do ECA leva à confusão entre “inimputabilidade” e impunidade; 6º) que reduzir a idade penal é tratar os efeitos e não a causa, além do que a violência não é solucionada por culpabilização e punição do sujeito do ato, mas, antes, pela ação nas instâncias psíquicas, sociais, políticas econômicas que a produzem. O ECA estabelece o máximo de três anos para cumprimento de medida socioeducativa. No período de internação, cabe às Uneis trabalhar as dificuldades e as potencialidades do adolescente, numa perspectiva em que ele possa frequentar a escola, participar de cursos, atividades artísticas, esportivas e culturais e receber o atendimento psicossocial adequado. O objetivo é que o adolescente tenha condições de ressignificar seus atos e visualizar novas possibilidades para a vida. Segundo Simone Grisolia, o tempo de internação é relativo, considerando que a adolescência é o auge de um período de transformações. “O tempo não é o mesmo para todos. Pode levar um ano, dois ou até mesmo os três anos. Tudo dependerá da evolução e de objetivos pessoais, construídos com o auxílio da equipe e da família, por meio de uma ferramenta que chamamos de Plano Individual de Atendimento, e que é utilizada pelo Judiciário para avaliar o adolescente”, explica. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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Segundo o Mapa da Violência divulgado em 2012 pelo Instituto Sangari, entre os anos de 1980 e 2010, a taxa de crianças e adolescentes assassinadas no Brasil cresceu 346%. Foram 176.044 mortes por homicídio em 30 anos. Atendimento

“É preciso investir também na reeducação da família e da sociedade de um modo geral. Não basta apenas investir em educação, medidas socioeducativas e demais ações. É preciso que a sociedade tenha visão e postura diferentes.” Carmem Lígia Loureiro Carmelo, diretora da Unei Estrela da Manhã 36 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

Assim como outros estados do país, Mato Grosso do Sul enfrenta dificuldades e desafios para cumprir de forma efetiva as medidas regulamentadas pela Lei do Sinase e pelo Eca. Faltam recursos humanos e financeiros. Contudo, o atendimento vem progredindo. “Existem outros estados em situações mais catastróficas. O Espírito Santo, por exemplo, teve que fechar várias unidades. Muitas unidades ainda têm cara de presídio. Não basta uma mudança na Lei, é preciso também uma mudança na cultura das pessoas. Vejo alguns gestores investindo nisso. A própria Universidade Federal de Mato Grosso do Sul oferece cursos de capacitação para socioeducadores que trabalham nas Uneis”, relata Sandra Amorim. A diretora da Unei Estrela da Manhã, Carmem Lígia Loureiro Carmelo, comenta também que o atendimento aos egressos ainda é insuficiente. “Infelizmente, não temos um trabalho adequado neste sentido. Temos os CRAS e CREAS que realizam trabalho com as famílias, mas ainda não é o suficiente. Com isso, podemos estimar uma média de 20% de reincidência”, calcula. Para ela, os profissionais que trabalham na área devem ser pessoas que acreditam na mudança do ser humano. “Além disso, é preciso investir também na reeducação da família e da sociedade de um modo geral. Não basta apenas investir em educação, medidas socioeducativas e demais ações. É preciso que a sociedade tenha visão e postura diferentes”, conclui.

Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos apontam que, entre os anos de 2002 e 2011, os casos de homicídio praticados por adolescentes apresentaram redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio, de 5,5% de 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Do total da população adolescente no Brasil, apenas uma parcela de 0,09% é identificada como infratora.

“Podemos dizer, de uma maneira mais simples, que antes de o adolescente ser o agressor ele foi a vítima de toda uma situação.” Simone Grisolia Monteiro, psicóloga das medidas socioeducativas


ARTIGO

Quando as drogas batem à nossa porta

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itimados e prisioneiros em casa. É assim que nos sentimos frente à problemática das drogas, ao tentar proteger nossos filhos, principais alvos deste violento comércio, protagonizado por famílias em pânico, à mercê de traficantes camuflados de bons e simpáticos amigos, encontrados facilmente em escolas, ambientes de trabalho, bares, shows, boates e parques. A mídia, infelizmente, colabora com a situação, apresentando em filmes e novelas o uso de bebidas alcoólicas e arguile como hábitos isentos de risco, e pretexto para descontração e relaxamento em grupo. Sem falar da veiculação explícita ou subliminar da legalização do uso da maconha, defendida até mesmo por políticos e artistas famosos, alheios ao seu real prejuízo físico e mental. Como lidar contra a investida deste mal? Em primeiro lugar, com a formação de uma força-tarefa orquestrada pelo governo federal, desvinculada de interesses partidários ou mercantilistas, aliando bom senso, sensibilidade e investimento adequado na prevenção, tratamento e proteção do cidadão. Em segundo lugar, é preciso enxergar o tratamento como um problema social, de saúde e de segurança pública, e que apenas internar compulsoriamente os dependentes químicos não resolve nem ameniza a questão. A união de cuidados médicos de urgência voltados ao adicto, com o objetivo de tratar os sintomas agudos e a abstinência da droga, associados a convênios

sérios com comunidades terapêuticas idôneas e sem fins lucrativos para a continuidade do tratamento, podem fazer grande diferença nos resultados. A dificuldade está na aceitação destas últimas pelo governo, que se diz laico, não admitindo instituições que incluem a espiritualidade no processo de recuperação, perfil da grande maioria. Não nos esqueçamos do papel indispensável de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais neste processo, os quais, por meio de avaliação minuciosa, podem descobrir sinais e sintomas de transtornos neurológicos e afetivos funcionando como gatilhos e estímulos ao uso frequente de drogas lícitas e ilícitas, implicando em recaídas no vício. Outro aspecto a ser enfocado nesta pandemia, liderada pelo consumo do álcool e do crack, é a necessidade de se estabelecer mecanismos eficientes de reinserção social do ex-dependente, voltados à profissionalização e educação, com o intuito de preservar a autoestima, sustentabilidade e dignidade do mesmo, reduzindo os retornos à dependência. Esta realidade também se estende ao nível carcerário, onde urge a necessidade de reestruturação do obsoleto e ineficaz sistema, que insiste em punir sem educar para o trabalho e dignificação do ser humano, colaborando para a perpetuação do problema. Em quarto lugar, é preciso atender as famílias, reconhecendo sua importância no processo, reavaliando e reestruturando o ambiente doméstico desfigurado pelo furacão das drogas, e oferecendo apoio emocional, individual e de grupos acolhedores e preparados para o alívio de suas dores, fundamentais para a recuperação plena destes codependentes. Por fim, e não menos impor-

Dr. Fábio Augusto

Médico, escritor, compositor e cantor. www.fabioaugustooficial.com.br

tante, além do tratamento direto com os adictos, é preciso investir em um sistema eficiente de prevenção perene nas escolas e em empresas públicas e privadas, voltado à orientação quanto aos riscos das drogas. Afinal, é fato que a informação é proporcional ao poder de decisão e controle, bem como conscientização a respeito dos malefícios das drogas, contribuindo radicalmente para a redução dos índices de dependência. Consciência e conhecimento, perseverança e fé, amor e solidariedade são ingredientes necessários para evitar que as drogas continuem a bater às nossas portas. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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CULTURA

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uem conhece Mato Grosso Sul sabe que sua gente é nascida da miscigenação de vários povos, etnias que para cá migraram quando o estado ainda era uno, território de Mato Grosso. Aqui, chegaram gaúchos, paulistas, japoneses, árabes, libaneses, portugueses, paraguaios, bolivianos, afrodescendentes... Por aqui, já viviam os guarani, kaiowá, guató, terena... Como disse a professora Maria da Glória Sá Rosa, durante entrevista à Revista Atuação, em dezembro de 2012, “(...) a identidade cultural é a soma de elementos que contribuem para a formação de um perfil. Mato Grosso do Sul é um estado produto de muitas migrações (…) Tudo isso, formou um grande mosaico, essa substância rica que é a nossa cultura. Mato Grosso do Sul é um produto de diversas identidades, uma fisionomia multifacetada.” Com base nesse contexto histórico-cultural, a coordenação da Escola Estadual José Maria Hugo Rodrigues, em Campo Grande, elaborou um projeto de pesquisa sobre algumas das etnias que formam o perfil de Mato Grosso Sul. Um estado jovem, que tem apenas 36 anos. Alunos do Ensino Fundamental e Médio desenvolveram as atividades do projeto durante as aulas de História, Sociologia, Filosofia, Geografia e Inglês. Foram pesquisados o idioma, a cultura, a economia, a culinária, a religião e todos os elementos que compõem essas nações e que se misturam no universo sul-mato-grossense. É preciso ressaltar que esses alunos são frutos dessa miscigenação de imigrantes, uma geração de nativos, nascida depois de 11 de outubro de 1977, data da divisão territorial que deu origem a Mato Grosso do Sul. As pesquisas dos jovens re-

sultaram em uma série de apresentações artísticas e culturais que envolveram toda a comunidade escolar no final do mês de agosto. “Esses projetos são importantes, especialmente porque motivam os alunos à prática da leitura, da pesquisa e, com isso, eles passam a refletir sobre suas origens e sua história. Nós somos parte desses povos”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Greicy Kelly Gonçalves. A professora de inglês, Larissa Novaes, pesquisou com os alunos as culturas árabe e japonesa. “Trabalhamos em sala de aula a questão do idioma, a dificuldade que esses povos tiveram para se comunicar quando aqui chegaram. Essa é uma dificuldade que qualquer pessoa encontra quando muda de um país para o outro”, explica. Para Josué Almos, aluno do 2º ano do Ensino Médio, o mais interessante, durante o projeto, foi a relação com os colegas. “Além de aprendermos sobre cultura e história, aprendemos a trabalhar em grupo, em equipe. Pra mim, isso é muito importante”, afirma. Além de apresentações artístico-culturais, os alunos prepararam pratos típicos de cada país. Na barraca da Bolívia, puderam ser degustados o arroz boliviano, a saltenha e o famoso alfajor, uma massa recheada de doce de leite e coberta com chocolate. “Particularmente, não conhecia nada sobre a Bolívia. Foi bem proveitoso tudo isso, é a nossa história”, diz Juliana Valiente, aluna do 2º ano do Ensino Médio. A Escola Estadual José Maria Hugo Rodrigues tem cerca de 1.500 alunos, divididos em três turnos, um corpo docente de 80 profissionais, e está localizada no bairro Mata do Jacinto, na região norte de Campo Grande.

“Particularmente, não conhecia nada sobre a Bolívia. Foi bem proveitoso tudo isso, é a nossa história.” Juliana Valiente, aluna do 2º ano do Ensino Médio.

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Alunos que estudaram a cultura boliviana preparam comidas típicas como o arroz boliviano, o alfajor e a saltenha

Pouca idade, mas muita história - Mato Grosso do Sul, 36 anos O desenvolvimento desigual entre o norte e o sul do antigo estado de Mato Grosso inspirou movimentos separatistas desde o século XIX. Enquanto o sul ganhava rápido desenvolvimento, com base na agropecuária e na extração vegetal, o norte minerador (atual estado de Mato Grosso) vivia sua decadência. Em 1932, foi criada a “Liga Sul-mato-grossense” com fim de coordenar a campanha separatista. Apostando na Revolução Constitucionalista, os sulistas aliaram-se aos paulistas em troca de apoio às reivindicações separatistas. Entre julho e outubro de 1932, foi constituído o “Estado de Maracaju”, derrotado juntamente com os constitucionalistas. Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas decidiu desmembrar seis territórios estratégicos para serem administrados diretamente pelo governo brasileiro. Foi criado, assim, o Território Federal de Ponta Porã,

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desmembrado do sudoeste do antigo estado de Mato Grosso, território reintegrado pela Constituição Brasileira de 1946. Em 11 de outubro de 1977, o então presidente do Brasil, o general Ernesto Geisel, assinou a lei que desmembrava do território do Mato Grosso um novo estado, Mato Grosso do Sul. Entre os argumentos justificadores do ato, incluíam-se imposições administrativas – o território era grande demais para ser administrado por uma só máquina administrativa – e preceitos da Doutrina de Segurança Nacional, que considerava pouco recomendável a existência de estados grandes e potencialmente ricos na região de fronteira. O estado de Mato Grosso do Sul foi oficialmente instalado em 1 de janeiro de 1979, sendo o primeiro governador, Harry Amorim Costa, nomeado pelo presidente Ernesto Geisel. As migrações originárias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, e também as imigrações de países como

Alemanha, Espanha, Itália, Japão, Paraguai, Portugal, Síria e Líbano, foram fundamentais para o povoamento de Mato Grosso do Sul. O estado é, ainda, o segundo do Brasil em número de habitantes ameríndios, de várias etnias, entre elas Guarani (Kaiowá e Nhandéwa), Guató, Kadiwéu, Kinikinawa, Ofaié e Terena. A partir de 1890, o estado de Mato Grosso – notadamente o sul-mato-grossense – apresentou uma população de estrangeiros crescente, superior a 6% da população total, até 1920. Depois o número decaiu, chegando, em 1970, a 3% da população. Até essa época, o Mato Grosso, em especial a região sul do estado, teve, continuadamente, uma população estrangeira acima da média nacional. Na cidade de Corumbá, por exemplo, houve um tempo em que era difícil localizar quem falasse o idioma português. Entre 1920 e 1970, mais de 50% dos estrangeiros que habitavam o Mato Grosso eram paraguaios. Outros 13% eram naturais da Bolívia.


(IN) Disciplina e as Relações de Poder Autor: Marcos Paz Editora: Alvorada 95 páginas

O livro, uma adaptação da dissertação de mestrado do autor, é uma obra de referência para aqueles que desejam, pela via da reflexão, encontrar pistas para o entendimento e enfrentamento da indisciplina manifestada no cotiano escolar. É leitura essencial para professores, educadores, orientadores, psicólogos, diretores , orientadores, psicólogos, diretores de escola e demais profissionais envolvidos com a educação. Marcos Paz é graduado em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício, Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/2005) e doutor em Educação pela mesma universidade. Professor efetivo da rede pública estadual de Mato Grosso do Sul, membro do Conselho Estadual de Educação (CEE/MS)

Dicas para uma boa leitura

Da dor nasce o amor Autor: Fábio Augusto Editora: Sextante 160 páginas

O livro “Da dor nasce o amor - Histórias Emocionantes de Fé, Coragem e Esperança” reúne 13 contos baseados em casos reais. É de autoria do escritor e médico Fábio Augusto. A obra é uma publicação da Editora Sextante. Em cada capítulo, o autor apresenta histórias comoventes e profundas de pessoas surpreendidas por sérios problemas que abalaram as estruturas de suas famílias. Relatos de doenças graves, muitas vezes fatais, que o autor conta de uma forma poética, descrevendo como essas pessoas enfrentaram o sofrimento intenso e descobriram dentro de si a força capaz de transformar toda dor em amor, percebendo que os laços de amor verdadeiro e a fé os ajudaram a superar as mais terríveis tragédias, marcando definitivamente suas trajetórias como seres humanos. São narrativas emocionantes e intensas, testemunhadas pelo autor ao longo de mais de 20 anos no exercício da medicina. O livro descortina reflexões que vão além das percepções do cotidiano, abordando temas como coragem e superação, esperança, solidariedade, espiritualidade e vida.

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ARTIGO

Educação Integral e Escola de Tempo Integral Reflexões necessárias O tema da educação integral e da escola de tempo integral não é novo, e volta ao debate como uma das possibilidades para se garantir a educação pública para todos e todas. Aristóteles já falava em educação integral. Marx, defendia uma educação “omnilateral”, que percebesse o sujeito com suas amplas potencialidades, como um ser pleno. Jean Piaget, Celestin Freinet, dentre outros educadores europeus, defendiam a necessidade de uma educação integral ao longo de toda a vida. No Brasil, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, por uma educação pública, gratuita, mista, laica e obrigatória, possibilitando a concretização do direito biológico à educação, e Paulo Freire, na defesa de uma educação popular e transformadora, associada à escola cidadã e à cidade educadora, são exemplos da longa trajetória que inspira a busca pela educação integral. Experiências de educação integral no Brasil: • Anísio Teixeira, na década de 1950, tinha um projeto educacional que previa a construção de centros populares de educação no Estado da Bahia, composto de Escolas-Classe e Escolas-Parque. A proposta visava trabalhar alternadamente com atividades intelectuais e atividades práticas, como artes, jogos, recreação, ginástica, teatro, música e dança. • Na década de 1960, como diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas – INEP/ MEC, Anísio Teixeira, pretendia 42 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013

criar 28 Escolas-Parque em Brasília, e algumas foram construídas. Mas, o projeto de educação integral não foi adiante. • Na mesma, linha, os Centros Integrados de Educação Pública – Cieps, criados na primeira gestão de Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, retomaram o projeto de escola pública de tempo integral de Anísio Teixeira, com o fim de oferecer educação integral e em tempo integral. • O governo de Fernando Collor retomou a ideia, dando uma caráter mais assistencial e mudando o nome para Centros Integrados de Atendimento à Criança – Ciacs. Prometeu construir cinco mil Ciacs até o final de seu mandato, mas, foi deposto. Quando Itamar Franco assumiu, retomou o projeto e mudou, novamente, o nome para Centros de Atenção Integral a Criança – Caics. Os Centros englobavam creche, educação escolar, saúde, cultura, esporte, educação para o trabalho, proteção especial a criança. O Projeto dos Ciacs e Caics sofreu muitas críticas, de educadores que o consideravam um projeto muito mais promocional do que pedagógico. O estado de São Paulo, no governo de Franco Montoro, na década de 1980, também iniciou um projeto de educação integral, chamado Programa de Formação Integral da Criança, Profic. Entretanto, o projeto que ficou mais conhecido em São Paulo foi o dos Centros Educacionais Unificados – Ceus, implantados na gestão de Marta Suplicy, a partir de 2002. Os Ceus foram concebidos desde a sua origem como uma proposta intersetorial que somavam meio ambiente, educação, emprego, renda, participação popular, desenvolvimento local, saúde, cultura, esporte e lazer, com uma concepção de educação que ultrapassa a sala de aula e o espa-

ço escolar. É neste cenário que se insere o Programa Mais Educação, que se constitui como estratégia do Ministério da Educação para a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral. Pelo Programa, as escolas das redes públicas de ensino, estaduais, municipais e do Distrito Federal, fazem a adesão ao Programa e, de acordo com o projeto educativo em curso, optam por desenvolver atividades em tempo integral. Até o momento, já são quase 50 mil escolas trabalhando em tempo integral. O Programa tem como objetivo a ampliação da jornada escolar, com um mínimo de 7 horas diárias, dentro de uma Concepção de Educação Integral, onde Currículo e projeto político-pedagógico apresentam uma visão capaz de levar à escola o atendimento das necessidades formativas dos (as) estudantes, contemplando as dimensões afetiva, ética, estética, social, cultural, política e cognitiva, buscando formar o ser humano em sua integralidade e para a autonomia crítica. Todas estas e outras experiências têm gerado críticas e elogios. Entretanto, consideramos que são sempre inovações que precisamos conhecer, estudar, compreender, criticar e aperfeiçoar, para, sobretudo, construir novas alternativas educacionais. A CUT e a CNTE têm uma luta e uma construção histórica sobre a concepção de Educação Integral, permanentemente debatida, refletida e atualizada para que possamos compartilhar e contribuir com a nossa categoria: 1. Educação Integral não se confunde com o horário integral, tempo integral ou jornada integral. A escola pode ter tempo integral e trabalhar uma concepção de educação tradicional


e conservadora. 2. Por outro lado, para ser integral, a educação precisa de mais tempo. Portanto, entendemos que as concepções de educação integral e de escola de tempo integral devem caminhar juntas, porque são processos que se complementam. 3. Defendemos a educação integral não como projeto ou programa especial, mas como política pública para ser implementada em todos os níveis, etapas e modalidades, em todas as idades. 4. Como concepção de educação integral, defendemos uma educação: que vá para além dos muros e dos espaços escolares e envolva a família, a comunidade, a cidade; • como ato político, que precisa, portanto, superar e ir além da ideia de neutralidade política; • que supere a ideia de que os conteúdos e conhecimentos que se ensinam na escola são os únicos e os mais importantes, e de que educação acontece apenas na relação professor-aluno; • que aconteça ao longo da vida, no mundo e com o mundo; • que busque a unidade e a superação da fragmentação entre níveis, etapas e modalidades de ensino; • que envolva o prazer de aprender e de ensinar; • que seja instrumento de reflexão crítica e de libertação; • que seja processual, permanente, planejada e sistematizada; • que combata todas as formas de preconceitos e discriminações; • que considere as dimensões política, cultural e étnica da formação humana; • que leve em conta a integralidade do Ser Humano; • que exija “educador(a) integral” e uma “escola integral”, exija articulações locais, seto-

riais políticas, sociais, culturais, ambientais, econômicas; • que requeira profissionais competentes e valorizados, capazes de promover mudanças e de articular todo o conhecimento do patrimônio cultural, histórico, psicológico, ético, estético, comportamental, afetivo, criativo, artístico, de sustentabilidade, políticos, tecnológicos e profissionais. Para se ter uma educação integral e escolas de tempo integral, a CNTE e a CUT entendem, ainda, que é fundamental, a valorização dos profissionais da educação, com ingresso através de concurso público, jornada em uma única instituição escolar, formação inicial e continuada, Piso Salarial Profissional Nacional, jornada de trabalho com 1/3 de horas para planejamento, e planos de cargos e carreira unificados com professores e funcionários da educação. Educação integral e escolas de tempo integral podem significar a grande mudança que a educação brasileira necessita, contribuindo para a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a superação das desigualdades educacionais/regionais, a melhoria da qualidade do ensino, a gestão democrática da educação, a articulação entre educação e trabalho, a promoção humanística, científica e tecnológica do país, a valorização dos profissionais da educação, a educação com inclusão de toda a diversidade e o aumento do financiamento, com a aplicação de 10% do PIB do país em educação. A educação, no Brasil e na América Latina, vive um clima de esperanças e expectativas animadoras, em decorrência das mudanças positivas que se operam nos campos da política, da economia, da cultura e da sociedade. E somos convidados

Sueli Veiga Melo

Professora de Educação Especial, Especialista em Educação. Secretária dos Especialistas em Educação da FETEMS, Secretária de Formação da CUT/MS. Membro da Direção Nacional da CUT e Coordenadora da Escola Centro-Oeste de Formação Sindical da CUT.

Referências

Educação Integral no Brasil: Inovações em processo. Moacir Gadotti. Livro Políticas e Gestão da Educação Básica: Concepções da CNTE. 2ª. Edição 2013. MONLEVADE, João. Educação Pública no Brasil: Contos e Descontos. Ceilândia, Idéa, 2001. Reformulação do Ensino Médio – Documento Orientador para os Seminário Estaduais – 2013. Site da CNTE. Site da CUT.

a acompanhar, analisar e debater as políticas educacionais, na busca do atendimento e do desenvolvimento integral de crianças, adolescentes, jovens e adultos, que estão conosco todos os dias nas nossas escolas públicas estaduais e municipais. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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EVENTO

Diversidade e desafios, em debate na 6ª Conferência Estadual de Educação Lideranças sindicais e políticas, e mais de 700 trabalhadores em Educação de todo o Mato Grosso do Sul, marcaram presença no evento

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U

m grande debate sobre Educação e diversidade, marcou as atividades da 6ª Conferência Estadual de Educação “Oziel Gabriel” – FETEMS cada vez mais forte na luta pelo Plano Nacional de Educação, realizada em Aparecida do Taboado, de 26 a 28 de setembro. Os desafios da Educação no Campo, da Educação Indígena, da Educação Quilombola e da Educação Infantil foram discutidos com a participação de lideranças e representantes de cada setor. O Plano Nacional de Educação (PNE) também esteve

“Estamos aqui hoje para debater, mas, também, para reivindicar e cobrar das autoridades o cumprimento das Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, que prevê a criação de escolas no campo voltada para a realidade desses estudantes.” Izabel Grein, MST/Nacional

em debate durante a Conferência. Os participantes puderam acompanhar a explanação de Roberto Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e de Carlos Augusto Abicalil, atual assessor da liderança do governo no Congresso Nacional, ex-secretário de articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação e ex-deputado federal. “A educação pública brasileira precisa da aprovação do Plano. Sem ele, ficamos sem um planejamento adequado para nortear as ações do ensino público como um todo”, disse o presidente da CNTE. Para o presidente da FETEMS, Roberto Magno Botareli Cesar, o evento foi uma oportunidade para o movimento sindical dos trabalhadores em Educação reafirmar seu compromisso com a sociedade e com a Educação Pública. “Os debates sobre educação no campo, educação indígena, educação quilombola e diversidade ampliam o horizonte dos trabalhadores e demonstram nosso engajamento na luta pelo Ensino Público inclusivo e da formação de uma escola para todos”, disse. As palestras foram ministradas por: Carmem Veites Conde, diretora da Federação dos Trabalhadores em Educação da Espanha (FETE/UGT/Espanha); Vagner Freitas, Presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/Nacional); Delcídio do Amaral, senador da república (PT/MS); Izabel Grein, do Movimento Sem Terra (MST/Nacional); Wanderley Dias Cardoso, indígena terena de Aquidauana, doutor em história pela PUC/ RS; Edmilson Ramos de Camargo, o Lamparina, coordenador do departamento dos funcionários administrativos da Educação da CNTE; Mariete Félix da Rosa, doutora em Educação In-

“É preciso que as práticas pedagógicas levem em consideração o ambiente em que vivem as crianças e adolescentes e não introduzir de maneira impositiva o modelo tradicional de educação.” Wanderley Dias Cardoso, indígena terena, doutor em história pela PUC/RS

fantil, do Movimento Interfórum de Educação Infantil do Brasil e do Fórum Permanente da Educação Infantil do Mato Grosso do Sul; e Givânia Maria da Silva, professora nascida no quilombo de Conceição das Crioulas (PE). Homenagem A Conferência prestou homenagem ao terena Oziel Gabriel, que perdeu sua vida durante os conflitos pela demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. O episódio aconteceu no mês de maio, no município de Sidrolândia, interior do estado. Oziel Gabriel se tornou um símbolo da luta por direito, respeito e cidadania. Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013 |

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OZIELGABRIEL

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Oziel Gabriel. Terena.

Mais um, como tantos outros. Guerreiro, forte, na luta pela terra de seu povo.

facebook/fetems

Oziel Gabriel. Terena.

Menos um. Morto na luta pela terra de seu povo.

Intolerância, omissão, injustiça, desigualdade. Sementes da violência que mata e faz vítimas de

tantas outras formas.

twitter/fetems

Resistir é preciso, é preciso mudar, é preciso viver. E vencer.

É preciso construir um hoje mais justo e um amanhã possível. Oziel Gabriel e tantos outros, terena, guarani, kaiowá, ofaié, cujo sangue regou esta terra, esperam

ver brotar aqui o respeito e a harmonia, a justiça e a

paz. Foi por isso que viveram, lutaram e morreram.

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E é para esse mundo melhor que precisamos

educar nossas crianças. Índio ou não, negro, pardo ou branco, somos todos pela igualdade, com respeito à diversidade.

FETEMS – Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul, solidária na luta pela terra e pelos direitos dos povos indígenas.

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www.fetems.org.br 48 | Revista ATUAÇÃO | Novembro 2013


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