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A VIDA DAS PESSOAS COMUNS

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CULTURAL Circuito

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Nascido no Jacanã em 1974, o jornalista Christian Carvalho Cruz trabalhou em algumas das principais redações do país, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Quatro Rodas, Playboy e IstoÉ. Morador da Granja Viana desde 2008, ele tem desfrutado acima de tudo do silêncio daqui. É neste espaço que se dedica a buscar histórias de vida incomuns de pessoas comuns para o Trombadas, projeto do Uol Tab. Durante a pandemia, ele transformou o laboratório de revelar fotografias em um ateliê de marcenaria, onde começou a fazer brinquedos para a neta Clarice e, hoje, faz peças utilitárias, como luminárias e bancos.

O QUE VOCÊ MAIS GOSTA DA GRANJA?

O silêncio da minha casa é a principal vantagem.

POR QUE JORNALISMO?

Eu me formei na PUC de São Paulo em 1993. Fui fazer jornalismo para escrever, nesse país que dizem que não se lê. Se a gente vai fazer revista partindo da premissa que ninguém lê, é melhor não fazer. As pessoas leem. Eu me orgulho muito da minha profissão. Faz 30 anos que vivo de escrever.

O UOL TAB, ONDE VOCÊ ATUALMENTE

FAZ A COLUNA TROMBADAS, SE DEFINE COMO “REPÓRTERES NA RUA EM BUSCA DA REALIDADE”.

No início eu fotografava a cidade, não as pessoas. Até que um dia, na rua da Glória, tinha um rapaz parado numa portinha que me lembrou um tio. Pedi para fazer o retrato dele. Era um cara alto, careca, de bigodão.

O Bisteca. Ele foi o primeiro Trombadas Era um salão de sinuca. Depois, voltei para dar as fotos de presente e me sentei com o ele, que me contou sua história. E comecei a achar que a fotografia era pouco. Meu desejo era não ter desejo e contar a história da pessoa do meu jeito. As histórias passam por mim, embora seja na voz das pessoas. Eu ia colocando este material no Medium [uma plataforma híbrida online para publicação de jornalismo social, fundada em agosto de 2012 pelo cofundador do Twitter, Evan Williams], que para mim é como se fosse um portfólio. Em um determinado momento, um amigo foi procurado por uma revista que ia ser lançada e queria uma seção de gente. Ele me indicou para o piloto [projeto inicial]. Não deu certo a revista, mas o Uol Tab estava passando por um relançamento e a editora chefe, Olivia Fraga, tinha sido minha colega no Estadão e me procurou perguntando se eu tinha uma ideia. São dois anos de colunas, duas por mês, 24 por ano. Estamos comemorando 50 textos só de Trombadas. O legal do UOL é que é um canhão, a repercussão é muito grande.

Qual Seu M Todo De Escrita

PARA TROMBAR COM PESSOAS?

A maior parte do começo era trombada mesmo. Me interessava por alguém. É o choque com as coisas. Eu fico impressionado, tocado. Daí tudo começa. No fundo, é só ter um pouco de paciência e querer ouvir. Tem vezes que faço a escuta, mas não consigo encontrar a história na hora. Jornalismo seria uma transcrição somente. Pode se tornar chata, enfadonha. Eu não quero isto. Tem uma construção, uma tentativa de construção literária, um trabalho de texto. Embora sejam informações reais, vou construindo. Não estou interessado em checar nada. Só me interessa o que a pessoa tem para me contar. Igual um retrato fotográfico. Tirar uma foto da pessoa naquele dia. Não quero fazer a biografia. Embora muita gente conte a história da vida dela.

UM PORTEIRO DO RESIDENCIAL VILA DIVA, AQUI DA GRANJA VIANA, FOI UM DOS PERSONAGENS DA COLUNA. COMO FOI A CONVERSA COM ELE E QUE HISTÓRIAS REVELOU SOBRE O BAIRRO?

Acho que você se refere ao seu Milton, figura adorável que conheço há 15 anos. Ele contou do espírito de um índio que mora na mata atrás do Armazém do Nicolau, de uma misteriosa bola de fogo que vagava à noite perto do Recanto Impla, de um filhote de urubu que ele criou e pegou chamego, do sumiço de alguns passarinhos provocado pelo incansável desmatamento e muitos outros causos.

TEM MAIS PESSOAS DA REGIÃO QUE JÁ FORAM RETRATADAS?

Muitas. Tem o caseiro Beto, o marceneiro Clébison, o antiquário Marcelo Tarzan, a Rosângela do Bar da Japonesa Preta, o Bil do Armazém da Natureza, a Josiane da Café Contexto, o Wagnão, contrarregra no Circo Zanni, o Sidney do Galpão do Rádio, o imigrante haitiano Arnold e alguns outros.

COMO É SEU PROCESSO DE ESCRITA?

Levo cada vez mais tempo para escrever. Estou gostando de ter mais tempo, de fazer os textos com um tempo mais alargado. Gosto da coluna porque não tenho regras. O jornalismo é cheio de pode-e-não-pode. Eu estava cansado disso, estava cansado até para escrever.

VOCÊ ACHA QUE O QUÊ ESCREVE É JORNALISMO?

Sou jornalista há 30 anos e, tirando uma tentativa ou outra de escrever ficção e a coluna Trombadas, que contém jornalismo, mas não é jornalismo (e também não sei o que é), tudo o que escrevi nesse tempo, e ainda escrevo, é jornalismo.

PARAFRASEANDO O TÍTULO DE UM LIVRO SEU, QUANDO A NOTÍCIA É SÓ O COMEÇO DE UMA BOA HISTÓRIA?

Quando o jornalista se dispõe a contar essa história permitindo que a imaginação, a liberdade e a curiosidade, não os clichês, conduzam a sua pesquisa - que, no jargão das redações, chamamos de apuração.

QUAIS SÃO SEUS NOVOS PROJETOS?

Tem um diretor brasileiro que me consultou para criar monólogos a partir dos textos publicados no Trombadas Achei legal e estamos conversando.

PARA FINALIZAR, COMO VOCÊ SE VÊ HOJE?

Eu sou o avô da Clarice, de 2 anos e meio. Me basta ser o avô dela [risos]

Monica Martinez

CANAL CIRCUITO

Leia a entrevista completa em revistacircuito.com/christian-carvalho/

As Assombra Es De Milton

Não se vê mais picharro, não se vê mais añu-preto, coleirinha, tico-tico. Nem o joão-de-barro, que tinha de monte. E vou falar uma verdade pro senhor: nem as estrela a gente vê mais. Muito difícil. Antes essa Granja Viana tudo era um breu que dava gosto. Hoje iluminaram as rua, asfaltaram, mudou muito. Em noite sem lua ficava tão escuro que era difícil encontrar gente pra trabaiá aqui de madrugada. A turma tinha medo. Eu achava graça. É que na rua Sapê, toda terça-feira, passada meia-noite, aparecia uma bola de fogo lá. No chão mesmo. A gente mandava os menino fazer a ronda e eles passavam um rádio pra cá: “Ô, Milton, vem aqui ver um negócio”. Era a bola de fogo. Não fazia maldade. A gente caminhava na direção dela, se aproximava de mansinho até que, puf!, desaparecia. Faz tempo que ninguém não vê a bola de fogo. Mas o índio ainda aparece. Tem um índio que vive na mata, o senhor sabe, né? Uma pessoa cabeluda, sem camisa e calça comprida. Dizem que é o espírito de um que se afogou no criador de rã que teve aí no passado. Exclusive um tempo atrás nóis ouviu barulho e entrou de farolete pra procurar. Fumo até lá embaixo e nada. Na volta, só escutava os passo dele atrás de nóis, só que tava invisívi.

(trecho da coluna Trombadas, publicada em 25 de março de 2021)

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