Revista Cásper #5

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´ casper

Nº 5 – Dezembro de 2011

Sensacionalismo Sangue e audiência

Adriano Gambarini

Fotógrafo do desconhecido

Assessoria de imprensa

Comunicação personalizada

A força do

Documentário



v

´ casper

A realidade do

cinema

Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintende Geral Sérgio Felipe dos Santos

Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade

Revista Cásper Núcleo Editorial de Publicações Coordenador de Ensino de Jornalismo Igor Fuser Editor-chefe Carlos Costa Editor Thiago Tanji Conselho Editorial Adalton Diniz, Carlos Costa, Elisa Marconi, Igor Fuser, Luiz Alberto de Farias, Rodney Nascimento e Welington Andrade Reportagem Gabriela Sá Pessoa, Gustavo Nárlir, Henrique Koller, Ítalo Fassin, Louise Solla, Renan Goulart e Tiago Mota Editor de Arte e Fotografia Renan Goulart Diagramação Renan Goulart e Mariana Alves Colaboraram nesta edição Amanda Nogueira, Fernanda Patrocinio, Gabriel Mitani, Petrus Lee e Tabita Mattioli Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper@casperlibero.edu.br Site: http://www.casperlibero.edu.br Capa Divulgação

C

aro leitor, você está começando a ler o quinto número da revista Cásper, publicação que discute o amplo universo no qual atuam jornalistas, publicitários, relações públicas e radialistas – profissionais que a Faculdade Cásper Líbero vem formando e preparando para o mercado há mais de seis décadas. Os temas relevantes da comunicação contemporânea são aqui discutidos não somente no âmbito do público especializado como também na esfera do leitor comum. Duas reportagens se destacam nesta edição: Escracha! e É Filme Mesmo? A primeira trata do sensacionalismo usado como arma recorrente da mídia – da TV em especial – para garantir a audiência (e os lucros), em prejuízo do interesse público. Personagens como o apresentador Wagner Montes (deputado estadual reeleito com 528.628 votos, um recorde na política fluminense) dão continuidade à prática da exploração de escândalos e de fatos chocantes – tão antiga quanto o próprio jornalismo. Diariamente, casos de violência, miséria e imoralidade alimentam o circo eletrônico. “Posso entender que o sensacionalismo é imoral, porque mostra tudo o que não presta, tudo o que está errado. E posso também fazer a leitura inversa: ele é altamente moralista. Na hora em que rompo com a moral, reafirmo o que é certo. Quando mostro o que é errado, implicitamente sugiro um padrão”, analisa o professor de Comunicação Comparada da Faculdade Cásper Líbero, Luís Mauro Sá Martino. O segundo destaque da edição – É Filme Mesmo? – aborda o recente crescimento da produção de documentários cinematográficos no mercado brasileiro. Em 1995, três títulos foram lançados em salas de cinema. De lá para cá, 183 trabalhos chegaram ao circuito comercial. Entretanto, diante do aumento desta produção, resta a pergunta: por que o grande público ainda não conhece o cinema-documentário feito por nomes como João Moreira Salles e Eduardo Coutinho? A reportagem Trabalho Personalizado mostra como funciona uma assessoria de imprensa corporativa. Rosângela Sanches e Fábio Finelli falam sobre o trabalho que realizam para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e para a Sociedade Esportiva Palmeiras, respectivamente. Duas boas entrevistas marcam esse número: uma com o veterano jornalista e escritor Fernando Morais, outra com um jovem talento: Alexandre Versignassi. O primeiro (um dos pais do livro-reportagem no Brasil) acabou de lançar Os Últimos Soldados da Guerra Fria, por meio do qual retoma um de seus temas prediletos: Cuba. Já Alexandre é o autor de Crash – uma Breve História da Economia, livro de divulgação científica cuja grande qualidade é traduzir o discurso de uma ciência praticamente hermética para o público leigo, sem que para isso seja necessário baratear informações. Com mais este número da revista Cásper, a Faculdade Cásper Líbero presta uma contribuição original para a área da comunicação social, suscitando o debate e promovendo a troca de informações. Boa leitura a todos!

Tereza Cristina Vitali Diretora

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Sumário

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28 6 Fernando Morais: Cuba outra vez Entrevista com o consagrado escritor Fernando Morais, entusiasta da cinqüentenária Revolução Cubana

12 Acesso digital

Projetos de digitalização permitem que os acervos de grandes instituições possam ser conferidos em um clique

16 Quem tem medo de paparazzi?

Paparazzi brasileiros contam sobre a profissão, que pouco tem a ver com o trabalho feito pelos colegas estrangeiros

22 Trabalho personalizado

Assessorias de imprensa internas cuidam da imagem de uma única instituição

28 Escracha!

Por que os programas sensacionalistas atraem tanta audiência?

36 Lentes selvagens

Conheça Adriano Gambarini, fotógrafo que roda o mundo atrás de uma grande imagem

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58 Capa: É filme mesmo? 42

Apesar do preconceito das plateias, o documentário ganha cada vez mais espaço na produção cinematográfica nacional

A arte de sujar os ouvidos 52 Sempre atentos às novidades do mercado musical, críticos apresentam o seu dia a dia

Um nerd na redação 58

Entrevista com Alexandre Versignassi, editor da Superinteressante e autor do livro Crash – Uma Breve História da Economia

Notícias casperianas 64

As principais atividades desenvolvidas pela Cásper durante o segundo semestre de 2011

Crônica 66

“Três minutos”, por Gabriel Mitani

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entrevista


Jornalismo y

Revolución Em Os Últimos Soldados da Guerra Fria, Fernando Morais volta a escrever sobre um de seus temas preferidos: Cuba e a Revolução por Tabita Mattioli e Thiago Tanji imagens Henrique Koller

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uando lançou no último mês de agosto o livro-reportagem Os Últimos Soldados da Guerra Fria (Companhia das Letras, 408 páginas), Fernando Morais só fez evidenciar duas características de sua carreira. A primeira, a de que o jornalista nascido na cidade mineira de Mariana em 1946 é um dos maiores escritores brasileiros de grandes reportagens. A segunda: desde que publicou A Ilha, no ano de 1976, nunca deixou de dar atenção a Cuba e sua cinquentenária Revolução. Após passar pelas maiores redações jornalísticas do país, ser autor de best sellers como Olga e Chatô, o Rei do Brasil e vencer três Prêmios Esso, Morais dispensa apresentações. No entanto, mesmo com tamanho respeito conquistado em sua trajetória jornalística, o escritor não mediu esforços para contar a história de agentes cubanos que foram presos nos Estados Unidos após se infiltrarem em organizações anticastristas de Miami. Ao longo de três anos, Morais teve acesso a documentos secretos de Cuba e do FBI, além de entrevistar os personagens envolvidos nessa anacrônica história de espionagem. Na entrevista, o jornalista conta sobre as duas obras de sua autoria que tratam de Cuba, além de compartilhar opiniões sobre a delicada realidade que o país vive. Entusiasta da Revolução liderada por Fidel Castro em 1959, Morais não esconde sua posição: “Não sou irrestritamente favorável a tudo o que o governo cubano faz, mas não vou dar arma para o inimigo. Não vou sair falando mal de Cuba para fazer o jogo dos falcões de Washington e muito menos da extrema direita de Miami”.

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“Eu vinha acompanhando as mudanças e vi Cuba ir para cima, para baixo, para cima, para baixo...”

De maneira geral, quais são as semelhanças e diferenças da Cuba de A Ilha para a de Os Últimos Soldados da Guerra Fria? Eu voltei várias vezes a Cuba nesse período. Devo ter ido ao país mais ou menos 30 vezes, isso antes de começar a escrever o livro novo. Nunca fui passear, estou me devendo até hoje uma viagem a Cuba com minha filha e minha neta. Ia para lá fazendo atividade política ou como membro do júri do prêmio literário Casa das Américas. Então, na verdade, não houve impacto quando retornei a Cuba para fazer este último livro, nada que me tirasse o fôlego ou que me assustasse. Eu vinha acompanhando as mudanças e vi o país ir para cima, para baixo, para cima, para baixo... E como surgiu a ideia de escrever sobre os agentes cubanos infiltrados? Em 1998, estava dentro de um táxi com a minha esposa atual, a Marina. Era um fim de tarde com um trânsito infernal e ouvi um locutor de uma rádio, no meio do noticiário internacional, dizendo que foram presos em Miami dez agentes de inteligência cubana que estavam infiltrados em organizações de extrema direita da Flórida. Uma notícia dada sem muito alarde. Mas comentei com a Marina que esse fato rendia alguma coisa, não sabia se era uma matéria, um freela ou um livro. Na primeira vez que voltei para

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Cuba depois daquelas prisões, fui bater na porta de meus amigos e pedi para que liberassem o material secreto. E eles disseram “Pode tirar o cavalo da chuva, isso é informação sensível”. No fundo, acredito que eles estavam protegendo a segurança de alguém que ainda estava nos Estados Unidos e não tinha conseguido escapulir. Em 2005, portanto, sete anos depois das prisões, estava no país para a Bienal do Livro de Havana e fui procurado por um dirigente cubano. Ele disse que o pedido do material havia sido liberado. Mas estava no meio da biografia sobre o Paulo Coelho, já tinha recebido o dinheiro e precisava entregar a mercadoria. E falei para eles “Não posso pegar esse material agora, mas quero que vocês guardem isso para mim”. Eles tinham de jurar que não poderiam entregar aquilo para ninguém. O problema é que era jura de comunista, que não acredita em Deus... Mas eles cumpriram e três anos depois, em 2008, comecei a trabalhar no projeto. Apesar de o tema ser bastante familiar, qual foi o maior desafio ao escrever Os Últimos Soldados da Guerra Fria? Na hora de pesquisar tive dificuldades. Primeiro em Cuba, porque embora eles tivessem autorização para liberar todo o material secreto, eu estava atrás de três coisas que eles relutavam em passar. Primeiro, o dossiê que o presidente Fidel


Castro tinha feito para o presidente Clinton, com papeis, discos e DVDs contendo informações sobre as organizações cubano-americanas de extrema direita que estavam circulando na Flórida. A segunda era o informe do Gabriel García Márquez, o pombo-correio que mediava a conversa entre Castro e Clinton. E em terceiro lugar, queria entrevistar um dos mercenários que estivessem presos em Cuba por colocar bombas no país. Nos Estados Unidos também encontrei dificuldades porque os agentes do FBI têm um contrato que não os autoriza tornar público temas que tenham investigado. Além disso, quando pedia entrevistas para a gente da extrema direita, eles digitavam o meu nome no Google e falavam “Ah-há! Esse é um comuna!”. Mas jornalistas americanos e correspondentes estrangeiros me ajudaram a quebrar o gelo. O pessoal do FBI também se dispôs a dar alguns offs. Ou seja, eles me diziam “Tal informação que você quer, entra no arquivo tal da Justiça e pega aquela pasta que você vai achar”. Ao todo foram três anos de trabalho e esse livro tem uma particularidade porque ele é um dos poucos em que fiz tudo sozinho. Em geral, recorro a jovens jornalistas, os pauto para fazer algumas entrevistas. Mas fiz tudo sozinho, um pouco por egoísmo, porque não quis ceder a ninguém o prazer de fazer as entrevistas.

Já estive com ele quando fiz A Ilha. O governo cubano tinha dito que o Fidel não falaria comigo e assim acabei entrevistando o vice-presidente, Carlos Rafael Rodríguez. Enquanto o entrevistava noite adentro, ouvi passos, passos de bota. E daí chega o Comandante, dizendo que queria me conhecer, já que eu era o primeiro brasileiro a visitar o país desde o golpe de 1964 e começou a me entrevistar, perguntando o que tinha achado de Cuba, disso, daquilo outro. E, na saída, ele assumiu um compromisso comigo, dizendo que não concederia uma entrevista naquela viagem porque as relações entre Brasil e Cuba eram muito ásperas, mas quando esse cenário melhorasse, a primeira entrevista que ele daria a um veículo brasileiro seria para mim. Dois anos depois, em 1977, estava na Veja e recebi um telex informando que eu havia sido convidado para ir a Cuba. Era no finzinho de abril, conversei com o Guzzo, o diretor da revista, e ele disse “Se manda, vá para lá agora”. Chegando, descobri que não

“Nenhum dos agentes cubanos nunca botou as mãos ou os olhos em um documento americano”

Os agentes infiltrados cubanos infringiram leis americanas. Em Cuba também há espiões americanos presos. Por que essa é uma história especial de ser contada? Porque nenhum dos agentes cubanos nunca botou as mãos ou botou os olhos em um papel norte-americano. Se eles tivessem sido acusados por espionagem, todos estariam condenados à prisão perpétua. Mas só um foi condenado a essa pena e não era por espionagem: supostamente, e essa é uma acusação falsa, ele avisou que os aviões cubano-americanos iriam viajar no dia 24 de fevereiro, data em que Cuba derrubou duas aeronaves Cessnas. Mas pegue os jornais da Flórida na época: o próprio José Basulto [um dos líderes das organizações anticastristas] anunciou que iria viajar no dia 24 de fevereiro. A Casa Branca sabia do risco e avisou que os aviões poderiam ser derrubados. E quem afirmou que esse julgamento foi injusto não sou eu, mas o ex-presidente americano Jimmy Carter, que esteve em Cuba e disse que houve um erro judiciário na condenação dos cinco agentes. Você entrevistou Fidel em 1977. Qual é a lembrança de ficar frente a frente com essa personalidade histórica? Dezembro de 2011 | Cásper

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“A imprensa brasileira é muito conservadora e tudo aquilo que denuncie a brutalidade dos Estados Unidos contra Cuba vai para a lata do lixo”

Fidel Castro presenteou Morais com uma caixa de charutos após entrevista realizada em 1977. No detalhe, a dedicatória escrita pelo Comandante

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estava em Cuba para entrevistar o Fidel, mas para assistir ao desfile do 1º de maio. Já no desfile fui conversar com ele no palanque, disse que se voltasse ao Brasil de mãos abanando estaria desempregado. Fidel chamou o secretário dele e pediu para que nos acertássemos. Fiquei dois meses em Cuba esperando a entrevista e acabei conseguindo. Fui para o Palácio da Revolução nove, dez horas da noite e saí de lá com o dia claro. Depois, fiz outra entrevista pela Playboy brasileira que a norte-americana reproduziu. Mas estive com ele várias vezes informalmente, é uma pessoa interessante, bem-humorada. O Fidel tinha conhecido minha primeira mulher, me divorciei e tempos depois voltei a Cuba com a segunda esposa que é muito alta, magrinha e alta. Apresentei-a para ele e conversamos um pouco. Nos despedimos e logo depois o Darcy Ribeiro foi falar com o Comandante. Tempos depois, o Darcy me disse que Fidel chegou para ele e disse: “Darcy, Fernando se casó com una mujer más grande que el milagro brasileño”. Os Últimos Soldados da Guerra Fria conta uma história anacrônica... Claro, é a Guerra Fria, que acabou em 1991 quando o Gorbachev assina o fim da União Soviética. Mas você tem um microcosmo de “guerra fria tropical” no Caribe que era um negócio absolutamente anacrônico, obsoleto, mas que permanecia até a prisão dos agentes cubanos.

De lá para cá as agressividades caíram bastante por várias razões, entre elas, tudo aquilo que foi denunciado pelos próprios agentes cubanos, mas também pelos órgãos de imprensa norte-americanos, como o The New York Times. Em segundo lugar porque está havendo um problema geracional. Os líderes das organizações são velhinhos, a juventude não quer mais saber de bomba. Eles querem saber de salsa. Há pouco tempo, o cantor Pablo Milanés fez um recital em Miami, que foi aplaudido por 15 mil pessoas. Do lado de fora tinha 5, 10 velhinhos com cartazes dizendo “Comunista!”. Claro, do ponto de vista do pessoal de Miami você entende em parte o ódio a Fidel. Afinal, eles eram donos de usinas, donos de bancos que do dia para a noite perderam tudo, sem direito a uma indenização. Mas eu acho que a perspectiva pode ser otimista e que já não tem sentido esse cenário de hostilidade. Os Estados Unidos têm relações com o Vietnã, com a Líbia da época do Kaddafi... E a cobertura da imprensa em relação a Cuba também não segue esse anacronismo? Claro. Quando fui escrever a história dos agentes cubanos, pesquisei os jornais da época. Tantos atentados a bomba contra Cuba e só lia notícias de rodapé. Porque, no fundo, a imprensa brasileira é muito conservadora e tudo aquilo que possa cheirar a algo que denuncie a brutalidade dos Estados Unidos contra Cuba vai para a lata do lixo. E isso é compreensível, porque a gente não pode ter ilusão: a imprensa está a serviço da ideologia e dos interesses de quem paga as contas no final do mês. Isso em qualquer lugar do planeta: Havana; Washington; Pequim; Mariana, a cidade onde nasci... Há esperança? Sim, a internet. Ela é uma revolução. A imprensa escrita vai continuar sendo assim, representando esses interesses, mas a internet permite que, desde que você tenha um notebook e uma lista telefônica, você é o seu próprio Roberto Marinho, você é o seu próprio Chateaubriand. Se você tiver o que dizer, vai ter audiência. Se tiver audiência, terá anunciantes. Eu achava que a liberdade de expressão dos meios de comunicação seria conquistada nas trincheiras, nas barricadas, nas tribunas. Mas a tecnologia andou mais rápido que a ideologia, um negócio chamado internet, de uma hora para outra, derrubou este conceito de que a luta


política iria obter a liberdade de expressão. Eu era um leitor dependente químico de jornais: o dia podia estar feio, podia estar com problemas, mas a excitação de ler quatro jornais diários, Estadão, Folha, O Globo e Jornal do Brasil era um prazer. Acabou isso. Salvo uma ou outra coisa, você já leu tudo na véspera na internet e com imagens em movimento. Isso me lembra de um trecho de uma música profética do Gilberto Gil que dizia “O jornal de manhã chega cedo, mas não traz o que eu quero saber. As notícias que leio, conheço. Já sabia antes mesmo de ler”. É isso, está havendo uma revolução nas nossas barbas. Você já teve contato com a prensa digital, como é chamada a imprensa alternativa cubana? Tenho contato com todo mundo que quero em Cuba. Em uma das vezes, levei dinheiro para um jornalista dissidente. Fui para Havana, entreguei o dinheiro, não sei se a polícia me seguiu ou não. Entrei na casa dele, tomei um café, fumamos um charutinho e voltei para o meu hotel. Ninguém nunca me aborreceu. A honestidade é um instrumento muito forte nas relações. Não me aproximo dessa Yoani Sánchez [blogueira do Generación Y, que critica o governo cubano] porque não gosto dela. Sou de outra tribo... O provedor de internet dela pertence a um grupo alemão que reconhecidamente é um recrutador de atletas cubanos, eles dão dinheiro para que os atletas abandonem sua delegação.

Se tivesse a oportunidade de entrevistar Fidel mais uma vez, o que perguntaria a ele hoje? O futuro. Como é que ele acha que Cuba irá lidar com este mundo que mudou, com a internet, com a globalização. Na próxima vez que for a Cuba quero ter uma oportunidade de vê-lo. Perguntar “E o futuro? E as chamadas liberdades democráticas? A liberdade de expressão, a internet?”. Quem sabe depois desse livro não faço uma entrevista com ele, propor mais uma longa entrevista com o Fidel? Eu gosto muito de Cuba, é um país muito parecido com o Brasil, com o povo passando dificuldades enormes, mas mesmo assim sendo hospitaleiro. É um belo país, com gente com vergonha na cara. Quero ver se volto o mais breve possível para descansar. Mas eu também brigo muito com os cubanos, divirjo. Uma coisa que poucas pessoas sabem é que, em 1992, Cuba fuzilou três pessoas que mataram dois soldados para roubar um barco e fugir para Miami. Eu sou contra a pena de morte. E fomos a Cuba, Frei Betto, Antônio Calado e eu com uma carta do Dom Paulo Evaristo Arns para o Fidel pedindo que acabassem os fuzilamentos. Não sei se essa carta ajudou ou não, mas de lá para cá não se fuzilou mais ninguém. Não sou irrestritamente favorável a tudo o que eles fazem, mas não vou dar arma para o inimigo. Não vou sair falando mal de Cuba para fazer o jogo dos falcões de Washington e muito menos da extrema direita de Miami.

“Não me aproximo dessa Yoani Sanchez porque não gosto dela. Sou de outra tribo...”

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DIGITALIZAÇÃO GUSTAVO NÁRLIR

Acesso

digital Projeto de digitalização irá permitir que todo o conteúdo dos discos e jornais do acervo da Fundação Cásper Líbero possa ser conferido na internet por Gustavo Nárlir

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HENRIQUE KOLLER

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ais de 2 mil encadernações, 500 mil fotos em papel ampliadas, cerca de 78 mil discos LP e 3 milhões de fotogramas. Esses são alguns números do acervo da Fundação Cásper Líbero, que poderá ser conferido pelo público nos próximos anos. Até o final de 2011, o projeto de digitalização começará a ser executado por uma equipe técnica durante quatro fases, que serão divididas de acordo com o material, como os discos da Rádio Gazeta e os jornais impressos A Gazeta e A Gazeta Esportiva. A captação de recursos está sendo feita por meio das leis de incentivo fiscal do Ministério da Cultura, como a Lei Rouanet, que permitiram a execução de diversos trabalhos de digitalização. Para ser aprovado, o projeto precisou bastante detalhado, especificando todas as partes

envolvidas e os custos referentes a cada etapa do processo de digitalização. De acordo com Luiz Casimiro, coordenador de imagem da agência Gazeta Press e um dos responsáveis pela iniciativa, haverá uma empresa responsável pelo trabalho de manusear os originais e passar para a plataforma digital, outra para fazer o restauro e a higienização do material e mais um órgão que fará o trabalho de assessoria e prestação de contas do que está sendo feito. Além da importância cultural, existe um patrimônio histórico dentro das páginas dos jornais e das faixas dos discos. O acervo tem exemplares desde a década de 1920, com informações diárias sobre episódios políticos nacionais e internacionais, como a cobertura de A Gazeta da Segunda Guerra Mundial. Com o objetivo de

auxiliar a busca por palavras ou verbetes específicos, a leitura digital será feita em OCR (Optical Character Recognition), que permite o reconhecimento dos caracteres presentes dentro da imagem em formato de texto. A ferramenta, que vem sendo utilizada cada vez mais nos últimos anos, apresenta uma média de 98% de acertos em suas buscas. E é justamente por causa dessas facilidades tecnológicas que o trabalho de digitalização pôde ser iniciado. “Se nós fôssemos digitalizar três anos atrás os 20 mil discos de 78 rotações, iríamos demorar de dois a três anos neste trabalho. Hoje, com a evolução tecnológica podemos realizar isso em nove meses”, argumenta Márcio de Paula, coordenador da discoteca da Rádio Gazeta. Vale lembrar que a Fundação Cásper Líbero também é

Carlos Graieb, editor do site da Veja, apresenta o acervo digital da revista

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A digitalização dos acervos ajuda a resgatar parte da história da imprensa brasileira

Primeiro compacto de Inezita Barroso, lançado em 1954

gustavo nárlir

detentora da maior discoteca do Brasil, que contempla raridades como gravações da década de 1920 que foram transpostas para discos de acetato e os primeiros registros dos mais importantes intérpretes da música brasileira. Ao conferir o acervo, pode ser encontrado o primeiro compacto de Inezita Barroso, intitulado Estatutos da Gafieira, ou ainda todos os discos de cantores populares como Roberto Carlos, Cauby Peixoto e Nelson Gonçalves. A digitalização do acervo fonográfico será diferente dos jornais e permitirá que os pesquisadores possam conferir informações e faixas de áudio completas na internet. “Serão criadas estações nos departamentos para trabalhar com a mídia física em um processo de limpeza e reprodução do conteúdo”, diz Márcio de Pau-

la. Ele ressalta que a memória fonográfica no Brasil está perdida e, por isso, a digitalização é importante para que haja uma preservação dos discos. Todo o conteúdo digitalizado será incorporado a uma página exclusiva, administrada em parceria com o setor de TI (Tecnologia da Informação) da Fundação. Os dados prévios sobre o Acervo Cásper Líbero já podem, inclusive, ser acessados por meio do link www.acervogazeta.com.br, que atualmente está vinculado à capa do portal da Fundação Cásper Líbero.

Do papel ao computador A digitalização dos jornais A Gazeta e A Gazeta Esportiva não é o único caso no Brasil. Os principais periódicos que circulam no país já disponibilizam seus títulos por meio da internet. Em comemoração aos seus 90 anos, a Folha de S.Paulo digitalizou todos os exemplares desde 1921 no chamado Acervo Folha. O sistema de busca permite a consulta por meio da escolha do ano, mês, dia, henrique koller

“A parte mais complicada é ler o conteúdo da revista e transformá-lo em algo que possa ser catalogado digitalmente”, explica Graieb

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gustavo nárlir

Exemplar do jornal A Gazeta de agosto de 1918

gustavo nárlir

caderno e página. A digitalização, porém, encontrou algumas dificuldades: parte do acervo já tinha sido preservada através do método de microfilmagem. No entanto, de acordo com Carlos Henrique Kauffman, responsável pelo gerenciamento do banco de dados do jornal durante o processo, “A microfilmagem teve algum erro que gerou problemas de foco e de distorção das imagens”. Kauffman explicou que a microfilmagem dos jornais das décadas de 1980 e 1990 apresentou problema na visualização das fotografias e nas cores, sendo que o azul e o rosa claro apareciam na cor preta. “A qualidade do scanner usado pelas empresas nos dias de hoje é muito superior do que a de um microfilme”, assegura Luiz Casimiro. Em 1998, o site da revista Veja nasceu com a transposição

do conteúdo do papel para a internet. Dez anos depois, foi lançado o Acervo Digital Veja, que resgatou todas as publicações lançadas até então. Assim como será feito com o acervo dos jornais A Gazeta e A Gazeta Esportiva, a leitura das páginas é feita por OCR, permitindo que a busca eventualmente localize palavras que designam os títulos das reportagens, por exemplo. “A parte mais complicada é ler o conteúdo da revista e transformá-lo em algo que possa ser de alguma maneira catalogado digitalmente”, explica Carlos Graieb, editor-executivo do site da Veja. Por isso, está sendo trabalhada uma atualização do Acervo Digital Veja, que está disponível atualmente. De acordo com ele, esse novo projeto permitirá que o Google localize os dados e facilite a busca por um exemplar ou um tema específico, o

que atualmente não acontece. A transposição de todas as edições da revista Veja para a plataforma digital demorou 12 meses e foi realizada pela Digital Pages, responsável pela restauração e leitura dos arquivos físicos, que na maioria das vezes estavam encadernados. “Foram levantados todos os volumes da coleção da Abril, houve a procura pelas edições que estavam faltando, além do processo de desencadernar esse material. Inclusive, algumas páginas passaram pelo ferro de passar roupa”, conta Katia Perin, redatora-chefe do site da Veja. Hoje, o que também acontece é a disponibilização gratuita das últimas edições da revista às quintas-feiras. E é exatamente essa popularização de um acervo antes exclusivo que torna os projetos digitais tão importantes para o estudo histórico e cultural do Brasil.

Márcio de Paula coordena a discoteca da Rádio Gazeta, que possui mais de 78 mil discos e é a maior do Brasil

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PAPARAZZI PETRUS LEE

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Quem tem medo de

paparazzi? Embora temidos no exterior, os fotógrafos brasileiros de celebridades contam que, no país, a realidade é outra por Louise Solla

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aras; Contigo!; Quem; Hola!. É praticamente impossível encontrar alguém que nunca tenha lido algumas dessas publicações, classificadas como “revistas de fofoca”. O fascínio em relação à vida dos ricos e famosos existe há tanto tempo quanto a própria criação do conceito de celebridade. Nas últimas décadas, isso só aumentou: cada vez mais, surgem revistas e sites especializados em divulgar a intimidade de artistas, pessoas públicas e as “subcelebridades” nascidas nos reality shows. O público nunca esteve tão interessado em saber o que acontece no “Olimpo dos Famosos”, com os olimpianos, para usar uma expressão criada há cinco décadas por Edgar Morin. Os fotógrafos de celebridades, chamados de paparazzi, são os profissionais responsáveis pela cobertura fotográfica de “revistas de fofocas”, clicando flagras e furos de notícias em festas, desfiles, bailes, baladas, para essas publicações. Paparazzi, em italiano, é a união das palavras pappataci, que significa mosquito, e ragazzo, que quer dizer garoto. O termo surgiu pela primeira vez no filme La Dolce Vita (1960), do cineasta italiano Fede-

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CAMILA HIRAYAMA

RAFAEL CUSATO

rico Fellini, que conta a história de um jornalista, interpretado por Marcello Mastroianni. Ele circula pelas festas e bailes da alta sociedade acompanhado de um fotógrafo, chamado paparazzo, sempre pronto para fotografar celebridades quando elas menos esperam. Devido ao crescimento das publicações e sites brasileiros especializados em jornalismo de celebridades, cada vez mais profissionais da fotografia se arriscam como paparazzi. Aliás, a maioria dos fotógrafos que trabalha para revistas de fofocas começou na atividade por acaso, como é o caso de Rafael Cusato, paparazzo que atualmente é free lancer para a revista Contigo!, em São Paulo. “Antes de me tornar paparazzi, trabalhava fotografando corridas de caminhões e carros. Em 2003, um colega que trabalhava na revista Flash me chamou para fazer alguns retratos e cobrir festas sociais. Foi aí que peguei gosto pela coisa”, conta. Gil Rodrigues, que atua como paparazzo independente na cidade do Rio de Janeiro para diversas publicações do gênero, também começou a fotografar celebridades por acaso. “Sou guarda vidas reformado do Corpo de Bombeiros. Antes de começar na profissão, quando via famosos na praia, já costumava chamar um paparazzo que conhecia. Depois da aposentadoria, comprei meu próprio equipamento e hoje trabalho com aquele mesmo fotógrafo”, relata.

O paparazzo Rafael Cusato, free lancer da revista Contigo!

Paparazzo tropical Embora a área esteja em expansão no Brasil, o trabalho realizado por aqui ainda é bastante diferente daquele feito em países onde a profissão existe há mais tempo e, portanto, está mais consolidada, como os Estados Unidos e Inglaterra. Lá fora, a 18

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O crescimento de sites e publicações nacionais especializadas em celebridades motivou a expansão dos paparazzi


TIAGO MOTA

“Ser paparazzi é fazer jornalismo investigativo, contar uma história”, afirma Rafael Cusato imagem criada dos paparazzi é aquela de um profissional que persegue celebridades a todo custo, acampando em hotéis, aeroportos e restaurantes. De acordo com Simonetta Persichetti, professora de Fotojornalismo da Faculdade Cásper Líbero, a realidade brasileira não é a mesma. “A ideia de paparazzi que temos, daqueles profissionais que existem na Europa ou nos Estados Unidos, não acontece no Brasil. Aqui existe muito fotógrafo de celebridade, de fofoca, mas não o cara que fica seguindo os famosos para conseguir fazer fotos”, argumenta a professora. “Quando saio de casa para fotografar, já estou pautado e recebendo pelo meu trabalho”, conta Rafael Cusato. Marcelo Liso também acredita que o tipo de paparazzi que observamos em filmes e alguns realities shows americanos não existe por aqui, e defende também que o seu trabalho consiste na investigação e busca pelos furos e flagras, não apenas a espera por famosos na rua. “Nunca fiquei na Rua Amauri esperando um BBB entrar em um restaurante, isso não é paparazzi. Paparazzi é fazer jornalismo investigativo, contar uma história”, afirma. Já Gil Rodrigues, mesmo distante da rotina de um paparazzo hollywoodiano, trabalha de forma mais semelhante àquela dos profissionais estrangeiros em seu cotidiano. “Uma vez, para fotografar o Tom Cruise de short e sem camisa, com Katie Homes e Suri na piscina da suíte presidencial do Copacabana Palace, tive que subir para o apartamento de

um morador do edifício vizinho e ficar atrás da cortina por dois dias. Apenas na final da tarde do último dia, duas horas antes de eles irem embora, eu consegui realizar as fotos”, relembra. No entanto, um dos motivos causadores da diferenciação na forma de apuração de profissionais cariocas é a própria cidade do Rio, que além de sediar o Projac da TV Globo, a principal “produtora” de celebridades do país, também apresenta uma geografia mais favorável à realização das coberturas e flagras fotográficos. “São Paulo é uma cidade verticalizada e mais difícil de trabalhar, diferentemente do Rio de Janeiro, onde há a praia que a torna mais democrática, contando também com o fato de ser uma cidade turística”, explica Marcelo Liso. Rafael Cusato acredita também que seja mais difícil a realização do trabalho de paparazzi na cidade de São Paulo do que

Simonetta Persichetti e Ari Vicentini, professores de Fotojornalismo da Cásper Líbero

Nos Estados Unidos e na Europa, os paparazzi são conhecidos por perseguir as celebridades em busca de imagens

RAFAEL CUSATO

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na capital fluminense. “No Rio é mais fácil, tem sempre uma celebridade passeando pelo calçadão, na praia, e isso rende bons flagras. Em São Paulo é mais difícil, mas vale mais financeiramente porque é sempre uma coisa mais apurada, com uma historia interessante. Para isso, não basta ser apenas fotógrafo, tem que investigar”, considera. Embora Simonetta Persichetti concorde com a grande influência da cidade na realização do trabalho dos paparazzi, ela lembra que existem outros elementos que alteram a forma de apuração desses profissionais. “No Brasil, há fotógrafos de celebridade e agências que ganham muito dinheiro, mas

é um mercado muito restrito ao Rio de Janeiro, por causa da Rede Globo. E existe também a realização frequente de acordos entre as revistas e as celebridades”, salienta. “Existe certo acordo não formalizado entre TVs, ou melhor, entre os empregadores de celebridades e as revistas. Quanto mais divulgação para uma celebridade, melhor para uma novela ou um programa. É um negócio de duas mãos, interessa tanto às celebridades quanto aos fotógrafos”, concorda Ari Vicentini, também professor de Fotojornalismo da Cásper. Já Gil Rodrigues admite que existe muita promoção nesse meio, contando que

algumas celebridades até mesmo tiram fotos delas próprias e mandam para as revistas à espera da publicação. “Normalmente, as celebridades que fazem esse tipo de coisa são as que não interessam, as que não vendem. Ex-Malhação, exBBBs, Mulheres-Fruta... Muitas delas fazem a própria foto e mandam para as redações como se fosse um flagra”, diz Gil Rodrigues. Ele revela um caso ocorrido recentemente. “Mem de Oliveira, irmão da Isis de Oliveira, que está há algum tempo sem trabalhar, produziu uma foto posada dela com uma nota e mandou para um jornal do Rio. E o absurdo: colocou o crédito da imagem

GIL RODRIGUES

Grandes furos internacionais podem chegar a render até 1 milhão de reais por imagem para seus fotógrafos. No Brasil, um flagra dificilmente passa da casa dos mil reais

No exterior, os fotógrafos buscam clicar momentos íntimos dos famosos

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GIL RODRIGUES

com o nome da cachorra dele, acredita?”, diverte-se. Ari Vicentini lembra que outra grande diferença entre as imagens produzidas por paparazzi brasileiros e estrangeiros é a própria natureza das fotos. Enquanto no exterior os profissionais estão prontos para fotografar artistas em momentos polêmicos, como as fotos que mostram a modelo inglesa Kate Moss cheirando cocaína ou as imagens da cantora americana Britney Spears saindo de um carro sem calcinha, no Brasil os flagras são mais leves. “Aqui não tem uma paranoia, um desejo de clicar o escândalo como existe na Europa ou nos Estados Unidos. Não são feitas imagens comprometedoras, são fotos cotidianas”, afirma.

As diferenças entre o trabalho realizado no Brasil e no exterior também aparecem na hora do pagamento pelas fotos que esses profissionais realizam. No Brasil, os paparazzi normalmente são contratados pelas revistas para a realização de pautas específicas e recebem por trabalho realizado. Já em outros países, existem agências especializadas em negociar e vender cada imagem independentemente, não associando os fotógrafos às publicações. “No exterior, os fotógrafos trabalham por conta própria e vendem para as agências, ganhando muito mais dinheiro dessa maneira”, esclarece Rafael Cusato. Dessa forma, grandes furos internacionais podem chegar a render até 1

milhão de reais por imagem para seus fotógrafos. Aqui no Brasil, um flagra dificilmente passa da casa dos mil reais. “A imagem mais cara que já vendi foi de Bar Refaeli [modelo israelense] em passagem pelo Brasil, vendemos por mais de 20 mil”, conta Marcelo Liso. A criação de agências voltadas para a comercialização do trabalho desses fotógrafos no Brasil, como a AG News ou a Photo Rio News, negócio que no começo da década ainda era inédito por aqui, indica que essa atividade encontra-se em crescimento. No entanto, ainda existe muito tempo para que a profissão se consolide no país, já que, segundo o professor Ari Vicentini, “No Brasil, ainda estamos na infância dos paparazzi”.

“No Brasil, ainda estamos na infância dos paparazzi”, afirma Ari Vicentini

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personalizado

Trabalho

ASSESSORIA


ACERVO PESSOAL / ROSÂNGELA SANCHES

Sempre alertas, as assessorias de imprensa corporativas são responsáveis por cuidar da imagem de uma única instituição por Thiago Tanji

N

ão é segredo para ninguém que o trabalho das assessorias de imprensa ganhou importância estratégica ao longo dos anos. Entretanto, para algumas instituições, a contratação de agências terceirizadas não basta: é necessário contar com profissionais próprios, sempre a postos para resguardar a imagem da companhia no momento em que isso for necessário. “Toda empresa que tem grande volume de demanda pela imprensa precisa de uma assessoria interna. Os veículos de comunicação querem uma resposta rápida e uma possível demora pode ser perigosa”, considera Luiz Alberto de Farias, coordenador do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero. Diariamente nos holofotes da mídia, clubes de futebol, companhias aéreas, grandes hospitais e instituições públicas precisam de assessores que conheçam profundamente suas particularidades, trabalhando com comprometimento integral. “Com uma assessoria interna, é possível realizar um trabalho personalizado e com potencial de resultado mais efetivo, já que se tem uma vinculação maior com o produto”, explica Farias. Para entender um pouco mais o dia a dia de profissionais tão exclusivos, a revista Cásper conversou com Rosângela Sanches, assessora de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e Fábio Finelli, um dos responsáveis pela comunicação da Sociedade Esportiva Palmeiras. Mesmo com todas as responsabilidades e desafios da profissão, o que não falta são boas histórias para serem contadas. Dezembro de 2011 | Cásper

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Rosângela Sanches, assessora de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

escrever essas notícias, busca fugir do “juridiquês” e utilizar uma linguagem acessível para a maior parte das pessoas. Formada pela Cásper no ano de 1992, Rosângela Sanches também acumula experiências de assessoria em outras instituições públicas. Após passar quatro anos no TJSP, foi convidada para trabalhar na Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, à época comandada pelo secretário Nagashi Furukawa. “Eu trabalhava em um palácio, literalmente, e fui para um edifício mambembe na Avenida São João, onde era a sede da Secretaria. E quinze ou vinte dias após chegar lá, jogaram uma bomba no prédio.” Este choque de realidade, entretanto, não abalou a assessora, que permaneceu na

Secretaria por quatro anos e meio. Entre os feitos que realizou por lá, destaca um que ganhou as páginas dos jornais de todo o mundo: o Concurso Miss Penitenciária. “Não nos restringimos somente a divulgar a informação de que haveria um concurso de miss. Acabamos nos envolvendo completamente com a organização do evento”, se recorda. Disputando a grande final na cidade de São Paulo, detentas de dez presídios do estado foram avaliadas nos quesitos “prosa, verso, simpatia e beleza”. “O envolvimento foi total. Mais do que vender essa ideia para a mídia, tínhamos de convencer os presos de que essa era uma boa iniciativa. Fiz programas de rádio dentro da penitenciária da capital explicando a importância do concurso e o que ACERVO PESSOAL / ROSÂNGELA SANCHES

Com 352 desembargadores, 2068 juízes e mais de 18 milhões de processos, a Justiça do estado de São Paulo é uma das maiores do mundo. Mesmo assim, até o ano de 1998 o TJSP não contava com assessoria de imprensa. Esse quadro só mudou com a chegada de Rosângela Sanches, bacharel em Direito e formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. “O Tribunal contava com uma única funcionária formada em Jornalismo que ficava atendendo as ligações da imprensa. Quando vim para cá, em 1998, plantei a ideia da necessidade de montar uma assessoria estruturada”, conta. Quando chegou ao suntuoso Palácio da Justiça, localizado na Praça João Mendes, a assessora percebeu a dificuldade da centenária instituição em relacionar-se com os veículos de comunicação. “O Judiciário foi o último poder a entender que o relacionamento com a imprensa tem de ser o mais transparente possível, beneficiando a ele próprio e a população. Se o jornalista não consegue a informação por meio da assessoria, ele irá obtê-la no corredor, com o ascensorista, com o porteiro e essa informação poderá estar deturpada.” Outra prioridade para Sanches foi aproximar o Judiciário da população, veiculando notícias em sua página oficial. “O site do Tribunal só contava com uma parte institucional, coisas que não tinham interesse algum para os jornalistas e a população. O que as pessoas querem saber? Se houve uma ação tal, que irá beneficiar a dona de casa prejudicada pela companhia de luz. Ou seja, assuntos de interesse público”, elucida. Contando com uma azeitada equipe de assessores, ela também destaca que, na hora de

ACERVO PESSOAL / ROSÂNGELA SANCHES

Braço direito da Justiça


esse projeto traria de bom.” Após a passagem pela Secretaria de Administração Carcerária, Rosângela Sanches recebeu um convite para assessorar o Ministério Público de São Paulo. Lá, teve de trabalhar com casos extensamente cobertos pela mídia, como o desabamento nas obras da estação Pinheiros da linha amarela do Metrô e o

a assessora voltou a trabalhar para o Tribunal de Justiça de São Paulo. Mal teve tempo de se readaptar ao antigo local de trabalho e já foi colocada em uma prova de fogo: teve de lidar com toda a imprensa às vésperas do julgamento do casal Nardoni, iniciado no dia 22 de março. “Fiz uma reunião com a juíza do Fórum de Santana, local do julgamento. Tentei

estar cobrindo o caso à exaustão, a juíza havia liberado apenas 22 cadeiras do tribunal para a cobertura jornalística. A solução encontrada por Rosângela para resolver o problema foi engenhosa: um sorteio definiu os veículos que entrariam no Fórum. “Sorteamos rádio, jornal e internet. E percebi que a Rede Bandeirantes não havia saído em nenhum veículo.

Sanches conversa com os jornalistas durante o julgamento do casal Nardoni, em março de 2010

“Se o jornalista não consegue a informação por meio da assessoria, ele irá obtê-la no corredor”, conta Sanches acidente com o avião da TAM, que se chocou contra o prédio da própria companhia, ambos ocorridos no ano de 2007. “No Ministério Público, conheci o outro lado da Justiça, o que vai atrás do fato, faz a denúncia, briga. No caso desses grandes acidentes, tínhamos de ir in loco para atender a imprensa.” No dia 8 de março de 2010,

obter o máximo de coisas possíveis para o trabalho da imprensa e recebi um ‘não, não, não e não’. Mas conforme ela foi pegando confiança em nosso trabalho, viu que estávamos fazendo a coisa certa e acabou baixando a guarda.” Ainda assim, a oferta era muito menor do que a demanda: apesar de toda a imprensa

Como eu havia proposto para os colegas que contaria com uma senha coringa e a daria para aquele que fosse mais prejudicado, e todos concordaram, essa foi a minha sorte: dei a senha para a Bandeirantes.” Bem humorada, a assessora de imprensa do TJSP se recorda da semana do julgamento. “Minha filha ia viajar e pediu Dezembro de 2011 | Cásper

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THIAGO TANJI

para que eu cuidasse das três netas. Mas a viagem dela aconteceu na mesma semana do julgamento. Por sorte, ela não estava no Brasil, pois “terceirizei” os filhos dela. Quando ela voltou, me trouxe um laptop de presente. Eu disse, ‘Olha, se for por ter cuidado de seus filhos, pode ficar para você porque não mereci...’” Na opinião da assessora, a dificuldade na relação entre Poder Judiciário e imprensa se deve a modos de trabalho completamente distintos. “O Judiciário trabalha com prazo, nós com dead line. Enquanto um prazo de quinze dias é curtíssimo, um dead line de cinco dias é maravilhoso. Enquanto o Judiciário lida com fundamentação, nós temos de trabalhar com uma linguagem direta, para que a população possa entender.” Aos poucos, Rosângela Sanches vai mostrando aos magistrados que um bom trato com a imprensa é fundamental para a sociedade entender a importância da Justiça. “Quando o juiz entrava na Magistratura, o corregedor falava em uma das primeiras aulas, ‘O Judiciá26

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Sala de imprensa da Academia de Futebol, o centro de treinamentos do Palmeiras

rio de São Paulo não fala com a imprensa, ele fala apenas pelos autos’. Hoje, o magistrado fala nos autos, mas também explica a importância daquela decisão para a população.”

Cuidando da Academia Não é fácil ser jogador do Palmeiras. Os quase 15 milhões de torcedores exigem raça, dedicação e amor daquele que veste a camisa alviverde. Por sua vez, os dirigentes também esperam que todo o investimento feito ao longo da temporada seja recompensado com títulos e glórias. Fábio Finelli, assessor de imprensa do clube desde 2007, não é cobrado por gols ou belas jogadas. Mas sabe que, da mesma forma como os atletas palmeirenses, carrega uma grande responsabilidade em fazer parte dessa tradicional equipe de futebol. Além de acompanhar o time alviverde nos jogos oficiais, Finelli trabalha diariamente na Academia de Futebol, como é chamado o centro de treinamentos do time. Lá, sua função é atender jornalistas, orientar os jogadores e comissão técnica,

além de produzir notícias para o site oficial do clube. “O papel do assessor mudou bastante: não é só chamar o jogador para dar entrevista coletiva. Hoje, você tem de zelar pela imagem do clube, a imagem do patrocinador; saber preparar bem o atleta, para que ele não fale algo que acabe prejudicando a equipe ou a si próprio”, explica. Apesar de parecer uma rotina tranquila, nem sempre é fácil conciliar os interesses de dirigentes e atletas com a imprensa, sempre ávida por furos e informações em primeira mão. “Estamos sempre entre a cruz e a espada. Ajudamos a imprensa, buscando alguma entrevista exclusiva, mas também temos de priorizar o lado do clube, já que trabalho para o Palmeiras”, afirma. Nessa situação, os assessores acabam muitas vezes “blindando” alguns atletas, o que rende críticas por parte dos jornalistas: “Quando acontece uma crise, entendemos que não será bom determinados jogadores falarem. Primeiro, temos de pensar no bem do Palmeiras e depois vemos o lado da imprensa”.


licada”, conta. Aliás, não é fácil convencer o atleta a conceder uma entrevista quando a equipe se encontra em uma má fase. “Quando o time está por cima, todos querem ir para a coletiva, mas quando a situação está complicada... De qualquer forma, buscamos chamar ídolos, gente que esteja jogando bem, porque isso acaba desviando em parte o foco da crise.” Na opinião do assessor, a imprensa não é a culpada quando o time vive momentos ruins dentro de campo. Contudo, algumas notícias acabam influenciando negativamente o cotidiano dos atletas e da comissão técnica. “Infelizmente, ainda tem gente que já vem pautada para fazer uma pergunta que irá colocar ainda mais fogo na crise. Mas a maior parte da imprensa está no papel dela, realizando um trabalho de alto nível”, pondera. Apesar de palmeirense fanático, Finelli sabe que precisa trabalhar com profissionalismo. Mas reconhece que no

ambiente do futebol é difícil separar as emoções. “No fundo, a gente também é torcedor. Após uma derrota muito feia, você fica com raiva, mas tem de ser profissional ao extremo. Precisa ter cabeça fria para levar o treinador para a entrevista, atender bem a imprensa. Se não faz isso, coloca o seu trabalho a perder”, comenta. Para os palmeirenses que querem trabalhar com a comunicação do time, o assessor indica os requisitos necessários: “Trabalhar de segunda a segunda, sempre com o celular a postos para atender a imprensa. Já deixei de sair, de viajar, para publicar uma notícia no site. Mas é isso que gosto de fazer”. Por fim, indica brevemente o que aprendeu ao trabalhar tão intimamente com os bastidores do Palmeiras. “Você acaba se surpreendo com muita coisa. Só vivendo para saber. A verdade é que a própria imprensa não sabe de 20% do que realmente acontece nos clubes de futebol.”

THIAGO TANJI

Repórteres acompanham a entrevista coletiva do treinador Luís Felipe Scolari

Mesmo assim, Finelli reconhece ser quase impossível controlar o fluxo de informação que a imprensa recebe e circula. E, muitas vezes, essas notícias acabam prejudicando o dia a dia da equipe. “Todos sabem que a política palmeirense ferve. O fulano briga com o outro e acaba soltando informações para prejudicar o inimigo. Coisas que não têm necessidade alguma de serem vazadas acabam chegando aos ouvidos da imprensa.” O assessor se recorda de um caso concreto: no final de 2007, um importante jogador já estava acertado com o Palmeiras. Entretanto, uma notícia publicada prematuramente acabou “melando” a negociação. Nessa “corda bamba”, Finelli também deve auxiliar os jogadores palmeirenses na hora das entrevistas coletivas. “Eles não podem chegar desinformados. Então passamos as principais notícias da semana e indicamos qual é a melhor resposta para ser dada em uma situação de-

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TELEVISÃO Wagner Montes comanda o Balanço Geral, fenômeno de audiência no Rio de Janeiro

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Escracha! Sempre presente nos meios de comunicação, o jornalismo sensacionalista é fórmula de sucesso garantida nas emissoras de televisão. Mas será que toda essa valorização vale à pena? por Tiago Mota

É

o meu dever ler esta notícia”, fala às câmeras, ao vivo, Wagner Montes em tom choroso, no dia 8 de outubro de 2009. Faz cara de luto, pede para a produção aumentar o volume da triste trilha sonora de fundo e passa a narrar a história de três criminosos mortos pela polícia. “Foi na Comunidade Rio D’ouro. Eles estavam com granadas, dois revólveres, rádios transmissores, maconha, cocaína, material para endolação e roupa camuflada. Algemas e munição. Um dos bandidos mortos é suspeito de ter executado um policial há dois meses no bairro do Irajá. A polícia teve de reagir à injusta agressão por parte dos marginais.” Fingindo lágrimas com algodão encharcado, Montes começa uma falsa oração, com voz empostada e mãos trêmulas. “Pai! Que os três que trocaram tiros com a polícia, encararam a polícia com granadas, descansem em paz”. Uma pausa. O apresentador olha para a câmera, pisca e completa: “No colo do capiroto! Monstrengo, tá me vendo aí? Esquenta a caldeira que foram mais três para o colo do capiroto! Mexe a caldeira e

esquenta o bumbum deles!”. Tudo acaba com a “Dança do Capiroto”, uma forma de comemoração pela morte de algum bandido. De segunda à sexta-feira ao meio dia é hora do programa mais popular da cidade do Rio de Janeiro. É hora do Balanço Geral, telejornal exibido pela Rede Record carioca. É hora de Wagner Montes. “A proposta editorial do jornalismo popular é a seguinte: prestação de serviço à comunidade. É a pessoa que precisa de internação e não consegue, que é mal tratada numa repartição pública, que é vítima de alguma falcatrua por parte de um mau comerciante, que enfrenta falta de água na rua. Enfim, todo e qualquer problema que afete a população e que possa ser trazido à televisão.” É assim que o apresentador define seu programa, à frente do qual está desde 2005. A fórmula do telejornal local deu tão certo que a Rede Record a espalhou por vários estados do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso do Sul. No Rio de Janeiro, o Balanço Geral manteve uma média de audiência de 10 pontos no Ibope

divulgação

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“Torço para eles reagirem à voz de prisão e a polícia largar o aço e botar eles na vala!”, esbraveja Wagner Montes em seu programa

Os casos policiais são o mote do Balanço Geral

nos últimos 12 meses. Atingiu o pico de 22 pontos no dia 26 de novembro de 2010, ficando em primeiro lugar. Isto graças à cobertura da operação do Exército, da Marinha e da Polícia Militar fluminense no Complexo do Alemão, conjunto de comunidades carentes sob a influência de traficantes. Wagner Montes nasceu na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, divisa com a capital do Rio de Janeiro. Começou sua carreira na comunicação na Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Na televisão, deu os primeiros passos no SBT em 1980, onde ficou por 17 anos e participou de programas como O Povo na TV, Jornal Policial e Aqui e Agora. Este último foi o telejornal referência do estilo policial: sem cortes de edição, com imagens fortes, narrações pesadas e tratamento agressivo com os “marginais”. “Eu acho que o Balanço Geral tem

algumas coisas do Aqui e Agora. Tem alguma coisa de mostrar a verdade, de não se preocupar com imagem bonitinha. O programa se resume desta forma: é o retrato fiel, sem retoques, sem maquiagem do que está acontecendo no Rio de Janeiro”, comenta Montes. O bordão “Escracha!” do apresentador parece resumir a personalidade que assume frente às câmeras. A palavra de efeito é repetida toda vez que o Montes pede punição a criminosos. A prisão, às vezes, parece ser pouco. “Eu, Wagner Montes, torço para eles reagirem à voz de prisão e a polícia largar o aço e botar eles na vala!”, esbravejou no dia 29 de setembro de 2009, quando criminosos assaltaram uma escola pública na capital do Rio de Janeiro. No entanto, a personalidade intempestiva do apresentador lhe rende popularidade – que não se reflete somente nos

índices de audiência. Em 2006, Montes foi eleito deputado estadual do Rio de Janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) com expressivos 111.802 votos, sendo o político mais votado da capital fluminense. Em 2010, foi reeleito, desta vez quebrando o recorde da história do estado, com 528.628 votos. Por que tão popular? “Eu tenho a minha própria linguagem. O que falo na televisão é aquilo que falo fora dela, na minha casa, na Assembleia. Na verdade, utilizo a linguagem que o povo entende. Não adianta você falar palavras difíceis que não sejam compreendidas por parte do teu público para mostrar uma sabedoria, um conhecimento, uma cultura, que você tem educação superior”, comenta. “Eu me preocupo em ser o que sou. Tanto é que todos os dias minha audiência alterna em primeiro e segundo lugar.” ELVIS SANTANA

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URBANO HOLANDA

Em 2011, Wagner Montes é um dos poucos deputados que não faltou na Assembleia uma vez sequer. Antes de ocupar sua cadeira no Legislativo, o público que assiste ao Balanço Geral, de alguma forma, já se sentia representado pelo apresentador. “Acho que muitas vezes você é tido como Sassá Mutema, o salvador da pátria. Então as pessoas nos escrevem pedindo ‘Wagner, já fomos a todos os lugares, já batemos em todas as portas, não conseguimos nada, só você que pode resolver’”, conta. Assim foi com o caso do taxista Sérgio Andrade. No dia 31 de agosto, o telejornal pediu doações para o motorista, que teve 35% do corpo queimado por assaltantes no viaduto do Benfica, no Rio de Janeiro. O intuito era arrecadar cerca de mil reais para a compra de material médico para o tratamento das queimaduras. O programa conseguiu o dinheiro e o taxista segue bem: “Quero agradecer ao

Wagner Montes, que mesmo sem me conhecer me ajudou demais”, afirmou na matéria exibida naquele mesmo dia. Montes é popular também no Youtube graças às reações que tem diante das notícias. De tão exagerados, os comentários se tornam cômicos. O vídeo em que o apresentador finge luto pelos três bandidos mortos em Irajá passou de cem mil visualizações no site. “Por que eu faço isso? Porque eu tenho um público infantil e infanto-juvenil muito grande. Então normalmente depois de qualquer matéria que considere forte, faço uma brincadeira ou levo para o lado jocoso para tirar o foco da brutalidade da cabeça do jovem. Entendeu?”, explica. “Há um limite. Às vezes, eu extrapolo. Não me lembro de um caso específico, porque não extrapolei uma vez só. Extrapolei não no intuito de valorizar ou de subjugar o acusado, mas sim justamente para tirar o foco da matéria que era

muito forte.” O que garante reações tão espontâneas quanto cômicas é o improviso. Segundo o próprio apresentador, 90% do telejornal são realizados ao vivo. “Não sei o que vai entrar no ar. No começo, chamei a minha produção, meu editor-chefe, e disse: ‘Olha, nós vamos estrear segunda-feira. Eu não quero saber quais são as matérias que vão ter no programa’. Então leio o TP [teleprompter] e assisto à matéria como quem está em casa e emito um comentário: ou vou me emocionar ou vou me indignar”, descreve. Em junho deste ano, o menino Juan Moraes, de 11 anos, morreu durante operação da Polícia Militar do Rio de Janeiro na comunidade do Danon, Baixada Fluminense. Segundo a perícia, os disparos que tiraram a vida do garoto saíram de dois fuzis calibre 762, usados pelos próprios policiais. O assassinato foi destaque na imprensa nacional, em especial

A operação policial no Complexo do Alemão rendeu a liderança de audiência ao programa de Wagner Montes

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CAROL GARCIA

no Balanço Geral. Para Montes, este é o caso mais impactante que já cobriu nos últimos anos. “Nós ouvimos todo mundo da família, fizemos reconstituição, acompanhamos a exumação do corpo. Acompanhamos o caso sempre mostrando que o interesse é que tudo seja apurado com rigor”, conta. Casos de grande comoção, como o de Juan Moraes, são cobertos a exaustão pela mídia. Assim foi, por exemplo, com as histórias da adolescente Eloá Pimentel, 15 anos de idade, e da menina Isabella Nardoni, 6 anos, mortas em Santo André e em São Paulo, respectivamente. A primeira foi sequestrada pelo ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, e assassinada por ele. Por sua vez, o pai e a madrasta de Isabella foram presos pela morte da filha, jogada do sexto andar do edifício onde morava o casal. “Coberturas assim não podem ser consideradas abusivas. Quando o fato é esmiuçado você vai fundo no 32

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acompanhamento da notícia. Quando a imprensa retrata fielmente o que aconteceu, não acho abuso”, comenta Wagner Montes. Abuso ou não, emoções e sensações se tornam ferramentas de trabalho em programas como Balanço Geral. A morte de Juan é um exemplo, assim como outros casos de mães que perdem seus filhos de maneira trágica. Tocar o telespectador por meio destas histórias é um objetivo. “A minha preocupação é elucidar o fato, ajudar a polícia. Às vezes, quando uma pessoa chora durante uma entrevista, deixo um pouco para tocar no coração das pessoas e todos meus editores sabem disso.”

Sangue, sexo e escândalo Alguns o chamam de jornalismo popular. Outros preferem classificá-lo como sensacionalismo. De uma maneira ou de outra, a proposta editorial em que se encaixa o Balanço Geral,

A exploração da violência é uma prática antiga no jornalismo

de Wagner Montes e tantos outros telejornais é polêmica, porém comum nos meios de comunicação. Não só na televisão. Jornais e rádios já usaram e ainda usam de moldes como este. “Parece novo, mas isto tudo é muito antigo”, comenta o jornalista Danilo Angrimani, autor do livro Espreme Que Sai Sangue: Um Estudo do Sensacionalismo na Imprensa (Summus, 1995), no qual analisa as características do sensacionalismo. De fato, a prática sensacionalista é tão antiga quanto o próprio jornalismo. No século XIX, na França, surgiram os canards, jornais populares de apenas uma página que exibiam imagens de cadáveres em pedaços, crianças violentadas e afins. Porém, foi nos Estados Unidos que o sensacionalismo se tornou gênero jornalístico de fato. Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst estiveram à frente dos jornais New York World e Morning Journal, respectivamente, no final do século


“Na produção do espetáculo há a valorização das imagens. Nós somos incentivados em consumir mercadorias pelas imagens”, considera Coelho XIX. As duas publicações ganharam a alcunha de Imprensa Amarela, termo usado até os dias atuais para definir um jornal como sensacionalista. Tanto o World quanto o Journal ficaram conhecidos por usar tom escandaloso nas notícias, tornando sensacional um fato muitas vezes de pouca relevância. Em alguns casos, a relação da notícia com qualquer fato real era inexistente. A linguagem coloquial, sem distanciamento ou proteção da neutralidade, buscava despertar emoções no público. Mesmo com o descrédito, o New York World, por exemplo, tinha um lucro anual líquido de US$1,2 milhão. No Brasil, o Notícias Populares foi o principal jornal do gênero. O NP, como era conhecido, circulou de 1963 a 2001. Em 11 de maio de 1975, o jornal noticiou o nascimento do “Bebê Diabo” em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo. “Era uma história completamente inventada. Uma lenda urbana. O jornal deu voz a isso e por 22 edições o bebê foi manchete. Um fato completamente inverídico. Aquilo foi retroalimentado pela população, pelos leitores”, detalha Angrimani. O sensacionalismo foi transportado em grande parte para a televisão. O telejornal Aqui e Agora, no ar pelo SBT de 1991 a 1997, moldou o gênero no Brasil. Hoje em dia, porém, programas como o Balanço Geral são mais amenos em seu conteúdo e imagens. Isto porque o Ministério Público coíbe alguns exageros, como

exposição de ferimentos graves na televisão no horário da tarde. Sexo, violência, escândalos, lendas urbanas e tabus, como casos de incesto, são alimentos para o gênero. Na lógica sensacionalista, fatos que apresentam quaisquer destes elementos merecem o devido destaque. Este tipo de notícia é conhecido pelo termo em francês fait divers (fatos variados). “O jornal sensacionalista coloca uma lente de aumento no fait divers tornando-o algo sensacional, mas que para a imprensa ‘séria’ não seria tão sensacional assim”, descreve o autor de Espreme Que Sai Sangue. A cobertura de tais fatos visa, como o próprio nome sugere, atiçar sensações no expectador da notícia. “Isto vai alterar todo

o processo de criação da reportagem partindo do principio de que o elemento fundamental não é o fato, mas o acontecimento jornalístico que tenha um potencial mais forte de ser dramatizado”, explica Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor da Faculdade Cásper Líbero. Para Claudio Novaes Pinto Coelho, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, o sensacionalismo é, na verdade, uma opção de mercado. “Pelo potencial que este tipo de notícia tem de gerar comoção maior na opinião pública, esta repercussão vai além do fato

Claudio Novaes Pinto Coelho, professor de pós-graduação da Cásper Líbero

TIAGO MOTA

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por si só. No fundo, porque ela vende bem”, analisa o sociólogo. Ainda segundo Coelho, a televisão é o espaço ideal para tal expressão. “Na produção do espetáculo há a valorização das imagens. Nós somos incentivados em consumir mercadorias pelas imagens. É grande o peso mercadológico da televisão, do ponto de vista do consumo, porque trabalha fundamentalmente com elas.”

“Jornalismo sem meias palavras” O slogan do Balanço Geral sugere uma interpretação do programa. “O apresentador representa muito mais explicitamente a figura de alguém envolvido em resolver problemas do público, cobrando de autoridades. A imagem de salvador da pátria. Não por acaso que temos ca-

sos de vários jornalistas com este perfil que ingressam na vida pública”, descreve Coelho, especialista em Sociedade do Espetáculo. O termo foi usado pela primeira vez pelo pensador francês Guy Debord, em 1967. Na teoria, o capitalismo e a lógica de produção e consumo de mercadorias invadem todas as esferas da sociedade. No jornalismo, especificamente, deixa-se de lado o debate e a análise da notícia para a produção de conteúdos que dão audiência, que atraem patrocinadores e, consequentemente, vendem. Para Coelho, o sensacionalismo e a figura representativa que apresentadores deste gênero assumem são frutos da lógica de mercado. “Os jornalistas acabam se tornando também celebridades, viram também um produto. Dá audiência? Sim. Você gera uma sensação

de proximidade. O público vê o jornalista como ‘gente da gente’”, analisa o sociólogo. No entanto, para Danilo Angrimani, este tipo de representação não é nova nos meios de comunicação. “Quem é o apresentador de um telejornal? Um demagogo. Parece novo, mas isto é muito antigo. Se você pegar os jornais do Hearst, vê que ele dizia ‘Nós somos o seu advogado. Você que é sozinho, não se preocupe. Nós vamos buscar por justiça em um mundo injusto’.” Para gerar emoções no espectador da notícia e aproximá-lo suficientemente ao ponto de se sentir representado, é preciso, primeiro, quebrar os “escudos” entre o meio de comunicação e seu público. Para Luís Mauro Sá Martino, isto se faz, majoritariamente, por meio da linguagem destes

“A banalização da violência tem a ver com o contexto da despolitização da sociedade”, afirma Coelho CAROL GARCIA

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henrique koller

“O elemento fundamental não é o fato, mas o acontecimento jornalístico que tenha um potencial mais forte de ser dramatizado”, explica Sá Martino produtos editorias. “Basicamente usando uma linguagem próxima ao que o leitor ideal utiliza no cotidiano”, explica. “É preciso usar todo tipo de recurso dramático, desde um exagero de expressões que possam refletir sensações ruins ou boas, mas de qualquer maneira exageradas, até uma construção narrativa que vai reforçar os elementos exclusivamente dramáticos.” Dentro desta linguagem, o uso de clichês e estereótipos se torna comuns. Segundo Martino, “O clichê e o estereótipo promovem uma espécie de economia do reconhecimento. Eu não preciso pensar para reconhecer. Eu não tenho que me preocupar. Eles exigem pouco esforço mental. Eles me tocam mais rápido, por isso posso usar o tempo todo”.

Por que consumimos? Mesmo com as críticas, programas como o Balanço Geral não somente sobrevivem, mas também rendem bons resultados a suas emissoras. Isto porque, do outro lado da tela, existe um público segmentado que consome este produto editorial. “Quando fiz a pesquisa, eram basicamente as classes C e D que consumiam estas notícias. Pessoas de pouca escolaridade e trabalhadores”, relata Angrimani. No entanto, mais do que uma questão de classe, o sensacionalismo responde a pulsões psicológicas do espectador. Durante sua pesquisa, Danilo

Angrimani perguntou a um carteiro que lia o Notícias Populares por que gostava daquele jornal. O carteiro respondeu que adorava ler sobre crimes, saber em detalhes como o assassino matou sua vítima. “Existe um prazer de carne. O jornal se torna meio para descarregar esta pulsão criminosa da pessoa. Ela se coloca no papel do criminoso para em algum momento viver aquele prazer que se limita ao criminoso. Não só com o carteiro, é um caso de descarga de pulsão instintiva”, explica. Segundo a teoria Freudiana, o homem (o eu) está sob influência constante de duas partes de seu subconsciente: o supereu, que assume papel hipermoralista; e o ID, que corresponde às pulsões e desejos socialmente inaceitáveis. “O jornal sensacionalista trabalha em um pêndulo. Em alguns momentos ele é conservador e, em outros, transgressivo”, descreve Angrimani. “Posso entender que o sensacionalismo é imoral, porque ele mostra tudo o que não presta, tudo o que está errado. Mas posso também fazer a leitura inversa: ele é altamente moralista. Na hora em que rompo com a moral, reafirmo o que é certo. Quando mostro o que é errado, implicitamente sugiro um padrão”, analisa Luís Mauro Sá Martino. Mesmo assim, não é possível afirmar que o sensacionalismo é a raiz de todos os males. Culpam-se os jornais sensacionalistas, por exemplo, pela banalização da violência no

Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais e professor da Cásper

cotidiano. Porém, como afirma Martino, não é possível provar empiricamente que os jornais sensacionalistas são capazes de manipular as pulsões do espectador. “Até que ponto a mídia é efetivamente tão capaz de fazer alguma coisa? Ela contribui, mas nunca a colocaria como causa de algo. Eu a colocaria como um elemento dentro de um sistema multifatorial, mas não como causa isolada.” Por outro lado, Coelho faz uma leitura diferente dessa realidade. “A banalização da violência tem a ver com o contexto da despolitização da sociedade. Não existe uma discussão séria a respeito das causas da violência ou uma análise objetiva do assunto. Tudo pode ser banalizado na sociedade do espetáculo.” Dezembro de 2011 | Cásper

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PERFIL 36

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Sub 1

O fot贸grafo Adriano Gambarini j谩 esteve em florestas, cavernas, geleiras e montanhas. Tudo para produzir imagens de tirar o f么lego! por Thiago Tanji imagens Adriano Gambarini

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arde ensolarada em São Paulo. Em meio aos prédios do bairro de Pinheiros, na zona oeste da capital, pessoas e carros circulam pelas ruas em ritmo intenso. Em uma confortável cafeteria num anexo da Fnac, local marcado para a entrevista, chega o fotógrafo Adriano Gambarini. Jovial, naturalmente simpático e bem disposto, deixa na mesa o aparelho celular com dispositivo auricular bluetooth. À primeira vista, o profissional parece adaptado perfeitamente ao cenário urbano que o cerca. Mas basta uma rápida conversa para descobrir que o negócio de Gambarini é mesmo o mato. Ou melhor, qualquer lugar do mundo que possa render grandes imagens. Desde 1992 o fotógrafo clica cenários paradisíacos, animais selvagens, cidades históricas ou culturas pouco conhecidas. O interesse pela aventura veio, literalmente, do berço. “Com um ano de idade, estava acampando com minha família. O gosto por ser viajante, o prazer pelas coisas simples da vida, tudo isso aprendi com meus pais. Nunca fui para a Disney, nas férias escolares eu ia acampar”, relembra. Com uma convivência tão próxima à natureza, Gambarini decidiu cursar Geologia, formando-se pela Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1991. 38

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Estudando cavernas, na disciplina conhecida como Espeleologia, necessitava registrar fotograficamente ambientes escuros. Assim, aprofundou-se nas técnicas de iluminação e nas principais regras da fotografia, uma base teórica essencial para a profissão que viria escolher. Responsável por produzir a primeira reportagem para a National Geographic Brasil, Gambarini mantém-se como colaborador habitual da publicação. O fotógrafo também documenta expedições científicas, além de registrar imagens para ONGs engajadas na preservação ambiental. Todas as fotos clicadas pelo profissional guardam uma particularidade: são pensadas e trabalhadas em seus mínimos detalhes. Uma herança trazida de seu gosto pela arte. “Colecionava livros de Michelangelo, Da Vinci. Durante anos estudei esculturas, me formei em piano clássico, escrevi dois livros de poesias. E acho que tudo isso são ingredientes que ajudaram a ter gosto pela fotografia, pelo conceito estético da imagem, tudo isso auxiliou e se reflete no meu trabalho.” Adriano Gambarini fala, a seguir, sobre os principais aspectos da profissão, explica como produz suas imagens e comenta sobre a degradação ambiental desencadeada nos últimos anos. Tudo acompanhado das estonteantes imagens clicadas por ele. Uma ótima viagem!


“Documento muitas expedições científicas. Compreendo a linguagem dos pesquisadores porque já fui um e tenho muito respeito pelo trabalho deles. Já deixei de fotografar uma cena preciosa por causa da pesquisa: aconteceu de estar na frente de uma onça e não a fotografei pois tinha de ajudar o pesquisador. A expedição não está acontecendo por mim, mas por uma questão maior de que faço parte.”

“Muita gente pergunta sobre história de aventura, de perrengue. Mas eu lembro mais do aprendizado do que da aventura. Trabalho muito com pesquisadores de carnívoros e a primeira coisa que me perguntam é se tenho medo de onça, de cobra. E falo que não: o que tenho medo é daquilo que não vejo, como malária, doenças sobre as quais não tenho controle. O perigo existe em todo lugar: hoje, tenho mais medo das ruas de São Paulo do que do mato.” Dezembro de 2011 | Cásper

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“O respeito e a verdade são imprescindíveis. Isso é o carro chefe. Não consigo conceber um fotógrafo que mente sobre a foto. Por que vou falar que fiz a foto em um lugar quando fiz em outro? Mentir para o leitor é mentir antes para mim mesmo, pois eu estava na cena, eu pertenci àquela cena. Acredito nessa relação minha com a imagem. Eu me entrego à foto. Quando estou fotografando, estou presente de corpo e alma no momento. E acho que é por isso que não faço distinção quando estou fotografando. Ir para a Amazônia ou entrar em uma fábrica, o prazer de fotografar é igual. Gosto de clicar, do prazer de pensar na imagem. Não importa a cena.”

“Tive o privilégio de vivenciar tanta coisa e por isso, mais do que ter a obrigação de compartilhar, tenho a honra de compartilhar tudo isso. Porque é uma honra ver a Antártida lá de cima, é uma honra ver a Amazônia que já vi, os países e culturas que já conheci. É uma honra conviver com caboclos, índios, sertanejos, pessoas de uma sabedoria ímpar. E vamos preservar tudo isso aqui porque é fantástico!”

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“Não tenho uma segunda intenção na foto, faço pelo prazer de fazer. Nunca fiz uma imagem pensando em um concurso ou uma utilização específica. Você tem de acreditar no seu olhar, ter dedicação absoluta. Me entrego de corpo e alma e talvez isso fique subliminarmente na imagem. Essa é a alma da fotografia: quantas fotos do mesmo assunto você já viu? Só que tem a de um fulano que te emocionou mais. Ou seja, há alguma coisa ali. É uma coisa sutil, mas está lá. Tecnologia todos têm acesso e podem comprar, técnica todo mundo aprende, só que o nosso olhar a gente lapida.”

“Acho que não faço fotojornalismo. Eu sou apenas um fotógrafo porque na minha concepção, pelo menos, fotojornalismo é outro segmento. O fotojornalista é o cara que vai atrás da informação. Mas talvez seja um erro meu associar o fotojornalismo à rapidez do click, porque também tenho o papel de ser um mediador entre os mundos. Se vou para a Amazônia e vejo um lugar fantástico, devo mostrar que esse lugar é fantástico. Se vejo a destruição, devo mostrar isso também. Mas eu gosto de estética, gosto de luz e gosto de construir a imagem. Não importa quanto tempo eu demore em alcançar o que quero. E muitas vezes, o fotojornalista não tem este tempo disponível. Eu tenho a sorte de ter o tempo a meu favor.”

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CAPA 42

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É filme mesmo? Beneficiado com os bons ventos da produção cinematográfica brasileira, o documentário ainda enfrenta a resistência do público por Gabriela Sá Pessoa

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esde 2004 o cinema brasileiro não recebia indicações ao Oscar. Naquele ano, Gone Nutty, de Carlos Saldanha, foi indicado para concorrer como o melhor curta-metragem de animação. Esse jejum foi finalmente quebrado em 2011, com a indicação de Lixo Extraordinário, coprodução dos diretores brasileiros João Jardim e Karen Harley com a britânica Lucy Walker, ao prêmio de melhor documentário. Reconhecidos pela Academia norte-americana de cinema, os documentários nacionais parecem ganhar força no país. De acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), houve um aumento

significativo na produção não ficcional brasileira: em 1995, três documentários foram lançados em salas de cinema. Em 2009, esse número subiu para 38. No total, de 1995 a 2009, 183 produções chegaram ao circuito comercial. Esse cenário favorável aos documentários pode ser atribuído a três fatores temporalmente coincidentes: a Retomada do cinema nacional, a partir de 1995, com as leis de incentivo à produção; o aumento do mercado exibidor, com a criação das salas multiplex em shoppings centers e o aprimoramento da tecnologia das câmeras digitais. Além de atenuarem as

diferenças técnicas entre os equipamentos profissionais e amadores, as câmeras digitais diminuíram o custo da produção cinematográfica. É o que indica Marco Vale, cineasta e professor no curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero. Para ele, esse barateamento foi essencial ao documentário. “É difícil fazer uma superprodução para o gênero. Geralmente, ele é feito com baixos custos e equipes pequenas.” O próprio Vale lembra que, quando era estudante de Rádio e TV na Escola de Comunicações e Artes da USP, “Um ou outro gato pingado queria fazer documentário. Hoje isso já é bastante diferente”. Ele se Dezembro de 2011 | Cásper

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“A grande questão é saber realmente dominar a linguagem do documentário e trazer alguma novidade para ela”, comenta Pedro Butcher

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recorda de ir a palestras de Eduardo Coutinho naquele tempo, “O cara que fez o documentário mais importante do cinema brasileiro, Cabra Marcado Para Morrer”, e encontrava a plateia quase vazia. “Agora, quando o Coutinho vai realizar uma palestra, é uma correria para se inscrever.” Iniciante no gênero com o longa Porta a Porta – A Política Amir Labaki, Em Dois Tempos, que acompafundador e diretor nha os bastidores das eleições do Festival municipais em uma cidade no Internacional de Documentários interior de Pernambuco, o ciÉ Tudo Verdade neasta Marcelo Brennand acre-

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dita que iniciar um projeto de documentário é mais fácil do que um de ficção. No entanto, para ele, a não-ficção torna-se mais difícil no que diz respeito ao processo de montagem e composição final da obra. “No filme de ficção, você grava dez horas de material, mas tem um roteiro, uma linha narrativa para seguir. No documentário, você tem oitenta horas e não sabe o que fazer com aquilo.”

Linguagem em foco A linha narrativa é justamente

uma das principais questões no documentário brasileiro atual. “O digital tornou o documentário muito fácil”, conta Pedro Butcher, editor do boletim eletrônico Filme B, “A grande questão é produzir algo que tenha relevância”. Ele afirma que esse potencial de um filme se dá primeiro na escolha do tema e depois no tratamento para que ele não se transforme em um “lugar-comum”. Segundo Butcher, existem sintomas de saturação na produção audiovisual – em especial, na de não-ficção. Nesse contexto, ele acredita ser difícil criar alguma coisa diferente. “A grande questão é saber realmente dominar a linguagem, trazer alguma novidade para ela”, diz. A aparente falta de inovações estéticas, na prática, também está relacionada à consolidação da entrevista como principal fio condutor do documentário, modelo que é atribuído à obra de Eduardo Coutinho, o mais influente realizador no gênero. “A entrevista é essencial no estilo dele [Coutinho], mas foi algo depurado em décadas para chegar à simplicidade”, lembra Vale. “Todo mundo está imitando o Coutinho, se acomodou muito a esse modelo”, continua, “não que isso seja algo ruim, necessariamente. Mas a questão é que virou um recurso meio facilitador em algumas produções.” Já Amir Labaki, fundador e diretor do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, discorda e não acredita que esse modelo predomine na produção documental brasileira: “Existe, sim, uma escola de ‘subCoutinhos’,


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mas não creio que tenham presença forte o bastante para prender nosso documentário”. “A entrevista virou o ‘feijão com arroz’ no documentário brasileiro. As pessoas fazem documentários que dependem muito da palavra”, contrapõe Marcos Pimentel, documentarista e professor da Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba. Ele acredita que o ideal é “Trabalhar com todas as ferramentas da linguagem cinematográfica, para poder transmitir em imagem e som às sensações da história que está sendo contada”.

Cinema versus televisão Outro problema do documentário é o mercado exibidor. Como afirma Ninho Moraes,

cineasta e professor no curso de Rádio e TV da Cásper Líbero, talvez “A maior crise pelo qual o documentário passa é justamente a de não saber onde ele será exibido”. De fato, o gênero é pouco lucrativo no que diz respeito à bilheteria. “As produtoras e distribuidoras fogem de documentário porque não tem público. As próprias empresas não patrocinam um filme que não tem um elevado retorno”, comenta Brennand. Marco Vale conta que essa situação pode ser percebida no cotidiano. “Às vezes, quando alguém comenta sobre um filme em exibição, pergunta se é filme mesmo ou documentário.” Para ele, muitos não acreditam que o documentário seja um filme, em virtude da hegemonia da ficção a partir da consolidação

do cinema clássico, no início do século passado. “O documentário sempre fez parte de um gueto, infelizmente”, completa. Os dados da Agência Nacional do Cinema comprovam a fala do professor: em 2009, 95,2% dos espectadores da produção nacional viram filmes de ficção ou animações no cinema, enquanto 2,5% assistiram a produções documentais. Quem constituiria, então, esse restrito público que vai ao cinema prestigiar os documentários? “Creio ser o mesmo público que assiste o chamado ‘cinema de arte’”, aposta Amir Labaki. Pedro Butcher concorda e acredita ser essa uma característica nas cinematografias de quase todos os países. “É uma questão cultural. A locomotiva do cinema como indústria e

O escritor José Saramago foi um dos personagens de Janela da Alma, um dos quatro documentários brasileiros mais vistos desde os anos 1990

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mercado é a ficção”, esclarece. Se as salas de cinema são o lugar tradicional do cinema de ficção, ressalta Butcher, “O espaço do documentário, apesar de ter sido sempre importante no cinema, foi consagrado na televisão”. Essa delimitação faz sentido ao se lembrar que a TV foi responsável por tornar nomes como João Moreira Salles, além do próprio Coutinho, documentaristas. Moreira Salles realizou a série Futebol (1998) e o seminal Notícias de Uma Guerra Particular (1999), sobre a violência e o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro, o canal pago GNT. A carreira de Eduardo Coutinho, por sua vez, foi definida pelo Globo Repórter. Criado em 1973, em sua primeira década 46

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Obra de Vik Muniz registrada em Lixo Extraordinário

de existência, o programa foi pioneiro ao abrir espaço para o documentário na televisão brasileira, realizando parcerias com cineastas, encomendando filmes a produtoras e até mesmo exibindo produções internacionais traduzidas para o português. “Coutinho não começou documentarista. Tornou-se um”,escreve Labaki no livro Introdução ao Documentário Brasileiro. Antes da passagem pela emissora, o cineasta já havia feito trabalhos de ficção, como a primeira versão de Cabra Marcado para Morrer (1964), O Homem que Comprou o Mundo (1968) e Faustão (1971). Sua produção para o Globo Repórter representou o pico do programa: o primeiro de seus trabalhos, Seis Dias de Ouricuri (1976), retrata o im-

pacto da seca em uma cidade do interior pernambucano. No entanto, o documentário mais importante desta fase é Theodorico, Imperador do Sertão (1978). O filme fala sobre um membro da elite agrária do Rio Grande do Norte e representa o amadurecimento de Coutinho no gênero, cujo domínio se cristalizaria, anos mais tarde, na segunda versão de Cabra Marcado para Morrer (1984). Hoje, a produção não-ficcional brasileira consolidou seu espaço na televisão a partir do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro, popularmente conhecido como DOCTV. Criado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, a política visa ao incentivo da produ-


“A entrevista virou o ‘feijão com arroz’ no documentário brasileiro”, afirma Marcos Pimentel Tudo verdade Em 1996, um ano após o início da Retomada, foi criado o É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentário, que acontece simultaneamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Dedicado exclusivamente ao gênero, o evento trouxe produções internacionais e deu maior visibilidade à produção documental brasileira. Além de chamar atenção para o gênero e ampliar o público, Amir Labaki, criador e diretor do festival, acredita que a premiação fez com que o público de documentário “Se tornasse, sobretudo, um pouco mais jovem”. Marcos Pimentel foi premiado no festival em 2011 na categoria curta-metragem, com A Poeira e O Vento. A obra documenta o cotidiano de um vilarejo no interior de Minas Gerais, cujas famílias,

Santiago, de João Moreira Salles, é um exemplo de reinvenção da linguagem do cinema não-ficcional

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ção independente, cuja exibição é garantida pelas televisões públicas estaduais. Para Solange Lima, presidente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas (ABD), o projeto “Fez renascer a sede e o entusiasmo de documentários no Brasil nos últimos anos”. Ainda assim o documentário precisa ser exibido nos cinemas para ser respeitado. Produzindo documentários para a televisão, Marco Vale percebeu que o prestígio é diferente nessa mídia e nas salas exibidoras. “Os críticos não olham da mesma forma, é impressionante”, lembra o professor. Pedro Butcher explica o motivo dessa distinção: o cinema seria uma “janela mais nobre”, onde o filme tem mais visibilidade. Para ele, “Se o documentário chega direto à televisão, acaba se diluindo na massa da programação”.

apesar do turismo na região, vivem isoladas e à margem do progresso. Ele acredita que o evento é “A maior vitrine do documentário na América Latina”, acostumando o público com o gênero. “É um campo vastíssimo, que possibilita experimentar uma série de coisas. O festival tem valorizado isso”, defende o documentarista. O melhor longa-metragem de não-ficção na edição 2011 foi Família Braz – Dois Tempos, resultado da parceria entre a jornalista Dorrit Harazim e o cineasta Arthur Fontes. Os realizadores revisitam o cotidiano de uma família de classe média paulistana, a qual haviam retratado dez anos antes em Família Braz. A obra pode ser considerada um retrato das mudanças socioeconômicas que atingiram o país e a vida daquela família no período. Dorrit avalia o documentário vencedor: “Isso é algo que só os jurados podem responder, mas talvez eles tenham visto um Brasil por detrás do filme”. Segundo ela, a premiação no festival animou

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Com o festival É Tudo Verdade, a produção documental ganhou maior visibilidade para as plateias brasileiras os realizadores a exibir a obra no circuito comercial, ainda que em poucas salas, consideradas “janelas possíveis de exibição”.

Boa inspiração Mesmo sendo um “patinho feio” da produção cinematográfica, os documentários têm inspirado a ficção. “Nos últimos anos”, aponta Marco Vale, “diversos realizadores têm copiado a linguagem mais ‘suja’ do documentário”. Essa linguagem busca a intervenção mínima na realidade e nas personagens retratadas. Sendo assim, não se controla a situação que acontece diante das câmeras que, por vezes, chacoalham, perdem o foco e expõem os mecanismos da filmagem. DIVULGAÇÃO

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Se antes a veracidade no cinema clássico escondia ao máximo os bastidores da produção para não quebrar a magia, hoje, explica Vale, “A ideia de realismo está na própria consciência do espectador de que aquilo foi filmado e que existe uma câmera por detrás”. O professor cita O Resgate do Soldado Ryan (1998), Cloverfield (2008) e, recentemente, o vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2010, Guerra ao Terror (2009). Mesmo assim, as resistências do público ao documentário levam diversos realizadores a optar pela ficção “baseada em fatos reais”. No caso do cinema nacional, podem-se citar filmes biográficos, como Chico Xavier (2010), Cazuza (2004) e Olga (2004). Inclusive o grande sucesso Tropa de Elite (2007), do

também documentarista José Padilha, que se inspirou no documentário Notícias de Uma Guerra Particular, além do livro Elite da Tropa. A questão para Solange Lima, presidente da ABD, é “o gargalo na distribuição” das produções. Ela acredita que isso pode ser superado com políticas de visibilidade, como iniciativas semelhantes ao projeto de lei que prevê a oficialização do Dia do Documentário Brasileiro. A data é comemorada em 7 de agosto, uma homenagem ao cineasta Olney São Paulo, perseguido pela ditadura militar. Foram promovidos debates e manifestações nas 27 capitais brasileiras, para resgatar a memória de documentaristas “esquecidos” e discutir os novos rumos do setor.

O músico Hermeto Pascoal, em cena de Janela da Alma


Os grandes documentários nacionais Na última década, a produção documental brasileira teve sua linguagem reinventada ao explorar os limites entre realidade e ficção. Para conhecer que obras mudaram os rumos do gênero no país, não deixe de assistir a esta filmografia básica indicada por Marco Vale, professor do curso de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero:

Ônibus 174 (2002), de José Padilha A história de Sandro do Nascimento, que sequestrou um ônibus na cidade do Rio de Janeiro em 2000, é narrada no longa-metragem, vencedor dos festivais do Rio, Havana, Rotterdam e da Mostra Internacional de São Paulo. Depoimentos de pessoas envolvidas na tragédia, bem como de familiares e amigos do jovem, se intercalam com imagens reais do acontecimento. O filme tenta compreender quais condições teriam levado Sandro – um dos sobreviventes do Massacre da Candelária, em 1993 – a manter onze reféns presos durante quase 5 horas. Inserida no contexto da guerra civil carioca, a obra propõe uma reflexão sobre o caráter retroativo da violência no país.

Entreatos (2004), de João Moreira Salles Os bastidores da eleição que elegeu o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2002, é o tema do documentário dirigido por João Moreira Salles. O cineasta acompanhou cada detalhe da campanha: desde as viagens até as gravações da propaganda eleitoral, passando, inclusive, pelas visitas do então candidato ao cabeleireiro. Diante da grande quantidade de material filmado, o documentarista privilegiou aqueles momentos que mostravam o político fora dos holofotes da imprensa.

Jogo de Cena (2006), de Eduardo Coutinho O diretor de Cabra Marcado para Morrer se reinventa em Jogo de Cena: um filme sobre os limites entre realidade e ficção no documentário. Coutinho utiliza sua consagrada técnica de entrevista para contar histórias de personagens comuns, interpretados por atores e gente “de verdade”. Assim, o espectador é convidado a brincar com as estruturas narrativas do gênero.

Santiago (2006), de João Moreira Salles Originalidade é o adjetivo que melhor pode descrever Santiago, de João Moreira Salles. A obra não é só o retrato do excêntrico mordomo que dá nome ao filme (e que por 30 anos atendeu a família do documentarista), mas um exercício em que o cineasta se propõe a escancarar os mecanismos do fazer cinematográfico, acompanhado das relações de poder. O filme começou em 1992, quando Moreira Salles descobriu uma curiosidade de seu mordomo: Santiago escrevera mais de 30 mil páginas relatando 500 anos das dinastias reais e de nobreza ao redor do mundo. Entretanto, o cineasta abandona o filme, retornando a trabalhar na obra somente em 2005 – desta vez, conduzindo a narrativa de uma maneira distinta.

Serras da Desordem (2006), de Andrea Tonacci Ao contrário do que o nome indica, o documentário Serras da Desordem evidencia a crença do cineasta Andrea Tonacci na possibilidade da comunhão do homem com a natureza. A produção conta a história de Carapiríu, um índio nômade que escapa de um ataque de fazendeiros, e também mistura produção documental e realidade, fazendo com que os personagens revivam sua própria história.

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Um curioso chamado

João

Famoso por abordar temas corriqueiros de maneira inusitada, o documentarista João Jardim conquistou a crítica e, sobretudo, o público

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A

lém de filmes, o documentarista João Jardim também coleciona marcos históricos em seu currículo. Em 2002, dirigiu Janela da Alma, a oitava bilheteria brasileira daquele ano e um dos quatro documentários mais vistos desde os anos 1990. Na última edição do Oscar, foi codiretor de Lixo Extraordinário, indicado à premiação na categoria Melhor Documentário. Formado em Jornalismo pela Faculdade da Cidade, no Rio de Janeiro, e em Cinema pela Universidade de Nova York, já trabalhou como assistente de direção em projetos de não-ficção para o cinema, como Dias Melhores Virão, de Cacá Diegues. Para a televisão, editou as séries Memorial de Maria Moura e Agosto, além de ter dirigido Engraçadinha, todos para a Rede Globo. Sua estreia no gênero documentário nos cinemas foi com Janela da Alma, que discute a visão a partir de uma abordagem inusitada, abarcando desde o mundo “enquadrado” pelos óculos de grau até as diferentes experimentações da realidade por deficientes visuais. Aliás, inusitado é um adjetivo adequado para classificar os temas tratados na obra de João Jardim. Sua produção seguinte, Pro Dia Nascer Feliz (2006), busca conhecer a mentalidade e os anseios de adolescentes em diversas regiões e universos sociais do país. Lixo Extraordinário, por sua vez, acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores de material reciclável do Jardim Gramacho, maior aterro sanitário do mundo localizado em Duque de Caxias (RJ). Muniz se propôs a compor e leiloar no mercado de arte internacional fotografias a partir de releituras de pinturas consagradas, tendo como protagonistas os trabalhadores do aterro e utilizando como matéria-prima o próprio lixo lá coletado. Para Jardim, uma das vantagens de fazer não ficção é o aprendizado durante o processo produção, a qual começa “Sem saber onde vai chegar”. Em entrevista por telefone, o documentarista falou sobre as características do gênero, bem como o mercado exibidor e as leis de incentivo à produção. O senhor já passou por diversos gêneros audiovisuais: da teledramaturgia ao documentário. Qual deles diz mais sobre a sociedade brasileira? Acho que, na verdade, cada gênero tem sua função e sua utilidade, um não sobrepõe o outro. Dependendo daquilo do que você pode falar, utiliza-se um gênero ou outro. O bom documentário deve ter algum espírito crítico e, assim, despertar reflexão? Depende, pode servir para divertir também. Não dá para generalizar. Logicamente, é bom quando vemos um filme que nos faz pensar e aquela reflexão fica conosco por muito tempo. Mas não quer dizer que uma produção mais engraçada não possa ser boa dentro do veículo e da proposta dela. Então acho que todos os documentários podem ser interessantes, mas é bom que um filme faça refletir, especialmente quando o tema dele pede isso.

Quando o senhor filma, já imagina o formato da obra ou isso surge ao longo da produção? Quanto à forma, acho que o documentário tem essa característica de se modificar conforme vai sendo feito. É importante ele ter essa maleabilidade, a disponibilidade de mudar, de se adaptar à realidade que está abordando. Como avalia a recepção da produção não ficcional brasileira no exterior? O público de documentário no mundo é muito ávido por coisas diferentes, por coisas novas e originais. O que fez o Lixo Extraordinário circular tanto é porque traz uma realidade que as pessoas conheciam muito pouco, que é o cotidiano de catadores de material reciclável em um aterro sanitário. Acho que um dos motivos pelo qual ele foi tão bem recebido é porque abordava uma coisa que tinha sido pouco vista e que atraía o interesse do público de documentários. Desde 1993, a Lei do Audiovisual vem viabilizando produções no Brasil e, recentemente, ela foi prorrogada por mais 20 anos. Como o senhor avalia a importância da lei? Ela deve continuar existindo? Sim, porque temos uma produção estrangeira que toma conta do mercado de maneira muito determinante no Brasil. É avassaladora. Então é muito difícil qualquer indústria conseguir se sustentar quando o mercado é basicamente dominado pelo produto estrangeiro. A grande questão é essa, você tem uma indústria hegemônica muito forte nos Estados Unidos. Não acho que ela seja vilã ou que seja um problema, adoro o cinema americano. Mas você precisa ter maneiras de financiar a produção nacional sem ela depender de um mercado muito ocupado por uma produção estrangeira que, muitas vezes, chega por aqui praticamente paga. O senhor acredita que o documentário brasileiro, em geral, está preso ao modelo de entrevista? Isso é uma característica que existe em muitos lugares do mundo, tem muito a ver com o custo. Os projetos que fazemos para a televisão têm essa característica justamente por adequar o custo que podem pagar por aquele produto. No caso do cinema, acho que já existem muitas coisas diversas. É importante inovar. As pessoas não têm mais paciência, o ideal é fazer documentários que tenham menos aquilo que se chama de talking head. Como sua formação em Jornalismo influencia o modo como o senhor trata o entrevistado e monta o documentário? Acho que foi fundamental, porque gosto de fazer coisas investigativas, sem saber onde se vai chegar. O interessante de um documentário é isso: quando você já sabe tudo, não tem o que fazer. Enquanto faz o filme, você vai descobrindo aquela realidade, entendendo os processos, para que o público também viaje com você. Dezembro de 2011 | Cásper

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MÚSICA


arte ouvidos

A de sujar os

Críticos musicais contam o dia a dia da profissão, que não se limita a analisar os últimos lançamentos do mercado por Renan Goulart imagens Amanda Nogueira

N

ão sou um guia de consumo”, alerta Jotabê Medeiros, crítico de música de O Estado de S. Paulo, quando fala a respeito de sua profissão. Seu primeiro trabalho foi há 25 anos, quando escreveu uma resenha sobre o álbum The Wall, do Pink Floyd. Eram tempos de faculdade e, na esperança do primeiro emprego e dinheiro extra, enviou o texto para Mauricio Kubrusly, então editor da SomTrês, a primeira revista com a qual Jotabê colaborou. Muito antes dele, nos anos 1930, Mario de Andrade já mantinha uma coluna no extinto Diário de S. Paulo, tornando-se o primeiro crítico musical do país. Os 160 artigos publicados revelavam o pensamento que Andrade tinha sobre os compositores da época, assim como o valor das obras e sua importância social e política. Jotabê Medeiros acredita que o trabalho realizado pelo escritor há tantas décadas mantém-se atual, já que o jornalista de música não apenas sugere ao leitor aquilo que é fundamental para ouvir. “Te-

nho a pretensão de que o texto possa a ter uma função reveladora de sua circunstância histórica, indicando como se pensava em uma determinada época e qual era a ideia que as pessoas tinham de arte”, explica. Fazer uma crítica musical, além de tudo, exige envolvimento com o trabalho de outra pessoa e análise imparcial. Do grego krinein (separar, decidir, julgar), a crítica é o exercício de desconstruir uma obra de arte e interpretá-la, sem permitir que suas preferências e gostos pessoais interfiram. “Crítica é o cara se debruçar sobre a música e discorrer profundamente sobre aquilo depois de conhecer toda a discografia do artista e ter ouvido o disco umas cinco ou seis vezes”, define Marcus Preto, crítico musical da Folha de S.Paulo. Para ele, os artigos que são publicados nos jornais atualmente não podem ser considerados críticas. “A notícia chega hoje e você tem de publicar amanhã. Então, consigo escutar um disco no máximo duas vezes”, explica. “Não é Dezembro de 2011 | Cásper

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Os críticos devem interpretar as obras musicais sem permitir que os gostos pessoais interfiram na análise do material

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“Não conheço muita gente que saiba transmitir, em palavras, a emoção ao escutar uma música. É muito complicado”, conta Miyazawa exatamente crítica, é mais um comentário com as primeiras impressões que aquele disco me causou.” Ter referências é essencial para obter um texto de qualidade na correria do jornal diário, segundo Preto. “Quanto mais o crítico tiver ouvido coisas e conhecer estilos, mais riqueza ele imprimirá em seu texto. Senão, ele irá ouvir aquilo e não fará sentido nenhum”, afirma. Jotabê Medeiros concorda: “Por exemplo, você vai resenhar o novo disco do Arctic Monkeys. É bom que tenha conhecido Syd Barret e os primórdios da música psicodélica inglesa, senão você irá achar que eles acabaram de inventar alguma coisa”.

Para o crítico do Estadão, escrever sobre música, em qualquer veículo, exige uma formação complexa “que não tem escola”, apenas o maior contato possível com as obras dos artistas. Pablo Miyazawa, editorchefe da Rolling Stone, por outro lado, procura analisar discos como produtos que os músicos colocam nas lojas. “Não conheço muita gente que saiba transmitir, em palavras, a emoção que se tem ao escutar uma música. É muito complicado”, opina, deixando claro que sua análise se baseia na intenção do artista ao lançar o disco. “Cada um escuta música de uma maneira. Você pode falar que tal canção te emociona ou dá von-

tade de dançar. Isso sim pode ser descrito.” Para ele, o artista vende sua arte, estando, dessa maneira, sujeito a ser avaliado. Assim como Mário de Andrade, Miyazawa é músico – o que, segundo ele, o ajuda na hora de escrever. Apesar disso, não acredita que seja necessário saber tocar algum instrumento para ser um profissional da área. “Acho que tenho uma visão de análise diferenciada, ajuda muito no entendimento, mas isso não quer dizer que uma pessoa sem base teórica esteja impedida de escrever sobre música”, diz, constatando que a maioria dos críticos que conhece não sabe tocar nada. Assim como Jotabê, que


As referências culturais dos profissionais são a principal base na hora de escrever uma crítica sólida

confessa não saber “tocar nem campainha” e afirma conhecer gente que toca “Maravilhosamente bem, mas não consegue escrever uma linha direito”. Para o editor-chefe da Rolling Stone, tocar e ouvir música não é a parte principal da cobertura do jornalismo musical, mas ele acredita, no entanto, que “Seria ótimo se todo mundo pudesse ter a habilidade de tocar um violão, de entender do que está falando”. Mesmo assim, Miyazawa, músico antes de se tornar jornalista, não se considera um profissional especializado somente em assuntos musicais. “Prefiro ser um jornalista sem ‘complemento’ porque assim estou aberto a oportunidades que poderão aparecer”, justifica. Essa versatilidade é prezada por Jotabê, que também escreve matérias sobre política cultural. “Você tem de estar atento a diversas áreas: a policial, a política e tantas outras. O Jornalismo Cultural está inserido

nesse contexto, assim como Economia e Esportes”, acredita, constatando a dificuldade de críticos, que, ao serem contratados por cadernos de Cultura, param de trabalhar com outros assuntos. “Escrevem apenas críticas, no esquema do ‘gosto’ ou ‘não gosto’. Como se a opinião deles fosse a coisa mais importante do mundo e, na verdade, opinião todo mundo tem”, diz. Para o jornalista, os textos devem revelar ao leitor que “Ali tem uma engrenagem, algo acontecendo. Por exemplo, não se coloca um show no Anhembi sem que haja um mercado de showbiz, um circuito de apresentações, agentes negociando, financiamento de público, Lei Rouanet, essas coisas”. A escolha dos assuntos publicados, no caso da Rolling Stone, como explica Miyazawa, é feita com base na compreensão daquilo que o momento pede. “É avaliar e entender o que é bom, relevante, essencial”,

afinal, “recebemos centenas de discos por mês e é impossível cobrir tudo”. A falta de espaço é sentida, principalmente, no caso dos jornais. Marcus Preto revela que, além de selecionar o que é relevante, tem de “brigar” por espaço. “Muitas coisas que acho legais ficam de fora. Parece que elas foram ignoradas, mas é o contrário”, conta. A maior dificuldade para o jornalista é conseguir publicar matérias sobre artistas iniciantes. “Você tem de provar que ele vai ser relevante, caso ainda não seja.” Jotabê quase sempre escolhe sobre o que irá escrever, com exceção dos casos em que “Os fatos são muito maiores do que a minha vontade, como um show do U2, por exemplo”. Por tratar-se de uma das maiores bandas do mundo, com a turnê mais lucrativa da história, o evento precisa de cobertura. “Vou ter que ir para o local do show, ficar em porta de hotel, fazer plantão e tudo

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mais”, conta. Em relação a pautas “não óbvias”, ele acredita que é preciso tê-las e impô-las. “Se você cria isso como hábito, dificilmente será massacrado pela agenda de cultura, que é bem ingrata”, afirma.

Mercado editorial Segundo Jotabê Medeiros, uma nova relação com música surge com a migração da crítica para o meio eletrônico, “Tanto é que o disco praticamente não existe mais”. Ele acredita que os grandes embates ainda são travados nos jornais, mas que há um bom trabalho sendo feito em blogs e sites. Alex Antunes, editor da revista Bizz na década de 1980, discorda em parte. “A indústria 56

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musical se desorganizou toda e os antigos críticos e veículos que eram levados a sério estão todos em uma grande lástima. Não que não tenham boas análises, mas isso já não está se expressando por meio de veículos usuais”, afirma. Para ele, não há espaço nem dinheiro nesses meios, o que faz com que a internet seja o refúgio daqueles que escrevem sobre música, profissionais ou não. “Acho que, por isso, a crítica não tem a menor importância nesse momento. Boa parte das pessoas não tem todo o tempo e toda a disposição do mundo para ficar navegando em milhares de sites, nem escolher as suas prediletas entre todas”, diz, apontando que, em breve, novos “filtros” deverão surgir para

“A indústria musical se desorganizou toda e os antigos críticos e veículos estão uma grande lástima”, considera Alex Antunes, ex-editor da Bizz

indicar o que pode ser relevante. No Brasil, uma referência no segmento musical foi a revista Bizz, lançada em 1985, ano em que aconteceu a primeira edição do Rock in Rio. Na época, com a redemocratização do país, assuntos ligados à cultura jovem começaram a receber mais atenção, o que impulsionou a criação da publicação que encerrou suas atividades em 2007, deixando uma lacuna em nosso mercado editorial. Desde então, não houve nenhum outro título exclusivamente musical de largo alcance, a não ser as especializadas em heavy metal, como Roadie Crew e Rock Brigade, que colocam juntas apenas cerca de 60 mil exemplares em circulação todo mês. Existem


também aquelas dedicadas ao aprendizado de instrumentos, caso da Guitar Player, que traz entrevistas com guitarristas e lições de técnica musical. Alex Antunes acredita que a tendência seja essa, “A segmentação por estilo ou faixa etária”. De um modo geral, o mercado de publicações de papel sofre com constantes baixas no número de vendas, que não sustentam uma revista por si só. Também são necessários anunciantes, difíceis de serem conquistados pelos títulos de música, segundo Miyazawa. “De alguma forma, os anunciantes pensam que o leitor de uma revista de música só gosta de música, o que não é verdade. Ele também toma re-

“Quanto mais o crítico tiver ouvido coisas e conhecer estilos, mais riqueza ele imprimirá em seu texto”, afirma Marcus Preto frigerante e dirige carros”, diz. É por esse motivo que a Rolling Stone se assume como uma revista de entretenimento e não apenas de música. “Atrapalharia, comercialmente falando, se fizéssemos assim. A revista não estaria onde está”, revela. Alex Antunes concorda que não há anunciantes suficientemente dispostos a sustentar uma revista de música. “Além disso, no Brasil, não temos uma grande tradição em publi-

cações especializadas em música, como existe na Inglaterra, por exemplo, onde podemos encontrar muitas. É natural que elas não existam mais por aqui”, opina. Já Miyazawa acredita que a internet cumpre essa função. “Acho que existe mais espaço para uma revista que fale de vários assuntos do que uma que seja apenas sobre música. Há bons sites que conseguem preencher essa lacuna da coisa mais específica”, afirma.

Poeira Zine: revista com atitude de fanzine escontente com o mercado brasileiro de publicações de música, Bento Araújo, de 34 anos, arregaçou as mangas e criou a Poeira Zine. Publicada bimestralmente há 9 anos, com uma tiragem de 3 mil exemplares, trata-se de uma revista independente sobre rock clássico com atitude de fanzine, como ele a define. “Eu tinha uma carência de ler coisas boas. Nas bancas havia apenas títulos que tratavam de estilos que não gosto muito. Então, a ideia que tive foi a de fazer uma revista que gostaria de ler”, explica. Além de reportagens especiais sobre bandas clássicas, também são publicadas matérias com artistas atuais, desde que elas sejam do agrado do jornalista. “Não gosto de comprar briga com fã, nada disso, então procuro aproveitar o espaço para falar somente coisas boas”, esclarece. Colaborador da Rolling Stone e do Caderno2+Música, publicado aos sábados no Estadão, Araújo garante que nunca tomou prejuízo. “A revista sempre se pagou com anúncios e a venda dos exemplares, a R$ 10 cada, pela internet ou em pontos credenciados, como lojas de discos, instrumentos, sebos”, conta. Os anúncios veiculados são de lojas, shows e bandas independentes. Apesar de já ter considerado vender o Poeira Zine por meio de uma editora, ele não acredita que as vendas seriam satisfatórias. “Se tivéssemos ido para as bancas, teríamos quebrado no segundo número. Será que uma revista com o Captain Beyond na capa venderia?”, questiona, deixando claro que sua publicação é restrita a um nicho. “Falar de psicodelia peruana só nesse esquema mesmo”, ri.

ARQUIVO PESSOAL

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Bento Araújo apresenta sua vasta coleção musical

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ENTREVISTA 58

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Um

nerd na redação O jornalista Alexandre Versignassi tem uma missão difícil: mostrar ao público que a Ciência pode ser interessante e divertida por Henrique Koller, Ítalo Fassin e Thiago Tanji imagens Henrique Koller

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lexandre Versignassi é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. No entanto, ao contrário da maior parte de seus colegas, não fica intimidado quando vê uma intrincada fórmula matemática. Nem se surpreende com as aparentemente incompreensíveis equações da Economia. Pelo contrário: o jornalista, editor das revistas Superinteressante e Aventuras na História e autor do livro Crash – Uma Breve História da Economia, sempre se interessou por esses temas. E quase prestou vestibular para Física. Jovem e dinâmico, Versignassi tinha um motivo bastante específico ao entrar na graduação de Jornalismo. “A única coisa que sabia fazer bem era escrever e entrei no curso para trabalhar na Superinteressante. Era o que queria desde o começo”, afirma. Para isso, ainda nos tempos de faculdade, buscou especializar-se na cobertura científica: quando estagiava na Folha de S.Paulo, escrevia uma coluna sobre tecnologia no caderno semanal Folhateen. E decidiu ousar em seu Trabalho de Conclusão de Curso, produzindo um livro que explicava temas como Teoria da Relatividade e Física Quântica de uma maneira simples para um público jovem. Nesta entrevista, além de contar sobre os principais aspectos do jornalismo científico, Versignassi comenta o lançamento de Crash – Uma Breve História da Economia, que utiliza uma linguagem leve, divertida e informativa para falar sobre temas econômicos, um assunto normalmente pouco compreendido pelo grande público. “A Economia é, em geral, meio bitolada, então buscava puxar assuntos que chamassem a atenção das pessoas, para que eles continuassem a ler o livro sem se cansar”, explica. De fato, como em toda sua carreira, o autor provou que é possível fazer com que números, fórmulas e equações se tornem interessantes para o leitor.

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Na época do colégio, você era daqueles alunos que gostavam de Matemática e Física? Gostava, principalmente por causa da Superinteressante. Lia a revista desde moleque e aqueles temas eram os grandes assuntos que me interessavam. Fiz colégio técnico em telecomunicações, na Federal de São Paulo, para tentar transformar esse gosto em uma coisa mais prática, quase prestei vestibular para Física. Mas vi que não levava jeito para trabalhar com Matemática de uma maneira mais “pesada”: no colégio, tinha gente muito boa, com uma facilidade em estudar aqueles assuntos que eu jamais teria. Mas também não fiz jornalismo por acaso. A única coisa que sabia fazer melhor era escrever e entrei no curso para trabalhar na Superinteressante. Era o que queria desde o começo. E já na faculdade você buscou se aprofundar no jornalismo científico? Sim. O meu TCC era um livro que buscava explicar a “Teoria Final”, quando você junta a Teoria da Relatividade com Física Quântica. Um dia, quando estiver bem mais velho, vou querer reto-

E o que fazer para que essa linguagem acessível não perca a essência do conteúdo? Toda vez que você vai escrever, precisa dar um jeito de explicar aquilo que é básico, ministrar um “minicurso” para a pessoa. Em Economia, por exemplo, quando se quer falar sobre a baixa dos juros, é necessário explicar que esse fato terá como consequência um fluxo maior de dinheiro e, se não for acompanhado de um aumento na produção, pode gerar inflação. Mas essa explicação deve ter um contexto, surgindo no texto de uma forma natural. Simplificar o assunto não significa deixar a essência de lado. O que você tem de fazer é buscar analogias, fazer uma coisa diferente para que as pessoas prestem atenção. Colocar uma equação econômica em sua reportagem vai fazer com que ela fique distante do mundo real. Mas os cientistas não entram em conflito com jornalistas, já que as linguagens utilizadas são bastante diferentes? Tem muito cientista que não aceita uma simplificação. Um exemplo: quando se fala sobre a Te-

“Existe um vício grande, tanto no jornalismo econômico quanto no científico, de o repórter escrever com uma linguagem acadêmica para mostrar que ele está inteirado no assunto” má-lo porque é um livro de ciência bem pesada. No TCC, consegui deixar o assunto com uma linguagem acessível para o público, mas precisaria de um trabalho muito maior para transformar aquele projeto em um livro de verdade. O trabalho de um jornalista científico é “traduzir” a linguagem científica para o público. Como tornar esse assunto interessante para os leitores? A primeira coisa é não usar jargão nenhum. Existe um vício grande, tanto no jornalismo econômico quanto no científico, de o repórter escrever com uma linguagem acadêmica para mostrar que ele está inteirado no assunto. Você deve ter a preocupação de se comunicar claramente com qualquer pessoa, sem colocar o seu ego no meio, sem querer ser admirado. E para o público entender esses temas, você tem que se aproximar ao máximo da linguagem falada, quase como se estivesse em uma mesa de bar mesmo. É algo muito difícil de ser feito, precisa chamar a atenção, ser divertido, simples. 60

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oria da Relatividade e como o movimento afeta a passagem do tempo, podemos simplificar isso dizendo que, quanto mais rápido alguém se movimenta, mais rápido o tempo passa para essa pessoa. Mas daí um cientista fala que isso está errado porque o que acontece é “quanto maior a sua velocidade relativa ao observador...”. Ele já irá iniciar a explicação dessa forma e ninguém vai entender nada. Qual a sua opinião sobre a cobertura do jornalismo científico no Brasil? Acho que está melhorando. Até pouco tempo atrás havia uma cobertura muito vinculada à política, como por exemplo, “quem será o próximo presidente da FAPESP [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo]” ou “a bolsa que tal acadêmico ganhará”. Isso é relevante até certo ponto, mas as pessoas também querem ler coisas interessantes. Hoje, por exemplo, a Super é uma revista de massa e, por isso, tem de contar com capas que falam do Cristianismo, do Espiritismo. Mas quando se faz uma matéria sobre

“Simplificar não significa deixar a essência de lado”


a história real de Jesus Cristo, você pode puxar outros assuntos, como Arqueologia, documentos históricos, uma cobertura científica mesmo. Com isso, conseguimos vender bem e, junto com a reportagem de capa, abordaremos temas mais profundos que irão satisfazer os leitores tradicionais. A redação da Superinteressante só conta com jornalistas ou também há historiadores, cientistas? Só há jornalistas. O historiador normalmente faz o curso e depois se especializa em uma coisa específica, como, por exemplo, História Colonial. Ele irá saber sobre os primeiros escravos que vieram para cá, as rotas de navegação... Ter um profissional desses na redação não é legal porque ele não tem um conhecimento global, coisa que o jornalista possui. Um bom jornalista consegue transmitir para o público aquilo que um acadê-

mico não consegue, afinal, a gente estuda para comunicar coisas para as pessoas. Mas você precisa ter um conhecimento técnico, entender o que a fonte está falando: só dá para escrever a reportagem quando se compreende o assunto, não dá para ficar raciocinando em cima daquilo que não se tem certeza. De onde vêm as ideias para pautas tão inusitadas? Você acaba pegando o costume. Na Super, a gente verifica os livros que estão vendendo bem, das coisas que as pessoas estão indo atrás. Por exemplo, percebemos que tem mais gente comprando vinil e aprendendo a fazer cerveja artesanal. Pegamos alguns gráficos de cursos de cerveja que existem no Brasil, vamos verificando e, no final, temos uma matéria “Os hippies do século XXI”. Fazemos praticamente uma “minitese” de Dezembro de 2011 | Cásper

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Apple. A outra, décadas depois, vem justamente destruir aquilo que criou: com o iPhone e o iPad, todos têm acesso aos mesmos recursos, de um engenheiro de computação a uma criança. Esse trabalho de pensar em pautas é constante. Você nunca desliga. Quando sai de férias, é quando se pensa ainda mais em pautas, mas essa é a parte boa, uma das graças de ser jornalista. Se a gente fizesse Odontologia não íamos ficar pensando em obturação durante as férias... E falando um pouco mais do seu livro, você se surpreendeu com o sucesso? Não dá para dizer que tive uma surpresa porque um amigo da redação na Super, o Leandro Narloch, fez o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil e hoje o cara vende quase mais que o Padre Marcelo. Não espero vender tanto quanto ele, mas imaginava que o livro poderia dar certo, por ser escrito com uma linguagem mais informal, pegando um assunto sisudo e escrevendo em “linguagem normal”. Realmente acho que o Brasil ainda está muito virgem nesse tipo de mercado e todos os jornalistas que escolherem um tema que chame um pouco a atenção das pessoas irão conseguir uma vendagem legal.

“A editoria de Economia é ostensivamente coberta pela imprensa, mas pouco explicada”

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doutorado. Outra coisa é acompanhar o que está rolando lá fora, às vezes uma notinha que saiu em uma revista estrangeira é a sua matéria de capa. Mesmo sendo uma revista “de massa”, a Superinteressante conta com um público específico. Como fazer para agradar esses leitores? Nós sabemos aquilo que vai vender e o que não vai. A venda em banca é mais lucrativa que a assinatura, então é importante que tenham bons resultados. Na hora de escolher uma pauta para a capa, temos uma noção razoável se ela irá estourar. O difícil mesmo é pautar o resto da revista. Vou dar um exemplo concreto: tem uma seção que chama “Essencial”, que é como se fosse um editorial. Nós tínhamos de falar alguma coisa sobre a aposentadoria do Steve Jobs, mas o que dizer? Tínhamos de criar uma tese sobre o Steve Jobs. Então falamos que ele tem duas encarnações. A primeira é a dos anos 70, quando ele cria toda a cultura nerd com a

A ideia do livro surgiu depois da crise de 2008? Na verdade, surgiu na crise de 2008. Estava de férias quando bateu a crise, mas quando voltei para a redação, fiquei insistindo com meu chefe para a gente tentar escrever alguma coisa sobre a crise, mas com o nosso jeito, utilizando outra abordagem. Fiquei um dia inteiro tentando ler o máximo de coisas sobre o assunto e lembrei algo que tinha visto havia um tempinho: a crise das tulipas na Holanda no século XVII, que era muito parecida com a situação de 2008. A repercussão dessa matéria foi excelente, e aí pensei que poderia explicar a Economia de um jeito não convencional na forma de livro. Depois da crise, o público começou a se interessar mais por Economia? Sempre que ocorre algum episódio como esse, o interesse em torno do assunto cresce. Sem a crise de 2008 não haveria esse livro: a editoria de Economia é ostensivamente coberta pela imprensa, mas pouco explicada. Todos os veículos só falavam sobre a crise, mas de um jeito difícil de as pessoas entenderem. Mas na verdade, as pessoas começaram a se interessar sobre Economia quando a Bolsa de Valores estava dando muito dinheiro, batendo recorde atrás de recorde. Todos estavam curiosos para ver que história era aquela.


“Um bom jornalista é capaz de transmitir para o público aquilo que um acadêmico não consegue, afinal, a gente estuda para comunicar coisas para as pessoas” E como editar uma parte da história da Economia em pouco mais de 300 páginas? É ver o que você irá deixar de fora. E a primeira coisa que deixei de fora foi discutir teorias, “segundo David Ricardo, segundo Keynes”. Não tem segundo ninguém. Quando quiser se aprofundar, poderá ver que certas linhas são keynesianas, certas coisas são schumpeterianas. Vamos direto ao assunto, sem ficar falando quem fez cada teoria. Você tem de abordar alguns assuntos obrigatórios e, a partir daí, ver onde consegue encaixar o resto. Geralmente a Economia é meio bitolada, então sempre buscava puxar assuntos que chamassem a atenção das pessoas, para que eles continuassem a ler o livro sem se cansar. No livro, você conta que “brincou” na Bolsa de Valores. Você usou mais alguma coisa que aprendeu com a Economia na vida prática? Mexer na Bolsa foi a primeira coisa que aprendi sobre Economia. Em 2005 ou 2006, fiquei bem viciado nisso e comecei a entender o assunto. E Bolsa de Valores é esporte, você pode até ter uma

parte do seu dinheiro aplicado, mas é um jogo disputado com a expectativa das outras pessoas, é um pôquer em escala mundial. Há algumas histórias de enriquecimento, mas isso é muito relativo. É difícil pegarmos dinheiro do “nosso mundo” e realmente conseguirmos um baita negócio. É um cassino, não tem sabedoria que resolva. E tive de falar disso no livro: sexta-feira à tarde na redação, eu sabia muito pouco sobre a Bolsa e coloquei 80 reais quando o preço de cada ação estava 8 centavos. Quando acabou o dia, essa opção que tinha comprado estava valendo 2 centavos. Pensei “Sou o babaca do século, joguei 80 reais no lixo”. Chegou segunda-feira, fui olhar a tela da corretora e vi que a minha opção tinha valorizado 3000 e tantos por cento. Comecei a gritar, todo mundo da redação foi ao lado do computador. Comecei a tremer com o mouse porque só vi aquele número e pensei “Será que eu ganhei 1 milhão?”. Tinha perdido a noção. O valor não era tão alto, mas foram 80 reais transformando-se em 800. Mas ninguém antevê as coisas. No final da história, o meu saldo pessoal acabou em 0. Dezembro de 2011 | Cásper

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notícias

casperianas RELAÇÕES PÚBLICAS

De prêmios a palestras, as principais atividades desenvolvidas pela Faculdade Cásper Líbero no segundo semestre de 2011

Trabalhos da Cásper Líbero são destaque no Prêmio ABRP Mais uma vez, projetos desenvolvidos durante o curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero foram reconhecidos no Prêmio ABRP – Concurso Universitário Nacional

de Monografias e Projetos Experimentais de Graduação e Pós-Graduação em Relações Públicas. Realizado no dia 27 de setembro no Teatro Cásper Líbero, o prêmio chegou a sua

29ª edição. Sete trabalhos da instituição ficaram em primeiro lugar, três conquistaram a segunda colocação e duas produções receberam uma menção honrosa.

Mostra expõe produção de Relações Públicas

CULTURA GERAL

Entre 24 e 28 de outubro, a Faculdade promoveu a Semana de Relações Públicas, batizada de Mostra! Comunicação, cuja organização coube à Coordenadoria de RP. De acordo com Luiz Alberto de Farias, coordenador do curso, o evento “tem cunho acadêmico e, ao mesmo tempo, é focado no mercado profis-

e de Flávio de Borba Schmidt, presidente do Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas. Na mesma data, a mostra promoveu um “fotodebate” sobre o cotidiano e os costumes atuais do Oriente Médio, a partir da experiência que o ex-aluno Norton Ficarelli teve ao visitar a região.

9º Ciclo de Cinema de Cultura Geral discute a questão racial A representação do negro na cinematografia brasileira pautou as discussões do 9º Ciclo de Cinema de Cultura Geral, realizado entre os dias 22 e 26 de agosto. Durante a semana,

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foram exibidos seis filmes, seguidos de debates entre professores e alunos da Cásper. O Ciclo também teve a presença do ator Eduardo Silva, que participou de Quilombo, e Jeferson

De, diretor de Carolina. Ambas as obras fizeram parte do evento, que também contou com as produções Madame Satã, Preto Contra Branco, Xica da Silva e Os 12 Trabalhos. divulgação/cecl

Da esquerda para a direita: o ator Eduardo Silva, Prof. Claudio Arantes e o aluno Rodrigo Luiz

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sional”. Foram apresentados trabalhos de todos os anos da graduação: projetos de criação de uma agência, ações estratégicas para ONGs, cases e projetos experimentais dos alunos do 4º ano. O evento de abertura, no dia 24, contou com a presença da Profa. Tereza Cristina Vitali, diretora da Faculdade,


divulgação/cecl

RÁDIO E TV

5ª Semana do Audiovisual: realidade profissional além da sala de aula Realizada entre os dias 15 e 19 de agosto, a 5ª Semana do Audiovisual trouxe reconhecidos profissionais de Rádio e TV para dividir experiências com os estudantes da Faculdade Cásper Líbero. O evento foi organizado pela Comissão Casperito, formada exclusivamente por alunos, que trabalharam em parceria com a Coordenadoria do curso.

O apresentador Marcelo Tas, líder da bancada do programa CQC, da Rede Bandeirantes, foi um dos destaques. Além de reconhecido pela trajetória na televisão, Tas também é ativo e influente na internet, através das mídias sociais. Na palestra, o comunicador debateu o uso criativo e eficiente de blogs e outras ferramentas tecnológicas.

O apresentador Marcelo Tas

Gazeta AM promove oficina com Rádio Comunitária Heliópolis No dia 24 de setembro, Dia Nacional da Responsabilidade Social, a Rádio Universitária Gazeta AM, da Faculdade Cásper Líbero, promoveu uma oficina de Radiojornalismo para funcionários e colaboradores da Rádio Comunitária

Heliópolis. Coordenada pelo professor Pedro Vaz, a atividade ofereceu aos participantes aulas teóricas e práticas sobre o assunto. Contando com o apoio de alunos voluntários dos cursos de Jornalismo e Rádio e TV, os

participantes tiveram a oportunidade de redigir um texto radiofônico, além de praticarem técnicas de locução. No final da experiência, todos fizeram uma entrada ao vivo no programa esportivo No Vestiário, transmitido pela Rádio Gazeta.

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JORNALISMO

divulgação/cecl

19ª Semana de Jornalismo: debate com convidados ilustres Entre os dias 3 e 7 de outubro, a Coordenadoria de Jornalismo organizou pela 19ª vez uma semana dedicada a discussões pertinentes ao campo jornalístico. Entre os temas debatidos, o surgimento e a sobrevivência dos meios de comunicação alternativos; as novas ferramentas

tecnológicas para os jornalistas; técnicas de apuração e bastidores de reportagens. No primeiro dia de palestras, Mino Carta, jornalista veterano e atual diretor de redação da revista Carta Capital, criticou fortemente os veículos de imprensa brasileiros.

Outro conhecido nome que participou do encontro na Cásper Líbero foi Fernando Morais (confira entrevista exclusiva na página 6). Relembrando sua trajetória na imprensa, o jornalista falou sobre seus livros-reportagem A Ilha e Os Últimos Soldados da Guerra Fria.

Mino Carta

6ª Semana de PP debate os desafios da profissão Entre os dias 29 de agosto e 1º de setembro, a Coordenadoria de Publicidade e Propaganda convidou oito palestrantes de grande representação no mercado publicitário brasileiro para conversar com os estudantes do curso sobre os novos desafios da profissão. A sexta edição do encontro con-

tou com as presenças de Hugo Rodrigues (Agência Publicis), Ricardo Cavallini (WMcCann), Ken Fujioka (sócio da Loducca), Otávio Dias (Repense Comunicação), Adrian Ferguson (Fischer&Friends), Ruy Lindenberg (Leo Burnett Tailor Made), Michel Lent (PontoMobi) e André Porto Alegre (Associação

dos Profissionais de Propaganda - APP). Na abertura da Semana, Hugo Rodrigues, atual COO (Chief Operating Officer) e CCO (Chief Creative Officer) da Publicis no Brasil, analisou como as campanhas publicitárias podem se reinventar com as ferramentas da era digital. Dezembro de 2011 | Cásper

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CRÔNICA

três

minutos

por Gabriel Mitani

A

bre os olhos de supetão. Estica o braço, sente que faz frio fora da coberta. Faltam três minutos para o despertador tocar. Vez ou outra o relógio biológico é mais rápido. Vira-se para aproveitar os últimos instantes de sono a que tem direito. Tenta encontrar a parte mais aquecida da cama, é uma mania. Desiste de relembrar os sonhos recentes, pensa nos compromissos do dia, e que coisa estranha essa de acordar tão perto da hora. Acontecia muito nos tempos de faculdade, hoje o corpo não deixa e... o despertador dispara, levanta-se num pulo. Enquanto toma uma xícara de leite, gasta alguns minutos lendo manchetes e lides. Naquela época não tinha tempo pra isso, só se preocupava em sair mais cedo pra pegar um ônibus mais vazio. Veste-se, ajeita a mala e enfrenta o trânsito. Chega à Paulista depois de 50 minutos – exatamente o mesmo tempo que levava quando ia de coletivo, se equilibrando no amontoado ou lendo um livro quando havia espaço. Avista a companheira e compram ingressos para a primeira sessão da tarde. Foi com ela que, nesse mesmo local, encontrou momentos de paz. Foi naquela época. No almoço falam das chateações e dão risada das soluções estapafúrdias que se sugerem para os problemas da vida. Foi sempre assim. Correm para o cinema e na porta trombam com um grupo de senhores que encontraram em outras salas, na semana passada. Queriam ser do tempo deles. O filme termina alguns minutos antes do previsto. Nos passos que levam ao estacionamento trocam palavras sobre a elegância da atriz, o desfecho amigável – apesar de previsível – e despedem-se. Vai trabalhar, e volta a se lembrar daquela época. Passa pelo bar do trote, pelo ponto de ônibus que já não tem a mesma cara, pelo self-service do japonês gente fina, pela escadaria que mirava todas as manhãs. As escolhas pareciam fazer algum sentido, apesar de ter

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Cásper | Dezembro de 2011

passado tudo muito rápido. Chega ao trabalho um pouco mais cedo que o habitual. No corredor que leva à redação, sente o cheiro do carpete que sempre impregnou aquele lugar. Desacelera o passo e tenta pensar em algo de positivo. Só o que lhe vem à mente é Sísifo, a pedra e o mito que o atormentam há algum tempo. Chega à porta cujo adesivo sugere: “puxe”. Mas a empurra. Então vê os primeiros passos da dança: são os últimos segundos antes do desfiladeiro. Enquanto repórter e editor arredondam um texto, pauteiros seguram dois, três telefonemas em busca de um dado improvável. As telefonistas cochicham sobre o novo funcionário. Outros correm para as ilhas de edição, cortando mesas e cadeiras pra economizar segundos preciosos. Um grito avisa que o disco de reportagem chegou da rua. Alertas de rádios disparam, comunicação em viva-voz pra surdo algum botar defeito. A harmonia é frenética demais pra ser levada a sério. Nada aconteceu, a cidade continua a mesma. Depois da estafante tarefa de cumprimentar a todos com quem cruza olhares, chega ao posto. É o próximo convidado, basta fazer login. Ainda se lembra da senha daquela época e de tantas outras que teve de criar em cada computador a que teve acesso. Olha em volta, está rodeado de gente eufórica. Volta-se pra tela, está só. Que sufoco que era estar sozinho num ônibus lotado. Lembra de respirar quando se dá conta de que o expediente está chegando ao fim. Que dia estranho, parece que já passou por isso tudo. Olha as horas e vê que está três minutos adiantado, vai sair mais cedo. Ainda esses três minutos, os mesmos que lhe foram roubados da noite anterior. Corre pra casa para compensá-los logo, se dá conta de que amanhã tem mais uma pedra pra empurrar. Gabriel Mitani concluiu o curso de Jornalismo da Cásper em 2007. Hoje é editor de texto do Bom Dia São Paulo (TV Globo) e cursa Letras (Alemão-Português) na FFLCH-USP.



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