REVISTA CÁSPER #25

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COPA NA RÚSSIA O casperiano Elcio Padovez conta os bastidores de sua terceira cobertura do Mundial de futebol

MARCELO TAS O versátil comunicador não cansa de se reinventar e agora mira em cursos na internet

´ CASPER 25 Setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018

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Paleta de cores: uma combinação de tons que pode ser utilizada em conjunto durante a criação de peças gráficas. Esta foi a utilizada nesta capa

SOB MEDIDA

Como a comunicação tem se beneficiado do design para compartilhar mensagens com eficiência



´ CASPER

AS TRÊS CAPAS

ISSN 2446-4910

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda

COPA NA RÚSSIA O casperiano Élcio Padovez conta os bastidores de sua terceira cobertura do Mundial

FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa

EDITORA DE ARTE E FOTOGRAFIA Luana Jimenez PROJETO GRÁFICO Giulia Gamba DIAGRAMAÇÃO Henrique Artuni, Larissa Basilio e Luana Jimenez REVISÃO Thiago Bio NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br revistacasper.casperlibero.edu.br CAPA Luana Jimenez IMPRESSÃO E ACABAMENTO Eskenazi Indústria Gráfica 3

Se não houver um © explicitado, você pode CC • julho •copiar, adaptar maio • junho agosto 2017 e distribuir os conteúdos BY desta revista, desde que atribua créditos

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Nº 25 – SETEMBRO, OUTUBRO, NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2018

COLABORADORES Jorge Tarquini, Rafael Grohman, Tiago da Mota e Silva e Welington Andrade

ESPECIAL A comunicação recorre cada vez mais ao design para transmitir suas mensagens

´ CASPER 25 #

SOB MEDIDA

REPORTAGEM Carla Cristina dos Santos, Elcio Padovez, Guto Martini, Henrique Artuni, Larissa Basilio, Luana Jimenez, Maria Luisa Rodrigues, Pedro Garcia, Paula Leal Mascaro, Rafaela Bonilla e Thiago Bio

O FRENÉTICO

MARCELO TAS O versátil comunicador não cansa de se reinventar e agora mira em cursos na internet

Setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018

MARCELO TAS O versátil comunicador não cansa de se reinventar e agora mira em cursos na internet

´ CASPER 25 Setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018

Marcelo Tas fala da carreira e de seus novos projetos digitais em comunicação Nº 25 – SETEMBRO, OUTUBRO, NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2018

CONSELHO EDITORIAL Helena Jacob, José Eugenio de Oliveira Menezes, Joubert Brito, Marcelo Rodrigues, Patrícia Salvatori, Roberto D’Ugo e Sonia Castino

COPA NA RÚSSIA O casperiano Elcio Padovez conta os bastidores de sua terceira cobertura do Mundial de futebol

SOB MEDIDA

EDITORES Paula Leal Mascaro e Rafaela Bonilla

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REVISTA CÁSPER

EDITOR-CHEFE Eduardo Nunomura

´ CASPER 25

Setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018

Nº 25 – SETEMBRO, OUTUBRO, NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 2018

COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob

ESPECIAL A comunicação recorre cada vez mais ao design para transmitir suas mensagens

O FRENÉTICO

REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS

DAVI x GOLIAS Como Folha de S.Paulo e Jornalistas Livres encaram a cobertura das eleições

REVISTA CÁSPER

REVISTA CÁSPER

SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos

PEQUENA E GRANDE IMPRENSA Editores da Folha de S. Paulo e do Jornalistas Livres debatem sobre o cenário político brasileiro

Paleta de cores: uma combinação de tons que pode ser utilizada em conjunto durante a criação de peças gráficas. Esta foi a utilizada nesta capa

SOB MEDIDA

Como a comunicação tem se beneficiado do design para compartilhar mensagens com eficiência

Três reportagens presentes nesta edição da revista CÁSPER disputaram, até o último instante, a possibilidade de ser capa. A primeira delas é o debate que promovemos com os jornalistas Fábio Zanini, da Folha de S.Paulo, e Laura Capriglione, do Jornalistas Livres, para discutir a cobertura das eleições. Opor um gigante das comunicações frente a um recente, porém combativo, veículo não foi por acaso. Queríamos mostrar como a nossa combalida democracia depende da livre circulação de ideias que só a existência de uma imprensa plural e diversa é capaz de proporcionar. Mas esta publicação não fala só de jornalismo, então era preciso variar o cardápio. Uma segunda pauta, atualíssima, é a de design, conceito cada vez mais necessário em todas as ramificações do campo comunicacional. O grande truque dos profissionais criativos tem sido o de transmitir mensagens por meio de produtos e serviços que nos sejam, a um só tempo, belos, atraentes, fáceis de usar, modernos e funcionais. Pense em um smartphone, uma rede social ou uma marca e perceba o quanto viramos devotos deles, às vezes até sem ter necessidade. A reportagem especial mostra que design é pura comunicação. Por último, queríamos encontrar um personagem que pudesse, só de bater os olhos nele, sintetizar um profissional de comunicação versátil, afinado com o tempo, sempre disposto a aprender e a ensinar. Esse comunicador é Marcelo Tas, mais conhecido como ex-apresentador do humorístico CQC (para os mais novos), o Professor Tibúrcio (para os mais crescidos), o repórter-personagem Ernesto Varela ou o apresentador Bob Mc Jack (para nós mais velhos), programas que foram exibidos pela TV Gazeta. O objetivo desta revista que chega às suas mãos foi o de presenteá-lo com três importantes reportagens. Mas temos certeza de que ao folhear o restante das páginas encontrará outros conteúdos valiosos produzidos pela nossa brava equipe, como a aventura do casperiano Elcio Padovez na cobertura da Copa do Mundo na Rússia, a estreia da coluna Na Estante, com dicas de leituras feitas por professores, e a triste despedida do comandante Erasmo Nuzzi, jornalista que dirigiu a Faculdade Cásper Líbero por cinco mandatos. Boa leitura!

EDUARDO NUNOMURA

Editor-chefe

CÁSPER

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SUMÁRIO 12 DEBATE

6 :: POR ONDE

Fábio Zanini, editor da Folha, e Laura Capriglione, uma das criadoras do Jornalistas Livres discutem a cobertura eleitoral de 2018

ANDA ::

Fundador do Nexo conta sua trajetória na política

8 :: FEITO À MÃO ::

O poder e a dedicação dos fãs na criação de narrativas ficcionais, as fanfics

9 :: BITS & BYTES :: Inteligências que estão ajudando comunicadores

10 :: POR CONTA PRÓPRIA ::

Empreendedorismo fora do jornalismo

18 CHARGE

O posicionamento ideológico de quatro desenhistas

20 MARCELO TAS

A realidade por trás dos personagens do comunicador

29 A ACADEMIA

Os bastidores de uma produtora de audiovisual de sucesso

32 CAPA: BELO E FUNCIONAL

Por que o design se tornou peça-chave no campo da Comunicação

38 PORTFÓLIO

Por trás do clique das fotografias de publicidade

44 A HORA DE INOVAR

Pesquisa mostra a falta de iniciativas brasileiras em nível mundial

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CASPERIANAS

Elcio Padovez conta suas impressões sobre a Rússia, anfitriã da Copa 2018

46 :: GIRO PELO MUNDO :: 48 ERASMO NUZZI

A história do homem que esteve mais tempo à frente da Cásper

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setembro • outubro • novembro • dezembro 2018

52 :: NA ESTANTE :: 62 :: PARA ENTENDER MAIS ::



POR ONDE ANDA

Repórter E de política ::JORNALISMO:: Conrado Corsalette fundou o NexoJornal depois de quase duas décadas cobrindo administração pública e eleições nas principais redações do País

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setembro • outubro • novembro • dezembro 2018

m 1999, ano em que se formou na Cásper Líbero, Conrado Corsalette já trabalhava no jornal Agora SP. Nascido em Santo Anastácio, no interior paulista, viveu na vizinha Presidente Venceslau, de onde saiu só para cursar a faculdade. Não tinha um futuro traçado, mas estava certo de que cobriria política. Um ano depois parecia que tudo iria por água abaixo. Na cobertura das eleições, fez uma reportagem sobre suspeitas no setor de transportes da gestão (1993 a 1996) de Paulo Maluf. Novamente candidato, Maluf aproveitou a manchete que tinha saído do tom, processou o diário e obteve uma manchete-resposta. “Achei que minha carreira tinha acabado. Foram dias terríveis, mesmo sabendo que o problema não estava no meu texto”, lembra. Ajudado por colegas mais experientes, que ensinaram a ele que jornalistas estão expostos o tempo inteiro, Corsalette ergueu a cabeça e seguiu em frente. Do Agora SP, ele foi para O Estado de S. Paulo (2000 a 2004), a Folha de S.Paulo (2004 a 2012) e voltou ao jornal dos Mesquitas (2012 a 2015). Em 2002, cobriu a disputa presidencial, seguindo o candidato Luiz Inácio Lula da Silva pelo país. No diário dos Frias, foi repórter em Cidades e também da coluna Painel. “Fazíamos de 30 a 40 ligações por dia para saber por onde estava se encaminhando a política. Era um lugar cheio de off e bastidores”, lembra. Em 2012, ao retornar ao Estadão, haveria eleições municipais e o julgamento do escândalo do mensalão. Com a licença-maternidade da titular, ele assume a editoria de Política e fica responsável pela cobertura dos tumultuados episódios no país. Três anos depois, Conrado parte para um desafiador projeto, a criação do NexoJornal. Aliou-se à antropóloga Paula Miraglia e à engenheira Renata Rizzi para fundar a startup, um veículo online que ajuda a contextualizar e aprofundar o noticiário. “Queríamos estar em um lugar de equilíbrio que buscasse contemplar coxinhas, petralhas; da direita, da esquerda”, diz, orgulhoso da empreitada. Editor-chefe do Nexo, hoje Corsalette apresenta semanalmente o Politiquês, um podcast que explica a política. (Rafaela Bonilla)


RAFAELA BONILLA

Conrado Corsalette na sede do NexoJornal no centro da cidade de São Paulo

CÁSPER

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FEITO À MÃO

por Luana Jimenez

Reescritores modernos ::FANFIC:: Com o poder de compartilhamento digital, fãs se esmeram em produzir versões diferentes de obras favoritas, as chamadas fanfics Sabe aquele momento desesperador em que estamos lendo um livro, assistindo a uma série ou filme esperando pelo final perfeito e o autor nos decepciona? Ou quando terminamos a leitura de uma obra incrível, tão absolutamente fantástica, que dói o coração só por chegarmos ao fim dela? Não se preocupe, existe uma solução e ela se chama fanfiction ou, para abreviar, fanfic. Trata-se de uma narrativa escrita por fãs baseada em produtos midiáticos, na qual o leitor é quem toma as rédeas sobre a história. Seja apropriando-se dos personagens, enredo ou universo, ele repagina a obra de que tanto gosta, fazendo o que bem entende e algumas vezes bem diferente do que os criadores originais imaginaram. Tudo isso pelo simples prazer de dar continuidade e expandir o conteúdo que gosta, sem fins lucrativos ou intenção de violar direitos autorais. O caso mais famoso da atualidade é a franquia de 50 Tons de Cinza, que começou sendo uma fanfic erótica da série juvenil Crepúsculo, de Stephanie Meyer. A autora E. L. James apimentou a história original, surpreendendo Stephanie, e virou um fenômeno mundial. Mas não é plágio. As duas histórias guardam em comum as relações afetivas e de poder entre os personagens que acabam se apaixonando. Alguns autores optam por trabalhar sob uma realidade alternativa, mudando alguns aspectos da concepção original do autor, ou em um universo alternativo, que ocorre em um mundo diferente. Às vezes, um mix dos dois estilos. As fanfics existem há tempos. Em 1973, a norte-americana Paula Smith publicou numa fanzine a história A Trekkie’s tail, que satirizava as fanfics da série Jornada nas Estrelas. Foi um sucesso estrondoso. Mas foi graças à cibercultura que a cultura participativa elevou as fanfics para um novo patamar. Há diversos sites para divulgar essas produções, como os brasileiros Spirit Fanfics e o FanficObsession e o mundial Archive of Our Own (AO3) ou as plataformas independentes como WattPad, blogs e redes sociais, como o Tumblr. 8

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BITS & BYTES

Pergunte à arroba ::AJUDANTES VIRTUAIS:: Serviços de respostas automáticas checam desde os gastos de parlamentares até alterações na Wikipédia POR HENRIQUE ARTUNI

Você manda uma mensagem pelo Facebook ou pelo Twitter e um robô é quem responde. Esses serviços virtuais, chamados de bots, estão em alta. Eles foram desenvolvidos para eliminar tarefas repetitivas e alguns estão ficando sofisticados. Usados também para fins maliciosos, como propagar notícias falsas, os bots já estão ajudando o cidadão a fiscalizar as instituições. Fatos, por favor

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Justiça tardia

O Jota, portal especializado em notícias jurídicas, lançou um bot capaz de monitorar processos parados no Supremo Tribunal Federal. A redação do site alimenta um banco de dados com as ações e quando alguma delas completa um aniversário – de 6 meses, 9 meses, 1 ano, em diante –, o perfil do Rui (@ruibarbot, apelidado em homenagem ao famoso jurista brasileiro, Rui Barbosa) dispara um tuíte anunciando do que trata o processo e um link para o portal do STF. O Jota já usava bots internamente e agora a nova ferramenta pode auxiliar jornalistas de todo o país a acompanhar os trâmites da Justiça. O plano é que futuramente o robô expanda a monitoria para outros tribunais.

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Ao estabelecer contato com o @Facterbot o usuário receberá mensagens três dias por semana que avisam sobre fake news. Monitorando hashtags e fontes já apontadas como fraudulentas por agências de checagem, o jornalista espanhol Andrés Jiménez busca o noticiário de diversas editorias. No Brasil, a agência Aos Fatos lançou o robô Fátima em julho de 2018, um sistema semelhante e mais dinâmico, que funciona no Twitter, e que logo mais ganhará uma versão para Messenger. Gastos na mira

Toda vez que parlamentares solicitam despesas que parecem excessivas ou atípicas, a @RosieDaSerenata entra no ar. O projeto utiliza ciência de dados para fiscalizar gastos públicos e analisar despesas reembolsadas pela Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP). Ao identificar um movimento duvidoso, o bot tuíta um link marcando sempre o perfil do político e o da Câmara dos Deputados. O cidadão que assinar o serviço pode fiscalizar os parlamentares, checando a procedência dos gastos.

(Des)informação coletiva

Quem garante que, além de maquiar suas ações públicas, os agentes do governo não possam estar editando informações no maior centro de conhecimento coletivo da internet, a Wikipédia? Pensando nisso, o programador Pedro Felipe Menezes criou o @brwikiedits, que acompanha as alterações feitas na Wikipedia a partir de IPs de computadores conectados a redes do governo federal, inclusive em páginas estrangeiras da enciclopédia. Muitas edições podem parecer banais, mas o robô já flagrou uma alteração no perfil da atual secretária de Políticas para as Mulheres, a socióloga emedebista Fátima Pelaes, feita por um computador da rede da Presidência que excluiu a informação de que ela é investigada na Justiça Federal. CÁSPER

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POR CONTA PRÓPRIA

A hora do plano B ::SEGUNDA CHANCE:: Conheça três jornalistas que se reinventaram, abandonaram a estabilidade e abriram seus negócios

SERGIO ZALIS

POR PAULA LEAL MASCARO

Largar uma carreira estável, sólida e bem sucedida para se jogar no universo incerto do empreendedorismo não é para qualquer um. Enquanto para alguns ter um trabalho com carteira assinada e benefícios é o sonho de consumo, outros se rebelam contra a estabilidade de um emprego fixo para se tornar seu próprio chefe e assumir riscos. As jornalistas a seguir, Claudia, Juliana e Alice estão neste time, profissionais que mudaram a trajetória de suas carreiras e hoje empreendem por paixão. 10

setembro • outubro • novembro • dezembro 2018

DO ESCRITÓRIO À PRAIA CLAUDIA GIUDICE, 52 ANOS, DONA DA POUSADA A CAPELA E BLOG VIDASEMCRACHA. COM.BR

Após 30 anos trabalhando com carteira assinada, Claudia Giudice montou uma pousada, escreveu um livro sobre sua experiência e criou um blog chamado Vida sem Crachá para compartilhar histórias sobre carreira e empreendedorismo. A empresária conta que empreender era um sonho muito antigo. “Em 2008, conheci minha sócia fazendo um trabalho para a empresa onde trabalhava. Ficamos amigas e descobrimos que tínhamos o mesmo sonho: ter uma pousada na beira da praia.” A jornalista, que trabalhou por 23 anos na Editora Abril, começou a planejar seu projeto enquanto ainda estava empregada. “Isso ajudou a começar o negócio com fôlego financeiro. Não precisava vender o almoço para pagar o jantar”, afirma. O planejamento prévio parecia antever as cenas dos próximos capítulos, bastante traumáticos, por sinal. Ela foi demitida em 2014, praticamente dois anos após abrir a pousada. Embora tenha sofrido no início com a falta de experiência no ramo de hotelaria, acredita que os anos vividos no mercado corporativo contribuíram muito para o sucesso do novo negócio. Apesar de confessar que tem saudades do jornalismo e do salário fixo no fim do mês, Claudia afirma que “valeu a pena planejar e colocar o plano em prática”.


MUDANÇA DE HÁBITO JULIANA DE MARI, 44 ANOS, COACH PROSACOACHING.COM

DIVULGAÇÃO

THAIS BITTAR

A jornalista Juliana de Mari virou coach para mulheres “depois de 20 anos de uma trajetória editorial muito animada e bem-sucedida.” Ex-executiva de revistas como Você S/A e Nova/Cosmopolitan, da Editora Abril, ela decidiu usar sua experiência para ajudar outras mulheres a se encontrarem profissionalmente. “Meu trabalho como coach é uma ferramenta, uma ponte entre a situação A que ela está vivendo e a situação B, onde quer chegar para se sentir mais realizada”, explica. Segundo ela, a transição de carreira aconteceu de forma intuitiva. Ao observar as mudanças no mercado jornalístico e também dentro da empresa em que trabalhava, Ju de Mari, sua assinatura atual, passou a buscar alternativas para construir novos caminhos profissionais. “Não foi um processo fácil. Sabia o que não queria mais, mas ainda não havia compreendido que as habilidades que tinha me permitiam explorar outras áreas”, avalia. A coach conta que a experiência adquirida ao longo dos anos foi um recomeço com a sensação de estar evoluindo como pessoa e como profissional.

SALTO DA FELINA ALICE SALVO SOSNOWSKI, 41 ANOS, CONSULTORA DE NEGÓCIOS E ESCRITORA OPULODOGATOEMPREENDEDOR.COM.BR

Em 2006, Alice Salvo Sosnowski resolveu abandonar o 13º salário e as férias remuneradas na redação da revista PC World. Antes mesmo que empreender virasse palavra de ordem, ela já percebia as transformações pelas quais o jornalismo passava em termos de relações de trabalho e remuneração. Tomou consciência dessa situação desde a sua formação universitária, em 1999. De tanto entrevistar empresários para suas matérias buscando qual o segredo do sucesso, Alice decidiu dar o pulo do gato e abrir sua empresa. Para a hoje consultora de negócios, a maior dificuldade que encontrou foi a falta de capacitação empreendedora. “Era uma jornalista formada que não tinha ideia de como fazer um fluxo de caixa, fechar um contrato jurídico ou negociar com cliente. Tive que aprender tudo na cara e na coragem”, diz. Em 2009, criou o blog O Pulo do Gato para compartilhar a difícil jornada no empreendedorismo. Alice também lançou neste ano o livro Empreendedorismo para Leigos, em que reúne mais de 12 anos de experiência sobre o tema e acredita que o grande desafio do empreendedor é estar em constante aprendizagem, buscar capacitação e ter humildade para aprender com histórias de sucesso e fracasso. CÁSPER

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JORNALISMO

O EMBATE DE DAVI E GOLIAS As mídias independentes entram em campo em busca de reconhecimento e para disputar o espaço ocupado por gigantes da comunicação POR PAULA LEAL MASCARO E RAFAELA BONILLA

NA BÍBLIA, a luta entre o pequeno Davi e o gigante Golias é a prova que os cristãos usam para falar do poder da fé. O pacato pastor de ovelhas derrotou o experiente guerreiro filisteu munido de cinco pedras, um estilingue e um cajado. A alegoria é perfeita para falar de Laura Capriglione e Fábio Zanini, jornalistas de larga experiência que toparam o desafio da revista CÁSPER de falar sobre os “pequenos” Jornalistas Livres e o gigante jornal Folha de S.Paulo. Uma das fundadoras do veículo de mídia independente, em 2015, Laura assume que pratica um novo tipo de jornalismo, feito com viés e que não se importa de ser chamado de “militante”. Nos últimos anos, mídias independentes, colaborativas e disruptivas, no papel de heróicos Davis, buscam atender às demandas de um público cada vez mais conectado e sedento por novidades que está deixando de ser atendido pelos Golias da imprensa. Para o editor de política da Folha, outras vozes são importantes no mundo contemporâneo, mas afirma que o maior jornal do país tem cumprido sua missão. Reunidos na manhã de terça-feira 5 de junho, após a greve de caminhoneiros que parou o Brasil, os representantes das duas mídias traçaram um panorama do atual momento do jornalismo brasileiro. Eles analisaram o cenário político eleitoral, o papel das redes sociais nas campanhas e a forma como seus veículos pretendem fazer a mais imprevisível cobertura política dos últimos anos.

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RAFAELA BONILLA

Na Folha de S.Paulo desde 1995, Fábio Zanini já foi correspondente em Londres e assumiu a editoria de política em 2015. Foi nesse jornal que Laura Capriglione permaneceu a partir de 2004 por dez anos. Na Editora Abril, trabalhou na revista Veja e conquistou o Prêmio Esso de Reportagem em 1994, com a reportagem Mulher, a grande mudança no Brasil. Em 2010, os dois cobriram juntos a Copa do Mundo na África do Sul pela Folha.

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Zanini, como enxerga o surgimento de iniciativas independentes como o Jornalistas Livres nesse cenário de massificação da mídia? Elas mostram narrativas diversas que a grande mídia não dá espaço ou são apenas veículos que geram militância? Fábio Zanini: É inevitável que em um país com a complexidade e dimensões do Brasil, que está lentamente adquirindo mais escolaridade, cultura, surgissem iniciativas que fugissem dos veículos tradicionais, da grande mídia. Existe espaço para o jornalismo militante. Apesar de não ser o formato que eu particularmente acredito, penso que ele tem uma utilidade, é importante e responde a um anseio de parte da sociedade. Nunca o jornalismo profissional foi tão necessário. E ao mesmo tempo a crise no jornalismo nunca não foi tão grave. Se é uma coi-

sa importante, não deveria estar em crise. Isso me leva a perguntar: o que estamos fazendo de errado? Quando questiona sobre o que estamos fazendo de errado, será que veículos como o Jornalistas Livres encontraram uma brecha para fugir da grande mídia e corrigir os erros? FZ: A grande mídia se comporta às vezes de forma muito arrogante. Fazendo uma analogia, talvez estejamos nos comportando como o taxista se coloca em relação ao Uber. Muitas vezes a grande mídia vê com preconceito a mídia alternativa ou mesmo as pessoas que estão postando mensagens e informações no Facebook. “Quem são eles? Nós somos a imprensa profissional e temos essa prerrogativa”, afirmam sem entender que há uma demanda da sociedade

por um tipo de jornalismo mais participativo, mais presente, ligado ao dia-a-dia das pessoas. Não demonizo a mídia independente. Aos poucos isso está mudando, mas ainda é um fenômeno lento. Laura Capriglione: Eu concordo com ele. Tem uma arrogância que é típica de grandes corporações que são questionadas. Mas há distinções importantes. A grande mídia, quando vai cobrir uma chacina na favela em que há uma vítima fatal, só cobre o fato da morte, ou seja, só ataca o sintoma, mas não a causa. O Jornalistas Livres tem a preocupação de captar o lado do sujeito que foi chacinado, da família. Mas essa é uma opção editorial nossa. Essas pessoas não têm voz e são invisibilizadas na maior parte das vezes pela imprensa tradicional. A mídia alternativa é fundamental LUANA JIMENEZ

Laura Capriglione, uma das idealizadoras do Jornalistas Livres, portal que reúne uma rede colaborativa de comunicadores independentes, não crê que o jornalismo possa ser imparcial. “A opinião do jornal é um viés”, diz, ao contrário do que pensa Fábio Zanini

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para chegar na lógica do invisível, o que implica em um compromisso ético em dar voz para quem não tem. Se isso é ser militante, então nós somos militantes. A grande imprensa também é militante quando ouve um só lado, o lado dos poderosos. A Folha mente quando diz que não é partidária dos interesses da classe média. Isso não é um problema. Mas é preciso assumir uma posição. Essa ideia da isenção e do apartidarismo é mito. Dizer que a Folha é apartidária e pluralista, alguém acredita nisso? Consta nos princípios editoriais que o jornal deve manter atitude apartidária, desatrelada de governos. Zanini, você concorda que a cobertura da Folha siga esses princípios? FZ: Acredito que a Folha consegue manter essa atitude apartidária, independente e crítica. Sobre alguns pontos que a Laura comentou, acho que ela precisa ler mais a Folha. Não é verdade que o jornal não ouça as vozes de quem foi vítima de violência na periferia. Eu entendo a crítica de que a Folha faça militância, embora não concorde. Talvez a imagem que a grande imprensa tenha construído é de que ela esteja a serviço das grandes corporações, do Estado. Não concordo. O jornalismo que acredito é aquele que persegue o que a Folha coloca nos seus princípios, que dá voz para todos os lados, embora nem sempre consiga, que persegue um equilíbrio entre as diversas correntes, um jornalismo plural que critica todos os governos. Consideram que é possível fazer jornalismo sem ter um viés? LC: Acho impossível. O problema é a mistificação de que seja possível. A opinião do jornal é um viés. O legal é poder viver em um mundo em que os vieses são confrontados e as pessoas possam tirar suas próprias conclusões. Esses grupos que estão se dotando de novas mídias como as mídias negras, LGBTs, Observatório de Favelas, mulheres, eles estão colocando a nu o que é um viés. O viés ocorre na prática, no fazer jornalístico. FZ: Eu concordo com você. É saudável ter jornalismo com viés, no sentido de ter um lado. É muito difícil um veículo não ter viés, mesmo na Folha. Diferente de outros veículos como o Jornalistas Livres que já partem de um viés. A Folha persegue o não ter viés. Nós colocamos isso como nossa missão, fazer um jornalismo crítico e independente. A gente consegue? Nem sempre. LC: Mas Fábio, para citar um exemplo prático, tanto é verdade essa história de viés que a Folha promoveu um debate sobre a participação de negros na mídia, após o episódio envolvendo a demissão do jornalista William Waack da Rede Globo. Não havia nenhum negro convidado para o debate. Isso é viés. Como você vai discutir a questão do preconceito se não tem um representante negro na discussão? A Folha tem um viés e diz que não tem. E isso é muito pior.

A imprensa alternativa é fundamental para chegar na lógica do invisível, o que implica em um compromisso ético em dar voz para quem não tem. Se isso é ser militante, então nós somos militantes. LAURA CAPRIGLIONE FZ: Qual foi o único veículo que deu alto de página para a demissão do William Waack? Pode pesquisar. Qual foi o único veículo que chamou o William Waack e o questionou em frente a uma plateia de centenas de pessoas sobre esse episódio? Foi a Folha. Eu não sei como foi o bastidor desse debate, não sei se foi um descuido ou se não foi pensado. As redações dos grandes veículos de comunicação estão se reduzindo. Os gigantes estão perdendo espaço no monopólio midiático? LC: Eu trabalhei na Folha na época em que o jornal vendia um milhão de exemplares aos domingos. Todos os grandes jornais estão em vias de extinção. O ano de 2013 foi de reflexão não só em relação ao PT, mas em relação à mídia também. “A Globo não me representa”, essa expressão é o símbolo da nossa época. A representatividade desses grandes jornais e veículos oficiais, corporativos, foi sendo perdida rapidamente. Estamos em 2018, cinco anos depois de 2013 e a gente vê que esse percurso está longe do fim. A falta da representatividade vai abrir espaço para qualquer louco surgir, tanto da direita quanto da esquerda. O fato de eles estarem hoje ousando falar tão abertamente as loucuras é consequência da crise da política e da crise dos órgãos de imprensa. FZ: Isso é verdade, mas você comentou da queda de representatividade de grandes veículos. Será que era bom quando a Globo representava 90% da audiência e todo mundo assistia ao Jornal Nacional sem viés crítico? Ou será que é melhor agora, quando no lugar de 90% de Ibope tem 35%? Hoje todo mundo olha o JN desconfiado. Talvez essa queda de representatividade seja uma coisa boa. LC: Concordamos totalmente. Como a cobertura das manifestações de 2015 feita por grandes veículos motivou o surgimento dos Jornalistas Livres? LC: A Folha começou a prestar serviço de ato público, informando aos manifestantes como chegar à manifestação, como pegar o metrôs e o ônibus, quais estações utilizar. Diante desse quadro, nós nos juntamos e decidimos

CÁSPER

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LUANA JIMENEZ

Para Laura, o maior jornal do país não é isento na cobertura dos fatos, sobretudo os políticos. “Acho que a Laura precisa ler mais a Folha”, retruca Fábio

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fazer uma contranarrativa, mostrar o que estava acontecendo. Os grandes veículos cobriam tudo de helicóptero ou de cima dos prédios. Nós fomos a pé, encontramos muitas pessoas democratas. Mas tinha quatro carros de intervenção militar, e isso não foi noticiado por outros veículos. Fomos explorar a diversidade toda. Nenhum jornal fez isso. E isso é ter lado, ter viés. A gente assume que tem. Mostramos que lá no ato tinha um monte de gente que não tinha apreço pela democracia.

nas manifestações de direita de 2015 também dava para os de esquerda. Então, isso é uma difamação. Jornalismo é você anunciar e noticiar o que está acontecendo. Ignorar é fazer antijornalismo. A Folha cobriu o ato com muitos repórteres, deu o espaço que achou que merecia dar. Acho ruim vocês, do Jornalistas Livres, dizerem que aquelas pessoas não sabiam o que estavam fazendo. Uma minoria estava pedindo o fechamento do Congresso, mas a maioria esta-

Zanini, acredita que a Folha incentivou as pessoas a irem para as ruas nas manifestações? FZ: Quisera eu trabalhar em um jornal que tivesse esse poder de convocar milhares de pessoas pelo Brasil. LC: Mas nas campanhas das Diretas Já o jornal passou a ser publicado com uma faixa amarela com a frase “Use amarelo pelas Diretas Já”. FZ: A Folha não faria isso de novo. Isso ocorreu em 1984, faz quase 35 anos. É outro momento, outro jornal. Hoje o jornal não faz campanha. Aquele serviço que a Folha dava

Mas é preciso assumir uma posição. Essa ideia da isenção e do apartidarismo é mito. Dizer que a Folha é apartidária e pluralista, alguém acredita nisso?

setembro • outubro • novembro • dezembro 2018

LAURA CAPRIGLIONE

va pedindo o impeachment da Dilma. Democracia é isso. Quem defende o golpe militar, tem o direito. Democracia é você tolerar um cara que defende o almirante Ustra, por mais repugnante e repulsivo que seja a figura dele e o que ele fez. Laura, só para esclarecer, você acha que a Globo e a Folha de S.Paulo perseguem o PT e a esquerda? LC: Na minha visão, tenho certeza. FZ: Você sabe como os bolsonaristas se referem à Folha? Foice de São Paulo. Para os petistas, somos a Falha de São Paulo. Você sabe o quanto a Folha apanhou em 2015, no auge dos protestos e manifestações na Avenida Paulista, quando os manifestantes diziam ter cinco milhões de pessoas e o Datafolha falava em 200 mil? Às vezes a imprensa é um bode expiatório muito conveniente para as pessoas exercitarem suas frustrações políticas. O [ex-presidente Luiz Inácia] Lula [da Silva] faz isso o tempo todo e de forma muito efetiva. Em 1989, ele demonizou as mídias, principalmente a Rede Globo pela veiculação do debate presiden-


cial. Em 2002, quando foi eleito, tratou de fazer as pazes com a imprensa. Já em 2018, com sua prisão, está de novo brigado com os grandes veículos de comunicação.

O que esperar destas eleições? Quais os planos da cobertura política? FZ: Esta eleição será muito intensa e polarizada. Será que as pessoas estão gostando dessa tensão ou estão cansadas disso? Será que o eleitorado vai para um lado de candidatos que exploram a tensão e a divisão como Bolsonaro, [Guilherme] Boulos e Ciro Gomes? Ou será que as pessoas estão cansadas e vão para o caminho do meio, de gente que promete estabilidade, como o [Geraldo] Alckmin e a Marina [Silva]? Para mim essa é uma questão em aberto que vai definir a eleição. Essas eleições terão muitos candidatos e estarão muito comprimidos no tempo. Um mês e meio frenético de muita mudança e variações. A Folha não trabalha com o Lula como candidato? FZ: A Folha continua colocando-o em cenários eleitorais e está apanhando muito. Domingo (10 de junho) terá pesquisa no Datafolha, e ele consta em alguns cenários. Até o momento em que Lula for impugnado temos que contá-lo, porque o PT vai registrá-lo como candidato. No momento em que ele não for mais candidato, paramos de

FÁBIO ZANINI HENRIQUE ARTUNI

Qual papel que as redes sociais vão desempenhar nestas eleições? LC: Um papel muito importante. O WhatsApp é a grande rede popular do Brasil. E é uma rede complicada, que tem menos mediação. O horário eleitoral vai ser muito restrito, e isso é terrível, pois temos um período muito curto e muita confusão política. O meu sonho para o Jornalistas Livres é que o veículo seja um local em que os candidatos de esquerda, negros, mulheres, LGBTs e os da periferia utilizem para divulgar a sua plataforma, seus debates e seus chamamentos. A ideia é usar todas as redes sociais. Elas tendem a ter um espaço grande, até mesmo por conta desse encurtamento da campanha, e o Jornalistas Livres quer ser um locus desse debate. Aliás, é ótimo para nós que a Folha tenha saído do Facebook. Nos dias seguintes, todos os veículos independentes tiveram um aumento no número de visibilizações. FZ: As redes sociais serão importantes, mas existe uma tendência a supervalorizá-las. A importância das redes sociais e da internet vêm crescendo. Mas ainda será uma eleição de televisão. O Brasil ainda é um país muito televisivo. As redes sociais têm uma tendência para bolhas, e é difícil furá-las. É difícil o discurso de um simpatizante do [Jair] Bolsonaro chegar a um petista. Os grandes momentos de virada de votos ocorrem pela televisão. As redes sociais têm um problema seríssimo que são as fake news, especialmente no WhatsApp. O WhatsApp é um fenômeno brasileiro. Brasil é o país do futebol, da feijoada, do samba e do WhatsApp.

Nunca o jornalismo profissional foi tão necessário. E ao mesmo tempo a crise no jornalismo nunca não foi tão grave - se é uma coisa importante não deveria estar em crise. Isso me leva a perguntar: o que estamos fazendo de errado?

Depois de quase duas horas de debate, os dois concordaram que a cobertura das eleições será polarizada. Laura afirma que “eleição sem Lula é fraude”, enquanto Zanini não acredita que o ex-presidente entre na disputa

inclui-lo. Meu palpite é que isso ocorra. E como fazer a cobertura eleitoral? Dar voz para todo mundo. A gente elabora um tipo de série A, série B, série C. Não vou dar para o Levy Fidelix a mesma visibilidade do Ciro Gomes. Não vou dar a mesma visibilidade para a Vera Lúcia, do PSTU, que vamos dar para Marina. Mas a Vera Lúcia e o Levy Fidelix estarão também no jornal. LC: Para a gente, a questão do Lula é crucial. Eleição sem Lula é fraude. O candidato que é campeão nas intenções de voto é tirado da possibilidade de o povo escolher. É uma usurpação pelo Judiciário de uma prerrogativa que é do povo. O PT até hoje, desde o início do golpe, tem se curvado às imposições que tem ocorrido, como as condenações no TRF-4. E essa nova atitude do PT traz um elemento de confusão nas eleições que é jornalisticamente interessante. Estamos longe de prever qualquer cenário. Mas o que dá pra perceber é que estas candidaturas que apostam numa saída mais unificadora não estão colando. O [Geraldo] Alckmin e a Marina não estão colando. As pessoas perceberam que algo muito grave aconteceu no Brasil. Nós, do Jornalistas Livres, vamos continuar denunciando o golpe e o impedimento do Lula em ser candidato. @

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HUMOR CONTRA O SISTEMA

P NCÉ S AF ADOS

SPACCA

“O sistema não precisa de um artista a favor dele”

O Brasil interpretado pelo traço de quatro chargistas POR HENRIQUE ARTUNI

O ENTREOUVIDO DIÁRIO

Chico Caruso é um dos mais longevos chargistas em atividade na imprensa brasileira. Há 34 anos no jornal O Globo, Chico trabalha à moda antiga, ainda na redação, sempre de calças escuras, por conta da tinta dos desenhos à mão. Chico investe em caricaturas do mundo da política e as comenta com citações e bordões, como os “entreouvidos” e “daqui a pouco a gente volta”. 18

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“O trabalho da charge é sintetizar, com humor, os fatos do dia”

MARCELO THEOBALD / O GLOBO

CHICO CARUSO

REPRODUÇÃO

Cartunista e autor de histórias em quadrinhos, Spacca trabalhou como chargista na Folha de S. Paulo entre 1985 e 1995. Nos anos 2000, devido a diversas insatisfações com a política no País, tornou-se aluno de Olavo de Carvalho, espécie de guru da direita brasileira. Passou a produzir charges para portais conservadores, atacando principalmente as ideologias de esquerda. Recentemente, rompeu com os direitistas e hoje publica charges em seu Facebook, fazendo graça do que considera absurdo no noticiário.


HUMOR DE RESISTÊNCIA

REPRODUÇÃO

JOTA CAMELO

Apesar de estudar arte desde a infância em Taubaté, interior de São Paulo, João Luís, o Jota Camelo, formou-se em Física e Engenharia, e só dedicou-se às charges com o complicado cenário de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Aos 56 anos, Jota passou a publicar suas charges no Facebook, hoje frequentes na timeline do Jornalistas Livres. “O chargista tem que ter, sobretudo, consciência política. Muitos simplesmente aceitam os editoriais do jornais e desenham em cima disso”, acredita. Para conseguir uma renda mensal produzindo suas charges, Jota lançou uma campanha de financiamento contínuo, em que usuários doam mensalmente uma quantia para ele.

“Hoje os grandes jornais não têm chargistas, mas ilustradores de ideias”

Nem sempre bem-humorado, o trabalho de Carlos Latuff escancara temas sensíveis, como a violência e a promiscuidade política, espelhando-se em artistas reconhecidos por ilustrações ácidas, como Joe Sacco e Louis Raemaekers. Seus trabalhos são publicados em jornais sindicais desde 1990 e em portais online de esquerda, tanto no Brasil, como dos EUA, Turquia, Egito e outros países. Apoiador de movimentos sociais, como a causa palestina, Latuff acredita que o artista não é um ser apartado da sociedade e, portanto, em algum momento da sua carreira, tem que se colocar politicamente em seu trabalho.

“Não existe imparcialidade em nada feito pelo homem, muito menos na charge política”

FELIPE GONÇALVES / BRASIL 247

O “ARTIVISTA”

CARLOS LATUFF

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PERFIL

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RAFAELA BONILLA

‘CHUTO O BALDE MESMO’ O versátil comunicador Marcelo Tas abre seu estúdio e fala sobre sua trajetória profissional POR PEDRO GARCIA MARCELO TRISTÃO ATHAYDE DE SOUZA é um jornalista, comunicador, educador e “extraterrestre”, como se apresenta em seu site. Já realizou entrevistas com o ex-presidente Lula, a cantora Gretchen, a apresentadora Hebe Camargo e até mesmo o Macaco Louco, o arquirrival das Meninas Superpoderosas, um desenho animado infantil. Desde o início dos anos 1980 na TV, transitou por diferentes mídias, do impresso ao digital. Do intrépido repórter-personagem Ernesto Varela ao divertido Professor Tibúrcio ou o comandante da bancada do CQC, Marcelo Tas é a perfeita definição para um profissional multigeracional da comunicação. Numa tarde de julho, Tas recebeu a reportagem da CÁSPER em seu local de trabalho no Jardim Paulistano, em São Paulo. Em quase duas horas de entrevista, revelou que trabalha em uma nova série televisiva, mas faz segredo sobre a produção. A figura do comunicador em nada lembrou algum de seus vários personagens. Era o Tas em pessoa. Ao estar se reinventando o tempo todo, resume assim sua filosofia: “Chuto o balde mesmo.”

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Nascido em 10 de novembro de 1959, na cidade paulista de Ituperava, a mais de 400 quilômetros da capital paulista, Marcelo Tas teve seu contato mais concreto com a área da comunicação durante o curso de Engenharia. Mas o interesse pela área havia começado antes, bem antes. Aos 7 anos, ganhou dos pais um rádio e, de tanta felicidade, recebeu depois um gravador de presente de Natal. Andava de um lado para o outro com o aparelho, entrevistando parentes e gravando a própria voz. Porém foi na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) que ele gosta de dizer que iniciou a carreira de comunicador. Lá, fazia parte da equipe de um jornal anarquista sem vinculações políticas chamado Cê-Viu?. Virou editor-chefe da publicação. Quando se deu conta de que ia à escola de Engenharia só para tomar conta do jornal, percebeu que precisava trocar de área. Chegou a estudar na Escola de Comunicação e Artes da USP e na Poli ao mesmo tempo, mas só concluiu os estudos na segunda. Abandonou a graduação em Comunicação porque já estava trabalhando na televisão. No

campus da USP, conheceu o então universitário Fernando Meirelles e outros jovens que formaram o coletivo Olhar Eletrônico, de produções audiovisuais. Logo passou a fazer parte dele. A convite do jornalista Goulart de Andrade, o Olhar Eletrônico ganhou um espaço na grade da TV Gazeta para fazer experimentações. Tas aparece pela primeira vez na televisão, aos 24 anos, com o personagem Ernesto Varela, “um repórter de mentira para gente de verdade”, ficando no ar até o fim da década de 1990. O repórter-personagem migra para a Rádio 89FM e, posteriormente em 2005, estreia a peça História do Brasil segundo Ernesto Varela. O diretor de cinema Fernando Meirelles, do Olhar Eletrônico, contou em entrevista à revista Trip que Tas entrou no coletivo para ajudar na produção, até que se aventurou em reportagens bem humoradas. Foi Meirelles quem teve a ideia de deixar o personagem como fixo. O cineasta ainda aponta para o fato de hoje existirem outros “engraçadinhos”, que entram em eventos e agem de forma semelhante, mas só Ernesto Varela no final da di-

1980 1984 Tas faz o personagem Bob Mc Jack no programa de videoclipes Crig-Rá, produzido pela Abril Vídeo e transmitido pela TV Gazeta

1983 Marcelo Tas estreia na televisão brasileira com o coletivo Olhar Eletrônico. Ocupa um espaço na TV Gazeta interpretando o repórter Ernesto Varela

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1990 1987 Comandou o Vídeo Show, na Rede Globo, sob a forma do Cabeça Branca, um apresentador que incorporava outras personalidades

1990 No programa Rá-Tim-Bum da TV Cultura, representou o Professor Tibúrcio, com o seu famoso bordão “olá, classe!”


tadura pode ser considerado “disruptivo”. O “repórter de mentira” trouxe algo inédito até então na tevê. Aproximou o jornalismo do humor, visitando e apresentando ao público cenários importantes da história brasileira e mundial, como Serra Pelada no auge da corrida ao ouro, a votação das Diretas Já ou a União Soviética em época de Guerra Fria. MARCELO TAS EXPLICA que o Varela surgiu da necessidade de falar diante das câmeras, mas não se sentia preparado e à vontade para fazer isso com a cara lavada. Quem, afinal, consegue ser natural nas telas?, questiona ele, pois os programas de televisão são “meios artificiais e moldados”. Hoje, considera que foi o mais próximo de si mesmo no Papo de Segunda, um programa opinativo do canal GNT do qual fez parte de 2015 a 2017. Em 1984, um ano após sua estreia na televisão, Tas surge em outra iniciativa. Sob a produção da Abril Vídeo e com transmissão também pela TV Gazeta, foi concebido o Crig-Rá, um programa semanal de 30 minutos, dedicado

ao público jovem. Voltado para a exibição de videoclipes e apresentado por Marcelo Tas, na forma do personagem Bob Mc Jack, a atração teve colaboradores como a jornalista Sandra Annenberg e o diretor de cinema Adriano Goldman. “Tive uma relação de amor à primeira vista com a televisão. Para mim foi uma alegria, eu pensei que poderia ser uma carreira e fiquei muito feliz”, lembra Tas. Ele diz sentir uma alegria por fazer televisão, pois a considera um veículo democrático, já que chega a todos no País e possibilita, em sua visão, o acesso à educação, ao entretenimento e à informação. Ao falar de Marcelo Tas, os mais jovens devem se lembrar dele como apresentador do Custe o que custar (CQC). De 2008 a 2014, comandou a bancada do programa que chegou a seis pontos de audiência no Ibope, um feito para a TV Bandeirantes. “É justamente essa dificuldade de misturar duas coisas que são antagônicas que me atraem. O jornalismo é quase a antítese do humor”, comenta. O ex-CQC considera o humor como um “lubrificante” para a comunicação. E em sua opinião, o que possibilitou um humor tão

2000

2010 2014 Apresentou no Cartoon Network o talkshow Papo Animado, no qual entrevistava personagens de desenhos

1994 Também na TV Cultura, atuou como Telekid no Castelo Rá-TimBum, respondendo que “porque sim não é resposta” e explicando fenômenos

2008 Marcelo Tas comandou durante sete anos do CQC na Band, programa um tanto quanto polêmico que misturava jornalismo e humor

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arriscado no CQC foi a presença de jornalistas na equipe de produção do programa, pois eles sustentavam e davam munição para o comediante que aparecia em rede nacional. O show que ficou durante oito anos no ar foi alvo de inúmeras críticas. Muitos denunciaram o machismo latente dos participantes do programa, algo que Tas reconhece hoje ter existido e afirma ter feito o papel de criticar e apontar essas falhas. Para ele, o CQC tinha um espírito livre, até mesmo para os erros, que admite terem sido vários. Um deles foi quando os comediantes debocharam da cantora Preta Gil, dizendo que ela era gorda. “O repórter, que eu não me lembro quem, foi muito bobo, muito agressivo, fazendo piadas com o fato da Preta estar acima do peso”, reconhece Tas, que tempos depois pediu desculpas a ela. Outra polêmica do programa humorístico foi com Rafinha Bastos, em 2011, que teve um desentendimento com a cantora Wanessa Camargo, por uma piada de extremo mau gosto (Bastos foi processado e perdeu uma ação porque disse que iria “comer” a cantora e seu filho, já que ela estava grávida na época). O comediante se afastou do programa e teve um desentendimento com Tas, por acreditar que este deveria tê-lo defendido publicamente. Há três anos, os dois apareceram em um vídeo no YouTube, em que os dois lembram do passado. Para a CÁSPER, Tas afirma que gosta de polêmicas e debates, mas tem uma natureza conciliadora e não violenta. Nos dias atuais, Tas pensa que o CQC teria dificuldade de existir. Para ele, há um “excesso de gente patrulhando e reagindo de uma forma agressiva contra qualquer tipo de manifestação que não seja autorizada pelos guardiões das minorias”. Considera a onda do politicamente correto, algo “chato, frágil e hipócrita”. Tas critica os apontamentos feitos por parte da militância, mas não se sente acanhado por eles. “Eu chuto o balde com a maior tranquilidade, eu não me dobro a isso, por isso que muitas vezes criam-se várias polêmicas falsas em torno das minhas posições”, relata, tirando os óculos e adotando um tom mais sério. Faz questão de deixar claro seu posicionamento contra todas as formas de preconceito.

OUTRO CAPÍTULO na vida de Tas são seus trabalhos para o público infantil. Ele foi o Professor Tibúrcio e o Telekid, personagens de programas da TV Cultura, e o Plantão do Tas, exibido no Cartoon Network, da tevê a cabo. Diz serem os seus preferidos, uma vez que pôde usar a imaginação sem limites ao criar para crianças, um público que considera mais desafiador por não ser possível enganá-lo e cuja atenção é mais difícil de se obter, por ser muito mais focado que adultos. Tas transitou dos mais novos aos já crescidos, obtendo sucesso independentemente da idade. Atribui o bom desempenho à curiosidade de entender cada ambiente e ouvir o que os receptores de seu trabalho têm a dizer. Além de transitar entre públicos também trabalha com diferentes mídias. Prefere olhar para o que é novo com uma perspectiva entusiasta, sempre analisando as novas possibilidades e sem preconceito. Foi assim que ajudou a criar o caderno de tecnologia Link, do Estadão. Ele tem ainda uma coluna na rádio CBN para falar da vida humana e tecnologia e dá aulas de Inovação no Ibmec. Foi na sala de aula que Tas se encontrou mais uma vez. Filho de professores do ensino infantil, o comuni-


RAFAELA BONILLA

No fundo de seu cenário de gravação para os vídeos no Youtube, estão coladas fotos de seus antigos trabalhos na televisão e de seu passado pessoal

cador percebe que sempre esteve presente no mundo da educação e que esse é um de seus assuntos preferidos. Foi inclusive diretor de criação do Telecurso, um programa pioneiro de educação à distância (EAD) no Brasil, onde atuou de 1995 a 2007. Essa familiaridade com o ensino o faz tratar da temática em seu blog e canal no YouTube e a continuar investindo no ensino à distância, porém dessa vez não pela televisão, mas pela internet. Em 2018, lançou pelo site Torcedores.com, do qual é sócio, uma campanha para treinar e capacitar pessoas para realizar a cobertura da Copa do Mundo, ensinando conceitos de jornalismo para produzir sobre esse evento. Também lançou um curso livre de comunicação pela StartSe, empresa de educação em empreendedorismo, que denomina de comunicação de alto impacto. Planeja outros para o futuro para que possam ser acessíveis para o maior público possível - cada um deles sai por 60 reais. Mesmo trabalhando em diferentes projetos simultâneos, Tas se mantém sempre ao lado da família e dos amigos. Diz não saber viver de outra forma que não seja cercado pelos que lhe dão suporte emocional. Conta inclusive ter crescido em uma família grande na qual todos eram muito próximos. O comunicador assina uma

coluna na revista Crescer, em que fala de paternidade. Tem três filhos e para o Dia dos Pais deste ano falou com o jornal Folha de S.Paulo sobre sua relação com os filhos, especialmente com o mais velho, Luc, um homem transexual. Ele diz estar sempre aprendendo muito com eles. No dia da entrevista à CÁSPER, Miguel, o filho do meio, estava no estúdio de gravação de Tas, onde foi interrogado em um tom carinhoso pelo pai sobre as vacinas que havia tomado. Para o futuro, Tas lançará em 2019 um reality show no canal Discovery, no qual serão testadas as habilidades manuais e criativas dos concorrentes, em provas de caráter “faça você mesmo”. Volta à tevê, mas dessa vez em um programa que não faz parte da grade regular de alguma emissora. Não acredita mais nesse formato fechado e vê futuro em mídias que o espectador tenha livre escolha. Também no próximo ano, pretende voltar em cartaz com a peça ZAP, o resumo da ópera, que estreou em 2002. Mas o sonho atual, bem ao estilo “chutar o balde”, está longe do mundo profissional e, rindo, conta que é viajar para o espaço. Quanto ao futuro, é sincero na sua incerteza: “Para mim é uma sucessão de fluxos, não tenho ideia para onde que vou, nem tenho ideia do que eu vou fazer ano que vem”. @

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AUDIOVISUAL

Deus Salve o Rei foi um desafio para as produções da Rede Globo, ao exigir um trabalho em efeitos digitais quase vinte vezes maior que de uma novela comum

RETOQUES MÁGICOS

A pós-produção com seus efeitos visuais computadorizados vira a grande aposta da TV e do cinema POR HENRIQUE ARTUNI HOJE, com algumas imagens, computadores potentes e uma telona verde, pode-se trazer para Maomé quantas montanhas ele quiser. Evidentemente não se trata de uma questão de fé ou magia, mas de muito trabalho e criatividade para transformar imaginação em realidade no universo audiovisual. Foi o que fez a Rede Globo em Deus Salve o Rei, produção que foi ao ar de janeiro a julho de 2018. O novelão medieval que buscou surfar no sucesso de Game of Thrones (HBO) foi o maior

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projeto com uso de efeitos digitais da televisão brasileira. As impactantes cenas de batalha do primeiro capítulo (um super freeze, em que a câmera passeia por um momento congelado no tempo) já dimensionavam a grandiosidade do projeto. Só esta abertura levou dois meses para ficar pronta, enquanto que as cenas que foram ao ar para o telespectador tiveram 47 segundos de duração. Enquanto o roteiro da novela era desenvolvido, uma equipe para captação foi enviada à Europa.

Foram gravados por volta de 4 mil vídeos de diferentes paisagens, além de 20 mil fotos de edificações que depois seriam recriadas em computador. De volta ao Brasil, a equipe de pós-produção com quase cem pessoas começou a fazer os modelos 3D que seriam usados ao longo da novela e montar as cenas mais trabalhosas que já estavam planejadas. Se a crítica considerou que o roteiro de Deus Salve o Rei teve falhas ao longo dos seis meses no ar, como a repetição de clichês da dramaturgia,


PRÉ-PRODUÇÃO É a etapa base, em que o projeto é estudado e planejado, desde o roteiro, elenco, orçamento, as locações, captação de imagens e sons que serão aplicados na pós-produção, e, no caso de haver efeitos digitais, como eles serão trabalhados.

Finalizada a cenografia, o figurino, roteiro ensaiado, é hora de gravar. Aqui, é gerado o material bruto, fruto de toda a pré-produção, e que será modificado pelos diversos processos da pós.

PÓS-PRODUÇÃO Consiste não apenas na aplicação de computação gráfica, mas também em todo o processo de edição do material, na correção de cor e adição de trilha e efeitos sonoros.

REPRODUÇÃO

a produção se saiu bem ao incorporar efeitos digitais sofisticados para o dia a dia da televisão brasileira. “Nas telenovelas em geral, a computação gráfica sempre vem para somar, fazer planos mais bonitos. Quando um efeito não fica bom, simplesmente cortamos. Mas em Deus Salve o Rei não dá. Como você não vai mostrar o castelo, as batalhas, ou o casamento do rei e da rainha?”, questiona Marcelo Nicácio, que trabalhou como supervisor de efeitos digitais da novela. Segundo ele, o maior desafio foi o tempo. Com episódios de segunda-feira a sábado, sua equipe teve que equilibrar o trabalho de cenas mais difíceis – que incluem animações 3D, maquiagem digital, trabalhos de luz – com as mais corriqueiras, do capítulo do dia, como aplicar os fundos virtuais em chroma-key. “Às vezes, tínhamos um dia para finalizar uma cena trabalhosa.” Deus Salve o Rei foi o mais extravagante projeto de efeitos visuais, mas está longe de ter sido pioneiro. As aplicações computadorizadas apareceram na década de 1990 na televisão, acompanhando a chegada delas ao cinema. A novela Olho no Olho (1994) e o programa Casseta e Planeta, Urgente! (1992-2010), da Globo, e Os Mutantes (2007-2009), da TV Record, são exemplos que marcaram a teledramaturgia com essas novidades. Mais recentemente, o refinamento dos efeitos digitais ganhou relevância para atrair a audiência. Em Os Dez Mandamentos (2015), a Record inves-

PRODUÇÃO

As gravações foram feitas em estúdios, com alguns elementos cenográficos e uma grande área de chroma-key, ao fundo. Na cena ao lado, para o casamento de Rodolfo e Lucrécia, foi recriada em 3D a Catedral de Salisbury, na Inglaterra – integrada aos elementos reais na pós-produção

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tiu um milhão de reais no momento épico da abertura do Mar Vermelho, efeito criado por um estúdio de pós-produção norte-americano. A cena atingiu, segundo o Ibope, entre 28,1 e 31 pontos de audiência na média nacional, ante 20,8 pontos da Rede Globo, que exibia a novela A Regra do Jogo. Outras experiências da emissora, no entanto, não chegaram a tanto, como Apocalipse (2017), com episódios em que cenários conhecidos do Brasil são abalados por desastres naturais, ou ainda Belaventura (2017), que se passa em um cenário medieval – mas que não alcançou a repercussão do último sucesso da Globo.No cinema nacional, outra produção recente surpreendeu pela qualidade de efeitos digitais em uma história que se passa em um ambiente contemporâneo. As Boas Maneiras (2018), dirigido pela dupla Marco Dutra e Juliana Rojas, narra a gestação e a infância de um lobisomem brasileiro em São Paulo. Para trazer um tom fabular ao terror, paisagens da cidade foram filmadas e modificadas digitalmente com matte paintings – paisagens pintadas à mão pelo artista Eduardo Schaal. “A gente queria que a alegoria de um centro e uma periferia divididos por

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1) A partir das expressões faciais do ator, capturadas por microcâmeras em um traje especial, é animada uma versão básica do personagem, em malha 3D, ainda sem muitos detalhes; 2) o personagem e o cenário são esculpidos digitalmente, tal como um modelo de argila, definindo os seus volumes; 3) são mapeadas as áreas em que serão aplicadas diferentes texturas, como da pele, boca e olhos; 4) o modelo é finalizado nas gravações com ajustes nas texturas, iluminação das superfícies

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um rio, e também toda a paisagem da lua cheia, que tudo pudesse ser visto de uma vez na tela”, conta Dutra. O filme traz dois lobisomens em tela: um boneco real do monstro recém-nascido, controlado remotamente por três profissionais (um para os braços, um para a face e outro para a respiração), e um segundo digital. Para o último, os diretores tiveram que planejar muito bem as cenas para não extrapolar o orçamento, já que a animação de personagens 3D é cobrada por segundo de tela. Dutra e Rojas vestiram o ator Miguel Lobo com um collant de chroma-key com microcâmeras que captaram suas expressões. Na pós-produção, uma empresa francesa ficou responsável pela criação e animação do lobisomem virtual. “Nós sempre temos medo de o efeito não convencer. O desafio é saber usar essa liberdade de cena que só a pós-produção proporciona de maneira que sobreviva ao tempo. Cada vez mais facilmente nosso olho consegue identificar esses efeitos. Temos que saber o que é real e o que é digital em cada cena para obter o resultado mais verossímil”, conclui Rojas. @


BASTIDORES

PARA TODAS AS TELAS

A lei de incentivo ao conteúdo brasileiro beneficia produtoras e impulsiona o mercado de audiovisual. Visitamos a Academia de Filmes e contamos o passo a passo de um projeto, desde a concepção até a chegada nas telas POR PAULA LEAL MASCARO abriga ainda dois estúdios usados para gravar desde séries, reality shows, peças publicitárias e casting de atores até parte do filme brasileiro Elis, do diretor Hugo Prata. É nesse espaço que em torno de 70 profissionais produzem conteúdo audiovisual de entretenimento e cultura para todas as telas. A equipe da revista CÁSPER visitou uma das maiores produtoras do

país para conhecer a rotina de profissionais que trabalham em um segmento que cresce 9% ao ano no Brasil. Beneficiadas pela política de cotas estabelecida pela Lei 12.485/11, que obriga a programação da TV a veicular maior oferta de conteúdo nacional, as produtoras viram aumentar a demanda por séries, documentários e outros programas que valorizam a cultura brasileira.

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“O BAGULHO É VIVO”. A frase da diretora de atendimento da Academia de Filmes, Dimitria Cardoso, traduz bem a atmosfera de uma produtora de audiovisual. Instalada num grande galpão na zona oeste de São Paulo, a empresa com 22 anos no mercado tem decoração despojada e salas com ambientes abertos e amplos que estimulam a criatividade e a troca de ideias. A produtora

A produtora tem 22 anos e abriga dois estúdios para gravar as produções


começa a fase de produção da peça, conhecida como PPM - ou pre-production - no jargão audiovisual. É a produtora que se encarrega de definir os dias de gravação, testes de elenco, se a locação será em estúdio ou externa, se é preciso acompanhar a previsão do tempo ou providenciar autorização especial. Depois da filmagem, é feita a montagem da peça e apresentada ao cliente. Aprovada, os profissionais trabalham na finalização de cor, efeitos especiais e outros recursos de pós-produção para finalmente ser entregue ao cliente. A diretora conta que tem peças que dá para gravar em dez dias, outras podem demorar até

três meses, dependendo da complexidade do projeto. “Quem trabalha nesse mercado tem que saber se virar com a sazonalidade e as oscilações de mercado”, lembra Dimitria, quando precisou administrar sete projetos simultaneamente. TV E CINEMA Juliana Bauer, gerente de negócios da Academia de Filmes, explica que os projetos chegam até a produtora de diferentes formas. Pode ser por meio de uma demanda de mercado, quando determinado veículo solicita o desenvolvimento de um reality show com tema específico, como é o

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PUBLICIDADE Uma das atribuições da diretora de atendimento é visitar agências de publicidade e apresentar o time de diretores da casa. Dimitria Cardoso explica que cada diretor tem um olhar particular e habilidades específicas para diferentes tipos de peças publicitárias. “Quando as agências têm um roteiro que encaixa no perfil do diretor que eles estão buscando eles entram em contato”, esclarece ela. Nesta etapa, a equipe elabora uma pasta com referências de fotografia, figurino, elenco, proposta narrativa, além de orçamento e cronograma do projeto. Após aprovação pelo cliente,

O departamento de pesquisa e criação é formado por um time interdisciplinar e é responsável por munir a equipe de referenciais com fotografias de figurino, elenco, locações, maquiagem

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PITCHING Outra forma dos projetos chegarem até a produtora, segundo Juliana, é por meio de parceria com roteiristas e autores independentes. Uma área no site da Academia de Filmes permite que pessoas se cadastrem gratuitamente e inscrevam seus projetos audiovisuais. Trimestralmente, alguns deles são selecionados para fazer uma defesa presencial em frente a uma equipe avaliadora. Os aprovados, de acordo com a gerente de negócios, recebem toda a capacitação no desenvolvimento do projeto. A produtora também se encarrega de “fazer a prospecção de mercado e traçar um plano estratégico para captação de recursos,” diz Juliana. @

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caso do programa sobre o universo dos makers ou “faça você mesmo”, encomendado pelo canal Discovery Brasil e que será comandado pelo apresentador Marcelo Tas (leia o perfil dele nesta edição). A produtora, então, define orçamento e desenvolve um roteiro on demand para o cliente, além de fazer toda a produção e filmagem do projeto. Outra possibilidade, conta Juliana, é a modalidade de prestação de serviço, que ocorre quando o cliente procura a produtora para executar uma proposta já criada e desenvolvida por ele. Nesse caso, o trabalho se restringe mais à produção e execução do projeto. Juliana também é responsável pela área de venda e licenciamento dos projetos da produtora. “Dependendo do produto desenvolvido aqui é possível vender para mercados internacionais, canais de televisão e distribuidores interessados”, conta. Assim como na publicidade, os segmentos de cinema e tevê exigem um acurado trabalho de pré-produção e, de acordo com Alberto Pereira, jornalista e coordenador de criação da produtora, “o mercado de conteúdo de TV é mais estruturado. Geralmente, são projetos de médio a longo prazo que levam pelo menos um ano entre a concepção da ideia e a finalização”.

O local tem uma vasta biblioteca de referências audiovisuais

O QUE ANDA FAZENDO A ACADEMIA Microsséries: A Pedra do Reino, da obra de Ariano Suassuna, e Amor em 4 Atos (ambos da TV Globo); Série: Natália (TV Brasil/Universal Channel); Docu-realities: 200 Graus (Discovery Home & Health), com o chef Henrique Fogaça, e Linhas Tortas (PlayTV); Séries documentais: Espírito da Luta (Canal Combate), Eu te Dedico (Arte 1); Reality show: “Mixados” (PlayTV).

Produção do filme Legalize Já - Amizade Nunca Morre, sobre a amizade de Marcelo D2 e Skunk e a formação da banda Planet Hemp.

Coprodução do filme Elis, do diretor Hugo Prata, premiado nas categorias de melhor filme e atriz em diversos festivais nacionais e pela APCA

Produção do filme Infância Clandestina, de Benjamín Ávila – indicação Argentina ao Oscar 2013 e finalista do Cinefondation, em Cannes.

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DESIGN

As linhas e as mãos invisíveis que ditam nossas impressões sobre o que vemos, tocamos e clicamos POR HENRIQUE ARTUNI E PEDRO GARCIA

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OBSERVE E ESCOLHA um objeto de cada par desta página. Certamente, a escolha se deu por ele ser atraente, belo, fácil de usar, moderno ou funcional. Mas entre todos esses detalhes há algo de comum na sua escolha, e poucos se dão conta disso. O design foi e tem sido determinante nas nossas vidas. E design é pura comunicação, como veremos nesta reportagem especial.

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T

As capitulares são usadas desde a época medieval, nas Iluminuras pintadas pelos escribas como adorno dos textos sagrados

odos os anos a cena se repete a cada lançamento da Apple. Consumidores formam filas gigantescas para serem os primeiros a obterem a novidade da marca. Estão em busca não de produtos mais baratos, mas de qualidade. A empresa tem ditado há mais de duas décadas o caminho que toda a indústria tecnológica persegue. Porém, mais do que apostar em gadgets avançados, a companhia persegue um design de excelência. Steve Jobs disse certa vez: “Design não é apenas o que parece e o que se sente. Design é como funciona”. As curvas suaves dos aparelhos da Apple têm muito de sedutoras, mas o que fez o iMac, lançado em 1998, se tornar um ícone era ser, ao mesmo tempo, um potente computador e um cobiçado objeto decorativo. Vendeu 800 mil unidades só no primeiro ano. Em 2007, Jobs apresentou ao mundo o revolucionário iPhone, um celular com poucos botões e uma tela touch que mudou a concepção dos aparelhos móveis. A comunicação mundial nunca mais foi a mesma. Em agosto de 2018, a companhia se tornou a primeira empresa privada a cruzar o valor de mercado de 1 trilhão de dólares. O bom design, aquele que funciona e nos atinge de múltiplas e prazerosas formas, não se restringe ao mercado da inovação tecnológica. Um lápis, um tipo de letra, um livro, uma cidade, difícil encontrar algo ao nosso redor que não possua um propósito de ser como é. “Cada objeto conta uma história”, ensinou o magnata Henry Ford, ninguém menos do que o inventor da produção em série de automóveis. No dia a dia, o design existe para garantir que tudo pareça natural ao traduzir as necessidades das pessoas. Na raiz latina, o termo une o prefixo “de” (para fora) e a palavra “signo” (signare). Em outras palavras, design significa linguagem externalizada, posta para fora, é poder tirar uma ideia do papel e transfor-

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QUAL O SEU TIPO?

Aa Aa

Aa

As serifas são prolongamentos colocados no fim das hastes das letras. Esse tipo de fonte é preferível para leitura em mídia impressa, porque a serifa garante um fluxo de leitura melhor para o olho.

As fontes sem serifa possuem desenhos de letra mais simples e modernos. São versáteis, podendo ser usadas nos mais variados tamanhos e também são preferíveis para a visualização em telas digitais.

Blackletter, 1400

Figgins,

A primeira tipografia, que Gutenberg usou na impressão da sua Bíblia, foi baseada nas letras góticas.

Vincent Figgins cria o primeiro tipo egipciano, que traz serifas retangulares.

Jenson, 1470 A tipografia criada por Nicolas Jenson estabeleceu um padrão de excelência para o alfabeto latino.

Itálico, 1501 Aldo Manúcio criou os tipos em itálico que, por ser mais estreita, permitiu a impressão de mais palavras por página.

Caslon, 1734 Baskerville, 1757

Didot, 1780

Respectivamente, três fontes representativas dos estilos antigo, transitório e moderno. São diferenciadas pela grossura das serifas e das curvas.

má-la em algo material, físico ou não. A comunicação visual é um dos melhores exemplos práticos do design. Por mais que o termo nos faça remeter a algo recente, ele está ligado à evolução da nossa espécie. Na pré-história, nossos ancestrais pintavam nas paredes das cavernas inscrições para facilitar a comunicação entre eles. Os desenhos podem ser considerados os precursores dos infográficos. E se hoje qualquer criança da primeira infância usa com desenvoltura um celular de tela touch, é porque o design permite isso. No imenso intervalo entre os homens das cavernas e os nativos digitais, foram criados os primeiros alfabetos, símbolos gráficos com sig-

1815

A primeira fonte sem serifa, criada pelo bisneto do Caslon original.

Futura,

1927

Representante das fontes sem serifa geometrizada, foi criada por Paul Renner.

Gill Sans, 1928 Com curvas suaves, a fonte de Eric Gill faz parte do grupo das sem serifa humanistas.

Times, 1931 Feita para o jornal londrino Times, esse tipo serifado é um dos mais usados até hoje.

Helvetica, 1957 Pela simplicidade das formas, o tipo de Max Miedinger é, provavelmente, a fonte mais amada e usada no mundo moderno.

nificados. O alfabeto latino pode ser encontrado desde as inscrições entalhadas em monumentos do Império Romano e, pela forma, já demonstravam uma preocupação em criar letras proporcionais e de fácil leitura. AS ILUMINURAS medievais continuaram o legado de relacionar forma e conteúdo ao ousarem artisticamente com ornamentos capazes de transmitir a sacralidade dos textos e embelezar as páginas. Por volta de 1450, com a invenção da prensa de Gutenberg, a arte gráfica começa a ser mecanizada, acelerando as reproduções. A tipografia passa a ser elaborada levando em conta tanto aspectos geométricos


A PSICOLOGIA DAS MARCAS

Uma análise de como as maiores empresas mundiais se apresentam visualmente AS CORES MAIS USADAS

16%

37%

O azul é uma cor popular por transmitir calma, autoridade e segurança.

27%

O vermelho é uma cor intensa, que traduz paixão e vigor.

27%

O preto indica poder, simplicidade e sofisticação.

O amarelo chama a atenção, transmite felicidade e calor.

7%

O verde traz vida e natureza.

5%

O laranja é jovial.

FONTES: FORBES / TASTYPLACEMENT

TIPOGRAFIA

8% serifadas

11% cursivas 12% egipcianas 21% usam Helvetica quanto visuais, e cuja finalidade maior é comunicar com eficiência. O século XVIII foi considerado “uma época de originalidade tipográfica”, segundo anotaram Philip Meggs e Alston Purvis no livro História do Design Gráfico (da Cosac Naify). Mas um século antes, durante a Revolução Industrial, o design passou a ser concebido tal como o conhecemos hoje. O designer industrial surge para atender às demandas da produção em massa, que buscava conciliar forma, função, tempo e dinheiro. Ele desenhava produtos mais baratos e funcionais. Surgia a profissão do designer de produtos. Para Andrea Bandoni, designer e coordenadora do

63% sem serifa curso de Design de Produtos e Serviços no Istituto Europeo di Design, em São Paulo, o designer tem que pensar no “produto” como um todo, pensando em novas mercadorias para suprir ou criar novas demandas. O aumento da produção na era industrial criou a necessidade por anúncios publicitários, impulsionando assim o mercado gráfico. O American way of life toma de assalto as produções da época, incentivando o consumo e pregando valores de família e prosperidade. Cartazes e revistas tinham um padrão exagerado e uma comunicação um tanto quanto poluída. Valia tudo para chamar a atenção do consumidor. Tal padrão

FORMATO

6%

pelo logo

37%

por texto

56%

por texto e logo trouxe inovações para o design gráfico, pois este passou a trabalhar com tipografias diferenciadas, maiores e mais chamativas. “Após os horrores da Segunda Guerra, há um real sentimento de idealismo entre alguns designers, principalmente entre os europeus, que pensavam no design como parte da reconstrução do mundo”, afirma o jornalista especializado em design gráfico Rick Poynor, no documentário Helvetica (2007). “Visavam algo mais claro, tranquilo e democrático.” Em 1919, surge a Bauhaus, escola de arte, design e arquitetura alemã que ganhou destaque mundial. Fundada por Walter Gropius, a escola pregava a sim-

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plicidade de formas e figuras e ainda hoje impacta as criações. Esses valores podem ser encontrados na tipografia Helvetica ou até nos logotipos minimalistas de algumas marcas. A Nike, por exemplo, abandonou seu nome em sua assinatura, utilizando apenas a conhecida “asa”, como lembra o diretor de criação e professor da Faculdade Cásper Líbero, Eduardo Manente. O professor afirma ser essencial traduzir no design o que é a marca, seus valores e ideias. É preciso transmitir a imagem desejada. O uso adequado das cores pode ajudar nesta tarefa, explica Manente. No lançamento da Coca-Cola adoçada com stevia, a embalagem trouxe uma mancha verde para remeter ao natural, mas mesmo assim era majoritariamente vermelha. Inovar, porém sem perder a identidade característica da marca. Para os designers Celso Longo e Daniel Trench, do estúdio CLDT, em São Paulo, ao iniciar um novo projeto é necessário uma série de conversas com o cliente para poder entender as necessidades da marca ou do produto. “O design é criar uma identidade

visual para aquilo com o que estamos trabalhando. Para isso, precisamos conhecer o sujeito, para ele se identificar com aquilo que estamos produzindo”, afirma Trench. Nesse processo a empatia com o cliente é fundamental para a escolha correta de cores, formas e tipografia. O NEW YORK TIMES, certa vez, escreveu que o escritor irlandês James Joyce se gabava que, mesmo se Dublin fosse destruída, a capital poderia ser reerguida graças às minúcias descritas em seu monumental livro Ulisses. Porém, isso só seria possível com a ajuda de especialistas na obra para decifrar seus códigos sobre a cidade. Algo bem diferente do que o design e o urbanismo entendem por uma cidade legível. Ler uma cidade implica decifrar seus códigos de forma direta, sem a necessidade de experts no assunto. “Na cidade, tudo é linguagem”, afirma o pesquisador em Comunicação e Propaganda Política Sérgio Trein, da Unisinos. Para que esse ambiente funcione, é preciso levar em conta todos os elementos que o compõem (edifícios, comércios e pu-

O CAMINHO DOS OLHOS Por onde passeia a nossa visão na paisagem urbana

blicidade), as pessoas que vivem nele e suas necessidades, como acessibilidade, segurança e sustentabilidade. Na sua pesquisa de pós-doutorado, Trein fez um estudo empírico sobre a atenção à mídia externa, apresentando para pessoas fotografias de cidades e monitorando seus olhos. Observou que, num primeiro reflexo, há uma tendência de as pessoas tentarem se localizar geograficamente, olhando para as placas das ruas. Também viu que mensagens verbais, no geral, prendem mais a atenção que imagens. Isso ocorre porque há nelas elementos-chave que usam recursos do design gráfico, como tipografia e cor, transmitindo o que se quer dizer de forma rápida e clara. Além de chamar a atenção para um produto ou loja, um outdoor pode se tornar um ponto de encontro ou uma referência em uma avenida. Em 2007, a Lei Cidade Limpa proibiu os outdoors em São Paulo e regulou o tamanho de placas de comércios. “Sem os outdoors, revelaram-se edifícios mal cuidados. Houve uma transferência da imundície da publicidade para a

1

As pessoas tendem a querer, primeiro, se localizar, olhando para sinalizações na rua

2

Em outdoors e placas de obra, por exemplo, as imagens maiores são as que primeiro chamam a atenção dos observadores

3

Apesar da atenção sobre imagens ser grande em anúncios, as mensagens verbais concentram maior volume de atenção FONTES: SÉRGIO TREIN / UNISINOS

PLANO VISUAL DE BUENOS AIRES Na sinalização de Buenos Aires, feita pelo escritório Diseño Shakespeare em 1971, são reconhecidas pela clareza e precisão, e serviu de referência para as placas de várias cidades ao redor do mundo

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West End Oxford Station

LONDRES LEGÍVEL

Avery Row Lancashire Court

O projeto Legible London é um sistema de sinalização para pedestres que está ajudando as pessoas a caminhar pela capital inglesa desde 2010. Espalhado pela cidade, o projeto trouxe mapas detalhados que atendem moradores e turistas.


NA PALMA DA MÃO

EXPERIÊNCIAS DIGITAIS

Apps que mudaram suas identidades para chamar mais atenção nas telinhas

Pro gra

Pr o

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E

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tip

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Desenvolvimento

o

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Definiç ão do

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Ident do p ificaç rob ão l

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Solu ção

O eterno elo entre a interface e a experiência no design interativo

re g

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e Test

fu

Um produto digital, como um site ou app, é desenvolvido por profissionais mais ligados aos aspectos visuais, como programadores front-end e designers de user interface (UI). O produto vai para o ar e, a partir daí, ele é monitorado pelo profissional de user experience (UX), responsável por identificar os problemas, propor soluções e repassá-las para a equipe de desenvolvimento.

imundície da cidade”, disse Trein. Segundo ele, quem cumpre hoje o papel de publicidade, mesmo que disfarçadamente, são os grafites, que repaginam os ambientes e agregam tanto valor tanto quanto um enorme letreiro. Não é exagero dizer que o homem moderno vive em dois mundos ao mesmo tempo. E, assim como ele tem que saber andar pela sua cidade, também tem que aprender a navegar e interagir com o ambiente virtual. A descoberta da microtecnologia e a produção dos primeiros computadores pessoais, a partir da década de 1970, impôs um novo desafio à comunicação dos produtos. Nos novos aparelhos, forma e função não são mais interligados. Criou-se, assim, a necessidade de um novo ramo, o design de interação, que busca transformar as convenções do “mundo real” – como tipografia, cor, hierarquia de informação – para as telas. “Todo repertório do impresso é fundamental para o digital, mas nem sempre as mesmas decisões vão funcionar em computadores e celulares”,

alerta a designer e coordenadora do curso de Jornalismo da Cásper Líbero, Helena Jacob. No caso do design editorial, é necessário saber ainda o tipo de mídia que está sendo utilizado. O digital e o impresso possuem diferenças, mas podem se adaptar pegando referências do outro, como fez o jornal Folha de S.Paulo. Para Helena, o essencial no design editorial é testar, produzir diferentes versões, imprimir o texto quantas vezes for necessário e até trocar de layout para saber o que funciona. Tudo para chegar a uma configuração final que seja bonita, funcional e, na medida do possível, inovadora. O PRODUTO DIGITAL tem que ser pensado com um caminho intuitivo e atrativo para o usuário. Essa é a área sobre a qual se debruça o profissional de user experience. “As pessoas são preguiçosas, e isso é legítimo”, afirma o professor de Design da Cásper Líbero Fábio de Paula. “Se você vai entrar em um site, e ele é complicado, não vai

continuar nele. Vai abrir outra aba.” Ele dá como um exemplo “funcional e intuitivo” o aplicativo de relacionamentos Tinder. Com mais de 46 milhões de usuários no mundo, qualquer um aprende a usá-lo em instantes: gostou da pessoa, deslize a foto para a direita ou clique no coração; não gostou, arraste para a esquerda ou clique no X vermelho. “Por que o [Instagram] Stories eliminou o Snapchat? Porque a navegabilidade, a interface do Snapchat não é agradável, não é intuitiva, você não decora rapidamente os caminhos”, diz De Paula sobre os aplicativos de postagens instantâneas. Disponível há seis anos, o Snapchat nunca ultrapassou a marca de 200 milhões de usuários. Em setembro de 2017, um ano após implementar a funcionalidade Stories, muito semelhante à do Snapchat, o Instagram ultrapassou os 500 milhões. Nessa realidade recente, mais do que nunca, pensar qualquer produto implica em colocar o conforto do cliente em primeiro lugar. @

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O OLHAR

Há 30 anos no mercado de publicidade, o fotógrafo Marcos Lopes desvenda o equilíbrio entre a venda e a arte nas campanhas POR RAFAELA BONILLA

Campanha publicitária realizada para uma marca de imóveis.

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maio • junho • julho • agosto 2017


PORTFÓLIO: MARCOS LOPES

DA PROPAGANDA MARCOS LOPES SE FORMOU em Publicidade em 1990, mas antes de entrar no curso já trabalhava com fotografia. Aos 15 anos, ele e seu irmão, apelidado por Tico, sete anos mais velho, aproveitavam os fins de semana para fotografar corridas automobilísticas. Tiravam centenas de fotos, escolhiam as melhores e, no fim de semana seguinte, voltavam para vendê-las. Um ano depois, ele teve as primeiras fotos publicadas em uma revista de automobilismo. As corridas de carro logo abriram espaço para outros esportes, como o skate e o surf. O irmão mais velho não seguiu a carreira como fotógrafo, enquanto o mais novo, sim. O “pequeno negócio” foi o que bastou para Lopes decidir cursar uma faculdade, o curso de Publicidade na FIAM. Foi nesse período que conheceu o mundo da moda e começou a fotografá-lo para revistas.

Do mundo editorial, Lopes decidiu se aventurar nas campanhas publicitárias, por volta dos anos 1990. O fotógrafo de publicidade presta serviço para grandes agências como Pepsi, Nike, Bradesco, P&G, Unilever e Grupo Boticário. Um profissional da área, diferente do modelo ou do ator, não possui exclusividade com a marca. “É importante realizar um bom serviço, tudo depende de um bom relacionamento com o cliente”, aconselha. Atualmente, ele também dirige filmes publicitários e produz conteúdo para mídias digitais. “O fotógrafo hoje tem que diversificar o olhar, pois as mídias são super integradas”, explica, demonstrando a importância de o profissional estar conectado com a tecnologia e as novas mídias. Na virada do século, foi o terceiro fotógrafo brasileiro a comprar uma máquina digital. Era uma câmera de apenas 16 megapixels, que a usou profissionalmente por três anos. Tornou-se um dos pioneiros em fazer a transição das grandes chapas de negativo para o sensor digital. “Estudei muito o digital, por isso hoje sei manipular imagens.” Uma imagem publicitária, explica Lopes, não

é tão simples de se produzir quanto se possa imaginar. Requer aliar arte e técnica. “Aquele segundo que está eternizado na foto tem que vender em um frame, e isso é difícil, mais complicado que em um vídeo”. Ele deixa claro, por exemplo, que a ideia é vender um produto, mas é preciso que o fotógrafo passe “algo mais” na fotografia do que só um sorriso ou o objeto em si. Evidentemente, o mercado publicitário exige perfeição, o que, às vezes, significa ter de corrigir imperfeições depois que a imagem é captada. Colar, recortar, arrumar o cabelo, dar mais brilho aos olhos, emagrecer e fazer composição de imagens também é parte do trabalho do fotógrafo. Essa parte do processo é chamada de pós-produção ou manipulação de imagens e é dessa maneira que as agências pedem a produção final. O fotógrafo tem ainda de cuidar da parte administrativa e organizacional, o que representa saber negociar o orçamento da produção, a discussão do briefing que será utilizado nas campanhas. Junto a esse profissional, há uma equipe composta por figurinistas, maquiadores, produtor criativo e modelos. Nesse processo será discutido a contratação do casting, do figurino, da locação, do transporte e da alimentação “O fotógrafo não é apenas o artista, aquele que faz o clique. Tem toda a parte do posicionamento, da negociação”, diz.

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Nem tudo o que é visto nas campanhas publicitárias é real. A composição de imagens é uma das ferramentas mais utilizadas no dia a dia do fotógrafo que escolhe esse ramo. Tanto para economizar na produção, quanto por sua funcionalidade. Essa prática foi realizada na campanha acima para um programa culinário do SBT. Um dos empecilhos ao realizar essa foto foi a escolha da locação. Para realizar o roteiro, era necessário encontrar um local sombrio, que combinasse com o tema de tortura. Lopes reuniu várias imagens para criar o ambiente ideal. O chão, as paredes e o fundo juntos formam o galpão da foto. O chef de cozinha e o empregado foram fotografados em um estúdio e posteriormente colocados por composição.

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Marcos Lopes presta serviços para campanhas nacionais e internacionais. À esquerda, a imagem é de uma campanha da Pepsi feita para o Japão. Acima, feito com a Publicis para uma campanha do SBT, a foto foi realizada por composição de imagens e efeitos especiais. O fundo foi feito no Centro de São Paulo, e consequentemente a luz do local foi reproduzida em um estúdio para fotografar o modelo e os objetos do chão, como o violão e a raquete de pingue-pongue. O “X” é uma ilustração feita em 3D. Abaixo, à direita, uma campanha realizada em 2017 para o Festival de Publicidade de Cannes. Uma cama elástica foi alugada e colocada em um estúdio e o casting foi composto por atletas.

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Saber trabalhar com projetos de baixo orçamento e curto prazo faz parte da dinâmica do fotógrafo de publicidade. Entretanto Lopes não vê isso como um problema. Nesta campanha realizada para o Cinemark, o fotógrafo comprou o quimono e a espada de samurai. No estúdio, fios de náilon foram amarrados às roupas e esticados para dar a impressão de movimento. A modelo, escolhida por ter alongamento necessário para realizar a pose, era caucasiana. Mas o cliente, ao receber o produto finalizado, não gostou. Queria uma modelo oriental para adequar melhor a temática. Assim, um rosto de uma mulher japonesa foi colocado em cima da foto original. “Isso é publicidade”, explica Marcos. @

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O jornalista Lucas Vieira de Araújo, em pesquisa inédita, aponta a falta de preocupação do mercado de comunicação brasileiro na implementação de soluções inovadoras.

N

O JORNALISTA Lucas Vieira de Araújo defendeu o doutorado em fevereiro de 2018, na Universidade Metodista de São Paulo. Sua tese foi uma análise sobre a inovação na comunicação brasileira. Professor na Universidade Estadual de Londrina, com uma carreira também de editor e assessor de comunicação, Araújo não tem receio de afirmar que as empresas nacionais estão ficando para trás e nada indica que elas perceberam a necessidade de acompanhar as transformações provocadas pelo mundo digital. Segundo dados levantados pelo pesquisador, 57% dos brasileiros se informam pelo Facebook e 46% via WhatsApp. Isso muda o protagonismo da comunicação, deslocando-se para as novas mídias digitais, como redes sociais e buscadores. Essas corporações usam o algoritmo a seu favor e definem o fluxo de informação segundo seus interesses, subjugando os grupos de mídia que de fato produzem o conteúdo. “Aqui no Brasil, a gente vê um número alto de empresas fechando ou demitindo muitos funcionários. Foi a partir dessa questão que comecei a pensar em inovação”, explica. A seguir, um bate-papo com suas principais ideias. 44

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POR RAFAELA BONILLA E GUTO MARTINI

PEDRO GARCIA

I

PESQUISA

O

Para sua pesquisa, Lucas Araújo entrevistou os gestores, tanto nacionais quanto regionais, das maiores empresas de comunicação do Brasil

V

EM COMUNIC

A


A NECESSIDADE DE INOVAR “A minha preocupação, que existe no mercado com um todo, é a sobrevivência das empresas. O que elas precisam fazer diante das mudanças tecnológicas disruptivas e abruptas? A partir dessa preocupação comecei a pensar na inovação. Os estudos sobre esse tema dentro da área de comunicação feitos no Brasil ainda estão em um estágio muito incipiente. Internacionalmente, a inovação como produto já vem sendo pensada há décadas. Na Inglaterra, a Universidade de Oxford, financiada por empresas de mídia, como a Reuters, é um dos maiores centros de pesquisa em inovação em comunicação no mundo.” QUEM LIDERA “As empresas de mídia tradicionais que pesquisei estão muito distantes da vanguarda mundial. A inovação em comunicação vem sendo citada pelas novas mídias, empresas de tecnologia que trabalham com distribuição de conteúdo. Quem são essas empresas? Os motores de busca e as redes sociais digitais. O Google, Facebook, Snapchat, Yahoo são os protagonistas no mundo em inovação na comunicação.” O ATRASO BRASILEIRO “Fiz questão de entrevistar os gestores para ter uma visão de médio a longo prazo. No Grupo Abril, conversei com Walter Longo, que era o CEO (até novembro de 2017); no Grupo Folha, foi a Maria Judith Brito. Mas quando chegaram as questões das tecnologias mais disruptivas, muitos gestores não mostraram um trabalho

de desenvolvimento destas. As empresas disseram que não têm perspectiva em um prazo de cinco ou dez anos em adotar tecnologias de inteligência artificial e algoritmos. Consequentemente, tendemos a ficar ainda mais à margem desse processo.” O OBJETO DA PESQUISA “Apliquei meu estudo em três grupos: um de startups, um composto por empresas de mídia regional e nacional e um terceiro de fundos de investimento e organizações de fomento à inovação. Esses grupos estão relacionados. As startups que estão no meu trabalho são as de maior destaque no Brasil na área de comunicação e têm um grau de maturidade empresarial. Segundo estudos do Sebrae, em torno de 70% delas quebram nos cinco primeiros anos. Fui avaliar se o ecossistema brasileiro de inovação está funcionando e onde estão os gargalos.” MÁQUINAS QUE PENSAM “A inteligência artificial, como toda tecnologia, tem um grande potencial para ser benéfica, mas também para fazer coisas ruins. Tudo vai depender de como você trabalha. Como vamos determinar o que é bom e o que é ruim? Quem controla a máquina? É aí que está o grande problema das empresas de mídia. O conteúdo é importante? Sim, porém mais da metade do tráfego de informação da internet passa pelo Google e pelo Facebook. Eles são os grandes distribuidores de informação no planeta, e isso é preocupante. Em um período de eleições, isso é ainda mais grave.

ÇÃO

Essas empresas têm inteligência artificial e algoritmos trabalhando de acordo com os interesses delas.” NOVAS TECNOLOGIAS “Hoje existem tecnologias como a NLG (natural language generation), que é um software que escreve notícias sozinho. O texto escrito pela máquina, em vários aspectos, é melhor que o texto escrito pelo humano. Não tem erro de concordância verbal, de pontuação ou de sintaxe, ao passo que tem no texto humano. Mas esse texto da máquina é a chamada commodity, uma notícia sobre fatos que exigem menos trabalho de apuração jornalística. Uma reportagem, a NLG não faz. The Washington Post, The New York Times ou The Guardian já têm máquinas escrevendo notícias, mas são commodities.” O QUE ESTÁ DANDO CERTO “Existem iniciativas boas, como as de intraempreendedorismo, que todas as empresas de mídia brasileira dizem fazer. Trata-se de incentivar os próprios funcionários a produzir iniciativas inovadoras. Mas não conseguem chegar em determinados níveis de desenvolvimento de tecnologias. As startups brasileiras têm um nível de inovação bom para a nossa realidade, mas, quando buscam aplicar em outra, percebe-se que não são tão inovadoras assim.” EMPREGO NO FUTURO “O futuro do jornalismo está sentado em iniciativas empreendedoras de nicho, que não serão atendidos pelas grandes corporações. É o comunicador empreendedor que vai perceber uma necessidade de mercado que não foi atendida pela grande mídia, e vai suprir aquela lacuna. As empresas de comunicação sabem que não irão dar conta de atender a todas as necessidades de mercado. Por isso precisam estabelecer parcerias com empresas locais. Sobre as mídias regionais, elas vão sobreviver a partir daquilo que fazem de melhor: notícias locais.” @

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GIRO PELO MUNDO REPRODUÇÃO

POR DENTRO DAS ÚLTIMAS

Criatividade :: RADAR :: Plataformas digitais despontam para ajudar no voto consciente e levar conhecimento a quem precisa. Ainda, refugiados recebem apoio de jornalistas e a China enfrenta o poder do blockchain

ESPERANÇA EM BERLIM

QUEM ABOCANHOU O LEÃO

REPRODUÇÃO

Destaques premiados na categoria Mobile no Cannes Lions, o maior festival de criatividade do mundo. (Paula Leal Mascaro) DETECTOR DE CORRUPTOS Com mais de 400 mil downloads na primeira semana de criação, o app é uma poderosa ferramenta para o eleitor brasileiro: utilizando reconhecimento facial, o aplicativo identifica facilmente os políticos que têm ficha suja. É só tirar uma foto do candidato que instantaneamente a ferramenta indica se tem algum processo contra o candidato. MY LINE Desenvolvido para o Ministério de Comunicação e Tecnologia da Colômbia, o projeto visa levar conhecimento a quem não tem acesso à internet. Por meio de um número de telefone, o público pode ligar e tirar dúvidas ou fazer pesquisas utilizando uma espécie de “Google offline”, conectado a uma central de inteligência. Cada vez que alguém faz uma ligação, o sistema processa a pergunta e envia, por voz, a resposta. THE PARALYMPIC NETWORK Na maior parte dos países, após as Olimpíadas, a mídia reduz drasticamente a cobertura do evento paralímpico. Para tentar corrigir essa distorção, a plataforma criada a pedido do Comitê Paralímpico Canadense transmite conteúdos ao vivo dos jogos ampliando o alcance da divulgação televisiva, usualmente baixa para esse tipo de evento. 46

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Um grupo de jornalistas fugido da Síria, Afeganistão, Irã e Egito se reuniu e formou o portal Amal, Berlin! para informar aos refugiados da Alemanha o que acontece na capital. “Amal” significa “esperança” em árabe, o que muitos dos recém-chegados buscam no País. Todos os dias, são selecionadas notícias sobre política, eventos culturais e economia, entre outros temas, e preparadas para o jornal digital escrito em árabe, farsi, dari e alemão. Também são publicados nas redes sociais do Amal vídeos, reportagens e serviços dedicados aos refugiados. (Thiago Bio)

AS DUAS CARAS DA MOEDA O blockchain foi um sistema originalmente criado para garantir a segurança de transações de criptomoedas sem a mediação de terceiros, com um registro descentralizado que não pode ser adulterado nem pelos proprietários do sistema. Mas internautas chineses encontraram uma outra função para o sistema. Em julho de 2018, nas redes sociais do país, vazou uma investigação envolvendo uma empresa farmacêutica responsável por vacinas e o governo da China. Não demorou muito para a postagem ser apagada pelos censores oficiais. Para manter o texto público, um usuário enviou para si mesmo uma pequena quantia de moeda virtual em uma plataforma com blockchain, e colou o texto nos metadados da transação. Uma vez registrado no sistema, até Pequim terá dificuldade em queimar esse arquivo. (Henrique Artuni)


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MEMÓRIA

UM MESTRE NA ARTE DE GRAFAR E ESCREVER

Erasmo de Freitas Nuzzi fez parte de uma geração de jornalistas que comeu poeira e sujou os sapatos para retratar a realidade do país POR WELINGTON ANDRADE * O DOCENTE que mais tempo ocupou a direção da Faculdade Cásper Líbero virou jornalista como a maioria dos homens de imprensa na primeira metade do século XX: indo à luta. Na época em que o professor Erasmo, alcunha pela qual é chamado até hoje nos corredores da instituição, começou a atuar como repórter, a formação universitária em jornalismo não fazia parte dos planos usuais de quem via na carreira uma atividade eminentemente prática, um ofício para o qual o acúmulo de experiências concretas era mais importante do que a reflexão teórica. Quando nasceu, em 14 de julho de 1919, na cidade mineira de Guaranésia (a 429 km de Belo Horizonte), a grande aventura da imprensa republicana brasileira estava somente começando. Aos poucos, o gênero da reportagem passa a estabelecer a diferenciação do jornalismo como linguagem e estilo, e o jornalista, recrutado nos ambientes intelectuais próximos da vida literária e editorial, começa a ser treinado para escrever em um “jornal jornalístico”, de acor-

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do com a fina ironia de Carlos Drummond de Andrade. Em 1933, disposto a ampliar seus horizontes, o garoto interiorano decide fazer o que muitos brasileiros faziam, e ainda fazem nos dias de hoje: mudar-se para São Paulo. Na cidade que se transformava vertiginosamente em um grande “parque industrial” – a publicação do romance homônimo da escritora modernista Patrícia Galvão, a Pagu, data do mesmo ano –, o jovem, até completar o ensino secundário, passou por diversos empregos: de ajudante de garçom no suntuoso Café Guarany, localizado na rua XV de Novembro, no Centro, a chefe de vendas em uma fábrica no Brás, onde, em certa ocasião, o patrão lhe mostrou um artigo da revista Seleções a respeito da taquigrafia, método de escrita abreviado ou simbólico adotado para garantir a agilidade nos registros por profissionais que precisam escrever celeremente. O então industriário não somente quis aprender estenografia (o outro nome dado à atividade) como também acabou se transformando em professor do mé-

todo, abrindo com alguns amigos a Associação Taquigráfica Paulista. Daí para o exercício do jornalismo não tardou muito. E o taquígrafo converteu-se no profissional que, enveredando pelas ruas, repartições públicas e delegacias de polícia, flagra a realidade a partir do testemunho de seus cinco sentidos: o repórter. Pouco a pouco, o nome de Erasmo de Freitas Nuzzi começou a se destacar em jornais como o Correio Paulistano e A Noite, chegando, em 1946, ao conhecimento de Américo Bologna, secretário de redação do jornal A Gazeta, que necessitava de um profissional experiente em estenografia para registrar as reuniões do Centro de Debates de Assuntos Econômicos Cásper Líbero, em vias de ser inaugurado. Quatro anos depois, o jornalista foi incumbido pelo secretário de redação do Jornal de São Paulo da tarefa da qual mais se orgulhou durante toda a vida: entrevistar com exclusividade o presidente Getúlio Vargas, que voltava ao poder de forma democrática. Com a ajuda de um amigo pessoal que trabalhava para


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BEATRIZ FIALHO

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Vargas, o repórter integrou-se a uma pequena comitiva que se reuniu em torno do presidente, no Rio Grande do Sul, na fazenda do médico e advogado João Batista Luzardo, figura política muito próxima do ex-ditador. Além da entrevista, o repórter ainda obteve do entrevistado uma carta de agradecimento aos eleitores de São Paulo, prontamente entregue ao editor do jornal quando de seu retorno à redação. Em 1951, o já experiente repórter Erasmo de Freitas Nuzzi ingressa no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, concluído em 1953. E, em virtude de suas excelentes notas, ganha, logo após de formado, uma bolsa de estudos da família Jafet para estudar em Roma – pouquíssimos anos antes de Marcello Mastroianni encarnar um inesquecível jornalista em plena atividade na cidade eterna em A doce vida (1960), de Federico Fellini. De volta ao Brasil, ele é convidado a lecionar na Cásper Líbero, onde começa a ministrar, em 1955, as disciplinas “Comunicação Comparada”, “História da Comunicação” e “Grafotécnica”. Começa sua militância então pelo “bom texto”, um objetivo profissional bastante negligenciado hoje em dia pelas novas gerações. Como um veterano da profissão, o professor Erasmo jamais deixou de ressaltar a qualidade do texto entre as exigências para o exercício do jornalismo. Em 1972, já afastado da grande imprensa, ele assume a direção da faculdade, permanecendo no cargo por duas décadas. Ainda houve tempo para o exercício de mais um mandato, assumido em 2003, do qual afastou-se dois anos depois por motivos de saúde. Coube-lhe então virar consultor educacional da presidência da Fundação Cásper Líbero. Foi durante sua gestão que a Faculdade aumentou de tamanho – passando a ocupar quatro andares do prédio da Fundação –, ampliou o número de vagas oferecidas e viu nascer o curso de Rádio, Televisão e Internet, logrando ainda projeção internacional. Além da filha que teve com Neide, com quem foi casado por 59 anos, Erasmo de Freitas Nuzzi deixa também como seus fiéis testamenteiros os livros História da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero e Meios de Comunicação e a Constituição Federal de 1988. A última obra, História Global dos Meios de Comunicação, embora concluída, não poderá mais ser autografada pelo próprio autor. Nada a lamentar, uma vez serem incontáveis as digitais deixadas por ele na escola de comunicação na qual atuou, entre docente e diretor, por exato meio século.

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Erasmo Nuzzi foi aluno, professor e diretor da Faculdade Cásper Líbero

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* É professor da Faculdade Cásper Líbero


LEMBRANÇA

O dia em que ganhei o livro do mestre POR CARLOS COSTA* Na fila para dar as minhas condolências à viúva Neide Sette Nuzzi, na missa de sétimo dia celebrada 6 de agosto em intenção de seu esposo Erasmo de Freitas Nuzzi, conheci uma das sete irmãs do professor, dona Amélia. Fui aluno de Erasmo no ano de 1977, no curso de Jornalismo, e voltei a conviver com o mestre quando convidado a dar aulas aqui na Faculdade. No último de seus cinco mandatos, Erasmo se licenciou em 2005, voltando depois como consultor da Presidência da Fundação Cásper Líbero. Nesse período, me chamou muitas vezes, pois o substituíra na disciplina de História da Comunicação. Generoso, Erasmo me trazia livros de sua biblioteca particular, como o Narrativa da perseguição de Hipólito José da Costa... publicado em Londres

em 1811. O livro era uma relíquia, e me demorei a devolver o exemplar. Passou um bom tempo e Erasmo me enviou um de seus tradicionais bilhetes, me encaminhando alguns quadros da história da imprensa no período do Império (reproduções da Gazeta do Rio de Janeiro, entre outros) e um retrato de Barbosa Lima Sobrinho: “Use-os, se achar adequado, para enfeitar a Coordenadoria de Jornalismo”. No pós-data, acrescentou: “Aquele livro que lhe emprestei, agora é SEU”. Como professor ele me acolheu bem, pois havia estudado taquigrafia em Curitiba com o padre espanhol Marcelino Guerrero: Erasmo conhecia o sacerdote e seu método distinto de grafotécnica. Aceitou as pequenas diferenças para abreviações como “mente”, no final me atribuiu um 10. Filho de Georgina Rodrigues de Freitas, casada com o ferreiro José Nuzzi, um italiano que migrara de Bari, na Apúlia, sul da Itália, em busca de oportunidades, Erasmo é o primogênito de 9 filhos que o casal teve em terras mineiras. A Erasmo se seguiram José, Cristina, Terezinha, Francisca, Maria Augusta, Emília, Luciana (a caçula, que ajudou a completar esta lista) e Amélia, a que encontrei na fila da missa de sétimo dia. A ordem dos nomes não está necessariamente em sequência cronológica. A cidade onde todos nasceram é a sempre lembrada Guaranésia, sul de Minas, colada no Estado de São Paulo. Ali também nasceu o professor Antônio Delorenzo Neto, um dos parceiros de Erasmo

e de quem também fui aluno na Cásper (Delorenzo foi prefeito de Guaranésia e um grande especialista em municípios). Professor Emérito da Cásper Líbero, na homenagem feita a ele no aniversário de 70 anos da faculdade, proferiu um de seus entusiasmados discursos. À frente da cerimônia, tentei alertar, com ajuda da esposa Neide, a conter um pouco a longa e arrebatada fala do mestre, com suas tiradas muito bem-humoradas (“quando o público aplaude durante a fala, é para encurtar o discurso do palestrante”, disse ele). Ao terminar a participação, Erasmo de Freitas Nuzzi recebeu a mais longa ovação a que assisti nos meus muitos anos. Havia mais uma vez cativado a plateia de professores, alunos, colaboradores que lotava o Teatro Cásper Líbero no 1º andar da Fundação. Nosso querido Erasmo havia comemorado seus 99 anos poucas semanas antes de sua partida, no dia 30 de julho deste 2018. Dona Neide está inconsolável: ela queria festejar o centenário de seu parceiro em 12 de julho do ano que vem, com o lançamento do livro História global dos meios de comunicação. * É diretor da Faculdade Cásper Líbero

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NA ESTANTE

A bibliografia de referência Para compreender a complexidade do mundo moderno, professores da Faculdade recomendam leituras das quatro grandes áreas da Comunicação e também de Cultura Geral nesta nova seção da revista CÁSPER

FRANCISCO PONER

Ziguezagueando A crise do lulismo. André Singer, 389 págs, 54,90 reais. Companhia das Letras, 2018 Diante da hiperespecialização das Ciências Sociais, onde estão os pensadores “do Brasil”? Quais noções podem ajudar a elucidar o atual panorama nacional? O lulismo, termo marcado por André Singer, pode ser considerado uma chave explicativa do País nos últimos anos. Primeiro como um reformismo fraco, capaz de reduzir a pobreza, mas não a desigualdade, sem confronto com o capital. Realinha, pois, a classe trabalhadora, mas sem transformar lógicas políticas e de consumo. Pois o livro mais recente de André Singer - que se junta ao de outros pensadores como Jessé Souza, Ricardo Antunes e Laura Carvalho - trata de compreender o período do governo Dilma Rousseff. Um quebra-cabeça recheado de contradições e conflitos. Embasado em farto material jornalístico, a obra mostra Dilma elogiada pela mídia e por FHC no início do primeiro mandato, passando pela encruzilhada de junho de 2013 - que antecipa, segundo Singer, a crise do impeachment - até chegar aos ziguezagues finais. O argumento central é a aceleração do lulismo rumo a dois ensaios, desenvolvimentista e republicano. No

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ensaio desenvolvimentista, Dilma buscaria enfrentar a financeirização rumo a um projeto de incentivo à produção nacional. Redução dos juros, BNDES, política industrial, desonerações, desvalorização do real, controle de capitais, proteção ao produto nacional: a tal “nova matriz econômica”. No ensaio republicano, o tom é o combate à corrupção - tão caro ao establishment - por meio da tentativa de desmonte das regalias do PMDB (chamado por Singer de “partido do interior”). Um retrato otimista do período, principalmente pré-2014. Seria um cutucar as onças - capital financeiro e partidos fisiológicos com varas curtas. Um perigoso balão de ensaio (mais balão que ensaio) que, às vezes, não deixa entrever de forma tão clara as próprias concessões dilmistas, tanto em relação ao que há de mais conservador no empresariado nacional quanto aos acenos ao partido de Gilberto Kassab. Não foi a tão falada virada à esquerda. O movimento foi de um ziguezaguear. Entre a tentativa de aceleração do reformismo fraco e a falta de base - política e econômica - para sustentar os possíveis avanços. Se o primeiro período foi marcado por alguns ensaios, o ziguezague continua com Joaquim Levy, Eduardo Cunha, Lava-Jato, FIESP. O isolamento. A porta do inferno. Não mais um ensaio, mas um show de horrores em

um ciclo regressivo na economia e na política. Se, algum dia, houve o sonho de integração de um projeto do lulismo sem confronto, os últimos anos tratam de mostrar que não existem classes sem fricções e conflitos. No persistente e histórico projeto de modernização conservadora, pelo alto, o desenvolvimentismo e o republicanismo só poderiam se efetivar como suspiros. Em 2017, Dilma chega a afirmar, citada por Singer: “Achei que eles tinham interesse efetivo num projeto nacional de desenvolvimento [...] E o que eu vejo é que esse processo é tão duro que eles não se interessam, não. A financeirização ultrapassa as pessoas”. Se Florestan Fernandes estivesse vivo, veria mais uma consolidação conservadora da dominação burguesa no Brasil. Também molecular e encapuçada como nos escritos dos anos 1970. Sem ensaios. O setor minoritário e autocrático impõe vetos. Neste quebracabeça sem projetos de país, ainda estamos ziguezagueando. (Rafael Grohmann)


O amor entre bombas Livro-reportagem de Patrícia Campos Mello revela uma outra Síria A grande história cai, muitas vezes, no colo do repórter, mas nem todos Não é fácil compreender a geopolítica do Oriente Médio e menos se dão conta disso. Preocupado em cumprir uma pauta, ele pode deixar ainda das minúcias que levaram a guerras civis sanguinárias e intermináescapar histórias, e ninguém vai saber que algo aconteceu. Patrícia Campos veis. Patrícia se preocupa em calçar a história de amor com o seu vasto Mello não é do tipo que perde uma. Na verdade, ela é uma talentosa caça- conhecimento sobre a região. A leitura se torna, a um só tempo, didática dora de narrativas improváveis. Em meio a uma guerra, e informativa. O leitor que fica curioso por saber o destia jornalista encontrou uma história de amor e fez dela no de Raushan e Barzan termina o livro compreendendo o livro Lua de mel em Kobane, sobre um casal de sírios como é movida uma guerra. que, em vez de fugir, volta para a zona de conflito em A história perseguida por Patrícia nessa viagem meio aos bombardeios de uma guerra civil sem fim. à Siria, jornalista formada pela Universidade de Na região norte da Síria, curdos resistiam bravamenSão Paulo, era conhecer os avós do menino curdo te aos ataques do Exército Islâmico (EI) e lutavam para Alan Kurdi, cuja foto de seu corpo jazendo na praia, implementar um governo autônomo. Esta já era uma boa após uma fracassada travessia de refugiados, chocou história para ir atrás, porém arriscadíssima. Corria o ano o mundo. Ela encontrou os avós e seu relato já dede 2014, e só ambulâncias e rabecões ousavam cruzar monstra o caráter da profissional: “Eu fazia perguntas, a fronteira do país. Patrícia, que já havia visitado a Síria constrangida por mexer numa ferida tão recente, e me algumas vezes, queria ir para o front de guerra. E nessas siesforçava para não chorar, o que seria desrespeito. Eu tuações jornalistas recorrem aos chamados fixers, em geral era só mais uma jornalista estrangeira que ficaria ali moradores locais que sabem circular e colocar o repórter alguns poucos dias. Ia ouvir a tragédia deles, transforem contato com as fontes. Foi aí que a veterana jornalista mar em uma reportagem, e depois iria embora para Lua de mel em Kobane. brasileira conheceu o recém-casal Raushan e Barzan, que um país sem guerra”. É preciso discordar da autora. Patrícia Campos Mello, 208 atuavam como fixers, mas também queriam voltar para Lua de mel em Kobane revela o que poucos têm copágs., Companhia das Letras, 2017, 49,90 reais Kobane e lutar pela independência dos curdos. ragem de contar e denunciar. (Eduardo Nunomura)

O Santo Graal do jornalista O roubo do Enem. Renata Cafardo, 210 págs, 42,90 reais. Record, 2017 O furo jornalístico é, ou deveria ser, uma espécie de Santo Graal de qualquer repórter. Dar uma notícia em primeira mão traria a mesma paz espiritual que encontrar um cálice sagrado. Há furos e furos, de diferentes tipos, dimensões e repercussões, e houve o roubo do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio. Renata Cafardo, casperiana da turma de 1998, conta em livro como publicou uma das mais importantes reportagens publicadas no Brasil. A revelação de que criminosos tentavam vender a prova, três dias antes de sua realização, em 2009, na primeira vez em que seria usada como vestibular em larga escala, é um divisor de águas na ética do jornalismo. E uma lição para as novas gerações. Especializada em educação, Renata usa do didatismo para explicar, passo a passo, a lógica

de uma redação e o que acontece quando uma notícia gigante chega até ela. Montanhas têm de ser removidas, mares precisam ser abertos. No Estadão, os obstáculos sempre foram dessa natureza. Aos 41 anos, a jornalista não pensou duas vezes em enfrentar a chefia para insistir na apuração de que estavam vendendo a prova do Enem. Não é pouco. Os criminosos, trabalhadores terceirizados que furtaram os exames na gráfica, procuraram diferentes redações, mas outros jornalistas não tiveram o faro e a obstinação de repórter da ex-casperiana. O que torna esse episódio um marco no jornalismo brasileiro é que Renata, que credita o furo também ao experiente colega Sérgio Pompeu, que a acompanhou desde o início da apuração, não pensou em publicar a história antes do exame ter sido realizado. Era um dever ético evitar que 4,1 milhões de estudantes se submetessem à prova para depois forçar o seu can-

celamento. A dupla de jornalistas do Estadão não sossegou até que a notícia tivesse ido para a gráfica. “Nossos objetivos eram informar rapidamente a sociedade e garantir a exclusividade da informação”, explica ela. Para a primeira reportagem, foram necessárias não mais do que 9 horas de apuração, mas a narrativa descrita no livro revela momentos que pareceram de uma epopeia cinematográfica. E foram. (EN)

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SILVIO TANAKA

Bata perna pela São Paulo modernista

Por mais estranho que possa parecer, esse é o convite que o grande livro-reportagem “São Paulo nas Alturas” faz aos seus leitores São Paulo nas Alturas. Raul Juste Lores. 340 págs., Editora Três Estrelas, 2017, 36,90 reais. Antigamente, bastava parar diante de um prédio de São Paulo e olhar para cima para que todos em volta pensassem em uníssono: “caipira!”. Eram tempos em que prédio alto era exclusividade da metrópole – e em que não era preconceito rotular as pessoas... Igualmente no “tempo dos afonsinhos”, repórter de verdade saía às ruas, batia perna, gastava sola correndo atrás de boas informações. Pois o jornalista Raul Juste Lores resgata de uma vez esses dois tipos faceiros, o “caipira” e o repórter – e para falar de um assunto pouco palatável para a maioria das pessoas: arquitetura. E modernista! Dos anos 1950 e 1960!!! E o resultado é um dos melhores livros-reportagem dos últimos tempos: “São Paulo nas Alturas”, lançado no final de 2017. O autor, atual redator-chefe da revista Veja São Paulo e ex-correspondente da Folha de S.Paulo em Washignton (EUA), não tirou nem o tema e nem a maestria de uma cartola. Santista, Raul aos 10 anos já saía caminhando pelas ruas da cidade com um mapa nas mãos só para listar os prédios do caminho. E retomou o hábito ao se mudar para a capital. Acabou por fazer uma descoberta: seus prédios paulistanos preferidos eram modernistas, foram construídos nas décadas de 1950 e 1960 e assinados por grandes nomes do período de ouro da arquitetura. Tanto os reconhecidos, como Oscar Niemeyer e o inconfundível Copan ou David Libeskind e seu icônico Conjunto Nacional, quanto outros menos “pop”. O que poderia ser uma obra monotemática de chatice presumível se torna nas mãos de Raul um prazer de leitura. Pense numa apuração pri-

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morosa. Foram mais de 200 entrevistas e a leitura de 80 livros e teses. Imagine um texto envolvente em narrativas (mas despretensioso, despido de pedantismo e sem firulas) e cheio de saborosas referências contextuais da cidade, histórias encantadoras de arquitetos e incorporadores e bastidores da criação de cada edifício, do modo de vida paulistano e daquele momento mágico do boom da metrópole. E não para por aí... O leitor desfruta, como bônus, da delicadeza da edição cuidadosa: o encarte “Guia dos ícones da revolução imobiliária”, batizado de “São Paulo a seus pés”. Na verdade, um mapa da cidade com a localização de cada prédio citado no livro, um roteiro para visitação. É aqui que entra o convite para bater perna. E vale a pena. Nesta obra, a única nota negativa é percebermos, mais de 60 anos depois, que São Paulo teve a oportunidade de ser muito mais bonita, interessante e arquitetonicamente relevante. Ao leitor que topar gastar sola, fica a dica: ignore os prédios espelhados, impessoais e sem personalidade e dê uma de “caipira”: pare e olhe para o alto nos pontos indicados pelo livro. (Jorge Tarquini)

O Edifício Copan, no Centro de São Paulo, é um dos mais celebrados projetos do arquiteto Oscar Niemeyer


Com cabeça e coração estilhaçados Mudança de Horizonte. Dietmar Kamper, 244 págs, Paulus Editora, 2016, 47 reais. É sempre fascinante quando se depara com uma obra que desenvolva sobre temas cruciais, mas com poesia. Com metáforas, alegorias. Assim é o texto de Kamper em Mudança de Horizonte (2016), seu último livro escrito antes de seu falecimento, em 2002, em uma fiel e instigante tradução por Danielle Naves de Oliveira. Evocando em seu leitor algumas destas imagens potentes, Kamper convida para a sabotagem do projeto ocidental. Convida a, em vez de pensar com a razão, sentir o horror pelos crimes da história. Todos realizados em nome de uma abstração que chamamos de progresso. É um chamado a estilhaçar, portanto, o pensamento, para poder nomear nossos monstros. E aprender do que abrimos mão na busca do Paraíso. SOBRE KAMPER. Dietmar Kamper é um pensador contemporâneo tangente às escolas da filosofia alemã. Seu estreito relacionamento com o Brasil, porém, elevou-o a referência de alguns dos principais pesquisadores da Comunicação, como Norval Baitello Junior, da PUC-SP, e Ciro Marcondes Filho, da ECA-USP. Nascido em Erkelenz, em 1936, doutorou-se em Filosofia, mas foi professor em Educação e Sociologia. Fundou, na Universidade Livre de Berlin, o centro de pesquisa em Antropologia Histórica. Mas a primeira e talvez mais impactante formação sua foi nas Ciências do Esporte – sendo ele próprio um atleta na juventude. De lá, seguramente vieram suas inquietações sobre o corpo e sua repressão na cultura ocidental. A partir dos anos 1990, Kamper esteve no Brasil seguidas vezes a convite do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC). Sua última visita por aqui foi em 2000, no seminário “Imagem e Violência”. Em São Paulo, articulou sobre o virtual e o telemático, os rastros, os sonhos, as loucuras e o destino do corpo diante do seu oposto, a imagem. O professor Baitello costuma contar em suas aulas como, uma certa vez, ao chegar ao Brasil, Kamper disse, talvez não nestas exatas palavras: fiz uma aposta comigo mesmo de que a vida é maravilhosa. Quando estou na Alemanha, tenho certeza de que estou perdendo. Mas quando chego ao Brasil, me convenço de que estou vencendo. O ENSAIO COMO CAMINHO. A característica fundamental desta obra é seu caráter ensaístico. O livro é um conjun-

to de textos e reflexões de toda vida do autor, que aos saltos se sequenciam. Aos saltos também, portanto, o leitor deve se aventurar entre um capítulo e outro. Este não deve ser um leitor preocupado com a racionalidade de uma leitura linear, mas aquele que se permite sentir. Aquele que consegue enfurecer-se. Ler com desconforto, para só então juntar os cacos. O texto ensaístico é menos um estilo e mais uma proposta. Em um livro que exige de nós uma “crítica não disciplinante do poder disciplinador”, não seria de outro modo que Kamper nos convidaria a bailar na beira do abismo. Se, por medo do real, criamos o método para conformá-lo, somente a força caótica que desafia o método é capaz de sentir o real. Não é um livro para quem procura manuais. São textos como profecias, que não permitem sobre si um sentido único e planificado. CORPO, IMAGEM E MÍDIA. Para a Comunicação, a principal contribuição de Kamper está na compreensão desta trindade. O corpo, as imagens e as mídias, como suportes de imagens, constituem uma relação que define a contemporaneidade. Para Kamper, o projeto ocidental nos fez partir materialidade do corpo para a imaterialidade do virtual. Algumas coisas ficaram pelo caminho. Entre o corpo e a máquina, está a imagem. A imagem está para o corpo como Deus está para o homem. Nós fundamos as imagens por meio das quais compreendemos o mundo, e elas se tornam tão poderosas que são capazes de nos conduzir, e inclusive de moldar nossos corpos. Entram aí, então, os corpos-imagem, os ideais de beleza, a busca pelo Paraíso. No ponto de virada, máquinas reproduzem imagens ao limite do inabitável. A mídia, assim, opera o ápice da abstração do corpo. Impõe sobre o real uma terrível pressão. Agora, a máquina é quem sonha Deus, enquanto Deus sonha o homem. Assim como o homem quer ser homem sem Deus, a máquina quer ser máquina sem o homem. Para Kamper, este é um percurso de queda. Abstração significa subtração. Logo, a subtração do corpo em imagem e, depois, em mídia, é parte de uma catástrofe. Seja pelo canhão, seja pelo photoshop, multiplica-se sobre o chão e pelas telas o corpo morto. Mas não é à toa que o livro se chama Mudança de Horizonte. O argumento de Kamper é que, diante do nada, não há outra opção senão dar a volta. Mudar o olhar, trocar a perspectiva. Não na direção do sonho do progresso, mas reconhecer sua tragédia. Permitir-se sentir novamente a ira que não nos cega. Somente irados poderíamos buscar aquele conhecimento com exatidão, que não é seduzido pelos cantos das sereias. Um pensamento-corpo, portanto, que seja capaz de devorar as imagens que nos ferem, e não o contrário. (Tiago da Mota e Silva)

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Na Arena Mordovia, na cidade de Saransk, Japão e Colômbia se enfretaram na fase de grupos

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ELCIO PADOVEZ

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MEMÓRIAS DE UMA COPA SIMBÓLICA


A COPA DA RÚSSIA surpreendeu a muitos, seja pela beleza do país, a organização e surpresas nos jogos. Mas poucos perceberam que muitos outros símbolos já estavam lá, e que ajudam a entender as origens deste Mundial POR ELCIO PADOVEZ*

A Rússia antes e depois Nas férias de 2015, desembarquei pela primeira vez em terras russas. Foram dez dias entre São Petersburgo e Moscou para observar o clima de preparação para o torneio e o que o mais de um milhão de estrangeiros que estiveram recentemente lá poderiam esperar. A Rússia sem a Copa foi uma, mais fechada, ainda um enorme canteiro de obras e de incertezas. A de três anos depois, mergulhada na febre da bola, deixou muitos boquiabertos pela receptividade dos anfitriões, pela tentativa de receber bem a culturas tão diversas e também se mostrar como uma nação fora dos estereótipos pintados por muitos do Ocidente, já que não é fácil achar um urso dentro de um carro lá, como no YouTube. Ao longo deste período de imersão, entrei no mestrado em Comunicação na Cásper, em janeiro de 2017, ainda com a ideia crua de que eu queria estudar a Copa da Rússia de alguma forma, mas não sabia qual recorte. De início, meu projeto era uma análise comparativa entre o site oficial do torneio e grandes veículos online de lá, para analisar o quanto o governo de Vladimir Putin, que controla cerca de 95% da mídia, conseguiria aparelhar e fazer da sua agenda assuntos que fossem interessantes de serem divulgados. Já antes da Copa das Confederações, entre junho e julho de 2017, e com um semestre completo, vi que esse não era o melhor caminho a

se percorrer. Apesar do Estado forte de Putin, ele sempre fez questão de descolar sua imagem da Copa do Mundo, e promovê-la especialmente como uma ferramenta para mostrar a Rússia como um lugar seguro e um destino turístico ideal. A partir de conversas com meu orientador, o professor José Eugênio Menezes, do Mestrado da Cásper, chegamos à conclusão de que um recorte mais inovador da pesquisa se encontrava na relação entre a rica e desafiante cultura russa e o esporte, e como, por meio de símbolos, ela se comunica e constrói uma segunda realidade dentro de megaeventos esportivos. Aqui, vale a pena abrirmos um parênteses. Desde adolescente, eu me interesso por línguas estrangeiras e pelos hábitos e rituais que cada povo inventa para si e o transforma em tradição. Também passei a me interessar, depois de formado em Jornalismo na Unesp de Bauru, pelo universo esportivo. Mas nunca fui do tipo que só gosta de esquemas táticos, do mercado de transferências ou números de um jogo. O contar histórias me atrai mais, e com a bagagem do mestrado, descobri que tudo o que gostava poderia coexistir e tinha até uma ciência para se usar na academia: a etnografia. As andanças etnográficas Mas o que significa afinal ser um etnógrafo? Este ramo das ciências humanas, desenvolvido ao longo do século XX, nasceu de um braço da antropologia, chamado de etologia, este dedicado a observar e analisar, a partir do olhar europeu, o comportamento de tribos da Ásia e da África enquanto elas sofriam processos de colonização e influência de culturas mais ocidentais. Esta forma de observação, feita de maneira “exótica” e distante, era a moda no fim do século XIX: os pesquisadores europeus recebiam peças e registros das tribos e as “conheciam” assim, sem contato direto. Um dos primeiros antropólogos a se

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A palavra Rússia já povoa por um bom tempo meu dia a dia. Desde a Copa no Brasil, em 2014, aquele país a mais de 12 mil quilômetros distante de nós, de 17 milhões de quilômetros quadrados , 145 milhões de habitantes, cerca de 100 etnias e 200 idiomas diferentes, se tornou um amigo estranho no primeiro contato. Depois, se tornou íntimo, a ponto de eu sonhar em russo certas noites antes da viagem para viver in loco a terceira Copa do Mundo como espectador, a segunda como jornalista e a primeira como pesquisador de comunicação. Mas como toda essa epopeia russa começou? Há quatro anos, trabalhava na comunicação da Adidas, que produz os uniformes da seleção russa, e escrevia para um jornal do interior paulista, A Voz Regional. Um dos projetos que fechei com o periódico semanal da região de Monte Aprazível foi a série “As Famílias da Copa”, no qual eu contaria histórias de emigrantes de países classificados e que, por diversos motivos, foram parar naquela parte do Brasil. Havia gente da Croácia, da Grécia, do México e, pelas curiosidades da vida, uma russa errante morando na cidade de Tanabi. Sasha Gurdzha, que veio parar no Brasil por causa de um

amor, me acendeu, em 1h30 de conversa, de que aquele país complexo, a próxima sede da Copa, merecia mais do que uma matéria. Dava um mestrado. A partir daquele momento, a milenar história da Rússia começou a mexer comigo, assim como aquelas cidades de arquitetura de formato único, e um povo extremamente misterioso e que não dá para entender num primeiro olhar. Era preciso um mergulho em águas profundas nas letras, cultura e na vida deles.


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A multifacetada Rússia abriga grandiosidades como o museu Hermitage, um dos maiores do mundo. Capital da República da Mordóvia, Saransk foi a menor cidade sede da copa. Famosa pela Batalha que leva o nome da cidade, Volgogrado também foi sede dos jogos

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rebelar contra este método menos dinâmico e por o pé na estrada foi o polonês Bronislaw Malinowski (18841942), que dedicou boa parte da vida a conviver com povos da Papua Nova Guiné e escrever sobre suas culturas. O livro Os Argonautas do Pacífico Sul, de 1922, é considerada uma das primeiras obras sobre etnografia. Nesta mesma época, o Brasil também teve suas experiências etnográficas com Mário de Andrade. O escritor modernista gostava muito de viajar, e a partir de suas observações e trabalho de campo na Amazônia, escreveu O Turista Aprendiz (1927). O método de observação também sofreu influências da escola culturalista norte-americana, que a partir dos anos 1930, passou a fazer experiências “endóticas”, ou seja, de estudar os hábitos e costumes de sociedades internas, como vilarejos do Mississipi. Dos EUA, também se ouviu, de maneira inédita, o termo etnografia da comunicação, a partir do sociolinguista Dell Hymes (1927-2009), que a utilizava para estudar as relações entre as sociedades e a linguagem. Um pouco adiante, nos anos 1990, a etnografia, a comunicação e o esporte vão iniciar um diálogo e ganhar espaço dentro de universidades e cursos voltados às ciências humanas. Outros olhares Existem muitas Rússias em 2018, que foram sendo construídas lenta-


A farta cultura russa convive entre as lembranças do passado socialista

Em um mundo cada vez mais segmentado, já não é preciso ser o correspondente internacional de um grande veículo para vivenciar in loco e produzir informação sobre um evento esportivo desta magnitude. Blogs muito interessantes, como o Dibradoras, focado no olhar feminino sobre o futebol, canais de internet e veículos independentes têm se mostrado uma boa saída além do hardnews. A Copa do Catar, daqui quatro anos, também será um grande desafio do ponto de vista cultural, assim como a Rússia. O global da Fifa entrará mais uma vez em conflito e negociações com o local, que no mundo catariano, responde pelo islamismo, a proibição de venda e consumo de bebidas alcóolicas, as restrições às mulheres na vida porta de casa para fora e a negação dos direitos e avanços homossexuais. Quem se habilita? * Jornalista e mestrando em Comunicação pela Cásper Líbero

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Missão Catar 2022 Há muitas maneiras e caminhos possíveis de se cobrir megaeventos esportivos. Edições de Copas do Mundo e Olimpíadas são eventos de alto grau de complexidade e não duram apenas um mês ou 21 dias, respectivamente. Eles vão sendo construídos e imaginados ao longo dos anos que os precedem. Tanto para o acadêmico quanto para o jornalista esportivo que vão se aventurar nesta área, é fundamental preparação prévia e estudar o contexto sociocultural de cada edição, pois ela é única e figurinha repetida não completa álbum.

ELCIO PADOVEZ

cial sobre os 100 anos das memórias esportivas na URSS e Rússia e participar da série de vídeos A Rússia é Logo Ali, ambos pelo Estadão, além de ter feito a cobertura do torneio para a Rádio Gazeta AM. Com o quadro No Clima da Copa, pude trazer ao ouvinte, por meio de boletins diários, o lado B da bola e do país-sede. No caminho, encontrei personagens muito curiosos, como Vladimir, um fotógrafo que me hospedou em sua casa de campo, numa vila de 20 casas, e me ensinou a comer peixe seco, e Dylara, a encarregada pela organização de um dos vagões dos trens que viajei (e foram muitos e com quilometragem altíssima) e me contou como era sua vida sobre trilhos entre Kazan e Ecaterimburgo. Outra boa surpresa foi perceber que a maioria dos grandes veículos de comunicação no Brasil, como a Rede Globo e a Folha de S. Paulo, investiram e deram espaço para apresentar a Rússia para o brasileiro pela ótica cultural. A Globo enviou, a um ano do início da competição, os repórteres Marcelo Courrege e Richard Souza para morarem lá e respirarem o dia a dia local. Outro jornalista que fez uma imersão em terras russas foi o Fábio Aleixo, que cobriu a Copa pela Folha e manteve um blog no veículo, o Privet, Rússia!, dedicado a contar histórias da cultura e curiosidades de lá.

ELCIO PADOVEZ

mente, a partir do século IX, quando ela representava pouco mais de 10% do território que é hoje. O maior país do mundo já foi terra de influência romana, bizantina e até cotada para ser a Terceira Roma. Com a queda de Constantinopla, em 1453, herdou símbolos do Império Romano que atravessaram os séculos e estão até hoje por lá, como a águia bicéfala, com uma cabeça vigiando o Ocidente e a outra, o Oriente, assim como a cor vermelha e a cultura militar, três símbolos poderosos e que foram personagens centrais tanto nas mãos dos czares, a versão russificada dos Césares romanos, quanto nos 71 anos de existência da União Soviética. E, sim, eles estão mais do que vivos no Séc. XXI e eu fui atrás deles em uma viagem que durou 33 dias, entre 4 de junho e 7 de julho de 2018, e em 41 mil quilômetros percorridos, passou além de andar por nove cidades-sede do Mundial, por Portugal e Dubai. Todos os dias, minha missão era, a cada passo, observar, fotografar e anotar no caderno de campo, algo indispensável a um etnógrafo, onde havia encontrado os símbolos acima descritos. E qual a minha surpresa e espanto, quando desembarco em Sochi, a primeira cidade da jornada, e leio que o nome da rua do apartamento que aluguei se chamava vermelha. Dentro dele, na pia do banheiro, havia uma águia de duas cabeças me esperando. Algo impensável no Brasil, nem na casa do mais fervoroso patriota. Registrei a presença maciça dos três símbolos nas mais diferentes ocasiões e locais, desde a bandeira da Rússia, que ostenta a ave de cabeça ao quadrado e o vermelho, capas de celular, adesivos para carros, nas comunicações oficiais da Copa e também, no jeito mais disciplinado que séculos de estrutura militar e ortodoxa impõe ao dia a dia da população russa. Também pude ir além da teoria e usar a etnografia além do ambiente acadêmico e dialogar com o mercado de trabalho, ao escrever um espe-


REPRODUÇÃO

Na primeira edição da Communicare deste ano, a revista científica da Faculdade Cásper Líbero apostou no tema dos megaeventos para elaborar seu dossiê. O editorial ficou por conta do Coordenador Geral do Centro Interdisciplinar de Pesquisa, Eric Carvalho, do jornalista Anderson Gurgel Campos de Ary Rocco. O dossiê batizado de “Legado comunicacional dos megaeventos esporti-

O ESPORTE NA COMUNICAÇÃO vos” procurou analisar os impactos e consequências dos eventos ligados ao mundo esportivo para a área de comunicação e das ciências correspondentes. É um estudo plural, onde várias visões são apresentadas sobre o tema. O periódico ainda conta com um artigo em espanhol de José Luis Rojas Torrijos, da Universidade de Sevilha. Para o lançamento da revista, foi organizado um evento no Teatro Cásper Líbero, que contou com a presença de alguns colaboradores, jornalistas e narradores de esporte, parte deles casperianos de formação. (Larissa Basilio)

ESTUDOS MEMÉTICOS mes da Pesquisa em Comunicação, projeto que produz verbetes sobre pesquisadoras e pesquisadores dentro da área da Comunicação. O encontro do dia 26 de maio finalizou sua programação com três sessões voltadas para apresentações de pesquisas sobre o vínculo dos memes com questões identitárias, com comunicação e relações de poder, e com comunicação, mídias e gênero. (Maria Luisa Rodrigues)

PRATICOM E RELAÇÕES PÚBLICAS O 8º Praticom (Encontro de Práticas de Comunicação) ocorreu entre os dias 5 e 7 de junho. O evento reuniu estudantes do curso de Relações Públicas e objetivava aproximar o mundo acadêmico do mercado por meio do estudo de diversos cases de sucesso da área. De acordo com a estudante e uma das organizadoras do evento, Bruna Cortello, a parceria feita com a ABRACOM

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(Associação Brasileira das Agências de Comunicação), encarregada de fazer uma pré-seleção das empresas que participaram do evento, garantiu a apresentação de bons cases. Bruna cita como um dos destaques a participação da editora Panini, fabricante do álbum de figurinhas da Copa, para falar da ação envolvendo a marca e a atriz Bruna Marquezine. (Paula Leal Mascaro)

REPRODUÇÃO/LUÍS MAURO SÁ MARTINO

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circulam dentro dos processos comunicacionais e quais reações eles geram. Os palestrantes também discutiram os memes como objetos efêmeros, mas que podem se tornar memória e movimentar vertentes teóricas e metodológicas dentro do contexto em que são utilizados. Como complemento, o seminário teve participação de Rafael Grohmann e Luís Mauro Sá Martino da Cásper, no lançamento do site NoREPRODUÇÃO

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Pensar o meme como um objeto multifacetado, não só de humor, é o objetivo do 10º Seminário Teorias da Comunicação: Memes, Política e Cultura que ocorreu na Faculdade. O evento contou com a palestra Memes e... Teorias da Comunicação? promovida por Viktor Chagas (UFF), Adriana Amaral (UNISINOS) e Mônica Rebeca Ferrari Nunes (ESPM). Os convidados debateram sobre como esses fenômenos típicos da internet


COP 24: POLÔNIA Tatiana Ferraz embarcarão para cobrir a 24a edição do evento. Lá serão produzidas reportagens e conteúdos multimídias para a rádio e site da Gazeta AM, TV Gazeta, site e Mídias Sociais da Cásper sobre os principais fatos e acontecimentos mundiais para a preservação do meio ambiente. (Rafaela Bonilla)

DIVULGAÇÃO

No seu quarto ano consecutivo, a Faculdade Cásper Líbero levará estudantes e professores para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que neste ano será realizada na cidade polonesa Katowice. Na primeira semana de dezembro, 18 alunos selecionados e as professoras Filomena Salemme e

AS ELEIÇÕES DAS FAKE NEWS Professores e comunicadores de diversos locais de ensino e redações vieram ao palco da Faculdade Cásper Líbero para discutir sobre as fake news. O evento, com duas rodadas de bate-papo, contou com a presença de nomes como Leonardo Sakamoto, Laura Capriglione do Jornalistas Livres, Pablo Ortellado, colunista da Folha e até o chefe da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Pedro Antonio de Oliveira Machado. “Falar sobre fake news significa iluminar uma série de outras coisas que estão relacionadas a ruídos na nossa comunicação: relatos e notícias que não estão em conformidade com os fatos”, disse o professor Rodrigo Ratier. A educação e a procura de informações e fontes confiáveis são uma das maiores armas para combater as notícias falsas neste ano de eleições. (RB)

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O lado nerd da força não está sob as sombras. Muito menos o da pesquisa. Voltado aos alunos de graduação e mesclando profissionais de mercado e academia, o intuito do CásperGeek era justamente mostrar ao público que objetos de pesquisa estão mais presentes no cotidiano do que se imagina. Divulgadas de maneira divertida com game cards sobre os palestrantes, as duas tardes de evento reuniram 23 palestrantes, entre professores da casa e externos, 253 inscritos, a Omelete e muito debate sobre o universo e a cultura geek. O melhor de tudo? Toda essa discussão acerca do tema renderá, em setembro, um e-book com artigos publicados. É, parece que atenderam ao chamado... (Carla Cristina Dos Santos)

DIRETORA PREMIADA Elisa Aleva, estudante do 4º ano de RTVI, já produziu dois curtas e agora tem um terceiro em gestação como TCC. Seus trabalhos buscam um olhar cuidadoso e íntimo para personagens femininas marcadas por dores e traumas, e já chamaram a atenção em festivais pelo país. Agora se vira, meu bem, o primeiro deles, recebeu os prêmios de melhor montagem e atriz, pelo desempenho de Marina Azze, no festival de curtas de Suzano (São Paulo), e melhor fotografia no festival TPCine, em Três Pontas, Minas Gerais. O Canto, seu trabalho seguinte, também foi premiado no TPCine pela montagem. Elisa começou como atriz e hoje pretende se dedicar à direção. (Henrique Artuni)

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PARA ENTENDER MAIS

Forma e conteúdo ::DIAGRAMANDO:: Se joga nas dicas que esta edição preparou para você

Humor político: Encerrada em 1995, a Circo Editorial reuniu grandes cartunistas como Laerte, Paulo Caruso e Angeli. Suas histórias e charges podem ser encontradas no livro Humor Paulistano, a experiência da Circo Editorial, organizadas por Toninho Mendes Por trás das câmeras: Se curtiu as aventuras digitais da produção Deus Salve o Rei, não deixe de acessar a página da novela em gshow.com e assistir às dezenas de vídeos sobre bastidores e making of da produção

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Iluminura 4.0.: Para quem quer se aprofundar mais no universo tipográfico o livro Elementos do Estilo Tipográfico (Ubu), de Robert Bringhurst, é uma boa pedida

Multimídia: Sente falta do Marcelo Tas na sua telinha? Agora como youtuber, você pode conferir o comunicador dando dicas sobre educação e tecnologia no seu canal #Descomplicado


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