´ CASPER 18 Maio de 2016
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SEVERINAS
Eliza Capai traduz mulheres no audiovisual
FRED GELLI
O criador dos logotipos das Olimpíadas
FUNK E AS MCs
Elas mudam a cena desse gênero musical
TEATRO OFICINA
A disputa pelo espaço urbano no Bixiga Dezembro de 2015 | CÁSPER
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´ CASPER ISSN 2446-4910
FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos
FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa VICE-DIRETOR Roberto Chiachiri Filho
REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITOR-CHEFE Pedro Ortiz EDITORA Ana Clara Muner CONSELHO EDITORIAL Dimas Künsch, Helena Jacob, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Pedro Ortiz, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci e Sonia Castino REPORTAGEM Ana Carolina Siedschlag, Ana Clara Muner, Bárbara Muniz, Cilene Victor, Felipe Sakamoto, Gabriel Nunes, Guilherme Venaglia, Mariana Gonzalez, Naiara Albuquerque e Roberto Chiachiri EDITORA DE ARTE E FOTOGRAFIA Giulia Gamba PROJETO GRÁFICO Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Beatriz Fialho e Guilherme Guerra COLABORADORES Anna Lucchese, Gabriela Colicigno, Helena Jacob, Julia Guadagnucci, Mei Hua Soares, Roberto Videli, Simonetta Persichetti NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br
arte, sustentabilidade e olimpíadas
A
Revista Cásper chega à sua primeira edição de 2016 repleta de temas importantes como design, audiovisual e sustentabilidade nas empresas, passando pela obrigatória abordagem sobre os Jogos Olímpicos que acontecerão entre 5 e 21 de agosto na cidade do Rio de Janeiro. Começamos trazendo uma importante discussão na matéria de capa: as mulheres no audiovisual brasileiro. A trajetória de Eliza Capai, jornalista e documentarista, nos revela uma busca constante pelas histórias de mulheres em outras culturas e outros tempos deste nosso imenso mundo. Após sete meses de viagens por países africanos, Eliza realizou o longametragem Tão Longe é Aqui em 2013, que vem de uma antiga vontade da documentarista em investir neste tipo de abordagem. As mulheres também são a pauta da reportagem “A música me atraiu, o funk me pegou”, que tenta dissecar o fenômeno da popularização do funk não só como estilo musical mas, principalmente, como manifestação da cultura que se traduz de maneira expressiva nas MCs. Para tratar deste ano olímpico, entrevistamos Fred Gelli, designer responsável pelas logomarcas dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro. Na conversa, Fred explica que a sua grande inspiração para as criações é sempre a natureza e que, nesse quesito, a capital fluminense foi um verdadeiro banquete para seu trabalho. Na Narrativa temos a longa batalha do Teatro Oficina contra o grupo Sílvio Santos, traduzida na tentativa de construir um grande shopping no terreno ao lado do teatro comandado por José Celso Martinez Corrêa. A questão é que esse novo projeto irá destruir a visão de 120 m² do janelão do prédio tombado pelo Patrimônio Histórico em 2010, além de matar a essência da companhia teatral. Responsabilidade sócio-ambiental é o tema de “Questão de confiança” e de “Por fora bela viola”. Na primeira discutimos o papel da sustentabilidade nas ações de comunicação das grandes corporações; na segunda, o perigo de se fazer propaganda de sustentabilidade sem encarar de verdade essa tarefa. Imperdíveis também “Quanto custa o cinema brasileiro”, painel sobre a difícil arte de se produzir cinema no nosso país; “Andando por aí”, portfólio da grande Simonetta Persichetti, crítica de fotografia, doutora em comunicação e professora da Faculdade Cásper Líbero e “As vozes das margens”, que faz um panorama das ações de comunicadores que dão voz às periferias através de blogs e coletivos. Boa leitura,
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CAPA © Carol Quintanilha CC
BY
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CARLOS COSTA Diretor Maio de 2016 | CÁSPER
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SUMÁRIO 10
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QUESTÃO DE CONFIANÇA
Barômetro da Edelman marca uma onda de credibilidade nas organizações
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MENINO DO RIO
Fred Gelli conta como foi a criação dos logotipos das Olimpíadas de 2016
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do lote para dentro
O Teatro Oficina e a disputa pela permanência no bairro do Bixiga
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Contagem regressiva
Assinatura do Acordo de Paris no Dia da Terra é um marco na preservação do meio ambiente
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severinas
A produção audiovisual e a trajetória de Eliza Capai sobre diferentes mulheres
32 “a música me atraiu, o funk me pegou” As MCs falam do empoderamento feminino através da expressão musical
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por fora bela viola
O uso de causas sócio-ambientais na publicidade da marca de empresas
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As vozes das margens
Jornalistas das periferias utilizam a comunicação para retratar as suas realidades
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andando por aí
Imagens da crítica de fotografia Simonetta Persichetti
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48 48 SeÇões 59 61 66
resenha casperianas CRÔNICA
Quanto custa o cinema brasileiro?
Produção nacional cresce e se destaca, mas o modelo atual de incentivo é questionado
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organizações
QUESTÃO DE
Ações sócio-ambientais melhoram a reputação de corporações, ONGs, governos e mídia
Texto por Bárbara Muniz e Guilherme Venaglia Design por Guilherme Guerra
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CONFIANÇA
U
ma empresa consciente das responsabilidades decorrentes do impacto de suas produções no cenário contemporâneo, marcado expressivamente por realidades pessimistas, encontra alternativas de mudança no desdobramento de ações práticas, que refletem valores e princípios da corporação. Em meio à crise do mercado financeiro e desastres ambientais, as novas atitudes das organizações envolvem tornar seus meios sustentáveis, estabelecer boas condições de trabalho e implementar um número maior de políticas internas de engajamento dos funcionários. A medida consolida uma relação de confiança com os consumidores e cria um ambiente de trabalho produtivo e receptivo. Realizado anualmente em 28 países pela agência de relações públicas Edelman, o Trust Barometer mede os índices de confiança do público em relação a quatro setores: empresas, organizações não-governamentais (ONGs), mídia e governo. Em 2016, os números apontaram níveis mais altos da história, marcando o início de uma onda de confiança nas empresas pelo público considerado informado, setores sociais com maior formação acadêmica e melhores condições financeiras.
Contudo, o fator preocupante dessa análise, de acordo com Rodolfo Araújo, diretor de Pesquisa e Métricas da Edelman Significa — filial brasileira da agência — e porta-voz do Trust no país, é o fenômeno nomeado de desigualdade de confiança. Enquanto a população com mais acesso à educação e melhores condições sócio-econômicas apresentou índices altos de credibilidade nas organizações, o chamado “público geral”, constituído pelos segmentos de renda e formação média, mostrou-se, pelos números, mais resistente. Entre os países pesquisados, o Brasil foi apontado como um dos países onde essa distância é maior. O Trust indica que são distintas as nuances da credibilidade atrelada a cada tipo de instituição de gestão: a confiança é crescente em todos os setores, porém, as ONGs são as primeiras, seguidas, respectivamente, pelas empresas (mundo business), mídia e governo. Rodolfo ainda ilustra os principais fatores que contemplam o papel da comunicação corporativa na construção da credibilidade de uma organização para o público externo, seus consumidores. Através de cinco premissas — integridade, engajamento, produtos e serviços, propósitos e operações — o cenário de 2016 traz um contexto de demandas sociais, ou seja, de cobrança dos consu-
midores pela participação das empresas na vida social. A diferença que cada uma delas faz na vida de um indivíduo sobressai-se às suas posições nos rankings institucionais e às performances financeiras relevantes, de acordo com as avaliações do barômetro. No entanto, para a especialista em Governança Corporativa Ágatha Camargo, professora do curso de Relações Públicas na Faculdade Cásper Líbero, ainda existe uma distância entre a importância que a população confere a um tema específico relacionado a uma organização e o estímulo para que as boas ou más ações efetivamente atuem na consumação de um produto pelo cliente, prevalecendo a percepção de que ele espera uma maior transparência. A Governança Corporativa é um sistema de gestão que garante o valor desta organização de uma forma permanente, minimizando os riscos de decair a reputação de uma empresa. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) mostra que 80% dos mecanismos de governança estão voltados para o Conselho Administrativo, que supervisiona as decisões tomadas a fim de evitar más falhas. Uma das principais formas de prejuízo à reputação de uma empresa se dá na divulgação de informações negativas Maio de 2016 | CÁSPER
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CONFIANÇA NAS QUATRO INSTITUIÇÕES Governo, Empresas, Mídia e ONGs 2015 x 2016 Público informado 70
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ONGs
Empresas
Mídia
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Governo
Público total
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ONGs
Empresas
59%
recomendaram empresas para um amigo ou colega
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Mídia
Governo
75%
tomaram decisões, superaram preocupações ou foram alertados sobre riscos
© ZÉ JÚLIO VESSONI PARA REVISTA VAIDAPÉ
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SE A EMPRESA É LISTADA E TRANSPARENTE EM SEUS BALANÇOS, ISSO TRAZ CONFIANÇA PARA O PÚBLICO EXTERNO
através dos seus stakeholders — funcionários, fornecedores, parceiros comerciais — fora do ambiente corporativo. A governança, então, visa garantir que os processos internos ajudem a construir boas relações e a transformar um efeito que poderia ser prejudicial em positivo. Ações focadas nos valores internos, diálogo, pagamento de salários, gerenciamento de carreira, processos e reconhecimento profissional, por exemplo, são repassadas para o público externo, através das próprias funcionárias e funcionários informalmente, pelas redes sociais ou conversas despretensiosas com amigos e parentes. A confiança externa parte de uma boa gestão organizacional interna, portanto. “O maior prejuízo para uma empresa é o dilaceramento organizacional”, afirma Ágatha. A professora frisa, no entanto, que o público principal é sempre o investidor — agregando valor para ele, os demais públicos acabam sendo contemplados. Para o consumidor final, a organização precisa de um discurso consistente que encontre base nas ações que pratica. “Se a empresa é listada e transparente em seus balanços, comunica ao mercado as ações que faz e não usa de métodos escusos para gerir o capital, isso traz confiança para o público externo”, explica. O barômetro mostra que a sociedade cobra das entidades, além de boas políticas internas, o cumprimento de valores — um engajamento das organizações com foco na comunidade na qual os impactos das atividades desempenhadas pelas instituições são mais consideráveis. Os temas essenciais partem
Ágatha Camargo, professora
de uma matriz de opiniões distintas: público-alvo, teóricos e investidores desenham a linha de interesses e causas das quais uma empresa venha a aderir. Paradoxalmente, o Trust de 2016 aponta que o setor historicamente menos acreditado, o financeiro, foi também o que mais cresceu em termos de confiabilidade. Segundo a professora Ágatha Camargo, o resultado disso, no caso dos bancos, é os investimentos diretos em cultura e educação e mais recentemente o apoio na área da educação financeira. “Qual o maior impacto que um banco causa? Prejudica a capacidade de alguém ter uma saúde financeira adequada porque se envolve em créditos sucessivos. Os resultados causados internamente refletem externamente e essa é a mais recente bandeira dos bancos.” Esse caso de gestão organizacional, portanto, é um exemplo de uma empresa a fim de minimizar seus impactos históricos e em seu público. A consistência de uma entidade se dá, além do engajamento das questões sócio-ambientais, na maneira como a própria empresa administra os impactos imediatos com as atividades. “Do ponto de vista prático, não existem organizações que engajem causas e não as divulguem”. No que se deve, então, tal crescimento de confiança nas instituições? E como a população decide confiar ou não em cada âmbito deste campo? Eric de Carvalho, professor do curso de Publicidade e Propaganda na Faculdade Cásper Líbero, recorda o cenário de crise de confiança institucional em 2013 — e a retomada da confiabilidade desses setores em 2015 — e reflete sobre como a reputação de
uma marca, primeira via de acesso entre empresa e consumidor, afeta a impressão que o público médio atribuirá à entidade e, por conseguinte, a credibilidade que a população atribuirá. “Uma marca se distingue na concorrência por ser exclusiva, favorável e forte”. A recomendação de usuários sob o espectro de uma marca, seja pelo círculo social ou virtual, nasce da reputação que esta gera entre as pessoas, construindo espaços de interlocução entre consumidores de interesses semelhantes, como sites de avaliação de produtos. “A propaganda está em declínio na atual conjuntura, porém a publicidade, utilizando de novas ferramentas, cresce como uma nova forma de engajamento em redes sejam blogs ou fóruns. Basicamente, a reputação é demarcada pelo conteúdo colaborativo que a marca e consumidor constroem juntos”, complementa o professor Eric de Carvalho. Essencialmente, a reputação é construída a partir das ações da marca na sociedade. A identificação pessoal de um indivíduo, que geralmente acontece pela abordagem dos discursos socio-ambientais, envolve uma rede de consumidores — uma recomendação gratuita, uma promoção geralmente mais genuína do que por meio de propaganda e anúncios. A intenção de uma boa governança corporativa, portanto, é promover o investimento de uma organização no seu entorno de produção, conquistando a confiança de todas as instâncias que fomentam a base produtiva e formando o alicerce de sua ética de trabalho.
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entrevista
MENINO DO
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RIO
Designer responsável pelos logotipos dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio 2016, Fred Gelli quer abraçar o mundo com seu trabalho — e garante: sua maior inspiração é a natureza
Texto por Mariana Gonzalez Design por Giulia Gamba
© DIVULGAÇÃO
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O
Rio de Janeiro é parte de Fred Gelli e Fred Gelli é parte do Rio de Janeiro. Apesar de ter nascido na cidade de Petrópolis, é na capital fluminense que o designer se encontra — no sentido mais completo da palavra. A intimidade entre o homem e a cidade é tamanha que, quando recebeu o desafio de apresentar os cariocas para o mundo por meio da comunicação visual dos Jogos Olímpicos de 2016, o sucesso foi instantâneo — segundo dados do Comitê Olímpico Internacional, o trabalho de Gelli agradou 93% do público nacional e 83% dos torcedores ao redor do mundo. O segredo? Incluir o maior número de interessados no processo de criação. “Afinal, eu estava produzindo para sete bilhões de pessoas”, explica. Filho, neto e bisneto de designers, ele garante que o dom vem do sangue italiano da família: em 1887, seu bisavô fundou a Casa Gelli, que
LAÍS GLAESER
Fred Gelli e os logotipos tridimensionais
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chegou a ser uma das maiores fabricantes de móveis do país e permaneceu na ativa durante 115 anos. Hoje, aos 49 anos, ele comanda a Tátil, empresa que fundou há 27 anos, ainda antes de completar a graduação na PUC-Rio. Desde então, ele e sua equipe acumulam no currículo criações para gigantes como a Natura e a Coca-Cola. Fred recebeu a Revista Cásper na sede da Tátil em São Paulo, onde passou apenas dois dias, logo depois de emendar duas viagens internacionais, para Johanesburgo e Dubai. “Agora, estou proibido de sair do Brasil até o fim dos Jogos”, comenta. Isso porque, ao lado do artista plástico Vik Muniz e do escritor Marcello Rubens Paiva, ele ainda é responsável por dirigir a cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos, que acontece no dia 7 de setembro. Na entrevista a seguir, ele discorre sobre sua rotina atribulada, os desafios de representar nosso país sem cair em clichês e a Biomimética, ciência que estuda e leciona há mais de quinze anos.
JOÃO GABRIEL HIDALGO
A Tátil foi escolhida entre 140 empresas para criar o logotipo dos Jogos Olímpicos. Como se deu o processo de concorrência? Quais fatores você acredita que foram decisivos para conquistar o Comitê Olímpico Internacional (COI)? Tudo começou em 2010, quando o Comitê abriu a concorrência somente para empresas nacionais, valorizar a arte local é sempre uma prioridade. A primeira reunião era aberta para qualquer empresa que se sentisse capaz de desenvolver um projeto desse porte, em termos de equipe, estrutura e capital. Quando entrei na sala, havia mais de trezentas pessoas — quase desisti. Dali, apenas 140 empresas se inscreveram de fato para a seleção. Aos poucos, o processo foi afunilando. Depois de diversas etapas, que incluíram pesquisas, avaliações burocráticas e conversas individuais com os organizadores, oito empresas foram selecionadas para trabalhar na criação do logotipo. Nossa proposta foi muito clara desde o começo: queríamos incluir o maior número possível de pessoas para conseguir representá-las de fato. Isso foi fundamental. Unimos toda a equipe — e quando eu falo isso, é toda a equipe mesmo, dos designers aos telefonistas [só no RJ, a Tátil conta com cerca de cem funcionários]. Todo mundo opinava, afinal, precisávamos representar sete bilhões de pessoas. Era necessário que o logotipo falasse com todo mundo. E o briefing era claro: precisávamos representar o Rio de Janeiro sem cair nos clichês e, ao mesmo tempo, tínhamos que traduzir todo o Brasil de uma forma homogênea. Criamos mais de cinquenta modelos, mas só dois ou três cumpriram tudo o que buscávamos. Vocês criaram o primeiro logotipo tridimensional da história. Como nasceu essa ideia? Foi uma decisão arrojada. Acredito que essa inovação também foi fundamental para a escolha do nosso projeto. Para nós, fazia todo o sentido desenvolver um símbolo que é, de certa forma, uma escultura. Isso porque a paisagem do Rio de Janeiro é cheia de relevos. Além do Pão de Açúcar, que é a principal inspiração, é possível identificar no logotipo outras curvas famosas da paisagem carioca, como a Pedra da Gávea, o Morro da Urca e o Morro Dois Irmãos. A ideia era que, consciente ou inconscientemente, os cariocas reconhecessem esses lugares, criassem certa intimidade com o símbolo e se sentissem abraçados por ele. Além disso, conseguimos criar um símbolo universal, que transmitisse conceitos de união, celebração e acolhimento em qualquer lugar do mundo. Vocês se envolveram muito com as Paralimpíadas, então por que, além de ter criado o logotipo, a Tátil desenvolveu um objeto pensado especialmente para os paratletas? Graças ao sucesso que teve a marca olímpica, nós fomos
convidados para desenvolver também a paralímpica. Esse foi um caso atípico porque, normalmente, são abertas duas concorrências. O convite foi muito especial, mas, ao mesmo tempo, desafiador. Sabe quando um músico faz sucesso com o primeiro álbum e não consegue compor o segundo? Eu tinha medo que isso acontecesse conosco. O briefing era muito parecido, dessa vez, o Comitê Paralímpico Internacional exigiu que a imagem fosse tridimensional também. Mas nós fomos além: criamos um objeto multissensorial. Isso porque nosso público alvo se identifica com isso. Entendemos que o importante não era representar o que nos diferencia, mas o que nos torna iguais como seres humanos — o coração. Por isso, o objeto pulsa por meio de vibrações que simulam os batimentos cardíacos. Assim como da primeira vez, nós ouvimos e levamos os protótipos para diversas pessoas cegas, surdas e paraplégicas e modificamos até chegar ao resultado final. Todas são co-autoras do logotipo. Quando nós apresentamos o resultado final, algumas vieram falar que nós deveríamos desenvolver a versão multissensorial do logotipo das Olimpíadas também, mas eu respondi na hora: “De jeito nenhum, vocês não precisam disso”. Como está sendo a experiência de dirigir a cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos a cinco meses do espetáculo? É um desafio. Nenhum de nós três [Fred está trabalhando na direção artística em parceria com o artista plástico Vik Muniz e com o escritor Marcello Rubens Paiva] havia feito algo parecido antes. Em termos criativos, a cerimônia está toda pronta — e foi aprovada com louvor. O desafio agora é materializá-la para apresentá-la no Maracanã, uma responsabilidade e tanto. Uma coisa interessante é que, diferentemente da abertura dos Jogos Olímpicos, nós não temos a obrigação de apresentar a história do Brasil. Claro que a nossa cultura vai estar muito presente durante o espetáculo, mas de uma forma mais leve; nossa principal missão é mostrar o universo paralímpico da maneira mais inspiradora possível. Para isso, contamos com a contribuição específica de profissionais de diversas artes, que são mestres no que fazem: cenário, coreografia, iluminação, figurino etc. A equipe se entende bem. O Marcello traz a experiência dele como cadeirante e, como ele é escritor, sua contribuição também é grande em termos de conteúdo. Já eu e o Vik estamos mais a par da parte gráfica. São ideias complementares. Além de nós três, contamos com a Paula Mello, que é diretora criativa, e com a minha filha, Alice Gelli, formada em design gráfico pela PUC-Rio, que também está participando ativamente da criação. Já fizemos alguns ensaios isolados, testamos algumas coreografias, mas ainda não colocamos todo mundo junto para ensaiar no Maracanã. Falta pouco tempo, mas ainda muito a ser feito. Infelizmente, no Brasil, as coisas funcionam assim; não sabemos quem será o presidente até os jogos começarem. Maio de 2016 | CÁSPER
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TODO MUNDO OPINAVA, AFINAL, PRECISÁVAMOS REPRESENTAR SETE BILHÕES DE PESSOAS. ERA NECESSÁRIO QUE O LOGOTIPO FALASSE COM TODO MUNDO Fred Gelli, designer
Você viaja o mundo para falar do logotipo e, ao mesmo tempo, precisa estar no Brasil para acompanhar os preparativos para a cerimônia. Além disso, ainda cuida da Tátil, que tem diversos outros projetos em andamento. Um Fred só consegue dar conta de tudo? Está sendo difícil conciliar, não vou negar. Eu estava em Dubai, na semana passada, falando sobre os logotipos, mas sei que agora não viajo mais. Até lá, meu foco é o Rio de Janeiro. Vou passar pelo menos duas tardes por semana no Maracanã, estudando os espaços, e o resto do tempo na Tátil. Ainda bem que eu tenho a Alice que se dedica o tempo todo às questões da cerimônia. O que me ajuda a dar conta de tudo é estar sempre na natureza. Ela é o meu oráculo e, ao mesmo tempo, minha válvula de escape. A minha casa fica dentro da Floresta da Tijuca. Se eu deixar uma janela aberta, entram insetos, pássaros e até macacos. Sem falar que eu estou sempre ao ar livre, praticando esportes — windsurf é o meu preferido, mas eu também nado, pego onda, ando de bicicleta, corro no Jardim Botânico — tudo isso me proporciona uma ligação muito estreita com a natureza exuberante do Rio de Janeiro. Foi dessa relação, aliás, que nasceu a Tátil: quando eu abri a empresa, a ideia era desenvolver embalagens e produtos a partir de material reciclável, que, na época, não eram usados. Antes dos anos 1990, o termo “desenvolvimento sustentável” sequer havia sido criado. Nós trabalhamos durante dez anos só com produtos eco friendly.
E quando a proposta da empresa se tornou mais abrangente? Bom, conforme ela foi crescendo e nós fomos ganhando clientes maiores, precisamos nos tornar mais maleáveis. Com o tempo, desenvolvemos outros produtos, de acordo com o perfil das empresas. Quando conseguimos a conta da Nokia na América Latina, percebemos que a Tátil estava crescendo. Depois vieram as contas da Natura, da Tim e da Coca-Cola, além de outras marcas menores. No entanto, a natureza ainda é a nossa maior fonte de inspiração. Para você ter uma ideia, há uma bióloga na equipe do Rio de Janeiro. A professora Ana Branco, que foi minha orientadora na PUC e é minha guru até hoje, me ensinou que não há embalagem mais eficiente do que a que nos trouxe ao mundo — a barriga da mãe. A partir dessa provocação, comecei a estudar uma ciência chamada Biomimética, que busca na natureza soluções para diversas áreas da nossa vida, especialmente o design de produtos. Esse conhecimento foi essencial para desenvolver a linha Sou, da Natura, que conta com embalagens que, além de biodegradáveis, têm o formato ideal para melhor aproveitar todo o conteúdo, sem desperdiçar nem uma gota. Uma delas, por exemplo, foi inspirada no formato das bromélias, que são flores incríveis quando se trata de armazenar líquidos. Dou aula na PUC-Rio sobre isso há mais de quinze anos. O mais incrível é que o conhecimento que vem da natureza é infinito e constante. O que você aprende hoje, vai continuar existindo daqui a mil anos.
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narrativa
DO
LOTE PARA
DENTRO Entre o amontoado de ruas no bairro do Bixiga o Teatro Oficina resiste na cidade de São Paulo
Texto por Ana Carolina Siedschlag Design por Giulia Gamba
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ANA CAROLINA SIEDSCHLAG
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História soterrada
Ao final do século XIX, algumas famílias tradicionais de São Paulo, proprietárias de chácaras na região ao sul do centro da cidade, começaram a desenvolver projetos de loteamento daquelas terras. Na época, a área que hoje compreende o miolo entre a rua Silvia, a avenida Nove de Julho e o viaduto Júlio de Mesquita Filho já era conhecida como Bixiga. Para atrair compradores, os donos passaram a chamá-la de Bela Vista, enaltecendo a localização privilegiada próxima ao topo da colina que já abrigava a avenida Paulista desde 1891. O mirante da Nove de Julho oferece uma visão do que era olhar em direção ao vale do Saracura, córrego soterrado pela construção da Nove de Julho, mas que ainda dá às graças em épocas de chuvas e cheias. Imagino que antigamente a paisagem formada por uma 18
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vegetação de várzea, pelo riacho passando no meio e lá na frente, o centro, deveria atrair os olhares de trabalhadores recém-chegados e com dinheiro suficiente para comprar um pedaço de terra em uma região privilegiada. A área foi ocupada majoritariamente por italianos. Alguns poucos imigrantes, mais endinheirados, conseguiram a parte mais alta, o que hoje são as ruas homônimas, dos Ingleses e Franceses. No entanto, na inocência de chamar o Bixiga de italiano, parece que a cidade esqueceu quem foram os primeiros moradores da região. Grande parte da população negra de São Paulo estava escondida no meio do matagal das bordas do Saracura. Há lendas entre os moradores que existia ali um quilombo, um local onde pessoas escravizadas se escondiam. “Tinha um chafariz nesse córrego onde lavadeiras negras trabalhavam. Era um local não muito bem visto, indesejado”, diz o arquiteto e urbanista, professor da FIAMFAAM e Belas Artes, Marcos Virgílio. As ocupações originais em torno do córrego eram formadas por casebres e barracos. Alguns trabalhavam nas chácaras, outros eram livres, com trabalhos na área comercial do centro. Ao final da década de 1920, a especulação imobiliária gerada pelos projetos de construção da avenida Nove de Julho forçou a prefeitura de São Paulo a despejar os moradores desta área, que, em parte, migraram para a região norte, principalmente para o Parque do Peruche, na zona norte. Uma das marcas da resistência da população negra é a permanência da escola de samba Vai-Vai na rua São Vicente, uma dessas ruelas que cortam o Bixiga.
Quem quer dinheiro
Quase quarenta anos depois da chegada da especulação imobiliária na região, ela voltava a assombrar os moradores da região. Na década de 1970, a empresa Sisan Empreendimentos, pertencente ao grupo Silvio Santos, comprou grandes lotes onde já haviam construções. Algum tempo depois, todas as casas desses terrenos caíram à espera de um shopping. No entanto, atualmente, uma parede branca pichada, despercebida em meio à tantos ou-
ANA CAROLINA SIEDSCHLAG
T
oda vez que desço a avenida Brigadeiro Luís Antônio em direção ao centro, vivencio o caos que só São Paulo consegue oferecer. A calçada quebrada, a construção abandonada, o grito de palavras incompreensíveis da mulher que lava a rua para os pedestres; é uma experiência sensorial, fruto da desorganização voluntária de nossa cidade. A Brigadeiro é um exemplo do conjunto de ruas amontoadas, que formam o distrito da Bela Vista, uma região de concreto, arquitetura neoclássica despedaçada e carros de autoescola. As vias que cortam para a esquerda enquanto desço não são lógicas: entro em uma para fazer o retorno, mas acabo quase sempre chegando a rua Consolação. Depois de dois anos morando em São Paulo, ainda não me acostumei à mudança brusca de paisagem quando saio da avenida Paulista. Alguns prédios novos conseguiram modificar o pedaço inicial das ruas perpendiculares, mas, a poucos metros, começam as construções antigas, típicas do centro da cidade e dos bairros adjacentes, onde parece que a história da industrialização, imigração e modernização insiste em se recontar para quem ainda não a viveu.
tros prédios despedaçados, foi o freio pelo qual os grandes empresários não estavam esperando. O Teatro Oficina é um respiro em meio ao caos do Bixiga. Atravessar os batentes da porta vermelha dupla que se abriu em um segunda-feira, foi como sair do cinza da cidade. O prédio, que parece maior por dentro, lembra uma construção que nunca vai acabar, por ser estreita e com longos corredores. No lugar do que seriam os assentos, quatro andares de andaimes ao lado direito de quem entra confundem o olhar: existe uma harmonia no desigual de canos de ferro que servem de barreira de segurança para quem senta na plateia. No teto, uma infinidade de cabos se mistura com vestidos coloridos pendurados que serão usados no próximo espetáculo. A luz da manhã nublada entra pelo janelão que cobre grande parte da
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O TEATRO OFICINA NUNCA SE FOSSILIZOU OU FICOU ANTIGO. ELE BUSCOU UMA LINGUAGEM NOVA, SEMPRE OLHANDO PARA O FUTURO, CUMPRINDO COM A IDEIA DO ATO TEATRAL
Marília Gallmeister, arquiteta cênica
Em meio a terrenos vazios, o Teatro Oficina se destaca por sua parede branca
parede esquerda, que poderia ser considerado ator principal de todas as peças ali já encenadas ao roubar, muitas vezes, a atenção do público. As instalações do Oficina contracenam vivamente com a companhia de teatro, com a plateia invisível e com o casal de arquitetos que me acompanhou nessa minha primeira visita. José Rodrigues, vindo de Santos, iria apresentar um projeto de construção cênica como conclusão para seu curso e, para isso, decidiu visitar o teatro considerado o mais bonito do mundo pelo jornal britânico The Guardian. Os olhos atentos do estudante mergulharam através do espaço e trouxeram uma reflexão: “O mais incrível é que não dá para dizer se estão montando ou desmontando esse espaço”. Fundado em 1958 na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
por Amir Haddad, Zé Celso Martinez Corrêa e Carlos Queiroz Telles, o teatro logo se mudou para a casa da rua Jaceguai, no Bixiga. Oito anos depois, em plena ditadura militar, um incêndio destruiu o jogo cênico original, palco e plateia dos dois lados, dando espaço para uma grande roda giratória onde foi encenado O Rei da Vela, marco inicial do tropicalismo. Seu formato foi finalmente transformado na década de 1990, quando Zé Celso, uma das figuras mais importantes do cenário teatral brasileiro, já havia assumido a direção da companhia. O projeto foi consolidado na rua Lina Bo Bardi, em homenagem à arquiteta que o projetou. O novo palco é agora uma via que passa em frente às arquibancadas da plateia atravessando toda a extensão do local e leva em direção à duas pequenas janelas na extremidade do prédio.
Durante toda a remodelação do Oficina, a pressão do grupo imobiliário Sisan Empreendimentos não cessou. Zé Celso queria que Silvio Santos entregasse o terreno ao lado para que o espaço fosse incorporado ao teatro. A companhia entrou com um projeto de transformação de toda a região que circunda as instalações, na tentativa de não elitizar a arte e ampliar seu público.
Através da janela
Contornando todo o Teatro Oficina, está um estacionamento colocado pelo grupo Silvio Santos logo após a demolição das outras construções. O espaço irregular desce uma pequena encosta de barro e bate nos muros de outros prédios, um portão branco de alumínio aberto e uma casinha na entrada são o que seu Décio Joaquim, de 57 anos, vê há quase 21 anos todos os dias. É ele Maio de 2016 | CÁSPER
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ANA CAROLINA SIEDSCHLAG
Marília Gallmeister é uma das arquitetas cênicas do Teatro Oficina
quem cuida de uma parte do terreno desde que as casas antigas caíram. Apoiado no muro pichado, ele conta que, não faz muito tempo, a imobiliária andou escavando e colocando algumas estacas no lote. A crise bateu forte no ramo e o maior rival, o ponto de ônibus a dois passos de onde seu Décio está parado, tem atraído muito mais gente que o estacionamento, que cobra R$ 15,00 a hora. Passando a mão na camiseta branca amassada, o funcionário diz que não sabe se a construção vai sair, mas que torce pelo que considera o melhor para a região: “Eu perderia o meu emprego se saísse um shopping aqui, mas eu sou um só. Numa crise dessas, seriam uns dois mil empregos a mais”. Em 2004, Silvio Santos veio visitar o teatro ainda quando o primeiro projeto de shopping, do arquiteto Júlio Neves, estava parado. Com a visita, surgiu a oportunidade da companhia trabalhar junto do empresário para criar um novo modelo de atração, um que atendesse às 20
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demandas mutuamente. “Existia todo o conceito dessa região do Anhangabaú conter uma Universidade Antropofágica, um lugar para se estudar o que é fazer arte no Brasil”, conta uma das arquitetas responsáveis pelo jogo cênico dos espetáculos, Carila Matzenbacher. Dessa reunião, mediada diplomaticamente pelo, então, senador Eduardo Suplicy, surgiu como resultado um shopping integrado a um teatro de estádio, uma construção que não atendia aos moldes tradicionais. O Oficina trabalha com um espaço que não é para um grupo pequeno. A companhia defende que o carnaval e o futebol são verdadeiras artes brasileiras, porque são feitas para multidão, grandiosas. “Muitas vezes, existe a manipulação das massas, mas acredita-se em um parâmetro dionisíaco de que quando ela está reunida em torno de um evento, é porque está genuína e inteira naquele ato”, diz o professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista Cult, Welington Andrade. Isso
levou Lina Bo Bardi a fazer um teatro como se fosse um estádio. A ideia do shopping vingou, a princípio. Mas tempos depois, Zé Celso percebeu que isso não teria sentido algum partindo da companhia de teatro. O grupo Silvio Santos alegou que São Paulo precisava de teatros mais bonitos. Um padrão de beleza, no entanto, que atende a um objetivo diferente da companhia de teatro. O Teatro Oficina é um dos responsáveis pela modernização do palco brasileiro. Na primeira metade do século XX, os teatros no Brasil era muito convencional, ligado principalmente à cena portuguesa. Os atores eram obrigados a falar com sotaque português, porque aqui se acreditava que eles eram a cena culta. Por uma série de expedientes históricos, a partir do final dos anos 1940, nosso país foi se modernizando, ganhando consciência de si mesmo como nação. O Oficina trabalhou, em um primeiro momento, com o realismo crítico. Usava autores antigos, como Gogol e Dostoi-
As três torres
em avaliar impactos acumulativos. Uma coisa é um prédio, outra coisa é quando toda a quadra começa a se transformar. “Houve uma visão estreita a respeito da cidade, eles pensaram do lote para dentro, o que a legislação autorizava, ao invés de pensar no entorno, no bairro”, explica o arquiteto Marcos Virgílio. Para dona Célia Horii, proprietária do restaurante Gerações e vizinha do teatro Oficina, a possível construção das torres, e de outros empreendimentos, será a salvação do bairro. “Depois que o grupo Silvio Santos derrubou as casas dessa região, ela ficou muito vazia
e perigosa. Melhor seria se saíssem essas torres”, contou, ainda que desacreditada. Depois de vinte anos trabalhando por ali, já escutou muitas histórias a respeito das novas construções. O restaurante cheio, no horário do almoço, mantém a senhora nipônica longe das discussões que acontecem no bairro sobre o que será feito com o espaço. Prefere atender bem quem já está por ali e deixar para pensar sobre possíveis ampliações caso o projeto seja aceito, mas insiste: “o projeto das torres não vai sair. Todos os anos é a mesma coisa. Não sei o que poderia ser diferente agora”.
O Teatro Oficina é marcado por canos em sua estrutura
ANA CAROLINA SIEDSCHLAG
évski, para discutir a realidade brasileira. Foi numa segunda fase que criaram uma linguagem própria, o tropicalismo. O Rei da Vela, escrito por Oswald de Andrade em 1937, mas que só foi remontado em 1967, mostrava como o teatro tinha um poder de observação e político grande. Depois de retornar do exílio imposto pela ditadura militar, Zé Celso quis recuperar as tradições iniciadas na rua Jaceguai, ainda que não fosse possível recuperar aquela explosão inicial. “O Teatro Oficina nunca se fossilizou ou ficou antigo. Ele buscou uma linguagem nova, sempre olhando para o futuro, cumprindo com a ideia do ato teatral”, conta Marília Gallmeister, arquiteta cênica do teatro. Em fevereiro de 2016, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Jurema de Souza Machado, declarou que em até dois meses autorizaria a construção de três torres residenciais ao lado do teatro, um projeto ainda pertencente ao grupo Silvio Santos. Em 2010, o Teatro Oficina foi tombado pelo mesmo órgão que agora autoriza a construção dos empreendimentos ao redor. O Iphan tombou o local como um patrimônio histórico da cidade de São Paulo e do Brasil. Depois de anos de briga, a companhia conseguiu também que não somente a localidade fosse tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), órgão subordinado ao estado, como todo o entorno do teatro, preservando a vista do janelão principal. Ainda assim, dado o caráter interpretativo de cada um desses tombamentos, as torres ainda podem subir. Na prática, uma cidade pode ser muito dinâmica, vai se acomodando. São Paulo tem uma resiliência enorme e vai assimilar esse impacto. A grande questão são as portas que uma construção desse porte pode abrir para novos empreendimentos megalomaníacos, já que a cidade não tem tradição técnica consolidada de avaliar essa forma de empreendimentos. Quando se pensa nas consequências, os órgãos públicos têm sido pouco eficientes
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mudanças climáticas
CONTAGEM
REGRESSIVA Do Acordo de Paris ao Dia da Terra
Texto por Cilene Victor e Roberto Chiachiri Design por Giulia Gamba
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uando o texto final do Acordo de Paris foi apresentado, após duas semanas de intensas negociações, o dia 12 de dezembro de 2015 passou a ser considerado um marco histórico no enfrentamento das mudanças climáticas. Aprovado e adotado pelos chefes de Estado e representantes de 195 países, reunidos na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 21), o pacto estabelece a meta de controlar o aumento da temperatura média do planeta em até 2 °C acima dos níveis pré- industriais, mas sugere esforços para que esse crescimento seja limitado a 1,5 °C, considerado mais seguro pelos cientistas e ambientalistas. A adoção dos níveis pré-industriais como referência sustenta-se na tese científica de que naquele período o homem não exercia influência sobre o clima, por meio da emissão de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). O Acordo imprime esforços de anos de conversação entre os países membros da Convenção-Quadro, que tanto buscaram o consenso e uma abordagem global em resposta à mudança do clima. Como descreveu o presidente francês François Hollande, o texto apresentado naquele sábado histórico, em uma Paris
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ainda fragilizada pelos atentados terroristas de novembro, é, em suas palavras, o primeiro “pacto universal da história das negociações sobre o clima”. Amparado em três grandes frentes, mitigação, adaptação e financiamento, o Acordo de Paris considera dois cenários importantes: o do desenvolvimento sustentável e o dos esforços para a erradicação da pobreza. Porém, na prática, o que significam essas ações de mitigação e adaptação? A primeira é resultado das medidas que cada país assume para reduzir a emissão de gases-estufa, conforme a meta estabelecida no documento da COP 21. Essas providências nacionais estão previstas em um instrumento chamado Contribuições Pretendidas, Determinadas em Nível Nacional (INDCs, na sigla em inglês). Os países tiveram até o dia 1 de outubro do ano passado para apresentar suas INDCs ao Secretário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. O Brasil, por meio desse instrumento, assumiu o compromisso de reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até o ano de 2025, tendo como parâmetro o ano de 2005 — compromisso que em 2030 deve subir para 43%. No documento brasileiro, no qual o país se autodenomina uma economia de baixo carbono, há a pretensão de adotar “medidas adicionais consistentes com a meta de temperatura de 2 °C”,
como o fim do desmatamento ilegal; restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares para múltiplos usos; recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas; integração de 5 milhões de hectares de lavoura-pecuária-florestas; garantia de 45% de fontes renováveis na composição total da matriz energética. Se a mitigação é alcançada por meio de esforços para a redução da emissão de gases, como o CO2, a adaptação é construída a partir de iniciativas que reduzam a vulnerabilidade ambiental e humana frente aos impactos atuais e futuros da mudança do clima. Em poucas palavras, trata-se do meio que garantirá a nossa sobrevivência aos efeitos adversos das alterações climáticas. O que faz da adaptação um grande desafio são os níveis díspares de desenvolvimento econômico e social entre os países ricos e os mais pobres, considerados mais vulneráveis aos impactos do clima. As estratégias brasileiras para às ameaças climáticas, registradas na sua INDC, consideram a dimensão social o cerne da questão, assim, visam “proteger as populações mais vulneráveis dos efeitos negativos da mudança do clima e fortalecer sua capacidade de resiliência”. Neste contexto, o acesso à informação e a percepção dos riscos são condições primárias para que a sociedade se torne
© UNCLIMATECHANGE
mais resiliente e, portanto, mais bem preparada para lidar com esse cenário. A terceira frente, a do financiamento, converge com as duas anteriores. No Acordo de Paris, os países desenvolvidos assumiram o compromisso de bancar US$ 100 bilhões por ano para a implementação de medidas e ações de mitigação e adaptação nas nações em desenvolvimento, entre 2020 e 2025.
O Dia da Terra
A Cerimônia de Assinatura do Acordo de Paris não teria data mais significativa para acontecer: o Dia Internacional da Terra, comemorado em 22 de abril. Após a adoção do texto final do pacto, em 12 de dezembro, ficou determinado o período de 22 de abril de 2016 a 21 de abril de 2017 para os líderes assinarem o Acordo, ou seja, assumirem publicamente a sua intenção de ratificálo — processo
que ocorre internamente, em conformidade com o sistema político de cada país. O Acordo de Paris só entrará em vigor 30 dias após a data de sua ratificação por, no mínimo, 55 países membros da Convenção-Quadro, representando juntos pelo menos 55% do total global das emissões de gases de efeito estufa. Na cerimônia, com transmissão ao vivo pela WebTV das Nações Unidas, ficou claro que o mundo viveu mais um momento histórico no enfrentamento das mudanças climáticas, quando 175 países assinaram o Acordo em um único dia. Em decorrência da instabilidade política atual, a fala da presidenta Dilma Rousseff teve repercussão intensa na imprensa nacional e estrangeira, com reflexos nas mídias sociais. Em seu discurso, ela reforçou o compromisso do país com as medidas de redução das emissões de gases e de adaptação aos impactos negativos
da alteração climática, corroborando os números impressos na INDC brasileira. As conquistas que começaram na capital francesa, com um acordo histórico e legalmente vinculante, com força de lei, avançaram mais um pouco em Nova York, especialmente com o anúncio de que países como Estados Unidos e China deverão ratificar o Acordo de Paris até o final do ano, uma vez que juntos já somam 38% das emissões globais. Para que o Acordo entre em vigor em 2020, ou antes, caso os países acelerem a sua ratificação, os cidadãos precisarão assumir o seu protagonismo, não apenas na cobrança dos compromissos assumidos pelos seus governantes, mas também na adoção de comportamentos, atitudes e valores mais condizentes com a realidade climática. Como registrou o secretáriogeral da ONU, Ban Ki-moon, estamos em uma “corrida contra o tempo”. Maio de 2016 | CÁSPER
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capa
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© CAROL QUINTANILHA
severinas A história da documentarista Eliza Capai é permeada por mulheres fortes em diferentes culturas
Texto por Naiara Albuquerque Design por Giulia Gamba
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© ELIZA CAPAI
A
primeira mulher tem a testa franzida. Intrigada, encara a câmera e tenta se desvencilhar do foco. Balança o rosto de um lado para o outro. Tem medo. É um objeto que dança no filme sem roteiro ou trilha. Os dedos ágeis de quem conduz a câmera caminham pela mulher. “Tá tudo invertido”, pensa. E está mesmo. A pulseira metálica de um relógio é colar. Um botão que descansa em sua orelha é um brinco. O corpo anota tudo que está errado. Outras entram no foco, também estão assustadas, mas continuam ali, estáticas. O corpo que segura a câmera e os outros corpos adornados de relógios e botões são mulheres. A pele de Eliza é flácida, branca. Seu peito pequeno se contrapõe aos seios fartos e negros de quem está do outro lado. Choque e estranhamento. Foi assim que Eliza Capai, jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) pela Universidade de São Paulo (USP), chegou ao Mali. A incompreensão foi instantânea. No país, a circuncisão feminina é algo comum para todas as meninas que começam o processo ainda crianças. Além disso, a poligamia é também uma prática comum. Longe da vida urbana, existia outra que se formava à frente dos olhos de Eliza, e que sangrava. O resultado dessas percepções nos sete meses que passou viajando pelo continente africano está presente em seu longa metragem Tão Longe é Aqui (2013), que teve sua primeira parte viabilizada por meio de financiamento coletivo e a vontade da própria Eliza em contar as histórias de mulheres que vivem em outras culturas e tempos. A paisagem seca e monocromática é batizada por pedras no caminho daquelas que buscam a água e o alimento no chão de terra batido, enquanto a jornalista busca compreender a complexidade do aqui e agora. O corpo ouve, não entende. Grita e, sem compreensão, mergulha. Eliza narra sua tristeza ao estar tão, tão longe de casa. A incompreensão diante de uma cultura 26
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diferente da sua é latente. Ela, prestes a fazer 30 anos, conta que engoliu pedaços de barro. Arrumou a mala e escapou, cruzou o mar e vomitou tudo de volta no deserto. O roteiro de seu filme é escrito em forma de uma carta futura para sua filha. Ou seria uma carta para a futura Eliza? O “você” do documentário Tão longe é aqui se confunde no desespero de imaginar que sua filha poderia ter nascido em um desses lugares. Mais do que um mecanismo narrativo, é a história de uma mulher que cruzou o Atlântico para contar ao mundo e a si mesma. “Não quero mais escrever essa carta para minha filha. Eu não tenho filha. Chega”. Quando encontra o povo que habita a região de Mali, os Dogon, Eliza pergunta para uma mulher que conheceu: “Qual a diferença entre eu e você?” O outro lado da câmera encara, sorri e responde: “A diferença? Você é branca e eu sou negra.” O corpo marcado pela pele lateja e Eliza entra em uma profunda confusão: O que sou? O que estou fazendo aqui? Em uma das noites posteriores à gravação do diálogo, já na Europa, a jornalista vai até um jantar de negócios, conta que se sentiu ocidental e extremamente colonizadora na situação. O silêncio do outro lado a intriga. “Mas você não é ocidental.” A resposta veio depois da pesquisa: só são considerados ocidentais os povos da América do Norte, as colônias americanas que deram certo e a Europa. Brasil e Argentina, por exemplo? América Latina. E quanto à África? Ocidente ou oriente? Apenas África. Mais do que documentar, Eliza se coloca na própria história. No Brasil, a produção de filmes com temáticas pessoais, e que quebram o limite entre ficção e realidade, já são comuns há mais de dez anos. São relatos que se confundem com o roteiro dos filmes e, por isso, quebram com o padrão impessoal, como obras do documentarista João Moreira Salles, Santiago (2007), Diário de uma busca (2011), da diretora Flávia Castro e, mais recentemente, Elena (2012), da cineasta Petra Costa são pertencentes ao mesmo gênero. Nesse
último, a voz e história de Petra, reconta a perda de sua irmã, que cometeu suicídio cinco dias antes de completar 21 anos. Esses exemplos e o da própria Eliza são mecanismos que externalizam a intimidade daqueles que os produzem.
De perto
A primeira vez que ouvi a voz de Eliza Capai, me lembro de ter pensado em calma. O som que saía de sua boca era suave e percebi o quanto a rigidez do concreto de São Paulo deixara minha voz aguda, estridente e acelerada. A escada de pedras conduziu a mim e a Cati, a fotógrafa que
Autorretrato de Eliza Capai em uma de suas viagens a Cabo Verde
fora comigo, até sua residência. Já estava começando a escurecer e escorreguei em um musgo grudado em nosso caminho. Poucos metros de terra depois, chegamos à sua casa. Uma banheira e um chuveiro estavam instalados do lado de fora, próximos a dois colchões que, algumas horas depois, descobriria que era onde a jornalista dormia. Eliza conta sobre o quadro de Iemanjá que mandou emoldurar. A maioria de seus quadros ficam assim, guardados em molduras de madeira, e como haveria de não ser? Apaixonada por enquadramento, frame e olhares que se perpassam. “A regra aqui é o seguinte:
Tudo mofa. Tudo mesmo, até os pratos e meus batons”, conta brincando. Do lado de dentro, a cozinha é um cômodo junto ao escritório. Uma grande mesa com livros, papéis, caixas de som e notebook. Uma xícara de chá descansa sobre a madeira escura. No pequeno corredor que conduz ao sanitário, há um tipo de santuário e nele um cartaz de seu curta, No devagar depressa dos tempos (2015), que está colado ao lado do interruptor, uma vela de sete dias apagada e uma grande concha de uma de suas viagens ao México. Conhecemos também seu quarto, provavelmente o
cômodo que Eliza frequenta menos. Ali é onde eu e a Cati passaríamos a noite ao som de pássaros e grilos. Logo começamos a fazer o jantar e, aos poucos, noto que Eliza vai se soltando comigo. Sua voz já não é mais tão baixa e suave. O jeito com que se move, me lembra A menina dança, música dos Novos Baianos. A pele manchada de sardas, os olhos que se apertam no rosto que se contrai quando ela ri. O som que sai de sua boca em alguns momentos é de um sotaque arrastado. Daqueles “oxente” e gírias de quem já viajou pelo Brasil e pelo mundo, “assim, mermão”, Maio de 2016 | CÁSPER
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e “tá me tirando”, também são algumas que, depois de dois dias de convivência, tornaram-se comuns. A opção de criar produtos audiovisuais foi uma aposta desde o fim de sua formação em jornalismo. Seu curta, No Devagar Depressa dos Tempos, deu origem também a uma grande reportagem, Severinas (2013). Sua produção acaba dependendo do canal interessado e da adaptação dos roteiros em muitos outros filmes. É assim que ela conseguiu outros projetos para os canais Futura e GNT, por exemplo. “Eu quero vivenciar e entender os lugares. Fugir do ritmo jornalístico”, conta. Suas viagens costumam durar meses, tudo isso para de fato vivenciar o local e estar presente de corpo inteiro. De acordo com sua mãe, Célia Ribeiro, de 64 anos, Eliza pode passar meses sem entrar em contato com a família, mas garante que isso é por uma boa causa. A importância de contar histórias relacionadas a questões de gênero é um tema que sempre impulsionou a jornalista. Ela se lembra do dia em que CATI MUNER
CÁSPER | Maio de 2016 28Eliza Capai e sua mãe, Célia Ribeiro
escutou do corredor a discussão dos pais, pouco antes deles se separarem, quando ela tinha três anos. Tempos depois, Eliza começaria a ocupar espaços conhecidos por serem predominantemente masculinos. “Durante a faculdade, comecei a prestar atenção em como a edição e a gravação eram feitas, já que as mulheres ocupavam apenas cargos de produção e reportagem. Tive de mostrar o dobro, sempre”, conta. Em suas viagens, Eliza fala do quanto explora sua fragilidade e medo. A ideia é que as pessoas não se sintam intimidadas por uma mulher que viaja sozinha. É claro, o componente do medo e de estar só é algo marcante: “Eu tenho medo de ser estuprada, por exemplo. Ainda é algo muito do feminino, infelizmente”. A mãe de Eliza lembra da infância da filha, que nasceu em 20 de outubro de 1979, na capital do Espírito Santo, Vitória. O espírito moleca de quem gostava de subir em árvores e praticar ginástica rítmica, ajudou a jornalista a achar sua identidade. Sua infância e parte de sua
adolescência em uma escola que tinha como base o construtivismo também a levou a achar seu jeito e cultivar a liberdade em suas escolhas. O gosto pelos bolos da mãe, o strogonoff e os piqueniques no parque com suas duas irmãs são algumas das lembranças que ela guarda com carinho. Durante a faculdade, a frustração com as fórmulas prontas textuais do jornalismo levaram-na a, desde cedo, se interessar pelo audiovisual independente, longe das grandes mídias. Aos poucos, o olhar atento às formas usadas por quem era mestre na área, levou Eliza a variar seus próprios formatos e métodos. “Acho que fazer perguntas bobas as vezes é a melhor coisa. Assim como estar presente nas entrevistas e se conectar com o outro corpo que fala”.
No devagar
A silhueta de duas mulheres com baldes apoiados em suas cabeças desaparecem no quadro da câmera. Mãe e filha andam lado a lado pela paisagem
“
[NASCER MULHER] É NASCER SENDO SEGUNDA. E TOMAR CONSCIÊNCIA DO SER MULHER É NÃO ACEITAR ESSE LUGAR
© ACERVO PESSOAL
Eliza Capai
Os momentos com a família já eram os preferidos durante a infância de Eliza Capai
de caatinga no sertão do Piauí. É Guaribas, cidade localizada há mais de dez horas da capital do Piauí, Teresina. Ali é o ponto de partida, ou melhor, de chegada de Eliza. Em 2003, a cidade, tinha o segundo pior IDH do Brasil, 0,214, era o número que preenchia a lacuna de mais um relatório anual da ONU. Para ter uma noção, o país com pior IDH do mundo é Burundi, na África, 0,355. Eliza teve um plano ambicioso para produzir seu próximo curta que fora negado por diversas produtoras. O motivo? Tratar de um assunto tabu. Guaribas foi a cidade escolhida para o início da campanha do Fome Zero e, posteriormente, Bolsa Família. 87% dos quatro mil habitantes da cidade são beneficiados pelo programa. “Quero estudar e não casar”, conta Mirele, de 18 anos, uma das mulheres entrevistadas no curta No Devagar Depressa dos Tempos. O tempo da escravidão e da submissão está no verbo presente para muitas das que vivem em Guaribas, mas muda, em um compasso
lento, assim como escreveu Guimarães Rosa: “As coisas mudam no devagar depressa dos tempos”. O processo de apuração do curta de Eliza começou meses antes de conseguir ir à campo. A motivação surgiu de um livro que leu, Vozes do Bolsa Família - autonomia, dinheiro e cidadania de Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani. Dentro de alguns meses, depois de ter conseguido uma das microbolsas da Agência Pública, decidiu focar não só nas mudanças da população de Guaribas, mas também na transformação do papel feminino naquela região. Horácio Alves da Rocha, conhecido como “Chefe” é um dos homens mais respeitados do município e pai de um menino e seis meninas, “a qualidade do homem é superior, a da mulher é inferior. O homem é o gigante da mulher”, conclui. Duas gerações posteriores, filha e neta do Chefe, mostram outra perspectiva. “Não vou casar, vou ser solteira”, afirma a pequena Serena de oito anos. Já sua mãe, Luzia, de 31
anos, quando é entrevistada sobre o que significa ser mulher, conta com os olhos marejados: “Ser mulher? Ser mulher é ser mulher”. “Chegue aqui que em meia hora, minha sobrinha apresenta você para a cidade inteira”, foi o que ouviu Eliza Capai de Dona Valda, proprietária de uma das duas pousadas de Guaribas, ao atender um dos orelhões públicos da região. A pensão completa custou 25 reais, com café da manhã, almoço e jantar inclusos. Nas duas semanas que ficou na cidade, a jornalista conheceu o cotidiano de seus habitantes. “Todas as meninas que eu entrevistei falaram que não queriam casar. Isso não é por um acaso”. O Bolsa Família, como conta Eliza a partir dos depoimentos que ouviu, ajudou muitas mulheres a se desvencilharem de seus maridos. A opressão econômica e logo, social dos homens passou a ser mais rara de acontecer. Os 212 reais que Luzia recebe por mês do Bolsa Família é motivo de orgulho e alívio de quem passou por situaMaio de 2016 | CÁSPER
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© ELIZA CAPAI
É proibido falar em Angola foi um dos últimos trabalhos de Eliza Capai junto com a Agência Pública
ções de miséria durante a vida. Além do IDH baixo de Guaribas, a cidade possui muitas famílias que se enquadram abaixo da linha de pobreza, ou seja, que recebem entre 77 e 154 reais por pessoa pelo programa. “Eu andava com o chinelo na mão para não acabar o rastro. Era viver olhar uma coisa dessas? Eu não quero que minha filha passe fome ou fique descalça. Eu fico, mas ela não”, conta a moradora para Eliza.
Medo de ter medo
“Meu pai foi preso político e eu entendi melhor essa condição depois que visitei Angola”, diz Eliza. A ideia inicial em ir para Angola era falar da presença brasi30
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leira nesse país, entender o crescimento da primeira construtora brasileira a chegar ali, a Odebrecht. Desde a data de seu nascimento, 1979, e da jornalista que entrou junto com ela nessa expedição, Natália Viana, da Agência Pública, o presidente de Angola era o mesmo. Entender tal regime e as acusações de prisões arbitrárias foi o que fez sua câmera mudar de foco. Parecia exagero acreditar que um governo agiria tanto pelo medo quanto diziam as entrevistadas que Eliza e Natália ouviram. A tomada de seu equipamento enquanto filmava uma das manifestações que pedia a libertação dos presos políticos também parecia, mas
não era. Aos poucos, a jornalista começou a entender a questão da paranoia, da perseguição e do questionamento de quem poderia ou não ajudá-las ali. A negação da realidade e um sistema democrático que funciona através de máscaras fez o estômago de Eliza revirar. “No início achava exagero, depois vi que era verdade. Você começa a se perguntar o que é ou não real”, relembra. Dois dias antes de Natália e Eliza irem embora, um policial se aproximou de onde haviam se hospedado e falou para o porteiro que as duas estavam ali com visto de turistas e, também, para fazer manifestações. Em outra ocasião, um desconhecido foi até o prédio onde as
jornalistas estavam e avisou que ambas corriam risco. Elas então começaram a se questionar se aquilo seria uma ameaça ou um lembrete “amigável”. Depois de dormirem na embaixada brasileira em Angola e de conseguirem de volta seus equipamentos, deixaram o país pelo portão da embaixada e da sala de embarque. Laurinda, estudante de Filosofia e ativista em Angola, que responde um processo em liberdade, lembra de quando a espancaram em uma das vezes que foi chamada à delegacia. O medo e a paranoia provaram-se reais. A reportagem feita por Eliza e Natália tem o nome de É Proibido Falar em Angola (2015) e tornou-se um registro
vivo e concreto que é usado por muitos como prova do que o regime atual foi e ainda é capaz de fazer. “Do que eu tenho medo? Eu tenho medo de ter medo. E eu percebo que eu venho me colocando cada vez mais nesse lugar”, conta. Nos dias em que fica mais assustada e receosa de dormir do lado de fora de sua casa, Eliza desafia seu sentimento. “Eu não quero ter medo de nenhum bicho e nem de ninguém, não quero ficar esperando que alguma coisa aconteça”. Contar sua história e a história de outras mulheres é cruzar a narrativa que Eliza produz. Longe do caos da cidade, a capixaba tem o mar no fundo
de sua casa e uma câmera que a autoriza a olhar e a narrar sob molduras. “Nascer sendo segunda”, é o que a jornalista me responde à pergunta “o que significa ser mulher?”. “Nascer já ocupando um lugar de desrespeito e violência, e tomar consciência do ser mulher é não aceitar esse lugar”. Deixo a casa de Eliza com a impressão de ter conhecido uma mulher forte que dialoga com nosso tempo. Eliza é, também, uma severina que pulsa, uma personagem importante da narrativa que vem produzindo sobre e para mulheres. É também uma das tantas severinas desse mundão, de Mali à Guaribas e de volta à Ubatuba. Maio de 2016 | CÁSPER
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© ALEX CARVALHO
música
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“A MUSICA ME ATRAIU,
O FUNK ME PEGOU” Da periferia às baladas, o funk e o empoderamento feminino
Texto por Ana Clara Muner Design por Guilherme Guerra
A
regra número um para a maioria das mulheres que vão ao fluxo, apelido dos bailes funks, é vestir minissaia ou shortinhos. Muitas gostam de descer até o chão, beber whisky e vodka e marcar a pista com o salto alto. Já para os homens a noite é feita para ostentar, gastar dinheiro e tentar achar
alguma parceira para passar a festa. No entanto, para uma parte, esse gênero vai muito além do batidão, tratase de um estilo de vida, uma maneira de se impor na sociedade. É nisso que os novos MCs acreditam, expondo nas letras musicais suas realidades e, assim, se sobressaindo no cenário musical atual. Entranto, o funk nem sempre foi popular. Conhecido por ser um símbolo de marginalização e de resistência, ele
surgiu nos anos 70 nas comunidades do Rio de Janeiro, quando bailes de soul, black e funk dos EUA começaram a ser realizados nas favelas cariocas. Depois de um aperfeiçoamento dos estilos originários dos Estados Unidos, os DJs foram descobrindo novos subgêneros como o miami bass e o freestyle, que originaram o funk brasileiro, marcando grande parte da identidade da música negra em vários lugares de nosso país.
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O funk brasileiro
Assim, de boca em boca, os bailes funk foram aparecendo e se tornando conhecidos pela população carioca. Foi uma das formas das periferias e dos bairros negros se afirmarem no cenário musical da época. Segundo a carioca MC Sabrina, era uma das maneiras de exporem suas realidades que a mídia tanto ignorava, “a música é um meio de comunicação, independe da classe social. Muita gente tinha medo de subir a favela para ver o que acontecia, o funk foi uma das maneiras de falar da nossa realidade e um meio da gente se comunicar”, por isso o batidão surgiu. Quanto mais a sociedade queria ignorar
MC Dz, do Canal das Perturbadas, em um de seus shows
a presença da comunidade, mais eles aumentavam o som e eram escutados. A MC conta que, assim como muitas crianças que nasceram nas favelas sem muitos recursos, começou cantando no coral da igreja evangélica e ouvindo o funk que vinha das casas vizinhas, “quando percebi já estava nesse meio, a música me atraiu e o funk me pegou”. Os proibidões, eventos que acontecem nas favelas cariocas de forma clandestina, recebem esse nome por possuírem letras que fazem apologia ao tráfico de drogas e ao sexo. Esse fluxo aumentou o preconceito social a respeito dos bailes que muitas vezes são proibidos pela prefeitura de acontecer. Hoje em dia, mesmo
com a maior aceitação da sociedade e em certas ocasiões com a apropriação cultural desse estilo musical pelas classes altas, que escutam e participam cada vez mais desse cenário, o proibidão continua acontecendo de forma ilegal. Antigamente, o baile era organizado pela própria comunidade. Porém, com a perda de dinheiro recorrente das invasões policiais que entravam quebrando os paredões de caixa de som, o custo ficou muito alto para quem estruturava a noite. Atualmente, a organização é feita organicamente, com as chegadas de carros que, com equipamentos de alta qualidade, ressoam o funk por toda a favela. Mesmo acontecendo de uma maneira in-
dependente de qualquer meio, os funkeiros são obrigados a conseguir permissão da prefeitura para que o evento aconteça. É por esse motivo que, na maioria das vezes, a polícia aparece, dispersa os carros de som e evacua o local. Não obstante, isso não faz com que as pessoas percam sua noite, que esperam o caos passar, para ocupar novamente as ruas. A Revista Cásper tentou cobrir o aniversário de 14 anos da Marcone, na Vila Maria, zona norte paulistana, um dos maiores bailes funks de São Paulo, mas por falta de aval da prefeitura que impediu a festa de acontecer, os policias fizeram com que o fluxo fosse adiado. Invadir a comunidade com balas de bor-
racha ou usar carros que bloqueavam a entrada de pessoas que não moravam na favela foram estratégias usadas. Embora alguns moradores utilizem os bailes para vender bebidas, comidas e outros utensílios para preencher as lacunas salariais de seus empregos fixos, outros ligam para a polícia, pois não aguentam os paredões de caixas de som que impedem qualquer um de ter uma boa noite de sono. Segundo Dunhya Medrano, frequentadora dos fluxos, principalmente o da Marcone, os organizadores têm o aval da prefeitura apenas uma vez por ano para fazer o baile acontecer, “mesmo assim ele acontece, por isso os policiais chegam
com balas de borracha e bomba de gás lacrimogêneo. Em algumas comunidades, como a de Heliopólis, eles chegam com bala de verdade e expulsam todo mundo”. Dunhya conta que dificilmente os meios de comunicação reportam o que acontece nas periferias paulistanas quando os bailes são invadidos pelos policiais. As mortes e a violência não são relatadas e ninguém fica sabendo como a noite é resolvida. Quando a mídia decide escrever sobre, cai no senso comum da favela violenta. A vontade das comunidades de fazer com que os fluxos continuem acontecendo é mais uma marca de resistência desse estilo musical, mas não é a única.
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TEM QUE CONVIVER PARA ENTENDER A ESSÊNCIA DO FUNK. HOJE TEM MUITA GENTE QUE QUER PEGAR CARONA PORQUE ELE COMEÇOU A DAR DINHEIRO
Tati Quebra Barraco, MC
© ASSESSORIA
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A cena é delas
Mulheres MCs estão dominando cada vez mais o mercado do funk, rompendo o ambiente predominantemente masculino e machista. Tati Quebra Barraco, uma das precursoras desse movimento, não teve em quem se espelhar e mesmo assim alcançou um lugar expressivo no meio, “na minha época não tinha mulher, só a MC Cacau, que foi a primeira a cantar esse gênero no Brasil. Mas no estilo do funk putaria, eu fui a precursora”. Tati conta que nasceu ouvindo os batidões na Cidade de Deus no Rio de Janeiro, onde nasceu. Começou a brincar com uma música em 1998 e deu certo, “quando foi 2000 comecei a viajar o Brasil todo, eu me inspirei em mim mesma, acho que primeiro temos que nos espelhar para depois ver quem já está cantando”. Atualmente, com o reconhecimento desse gênero musical e com a facilidade de divulgação de novos cantores, as MCs fazem cada vez mais sucesso, colocando em pauta suas letras feministas e mostrando que o funk não é apenas sobre a objetificação das mulheres. Para a MC Dz, essa nova geração ajuda outras funkeiras a entenderem seus papéis e a adquirirem sua independência, “eu acho interessante que mais meninas cantem esse tipo de música, isso apenas nos fortalece, porque a maioria dos funks que tocam nos bailes são muito machistas. Temos que entender nossos espaços. Se descemos até o chão é porque nós queremos e não porque os homens querem ver”. O empoderamento das mulheres é um tema recorrente. A internet aumenta a velocidade das informações e ajuda a dar voz aqueles que muitas vezes não teriam. Um exemplo disso é o Canal das Perturbadas que a MC Dz criou junto com a MC Mayara, onde ambas produzem vídeos, muitas vezes sobre temas de suas músicas, como o machismo, e mostram às fãs que as mulheres são independentes para realizar aquilo que querem. No começo era uma brincadeira, uma forma de registrar a viagem que as duas faziam juntas, algo 36
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sem pretensão. Hoje em dia, elas usam também como forma de gerar debates. Para MC Mayara, o funk deu visibilidade às novas cantoras, graças as primeiras MCs que conquistaram espaço depois de muitos anos de luta e que, como ela, usam dele como libertação. “É uma forma de poder e mudou a maneira de me colocar na sociedade. Hoje eu sei dos meus direitos e quero todos eles. O funk para mim significa liberdade, porque através dele consigo passar as minhas mensagens”. Embora algumas funkeiras se sintam mais livres dentro desse mundo, muitas continuam sendo objetos de seus companheiros. Dunhya conta que dentro dos fluxos das comunidades, os homens não tocam nas mulheres como em outras festas, “tem uma regra na favela, eles não sabem em quem estão tocando, se for esposa de algum bandido o negócio não vai acabar bem”. É em resposta aos machismos nas letras dos funks que as MCs se empoderam. É uma maneira de engajamento que faz com que elas comecem a mostrar que o errado não é elas rebolarem até o chão, mas é a fila de homens que se agrupam na frente do palco para tirar fotos. Não são as postagens de minissaias e shortinhos no Facebook que vulgarizam as funkeiras, mas os comentários machistas que batem de frente com as mulheres poderosas que conseguiram uma voz em um meio onde normalmente não tinham.
Nas baladas
Os fluxos nas periferias não têm preço, regra ou horário para acabar. As drogas, menos as que eles chamam “droga de playboys”, como LSD e ecstasy, podem estar, também, inclusas no pacote. Distante de entretenimentos noturnos, a comunidade criou o seu próprio meio de diversão. Entre vários paredões de caixas de som, usados normalmente para impressionar as funkeiras, é nas favelas que os MCs sabem que suas composições fazem sucesso. É da margem ao centro que os novos padrões e as novas modas aparecem e que são viralizados nos meios de comunicação. O “Passinho do Roma-
no” é um exemplo disso, e uma forma de fazer com que os homens também entrem na pista. Essa nova dança começou quando Geovani do Divino, mais conhecido como Magrão, inventou seu próprio passo. Após sofrer um acidente de moto que causou sua morte, a dança viralizou na internet graças a um grupo de amigos que fizeram vídeos para lhe homenagear. O funk ostentação que antes fazia sucesso caiu em desuso por não fazer parte da realidade daqueles que vão aos fluxos. Hoje em dia é o funk conhecido como
putaria, que toma conta da pista e acompanha o “Passinho”. Em outros lugares da cidade, a realidade do funk é outra, tem preço, regras e horário para acabar. É onde o funk putaria tem menos espaço, porque o funk light ou pop domina a pista de dança. Segundo Tati, tanto o público quanto quem canta esse gênero musical está diferente, “as pessoas querem se aproveitar dele, não que outras pessoas não possam cantar, mas tem que conviver, passar por aquilo para entender a essência do funk.
Hoje tem muita gente que quer pegar carona porque ele começou a dar dinheiro”. A cantora afirma que não conhece nenhum MC que cante funk putaria que tenha vindo de classe alta. “Hoje em dia tudo é funk, essa nova geração inventou o estilo pop e pegou, ele é cantado para ir ao ar nas televisões. Para mim, funk raiz mesmo é em cima da batida”. A fama rápida dos MCs fez com que as produtoras ficassem espertas com o tipo de contrato que iriam fechar. Segundo Dunhya, amiga de
um dos donos da produtora GR6, os cantores não têm permissão para fazer show dentro das comunidades, sendo restringidos a ficar apenas nas baladas que possuem uma boa remuneração. É uma forma de fazer com que eles permaneçam dentro do mercado exclusivo e muitas vezes entrem no meio pop. A forma como o funk é distribuído nos diferentes lugares das cidades não faz com que esqueçamos suas raízes. Suas letras estão presentes para mostrar a realidade daqueles que dele vivem. © ALEX CARVALHO
Grupo de funk Jaula das Gostozudas em um de seus shows no Rio de Janeiro
publicidade verde
POR
KOLDO
BELA Empresas unem causas sรณcio-ambientais a campanhas publicitรกrias
Texto por Bรกrbara Muniz e Gabriel Nunes Design por Giulia Gamba
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FORA
VIOLA concepção do filósofo esloveno Slavoj Žižek, explora uma nova fase: a do capitalismo cultural. Uma das principais características é a ideia de que o consumo consciente passou a ser um componente da lógica capitalista desde a segunda metade do século XX. Nesse panorama, atrelar causas sociais, ou se preocupar com o meio ambiente, torna à publicidade de uma marca uma questão de valor de mercado. O sucesso de uma instituição se deve não somente à qualidade do produto como matéria palpável, mas também à mensagem que é transmitida por meio dessa produção, aos valores éticos endossados pela empresa, de acordo com Žižek. Agências de publicidade procuram, muitas vezes, associar através do marke-
ting de causa, os nomes de seus clientes a questões de interesse público como o combate à fome ou a preservação da natureza. O greenwashing e o causewashing, no entanto, são estratégias recentes que desvirtuam o intuito genuíno dessa estratégia mercadológica. A etimologia dos termos encontrase numa justaposição das palavras da língua inglesa: green (verde), cause (causa) e brainwashing (lavagem-cerebral). Para Paula Barros, coordenadora do curso de Relações Públicas da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), essas novas expressões apontam para corporações que afirmam de maneira falaciosa realizar ações de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) para cativar um público engajado.
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CHI KING
U
m olhar, ainda que superficial, sobre o cenário das campanhas publicitárias de diversas empresas apresenta tendências recentes; as temáticas da contemporaneidade sugerem que a preocupação ambiental e social vigora mesmo entre as organizações mais tradicionais. Apesar dos resultados positivos de ações que alinham a venda e a divulgação de produtos ao bem estar da comunidade que os consome, nem sempre existe transparência no processo de execução e divulgação da chamada “publicidade verde”. A ideologia econômica vigente na maioria dos países ocidentais, na
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O CONSUMIDOR É LEVADO A ACREDITAR QUE, AO COMPRAR, ELE CONTRIBUI PARA UMA MELHORIA SOCIAL OU AMBIENTAL
Segundo Guilherme Mirage Umeda, professor de Marketing na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), essas iniciativas podem ser nocivas aos movimentos sociais por dois motivos: elas funcionam como fachadas mentirosas e há a possibilidade de ocorrer um desinteresse dos investimentos públicos e privados pela questão. A grande exposição de falsos defensores de uma causa pode dá a impressão de que ela já está sendo suficientemente ajudada. “Trata-se de uma propaganda enganosa. O consumidor é levado a acreditar que, ao comprar determinado produto ou serviço, ele contribui para uma melhoria social ou ambiental, quando na verdade apenas beneficia a organização que se maquiou de responsável para engrandecer o nome da empresa”.
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Guilherme Mirage Umeda, professorr
Ideário verde
Buscando facilitar o desmascaramento de organizações que praticam greenwashing e causewashing, a companhia de marketing canadense TerraChoice publicou, em 2007, um extenso relatório que fixava os “sete pecados” mais comuns das companhias que enganam seus clientes dessa forma. Dois deles são os mais recorrentes em relação ao greenwashing: os “malefícios esquecidos” e as “promessas vagas”. O primeiro, como explica Umeda, acontece quando a empresa foca em um benefício, esquecendo-se de todos os problemas que a produção ou o consumo daquele produto acarreta. Já as “promessas vagas” são afirmações errôneas estampadas em mercadorias à venda. Muitas delas supostamente “100%
naturais” na verdade não o são. “Não se sabe ao certo o que é de fato natural. Porque o que se entende como tal não é obrigatoriamente benéfico à saúde ou ao ambiente”, esclarece Umeda. Um exemplo de greenwashing na publicidade nacional é uma campanha de 2008 da Agência África para a mineradora Vale. A peça publicitária girava em torno da seguinte pergunta: “é possível explorar minério e ainda assim respeitar as culturas locais e contribuir para o desenvolvimento do mundo em que vivemos?”. A resposta surge categoricamente ao final da propaganda enquanto um violão dedilha suavemente uma melodia ao fundo: “sim, é possível”. Uma vez que foram encontrados rejeitos de minério de ferro pertencentes à Vale nos 62 milhões de litros de lama
JOÃO GABRIEL HIDALGO
ANTÔNIO CRUZ | AGÊNCIA BRASIL
organização, uma série de descumprimentos de leis trabalhistas acontecia nas chamadas “facções”, nome dado a esses lugares pela população local. Mesmo assim, a marca possui seu nome associado ao Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) ao comercializar peças de vestuário da campanha O Câncer de Mama no Alvo da Moda, bastante conhecida por seu estandarte de alvo azul e pela forte presença de atores globais em sua publicidade.
A verdadeira mudança?
A Vale foi uma das responsáveis pelo acidente em vários municípios de Minas Gerais, entre eles, Mariana
residual de mineração que devastou, principalmente, a cidade de Mariana e outros municípios de Minas Gerais até o Espírito Santo, fica evidente a maquiagem verde com que se camufla a empresa. Contatada para comentar o caso, a Agência África não se pronunciou até o fechamento desta edição. Em contrapartida, o marketing verde busca trazer ferramentas para as marcas experimentarem o campo da sustentabilidade. Joubert Britto, docente da Faculdade Cásper Líbero na graduação de Publicidade e Propaganda, relembra o caso bem sucedido da Ypê e o reflorestamento em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, organização não-governamental que defende os remanescentes da floresta brasileira. Desde 2007, o projeto promete o plan-
tio de milhares de mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, sendo esse, já atingiu o número de meio milhão de árvores. Ademais, a iniciativa faz parte do Programa Florestas do Futuro e se desdobra em ações sociais como a educação ambiental e a geração de novos empregos, de acordo com a empresa. Quanto ao causewashing, é possível associá-lo a uma das mais antigas etiquetas de roupas, a Hering. Uma reportagem feita em 2015 pela Repórter Brasil — referência no jornalismo quando se trata da situação do trabalho escravo no país — denunciava que a empresa, junto a outros nomes da moda nacional e internacional como Riachuelo, Marisa, Renner e Zara, estaria terceirizando oficinas de costura na região do Seridó, no Semi-Árido Potiguar. Segundo a
No entanto greenwashing e causewashing não devem ser entendidos como problemas exclusivos das Gerações Y e Z, indivíduos nascidos entre 1980 e meados dos anos 2000. A busca pelo consumo consciente e sustentável tem se tornado bastante popular nos últimos anos e não pode ser ignorada. Umeda afirma que a maior parte dos movimentos sociais e ambientais almeja por conquistas graduais que não impliquem em rupturas com as grandes estruturas econômicas e políticas vigentes. “Os mecanismos de transformação social, hoje, não operam pela revolução. Isso implica em trazer vários agentes sociais para o debate e criar uma mobilização que inclua o mercado”, expõe. As empresas têm um papel importante na empreitada por formas mais harmônicas e sustentáveis de produção e consumo. O professor Joubert Britto ainda endossa que dependendo do caso, pode acontecer do público-alvo das ações, que não necessariamente é o atingido pelas políticas sócio-ambientais, não ver o real impacto de tais campanhas — positivo ou negativo. Porém, como explica Umeda, para que isso possa efetivamente ocorrer é preciso que os valores de responsabilidade social por parte das organizações sejam firmes e as campanhas transparentes — de modo que, como proposto ao consumidor, a mudança das perspectivas do contexto contemporâneo esteja também na compra consciente e na aquisição de produtos realmente sustentáveis. Maio de 2016 | CÁSPER
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c o l e t i vo s
as vozes das
MARGENS Comunicadores criam sites para abordar as realidades das periferias de São Paulo Texto por Felipe Sakamoto Design por Beatriz Fialho
A
margem é o limite de um determinado espaço na área urbana onde as periferias se encontram. Sua paisagem, muitas vezes, é acinzentada, com paredes de concreto ou de tijolos avermelhados. As famílias que habitam as moradias em zonas de risco temem a força da chuva, que atrapalha as horas de sono. O tráfico de drogas, a pobreza, os roubos à mão armada e a morte por decorrência da violência policial são fatores marcantes. Esse é o único retrato que os grandes meios de comunicação expõem a respeito das comunidades. Essa imagem reforça o preconceito contra as classes de baixa renda e para com a população negra. Segundo o autor Darcy Ribeiro, no livro O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, em 1897, os “morros de favela” eram chamados de “bairros africanos” pela grande concentração de pessoas que já não eram mais
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escravizadas, sem terras e desempregadas. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Data Favela, que mapeia as realidades das favelas brasileiras, entre 2013 e 2015, 67% dos moradores das favelas do Brasil eram negros. As periferias têm uma cultura muito rica. Nos morros nasceu o candomblé, a umbanda, o funk, a capoeira, o samba, o azeite-de-dendê, entre outras invenções. A identidade das comunidades não se restringe apenas ao seu espaço, ela tem relevância na formação da identidade brasileira. Segundo o mesmo levantamento do Instituto Data Favela, em 2013, 81% dos habitantes gostavam de viver nas comunidades e 95% se consideravam felizes nelas. Comunicadores que vivem nas periferias, incomodados com o modo como a mídia retrata os acontecimentos da margem, criaram coletivos e plataformas online com o intuito de mostrar a pluralidade de acontecimentos nesses locais.
JÉSSICA SILVA I AGÊNCIA MURAL
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“As memórias que eu tenho desse lugar são boas, do convívio com pessoas batalhadoras, que apesar do que as foi negado, construíram a sua própria história”, diz um dos idealizadores do Periferia em Movimento, Thiago Borges, que relatou sobre a sua vida no Grajaú, distrito mais populoso da cidade de São Paulo com mais de 500 mil habitantes. Localizado em uma área próxima de preservações ambientais e mananciais, o lugar tem um histórico de ocupação irregular, desprovido de políticas públicas e de muita luta por parte dos moradores. Embora Thiago elogie seu bairro, essa relação de orgulho nem sempre existiu. O jornalista de 28 anos conta que na adolescência não tinha esse sentimento com sua periferia. A meritocracia ensinada na escola e também pela mídia o fez acreditar que precisava ser alguém na vida e “ser alguém na vida significava não ser daquele lugar”, lembra. Conforme foi amadurecendo, ele notou o quão importante é valorizar a própria origem. Em 2008, o jornalista estava no terceiro ano do curso na Universidade de Santo Amaro e, tendo ideias sobre o futuro Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), resolveu explorar o Grajaú. Aline Rodrigues e Sueli Carneiro, colegas de curso e moradoras do extremo sul de São Paulo, já tinham envolvimento com ONGs e com movimentos sociais na região, respectivamente. “Conversando, surgiu a ideia de criarmos uma coisa só, contar a história do Grajaú e entender o impacto dos movimentos sociais nele”, explica. A pesquisa para o TCC começou a partir da própria vivência dos integrantes com a iniciativa Evento pela Paz, que naquele ano completava dez anos de existência. O movimento que foi criado por jovens, que surgiu após o inconformismo dos moradores do Grajaú com a violência local. “Nessa época, houve um assassinato durante a celebração da missa e um grupo de jovens, em conjunto com o padre desta igreja, criou esse movimento para mostrar que nossa região é muito mais do que isso”. O Evento 44
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PERIFERIA EM MOVIMENTO
Na zona sul
pela Paz acontece uma vez a cada ano, promovendo festivais de música, teatro, dança e concursos de poesia. O trio cobriu a trajetória dessa iniciativa, buscou entender o Grajaú, aprofundou o significado das periferias e abordou como a mídia ainda as retratam. O resultado da apuração foi o documentário dividido em duas partes chamado Grajaú na construção da paz (2009), que utiliza como gancho esse evento para dar uma visão geral das realidades no distrito. “Tínhamos essa necessidade de contar para o mundo o que estávamos fazendo”, diz o jornalista. Assim, em julho de 2009, é lançado um blog para mostrar os bastidores do seu novo projeto Periferia em Movimento. A demanda por conteúdo aumentou, as pessoas começaram a mandar sugestões de pautas, pediam a divulgação de eventos e ações dos movimentos culturais. O objetivo desse novo meio de comunicação é lutar por uma mídia mais pluralizada e dar visibilidade às histórias das pessoas e artistas que estão na luta por direitos, destacando o extremo sul de São Paulo, onde estão localizados os distritos de Parelheiros, Cidade Dutra e Marsilac. A equipe fixa é composta pelos jornalistas Thiago Borges, Aline Rodrigues e Ana Paula Rodrigues, nova integrante no grupo. Há muitas ideias e projetos no papel, mas a falta de fundo financeiro é o maior obstáculo para uma mídia independente. “A todo o momento corremos atrás de recursos para conseguirmos pelo menos pagar as nossas contas, o tempo é necessário para dar maior visibilidade para essas histórias que precisam ser contadas”, explica. A equipe busca apoio no edital da prefeitura, chamado Programa VAI, para realizar as ações, entre outras colaborações. Atualmente, ele e Ana Paula se demitiram dos empregos tradicionais para se dedicarem ao coletivo. A população que vive nas redondezas é o público alvo do Periferia em Movimento. “Identificamos que os leitores que acessam o site e as nossas redes sociais de certa forma já estão engajados ou têm conhecimento sobre os aconte-
cimentos, sejam eles movimentos sociais ou os artistas”, diz o idealizador do projeto. Para compensar a falta de alcance, o coletivo realiza diversas oficinas e cursos de formação sobre comunicação e direitos humanos nas escolas públicas e nas periferias da zona sul. Para o futuro, planejam regularizar o Periferia em Movimento como uma associação, a fim de dar continuidade às ações e atrair novos membros, fincando as raízes no extremo sul para, posteriormente, cobrir as comunidades de toda São Paulo. “É a partir das bordas que acontecem as transformações”, completa Thiago.
De dentro para dentro
A raiz de tudo começou quando o jornalista da BBC de Londres, Bruno Garcez, ganhou uma bolsa da Interna-
O coletivo Periferia em Movimento cobriu o evento Grafitaço Feminista que ocorreu no Grajaú
cional Center for Journalists (ICFJ) para uma formação em jornalismo cidadão para repórteres de bairros periféricos. Foi assim que Garcez, junto com a jornalista Izabela Moi, criou a primeira plataforma de notícias das periferias de São Paulo, o blog Mural, hospedado dentro do site da Folha de S. Paulo. Retratando as iniciativas que partem de dentro desses espaços, como as exposições artísticas e shows, dando visibilidade para as personalidades locais, o blog Mural já contou mais de mil histórias nesses cinco anos de existência, com a colaboração de mais de cem muralistas, comunicadores e correspondentes que realizaram a cobertura de acontecimentos nos bairros que residem. “Por dois anos não recebíamos nada, depois disso os posts se tornaram remu-
nerados”, conta o jornalista Vagner de Alencar, um dos idealizadores. Nascido na Bahia, Vagner já viveu em diferentes favelas como a Jardim Edite, Paraisópolis e Campo Limpo. Atualmente, vive na Vila Madalena com o publicitário Anderson Meneses, membro da equipe fixa do Mural. Apesar das usuais críticas por terem deixado suas origens, Anderson rebate: “Se continuássemos nas periferias, não teríamos a força que temos na Agência Mural, porque é mais fácil reunir a galera e dar andamento para o projeto em bairros mais próximos ao centro”. Em novembro de 2015, os dirigentes do site resolveram institucionalizar o projeto. Assim nasceu a Agência Mural de jornalismo das periferias. Vagner explica que usa a palavra periferia no plural porque cada comunidade é diferente
culturalmente. “Cada periferia tem o seu DNA. Muitas vezes o senso comum atrela a favela ao funk e ao hip hop, mas em Paraisópolis, por exemplo, o forró é o gênero predominante”, comenta. “Será que os moradores das periferias acessam a Folha?”, indagou o jornalista quando questionou se o blog estava conseguindo atingir o seu público-alvo — os moradores das comunidades. A partir disso, iniciaram-se as atividades presenciais, como o Mural nas Escolas, que consiste na realização de palestras e oficinas com turmas do Ensino Médio das redes públicas de São Paulo sobre comunicação e a representatividade desses estudantes dentro desses meios. “Além de despertar o interesse do jovem pelo jornalismo, também eleva a autoestima, porque nós mostramos Maio de 2016 | CÁSPER
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SER MULHER, EM SI, JÁ É UMA EXISTÊNCIA QUE PERPASSA DIFERENTES DILEMAS. E SER DAS PERIFERIAS NOS CARACTERIZA A PARTIR DE CONDIÇÕES SOCIAIS, DE GÊNERO, RAÇA E CLASSE BEM ESPECÍFICAS Lívia Amaral, jornalista da equipe do Nós, Mulheres da Periferia
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© JULIO LISBOA
O coletivo Nós, mulheres da periferia é composto por oito jornalistas e uma designer, todas moradoras das periferias
que somos celebradores das periferias, um ponto fora da curva”, conta Vagner. Similarmente, há o Mural nas Universidades, onde a equipe do projeto fala sobre a mídia e problematiza alguns erros cometidos na cobertura jornalística sobre a região. A agência já foi convidada para a palestra Jornalismo e Periferia na Semana de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero em 2013. Não obstante, há o Expo Mural, exposição das reportagens dos muralistas em seus respectivos bairros para criar vínculos com os moradores e ampliar o canal de comunicação entre os leitores e os correspondentes. Vagner relata que quando vê uma matéria usando termos negativos fazendo referência às periferias, ele contata o veículo e explica que existe uma forma respeitosa de se abordar a temática. “A agência só nasceu porque as comuni-
dades não aparecem como um todo na mídia, então no futuro, a expectativa é ela não precisar existir”, completa Anderson. Enquanto esse momento não é alcançado, a equipe procura financiamento para conseguir se dedicar em tempo integral ao projeto.
Ser mulher na periferia
“Se a periferia tivesse sexo, certamente seria feminino”, consta na primeira linha do artigo Nós, mulheres da periferia, publicado no caderno Tendências/ Debates do jornal Folha de S.Paulo no dia 7 de março de 2012, véspera do Dia Internacional da Mulher. As jornalistas Bianca Pedrina, Jéssica Moreira, Mayara Penina, Semayat Oliveira e Patrícia Silva eram correspondentes do blog Mural e se atentaram para a falta de direitos e a invisibilidade social dessas mulheres. O
artigo teve grande repercussão na mídia e contemplou grande parte do público feminino. “Um grupo dentro do blog começou a pensar em algo que desse prosseguimento a este texto, foi assim surgiu a ideia de criar um site e um coletivo independente”, conta a jornalista Lívia Lima, membro do coletivo. O grupo é formado por oito jornalistas e uma designer, todas moradoras das comunidades. O manifesto, disponível no site, retrata a diversidade e a realidade das periferias: a tripla ou a quadrupla jornada das mulheres que trabalham, arrumam a casa, cuidam dos filhos e conseguem tempo livre para aproveitar a vida. “Ser mulher, em si, já é uma existência que perpassa diferentes dilemas. E ser das periferias nos caracteriza a partir de condições sociais, de gênero, raça e classe bem específicas, mas também é superação, alegrias e vitórias particulares”, conta Lívia. O Nós, mulheres da periferia tem como objetivo dar voz aquelas que moram nas comunidades, produzindo conteúdo e procurando fornecer protagonismo e empoderamento a elas. Outra proposta é construir um espaço que expande a questão de gênero, atingindo o campo social e étnico, que se relacionam com a realidade de quem vive à margem. O coletivo não se limita ao meio digital, realizando oficinas e palestras. Lívia explica que o projeto Desconstruindo Estereótipos é direcionado para as gerações novas e velhas, a oficina implica em discutir como essas mulheres são representadas na mídia e como elas gostariam de ser retratadas, a partir de desenhos feitos pelas mesmas. O resultado das oficinas foi a exposição QUEM SOMOS NÓS [POR NÓS], que trouxe autorretratos, vídeos, entrevistas e fotos das participantes com idades entre 12 a 92 anos. O objetivo da inauguração era mostrar que a história de cada participante é merecedora de uma instalação artística. “A partir desse projeto, alcançamos uma consciência de gênero maior, passamos a nos definir como feministas. Estamos orgulhosas do alcance do trabalho”, comenta Lívia Lima. Elas dividem vivências em comuns e são diferentes entre si. Mulheres das periferias.
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por aí Texto por Boris Kossoy Design por André Valente Texto e fotos
por Simonetta Persichetti Design por Giulia Gamba
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© BORIS KOSSOY
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ão sou fotógrafa, mas fotografo. Falo sobre o assunto já faz muito tempo, há 36 anos. Nunca pensei em tirar fotos, mas estudei e fiz vários cursos para entender sobre o que falavam aqueles que exercem essa função. Comecei estudando essa área em 1979, na escola Imagem e Ação, em São Paulo, onde a técnica era importante e a linguagem e expressão também. Ali foi minha grande escola. Fiquei sempre perto desses profissionais e foi um deles, o Sérgio Sade, na época editor de fotografia da Veja (1980), que me encaminhou para a área da crítica. Com ele, nos meus primeiros anos de profissão, aprendi a conhecer e a fazer as perguntas certas. Pouca técnica, muita linguagem, poucas explicações, muitas histórias de vida. E assim me vi no tempo escrevendo, falando e entrevistando. Então quis mais e parti para um mestrado em Comunicação e Artes e, posteriormente, para um doutorado em Psicologia Social. Em ambos, o tema era fotografia. Agora estou finalizando meu pós-doutorado em Jornalismo sobre o mesmo assunto na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) com a supervisão do prof. Boris Kossoy. Das redações onde trabalhei, sempre estive grudada na editoria de fotografia, um exemplo é o Departamento de Documentação da Editora Abril (Dedoc) onde trabalhei de 1991 a 2000. Em 1996, comecei a escrever para o Caderno 2 do Estado de S. Paulo. Dessas matérias saíram dois livros: Imagens da Fotografia Brasileira I, que ganhou o Prêmio Jabuti de Reportagem em 1998 e Imagem da Fotografia 2, lançado em 2000. Hoje, além do Estadão, escrevo para a Brasileiros e para a Arte!Brasileiros. Em 1998 a vida acadêmica me chamou. Fui convidada a trabalhar na primeira escola de fotografia da América Latina, o Senac- SP. Em 2009, entrei, ou melhor, voltei para a Faculdade Cásper Líbero, onde me formei, e aqui continuo ministrando na graduação e no mestrado. Quando fui convidada a publicar algumas fotos minhas aqui na Revista Cásper, cogitei em não aceitar, afinal não sou fotógrafa. Pensei em apresentar uma reportagem que fiz quando fui produtora do fotojornalista italiano Francesco Zizola, em uma cobertura sobre a cana de açúcar. No fim, preferi mostrar fotos que faço por aí, andando. Imagens que tiro quando estou relaxada, quando meu olho não me quer tão crítica. Fotos talvez até banais, mas que me trazem um sorriso toda a vez que as olho. Momentos meus. Que me fazem continuar a falar e a escrever sobre fotografia. Simonetta Persichetti é jornalista, crítica de fotografia e docente dos programas de graduação e mestrado da Faculdade Cásper Líbero.
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POUCA TÉCNICA, MUITA LINGUAGEM, POUCAS EXPLICAÇÕES, MUITAS HISTÓRIAS DE VIDA. E ASSIM ME VI NO TEMPO ESCREVENDO, FALANDO E ENTREVISTANDO.
Simonetta Persichetti, crítica de fotografia
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quanto custa o
cinema brasileiro? O mercado audiovisual é um dos que mais cresce no Brasil, mas será que o modelo atual de incentivo é o ideal?
Texto por Gabriel Nunes Design por Guilherme Guerra
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ilmes recentes, como Que Horas Ela Volta (2015), O Som ao Redor (2012) e O Menino e o Mundo (2014), ganhadores de diversos prêmios internacionais, contribuem para um cenário favorável ao cinema brasileiro. Após oito anos ausente da mostra competitiva do Festival de Cannes, a produção nacional volta a ter destaque e reconhecimento com a seleção oficial de Aquarius (2015), de Kleber Mendonça Filho. De acordo com o professor da Faculdade Cásper Líbero e doutor em meios e processos audiovisuais pela USP, Bruno Hingst, a produção cinematográfica nacional vive um dos momentos mais importantes de toda a sua história. Tais melhorias se devem, em grande parte, à execução de uma série de políticas de incentivo que foram estabelecidas nas duas últimas
décadas. Embora considere inovador o momento pelo qual a atividade passa, o professor da Faculdade Cásper Líbero e da Universidade Metodista, especializado em pós-produção, José Augusto De Blasiis, acredita que o atual modelo de investimento no setor possua certa fragilidade. Apesar do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) ser considerado por muitos o melhor modelo de incentivo à produção audiovisual dos últimos tempos, De Blasiis acredita que a controvérsia recente envolvendo as companhias de telecomunicações revela que o programa de fomento ainda não é o ideal. “Hoje em dia, a fotografia do cinema pode ser vista nas novelas, o que era inimaginável há dez anos. Mas essa questão com as teles prova que existem vulnerabilidades no modelo”. Recentemente, empresas de telecomunicações recorreram à justiça com um pedido de liminar — posteriormente derrubada pelo Supremo Tribunal Fe-
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© NIC MCPHEE
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AS PESSOAS QUEREM VER O BLOCKBUSTER AMERICANO. ELAS NÃO QUEREM UM FILME DE ARTE
deral (STF) — reivindicando o fim do pagamento da Condecine Teles, tributo cobrado pelo tráfego de conteúdo audiovisual pelos celulares. Essa taxação configura o maior contingente arrecadado pelo FSA — 86% do fundo vem dela, de acordo com dados divulgados pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (SindiTeleBrasil). O estopim do processo teria sido a elevação pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) em 28,5% desse imposto. “Essa reação foi puramente econômica. Passamos por uma retração que atingiu a todos, inclusive às companhias de telecomunicação”, explica Alfredo Manevy, presidente-chefe da empresa paulistana de audiovisual SPCine. “A presença de produções brasileiras em canais fechados aumentou consideravelmente, muitas delas se tornando campeães de audiência. Isso leva a mais assinaturas e anunciantes e, por consequência, caixa.”, contrapõe Manevy ao argumento das companhias de telecomunicações de que elas seriam prejudicadas pelo pagamento da Condecine.
Fundo Setorial
Para compreender melhor toda essa questão, é preciso entender os mecanismos pelos quais o Fundo Setorial do Audiovisual trabalha. Criado pela Ancine, ele fomenta desde 2006 a atividade no país. Sua sustentação se dá através da arrecadação de impostos como a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional
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José Augusto De Blasiis, professor
(Condecine). “Ela é paga por todos os elos da cadeia audiovisual. Desde as produtoras até as distribuidoras das obras cinematográficas devem contribuir”, explica Hingst. Para a roteirista, escritora e professora da Faculdade Cásper Líbero, Sabina Anzuategui, este é o melhor modelo que apareceu desde a extinção da Embrafilme, produtora e distribuidora estatal, em 1990. “É o mais adequado justamente porque todo o investimento vem da arrecadação da Condecine e não depende da verba do Ministério da Cultura”, explica. Um exemplo concreto das aplicações do FSA no audiovisual nacional pode ser observado no programa governamental Brasil de Todas as Telas. Para Manevy, a iniciativa significou um grande salto da qualidade do alcance territorial da agência, “com esse programa, a Ancine investe no setor de estados que não possuem um mercado consolidado”. Essa medida do órgão federal procura quebrar a concentração cultural e cinematográfica do eixo São Paulo e Rio de Janeiro. “Foi muito bom para o Brasil. Goiás, por exemplo, vai lançar este ano dez longas. Se somar todos os filmes produzidos em toda a história desse estado, não chega à metade disso”, complementa Manevy. De acordo com dados de relatório da Ancine, a aplicação do programa entre 2014 e 2015 teria financiado 306 longa-metragens, 433 séries e telefilmes, além de produzir cerca de 2.700 horas de conteúdo nacional independente. Para De Blasiis, no entanto, a
iniciativa governamental não significa progresso na área, já que o Brasil de Todas as Telas ainda estimula pouco a atividade audiovisual: “As pessoas querem ver o blockbuster americano, no máximo uma comédia brasileira televisiva. Elas não querem ver um filme de arte.” O professor diz que é necessário ampliar o circuito comercial cinematográfico, ou seja, aumentar o número de salas. “Só temos cinemas em 5% dos municípios. Não acho que o projeto não seja importante, mas não acredito que vá melhorar esse mercado no Brasil em nada”, afirma. Embora as produções vindas dos Estados Unidos ainda dominem as salas de cinema aqui no país, Manevy se mantém otimista em relação ao futuro da produção cinematográfica nacional: “O Brasil não pode enxergar a si mesmo como eterno exportador de soja e café. O mercado audiovisual é uma economia do conhecimento, limpa e que gera dinheiro no mundo inteiro.” Já as perspectivas de De Blasiis são mais pessimistas: “As coisas estão em um nível tão grosseiro de tragédia, que não dá pra saber. É claro que nossa produção melhorou muito, mas ela ainda precisa se aperfeiçoar. Ainda falta negociação e interesse político.” É evidente o avanço técnico e criativo pelo qual passamos, mas em tempos de instabilidade política e econômica, os investimentos em cultura acabam comprometidos. Até quando poderemos apreciar essa primavera pela qual o audiovisual passa atualmente em nosso país?
resenha
um pouco de ordem
no caos
Livro inclui textos de diversas autorias que retratam o panorama atual do jornalismo
Jornalismo e Contemporaneidade: um olhar crítico Organizadores: Cláudio Coelho, Dimas A. Künsch e José Eugenio de O. Menezes Editora Plêiade, 2015, 262 pgs.
Texto por Roberto Videli e Gabriela Colicigno Design por Guilherme Guerra
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livro Jornalismo e Contemporaneidade: um olhar crítico, organizado por Cláudio Coelho, Dimas A. Künsch e José Eugenio Menezes, faz parte da série Comunicação na Contemporaneidade e foi concebido por professores e pesquisadores da Pósgraduação da Faculdade Cásper Líbero, além de outras instituições. Com o intuito de questionar a situação atual do jornalismo, que se encontra em voltas com o crescente avanço tecnológico das mídias digitais, o livro conta com doze artigos, uma introdução elaborada pelos organizadores e prefácio de Carlos Costa, diretor da Faculdade Cásper Líbero, que discute o vínculo entre essa profissão e uma sociedade democrática. Partindo do pressuposto de que o jornalismo, foco principal da Faculdade Cásper Líbero desde sua fundação em 1947, vem passando por mudanças
paradigmáticas decorrentes dos avanços nos aparatos de comunicação, os textos da coletânea Jornalismo e Contemporaneidade criticam a supervalorização da tecnologia e ressaltam a importância da formação de profissionais preparados para interpretar e dar sentido ao caótico mundo em que vivemos. Entre os textos que integram o trabalho, destaca-se o capítulo A palavra que cura, a narrativa e o jornalismo interpretativo, escrito por Cilene Victor da Silva em parceria com Dimas Künsch, que valoriza um aspecto do jornalismo interpretativo na sociedade contemporânea. De forma semelhante, o capítulo Por um jornalismo que mereça o Nobel, de Carlos Sandano Santos, defende uma dimensão mais dialógica na área. O aspecto político do jornalismo praticado pelas grandes corporações é abordada por Cláudio Novaes Coelho em Jornalismo e política na contemporaneidade: teoria crítica e poder espetacular integrado. Já as relações entre comunicação e educação são temas
do texto Papel, paredes, telas e redes: comunicação jornalística e educação de Dulcilia Buitoni. Dinâmicas entre corpos, tecnologia e vínculos afetivos são estudadas por José Eugenio Menezes em seu texto Dinâmicas que atravessam o jornalismo na contemporaneidade. Paralelamente, o direito à informação é questionado no capítulo Critérios de noticiabilidade na “Voz do Brasil” de Renato Delmanto. Jornalismo na contemporaneidade encontra-se disponível gratuitamente no site da Faculdade Cásper Líbero, visando assim um compartilhamento de conhecimento desprovido de obstáculos. Seus autores buscam, nos trabalhos compilados neste livro, posicionar o jornalismo contemporâneo como uma forma de interpretar, de organizar e de tecer sentidos sobre o mundo. Roberto Videli e Gabriela Colicigno são mestrandos do programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero
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resenha
Viver a e na própria pele
A professora Bianca Santana lança livro sobre sua vivência enquanto mulher negra Texto por Helena Jacob Design por Guilherme Guerra
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uanto tempo de vida levamos para nos descobrirmos? Quais são os processos de aceitação social e de autoaceitação que nos guiam? Para a jornalista e professora universitária Bianca Santana, descobrir-se negra foi um processo que levou mais de vinte anos de vida. Mas não descobrimos a cor de nossa pele quando começamos a nos reconhecer como pessoas separadas de nossas mães, ali pelos dois anos de idade, tal qual afirmam psicólogos e pedagogos? Definitivamente não. Como Bianca mostra na obra de sua autoria Quando me descobri negra, lançada pela Editora SESI-SP, descobrir-se vai muito além do reconhecimento da nossa imagem no espelho. É entender o nosso papel social, emocional e cultural perante o mundo. Nele, ser negro é um entendimento de quem se é, do que se espera dessa pessoa e do que se quer ser. É também um entender de onde se veio e para onde se vai, questão preponderante na obra de Bianca. Estruturado em três partes, Do que vivi, Do que ouvi e Do que pari, o livro se desenrola por meio de pequenas histórias que mostram como a
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autora construiu o seu processo de autoconhecimento. Logo na abertura, a confissão: “tenho 30 anos, mas sou negra há apenas dez. Antes, era morena. Minha cor era praticamente travessura do sol”. Em poucas palavras coloca-se uma questão tão complexa para o brasileiro: que outro país tem tantas classificações para a cor da pele quanto o nosso, todas escondendo o racismo de se definir como negro? Morena, mulata, escurinha, pretinha... Ser negro é ser muito “pesado” para a moral dúbia e escapista de nossa população. Mas o peso da pele negra se mostra com toda força em situações de violência, conflito e preconceito. Nesses momentos se é negro sem ambiguidades, pois se é o culpado. Nascida em família pobre, Bianca é professora da Faculdade Cásper Líbero e doutoranda do programa de Pós-graduação em Ciências da Informação da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Essa ascensão teria naturalmente, como conta, “embranquecido” sua pele. Ela optou pelo caminho oposto, o de entender-se como negra e, muitas vezes, culpada, como nas narrativas de Quando me descobri negra. O reconhecimento do que é ser negro no Brasil vai além de uma única narrativa pessoal. Se o reconhecer-se
Quando me descobri negra Bianca Santana Editora SESI-SP, 2015, 96 pgs.
sempre nos é doloroso, muito mais ele é quando se carrega na cor da pele milênios de violência, preconceito e sofrimento. Bianca se reconhece no cabelo afro, tema tão especial para ela, nas roupas coloridas, nos turbantes, em um eu construído que resgata raízes perdidas de um Brasil tão africano e tão esquecido dessa sua condição primordial. Eu, branca portuguesa nascida em um país africano, brasileira desde os quatro meses de idade, refugiada de guerra, criada em uma das regiões mais violentas da periferia da Grande São Paulo, nunca precisei me reconhecer no tom da minha pele, porque todas as oportunidades me foram dadas nesse quesito. Mas nesse mosaico que sou, e onde ainda me estranho e, quase sempre, não me reconheço, ler obras como a de Bianca Santana trazem um frescor literário e pessoal, um convite a pensar sobre si e o mundo. E é justamente isso que pode ser sempre o melhor na literatura. Olhar-se pelo e para o mundo. Precisamos nos descobrir mais para sermos completos e melhores para este tempo que nos é dado na vida. Viver a e na própria pele. Helena Jacob é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, coordenadora e professora do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
© DIVULGAÇÃO
casperianas Anna Lucchese nas filmagens de seu documentário Identidade Cotidiana
O mundo que carregamos Por Anna Lucchese
O documentário Identidade Cotidiana (2015) nasceu de um conflito pessoal. Depois de morar por um período na Espanha, voltei para minha terra natal, São Paulo. Quando cheguei aqui, passei por um momento de estranhamento e uma forte sensação de não pertencimento. Havia me tornado uma estrangeira na minha própria cidade. Tinha me desacostumado com o trânsito, a enorme dificuldade em encontrar as pessoas sempre ocupadas, o medo da violência, as constantes reclamações e desânimo dos paulistanos, o enclausuramento dentro de centros comerciais e a falta da linha do horizonte coberta por prédios. Dessa inquietação, surgiu a história do documentário. Decidi procurar estrangeiros que tinham escolhido São Paulo como lar, para acompanhar um dia na vida deles e conversar sobre o tema da identidade.
Busquei pessoas de classe média, com idade entre trinta e quarenta anos e que tivessem passado por conflitos pessoais na busca por sua individualidade. Ou seja, homens e mulheres com realidades próximas a minha. Além disso, optei por me tornar também uma personagem nessa história. A decisão de estar lado a lado com as personagens, compartilhando conflitos e questionamentos, foi uma experiência nova e muito interessante. Quando fiz o filme, não procurei respostas para as minhas inquietações, mas experiências que revelassem os caminhos que uma pessoa percorre para encontrar seu local dentro de uma cidade que oferece tantas opções. Assim, como define Zygmunt Bauman: “A ‘identidade’ só nós é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que ainda
precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais.” A personagem principal e fio condutor do documentário acabou sendo a própria cidade de São Paulo, constantemente invadindo a vida dessas pessoas através do som, da energia pulsante, da curiosidade e do medo. Por ser meu primeiro filme de longa-metragem autoral, quis experimentar um novo caminho, uma linguagem mais poética e abordar questões abstratas que se perdem na urgência da vida cotidiana. O documentário ficou pronto em 2015 e foi exibido em maio de 2016 pelo festival de cinema China Women’s Film Festival. Anna Lucchese trabalha na TV Gazeta no programa A Máquina e é diretora do documentário Identidade Cotidiana.
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© BEATRIZ DE OLIVEIRA/CENTRO DE EVENTOS
Adriana Carranca, uma das convidadas da Aula Magna de Jornalismo, abordou a questão da cobertura de conflitos
Novos comunicadores, novas ideias Por Bárbara Muniz
O início do ano letivo na Faculdade Cásper Líbero é o momento de recepção das calouras e calouros. O primeiro contato dos aspirantes a comunicadores com a visão de profissionais atuantes na área acontece nas Aulas Magnas, ministradas com o apoio das coordenadorias de ensino de cada curso: Jornalismo, Rádio, TV e Internet, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda. Nomes expressivos no âmbito da comunicação, profissionais que desenharam o percurso das próprias carreiras pelo mercado de trabalho de uma forma interessante e inspiradora, marcaram presença no palco do Teatro Cásper Líbero. Nos eventos, comunicadores dividiram com a plateia ideias sobre o papel da comunicação no cenário contemporâneo junto com alunos e professores. Novas fronteiras de apuração Jornalistas de longa data, Adriana Carranca e João Paulo Charleaux, narraram as próprias trajetórias dentro do universo das reportagens e compartilharam novas ideias para o ambiente que se constroem os meios jornalísticos. Do crescimento do digital às novas possibilidades de produção de conteúdo, 62
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João Paulo Charleaux, atual editor de Política, Internacional e Economia do Nexo Jornal, endossou a necessidade de plataformas alternativas para publicar as reportagens. Adriana Carranca, colaboradora dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, abordou a questão da cobertura de conflitos, tolerância religiosa e direitos humanos, com olhar especial sobre a condição das mulheres. Sob os holofotes A direção foi o norte das temáticas das Aulas Magnas de 2016 para a graduação de Rádio, TV e Internet. Mauro Mendonça Filho e Pedro Morelli, ambos diretores de cinema, estiveram sob o foco das aulas, convidados para ministrá-las às alunas e alunos do curso. Ambos profissionais delinearam os caminhos do trabalho audiovisual principalmente pela ficção e propuseram essa dinâmica criativa com quem estava presente nos eventos. Áreas da comunicação A Aula Magna de Relações Públicas foi ministrada por Carlos Carvalho, presidente executivo da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (ABRA-
COM), que discorreu sobre as novas áreas exploradas pelos profissionais de RP, sob o tema Comunicação Corporativa, profissão do século XXI. O convidado mostrou explicitamente a possível — e cada vez mais recorrente — intersecção das diferentes áreas da comunicação. Em pauta A chefe de pesquisa do Twitter na América Latina, Marcela Doria, que conta com mais de dez anos de experiência no campo de pesquisa de mercado nacional e internacional no ramo de Marketing, foi a convidada para a Aula Magna de Publicidade e Propaganda. A profissional considerada, inclusive, uma referência internacional, possui um profundo conhecimento a respeito de ferramentas de métricas de pesquisa e novas metodologias, conversou com as alunas e alunos casperianos, principalmente, sobre pesquisa e consumo digital. Reunido no espaço de debates, o público trocou ideias e pontos de vista acerca da área, que encontra-se em ascensão. Bárbara Muniz é monitora do Núcleo Editorial de Revistas e aluna do curso de graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
Posições diante do terrorismo Por Cilene Victor e Roberto Chiachiri
Em 2014, o Institute for Economics and Peace (IEP), amparado nas estatísticas do Global Terrorism Database (GTD), do Consortium for the Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START), da Universidade de Maryland, revelou que cinco países, Afeganistão, Iraque, Nigéria, Paquistão e Síria, concentraram 57% dos ataques terroristas e 78% das mortes decorrentes dessas ações. Entre 2001 e 2014, o terrorismo aumentou de forma expressiva em todo o mundo, sendo que 0,3% dos ataques foram cometidos na Europa. Este cenário fomenta questionamentos sobre a sensação de insegurança, a visibilidade midiática de alguns atentados e a invisibilidade de outros, o perfil dos grupos terroristas, o radicalismo religioso e o discurso de ódio contra algumas religiões. No Brasil, o debate sobre este tema ganhou destaque com a realização, nos dias 8 e 9 de março, da Conferência Internacional — Religiões, Intelectuais e Mídia: posições diante do terrorismo. Organizado pelo Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT) e pela Facul-
dade Cásper Líbero, o evento reuniu, no mesmo espaço, os grupos que mais têm afetado, positiva ou negativamente, a opinião pública: acadêmicos, religiosos e jornalistas. O filósofo Mario Sergio Cortella ministrou a conferência de abertura e reforçou a importância do diálogo, da compreensão e da tolerância, sobretudo quando olhamos para a situação dos refugiados, vítimas em seus países de origem. Para o presidente do CCBT, Mustafa Goktepe, o terrorismo é um problema global, sem fronteiras e precisa ser debatido e combatido por todos. “Temos de discutir esse assunto com representantes de ideologias e religiões diferentes, pois somente assim chegaremos mais perto de possíveis soluções para pôr fim a essa violência”. O evento foi estruturado em três mesas. A primeira, dedicada ao papel e à responsabilidade da mídia, contou com a participação do jornalista Lourival Sant’Anna e da professora da Universidade Federal de São Paulo(Unifesp), Samira Adel Osman. A terceira convidada, Sevgi Akarçesme, jornalista do diário Today’s Zaman, não pôde
embarcar para o Brasil, pois, na véspera do acontecimento, a redação do seu jornal foi invadida pelo governo turco. Akarçesme enviou um vídeo com seu discurso, que foi lido durante o evento. A segunda mesa, sobre o papel dos intelectuais, teve a mediação do professor e vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero Roberto Chiachiri, também membro da comissão científica da Conferência, e a participação dos estudiosos Peter Demant, Jorge Lasmar, Eric Brown e Kerim Balci. O tema do terceiro debate, sobre religiões, mediado pelo professor Fernando Altemeyer Jr., reuniu o reverendo Dirk Ficca, Dom Julio Endi Akamine, o rabino Michel Schlesinger, Samir Boudinar e Suleyman Eris. A conferência, que contou com vários parceiros, pode ser considerada um marco no Brasil, preparando a opinião pública para lidar com o terrorismo e os seus desdobramentos. Cilene Victor é professora titular da Faculdade Cásper Líbero. Roberto Chiachiri é vice-diretor e docente titular da Faculdade Cásper Líbero © BEATRIZ DE OLIVEIRA/CENTRO DE EVENTOS
Mario Sergio Cortella falou sobre a importância de olharmos para a situação dos refugiados
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Semana de Mulher e Mídia Por Julia Guadagnucci
Coordenadora do Curso de Jornalismo e jornalista, Profa. Dra. Helena Jacob, e discutiu como criar estratégias para uma comunicação feminista. A mesa Mulheres nas Artes teve início com uma cena de teatro que compõe o espetáculo Há Mulheres da Cia. Naturalis que ironiza o discurso machista empresarial. O debate seguiu com Poliana Pitteri, diretora da companhia, Anna Lucchese, cineasta, e Wanda Martins, coordenadora do bloco Afro Ilú Oba de Min. Na quarta-feira à noite, a mesa Retrato da Mulher Negra no Brasil foi mediada pela aluna de Jornalismo Thaís Regina e contou com a presença de Regiane Soares, militante pesquisadora do Feminismo Negro, Juliana Serzedello, mestre em História, autora do livro Identidades Políticas e Raciais na Sabinada, e Débora dos Santos Carvalho, engenheira ambiental. Na quinta-feira, Vanessa Martiana Silva, jornalista do Opera Mundi, e as jornalistas Adriana Carranca e Laís Modelli, compuseram a mesa Comunicadoras em Risco, mediada pela Profa. da Faculdade Cásper Líbero e advogada Ester Rizzi.
A última mesa, Ciberativismo Feminista, mediada pela Profa. Dra. Michelle Prazeres, buscou debater o movimento feminista nas redes sociais e contou com Maynara Fanucci, criadora da campanha Empodere Duas Mulheres, Babi Souza, jornalista, criadora da campanha Vamos Juntas? e Helô D’Angelo, aluna de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, cartunista da Helozinha e criadora do portal Eu Tu Elas. Além das palestras, a SMM teve duas oficinas: a Maratona de Edição, atividade de inclusão e edição de termos na Wikipédia, visto que apenas 10% de editores da Wiki são mulheres, que teve a colaboração do Prof. João Alexandre Peschanski, cientista social e jornalista, e de Célio Costa Filho, usuário da Wikimedia no Brasil; e a Rodada Hacker que trabalhou os conceitos básicos de programação para incentivar as mulheres a se voltarem para o mundo da computação. Julia Guadagnucci é do Grupo de Ação da Frente Feminista Casperiana Lisandra e aluna da graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
© BEATRIZ DE OLIVEIRA/CENTRO DE EVENTOS
A criação da Frente Feminista Casperiana Lisandra surgiu depois da organização da primeira Semana de Mulher e Mídia (SMM), em 2012, que desde o início teve como objetivo discutir a comunicação por uma perspectiva feminista, dando voz e espaço às mulheres. Esse ano, entre os dias 15 e 17 de março, mês do Dia Internacional de Luta das Mulheres, o grupo de ação da Lisandra, composto por 12 alunas, organizou com o apoio da Coordenadoria de Cultura Geral e da Direção da Faculdade Cásper Líbero a IV edição da Semana de Mulher e Mídia. O evento aconteceu no Teatro Cásper Líbero com o intuito de discutir a comunicação em diversas áreas e por diferentes perspectivas, salientando a participação e a importância das mulheres como agentes transformadoras da cultura machista. A mesa de abertura discutiu comunicação feminista com a publicitária Viviane Duarte, com Andreza Delgado, estudante de letras e militante do movimento negro e com a Profa. Dra. Michelle Prazeres, jornalista e professora da Faculdade Cásper Líbero. A mesa foi mediada pela
O Grupo de Ação da Frente Feminista Casperiana Lisandra junto com as convidadas da mesa Retrato da Mulher Negra no Brasil
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Ninho Moraes, Mônica Ribeiro e Roberto Chiachiri no debate sobre o filme Thule Tuvalu
Cinema socioambiental Por Ana Clara Muner
A Faculdade Cásper Líbero abriu as portas mais uma vez, no dia 22 de março, para a Mostra Ecofalante. Desta vez, a 5º edição desse importante evento que aconteceu do dia 28 de abril a 8 de março, levantou debates e aproximou o público de temas socioambientais, como sustentabilidade e aquecimento global, além de fornecer uma excelente experiência audiovisual. A importância de levantar assuntos em relação ao meio ambiente é relembrar e conscientizar as pessoas da urgência e a seriedade com que temos que olhar o nosso mundo, tornando atitudes como reciclagem, uso de transportes coletivos e bicicleta parte de nosso cotidiano. O primeiro filme que abriu a Mostra dentro de nosso auditório foi Thule Tuvalu (2014) de Matthias Von Gunten, da Suíça, que expôs a preocupante situação de habitantes de dois lugares que estão sofrendo transformações por causa das mudanças climáticas. O primeiro em Thule na Groelândia e o segundo em Tuvalu uma ilha que se encontra no
Oceano Pacífico. O longa mostra as consequências no cotidiano de seus habitantes. Os participantes do debate após o filme foram o professor Ninho Moraes, o vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero Roberto Chiachiri e uma das organizadoras da Mostra Ecofalante Mônica Ribeiro. A discussão girou em torno de como podemos fazer a nossa parte para diminuir os impactos ambientais. Favelas: as cidades do amanhã (2014), de Jean-Nicolas Orhon, do Canadá, foi o segundo filme da Mostra Ecofalante, que mostrou favelas em diferentes países, como a França, o Canadá e a Índia, e o cotidiano de seus habitantes. Com uma abordagem social e com imagens de tirar o fôlego, ambos, o longa como o debate após a sessão, composto pelo Prof. Dr. Marco Vale e Prof. Dr. Vitor Grunvald, tentaram retratar a consequência das rápidas urbanizações, e mostrar as comunidades não como uma anomalia dentro da cidade, mas algo normal dentro de nosso meio.
O último filme realizado no dia foi A tragédia do lixo eletrônico (2014), de Cosima Dannoritzer, uma produção da França, Espanha e Reino Unido que expôs a quantidade absurda de resíduos sólidos, como computadores, celulares e televisões, de mais de cinquenta milhões de toneladas anuais jogados pela população mundial. O longa mostra grupos ilegais que ignoram a reciclagem destes resíduos e investiga os países em que eles são despejados. A mesa de debate constituída pelo Prof. Me. Maurício Donato, a Profa. Dra. Cilene Victor da Silva, coordenadora do CIP, o Prof. Dr. e vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero Roberto Chiachiri e o diretor de Jornalismo da TV Gazeta, Dácio Nitrini, apontou a importância de criarmos uma consciência sobre nosso papel como consumidores dentro de nosso panorama atual. Ana Clara Muner é editora da Revista Cásper e aluna do curso de graduação de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
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JULYA VENDITE
crônica
Audacias E
IMPERTINÊNCIAS Texto por Mei Hua Soares Design por Guilherme Guerra
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língua em uso e os usos da língua são motes de estudos linguísticos. Como professora de Língua Portuguesa, tenho esse traço pernicioso que acompanha grande parte dos chatos de plantão: observar ocorrências para depois analisar em aula. Não se trata de reafirmar preconceitos buscando pinçar supostos casos de desobediência à norma padrão, até porque considero algumas necessárias. “Audácia e impertinência!”, Jean Foucambert, autor e pedagogo francês, escreveu em tom prescritivo na dedicatória de um livro seu que adquiri. Gosto mesmo é de ser tomada de assalto por algum uso deslocado, inusitado, de nossa língua, quando há o “acriançamento” das palavras, termo cunhado por Manoel de Barros. Quando penso nisso, logo me vem à mente um de meus saudosos alunos da escola básica estadual, Gabriel. Inquieto, revolto, desassossegado, ele era percebido pela maior parte dos professores como um caso difícil de lidar. Audacioso e impertinente? Numa das aulas, resolvi fazer um sarauzinho com essa turma de 8º ano de ensino fundamental. Levei para a sala, exemplares de autores canônicos, periféricos, modernos, antigos, poetas e prosadores. Cada um deveria escolher o que melhor lhe conviesse para ler em voz alta numa rodada única. Uma das alunas, muito tímida, acabou escolhendo um poema do Ferreira Gullar, mas não queria se expor. Depois de muita insistência de minha parte, consegui obter um sim por parte dela. Durante a leitura do poema, o susto. Preocupada em convencê-la, não me dei conta de sua escolha: (...) Como desnudá-la/ quando está vestida/ se está mais despida/do que quando nua?/ como possuí-la/ quando está desnuda/ se ela é toda chuva?/ se ela é toda vulva? Erótico em demasia, belo ainda mais. Finda a trêmula, mas corajosa leitura, esperei pelo pior. Como seria a reação da sala frente ao po66
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ema lido? Numa rápida visada, nada de anormal. Caras de paisagem, conversinhas descuidadas. Ufa, não detectaram o teor. Rompendo o espaço vazio acima das cabeças, uma mão se ergue. Uma inofensiva mão. Deve ser água ou banheiro. Em seguida, sou acometida pelo terror da ânsia pelo saber: — Professora, o que é vulva? Gabriel não era um caso sem jeito como falavam os demais professores: era um aluno crudelíssimo! Fazer uma pergunta daquela? Depois da insegura leitura da colega? Diante de toda a turma? Revestida de falsa tranquilidade, olhei para ele e constatei que, para minha surpresa, não havia ardil em seu semblante. Aliás, seu olhar nem a mim se dirigia, continuava a perscrutar indícios no livro de Gullar que fornecessem pistas do que significava tal palavra. Estaria realmente interessado em saber algo? Tinha se afeiçoado ao texto pela delicada leitura feminina? A poesia opera milagres. Atendendo ao meu juramento de professora — buscar responder a todas as questões, ainda que árduas ou constrangedoras — em voz baixa respondi: — Vulva é parte do órgão sexual feminino. Silêncio. Toca o sinal, salva pelo gongo! Minha aluna sequer demonstrou constrangimento: saiu rápida e saltitante com as amigas em busca de um lanche na cantina. Já Gabriel, olhar arguto, sagazmente se apropriando do novo termo aprendido, joga a bolinha de papel no cesto de lixo e, ao acertar, grita a plenos pulmões: — Chupa que é de vulva!!! Ah, os audazes e impertinentes usos da língua. Ah, os audaciosos e impertinentes jovens que fazem cair até secretários. Desconfio que Foucambert tinha razão. Mei Hua Soares lecionou durante doze anos na rede pública e hoje é professora da Faculdade Cásper Líbero.
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