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olívio olíviodutra dutrasolta soltao overbo verbo homem-banda homem-bandaa arua ruaé éo opalco palco futebol futebolde deelite elitedistante distantedodopovo povo
a arte de rua é minha liberdade por Douglas Freitas colaborou Luciano Viegas
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O
som vem daquela roda lá na frente. No meio do Brique da Redenção, diversas pessoas acompanham a apresentação de um conjunto musical complexo, com acordeon, gaita de boca, bateria e diversos outros instrumentos. Para quem escuta de longe, a imagem que se forma é de uma banda composta por quatro, talvez cinco integrantes. A surpresa é proporcional ao tamanho do sorriso quando tu chegas mais perto, quando tu viras parte da roda. Quando tu conheces Mauro Bruzza, o Homem-Banda. Além de desenhar e construir a Parafernália Fizarmônica (sistema com 20 instrumentos musicais) e ser o maestro da geringonça, Maurolauropaulo – como se intitula artisticamente, “um artista com crise de identidade” – também é Cotoco na Bandinha Di Da Dó e o palhaço Quindim na Companhia Teatral Um Pé de Dois. A arte é seu modo de vida e da rua vem o seu sustento. Desde muito cedo, Mauro ganha grana passando o chapéu durante suas apresentações. Faz intervenções em bares, nos parques da cidade. No entanto, reconhece que o brasileiro ainda não tem o costume de colaborar com o artista de rua e de valorizar a sua forma de expressão e de trabalho. “O dinheiro posto no chapéu é como uma entrada de teatro, o artista te conquistou para tu estar ali, tu escolheu prestigiá-lo”, explica o multiartista. O fato da maioria das pessoas contribuir com moedas, depositando como cachê o troco do mercado, não desgosta, pelo contrário: “acho normal dar 50 centavos, não posso crucificar, porque é uma mentalidade. É questão de educação. A pessoa não foi educada que aquilo ali é arte. O próprio artista não educa. Tem artista que não passa o chapéu depois de suas apresentações.” Tudo isso é mutável, questão de tradição. Bruzza, que já apresentou seu trabalho em
outros países da América e na Europa – onde a cultura da arte de rua é muito forte , entende que a motivação das pessoas em colaborar e valorizar é diversificada. “Dentro da própria Porto Alegre, o reconhecimento e o dinheiro depositado no chapéu varia. Na Esquina Democrática, por exemplo, é complicado. Por outro lado, o Brique da Redenção é um dos melhores lugares do Brasil para se apresentar, pois as pessoas que frequentam sabem da existência da cultura de rua”, explica Bruzza, que, domingo pela manhã, na José Bonifácio, é o Homem-Banda e, à tarde, é o Quindim, da Companhia Um Pé de Dois. “Eu não consigo parar/ Eu não posso evitar/ É uma mania que eu tenho/ uma mania de tocar para vocês/ para nós, para o povo.” Essa vontade incontrolável de se expressar, apresentada na canção “Mania de tocar” da Bandinha Di Dá Dó, surgiu desde cedo em Mauro. Depois das comuns bandinhas de adolescentes, em que ele tocava bateria, após o violão da família passar por todas as mãos de parentes e não sair das suas, foi no período logo após a formatura do colégio que o rapaz, nascido em Dom Pedrito, notou que era possível viver da arte. Aos 18 anos, Mauro Bruzza conheceu os chilenos Pepe e Kote. Juntos formaram o trio La Chalupa. Com diversas apresentações em Porto Alegre e depois de uma turnê pelo Chile, ele viu que queria viver da arte e que dava para se sustentar passando o chapéu. Nas viagens com o La Chalupa, o hoje experiente artista com 27 anos, conheceu um dos locais de maior rentabilidade na rua: o semáforo. “É como um caixa eletrônico. Nós sabíamos que, se trabalhássemos três horas, teríamos uma quantia ‘x’ de dinheiro.” Atualmente, Maurolauropaulo sabe da importância do semáforo, mas entende que é uma fase artística que não lhe pertence mais. A blindagem sentimental que os carros impõe, o distanciamento entre o artista e o público não são válidos para o desenvolvimento da arte. “Eu não tenho o feedback na hora, não vejo o sorriso da pessoa, não sei se ela gostou ou não, apesar de que a grana vem muito mais fácil no semáforo.” Tradicionalmente, o semáforo, inclusive, é um espaço singular da cidade em que diversas pessoas, em sua maioria crianças, demonstram um talento nato, muitas vezes com uma finalidade vital – o dinheiro arrecadado é usado para a compra
foto Luciano Viegas
o mundo é bão
de comida ou de drogas. “Toda aquela situação nos semáforos é triste. Porém, já vi muita gente boa saindo de lá e migrando para lugares melhores. A arte de rua aproxima muito mais facilmente as realidades. É muito mais fácil a pessoa viver da arte do que do futebol ou da música, por exemplo”, reflete Bruzza, casado com Mariana Ferreira, a Palhaça Camomila, que, além de compor a Companhia Um Pé de Dois com o marido, desenvolve sozinha outros trabalhos pelas ruas de Porto Alegre. Mauro Bruzza gradualmente se torna conhecido nas ruas da capital gaúcha e nos festivais artísticos. Além de se expressar, seja com sua Parafernália Fizarmônica, seja com seu nariz de palhaço, ele procura cada vez mais fortalecer a ideia de que a arte é livre, não tem espaço definido e está dentro de cada um de nós.
veja bem
O galo ainda canta por Carlos Machado colaboraram Arthur Viana, Douglas Freitas e Luiza Müller
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Bastião - De onde vem a expressão “galo missioneiro”, tão difundida na campanha de 2006? Olívio Dutra - Primeiro, Galo Missioneiro é um grande cantor gaúcho lá das Missões, e meu amigo, Pedro Ortaça. Atribuíram a mim este título porque eu sou das Missões e me orgulho muito disso. O galo missioneiro significa aquele que, com seu canto, anuncia a aurora, um novo dia. O canto dele anuncia um novo tempo.
Mas claro que é. Nesse sentido me sinto comprometido, não só em anunciar um novo tempo, mas em trabalhar junto para que esse novo tempo aconteça.
Quando prefeito de Porto Alegre, o senhor ia trabalhar de ônibus. Dizia que era para dar exemplo. Até hoje utiliza o transporte público. Como é a vida do ex-governador Olívio Dutra hoje, longe dos holofotes da política? Eu e a Judite, minha mulher, temos dois filhos: o Espártaco e a Laura, que já têm as suas vidas individuais, suas casas. Eu e a
Judite moramos no mesmo lugar desde que viemos pra Porto Alegre, há 41 anos. E ali onde vivemos passa muita condução, ônibus e lotação. A Judite, como tem a carteirinha de idosa, não paga. Eu pago! Então, somos usuários do sistema de transporte coletivo da cidade. E eu gosto disso, faço isso por achar que os investimentos públicos devem ser cada vez mais aplicados na melhoria do transporte coletivo e ainda não alcançamos isso de forma ideal.
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É lisonjeante o apelido?
foto Douglas Freitas
m jovem estudante de 70 anos que, duas vezes na semana, vai de ônibus para a Universidade: esta é a representação do ex-governador Olívio Dutra, o primeiro entrevistado do Bastião. O fundador do Partido dos Trabalhadores é formado em Letras, mas nunca assumiu sua posição de professor. Encontrou no sindicalismo a sua força para lutar contra a opressão dos patrões aos trabalhadores. Nesta entrevista, o ex-governador gaúcho solta o verbo e fala das contradições dos governos petistas, sobre os rumos da esquerda brasileira e sua posição sobre o retorno de Delúbio Soares ao PT. Olívio mostra que não tem papas na língua e que suas opiniões divergem das tomadas pelos caciques do seu partido, fato observado pela sua reação e resposta ao ser questionado sobre o episódio do mensalão. Confira porque o galo missioneiro ainda canta.
veja bem Inclusive na sua gestão na prefeitura foi estruturado o atual sistema de transporte coletivo. Como o senhor vê este sistema hoje? Acho que o sistema está bem melhor do que foi no passado. Mas aquém do que precisaríamos ter, porque a demanda aumenta e há muito investimento desfocado. Porque há uma lógica imposta de cima para baixo sobre os espaços urbanos da nossa cidade. A lógica da indústria automobilística, que está toda hora desovando milhares de veículos e acaba obrigando o setor público a investir em alargamento de vias, em viadutos e uma série de obras pesadas e custosas que se esgotam em pouco tempo.
Mas esta facilidade partiu do Governo Lula. Sim, são contradições do nosso governo federal por conta da crise internacional. Estando essas empresas [automobilísticas] no meio dessa crise, aliás, provocando essa crise, aqui sempre tiram vantagem, porque tem redução dos impostos, facilidade pra se instalar, ganham terrenos quase de graça, infraestrutura pública pronta, estradas pros seus produtos circularem.
Um dos grandes compromissos da sua gestão no Governo do estado foi a criação da UERGS. Como o senhor vê a situação da Universidade hoje?
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Eu vejo que a UERGS, que foi um parto difícil, era uma demanda de décadas do povo gaúcho. E o nosso governo assumiu o compromisso de viabilizarmos a criação. Depois vieram os outros governos, que, ao invés de avançar, aperfeiçoar, concluir o processo já desencadeado, não cultivaram a semente lançada no solo. Deixaram de fazer vestibular para determinados cursos, não trabalharam a questão dos recursos continuados para sus-
“Figuras importantes do PT cometeram erros sérios”
tentação, desprezaram a visão de uma Universidade pública estadual. Um conjunto de professores e alunos chegou pra mim, durante o governo passado, pra dizer que participaram de uma reunião no gabinete da então governadora e, num determinado momento, ela saiu com a frase de que não era mãe da UERGS e “quem pariu Matheus que o embale”. Portanto ela não tinha nenhum compromisso. Então, há uma falta de visão sobre um projeto que não é de um governo. A UERGS não é do governo da Frente Popular, do Olívio Dutra ou dos partidos que compusemos a Frente Popular, é um projeto de governo, é mais do que isso, é de Estado. O que me passaram, os professores e alunos, desta conversa, pra mim revelou o que é a mentalidade do pensamento liberal ou do pensamento único.
O jornal “O Estado de S. Paulo” divulgou que o senhor e o presidente Lula são os únicos ex-presidentes nacionais do PT que não se envolveram em escândalos, como o mensalão. Como o senhor vê isso? Olha, eu não me considero o “sal da terra”. Acho que o PT cometeu erros, figuras importantes do PT cometeram erros sérios. Isso, num partido como o nosso, que surgiu das lutas sociais e políticas de uma parcela importante do povo brasileiro, na década de 1970, numa luta contra a ditadura, pela liberdade, por democracia e por justiça social, um partido que chega num determinado momento, que começa a assumir cargos na institucionalidade de um Estado se adequa a esquemas da política tradicional para administrar este Estado, isso é um erro sério. Teve cabeças que deixaram que isso acontecesse no partido. O partido para se manter fiel aos compromissos originários não pode perder nunca a condição de um partido onde o debate interno se processa constantemente de forma criativa, criadora, e não manipulada ou cabresteada.
Sobre esse debate que o senhor fala: o último debate interno do PT trouxe o Delúbio de volta para o partido. O senhor concorda com a volta de Delúbio ao PT? Não. Eu acho que o partido podia perfeitamente esperar que o Delúbio fosse julgado pela Justiça. Ele e outros estão sendo julga-
dos e foram expulsos do partido. Qualquer ação do PT, fosse de reincluí-lo, fosse de ter um pronunciamento qualquer, é um préjulgamento. As circunstâncias todas em que as coisas ocorreram levaram o partido a ter aquela atitude de expulsá-lo. Não foi fácil para o partido, tenho certeza que pra ele também não, mas é uma ação que correspondia a uma situação. E a opinião é pública, não é a opinião só do partido que tem que valer. O partido tinha que esperar que se desse o julgamento na instância em que está tramitando. O partido não é a opinião da sociedade e não pode se assumir como tal, ter opinião melhor que a da sociedade.
Desde 2005 o partido vem sofrendo uma burocratização, afastando das decisões e discussões os movimentos sociais. O senhor concorda com isso? Evidente que isso não é novidade na formação dos partidos de esquerda em todo o mundo: ir se burocratizando e assumindo cargos na institucionalidade, se tornando prisioneiro desta institucionalidade. O PT surgiu como uma crítica aos partidos tradicionais da esquerda, que se autodenominaram “partidos da classe operária” e com uma contundente crítica aos partidos das elites, partidos tradicionais da burguesia, dos poderosos. E ocorre que o poder tem um certo encantamento, que tem muita gente que facilmente se encanta. Tem a mosca azul que morde, as facilidades, as relações novas que se criam. Isso é sempre um risco pro partido, e um risco muito grande pra um partido como o PT, que de um núcleo de sindicalistas, de sujeitos políticos que não estavam no palco das decisões políticas brasileiras, de repente, através do PT, vieram a ser parte deste processo e não apenas como plateia, passou a ser sujeito do processo. Então, o PT desempenhou um papel importantíssimo, mas ele pode estar começando a perder este papel na medida em que for se acomodando dentro da institucionalidade.
Então, quais são os desafios dos partidos de esquerda hoje? Estes partidos estão nos governos estadual e federal, mas quais os seus desafios para agregar mais ainda a sociedade brasileira? A esquerda tem que se definir como esquer-
O senhor acha que é possível essa discussão? Eu acho que não só é possível como é necessária. São discussões muito em cima da tal governabilidade e composições que, ao invés de se acumular para as mudanças que esse país precisa, puxam pra trás. A esquerda tem que se apresentar como contorno ideológico que respeite a sua pluralidade pra enfrentar o campo adversário, que também é composto por diferentes partidos.
Como o senhor vê a questão das alianças? Aqui no Estado, o PP faz parte do governo Tarso, e a Dilma tem um vice do PMDB. Isso não leva a uma acomodação do PT e da oposição? Acho que não é bom pra democracia, pra sociedade democrática, que não tenhamos oposição com representação parlamentar. Pois uma eleição não é disputa de cargos, é uma disputa de ideário e os programas se distinguem. Temos que trabalhar na questão de que política se faz com ideias e com partidos políticos com contornos ideológicos claros.
O PT sempre foi contra o Estado mínimo, o neoliberalismo, mas quando assume o governo tende a políticas de privatização. Como o senhor vê isso?
só que temos que assumir por completo esta contradição. Não vivemos numa situação ideal, em que tudo que nós queremos fazer pode ser feito no menor prazo possível. O PT tem documentos que defende a nãoprivatização de serviços essenciais de tarefa do Estado, na área da saúde, da segurança, da educação. O partido não arriou essas bandeiras e tem documentos e decisões dessas instâncias.
Quais as expectativas para o futuro político do Estado? As expectativas são boas para o Rio Grande e para o Brasil, num quadro que já foi bastante alterado pelas políticas públicas que desenvolvemos quando fomos governo. Isso tudo cria condições bastante favoráveis, mas a ideologia da direita é muito forte, mesmo com a crise no mundo das finanças que desvalorizou o discurso do Estado mínimo, esse ideário neo-liberal tem existência real na sociedade e no Estado brasileiro e tem estruturas econômicas e na grande mídia, nos grandes negócios, nas relações internacionais, nas relações do micropoder.
partidos que estão no campo da esquerda têm que ter reuniões com frequência para discutir o programa e a ideia da cidade: como trabalhar a máquina pública numa lógica que não é a dos grandes interesses imobiliários, econômicos; e, ao mesmo tempo, desenvolver [a questão] econômica, social, cultural, o espaço urbano e rural.
O senhor gostaria de disputar as eleições do ano que vem? Há esta possibilidade? Eu não sou candidato antes de discutir programas e ideias. E não sou eu que discuto, é o partido e o campo da esquerda.
Mas não existe uma vontade individual? A vontade tem que ser no somatório, onde não vale a vontade individual e isolada. O que vale é uma proposta coletiva, solidária; jamais individual ou parcial.
Tu achas que o BASTIãO só olha para um
Como o PT está se organizando para a eleição municipal do ano que vem? Na questão da capital, acredito que todos os
lado?
Então
confere
a
próxima
edição. O mate, desta vez, será com o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
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Você vai ter sempre uma contradição entre o projeto estratégico de sociedade e o Estado em que nós atuamos. O Estado brasileiro tem uma estrutura de 510 anos, que funciona bem para muito poucos e mal para maioria, que até desconhece o Estado. Então, nós vamos estar sempre vivendo contradições,
foto Douglas Freitas
da. Se a esquerda começa a disputar entre ela quem mais agrada a centro-direita, se esfacela e entrega o ouro para o bandido. A esquerda tem uma tarefa inicial, que é de reunir-se na sua pluralidade, na sua diversidade, respeitando-se, mas se unir com frequência pra discutir o seu papel enquanto esquerda. Nós temos que estar, permanentemente, instigando o protagonismo, propiciando a cidadania. Nossos partidos de esquerda têm que ser escolas políticas abertas, não só funcionando em época de eleição ou nas disputas internas da máquina partidária. Nossos partidos têm responsabilidades maiores, têm que se assumir de forma coletiva e solidária.
Com quantos paus se faz rock n roll E essa noite ela ficou menstruada eu fico excitado Eu quis comer voce E essa noite eu dediquei a te agarrar Gata, se tu quer banana split Agora dirijo um carro roubado especial Bom bom bom faz qauelaPra ficar enfiadinho...Do teu shortinho de jeans enfiado, rattle ‘n’ roll
COM QUaNTOS PaUS Se FaZ ROCK’ N’ ROLL N
unca houve nada igual àquilo na história do rock’n’roll gaúcho. E raras bandas no mundo conseguiram fazer o que aquele quarteto gaúcho fazia pelos palcos do Brasil. Peculiares pelo seu breve, mas inesquecível tempo de existência, Os Cascavelletes marcaram o final dos anos 80 e início dos anos 90. Flávio Basso no vocal, Frank Jorge no baixo, Nei Van Soria na guitarra e Alexandre Barea na bateria eram a essência do rock’n’roll representada na técnica, nas letras e na performance. Quem viu aqueles quatro em ação nunca mais se esquecerá. Os que escutam os acordes d’Os Cascavelletes jamais dirão que eles foram produzidos por jovens de dezesseis anos com escassos conhecimentos musicais. Mas basta ouvir Sob um céu de blues, Menstruada ou Nega bombom para entender por que a banda levou milhares de fãs à loucura e impressionou críticos de todo o país. por Douglas Freitas, Gabriel Hoewell e Gilberto Sena colaboraram Ana Elizabeth Soares, Luiza Müller e Wesley Borges
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Nei, Flávio, Barea e Frank nos bastidores do show da Pop Rock em 2007.
enlouqueceu... Quando a gente chegou no Rio, o pessoal lotou o teatro, porque o Cazuza tinha dito que era a maior banda que ele tinha ouvido nos últimos dez anos”. É difícil encontrar uma equação para explicar o sucesso d’Os Cascavelletes. Mas o cálculo provavelmente passa por um natural domínio técnico dos instrumentos, pela desinibição com a qual eram compostas as letras e, principalmente, por doses extraordinárias de energia expressas nas performances e amplificada pelos acordes. “Todo mundo tocava muito seu instrumento. O Van Soria é um grande guitarrista, o Frank Jorge tinha linhas de baixo sensacionais. E o Barea era um animal tocando bateria”. A avaliação é do músico e radialista Paulo Inchauspe. Para ele, Os Cascavelletes foi “a banda que melhor representou a palavra rock’n’roll no estado”. O músico Arthur de Faria acredita que o mais interessante do grupo era o tom “psicopata, psicobilly, que aproximava a sonoridade da banda aos anos 50”. É inegável, no entanto, que falar da re-
foto Arquivo Alexandre Barea
Poucas coisas se comparam ao que acontecia naquela Porto Alegre da década de 80. A efervescência cultural se manifestava claramente nas ruas e bares do bairro Bom Fim. Estudantes, intelectuais, judeus, empresários, punks e vagabundos se reuniam pelos bares João, Lola ou Fedor abrigando em um mesmo ambiente uma rica diversidade. Moradores daquele bairro e frequentadores da vida boêmia porto-alegrense, Flávio Basso, hoje conhecido como Júpiter Maçã, e Nei Van Soria tocavam na banda TNT. No entanto, as pretensões utópicas e megalomaníacas de Flávio, fizeram-no tomar outro rumo. “Mais do que qualquer outro garoto do TNT, eu era bastante obcecado por trazer os early Rolling Stones e The Beatles, não só na música, mas também na atitude e no estilo”, conta ele. Foram a sua atitude e o companheirismo seu e de Barea que determinaram a saída de Flávio da banda. Em 1986, então com 18 anos, ele foi dispensado do exército e se viu sem banda e sem emprego. Tomou “uma ou mais latinhas de cerveja” e bateu de madrugada na casa de Alexandre Barea para “falar sobre um grupo de rock’n’roll”. O convite para criar uma nova banda foi aceito na hora. Pelas ruas do bairro também circulava Frank Jorge, que tocava na banda Prisão de Ventre. Amante da música brega e apaixonado pela Jovem Guarda, Frank era o baixista que Os Cascavelletes procuravam para fechar um grupo eclético, mas com um entrosamento além do normal. Em 1987, a banda lançou a celebrada demo pela gravadora Vórtex, com pérolas do rock gaúcho como Menstruada, Banana split, Ugagogobabagô e Nega bombom. Foi o suficiente para que críticos e fãs percebessem que aqueles garotos sabiam o que era rock’n’roll. Barea relata que quando a banda chegou ao Rio de Janeiro, eles já eram conhecidos por lá: “Eu me lembro do Cazuza quando veio aqui, pegou a fita da Vórtex, ouviu e
a Com quantos paus se faz rock ‘n’ roll E essa noite ela ficou menstruad eu fico excitado Debaixo daquela saia Gata, se tu quer banana split E essa noite eu dediquei a te agarrar Eu quis comer voce eu fico excitado
no teu... Nunca tive nada contra homossexuais Num motelzinho tipo pensao Pra ficar enfiadinhoeu fico excitado o Eu quero te estuprar Eu chamo a gorda monga Bom bom bom faz qauela nega Debaixo daquela saia O dotadao arrastou Todas as garotas Baby, punhetinha de verao Passa creme na minha banana
alidade dos jovens gaúchos da época com tanta naturalidade parece ter sido o ponto fundamental para que Os Cascavelletes chegassem aonde foram. Em um período cheio de tabus, Flávio Basso poetizava sobre masturbação e virgindade com a genialidade necessária para não cair na vulgaridade. Aos 18 anos, “ele falava do assunto com tanta inocência, que a inocência passava a ser sacana”, acredita Inchauspe, que classifica isso como “infanto-sacanagem”. Flavio fala que sua composição era direta, como se metáforas não existissem: “Eu era tão direto que parece que, em torno daquele despojamento absoluto com a forma do poema, eu acabei inventando, sem querer, um outro tipo de poema, uma espécie de wild poem. Era uma infantilidade sacana, cruel e, às vezes, assustadora. Causava desconforto no público. Mas todo esse constrangimento gerava a empatia e uma espécie de caos psicológico. E o final disso era um show d’Os Cascavelletes”. Era como se as músicas tivessem um código que só era entendido pelos jovens,
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entra Luciano Albo. A saída de Frank, mesmo quando o grupo estava no auge do sucesso, abala internamente os outros integrantes. Alexandre Barea considera que este momento foi um divisor de águas para a banda, já que a química atingida entre os quatro dificilmente se repetiria com outro baixista. Em 1991, após cinco anos de sucesso, Os Cascavelletes apostaram em mais uma temporada no eixo Rio-São Paulo. Mas uma crise financeira abalava todo o país. Após dois meses batendo à porta de diversas gravadoras, a banda não consegue alguém disposto a investir em um novo disco. Nei Van Soria, então, volta para Porto Alegre. Flávio, Barea e Albo tentam se arriscar no Rio de Janeiro, tocando em trio e usando a justificativa de que agora a banda estaria mais “tosca”. Sem sucesso, eles voltam para o Rio Grande do Sul. “Se a engrenagem estivesse bem lubrificada a gente ficaria no Rio de qualquer jeito. Mas, acho que não era isso. Todos já estavam com seus projetos”, justifica Flávio Basso. E, assim, de acordo com Luciano Albo, a banda terminou Albo, o tecladista Humberto Petinelli, que fez algumas participações na banda, Flávio, Nei e Barea. foto Arquivo Luciano Albo
conta Nei Van Soria. Frank Jorge avalia que “aquela linguagem que parecia ser uma baboseira é uma possibilidade de letra dentro do rock’n’roll. O rock pode ser metafórico como Bob Dylan ou tu pode dizer um monte de bobagens. Às vezes tu quer ouvir rock, mas não quer grandes questionamentos.” Entretanto, a fórmula para que se concretizasse o que Flávio Basso exaltava como o maior espetáculo da terra só era atingida quando a qualidade dos músicos e a libidinagem dos seus poemas eram mostradas nos palcos. Era lá que Flávio virava Mick Jagger, como que copiando todos os seus trejeitos e se tornando um dos maiores ícones que o Brasil já viu se apresentar. Era lá que Nei e Frank incorporavam a cadência dos Beatles, e era lá que Barea se transformava em Keith Moon. Nos shows em bares, clubes e casas noturnas, que chegavam a reunir 6 mil pessoas, Os Cascavelletes colocavam toda a energia, fosse ela vinda da paixão pelo rock, do álcool, dos mais profundos desejos sexuais ou simplesmente da sua juventude. “Eu vi shows d’Os Cascavelletes que eram impressionantes. Shows de rock, sabe? Porque hoje em dia tu não tem mais shows de rock; tu tem mostras de música. E os Casca tinham o lance da performance, que era uma coisa inimaginável para o rock gaúcho na época”, afirma Paulo Inchauspe. Barea conta que se sentia como um beatle, chegando aos shows e tendo as roupas rasgadas pelas mulheres. A paixão pelabanda extrapolava as fronteiras do Rio Grande do Sul. Grande parte do sucesso se deu quando Nega Bombom virou tema da novela Top Model da Rede Globo, em 1989. No mesmo ano, quando Os Cascavelletes estão com as malas prontas para passar uma temporada no Rio de Janeiro, Frank Jorge decide sair da banda e se dedicar à Graforréia Xilarmônica. Frank diz que não via grande possibilidade de compor músicas nos Casca. Além disso, ele enfrentava dificuldades em conciliar a vida de rockstar com o curso de Letras na UFRGS. No seu lugar,
tive nada contra homossexuais Num motelzinho tipo pensao Ela usa minissaia sem calcinha Nunca Eu quer o te estuprar Bom bom bom faz qauela nega Eu chamo a gorda monga
Mas mesmo assim eu vou transar Debaixo daquela saia Eu quis comer voce Agora eu dirijo um carro roubado Passa creme na minha banana eu fico excitado Pra ficar enfiadinho no teu... Ela usa minissaia sem calcinha
Pra ficar enfiadinho no teu.. Com quantos paus se faz rock ‘n’ roll E essa noite ela ficou menstruada verãao Gata, se tu quer banana split eu fico excitado punhetinha de Do teu shortinho de jeans enfiado, rattle ‘n’ roll especial Bom bom bom faz qauela nega Agora eu dirijo um carro roubado Eu quis comer voce de forma espontânea, não houve uma decisão conjunta: “Voltamos, ensaiamos duas vezes e naturalmente não nos ligamos mais”. “Existe uma estrada que me leva ao meu destino/ Existe uma placa que me diz que eu tô sozinho.” Como em Sob um céu de blues, cada integrante seguiu sua carreira de maneira independente. Os fãs permaneceram juntos. Hoje, os Cascavelletes são louvados por pessoas de todas as idades. Em 2007, cerca de 10 mil pais e filhos, admiradores do ontem e do hoje, vibraram com uma apresentação especial da banda, com sua formação original, na festa de aniversário da rádio Pop Rock. Atualmente, há a possibilidade de acompanhar as músicas com a Tenente Cascavel, conjunto formado por ex-integrantes dos Cascavelletes e do TNT. Os mais fissurados tem a esperança de ver a performance de Flávio, Frank, Nei e Barea novamente. “Não há regras de que não podemos nos reunir, mas não está nos planos”, desilude Flávio Basso. A solução é o acervo no You Tube.
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editorial
A
ntes de tudo, mesmo do começo, eu queria agradecer aos meus criadores por terem ido até o fim. Quantas boas ideias já não foram perdidas ou eternamente proteladas por medo, preguiça, falta de grana? São tantas as desculpas para deixarmos tudo no meio do caminho que, ao desistirmos, nos convencemos que fizemos nosso melhor e o fracasso foi culpa do azar. Não. O meio do caminho não é suficiente pra mim. Preciso ir além. Não acabarei no esquecimento. Sei bem que meu provável destino é uma gaveta escura, mas viverei na mente daqueles que acreditaram e apostaram em mim. Viverei em todos os que foram até as últimas consequências. Não é fácil entrar numa empreitada como essa. Começar um projeto do zero e se comprometer a ele como se tudo dependesse disso, tendo certeza que o retorno financeiro é, no mínimo, improvável – apesar do sonho delirante de riqueza de alguns. É por isso que sou diferente. Sou resultado de trabalho árduo, mas nenhum pingo de tinta escorrido nas minhas páginas é feito por obrigação. Tudo é criado pela simples ânsia de se criar. Preciso sofregamente existir. Afinal, sou algo pouco visto hoje em dia. Sou produto do prazer.
“Bastião: parte de fortificação que avança e forma ângulo saliente, permitindo vigiar a face externa da muralha e atirar contra os assaltantes que tentem escalá-la; baluarte”, diz o Aurélio. Se a fortificação for o jornalismo e o Bastião um baluarte, o sonho é pretensioso, mas me agrada. Para isso, deixamos de lado o jornalismo de opinião e vamos atrás de grandes histórias para ouvir e contar.
Arthur Viana
Gabriel Hoewell
Ser o intermediário entre o aprendiz e o jornalista é desafiador, mas são os desafios que nos tornam pessoas capazes de ir além. Afinal, se nosso objetivo fosse apenas observar o mundo girar, não estaríamos estudando jornalismo e seríamos meros coadjuvantes do nosso próprio cotidiano. Cada um de nós tem sua história. Agora é a hora de construirmos a nossa história enquanto amigos, colegas e futuros jornalistas.
Chegou a hora de tirar as crianças da redação. Bastião está na rua e não será apenas mais um. Terá conteúdo, reportagens que só vão para o papel depois de uma apuração verdadeira. Na rua, olho no olho. Nada de alternativismo barato e partidarismo. Jornalismo não é palanque. Informar para transformar. Apurar, dizer o que não querem que seja dito. Pretensão? Utopia? Não, apenas jornalismo. Aguante.
Carlos Machado
Gilberto Sena
Bastião, a salvação do jornalismo era a proposta inicial. Pretensiosa, mas honesta e com uma carga de esperança gigante. Projetos como o da revista sem preço são necessários e devem ser festejados. Afora o incentivo à leitura de reportagens, particularmente comemoro com euforia o lançamento da publicação. É o galanteio extravasando o mundo virtual. Boa leitura, moças.
O projeto que aqui nasce é irmão de muitos outros que lhe servem de inspiração, e de tantos que ainda virão, talvez inspirados por ele. Não ser pautado é a liberdade que o Bastião nos proporciona. As potencialidades da rua são ilimitadas aos olhos de quem não antevê censura. Exercitar esse livre-pensar é o desafio. É um projeto modesto: mudar o mundo... Também nos contentamos em salvar o jornalismo.
Douglas Freitas
Luiza Müller
expediente Editores: Arthur Viana, Carlos Machado, Douglas Freitas, Gabriel Hoewell, Gilberto Sena e Luiza Müller Colaboradores: Ana Elizabeth Soares, Luciano Viegas e Wesley Borges Planejamento gráfico e capa: Ramiro Simch Fale conosco: bastiao@bastiao.net @revista_bastiao Tiragem: 1.500 exemplares
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O Bastião surge como uma válvula de escape – escape a uma faculdade frustrante, com mestres frustrados que desanimam qualquer sonho mais ousado. Existem exceções, claro, e são elas a inspiração. Em busca de alguma coisa – qualquer coisa –, passarei os próximos meses em Dublin, na Irlanda. Farei, na Europa, o mesmo que meus colegas farão por aqui: jornalismo que incomoda e não acomoda. Vida longa ao Bastião!
esportes
Futebol: esporte da elite Por que o esporte mais popular do mundo está se distanciando do povo
arte Gabriel Hoewell
por Arthur Viana e Gabriel Hoewell colaborou Gilberto Sena
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u é pé-rapado, chinelão, vulgar. Ninguém te quer aqui. Tu grita, agita, desordena tudo. Arruaceiro. Te afasta mais. Não incomoda. Pra que enfrentar toda essa viagem? Fica aí na zona, acha um bar, não seja inconveniente. Já te tirei a cerveja e tu continua vindo... Não quero te ver bêbado, arrumando confusão. Eu achando que a Lei Seca ia tirar a graça de tudo e tu simplesmente desistiria... Mas não, tu insiste. Como é teimoso! Mesmo sóbrio e sem graça, tu continua vindo. Não me resta solução, vou mexer onde dói de verdade: no bolso. Eu sei que ele anda sempre vazio, mas, pela tua paixão, tu faz sacrifícios... pode pagar. É assim que funciona, amigo. Fazer parte tem seu preço. Já que tu insiste em vir até a minha casa, vou cobrar, e com juros. E não me importa como tu vem, nem como volta. Depois tu dá um jeito com teu chefe, com teu professor. Já percebeu que ninguém te quer aqui? Sem voz e sem representatividade: é dessa forma que o torcedor brasileiro vem sendo tratado de uns anos para cá pelas autoridades que comandam o futebol nacional. Torcedor que, por definição de um estatuto que já nasceu morto, “é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva”. Mas, bem sabemos, ser torcedor é muito mais que isso: é ganhar um salário mínimo e gastar R$ 60 para assistir a uma final de Gauchão; é sair de um jogo à meia-noite, pegar um ônibus, chegar em casa de madrugada e ainda levantar às 6h para ir trabalhar; é ir ao estádio apoiar seu time, faça chuva ou faça sol. Paulo Samuel, do departamento financeiro do Clube dos 13, entidade que reúne os vinte principais clubes do futebol brasileiro, é direto: “O Estatuto do Torcedor foi pro saco”. Fábio Koff, presidente da entidade, afirma que é o “verdadeiro” torcedor quem faz o futebol,
mas ressalta que ele não tem vez frente aos poderes que comandam o esporte: “A Globo tem os direitos sobre os campeonatos estaduais, as séries A e B e os jogos da Seleção. O torcedor fica à mercê da grade televisiva”. Ele ressalta que, segundo pesquisas, o horário preferido do torcedor para as partidas seria entre 20h30min e 21h. Octavio Florisbal, diretor da Rede Globo, em entrevista a Mauricio Stycer, do site UOL, defende a grade da televisão: “Não nos parece que seja um grande sacrifício porque a quantidade de torcedores que vai a jogos às 21h50 é o mesmo que vai domingo às 16h”. Presidente da associação de clubes desde 1996, Koff vê como inevitável um processo de elitização nos estádios brasileiros. A tendência de um encolhimento da participação das classes D e E nas arquibancadas dos estádios é mundial: “Há um processo natural de elitização do esporte. Esse processo ocorreu na Inglaterra e aqui também deve ocorrer”, admite. O esporte mais popular do
mundo é cada vez menos do povo. A causa dessa mudança, segundo Koff, é o aumento do marketing e da publicidade nos estádios. O futebol apaixonou milhões de pessoas, tornando-se palco para as grandes marcas. As redes de televisão não ficaram para trás e também souberam explorar o mundo da bola. Segundo Paulo Samuel, os anunciantes chegam a pagar R$ 120 milhões anuais para a Rede Globo durante as transmissões esportivas. O Grêmio, por exemplo, recebeu R$ 60 milhões por ano no contrato com a TV Globo, conforme o presidente do clube, Paulo Odone. O futebol virou um negócio capaz de movimentar milhões às custas da paixão do torcedor. E, no momento em que o esporte se tornou mercadoria, foi o próprio torcedor que começou a sentir os efeitos.
A luta pelos direitos do torcedor Guilherme Kramer é diretor de Comunicação e Marketing da FNT (Frente Nacional
dos Torcedores). De acordo com ele, o movimento – nascido em dezembro de 2010 – tem por objetivo “lutar pelos direitos do torcedor”, combatendo a elitização do futebol nacional, expressa principalmente nos abusivos preços cobrados por ingressos. Vitor Biazetto, membro da FNT, diz que a Frente “não é um movimento que pensa em alguma torcida. É um movimento que pensa no torcedor, independente de qual clube seja”. Para Fábio Koff, que não considera que os preços dos ingressos tenham subido de forma exagerada, os maiores problemas a serem combatidos pelos torcedores são a falta de segurança e de higiene nos estádios, além das precárias condições de transporte em dias de jogos. Ele ressalta que a FNT deve objetivar a paz e a segurança nos estádios, integrando as torcidas nacionalmente. A violência é, sim, um dos tópicos amplamente discutidos pela Frente – não as brigas entre torcidas, e sim a brutalidade com que as forças policiais supostamente tratam os torcedores em geral: “Policial trata torcedor como marginal”, diz Guilherme. A agremiação dos torcedores entregou no início do ano um documento à ONU relatando os abusos de forças policiais e diz estar elaborando um novo Estatuto do Torcedor, com itens que sejam coerentes com a realidade do torcedor que frequenta os estádios. Há mais de 30 anos exercendo funções
“Estamos num processo de africanização do nosso futebol”
no BOE (Batalhão de Operações Especiais), o major Jacques explica que “a polícia é coadjuvante no processo de paz”, sendo o clube e sua organização os principais agentes. Cabe aos policiais evitar ações de vandalismo, atentados violentos ao pudor e consumos de entorpecentes, como esclarece o major. A forma como ocorre a abordagem policial, quando necessária, é muitas vezes criticada pelos torcedores, que reclamam de truculência. Jacques nega que a polícia aja de maneira errada: “O policial está ali parado, não age sem ser provocado. Você não vai achar ocorrência que tenha sido gerada pelo policial.” Segundo ele, a violência da repressão é relativa e depende da ação do cidadão. “Só seremos agressivos se nos agredirem. Nunca o policial usa o bastão sem ser desacatado. Eu sou o poder público. Estou identificado e fardado. A pessoa tem que olhar e respeitar. Se alguém me desacatar, não pode esperar que eu dê uma rosa em troca”, frisa ele. A Lei Seca nos estádios, que vem sendo aplicada em alguns estados desde 2008, gerou muita reclamação por parte das torcidas. O major Jacques acredita que o índice de incidências criminais diminuiu depois da proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, mas não nega que a lei é falha: “É uma hipocrisia. A bebida estava dentro do portão e hoje está na entrada”, comenta ele, referindo-se ao consumo de álcool nos arredores do estádio, que aumentou com a Lei Seca.
O exemplo platino A crítica à atual situação do mercado futebolístico brasileiro é geral. Ela parte não só das arquibancadas, mas também de entidades representativas dos clubes e de autoridades de segurança. Sobre o futebol de hoje, o major Jacques afirma: “Todos ganham, dirigentes, patrocinadores, empresários. Só quem
perde é o torcedor. E quando o time perde, ele perde duas vezes: o dinheiro e a ilusão.” Fábio Koff detecta outro mal a ser combatido: a crise de valores, dentro e fora de campo, causada em especial pelo excesso de dinheiro que gira no mercado da bola. Ele vê a contratação de grandes estrelas, como Ronaldinho, que recebe um salário de R$ 1,3 milhão no Flamengo, como nada mais que uma jogada de marketing. Os clubes passaram a ser grandes empresas e os jogadores, mercadorias que “beijam a camisa de um time hoje e de outro amanhã.” Essa transformação de atletas em produtos para venda não agrada ao presidente do Clube dos 13: “Temos que evitar esse inescrupuloso ataque das potências maiores. Estamos num processo de africanização do nosso futebol.” Koff completa dizendo que há, na América do Sul, um exemplo a ser seguido. “O Uruguai é o verdadeiro país do futebol”, afirma ele. “É fascinante o fato de um país com pouco mais de três milhões de habitantes conseguir produzir jogadores de tanta qualidade.” Koff ressalta o “espírito amadorístico” do país vizinho, onde os jogadores correm e se entregam na defesa das cores da mítica Celeste como se suas vidas dependessem de um jogo, de uma dividida. “Lá existe uma realidade em que ganha quem corre mais. Aqui [no Brasil] corre mais quem tem salário em dia. Por isso grandes times são rebaixados”. No lado oriental do Rio da Prata, a paixão pelo futebol e a doação em campo permanecem independentes da questão financeira.
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ONDE A ANDRADAS CRUZA A BORGES A história do palco político de Porto Alegre
O
ano era 1978 - a campanha pela anistia expandia-se por todo o país. O movimento estudantil se alimentava de intenso sentimento de esperança e retornava mais combativo, na medida em que estudantes ligados a grupos de esquerda começavam a ser eleitos para a direção de centros e diretórios acadêmicos. Foram muitas as passeatas que já saíam da frente do Restaurante Universitário da UFRGS, na Avenida João Pessoa, e seguiam em direção à Avenida Borges de Medeiros. “Em 78, o cruzamento da Rua dos Andradas com a Borges já se consagrava como a Esquina Democrática, palco dessas manifestações”, explica a historiadora Carla Simone Rodeghero. Tombada em 1997 como patrimônio cultural de Porto Alegre, a Esquina Democrática consagrou-se como espaço de lutas ao longo da década de 70. Em tempos de democracia, o espaço é plural e, apesar de institucionalizado, recebe todas as cores, ideologias e bandeiras em seu histórico cruzamento. Nos anos de chumbo o ponto era geograficamente estratégico: dava visibilidade (devido à grande circulação de pessoas) e facilitava fugas, havendo quatro vias possíveis para escapar no cruzamento. O que era mais que conveniente para protestos que intentavam chamar a atenção da população para os disparates do então governo, mas que ainda eram reprimidos pela polícia. Na época, o jovem militante de esquerda Jairo Carneiro (hoje Secretário Geral da Associação dos Metalúrgicos) utilizava o espaço da Esquina para o que chamou de comícios relâmpagos: “Era o seguinte: a gente levava para a Esquina uma dessas caixas de fruta, num grupo de cinco ou seis pessoas e com muitos panfletos. Um subia em cima da caixa e fazia um discurso em repúdio ao governo ditatorial, enquanto os outros distribuíam os panfletos. Tudo durava apenas alguns minutos, porque em pouco tempo chovia de polícia e nós tínhamos que dar no pé”, explica Jairo.
Liberdade aos Flávios! Durante os anos de 1977, 78 e 79, a Esquina foi espaço de luta pela libertação de três gaúchos. Esses militantes, após serem extraditados, haviam sido presos por ditaduras de países vizinhos. Eram eles: Flávio Tavares e Flávia Schilling, presos no Uruguai, e Flávio Koutzi, preso na Argentina. “Foi na época em que se lutava pela liberdade dos Flávios, durante a campanha pela anistia, que teria surgido a denominação Esquina Democrática”, explica Carla Rodeghero. A cena era comum: um grupo chegava ao cruzamento, abria faixas com palavras como “Anistia! Liberdade para Flávia! Liberdade para foto Gabriel Hoewell
por Luiza Müller colaborou Ana Elizabeth Soares Flávio!”, e com sacolas e chapéus arrecadavam dinheiro, que servia para o pagamento de uma taxa de estadia na prisão, exigida pelo governo uruguaio. Dali a pouco, como de costume, a polícia chegava e mandava todos embora.
Palmares e o movimento negro Todavia, não só de luta contra os milicos vivia a Esquina. A década de 70 também foi tempo de organização do movimento negro moderno. Dentre os que se reuniam no que hoje é a Esquina Democrática, um grupo ocupou posição de destaque: o Grupo Palmares. “Organizado por quatro jovens negros universitários em 1971, o grupo surge com a proposta de uma revisão da história do Brasil para desvelar a ‘tradição de resistência’ e recuperar a autoestima étnica”, explica o historiador Deivison Campos em sua tese de pós-graduação. Assim, o ambiente da Esquina já se configurava como espaço plural de discussões. Em 76, por exemplo, os vereadores Glênio Peres e Marcos Clasno têm seus mandatos cassados pela Ditadura. Mas ao invés de voltarem para casa, ambos foram às ruas, usando como palanque o já citado cruzamento.
Esquina Democrática em tempos de democracia “Quando reunir pessoas já não era mais pecado, o espaço da Esquina foi vastamente utilizado. Era aquele grito entalado na garganta, que agora podíamos dar voz”, explica Jairo Carneiro. Após a redemocratização, a Esquina foi o tambor de greves e sindicatos, quando as reivindicações eram grandes demais para ficarem em frente às fábricas. “O pessoal dos escritórios ali da Borges jogava papel picado das janelas dos edifícios quando passavam as passeatas. Era uma forma de dar boas vindas àquele movimento. Era algo muito bonito”, lembra a pesquisadora Carla Rodeghero. Contudo, o apoio se dava quando o tema empolgava o conjunto da população. “Quando da luta do Movimento dos Sem Terra (MST) pela reforma agrária, por exemplo, ao invés de papel picado, o que se recebia eram muitos sacos cheios de água, que jogados do alto dos edifícios machucavam... e muito. Não eram só flores, não”, relata Carneiro. Um espaço plural, como a Esquina, muitas vezes é limitado por preconceitos enrustidos na população. Em tempos democráticos e da dita liberdade de expressão, Jairo completa, “A Esquina Democrática é um monumento à luta pela liberdade e por direitos. Ontem lutávamos contra a ditadura, hoje nós lutamos contra o preconceito.”