´ CASPER Nº 12 – Maio de 2014
MOSAICO MUSICAL
PorPor dentro de uma nacional dentro deópera uma ópera brasileira
WASHINGTON NOVAES SEVILHANOVAES ANDANDO CINEMA CINEMAPORNÔ PORNÔ WASHINGTON Pioneiro no jornalismo Ensaio fotográfico sobre a O sexo nas produções sobre meio ambiente
Pioneiro no jornalismo O sexo nas produções cidade que João Cabral amou da Boca do Lixo sobre meio ambiente da Boca do Lixo
´ CASPER FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos
FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETORA Tereza Cristina Vitali VICE-DIRETOR Welington Andrade
REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADOR DE ENSINO DE JORNALISMO Carlos Costa EDITOR-CHEFE Sergio Vilas-Boas EDITORA Júlia Barbon CONSELHO EDITORIAL Adalton Diniz, Carlos Costa, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci, Sergio Vilas-Boas, Walter Freoa e Welington Andrade REPORTAGEM Ana Beatriz Rosa EDITOR DE ARTE E FOTOGRAFIA Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Nathalie Provoste e Thaís Helena Reis COLABORADORES Amanda Lenharo di Santis, Betiane Silva, Heloísa D’Angelo, João Correia Filho, José Augusto Dias Jr., José Felipe Adorno, Marcos Guterman, Rafael Spaca, Raul Duarte, Sergio Andreucci e Thaís Gould NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper.fcl@gmail.com Site: www.casperlibero.edu.br/revistacasper CAPA Décio Figueiredo ERRATA Ao contrário do que foi escrito na matéria “Faces de um Repórter”, na última edição, Patrick Denaud não exerceu a profissão de jornalista enquanto era espião.
DE CARA
NOVA
A
Cásper está com um novo projeto visual. A fim de facilitar a leitura e valorizar a fotografia, criando uma relação mais estreita entre texto e imagem, foram empregados diversos recursos gráficos bastante inventivos nessa nova edição. As mudanças foram planejadas por uma equipe coordenada pelo aluno Pedro Camargo, que desempenha na publicação a função de editor de arte, com o apoio dos jornalistas Sergio Vilas-Boas, Helena Jacob e Simonetta Persichetti, professores da Faculdade. A revista ficou mais bonita e elegante, mas seu carro-chefe continua sendo a produção de boas reportagens – em seus mais variados gêneros. A presente edição contempla, pela primeira vez, a modalidade narrativa, aquela em que se procura vivenciar os fatos in loco, enquanto eles ocorrem. Na reportagem “Uma ópera brasileira”, a repórter Júlia Barbon conta o que viu e sentiu nos ensaios de O Menino e a Liberdade, espetáculo inspirado em um conto do escritor Paulo Bomfim, considerado o “príncipe dos poetas brasileiros”. Rico em conversas e observações, o texto expõe toda a complexidade da ópera, uma das vertentes das artes cênicas, cuja origem remonta à Itália do século XVII. As demais reportagens primam pela versatilidade temática: Amanda di Santis foi à Chapada Diamantina, mais especificamente ao Vale do Pati, onde os moradores ainda trocam mensagens como na Idade Média. Washington Novaes é o protagonista de um perfil que põe em foco a sua trajetória (pioneira no Brasil) como jornalista especializado em meio-ambiente. Betiane Silva conversou com vários profissionais brasileiros envolvidos com roteiros para séries de TV. Se o leitor preferir folhear a revista ao acaso até se sentir atraído por um assunto, não há problema algum. Sobretudo, porque ele encontrará pelo caminho imagens que informam, interpretam, opinam... Não por acaso, o projeto de atualização gráfica da revista ganha uma dimensão toda especial com um excepcional ensaio fotográfico de João Correia Filho sobre “a Sevilha de João Cabral de Melo Neto”. Sevilha Andando, último livro escrito pelo poeta, é sobre a cidade andaluza que marcou indelevelmente a trajetória do autor de Morte e Vida Severina. Boa leitura a todos!
TEREZA CRISTINA VITALI Diretora Maio de 2014 | CÁSPER
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SUMÁRIO 06 06
Washington novaes
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a equação do milagre
O perfil de um vanguardista do jornalismo preocupado com questões ambientais
Como a ditadura militar transformou o nosso sistema econômico
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na origem das imagens
a águia e o mico
Um panorama da situação dos roteiristas nas séries de TV brasileiras
Uma entrevista com Camilo Tavares, diretor do documentário O Dia que Durou 21 Anos
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fora do gramado
sevilhizar o mundo
As dificuldades que os publicitários estão encarando nesta Copa do Mundo
Ensaio fotográfico sobre a Sevilha de João Cabral de Melo Neto
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uma ópera brasileira
Uma repórter acompanha o ensaio de O Menino e a Liberdade, dirigida por Mauro Wrona
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jornada ao natural
Uma viagem ao remoto Vale do Pati, na turística Chapada Diamantina
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a rede social é outra
As discussões acerca do fim do Facebook e o que virá a seguir
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na boca do lixo
A trajetória do cinema erótico brasileiro, que conquistou o público entre os anos 60 e 80
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46 SeÇões 62 64 66
resenha notícias casperianas crônica
cem anos de relações públicas
Como a profissão se instaurou no país e por que vem crescendo no mercado
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perfil
washington
novaes
Pioneiro no jornalismo sobre meio ambiente no Brasil, ele conhece como poucos os caminhos e descaminhos do Humano sobre a Natureza Por Sergio Vilas-Boas
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civilização humana e o ecossistema terrestre entraram em choque, e a manifestação mais proeminente, destrutiva e ameaçadora desse choque é a deterioração da atmosfera, fato que afeta todas as regiões da Terra. As causas do aquecimento global são variadas: destruição da fauna oceânica e dos recifes de coral; escassez de água doce; esgotamento do solo arável; derrubada e queimada de antigas florestas; extinção de espécies; poluentes tóxicos na biosfera; acumulação de lixo resultante de atividades industriais, etc. O problema envolve ainda fatores culturais: leis e arbítrios, consciências e lapsos, sotaques e flechas. “Não há como isolar o meio am6
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biente do restante. O meio ambiente está em tudo que a gente faz. Não pensar nas chamadas ‘questões ambientais’ significa deixar os problemas crescerem. E esses problemas são cada vez maiores”, sublinha Washington Novaes, profundo conhecedor das múltiplas interconexões entre as árvores da vida. Um dos jornalistas brasileiros mais bem preparados para compreender e combater a ilusão de uma exploração material infinita do Planeta, ele não gosta da expressão “jornalista ambiental”. “Sou jornalista, apenas”, afirma o paulista de Vargem Grande do Sul, aos 80 anos. “No Brasil, Washington é pioneiro no jornalismo de preocupação com o meio ambiente”, diz Zuenir Ventura, amigo desde 1965, quando começaram a trabalhar juntos na sucursal da extinta revista Visão, no Rio de Janeiro. “Quarenta anos atrás,
nós, jornalistas, tratávamos esse assunto como um luxo de país rico. ‘Os países subdesenvolvidos precisam é de mais poluição’, provocávamos, como se a preservação do meio ambiente fosse incompatível com o desenvolvimento. Com a paciência de sempre, já naquela época Washington tentava despertar a nossa consciência para a sustentabilidade.” O grupo de amigos no Rio ainda contava com Hélio Pelegrino, Jânio de Freitas, Glauber Rocha, Ziraldo e outros. Ele, Zuenir e Ziraldo, inclusive, foram testemunhas de um fato histórico marcante. “Estávamos trabalhando. Ouvimos um tiro”, conta Zuenir. “Fomos à janela do sexto andar e vimos uma correria à porta do Calabouço, restaurante que ficava atrás do prédio da Visão. Descemos. Os jovens estavam carregando o corpo do estudante Edson Luís, assassinado.”
FOTO: SÉRGIO JANUÁRIO
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só havia trabalhado em jornais e revistas), onde aprendeu a lidar com a linguagem da televisão. Ingressou em seguida na TV Globo para comandar o Globo Repórter. Produziu vários programas de temática ecológica, como “Planeta água” (1979), que inspirou a música homônima de Guilherme Arantes.
O antropólogo
Seu investimento em pautas sobre natureza criou condições para um importante turning point em sua vida e carreira naquele mesmo ano: o contato com índios. A ideia era fazer um Globo Repórter inteiro sobre crianças do Amazonas. Washington e sua equipe atracaram em Molongotuba, pequena aldeia de índios Maué. “Fui recebido e tratado com gentileza, solidariedade e espírito democrático. Desde então, passei a prestar muito mais atenção à cultura do índio.” No ano seguinte (1980), acompanhando um time de pesquisadores da Escola Paulista de Medicina, conheceu o Parque Nacional do Xingu. A pauta:
doenças cardiovasculares. “Os médicos vinham fazendo uma pesquisa para entender o porquê da ausência absoluta de doenças desse tipo entre os habitantes do Xingu. Na aldeia Waurá, o cacique Malakuyauá e seu filho, Atamai, nos ofereceram peixes, biju e hospedagem. Aquilo chamou a minha atenção.” Impressões pessoais, mas também tramas inexplicáveis do acaso, o encaminharam para trabalhos jornalísticos com flertes antropológicos. Mas isso ocorreu, digamos, por vias tortas. Por exemplo: em 1981, atendendo ao convite de seu amigo Marco Antônio Coelho, Washington passou a escrever artigos semanais para o jornal Diário da Manhã, de Goiânia. O quarto artigo foi uma reflexão sobre ética. E o impacto foi grande. Batista Custódio, dono do DM, o chamou para dirigir um projeto jornalístico ousado. Cansado do caos crescente nas duas maiores cidades brasileiras, e já atravessando “uma crise de identidade” dentro da TV Globo, Washington topou se mudar para Goiânia. “Assumi o DM
FOTO: SÉRGIO JANUÁRIO/ À DIR. - MARCELO NOVAES
O tempo e o mundo eram outros, não apenas por causa do AI-5 (decretado em dezembro daquele 1968 infinito) e da forte repressão decorrente do Ato, mas também em termos ambientais. Nos anos 1970, não havia no Brasil licenciamento ambiental, ministério ou secretaria de meio ambiente. André Trigueiro, editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News, escreveu no catálogo da 3ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, que este ano homenageou Washington (com apoio cultural da Faculdade Cásper Líbero): “Não se falava em ‘ecologicamente correto’ e muito menos em ‘desenvolvimento sustentável’. Não havia norma ISO 14.000, produtos certificados ambientalmente, Partido Verde ou Greenpeace. Meio ambiente era assunto de ‘bicho grilo’ ou ‘alienados’ – para não mencionar outras denominações bem mais ofensivas, que tentavam desqualificar quem ousasse lhe dar um tratamento mais sério”. Em 1973, Washington se tornou diretor de jornalismo da TV Rio (até então,
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O CONTATO COM ÍNDIOS NAQUELE ANO, FRUTO DO SEU INVESTIMENTO EM MATÉRIAS SOBRE NATUREZA, FOI UM IMPORTANTE TURNING POINT EM SUA VIDA E CARREIRA
com o compromisso do casal de proprietários de que eu teria carta branca para fazer um jornal isento, sem compromisso com ninguém, a não ser com o leitor.” O jornal era levado aos bairros de Goiânia para discutir os problemas locais (água, esgoto, segurança, educação, etc.) diante das autoridades. “Como os debates eram publicados na edição do dia seguinte, grande parte dos problemas era resolvida ali mesmo, na hora. E entre os temas de discussão estava o próprio jornal. Um Conselho de Leitores formado por 50 cidadãos ajudava a pensar o jornal, e esses debates também eram publicados.” Nos 19 meses dessa experiência a circulação do jornal multiplicou-se por cinco, mas uma sobreposição de crises impediu a continuidade do projeto. Alguns de seus principais editores optaram por se afastar. Entre eles, José Antônio Menezes, Marco Antônio Coelho, Aloysio Biondi e outros que Washington havia levado para Goiânia. “E aí eu também saí. Mas foi um período rico e fértil. Talvez eu tenha aprendido mais ali do que nos 25 anos anteriores de jornalismo.” Já fora do DM, deu a si mesmo umas férias no Rio. Lá, encontrou Roberto D’Ávila, Fernando Barbosa Lima e Walter Salles Jr. Os três o convenceram a se associar à produtora Intervídeo e à extinta Rede Manchete de Televisão para uma série de programas sobre índios brasileiros. Por questões de custo e tempo, o projeto acabou se concentrando apenas nos índios do Xingu. “Uma grande oportunidade”, segundo Washington. A consciência planetária que o jorna-
O jornalista no Parque do Xingu, em 2006: “Nenhum jovem quer mais ser pajé”
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lista vinha construindo desde os anos 70 teve eco profundo nos 60 dias que passou nas aldeias Kuikuro, Waurá, Yawalapiti, Txucarramãe, Metuktire e Panará. A série Xingu, A Terra Mágica, exibida em 1985 pela TV Manchete em dez episódios foi uma novidade bem-vinda. O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) e a atriz Fernanda Montenegro elogiaram a série publicamente. A jornada ainda rendeu o livro contendo o diário da viagem: Xingu, Uma Flecha no Coração (1985). “Nossas investidas ao Xingu foram espetaculares”, lembra Lula Araújo, o câmera. “Washington sempre foi um jornalista audacioso e muito organizado. No Xingu, ele escrevia tanto as entrevistas verbais quanto os roteiros de cada dia. Só no fim da tarde a gente ficava sabendo o que aconteceria no dia seguinte. A revisão que ele fazia do material coletado, com anotação de time code e tudo mais, facilitava a decupagem do nosso editor, João Paulo de Carvalho.”
Cara pintada
Ao nascer do dia, o disciplinado Washington caminhava pelas trilhas das aldeias por mais de uma hora. Muitas boas ideias surgiram nessas caminhadas matinais, segundo Lula. “Em 60 dias, a gente se movimentou por mais de 250 quilômetros a pé, carregando uma parafernália de equipamentos, que não eram leves nem fáceis de operar, como os de hoje. Sem chiar, Washington carregava as fitas e as baterias da câmera e do VT”, ele conta. Para Washington, nós, caras pálidas, ficamos condicionados a observar apenas as carências dos índios. “Não enxergamos outro aspecto, que poderia nos inspirar: são sociedades sofisticadas, que cultivam as relações horizontais; ninguém recebe ordem de ninguém; a 10
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WASHINGTON SEMPRE FOI AUDACIOSO E MUITO ORGANIZADO. NO XINGU, ELE ESCREVIA TANTO AS ENTREVISTAS VERBAIS QUANTO OS ROTEIROS DE CADA DIA Lula Araújo, cinegrafista
informação é aberta. Homem e mulher mantêm uma relação livre e de respeito. E o principal: os índios evitam a sobrecarga dos recursos ambientais. Quando a população cresce demais, eles dividem as aldeias. Evitar superconcentrações é uma forma de sabedoria.” Compenetrado e comedido, as conversas com Washington nunca se excedem. Ele fala somente o necessário. No lobby do Íbis Hotel, na avenida Paulista, ele me conta sobre sua vida em Goiânia, onde reside há 32 anos. “Moro e trabalho em uma chácara de 22 mil metros quadrados ao lado do campus da UFG. Lá tem mogno, angico, flamboyant, pequi, frutas, hortaliças... Uma das minhas netas, a Marina, está morando conosco. E ela adora bichos. Tem cachorros, gatos, coelhos, hamsters... E já disse que vai ser veterinária!” Conheceu a segunda esposa, Virgínia da Costa, no Correio da Manhã, no Rio. Tempos depois, Virgínia abandonou a profissão de diagramadora para ser
enfermeira. “Nossa vida é cada vez mais caseira. Com o tempo, os convívios vão diminuindo. Além disso, trabalho muito – por necessidade, ainda, sim.” Escreve artigos semanais para o Estadão e para O Popular (de Goiânia) e comentários para o Repórter Eco, da TV Cultura. Produz também uma newsletter mensal para a Hidrelétrica de Itaipu: Fronteiras da Energia, sobre os desafios no campo da geração e gestão de energias renováveis. Brinca que continua em Goiânia porque não pode levar a sua chácara consigo para outros lugares. A cidade, segundo ele, não é mais a mesma. Quando foi para lá, Goiânia tinha 600 mil habitantes (contra 2 milhões, hoje, na região metropolitana). “O trânsito e a segurança pioraram muito.” Sua chácara, que durante anos ficou afastada da cidade, está sendo engolida pela expansão urbana. “Três dos quatro lados do meu terreno ficaram acuados. Já me sinto inseguro.” Entre 1991 e 1992, entrou para a po-
Washington Novaes nas gravações de Xingu, a Terra Ameaçada, com o artista plástico Siron Franco
lítica como secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do governo do Distrito Federal. “Uma experiência muito rica e dolorosa ao mesmo tempo. Rica no sentido de que você aprende muito lidando concretamente com os conflitos que a realidade gera. Por exemplo, quando eu quis resolver o problema do lixão na via estrutural, dentro do Plano Piloto, onde moravam umas mil pessoas, recebi até ameaças de morte. Não consegui resolver. E o lixão continua lá, mas hoje moram nele 5 mil pessoas.”
FOTO: MARCELO NOVAES
Em família
Washington não se achou na política, mas, pouco a pouco, se recompôs como documentarista independente. Em 2006, ele voltou aos índios praticamente com a mesma equipe de 1984 para filmar Xingu, A Terra Ameaçada, cujos seis episódios foram exibidos na TV Cultura. Dessa vez, a jornada contou com a participação de seus quatro filhos. Marcelo (52 anos,
pai de Giovana), como fotógrafo de still e segundo câmera; Guilherme (46, pai de Júlia e Manoela), como administrador. Pedro (39, pai de Felipe) como produtor; e João (35, pai de Marina) como auxiliar. Esse novo documentário mostrou que, ao longo de 22 anos, o Parque do Xingu se transformou numa ilha de natureza intocada em meio a vastos campos de soja e pecuária. Rodovias agora ligam o Parque às cidades próximas, tornando mais frequente o contato dos índios com os brancos. As aldeias têm caminhonete, barco a motor, geradores, placas solares, antenas parabólicas. “Um dos grandes problemas é que os jovens índios ficam fascinados com a tecnologia, mas precisam ganhar dinheiro para comprar os aparelhos. Nenhum jovem quer mais ser pajé, função que exige uma formação espiritual prolongada e perigosa. Enfim, os índios agora desejam tudo o que a cultura ocidental produz, mas não têm consciência dos impactos
sociais e ambientais desse nosso estilo consumista e desenraizado de viver.” Washington evita o radicalismo e o sentimentalismo. Prefere manter-se racional diante dos processos que o afligem intimamente. Até porque, no nível macro, os dados científicos são muito mais angustiantes que a aculturação dos índios. Em 1997, o Protocolo de Kyoto estabeleceu que os países industrializados tinham que reduzir as suas emissões de gases poluentes em 5,10% até 2012. Mas essas emissões, ao contrário, aumentaram 45% no período; e estamos consumindo recursos mais de 30% além da capacidade de reposição do planeta. Países, organizações e pessoas seguem regidos por lógicas financeiras. “Imagine o que é lidar diariamente com informações que apontem que estamos numa direção totalmente autodestrutiva... Não há como mudar isso apenas por meios políticos. A mudança passa por cada um de nós também, sempre.” Maio de 2014 | CÁSPER
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televisão
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na origem
das
imagens Mercado para roteiristas de séries de TV no Brasil cresceu nos últimos anos, mas as condições de trabalho ainda deixam a desejar Por Betiane Silva
FOTO: JOANA LUZ (PRODIGO FILMS)
A
s séries vêm conquistando público e ganhando espaço na televisão brasileira, principalmente depois da Lei da TV Paga. A regulamentação, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), obriga os canais que exibem predominantemente filmes, séries, animação e documentários a dedicarem 3 horas e 30 minutos semanais de seu horário nobre à veiculação de conteúdos audiovisuais brasileiros. Fernando Bonassi, que recentemente escreveu o roteiro da série O Caçador para a TV Globo, diz que a oferta de trabalho nessa área aumentou muito depois da nova lei e não vai parar de crescer tão cedo: “O campo está se desenvolvendo, estão aparecendo trabalhos de produção dramatúrgica de alto nível, dentro e fora da TV comercial brasileira”. Porém, apesar do mercado de
séries estar descobrindo novos caminhos e se aventurando mais, ainda falta muito para que ele amadureça e se consolide. Pouco conhecidos do público nesse campo, os roteiristas são aqueles que fazem o que o escritor Doc Comparato define como “a forma escrita de qualquer projeto audiovisual”, que abarca teatro, cinema, vídeo, televisão e rádio. O roteiro na dramaturgia (filmes, novelas e seriados), porém, é diferente de outros tipos de roteiro. Segundo Sabina Anzuateguy, professora no curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero e colaboradora da série Alice, da HBO, o roteiro de dramaturgia contém todas as cenas, os locais de gravação, as ações dos personagens e os diálogos. Em resumo, toda a narração do que vai acontecer no processo audiovisual. A situação ainda não é ideal para esses profissionais, mas está melhor do que foi no passado. Aos 50 anos, o jornalista e
roteirista Marcus Aurelius, que ajudou a escrever séries como FDP para a HBO, 3 Teresas para o GNT e Peixonauta para a TV PinGuim, diz que, se comparados aos anos 90, os dias de hoje são “o paraíso”. No final da década de 80, não existiam muitas opções para quem quisesse se arriscar na carreira: a produção de dramas da Globo era concentrada no Rio de Janeiro e somente autores consagrados faziam parte do time. Com a retomada do cinema e a reativação da indústria audiovisual através de concursos e leis de incentivo para novas produções, os investimentos aumentaram. A partir daí, o trabalho de um roteirista iniciante passou a ter a possibilidade de ser escolhido e produzido.
Primeiros passos
Participar de um destes concursos pode ser um caminho para quem quer atuar na área. Foi o que aconteceu com Henrique Melhado, formado em Jornalismo Maio de 2014 | CÁSPER
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“ Apesar de bem recebida pelo público, a série Alice não foi para a segunda temporada
na USP e pós-graduado em roteiro na FAAP. Ele venceu em 2013 a edição do NETLABTV, concurso criado pela NET e pela Casa Redonda Cultural para apoiar projetos audiovisuais em estágio inicial. Por vivência própria, ele diz que, apesar de as emissoras ainda preferirem profissionais experientes e que já tenham trabalhado no meio, participar de um desses concursos pode abrir portas: “Ser premiado é um cartão de visita”. Isso não garante, no entanto, que o profissional ganhe um lugar no tão desejado espaço da televisão. Aqueles que querem escrever para produções audiovisuais devem ler muito, praticar a escrita e ficar atentos às tendências do mercado. Para iniciantes, Melhado recomenda manuais de redação de roteiros como os de Syd Field, Robert Mckee e John Truby. Apesar da crescente demanda, os roteiristas brasileiros enfrentam muitos 14
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desafios no que se refere ao reconhecimento e à remuneração. A professora Anzuateguy ressalta que uma das principais dificuldades na área é a informalidade do mercado. Há outros tipos de profissionais, como jornalistas e publicitários, que não fizeram cursos especializados mas exercem a profissão. Os ganhos também não são muito altos. Segundo a professora, o roteirista recebe em média 5% do orçamento da produção, e normalmente tem pouco tempo para escrever, o que pode afetar a qualidade do texto. Melhado também destaca que no Brasil, principalmente para quem escreve séries de TV, não há a mesma liberdade que existe nos Estados Unidos, onde os autores acabam se tornando produtores executivos. “Nós costumamos dizer que o cinema é o meio do diretor e a TV é o meio do roteirista. Quem manda em uma novela não é o diretor, mas sim o
autor. Nas séries de TV, porém, ainda vivemos uma guerra entre direção, produção e roteiro”, observa Melhado. O Brasil cultua bons filmes e boas telenovelas, mas, no âmbito das séries, ainda há um longo caminho a percorrer. Para isso, é necessário fortalecer a indústria nacional, realizar mais produções e ter maiores incentivos para que se atinja um nível de qualidade elevado e se abra espaço para a experimentação. O dilema entre criar e ter público é recorrente: a emissora quer que a nova série seja um sucesso, e ele normalmente vem quando se exploram recursos já conhecidos. Afinal, conteúdos aos quais o público está habituado dão segurança para quem produz. “Até há tentativas de criatividade, mas ainda existe um temor de você não ser chamado novamente se for muito criativo”, explica o roteirista Marcus Aurelius. Já Fernando Bonassi ressalta que essa falta de ousadia intelectual por parte dos produtores e financiadores é “um problema de país em desenvolvimento”, onde os empresários são “caretas e pouco letrados”. Os roteiristas também encontram barreiras práticas. Melhado lembra que, às vezes, por motivos orçamentários, a série tem que ser desenvolvida em poucos cenários, por exemplo. Nesse caso, o
FOTO: BEATRIZ PONTES (PRODIGO FILMS) / À DIR. - PRODIGO FILMS
É NECESSÁRIO FORTALECER A INDÚSTRIA NACIONAL, REALIZAR MAIS PRODUÇÕES E TER MAIS INCENTIVOS PARA QUE SE ABRA ESPAÇO PARA A EXPERIMENTAÇÃO
roteiro tem que se limitar, ao contrário de algumas produções de cinema, que geralmente incluem filmagens em vários locais. Em comparação com os longas-metragens, a trama das séries tem mais tempo para ser desenvolvida, assim como os personagens, mas uma produção desse tipo pode sofrer de cansaço rapidamente: a história já foi desenvolvida até o seu ponto máximo e não há mais o que explorar, mas os produtores insistem em continuar exibindo porque está dando audiência. Foi o que aconteceu com as séries americanas Dr. House e Lost.
Dica de mestre
Do ponto de vista técnico, o autor precisa estar atento ao fato de que a série é feita para televisão e, por isso, ficará presa a enquadramentos mais fechados e a uma grande quantidade de diálogos, os quais não podem ser repetitivos ou servir meramente de explicação para o que as imagens mostram. Essa foi uma das observações que o célebre professor de escrita criativa Robert Mckee fez quando comparou as séries americanas
com as brasileiras. Em um curso promovido pela Globosat, o professor defendeu que o roteirista brasileiro de série de TV precisa confiar mais no telespectador e na sua capacidade de entender o que está escrito nas entrelinhas das ações dos personagens. Marcus Aurelius concorda; na visão dele, esta é uma das grandes dificuldades dos profissionais da área. O avanço da tecnologia contribuiu muito para a diversificação do entretenimento. O computador possibilitou que o usuário propagasse diferentes tipos de produtos audiovisuais e ainda produzissem os seus próprios vídeos para veicular na web. Segundo Bonassi, esse é um dos motivos de a demanda por esse tipo de profissional ter aumentado – afinal, tudo passa por um roteiro, até mesmo na internet. Os roteiros brasileiros, no entanto, não cresceram apenas em quantidade, na visão da roteirista Regiana Antonini, que recentemente ajudou a escrever para a TV Globo a série Divã. Para ela, o mercado também melhorou muito em termos de qualidade. As séries brasileiras sempre tiveram tendências fortes ao cômico,
mas, ultimamente, outros gêneros emergiram. O estilo meio policial, meio ação, como o de A Teia e de Amores Roubados, e produções voltadas ao público feminino, como Maísa, estão conquistando o público e mostrando uma nova tendência no modo de se produzir séries no Brasil. O gênero que as emissoras solicitam aos roteiristas também muda de acordo com a época. Há momentos em que enredos históricos fazem mais sucesso. Noutros, a atração maior está nas tramas de ação ou nas comédias. Tudo depende do que se supõe que “o público quer assistir”. Esta abertura para outros gêneros demonstra que os incentivos e a demanda por roteiristas vão muito além da Lei da TV Paga. A boa recepção que o público está tendo diante dessas produções é um sinal de que o mercado audiovisual está descobrindo um novo caminho neste lado do hemisfério. A superação de alguns obstáculos culturais e mercadológicos é inevitável, mas as descobertas e experimentações estão aí para ajudar. Ainda há muito para ser escrito na história audiovisual brasileira.
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Livros Do Roteiro à Criação Doc Comparato
Manual do Roteiro Syd Field Story - Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiros Robert McKee
A série FDP foi lançada em 2012 para preencher a cota de conteúdo nacional da HBO
The Anatomy of Story: 22 Steps to Becoming a Master Storyteller John Truby Na internet NETLABTV - Concurso para roteiristas Maio de 2014 | CÁSPER 15 ww.netlabtv.com.br
marketing
FORA DO
Para além dos estádios, a publicidade brasileira tem de enfrentar as restrições legais da FIFA e a opinião pública Por Ana Beatriz Rosa
à
s vésperas da realização do grande evento futebolístico mundial, uma acirrada concorrência toma conta do país. Na disputa pela cabeça e pelo coração do torcedor brasileiro, duas equipes bem definidas vão entrar em campo: de um lado, o poderoso time dos patrocinadores oficiais; do outro, as empresas que estão tentando embarcar nas oportunidades do evento, sem ultrapassar os limites legais à publicidade estabelecidos pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado). A estimativa de especialistas em marketing esportivo é de que os padrinhos oficiais da Copa do Mundo (e da Copa das Confederações) gerem investimentos de cerca de US$ 1,5 bilhão para a entidade internacional de futebol entre 2011 e 2014. Acrescenta-se a esse valor todos os custos das campanhas realizadas por esses gigantes, o que corresponde a 16
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cifras entre US$ 3 bilhões e US$ 6 bilhões de gastos com publicidade no período do evento. Paralelamente, as empresas não oficiais buscam vincular seus produtos de diversas formas ao futebol, às competições e aos grandes ídolos do esporte. Para Marcelo Rosa, professor de Publicidade da Faculdade Cásper Líbero e profissional de Marketing da ESPN, a Copa do Mundo representa para as marcas a grande oportunidade de estar próximo de quem consome. “Esse é um momento importante, pois estamos lidando com um evento de grande visibilidade”, diz. Esqueça o time rival campeão em um Maracanã lotado ou o “jogador-propaganda” envolvido em confusões. Os fatores que mais preocupam as agências de publicidade não são tão conhecidos pelos torcedores: um deles é a regulamentação proposta pela organizadora do evento para as campanhas não oficiais. A instituição possui escritórios espalhados pelo mundo que protegem e fiscalizam de forma ostensiva as regras mapeadas
no Guia para Uso das Marcas Oficiais da FIFA. Afinal, é muito caro ser patrocinador; é preciso alguma garantia de que o investimento vale a pena (um raio de 2 quilômetros ao redor dos estádios, por exemplo, será reservado excepcionalmente para ações dos patrocinadores).
Cartão vermelho
Para os oficiais – que normalmente iniciam o planejamento das campanhas no momento em que o país sede é anunciado –, portanto, a situação é mais fácil: o desafio está em conseguir utilizar da maneira mais eficiente a posse do name writing. Trata-se do uso exclusivo de termos registrados pela FIFA relativos ao evento, tais como “Copa do Mundo”, “Mundial 2014”, “Brazil 2014”, etc. Já para as outras marcas, a dificuldade é maior. Uma legislação tão engessada como a que tem sido proposta pela Federação Internacional atinge questões mais profundas. “São recorrentes os casos de empresas que tendem a se afastar do mercado, já
que não conseguem competir com as oficiais”, diz Felippe Motta, profissional de marketing que vai para a sua quarta Copa do Mundo. Limites são impostos de maneira que poucas empresas podem explorar a imagem da Copa. A perspectiva, tanto do torcedor quanto do consumidor, fica limitada à lógica comercial proposta pela entidade, já que os produtos e as fontes de informação ao seu alcance são predeterminados. No caso das emissões de televisão, por exemplo, existem fontes oficiais (em 2010 foram a Rede Globo e a Rede Bandeirantes) que podem vender o direito de transmissão dos jogos para as demais emissoras licenciadas, o que torna a concorrência menos plural. Motta, no entanto, não crê que as limitações legais cerceiem a criatividade do publicitário. Para ele, as regras não são impedimento para a inovação. “A chance é boa, porque o profissional é instigado a pensar fora da sua zona de conforto e a fazer algo diferente do que está acostuma-
“
ESSE É UM MOMENTO IMPORTANTE PARA O MERCADO PUBLICITÁRIO. ESTAMOS LIDANDO COM UM EVENTO DE GRANDE VISIBILIDADE Marcelo Rosa, publicitário
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“ do. Ele tem que encarar a provocação de planejar ações que não fiquem presas ao bloqueio legal da FIFA e que consigam ser relevantes, ultrapassando não só o concorrente direto, mas todas as outras marcas”. Marcelo Rosa também acredita que há uma saída. Ele entende que a alternativa dessas empresas é explorar o tema “Futebol 2014” e trabalhar elementos como o patriotismo. O ponto principal desse tipo de campanha é o antes e o depois do evento: a empresa que se envolver com antecedência será reconhecida pelo consumidor como uma instituição que apoia o esporte. Depois, a marca pode aproveitar a imagem positiva que será lembrada pelos consumidores. É o caso da campanha da Fiat, intitulada “Vem pra rua”. A empresa foi uma das primeiras a rodar uma ação relacionada aos eventos da FIFA ainda em 2013. O objetivo era criar um clima de festa, chamando o torcedor para a rua. “O slogan combinou muito bem com as manifestações de junho. Todo mundo se apropriou da mensagem”, salienta Rosa. A ideia da campanha trabalha o ponto que é considerado o mais importante por muitos profissionais do setor: a paixão. A Fiat acertou ao valorizar a ideia de que é na rua, afinal, que a maior parte dos brasileiros vai se juntar para torcer. O evento também interfere na sazonalidade dos produtos. Uma das estratégias é lançar edições especiais visando 18
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TEMOS QUE PLANEJAR AÇÕES QUE NÃO FIQUEM PRESAS AO BLOQUEIO LEGAL DA FIFA E CONSIGAM ULTRAPASSAR NÃO SÓ O CONCORRENTE DIRETO, MAS TODAS AS OUTRAS MARCAS Felippe Motta, profissional de marketing
o aumento do consumo e a conexão das marcas com o ambiente criado pela Copa. A Hyundai embarcou nessa oportunidade e apresentou modelos de carros comemorativos. Além disso, vai estender a garantia de veículos dos atuais cinco anos para seis, caso a seleção brasileira conquiste o hexacampeonato. Outra tática é aguardar o lançamento do produto para pouco tempo antes do acontecimento.
Duas situações
Este ano, mais de 190 milhões de torcedores esperam que a seleção brasileira seja vitoriosa, e a expectativa não é diferente quando falamos dos responsáveis pelas campanhas relacionadas ao evento. Muitas delas são pautadas pelo sucesso do Brasil na disputa, pela crença do torcedor em mais um título e pela busca dos jogadores pelo melhor resultado. Se o Brasil for eliminado, tudo muda, do ponto de vista comercial. As marcas têm que estar preparadas para as duas situa-
ções, vitória ou fracasso, e precisam saber utilizar o momento da melhor maneira. Se a seleção perder a Copa, as empresas poderão tirar suas campanhas do ar e trocá-las por outras com mensagens focadas no agradecimento aos jogadores e na esperança para a próxima competição, caso já tenham esse material preparado. Do ponto de vista cultural, o país conta com costumes diferentes do resto do mundo, e que devem ser respeitados. Kauê Cury, diretor de mídia digital da AlmapBBDO, agência publicitária, acredita que a propaganda pode interferir também nessa área: “O ‘padrão FIFA’ costuma eliminar muita coisa”, lembra. As marcas são capazes de atuar como mediadoras no embate entre os padrões importados e a cultura brasileira: ações que relacionem o produto ao contexto regional podem aproximar as duas “tradições”. Algumas empresas já planejam campanhas que priorizem características locais: “A Visa vai fazer ativações nas
Itens de merchandising (produtos) estampados com termos gerais ligados ao futebol, ao Brasil ou às bandeiras nacionais Itens de decoração em estabelecimentos (lojas, bares, restaurantes) relacionados ao futebol em geral ou ao Brasil Uso legítimo editorial e informativo, não comercial, das marcas oficiais e do calendário de jogos pela imprensa
PROIBIDO
PERMITIDO
Uso de termos gerais relacionados ao futebol em anúncios comerciais
Uso de marcas oficiais* em anúncios comerciais Qualquer tipo de promoção envolvendo ingressos, exceto quando promovido por um parceiro oficial da FIFA Uso de marcas oficiais como parte do nome de uma empresa ou site com conteúdo comercial Plataformas de mídias sociais contendo logotipos, símbolos e marcas oficiais que indiquem que a FIFA patrocina a página
FOTO: SXU.HU/ABCZDZ2000
*Termos registrados pela FIFA que só podem ser utilizados pelos patrocinadores oficiais da Copa do Mundo, como FIFA WORLD CUP, COPA DO MUNDO, MUNDIAL 2014, etc.
cidades-sede em locais estratégicos para tentar potencializar o turismo na cidade, oferecendo descontos em estabelecimentos comerciais”, exemplifica Cury. Ainda sobre a conjuntura do país, os profissionais da publicidade não podem ignorar os acontecimentos recentes que acaloraram a sociedade brasileira. Fazer comunicação e cegar-se para as respostas do que se produz é algo que não cabe mais em um tempo em que o público deixou de ser mero receptor. As manifestações de junho do ano passado continuam a ecoar em parte da população, que não esconde suas insatisfações e argumenta contra a realização da Copa do Mundo. Cury acredita que o maior risco para as empresas patrocinadoras, nesse sentido, é elas serem incluídas na imagem pejorativa à qual o evento vem sendo associado por alguns setores da sociedade – principalmente pelos grupos que se organizam e protestam com a ajuda da internet. “As pessoas fazem
conexões entre assuntos. Linkar o patrocínio das marcas a algo negativo, como a inadimplência dos políticos nos investimentos estruturais do país, é algo muito ruim para a gente.” No contexto dos grandes eventos internacionais como a Copa do Mundo, o investimento nas marcas aumenta e a esfera publicitária é incentivada a reinventar o seu papel em campo. As empresas apostam na integração com outras ferramentas, como o marketing de relacionamento e as redes sociais, que já se consolidaram como grande tendência na área. O mundo inteiro terá parte da atenção voltada ao Brasil durante 32 dias e as empresas têm se preparado para transformar o evento em oportunidade de negócios – já que é o momento em que tudo toma dimensões grandiosas, assim como a disputa por notoriedade no mercado. Ruas e muros serão pintados de verde e amarelo. Resta saber quem vai levar a bola da vez.
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Na internet Guia para Uso das Marcas Oficiais da FIFA pt.fifa.com
Meio e Mensagem – Negócios da Copa negociosdacopa.meioemensagem.com.br Maio de 2014 | CÁSPER
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teatro
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pequena porta na lateral do teatro era claramente reconhecível diante da rua escura. Dois seguranças controlavam a entrada e a saída de pessoas naquela noite, em que tudo parecia acontecer em tempo acelerado. Uma moça com vestido de bolinhas e luvas brancas correu em minha direção enquanto algumas pessoas de preto e fones de ouvido corriam em todas as direções. O ensaio já havia começado e, uma vez que não poderíamos (eu e a fotógrafa) andar pelo palco para chegar até a plateia, tivemos que passar por trás dele. Escondidos pelas coxias escuras, os artistas ainda ajeitavam os últimos detalhes do figurino. De repente, o teatro se abriu belamente na imagem de 636 cadeiras aveludadas em vermelho que se estendiam a dois balcões semicirculares. Os assentos eram ocupados por apenas nove pessoas; sete delas encontravam-se bem ao centro, iluminadas por um pequeno abajur de luz amarelada. O palco ainda estava escuro e silencioso. A orquestra, em seu fosso (toda colorida, e não no preto e branco habitual das casacas), mantinha os olhos fixos no maestro enquanto ouvia atenta uma voz grave que saía das caixas de som. Assim que a voz cessou, as mãos do regente desenharam um movimento brusco no ar. Deu-se início, assim, à música e à encenação. A orquestra descrita, no caso, é a do Theatro São Pedro; a pequena porta late-
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UMA ÓPERA brasileira
A complexidade de uma produção captada por dentro, no Theatro São Pedro, durante o ensaio geral da premiada O Menino e a Liberdade Por Júlia Barbon
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ral por onde entrei fica na Rua Albuquerque Lins, zona oeste da cidade de São Paulo; os artistas pertencem ao elenco da ópera brasileira O Menino e a Liberdade; e a voz que sai das caixas de som é de Paulo Bomfim, escritor do conto que inspirou o espetáculo. Premiada como melhor obra vocal de música erudita pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) depois de ter sido encenada em novembro de 2013, a ópera voltou aos palcos em março de 2014. A história se desenvolve em torno de uma palavra: “O que é livre?”, pergunta à mãe o menino que pega um táxi no centro da São Paulo dos anos 50, retratada por um cenário composto basicamente de um círculo ao fundo, uma ponte de metal, uma espécie de caixote cinza e grades angustiantes. Os cantores têm apenas um ato de pouco mais de 50 minutos para responder à questão que, dentro do cotidiano já movimentado da cidade cosmopolita, deixa todos ao redor perturbados.
Sopa de gente
Ao microfone, o diretor cênico Mauro Wrona (um dos sete sentados no centro da plateia) advertiu sobre o cenário: “Sobe a bola! Sobe mais!”. Era o ensaio geral, dois dias antes da estreia, por isso o espetáculo estava sendo polido em todas as suas faces. Produzir uma ópera é uma arte complexa que coloca em prova a dinâmica do trabalho em grupo o tempo todo. É como um quebra-cabeça: mistura muitos tipos de pessoas com tarefas e expectativas bastante distintas e passíveis de conflito. Para coordená-las, existem duas 22
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figuras centrais, o diretor cênico e o diretor musical, que estão sempre em contato. O objetivo em comum, que é realizar um bom espetáculo, parece ser o fio condutor que acaba fazendo tudo dar certo. Entre a idealização de uma ópera e a sua apresentação, podem se passar muitos meses, incluindo o período de que os cantores necessitam para adequar a voz ao personagem. “Somos como atletas. Precisamos treinar a musculatura para que o movimento fique fácil, automático”, explica um dos barítonos. Geralmente a produção começa pelos ensaios iniciais que são feitos com o elenco e piano e separadamente com a orquestra, em uma sala ou no próprio teatro. Nesse momento, acontece também o antepiano, um ensaio do qual não participa a orquestra: os cantores trabalham os detalhes musicais e começam a fazer as marcações cênicas com o auxílio do pianista preparador. Num segundo momento, os dois núcleos se juntam e são realizados os chamados ensaios à italiana, nos quais monta-se a obra sem cena, apenas trabalhando detalhes musicais e a sincronia entre orquestra e vozes. Depois disso, dá-se início aos ensaios nos quais os três elementos se unem (cena, cantores e orquestra). Gradativamente, o palco fica pronto, as luzes vão sendo acertadas e os figurinos vão se ajustando. Nessa fase, corrige-se toda a parte técnica do espetáculo, como a iluminação e a transição de cenários. Por fim, vêm os ensaios pré-geral e geral (às vezes já com algum público), quando se apresenta a obra por inteiro para que os
ela fez questão de tirar a sua bolsa de lá e me colocar diretamente ao seu lado. “Ela põe as mãos na cintura”, li em tinta azul em uma das páginas. Era um dos movimentos que a cantora não fazia nas apresentações de novembro, mas que passou a fazer nas de março; e Fátima, que faz parte do grupo Ver com Palavras, tinha o dever de descrevê-lo ao espectador.
Toque final
Batíamos palmas depois de cada cena para que os cantores tivessem noção do momento de reação da plateia. Depois de uma dessas palmas, comecei a ouvir vozes indecifráveis conversando na fileira de trás e, como Fátima não poderia falar muito comigo porque tinha que prestar atenção na encenação, decidi mudar de lugar. Acomodei-me então ao lado de Danilo Gambini, assistente de direção, que me explicou quem eram as outras pessoas naquele núcleo habitado do teatro: além de Fátima e o diretor cênico Mauro Wrona, encontravam-se o assistente de iluminação e a pianista preparadora – sentados de frente para uma mesa de iluminação – e, em um assento mais afastado, a idealizadora da ópera, Bea Esteves. Ao lado de Danilo, que fazia
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A PRODUÇÃO ENVOLVE PERSONALIDADES MUITO DIFERENTES. OS PROFISSIONAIS TÊM EXPECTATIVAS DISTINTAS E ÀS VEZES CONFLITANTES.
FOTO: ABRE E À ESQ. - RAPHAELE PALARO / À DIR. - DÉCIO FIGUEIREDO
últimos detalhes sejam aprimorados. Se a ópera incluir dois elencos, são feitos dois ensaios gerais. A montagem de março de O Menino e a Liberdade teve algumas particularidades, pois o espetáculo já havia sido encenado alguns meses atrás. Os ensaios começaram por volta de duas semanas antes do início das apresentações e o cenário, figurino e iluminação foram reutilizados: nem os trajes vermelhos da personagem da mãe, que foi a única cantora substituída, desta vez interpretada por Caroline Jadach, precisaram de ajustes. A audiodescrição, técnica que permite que deficientes visuais “enxerguem” espetáculos através de gravações sonoras, também foi reaproveitada do espetáculo de novembro. Fátima Ângela, outra das sete pessoas sentadas no centro do teatro, corrigia meticulosamente o texto antigo naquela noite, que já havia sido escrito para a outra apresentação. No escuro, me aproximei daquela luz amarelada que via de longe e que, depois descobri, estava direcionada a ela. Sob a luminária, Fátima escrevia sobre o colo em folhas de papel impressas. Timidamente, perguntei se podia me sentar (entre nós havia ainda uma cadeira), mas
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anotações periódicas em um caderno e se balançava na cadeira ao ritmo das músicas, estava o iluminador Joyce Drummond. Mauro Wrona virou para trás e, referindo-se a mim, perguntou: “Quem é essa pessoa?”. Depois que seu assistente respondeu, ele acenou com a cabeça e deu de ombros. Seu corpo estendia-se na cadeira. Absolutamente confortável, o diretor largava o tronco pesado sobre o acento e, mascando seu chiclete, balançava a cabeça quando algo no ensaio lhe parecia bom. “Tem que falar pra ele enfiar mais a cabeça nas barras!”; “Eles têm que ser mais enérgicos!”; “Nessa hora eles têm que olhar pro público”, ele comentava com Danilo, que anotava as diretrizes no caderno. “Tá faltando fumaça, pô!” E Joyce rebateu: “Fumaça boa é aquela que aparece só quando a gente precisa, Mauro”. E os três riram. Logo que os artistas agradeceram a plateia, o grande tapume preto começou a descer, mas devagar demais, segundo o Mauro. Dois staffs da própria ópera são responsáveis por avisar aos maquinistas, 24
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funcionários do teatro, a hora de encobrir o palco, que é sinalizada por determinadas notas musicais. Naquele dia, porém, esses funcionários demoraram para dar o aviso, o que deixou Mauro irritado: “Mais rápido! Mais rápido!”.
Fio condutor
Um murmúrio vinha então do fosso do teatro. O pequeno mar de gente lá embaixo começou a se agitar. O ensaio tinha terminado e, enquanto não consertassem o ar condicionado, não haveria mais encenações. A decisão foi de Emiliano Patarra, o regente da obra e diretor artístico do Theatro São Pedro, que é mantido pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e pelo Instituto Pensarte. “Está um inferno lá embaixo”, resmungou enquanto corria para o fundo do palco. O calor desregula a orquestra, e se perde todo o esforço de antes: a afinação dos instrumentos de sopro sobe e a dos de corda desce. Patarra, que chora todas as vezes que apresenta O Menino e a Liberdade, tem sua própria definição de regência.
Ele compara a palavra “maestro” ao seu equivalente no inglês, conductor, aquele que conduz a energia do trabalho. Diante de um mosaico de gente, é ele quem desempenha o papel de mediador; é ele quem tem de estar sempre prestando atenção tanto no estado emocional quanto físico da orquestra e dos cantores; e ele é em grande parte responsável pela relação de respeito e carinho que a equipe nutre. Conversei com Emiliano Patarra por uns 30 minutos ao final do ensaio. Eram nove horas da noite e só restávamos eu, ele, a fotógrafa e o eco de sua voz nas paredes vazias do teatro: “Sou apaixonado por isso. É a razão de ser da minha vida. Se você não me parar eu vou até não poder mais”. Naquela quarta-feira, o maestro, junto com Mauro Wrona, decidiu encerrar o dia e cancelar o ensaio de quinta-feira, o que automaticamente transformava aquela apresentação que eu acabava de ver em ensaio geral. A decisão pareceu deixar todos meio eufóricos. Minutos antes, os seis dançarinos reclamavam entre si que estavam exaustos (o que Patarra
FOTO: RAPHAELE PALARO
UM MURMÚRIO VINHA ENTÃO DO FOSSO DO TEATRO. O PEQUENO MAR DE GENTE LÁ EMBAIXO COMEÇOU A SE AGITAR
não deixou de notar) pois trabalhavam em outros lugares durante o dia. Eram todos terceirizados, por isso só se encontravam com os cantores nos ensaios coletivos. Nenhum deles parecia nervoso para o espetáculo, que estrearia na sexta-feira, porque já conheciam os passos de trás para frente. Ocupavam-se, naquele momento, em fazer piadas uns com os outros, aproveitando-se da intimidade familiar que já tinham entre si. Uma das meninas levantou a perna estendida à altura do ombro de um dos rapazes para treinar um passo, mas desistiu no meio do caminho: “Estou de calcinha, não posso ficar fazendo isso, ou vão ver tudo aqui embaixo!”. Dois metros à frente, no núcleo dos cantores, também se discutia se os ensaios terminariam ou não. Todos na rodinha sabiam falar em italiano. A segunda língua é obrigatória para um cantor de ópera, assim como o alemão e o inglês. Sendo a única artista nova naquele espetáculo, a mezzo-soprano Caroline Jadach, que interpretou a “mãe”, disse que já teve que entrar na equipe “pronta”. E a exiMaio de 2014 | CÁSPER
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O MAIS DIFÍCIL, MAS AO MESMO TEMPO MAIS INTERESSANTE, É QUE A ESSÊNCIA DA REALIZAÇÃO DE UMA ÓPERA ESTÁ NAS RELAÇÕES HUMANAS
gência não era pequena: “Você erra uma, duas vezes, na terceira o Mauro já não é tão amigável”. A sua maior dificuldade é em atuar: “Isso está mudando, mas os cantores ainda têm muito mais treino de canto do que de atuação”, comentou.
FOTO: RAPHAELE PALARO
Sob os holofotes
Alguns minutos depois, apareceu metamorfoseado em garoto do século XXI Ivan Marinho. O menino soprano de 13 anos usava o uniforme do colégio e aguardava o pai, que havia assistido toda a apresentação da plateia e o levaria para casa. Ivan contou que é puxado, mas que consegue conciliar a ópera, o fonoaudiólogo, a aula de canto e a aula de piano com a escola. Sua voz está em transformação, por isso tem de se adaptar a ela. Extremamente consciente de seu corpo, ele me explicou as técnicas de voz que aprende no curso: “Minha professora falou que é como se existissem muitos macaquinhos dentro da gente, e eles não podem parar de se mexer nunca. Isso é para manter o ar circulando”. Para Ivan, compartilhar conhecimento é uma prática comum entre os canto-
Emiliano Patarra, regente
res de ópera. Mas parece que não é bem assim no mundo dos adultos. O barítono Johnny França, que faz o papel do chofer, diz que até existe um costume de trocar conhecimentos, mas normalmente com quem já é bem próximo: “O ego de quem está acostumado a subir no palco é bem inflado. Você não pode fazer críticas”. Os espectadores que pagam mais caro gastam 60 reais para assistir a um espetáculo no Theatro São Pedro. Os que pagam menos desembolsam 20 reais, a inteira. A elitização talvez tenha deixado de ser uma regra no mundo da ópera, e O Menino e a Liberdade está viva para prová-lo: uma história contemporânea, em sua língua de origem e de pouco mais de 50 minutos também é suficiente para passar uma mensagem. Vale uma reflexão ainda sobre o caráter ritualístico desses espetáculos. O fato de o público se arrumar mais nessas ocasiões, nesse sentido, pode significar apenas a construção de uma magia própria do teatro. Bea Esteves, costuma fazer óperas periodicamente no jardim de sua casa – para reproduzir o máximo possível da estrutura de um teatro, ela esvazia a pis-
cina, que serve de fosso para a orquestra. Foi dela a ideia de transformar em ópera o conto de Paulo Bomfim, de quem é admiradora. Para chegar aos palcos, o pensamento que saiu da cabeça de Bea teve que passar pelas mãos de um compositor, um escritor, um diretor cênico, um diretor musical, um assistente de direção, uma cenógrafa, um figurinista, uma pianista preparadora, uma audiodescritora, um iluminador, um operador de luz, um técnico de iluminação, um coordenador de palco, seis maquinistas, sete cantores, seis dançarinos e mais de 50 instrumentistas. São mais de cem pessoas construindo apenas quatro récitas de O Menino e a Liberdade. “Qual parte você acha mais difícil?”, “O mais difícil, mas ao mesmo tempo mais interessante, é que a essência da realização de uma ópera está nas relações humanas”, acredita Emiliano Patarra. E enquanto o assistente de iluminação ajeitava o foco da luz, que não mirava para o exato lugar onde a cantora pararia em sua ária, um dos maquinistas que segurava a escada brincou: “Os que menos aparecem são os que mais fazem acontecer”. Maio de 2014 | CÁSPER
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história
A equacao DO
MILAGRE Como os primeiros governos militares mudaram a economia brasileira Por Marcos Guterman
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FOTO DA EXPOSIÇÃO: GUILHERME TESTA (ESTUDIO J)
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ão é nada confortável comentar os aspectos supostamente positivos de uma ditadura, afinal, considerado o todo, um regime de exceção é sempre danoso. No entanto, é necessário ressaltar, ao lembrarmos o 50º aniversário do golpe de 1964 no Brasil, que houve, sim, avanços importantes na economia, ao menos nos primeiros anos após o putsch. Ignorar tal progresso é ler aquele trágico momento pela metade. O marco dessa trajetória é o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), elaborado pelo regime militar para debelar a escalada inflacionária que vinha arruinando o Brasil principalmente desde o governo de Juscelino Kubitscheck (19561960). A explosão dos preços tomou forma definitiva no governo de João Goulart (1961-1964), como herança do excessivo gasto público, que Jango não minorou. O presidente “bossa nova”, como Juscelino era conhecido, construiu Brasília – a um custo exorbitante e jamais inteiramente conhecido – e acreditava no modelo segundo o qual o Estado era o motor propulsor do desenvolvimento em países periféricos e de capitalismo “tardio”. Com vista a fazer o Brasil crescer “cinquenta anos em cinco”, como apregoava, JK tinha em mente um Plano de Metas cujo objetivo subjacente, à parte seu caráter prático, era transformar um país de perfil agrário em uma potência
Imagens da exposição Movimento de Justiça e Direitos Humanos, em Porto Alegre
industrial, numa aceleração do processo iniciado por Getúlio Vargas. O resultado esperado era que o país passasse a depender menos de mercadorias importadas – a começar pelos automóveis, a grande marca da indústria do governo JK. Ademais, quase todos os investimentos estatais de seu governo estavam voltados, direta ou indiretamente, para a construção de Brasília, um empreendimento épico. No entanto, com severas restrições de financiamento – e sem que pudesse emitir títulos da dívida com juros acima de 12% ao ano, em razão de uma lei contra a usura, nem elevar impostos, uma vez que a estrutura tributária era engessada e qualquer mudança teria resultados ape-
nas no longo prazo –, JK viu-se obrigado a promover uma expansão monetária, vitamina que alimenta a inflação. Entre 1957 e 1959, a alta dos preços passou de 13,74% para 42,70% ao ano, dando todos os sinais de uma economia fora de controle, a despeito do fato óbvio de que a riqueza do país havia dado um salto considerável no mesmo período.
Sem rumo
Quando assumiu a Presidência, em 1961, Jânio Quadros tomou medidas ortodoxas para conter a inflação e recuperar o crédito externo, como corte de gastos públicos e desvalorização da moeda. Sua breve permanência no governo (apenas Maio de 2014 | CÁSPER
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Jânio Quadros após sua renúncia, em 1961: os sete meses no poder não foram suficientes para recuperar as finanças
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cas anti-inflacionárias. Essa foi uma das principais razões, ao lado da manutenção das barreiras às importações, para o fracasso do plano de Furtado – definitivamente abandonado por Jango em 1963, diante do baixo crescimento econômico e da inflação acelerada, que chegou a 80% naquele ano. O presidente retomou a política de subsídios, onerando ainda mais o depauperado Estado, e estimulou aumentos reais de salário. Foi nesse ambiente convulsionado – ao qual se deve acrescentar enfaticamente o mal-estar causado pela proximidade de Jango com os sindicatos e por sua inclinação à esquerda, um elemento nada irrelevante naquele contexto de Guerra Fria – que os militares saíram dos quartéis para tomar o poder, em março de 1964. Como ocorrera em outras oportunidades na história republicana brasileira, os generais disseram estar interessados apenas na manutenção da Constituição, que, ao seu ver, estava sendo destroçada por Jango e pelos comunistas. Daquela feita, no entanto, a intenção não era apenas restaurar o império da lei, como alegavam, e sim exercer o poder de fato,
pela primeira vez. Havia o desejo dos militares, acalentado há muito tempo, de impor ao país sua visão de administração. O Paeg se enquadra nesse objetivo.
Ordem na casa
O primeiro presidente do regime militar foi o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Considerado “moderado”, ele adotou uma política econômica que visava primeiramente combater a inflação, mesmo que com prejuízos para o crescimento do país. Era uma abordagem inédita até então, pois todos os seus antecessores temiam sacrificar a expansão da economia se realizassem o necessário aperto monetário e fiscal. Com uma política gradualista, foram estabelecidas metas decrescentes de inflação. Mas os problemas eram estruturais: sem um Banco Central com autoridade para intervir no mercado e sem poder elevar os juros, o que repelia investimentos e inibia a poupança, o governo tinha pouca margem para atacar a inflação e, ao mesmo tempo, recompor as contas públicas refinanciando suas dívidas – os seguidos déficits eram cobertos
FOTO: AGÊNCIA ESTADO / À DIR. - ARQUIVO NACIONAL
sete meses até a estabanada renúncia que jogaria o país no caos) não foi suficiente para que as medidas tivessem pleno êxito. João Goulart, vice de Jânio, que assumiu o governo após a renúncia e depois de lutar contra golpistas que pretendiam lhe retirar os poderes de presidente, pouco fez para controlar a inflação. Ao contrário, adotou políticas que a estimularam, ainda que sua estratégia econômica tenha sido elaborada (mas não inteiramente implementada) pelo competente economista Celso Furtado. O Plano Trienal, de Furtado, pretendia recuperar o crescimento econômico e conter a inflação sem métodos heterodoxos – ou seja, por meio de controle monetário e fiscal. A intenção era – paradoxalmente para um governo supostamente identificado com a esquerda sindical – recuperar a credibilidade internacional e conquistar o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para obter financiamento. No entanto, o caminho aberto por Jango para as reivindicações trabalhistas foi rapidamente trilhado pelos sindicatos, o que dificultou a adoção das políti-
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ERA PRECISO ALTERAR A ESTRUTURA ECONÔMICA DO PAÍS. COUBE À DITADURA FAZÊ-LO, PELA RAZÃO ÓBVIA DE QUE OS GENERAIS NÃO PRECISAVAM DAR SATISFAÇÃO A NINGUÉM
Castelo Branco priorizou o controle da inflação
por expansão monetária, que era equivalente a jogar gasolina no fogo da inflação. Em relação ao sistema tributário, a legislação favorecia o atraso no pagamento de impostos, porque, sem correção monetária, não havia punição para os inadimplentes. Quanto à legislação trabalhista, não havia estímulo à produtividade, uma vez que os trabalhadores adquiriam uma espécie de “estabilidade” ao completarem 10 anos de serviço num mesmo emprego. Como se observa, a estrutura econômica, tributária e trabalhista do país não estava pronta para o salto que os governos brasileiros, desde JK, pretendiam promover. Era preciso alterá-la drasticamente. Coube à ditadura fazê-lo, pela razão óbvia de que os generais não tinham necessidade de dar satisfação a ninguém, a não ser talvez aos empresários que os haviam apoiado em 1964. A operação coube aos economistas Roberto Campos e Octavio Gouveia de Bulhões, adeptos do desenvolvimento a partir do Estado, mas apenas como estímulo ao capital privado. A necessidade urgente do controle da inflação, que, como vimos, era o objetivo primário do regime militar, obrigou o governo a criar instituições que hoje são essenciais para o planejamento da economia. Surgiu em 31 de dezembro de 1964, numa só canetada – a Lei 4595/64 –, o sistema financeiro nacional, formado pelo Banco Central (Bacen), pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), Maio de 2014 | CÁSPER
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pelo Banco do Brasil e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Entre outras funções cruciais para o controle do sistema, o CMN passou a disciplinar o crédito e a estabelecer o porcentual do depósito que os bancos comerciais são obrigados a fazer no Banco Central – instrumento que regula a quantidade de moeda no mercado. Já o Banco Central passou a realizar operações de compra e venda de títulos públicos, também com objetivos monetários.
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O governo de Costa e Silva optou por uma política desenvolvimentista
SURGIU EM 31 DE DEZEMBRO DE 1964, NUMA SÓ CANETADA, O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
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O governo militar estabeleceu também a correção monetária, que facilitou o financiamento do déficit público, por meio da emissão de títulos reajustáveis (que, ademais, “enxugam” a liquidez, contribuindo para reduzir a inflação), e possibilitou o fechamento de contratos de longo prazo e a formação de poupança. Com isso, o regime pôde investir no setor habitacional para os brasileiros de baixa renda, praticamente inexistente até então e com grande margem para crescimento sem que isso gerasse inflação. Foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), e a construção civil recebeu então forte impulso, gerando empregos e dinamizando a economia – embora os favorecidos no processo não tenham sido os pobres, e sim os especuladores imobiliários. Outra frente de atuação foi a dos impostos. A ditadura eliminou as taxas em cascata na produção, criando impostos pagos na circulação de mercadorias. Surgem, assim, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM). Já o Imposto de Renda (IR) foi sofisticado, levando em conta a correção monetária. No entanto, o sistema era basicamente regressivo, isto é, quem tinha renda maior pagava menos impostos, enquanto o maior peso recaía sobre a base. A distribuição de renda, que já não era exemplar antes da ditadura, piorou muito nos anos de chumbo, ainda mais porque não havia interesse do governo em empenhar esforços para melhorar a saúde e a educação públicas, o que poderia minorar o
FOTO: ACERVO ICONOGRAPHIA / À DIR. - GUILHERME TESTA (ESTUDIO J)
Lucro desigual
Livros A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana (18891989) Marcelo de Paiva Abreu (org.)
Pensamento Econômico Brasileiro: O Ciclo Ideológico do Desenvolvimentismo Ricardo Bielschowski A Lanterna na Popa: Memórias Roberto Campos A Economia Brasileira em Marcha Forçada Antônio de Castro e Francisco de Souza Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004) Fábio Giambiagi e outros
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Vítimas da ditadura: ainda há muitos desaparecidos, segundo a Comissão Nacional da Verdade
problema. A carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) subiu assim de 17,02% em 1964 para 25,98% em 1970, sendo que o peso da inflação sobre esse porcentual caíra drasticamente. Ou seja: a arrecadação era real, ampliando-se a base fiscal e municiando o governo com recursos para o desejado desenvolvimento. Já em relação aos salários, com as lideranças sindicais devidamente caladas pela ditadura, não foi difícil estabelecer parâmetros mais rígidos para os reajustes. Em outras palavras, o Brasil experimentou forte arrocho salarial. O governo trocou a estabilidade no emprego, que emperrava o mercado de trabalho e reduzia a produtividade, pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966 e que se constituía em poupança forçada – igualmente voltada, como é até hoje, para o financiamento da habitação e que proporcionou um nível inédito de reserva interna, da ordem de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1970. Essa poupança, somada ao crédito obtido no exterior e ao aperfeiçoamento tributário, está na base do “Milagre Econômico”, que teve também impulso a partir da decisão de fomentar as exporta-
ções de produtos manufaturados, o que permitia ao país manter um razoável nível de crescimento mesmo que houvesse flutuação de preços de commodities no mercado internacional. Na pauta de exportação do Brasil, o café continuou dominante, mas sua participação caiu de 53% em 1963 para 35% em 1969, enquanto os manufaturados saltaram de 1,4% para 6,5% no período. O “Milagre”, porém, só foi realmente possível graças ao abandono progressivo das políticas recessivas da dupla Campos-Bulhões por parte da linha dura e em razão da enorme oferta de crédito externo, do qual a ditadura brasileira se fartou para financiar seus gigantescos projetos de integração nacional. O chamado “Choque do Petróleo” em 1973 interrompeu essa fantasia perdulária, mas o fato é que boa parte do sistema financeiro criado pelos governos militares reorganizou o país, modernizou as relações econômicas e, em razão disso, está em funcionamento até hoje. Marcos Guterman é Doutor em História pela USP, jornalista e professor de Jornalismo Econômico na Faculdade Cásper Líbero.
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Diretor do documentário O Dia que Durou 21 Anos fala sobre o papel do governo norte-americano no Golpe Por Júlia Barbon
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O presidente John F. Kennedy e o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, conversam na Casa Branca. À direita, o Comício da Central, no Rio, reúne 150 mil pessoas para o discurso de Jango, em 1964 CÁSPER | Maio de 2012
FOTO: ICONOGRAPHIA / À ESQ. - JFK LIBRARY
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amilo Tavares nasceu em 1971 na Cidade do México e comemorou seu aniversário de seis anos num cárcere em Montevidéu, onde Flávio Tavares, seu pai, estava preso. Passou a infância na Argentina e só veio para o Brasil aos doze anos, depois do perdão político concedido pela Lei da Anistia. Na tentativa de ligar todos esses pontos de sua trajetória, há alguns anos o diretor decidiu fazer um documentário baseado nas crônicas literárias de seu pai – o gaúcho militante de esquerda que foi preso quatro vezes, penou em sessões de tortura e participou do famoso sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969. Ao se deparar com preciosos documentos sobre a queda de João Goulart liberados pelo governo dos Estados Unidos, no entanto, Camilo optou por mudar de rumo. Os cinco anos de pesquisa que se seguiram desde então resultaram no longa O Dia que Durou 21 Anos, que descreve em detalhes a participação conspiratória norte-americana no Golpe Militar de 1964. Na casa que abriga a produtora Pequi Filmes, da qual é sócio, Camilo (cujo nome reverencia o padre católico e guerrilheiro colombiano Camilo Torres) falou sobre o período da ditadura militar e sobre o processo de realização do documentário, que além de estar disponível em várias livrarias, agora também se encontra no iTunes.
Você disse em uma entrevista que procurou uma linguagem dinâmica, que atraísse e atingisse o jovem. Por que essa preocupação? Tenho 42 anos, nasci em 1971 e sou filho de exilado político. Tive acesso à educação, estudei em bons colégios, frequentei boas universidades e mesmo assim eu não conhecia essa história. Eu nunca soube direito o que aconteceu em 1964, nunca me ensinaram isso na escola, por isso eu tinha essa preocupação, essa missão, de certa forma. Vejo muita falta de conhecimento sobre a nossa própria trajetória como país, e o jovem é fundamental nesse sentido. Então, colocamos um 3D, uma trilha bacana e tentamos construir uma linguagem interessante, para que os mais novos se sentissem atraídos por um assunto histórico que, supostamente, podia ser chato. O mais legal, para mim, foi ver pais e avós levando filhos e netos para a sessão. Era bem nítido: você via duas gerações bem distintas. Quais obstáculos você encontrou para conseguir os arquivos que provavam o envolvimento dos EUA no Golpe Militar? O maior obstáculo do filme foi encontrar material brasileiro. Por incrível que pareça, a gente tinha mais acesso aos arquivos americanos do que aos nossos próprios documentos. No Arquivo Nacional do Rio de Janeiro há um acervo muito oficial, digamos assim, mas não há imagens de 1964. Não quer dizer que as imagens não existam. Elas até chegaram a existir, mas Maio de 2014 | CÁSPER
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OS TELEGRAMAS DO EMBAIXADOR JÁ COMPARAVAM JANGO A FIDEL CASTRO DESDE 1961, O QUE CRIAVA UM CLIMA DE PARANOIA TERRÍVEL Camilo Tavares
foram destruídas para apagar a memória de João Goulart e do Golpe. Encontramos a maior parte das imagens nos acervos do Jornal do Brasil e do jornal O Globo e na Cinemateca Brasileira. A gente foi até Washington e colocou pesquisadores nas bibliotecas americanas: a John F. Kennedy Presidential Library e a Lyndon Baines Johnson Library, onde você é tratado de um jeito totalmente diferente. A partir do momento em que você mostra que está fazendo um trabalho sério, o acesso aos documentos fica mais fácil – mas não sem alguma resistência, claro. No Brasil, esse acesso é dificultado propositalmente? Acho que é resultado da história e também da própria legislação brasileira. Nos Estados Unidos existe o Freedom of Information Act (FOIA), por exemplo, que é um mecanismo da Constituição americana para pressionar a liberação de arquivos top secret. Depois de anos ou décadas eles vão sendo desclassificados de acordo com a ordem de confidencialidade. No Brasil, esse esforço está surgindo através da Comissão da Verdade, para que documentos sigilosos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sejam liberados. Acho que a iniciativa é mais reparatória que indenizatória, mas é superimportante 36
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O que vocês descobriram de novo, que ninguém sabia ou nunca tinha visto? O que chamou muita atenção nos Estados Unidos e aqui foram as gravações de John Kennedy de abril de 1962, em que ele e o embaixador Lincoln Gordon fazem um plano civil e militar para derrubar João Goulart. Dois anos antes do Golpe, eles já discutem todos os métodos que iriam usar, como comprar o Congresso ou dar dinheiro aos governadores para que se opusessem a Jango. E isso não apenas no âmbito político, mas também no civil, dando muito dinheiro para rádios e jornais. Encontramos ainda informações da participação da CIA (Agência Central de Inteligência), que eram muito pouco divulgadas, e cartas e telegramas que nunca tinham vindo a público. Sabia-se da frota naval que havia chegado à costa brasileira, por exemplo, mas não se sabia da participação do Kennedy nessa história. Estamos sendo chamados para exibir o filme em oito universidades americanas, e acho que isso se deve principalmente ao interesse deles pelo papel do Kennedy. Que estratégias os EUA utilizaram para convencer o povo brasileiro de que o governo de João Goulart representava uma ameaça à democracia? Todo tipo de estratégia possível. Os telegramas mostram que o embaixador pediu dinheiro para ações na imprensa, na Igreja e até em grupos estudantis. Eles gastaram muito para convencer a população brasileira de que João Goulart era um comunista, de
FOTO: BIA MORRA / À DIR. - ACERVO ICONOGRAPHIA
para reescrevermos a nossa história. Estamos muito atrasados em relação a outros países: a Argentina já julgou os militares, o Chile já julgou o Pinochet e o Brasil ainda não quer mostrar os documentos daquele período.
que ia expropriar suas terras e deixar os pobres invadirem suas casas, quando isso não era bem verdade – a reforma agrária era supertímida e essas terras eram na beira das estradas. Os telegramas de Gordon já comparavam Jango a Fidel Castro desde 1961, e mandar uma mensagem dessas para a Casa Branca no contexto da Guerra Fria criava um clima de paranoia terrível. Quando as informações da ameaça brasileira chegavam ao governo americano elas já eram suficientes para convencer todo o Departamento de Estado. Portanto, Gordon já atuava nas três áreas, tanto no governo de seu país quanto na opinião pública brasileira e americana. Em que medida os interesses econômicos americanos se relacionavam com essa persuasão ideológica? Está tudo dentro dos interesses econômicos. Acho que essa é a grande lição que o filme deu. Todas as políticas de limitar a remessa de lucros e de proteger mais os interesses brasileiros ecoavam nos EUA como um absurdo. Então, não importa tanto se é socialismo, se é comunismo, se é democracia. O próprio termo democracia é usado nos telegramas originais de Gordon. Ele diz: “Temos que fazer a revolução para defender a democracia”, quando estão na verdade tirando o presidente eleito pelo povo para atender aos seus interesses e criar um discurso conveniente. É uma questão também de linguagem, os EUA
fazem guerras em defesa da liberdade até hoje. No momento, é o terrorismo, ontem era o comunismo, amanhã vai ser outra palavra, mas, na realidade, tudo é pretexto para violar direitos civis e ter mais controle sobre seus interesses econômicos. Eu me assusto com o fato de o Brasil sempre abrir as pernas para o exterior, para os grandes interesses. Na sua opinião, qual o maior legado que a ditadura deixou para o povo brasileiro? Eu acho que foi a tristeza, a ignorância e o individualismo. A ditadura criou um cenário de repressão muito violento, em que qualquer ideia contrária ao regime era aniquilada, e isso gerou um clima de terror que se reflete nas nossas relações até o momento atual. Imagine se em 1964 houvesse uma política mais nacionalista, que se preocupasse mais em desenvolver o próprio país, qual seria o Brasil de hoje? Foram 21 anos de atraso. Nesse sentido, foi uma tragédia. Era uma época de muitas ideias, de muitas propostas, de participação da sociedade no poder – as massas rurais começavam a aparecer e as cidades começavam a lutar mais pelos seus direitos –, mas tudo aquilo foi silenciado, castrado para colocar uma ditadura no domínio. Além disso, o Brasil foi também uma grande tragédia para a América do Sul: passamos a ser o líder da região, apoiando, via EUA, uma política de autoritarismo que beneficiava o lucro das multinacionais.
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Livros Memórias do Esquecimento Flávio Tavares
Castelo Branco e Lincoln Gordon no ano do Golpe
1964 Visto e Comentado pela Casa Branca Marcos Sá Corrêa Filmes Dossiê Jango (documentário) Dir.: Paulo Henrique Fontenelle
Hércules 56 2014 (documentário) Maio de | CÁSPER 37 Dir.: Silvio Da-Rin
portfólio
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SEVILHIZAR O
MUNDO Por João Correia Filho
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evilhizar o Mundo”, além de ser o título de um poema de João Cabral de Melo Neto, é uma referência direta à sua relação com a cidade de Sevilha, no sul da Espanha. Embora a obra do poeta pernambucano esteja quase sempre atrelada ao imaginário nordestino, ao sertão e ao Recife, ela também nos leva direto à terra das castanholas, do flamenco e das touradas. Grande parte da poética cabralina tem um pé em Pernambuco e outro na Espanha; um olho cá, outro lá. João Cabral chegou em Sevilha pela primeira vez em 1956. Viveu em terras espanholas por mais de 10 anos, intercalando outras capitais do mundo com moradas pelas cidades de Barcelona, Madrid e Sevilha, sempre atuando na área diplomática. Foi o suficiente para que sua escrita passasse por uma série de mudanças irreversíveis – tanto na temática, como na forma de escrever – a partir de um contato estreito com a tradição ibérica, que ele reconhece na cultura popular nordestina. Morte e Vida Severina, livro lançado em 1955, é um ótimo exemplo dessa influência. Sua relação literária com a Espanha iria se consolidar com Sevilha Andando, último livro do poeta, lançado em 1990, e totalmente versado sobre a cidade andaluza. João Cabral cita locais e aspectos bem particulares de sua gente e sua cultura, como se estivesse recriando um roteiro imaginário por ruas e praças. É nesta viagem que eu embarco, trazendo imagens que captam a Sevilha imaginada pelo poeta: uma Sevilha para se conhecer lentamente, olhos atentos e pés no chão. Andando.
João Correia Filho é jornalista com especialização em Jornalismo Literário e atua na área desde 1993. É autor de Lisboa em Pessoa – Guia Turístico Literário da Capital Portuguesa, ganhador do Prêmio Jabuti 2012 na categoria Turismo, e À Luz de Paris – Guia Turístico Literário da Capital Francesa.
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VERÃO, O CENTRO DE SEVILHA SE COBRE DE TOLDOS DE LONA, PARA QUE A AGUDA LUZ SEVILHA SEJA MAIS AMÁVEL NAS PONTAS, E NELE POSSA O SEVILHANO, COADO O SOL CRU, TER A SOMBRA ONDE CONVERSAR DE FLAMENCO, DE OLIVAIS, DE TOUROS, DE DONAS E ENCONTRA A ATMOSFERA DE PÁTIO, O FRESCO INTERIOR DE CONCHA, TODO O ACONCHEGO E ACOLHIMENTO DAS PRAÇAS FÊMEAS E RECÔNDITAS. “Verão de Sevilha”, Sevilha Andando
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A movimentada Plaza de San Francisco, antigo local de encontro de cavaleiros e charretes, preserva a atmosfera descrita por João Cabral
O poeta destaca o universo da mulher andaluza como símbolo de força, beleza e sensualidade. Na foto, uma jovem sevilhana espera à saída de um casamento
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TEM A TESSITURA DA CARNE NA MATÉRIA DE SUAS PAREDES, BOA AO CORPO QUE A ACARICIA: QUE É FEMININA SUA EPIDERME. E TEM O ESQUELETO ESSENCIAL A UM POEMA OU UM CORPO ELEGANTE, SEM O QUAL SEMPRE SE DEFORMA TUDO O QUE É SÓ DE CARNE E SANGUE. MAS O ESQUELETO NÃO PODE, ELE QUE É RÍGIDO E DE GESSO, REACENDER A BRASA QUE TEM O DENTRO: SEVILHA É, MAIS QUE TUDO NERVO “Cidade de nervos”, Sevilha Andando Maio de 2014 | CÁSPER
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viagem
jornada ao
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A vida e a comunicação dos moradores do Vale do Pati, na Chapada Diamantina, continuam em ritmo “pré-industrial” Por Amanda Lenharo di Santis
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s que voltam de lá são enfáticos: “Você precisa passar por essa experiência”. O Vale do Pati é, para muitos, sinônimo de descoberta. A ideia de que a mata, a floresta e a natureza selvagem são símbolos da travessia da vida e de amadurecimento interior perpassa diversos mitos, de culturas ocidentais e orientais. Joseph Campbell reflete sobre isso em seu livro O Poder do Mito: quando se pensa estar viajando para a floresta, se aproxima do centro de sua própria existência, passando-se a um estado mais maduro. Foi com esse intuito que parti para lá. De São Paulo a Salvador, de Salvador a Lençóis e de Lençóis a Guiné, onde começam algumas das trilhas que levam à Vila do Pati, parte mais baixa, e ao Vale do Pati, no alto das montanhas. Situada no Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA), essa é uma região especial, que atrai milhares de turistas (em grande parte, estrangeiros) e principalmente geógrafos, geólogos e biólogos, por congregar num mesmo espaço áreas de vegetação, clima e relevo muito díspares. Além das formações rochosas que constituíram o fundo do oceano milhões de anos atrás, observa-se uma fauna e flora muito ricas, numa disposição um tanto esquizofrênica: ora com traços de Mata Atlântica, ora de Cerrado, ora desértica. Para mim, moradora da metrópole de São Paulo há onze anos, o choque de realidade foi grande. Um sentimento engraçado me tomou ao chegar à trilha do Pati: uma mistura de preocupação, vulnerabilidade e solidão. É que Narciso acha feio o que não é espelho, e a ideia de não poder me comunicar com nenhum conhecido por vários dias me trazia insegurança. Não imaginava que um local já com grande experiência turística ainda pudesse manter um modo de vida tão tradicional e rural. O Pati, nesse sentido, é quase uma “viagem no túnel do tempo”. Nele vivem hoje cerca de 15 famílias quase como se estivessem no século XIX. As construções são, em geral, feitas de barro. Maio de 2014 | CÁSPER
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O CHOQUE DE REALIDADE FOI GRANDE. UM SENTIMENTO ESTRANHO ME TOCOU AO CHEGAR À TRILHA DO PATI: UMA MISTURA DE PREOCUPAÇÃO, VULNERABILIDADE E SOLIDÃO
Não existe linha telefônica, muito menos sinal de celular ou internet. Em muitas das casas funciona apenas um sistema de captação de luz solar viabilizado pelo Governo Federal, mas isso não significa que eles tenham energia todo o tempo. Banhos quentes? Nunca. A luz solar mal chega a ser suficiente para manter aparelhos elétricos ligados. Os refrigeradores que existem são a gás. À noite, os quartos de terra batida são iluminados apenas pela luz de velas, de lamparinas, da lua e de muitos vaga-lumes. O mais curioso é como a geografia local – de relevo montanhoso e irregular, entrecortada por muitas nascentes e rios – e os fenômenos naturais, como as tempestades, a neblina e as fortes correntes de água, dificultam e muitas vezes impedem a comunicação com o mundo exterior. Incrustados entre montanhas, onde não há estradas, túneis, nem veículos automotivos, os moradores encontram obstáculos para realizar tarefas aparentemente banais, como pagar uma conta de IPTU, assistir a aulas na escola, comprar arroz, mandar uma carta ou fazer um telefone48
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ma. É aí que muitas vezes se estabelecem laços de camaradagem, de modo que confiam aos passantes (guias, turistas ou atletas que vão ao Pati para treinar) suas cartas, bilhetes e até recados falados: alguns moradores não são alfabetizados ou são semialfabetizados. Eles pedem que suas mensagens ou encomendas sejam levadas a pessoas das cidades próximas.
Todos por um
O sr. Wilson Rodrigues de Oliveira e sua esposa, dona Maria, donos de uma casa bastante antiga na Vila do Pati, enviam a lista de compras ao filho quando não podem ir à cidade. Wilton, que mora em uma vila próxima, Guiné, transporta os pedidos de burro até a casa de seus pais. Mas o animal poderia muito bem ir sozinho: ele conhece os caminhos através das montanhas e chegaria, sem pestanejar, até a porteira. No entanto, não conseguiria abrir os chamados colchetes ou poderia derrubar as compras, por isso vai sempre com alguém. Nascido e criado na Chapada Diamantina, João Guia, guia turístico local
desde 1986, conta as tarefas penosas que já precisou realizar para suprir a dificuldade de comunicação: “Uma vez tive que dar o recado para Rau (Railson, que estava no Vale do Pati) de que sua irmã havia falecido”. E em outra ocasião: “Um turista quis fazer uma escalada solo, sem cordas, daí caiu na fenda do Castelo (situada no Morro do Castelo, um dos mais altos do Pati) e quebrou o pé. Dois amigos dele foram pedir socorro, usando o telefone da cidade mais próxima, e ele teve de ser socorrido de helicóptero. O cara ficou lá de um dia pro outro”. João explica que muitas vezes é chamado para dar recados ou levar encomendas porque, como maratonista profissional, é capaz de fazer em apenas algumas horas um percurso que para outros levaria dias. A possibilidade (bastante crível) de que eu me acidentasse na travessia do Pati e não tivesse como pedir socorro era um dos motivos da minha preocupação. No entanto, ao passar pelas casas locais, fui percebendo que, seja por necessidade, seja por altruísmo, ali “uma mão lava a outra”. Certa vez, doze homens se
FOTO: AMANDA LENHARO DI SANTIS / ABRE E À DIR. - WWW.GUIACHAPADADIAMANTINA.COM.BR
Moradora do Vale, Dona Linda faz as tarefas domésticas e trabalha na roça
revezaram mata adentro para carregar uma geladeira a gás da cidade até a casa de sr. Wilson. Os moradores locais também usam receitas caseiras para curar os males dos vizinhos ou viajantes com as matérias-primas que têm à mão – ervas medicinais, óleos e chás de raízes e frutos. Foi assim que me curaram de um problema de circulação, por ter caminhado 22 quilômetros em um único dia com meias apertadas demais.
Longe pra burro
Tendo a concordar com Zygmunt Bauman, que diz que vivemos um tempo “líquido”, ou seja, baseado em relações interpessoais frágeis, instáveis. Os laços que se estabelecem ao vivo em situações como as citadas parecem ser mais fortes do que aqueles que se fazem e desfazem em um clique no Facebook. João Guia me explicou que se uma pessoa fica doente, geralmente ela precisa ser levada de burro até cidades próximas: Andaraí ou Mucugê. Esses são os municípios que delimitam o Pati, dividido em Pati de baixo (a Vila do Pati) e Pati de cima (o Vale do Pati). Em Andaraí – que fica a aproximadamente 15 quilômetros do Pati de baixo, entre subidas e descidas de
serra –, há apenas um posto de saúde. Em Mucugê (a 2 quilômetros da Vila), há um hospital, mas para os casos mais graves é necessário o deslocamento até Salvador, localizado a 415 quilômetros de distância. Nos casos policiais, para realizar um Boletim de Ocorrência é necessário se locomover até uma cidade grande, como Seabra, situada a aproximadamente 70 quilômetros do Pati. João conta também os “causos” que presenciou como socorrista (além de guia turístico e atleta, ele é salva-vidas e vendedor). Uma vez, precisou resgatar uma mulher que levou 200 picadas de abelha. Em outras, precisou socorrer turistas desavisados das “trombas d’água”, como se diz na Chapada, violentas correntes de água nas cachoeiras, cujo volume aumenta repentinamente, e que frequentemente carregam as pessoas que estão atravessando ou se banhando nos poços. Hoje, não se encontra hospital, prefeitura, escola ou delegacia na Vila do Pati. As estruturas que existiam foram desativadas e estão abandonadas. Alguns moradores antigos, como o sr. Eduardo, tiveram de deixar a Vila. Dono de uma das casas mais antigas da região, de 1928, conta que hoje vive mais no Esbarran-
cado (uma área de relevo acentuado situada no município de Palmeiras), do que na casa do Pati, por causa da idade avançada e da dificuldade de comunicação e acesso, já que uma queda para ele poderia ser fatal. Sr. Wilson, por sua vez, reconstruiu uma ponte por cima do rio Paraguaçu – que já havia sido destruída outras vezes por trombas d’água – para garantir o acesso à Guiné. É curioso pensar como se deu o esvaziamento de uma região que antigamente não era tão desabitada. Ali, segundo os locais, viviam cerca de duas mil pessoas 115 anos atrás, no início de seu povoamento. Segundo o sr. Wilson, nessa época houve uma grande seca na área de Cerrado que circunda o Vale, por isso a população adentrou-o em busca de alimentos. A região era rica em mandioca, palmito, banana e mamão. Durante a seca, os nativos conseguiram sobreviver criando novos pratos, que não precisavam que as frutas estivessem maduras. Ainda hoje, o Godó de Banana Verde, o Cortado de Mamão Verde e a Palma, uma espécie de cacto servido cozido, são os pratos mais típicos da culinária do Vale. Enquanto na Chapada Diamantina o grande atrativo de imigração foi a exMaio de 2014 | CÁSPER
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tração de diamantes, iniciada no século XVII, no Vale do Pati o grande incentivo foi a cafeicultura – já que os diamantes só existem nas partes mais baixas, e não no alto das montanhas. A terra da região era muito fértil e propícia ao plantio de café e outros cultivos. Dona Raquel explica que antigamente vendia-se um pouco de cada produto agrícola para sobreviver. Nos anos 70, no entanto, houve a crise do café e quase toda a população do Vale abandonou a área. Muitos deles partiram para o Sudeste em busca de trabalho. Hoje em dia, o turismo é a principal fonte de renda do lugar: muitos moradores oferecem suas casas para os visitantes dormirem ou se alimentarem durante a travessia.
O tempo e o vento
É difícil imaginar como seria a região hoje caso tivesse permanecido com um número maior de habitantes. Provavelmente, estaria bastante transformada ou “modernizada”, no sentido de ter imputado aos moradores um ritmo mais acelerado de vida, trabalho e produção. Como se sabe, a Revolução Industrial alterou a noção de tempo de várias sociedades. A 50
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rotina acelerada das fábricas foi assimilada pelos trabalhadores, o que influenciou não apenas suas horas de trabalho, mas também suas horas de lazer – que não podem ser “desperdiçadas” no ócio. Além disso, as tecnologias encurtaram as distâncias e o tempo: a princípio, o objetivo era diminuir os esforços e o tempo gasto para realizar uma tarefa. Essa lógica, porém, se inverteu – hoje, a tecnologia é usada para realizar, no mesmo intervalo de tempo, mais tarefas. E isso não parece ter atingido a região do Pati ainda. Lá, senti na pele como é possível outro ritmo de vida. Lá, não se segue essa lógica. O tempo da fábrica ainda não foi assimilado. Para preparar o jantar, não se leva 15 minutos de micro-ondas, mas algumas horas de forno a lenha. Para comer uma fruta, é preciso esperar o tempo de plantar, de amadurecer e de colher. E a água potável precisa ser desviada de uma das mais de 50 nascentes da região. Essa realidade causou um certo nó na minha cabeça, principalmente na acepção da comunicação. Na mata, o meio de pedir socorro ainda é o grito. Mandar um recado para alguém não demora um segundo,
mas um dia de caminhada. Reserva-se um tempo para que as pessoas se sentem ao redor da mesa e contem histórias. Nos bate-papos, ainda existe o tempo de falar e o tempo de calar: os silêncios não são constrangedores, mas bem-vindos. Após esses dias no Pati, meu ritmo físico e mental se transformou, e a minha preocupação deu lugar à sensação de acolhimento. Em breve será implantado o sistema de rádio no local, mas, por hora, lá a comunicação segue outro ritmo e, apesar das dificuldades, os laços de forma alguma se enfraquecem ou deixam de existir. Amanda Lenharo di Santis é pós-graduanda em Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Formada em Letras na USP, trabalha como preparadora de textos, repórter e apresentadora.
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FOTO: AMANDA LENHARO DI SANTIS
A escola Rainha do Pati, que pertence ao município de Andaraí, está abandonada
Livros Chapada Diamantina: Culinária & História Editora Senac Filmes A Vida no Vale (documentário) Dir.: Sólon Barreto Na internet Espírito Diamantino (vídeo) Dir.: Márcio Ramos
tecnologia
A reDE SOCIAL e
OUTRA
Novas plataformas de comunicação estão tomando o lugar do Facebook e ampliando as maneiras de se relacionar Por Thaís Gould
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Facebook está sendo abandonado pelo público mais jovem aparentemente porque os pais estão invadindo a plataforma. Não é novidade que os adolescentes nunca tiveram muito interesse em socializar com os adultos, mas, até 2004, quando o site foi inaugurado, era mais fácil evitar que os mais velhos invadissem a área dos mais jovens. Em janeiro de 2014, dois estudantes da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, realizaram uma pesquisa informal insinuando que o Facebook perderia cerca de 80% de seus usuários até 2017. A suposição, no entanto, foi feita a partir de dados não oficiais de que os adolescentes estão experimentando novas redes sociais. A teoria foi logo rebatida pela empresa de Mark Zuckerberg, que, irritado, provou não apenas que os dados eram incorretos, como questionou a credibilidade de uma análise que ele considerou “sem embasamento”.
No mesmo mês, outra pesquisa foi publicada por uma empresa de consultoria em estratégias de tecnologia nos Estados Unidos. Ela revelou que a maior parte dos usuários americanos tem entre 35 e 54 anos de idade, sendo que há apenas três anos a faixa etária era liderada por pessoas mais jovens (entre 18 e 24 anos). Segundo o estudo, o site perdeu mais de 3 milhões de seus usuários entre 2011 e 2014. Nenhuma das pesquisas, porém, se atém ao fato de que o Facebook não é apenas uma rede social: a empresa, que se orgulha em ter como missão “dar às pessoas o poder de compartilhar e fazer do mundo um lugar mais aberto e conectado”, está construindo um pequeno império da tecnologia: ela é dona de 43 outras empresas segmentadas para diversos públicos. Entre as mais recentes, está o Oculus VR, óculos em 3D com o intuito de revolucionar a experiência de usuários de videogames, comprado em março por US$ 2 bilhões (cerca de R$ 4,5 bilhões). Em fevereiro, a empresa arrematou ainda
o aplicativo WhatsApp – que permite o envio de mensagens de texto, voz e imagem gratuitamente – por US$ 19 bilhões (cerca de R$ 42 bilhões). Um dos mais populares entre os jovens, o Instagram também foi adquirido pelo Facebook – em abril de 2012 – por US$ 1 bilhão (cerca de R$ 2 bilhões). Nele, o usuário se comunica apenas por fotos com legendas curtas, que podem ser compartilhadas em outras redes sociais.
Tempo de mudanças
Joice Gulman, diretora de atendimento da RIOT, umas das primeiras empresas de mídias sociais do Brasil, acredita que é “muito difícil imaginar o Facebook sendo deixado de lado tão cedo, pois seu modelo de negócio é muito diferente daquele das redes sociais que surgiram antes dele. A ‘amarração’ com o usuário e com as marcas foi feita de uma maneira mais estruturada”. Mas não há dúvida de que a rede social de Mark Zuckerberg esteja envelhecendo. Um sintoma disso foi o lançamento no Facebook da página Maio de 2014 | CÁSPER
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não supre mais as necessidades dessa geração, a tendência é que ela migre para plataformas que se adequem à sua nova realidade. “Nós, das gerações anteriores, tivemos que nos adaptar a essas invenções e descobrir como usá-las. Acabamos nos encantando e tendo de incorporar essas novidades à nossa cultura, já que elas não fazem parte do padrão ao qual estamos habituados”, a psicóloga acrescenta.
Cada um na sua
Hoje em dia, com a internet móvel, a migração para outras plataformas está ainda mais fácil. Aplicativos no celular permitem que se faça parte de várias redes sociais simultaneamente: o Instagram, já citado, é um exemplo de aplicativo móvel – o usuário usa a câmera do próprio celular e já posta a foto automaticamente. Outro exemplo, exclusivamente móvel, é o WhatsApp, que também oferece a possibilidade de formar grupos de interesse entre os contatos. Podemos entender também que a tendência das redes sociais não é apenas a mobilidade, mas principalmente a
segmentação. Fora do monopólio Facebook, existem várias outras opções de redes segmentadas, na sua maioria também móveis. O GoodReads, por exemplo, possibilita a troca de informações sobre livros que o usuário já leu, ou quer ler, e permite que ele dê a sua avaliação. Há ainda, entre muitos outros, o Google Plus (concorrente direto do Facebook), o Pinterest (painel de fotografias de interesse pessoal) e o TVTAG (antigo GetGlue), que permite que o usuário compartilhe com seus contatos o nome dos programas que está assistindo na televisão naquele momento. No Foursquare, o usuário pode realizar o check-in nos lugares que frequenta, deixar uma crítica de sua experiência e, de acordo com a sua frequência no local, se tornar o “prefeito” do estabelecimento. Já o Shazam possibilita que o usuário cadastrado tenha acesso ao nome da música que está ouvindo e compartilhe-o com sua rede de contatos. Julia Rolim, de 32 anos, nasceu em outra época, mas abraçou a tecnologia. Ela se diz superconectada com o mundo e participa de todas as redes sociais
ILUSTRAÇÕES: NATHALIE PROVOSTE
“Folhinha: Pais/Professores”, da Folha. O público alvo da seção no site da Folha sempre foram as crianças, mas a página no Facebook é diferente: ela restringe a idade (para que apenas adultos possam acessá-la), criando um canal de comunicação mais imediato dos pais e professores com Rosely Sayão, por exemplo, psicóloga e colunista do jornal. Outra prova dessa mudança de público é que cada vez mais plataformas de comunicação estão entrando no jogo para cativar os adolescentes. “A geração Z, que já nasce com os dedinhos no tablet, vai ter uma relação com as pessoas e com o mundo diferente da que nós tivemos. As questões e dificuldades que enfrentarão em seus relacionamentos serão outras e ainda são desconhecidas”, diz a psicóloga Thaís Rodrigues P. Maria, filiada à Psicanálise Winnicottiana – linha que se baseia nas relações familiares entre as crianças e o ambiente em que vivem. Isso significa que para a nova geração é muito fácil receber novidades tecnológicas. É quase como o fluxo da vida. Se fazer parte de uma rede social como o Facebook
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A GERAÇÃO Z, QUE JÁ NASCE COM OS DEDINHOS NO TABLET, VAI TER UMA EXPERIÊNCIA COM AS PESSOAS E COM O MUNDO DIFERENTE DA QUE NÓS TIVEMOS Thaís Rodrigues, psicóloga
possíveis. Questionada se achava o número um exagero, respondeu com uma risada tímida: “Todas são extremamente úteis. Não abriria mão de nenhuma”. Julia acredita que o Facebook esteja morrendo porque está “ficando chato”: “As pessoas só postam coisas religiosas ou palavras soltas, como ‘luto’, mas não elaboram os pensamentos. Está virando um Orkut (rede social que antecedeu o Facebook)”. O aplicativo que mais usa é o Twitter, a plataforma mais eficiente de receber notícias, na visão dela: “É tudo muito rápido. E você tem a opção de personalizar os tipos de notícias que quer seguir. Muito melhor assim”. Além dessas plataformas, Julia usa o Skype, o Nike Running, o WhatsApp, o TripAdvisor e o Tumblr, todos no celular e no tablet. Ela só não participa do Tinder, aplicativo de paquera, porque está namorando, mas garante que muitos de seus amigos estão em relacionamentos sérios por causa do aplicativo. Tem ainda comunidades de jogos, como o ReplayPoker (rede social de pôquer on-
line apenas com dinheiro virtual), e de gastronomia, como o Restorando, onde pode fazer reservas online.
Espelho, espelho meu
Paralelamente, há também pessoas que não são tão deslumbradas com a internet e redes sociais. É o caso da atriz e comediante Tina Fey, que, em entrevista ao comediante Jerry Seinfeld no programa americano Comedians In Car Getting Coffee, disse que não entende porque abrir uma conta no Twitter: “Por que todo mundo precisa de uma plateia para cada momento de suas vidas?”. É um ponto a se pensar: por que algumas pessoas têm a necessidade de se apresentar nas redes sociais para dizer algo? Essa necessidade não é de hoje. Há muitos anos, o escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989) já discutia a carência que a sociedade tem de comunicar ao mundo que não há nada a ser comunicado. Segundo a psicóloga Thaís Rodrigues, uma das características curiosas das redes sociais em geral é que elas
incitam o lado narcisista das pessoas, ou facilitam a autopromoção exacerbada; e como estamos falando de duas realidades (o mundo físico e o mundo virtual) podemos conceber as redes sociais como um “universo paralelo”. Então, se o usuário é um marqueteiro de si mesmo promovendo o próprio produto, para onde ele vai levar o seu narcisismo de agora em diante? Para o pensador Zygmunt Bauman, vivemos na “era da modernidade líquida”, em que as relações e as conexões se fazem e se desfazem com a rapidez de um clique. Nesse contexto, nada mais natural do que as redes sociais também acompanharem esse ritmo virtual. Como disse Bauman em entrevista à revista Cult, se não quiser afundar, continue surfando. Thaís Gould é formada em Marketing, mas migrou para o Jornalismo em 2012. Pósgraduanda pela Faculdade Cásper Líbero, é editora-chefe e âncora do programa Gazeta da Copa, da Rádio Gazeta AM.
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cinema
NA BOCA DO
LIXO Um percurso pela era de ouro do cinema erótico no Brasil Por Rafael Spaca
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NASCIDA NA VIRADA DOS ANOS 60 PARA OS 70, A PORNOCHANCHADA CONQUISTOU MACIÇAMENTE O PÚBLICO E SE CONSOLIDOU COMO UM GÊNERO
E
ntre os anos 60 e 90, a Rua do Triunfo, localizada na região central da cidade de São Paulo, simbolizou o mais importante polo de cinema do Brasil. Produtoras, distribuidoras, estúdios, lojas de equipamentos e laboratórios de revelação se instalaram neste emblemático endereço, beneficiando-se da sua proximidade com a Estação da Luz, que servia de vazão para a distribuição de filmes para o resto do país. A Triunfo é a mais comentada, mas a Rua Vitória (que faz esquina com a primeira), em menor proporção, também tinha essa particularidade. Naquelas décadas, o que se via era uma verdadeira ebulição cultural, jamais vista em qualquer outro lugar do país se tratando de cinema. Muitas pessoas associam pejorativa e
incorretamente a Boca do Lixo ao gênero da pornochanchada. Mais do que um julgamento de valor da obra cinematográfica, parece ser um julgamento sobre a má qualidade da realidade brasileira. Temática popular e sucesso comercial não estão desvinculados: o êxito de bilheteria pode nascer justamente do fato de o grande público cinematográfico encontrar na tela a sua realidade. E foi essa diretriz que a maioria dos filmes ali produzidos adotou, procurando uma interação com o espectador. Até 1950, o cinema nacional poderia se notabilizar pelo sucesso ocasional de uma obra em particular, mas não por um gênero, um filão de produção ou a produção de um diretor ou de uma empresa. E o sucesso eventualmente alcançado por um filme não se capitalizava para outros filmes, ou seja, a experiência cinematográfica não se sedimentava. Mas isso mudou muito quando movimentos como a Chanchada (comédias musicais com elementos de filmes policiais e de ficção científica) e o Cinema Novo se tornaram referências culturais, ideológicas, estéticas e de produção para o trabalho atual de muitos cineastas. Filmes históricos como Independência ou Morte e o policial O Signo do Escorpião, ambos dirigidos por Carlos
Coimbra; faroestes como Lista Negra para Black Medal, de Charles Oliver; e adaptações literárias como A Madona de Cedro, também de Coimbra, foram produzidos na Boca do Lixo. O cinema e os cineastas de lá eram versáteis, até que a pornochanchada conquistou maciçamente o público e se consolidou como um gênero. Ela teria nascido na virada dos anos 60 para os 70, como mistura das comédias cariocas de costumes e da revolução sexual que acontecia no Ocidente. Tudo isso num contexto político muito conturbado de ditadura militar. Os pioneiros foram: Os Paqueras (1969), de Reginaldo Faria; Adultério à Brasileira (1969), de Pedro Rovai; e A Ilha dos Paqueras (1970), de Fauzi Mansur. A pornochanchada soube explorar bem a ideia da mulher descolada, defensora do amor descompromissado, para quem o desejo estava acima de todas as convenções.
Liberou geral
A censura afrouxou: o erótico (que simulava situações sexuais sem expô-las abertamente) virou pornô (que explicitou o sexo, escancarando-o). Neste momento a pornochanchada seria sepultada. Corria o ano de 1979 quando o cineasta italiano radicado no país, Raffaele Rossi, leu na Maio de 2014 | CÁSPER
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NA ÉPOCA, O PÚBLICO NAS SALAS DE CINEMA AUMENTOU: EM SÃO PAULO, AS FILAS PARA ASSISTIR A FILMES PORNOGRÁFICOS ERAM QUILOMÉTRICAS
extinta revista Manchete que um drama erótico japonês com cenas de sexo explícito, Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, conseguira uma brecha na censura militar para ser exibido durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. De tino comercial aguçado, o cineasta, até então com uma filmografia inexpressiva, enxergou ali um produto capaz de fazer dinheiro. Em 1982, no Cine Windsor, na Avenida Ipiranga, estreava Coisas Eróticas, o primeiro filme brasileiro de sexo explícito. “Um filme de sexo brasileiro, mostrando o sexo da maneira como os brasileiros gostam e fazem”, disse Raffaele à época. A fila para assistir ao filme dobrava o quarteirão. Francisco Luccas, dono da sala de cinema, recebia em média três mil pessoas por dia em sete sessões. Esses filmes contribuíam para uma profunda transformação da sociedade. O nu frontal foi liberado em março de 1980. Ao permitir a exibição de pelos pubianos, pênis e seios, essas cenas se tornaram a atração principal das produções. A frequência no cinema aumentou: via-se em São Paulo filas quilométricas para assistir a filmes pornográficos. Com a predominância desse gênero, os cinemas começaram a “deteriorar” e o público familiar deixou de frequentá-los. Para competir com as produções estran58
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geiras, a Boca do Lixo começou a fazer filmes ainda mais radicais (com cenas de zoofilia, por exemplo). O custo-benefício era um trunfo. Filmavam em poucos dias e rendia muito dinheiro. De 1982 (ano em que foi lançado Coisas Eróticas) a 1990 (quando o cinema de sexo explícito dava sinais de esgotamento), foram lançados no país 697 filmes: 60% deles eram pornôs. Jussara Calmon, Walder Laurentis, Débora Muniz, Oásis Minitti, Rafaelle Rossi, Márcia Ferro, Oswaldo Cirillo, Bianchina Della Costa, Gisa Delamare, Eliana Gabarron, Juan Bajon, Fauzi Mansur, Vânia Bonier, Sandra Midori e Sandra Morelli são algumas das estrelas do período: todos esses profissionais contribuíram para a manutenção da produção de filmes nacionais. E aqui não cabem julgamentos.
De cara nova
24 Horas de Sexo Explícito e Dr. Frank na Clínica das Taras foram dirigidos por José Mojica Marins, o Zé do Caixão; A Vida Privada de Uma Atriz Pornô e Viciadas em Cavalos, por Juan Bajon. E assim ia se construindo a filmografia daquele período, carregada de nomes criativos e cenas de sexo. A escolha de um título era tão importante quanto a escalação de um elenco. “Eu fiz um filme pretensioso e nada pornô chamado O Pornógrafo. Con-
segui montar a produção só pelo título”, disse-me o cineasta João Callegaro. Houve uma renovação em quase todas as áreas do processo produtivo. Surgiram novas atrizes, atores e técnicos, embora muitos tenham continuado porque havia uma esperança de que toda essa conjuntura fosse passageira e os bons tempos do cinema erótico voltassem. Nesse contexto, surgiram obras significativas e bem estruturadas, ainda que presas à nova estética. Desta época, merece destaque o longa Oh! Rebuceteio, dirigido por Cláudio Cunha. O filme é uma mistura de Oh! Calcutta com A Chorus Line e seu título chamativo mistura a palavra “rebu” (uma grande confusão) com um dos nomes chulos dados ao órgão sexual feminino. Foi um dos primeiros filmes de sexo explícito no Brasil, com grande parte das cenas de sexo produzidas sem simulação. Para o público tudo era novidade. A nudez era muito incipiente porque as revistas ainda não podiam mostrar o nu total, só parcial: ora um peito, ora outro, e às vezes usava-se o truque da camiseta molhada. O intuito dos produtores e diretores era fazer bilheteria com custos baixos e satisfazer (ou não) ao seu público. No livro José Mojica Marins – 50 Anos de Carreira, Mojica diz: “Fiz 24 Horas de Sexo Explícito com mulheres feias e cenas de zoofilia para que o sujeito saísse da sala
Livros Boca do Lixo – Cinema e Classes Populares Nuno César Abreu
Jussara Calmon, Muito Prazer Fábio Fabricio Fabretti Coisas Eróticas – A História Jamais Contada Hugo Moura e Denise Paulo Godinho José Mojica Marins – 50 Anos de Carreira Eugênio Puppo (org.) Na internet Blog Estranho Encontro estranhoencontro.blogspot.com.br
ILUSTRAÇÕES: THAÍS HELENA REIS
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e não quisesse nunca mais fazer sexo na vida”. O diretor estava descontente por ter que aderir ao pornô para sobreviver profissionalmente (como muitos de seus colegas na época) e decidiu debochar do gênero, criando um filme de repúdio à onda do sexo explícito. Muitos acusam o cinema pornô de grande causador do fim da Boca do Lixo. Não é verdade. A chegada do videocassete e o acesso mais amplo à televisão, somados à política cultural frouxa do governo Collor, foram as principais questões que fizeram com que a Boca do Lixo chegasse ao fim. Com a epidemia da AIDS, muitos profissionais foram contaminados e morreram. E assim acabou a produção do sexo cinematografado no Brasil. Os pornôs eram produzidos em 35 milímetros, repetindo-se a cadeia de produção do cinema dito comercial, com divulgação na imprensa, produção de releases e cartazes. Eram exibidos nas salas mais tradicionais de São Paulo. No entanto, hoje, com o conservadorismo que assola a sociedade, é quase impensável imaginar que este ciclo do sexo cinematográfico existiu. Rafael Spaca é radialista e produtor cultural, editor-fundador do blog Os Curtos Filmes e apresentador do programa Zootropo, na TV Cronópios.
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memória
CEM ANOS DE
RELAÇÕES
PÚBLICAS
No Brasil, a profissão se desenvolveu inicialmente em torno de governos e multinacionais
e
Por Sergio Andreucci
m 2014, a atividade profissional de Relações Públicas (RP) no Brasil completa 100 anos. O primeiro serviço de RP na América do Sul tem seu marco histórico em São Paulo, em 1914, quando a direção da antiga The San Paulo Tramway Light and Power Company Limited, hoje Eletropaulo, criou o departamento de Relações Públicas – tendo como diretor do setor Eduardo Pinheiro Lobo. Estavam traçados a partir desse momento os objetivos das Relações Públicas e o aparecimento do primeiro cargo formal nesse campo no Brasil. A atividade profissional de RP no mundo, no entanto, ocorreu anos antes, nos Estados Unidos: em 1906, Ivy Lee (considerado o verdadeiro precursor do segmento) fundou o primeiro escritório mundial de Relações Públicas. Em Nova 60
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Iorque, porém, é consenso entre os historiadores da área que o início da profissão tenha ocorrido quando William H. Vanderbilt, filho do Comodoro Cornelius Vanderbilt, pronunciou a famosa expressão: “The public be damned” (“O público que se dane”). A declaração teria sido feita em 1882 a um grupo de jornalistas de Chicago sobre o interesse público a respeito de um novo trem expresso entre Nova Iorque e Chicago. Vanderbilt, diante do descrédito que sua declaração produziu, tentou desmenti-la em entrevista ao The New York Times. É interessante notar que, no Brasil, as Relações Públicas surgem especialmente voltadas para a administração pública, amparada por decretos-leis que instituem serviços de informação, divulgação e publicidade de vários órgãos públicos. A ditadura de Getúlio Vargas, na década de 40, por exemplo, tinha, em matéria de comunicação, o objetivo de
elaborar e utilizar técnicas de persuasão. Tendo em vista a perpetuação no poder, os esforços nessa área foram pautados pela demagogia e pela mera utilização da publicidade governamental. Muitos anos se passaram e, na metade da década de 90, os negócios no Brasil, com a democratização e principalmente a globalização, sofreram uma grande transformação. Na política, foram adotadas a abertura de mercado e as privatizações, quando grande parte das empresas do país foi adquirida por grupos estrangeiros. Nessa época, as relações de consumo se tornaram extremamente competitivas e o consumidor ganhou status de cliente. Assim, as práticas de comunicação passaram a valorizar ainda mais a importância das Relações Públicas, já que o serviço apresentava resultados mais certeiros com custos bem menores. A atividade ganhou atenção especial em todas as agências de propaganda e
FOTO: FLICKR.COM/PHOTOS/VIOLINHA/
Antigo prédio da Light, em São Paulo: a empresa teve o primeiro departamento de Relações Públicas do Brasil
nas áreas de comunicação e marketing das empresas. No meio acadêmico, a procura pelo curso de RP aumentou em mais de 100% e, em poucos anos, diversas faculdades e universidades do país já lecionavam nesse sentido. Hoje, exige-se desse profissional conhecimentos amplos de mercado, visão abrangente e espírito de liderança: fatores preponderantes para o desenvolvimento da sua atividade. O RP da atualidade é o gestor dos processos de comunicação da instituição, trabalhando com as práticas modernas da administração e principalmente com as ferramentas de planejamento. O novo profissional de Relações Públicas não é mais aquele que possui um emprego e uma acomodação dentro de uma organização, e sim um profissional com empregabilidade, pois as mudanças são rápidas e o mercado procura pessoas dinâmicas e preparadas.
O profissional de RP pode trabalhar para uma grande multinacional, e também para uma pequena empresa de prestação de serviços. A atividade está inserida em todos os segmentos da economia: empresas ligadas ao setor financeiro, montadoras automotivas, siderúrgicas, indústrias, prestadoras de serviços públicos, órgãos e empresas ligadas ao governo, comércio, universidades, associações e organizações não governamentais, laboratórios, hospitais, hotéis e empresas ligadas ao turismo, sindicatos, clubes e empresas de entretenimento, mercado cultural, agências de propaganda, assessorias de comunicação e de imprensa, entre outras. Passados cem anos, o perfil do profissional de Relações Públicas, além de muito voltado para a gestão da comunicação, hoje é também voltado para o empreendedorismo e para a liderança na gestão de negócios.
Sergio Andreucci é professor e atual coordenador do curso de RP da Faculdade Cásper Líbero. Na pós-graduação, é responsável pela disciplina Comunicação e Crise. Também é sócio-diretor de uma agência de comunicação.
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Livros História das Relações Públicas: Fragmentos da Memória de uma Área Cláudia Peixoto de Moura (org.) Filmes O Quarto Poder Dir.: Costa-Gavras
Obrigado por Fumar Dir.: Jason Reitman Na internet Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas www.conferp.org.br Maio de 2014 | CÁSPER
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resenha
´ FE
MAQUINARIA DA Luís Mauro Sá Martino, professor da Cásper, lança por editora inglesa uma densa análise sobre as relações entre mídia, religião e poder
por José Augusto Dias Júnior
N
os dias que correm, um leitor que esteja, digamos, em Londres, e que tenha interesse por questões relacionadas às formas de interação entre mídia e fé, possui excelente opção: procurar uma das muitas livrarias da cidade – a Blackwell’s ou a Foyles, ambas localizadas na emblemática Charing Cross Road, por exemplo – e adquirir um livro lançado recentemente pela editora inglesa Ashgate, The Mediatization of Religion - When Faith Rocks, sem tradução para o português. Seu autor, Luís Mauro Sá Martino, é uma figura amplamente conhecida na Faculdade Cásper Líbero. Professor da instituição há mais de uma década, é famoso pela excelência de suas aulas e pela atenção com que atende seus alunos 62
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fora delas. O que importa destacar nesta resenha, porém, não são tanto as qualidades do docente, mas as realizações do pesquisador, porque a publicação de seu livro constitui marco expressivo dentro de uma trajetória acadêmica e intelectual das mais significativas. A obra resulta de uma atividade de pesquisa realizada em 2008 junto à universidade inglesa de East Anglia, sediada na cidade de Norwich, e trata da temática que Luís Mauro já vinha abordando antes por meio de livros e artigos científicos: de que maneiras as manifestações e práticas religiosas vêm recriando a si próprias por influência dos veículos de comunicação que surgiram e se multiplicaram ao longo do século XX e deste início de século XXI. No caso da mídia eletrônica, o caminho começou a ser aberto por pioneiros do televangelismo (ou pregação por meio
da televisão), como os norte-americanos Billy Graham e Jimmy Swaggart, antecessores e em certo sentido mestres midiáticos de figuras como o padre Marcello Rossi e o bispo Edir Macedo. O pregador como showman enuncia algo de historicamente novo, ao menos no Ocidente: a rejeição à prática religiosa solitária, discreta, introspectiva, e sua troca pela estrepitosa exibição da fé como espetáculo. É no contexto dessas novas possibilidades que Luís Mauro apresenta e discute um conceito inovador e essencial, o de mediatization (ou midiatização, em português) – tão inovador, na realidade, que ainda não é comum encontrá-lo sequer nos dicionários especializados. Midiatização significa explorar as soluções oferecidas pelos novos veículos de comunicação como forma de atrair quantidades cada vez maiores de fiéis em potencial. Para citar as palavras do autor, “Nos dias atuais,
ILUSTRAÇÃO: NATHALIE PROVOSTE
The Mediatization of Religion When Faith Rocks Luís Mauro Sá Martino Editora Ashgate, 131 páginas
a prática política se vê forçada a recorrer aos recursos dos meios de comunicação de massa para atingir a esfera pública. Da mesma forma, a religião parece ter sido levada também a tais recursos como forma de atingir número maior de pessoas. Exatamente na mesma medida em que o uso da mídia transformou a ‘lógica da política’ (Meyer 2002), também – e em certa medida, por fim – transformou a ‘lógica da religião’.” (p. 37, tradução livre). E é por tal caminho que se chega a duas outras questões não menos importantes. A primeira delas tem a ver com a prodigiosa eficiência com que os meios de comunicação passaram a ser usados para fazer com que fiéis se tornem consumidores. Para muito além do dízimo, uma multiplicidade de produtos – livros, CDs, ornamentos, relíquias variadas – são comercializados em larguíssima escala. A fé é consubstanciada em símbolos
adquiríveis, no vertiginoso mercado do divino impulsionado pela midiatização. A segunda questão incorpora ao assunto, além da economia, outra das grandes áreas da esfera pública – a política. Graças às novas formas de organização e atuação, princípios e convicções próprios de crenças específicas passam a inspirar verdadeiras mobilizações: a organização de grupos de pressão para combater a legalização da prática do aborto ou para fazer valer o ensino religioso nas escolas públicas, levadas adiante por algumas igrejas e lideranças religiosas, são exemplos claros. Da mesma forma, a intensa exposição midiática de sacerdotes e pregadores das mais variadas tendências viabiliza campanhas eleitorais e a formação de bancadas parlamentares cada vez mais numerosas e influentes. O mandato se torna uma graça que chega por meio dos poderes da midiatização.
O estudo e a compreensão de tais processos são evidentemente de enorme relevância não apenas para os que se dedicam à área de Comunicação, mas, em termos mais gerais, para quem quer que deseje compreender melhor os caminhos que vêm moldando a realidade do mundo atual. Isso ocorre, vale dizer, dos dois lados do Atlântico. Daí a urgência de que o livro de Luís Mauro Sá Martino seja traduzido e publicado no Brasil, de maneira a trazer a obra ao alcance dos nossos leitores. Porque no final das contas, não é justo que as livrarias da Charing Cross Road continuem a manter mais este privilégio. José Augusto Dias Júnior, Doutor em História Cultural pela Unicamp, é professor de História Contemporânea nos cursos de Jornalismo e Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.
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noticias
casperianas Campanha Trote Positivo
o Lar Mãos Pequenas, da região do ABC, que abriga crianças de até oito anos. A noite do evento contou ainda com a participação do humorista Rafael Cortez. O coordenador do curso de Relações Públicas, Sergio Andreucci, organizou o show como parte do processo de integração dos calouros: “Procuramos transformar a prática do trote em oportunidade cultural, principalmente em prol de entidades assistenciais”. A Faculdade pretende preparar atividades do mesmo tipo todo ano. A estruturação da Semana de Calouros 2015, por exemplo, que será
voltada para cultura, artes e comunicação, já começou a ser pensada e conta com o apoio dos alunos. Na primeira semana de aulas, entre 10 e 14 de fevereiro, o Centro Acadêmico organizou ainda uma gincana para receber os estudantes, também em parceria com a coordenadoria de Relações Públicas e com a Atlética. Duzentos alunos participaram de diversas atividades, entre elas, a doação de sangue e de produtos de higiene pessoal. Ao todo, 290 itens de higiene foram recebidos e encaminhados para o Recanto do Idoso.
FOTO: YURI ANDREOLI
No dia 27 de março, a banda Dona Zoraide se apresentou para os casperianos recém-chegados à Fundação. O Teatro Cásper Líbero estava lotado. O evento fez parte do projeto Cásper Voluntário – realizado pelo curso de Relações Públicas com o apoio do Grupo de Cidadania Empresarial da Fundação, do Centro Acadêmico, da Atlética e da Bateria da Faculdade – e arrecadou meia tonelada de alimentos, que foram doados para duas instituições beneficentes. Uma delas é o Recanto do Idoso de Guarulhos, que acolhe mais de cem idosos em situação de risco; a outra é
A banda Dona Zoraide se apresentou no Teatro Cásper Líbero para receber os calouros
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Cultura Geral
Semana de debates: 50 anos do Golpe
Jornalismo
Visita à Câmara Municipal
Rádio e TV
Heitor Ferraz, Ivan Ângelo e Thiago Vasconcelos discutem literatura, teatro e ditadura
Aula Magna de RTV
Com a preocupação de olhar para o passado e entender melhor o presente, a Coordenadoria de Cultura Geral, em conjunto com as demais coordenadorias da Faculdade, realizou uma semana de debates no início de abril para marcar os 50 anos do Golpe Militar no Brasil. As palestras foram ministradas de manhã e
No dia 15 de abril, os alunos do segundo ano de Jornalismo visitaram a Câmara Municipal de São Paulo para assistir ao Ciclo de Debates em Comunicação, promovido pela própria instituição. O palestrante do dia era o jornalista e escritor Paulo Markun, ex-presidente da TV Cultura e autor de livros como Vlado – Retrato de Um Homem e de Uma Época.
A Aula Magna de Rádio e TV do período noturno, que ocorre sempre no início do ano letivo, deu aos alunos a oportunidade de conhecer mais sobre o trabalho dos roteiristas Marcos Lazarini e Thiago Dottori. “Vivemos em um tempo que remete a algumas ideias de intolerância e brutalidade, e eu acredito no poder da fabulação para quebrar com isso”, afirmou Lazarini, que já escreveu para diferentes novelas, minisséries e
à noite e abordaram diferentes questões do período: do futebol à arte, da Publicidade às Relações Públicas e imprensa; e da Comissão da Verdade às resistências LGBT e feminista. Para lembrar os anos de chumbo e refletir sobre conceitos como liberdade de expressão e ditadura civil-militar, os
alunos ouviram professores, jornalistas, historiadores, publicitários, profissionais da área de RP, diretores de cinema, ex-jogadores de futebol e vítimas da censura e da violência. No período da tarde, foram exibidos filmes e documentários sobre a época, seguidos de debates com docentes da Faculdade.
Markun falou sobre jornalismo e resistência na época da ditadura militar. Tendo trabalhado como repórter, apresentador e editor em diferentes jornais impressos e televisivos, ele pôde compartilhar muitas experiências com os estudantes. Ele contou, por exemplo, que foi preso e torturado no DOI-Codi em 1975 – apenas uma semana antes do sequestro
e assassinato do jornalista Vladimir Herzog – por fazer parte do Partido Comunista na época. Sobre a profissão, defendeu que os cursos de Jornalismo devem ser criativos, ousados e estar sempre um passo à frente do mercado de trabalho através da prática da profissáo. Ele acredita que o diploma não seja necessário, já que a informação é, hoje, de fácil acesso.
programas. Dottori, que se destacou por seu trabalho em séries de televisão, também enfatizou a importância do roteiro dentro das produções: “É ele que vai dar unidade a um projeto, dar liga a tudo”. Alguns dias depois, os alunos da manhã contaram com a presença de Flavio Queiroz, editor-chefe do programa A Fazenda, da Record. Flavio compartilhou sua experiência com os estudantes e explicou passo a passo como funciona
a elaboração de um reality show. Além disso, deu um breve histórico das produções que trabalharam com o recurso da realidade e do realismo no passado. Expôs ainda fatores importantes para o sucesso de um programa de convivência hoje em dia. “Na sua essência, um reality show trata das relações humanas, e isso é o mais interessante, porque você não pode controlar como as coisas vão acontecer”, afirmou Flavio Queiroz. Maio de 2014 | CÁSPER
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crônica
mercado
´ simbolico
U
m amigo árabe, acostumado com as mil e uma noites, desertos e bombas, veio passar calor aqui em São Paulo. Um dia, precisando comprar um óculos, dei-lhe as instruções para ir ao centro de transporte público; se perdeu, claro. Talvez devesse ter ido com ele. Apareceu em casa tarde da noite, todo arrebentado e com o coração partido. Perguntei se foi assalto ou mulata, ele negou e me contou uma história estranha. Sem saber como e onde, chegou no mercado simbólico. Disse que tinha um monte de gente gritando, inconformada com tudo e com nada; não era o Mercadão nem a feirinha hippie do MASP, mas jura, quase em nome de Alá, a veracidade do ocorrido. Vendia verdades e cheirava mal. Contou que era difícil de entrar, com o chão escorregadio de conceitos descartáveis: “trabalhador”, “vagabundo”, “alienado”, “classe”, mas mesmo assim foi, sem entender muito bem. Espantado, entrou num corredor estreito, de confusão moral; as bancas da esquerda vendiam “mídia golpista”, “revolução” e “oito pilha um real”; as da direita, “corrupção”, “humanos direitos” e aqueles minigames com Tetris. Achou a briga das duas extremidades parecida com as do futebol. Viu Palmeiras x Corinthians esses dias, um pouco mais correta e sem violência. Tudo bem que ele é míope, sua realidade estava limitada, 66
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mas confundiu a tenda da Igreja com a da Universidade. Achou meio caro aquele “Deus”, distante e bondoso – primo do seu. “Deve ser por isso que não vende muito”, acrescentou irônico. Porém, de “culpa” e “dialética”, comprou umas três porções. Dos intelectuais da Universidade, achou-os cheios de pose, com seus charutos, frases em francês e diplomas inúteis. Aproveitou para se abastecer de “Complexo de Édipo”, e depois passou mal com o pão e mortadela do marxismo mal feito. De repente, conta sorrindo, viu uma loira, meu deus, praguejando contra o bonde, os celulares e a rede, como formas oblíquas da bomba atômica. Todo aquele charme apocalíptico: apaixonou-se. Um pouco precipitado, eu achei, já tentou comprá-la e foi aquele rebuliço. Julgado, xingado, cuspido, o machista safado foi crucificado, ao lado de dois bandidos; o marginalzinho e o corrupto. Desiludido e fotografado, foi libertado só tarde da noite pela loira. Ela ainda gritava, enquanto ele só flutuava de carona nas palavras militantes atiradas por aquela linda boca. Perguntei, brincando, “Vai explodir tudo?” Respondeu, ainda hoje não sei se com ironia, “Jesus disse para amar nossos inimigos”. Raul Duarte, de 23 anos, é aluno do terceiro ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
IMAGEM: SXC.HU/ODAN JAEGER
por Raul Duarte
REVISTA CÁSPER