Revista Cásper #17

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´ CASPER 17 Dezembro de 2015

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AUTO DE LIBERDADE

A vida e a memória do jornalista Vladimir Herzog

GASTRONOMIA

Comida, competição e entretenimento naTV

MARCELO MACHADO A trajetória do cineasta e o documentário Tropicália

ARTE E GRAFITE

A vibração da arte nos muros do Grajaú



´ CASPER ISSN 2446-4910

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa VICE-DIRETOR Roberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITOR-CHEFE Pedro Ortiz EDITOR Guilherme Venaglia CONSELHO EDITORIAL Dimas Künsch, Helena Jacob, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Pedro Ortiz, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci e Sonia Castino REPORTAGEM Ana Carolina Siedschlag, Ana Clara Muner, André Valente, Carolina Mikalauskas, Felipe Sakamoto, Guilherme Venaglia e Naiara Albuquerque EDITOR DE ARTE E FOTOGRAFIA André Valente PROJETO GRÁFICO Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Ana Carolina Siedschlag e Carolina Mikalauskas COLABORADORES Alana Claro, Bárbara Muniz, Boris Kossoy, João Gabriel Hidalgo, Mariana Agati, Mariana Gonzalez e Marina Braga NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br casperlibero.edu.br/a-casper-libero/revista-casper

CAPA © Acervo/Instituto Vladimir Herzog

CC

BY

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VLADO

E A DEMOCRACIA

H

ouve muito o que comemorar em 2015. Este ano conturbado marcou as três décadas do processo de redemocratização do Brasil, iniciado pelas eleições indiretas para presidente da República que elegeram Tancredo Neves. O mineiro não assumiu em 15 de março de 1985, atingido por uma diverticulite aguda que se prolongou até 21 de abril. Mas aquela data marcou o restabelecimento do processo democrático no nosso país. O ano de 2015 foi marcado também pelo aniversário de 40 anos da morte de Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura após ser detido no DOI-CODI, em São Paulo. Foi a tortura e morte de Vlado, em 25 de outubro de 1975, que despertou definitivamente os brasileiros para o combate à repressão, abalando as estruturas do governo militar. A Revista Cásper lança a reflexão sobre acontecimentos tão importantes da nossa história ao fazer um perfil póstumo de Vladimir Herzog nesta edição. Entrevistamos Clarice Herzog, esposa de Vlado, a fim de verificar mitos e verdades sobre a vida, o trabalho e a morte do jornalista. Para a Faculdade Cásper Líbero a importância dele é ainda um pouco maior, pois o centro acadêmico da instituição, fundado em 1978, leva com orgulho o nome de Vladimir Herzog. Entrevistamos Marcelo Machado, diretor do documentário Tropicália, que discute este momento tão importante da cultura e da política brasileira. Comunicação e Direitos Humanos nas organizações é outra pauta de destaque, com enfoque em campanhas sobre questões de orientação sexual e identidade de gênero. Nesta edição #17 temos ainda a expressão artística do Grajaú, o maior bairro da cidade de São Paulo, com 360 mil habitantes. Discutimos também a participação das mulheres no mundo da propaganda. E, na seção Portfólio, homenageamos os cinquenta anos de fotografia de Boris Kossoy. E como comunicação é nossa pauta, não podemos deixar de lado uma investigação sobre a moda dos realities shows de gastronomia. Capitaneado pelo MasterChef, fenômeno de audiência exibido pela TV Bandeirantes, esse formato que faz sucesso no exterior chegou com força ao Brasil. Atraída pela comida exuberante, a audiência não para de crescer. A Revista Cásper tenta descobrir o porquê. Boa leitura,

CARLOS COSTA Diretor

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SUMÁRIO 10

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DIVERSIDADE E INCLUSÃO EM PAUTA

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AUTO DE LIBERDADE

Promoção da liberdade e dos direitos individuais dos colaboradores é motivo de debate em organizações

Mito e história nos 40 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog

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CINEMA TROPICAL

A Tropicália e o audiovisual brasileiro pelas lentes do cineasta Marcelo Machado

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UM PAÍS CHAMADO GRAJAÚ

Representação social na arte e a luta política no coração da periferia paulistana

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A VEZ DELAS

A busca das mulheres por espaço e protagonismo na publicidade

36 PRATO CHEIO A aposta das emissoras nos realities gastronômicos e o fenômeno MasterChef


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POESIA E RESISTÊNCIA

O mercado editorial e as formas de produção da poesia na contemporaneidade

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CRIAR E PENSAR IMAGENS

A biografia fotográfica dos 50 anos de carreira de Boris Kossoy

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48 SeÇões 56 61 66

resenha casperianas CRÔNICA

O FILÓSOFO DA MÚSICA

Rádio Cultura FM promove encontro de seus ouvintes com a obra musical de Hans-Joachim Koellreutter

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direitos

DIVERSIDADE E

INCLUSÃO EM PAUTA Empresas criam campanhas para trabalhar as questões de orientação sexual e identidade de gênero entre seus funcionários e clientes Texto e design por Ana Carolina Siedschlag

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Declaração dos Direitos Humanos de 1948, em seu primeiro artigo, afirma que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. O documento não especifica que a orientação sexual de um indivíduo possa ser motivo para discriminação, mas a aprovação de um projeto de lei que institui como família (outro item inabalável, segundo a Declaração) apenas as uniões estabelecidas entre homem e mulher, excluindo outros tipos de configurações, pela Câmara dos Deputados, com necessidade de tramitar, ainda, no Senado Federal, mostra que nem todos estão de acordo sobre a questão.

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Por um lado, o virar do século viu um encontro interessante entre a grande expansão econômica do segmento LGBT, fenômeno conhecido como pink money. Homossexuais provenientes da classe média alta, com acesso ao estudo, bons empregos e sem filhos, que, com seu alto poder aquisitivo, se tornaram um público-alvo de interesse para companhias dos mais diversos segmentos, sobretudo o turístico. Dessa forma, tiveram um papel importante, ao lado dos movimentos militantes, para os avanços da causa, como, por exemplo, a promoção de uma significativa alteração da legislação brasileira em favor do reconhecimento dos seus direitos. Desde 2013, por exemplo, o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo é permitido em todo o território nacional

(ainda que não por lei como nos Estados Unidos, mas por conta de uma resolução do Supremo Tribunal Federal), assim como o direito a receber pensão pela morte do cônjuge e a inclusão deste na declaração de Imposto de Renda. Entretanto, apesar dos direitos conquistados, existe uma tendência político-ideológica crescente de combate à expansão das conquistas do movimento LGBT. Uma pesquisa de 2015 da empresa de recrutamento e seleção Elancers mostrou que muitas companhias preferem rejeitar um candidato gay por temer que sua imagem seja associada a ele. Cerca de 11% dos 10 mil empregadores entrevistados não contratariam homossexuais para determinados cargos. Já a agência Santo Caos, responsável pelo site Demitindo


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acesso NEGADO DE ACORDO COM A Associacao Brasileira de Gays, Lesbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, UMA em cada 10 pessoas e homossexual no brasil

61%

das maiores empresas do mundo POSSUEM protecao contra preconceito por identidade de genero De acordo com a Revista Fortune em 2012

UMA

em cada 5 empresas nao contrataria homossexuais para determinados cargos

Preconceitos, mostra que 37% dos 230 empregados LGBT entrevistados já hesitaram declarar sua orientação sexual na hora de escolher uma vaga. Na contramão dessa ideia, o Instituto Ethos, em parceria com a Txai Consultoria, mobilizou mais de 30 grandes empresas para formar o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, que tem reuniões anuais com nomes como P&G, Walmart, Bradesco e Pernambucanas. A iniciativa fundada em 2013 já trouxe como resultado os 10 Compromissos da Empresa com a Promoção dos Direitos LGBT, um tratado que tem como expectativa ações que promovam a aceitação da diversidade dentro e fora dessas companhias. “As empresas que não se importam com essas questões correm o risco de estarem despreparadas durante crises e acaba8

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rem manchando suas marcas”, defende Mateus Furlanetto, diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) e professor do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero.

Preconceitos na vitrine

No dia 25 de maio de 2015, a marca O Boticário recebeu manifestações online ao representar casais homossexuais em um comercial de televisão para o Dia dos Namorados. No site Reclame Aqui, 84 postagens acusavam a marca de estar “impondo a ditadura gay” e de “ferir os princípios da família tradicional brasileira”, além do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) ter aberto um inquérito para investigar a propaganda, denunciada mais de vinte vezes.

Disseram os 2.075 recrutadores das cerca de 1.500 empresas que foram ouvidas em pesquisa da Elancers

Para Franco Reinaudo, diretor executivo do Museu da Diversidade Sexual em São Paulo, iniciativas como a d’O Boticário visam não apenas mandar uma mensagem para seu público consumidor, como também aumentá-lo: “Se considerarmos que, no mínimo, 10% da população brasileira poderia se identificar com a propaganda, é um nicho que o mercado não pode deixar de lado”, afirma. Reinaudo, formado em Gestão de Empresa Turística pelo Istituto dele Scienze Turistiche de Florença (Itália), foi um dos pioneiros do turismo LGBT no Brasil e consultor de empresas interessadas em abrir as portas para este público. Ele explica que o setor investiu boa parte dos seus recursos para atrair esse público e que, a partir da virada do século, outros setores da economia per-


ceberam a oportunidade e começaram a procurar por consultorias que os ajudassem a se aproximar destes potenciais consumidores. Para Franco Reinaudo, o primeiro passo é melhorar a sintonia interna da empresa: “Não adianta propagar externamente ideias que não existam entre os funcionários, é incoerente”, afirma. Ele exemplifica que, caso uma pessoa homossexual esteja no meio da equipe, diante de atitudes preconceituosas de seus colegas, a probabilidade de ela esconder sua orientação é muito grande, o que pode acentuar um processo de desmembramento da equipe.

Abrindo portas

Pensando em casos como este e em outras situações em que funcionários não se sintam livres para denunciar ocorrências nas quais se sintam oprimidos, a Dudalina, marca catarinense de roupas, se uniu em 2013 com dois fundos norte-americanos, criando um comitê de ética, responsável por melhorar a comunicação interna da empresa e evitar que casos de abuso e preconceito entre colaboradores aconteçam. “Todo mundo tem problemas, mas é melhor tentarmos consertar lá dentro antes que saiam do controle”, contou Bruno Luiz Martins, representante desse comitê, durante a abertura do III Desafio de Ética, projeto encabeçado pela professora casperiana Ágatha Camargo, do curso de Relações Públicas, e que tem como proposta levar situações de empresas reais para dentro da sala de aula. Para o professor Mateus Furlanetto, é importante a existência de políticas que afirmem boas relações da organização com a diversidade, mas isso não exclui o lado positivo de algumas passarem por situações de crise. “Podem existir duas batalhas, a da opinião jurídica e a da opi-

nião pública. A batalha jurídica demora anos, décadas. Se você falha na da opinião pública, não tem mais volta e é caso de mudar as suas políticas”, comenta. Foi o caso de Guido Barilla, presidente da fabricante de massas Barilla. Em 2013, durante uma entrevista a uma rádio italiana, o executivo disse que nunca contrataria casais gays para fazerem propaganda de sua marca. A fala causou polêmica nas redes sociais e pedidos de boicote contra os produtos. Depois de muito barulho e uma hashtag exclusiva de repúdio ao comentário, “#boicottabarilla”, o presidente voltou atrás e desculpou-se pela declaração. Outro caso, dessa vez mais bem sucedido no manejo de crise, aconteceu em 2013 com a rede de supermercados Carrefour, quando uma das unidades do grupo recusou a contratação de uma funcionária transexual. Logo em seguida, a rede iniciou um processo de reorientação de todos os envolvidos no caso, além de viralizar um manual do grupo sobre como tratar de forma correta pessoas LGBT em suas unidades. São iniciativas como esta que possibilitam e dão aprovação moral para que empresas promovam campanhas defendendo diversos nichos da sociedade, como no caso da International Business Machines (IBM), referência no cenário mundial na promoção da diversidade LGBT. Tal política, a Equal Opportunities, ou, em tradução livre, “Oportunidades Iguais”, vinda das sucursais no exterior (uma tendência seguida pelas multinacionais no Brasil), visa igualar a competição por oportunidades de carreira que estejam disponíveis para todos os funcionários, um direito que, mesmo estando previsto na Constituição brasileira, ainda precisa ser reforçado e relembrado nas empresas do país.

NÃO ADIANTA PROPAGAR EXTERNAMENTE IDEIAS QUE NÃO EXISTAM ENTRE OS FUNCIONÁRIOS, É INCOERENTE Franco Reinaudo, diretor executivo do Museu da Diversidade Sexual de São Paulo

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entrevista

cinema

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Marcelo Machado fala sobre o documentário Tropicália, sua trajetória na Publicidade e a produtora Olhar Eletrônico Texto por Ana Clara Muner

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Design por Ana Carolina Siedschlag

Rua Fradique Coutinho, na zona oeste da cidade de São Paulo, exalta o barulho e o movimento da cidade. No meio de todos os comércios e botecos um pequeno prédio é a sede da produtora dirigida pelo cineasta Marcelo Machado. Enquanto o aguardava, aproveitei para admirar aquele lugar constituído em sua maioria por livros, e que deixava claro traços de um arquiteto que se importa com o ambiente em que passa grande parte do dia. A impressão não era à toa: são competências adquiridas durante o período em que estudou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), quando, ao lado de um grupo de amigos, formou uma pequena produtora experimental que ficaria conhecida como Olhar Eletrônico. Nessa época, produziu, ao lado de nomes hoje conhecidos como Fernando Meirelles, diretor do filme Cidade Deus, e Marcelo Tas, ex-apresentador do programa CQC (TV Bandeirantes), documentários, que chamavam de vídeos experimentais, materiais publicitários e programas de televisão, quando estiveram atuando na TV Gazeta durante a década de 1980. Profissional das mais diversas áreas do audiovisual, Marcelo Machado prioriza hoje a área documental e segue com suas experimentações cinematográficas. A Tropicália foi um movimento artístico que aconteceu no Brasil no final dos anos 1960, baseado na fusão entre aspectos tradicionais da cultura popular nacional com o que dominava a cena musical ao redor do mundo, como o rock. O documentário homônimo dirigido por Machado é constituído por imagens de arquivo e entrevistas com artistas da época. Na sua conversa para a Revista Cásper, o cineasta conta sobre o processo de produção e a importância do movimento para os dias atuais.

Você nasceu em Araraquara. Por que veio para São Paulo e que faculdade cursou? Mudei para São Paulo decidido a estudar na Universidade de São Paulo (USP). Pretendia cursar Comunicação, mas meus pais não me incentivaram, não acreditavam que era uma boa carreira para seguir. Quando eu conheci particularmente a FAU, decidi o que iria cursar. Quis estudar nela logo que pisei naquele prédio, que é de muito encontro, muito agradável para se estar. Na época havia bons “cineclubes” e bibliotecas, então, fora as aulas você tinha muitas possibilidades. Como a Arquitetura ajudou sua produção audiovisual? Na FAU acontecia uma série de oficinas, como laboratório fotográfico, marcenaria, além de uma biblioteca de arte enorme, que ampliavam minha abordagem no assunto. Eram muitas possibilidades de práticas artísticas, isso me ajudou no processo criativo, aprendi a me planejar. A maneira de pensar um projeto arquitetônico é parecida na hora de conceber uma serie de televisão, um programa ou um filme. Você planeja e estrutura o pensamento, o método. Minha visão de arquiteto não é baseada na questão do espaço, mas como organizo as ideias. Quando você pensa em uma cidade, você tem que esboçar muito, estudar hábitos, costumes e politicas daquele ambiente. Passei a ser mais analítico e isso é muito interessante como pratica. No cinema você tem que entender seu público, seu assunto. Quais foram suas influências audiovisuais quando jovem? Em relação ao áudio, sempre fui muito ligado à música, tinha muita curiosidade em entender o que ouvia. Estudei flauta doce quando morava em Araraquara, era uma fase que na qual eu estava escutando música brasileira e muito rock. Minha professora me ensinava os estilos renascentistas durante essa fase mais

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rockeira, era uma mistura de gêneros diferentes. No terceiro colegial, entrei na turma que ia concorrer para o grêmio estudantil. Me envolvi muito na campanha, principalmente no aspecto publicitário. Quando nós ganhamos a eleição, passei a fazer o jornalzinho da escola e a participar da fanfarra, a banda marcial, além de ter ajudado a retomar o festival de música. De uma maneira ou outra, são atividades que me envolvem até hoje.

Fui convidado para a reunião que decidiria seus próximos passos, nela dei a ideia de fazer este módulo e no dia seguinte me ligaram para assumir a Direção de Programação para implantar esse projeto. Busquei convidar pessoas da minha turma como a Anna Muylaert, o Serginho Groismann e o Hugo Prata. Foi um momento muito interessante na TV Gazeta, onde fiquei um ano e meio e o TVMIX durou cerca de três anos.

Você criou com mais três colegas a sua primeira produtora, a Olhar Eletrônico. Como foi esse processo de fundação? Nós éramos quatro colegas de classe da FAU. Dois deles já estavam envolvidos com o cineclube e com a ideia de fazer filmes, que eram o Fernando Meirelles e o Paulo Morelli. Eu e o Dario Vizeo também circulávamos em torno desse coletivo, ou seja, éramos uma turma que sabia que não queria ser arquiteto e já pensava em fazer outra coisa. O cinema e a televisão acabaram surgindo como uma opção muito interessante, já que o vídeo acabava de surgir. Nenhum de nós tinha feito curso de audiovisual, por isso foi muito experimental. Pegamos o cinema no período anterior da retomada, quando estava muito difícil de produzir conteúdo. Queríamos revivê-lo no Brasil, para dar vazão aos nossos sonhos. Fomos em direção à televisão, porque ela logo se apresentou como uma vitrine incrível para nossa expressão. O cinema estava difícil e a televisão estava em seu auge. Achávamos que a TV Globo tinha um jeito de pensar o país que não era o nosso, queríamos fazer a nossa programação, que chamávamos de “TV do terceiro mundo”. Pensávamos em fazer uma revolução, é bom ser jovem e sonhar.

Qual a experiência que o TVMIX trouxe para sua carreira? Difícil dizer, depois dessa experiência eu trabalhei um pouco na TV Cultura e quando a MTV veio para o Brasil me mudei para lá durante dois anos, como diretor de programação. Quando deixei esse cargo, meus trabalhos televisivos se esgotaram. Esse período na televisão foi uma desilusão, achava que ia mudá-la, mas vi que as coisas eram bem mais complicadas, por isso fiquei oito anos

Por que vocês se separaram? A produtora não chegava a dar muito dinheiro. Quando saímos da fase pós-universitária começamos a casar e ter filhos e vimos o mercado publicitário como uma ótima saída. No entanto. entrou um elemento que a gente não estava esperando, o dinheiro. Começou a ter uma briga de quem ganhava mais, foram pequenas disputas que acabaram com o grupo. Qual foi, para você, a importância do TVMIX, programa que você dirigiu na TV Gazeta? Eu não fui para a área de vídeos publicitários imediatamente, de todo o grupo fui quem mais acreditou na televisão. Quando a MTV tentou entrar no Brasil pela primeira vez, mesmo não dando certo, fiquei com a ideia do módulo de programação. O plano era ter um módulo de uma hora que se repetisse diversas vezes. Da seguinte forma: você liga a TV para ver um programa já padronizado, como o rádio, que te permite ligar e desligar a qualquer horário. O objetivo era ter três linhas, a primeira seria o serviço, como por exemplo, o Climatempo, a segunda o entretenimento, e a terceira a informação. Essas também se tornaram a ideia do TVMIX, algo bem experimental. Foi quando teve uma mudança na TV Gazeta, no sentido de querer deixá-la mais jovem e moderna.

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QUERÍAMOS FAZER A NOSSA PROGRAMAÇÃO, QUE CHAMÁVAMOS DE “TV DO TERCEIRO MUNDO”. PENSÁVAMOS EM FAZER UMA REVOLUÇÃO, É BOM SER JOVEM E SONHAR


na área publicitária. No Brasil as coisas são tão voláteis, que até questiono se a minha experiência no TVMIX serviu para alguma coisa. Na minha época só tinham canais abertos, com pouca variedade. Se você gostava de coisas diferentes, e queria procurá-las, precisava se esforçar muito. Eram essas pessoas que acabavam se diferenciando, porque o resto do mundo optava pelo conteúdo de fácil acesso. Não existia canal para a diversidade.

ideia de outra pessoa por trás, porque no final, o que acaba importando mesmo é o ofício, como filmar, montar as tarefas em geral e isso não quer dizer menos criatividade, mas que você está a serviço de uma ideia que alguém criou. Você tem que saber contar a história de várias maneiras e aprender a interpretar. Dentro desta área tem muita pressão por envolver muito dinheiro, e acaba sendo muito mais exigente.

Como foi a experiência de ir do cinema para a publicidade? A publicidade é muito mais segmentada e profissionalizada. Quem faz a direção não cria, os criativos que fazem esse trabalho. Tudo o que dirigia até então era eu quem criava, já como produtor na agência, trabalhava com ambos os lados, tanto com o diretor quanto com o criador e via bem essa separação. É muito interessante dirigir publicidade e ter essa

Como surgiu a ideia de produzir Tropicália? Quando viajei para outros países para fazer o Ginga, outro longa que produzi, percebi que o interesse dos jovens pela música brasileira era muito grande. Então dois americanos me convidaram para fazer um filme sobre o tropicalismo. Eu aceitei na hora, porque o tema me interessava, mas eles eram dois jovens independentes que não tinham investimento. Foi quando to-

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Os longas Ginga e Tropicรกlia fazem parte da carreira do cineasta Marcelo Machado 14

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VÃO ACONTECER COISAS MAIS INTERESSANTES QUE O TROPICALISMO NO FUTURO. QUEM FICAR OLHANDO PARA TRÁS QUERENDO QUE SEJA IGUAL VAI FICAR CHORANDO, PORQUE ISSO NUNCA VAI ACONTECER

mei o projeto como meu e fui atrás de colaboradores, como a Bossa Nova Filmes, e comecei a sua produção. Como foi recuperar os arquivos daquela época e transformá-los em uma narrativa única? Demorei de dois a três anos. Nós não queríamos apenas arquivos organizados, mas pessoais também. A equipe que fazia essa parte do trabalho era constituída por dois pesquisadores, um no Rio de Janeiro e o outro em São Paulo. Fizemos muito trabalho de garimpo, de bater na porta das pessoas que tinham materiais e guardavam “em baixo da cama” os negativos daquela época. Primeiro pegamos todo o material e colocamos em ordem cronológica na ilha de edição. Fomos pegando só o que me interessava, deu um total de cinco horas de vídeo. Quando você começa a mexer em todo o conteúdo, ele acaba falando, você sente os momentos mais importantes e vai construído o filme. As animações que aparecem no meio do filme foram feitas de que maneira? Um pedido que eu fiz para a produção foi que o departamento de arte trabalhasse paralelo à montagem. Quando montávamos a sequência dos filmes e achávamos algum problema nela, tinha a arte para ajudar. Eu sabia que o material possuía muitos problemas, que eram vídeos velhos, com pouca definição, e nós íamos resolvendo isso com animação. Por exemplo, não tínhamos uma gravação da música Proibido proibir e acabamos encontrando o nome do fotógrafo que trabalhava para o Estado de SP, que tinha fotografado o terceiro Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Fomos atrás da viúva que tinha os negativos das fotos e com eles fizemos a montagem. Qual é a importância de colocar esse assunto em pauta? O tropicalismo é um movimento que pensa o país em que

moramos. Tudo que faz a gente pensar no Brasil e em nossa cultura é uma contribuição para entender onde vivemos e para fazer com que possamos olhar para frente. Os documentaristas devem gostar de contar historias e entender seu ambiente e sua época. Quero crer que, quando um jovem assiste ao filme, ele consiga entender o que estava acontecendo naquele tempo. Como os jovens hoje em dia podem usar a internet para difundir a arte? Na época, a televisão estava em seu ápice assim como está a internet hoje em dia. Você usa os novos meios para relatar fatos, e isso é repetir o que eles fizeram naquela época. As tecnologias vão mudando, mas na essência o que precisamos fazer é contar as histórias para entender o mundo em que vivemos. Hoje, quem usa a internet precisa ter a mesma criatividade que os tropicalistas. Temos que saber nos apropriar dessas invenções para fazer a roda girar. Em sua opinião, qual a razão para que não existam, hoje, movimentos como o tropicalismo? O mundo mudou. Hoje você tem internet, televisão a cabo e mais acesso a diversidade. É um avanço tecnológico diferente e a informação corre de outro jeito. Vão acontecer coisas mais interessantes que o tropicalismo no futuro. Quem ficar olhando para trás querendo que seja igual vai ficar chorando, porque isso nunca vai acontecer. Você não pode querer usar a referência passada para projetar o futuro, vai acabar não sendo valorizado. No máximo podemos absorvê-la para entender nossa história. Quais são os seus projetos para o futuro? Vou fazer um documentário sobre o pianista paulistano Benjamin Taubkin, chamado de O Piano que Conversa. Vai ser sobre seus diálogos musicais e as diferentes tradições no Brasil e fora. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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narrativa

UM

PAÍS

CHAMADO

GRAJAÚ A vida que vibra nos grafites da periferia e a força de quem usa a arte como instrumento de luta política Texto por Naiara Albuquerque Design por André Valente

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© ANA CLARA MUNER

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É

através dos olhos de Mauro Neri que conheço o extremo sul da zona sul. Sua calça manchada com respingos de tinta revela quem o corpo abriga: artista plástico, grafiteiro, pichador, educador e um dos fundadores do Imargem — um movimento de arte política da periferia. A pele negra, a barba parcialmente branca e o cabelo em dreads são características imediatas que percebo. Em suas costas descansa uma mochila com formato de casa, costurada a mão por sua mãe. O material utilizado é um tipo de lona amarela que compõe as paredes, além dos detalhes em marrom que formam o telhado, a janela e a porta. Intrigada, pergunto qual o significado: “a casa é um símbolo universal em todas as culturas: pense em um lugar que sempre queremos voltar depois de um dia de trabalho: nosso lar.” Essa foi uma das últimas falas de Mauro antes que adentrássemos as portas de uma das maiores referências quando pensamos em grafite em São Paulo: o Grajaú. O Sesc Interlagos é meu ponto de partida. Responsável pelo projeto Conexão Zona Sul, que propõe conhecer e valorizar a arte urbana da região e é um dos parceiros do movimento Imargem. Ao chegar no local, cumprimento todos que ali vejo e Mauro, que não reconheço de imediato. Somos um grupo de dezesseis pessoas. Entre elas, pesquisadores, jornalistas, fotógrafos e representantes de coletivos. Após alguns minutos, somos convidados a entrar em um micro-ônibus, são 9 horas da manhã. Mauro permanece em pé boa parte do percurso e, gesticulando, começa a explicar como o Imargem nasceu. O nome só veio em 18

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2006, mas a relação de seus fundadores com a urbe é do final dos anos 1990. Mais do que um coletivo, o grafiteiro explica como se identificam: um movimento aberto que não pretende ter começo, meio ou fim. Somos convidados a olhar através da janela a todo momento, com Mauro apontando para diversos murais que vamos encontrando ao longo do caminho até o Grajaú. No muro da CPTM, passamos pela estação Interlagos onde, todos os anos, acontece o Encontro Niggaz. Referência importante do grafite da região, Alexandre da Hora, conhecido como Niggaz, é considerado um dos precursores de uma arte propriamente periférica nacional — não mais baseada nos moldes nova iorquinos, como era feito até então. Relembrado com carinho, ele morreu afogado na represa Billings aos 21 anos de idade, em 2003. Desde então, o local tornou-se referência para os grafiteiros que preenchem os muros anualmente em sua homenagem. A visão do grande mural se perde no concreto e no som frenético dos trens que passam; é um lugar que emana história, mas, também, que confere a ideia de uma ferida delicada que os grafiteiros decidiram relembrar e manter viva em memória ao amigo.

Transformações

Vinte e sete quilômetros é a distância que separa a Praça da Sé de um dos distritos mais populosos e periféricos de São Paulo. Foco de intervenções artísticas, o Grajaú é visto, por muitos forasteiros, como uma mancha cinza que abriga mais de 500 mil pessoas. Porém, aproximando o olhar, a riqueza de murais e grafites torna esta visão falaciosa. A periferia se mostra mais vivaz e colorida do que nunca.


© ANA CLARA MUNER

Mauro Neri, um dos fundadores do Imargem, foi quem conduziu minha visita ao Grajaú

As vielas do bairro são um labirinto sem fim. Não percebo quando o micro-ônibus passa do limite entre os distritos da zona sul e chega em nossa primeira parada. A lateral de uma das casas localizada na rua Maria Celestina possui um dos murais de Mauro. “Ver(a)cidade, no bairro do Grajaú a gente pode” está grafitado sob blocos alaranjados e um reboco mal-acabado. É o primeiro trabalho autoral que o grafiteiro nos mostra e, também, um dos muitos que tem sua marca registrada em tantos outros lugares de São Paulo: “ver(a)cidade”, que pode significar, entre tantas ideias, o ato de escolher o que estamos observando a todo momento. Enxergar de fato a cidade e não passar despercebido. Além do trocadilho com o real significado

da palavra: verdade, autenticidade. Na mesma rua, acontece, há onze anos, todos os domingos, o Pagode da 27. O evento, apadrinhado pelo rapper Criolo, é tão tradicional entre os moradores que ao longo dos anos a prefeitura acabou cedendo e o incorporando pelas vias legais. A placa no início da rua avisa: “Não é permitido carros aos domingos e feriados entre às 9h e 17h, rua de lazer”. É um espaço onde artistas locais podem tocar, sendo que, atualmente, mais de dez músicos se apresentam ali. O objetivo é manter o samba como instrumento de transformação social e política incorporado pela periferia. Visto por dentro, Grajaú parece um local afunilado por suas casas e cores. As construções mesclam o cinza dos barra-

cos rebocados, o alaranjado dos tijolos, as tintas dos grafites e a paisagem verde, predominante na região. O observador é convidado a mergulhar em suas vielas, diferentemente do centro de São Paulo, que a partir do fenômeno da verticalização de seus edifícios, espelha os olhares por quem ali passa. A ideia que tenho, enquanto adentro no universo do extremo sul, é a de que posso enxergar o esqueleto deste distrito. Noção reforçada por Mauro: “Na periferia é onde os conflitos se explicitam. Aqui, formamos uma cultura única da transgressão,” explica. Noto propagandas que se repetem nos muros de casas e bares. “Antônio do bem: construção civil”, é um destes exemplos, legítimos pelo respaldo político. Vereador e empresário, dono de um Dezembro de 2015 | CÁSPER

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© ANA CLARA MUNER

importante comércio, é conhecido pelos grafiteiros e pichadores da região por apagar seus trabalhos e colocar, em seu lugar, suas propagandas.

Pela margem

Ao chegar a beirada da represa Billings, um dos mais significativos reservatórios da cidade de São Paulo, é possível notar um importante processo de revitalização e ressignificação do espaço público. Um campinho de futebol society, uma pista de skate e um píer que circunda a área chamam a atenção, onde jovens brincam e aproveitam o lugar. Localizado no bairro Cantinho do Céu, tornou-se um exemplo de processo de urbanização na periferia que deu origem ao parque, hoje com 20

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mais de 7 quilômetros. Apesar dessa área ser, como me explica Mauro, resultado de desapropriações e criminalizações de moradias e barracos que existiam ali antes. A desenvoltura do grafiteiro ao caminhar por aquele espaço é de quem tem muito conhecimento da região. Ele faz questão de deixar claro que o que me conta faz parte de tudo que, pessoalmente, vivenciou. Assim como seus grafites, parece já fazer parte da paisagem do extremo sul, sua história passa a impressão de não ser apenas cruzada com os acontecimentos da região, mas de ser o próprio papel escrito. O poste em frente ao campinho recebe uma marca de Mauro. As latas de tinta que descansavam nos bolsos de sua

calça agora trabalham agilmente sobre o concreto cinza. A prática revela, instantes depois, uma casinha, a mesma de sua mochila, agora já marcada na superfície. Ainda no limiar da Billings, uma região lamacenta que se mistura com uma grande quantidade de lixo depositada em sua beirada. Apesar da paisagem encher os olhos, ele explica que infelizmente a população local não valoriza a represa tanto quanto poderia. Um dos fundadores do Imargem, caminha ao meu lado e me conduz bem próximo da beirada, de onde aponta para o outro lado da margem e sinaliza como a maioria dos moradores dos barracos e casas decidem colocá-las de costas para a paisagem azulada da Billings: “Aqui, o fundo da casa é usado


para jogar o esgoto na represa, além do medo existente de que as crianças possam morrer afogadas”, comenta. Permaneço alguns minutos encarando o outro lado da margem e percebo um crescente número de construções escoradas em estradas e morros de terra, revelando a discrepância existente dentro de um mesmo bairro, separado por essa porção de água. Um mural encostado em uma das casas do parque chama a atenção. Um menino negro grafitado tem uma das mãos defendendo o rosto, parece assustado. Na mesma cena, a periferia está em diversos planos maiores e menores que se misturam à figura do menino. É a violência contra negros e jovens retratada pela arte do grafiteiro Enivo, morador da região que apresentou outro artista local, Caio Cartenum, através de sua grafitagem. O muro em frente ao parque também foi pintado pela prefeitura com listras coloridas, mas que, algum tempo depois, foi usado de base por outros artistas da região para grafitar e pichar marcas por cima. O desgaste do tempo e das próprias impressões é um processo natural, sendo comum que um desenho sobreponha o outro e assim sucessivamente. Mauro defende que, diferente do que se imagina, não existe nenhum conflito entre pichadores e grafiteiros e que ambas as partes se respeitam, com o compromisso de não “apagar” a mensagem do outro. O maior problema, de acordo com o artista, é a carga que está empregada na palavra “pichador” e no modo como a arte está no olho de quem vê, independente de quem faz. “Muitos falam aos grafiteiros: ‘pelo menos você não está pichando’, sendo que o piche é um fenômeno de arte que não é entendi-

do em seu tempo e que, provavelmente, só o será daqui décadas”, critica. Ainda no parque, enquanto muitos de nosso grupo fotografavam a paisagem e os murais, ouço uma voz de cima dos sobrados: “Foi você que pichou meu portão?”, pergunta um dos moradores da região. Calmo, Mauro contempla a marca e responde “olha, esse aí não fui eu não.” Sem ter achado graça e ainda desconfiado o morador retruca: “É bom mesmo, ou veria só o que iria receber”. A situação reflete o quanto a pichação não é vista como algo que é resultado da liberdade de expressão. José Geraldo Oliveira, mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero pesquisando sobre o tema, explica como cada vez mais existe a necessidade por parte da população em geral em exercer o direito de interferir no espaço público. No caso dos pichadores e grafiteiros, ao deixar uma marca e compor estes locais: “Ambos os movimentos são enxergados como crimes e são marginalizados. Porém, temos alguns projetos através de prefeituras, que liberam alguns espaços e só assim isso se torna algo possível de ser feito. O lado positivo dessas iniciativas é que a cidade ganha cor, aproximando a população. No entanto, vejo o quanto o caráter transgressor e de crítica social é perdido quando se torna autorizado ”, avalia. O tipo de signo usado por cada pichador é uma tentativa do artista em desenvolver uma linguagem própria, por isso difícil de ser entendida. Eles estão interessados em escancarar alguma realidade ou situação por meio de uma rebeldia e expressão. A cidade desgastada e cinza absorve as formas, causando choque e aversão. Muitos pichadores faDezembro de 2015 | CÁSPER

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O Grajaú é um coração pulsante de arte na periferia de Sào Paulo

© ANA CLARA MUNER

lam de São Paulo como sendo um caderno de caligrafia gigante, uma marca que sendo considerada bela ou feia, também é fruto da mais pura anarquia. Essa forma de expressão como conhecemos surgiu em meados da década de 1980 e tem inspiração em bandas como o Kiss e Iron Maiden, que usam, até hoje, em seus logos uma escrita estilizada. De acordo com Mauro esse movimento “é fruto da metrópole. Não deixa de ser uma resposta violenta de alguém que quer ser ouvido, se sentir parte da cidade”. Ele afirma que a pichação é um tipo de indignação com as grandes empresas e com os políticos que podem estampar seus logos e nomes em todos os lugares. “Que mensagem eles tão deixando? Para quem?”, questiona o ativista em relação ao propósito do grafite. A problematização de dentro do movimento é feita constantemente por Mauro através do número de mulheres que participam do movimento. “Qual a proporção 22

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entre homens e mulheres nesse meio?”. Pensativo, o grafiteiro afirma depois de alguns segundos: “É bem gritante. “São dez artistas homens para cada mulher.”

Conhecer a rua

A sede do Imargem fica em uma das ladeiras do Grajaú. A cor verde, própria do movimento, é predominante em toda a fachada. É possível ler ao me aproximar: “Imargem: geração reversa. Projeto Transformações”. Ao entrarmos, uma casa simples de portas abertas nos aguarda. É lá onde fazemos um piquenique comunitário e nos reunimos em volta da mesa da cozinha. Enquanto comemos, Mauro continua falando da trajetória do coletivo e da sua: “Eu tive minha experiência com trabalho desde muito cedo. Lembro que com 10 ou 12 anos eu catava papelão na região e fui conhecendo a rua.” O grafiteiro conta com mais calma a parceria que teve com Criolo ao longo da vida, um amigo mais antigo, da época em que dava aula

e não contava com o sucesso de hoje. A mãe do amigo foi peça fundamental na sua formação, que relembra uma de suas conversas: “Ela me dizia: ‘No Centro Cultural tem um curso ótimo de desenho, por que você não vai lá?’ Depois ela falou: ‘Por que você não vai dar aula? Você desenha tão bem.’ E eu fui trabalhar como professor voluntário de uma ONG de grafite. Percebi como a cidade é um organismo vivo e essa forma de arte uma ferramenta de educação e transformação”, comenta orgulhoso. Ao fundo da sede do movimento, vejo um ateliê, ali é onde diversos projetos foram concebidos, além de oficinas ministradas sem custo para a comunidade. O conhecimento dos cursos é feito de forma pessoal boca a boca, sendo motivo de orgulho para seus fundadores e participantes, conhecidos como “agentes marginais”. Um destes agentes é Jonatas Rodrigues, que, após o almoço, volta para o trabalho no ateliê. Surpreendido pela minha chegada, começa a arrumar a bancada em


UMA DAS COISAS QUE EU APRENDI TRABALHANDO COM ARTE, ALÉM DAS TÉCNICAS E LIDAR COM O SOCIAL, FOI A ESCOLHA DE UM CAMINHO QUE PERMEIA A INDIVIDUALIDADE E O COLETIVO Jonatas Rodrigues, grafiteiro

que estava trabalhando. Aprendiz e professor do movimento, ele possui uma relação íntima com os projetos do Imargem. Quando pergunto o que espera do grafite, me responde tímido: “Uma das coisas que eu aprendi trabalhando com arte, além das técnicas e lidar com o social, foi a escolha de um caminho que permeia a individualidade e o coletivo. Acho que tudo fica mais rico quando você entende que faz parte de um grupo.” Apesar da felicidade em trabalhar com o grafite, Jonatas comenta que ainda existe muito preconceito tanto na sociedade quanto na própria família, que, costumeiramente, diz: “você não vai ter emprego com carteira registrada, você vai ser é chamado de vagabundo”

No extremo sul

Nossa última parada é na Ilha do Bororé. O bairro fica em uma península cercada pela Represa Billings e para conhecê-la foi necessária pegarmos uma balsa. Na travessia, Mauro mostra que quase

onde o olho não pode alcançar existe o município de São Bernardo do Campo, o Rodoanel e a Rodovia dos Imigrantes. Chegamos ao extremo sul da zona sul. Conhecemos alguns murais de amigos e colegas de Mauro e um dos projetos mais relevantes do Imargem: o Cartografiti, subsidiado pela Secretaria Municipal de Cultura, que consiste na realização de murais artísticos em diferentes pontos de São Paulo. Do Terminal Tietê à Ilha do Bororé são mais de 21 murais distribuídos em todas as regiões e zonas da metrópole. Mesmo com o apoio, diversos murais já tiveram de ser refeitos. Apesar de serem ambos braços administrativos da Prefeitura de São Paulo, a Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras, que cuida de questões de conservação dos bairros, e a Secretaria da Cultura, não possuem uma comunicação eficaz entre si, deixando um limbo de diretrizes e políticas públicas ineficazes em um mesmo espaço.Atualmente um desses editais aos

quais está ligado o Imargem está chegando ao fim e não se sabe ao certo quais projetos poderão continuar sendo feitos no ano que vem. Hoje, o movimento conta com a contribuição de artistas que usam o ateliê e que podem ajudar de alguma forma. Pouco antes de irmos embora, Mauro deixa sua marca mais uma vez na Ilha do Bororé. Espalha diversos grafites de casas ao longo dos postes e refaz alguns outros que estavam desgastados com o tempo. O sol está quase se pondo, sinto que meu corpo já se desgastou ao longo do dia. Vejo o cansaço de meu grupo e me reconheço naquele local. Grajaú, Ilha do Bororé e tantos outros lugares que não tive como conhecer. A ponte de vinte sete quilômetros entre o centro de São Paulo e o extremo da zona sul parece ter sido encurtada. Algo mais nos une e a mesma vida que vibra na correria de São Paulo também vibra por aqui. A periferia, o Mauro e a arte tentam fugir da efemeridade e não perecer ao tempo, resistem. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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© ACERVO/INSTITUTO VLADIMIR HERZOG

capa

AUTO DE

Quarenta anos após a sua morte, Vladimir Herzog continua vivo na memória das futuras gerações

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ra 25 de outubro de 1975. Sete anos após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), passe livre jurídico para que o governo pudesse agir em nome de seus interesses sem restrições e a Ditadura Militar conhecia seu auge. Na presidência da República, o terceiro dos cincos generais que comandariam o país, Emílio Garrastazú Médici, levava a repressão à níveis altíssimos. Apesar do cenário assombroso, o regime, que havia se instaurado em 1964 com um golpe que derrubara o presidente João Goulart, mostrava seus primeiros sinais de desgaste e o inimigo nacional continuava sendo, em tempos de Guerra Fria, o comunismo. Naquela manhã de sábado o jornalista Vladimir Herzog levantou-se, despediu-se de sua mulher, a publicitária Clarice Herzog, e, “com suas próprias pernas, pois não tinha nada a temer”, como faz questão de lembrar seu filho, Ivo, se apresentou ao temido Departamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), aonde hoje é o 36º distrito policial, na Rua Tutóia, no Paraíso, região central da capital paulista. Naquele momento, Vlado, como era conhecido por familiares e amigos, era diretor de Jornalismo da TV Cultura e vinha sendo acusado por deputados e colunistas favoráveis ao regime militar de colocar a emissora pública à serviço do Partido Comunista Brasileiro (PCB) — ao qual foi filiado. Na noite anterior, uma longa e exaustiva reunião na sede do canal educativo de São Paulo, iniciada com a chegada de agentes da repressão ao local, havia terminado em um acordo: na manhã seguinte, ele, espontaneamente, se apresentaria. O mesmo dia se encerraria de forma trágica, com uma visita a casa de Clarice

Texto por Guilherme Venaglia Design por André Valente Herzog: homens de terno foram pessoalmente comunicar Clarice que, a partir de então, se tornara viúva e os filhos, órfãos de pai. Os fatos que se seguiram, da revolta de jornalistas com a censura e a perseguição à imprensa, a histórica sentença do juiz Márcio Moraes em 1978, que condenou a União pelo assassinato de Vladimir Herzog e revelou definitivamente ao país que sim, havia tortura no Brasil até a reparação feita pela Comissão Nacional da Verdade, transformaram Vlado, um jornalista que era apaixonado pelas artes e queria fazer cinema, em um mártir da luta pela democracia. O histórico ato ecumênico na Catedral da Sé, no dia 31 de outubro de 1975 foi o começo para que a indignação de uma viúva, da classe jornalística, de segmentos importantes da sociedade e da população, mudassem a trajetória da família Herzog, do jornalismo e, mais que tudo, fosse o início do fim de um dos períodos mais obscuros da história do Brasil.

Além do mito

Nascido na Iugoslávia em 27 de junho de 1937, Vlado Herzog era de uma família judaica e viveu durante a infância o período mais difícil da história para os seguidores de sua religião. A fuga para a Itália e a experiência de muito jovem ter que mentir quem era para salvar a sua vida, foram, sem dúvida, marcas importantes na vida do futuro jornalista que, ao chegar ao Brasil, acreditava que nunca mais seria politicamente perseguido. Estudante de Filosofia formado pela Universidade de São Paulo (USP), nunca quis exercer a profissão, conheceu em uma festa universitária, namorou e casou com a jovem estudante de Ciências Sociais Clarice. “Eu estava vendendo livros, ele foi comprar, nos conhecemos”. Com ela, foi pai de seus dois filhos: Ivo, nascido em 1966, e André, um ano e meio mais novo. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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Um convite do amigo Nemércio Nogueira levou Vlado à Inglaterra, para o setor internacional da britânica British Broadcasting Corporation (BBC). “Eu fui para lá em outubro de 1963. Quando o golpe [de março de 1964] ocorre alguns meses depois, ser jornalista no Brasil se torna insalubre, arriscado. Por isso, acabei fazendo um lobby para que ele [Herzog] e Fernando Pacheco Jordão fossem contratados”, recorda-se Nemércio. Foi na BBC onde teria uma das experiências mais marcantes e curiosas da sua carreira, visto que pendia para a área da cultura: Herzog, ao lado dos companheiros, Nogueira e Jordão, transmitiu a Copa do Mundo de Futebol de 1966, sendo um dos únicos jornalistas brasileiros da época que continuou a transmissão após o fim da participação brasileira. O Copa 66 chegou a ter o sinal captado e retransmitido por diversas estações de rádio interessadas em cobrir a competição, mas sem condições financeiras de manter profissionais no país, pois a eliminação do Brasil reduziu o interesse publicitário e comercial da competição.

Em seus últimos meses na Inglaterra, o jornalista se dedicou a um curso para a produção de televisão educativa, uma vez que tinha uma proposta certa de emprego na TV Cultura, em São Paulo, quando retornasse ao país. Dois dias antes da viagem agendada, viu pelos jornais ingleses a manchete “Ditadura Militar no Brasil”. Apesar dos militares já estarem no governo há quase quatro anos àquela altura, desde março de 1964, foi a decretação do AI-5 em 13 de dezembro de 1968 que chamou a atenção do mundo todo para o que ocorria politicamente no mais extenso país da América do Sul. As notícias o fizeram cogitar permanecer em território europeu, “nós pensamos que ele poderia ficar, mas não havia mais o que fazer por lá, nossa vida era aqui”, conta Clarice. Vladimir Herzog voltou ao Brasil em alguns dias, mas a proposta de emprego na Cultura não existia mais. “Não entendemos o porquê, ele tinha a ficha limpa, limpíssima, tanto que contrataram ele depois. Mas aqueles dias após o AI-5 foram tenebrosos”, conclui.

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Um tanto introspectivo, não teve uma vida comum em família durante os anos que pôde conviver com as crianças: “Ele não era um cara que iria jogar bola com o filho mas estes, quando cresceram, foram fazer as coisas que ele gostava. Um pai alegre, muito carinhoso, mas nunca chutou uma bola na vida”, lembra a esposa, observando que até hoje seus filhos tem apreço pelos hobbies que o Vlado tinha. “Os dois filhos, mas principalmente o André, que tem a fisionomia do pai, gostam muito de pescar”. Formado nas ciências humanas clássicas, seu rumo para a carreira jornalística se deu através da conhecida família Abramo. Fluente em sete idiomas, Herzog era ator de teatro italiano, onde contracenava com Lélia Abramo. “Ele gostava muito de escrever. E, na época, a Lélia contou que o irmão dela trabalhava no Estadão. Conversando com o Cláudio Abramo, entrou para trabalhar logo na sequência e nunca mais parou”, conta Clarice Herzog, no escritório de sua empresa de consultoria, em um prédio comercial na movimentada Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Nascido na Iugoslávia, Vladimir Herzog estabeleceu carreira e família ao vir para o Brasil

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ANA CAROLINA SIEDSCHLAG

ELE ME CONTOU QUE HAVIA SE FILIADO AO PARTIDO COMUNISTA. EU ME ASSUSTEI, MAS ENTENDI, ERA PRECISO FAZER ALGUMA COISA Clarice Herzog, presidente do Instituto Vladimir Herzog

Pouco tempo depois, comprovando a tese da esposa, o Governo do Estado de São Paulo, após consultar todo o histórico do jornalista no então temido Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de investigação e inteligência, aprovou sua contratação para o importante cargo de diretor de Jornalismo da TV Cultura, considerando-o inofensivo aos interesses do regime. O rumo da vida de Herzog, no entanto, passava longe do Jornalismo. Clarice relembra que o futuro do casal estaria na sétima arte: “Ele queria mesmo era fazer cinema. Nós, inclusive, havíamos combinado. Ele me sustentou por dois anos quando estávamos em Londres e eu o sustentaria para que fizesse cinema, isso já em 1976, alguns meses depois da época em que ele faleceu. Infelizmente, foi um sonho interrompido”. E aponta que “o sonho dele era fazer um cinema de crítica social na América Latina. O plano era rodar a história do Antonio Conselheiro, ele já estava se preparando para isso”. Além dessa tendência ao audiovisual, o jornalista teve passagens por todas as formas de mídia existentes a época, em texto, rádio e televisão. Em tempos de cobrança por profissionais com perfil multimídia no mercado de trabalho, não é lembrado que a geração de Vladimir Herzog exerceu um impor-

tante papel de vanguarda nesse aspecto. “Foi uma época onde isso era mais comum, não falávamos no termo ‘multimídia’ mas a ideia sem dúvida era essa, de ter uma atuação aberta para todos os meios possíveis”, recorda Nogueira.

É proibido proibir

De volta ao Brasil, Herzog decidiu que iria se engajar na resistência à ditadura. Fortemente contrário à luta armada, enxergava dois caminhos: a Igreja Católica e o PCB. Judeu, optou pelo segundo. “Ele me disse ‘você é minha mulher e precisa saber’, então me contou que havia se filiado ao Partido Comunista. Eu me assustei, pois sabia que ele sempre havia tido muitas críticas ao PCB, mas entendi, era preciso fazer alguma coisa”, recorda-se Clarice. O filho Ivo demonstra inquie-

tação em reafirmar que o pai não era comunista. “Meu pai não acreditava na luta armada, muito menos nessa baboseira de ditadura do proletariado. Reuniam-se no Partido intelectuais que pensavam um modelo socialista mais próximo do europeu, da socialdemocracia”. Apaixonado pelas artes e pela cultura, Vlado vivia um grande desespero: a saída de expoentes da cultura brasileira pela repressão. “Era a causa a qual ele se dedicava, a evasão da cultura. No Brasil, havia ótimos cantores, escritores e cineastas, mas estavam todos indo embora, era essa a atuação do meu marido no PCB, algo como a ‘célula dos jornalistas para a questão da cultura’”, lembra Clarice. A opinião do filho é compartilhada por João Batista de Andrade, cineasta que realizou o filme Vlado, 30 anos depois, de 2005: “Ele penDezembro de 2015 | CÁSPER

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Jornalista ligado à cultura, Vlado tinha como principal preocupação a evasão de artistas por causa da perseguição políticoideológica do regime militar brasileiro

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A IDEIA ERA EVITAR QUE O BRASIL ELEGESSE UM GOVERNO DE ESQUERDA, ENTÃO O ALVO TERIA DE SER A ORIGEM DO PENSAMENTO, AS PESSOAS QUE PODERIAM ‘FAZER A CABEÇA’ DA POPULAÇÃO, QUE ERAM OS JORNALISTAS Sérgio Gomes, jornalista e diretor da OBORÉ

sava muito a questão da cultura. O Vlado era um cara que buscava igualdade e liberdade, ele não poderia não fazer nada. Mas também não tinha paciência para a luta armada e essa ala mais radical da resistência”. Em outubro de 1975, quando se intensificaram perseguições a jornalistas por parte do regime, a família Herzog começou a se preparar. “Nós sabíamos que poderia acontecer. Os jornalistas próximos a ele, do grupo do PCB, estavam sendo presos e torturados. Era muito difícil que não chegassem no Vlado”, relembra Clarice. Sérgio Gomes, hoje diretor da OBORÉ Projetos Especiais, era um jovem estudante da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), integrante da representação estudantil e aluno de Herzog, conta que a ofensiva aos repórteres objetivava dois alvos principais: atingir o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), que, sob a presidência de Audálio Dantas, havia voltado aos comunicadores de tendência de esquerda, e abrir caminhos para que uma aparente inevitável redemocratização ocorresse de forma positiva para as estruturas do regime: “Havia a impressão de que mais cedo ou mais tarde teria de acabar[a Ditadura]. Então, pensaram eles [os militares], ‘vamos abrir, mas antes vamos acabar com todas essas pessoas’. A ideia era evitar que o Brasil elegesse um governo de esquerda, então o alvo teria de ser a origem do pensamento, as pessoas que poderiam ‘fazer a cabeça’ da população, que eram os jornalistas”.

Os dias que seguiram à morte de Vladimir Herzog seriam cruciais para definir o futuro político do país. Jornalistas de todos os veículos se reuniram na sede do SJSP, na Rua Rêgo Freitas, região central da cidade, no histórico auditório que hoje leva o nome de Vlado. “Começou um movimento que extrapolou os limites da categoria. Várias profissões e classes sociais se reuniram lá, que virou uma trincheira daqueles que queriam contestar a versão do suicídio“, conta Audálio Dantas, que viria a escrever a recente, mas já clássica, biografia As Duas Guerras de Vlado Herzog, vencedora do Prêmio Jabuti em 2013. Os presentes concordaram em promover um ato ecumênico em homenagem ao companheiro assassinado, com o apoio do então arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, o local escolhido foi a Catedral da Sé. Além da religião católica, estariam representados o Judaísmo, na pessoa do rabino Henry Sobel e o Protestantismo, com o reverendo James Wright. Sobel, inclusive, viveu um dilema histórico: para a religião judaica, aos suicidas — categoria a qual pertenceria Herzog pela versão da ditadura —, o destino é o inferno, sendo que estes não devem estar sepultados com os demais nos cemitérios judaicos. No auge da repressão, oito mil pessoas silenciosas caminharam até o centro da capital paulista e choraram a morte do jornalista. A indignação latente não permitia que a versão oficial do suicídio prevalecesse. Clarice relembra que em todos a certeza de que ali se velava

uma vítima da tortura e do autoritarismo no país era clara: “Eu nunca tive dúvida nenhuma. Nós sabíamos que se matavam pessoas lá [no DOI-Codi]”. A revolta e a raiva seriam o motor das ações seguintes. Apoiada pelos colegas e amigos, a viúva entraria com um corajoso processo. O objetivo, que permanece até hoje, é claro: não restarem dúvidas de que a repressão e a violência do Estado brasileiro eram a verdadeira causa mortis do marido. Quando o litígio se encaminhava à conclusão, a Justiça Brasileira aposentou compulsoriamente o juiz Martins Filho, inicialmente indicado para deliberar sobre o caso. A suspeita do governo, que depois viria a se comprovar, era da condenação. A indicação de um jovem, chamado Márcio Morais era parte de um ideal. Com uma carreira pela frente, Morais não iria arriscar sua profissão — e, quem sabe, sua vida — para fazer justiça. Contra todos os prognósticos, a sentença: o jornalista Vladimir Herzog não tinha se suicidado e, sim, havia sido assassinado por homens da força de segurança do país, agindo em nome de autoridades públicas. As manchetes, que mesmo com a censura não puderam ignorar o ocorrido, enviavam a mensagem de que, afinal de contas era verdade, existia tortura no Brasil.

Memória viva

O engenheiro naval Ivo Herzog, hoje, aos quarenta e nove anos, é diretor-executivo do instituto que leva o nome do pai. Sentado no segundo andar da Dezembro de 2015 | CÁSPER

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sede da organização em uma rua tranquila de Pinheiros, fala que, daquilo que sabe sobre o nome estampado na porta, a menor parte são de lembranças pessoais: “muito poucas memórias. Lembro do sítio e de pescar, principalmente”. Apesar de não recordar, se permite criar a própria imagem sobre quem foi seu progenitor: “vou recebendo informações e, claro, vou criando um imaginário, mas ele vai se renovando sempre”. Mesmo orgulhoso da memória do pai, o engenheiro, que passou quatro das suas cinco décadas de vida convivendo com a herança de um mito, não desconversa quando questionado sobre como gostaria que Vlado fosse lembrado: “Se dependesse de mim? Eu preferia que tivessem esquecido ele quarenta anos atrás”. Afinal, por que então criar e dirigir um instituto se é algo que se causa tamanha dor? “Porque não esqueceram. Então vamos aproveitar essa referência e fazer um projeto legal para construir uma sociedade melhor”. Clarice, por sua vez, preferiu enxergar de outra maneira, dizendo que gostaria que a sociedade visse Vlado como “Ótimo profissional, pessoa séria. E nada egoísta. Uma pessoa dedicadíssima aos amigos. Um cara absolutamente do bem”. Dantas reforça que a lembrança deve ocorrer “de forma festiva. Após a criação do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog [de Anistia e Direitos Humanos], em 1999, a homenagem passou a ser de reforçar que ocorrido com o Vlado foi uma vitória”, explicando que “além da tragédia, precisamos destacar que foi um divisor de águas, que contribuiu muito com o fim da Ditadura Militar”, conclui.

Sobre a atuação do Instituto Vladimir Herzog (IVH), o filho avalia que o incentivo à preparação de jovens jornalistas é fundamental para a mudança do cenário. Entre as iniciativas, destaca o prêmio em nome do pai e o Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, “a gente tenta colaborar com a formação do jovem comunicador do pais”. A missão da instituição é apresentada em três pontos: preservar o conhecimento sobre a história do Brasil, em especial a do período da Ditadura Militar, para que não se repita; construir, através de reconhecimentos para aqueles que desenvolvem esse trabalho, um novo Jornalismo, e compartilhar conhecimentos, através da realização de palestras, seminários e debates. Em relação ao caso, em 2013 conquistou-se uma grande realização,

que foi a correção pela Comissão Nacional da Verdade do atestado de óbito. A importância da memória do assassinato para jovens jornalistas é unanimidade entre as referências da área. Carlos Costa, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e atual diretor da Faculdade Cásper Líbero, conta que a principal lição, na visão dele, é a correção de Herzog como profissional e a importância da postura combativa. “Tem que ter esse papel, da pessoa que questiona mesmo que tenha oposição a isso. Os donos do poder vão sempre se virar contra quem contesta, mas é preciso permanecer firme”. Jovem durante a época, quando militava como editor do jornal clandestino e oposicionista Ex, Dácio Nitrini, hoje diretor do Departamento de Jornalismo da TV Ga-


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Ato ecumênico realizado na Praça da Sé em 31 de outubro de 1975 reuniu cerca de 8.000 pessoas

zeta e membro do Conselho Deliberativo do IVH, concorda: “A memória dele tem que ser resumida em: é proibido proibir o pensamento, a liberdade de opinião. A democracia, a livre expressão, a cidadania e o combate às injustiças sociais. É isso”. E acrescenta que o dever do jovem jornalista é se indignar diante das opressões. Nemércio Nogueira critica a educação brasileira que, na opinião dele, deveria assumir para si a responsabilidade, fazendo uma verdadeira conscientização sobre as arbitrariedades e as violações de direitos humanos ocorridas antes, durante e depois da ditadura, explicando que “a escola deveria ensinar. O jovem deveria se formar sabendo. Mas, como não sabe, o Instituto é ainda mais importante. Não podemos permitir que as pessoas esqueçam o que aconteceu”, defende.

Se hoje é visto como um combatente corajoso ou ocupa um papel de mártir, ele nunca teve essa intenção, como contam os colegas próximos: “só me incomoda essa ideia de ‘heroi’, do salvador da pátria, ele nunca teve esse perfil”, afirma João Batista de Andrade. Nogueira, por sua vez, concorda, observando que “é um heroi apesar dele mesmo”. Os acontecimentos de outubro de 1975, e os fatos que se seguiram a eles, são, ao mesmo tempo, sobre um homem que faleceu, uma esposa que ficou viúva, filhos que ficaram órfãos e sobre a história de um país e uma profissão que nunca mais seriam os mesmos. Vladimir Herzog não foi morto por qualquer motivo. Foi morto por defender a liberdade. Foi morto por, em sua forma de agir, buscar um país com mais arte,

com menos censura, onde as expressões individuais fossem bem-vindas. A preservação da sua memória, além da oportunidade de conhecer uma pessoa doce e com uma pulsante veia artística, é de um homem além do mito, é a possibilidade que temos, como cidadãos, de defender a nossa liberdade, conquistada às custas de muito sangue, tortura e lágrimas. É ir além, é entender o ser humano que está à nossa frente, é lutar por uma vida mais digna. Reconhecer a humanidade que existe no outro. O que a morte de Vladimir Herzog deve ensinar, não só a nós, jornalistas, mas para todos os sonhadores que seguem na busca por um mundo melhor é: aqueles que perderam a vida não podem ser esquecidos. É preciso lembrar, resistir. É preciso lutar, sempre. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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publicidade © DIVULGAÇÃO/CERVEJA FEMINISTA

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A vez

DELAS Mulheres publicitárias discutem a representação feminina nas propagandas — e nas agências

Texto por Felipe Sakamoto

A

pouco mais de um século, em 1906, Helen Lansdowne Resor quebrou barreiras e foi a primeira redatora mulher da publicidade mundial, atuando na agência J. Walter Thompson (JWT). Até aquele momento, as mulheres, como em outros segmentos, não conseguiam ocupar um espaço no mercado formal da propaganda, estando restritas a, quando contratadas, atuarem em funções assessorais, como o secretariado. Em 2015, mais de cem anos depois, a disparidade de direitos e condições entre os diferentes gêneros no mercado de trabalho continua sendo uma realidade social no Brasil. Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aponta que, no país, o salário de um homem é, em média, 30% maior que de uma mulher com o mesmo grau de escolaridade para o exercício da mesma função. Nas agências de publicidade, a presença feminina é, no entanto, cada vez maior. São mulheres que se destacam pela trajetória de luta na busca por seu espaço e pela criatividade em usar esta profissão,

Design por André Valente que influencia diretamente na formação da opinião pública, como instrumento de combate ao machismo.

Cerveja Feminista

Mulheres em corpos esguios, sarados e seminus desfilam com um copo de bebida na mão, enquanto os olhares masculinos parecem desejosos, almejando o que veem, o produto e a modelo, ambos, em tese, ao seu alcance. Consumir cerveja é um hábito cultural de uma grande parcela da população brasileira, mulheres inclusas. No entanto, integrantes de movimentos sociais, sobretudo feministas, se opõem à comerciais como esses, que, na visão dessas pessoas, acabam por objetificar a mulher, colocando-a em pé de igualdade com o produto, como se fosse, como este, algo a ser consumido. Muito criticada nas redes sociais, a campanha da marca de cerveja Skol para o carnaval deste ano gerou polêmica. Frases como “Esqueci o não em casa”, “Topo antes de saber a pergunta”, entre outras, foram espalhadas pelos outdoors da cidade de São Paulo e foram acusadas, até, de incentivarem o assédio sexual, uma vez que ofereciam a possibilidade de interpretação de que durante as festividades, os foliões,

sobretudo as mulheres, estariam necessariamente abertos a possibilidades de relacionamento. A reação e a intervenção de grupos militantes dos direitos da mulher culminaram na retirada da campanha publicitária pela própria empresa. Foi neste momento que nasceu a Cerveja Feminista, bebida criada com base no ideal da igualdade de gênero, pelas publicitárias Maria Guimarães, Thais Fabris e Larissa Vaz. “Estávamos trabalhando no mesmo grupo durante aquela polêmica, nós pensamos em fazer algo a respeito, logo veio à ideia da cerveja”, conta Maria Guimarães, publicitária e idealizadora do projeto. Pesquisa do instituto Data Popular apontou que 65% das mulheres não se sentem representadas pelas propagadas de cerveja, enquanto apenas 10% dos criativos brasileiros, profissionais responsáveis pela idealização conceitual das campanhas, são do gênero feminino. O jogo de palavras com os numerais que representam essa disparidade deu origem a uma comunidade na rede social Facebook chamada de 65/10, destinada a profissionais femininas da área da propaganda interessadas em discutir as questões relativas à essa temática dentro desse mercado. Foi Dezembro de 2015 | CÁSPER

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© DIVULGAÇÃO/CERVEJA FEMINISTA

A Cerveja Feminista foi criada para promover a igualdade de gênero no meio publicitário

este grupo que acabou inspirando a criação de uma empresa de mesmo nome, voltada para o ativismo criativo, que visa melhorar a representação da mulher na publicidade por meio de ações como consultoria e educação. Além, é claro, de ser a responsável pela produção da Cerveja Feminista. Recentemente, as empresas estão investindo em propagandas promovendo o empoderamento feminino, como a Budweiser, que escalou a lutadora Ronda Rousey para protagonizar o comercial, e a marca de absorvente Always, que problematizou o sexismo na fala “você parece uma mulherzinha”. Questionada quanto à publicidade progressistas, Maria diz que o movimento está crescendo, mas o mercado, especialmente as agências, ainda patina muitas vezes por falta de humildade e empatia. “Temos que tomar muito cuidado ainda com o cause washing, 34

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que são marcas que querem apenas surfar a onda sem se comprometer com mudanças de fato”, pontua.

Machismo nas agências

“Sempre acontece. Uma de nós já passou por um assédio na hora de uma entrevista de emprego, por exemplo. Temos casos de amigas também que já foram assediadas no trabalho de forma mais ríspida, chegando até mulheres que passaram por situações de ter o diretor de criação botando-as contra a parede, literalmente”, conta a publicitária Maria Guimarães. Segundo a organização The 3% Conference Championing Creative Female Talent +Leadership, 3% dos diretores de criação no mundo são mulheres. Dos dirigentes de agências no mercado paulista, 74% são homens e 26% mulheres, de acordo com dados do Sindicato das Agências de

Propaganda de São Paulo (Sinapro-SP). Entre os dezesseis presidentes do júri do Festival de Cannes, maior prêmio da publicidade mundial, apenas duas não são homens. Os dados não mentem: a publicidade é composta majoritariamente por cabeças masculinas. A existência de comerciais que reproduzem ideais machistas está, segundo Maria, ligada falta de participação feminina no processo de criação nas agências. “A representatividade é muito pequena”, destaca ela, que também faz um apelo: “Mulheres, não desistam. E diretores de criação: contratem não uma, mas três mulheres. O ambiente fica mais diverso, com mulheres com força para expor suas opiniões”. Profissionais femininas que conquistam espaços nas agências são contratadas, em sua maioria, para a área de atendimento, que faz a ponte entre as empresas e os clientes e onde, em geral, uma aparência dentro dos padrões de beleza é considerada essencial.

Publicidade e Feminismo

“Eu não sou feminista”, diz a professora e publicitária Selma Felerico. Com uma camiseta do filme Taxi Driver, cabelos cacheados e baixa estatura, que a orgulha, a publicitária justifica tal afirmação dizendo que “a mulher já ocupa os espaços há muitos anos”. A docente, doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisando a semiótica psicanalista e da cultura, defende uma atualização do discurso feminista que, na visão dela, é erroneamente o mesmo do seu


© ACERVO PESSOAL/O CORPO FEMININO

A professora Selma Felerico acredita que, para conquistar cargos de chefia, as mulheres precisam “se impor”

período como universitária, na década de 1980. “O discurso de hoje deve mudar. O meu discurso mudou. As minhas alunas não precisam lutar por espaço, porque eu já deixei para elas”, diz a publicitária. A trajetória de Bianca Santana, jornalista, professora da Faculdade Cásper Líbero, ex-editora-chefe da Revista Cásper e uma das fundadoras da Casa de Lua, espaço de luta política de mulheres, no feminismo começou ainda adolescente quando teve contato com algumas leituras e proximidade com movimentos sociais de educação. Apesar dos avanços, ela conta que as pautas reivindicadas no passado ainda não foram atendidas, como o direito aos próprios corpos, a terra, aos meios de comunicação e aos meios de produção. De acordo com Bianca, as mulheres estão em todos os espaços, mas “normalmente, no mercado de trabalho, são maioria em cargos operacionais e minoria em posições de liderança e poder”, esclarece. Apesar dos dados comprovarem a pequena participação feminina nos cargos de criação nas empresas, Selma conta que nunca sofreu machismo nas agências em que trabalhou. Na visão dela, o essencial para as profissionais é “se impor”, alegando que foi assim que

ocupou funções importantes, como chefe de estúdio. A publicitária também não vê problema com o direcionamento de mulheres para a área de Atendimento, creditando esse fato a características comportamentais femininas: “Elas entram na mídia de atendimento porque são mais organizadas, atendem melhor o cliente, coisa de mãe”. Mesmo não se considerando feminista, a publicitária concorda que exista, sim, machismo no setor da criação publicitária, mas que, mais grave que isso, é a aprovação dessas campanhas por parte dos clientes. Questionada sobre o gênero desses clientes, ela rebate “Há muitas mulheres aprovando campanhas como essas; 52% dos estudantes da ESPM [faculdade de comunicação onde leciona] são mulheres, ou seja, tenho muita graduanda na Ambev, Volkswagen, Fiat, entre outras”. Selma não poupa críticas aos comerciais de cerveja “Toda propaganda ruim deve ser jogada fora”, e aponta até para as mulheres que se submetem a tal exposição: “Só tem campanha assim porque tem mulher que se sujeita a isso e pelo cliente que aprova”. E ainda, arrisca dizer que a mulher que aceita ser exposta no comercial é “mais machista que o próprio homem”. Tendo em vista o modelo americano de consume-

rismo, a solução para as propagandas ruins é boicotar a marca, não consumindo o produto. “Tirar a propaganda do ar é simples, faz outra. O maior poder do consumidor é não consumindo o produto”, aconselha. Bianca Santana acredita que o mundo publicitário e a sociedade estão mudando a percepção machista, sendo que “já não existe mais um silêncio quando essas peças publicitárias circulam. Uma mudança tem sido exigida pelas mulheres, pelos movimentos feministas e até mesmo pelos prêmios publicitários”, conclui. Independente das discordâncias é consenso entre as profissionais de que a representação feminina na publicidade ainda acaba por reforçar conceitos e estereótipos contrários à igualdade entre gêneros. O machismo está enraizado nas estruturas da sociedade. Tão intrínseco que a dificuldade para desconstruí-lo é imensa. Os comerciais e propagandas que impõem os padrões de beleza, a cultura que dita os valores morais para cada gênero, e a exacerbação das horas de trabalho e logística da classe trabalhadora ocupa a cabeça das pessoas. Se mesmo ocupando o topo da pirâmide social já é difícil reconhecer a estrutura de privilégios, imagina estando na base do sistema. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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gastronomia

prato cheio

© DIVULGAÇÃO - ASSESSORIA HENRIQUE FOGAÇA

O fenômeno MasterChef capturou a atenção do país e levantou a discussão sobre os limites entre gastronomia e entretenimento


Texto por André Valente

A

ventais a postos. Fogões ligados. As câmeras acompanham enquanto os participantes transpiram e misturam os ingredientes para criar o melhor prato, a melhor receita. A disputa aumenta junto com a tensão do telespectador, que não consegue mudar de canal — não é a toa que, durante a exibição dos últimos episódios do reality MasterChef Brasil, a TV Bandeirantes bateu sucessivamente recordes de audiência de acordo com o Ibope, até mesmo ultrapassando o da emissora consolidada na liderança, a Rede Globo, em mais de uma ocasião. Esse marco revela uma nova tendência que tem tomado conta do público brasileiro: o gosto por reality shows gastronômicos. Esses programas se disseminaram pelo meio televisivo, saindo do mundo da TV por assinatura e invadindo os canais abertos. Além do MasterChef, os grandes títulos dos realities brasileiros são o Cozinha Sob Pressão (SBT), The Taste Brasil (GNT), Batalha dos Confeiteiros (TV Record), Bake Off Brasil — Mão na massa (SBT), entre outros. Fora estes, há ainda uma infinidade de programas internacionais transmitidos nas redes fechadas. Julia Ribeiro de Lima, estudante de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é apaixonada por gastronomia e acompanha todos os programas acima. “Meu favorito é o MasterChef, em especial a edição brasileira, por reunir cozinheiros amadores e chefs renomados. Dá vontade de viajar pelo nosso país experimentando as comidas que eles fazem”, conta. Para ela, cozinhar é estritamente um hobby e não teria in-

Design por Carolina Mikalauskas teresse em participar de um reality se tivesse a possibilidade Oportunidade esta que, para muitos cozinheiros amadores, é a chance de adentrar o universo da gastronomia profissional.

De verdade?

“Quando falavam que nossa comida era boa, achávamos que diziam por educação”. É o que conta a engenheira química Helena Manosso. Ela e seu marido, Lucio Manosso, também engenheiro químico, participaram da primeira edição do MasterChef Brasil — na qual Helena chegou à final, perdendo a última prova para Elisa Fernandes, vencedora da primeira temporada do programa. “O Lúcio tira sarro de mim até hoje, porque quando nos chamaram para a seleção, eu disse para ele: ‘não passaremos nem da primeira fase’”, relembra. Lúcio explica que foi uma colega de trabalho que o convidou para participar das seletivas: “ela tinha uma amiga na produção que a tinha chamado, mas como ela sabia que eu me interessava mais por gastronomia do que ela, passou o convite para mim”. Como se tratava da primeira vez que o programa iria ao ar aqui no Brasil, não havia tanta procura por inscrições. De acordo com Helena, ela e o marido participaram de boa parte da seleção às cegas. “Nós sabíamos que se tratava de uma competição de gastronomia, mas não sabíamos que era o MasterChef até as etapas finais do processo”, recorda. Quem passou por uma situação bastante parecida foi Juliana Ferraz. Formada em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero, tem um canal de receitas no Youtube, o TPM, pra que te quero? e participou da mais recente edição do Bake Off Brasil — Mão na Massa. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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© LUCS ISMAEL/BAND

MARIANA GONZALEZ

O chef Henrique Fogaça avalia prato de participante do MasterChef Brasil

A competição, neste caso, se restringe à confeitaria, mas o gosto da radialista pela gastronomia ultrapassa a produção de alimentos doces: “essa paixão pela cozinha veio da minha bisavó, passou pela minha avó e minha mãe até chegar a mim”. De acordo com ela, existe um “dom” que as pessoas têm para cozinhar — e Juliana acredita tê-lo. “Quando eu falo isso no programa, as pessoas acham que eu estou me exibindo. Não é isso, é só que eu realmente cozinho com muito amor”, explica. Ela, assim como Helena e Lúcio, foi convidada para o reality a partir de um contato: seu namorado é amigo de um produtor de casting do SBT, que a chamou para participar da seleção. Juliana 38

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conta que passou por diversos processos, tais como entrevistas, questionários técnicos e até mesmo avaliações psicológicas até que fosse chamada para se tornar uma das competidoras do Bake Off Brasil. “Fizeram um teste para saber da minha vida, como eu lido com a pressão, com a competição. Queriam traçar o meu perfil”, explica. Assim como muitos telespectadores, Juliana não acredita que os participantes dos realities sejam, necessariamente, os melhores cozinheiros amadores do Brasil. “A produção tem que ter certeza que os competidores que estarão nessas atrações vão dar audiência. A seleção é muito visionária”, ela afirma. “Os participantes são pessoas

reais, mas também são personagens: cada um tem um papel a cumprir”, completa. O fator “verdade” dos reality shows sempre foi algo colocado em dúvida: uma parcela do público é costumeiramente mais cética em relação a esse tipo de programa. Henrique Fogaça, chef de cozinha e também jurado do MasterChef Brasil, afirma que o que os telespectadores assistem é completamente autêntico. “Não tem essa de ‘ceninha’. Não tem nenhum roteiro com falas prontas. No máximo algumas instruções”, explica. De acordo com ele, a produção dá algumas orientações básicas, mas não influencia nas decisões dos jurados. “Não há personagem”, afirma categoricamente.


NÃO TEM ESSA DE ‘CENINHA’. NÃO TEM NENHUM ROTEIRO COM FALAS PRONTAS. NO MÁXIMO ALGUMAS INSTRUÇÕES

Henrique Fogaça, jurado do MasterChef Brasil

será que era mesmo o melhor? É complicado”. Para Fogaça, o vencedor do programa é o candidato que, além de bom cozinheiro, é também um bom jogador.

Show de cozinha

Helena e Lúcio também reforçam a declaração de Fogaça. “É realidade total. A gente chegava no estúdio sem saber o que ia fazer, não tinha nenhum script”, explica a ex-participante. Segundo o casal, o programa não tem nada combinado. “Às vezes uma pessoa muito boa é eliminada porque cometeu um erro. Os chefs avaliam o prato daquele dia, pelo menos até a final”, diz Helena — no entanto, para a engenheira, é possível que os jurados levem em conta a trajetória e o potencial futuro na hora de escolher um vencedor. Fogaça explica: “nem sempre o melhor ganha. Ele pode ter acordado com o pé esquerdo e acabar sendo o pior na prova daquele dia. Mas se ele errou,

A quantidade de trabalho por trás de um reality show não é muito evidente para o telespectador. Um episódio de uma hora e meia, na verdade, leva um ou dois dias para ser gravado. “Foram quarenta dias de gravação direto. É bastante exaustivo”, conta Lúcio. E completa: “Os tempos das provas são realmente aqueles que vocês vêem na televisão, mas todo o resto demora muito para ser gravado”. Helena explica: “nós chegávamos no estúdio e realizávamos a prova no prazo determinado: fazíamos dois pratos, um deles era provado pelos jurados assim que terminávamos. Depois disso, há um intervalo para o almoço e mais tarde retornávamos para gravar os chefs provando o segundo prato e os resultados”. Ao contrário de Juliana, que já faz parte do mundo do audiovisual, Helena e Lúcio nunca tinham participado de um programa de televisão de longo prazo e, portanto, não estavam familiarizados com as câmeras. Segundo eles, não há nenhum tipo de preparação para que

os participantes aprendam a trabalhar no meio televisivo — mas nem por isso eles sentem dificuldade em lidar com esse ambiente. “A gente não vê câmera nenhuma. Não dá tempo. Às vezes, a produção te interrompe durante a prova para fazer perguntas e tem que te chamar duas ou três vezes, porque você nem percebe”, afirma Helena. Das gravações ao produto final, são meses de trabalho em que equipe, apresentadores, jurados e participantes não podem revelar nada sobre os resultados do programa. Afinal, a expectativa e a surpresa são partes essenciais da competição, sendo os principais fatores que garantem as grandes audiências dessas atrações. “Eu não sei explicar o porquê desse boom dos realities gastronômicos, mas sei que esse formato de competição agrada”, afirma Juliana. Para ela, o que chama a atenção é a identificação do público: “o apelo é que eles são reais. São pessoas de verdade, então o público nos vê na televisão e pensa que também pode fazer aquilo”. Helena compartilha da mesma opinião de Juliana. Ela acredita que, de alguma forma, os realities têm aproximado o telespectador do universo da Dezembro de 2015 | CÁSPER

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© LUCS ISMAEL/BAND

A engenheira química Helena Manosso participou junto com o marido da primeira edição do MasterChef Brasil

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gastronomia e da cozinha. “Sempre vinha alguém me dizer que tentou fazer em casa uma das receitas que eu fiz no programa”, conta ela. A estudante Julia também verifica a mesma coisa: “No dia seguinte à exibição, é muito comum ver alguém no trabalho ou na faculdade comentando algum prato, dizendo que tentaram fazer uma receita inspirada no que assistiram ou que querem conhecer o restaurante de um determinado chef”. Ela conta que teve a oportunidade de jantar com alguns dos participantes da primeira temporada do MasterChef Brasil e, na ocasião, trocou algumas receitas que, mais tarde, tentou executar em casa. No entando, há quem seja um tanto mais cético em relação ao lado gastronômico dos realities de competição de cozinheiros. Ailin Aleixo, por exemplo, não acha que esses programas sejam muito relevantes para o mundo da gastronomia. “Eles são entretenimento puro que, por acaso, tratam de cozinha. Assim como existem os temáticos de música, esportes — o tema do momento é esse”. Jornalista de carreira renomada, Ailin comanda um dos principais blogs espe-

cializados no tema do país, o Gastrolândia. Para ela, o mérito dos realities está em, no máximo, incentivar as pessoas a se aventurar mais na cozinha. A chef Paola Carosella, jurada no MasterChef Brasil, deu uma declaração considerada polêmica em entrevista para o portal UOL durante a exibição da segunda temporada do programa. “Se alguém realmente sente que vai ser a ‘grande revelação’, não vai para um reality show. Vai trabalhar em um restaurante de verdade, se dedicar à gastronomia”, afirmou. Para ela, quem de fato quer se tornar um grande cozinheiro procura meios mais tradicionais ao invés de se inscrever em competições de televisão. Helena e Lúcio são mais moderados: “Pode ser que saia de dentro de um programa de TV um grande cozinheiro que nunca teve a oportunidade de mostrar seu talento”, diz Helena. E Lúcio completa: “Você não pode dizer que de dentro da Le Cordon Bleu [mais renomada escola de gastronomia da França — cujo curso faz parte dos prêmios do programa] vai, necessariamente, sair um grande chef. Pode ser que não”.


Para todas as partes, está claro que o foco desse gênero televisivo não está em educar o público. “Você não pode esperar que um reality show de gastronomia traga um grande conteúdo. Ali não é o espaço para isso”, aponta Ailin. Para ela, isso não é algo problemático: “eu nunca vi nenhum desses programas se vendendo como algo informativo. Por isso, não é algo que me incomoda”. Lúcio, por outro lado, relativiza: “Existem formatos e formatos. O MasterChef Brasil é mais focado na competição mesmo. A proposta dele não é ser educativo”. O casal conta que aprendeu muito com as aulas do MasterClass — um quadro do programa em que os chefs ensinavam receitas e davam dicas de cozinha — da versão australiana do reality. Independentemente deste debate, não se pode negar que estar em rede nacional afeta consideravelmente a vida dos participantes: o ganhador, além do

curso internacional, também recebe R$ 150 mil e outros prêmios menores. Helena e Lúcio, que não venceram a competição, mantiveram seus empregos na área da engenharia química, mas a relevância da gastronomia parece crescer cada vez mais na vida profissional dos dois. “Tivemos a oportunidade de fazer um estágio com a Bel Coelho [dona do restaurante Clandestino]. Ela é super compreensiva e se adequa aos nossos horários, aprendemos muito com ela. Também abrimos uma empresa de consultoria, fazemos almoços e jantares personalizados e oferecemos pequenos cursos para pessoas que querem começar a cozinhar”, conta Lúcio. O ex-participante está cursando gastronomia no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e, gradualmente, se inserindo no ramo profissional da gastronomia. Outro programa que começou a marcar presença na TV brasileira é o Master-

Chef Júnior. A versão infantil do reality já existe em diversos países e chegou ao Brasil em outubro. de 2015 “Claro, lidar com criança é diferente, mas a cobrança também é grande. A gente não pode passar a mão na cabeça”, afirma o chef Fogaça, que também é jurado na nova versão. No entanto, não faltam críticas a essa modalidade do programa. “É claro que é legal você incentivar a cozinhar desde cedo, mas não nesse ambiente de competição de um reality. Eu acho que a criança não tem maturidade o suficiente para ser exposta a isso”, opina Lúcio. Críticas à parte, o sucesso desses programas tem chamado atenção do país inteiro. Está claro que o Brasil vive um novo fenômeno que ainda deve alcançar o auge do sucesso nos próximos anos. Servidos para todos os públicos, os realities gastronômicos são um prato cheio para os fãs de competição, cozinha e entretenimento.

© LUCS ISMAEL/BAND

As crianças são as novas estrelas na versão júnior do MasterChef Brasil

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literatura

Poesia e

Texto por Ana Clara Muner

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Design por Carolina Mikalauskas

o decorrer da história, escritores descobriram diferentes maneiras de produzir poesia de acordo com suas necessidades. Na Ditadura Militar brasileira, por exemplo, em função da censura, os poetas fugiram das editoras e das livrarias e encontraram meios alternativos de produzir, recebendo, assim, a alcunha de marginais. Por meio de pequenas tiragens, vendiam seus livros de mão em mão, usando como copiador o mimeógrafo. Se a geração dos anos 1960 e 1970 encontrou seu meio de produção pelos livretos e livros editados de forma independente, adotando a rua para divulgá-los, os poetas contemporâneos que não conseguem se encontrar em livrarias, optaram mais uma vez por ocupar o espaço público e recorreram, também, à internet e encontros como saraus, que cada vez crescem mais, tanto nas regiões centrais quanto nas periféricas de São Paulo. O fechamento das portas das livrarias acabou se tornando a chave para que abrissem novos caminhos para esse gênero literário. Um deles é através de pequenas editoras que descobriram meios alternativos de publicação, como é o caso da Editora Patuá, que consegue vender os títulos em seu site, em lança-

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resis


© ANA CLARA MUNER

tência Novas formas de expressão em São Paulo

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© DIVULGAÇÃO/CORRESPONDÊNCIA POÉTICA

Membros do coletivo Correspondência Poética realizam intervenção em São Paulo

mentos, eventos e feiras de livros virtuais. Outro rumo é a retomada da poesia marginal, com artistas que imprimem seus livros através de selos independentes e saem pelas ruas, declamando, em busca de novos leitores.

Fora das estantes

“As livrarias cada vez mais perdem seu interesse em poesia”, diz Eduardo Lacerda, editor da Editora Patuá. Na avaliação dele, este ramo de negócio, como qualquer outro dentro da lógica de mercado, acaba buscando o retorno mais imediato possível, focando, assim, na venda de best-sellers e títulos bastante divulgados para o grande público. No entanto, existe espaço, mesmo que pequeno, para novos escritores de outras formas de literatura, o que não ocorre com a poesia. Apesar do cenário aparentemente ruim, o editor faz questão de frisar: “Mesmo excluindo esse gênero, houve um aumento significativo de publicações e de leitores”. 44

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Para Heitor Ferraz Mello, jornalista, poeta e professor da Faculdade Cásper Líbero, a exclusão do segmento do chamado mercado editorial não é ruim, ao contrário, deve ser natural deste gênero literário: “Acho que a poesia está, sim, inserida no mercado literário, para azar dela mesma. Quando se inserir inteiramente já não terá tanto interesse. Será a forma do poema, mas vazia de vitalidade. A lei do mercado é única: aceita-me e te devoro. A poesia, pelo menos a que me interessa, segue outro caminho: sabe que o não é natural, nem mesmo um mal necessário”, conclui. Assim como outros tipos de comércio e polos culturais, as livrarias também estão concentradas no centro de São Paulo, marcando pouca presença na periferia paulistana. Contudo, é justamente nela que pulsa uma nova produção e consumo de poesia na capital. Se por um lado o aumento do público anima, por outro, para o poeta

Maurício Duarte, ele ainda é pequeno. No entanto, a razão para isso ocorrer, na opinião dele, não é a falta de acesso, visto que, mesmo com as condições para tal, a elite econômica também não é grande consumidora do gênero. Para o escritor é a falta de inserção da poesia no cotidiano das pessoas que acaba por afastá-las. Porém, graças aos poetas que continuam tentando achar maneiras de alcançar novos leitores e de promoverem encontros, sobretudo nesses bairros mais afastados, é possível que sejam criados novos coletivos, livrarias, saraus e festivais, trazendo a um novo público o encanto pela poesia. Sobre estes autores, Heitor Ferraz explica a necessidade da esperança por parte deles na luta cotidiana para produzir seus textos: “Todo poeta é um utópico. Sem isso, ele não faz poesia. Pode fazer um poema, uma forma morta como outra qualquer. Mas poesia, não. Por isso, para muitos, é difícil. Mas


TODO POETA É UM UTÓPICO. SEM ISSO, ELE NÃO FAZ POESIA. PODE FAZER UM POEMA, UMA FORMA MORTA COMO OUTRA QUALQUER. MAS POESIA, NÃO Heitor Ferraz Mello, professor e poeta

quem disse que viver é fácil? A poesia exige um outro tempo e uma outra disponibilidade do leitor, fora do padrão de produtividade do mundo contemporâneo, do ‘tempo é dinheiro’”, reflete. Por ser um gênero literário historicamente marginalizado no mercado editorial, os escritores estão sempre atrás de meios alternativos para se posicionar na sociedade. Berimba de Jesus, poeta e criador do selo Maloquerista, une e apoia novos escritores que formam um coletivo através desse nome. Sendo uma produção interdependente, conta com a ajuda de diversos profissionais, como revisores, ilustradores e editores. Na opinião dele, contudo, o grande apoiador é o leitor. Questionado sobre o porquê da pouca procura no mercado editorial tradicional, Berimba avalia que “a poesia é a prima pobre da literatura. Apesar de ser a base para diversas linguagens, ela sempre fica em segundo plano, ou melhor, em último.” Ele também comenta a dificuldade de adaptar esse gênero literário aos moldes comerciais tradicionais: “Acredito que entre as manifestações culturais elaé a mais desafiadora para o mercado em transformar-se em produto comercial, por isso a falta de interesse das grandes editoras em publicar autores desse gênero”. Atuando diretamente nessa área, Eduardo Lacerda explica os novos meios

aos quais o mercado recorreu nos últimos anos, muitas vezes se beneficiando das inovações tecnológicas. Para ele, “com o advento da impressão digital temos a possiblidade de fazer edições menores, não mais de mil ou de dois mil exemplares. Começaram a surgir várias editoras pequenas, o que deixou mais fácil a publicação de livros mais baratos, logo mais autores estão publicando” e é justamente nesse modelo de negócio, que antes não conseguia se estruturar para concorrer no mercado editorial, que estão florescendo novas oportunidades comerciais. Embora muitos autores procurem meios alternativos para produzirem poesia, Mauricio, que acabou de publicar seu segundo livro através da Editora Patuá, vê o impresso como uma tradição de muitos anos. “Tenho aquele velho fetiche do livro, de sentir o objeto nas mãos, o cheiro, poder folhear. Sou, antes de tudo, um leitor de livros. Acho que nada dá mais força ao texto do que vê-lo impresso no papel”, conclui. Um dos motivos para o aumento de publicações desse tipo acontecerem são os novos movimentos que começaram a aparecer, dentre eles a literatura periférica, a divergente, que traz à tona diversos poetas, deixando as livrarias e seus best-sellers para trás. Muitos leitores, que não estavam mais ao alcance destas ou das bibliotecas, reviveram sua relação com a leitura através

dessas iniciativas, do protagonismo que essa literatura os permitiu.

Os novos movimentos

A dinâmica dos saraus teve início em diferentes pontos da cidade, sendo um deles há doze anos, o Sarau da Cooperifa. Criado pelo poeta Sérgio Vaz ,tinha como objetivo central trazer arte e cultura para o M’Boi Mirim, bairro em que residia na Zona Sul da cidade São Paulo e originário de artistas como o cantor Criolo. Juntamente com ele, também na Zona Sul, em Taboão da Serra, o poeta Binho criou seu sarau, batizado de Sarau do Binho. Os dois optaram por organizar seus eventos em bares e, hoje em dia, continuam encontrando outros meios para realizá-los, como o Serviço Social do Comércio (Sesc), praças públicas e pólos culturais. Depois dessa movimentação, poetas, inspirados nesses dois novos movimentos, buscaram replicar a ideia e criar seus próprios saraus, como Sarau do Burro, O Menor Sarau do Mundo, Sarau dos Mesquiteiros, entre outros. Hoje em dia, o grupo só aumenta, mas os frequentadores de carteirinha nunca param de ir, produzindo assim um verdadeiro grupo de amigos, muitos deles interessados em seguir o rumo da arte de cunho político, buscando se expressar socialmente através da poesia. Mei Hua Soares, doutora em Dezembro de 2015 | CÁSPER

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artistas da região nas paradas de ônibus. Passaram, assim, a difundir esse gênero literário para um público que não estava acostumado a frequentar saraus. Para Alisson, a finalidade mais prazerosa da Correspondência Poética é a de divulgar os artistas do bairro: “no tempo do Terminal Campo Limpo a gente deixava os pergaminhos, eram trezentos, e depois de uma hora não tinha mais nada”. Ele diz que as pessoas na periferia pensam formas alternativas para difundir a poesia, como simplesmente colocar ela em baixo do braço e sair pela rua com a cara e a coragem. Alisson reforça, ainda, o desejo de mais intervenções poéticas pela cidade: “É a necessidade de criar, de inventar. Está acontecendo isso com a literatura, reinventar essa forma de lidar, de difundir e é nessa parte que a galera é muito criativa! Eu gosto dessa coisa de chamar a pessoa por curiosidade”. Com a ideia de que não é só pelos livros que as pessoas entram em contato com a literatura, os integrantes

do coletivo uniram a escrita com seu núcleo audiovisual, como objetivo mostrar o que estava acontecendo na periferia, não só para São Paulo, mas para o Brasil inteiro. Criaram o Curta Saraus, um projeto de curta-metragem que buscou representar os poetas e saraus que estavam participando desse movimento periférico. Para a surpresa deles, a iniciativa ultrapassou as terras nacionais, sendo exibida em festivais franceses e alemães. De volta ao Brasil, atingiu seu ápice durante o período de exibição no prestigioso Museu da Imagem e do Som (MIS), em 2011. O resultado proporcionou a motivação necessária para que o coletivo alçasse novos voos. No ano passado foi criado o Festival de Poesia, competição que tem inscrições através de vídeos enviados por artistas declamando suas obras. Juntamente com o Festival, a Correspondência Poética criou o Ensaio Poético, um programa que trabalha com diferentes tipos de linguagem, onde poetas são filmados

© DIVULGAÇÃO/CORRESPONDÊNCIA POÉTICA

Linguística pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Faculdade Cásper Líbero, acredita que os movimentos militantes da periferia e a arte poética estão diretamente associados. Para ela, estas iniciativas não podem ser pensadas de forma separada ou fora do contexto dos saraus, onde conseguem trocar ideias, saindo do trabalho literário individual e entrando em um diálogo que não é baseado só na escrita. Avançando pela ideia de que a poesia ainda pode ir além dos saraus e dos livros, em 2009, dois moradores da Zona Sul de São Paulo, o poeta José Alisson de Paes Alves e o produtor David Alves, criaram um coletivo cultural batizado de Correspondência Poética. Foi a soma da vontade dos dois de espalhar literaturano bairro em que moravam junto com a percepção de que os vizinhos perdiam muito tempo esperando o transporte público, que ambos começaram a depositar caixas misteriosas com pergaminhos enrolados, que continham poesias de

Moradores acompanham ação do Correspondência Poética que distribui livros na periferia

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© DIVULGAÇÃO/CORRESPONDÊNCIA POÉTICA

A interação com a comunidade é um dos pontos fortes do Correspondência Poética

contando e ensaiando suas obras, englobando, assim, três núcleos: audiovisual, intervenções políticas e saraus. Para David, o importante de conteúdo multimídia e literatura é chamar atenção das pessoas. “Quando pensamos nessa maneira de fazer o festival, através dos vídeos poemas, tínhamos o intuito de que mais gente fosse ver os poetas, tivemos em dois meses cem mil acessos. Tem uma troca muito forte aí, porque elas ficam curiosas”. Para Mei Hua Soares, os artistas periféricos usam os meios de comunicação de massa para se divulgar, mas o trabalho deles não é saciado por essa mesma mídia, é apenas uma maneira para que sejam ouvidos. Eles conseguiram deixar de ter um intermediário, antes quem falava da situação social que enfrentavam, eram pessoas que não passavam pela mesma condição. Hoje, são eles que escrevem sobre o mundo em que vivem e podem ser protagonistas das próprias histórias. Nabil Bonduki, atual secretário municipal de Cultura, foi o criador em 2007, como vereador, do VAI, um edital de captação de recursos exclusivo para jovens da periferia.

É justamente esse o meio encontrado por coletivos e artistas para se manterem e realizarem as intensas agendas de eventos. O movimento e as intervenções periféricas têm, para Alisson, várias características importantes, mas a mais marcante é a forma com que dialogam com seu público, “nossa literatura é bem militante. Alexandrina, redondilha maior não comunica, não dialoga com as pessoas pela linguagem, na verdade distancia, existe a barreira de palavras, essa poesia vai trabalhar com o academicismo que acaba excluindo. Essa tendência trata do cotidiano das pessoas, as imagens tocam o bairro delas, não são aquelas palavras que não figuram nada dentro da cabeça”. Segundo o artista, esse gênero também é comunicação, e não, apenas, palavras que dialogam entre si. É fazer com que as pessoas sintam orgulho do lugar em que elas moram, de falar da realidade e delatar problemas sociais. Para Berimba, a literatura periférica muda a vida de garotos que muitas vezes não enxergavam valor em suas vidas, “é ter significado

dentro de nossa sociedade, onde a maioria destes autores, preparados para serem operários ou ladrões pela educação de castas, descobrem através da literatura outros significados para a vida.” De pouco em pouco, a fala, a ação e a intervenção tomam o lugar de simples livros, que, para Alisson, muitas vezes não tem tanto significado para a vida das pessoas. “A palavra é a ferramenta da poesia, é conseguir organizar o texto de certa forma que consiga comunicar algo, que não seja só um diário de bordo, para mim a arte tem o papel de comunicar, porque senão fica sem função, não adianta fazer um livro que fique preso na estante”, reflete. A poesia continua sendo uma forma de resistência e empoderamento social. Seus meios de alcance só aumentaram com as novas tecnologias e proporcionaram que cada vez mais poetas achem novas formas de difundi-la à população de pouco acesso. Quando eles não veem espaço em livrarias e bibliotecas para suas publicações, se reinventam e buscam formas de se expressar, atrair e cativar novos leitores. Dezembro de 2015 | CÁSPER

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portfólio

criar E

PENSAR

IMAGENS

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© BORIS KOSSOY

Texto por Boris Kossoy Design por André Valente

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© BORIS KOSSOY

Sem título (Série Cartões Antipostais), Florianópolis, SC, 1972


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eu trabalho fotográfico reflete aspectos de minha história de vida, detalhes muito particulares da minha experiência, porque ao fim e ao cabo estamos sempre buscando na realidade imediata algo que por alguma razão nos comove, emociona ou intriga. Não raro, fotografamos momentos intuitivamente e depois acabamos nos esquecendo dessas imagens que permanecem hibernando por meses ou anos. De súbito, ao rever essas imagens, percebemos nelas algo que nos diz respeito, descobrimos ou lembramos de algo que tem a ver com a nossa infância, que nos parece ser um cenário conhecido, alguém que lembra alguém, às vezes um corpo, um gesto, uma atitude. Estas descobertas são puramente autobiográficas. Minhas imagens resultam de uma busca do estranho, do insólito, do incomum. O que procuro se acha dissimulado em todas as partes, numa vila pacata ou numa grande cidade, em qualquer região ou país. Pode-se encontrar em uma paisagem panorâmica ou no parque da cidade, no aspecto geral da vegetação ou na singeleza de uma erva daninha, no interior de uma casa ou na fachada de uma edificação, no detalhe de uma decoração, na estátua do jardim, na luz que entra pela janela, num certo olhar que surpreende. Minha fotografia é uma eterna busca de situações, atores, objetos e paisagens., contextos de diferentes naturezas. Transito entre o existencial, o político e o social tendo sempre em mente a elaboração estética e, por vezes metafórica, à partir do fato que observo em sua concretude. Foi decisiva a influência que tive, ainda na adolescência, de diferentes áreas: teatro, literatura, cinema e, mais tarde, da arquitetura, minha formação primeira, todas elas fontes inesgotáveis de aprendizado, cultura e inspiração. Entendo minha obra autoral como projeção do meu caleidoscópio pessoal, mental, reserva técnica da minha identidade artística, científica e biográfica. A poética é o meu passaporte para essa viagem mágica por realidades e ficções que cercam o dado e permeiam as representações. Boris Kossoy é fotógrafo, teórico e historiador da fotografia e professor titular da ECA-USP

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© BORIS KOSSOY © BORIS KOSSOY

O maestro (Série Viagem pelo Fantástico), Caieiras, SP, 1971

Outros tempos (Série Viagem pelo Fantástico), São Paulo, SP, 1970

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© BORIS KOSSOY

Surpresa na estrada (Série Viagem pelo Fantástico), Diadema, SP, 1970

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© BORIS KOSSOY © BORIS KOSSOY

Sem título, Madri, Espanha, 2012

Melancolia, Florianópolis, SC, 00h00, 31/dez/2012 - 1/jan/2013

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© BORIS KOSSOY

SEJA COMO OBJETO DE ESTUDOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS, FONTE DE INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO OU INSTRUMENTO DE CRIAÇÃO, A FOTOGRAFIA SEGUE SENDO A RAZÃO DE SER, MOTIVAÇÃO CONTÍNUA, PERMANENTE DESAFIO QUE NOS MOVE Boris Kossoy, fotógrafo

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resenha

TONTEIRA

NA Al

Especialista em Nietzsche, professor Mauro Araujo, lança novo livro sobre a influência da religião na obra do filósofo alemão Texto por Sonia Castino Design por Ana Carolina Siedschlag

C

om apresentação do Prof. Dr. José J. Queiroz, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e prefácio do Prof. Dr. Frederico Pieper, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), chama atenção o provocativo título do livro Religião em Nietzsche, aparentemente paradoxal — como falar sobre religião em um filósofo que decretou a morte de Deus? O Prof. Dr. Mauro Araújo de Sousa, com pós-doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e docente da Faculdade Cásper Líbero, é hoje reconhecidamente o maior especialista brasileiro em Nietzsche. Disputado para ministrar palestras e cursos por todo o país, o pesquisador e pensador, além de escrever inúmeros

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artigos em revistas acadêmicas, também publicou os ensaios: Nietzsche Asceta (2009); Nietzsche: viver intensamente, tornar-se o que se é (2009); Nietzsche: para uma crítica à ciência (2011); Alma em Nietzsche: a concepção de espírito para o filósofo alemão (2013); Nietzsche e a genealogia da moral (2014). Nesses estudos, o professor Mauro assume uma posição teórica e metodológica original de que ele mesmo nos dá pistas nas primeiras páginas da obra ora resenhada, em “Esclarecimentos”. Constrói seu texto sobre a religiosidade em Nietzsche inicialmente resgatando pela filologia o sentido de religião, como re-ligare — religar. Explica que, para Nietzsche, nos desvinculamos de nossas raízes e é preciso restabelecer tais vínculos, uma vez que o homem também é natureza. O filósofo alemão nega todo dualismo da tradição pla-

tônica que construiu o pensamento ocidental. “Qual é, então o sentido de ‘nova religião’ ou, se quisermos, da religiosidade de Nietzsche? Eliminar do vocábulo religião todo aspecto de relacionamento dual” (p. 35). Um segundo ponto ressaltado pelo professor Mauro é que, para Nietzsche, na natureza tudo é movimento incessante, eterna mudança, transitório. Assim, o Ser é apenas um flash, pois quem comanda é o Devir, o eterno vir a ser. Dessa ideia deriva o terceiro ponto fundamental: nessa natureza temos relações de força, presentes em tudo, que o filósofo chama de vontade de potência. Ainda que Nietzsche se diga ateu, reitera Mauro, em provocação a muitos comentadores da obra do filósofo, em seus textos está presente a religiosidade, pois ele faz o re-ligare, ao afirmar que não há essência humana, mas somente


MA Religião em Nietzsche: “Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar” Mauro Araujo de Sousa Editora Paulus, 2015, 144 pgs. essência em movimento. O re-ligare nietzschiano “faz o homem sentir de novo e de corpo inteiro todo o movimento do cosmo como uma melodia” (p. 53). Deus é dançarino, porque é movimento da natureza. O Devir é o deus de Nietzsche — um “deusdevir”. Não tem substância, somente Devir. Nada pode controlá-lo porque nada controla aquelas relações de força da natureza. Tudo, desde o mineral, ao animal, ao homem, gira em torno do orgânico e do inorgânico, sem uma finalidade maior — não há Transcendência metafísica. A vida, como vontade de potência, aqui e agora, tem valor em si mesma, assim, não precisa do sobrenatural para fazer sentido. A vida é para ser amada como ela é, mesmo com a dor, que “faz parte do existir” (p. 64). Não há a redenção, nem precisamos dela, pois “salvar-se é tornar-se o que se é” (p. 74). Para Nietzsche, “o vir-a-ser (no qual

acredita) não tem origem, nem fim, e toda criação acontece com as forças em movimento” (p. 61). O único além é o além-do-homem — a autossuperação. Em um veio interpretativo incomum, o autor propõe como meta de seu livro “evidenciar que, das suas mais profundas experiências, o filósofo erigiu um novo sentido de vida, o que chamamos de sua ‘nova religião’”, ao mesmo tempo, oferece um caminho inédito para a interpretação de toda a filosofia nietzschiana. Para justificar sua leitura, revelando maestria em sua argumentação, o professor Mauro retoma conceitos como transvaloração, perspectivismo e o além-do-homem e os concretiza no estilo de sua escrita — em forma espiral, perspectiva giratória, que permite ao leitor a experiência vertiginosa dos conceitos apresentados, porque o obriga a assumir aquele movimento de ir e vir,

da elipse inquieta. Quem o lê, acompanha o construir-destruir-construir do discurso, para “viver o texto pela via do perspectivismo para, depois, fazer a elaboração de mais uma dimensão que já estava lá entre as outras” (p. 67). Um ponto negativo da obra é sua extensão — apenas 144 páginas que despertam o desejo de ler mais sobre o assunto. Mauro apresenta Nietzsche como o filósofo que sugere um novo sentido existencial e que criou o sentido de uma nova cultura. Trata-se de uma obra imprescindível, não só para enriquecer o repertório de estudantes de comunicação, filosofia e ciências humanas, mas para todos aqueles que indagam pelo sentido das coisas. Sonia Castino é doutora em Letras pela FFLCH-USP, coordenadora de Cultura Geral da Faculdade Cásper Líbero e integrante do Conselho Editorial da Revista Cásper

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música

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RAPHAELE PALARO

o filósofo da

música A Rádio Cultura FM lança série de programas gravados com o teórico musical Joachim Koellreuter

Texto por Ana Clara Muner Design por Carolina Mikalauskas

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ans-Joachim Koellreuter foi um dos mais importantes musicistas e teóricos musicais no Brasil. Embora nascido na Alemanha, exilou-se no Rio de Janeiro, onde passou a morar à partir de 1937, depois de se casar com uma judia na época do nazismo e ser denunciado pela própria família, que tinha afinidade com o partido de Hitler. Mestre e influenciador de vários músicos que entraram para a história musical brasileira, como Tom Jobim, Caetano Veloso e Tom Zé, Koellreuter trouxe um hibridismo para a arte, filosofia e música, visando as vanguardas que ainda não haviam chegado ao País, como o dodecafonismo, que abandona as hierarquias e estabelece uma igualdade entre os tons, e o microtonalismo, tonalidade menor que os semitons, fora da referência ocidental. Mesmo antes da internet e dos meios digitais, Koellreuter se tornou referência

e um acesso para o conhecimento do assunto. Procurado por muitos estudantes, o filósofo ministrava diversas disciplinas, na base do discurso, da musicalidade e do questionamento, exemplificando com repertórios de diferentes autores, por meio do estudo interativo e horizontal. O mestre viajou para diversos lugares, mas sua experiência no oriente, principalmente na Índia e no Japão, foi uma das mais marcantes em sua carreira. O artista incorporou elementos da cultura local, desde o modo de ver a música e de ensinar isso para os alunos, até algumas expressões que ele, posteriormente, passou a adotar. Um forte exemplo dessa incorporação é a estética do impreciso, que reflete e cria um ponto de contato da música com as teorias físicas do século XX, como a relatividade e a física quântica. Com o objetivo de trazer esses conhecimentos e apresentá-los àqueles que não tiveram a oportunidade de ter contato direto com o mestre, a Rádio Cultura FM tornou público, em homenagem ao centenário, o seu acervo de quarenta e


© JAIR BERTOLUCCI/CEDOC FPA

O professor Hans-Joachim Koellreuter encantou e ensinou gerações de músicos no Brasil

cinco programas gravados com Koellreuter. No material disponibilizado pela emissora, ele debate suas ideias, cria discussões com seus alunos, conta sua trajetória e conversa com os apresentadores da rádio, abordando o tema da aproximação entre o ocidente e o oriente, sempre do ponto de vista da música clássica. A ideia do programa foi esboçada há trinta anos, quando uma das alunas de Koellreuter, Regina Porto, o apresentou para Irineu Guerrini, atual professor do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Libero, então diretor da rádio e apresentador da série. Na época, ele estava considerando mudar o estilo da Cultura FM. O docente acredita que o programa marcou a história da emissora, já que, em 1983, esta não fazia uma produção muito elaborada de conteúdo, dedicando-se a reprodução de músicas. Foi assim que o professor, juntamente com o teórico alemão, começou a produção das séries musicais. O entrevistado trazia os assuntos que ensinava em seus cursos e o apresentador o transformava em conteúdo radiofônico, convertendo o material em um programa musical de alta qualidade. Foi, portanto, graças ao trabalho da Cultura FM que os pensamentos e as teorias do músico foram disseminados pelas ondas de rádio. 60

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Segundo Enni Parejo, aluna e amiga de Koellreuter, a elite ainda tem sido a maioria quando se trata de ouvir música erudita no Brasil. Por tratar sobre esse assunto, os programas também têm um público majoritariamente dessa classe social. Apesar desse cenário, acredita que públicos diversos podem começar a escutar pelo próprio acaso que a dinâmica radiofônica oferece. Por serem áudios com um conteúdo muito denso, no entanto, o nível de concentração para conseguir compreender a série tem de ser redobrado. De acordo com Alexandre Tondela, atual diretor da emissora, a disponibilização do material no site da rádio é de importância incalculável, tanto para a linguagem radiofônica, quanto para seus ouvintes. É a oportunidade de relembrar os programas veiculados nos anos 90 e dar às pessoas a chance de conhecer as ideias de um dos grandes pensadores da música produzida no século XX. Todas as gravações ganharam uma linguagem muito didática e esclarecedora, aproximando as audições do público. A internet, também, tem um papel crucial na disseminação do conteúdo. Digitalizar o acervo e disponibilizar para a população pela web faz com que seja possível desfrutar melhor de cada programa. Com quarenta e cinco minu-

tos de bastante informação, que muitas vezes pode ser de difícil compreensão, os áudios contam com a possibilidade de pausa e continuação posterior da escuta. Mesmo considerando que a faixa etária de ouvintes seja variada, Irineu Guerrini acredita que é necessário estar com a mente aberta para ouvir aos programas, uma vez que muito se relaciona, na visão dele, a música clássica unicamente ao passado. No entanto, frisa, cada obra reflete o mundo da época em que foi feita, e séries, como as de Koellreuter, trazem também uma reflexão sobre o período em que ele viveu. “Muita gente não entende que a música clássica no final das contas é uma das mais elaboradas e leva em conta o que foi feito no passado. De uma maneira estudada, ela continua evoluindo. As obras podem ser diferentes, entender isso é o primeiro ponto. A música reflete o mundo de cada época, o mundo de hoje”, afirmou o professor. Embora Enni Parejo acredite, como muitos de seus colegas, que a morte de uma figura como Koeullreutter traga consigo o sepultamento de seus conhecimentos, a série de programas da rádio Cultura FM resgata as teorias e sabedorias que o alemão trouxe para a história da música brasileira, tendo um papel importante na formação musical de seus ouvintes.


DIVULGAÇÃO/CENTRO DE EVENTOS

casperianas As semanas acadêmicas da Faculdade Cásper Líbero trouxeram os melhores profissionais da comunicação para debates e palestras

Diálogo entre gerações Por Bárbara Muniz

A Faculdade Cásper Líbero realizou ao longo do segundo semestre algumas mesas temáticas, reunindo profissionais renomados na área da comunicação a estudantes da graduação e convidados. A abertura para o diálogo levantou questionamentos entre as gerações de comunicadores acerca do atual modelo de produção de conteúdo. Técnica audiovisual e liberdade criativa A técnica de produção norteou a temática das mesas da 9ª Semana do Audiovisual, que contava com vinheta de abertura, cenografia e convidados emblemáticos. A apresentadora da TV Record, Sabrina Sato, abordou junto à sua equipe a metodologia e a tecnologia que envolve a produção de entretenimento — enquanto os editores do Pânico na Band (TV Bandeirantes), entre eles dois casperianos, enunciaram a liberdade criativa e o ambiente de trabalho como estímulo e inspiração para a produção de conteúdo.

Semana de Jornalismo e a transposição das plataformas A semana acadêmica abrangeu transformações da área da comunicação no âmbito jornalístico. Dez mesas recolheram as aspas de profissionais das mais diversas plataformas: do impresso ao digital e audiovisual, tanto as mazelas da cobertura esportiva, cultural, política, econômica e internacional, como a cobertura em ambientes digitais, o empreendedorismo e o novo jornalismo de dados. Grandes jornalistas e acadêmicos, como Paulo Vinícius Coelho, Mauro Beting, Leonardo Sakamoto, Monica Bergamo, Daniela Falcão, Roseli Fígaro e Todd Benson marcaram presença no evento. A demanda e o campo da comunicação O Fórum de Comunicação Integrada, por sua vez, trouxe à voga grande demanda de publicitários para o mercado de constante renovação. O campo está aberto e cada vez mais surgem espaços

para os novos profissionais da comunicação segundo o publicitário Antônio Rosa Neto convidado para a abertura do evento. Para os alunos, os palestrantes trouxeram dados e relatos interessantes sobre o tempo de trabalho. Praticom e os Direitos Humanos O V Encontro Cásper Líbero de Práticas de Comunicação (PRATICOM), promovido pelo curso de Relações Públicas, teve como intuito principal revisitar o compromisso com a representatividade e inclusão social no meio da comunicação. O tema “Direitos Humanos” foi discorrido dentre os âmbitos empresarial e publicitário; de nomes como Ivan de Carvalho Junqueira, da Fundação Casa, à Joana Zylbersztajn, representante da empresa Natura. O evento reuniu oito mesas de discussão nos dias 14 e 15 de outubro. Bárbara Muniz é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e monitora acadêmica da Coordenadoria de Jornalismo

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DIVULGAÇÃO/CENTRO DE EVENTOS

Palestrantes discutem a importância da presença feminina no mercado digital

Empoderamento digital Por Marina Braga

Sábado, antevéspera de feriado. A Faculdade Cásper Líbero sediou um evento com um dia inteiro de atividades. Mais uma oportunidade para refletir e aprender sobre gênero, feminismo, mídia, cultura, tecnologia, trabalho. Mulheres Digitais teve como público pagante, em sua esmagadora maioria, mulheres que fazem dos blogs, dos vlogs, dos podcasts e das redes sociais sua ferramenta mais preciosa para ganhar dinheiro. Nessa grande reunião de personalidades femininas atuantes no mercado digital, foram apresentadas, além de variadas estratégias, dicas e dados que serviram de incentivo para as presentes, para que possam explorar mais e melhor as oportunidades oferecidas por esse ramo. As palestrantes eram mulheres de todos os tipos que estavam determinadas a mostrar o quão longe pode chegar uma profissional mesmo sendo ainda muito jovem. Ou mesmo não estando dentro do padrão de beleza. Ou tendo como braço 62

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direito no negócio outra mulher. Todas elas passaram uma boa (e importante) lição para as comunicadoras da plateia: a escolha de trilhar esse caminho é também um jeito de rir da cara dos grandes veículos midiáticos, que de empoderadores e diversificados tem muito pouco. Entre uma palestra e outra, um vídeo. Depoimentos curtos, de aproximadamente um minuto de duração, com a fala de mulheres inspiradoras, pitadas de incentivo e opções de como adentrar no mercado digital. Antes da primeira pausa, uma finíssima homenagem a uma atropeladora de barreiras machistas. Regiani Ritter, grande exemplo feminino no jornalismo, sobretudo o esportivo, tido como o mais masculino dos segmentos dessa profissão, aproveitou o momento para gargalhar da cara dos que não acreditavam em seu potencial, pelo simples fato de ter nascido mulher. Hoje, ela atua como apresentadora da Rádio Gazeta AM,

orientando alunas e alunos que dão os primeiros passos na carreira. “Regiani Ritter, nós da Faculdade Cásper Líbero e Mulheres Digitais agradecemos o privilégio de homenageá-la. Obrigado por lutar e abrir caminhos para o novo. Obrigado pelo pioneirismo e por inspirar toda uma geração de mulheres”. Na volta do almoço, falas carismáticas e problematizadoras refirmaram a importância da tomada desse espaço. Insistiram no argumento de que a mulher que protagoniza os canais do meio digital, ajuda a dar um novo significado à mídia. O mote básico da comunicação como agente transformador também foi retomado no palco do Teatro Cásper Líbero. A mulher está no mundo digital e quer falar — e ser ouvida. Marina Braga é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e integrante do Grupo de Ação da Frente Feminista Casperiana Lisandra


Professora casperiana em destaque Por Ana Carolina Siedschlag

A trajetória do Festival de Cinema de Gramado acompanhou todas as fases do cinema nacional e antecipou a consagração de figuras brasileiras como Fernando Meirelles e Anna Muylaert. Depois de quatro décadas, o Festival ainda é palco de momentos significativos para a história e a afirmação da arte cinematográfica no país. Em 2015, na 43a edição da premiação, a profes-

sora casperiana Sabina Anzuategui foi reconhecida por sua participação no roteiro do filme Ausência, que também levou os troféus de melhor trilha sonora, direção e melhor filme. “Roteirista é sempre parecido, acaba participando só no início da produção. Foi muito bom ver que o resultado final também foi premiado”, contou a professora. O longa conta a história de Serginho,

um menino de 14 anos que mora com a mãe alcoólatra e o irmão caçula em um pequeno apartamento. Eles vivem no município paulista de Santo Amaro, onde o menino trabalha numa feira para ajudar com as despesas de casa. A produção esteve em cartaz durante a 38a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2014 e segue agora para outras competições internacionais.

junho desse ano, estava falando com alguns colegas e lembrei que fazíamos 50 anos de formandos. Eu vim aqui na Secretária da Faculdade e pedi a relação das turmas de 1965/66, porque andávamos todos muito juntos. Algumas pessoas nós ainda tínhamos o contato, outras não. As moças foram mais difíceis de encontrar, porque quando se casaram, o sobrenome mudou. Mas, conforme fomos falando uns com os outros, o reencontro tomou forma”. Também prestigiaram o evento pro-

fissionais como Eliana Haberli e Valentim Saukas, que passou pelas redações da TV Gazeta e da Gazeta Esportiva. O diretor da Faculdade, Carlos Roberto da Costa, o vice-diretor, Roberto Chiachiri e a coordenadora de Jornalismo, Helena Jacob, estiveram presentes e parabenizaram os queridos casperianos da turma de 1965.

Cinquenta vezes Cásper Por Alana Claro

No último mês de setembro, foi realizado na Faculdade Cásper Líbero o reencontro dos formandos da turma de 1965, que comemoravam os 50 anos da sua graduação. Entre os presentes, estavam Luiz Antônio Maciel, organizador do evento, Wilma Ary e Arcelina Publio Dias, além do antigo diretor e professor da instituição, Erasmo de Freitas Nuzzi e a sua esposa, Neide. Os preparativos da organização duraram alguns meses, como conta Maciel: “Comecei a programar tudo em

Alana Claro é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e monitora acadêmica da Diretoria da Faculdade ANA CLARA MUNER

Casperianos se reúnem cinquenta anos após a formatura e revivem a história da Faculdade

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Sol, praia e artigos acadêmicos Por Mariana Gonzalez

artigo no congresso. Ao todo, vinte e dois alunos do curso de Jornalismo se apresentaram no Congresso, divididos em doze trabalhos diferentes, encaixados em categorias diversas, de Estudos Interdisciplinares de Comunicação até Publicidade e Propaganda. Eu, Giuliana Saringer e Juliana Santos, alunas do segundo ano, embarcamos em horários diferentes no feriado da Independência e nos encontramos em solo carioca, com o artigo em mãos e uma apresentação de slides pela metade. Decidimos que faríamos do evento acadêmico também uma viagem turística. Durante os quatro dias no Rio de Janeiro, passamos meio período na UFRJ, assistindo a apresentações de

outros trabalhos e participando de debates, e meio período conhecendo a cidade, do Morro da Urca ao Corcovado. O último dia estava, desde o início, programado para ser o mais importante e, consequentemente, o mais tenso. Nosso artigo seria avaliado na segunda-feira de manhã, junto com os de outros pesquisadores de temas semelhantes. Fomos o segundo trabalho exposto. Contente com o saldo da viagem, eu embarquei de volta para casa algumas horas depois da apresentação, já pensando no tema da pesquisa acadêmica que pretendo enviar para o Intercom 2016. Mariana Gonzalez é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e exeditora da Revista Esquinas

ACERVO PESSOAL

Dois meses de leitura, pesquisas e redação de texto resultaram na apresentação do artigo Revista TPM: Tentativa de Reconstrução da Representação Social Feminina no XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), realizado entre os dias 3 e 7 de setembro na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Orientadas pelo Prof. Me. Rafael Grohmann, que ministra a disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa na Faculdade Cásper Líbero, meu trio estudou dezenas de pesquisas sobre mulher e mídia e redigimos cerca de quinze páginas de análise e críticas à publicação. Ao final do bimestre, uma boa nota e a indicação para inscrever o

Alunas do segundo ano de Jornalismo apresentaram seus artigos acadêmicos na última edição do Intercom

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ANA CAROLINA SIEDSCHLAG

Faculdade Cásper Líbero oferece quatro cursos de pós-graduação lato sensu para ampliar o conhecimento de profissionais

Conhecimento na velocidade do mercado Por Ana Carolina Siedschalg

Não é à toa que muitos comunicadores investem em uma especialização: o mercado de trabalho tem passado por mudanças significativas ao longo dos últimos anos e aperfeiçoar conhecimentos pode ser uma excelente saída em tempos de crise. Enquanto as redações, produtoras e assessorias enxugam o mercado, a Faculdade Cásper Líbero aposta na pós-graduação lato sensu

como alternativa aos que trilham caminho pelo mundo da comunicação. Os quatro cursos, Jornalismo, Marketing e Comunicação Publicitária, Comunicação Organizacional e Relações Públicas e Teorias e Práticas da Comunicação, são compostos por disciplinas básicas e complementares, que permitem ao aluno montar sua própria linha de estudos. O coordena-

dor da pós-graduação, professor Dimas Künsch, conta que o profissional que busca se consolidar não pode se acomodar: “O mundo está mudando muito rapidamente, assim como o mercado. O volume de conhecimentos está cada vez maior, e a academia é um espaço privilegiado para se ter contato com as teorias, os autores e as obras que ajudam a nos situar nesse novo contexto”, explica.

Pesquisa nos Grandes Lagos Por Mariana Agati

A ideia parecia um sonho distante quando foi proposta, mas uma combinação de dedicação, esforço, paciência e muita sorte me levou à charmosa cidade de Pucón, no Sul do Chile. A missão: apresentar no Congresso Internacional Chileno de Semiótica um artigo científico sobre a representação dos índios brasileiros na mídia. Mesmo cobertas de agasalhos aconchegantes, foi com frio na barriga que eu, Ingrid Yurie e Giovanna Quarterone — as três pesquisadoras de Iniciação Científica do grupo de pesquisa “Tecnologias Digitais: Tempo

e Linguagem”, do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) — seguimos para a Universidad de La Frontera e encaramos o desafio de erguer nossas vozes sobre a questão indígena em uma conferência de porte internacional. Apresentamos nosso artigo na mesa “Discursos e Representações do Outro”, acompanhadas de outros dois trabalhos muito interessantes sobre os Mapuche, povo indígena que habita o sul chileno e argentino. A experiência foi uma das melhores, se não a melhor, que já tive durante todo o meu percurso universitário.

Entre elogios, perguntas e sugestões, a sensação de dever cumprido me preencheu tanto quanto a sensação positiva de que ainda há muita coisa a se aprender. E cá entre nós: não é difícil pegar gosto pela pesquisa acadêmica quando podemos passear em uma cidade tão linda, cercada por grandes lagos, um vulcão ativo coberto de neve e trilhas no meio da floresta. Mariana Agati é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e pesquisadora de iniciação científica do Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP)

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MLSIRAC

crônica

Outras

horas Texto por João Gabriel Hidalgo Design por Carolina Mikalauskas

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ra uma cena. Ninguém sabia muito bem se ficção ou realidade. A jovem-adulta estava suspensa em um pêndulo preso ao Viaduto do Chá. Bailando sem relógio, na fuga de qualquer sincronia com as gravatas da Prefeitura ou do Theatro Municipal. O corpo em movimento ocupava o espaço intermediário entre o calçadão e a via superior, a picos de mais ou menos três metros do chão, onde nenhum modernista deve ter tido a sorte de planar. Mas com que leveza ia e vinha! Ora a favor, ora contra o vento, tal personagem. Caberiam nela cachos, um vestido indicando a primavera, um par de chinelos laranja e olhos cujo tom era impossível de se ver, pois permaneceram cerrados. Estava mesmo se deleitando como uma criança que acabara de tomar conhecimento do novo brinquedo do playground. Naquele estalar da uma da tarde, na estufa do Centro Velho, aquela se tratava, indubitavelmente, da melhor sombra da cidade. E ornava ali a moça, poetizando o espaço, que também servia de abrigo aos mendigos e de brincadeira à algumas crianças, de maneira que nenhuma pretensão poderia atingi-la enquanto ajustava suas costas para frente e para trás a fim de ir cada vez mais alto naquela atmosfera. Ela e a urbe. Ela e o trânsito. Ela e o usuário de crack. Ela e o ambulante. Ela e o secretário de Cultura. Ela e ela. Oscilava tanto em vista de si, que comovia os

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CÁSPER | Dezembro de 2015

poucos invejosos a procura de insights naquele lugar, doidos para sequer empurrá-la na busca por poder fazer parte do espetáculo. Não imaginava o quão lúdico e, ao mesmo tempo, metafísico, poderiam ser indivíduos sendo eles mesmos, espontaneamente, sobre um pedaço de pneu atado a um fio de corda que cai do céu. Balanço artesanal. Objeto de mudança do humor da metrópole. Uma outra experiência de vertigem, fora do caos urbano. O calafrio do livre brincar. A garota que eu via balançando se encorajava a novas altitudes numa relação menos utilitária e descartável com o brinquedo. Era a simbiose homem-invenção. Assim como Bergson acreditava que era necessário deixar os objetos serem, suspender a ação descartável para alcançar o devaneio. A dona dos cabelos encaracolados foi capaz de agir e contemplar ao mesmo tempo. Deduzia-se o som do vento na face misteriosa dela. Era o conhecido onomatopeico VRUUMMM, só que ao contrário da celeridade da máquina motor, emitia o atrito da pele e da natureza. Militava, ela, não só na suspensão do balanço, mas também na suspensão espaço-temporal. A utopia da mediação com a cidade. Depois de apreciá-la durando ali, não me restou dúvida alguma: fui mais um que montou no pêndulo para bater outras horas. João Gabriel Hidalgo é graduando em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e ex-editor da Revista Cásper




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