Revista Cásper #10

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Nº 10 – Setembro de 2013

Seriados nacionais

A televisão paga em busca de um modelo

Coletivos urbanos

O ativismo prático da era digital

Brasil-China

Discutindo a relação

Sônia Bridi “É na reportagem que vivo o jornalismo”



CÁSPER Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintendente Geral Sérgio Felipe dos Santos

Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade

Revista Cásper Núcleo Editorial de Publicações Coordenador de Ensino de Jornalismo Carlos Costa Editor-chefe Sergio Vilas-Boas Editor Leandro Saioneti Conselho Editorial Adalton Diniz, Carlos Costa, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci, Sergio Vilas-Boas, Walter Freoa e Welington Andrade Reportagem Gabriela Boccaccio, Isabela Moreira, Leandro Saioneti, Luíza Fazio, Patrícia Homsi e Thaís Helena Reis Editora de Arte e Fotografia Rafaela Malvezi Diagramação Luíza Fazio, Rafaela Malvezi e Thaís Helena Reis Colaboradores Amanda Massuela, Carlos Costa, Elisabete Batista, Fernando Gallo, José Geraldo Oliveira, Lucrécia D’Alessio e Welington Andrade Redação Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper@casperlibero.edu.br Site: http://www.casperlibero.edu.br Capa José Geraldo Oliveira

Os gigantes e o ativismo Em termos econômicos, a China do século XXI é um gigante mais que acordado, mas, em termos culturais, ainda é uma nação misteriosa para os brasileiros. Os intercâmbios dessas duas culturas cada vez mais ligadas no plano comercial, mas com dificuldades de comunicação, foi tema do Fórum Brasil-China, organizado pela Faculdade Cásper Líbero, que, entre outras coisas, discutiu o tema imprensa. O embaixador Li Jinzhang pediu maior compreensão contextual aos jornalistas brasileiros e chineses. A jovem Hailing Wang, do jornal Diário do Povo, um dos principais da China, disse estar atenta a assuntos que escapam ao senso comum de seu povo. E Sônia Bridi, que morou dois anos na China como repórter da TV Globo, é a entrevistada da matéria de capa (“Jornalismo é reportagem”). Para Sônia, vários preconceitos criados pelo lado brasileiro são uma forma de negar a realidade atual da China: “O salário do operário chinês é mais barato que o do nosso, sim, mas seu trabalho é muito mais eficiente”. Mas nem só de potências e impotências é feita esta edição #10 da Cásper. A reportagem “Programação em séries” aborda o acelerado crescimento da produção seriada nos canais de TV por assinatura, tendo como pano de fundo a Lei da TV Paga, aprovada em 2011. O premiado cineasta Fernando Meirelles, da produtora O2, conta que, no início, recebeu 54 projetos, dos quais selecionou 31. Séries como Contos do Edgar, Destino SP, A Verdade de Cada Um e Beleza S.A. são daquela safra. No entanto, os orçamentos continuam baixos, se comparados com os das séries norte-americanas e britânicas, e não está sendo fácil conquistar o público condicionado à linguagem das novelas. Outra tendência cultural relevante é a dos coletivos urbanos (“Manifestações do concreto”). Militantes pragmáticos, os coletivos interferem em pontos nevrálgicos de carência social. A mobilidade urbana, por exemplo, é uma das preocupações desses grupos que integram o “fenômeno” do Net-Ativismo. E os jogos digitais, que pareciam diversão pura, se sofisticaram a ponto de conquistar espaços em museus tradicionais, acendendo discussões em torno do possível status dos games no âmbito da criação artística (“Arte & games”). E essa mesma juventude digital realizadora agora reencontra ícones da era analógica. Brasileiros nascidos na era do CD e do mp3 estão fomentando o crescimento do comércio de vinis (“O som que não se apaga”). A Cásper é de muitos, mas a leitura é toda sua.

Tereza Cristina Vitali Diretora

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Sumário

20 14 científica ficção do possível 6 A Fábio Barreto, autor do romance Filhos do Fim do Mundo, é referência no jornalismo de entretenimento

que não se apaga 10 Som O mercado dos vinis cresce, principalmente entre os jovens, reacendendo nos ouvintes um ideal de pureza

é reportagem 14 Jornalismo Sônia Bridi conta suas experiências como correspondente e reafirma a importância de ser repórter

Sem exotismos em Frankfurt 20 Homenageado na grande feira literária, Brasil investe na internacionalização de sua literatura

Conexão Brasil-China 24 Fórum discute a relação entre os dois países nas áreas de economia, cultura e comunicação

à mostra 32 ADiplomacia cultura chinesa no Brasil evidenciada em história, exposições de arte e ações diplomáticas

do Oriente 34 ODiários fotógrafo José Geraldo Oliveira revela em imagens o cotidiano de uma China de contrastes

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50 Manifestações do concreto

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As vozes da cidade

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Games e arte

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Programação em séries

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Resenha

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Notícias Casperianas

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Crônica

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Os coletivos urbanos buscam alternativas práticas para a humanização das grandes metrópoles

A professora Lucrécia D’Alessio defende que as urbes podem se distinguir por suas linguagens

Os jogos digitais nunca estiveram tão relacionados à criação artística, mas há controvérsias em torno desse intercâmbio

O mercado brasileiro expande sua produção de seriados a partir da aprovação da Lei da TV Paga

Crimes no Horário Nobre - Um Passeio pela Obra de Silvio de Abreu, de Raphael Scire, homenageia as telenovelas nacionais

Os principais acontecimentos da Faculdade no segundo semestre

O amor começa, por Fernando Gallo

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PERFIL

a científica ficção do

possível

O jornalista, escritor e roteirista Fábio Barreto recorda os momentos que o levaram da infância em Itaquera ao universo da cultura pop em Los Angeles Por Leandro Saioneti

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m 1977, a chegada aos cinemas de Star Wars - episódio IV: Uma Nova Esperança reformulou os conceitos de ficção científica, já transformados na década anterior com Jornada nas Estrelas. Um ano depois de essas duas obras de referência começarem a dialogar, nasceu Fábio Madrigal Barreto (Barretão, para os amigos), escritor, cineasta e destaque no jornalismo sobre cultura pop. Paulistano nascido na Mooca, Barreto conta que não levava jeito para as brincadeiras de rua no bairro de Itaquera, onde viveu. “Tentei de tudo: joguei bola, empinei pipa, brinquei de bolinha de gude. Mas eu me dava mal. Era bom mesmo em estudar. E adorava assistir TV”, lembra com descontração. Sua maneira suave de falar sempre é pontuada por boas gargalhadas. O garoto que passou a venerar Steven Spielberg e George Lucas cresceu e se

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formou. Hoje, está mais que ciente de que a sua vocação engloba o jornalismo na cabeça, caneta e papel na mão e cinema acima de tudo.

Leia, leia e releia Barreto graduou-se em Jornalismo pela Universidade São Judas, mas as lições necessárias para se desenvolver na profissão foram recebidas mesmo, segundo ele, nos corredores de O Estado de S.Paulo. “Sempre gostei mais de ler revistas, cujo material é mais trabalhado e aprofundado. Aprendi a escrever o texto jornalístico a ferro e fogo.” Depois de passar por funções burocráticas, foi remanejado para o caderno Seu Bairro, onde recebeu uma “ordem” que o moldaria para sempre em sua carreira. “Antes de eu escrever minha primeira linha, jogaram em cima da mesa o Manual de Redação e Estilo, escrito pelo saudoso Eduardo Mar-

tins, e disseram para eu ler, reler, ler novamente e mais uma vez. Para garantir. Além disso, fui instruído a prestar atenção à estrutura das matérias para entender o encadeamento das ideias.” Desde a primeira nota, que foi sobre uma concessionária na região da Mooca, ele aprendeu a “dançar a música do jornal”. “Eu não podia ter pedido uma escola melhor do que aquela.” Mas ainda restava o objetivo principal: realizar o sonho do garoto impactado pelo trailer de O Retorno de Jedi, com os sabres de luz, os caças Asa-X e Darth Vader. Barreto queria porque queria escrever sobre cinema. O pedido para ser transferido para a editoria de cultura acabou sendo atendido. No Caderno 2, encontrou o seu “Mestre dos Magos” – Luiz Carlos Merten, um dos principais nomes do jornalismo sobre cultura do entretenimento no Brasil.


Leandro Saioneti

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DIVULGAÇÃO/FOX FILMES

Star Wars e Arquivo X são algumas das obras que influenciaram Fábio Barreto

“Colei nele, lia todos os seus textos, conversava, pedia conselhos e esclarecia ideias. Aprendia tudo o que ele era capaz de me ensinar e, nesse meio tempo, fui criando meu próprio estilo de trabalho. Foi legal ter dividido minha primeira capa no Caderno 2 com ele. Merten falou de Godzilla e eu, de Arquivo X, o filme [ambos de 1998]”, recorda-se com orgulho. Porém, na década de 1990, o padrão de texto produzido nos jornais diários não batia com o estilo de escrita de Barreto, marcado pelo seu lado fanboy. Cada vez mais se dedicava e se aprofundava, evitando uma posição passiva em relação às regras estabelecidas. Mesmo assim, suas matérias foram rotuladas muitas vezes como “bobas”. “Não me arrependo, pois isso me levou a criar pautas mais relevantes e complexas. Cresci muito. E foi bom, pois o cinema não perdoa.” Em 8

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pouco tempo, as suas entrevistas com músicos e atores, entre eles David Prose, intérprete de Darth Vader, atraíram a atenção dos leitores e o despertaram para novas possibilidades.

Que a força esteja com você O menino que cabulou aula para ir ao Anhangabaú em 1992, nas manifestações dos Caras Pintadas, agora respirava cinema. Faltava algo? Sim. Uma esposa. “Sou nerd tarja preta”, se autodefine sem titubear. Fundador do Conselho Jedi São Paulo e um dos inventores da JediCon, conheceu a esposa, Luíza, em um evento sobre Star Wars. Desde então, compartilham o gosto pela cultura geek. “Hoje nossa vida é regada a tudo o que a cultura nerd pode trazer, e nos orgulhamos muito disso.” Para muitos, pode ser a vida perfeita, mas Barreto percebeu que o

reconhecimento alcançado ainda poderia levá-lo além. Além das fronteiras do Brasil, diga-se. Em 2008, percebendo a falta de correspondentes em Hollywood que abordassem as grandes produções cinematográficas, ele não pensou duas vezes. Viajou a Los Angeles a fim de preencher essa lacuna. “O começo foi difícil, mas, novamente, venci pela qualidade.” Aos poucos, nomes como Harrison Ford, J.J. Abrams e Zack Snyder entraram em seu cotidiano; e suas matérias saíram em revistas como Época e Capricho. Porém, estar perto dos grandes estúdios e escrever sobre a sétima arte já não era mais suficiente. Agora, ele queria era fazer cinema: “Lá, tudo gira em torno do entretenimento. As pessoas vivem disso e se dedicam ao seu aprimoramento. E você quer fazer parte, quer trazer coisas boas para


se orgulhar de participar da criação de grandes histórias”. Cursou Cinema no Los Angeles City College e passou a dividir seu tempo produzindo matérias (publicadas em veículos nacionais e internacionais), roteiros e um livro. Sim, um livro.

O autor do fim do mundo

LEANDRO SAIONETI

“Escrever pode ser uma das coisas mais solitárias inventada pelos humanos. Entretanto, o mundo em volta do escritor é vastamente povoado”, Barreto escreveu no agradecimento aos colegas e familiares em Filhos do Fim do Mundo, seu primeiro romance, que acaba de sair pela Fantasy - Casa da Palavra, selo resultante

de uma parceria entre as editoras Casa da Palavra e Leya Brasil. O selo, dedicado à literatura fantástica, é coordenado por Raphael Draccon, autor de Fios de Prata – Reconstruindo Sandman (2012). Em Filhos do Fim do Mundo, Barreto narra a saga de um repórter tentando se equilibrar entre sua função de pai e jornalista em meio ao caos pré-apocalíptico. Catástrofes se misturam com a tensão psicológica do personagem e, à meia-noite, a humanidade é surpreendida pela notícia de que todas as crianças nascidas nos últimos 12 meses morreram de forma misteriosa. Barreto diz que a memória dos

Seu primeiro romance explora a misteriosa morte de recém-nascidos

tempos de estagiário de jornalismo o ajudou a entender que não basta lançar ideias soltas no papel para se construir uma boa história: “Levo a escrita muito a sério para fazer dela algo descartável. Isso me impede de prosseguir com muitas ideias. Se a história não me emociona, não merece ser continuada. Simples assim. Como meu primeiro leitor, tento ser o mais exigente de todos”. Seus critérios parecem estar dando resultados. Meses depois da sua estreia como ficcionista, um novo livro entrou em produção: Snowglobe. O gênero? Ficção científica, claro: “A ficção é tudo aquilo que não é como deveria ser. Seres humanos precisam ver além de suas próprias vidas. Precisamos viver outras realidades e quebrar um pouco das limitações que nossos corpos e sociedades impõem”. Barreto visitou a ficção também para escolher o nome de sua filha, nascida em 2006: Ariel, como o da personagem do filme Terra dos Sonhos. “É uma ampliação do nosso desejo de ir além e poder se apaixonar ou se entristecer sem sair do sofá de casa. Isso é fundamental.” Escreveu matérias de capa para revistas e jornais, entrevistou grandes nomes (alguns deles, seus mestres), escreveu um livro, tem outro a caminho, casou, teve uma filha. Enfim, plantou a árvore e agora ajuda quem lhe pede. Então, depois dessa saga pessoal, o que lhe faltaria? Ele diz que em seu mundo ainda há um sonho: dirigir um longa-metragem. “Pelo lado profissional, este é o objetivo a ser batido.” O garoto de Itaquera e das bolinhas de gude, o adolescente do Estadão e o homem ficcionista que inventou um fim para o mundo estão, na verdade, escrevendo um capítulo por dia de sua própria história. Contudo, o “repórter de entretenimento” não o abandona. Os diretores Steven Spielberg e George Lucas, “os dois grandes responsáveis pelo homem no qual me tornei”, continuam na lista de entrevistáveis. Setembro de 2013 | Cásper

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Música

SOM que não se apaga Jovens entre 15 e 30 anos embarcam no universo dos discos de vinil, que retornaram com força ao mercado brasileiro, acompanhando uma tendência mundial Por Thaís Helena Reis Imagens Thaís Helena Reis

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as diversas feiras de discos que aparecem frequentemente em São Paulo, o clima é tão nostálgico quanto lúdico: música tocando em várias direções; estandes enfileirados; centenas de engradados plásticos contendo envelopes grandes e quadrados; dedos vasculhando avidamente as caixas, como os de quem procura fichas em fichários. O movimento de pessoas é intenso. Elas vão a essas feiras para comprar música. Música gravada em discos. Discos de vinil. Após um período de esquecimento por parte da indústria fonográfica, os vinis voltaram ao mercado e estão se transformando cada vez mais em objeto de desejo para as novas gerações. Um dos indícios dessa nova onda de interesse é a reabertura da fábrica Polysom, fundada em 1999, que por muito tempo fabricou LPs de música evangélica. Contudo, em 2007, a empresa sentiu a drástica diminuição da demanda e acabou


fechando as portas. Comprada pela Deckdisk em abril de 2009, começou a produzir discos em novembro do mesmo ano, relançando antigos sucessos e lançando novos. A fissura dos jovens brasileiros por vinis espelha uma tendência que está ocorrendo em escala mundial. Segundo pesquisa da The Nielsen Company & Billboard, a venda de LPs nos Estados Unidos cresceu em torno de 18% em 2012, em relação ao ano anterior. Os motivos para esse aumento variam. Vão desde a qualidade sonora até certa insatisfação com os CDs. Há ainda o fato de que a indústria do CD está em dificuldades, devido à internet. Luiz Carlos Lucena, professor universitário, chama atenção para aspectos técnicos. “A música em CD, por ser comprimida digitalmente, perde agudos e graves. A sonoridade piora. No vinil, não. A qualidade é elevada”, diz. O estudante Vinícius Alcântara, 14 anos, tem a mesma

opinião: “Não dá para comparar o som do vinil com o do CD. O do vinil é muito melhor. O som é ótimo”. Vinícius começou a colecionar vinis há quatro anos, influenciado pela mãe, que também os ouve. “Não é só por causa da qualidade. É também pegar no disco, olhar a capa, ler o encarte... O vinil é uma mídia mais palpável. É algo físico. O CD, a gente só coloca para tocar e ponto”, observa.

Experiência além do som O ato de ouvir LPs é apenas parte de uma experiência mais ampla. Marcelo Sanches, dono de uma loja virtual de LPs acredita que ouvir um vinil é obedecer a um ritual. “É como ir ao cinema assistir a um filme”, compara. Para Sanches, o tempo de duração e a concepção do álbum também importam: “Com o mp3, tudo se tornou rápido e instantâneo. Ninguém mais ouve um disco inteiro. Ouve uma ou duas músicas. Já um LP dura em média 40 minutos. Então, acho que

o pessoal estava sentindo falta dessa coisa mais concentrada. Poder se dedicar a um álbum por inteiro”. Há quem pense que o retorno do vinil é mais um modismo do tipo vintage. Marcelo discorda: “Não se trata de moda. O mercado de vinis nunca deixou de existir, na verdade. A diferença é que, agora, uma parcela da juventude entre 15 e 30 anos começou a curtir também”. Em função do aumento da procura por LPs, as lojas do gênero estão se expandindo. A Galeria Nova Barão, no centro de São Paulo, é um dos focos de vinis na cidade. No local, há mais de dez lojas especializadas em “bolachões”, como a The Records e a Big Papa. Marcio Custódio, dono da Locomotiva Discos, também instalada na Nova Barão, afirma que seu público atualmente é bastante diversificado: “São pessoas que gostam de música; elas têm entre 15 e 60 anos e apreciam diversos estilos musicais. Tem os Setembro de 2013 | Cásper

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Luiz Calanca, da loja Baratos Afins, possui 15 mil discos

roqueiros, tem o pessoal que prefere música brasileira e há também a galera do funk e do soul.” Marcio, que também é organizador de feiras de discos, percebe que o número de pessoas que comparece a esse tipo de evento é cada vez maior: “As feiras de vinis são uma resposta ao crescimento do mercado”. Segundo ele, feiras desse tipo tampouco deixaram de existir em São Paulo, mas o perfil do público que as frequentava era diferente do atual. “Antes, era um público formado por colecionadores de coisas raras. Agora, essas feiras estão atingindo o ‘grande público’ – gente que quer comprar bandas atuais. É uma grande diferença.” Luiz Calanca, proprietário da loja de discos Baratos Afins, na tradicional Galeria do Rock, em São Paulo, não acredita que os vinis possam ser consumidos apenas por serem vinis: “A música vai continuar existindo, nem que seja ao vivo, ou em uma fita cassete, ou em mp3, ou o que for. Então, o que tem de agradar as pessoas é a música, não o formato e o material do disco”. Para Calanca, o que está acontecendo, “e isso pode ser observado no 12

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mundo inteiro”, é que o CD perdeu o glamour; perdeu o “encanto como novidade”. Por outro lado, ressalva, há o fato de que, em termos materiais, o vinil é mais resistente e durável. “Para que o mercado de vinis possa continuar em ritmo crescente, o preço dos discos precisa baixar, assim como o percentual de impostos; e é necessário também que haja concorrência”, completa o empresário.

A bolacha e o cristalino Os discos de vinil, também conhecidos como LPs (long-plays), foram criados em 1948, substituindo os antigos discos feitos de goma-laca, de 78 rpm (rotações por minuto), utilizados até meados do século XX. Em tal rotação, cada um dos lados da antiga mídia tinha a capacidade de reproduzir cerca de cinco minutos de música. Além disso, esses discos eram mais rígidos do que o modelo que os sucedeu, o que os tornava mais frágeis. A chegada dos LPs, já na segunda metade do século XX, mudou o padrão. Além de ser mais resistente, o disco rodava em 33 1/3 rpm, o que permitia uma reprodução 15 minutos maior em cada um dos lados.

“A Rua 24 de Maio era o foco do disco em São Paulo. Aqui, havia duas Breno Rossi; duas Bruno Blois; tinha o Museu do Disco na Rua Dom José de Barros; dois Museus do Disco na [Rua] Conselheiro Crispiniano; tinha a Casa Manon; a Gerasom; essas são as que consigo lembrar o nome. E todas ficavam nas adjacências da 24 de Maio”, conta Calanca, que trabalha há mais de 30 anos com música. Ele calcula que existiam 28 lojas de discos de vinil nas imediações da Galeria do Rock décadas atrás. “Sem contar que grandes magazines como Mesbla, Casas Bahia e Lojas Cem vendiam discos também. E nós, perto daquilo tudo, éramos nada. Éramos uma lojinha.” O império do vinil durou até a década de 1980, quando o compact disc, apelidado de CD, tomou seu espaço. Criado em 1979, a mídia revolucionou o cenário da música mundial ao armazenar o som em formato digital e rapidamente tornar-se mais barato que o produto analógico. No começo das propagandas, um dos principais atrativos era a promessa de que o novo formato acabaria com os ruídos e chiados que constantemente se faziam presentes no vinil. No início, vendeu-se a ideia de um som “cristalino”. “As revistas da época em que o CD surgiu como grande novidade realçavam essa ‘qualidade’”, recorda-se Calanca. “Houve aquele boom do CD, é verdade, e muitas pessoas que nem eram do ramo abriram lojas para vender o produto. Isso porque ele era mais lucrativo.” Em 1990, o vinil estava morrendo. “Você quase não encontrava mais vinil, nessa época. Foi quando o CD chegou a bater 85% do total das vendas. Mas a coisa foi revertendo. Hoje, eu diria que em torno de 65% de nosso faturamento decorre das vendas de vinis. Vendemos muito pouco CD. Na verdade, a maior dificuldade não é vender, e sim repor os vinis no estoque. Porque não é fácil achá-los. A gente tem que comprar de coleções, lojas que estão fechando e até rádios que não trabalham mais com vinil.”


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CAPA


jornalismo

é reportagem

Ex-correspondente da TV Globo em Nova York, Londres, Paris e Pequim, Sônia Bridi garante: “O pior dia na reportagem é melhor do que um dia na redação”

Por Carlos Costa Imagens José Geraldo Oliveira

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atarinense nascida há quase 50 anos na cidade de Caçador, Sônia Bridi era uma das convidadas para compor a mesa de jornalistas no Fórum de Debate sobre os 20 anos da parceria estratégica entre o Brasil e a China. Afinal, ela foi a autora de uma das primeiras reportagens que mostraram a pujança da China para os brasileiros, em 2004. Dois dias antes do debate ela se desculpou: foi escalada para uma reportagem sobre a situação dos portos brasileiros no Maranhão. Prometeu, em troca, dar esta entrevista para Cásper, realizada no Rio de Janeiro, na semana em que o papa Francisco brilhava na Jornada Mundial da Juventude. A seguir, os melhores momentos da conversa: Caso tivesse participado do Fórum sobre os 20 anos da parceria Brasil-China, o que teria dito? Teria falado que se o Brasil quer ser parceiro da China nos negócios, se quer competir com ela ou aprender algo com o comércio chinês, tem de parar de ser preconceituoso com a China. Estou cansada de ouvir autoridades e economistas brasileiros tentarem justificar o sucesso da economia chinesa dizendo que lá tem trabalho escravo. O Brasil também tem trabalho escravo. Não dá para comparar o salário chinês com o salário brasileiro. Com o dinheiro que se paga em um BigMac

no Brasil dá para comprar muitos outros na China. E o McDonalds é referência de preço em comparativos. O poder de compra do operário chinês é muito maior do que o do brasileiro. Aqui o trabalhador que participou da revolução industrial, em grandes montadoras, mora em loteamentos irregulares no ABC Paulista. Os operários chineses estão sendo inseridos na sociedade, comprando apartamentos, tendo um endereço, um celular que funciona, contando com boa infraestrutura. Desde a publicação de seu livro Laowai, Histórias de uma Jornalista Brasileira na China, o seu interesse sobre o país se modificou? [laowai = estrangeiro.] Morei dois anos na China, e ela absorveu 100% das minhas atenções durante aquele período. Assim como no ano anterior à minha estadia, pois estava preparando um programa especial para a TV. A primeira grande reportagem sobre o assunto foi no Globo Repórter, que mostrou ao Brasil o que estava acontecendo naquele país. Foi em maio de 2004 e passamos 45 dias viajando pela China. Logo em seguida, soube que seria correspondente em Pequim, então comecei a estudar mais. Morei lá de 2005 a 2006 e fui embora em janeiro de 2007. De Pequim fui para Paris, onde até 2008 me dediquei muito à China em razão das Olimpíadas, que cobri. Desde então, todo

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Perto de completar 50 anos, Sônia Bridi diz que não trocaria a profissão de jornalista por nenhuma outra

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ano vou para lá e passo um período de duas semanas, reportando notícias sobre o país. Temos um projeto para 2014, de revisitar lugares na China em que estivemos há 10 anos, pois naquela época se perguntava se em uma década ela se tornaria a 3ª economia do mundo. Já é a segunda. Em 30 anos pode passar os EUA, se não passar ainda nessa década. Queremos ver como isso tudo impactou na vida dos chineses.

Há ideia de um livro para esse projeto de revisitar locais vistos há dez anos? Seriam reportagens para a TV; talvez renda um posfácio para edições futuras do Laowai. Este livro, bem despretencioso, foi uma grande alegria. Acabou na lista dos mais vendidos, esgotou 40 mil cópias e está sendo reeditado. Ainda hoje recebo mensagens de pessoas que leram o livro e viajaram para China, a fim de conhecê-la e estudá-la.

Qual sua experiência mais marcante durante a passagem pela China? É muito difícil escolher apenas um momento que tenha me marcado, devido ao período em que permaneci lá. No livro, há destaque para a relação entre os chineses, seus laços familiares. A maneira como a história impactou a vida de cada uma das pessoas que conheci. Como a minha tradutora, que tinha uma avó muito dura e fria. Vivendo na província de Yunnan, no sul, ela viu os pais serem assassinados pelos war lords (senhores guerreiros, espécie de “coroneis” do período da criação da República na China, nos anos 1920). Ela se casou anos depois e então veio a Revolução Comunista. Por ser filha de donos de terra, passou pelo terrível processo da “reeducação”. Quando uma geração passa pelo que a China enfrentou no século XX, ela impacta as gerações futuras. E aí você tem a atual revolução, que muda a vida das pessoas pelo excesso do consumo de variados produtos e o aumento do poder aquisitivo. Isso impacta as relações afetivas. Gosto de observar isso, a história através dos impactos na vida das pessoas.

Depois da China, Paris. Sim, fiquei três anos em Paris. Do ponto de vista pessoal foi bom, pois morar ali não é problema para ninguém [risos]. Meu filho estudou em uma escola sensacional e foi exposto a situações muito interessantes, teve os melhores professores do primário que alguém poderia querer. Ele saiu da China com 5 anos e falava chinês. Na França, precisou aprender a língua, pois estava no último semestre antes de entrar no ensino básico. Com ótimos professores, ele conseguiu. Guardo carinho pelos professores dele em Paris. Bom, baseada na capital francesa fiz muitas reportagens não só sobre o país, mas sobre vizinhos europeus e eventualmente no Oriente Médio. Gostei da matéria sobre a questão da saúde na França... Sobre vida saudável e como a alimentação correta é um fator de saúde. Cobri a eleição do presidente Nicolas Sarkozy; as divulgações dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) sobre as alterações no clima e no meio ambiente; fiz reportagens sobre a Argélia, o Marrocos, a Tunísia. De lá, viajei para a Índia, Indonésia, produzindo reportagens.

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“Meu interesse pela natureza é uma coisa natural, está no DNA. Depois de cobrir os relatórios sobre o clima em Paris, achei esse assunto relevante demais para ser tratado com pouca seriedade”

Como foi a aventura de escalar o monte Kilimanjaro? No jornalismo você deve sair do carro. Então, estava preparando uma série sobre mudanças climáticas e um dos lugares emblemáticos sobre o derretimento de capa de gelo é o Kilimanjaro. E eu queria ver. A montanha tem hoje 15% do gelo original. Decidi que, para fazer a reportagem, era preciso subir o Kilimanjaro. Não sou atleta, sou jornalista, uma senhora de meia idade, mãe de família. Eu e o Paulo, meu marido e cinegrafista que sempre trabalha comigo, fizemos um treinamento e levamos muito a sério, pois somos pessoas aplicadas. Subimos o Kilimanjaro. Como experiência pessoal, foi incrível. O ideal seria ter feito isso com 18 anos. É uma experiência que muda sua perspectiva de autoconhecimento, um negócio incrível. A subida do Kilimanjaro ou de uma grande montanha depende 60% do preparo físico. Se não tiver preparo físico, não chegará ao topo. Os outros 40% é ter a cabeça no lugar. Vimos pessoas fisicamente bem preparadas, mas que tiveram ataque de pânico em condições de 15 graus negativos, ar rarefeito, 5.500 metros de altitude. Talvez com 18 anos eu não tivesse maturidade para pensar, “estou me sentindo bem, estou respirando bem, não estou com dor de cabeça, não estou sofrendo com a altitude e vou continuar”. E a última noite é muito pesada. Você já caminhou o dia inteiro. Aí finge que dormiu das 5 da tarde às 11 da noite. Ninguém fecha o olho. Você fica a mil por hora porque está faltando oxigênio, o coração tá acima de 100 em repouso e aí você começa a caminhar de novo às 11 horas da noite... Chegamos ao cume às 8h30 da manhã. Naquele dia, tomamos café ao meio dia.

Suas pautas estão, hoje, mais ligadas a assuntos relativos ao meio ambiente? Tenho interesse por questões de natureza. Sou a primeira geração da família nascida fora da roça. Meus pais nasceram agricultores e assumiram outras ocupações, mas meus avós e seus pais e os avós deles sempre foram agricultores. Nasci e cresci no interior de Santa Catarina. Vim morar no Rio de Janeiro com 27 anos, em 1991. Então, sou a primeira geração nascida fora do ramo da agricultura. Meu interesse pela natureza é uma coisa natural, está no DNA. Depois de cobrir os relatórios sobre o clima em Paris, achei esse assunto relevante demais para ser tratado com pouca seriedade. Comecei a ler mais pesquisas, a estudar a sério. Logo, propusemos essa série para o divulgação

Dentre esses países mediterrâneos, quais renderam melhores reportagens? A Itália é um país do mediterrâneo e tenho minhas origens lá [risos]. A Argélia está muito difícil de visitar, enquanto o Marrocos ainda é um país muito autêntico. Você vai a Fez e vê uma vida muito parecida com o que seria quando os mouros foram expulsos da Península Ibérica; é uma viagem no tempo. Como país para conhecer, o Marrocos é muito interessante. Uma nação muito próxima a nós é a Espanha. Ela está vivendo um momento de crise, mas soube usar de maneira sábia o acesso à União Europeia. Melhorou de forma incrível sua infraestrutura, investiu massivamente na área de educação, tendo formado pessoas muito bem preparadas e construiu marcas multinacionais, como Telefônica, Santander, empresas que investiram de modo constante em regiões como a América Latina.

Em seu livro, Sônia aborda as relações familiares na China

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“No curso de Jornalismo, o maior legado foi a parte de redação.Tive bons professores que cobravam muito na qualidade de nosso texto” Fantástico, pois queria ir aos lugares que o relatório sobre o clima apontava como críticos sobre o que está acontecendo. Encontramos muitos locais em que os sintomas dos efeitos das mudanças climáticas são fortes, como a Austrália, por exemplo. O que a faculdade de Jornalismo contribuiu ao que é hoje Sônia Bridi? Não fiz apenas Jornalismo na Federal de Santa Catarina (UFSC). Cursei dois anos de Filosofia que me ajudaram muito. Uma coisa que caracteriza a escola da UFSC, para ser uma faculdade tão boa, é que ela oferece boa articulação entre os cursos de maneira que se possa transitar entre eles. Por exemplo, o professor de economia tinha

um grupo de pesquisa e ensinava com prazer. Estudamos dois dos dez volumes de O Capital, do Marx. Para mim foi sensacional, pois quando ele ia falar... Por exemplo, quando Marx cita Adam Smith, vinha outro professor que falava sobre o economista escocês. Como jornalista, minha capacitação para tratar sobre economia fez diferença. Quando o real estava desvalorizado, eu era correspondente em Nova York e acompanhei os empréstimos de contingência feitos ao Brasil. Me senti capacitada em realizar aquela cobertura pois tinha uma base mais ou menos sólida. No curso de Jornalismo, o maior legado foi a parte de redação. Tive bons professores que cobravam muito na qualidade de nosso texto. Teve algum momento em que você se sentiu muito desconfortável, tipo... “o que eu estou fazendo aqui?” Não. Teve momentos em que não gostei de estar lá como, por exemplo, entrevistando a atriz francesa Catherine Deneuve. Ela veio a São Paulo lançar um filme e teve uma experiência ruim. Ela fumou e não gostou que as pessoas falassem sobre isso. Fui entrevistá-la, ela foi grosseira. Eu deveria ter levantado e dito assim: “Ah, você não está afim de dar entrevista tudo bem, entendeu?”. Insisti, pensando: vou dar um desconto, já vim até aqui, já colocamos luz, câmera...

Sobre a entrevista com Fernando Collor: “destempero”

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Deu essa vontade na famosa entrevista com o Fernando Collor de Mello? Quando fiz a entrevista com o ex-presidente e ele teve aquele ataque, em nenhum momento achei que era comigo. Ele não queria responder as perguntas, queria que me sentisse ofendida e dissesse: “O senhor me respeite, não sei o que”... para ele sair... uma desculpa para interromper a entrevista. Mas eu tinha uma série de questões e ele estava dando as respostas que queria, isso não era problema meu. O destempero dele, isso foi o mais importante da entrevista, não o que eu perguntei nem o que ele respondeu. O destempero é o retrato psicológico do Collor de Mello. Todo mundo tinha ouvido falar que ele era descontrolado, mas nunca ninguém havia visto isso publicamente. Quando ele encerrou a entrevista, tirando o microfone e saindo, eu estava com a certeza de que tinha registrado um retrato psicológico dele que ninguém nunca havia visto. Um retrato do caráter e de quem é esse homem, como ele trata uma mulher jovem, como ele fala! Tanto que o assessor dele foi atrás da gente, mas já tínhamos mandado a matéria para o Rio de Janeiro, com 11 minutos editados para o Jornal Nacional.


divulgação Rede globo

Sônia e o cinegrafista Paulo Zero na gravação da série “Quem Paga é Você” do Fantástico

Ser repórter da Globo às vezes traz esses reveses, né? O jornalista, assim como o policial, tem de aprender que há ofensas que não são dirigidas à pessoa. Você está ali, fazendo o seu trabalho. Numa manifestação, vão atrás de mim, “Fora Rede Globo”, não sei o que, “Você é vendida para a Globo”. Exatamente, trabalho lá e ganho o meu dinheiro, é isso? Não posso fazer o que fez um coronel da PM dando entrevista aqui no Rio de Janeiro. Ele disse o seguinte: “Policial também tem sentimento, ofendem os policiais, cospem nos policiais!”. Não tem que ter sentimento não, tem que ter disciplina! Se ele tem de fazer o trabalho dele, tem que fazer o trabalho. Com o jornalista é a mesma coisa, não é que você não sente nada, você tem de saber se comportar. Não vou ofender um entrevistado, seja ele quem for. Ele pode dizer o que quiser, mas eu não vou ofendê-lo, não é o meu papel! Eu tenho que fazer as perguntas. Trabalhar na Globo foi um grande diferencial para você, em termos de estrutura... Não há no Brasil estrutura igual a da TV Globo. Sobre esse aspecto é um privilégio pois para fazer a matéria, ela dá condições. Fui correspondente da Globo nos Estados Unidos, na Inglaterra, na China, na França. Quando estava nos Estados Unidos quase não havia correspondentes de outras emissoras, agora tem mais, porém antes não existia! Tem outra coisa, o jornalismo da TV comercial, que depende da publicidade, tende a ser mais independente do que o jornalismo das estatais, que dependem de quem é o diretor nomeado pelo político tal, de qual é a ideologia do governo que está no poder... Não crie a

ilusão de que existe um jornalismo completamente independente, pois as pessoas têm suas ideias, todo mundo acredita em alguma coisa. Não dá para dizer que a BBC, talvez a TV pública mais independente que há – aliás é a única, pois as outras são estatais –, é mais independente do que a ABC americana. Nem que a TV estatal francesa, a France 2, seja livre de controles. Mesmo num país com instituições sólidas como a França sempre há a influência do governo. Se você fosse listar os melhores momentos na emissora, quais seriam? O filé de nossa profissão é a reportagem. Pode não ser o melhor salário e certamente não é a coisa mais confortável para você fazer em jornalismo. Porque repórter tem aquela coisa: se puder ir ao banheiro, vá; se puder sentar, senta; se puder beber água, beba; se puder dormir, durma, porque você não sabe quando poderá fazer isso de novo. Mas a reportagem é uma riqueza de informações, de conhecer gente, principalmente de ver gente, de entender um pouco como as coisas funcionam, sair do carro do safári e andar na selva. Essa é uma experiência que não trocaria por nenhuma outra profissão no mundo. Faço 50 anos esse ano e jurei que não iria ficar na reportagem até os 50, porque é uma vida dura! Trabalho todo fim de semana, viajo sempre, é difícil a semana em que durma todas as noites na minha casa. É duro ficar longe dos filhos, mas o pior dia da reportagem... sabe aquela frase? “O pior dia surfando é melhor do que um dia no escritório?”. É mais ou menos isso. O pior dia na reportagem é melhor do que um dia na redação. É na reportagem que se vive o jornalismo. Setembro de 2013 | Cásper

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frankfurt

em

LITERATURA

sem exotismos

Imagem vencedora do concurso de cartazes para divulgação da Feira do Livro de Frankfurt: ironia aos estereótipos dos países homenageados. Brasil é o convidado deste ano d

yvo el nne winnef

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O Brasil está investindo em programas de apoio a escritores e tradutores, mas a internacionalização da literatura não é uma questão apenas financeira Por Isabela Moreira

E

no exterior. Já o segundo – que só no primeiro trimestre de 2013 teve 50 pedidos aprovados – funciona por meio de um edital de seleção pública oferecido a editoras estrangeiras que desejam traduzir, publicar e distribuir livros brasileiros no exterior. A agente literária Luciana VillasBoas acredita que as iniciativas da Fundação Biblioteca Nacional fazem toda a diferença no processo de disseminação da literatura brasileira no mundo, especialmente numa época de crise como a europeia: “No processo editorial, a tradução é um insumo caro. Então, para as editoras estrangeiras, é importante saber que existe uma maneira de abater esse investimento”.

Encontrar uma voz Michael Kegler teve seu primeiro contato com o ofício da tradução através do livro Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão, traduzido

para o alemão por Ray-Güde Mertin (1943-2007), que, além de professora e tradutora, foi agente literária de diversos autores de língua portuguesa – entre eles, José Saramago. Atualmente residindo em Hofheim, Alemanha, Kegler se dedica à crítica literária e à tradução de obras brasileiras. São dele as traduções, por exemplo, de O Único Final Feliz para Uma História de Amor é Um Acidente, de João Paulo Cuenca, e Eles Eram Muitos Cavalos, de Luiz Ruffato. “O ofício de traduzir é cheio de ‘perigos’ e ‘tentações’. O maior desafio é encontrar uma voz adequada para o autor que traduzimos. Significa fazê-lo soar convincente em outra língua sem trair o conteúdo, nem cair na tentação de transformá-lo em outro. Não adianta querer ficar colado nas palavras e querer ser artista”, analisa Kegler. Luciana Villas-Boas, por sua vez, deixou o Grupo Record, onde traba-

frankfurt book fair/ Alexander Heimann

m plena transição dos livros físicos para os virtuais (os ebooks), a literatura brasileira atravessa um processo de internacionalização. O convite feito ao Ministério da Cultura, em 2010, para que o Brasil estivesse presente como país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt de 2013 foi o primeiro grande passo, segundo os analistas. No ano passado foi publicada uma edição especial da revista literária britânica Granta, uma das mais prestigiadas do mundo, com o título Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros, coletânea que reúne 20 contos de autores nacionais nascidos após 1972. As editoras estrangeiras não estão buscando apenas boas obras brasileiras contemporâneas. Estão buscando também tradutores que façam jus a elas. Por outro lado, tem sido questionado se esse interesse por nossa literatura é sustentável e se a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt pode realmente ajudar a divulgar a cultura nacional mundialmente. “Se um país quer despertar o interesse para um conjunto de obras de sua literatura, precisa fazer algo como soltar fogos de artifício e investir dinheiro”, diz Michael Kegler, tradutor de obras de língua portuguesa para o alemão. Segundo Fábio Lima, da Fundação Biblioteca Nacional, o Brasil tem investido em programas permanentes, como o de Intercâmbio de Autores e o de Apoio à Tradução. O primeiro apoia a circulação internacional de autores nacionais mediante a concessão de bolsas a editoras ou instituições culturais estrangeiras. O objetivo é custear as despesas relacionadas à participação dos escritores em eventos literários

Maior evento mundial do mercado de livros, a Feira é realizada desde 1949

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lhou 17 anos como diretora editorial, e se tornou agente literária com sua agência própria: a Villas-Boas & Moss. A prioridade, diz ela, é valorizar a literatura brasileira e trazer a estrangeira para o Brasil. Luciana define assim a sua função: “Sou uma representante dos autores junto às editoras, procurando a mais adequada para trabalhar a obra nas melhores condições possíveis para o autor ou autora”.

Para gringo ler

divulgação

A convivência com diferentes editores – Luciana realiza negócios em 11 países – indicou que os estrangeiros não só estão interessados em literatura brasileira como estão sedentos por obras recentes. “Os editores querem

uma obra que reflita profundamente a sociedade na qual ela foi criada, produzida e escrita”, observa Luciana. “Lendo a literatura de um país, sua ficção, você adquire uma percepção mais emocional desse local.” Ela acredita que o crescente interesse dos estrangeiros pela literatura nacional é recente. “É de uns cinco anos para cá. O país está evidentemente crescendo, e em ebulição. Daí acaba virando objeto de maior atenção em todos os cantos.” Daniel Galera, autor do aclamado Barba Ensopada de Sangue, vê uma correlação entre os dois principais acontecimentos (Frankfurt e Granta): “Ambos têm a ver com a posição política e econômica do país hoje. E as editoras e os auto-

Daniel Galera é um dos autores escolhidos para representar o Brasil em Frankfurt

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res brasileiros não podem desperdiçar essa oportunidade de difundir nossa literatura num mercado mundial hoje dominado pela língua inglesa”. Luciana afirma que, para haver uma internacionalização, é preciso que a literatura brasileira seja apreciada no próprio país. “Nós lemos pouco e, quando lemos, tendemos a escolher títulos da literatura estrangeira. Apesar do aumento do interesse estrangeiro por nossos livros, esse aumento é inferior ao interesse que vejo em obras de outros países latino-americanos. As literaturas chilena e mexicana, por exemplo, estão muito mais bem inseridas no mercado internacional do que a literatura brasileira.”

Sob óticas diferentes Quando Frank Wegner, da editora alemã Suhrkamp, afirmou que Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera, era atraente por ser “um livro brasileiro, mas não tipicamente brasileiro”, levantou-se uma discussão em torno da superação dos estereótipos através dos quais muitos ainda veem o Brasil. O próprio autor do livro acha que a cultura brasileira ainda é muito associada ao cenário tropical, carnaval, praia, sensualidade, favela, índios, violência urbana, futebol, samba, sertão, floresta. “São temas que exibem uma visão estreita do que existe e importa dentro do nosso país como um todo.” Galera ressalta a importância de editores estrangeiros a procura de uma “fuga” para esses estereótipos. “Até porque a literatura brasileira contemporânea já os superou em grande medida”, diz. Para o tradutor Michael Kegler, é difícil discutir temas sobre o Brasil que sejam atraentes aos olhos de um estrangeiro devido à diversidade presente na literatura brasileira. “Certamente o leitor alemão ainda quer o exótico, ou seja, a selva amazônica ou a grande cidade. Mas, ao mesmo tempo, as editoras também podem se entusiasmar apenas pela escrita”, explica Kegler. A importância está não somente na visão do leitor de fora, mas na maneira pela qual o próprio leitor brasi-


Arquivo pessoal/ luciana villas-boas

“Os editores querem uma obra que reflita profundamente a sociedade na qual ela foi criada, escrita e produzida” leiro assimila o que se convencionou chamar de “literatura nacional”. “Tem que ser um livro brasileiro, mas não precisa ser o clichê de Brasil que se tem em mente. Esse clichê pode estar tanto na cabeça das pessoas de fora quanto na das pessoas daqui também”, pondera Luciana Villas-Boas.

Missão duradoura Depois de dezenove anos, o Brasil volta à Feira Internacional do Livro de Frankfurt como país homenageado. O convite, fruto de um acordo firmado com o Ministério da Cultura há três anos, traz consigo vários compromissos assumidos pelo lado brasileiro. Entre eles, a criação de um Comitê Organizador, que é constituído por representantes das seguintes instituições: Ministério da Cultura, Ministério da Relações Exteriores, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Nacional de Artes e Câmara Brasileira do Livro. O Comitê é responsável pela organização e execução da programação brasileira em Frankfurt. Antonio Martinelli, que coordena a área de literatura do Sesc São Paulo, foi convidado pela Fundação Biblioteca Nacional para coordenar o Projeto Frankfurt. Juntamente com o crítico literário Manuel da Costa Pinto e a professora Antonieta Cunha, Martinelli é o responsável pela curadoria dos 70 autores que embarcarão

A agente literária Luciana Villas-Boas realiza negócios em 11 países

para Frankfurt representando a literatura brasileira. “Queríamos uma lista pautada pela pluralidade. Encontramos um equilíbrio entre autores consagrados e a nova produção, apostando na variedade de gêneros”, explica o curador. A lista de autores escolhidos para representar o Brasil em Frankfurt conta com nomes como Daniel Galera, Ana Maria Machado, Fernando Morais, Ziraldo, Joca Reiners Terron, Paulo Coelho e Heitor Ferraz (professor da Faculdade Cásper Líbero). “Os autores escolhidos espelham um panorama, uma amostra da produção literária e dos saberes em torno do livro e da literatura no Brasil. Além do establishment editorial, contemplamos também autores e obras lançados por editoras independentes e universitárias”, garante Martinelli. A Feira – a ser realizada de 9 a 13 de outubro – contará com cerca de 100 editoras brasileiras que pretendem expor seus livros e projetos editoriais. No entanto, a ocupação brasileira em Frankfurt não se restringe à literatura.

Nos 2.500 metros quadrados do pavilhão brasileiro estão programadas diversas exposições, performances musicais e teatrais, espetáculos de dança e a exibição de filmes nacionais. A ideia é dar ao mercado editorial estrangeiro uma amostra da cultura brasileira contemporânea. Há uma expectativa de que o efeito da Feira Internacional do Livro de Frankfurt seja duradouro. “Espero que toda a literatura nacional, e não somente os autores presentes em Frankfurt, seja contemplada pelas editoras estrangeiras. E que a Feira gere um grande volume de traduções”, confessa Daniel Galera. Para Michael Kegler, é essencial que os próprios brasileiros se mobilizem: “É cruel dizer isso, mas o mercado editorial alemão vive muito bem sem as grandes obras brasileiras. Nós, profissionais que vivemos disso, e o próprio Brasil, os autores e as instituições precisam fazer algo para incentivar os leitores estrangeiros. Não sei o que esses leitores querem. é uma questão de fazê-los querer”. Setembro de 2013 | Cásper

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Fórum

José Geraldo oliveira

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conexão Brasil-China Com cobertura das mídias chinesa e brasileira, jornalistas, empresários e acadêmicos se reuniram para debater as perspectivas da relação entre os dois países, duas décadas após a assinatura do Acordo de Cooperação Estratégica Por Isabela Moreira, Leandro Saioneti e Patrícia Homsi

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urante o governo de Itamar Franco, em 1993, Brasil e China assinaram um Acordo Bilateral de Cooperação Estratégica com o intuito de aproximar o diálogo e os negócios entre os dois países considerados opostos cultural e geograficamente. Marcando as duas décadas desse acordo, a Faculdade Cásper Líbero organizou, no dia 15 de maio, o Fórum de Debates Brasil-China: 20 anos de Parceria, para discutir os avanços e os obstáculos nas relações entre os dois países, nas áreas de comunicação, cultura e economia. Realizado no Teatro Cásper Líbero, o encontro teve como objetivo reunir numa rodada de discussões interessados nas relações brasileiras com a China, que é o maior parceiro comercial do país, embora pouco

presente não somente no noticiário como também nos âmbitos cultural e acadêmico. Composto por três mesas de convidados, o Fórum abordou a China no noticiário brasileiro, o Brasil na mídia chinesa e os principais desafios nos negócios entre os países, avaliando os resultados obtidos até agora e apontando para perspectivas futuras. Os trabalhos se iniciaram com o discurso de boas vindas do presidente da Fundação Cásper Líbero, Sr. Paulo Camarda, representado no Fórum pelo prof. Carlos Costa. A seguir, o Sr. Li Jinzhang, embaixador extraordinário e plenipotenciário da República Popular da China no Brasil, saudou o público presente e destacou a história recente da relação entre ambos os países, que

ocorreu em sintonia com diversas transformações no cenário global, trazendo benefícios para todos. Boa parte de sua fala foi direcionada aos diálogos comerciais, ao aquecimento das questões culturais e ao apoio a programas de incentivo à pesquisa universitária, como o Ciência Sem Fronteiras, do governo federal brasileiro. Ao final de seu discurso, Li Jinzhang pediu aos jornalistas brasileiros e chineses que “divulguem a parceria de forma completa, para que haja maior compreensão do cenário e, consequentemente, maiores benefícios sociais e econômicos para os povos dos dois países”. Os debates das três mesas que se seguiram, embora evidenciassem o entusiasmo com o desenvolvimento das relações Brasil-China, chamaram

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a atenção para os diversos obstáculos que dificultam, principalmente, a troca e o aumento de iniciativas culturais, o aprendizado histórico e as próprias transações comerciais. A mensagem foi clara: o acordo selado há 20 anos mudou as perspectivas de ambos os países – principalmente no caso do Brasil – no cenário mundial, mas novas mudanças e iniciativas devem ser perseguidas e implementadas, para que os frutos dessa relação entre as duas grandes nações sejam aproveitados da melhor maneira possível, na tentativa de gerar mais ganhos nas áreas citadas pelo embaixador Li Jinzhang.

Não é só o idioma Direcionada a medir o tratamento e a atuação que a mídia dos dois países dispensa ao parceiro em sua cobertura, a primeira mesa de debates do Fórum foi composta por jornalistas chineses e brasileiros, que atuam ou atuaram tanto no Brasil quanto no país asiático, com mediação do prof. Carlos Costa. Também, houve a homenagem a Jayme Martins, profissional que durante 20 anos viveu na China, atuando como professor e correspondente de diversos meios de comunicação, além de estar presente em momentoschave da história chinesa, como a Revolução Cultural e a reabilitação de Deng Xiaoping ao poder. A atuação dos correspondentes internacionais chineses no Brasil e dos jornalistas brasileiros em sua passagem pela China pautou os depoimentos e discussões dessa primeira mesa, que contou tanto com falas otimistas como receosas. Por meio de um discurso tímido, mas inspirado, e contrastando em uma mesa 26

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Acordo selado há 20 anos mudou a perspectiva dos dois países

majoritariamente masculina, Hailing Wang, jovem jornalista correspondente do principal veículo impresso chinês, o Diário do Povo, compartilhou suas experiências em território brasileiro. “Fiquei muito tocada com a calorosa recepção que recebi em minha chegada ao Brasil. Vejo verdade nos olhos dos meus entrevistados e tento abordar assuntos que fogem do senso comum como samba ou futebol, falando sobre a Amazônia, por exemplo. Minhas reportagens conseguem grande repercussão em meu país”, declarou Hailing. No entanto, a fala amistosa da correspondente não foi acompanhada pelos outros participantes, que declararam insatisfação com a dinâmica de mídia existente no Brasil com relação ao noticiário e à cobertura dada aqui para os temas relacionados com a China. Fabiano Maisonnave, jornalista atuante na

Folha de S.Paulo e ex-correspondente do jornal paulistano em Pequim, foi um deles. O jornalista apontou para a drástica diminuição da presença de profissionais de imprensa brasileiros na Ásia, o que, segundo ele, “ocorre devido à crise do modelo de negócios dos jornais, o que não afeta outros países, que aumentam o número de correspondentes no exterior”. Maisonnave aposta na linha de pesquisas sobre a China, além de bolsas de estudos direcionadas ao país asiático como parte da solução. “As pessoas devem se preparar, aprender mandarim e isso só ocorre através de um projeto específico para a China”, completa. Essa tendência foi confirmada por Wang Fan, jornalista da agência internacional Xinhua (Nova China), que culpou a própria categoria pela falta de conhecimento entre ambos os países, onde “o que você conhece, talvez


José Geraldo oliveira

Li Jinzhang, embaixador da China no Brasil, destacou o histórico sino-brasileiro

seja o que a mídia quer transmitir”. Questionado sobre possíveis melhorias que a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 podem trazer, Wang Fan foi enfático: “Haverá melhorias, mas serão temporárias. O Brasil deve fazer muitas coisas além de estádios, como buscar melhores formas de divulgar sua imagem fora daquele período limitado”. Nessa discussão também participaram Wagner Kotsura, chefe de jornalismo da TV Gazeta, e Xingfu Zhu, jornalista responsável pelo escritório de Brasília do Shangai Wenhui Daily, que criticou a falta de repórteres chineses fluentes na língua portuguesa.

Quebra de estereótipos O brasileiro pensa apenas em samba e futebol, enquanto os chineses são lacônicos e só querem trabalhar? Na primeira mesa de debates houve também espaço para a discussão so-

bre a visão condicionada que tanto chineses quanto brasileiros possuem um do outro. Felipe Corazza, chefe de reportagem da editoria internacional do jornal O Estado de S. Paulo, opinou que “a mídia tende a direcionar o foco destes países para questões exóticas, sendo que principalmente a mídia brasileira deveria ter um planejamento jornalístico mais generoso”. Indagado sobre o porquê, ele completou de forma objetiva: “Penso que é mais um reflexo da falta geral de interesse das pessoas”. Em contraponto, o jornalista Li Weilin, responsável pela CCTV para a América Latina, contou boas histórias sobre seu trabalho de mostrar para os chineses, por meio de imagens, a riqueza cultural do Brasil, além do samba e do futebol – uma de suas paixões –, provocando empatia na plateia, que acompanhou a descrição de suas peripécias no Rio de Janeiro. Gerador de diversos tópicos, esse

assunto permaneceu em debate durante a segunda mesa, que tratou dos principais problemas enfrentados pelo comércio sino-brasileiro e os aspectos positivos que o Brasil pode aprender com os chineses. Com a participação de acadêmicos e de empresários, essa segunda rodada teve mediação de Ricardo Carvalho, jornalista e comentarista sobre sustentabilidade do Jornal da Gazeta, principal programa noticioso da TV Gazeta. Nessa mesa, utilizando uma abordagem histórica, Vladimir Pomar, geógrafo e editor da revista Negócios com o Brasil, criticou o preconceito dos brasileiros com os chineses, alertando para a impossibilidade de eliminação deste mal, mas sim, sua diminuição: “Preconceito você não erradica. Ele tem raízes e explicações culturais. Mas você o diminui por meio de informação, maior contato entre chineses e brasileiros, através Setembro de 2013 | Cásper

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da população de analfabetos e mais 15% de semianalfabetos. Agora a presidente Dilma está interessada em colocar a educação como prioridade, mas há toda uma guerra em torno disso. Os estudantes deviam fazer greve em favor da educação, por um maior aproveitamento dos royalties na educação. Isso que é importante para o Brasil”, explica.

Negócio da China

Wang Fan, jornalista da agência Xinhua (Nova China)

de intercâmbio cultural”. Pomar insiste na necessidade de mutuamente esquecer estereótipos e conhecer melhor o parceiro. Um fórum de debates tende por natureza a enfatizar o cenário conflituoso de uma situação, sem muitas vezes indicar possibilidades de saída. No entanto, o Fórum BrasilChina conseguiu equilibrar as duas vertentes. Posta sob um beco sem saída, a questão do preconceito cultural encontrou uma visão otimista na fala de Argemiro Procópio, docente de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), que utilizou a própria problemática dos estereótipos como uma forma de troca cultural. O acadêmico afirmou que “o Brasil tem muito que apren28

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der com os chineses, em relação ao trabalho em conjunto, à alteridade e à meritocracia. Muitas vezes, o brasileiro luta por um emprego, e não pelo trabalho. Na China, pensa-se o contrário”. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Procópio foi justo não apenas com a cultura brasileira, mas ocidental: “Acho que a civilização cristã pode ensinar que ‘não só de pão, vive o homem’. Ou seja, que a qualidade de vida é muito importante, e que se matar para acumular e acumular prejudica o meio ambiente e não traz felicidade para ninguém”. Já Carlos Tavares, jornalista sênior brasileiro atuante na Câmera de Comércio Brasil-China, preferiu destacar o que falta para o Brasil ganhar status de potência. “Aqui temos 15%

Logo que a temática cultural foi encerrada, os participantes da segunda mesa abriram espaço para números e estatísticas, contextualizados sobre o atual cenário comercial Brasil-China, com os obstáculos e exemplos que o empresariado brasileiro pode utilizar da dinâmica chinesa de mercado. Indagado sobre as maiores dificuldades para a negociação entre empresários brasileiros e chineses, João Pedro Flecha de Lima, vice-presidente sênior da Huawei do Brasil, destacou que “o principal desafio a ser vencido entre as culturas chinesa e brasileira no campo das negociações é o fato do Brasil adotar um sistema muito legalista – herança de nossa cultura portuguesa – enquanto os chineses têm uma cultura mais voltada para a confiança na palavra empenhada, no relacionamento face a face”. Já Charles Tang, presidente da Câmera de Comércio e Indústria Brasil-China, destacou elementos positivos que ambas as nações trazem para a parceria, como a inserção de pessoas na economia, retirando-as da pobreza. Segundo Tang, centenas de milhões de chineses saíram dessa condição, graças aos esforços do governo ao longo das últimas décadas. Porém, José Carlos Martins, diretor executivo de Ferrosos e Estratégia da VALE, utilizou-se de um discurso


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Li Xiaoyu, conselheiro de imprensa da embaixada chinesa, com Jayme Martins, homenageado do Fórum

cauteloso: “Os investimentos na China não são tão grandes como gostaríamos; há falta de entendimento do que é a China, principalmente por parte da classe empresarial. Temos muito o que aprender com ela. O fenômeno chinês é inevitável e está aí, queira a gente goste ou não”. E não é apenas o mercado brasileiro que é invadido por produtos da China. Segundo Mário Wang, diretor executivo do China Trade Center, atuante no comércio exterior, “os chineses gostam muito dos produtos do Brasil. O empresário brasileiro deve deixar de pensar na China como um todo e tentar colocar seu produto numa determinada região. Se tiver êxito ali, já serão milhões de consumidores”, reafirmando a China como principal investidor no Brasil. Como ocorreu nas duas mesas da manhã, na terceira e última mesa, reunida logo após o intervalo para o almoço, o interesse nas implicações econômicas da parceria Brasil-China permeou as intervenções. A proposta dessa rodada foi o futuro da relação

entre os dois países, e teve a participação de acadêmicos e empresários, com a moderação do professor da Faculdade Cásper Líbero e também comentarista do Jornal da Gazeta, João Batista Natali. Críticas ao modelo de mercado brasileiro continuaram na fala de Carlos Tavares, que retornou para essa mesa. “Ainda é difícil convencer o empresariado a investir e a apostar na China”, explica. Mas, enfatiza que o problema não é tão complexo quanto se imagina: “Temos os portos, temos a água do mar, temos os trabalhadores. Temos tudo o que os chineses têm. Deve-se copiar o que está dando certo e pronto. O que o Brasil tem de diferente, afinal?”

O Fórum Ao término do evento, muitos foram os comentários sobre sua importância e o que se pode retirar de concreto dos debates. Arquiteta e participante da segunda mesa, a professora Anália Amorim se declarou satisfeita e disse que “qualquer iniciativa que venha a atender a essas preocupa-

ções e necessidades será muito bem vinda. E [o Fórum] contou com um cenário maravilhoso, com pessoas de diversas áreas e atuações pontuais em economias candentes”. Já o jornalista Ricardo Carvalho ficou surpreso com as inúmeras informações que foram divulgadas sobre a China, considerando o encontro inteiramente válido. “Sabemos que a China é uma grande potência, temos noção do tamanho de sua população, mas não sabemos alguns detalhes importantíssimos, como a grande possibilidade do Brasil abrir frentes de negócio com os chineses em diversas áreas. Isso é um ‘ovo de Colombo’, uma descoberta”, conta. O Fórum de Debates Brasil-China: 20 anos de parceria, em vez de dar uma resposta e avaliação sobre o que ocorreu nessas últimas duas décadas, compartilhou resultados, experiências e sentimentos. No entanto, uma conclusão pode ser tirada de forma concreta: os primeiros 20 anos de parceria estratégica foram apenas um começo. Setembro de 2013 | Cásper

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rafaela malvezi

Carlos Tavares No extenso e notável currículo de Carlos Tavares, além de jornalista e escritor de longa data, consta a fundação da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil e a assessoria em comércio exterior da Confederação Nacional do Comércio. Foi um dos membros fundadores do Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia e atualmente dirige a Câmara de Comércio Brasil-China. Foi numa viagem aos Estados Unidos, em 1972, que teve início o fascínio de Tavares com o país asiático. Durante sua estadia em Washington, o jornalista visitou o Departamento de Comércio norteamericano, no qual um andar inteiro era dedicado sobre assuntos da China. “Fiquei espantado com aquela

Foi a partir da constatação de que a relação Brasil-China não se resume a acordos econômicos ou diálogos diplomáticos que Anália Amorim iniciou o seu trabalho. Formada em Arquitetura pela Universidade Federal de Pernambuco, além de mestra e doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é presidente da Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. Interessada na urbanização chinesa, viajou ao país pela primeira vez em 2010. Os resultados positivos fizeram-na retornar meses depois, a fim de estabelecer parcerias entre universidades chinesas e a Universidade de São Paulo. Seus esforços deram resultado através do curso Produção Arquitetônica e Meio Ambiente: o caso da China, ministrado no programa de pós-graduação da FAU-USP. Sobre as experiências que o Brasil pode tirar da arquitetura chinesa nas cidades, Amorim explica que “o país tem muito que aprender com a dinâmica urbana chinesa. Ver o outro é aprofundar a si mesmo, e podemos tirar muitas lições da China, como a construção de cidades baseadas em uma riqueza de soluções”. 30

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Thaís reis

Anália Amorim

preocupação com o país. O diretor do Departamento me disse que eu tinha que prestar atenção, pois a China se tornaria uma superpotência ao longo das próximas décadas”, relembra. Ainda na década de 1970, numa visita à China, Tavares se deparou com uma população preocupada com a cultura, o aprendizado e uma dedicação a recuperar o posto de liderança mundial. “Nunca tinha visto aquele dinamismo em nenhum lugar do mundo. Aquele potencial do passado e a intenção de retornar ainda mais forte no futuro me encantaram.” Esse deslumbramento só aumentou ao longo dos anos: Carlos Tavares escreveu 8 livros e mais de 500 artigos que tratam de temas relacionados com a China.


José Geraldo oliveira

Hailing Wang

Thaís reis

“O povo brasileiro não se resume ao futebol e carnaval.” Seguindo essa filosofia, Hailing Wang transmite um outro olhar sobre o Brasil ao público oriental. Nascida na China, trabalha em Brasília como correspondente da América do Sul no Diário do Povo, principal jornal chinês e um dos maiores do mundo. Simpática e atenciosa, procura junto aos contatos brasileiros aprender o português para aperfeiçoar seu trabalho, além de compartilhar suas experiências como cidadã chinesa. E Hailing confessa: “mesmo jovem, posso encontrar um mundo novo e diferente, em que a promoção de eventos seja benéfica para as relações sino-brasileiras”. Haling se dedica à preservação do meio ambiente, o que a fez produzir matérias sobre a Amazônia. Durante o Fórum, preocupou-se também em analisar o cenário inverso, discutindo a forma como os brasileiros veem a China. Ao fim de seu discurso, revelou quais instrumentos utiliza para essa missão: “meus olhos para ouvir, caneta para escrever e coração para sentir”.

Vladimir Milton Pomar “Me sinto cada vez mais aprendiz quando o assunto é China”, admite Vladimir Milton Pomar, que trabalha com o país há 16 anos. Geógrafo de formação, Pomar, além de editar a revista Negócios com o Brasil, que é publicada em chinês, atrai e incentiva investimentos, relações institucionais, empresariais e governamentais sinobrasileiras. Sua experiência também se dá a partir de visitas – que ele organiza e acompanha – de comitivas à China. Para ele, o maior empecilho na relação entre China e Brasil é o preconceito do segundo com o primeiro. A forma sensacionalista com que a mídia brasileira ressalta pontos

exóticos da cultura chinesa é um dos fatores que reforça o preconceito e atrasa as relações entre os dois países, garante ele. “Os veículos de comunicação do Brasil pegam uma coisa pontual e generalizam, como se aquilo acontecesse em toda a sociedade chinesa. A China é um país imenso, não podemos expor certos fenômenos como se fossem coisas cotidianas”, explica. O aumento na troca de informações é o que, de acordo com Pomar, fez o comércio entre Brasil e China se elevar numa média anual de 40% na última década: “A aproximação e a convivência são essenciais para estreitar os laços entre Brasil e China”.

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CULTURA

Diplomacia

à mostra

A exposição Seis Séculos de Pintura Chinesa e a Embaixada da China no Brasil, importantes canais de acesso ao gigante asiático, colocam em evidência componentes essenciais da cultura oriental Por Luíza Fazio e Patrícia Homsi

D

cultural daquele país durante as antigas dinastias e os tempos modernos. A exposição Seis Séculos de Pintura Chinesa trouxe pela primeira vez ao Brasil cerca de 120 obras da coleção do Museu Cernuschi, de Paris. “Toda pintura do acervo é, de

Fu Baoshi

e maio a agosto desse ano, a Pinacoteca de São Paulo voltou-se ao Oriente. Enormes painéis e leques tradicionais ilustravam as flores, os pássaros e as crenças religiosas da China, manifestando a experiência artística e

alguma maneira, uma representação da cultura chinesa”, explica Eric Lefebvre, o curador da mostra. “As paisagens são um exemplo da relação da China antiga com a natureza, e as pinturas de figuras humanas possuem cunho religioso, com ilustrações de taoistas imortais vivendo em montanhas e santos budistas.” Realizada com tinta nanquim sobre papel ou seda, a pintura chinesa era acessível apenas aos habitantes da Cidade Proibida, residência dos imperadores, suas famílias e seus súditos. “A população só teria acesso à sua arte em 1920, o que foi uma pequena revolução na época”, conta Lefebvre.

Chinês de Mogi

Zhang Daqian, o “Picasso chinês”, produziu obras modernas e pessoais

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Na mostra, destacaram-se as pinturas de Zhang Daqian, um dos artistas chineses mais importantes do século XX, intitulado o “Picasso chinês”. Daqian viveu em diversas cidades ao redor do mundo e desenvolveu estreita relação com o Brasil, ao morar na cidade de Mogi das Cruzes por quase vinte anos. “Suas obras possuem um estilo moderno e extremamente pessoal”, afirma o curador. “Sua estada no Brasil foi muito importante, pois seus discípulos mantêm até hoje a tradição de sua arte. Inclusive, posso afirmar que a presença de Daqian em


DIVULGAÇãO EMBAIXADA chinesa

solo brasileiro foi fundamental para a criação dessa mostra.” De maneira cronológica, a exposição exibe obras desde a Dinastia Ming (1368-1644) até o século XX, momento em que os artistas chineses tiveram influência do Ocidente, causando uma ruptura na estética de suas criações. A pintura chinesa tornou-se mais realista e passou a retratar o nu feminino. A exposição Seis Séculos de Pintura Chinesa explorou o desenvolvimento da arte do país e, principalmente, introduziu ao público brasileiro elementos essenciais da cultura oriental.

Movimento e contato Em mandarim, “waijiao” representa a palavra “diplomacia”, ou seja, “contato com o exterior”. Esta é a função da Embaixada da China no Brasil, cuja sede fica em Brasília. O embaixador, Sr. Li Jinzhang, resume a importância de seu trabalho e dos esforços de seu gabinete, nas palavras do presidente chinês, Xi Jinping: “A vida é movimento e a diplomacia é contato”. Com o objetivo de “promover um desenvolvimento contínuo e saudável da parceria amistosa sinobrasileira, fomentar os intercâmbios e cooperações substanciais em todas as áreas entre os dois países mediante diversas formas e aprofundar o conhecimento mútuo e amizade entre os dois povos”, a Embaixada da China no Brasil é um importante órgão dentro das economias de ambos os países envolvidos, devido à ativa participação nos negócios e projetos de cooperação. Através da sua Seção Econômica e Comercial, a Embaixada “aproveita os seus sites para apresentar as po-

Para Li Jinzhang, parceria entre Brasil e China deve ser contínua

líticas chinesas de cooperação econômica e comercial com o exterior, oferecendo informações referentes ao ambiente de comércio e investimentos, demanda de mercadorias, projetos de cooperação, feiras e negociações, bem como vistos consulares”, diz o embaixador. Li Jinzhang destaca entre suas principais atividades o papel de “servir de ponte para a cooperação entre os dois países nas áreas de economia, comércio, investimento e finanças e assinar, representando o governo chinês, acordos de cooperação econômica e comercial intergovernamentais”. A Embaixada tem ainda a função de possibilitar e promover a “implementação dos projetos de parceria entre empresas dos dois lados”.

De norte a sul Apesar de ficar na sede brasiliense do órgão, Li Jinzhang viaja por todos os cantos do Brasil com o intuito de aprender sobre a cultura brasileira e as melhores formas de relacionamento com seu país de origem. Segundo o embaixador, é atividade da Embai-

xada cuidar da “cooperação entre os setores culturais dos dois países”, já que os negócios entre China e Brasil necessitam de um “intercâmbio humano e cultural” que se compare ao crescimento na relação econômica entre as duas potências em ascensão. Entre os projetos chineses que pretendem aumentar a presença do gigante asiático no Brasil estão a implantação da estação central latino-americana da China Network Television (CCTV) em São Paulo, a ampliação da equipe da China Radio Internacional (CRI) e o envio de jornalistas do Diário do Povo e do Jornal Wenhui ao Brasil. Além da presença midiática nos últimos dez anos, a Embaixada estima que a população chinesa imigrante no Brasil tenha chegado a 200 mil pessoas. Citando a relação amigável com o povo chinês, o embaixador considerou a alta importância que o governo brasileiro atribui ao relacionamento dos dois países. Para Li Jinzhang, é como o provérbio chinês que diz que “os com mesma aspiração é que se dão bem”. Setembro de 2013 | Cásper

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PORTIF贸LIO 34

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Diรกrios do

Oriente

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Músico no centro de Beijing: sons que remetem aos tempos de glória

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Praça Celestial após o hasteamento da bandeira

Por Leandro Saioneti Imagens José Geraldo Oliveira

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China está entre os países que mais instigam a imaginação de historiadores, sociólogos e artistas, que, há séculos, têm tentado compreender os mistérios daquela vasta porção oriental do mundo. Marco Polo descreveu-a já no século XIII como “uma potência econômica e militar muito mais relevante do que a Europa”. Apesar das discordâncias quanto à veracidade de alguns relatos atribuídos ao aventureiro veneziano, o fato é que a China se tornou peça decisiva no jogo político internacional do século XXI. Os intercâmbios com o Brasil – outro emergente – intensificaram-se, atingindo até a literatura. Os leitores brasileiros agora têm acesso a vários escritores chineses, como Gao Xingjian (Nobel de Literatura em 2000), Ha Jin, Dai Sijie, Su Tong, Ma Jian, Jung Chang, Xinran e Yu Hua. Juntos, esses autores ainda não vendem por aqui nem um décimo dos 500 mil exemplares vendidos na China do romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, impulsionado pelo sucesso da telenovela homônima exibida lá.

Aos olhos desses autores, a República Popular da China (RPC) é uma nação que se reinventa a cada convulsão. A obra de Yu Hua, por exemplo, tece críticas fortes ao Grande Salto e à Revolução Cultural, que alteraram para sempre o cotidiano dos chineses. Por outro lado, o olhar do Ocidente sobre a China continua atravessado por etnocentrismos. Ciente disso, José Geraldo Oliveira, mineiro de Viçosa, procurou se soltar na terra de Kublai Khan. Neste ensaio, o fotojornalista mostra o que os televisores, os rádios e a internet parecem não conseguir captar: mãe e filha relacionando-se, um homem tocando seu instrumento musical, uma senhora voltando das compras... Exemplos vivos de uma China ainda vivendo o dilema de cultivar suas raízes e, ao mesmo tempo, adaptando-se ao mundo globalizado. Podemos dizer do olhar de José Geraldo algo semelhante ao que que Ítalo Calvino afirmou em As Cidades Invisíveis sobre as descrições de Marco Polo: “através de suas imagens, viajamos com o pensamento”.

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Turistas na entrada da Cidade Proibida para conhecer o passado das dinastias

“A modernidade contrasta com o passado. Uma das grandes fontes de divisas são as belezas deixadas pela época imperial. A Cidade Proibida, conjunto de palácios que foi o centro do poder por cinco séculos (1416 a 1911), é visitada por mais de 80 mil turistas por mês. Vermelhos, azuis, verdes e dourado numa combinação única”

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Mercado noturno da avenida Wang Fujing

Um momento de meditação na porta Meridiana, na Cidade Proibida

O luxo das vitrines atrai turistas e nativos

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Guarda no Mausoléu de Mao Tsé-Tung

Na província de Sichuan, dançarino se apresenta em ópera chinesa

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Cozinheiro no mercado noturno


“Em vez de encontrar uma terra de gente austera, descobri um cotidiano muito diferente do imaginário ocidental preconcebido. Surpreendi-me com a amabilidade do povo chinês. Nas ruas, respira-se vitalidade econômica. É uma sociedade em plena expansão”

Pai e filha na porta da Suprema Harmonia da Cidade Proibida

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SOCIEDADE

MANIFESTAÇÕES DO

CONCRETO Os coletivos urbanos, grupos engajados em causas sociais específicas, contam cada vez mais com os aplicativos da era digital para tentar “melhorar o mundo” Por Gabriela Boccaccio

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alçadas esburacadas, falta de infraestrutura, pedestres e ciclistas desrespeitados e espaços abandonados são sintomas visíveis de uma cidade doente. É nesse contexto de “enfermidade” que surgem os coletivos urbanos, grupos de pessoas lutando por causas que envolvem o cotidiano das cidades e as relações interpessoais. Com o intuito de representar alguns desejos da população, os coletivos agem nos pontos nevrálgicos de carência. A ascensão dos coletivos pode ser explicada por uma das leis de Newton que diz que só existe movimento quando há desequilíbrio - os movimentos sociais em geral surgem como reação às desigualdades e distorções. As atuações dos coletivos podem adquirir formatos diversos: uma festa, um passeio de bicicleta ou um portal na web. Todas as formas de ação são válidas para denunciar ou mesmo solucionar um problema concreto.

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Para interferir nas carências, os coletivos contam agora com uma grande aliada: a internet, que facilitou o modo de divulgação das ideias. O diretor do Laboratório de Cultura Digital, Claudio Prado, acredita que “divulgação é apenas um detalhe”: “A internet adubou a reflexão, isto sim; e ela é, avassaladoramente, a única coisa universal que existe hoje em dia”. Segundo Claudio, rua e internet estão convergindo: “A rua da reflexão e do pensamento é hoje a internet, onde as pessoas se encontram e podem discutir”. As redes e espaços virtuais permitem que o exercício da cidadania esteja facilmente acessível para um maior número de pessoas, independentemente da situação econômica, social ou cultural que cada um possua: “A internet obriga todas as instituições de comunicação a se reinventarem; e não só elas. Todos, na verdade, têm de se reinventar”.

Ponto sem referência A propaganda do próximo filme que entrará em cartaz está afixada nos recém-reformados pontos de ônibus de São Paulo, mas a dúvida permanece: afinal, quais ônibus passam aqui? E a que horas? Com um pouco de sorte, você consegue encontrar um adesivo rosa choque intitulado “Que Ônibus Passa Aqui?”. A ideia desses adesivos, que orientam os usuários do transporte público, foi do coletivo Shoot The Shit, de Porto Alegre. Luciano Braga e Gabriel Gomes, fundadores do coletivo, afirmam que o Facebook é uma ferramenta importante, mas não negam que sua rede de contatos pessoais também tem ajudado muito. “Se fizessemos a mesma coisa 15 anos atrás, ninguém ia saber. Não teríamos o alcance que temos hoje. O Facebook exerce papel de mídia, sim, mas foi graças aos contatos do Gabriel que pudemos chegar até o México, onde ele tinha


GABRIELA BOCCACCIO

O coletivo Casa Fora do Eixo abriga diversas iniciativas culturais, como o grafiti e outras expressões artísticas

um conhecido que retwittou a notícia”, conta Luciano. Um dos principais focos do Shoot The Shit é usar a cidade como plataforma para criar projetos que possam inspirar as pessoas a cuidar melhor dos lugares onde moram. Estimulando a criatividade e incentivando um olhar atento sobre os problemas urbanos, o Shoot the Shit atingiu pessoas por todo o país e criou uma solução para os que se perguntam diariamente quais ônibus passam– e param – num determinado ponto.

Mobilidade alternativa Bicicletas e caminhadas são alternativas para escapar do trânsito. Oficina de bicicleta, bar e área de trabalho se unem em um mesmo espaço para incentivar formas alternativas de mobilidade urbana. O Bar e Bicicletaria Las Magrelas e a oficina de co-working oGangorra, por exemplo, ocupam uma pequena casa no bairro paulis-

tano da Vila Madalena. “A casa é um concentrador de iniciativas que têm a ver com qualidade de vida e como mobilidade. Alguém um dia me falou que esse espaço parece uma rede social física”, brinca Aline Cavalcante, fundadora do oGangorra e colaboradora do Bike Anjo, coletivo no qual ciclistas experientes auxiliam iniciantes a escolher, comprar e usar bicicletas nas cidades brasileiras. Presente no país todo e até em terras estrangeiras, a internet ajudou a modernizar o processo para qualificar um Bike Anjo. O site nasceu em 2011, mas a ação é mais antiga. “Quando o sistema de busca era manual, nós atendíamos no máximo 200 pessoas por mês. Com o sistema online pronto, passamos a atender cerca de 400 pessoas por semana”, orgulha-se Aline. O oGangorra se aproveitou do fato de a bicicleta permitir diversas iniciativas dentro de uma mesma causa e agregou coletivos que explo-

ram as várias utilidades desse meio de transporte. Para Aline, a paixão e a noção de coletividade animou a execução dos projetos. Ela acredita que, quando as pessoas têm tempo para questionar e lutar pelas coisas, as causas ganham em qualidade: “Há uma sensação geral de que temos que trabalhar conjuntamente. As pessoas estão entendendo que não é mais o individual que conta”. Se a ideia de pedalar soa assustadora para muitos cidadãos acuados pelo trânsito insano, há sempre a alternativa de andar a pé. O coletivo SampaPé também tem seu espaço em oGangorra, mas com uma causa voltada para a “caminhabilidade” (“walkability”). Edson Silva, fundador do SampaPé, explica o conceito: “Quanto menos você precisar andar para ter acesso àquilo de que você necessita no seu dia-a-dia, mais saudável a cidade fica”. O SampaPé surgiu como um Setembro de 2013 | Cásper

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GABrIELA BOCCACCIO

Aline (oGangorra) e Edson (SampaPé) investem em causas ligadas à mobilidade urbana

núcleo de discussão da mobilidade urbana, que vai muito além da questão do pedestre. Ativos nas reuniões sobre o Plano Diretor e a reforma do código de trânsito, o SampaPé criou a webTV SampaPéTV. “Como nós participamos dos congressos em nível nacional, criamos um canal de transmissão ao vivo para as pessoas que não conseguem ir às reuniões”, detalha Edson. Além das reuniões, programas foram organizados para colocar em pauta algumas questões relevantes. O deputado estadual Luiz Claudio Marcolino, por exemplo, foi convidado para debater a possibilidade de um transporte público 24 horas em São Paulo. “Ele trouxe dados técnicos e apontou informações alarmantes, como a de que existe verba sobrando no metrô e esse capital não está sendo utilizado”, lembra Edson. Outro projeto do SampaPé é o Desembucha, em que os cidadãos 44

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denunciam problemas com as calçadas – dos buracos à falta de iluminação. Basta o cidadão enviar uma foto e o endereço exato do local. As denúncias são encaminhadas para as respectivas subprefeituras.

Saneamento na cabeça São Paulo oculta muitas coisas, inclusive rios. Há mais de 4.000 quilômetros de córregos esquecidos sob as calçadas. Pensando nisso, José Bueno e Luiz de Campos Jr. criaram o Rios e Ruas, coletivo que realiza expedições educativas pelos rios e córregos paulistanos. “Não existe rio sujo. Sujo é o esgoto que cai no rio. E a sujeira é nossa. Então, a gente faz esse trabalho de limpeza dentro da caixa craniana das pessoas”, brinca José Bueno. As expedições, batizadas de “Piratas de Rios e Ruas”, pretendem abranger dez rios e dez grafites (os desenhos são para deixar a marca

dos piratas nos locais). Os dez passeios beneficiariam 500 pessoas, principalmente crianças acompanhadas por seus pais. O financiamento de projetos criados por coletivos urbanos também passa pela internet, em que há plataformas para auxiliar na captação de recursos. O Click Sustentabilidade, por exemplo, faz a ponte entre ofertas sustentáveis e potenciais patrocinadores. O método é simples: ao cadastrar seu projeto no site, você dá um click para mostrar interesse, e quanto mais clicks, maior é a visibilidade e melhores as chances de conseguir financiar a iniciativa. “O que queremos como coletivo é achar um meio de poder oferecer experiências gratuitas para as pessoas, mas sempre com alguém segurando a onda”, explica José Bueno. “Imagine um ovo: a gema representa as joias da cidade. Mas elas não se seguram sozinhas. Elas precisam da


“A rua da reflexão e do pensamento é hoje a internet, onde as pessoas se encontram e podem discutir” clara para se manter e se proteger de forma constante e segura.”

Descarregando o peso

e interaja com o artista e o produtor, comprando o produto dos artistas ou fazendo doações”. Segundo Ynaiã, a internet é essencial para melhorar a qualidade do som e qualificar os músicos: “A internet fez com que os artistas se mobilizassem. Essa é a grande coisa da arte: a capacidade do artista de emocionar as pessoas”. Através da arte ou das ruas, o fato é que os coletivos tentam mudar o mundo pela atuação em questões pontuais e vitais. MANOEL PETRY

Espaços abandonados podem ganhar vida com performances e psicodelia. A Voodoohop nasceu no centro de São Paulo e trouxe novas experiências para a noite paulistana, brasileira e internacional. “O nome vem do vodu africano, que resulta em danças intensas. A ideia é você descarregar tudo de pesado que você tiver”, explica Pita Uchoa, responsável pela produção executiva das festas. Lugares ociosos são ocupados temporariamente para se transformarem em palco de uma festa da qual o público se sente dono. Um público sem definições numa festa onde a espontaneidade e a distorção são sempre bem recebidas. O próprio site da Voodoohop disponibiliza um chat para que os internautas conversem entre si sobre assuntos ligados às festas. Na página do Facebook, quando a postagem de um seguidor acumula mais de vinte likes, ele é replicado pela própria Voodoo. Thomas Haferlach, fundador da festa, usou seu conhecimento como programador para ajudar na divulgação e agora para renovar o site. Pita explica: “Estamos tentando fugir da plataforma Facebook. Queremos que nosso site seja um portal de referência, a fim de expandir o conteúdo que postamos nas redes sociais”.

rede de relacionamento. O produtor disponibiliza as vagas para um festival e as bandas se inscrevem”, explica Ynaiã Bethroldo, um dos responsáveis pela iniciativa. O portal hospeda cerca de 50 mil bandas e 3 mil produtores, com 23 mil acessos por semana, em média. Shows e festivais são as áreas de interesse de ambas as partes. Abrigado no Fora do Eixo, o site Toque no Brasil pretende mudar sua estrutura e “fazer com que o público participe

Arte sem eixos Uma imensa casa no bairro da Liberdade, repleta de grafites, abriga cerca de vinte pessoas, assim como a sede do coletivo Casa Fora do Eixo, que assumiu a gestão do Toque no Brasil, um site no qual produtores e músicos possuem um perfil e se comunicam entre si sem intermediários. “É uma

A ação “Que Ônibus Passa Aqui?” facilita a vida de usuários do transporte público

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COMUNICAÇãO

as vozes

Por Lucrecia D’Alessio Ferrara

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stive anos atrás na Faculdade Cásper Líbero para participar de uma discussão. Esta tratava das características que constituem a Comunicação como uma área do saber. Creio que não se chegou a um acordo até hoje, e agora estou aqui novamente para trocar algumas ideias sobre outras de minhas preocupações e temas que me interessam. Elas estão voltadas para a questão da relação empírica na Comunicação e a cidade como um de seus objetos. Considero que hoje não é possível estudar Comunicação fora de uma determinada situação empírica. O tema que nos reúne agora, a cidade como objeto empírico da Comunicação, nos apresenta vários desafios, e reflito sobre eles, onde estão e quais são a sua natureza efetiva. Tanto do ponto de vista do urbano como do 46

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ponto de vista da Comunicação. São duas áreas que fazem parte de um mesmo ramo, o das Ciências Sociais aplicadas. Porém, que se entreveem muitas vezes de um modo esquizofrênico. Ou seja, quando vou a uma escola de Arquitetura falar de Comunicação me dizem “Você não é arquiteta”, e não sou mesmo. No âmbito de cá, quando falo de Comunicação, dizem que não sou comunicóloga de fato. E não sou mesmo. Não me faz a menor diferença. O confronto da cidade como objeto empírico desafia tanto a Arquitetura quanto a Comunicação. O título que dei provisoriamente para o tópico sobre o qual irei falar é “A cidade como objeto empírico da Comunicação”. Mas coloquei um subtítulo: “cidade além da imagem”. A cidade apresenta algumas cenas que

muitas vezes não são conhecidas: aldeia, cidade, praça, avenida, metrópole, megalópole, aldeia global. Há também alguns atores: artista, operário, mendigo, flâneur, empresário, pesquisador, ativista, cibernauta. Todas são personagens da cidade. Ela apresenta ainda algumas ações: a concentração populacional no espaço urbano, a industrialização, a metropolização, a globalização, a cooperação, a comunicação, a utopia. São ações e valores que identificam a valorização e as mídias da cidade. No seu âmbito confundem-se as cenas, as personagens e as ações. Em alguns momentos, somamos umas às outras sem perceber que existem entre elas algumas diferenças. O cenário da cidade não se confunde com sua dimensão exclusivamente urbana. Uma coisa é falar do


da cidade Mariana Oliveira

Para vivenciar as linguagens de uma urbe global é preciso interação permanente

urbano, outra é falar da cidade. O urbano e o urbanismo são passíveis de planejamento, a cidade é o território da vida. Esse cenário é útil para exemplificar um elemento retomado pela lógica da linguagem e pela teoria da comunicação. Trata-se da cumplicidade que se estabelece entre signos, veículos e os significados receptores e emissores, meios, mediações em que se processam de modo distinto em muitos textos da cultura. Já devem ter reparado que do conjunto estabelecido omiti propositalmente a palavra interação. Por quê? Por entender que, nos dias de hoje, trabalhar com o conceito de interação, que se distingue da idêia de mediação, exige uma nova epistemologia na ârea da Comunicação. Por que efetivamente a interação estabelece um outro nîvel de dimensão.

Fruição versus diálogo A história da imagem da cidade se desenvolve em consonância com os passos de sua transformação. Vai da dimensão cosmopolita que surge no século XIX, se desenvolve na metrópole, que ampara a expansão industrial e o adensamento populacional para atingir a megalópole da atualidade, marcada pela comunicação em rede. Nessa transformação, surpreendem-se várias narrativas midiáticas produzidas por dispositivos arquitetônicos construtivos, planificados ou não, fotográficos e digitais que exigem ser comparativa e empiricamente estudadas. Só assim se torna possível analisar as narrativas produzidas pelo sistema da cidade que ordena e organiza o urbano e faz imaginar a cidade como um espaço vivido. Por outro lado, vivenciar a

imagem da cidade implica estar em interação com ela. Essa cidade com a qual estamos tactilmente envolvidos é o espaço vivido nas suas diferenças de valor, experiência, atuação, comportamentos que transitam pelo fluxo de todas as suas modalidades – no caso do mundo ocidental, desde a cidade grega até hoje. Considerando as bases da cidade movida por elementos que são fixos, como o plano urbano, e por fluxos da vida em seu espaço, comparamse as observações que o imaginário desenvolve em confronto com o plano urbano (e suas consequências metodológicas) e o estudo das relações comunicativas de possíveis atuações inspiradas por aquelas formas dinâmicas de se comportar na cidade. Nessa vida da cidade se confrontam de um lado o plano urbano como Setembro de 2013 | Cásper

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“A história da imagem da cidade se desenvolve em consonância com os passos de sua transformação” constrói nos planos, ultrapassando o caráter persuasivo de uma imagem comercial, de uma cidade hiperindustrial, como São Paulo, para atingir a cidade contemporânea que é de difícil distinção visual. Pois, enquanto imagem midiática, ela se mimetiza globalmente. Todas as cidades do mundo hoje se parecem. Porém, quanto pode ser rica em novas informações a interação entre a urbe e seu usuário? Se todas as cidades hoje se parecem midiaticamente, é possível que ela apresente alguns outros elementos que são ricos para uma epistemologia da comunicação. Nas características da imagem da cidade estabelece-se concretamente uma história da cultura ocidental.

Pelo percorrer de suas etapas podemos entender o modo como a imagem se articula no espaço. Na realidade, o primeiro grande interlocutor da imagem da urbe é seu próprio espaço e sua construção. Basta lembrar a perspectiva renascentista: a arquitetura dos palácios daquele período se construiu na ortogonalidade dos artistas projetando as linhas retas das grandes janelas horizontais. Essa linhas estão presentes, por exemplo, no palácio da embaixada do Brasil na Piazza Navonna, em Roma: uma corrente horizontal de janelas cortada exatamente ao meio, marcando o eixo da ortogonalidade do edifício. Efetivamente aquele espaço é construído pela composição geométrica.

vitor leite

um sistema de ordem; do outro, a natureza mediativa, diretamente vinculada à funcionalidade da urbe; e as atuações imaginárias que dela brotam como espaço vivido, e que são espontâneas, não programadas. É possível que nos surpreendamos diante da cidade – e a medida dessa surpresa está exatamente na proporção da vida que desenvolvemos em seu âmbito. Da cidade em que se conectam personagens, ações e valores nasce uma metamorfose encontrada nas manifestações de construção de sua imagem, sem dúvida poderosa, e se manifesta através de uma visualidade construída. Vale dizer: a cidade se faz por meio da Arquitetura, se

As relações entre interação, imagem e cidade foram discutidas na palestra “Imagem e cidade”

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vitor leite

A Arquitetura que se soma àquela ortogonalidade desenha a cidade como se fosse uma grande linha horizontal. O primeiro interlocutor da imagem da cidade é o próprio espaço em que ela se apoia e se constrói – e em que ela destrói e encontra sua própria arqueologia. Não a arqueologia no sentido de ir em busca da origem dessa imagem, mas de perceber como na imagem da cidade estão marcados e assinalados os rastros de imagens que se destruíram. Os rastros e as marcas do que foi e não é mais. Se passarmos pela Avenida Paulista, veremos que em determinado momento há a fratura de um antigo palacete de um “barão do café”, ainda não demolido e que faz parte da cena. Aquele casarão não derrubado é parte da imagem da avenida hoje. Não lemos a imagem da cidade uma a uma – e ela não pode ser lida na sua homogeneidade, mas em sua heterogeneidade. Essas imagens porém se conectam e se articulam, e dessas articulações surge uma imagem muito mais ampla, mais extensa, marcada pela visão da cidade que é a imagem do que foi e talvez do que será. Aquele casarão da Avenida Paulista, ainda não demolido por causa de uma pendência judicial, é um rastro da Paulista que foi. É uma advertência sobre o que acontecerá com esta via daqui a vinte anos.

Verticalização, signo de poder Proponho pensar a cultura construída pela imagem da cidade ao lado da ação que encontra sua matriz imperativa e outras sugestões investigativas além dessa própria imagem, e que dá origem aos processos interativos. Ler a cidade supõe apreender a

cultura e passar da imagem da metrópole que se apresenta como simples fruição de leitura para aquela outra dimensão, que se oferece à aderência, na perspectiva de uma conexão tátil. Nervosa e sanguínea, diante da visão da cidade não é possível ficar em posição de fruição. Por isso não há a possibilidade de uma imagem da cidade como um museu no qual vamos fruir de uma obra de arte. Não é possível estar diante da imagem da cidade se a entendermos como um organismo vivo, tátil, nervoso, que nos abraça e envolve fisicamente. Ela faz com que tenhamos uma ação aderente a ela mesma. Não é possível ser um cidadão e ter, do outro lado, a cidade. Ou somos cidadãos de uma cidade ou não somos. Parte-se da imagem da cidade para atingir uma dimensão que é apenas possível, mas nem por isso menos concreta. Partese da imagem para atingir a transformação quando ela se constituir referência do uso da urbe como palco de vida. Parte-se da cidade mediativa para atingir a sua força interativa.

Formada em Letras Neolatinas e doutora em Literatura Brasileira pela PUC-SP, livre-docente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, atualmente Lucrecia D’Alessio Ferrara faz parte do programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP, liderando o Grupo de Pesquisa Espaço-Visualidade/ComunicaçãoCultura. É autora dos livros Um Olhar Periférico, A Estratégia dos Signo, O Texto Estranho e Os Nomes da Comunicação, entre outros. Esse texto é a transcrição da palestra proferida pela professora ao Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura Visual da Cásper no dia 18 de junho deste ano. Pela transcrição: Gabriela Boccaccio, Thaís Helena Reis, Leandro Saioneti, Elisabete Batista e Carlos Costa.

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TECNOLOGIA

Mostra Play! homenageou games clássicos como PacMan e Space Invaders, projetando-os na fachada do prédio da FIESP na avenida Paulista

ton ver si-e /se

divulgação

sp /fie ro ama


arte &

games

Os jogos digitais, que cada vez mais fundem o real com o imaginário, conquistam museus e acendem discussões em torno de seu possível status no universo da criação Por Leandro Saioneti

“U

ma obra de arte é a reação de uma pessoa à vida. Qualquer definição que roubá-la dessa resposta interior do criador humano é inútil.” Palavras de Jonathan Jones, blogueiro do jornal britânico The Guardian, no artigo “Desculpe MoMA, videogames não são arte”. O texto de Jones é uma crítica ao anúncio do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque no fim do ano passado sobre a criação de uma ala fixa em seu espaço para a exposição de games clássicos como Pac-Man, Space Invaders e Minecraft. Jones argumenta que “games não possuem uma visão pessoal de mundo, enquanto as obras de arte se baseiam na perspectiva pessoal do artista”. O episódio gerou discussão mundial a respeito da inclusão dos games no rol da Arte. Então, games são ou não são Arte (ou arte)? Uma resposta definitiva talvez leve anos

para surgir, ou até mesmo nunca surja, já que a própria definição de arte é complexa e controversa. Porém, a aproximação entre a arte e os games – sem que isto implique necessariamente na elaboração de classificações – é o que tem guiado os especialistas no assunto. E os jogos digitais – utilizados em consoles, computadores, tablets, celulares e outros aparelhos portáteis – passaram a ser vistos pelo ângulo da chamada art game, que leva em consideração tanto o conteúdo dos games quanto a sua visualização em exposições e festivais. Luis Mauro Sá Martino, professor do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, concorda que alguns games possam ter um viés artístico, “desde que não nos esqueçamos de que eles fazem parte de uma indústria. Se nós entendemos que a produção artística está vinculada à produção humana, eu não veria pro-

blema em encarar os jogos digitais como arte, mas os considerando na excelência do trabalho”.

Voltando no tempo A história dos jogos digitais começa em 1952, com a criação de OXO, game eletrônico baseado no tradicional “jogo da velha”, desenvolvido pelo estudante britânico Alexander S. Douglas para ilustrar sua tese de doutorado sobre interação humana com computadores defendida na Universidade de Cambridge. Naquela época, o complexo programa, com seus gráficos robustos, não tinha pretensão de ser obra para entretenimento (o que só veio a ocorrer seis anos depois, com o jogo Tennis for Two) e muito menos de ser considerado arte. “Os jogos foram ganhando esse aspecto ‘artístico’ no decorrer dos anos. Quando foram idealizados, nos anos 1950, não havia uma concepção Setembro de 2013 | Cásper

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Leandro saioneti

“Podemos relacionar arte com interação, assumindo que essa é uma das bases de um game”

Bruno Micalli, do site Baixaki Jogos, chama atenção para os conteúdos marcantes

sobre o que aquilo poderia vir a ser. Quando passaram a operar com base em percepções sobre a realidade, eles foram entrando pouco a pouco na dinâmica artística”, explica Bruno Micalli, redator do site Baixaki Jogos. Sua opinião é semelhante à de Flávia Gasi, especialista em games do portal Omelete. Flávia compara a evolução dos jogos eletrônicos com o processo pelo qual passou a “sétima arte”. “Quando o cinema nasceu, ele não era considerado arte. Para muitos, o cinema era apenas um truque de mágica, uma revolução tecnológica. Você ia assistir pela novidade. Acho que sempre é necessário um tempo até alguma coisa poder ser vista como arte.” De peça de entretenimento a ferramenta de comunicação, o fato é que os jogos agora se referenciam na art game, conceito aplicado para definir a relação entre o jogo digital e a sua forma, não importando se o 52

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game é um clássico ou um lançamento no mercado. Mas essa definição, segundo Flávia, ainda não está disseminada. “Ainda é uma coisa muito recente. E não está claro para todo mundo, até porque não está claro nem para nós mesmos [estudiosos]”, observa. “É um cenário a desbravar.” Para o professor Sá Martino, as pessoas se relacionam com os games de várias maneiras. “Mas, no momento em que há uma elevação do jogo digital ao patamar de exibição nos circuitos artísticos, a possibilidade de reconhecimento do game como algo que extrapola o simples entretenimento fica mais elevada também.” O grande público está conhecendo a art game pouco a pouco, mas o mercado já a vê com bons olhos, prevendo lucros no futuro.

Arte independente As empresas Sony, Nintendo e Microsoft dominam o mercado de

videogames com seus poderosos consoles e amplo leque de jogos para um público composto por diferentes gêneros e idades. A grande maioria dos títulos, amparados por poderosos processadores, possuem gráficos que cada vez mais se assemelham à realidade. E, quando se fala em viés artístico, o aspecto visual é o primeiro a ser destacado. Mas não o único, como explica Bruno Micalli: “Ainda podemos citar o roteiro, por exemplo, que em sua maioria possui embasamento histórico e visão de mundo. O game em si pode ter uma essência melhor, uma atmosfera bem trabalhada, em detrimento do visual estabelecido”. Bruno cita Limbo e Journey como games que vão além dos belos gráficos e se inserem de forma direta no conceito de art game. Coincidência ou não, os jogos destacados são rotulados como indie – obras produzidas por equipes independentes, que não contam com apoio financeiro de grandes empresas. E quando o assunto é game e arte, esse cenário ganha força. “Acho que esses games possuem uma narrativa bem rica e oferecem experiências fortes, atendendo ao nicho. Estão conseguindo reproduzir um modelo no qual o conteúdo seja marcante para o jogador”, explica


Divulgação swordtales ilustração Thaís Helena reis

Alessandro Martinello, diretor de arte do estúdio Swordtales, empresa que está desenvolvendo o game Toren, primeiro jogo a receber subsídios da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Segundo Alessandro, o mercado está ansioso por jogos assim, mas as grandes empresas se recusam a ir por esse caminho por medo de errar: “O público que experimenta games tende a ser muito crítico”. Quanto a isso, Bruno é mais otimista: “Os games indie estão tendo espaço na Sony e o mesmo vai ocorrer na Nintendo em breve. Faltará somente a Microsoft, que normalmente é mais fechada a essa vertente”.

Aperte o play O MoMA não é o único espaço privilegiado onde os games são objeto de exposição. Muitas cidades, entre elas São Paulo, realizam eventos que destacam o art game em seu sentido mais amplo. O Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (file), por exemplo, ocorrido na capital paulista, realizou nos últimos anos expo-

sições que contemplaram jogos para tablets. Já os games clássicos, puderam ser vistos em eventos, como a exposição Game On. Agora, imagine transformar as paredes de um prédio em um gigantesco fliperama. Foi o que ocorreu na galeria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que hospedou a mostra Play!. O evento

O game Toren (acima) é o primeiro jogo nacional a ganhar subsídios da Lei de Incentivo à Cultura. Já Limbo e Journey (representados na ilustração) ganharam destaque no meio indie devido ao visual diferenciado

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da metrópole e ao universo da art game”, detalha Marília. Bruno Micalli acredita que as exposições de game são válidas por sua capacidade de atrair um público maior, que não intitula os games como x ou y e tem uma visão diferente do nicho estabelecido. “Além disso”, pondera Bruno, “mostra um pouco da arte digital do mundo e a própria história dos games”. O professor Sá Martino se baseia no conceito de “novo” para apoiar a exposição desses jogos para vários tipos de público: “Nos circuitos de arte de vanguarda é normal haver transgressão. Já expomos outros tipos de material, então vamos expor games”. Essa opinião vai de encontro à visão de Flávia Gasi em relação à possibilidade de interação dos games. “Videogame não é videogame, caso não seja jogado. E também acho

Everton ballardin

levou uma atmosfera de nostalgia aos transeuntes da avenida Paulista. Os visitantes jogavam em telas convencionais enquanto o progresso do jogo era projetado na fachada do prédio através de luzes de LED. “O videogame surgiu pela programação e o uso cada vez mais exigente dos recursos tecnológicos e dos desafios lógicos. O conceito de art game tem a capacidade de impulsionar a condição cultural e a perspectiva dos nossos espaços públicos”, diz Marília Pasculli, uma das curadoras da mostra. O evento reuniu pessoas de diferentes idades que simplesmente iam para quebrar os próprios recordes. “O projeto foi pensado para a fruição do público, para que ele experimentasse um momento de arte participativa em relação ao ambiente

Exposição Game On: o público pôde interagir de diferentes formas com os jogos

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que ele não é uma peça para ficar em uma redoma de vidro”, diz ela.

Fim ou game over Antes de assumir uma relação com qualquer outro viés, os games possuem como principal função a interação com o jogador, tendo como resultado um processo de imersão. Bruno explica que arte tem a ver com diálogo a partir da premissa da realidade: “Podemos relacionar arte com interação, assumindo que esta é uma das bases de um game. A interação se junta ao roteiro e ao visual”. Flávia Glasi, por sua vez, analisa o cenário através da transformação da imagem: “O filósofo Peter Vabel diz que a imagem passa por mudanças. Havia a fotografia, depois a imagem em movimento. Nesse processo todo chegamos a uma imagem indexal, que pode ser o videogame. A pessoa em contato com essa cena não fica alheia e fora da percepção da imagem”. Processos, etapas, evolução. O conceito de art game é discutível entre os próprios analistas e jogadores. Se a atualidade das relações entre arte e jogos digitais é de certa forma misteriosa, o que dizer do futuro? Alessandro Micalli tem um palpite: “O fenômeno só tende a crescer, pois o público devoto está aumentando e cada vez mais as pessoas buscam experiências diferenciadas, voltadas ao campo da arte, da interação e da narrativa”. Marina Pasculli, por sua vez, diz estar na expectativa de novas experimentações e surpresas: “A evolução e os caminhos da art game têm sido extremamente interessantes”. A discussão sobre games e arte continua através de muitas perguntas e poucas respostas. Mas o tema atrai desde os jogadores de fim de semana até os profissionais. Produtos que conseguem confundir o real com o imaginário e criar narrativas bem elaboradas são os que mais despertam a atenção. Em meio às indefinições, uma certeza: está apenas começando o processo de evolução desse complexo jogo em que um toque errado no botão é a diferença entre “chegar ao final” e o “game over”.


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TELEVISÃO

programação

séries

em

Com a aprovação da Lei da TV Paga, a produção de séries nacionais vem crescendo em ritmo acelerado, apesar dos obstáculos à consolidação de um modelo de negócio Por Isabela Moreira e Patrícia Homsi

C

lose no rosto de uma mulher. Lágrimas misturadas com rímel caem de seus olhos. A câmera se distancia e mostra um plano geral da sala. A dona das lágrimas está sentada num sofá. Seu terapeuta, numa poltrona à frente. Ele empurra uma caixa de lenços de papel em sua direção. Ela aceita. Tal cena foi veiculada em diversas versões, em cerca de 15 países, inclusive no Brasil. Sessão de Terapia é a adaptação nacional da série israelense Be Tipul - mais conhecida em sua montagem americana, In Treatment, exibida pela HBO. A versão, dirigida por Selton Mello e exibida pelo canal por assinatura GNT, faz parte do novo cenário que toma conta da televisão brasileira, marcada pelo aumento de séries produzidas no país, em parte por influência da lei 12.485/2011, a Lei da TV Paga. Fernando Meirelles, cineasta e dono da produtora O2, acha que o mercado de séries “está finalmente nascendo” no Brasil.

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A quantidade de novas produções aumenta consideravelmente - embora os orçamentos continuem baixos, se comparados com os das séries norte-americanas e britânicas - e está cada vez mais difícil formar equipes para os projetos audiovisuais. Além disso, as séries brasileiras ainda não encontraram seu “modelo-base”, o que dificulta tanto o aperfeiçoamento quanto a conquista do público acostumado às novelas.

Made in Brasil Aprovada em 2011, a Lei da TV paga prevê o mínimo de 3 horas e meia de conteúdo nacional por semana nos canais por assinatura. A lei surgiu de uma parceria entre o governo federal e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e pretende aumentar a produção audiovisual no Brasil além de restringir a concorrência da produção estrangeira. De olho nisso, os canais da televisão por assinatura iniciaram uma

corrida em busca de programas nacionais que pudessem integrar suas grades. A produtora O2 se antecipou: pediu que todos os seus colaboradores enviassem projetos. “Vieram 54. Selecionamos 31”, conta Fernando Meirelles. Entre as séries realizadas pela produtora estão Contos do Edgar, Destino SP, A verdade de Cada Um, Beleza S.A., entre outras. Cada projeto, independentemente da influência de seu idealizador, trabalha com uma lógica diferente: há casos em que a produtora encomenda a série aos roteiristas e banca os custos; outros em que o canal de televisão, por intermédio das produtoras, solicita a criação de um roteiro baseado em ideias da própria emissora. Em situações mais raras, o próprio roteirista se relaciona diretamente com o investidor por meio de processos seletivos e concursos. Os interesses e o perfil do mercado são levados em consideração, por exemplo, no Fundo Setorial do


bossa nova films/Jorge Bispo

Cláudia Mello, Denise Fraga, Manoela Aliperti, da série 3 Teresas: o projeto de Luiz Villaça correspondeu ao perfil do canal GNT

Audiovisual (FSA), patrocinado pela ANCINE. Criado em 2006, o Fundo pode patrocinar todas as etapas de um projeto - produção, distribuição, comercialização e infraestrutura. O Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (PRODAV), modalidade do Fundo Setorial voltada à televisão, as leis de incentivo por renúncia fiscal e os editais de canais são as formas mais frequentes de concretização de um projeto de série. Segundo Sabina Anzuategui, roteirista da série Alice e professora de Roteiro da Faculdade Cásper Líbero, acontece também de algumas produtoras “colocarem o próprio dinheiro [no projeto] para criar um portfólio”. O orçamento de Alice veio de incentivos governamentais e do canal HBO, por meio de renúncia fiscal. O contato com a produtora Gulani foi feito pela emissora, que já possuía uma ideia em mente. “Eles queriam uma série para o público feminino e o briefing

inicial era que fosse uma coisa bem humorada e urbana”, lembra Sabina. Já a produtora Bossa Nova Films atende aos pedidos das emissoras, mas também cria projetos próprios, como o que originou a série 3 Teresas. De acordo com Margarida Ribeiro, produtora executiva da Bossa Nova Films, a série partiu do desejo de produzir um dos projetos desenvolvidos por Luiz Villaça (diretor do quadro “Retrato Falado”, do programa Fantástico). “E 3 Teresas foi escolhido como o mais adequado para o GNT”, diz Margarida. A produção de séries originais no Brasil ainda divide a audiência com adaptações de modelos já consolidados no mercado. A Menina Sem Qualidades, série da MTV Brasil dirigida por Felipe Hirsch, tem origem na literatura; Olívias Na TV, do Multishow, surgiu de uma peça teatral; Se Eu Fosse Você, filme de Daniel Filho, será adaptado para a série homônima prevista para estrear em setembro, no canal Fox.

Modelo nacional Enquanto as séries brasileiras se apoiam em adaptações para a televisão, as britânicas e as norte-americanas fazem estrondoso sucesso no Brasil. Esse sucesso pode ser explicado tanto pela ousadia da narrativa de algumas dessas séries quanto pelo expertise adquirido em diversos gêneros pelas produtoras. “Os americanos conseguem fazer séries criminais com os olhos fechados. É uma fórmula que faz sucesso com o público”, afirma Teodoro Poppovic, roteirista da série brasileira Destino SP, exibida pela HBO. “Mas temos que considerar o fato de eles estarem produzindo há muito tempo. Aqui, ainda estamos engatinhando nesse setor. As comédias ainda são o carro chefe, mas as séries de ficção estão ficando melhores.” No Brasil, ainda não há um modelo que garanta grandes índices de audiência. De acordo com Sabina Anzuategui, os canais e as produtoSetembro de 2013 | Cásper

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Divulgação/Teodoro poppovic

Séries exibidas pela HBO, como Destino SP (foto), exigem maior qualidade técnica

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“Temos cada vez mais dificuldade para montar equipes para os projetos. Montadores e diretores de arte são os profissionais de que mais sentimos falta”

Hora do aquecimento Com a aprovação da Lei da TV paga, houve um claro aumento da produção de séries nacionais. “O mercado está muito aquecido. Há demanda em todos os segmentos: documentário, factual, reality e ficção”, afirma Margarida Ribeiro. Esse aquecimento está dando também a chance de as produções televisivas brasileiras amadurecerem. Para Fernando Meirelles, quanto mais séries, maiores são as chances de surgirem bons conteúdos. “Nestes primeiros anos da lei já apareceram muitos programas brasileiros interessantes, em sua maioria comédias de situação, na linha do boom que ocorreu no mercado

americano há 15 anos. Espero que possamos evoluir na mesma direção até chegarmos a produzir aquelas séries mais parrudas que têm sido feitas pelas emissoras norte-americanas e inglesas”, pondera. Margarida Ribeiro reitera que “estamos abrindo um caminho”: “Com o tempo o mercado vai se estruturar cada vez melhor”. Em relação ao amadurecimento, as séries nacionais enfrentam alguns empecilhos. Entre eles, a falta de recursos para a execução dos projetos. Essa escassez ocorre desde o início da produção. Enquanto nos mercados britânico e norteamericano são produzidos episódios pilotos para a emissora avaliar o potencial da série, no Brasil é filmada a temporada inteira de uma vez só: a ideia é economizar. Sendo assim, as expectativas quanto à reação do público aos projetos são incertas. De acordo com o roteirista Teodoro Poppovic, uma das formas que os produtores nacionais encontraram de avaliar o feedback do público é verificar se os episódios estão sendo disponibilizados no Youtube por algum espectador. Se sim, é porque alguém “decidiu que aquilo era bom e deveria ser visto por outras pessoas”.

No caso dos roteiros, as produtoras pequenas - ao contrário das maiores, que costumam ter roteiristas contratados por mês – empregam roteiristas por episódio. “O cachê do roteiro de uma série de 20 minutos poderia valer entre 4 e 5 mil reais, mas as produtoras às vezes querem pagar a metade ou menos”, explica Sabina. “Temos cada vez mais dificuldade para montar equipes para os projetos. Montadores e diretores de arte são os profissionais dos quais mais sentimos falta”, afirma Fernando Meirelles. Sabina Anzuategui tem outra perspectiva: “As produtoras diDIVULGAÇÃO

ras procuram figuras que já tenham construído um estilo próprio para o ambiente televisivo. “Tirar uma ideia do zero é um risco muito maior. Muitas vezes, o projeto inicial não foi desenvolvido suficientemente de modo a atingir todo o público potencial que ele poderia ter”, afirma. O perfil das emissoras influencia o conceito das séries exibidas. Teodoro Poppovic, que trabalhou como roteirista para as séries 15 minutos, da MTV, e Destino SP, da HBO, ressalta as diferenças existentes entre as emissoras de televisão. “Na MTV, tinha bastante liberdade. Podia escrever o que quisesse sem cobrança quanto à audiência. Já a HBO exigia mais qualidade, em especial a técnica.” Para Fernando Meirelles, a produção de uma série é mais trabalhosa quando encomendada por um canal. “Nesse caso, o produto final tem que ser o mais adequado possível. Há uma etapa de aprovação de cada fase da produção: sinopse, roteiro, produção, montagem e por aí vai. É um trabalho menos autoral. Mas nem por isso menos interessante de ser realizado.”

Gastos em série “As séries feitas hoje são muito baratas, com poucos atores e cenários. Geralmente são bem simples”, afirma Sabina Anzuategui. Enquanto nos Estados Unidos, o ator Ashton Kutcher, protagonista da série Two and a Half Men, por exemplo, recebe 750 mil dólares por episódio, nas séries brasileiras um valor como este dificilmente é investido em uma temporada inteira. A falta de verbas acaba prejudicando a formação de equipes de produção para as séries nacionais.

Meirelles: “encomendas são mais trabalhosas”

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divulgação/02 filmes

divulgação/teodoro poppovic

Para Teodoro Poppovic, o dinheiro ainda é o maior problema para os roteiristas

zem que estão faltando profissionais, mas, por outro lado, eles reclamam que os salários estão baixos em todas as áreas. Já vi produtoras reclamando que falta maquinista, iluminador, gente de mão de obra mais pesada”. Enquanto Meirelles acredita que este é um ótimo momento para novos profissionais que estão entrando na área do audiovisual, o roteirista Teodoro Poppovic enxerga algumas complicações: “O dinheiro continua sendo o maior problema no roteiro. É pouca verba para produzir e os resultados são imprevisíveis”. Outro fator que interfere na produção de séries nacionais é o tempo. Algumas emissoras têm urgência em produzir determinados projetos, o que pode atrapalhar a execução da ideia. A começar pelos roteiros. “Roteiristas precisam de mais tempo para analisar a ideia. Eu, por exemplo, tenho que ler algo muitas vezes para me certificar de que aquilo vale a pena ser filmado. Afinal, uma série – mesmo das mais baratas – custa muito caro. Então, é necessário veri60

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ficar se esse material vale mesmo a pena”, explica Teodoro Poppovic. Sabina Anzuategui aproveita para analisar sua experiência em Alice: “Achei que a série ficou pesada em alguns sentidos. Certos aspectos poderiam ter sido mais amadurecidos”. Dependendo da urgência e da forma como a produção for organizada, é comum que haja um roteirista-chefe para escrever um esboço; e outros roteiristas para desenvolver e finalizar cada episódio. Se, nessa situação, os profissionais forem contratados por episódio, tem início uma corrida contra o tempo: como a renda pessoal é um fator incerto, quanto mais rápido o trabalho for entregue, melhor.

American way of TV À procura de qualidade técnica e de enredos envolventes, o mercado das séries se estrutura cada vez mais como indústria audiovisual. Segundo Carla Ponte, executiva de desenvolvimento e responsável pela apresentação de diversos projetos da produtora Primo Filmes, o Brasil só terá um mercado

consolidado de séries quando tratar essa produção como algo realmente industrial. Carla lembra que este é o plano de países como os Estados Unidos, que possuem vasta produção. “Os projetos audiovisuais construídos de acordo com a necessidade do mercado são uma tendência para o crescimento das séries na TV. Fica mais fácil encaixar projetos em editais específicos dos canais se eles forem pensados conforme as necessidades da televisão, levando em consideração o tipo de conteúdo veiculado por certos canais e seus respectivos públicos”, analisa Carla. A produção brasileira se apropriou também de denominações norte-americanas para as funções do mercado audiovisual. Carla explica que, por aqui, estas designações são menos engessadas e nem sempre correspondem às tarefas de quem trabalha na indústria televisiva dos Estados Unidos. No Brasil, diz ela, há quem exerça mais de uma função. O cargo que no Brasil é chamado de produtor executivo, por exemplo,


Bossa nova films/TOMAZ VIOLA

Contos do Edgar e 3 Teresas são alguns exemplos de produção que saíram do papel após a Lei da TV Paga

é bem diferente nos Estados Unidos. “Não entendemos muito bem porque aqui no Brasil é tudo muito menos sistemático”, afirma Carla. “Os cargos de produção funcionam nas séries brasileiras como trabalhos de organização e monitoramento, seja de renda, de pessoal ou de conteúdo.” Margarida Ribeiro revela que, conforme o perfil do projeto, uma equipe de produção independente é uma mistura de pessoal de cinema, TV e publicidade. Na O2, por exemplo, a produção televisiva já é tratada de maneira mais “empresarial”, segundo Fernando Meirelles: “As segundas temporadas das séries já revelarão um amadurecimento na indústria. Nossa sensação é de que agora entendemos melhor o que funciona ou não nos programas. Sendo assim, as segundas temporadas deverão partir de um ponto mais alto”.

Como se faz O boom das séries ocorre ao mesmo tempo em que o cinema autoral está se consolidando no Brasil. A O2 tem

dado prioridade a essas produções, apoiando filmes como A Busca, Xingu e Pele de Cordeiro. Porém, Fernando Meirelles vê na televisão um leque maior de oportunidades. “Este ano, a TV a cabo precisa produzir 3.800 horas de programação ao todo, enquanto toda a produção de longas no Brasil não deve ultrapassar 450 horas.” O que dificulta a produção de filmes é a área de distribuição: são lançados em média 100 filmes nacionais por ano, muito mais do que o mercado tem capacidade de absorver. Isso faz com que uma boa parcela desses filmes não chegue às telas. Já na televisão, existe a oportunidade de veicular séries de naturezas diversas através de diferentes emissoras. A lei 12.485/2011 proporciona e incentiva isso. O volume de projetos produzidos desde a aprovação dessa lei surpreende, “principalmente a quantidade de séries de ficção sendo produzidas atualmente”, reconhece Margarida Ribeiro, produtora da Bossa Nova Films. No entanto, ainda levará um

tempo para que as séries consigam se equiparar às novelas. “O modelo da novela está muito consolidado no Brasil”, explica o roteirista Teodoro Poppovic. “É um modelo perfeito, ao qual o público já está acostumado. Ainda serão necessários alguns anos para que o brasileiro assista às séries como ele assiste às novelas.” No início do ano, Marta Kauffman, autora do seriado Friends, uma das produções de maior sucesso dos Estados Unidos, veio ao Brasil e criou polêmica em sua participação num workshop para roteiristas da Rede Globo. Ela chamou a atenção da mídia ao declarar que a telenovela é um modelo ultrapassado e que as pessoas já não veem mais televisão como antes. Os espectadores de hoje precisam de uma dinâmica diferente, na qual possam assistir aos seus programas com menor tempo de duração, em seu próprio tempo - seja durante a exibição na TV ou posteriormente, na internet. Na visão de Kauffman, somente séries podem responder bem a essa dinâmica. Setembro de 2013 | Cásper

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RESENHA

o Brasil através do

espelho

Livro de Raphael Scire narra trajetória de um dos mais conceituados autores da teledramaturgia brasileira Por Welington Andrade Eu não gosto de novela. Eu vejo que é pra poder falar mal! Cora, personagem da telenovela Tieta

A

telenovela é, sem dúvida alguma, o maior fenômeno de comunicação de massa da cultura brasileira. Reúne noite após noite em frente à televisão um público cativo, pertencente às mais diversas classes sociais e faixas etárias, que discute o comportamento dos personagens e as tramas envolventes. A paixão ainda surpreende, mesmo passados exatos 50 anos do surgimento do primeiro folhetim diário da TV brasileira, a novela 2-5499 ocupado, de Dulce Santucci, apresentada pela TV Excelsior de julho a setembro de 1963. No texto que serve de introdução à Memória da Telenovela Brasileira (um precioso almanaque que faz o levantamento de todas as novelas e minisséries transmitidas no país de 1963 a 1997 – hoje, infelizmente, fora de catálogo), o jornalista e historiador Ismael Fernandes define o gênero com uma precisão absoluta: “Para se

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conhecer a telenovela brasileira por inteiro, não é necessário ter assistido aos quase 500 títulos que fizeram esses vinte e tantos anos de dramas do dia-a-dia. Existe um roteiro-base para essas histórias. Uma grande história de amor no centro, rodeada por conflitos familiares. Um mistério ou um segredo que o público desconhece e os personagens não, ou vice-versa. O passado influindo decisivamente no presente. Os sonhos e a ascensão de uns, e a decadência e a tristeza de outros. O choque de classes, resumido na sofrível mistura de pobres e ricos. Um sucesso depende de o autor saber trabalhar essas fórmulas básicas. O objetivo é claro: atingir o grande público, rapidamente. Assim, essas histórias são apresentadas pura e simplesmente como folhetim clássico, inconfundível, sempre buscando reforço nas emoções primárias, em que os dramas familiares são o entrecho mais comumente usado. É importan-

te reconhecer que a telenovela se sustenta fundamentalmente por ser uma arte ligada ao populismo. Quer dizer, não pretende uma falsa erudição”. Se a telenovela, ao lado do carnaval e do futebol, é o gênero de entretenimento preferido do povo brasileiro, com inegável influência no cotidiano de seus telespectadores, é compreensível perguntar por que no País há ainda tão poucos livros sérios sobre o assunto – demanda esta plenamente atendida com a publicação de Crimes no Horário Nobre: Um Passeio Pela Obra de Sílvio de Abreu (Editora Giostri), do jornalista e dramaturgo Raphael Scire. Nascido como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, o livro apresenta a trajetória pessoal e profissional de um dos nomes mais conceituados da teledramaturgia brasileira, reunindo ainda o depoimento de autores como Gilberto Braga,


Divulgação

Alcides Nogueira, Maria Adelaide Amaral e João Emanuel Carneiro; atrizes tais como Vera Holtz, Fernanda Montenegro, Glória Menezes, Irene Ravache e Aracy Balabanian; e diretores como Carlos Manga, Jorge Fernando e Denise Saraceni. O primeiro capítulo, “Homem das Artes”, traça um itinerário biográfico (panorâmico, mas muito denso de informações) do personagem, que começa às vésperas do Natal de 1942 – quando Anna Mestieri deu a luz a Sílvio Eduardo de Abreu, no Hospital D. Pedro II, na Mooca, em São Paulo – e se encerra em 15 de setembro de 1976, dia do nascimento de Juliana, única filha do dramaturgo, até então um ex-ator e diretor de cinema diletante, na ocasião, às voltas com as filmagens de A Árvore dos Sexos. O paralelismo entre os nascimentos não é gratuito e revela os outros importantes frutos que ainda estariam por vir na carreira do artista. Segue, então, o capítulo dedicado às primeiras experiências de Abreu na televisão “Na Trilha dos Folhetins”, primeiramente adaptando peças de teatro para a TV Cultura de São Paulo e, depois, desenvolvendo sinopses de histórias de apelo popular para a direção artística da TV Tupi. Os bastidores da criação e da produção de Éramos Seis (assinada em parceria com Rubens Ewald Filho) são vivamente recuperados por Raphael Scire, constituindo um inestimável material de pesquisa e de análise. Em “Trilogia do Humor”, o leitor já encontra Sílvio de Abreu de casa nova, a TV Globo (sua fase inicial na emissora é apresentada na segunda metade do capítulo anterior), escrevendo talvez sua novela de maior sucesso de crítica, Guerra dos Sexos, cujas cenas reunindo Fernanda Montenegro e Paulo Autran transformaram-se em imagens-símbolo da interpretação cômica no Brasil. Completam a tríade bem-humorada as tele-chanchadas Cambalacho e Sassaricando. Após o capítulo que retrata expe-

Silvio é o autor de A Próxima Vítima, novela inspirada em Hitchcock

riências radicais, como a minissérie de inspiração noir Boca do Lixo e a trama de Rainha da Sucata, demasiadamente escrachada para uma novela das oito, o livro apresenta seu capítulo-chave, o que dá nome à obra, no qual Raphael Scire narra diligentemente o processo de criação e exibição de A Próxima Vítima (que o jovem jornalista admite na introdução do livro ser sua novela preferida), considerada um marco da trama policial na TV brasileira, cuja inspiração Abreu foi buscar na obra de um de seus diretores de cinema prediletos, Alfred Hitchcock. Os outros três capítulos radiografam as criações pos-

teriores do dramaturgo, temperadas ora pelo suspense, ora pelo humor. Uma iniciativa bibliográfica como essa precisa ser celebrada por sua originalidade e abrangência. Aos amantes da televisão e da teledramaturgia, em particular, e aos interessados nos potentes fenômenos produzidos pela indústria cultural, em geral, destinase o livro de Raphael Scire, que, obedecendo a rigorosos critérios cronológicos e temáticos, analisa a vasta produção de um criador ímpar. Incansável militante de um gênero que, quer gostemos ou não, define de segunda a sábado o jeito de o brasileiro ser e estar no mundo. Setembro de 2013 | Cásper

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notícias CASPERIANAS

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Jornalismo da Paz é tema de aula magna No dia 13 de agosto, as coordenadorias da Pós-Graduação e Jornalismo receberam o docente e comunicólogo Dov Shinar, que apresentou a aula magna “Treinamento para jornalistas em áreas de conflito”. Shinar considerou a cobertura de conflitos como os

“ovos de ouro” dos donos de jornais e agências de comunicação. Em relação aos jornalistas, ela seria “a vaca sagrada”, devido ao seu caráter enobrecedor e ao prestígio profissional que acarreta ao comunicador. No entanto, o professor fez críti-

cas ao processo, destacando que antes o jornalista era apenas um relator dos acontecimentos e nos últimos dez anos, tornou-se parte da situação. Além disso, questionou a “cobertura seletiva” realizada por muitos profissionais da área.

Cultura Geral apresenta diálogos em linguagem Programada para os dias 21, 22 e 23 de outubro, o 1º Colóquio de Cultura Geral abordará a temática “Diálogos em Linguagem”. Segundo o coordenador Adalton Diniz, o even-

to pretende discutir o diálogo entre textos produzidos com diferentes linguagens, como literatura e cinema, história em quadrinhos e propaganda, jornalismo e política, charge e

história: “A importância do debate sobre a natureza das convergências ou divergências das linguagens é a possibilidade de revelar novas formas de produção e recepção”.

8ª Semana de Propaganda e Frida Kahlo são os destaques do curso A 8ª Semana de Propaganda, realizada entre os dias 26 e 30 de dezembro, convidou palestrantes relacionados a diversas áreas, como mídia, atendimento e planejamento, criação e promoção de vendas. O evento teve como objetivo elucidar as principais questões que permeiam a área, além de descrever os meios mais específicos da profissão. O curso de Publicidade e Propaganda contou também com uma exposição em homenagem a Frida Kahlo. Os alunos do 2º ano imitaram a artista mexicana e produziram fotografias que tentaram se assemelhar às suas características marcantes, como as cores fortes e a personalidade múltipla.

Cásper | Setembro de 2013

LEANDRO SAIONETI

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

CULTURA GERAL

JORNALISMO

Semanas do Audiovisual e Propaganda, aula magna e programa histórico na rádio são alguns dos eventos que movimentaram o início do segundo semestre na Faculdade Cásper Líbero

Exposição teve a orientação e curadoria do professor Claudinei Nakasone


RODRIGO ROSA

RáDIO GAZETA AM

RELAÇõES PúBLICAS

RáDIO E TV

O debate sobre a transição da MTV de canal aberto para pago foi destaque da VII Semana do Audiovisual

VII Semana do Audiovisual abrange palestras, mostras e workshops Realizada entre os dias 19 e 24 de agosto, a VII Semana do Audiovisual, organizada em parceria entre a Coordenadoria de Rádio e TV, a Comissão Casperito e o Centro de Eventos, contou com palestras que abordaram diversos tópicos pontuais ligados ao meio. Os debates mostraram o atual cenário brasileiro na área. Séries de TV nacionais, videoclipes,

terror brasileiro, a Rádio Rock, o caso MTV, produções esportivas, histórias de quem já se formou, novelas para a família, humor na internet e cinema pornô foram os temas apresentados no Teatro Cásper Líbero. Antero Greco (ESPN), Thunderbird (MTV) e Maurício Sid (Não Salvo) foram alguns dos nomes presentes no evento, além de ex-alunos que

narraram a vivência na profissão após a graduação. A Semana de palestras também foi composta por duas mostras: a primeira apresentou obras ganhadoras do Prêmio Casperito 2012 e a seguinte exibiu o filme Elena, da diretora Petra Costa. Já os workshops abordaram os seguintes temas: produção de roteiro, som direto e storyboard.

foram os mediadores das palestras que abordaram temas como construção de marcas, eventos corporativos, assessoria de imprensa, inserção no mercado de trabalho e diálogo com a área financeira de organizações. Segundo Ethel, o Prata da Casa é um evento que faz parte da política

de memória e valorização do sucesso dos alunos formados no curso de Relações Públicas. “As narrativas sobre a formação acadêmica, as escolhas profissionais e as suas práticas fazem com que os ex-alunos sejam uma fonte de inspiração e exemplo para os atuais graduandos.”

comandaram a mesa, que apresentou matérias sobre o atual cenário do futebol brasileiro, além de debater qual é o melhor time nacional dos últimos 10 anos. As equipes do Cruzeiro de 2003 e Santos de 2012 foram as escolhidas. Houve também a presença de Felipe Zboril, repórter esportivo da TV Gazeta e criador do programa,

que comentou sobre o surgimento do projeto. “Ter participado do programa de número 500 me fez conhecer esta história profundamente e me aproximou ainda mais da estrada percorrida para que este sonho se tornasse realidade”, comenta Leonado Levatti, um dos repórteres da atração e também apresentador do programa Tarde Gazeta.

Prata da Casa 2013 Entre os dias 3 e 6 de setembro a coordenadoria de Relações Públicas organizou o Prata da Casa 2013, evento que recebeu ex-alunos da graduação para narrarem suas experiências profissionais na área. Sérgio Andreucci, coordenador do curso, e Ethel Pereira, vice-coordenadora,

500 edições de No Vestiário No mês de agosto foi ao ar na Rádio Gazeta AM, o 500º No Vestiário, programa esportivo que trata sobre o futebol nacional. Para comemorar a data, ex-integrantes da atração e a nova geração de alunos apresentaram em conjunto o programa, que em novembro completará 10 anos. Henrique Guidi (SporTV), Silvio Vidoto e o estudante Érico Lotufo

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CRÔNICA

divulgação (500 days of summer)

o amor começa Por Fernando Gallo

O

amor começa. Naquele mesmo café engordurado onde outro amor acabara depois de começar em parques de ouro; num começo de noite de domingo de brisa e lua cheia depois de teatro e alegria; na identificação de um sorriso gêmeo, perdido na multidão, quando eles dois desviaram brevemente a atenção de suas rodas e se olharam encontrados. De repente, começa o amor, admirado em singelezas e gratidões; na leveza da mútua admissão de humildades e pequenezas; no reconhecimento de falibilidades e impotências. No molhado do ombro amigo que consola a perda de outro amor; na vazante das marés ciscando areias; em trocas de telefones depois de batidas de carros; num quarto de motel, pela manhã, quando o pacto do vazio do sexo casual entre amigos começa a deixar de ser cumprido. Numa trombada acidental em uma loja de discos em Varsóvia, na poesia barulhenta da Feira do Crato, nos recônditos cantos onde a tensão se desfaz em Mianmar, na fila da carne do mercado do Ver-o-Peso, no encontro casual de dois jovens numa boca-de-fumo no Morro dos Macacos. E se inicia o amor como raiva, inveja, até como ódio, para depois irromper em paixões arrebatadoras que, findas, se desfiarão em ternuras. Pulsa o amor no verão, quando ainda não é mais que tesão nas ancas largas que passam rebolando no calçadão de Copacabana e certamente virá a ser a plenitude atlética de trepadas homéricas ainda an-

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tes que o refestelo se torne amor entorpecido; mas mais provável que comece na carência do inverno, estação sórdida, de memórias e abraços. Pode o amor começar na empáfia das mulheres empedernidas que nasceram dizendo não; seguro que nascerá dos rompantes coléricos dos Florentinos Arizas à procura de suas Ferminas Dazas. O amor começa em sorvetes de pistache em terças-feiras tediosas e é bem capaz que saia das sombras como amorresposta. Na África se inicia como solidariedade; na Ásia, como sabedoria; em Cuba, como resignação. Em qualquer lugar, como entrega, doação. No Brasil o amor poderá começar da saudade. Nascerá de corações dilacerados, daqueles mesmos que o médico sentenciara imprestáveis para o amor. Uns copos a mais de cerveja e o amor começa, uma aura imprevista de contraluz e o amor começa, uma dedicatória especial em um livro e o amor começa. Em hospitais, já perto do fim, entre os que vão e os que ficam, o amor começa. Por qualquer motivo o amor começa; a qualquer hora o amor começa, em qualquer lugar o amor começa. E começa nem que seja para acabar uma vez mais, ainda antes de começar novamente.

Fernando Gallo se formou em Jornalismo em 2006 pela Faculdade Cásper Líbero. É repórter de política no Estadão e já atuou na Folha e CBN.



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