Revista Comercialista - 2º Trimestre de 2013

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REVISTA COMERCIALISTA | 2ยบ trimestre de 2013

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2 Índice

REVISTA COMERCIALISTA | 2º trimestre de 2013

4. Editorial

Nessa edição: ...LTDA. Limitada, por Paco Manolo C. Alcalde

5. Perfil

Entrevista com Alencar Burti, presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP

...Venture capital, sociedades anônimas e inovação: as falhas do direito societário brasileiro, por Marcelo Godke Veiga ...Desconsideração da personalidade jurídica: um risco esquecido pelos micro e pequenos empreendedores, por Gustavo Lacerda Franco

Editor Executivo Pedro Alves Lavacchini Ramunno

Conselho Editorial

10. Doutrina

...Responsabilidade dos Administradores na Sociedade por Ações Simplificada, por Francisco Reyes Villamizar

Conselho Discente

Artigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

... O Regime Especial da Sociedade Anônima Simplificada , por Walfrido Jorge Warde Jr. e Rodrigo R. Monteiro de Castro

Gustavo Lacerda Franco

Patrícia Cruz

Amália Batocchio Paco Manolo Camargo Alcalde Pedro Alves Lavacchini Ramunno Rafael de Oliveira Barizan

Conselho Docente Ana de Oliveira Frazão Fábio Ulhoa Coelho Sérgio Campinho Walfrido Jorge Warde Jr.

Articulistas desta edição Francisco Reyes VIllamizar Gustavo Lacerda Franco Marcelo Godke Veiga Paco Manolo Camargo Alcalde Rodrigo Rocha Monteiro de Castro Walfrido Jorge Warde Jr.

Nessa edição: entrevista com Alencar Burti para a Revista Comercialista. O membro do Conselho Repórter desta edição Diretor da FENABRAVE (fundador), e do Conselho Nacional dos Distribuidores Ford trata, com excluPaco Manolo Camargo Alcalde sividade, do panorama brasileiro das micro, pequenas e médias empresas.

A

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Diagramação e projeto Revista Comer- e Econômico. Contato (11) necessariamente as da Re- gráfico

cialista é uma publicação trimestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial

98133-5813 - contato@ocomercialista.com.br. Editor: Pedro A. L. Ramunno - pedro@ramunno.com.br. Nota aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não

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vista Comercialista nem das instituições em que atuam É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta

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4 Editorial

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Small is beautiful...

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s micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) têm, há muito, figurado nos holofotes de diversas análises e pesquisas, tanto nacionais, como internacionais. Entre os tantos motivos que podem ser levantados para justificar a escolha deste instigante tema de estudo, encontra-se em posição de destaque o enorme potencial das MPMEs para geração de renda e de emprego. A afirmação feita pelo eminente economista britânico Ernst Friedrich “Fritz” Schumacher, ainda em 1973, é paradigmática: Small is beautiful. Mas, em relação às MPMEs, o ambiente em que se inserem seria tão beautiful assim? Esta edição da Revista Comercialista se propõe a responder de forma crítica tal questionamento, partindo-se, para tanto, de uma abordagem predominantemente jurídica, mais especificamente do direito societário, sem perder de vista o comportamento dos dados empíricos relacionados às MPMEs no cenário brasileiro. Nesse contexto, inicia-se a presente edição com uma entrevista com o Presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP, Alencar Burti, que apresenta como se comportam, faticamente, os micro, pequenos e médios empreendedores. Percebe-se, facilmente, que um dos aspectos que lhes enseja maior preocupação é o arcabouço legislativo destinado a regular as MPMEs. E não poderia ser diferente. Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br

Como mostrado nos artigos de Paco Manolo Camargo Alcalde e Marcelo Godke Veiga, as duas formas societárias que mais comumente são utilizadas para organizar a atividade empresária no Brasil, a sociedade limitada e a sociedade anônima, são caracterizadas por regimes jurídicos bastante complexos e com sensíveis deficiências. Estas “impotências regulatórias” afetam de modo crucial os micro, pequenos e médios empresários. Um exemplo seria a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como demonstrado em texto de Gustavo Lacerda Franco. O cenário, sem dúvida, é alarmante, principalmente quando se leva em consideração o importantíssimo papel das MPMEs na economia brasileira. Felizmente, isso não significa que melhorias

regulatórias são impossíveis nem mesmo improváveis. Para evidenciar que existem, sim, alternativas, encerra-se esta edição com duas propostas a serem analisadas e, porventura, comparadas: de um lado, a experiência colombiana da Sociedad por Acciones Simplificada, em texto do autor da lei que a introduziu no sistema colombiano, Francisco Reyes Villamizar, e, de outro, o Projeto de Lei 4.303/2012, que pretende criar o regime especial da sociedade anônima simplificada brasileira, conforme apresentado em artigo de Rodrigo R. Monteiro de Castro e Walfrido Jorge Warde Jr.

Pedro Alves Lavacchini Ramunno


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As MPMEs sob a visão do SEBRAE Patrícia Cruz

por Paco Manolo Camargo Alcalde

Alencar burti é empresário do setor automobilístico e líder empresarial eleito pela Gazeta Mercantil. nessa edição d’o Comercialista, o membro do Conselho Diretor da FENABRAVE (fundador), e do Conselho Nacional dos Distribuidores Ford trata, com exclusividade, do panorama brasileiro das micro, pequenas e médias empresas. COnfira a entrevista completa a seguir:

O dores?

Comercialista – O que é o SEBRAE e como ele pode ajudar os pequenos e médios empreende-

Alencar Burti – Mais do que saber o que é o SEBRAE, o importante é que as pessoas, os pequenos empreendedores saibam que podem se valer do SEBRAE para terem uma orientação prática e efetiva. O importante é saber o que é empreender, isso é fundamental. A pessoa quer empreender baseada num sonho, numa perspectiva bastante descolada de sua realidade. Eu costumo dizer que o SEBRAE é uma agência de viagem que pega a pessoa em seu sonho e a leva para a realidade. Então, é fundamental que a pes-

Alencar Burti é membro dos conselhos da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), da Associação Brasileira de Distribuidores New Holland (ABRAFORT), da World Trade Center (WTC) e da Fundação Cultural do Exército

soa venha ao SEBRAE, ou consulte alguma outra entidade da qual ele pertence - pode ser indústria, comércio, serviço -, e tenha contato com os exemplos que as entidades possuem e, então, reproduza o que observa. Não adianta ter uma avalanche de informações, porque ele morreria afogado. É preciso que ele se valha da essência, naquilo que é objetivo. Isso deve ser levado em consideração, principalmente, em um país massacrado pela burocracia, que atinge muito mais o pequeno, porque o grande empresário tem meios de se defender dessa avalanche burocrática, através de advogados, contadores e assessores de toda natureza. Já o pequeno não possui. Então, é fundamental que o futuro empreendedor utilize o SEBRAE, porque é onde ele aprenderá a cres-

cer, a entender o que é empreender. Não adianta sonhar, precisa antes de tudo se capacitar, viajar ao seu interior para ver se isso é uma vontade efetiva de se auto-realizar como ser humano. A melhor coisa que existe para te dar liberdade como ser humano é o empreendedorismo.

O Comercialista – Quais os principais enfrentamentos do SEBRAE ao incentivo de abertura de novos negócios, levando-se em consideração as dificuldades enfrentadas pelos empreendedores de “primeira viagem”? Como garantir, frente a essa situação, uma menor “taxa de mortalidade” dessas empresas recém constituídas? Alencar Burti – Se eu tivesse isso www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


6 Perfil eu vendia (risos). Para saber nadar precisa-se entrar na água, empreender não é diferente. O que eu vejo com tristeza é que o problema não é com o empreendedor, é com o excesso de entraves que prejudicam a criação e i fortalecimento dos pequenos negócios. Os formuladores e executores de políticas não se atentam o suficiente para isso. É só ver esses dados que nós temos, que a burocracia mata, que os impostos complicam a realização não só do empreendedor, mas também dos trabalhadores. Estamos perdendo nossa competitividade, pois o mundo é extremamente competitivo. Os políticos precisam entender isso, pois são eles que fazem as leis, são eles que devem simplificar os tributos, pois isso não é perder receita, muito pelo contrário. À medida que eles simplificarem, a receita aumenta, já que o custo para arrecadar diminui e o resultado é maior, porque ela sendo complicada, há um contingente enorme que não paga. As pessoas não sabem nem como pagar, tal a falta de conhecimento que as pessoas têm. Saem para a corrida e esquecem o tênis (risos). Os políticos não propiciam as condições mínimas para que empreendedor possa partir e chegar ao seu objetivo. O Brasil parece um gigante de joelhos e isso é inadmissível para um país maravilhoso como o nosso. No Brasil, os problemas vitais são a falta de educação e a burocracia, que tiram toda a possibilidade do país ser competitivo. Depois que a China mostrou que o crescimento deve-se ao capitalismo – e a China só cresceu quando o capital foi investido -, eliminando-se a burocracia. A China Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br

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usou sua força para dar força à eco- Nós investimos muito em nossa nomia, diferentemente de nós, que missão de tornar os empreendedoutilizamos nossa força para compli- res melhor preparados. Iniciaremos carmos a economia, e os resultados a construção de uma escola técnica estão aí, são transparentes. E isso de gestão empresarial que está bem tende a nos afetar cada vez mais. adiantada. Pretendemos estar com Se você for um empreendedor e, ela pronta aproximadamente em fecolocada as despesas, não tiver po- vereiro do ano que vem [2014]. Essa der de concorrer no mercado, você é a forma de municiarmos o emprequebra. Se você tiver muito capital é endedor para que o número de emquestão de algum tempo, se não ti- presas que fecham diminua. Desde minha primeira gestão, em 2002, ver, é questão de horas. São coisas elementares que se per- caiu em quase 50% a taxa de mordem em um labirinto burocrático. talidade das empresas que fecham Os estados da federação devem tra- nos cinco primeiros anos, mas ain-

“O Brasil parece um gigante de joelhos” balhar pelo Brasil, e não contra ele. O mais importante é a Nação.

da assim o número continua grande. Educação é fundamental em todos os aspectos. O Comercialista – Há empreen- Empreender não é ganhar, é dispudedores que relutam em pro- tar. Deve-se buscar os seus sonhos, curar o auxílio do SEBRAE? Se mas antes disso deve-se encontrar sim, por quê? os meios, que é a educação. O conhecimento facilita o crescimento e faz Alencar Burti – Se reluta, é porque você ter menos insucesso. não sabe bem o que quer. Se eu quero empreender, ou vou a uma empresa O Comercialista – São Paulo que é referência ou vou numa insti- possui situação peculiar dentro tuição que possa me ajudar. E não do Brasil em termos econômié por falta de instituições capacita- cos, principalmente quanto ao das. Aqui temos em nosso Conselho nível de desenvolvimento. O representações da FECOMERCIO, senhor enxerga alguma forma FEBRABAN, FAESP, FIESP, ASSO- pela qual a legislação estadual CIAÇÃO COMERCIAL e todas elas possa favorecer o desenvolviestão disponíveis e com uma aten- mento das micro e pequenas ção especial aos pequenos. Podem empresas, ou até mesmo algunos procurar não só em São Paulo, ma medida administrativa que mas no Brasil inteiro. Nós temos 33 melhor pudesse atender às neescritórios no Estado de São Paulo à cessidades do Estado? disposição das pessoas. Empreender é como buscar ouro, deve-se ir lá e Alencar Burti – No fim, o Estado cavar, garimpar. é regido pelas leis, que comandam


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o país. São Paulo cresce pela determinação, por seu espírito empreendedor, que se originou daqueles que vieram para cá. Advém das dificuldades que tiveram os oriundos da Itália, a Espanha, alguns países árabes, e que vieram para cá e viram que a mina existia, os produtos existiam. E viram que era só trabalhar, construir. Isso é fruto daqueles que conheciam as dificuldades e não tinham medo de enfrentá-las, porque sabiam que o solo era rico, que o ambiente era favorável. No Brasil, temos leis para tudo, o problema é sabermos como usá-las. Por que tanta medida provisória? Por que tanto projeto de lei? Cada deputado vai lá e quer fazer seu nome através de projetos.

O Comercialista – A ausência do registro adequado das empresas, em especial das MPEs, sempre foi um indicativo de sua informalidade. Embora, nos últimos anos, essa situação tenha apresentado uma relativa retração, ainda representa uma considerável parcela no cenário brasileiro. A que fator o senhor atribui essa informalidade?

eles foram espremendo a corrupção, criou-se um labirinto, pois você não encontra aquele que transgrediu, tal a dimensão dos caminhos que criaram. Para os pequenos empreendedores, os custos burocráticos são mais danosos que os custos tributários, porque eles não conseguem atingir as vantagens da legislação devido à burocracia.

O Comercialista – Qual a sua opinião acerca das pesquisas e dados estatísticos sobre as MPEs? Alencar Burti – É o único meio que temos para conhecer a realidade nua e crua em que vivemos. É importante para dimensionarmos a realidade. As pesquisas são fundamentais, mas o

“Para os pequenos empreendedores, os custos burocráticos são mais danosos que os custos tributários”

modo como se deve aplicar o resultado é uma barreira. A burocracia estabelece muralhas insuperáveis, ou seja, não é a pesquisa que é o problema, mas como aplicarmos seus resulAlencar Burti – À burocracia. A tados, que nos remete à burocracia. burocracia alimenta até mesmo o cri- A Coréia, para mim, é um exemplo, me organizado. Se alguém tem dúvi- pois investiu na educação e na tecnoda disso, basta sair às ruas de noite. logia. Estabeleceram um regime que, A burocracia dificulta o crescimento, a despeito de ser altamente tributapois a pessoa vai para o caminho mais do, faz com que o meio seja competifácil. A pessoa vai morrer de fome? tivo, tributando naquilo que não tire A fome transforma o homem em um o poder de competitividade do emanimal. Essa é a nossa triste realida- preendedor. de, que também é fruto da corrupção. Criaram a burocracia para comba- O Comercialista – Quais são as ter a corrupção. Na medida em que principais dificuldades encon-

tradas por pequenas e médias empresas na obtenção de financiamento? E quais são os principais mecanismos de financiamento utilizados atualmente?

Alencar Burti – Financiamento tem. Temos, a título de exemplo, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Desenvolve SP e o FEBRABAN. Dinheiro está sobrando. Não falta. O que faltam são as condições, pois ninguém dará dinheiro para quem não tem condição. Banqueiro também é empreendedor e quer lucrar.. Há financiamentos a custos bem convidativos. Em quatro anos a agência de fomento Desenvolve SP está aplicando 1 bilhão de reais. Premiaram diversas pessoas, e inteligentemente premiaram até prefeitos que utilizaram o financiamento para o bem público. O Comercialista – A criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), em 2011, foi importante aos micro e pequenos empreendedores? Quais os principais problemas dessa forma de organização empresarial na visão dos pequenos e médios? Alencar Burti – Primeiramente, é preciso deixar bem claro que não podemos confundir esta nova forma societária com a figura do MEI – Micro Empreendedor Individual. A nova figura do MEI é, na verdade, um dos mais importantes resultados das políticas de inclusão social, via trabalho, instituída no www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


8 Perfil país, uma vez que permite a formalização de um grande contingente de empreendedores de uma forma muita simples e sem a exigência de nenhum capital social mínimo. Já a nova figura jurídica da EIRELI, em que o titular deverá apresentar um capital social mínimo de 100 salários mínimo, ou seja, R$ 67.800,00, atende aquela parcela de empreendedores que não são atendidos por outros. Em função disso, essa lei pode diminuir a efetividade de constituição de empresas de micro e pequeno porte nessa natureza jurídica, pois, segundo algumas pesquisas, mais de 90% (noventa por cento) das empresas registradas têm capital inferior ao exigido nesta lei. Como a EIRELI reúne as características jurídicas do empresário

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medidas hoje existentes, com a dorismo é bem vinda. aprovação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e a criação O Comercialista – As MPEs têm da figura do Micro Empreende- tido fôlego para concorrer com dor Individual – MEI, oferece aos as médias e grandes empresas? empreendedores brasileiros uma ambiente mais favorável à criação, Alencar Burti – Como disse antes, sobrevivência e ao desenvolvimen- a burocracia acaba com as micro e to das suas micro e pequenas em- pequenas empresas. O que estamos presas. É claro que ainda precisa- tentando fazer é aliar o grande ao mos trabalhar pela implementação pequeno. A pequena empresa deve efetiva de todos os seus benefícios, prestar serviços às grandes empreprincipalmente nos municípios e sas, porque a pequena empresa pode pelo aprimoramento do Regime ter muitas facilidades dessa relação, Simplificado do Simples Nacional, abaixando seus custos de produção e permitindo que todas as pequenas transformando o Brasil em um país empresas possam aderir a esta sis- mais competitivo. temática simplificada e reduzida de Contudo, hoje em dia, não têm fôlego para competir com as grandes. As pepagamento de tributos. Quanto ao projeto de lei proposto, quenas podem competir na medida acompanha, em certa medida, a do interesse do grande. Quando eu criação da figura jurídica da EIRE- tinha onze anos, eu trabalhava no armazém da minha avó. Você acha que hoje dá para ter um armazém para vender arroz e feijão? Ainda mais em frente a um grande supermercado. O LI e busca oferecer aos empreen- seu custa cem e o dele custa cinquendedores brasileiros, como acontece ta. Como eu vou competir com um em outros países, a oportunidade grande supermercado? de abrir o seu capital a participa- Há as feiras de rua, que ainda resisção de outros investidores, inclu- tem, porque é algo cultural e persiste. sive internacionais, injetando re- São exemplos cada vez mais raros. cursos novos e necessários para a Os pequenos deveriam se unir em continuidade dos seus negócios, cooperativas, pois elas são algo muiespecialmente as start-ups. É uma to importante. Assim como as franótima notícia, mas deve-se levar quias, que são muito boas, pois elas em consideração que este regime lhe dão todos os meios e oportunidaexigirá o amadurecimento dos em- des. presários brasileiros que, de um modo geral, ainda atrelam o perfil O Comercialista – O empreenempreendedor à constituição de dedor brasileiro costuma fazer sua própria empresa e não apenas um levantamento dos riscos lea venda de uma boa ideia de negó- gais envolvidos no negócio, ancios. Toda a medida que busca in- tes de sua abertura? centivar e fortalecer o empreende-

“A burocracia estabelece muralhas insuperáveis” individual e da sociedade limitada, deverá atender a todas as exigências legais estabelecidas, mas desde que o seu faturamento e atividade econômica permitam poderá optar pelo Regime Simplificado do Simples Nacional.

O Comercialista – Existe um projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional que cria o regime especial da Sociedade Anônima Simplificada (Projeto de Lei 4303/12). O senhor acredita que tal regime terá adesão dos empreendedores brasileiros, caso seja aprovado esse projeto de lei? Alencar Burti – O conjunto de Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br


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Perfil 9 Patrícia Cruz

Alencar Burti atualmente é presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP, diretor vice-presidente Secretário da FACESP e membro do Conselho Superior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Alencar Burti – Infelizmente a maioria não. No SEBRAE nós orientamos os passos necessários para formalização. Mas volto à tecla do excesso de burocracia, que leva à informalidade.. O empreendedor deve ter seu caminho facilitado. Hoje, se ele não cumprir determinada exigência legal ele pode receber uma multa enorme. Isso dificulta a vida do empresário. Ele deveria primeiro ser advertido, notificado, mas a multa acaba virando uma indústria e desestimula o fortalecimento da base do setor produtivo, que são as pequenas empresas.

mos, como o senhor vê a econo- realidades competitivas, ele está fora mia brasileira daqui a dez anos? do mercado. O que está acontecendo com o Brasil é que ele está perdendo Alencar Burti – A coisa que eu a competitividade. O único setor que mais adoro é o Brasil. O que tem de eu vejo atendendo às expectativas é oportunidades e está resistindo a o agrícola, pois se tivéssemos uma tudo isso que eu lhe fale até agora, agricultura de trinta anos atrás, estamostra que é um país maravilhoso. ríamos mortos. A EMBRAPA nos deu Não se deve duvidar do crescimento uma grande vantagem, advinda da do Brasil, que está superando tudo. cultura, do conhecimento aplicado. A verdade, no entanto, é a seguinte: Precisamos ter a consciência do munestamos jogando fora o fator tempo. do em que vivemos. Deve-se trazer o O mundo moderno permite você futuro para o presente, tentando andesperdiçar tudo, menos tempo, tecipar o que encontraremos adianporque você perde competitividade te. Devemos conhecer nossos come fica inviável como país. Como fala- petidores e saber que quem manda mos agora há pouco do pequeno em- em seu negócio é o cliente. E inovar, O Comercialista – Para encerrar- preendedor: se ele não se ajustar às sempre. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


10 Doutrina

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LTDA. Limitada por Paco Manolo Camargo Alcalde mitada em comparação à sociedade por quotas de responsabilidade sociedade limitada é o limitada, regida pelo revogado Detipo societário mais utili- creto nº 3.708/19. A nova disciplina zado no Brasil, superan- carrega consigo inegáveis e numerodo em mais de 200 vezes sos avanços. Contudo, os infortúnios o número de sociedades anônimas obstáculos arraigados a impreciconstituídas entre 1985 e 2005, se- sões, lacunas e infelizes dispositivos gundo o DNRC1. A despeito de esses ofuscam aquele que, ainda assim, é dados estarem defasados em oito anos, o principal tipo societário brasileiro. o cenário não deve ter se alterado. A explicação para a escolha dos Problemas envolvendo a socieempreendedores brasileiros pela so- dade limitada ciedade limitada é multifária. Esse tipo societário é de mais fácil comDentre tantos empecilhos ao empreensão e administração, devido preendedorismo advindos da legisà simplicidade de seu regramento lação civil, identificamos claramente e reduzido número de normas que seis deles, sobre os quais aqui tradispõem a seu respeito, se compara- taremos. Embora certamente haja do às sociedades anônimas. Isso sem muito mais, tanto explícitos no ordemencionar a notável capacidade de namento jurídico quanto encontrase aproximar das sociedades intuito dos casuisticamente, analisaremos pecuniae, podendo ser utilizada por brevemente os seguintes problemas: grandes e médios empreendedores. i) incompatilibilidade do capital soOutro importante atrativo da cial com o objeto social; ii) querela sociedade limitada é o baixo custo acerca da admissibilidade de sócio atrelado à burocracia e publicidade. estrangeiro; iii) inadequações e conAinda que devam levantar balanço tradições envolvendo o número de patrimonial e balanço de resultado votos necessários para determinaeconômico anuais, a legislação não das deliberações; iv) financiamento pormenoriza as técnicas contábeis empresarial; v) sistemas de regência que devem ser aplicadas, devendo supletiva heterogêneos; e vi) discorapenas seguir as normas gerais de des regimes de penhoras de quotas. contabilidade. Não devendo, inclusive, publicar tais demonstrativos I - Incompatibilidade do capital sofinanceiros, atenuando o custo de cial com o objeto social manutenção da sociedade. O Código Civil de 2002 trouxe A incompatibilidade do capital inúmeras alterações à sociedade li- social com o objeto ao qual determi-

Introdução

A

Informação obtida através da análise dos dados estatísticos acerca de “Constituição de Empresas por Tipo Jurídico – Brasil”, entre 1985 e 2005, disponibilizados pelo DNRC em http://www.dnrc. gov.br/. 2 Haja vista o exemplo com a EIRELI, que, apesar 1

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de não seu uma sociedade, requer a comprovação da integralização de um capital mínimo de cem vezes o maior salário-mínimo vigente no país, e, por isso, inviabiliza que diversos empreendedores utilizem esse tipo empresarial para se enquadrar. 3 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comer-

nada sociedade se destina é fato corrente entre as socidades limitadas. Não raro encontramos sociedades cujos capitais sociais são extremamente baixos, muito aquém dos valores envolvidos nas atividades negociais corriqueiras das sociedades. É certo que um dos motivos pelo qual o legislador optou por não submeter os sócios a uma integralização total mínima é justamente o propósito de dar maior abrangência e acessibilidade às formas societárias disponíveis, atravancando a opção pela informalidade. Obviamente encontraremos inúmeras sociedades que se inviabilizariam caso houvesse um capital social mínimo2, no entanto, devemos levar em conta que o capital social possui notáveis funções à sociedade. A doutrina apresenta diversas funções inerentes ao capital social, sendo que duas delas se destacam: a função de garantia aos credores da sociedade e a função de produção. A primeira delas situa-se no âmbito ad extra, importando precipuamente às relações externas da sociedade, ao passo que a segunda situa-se no âmbito ad intra e traduz propósitos adstritos à alavancagem dos objetivos sociais. Para o Professor Fábio Ulhoa Coelho3, por exemplo, analisar o capital social como meio de garantia aos credores é equivocado, vez que tal função é diretamente concebida pelo patrimônio da sociedade. O aucial, vol. 2: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183. Cumpre-nos ressaltar, no entanto, que a análise do Professor Fábio Ulhoa Coelho acerca do capital social é feita no Capítulo 21 da Quarta Parte de seu livro, quando trata sobre sociedades anônimas.


Doutrina 11

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tor praticamente reduz a função do capital social a mero medidor das contribuições dos sócios e, em última análise, meio distribuidor de participações quanto ao direito de voto, restringindo-se a uma análise ad intra. Respeitamos o entendimento do eminente jurista, mas não pactuamos integralmente com ele. Dentre os dois enfoques analíticos do capital social – funções ad extra e funções ad intra4 - e seus desdobramentos, há, como dito, inúmeras funções do capital social. Dentre elas as apresentadas pelo Professor. Uma dessas funções é, todavia, especial para nosso estudo. Situada na seara ad extra do capital social, responsável pela tutela das relações da sociedade com terceiros, encontramos a função de garantia aos credores da sociedade. O capital social não deve ser entendido como a precípua forma de garantir o adimplemento às obigações contraídas pela sociedade, senão uma garantia suplementar5, utilizada após exauridos os demais ativos da sociedade6. Seria como a última alternativa ao credor ávido por atenuar seus prejuízos. Importante notar que o capital social não é a principal garantia dos credores – é, na verdade, uma das últimas -, mas a garantia dos credores é uma das principais funções do capital social. A par disso, devemos situar a congruência do capital7, que surgiu em decorrência da limitação da responsabilidade dos sócios e reforça o conceito de garantia aos credores, pois, a partir desse princípio, en-

tende-se que o capital social, com o escopo de garantir as relações negociais atientes à empresa, deve ser compatível com a atividade praticada pela sociedade. Um capital social baixo de nada serve para garantir que determinado credor tenha seus créditos salvaguardados. Ainda que a sociedade possua inúmeros bens passiveis de serem objetos de garantia, podem eles ser alienados a qualquer momento – não me refiro aqui à fraude contra credores -, de modo que isso os torna uma garantia circunstancial. O capita social, por sua vez, é protegido pelo princípio da intangibilidade, que o impossibilita de sofrer reduções ou retiradas discricionárias - salvo exceções8 -, sendo uma garantia permanente. Indubitável sua necessidade de compatibilidade com o objeto social, também, naquelas sociedades que não possuem bens próprios que possam servir de garantia a credores, casos cada vez mais comuns, mormente devido ao avanço tecnológico, que permite a prescindibilidade desses bens. Sedo assim, fica claro que o capital social deve sim corresponder a valores mínimos que possam dar solidez às negociações empresariais, devendo o ordenamento jurídico tentar mitigar ao máximo as perdas às quais os credores de determinada sociedade podem incorrer, algo que faz de maneira branda9. Peca o Código Civil em não determinar um capital social mínimo para determinadas sociedades. Tal critério pode parecer discricionário,

mas uma legislação bem delineada poderia tanto satisfazer aqueles que não possuem meios suficientes para uma integralização que daria garantia a credores quanto aos credores de sociedades com determinados padrões negociais.

II - Querela acerca da admissibilidade de sócio estrangeiro À medida que a economia brasileira se desenvolve e apresenta pujança frente ao mercado internacional, é inevitável que, cada vez mais, haja participação estrangeira em sociedades brasileiras. Não apenas cidadãos brasileiros, mas também estrangeiros, possuem direito de investir no Brasil em busca de retornos às suas inversões. No entanto, ao se depararem com a redação do artigo 1.134 do Código Civil, os estrangeiros ou seus representantes no Brasil podem se questionar acerca de qual tipo societário devem adotar para canalizar seus investimentos. O caput do referido artigo diz o seguinte: “A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira”. Em primeira análise, tal redação nos leva a crer que sociedades estrangeiras não podem participar de sociedades no Brasil, senão de sociedades anônimas. Cremos que as sociedades estrangeiras que desejam

* DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do Capital Social: noção, princípio e funções. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 199 a 264. 5 Ibidem, p. 201. 6 COZIAN, M. e VIANDIER, A. Droit des societés. Litec, Paris, 2000, p. 103. 4

DOMINGUES, Paulo de Tarso, op. cit., p. 237. Cf. art. 1.082 do Código Civil. 9 A exemplo de defesa aos credores utilizando o capital social, podemos citar o §1º do artigo 1.084, que diz que“No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assem7

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bléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado [redução do capital social em virtude de excessividade em relação ao objeto social]” www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


12 Doutrina

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agir no país através de “estabelecimentos subordinados” – que entendemos ser filiais, sucursais e agências – ou diretamente através de sua matriz sediada no exterior, realmente devam obter autorização do Poder Executivo10. Todavia, a participação de pessoa jurídica ou natural estrangeira em sociedades, seja por meio de aquisição de quotas ou ações, seja por meio de constituição de sociedades, prescinde dessa autorização. A estrita interpretação da segunda parte do artigo 1.134 nos leva a crer que apenas a sociedade anônima admite sócio estrangeiro, o que não é verdade. Tal disposição legal é cabalmente negada pela massiva maioria da jurisprudência e doutrina, inclusive por outras disposições normativas. A Instrução Normativa nº 76/1998 do DNRC, que dispõe acerca do arquivamento de atos de empresas e cooperativas que possuam participação estrangeira, é silente quanto a qualquer tipo de autorização exigida a estrangeiros para atuarem no Brasil por meio de participação societária, muito menos restringe a participação estrangeira às sociedades anônimas. Pelo contrário, além de tratar o tipo societário no qual o estrangeiro pode participar como “sociedade mercantil”, ainda dispõe em seu artigo 5º que se tais sociedades forem inteiramente consituídas com participação estrangeira, o administrador deverá ser residente no Brasil. Corroboram com nossos argumentos o anexo à referida Instrução Normativa nº 76/1998 do DNRC, que, ao dispor sobre as restrições à participação estangeira em sociedades brasileiras, nada diz acerca

de sua exclusividade quanto à sociedade anônima; o Manual de Atos de Registro de Sociedade Limitada, anexo à Instrução Normativa nº 98/2003 do DNRC, que trata com absoluta naturalidade dos sócios estrangeiros em sociedade limitada; ou ainda o artigo 997 do Código Civil, que logo em seu inciso I exige que esteja presente no contrato social a nacionalidade do sócio, indiciando a possibilidade de haver sócios estrangeiros em sociedades intuito personae. Além disso, qualquer entendimento diverso do nosso poderia ensejar relevante inseguança jurídica no Brasil, pois sociedades limitadas cujas participações societárias possuam estrangeiros seriam consideradas irregularmente constituídas, fato que acarretaria responsabilidade ilimitada de seus sócios. A querela acerca da admissibilidade de sócio estrangeiro em sociedade limitada pode ser entendida mais como uma infeliz redação do legislador, do que como uma admissão participativa apenas às sociedades anônimas. Muito se fala em má interpretação do artigo 1.134, todavia a clareza desse artigo é patente, fato que nos leva a uma desconsideração da literalidade da norma a fim de adequá-la aos desígnios do país e aos demais dispositivos normativos existentes em nosso ordenamento.

Cf. art. 11, §1º da LINDB. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à

luz do código civil. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 160.

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III - Inadequações e contradições envolvedo o número de votos necessários para determinadas deliberações III - 1. De todos os temas que assolam o regime da sociedade limitada, talvez o mais importante e inexpli*

cavelmente incoerente seja justamente o que se refere ao número de votos necessários para se aprovar determinadas matérias. Não por outro motivo que há vasta doutrina e jurispudência acerca desta questão, motivo pelo qual também merecerá maior atenção de nossa parte. O cotejamento da exegese dos artigos 1.071 e 1.076 do Código Civil, principalmente no que se refere ao inciso I deste último, nos permite ter uma clara perspectiva de quão equivocado e rígido foi o legislador ao tratar da matéria. Tal inciso prescreve a necessidade do mínimo de ¾ do capital social para aprovar a modificação do contrato social e realizão de fusão, incorporação, dissolução da sociedade ou cessão do estado de liquidação dessa. No caso da sociedade limitada, tipo societário que se amolda com muito mais facilidade aos pequenos e médios empreendimentos, o princípio da maioria deveria reinar11, facilitando as deliberações e a consecução dos objetivos sociais. Ainda àqueles que entendem haver a necessidade de comedimento quanto ao tema, não há como negar que em inúmeras situações ¾ do capital social é um número desarrazoado de votos necessários. Sendo assim, o legislador deveria, ao menos, exigir que tal número fosse necessário em assembleias de sócios – necessárias quando há mais de dez quotistas -, mas que nas reuniões de sócios – possíveis em sociedade em que há até dez sócios – a maioria fosse suficiente para deliberar as diretrizes sociais. A questão relativa aos quóruns e números de votos necessários pra deliberações é tão atribulosa, que


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exsurgem lacunas como a insuficiência de quóruns para determinadas deliberações nas quais haja sócios impedidos de votar devido a impedimentos decorrentes de matérias que lhes digam respeito diretamente. Tais questões só poderiam ser dirimidas com o auxílio do Poder Judiciário. Há ainda situações nas quais as metérias objeto da ordem do dia não podem ser aprovadas devido à ausência de ao menos ¾ do capital social na reunião ou assembléia realizada em segunda convocação. Adstringir-nos-emos, agora, especificamente à necessidade de ¾ do capital social para alteração do contrato social. Tal exigência é tão absurda que nos leva a incongruências ininteligíveis, tais como a necessidade de 75% do capital social para se abrir uma filial e apenas a maioria do capital social para exclusão de um sócio faltoso12.

III - 2. Não obstante tudo o que foi

apresentado, uma patente lacuna nos inquieta devido ao trabalho genérico do legislador civilista quanto ao direito societário. Tal questão é a relação da cessão de quotas a consócio com a alteração de contrato social. Segundo o artigo 1.057 do Código Civil, o sócio que desejar ceder suas quotas total ou parcialmente a outro sócio poderá fazê-lo inaudita altera pars, se o contrato não dispuser diversamente; diferentemente se cedesse a terceiro. No entanto, para que tal cessão se efetive, é necessário que haja alteração do contrato social. Ainda que ROVAI, Armando Luiz. Deliberações nas Sociedades Limitadas, in Direito Societário: tipos societários (coord. Maria Eugênia Reis Finkelstein e José Marcelo Martins Proença), série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 171. 13 Nesse sentido, cf. enunciado 20.8 da JUCESP. 14 COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada 12

o parágrafo único do artigo 1.057 disponha haver eficácia da cessão perante a sociedade e terceiros após a averbação do instrumento de cessão de quotas na Junta Comercial competente, inclusive em relação ao disposto no artigo 1.003, a realidade prática - principalmente em relação aos sócios que cedem a totalidade de suas quotas - nos permite dizer que o sócio só efetivará a respectiva alienação de quotas com a alteração do contrato social. Esse é o entendimento das Juntas Comerciais, que só realizam a devida alteração da ficha cadastral da sociedade mediante arquivamento de alteração de contrato social13. A alteração do contrato social, todavia, carece de anuência de ¾ do capital social, consoante disposto no artigo 1.076, I, do Código Civil. Não raro, determinado sócio majoritário ou bloco de quotistas se recusa a assinar certa alteração de contrato social, impedindo o arquivamento desse instrumento. Esse impasse, culminando com o remanesço da antiga posição do quotista alienante no quadro social, pode lhe acarretar diversas mazelas, conforme podemos denotar da excelente ementa retirada das anotações do Professor Fábio Ulhoa Coelho ao artigo 1.05714:

“‘SOCIEDADE COMERCIAL – Responsabilidade limitada – Alteração contratual não levada a registro – Circunstância que a torna em situação irregular, acarretando, conseqüentemente, solidariedade e responsabilidade ili*

no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 43. 15 Cf. Jornada III STJ 225: “Art. 1.057: Sociedade limitada. Instrumento de cessão de quotas. Na omissão do contrato social, a cessão de quotas sociais de uma sociedade limitada pode ser feita por instrumento próprio, averbado no registro

mitada dos sócios – Arrecadação de seus bens pessoais nos autos de falência, portanto, admissível. Basta inexistir registro de alteração contratual (de cessão de cotas) para que a sociedade por cotas de responsabilidade limitada passe a ser considerada irregular, acarretando, conseqüentemente, a solidariedade e a responsabilidade ilimitada de todos os seus sócios, que podem ter seus bens pessoais arrecadados no processo de falência’ (RT, 639/78)” Nessa hipótese – mais comum do que se possa imaginar -, o sócio tem um alienação de quotas válida perante a sociedade e terceiros, porém sem a efetiva modificação do quadro societário perante a Junta Comercial. Essa é a triste realidade prática, não obstante o disposto no parágrafo único do artigo 1.057 e entendimento do STJ15. Fica claro, então, que a alteração do contrato social deveria ser automática quando da cessão de quotas entre sócios (salvo em hipóteses que haja disposição contratual contrária), devendo tal dispositivo estar expressamente contindo no Código Civil, para que não haja discrepências de entendimentos. Em casos em que haja um impasse decorrente de cessão de quotas que não possa ser consubstanciada em alteração de contrato social proveniente de insuficiência de número de votos mínimo, o sócio que deseja tal modificação deverá buscar tutela do Poder Judiciário, por meio de ação de obrigação de fazer16. Certada sociedade, independentemente de alteração contratual, nos termos do art. 1.057 e parágrafo único do Código Civil.” 16 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível nº 004171846.2009.8.26.0071, julgado em 15 de dezembro de 2011. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


14 Doutrina mente terá seu pleito deferido. Mas será que é realmente necessário mover o aparato judiciário todas as vezes que esse problema de clara solução vier à tona?

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O principal objetivo almejado por todo empresário17 é a obtenção de lucro através do exercício de sua atividade, devendo ele maximizar sua capacidade produtiva e prestação de serviços. Para que consiga isso, o empresário deve possuir recursos, caso contrário é inviavel qualquer tipo de investimento aos seus bens e meios de produção. Já no início dos anos 30, Berle e Means preconizaram haver três precípuas formas de uma sociedade aumentar seus ganhos: i) reinvestimento dos lucros na sociedade, ii) obtenção de capital através de emissão pública de títulos privados, e iii) incorporção de outra sociedade18. É evidente que essa aclamada obra tratava do que poderiamos transpor ao direito societário brasileiro como sendo a sociedade anônima, todavia é um ótimo exemplo para mostrar o quão defasada a sociedade limitada é em relação às maneiras de financiamento à sua disposição. A despeito de haver diversas outras fomas de obtenção de recursos para investir na sociedade, como os próprios autores norte americanos apontaram, cumpre-nos dizer que as três principais formas por eles apresentadas são de dificil aplicabilidade na sociedade limitada. O reinvestimento dos lucros na sociedade só surte grandes efeitos quan-

do a sociedade possui muita receita e poucos gastos, caso contrário, é insuficiente para que um empreendedor realize efetivos investimentos. Para a sociedade limitada incorporar outra, deve, antes de mais nada, já possuir recursos suficientes para a operação que será realizada. Há sociedades limitadas de grande porte, que possuem ampla capacidade de incorporação, no entanto, são uma minoria em meio a tantas outras sociedades de pequeno e médio porte que são esquecidas pelo amparo legislativo. Berle e Means dão grande destaque à alavancagem econômica proporcionada por uma incorporação, mas ao tratarmos de pequenas e médias sociedades limitadas, infelizmente devemos tratá-las como incoporadas, e não como incorporadoras. Já a emissão pública de títulos é algo distante das sociedades limitadas. Embora haja doutrina diversa, basta analisarmos a realidade do mercado de capitais para denotarmos que a emissão pública de títulos é um instituto que se cinge às sociedades anônimas. Poderiamos dizer que os principais títulos privados emitidos por sociedades empresárias são as debêntures e as notas promissórias. As debêntures são títulos de crédito causais emitidos exclusivamente por companhias19, não podendo, dessa forma, as sociedades limitadas utilizarem-nas para seus financiamentos de longo prazo. Podem as sociedades limitadas utilizarem-se das notas promissórias, no entanto, essas não possuem o mesmo amparo dado ao credor das debêntures e são utilizadas para fianciamentos de curto prazo. Sociedades limitadas, via de regra de pequenos e

BERLE, Adolf A. e MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property (with a new introduction by Murray Weidenbaum & Mark Jensen). New Jersey: Transaction Pub-

lishers, p. 42. 19 Na forma do art. 52 da Lei nº 6.404, as “companhias” poderão emitir debêntures, compreendendo, dessa forma, as sociedades anônimas e

IV - Financiamento empresarial

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médios portes, dependeriam de prazo relativamente grande para pagar seus credores dos títulos de dívida, já que carecem do devido retorno que seus investimentos realizados venham a gerar. De nada adianta emitir uma promessa de pagamento a curto prazo para financiar um investimento que demandaria maior período de tempo para gerar ganhos. Além desses títulos privados, poderiamos apresentar como meios de obtenção de capital, os valores mobiliários, mas esses também estão adstritos às companhias, vez que apenas a natureza jurídica dessas permite suas utilizações. Outra vantagem das companhias esta em relação à facilidade em se ofertar ações em comparação à emissão e venda de quotas. Isso se deve mormente pelas origens das sociedades anônimas e das sociedades limitadas. As primeiras correspondem a sociedades intuito pecuniae, importando mais as entradas dos sócios do que suas personalidades, ao passo que as sociedades limitadas são intuito personae, nas quais a affectio societatis cumpre importante papel em relação à vontade de se associar. Não bastasse toda a dificuldade encontrada pela sociedade limitada, ela ainda possui obstáculos em relação a uma de suas derradeiras oportunidades de financiamento, que é através de instituições financeiras, as quais apenas emprestam dinheiro àqueles que se têm fiabilidade de adimplemento. Dificilmente empresta-se dinheiro a alguma sociedade que muito dependerá dele para lograr êxito em seu objeto social. Diante do exposto, fica muito claro os óbices normativos que se as sociedades em comandita por ações. Há minoritária doutrina que diz ser possível a emissão de debêntures por sociedades limitadas, mas seus argumentos, infelizmente, são inócuos.


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erguem diante das sociedades limitadas, crucialmente das pequenas e médias limitadas, devendo, mais uma vez, o legislador proporcionar drásticas mudanças para melhorar esse cenário, caso contrário veremos a insolvência ou estagnção não apenas das limitadas, mas do Brasil.

Os artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil dispõem sobre as sociedades limitadas. Não obstante a vasta matéria abrangida por esses 36 artigos, são eles insuficientes à cobertura de todos os aspectos que envolvem a sociedade limitada, muitos deles surgidos casuísticamente, fugindo, portanto, da guarida elaborada pelo legislador. Ao tratarem da constituição e dissolução da sociedade limitada, os artigos 1.054 e 1.087, respectivamente, remetem a normas regentes da sociedade simples, sendo tais dispositivos claros e de necessária aplicabilidade a todas as sociedades limitadas. Os problemas exsurgem quando há lacunas ou silêncio da parte dispositiva da legislação sobre a sociedade limitada quanto à determinada matéria. Nessas hipóteses pode haver duas alternativas, causadoras de injustificada complexidade. Quando o contrato social for silente quanto à matéria de regência supletiva ou quando escolher pela aplicação do regime das sociedades simples de modo suplementar, deverão as lacunas ou omissões ser dirimidas à luz dos dispositivos concernentes às socidades simples20. Por outro lado, o contrato social pode escolher pela regência supleti-

va da Lei n° 6.404/76, a Lei de Sociedades Anônimas21. Concordamos com o entendimento do Professor Pereira Calças22 quanto à infelicidade do legislador em adotar a aplicação subsidiária das normas relativas às sociedades simples como regra geral para as sociedades limitadas. Tal opção deve-se, logicamente, ao fato de que a sociedade simples brasileira advém do modelo constante no Código Civil Italiano, grande inspirador de nosso Código Civil, motivo pelo qual a tomamos como base para os demais tipos societários regidos diretamente por esse diploma legal. A sociedade simples não possui natureza empresária, se afastando cada vez mais das cacterísticas da sociedade limitada brasileira, que se aproxima, por sua vez, do modelo das sociedades anônimas23. Entendemos, portanto, que a regência supletiva das sociedades limitadas deve ser a Lei de Sociedades Anônimas, que tem sua aplicação subordinada aos seguintes pressupostos: i) a matéria não pode estar regulada pelas normas relativas às sociedades limitadas; ii) deve haver omissão do contrato social acerca da matéria; e iii) a matéria deve poder ser contratada pelos quotistas24. A manutenção da disposição do artigo 1.053 enseja profundas discrepâncias no modo pelo qual as matérias objeto das normas supletivas são tratadas. O Professor Fábio Ulhoa Coelho destacou quatro delas, que aqui apresentamos apenas a título de exemplo, quais sejam a dissolução parcial, o desempate em deliberações sociais, a destinação dos resultados da empresa e a vinculação da sociedade a atos estranhos ao objeto social.

Disposição do caput do art.1.053 do Código Civil. 21 Disposição do parágrafo único do art. 1.053 do Código Civil.

CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 38. 23 Idem.

V - Sistemas de Regência Supletiva Heterogêneos

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A partir dessa análise, fica extremamente clara a desnecessidade de dois regramentos supletivos tão heterogêneos, dificultando, inclusive, o trabalho do juiz que tiver a incumbência de dirimir determinada questão lacunosa. Deveria, então, o legislador optar por apenas um dos dois regramentos, de preferência a Lei das Sociedades Anônimas.

VI - Discordes regimes de penhora de quotas Outro ponto de discórdia em relação ao regime das sociedades limitadas concerne à admissibilidade ou não de penhora de quotas. Dispõe o artigo 1.026 do Código Civil que “o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação”, de modo que parte da doutrina entende que essa redação afasta a possibilidade de penhora de quotas, pois faz com que o crédito recaia sobre os lucros ou sobre as quotas do devedor a serem liquidadas (se a sociedade não estiver dissolvida). Essa linha de pensamento, cada vez mais, vai se esvaecendo, pois se arraiga no conceito de que a penhora de quotas não é possível devido ao fato de pertencerem ao patrimônio da sociedade e de que isso afrontaria a affectio societatis, só sendo possível em casos de expressa admissão no contrato social. Ocorre que tal doutrina sofreu o embate da Lei nº 11.382, que introduziu no Código de Processo Civil os artigos 655 e 685-A. O artigo 655 do Código de Processo Civil, em seu inciso

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24 25

Ibidem, p. 39. CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p.197

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16 Doutrina VI, admite a possibilidade de penhora de quotas em sociedades empresárias. Ainda que o §4º do art. 685-A, do mesmo diploma legal, assegure direito de preferência aos sócios daquela sociedade cujas quotas penhoradas sejam objeto de adjudicação. Parecenos clara, através da exegese desses dispositivos do CPC que é, sim, possível a penhora de quotas de sociedade empresária, bem como o direito de preferência dos sócios, mesmo que o contrato social disponha sobre a possibilidade de livre cessão de quotas25. Ainda que a ideia do legislador processualista tenha sido a de esclarecer esse ponto, que antes de 2006 era ainda mais controverso, devido às inúmeras lacunas legislativas a esse respeito, robusta vertente doutrinária acerca da impenhorabilidade de quotas ainda remanesce. Para nós a penhora de quotas realmente afronta os conceitos primordiais da sociedade limitada enquanto sociedade constituída intuito personae (conceito que, devido à evolução das relações negociais e empresariais, míngua), pois desnatura suas origens e propósitos, na qual o quotista não é mero provedor de entradas à sociedade, em busca de dividendos, mas alguém importante para as decisões sociais e para a consecução do objeto social. Embora a possibilidade de penhora de quotas traga maior segurança aos credores, macula ainda mais a sociedade limitada, pois não se poderá mais escolher com quem se associar. Em que pese à redação do artigo 1.026 do Código Civil abrir margem para que a execução recaia sobre os lucros da sociedade ou sobre o valor advindo da liquidação das quotas do sócio devedor, não proíbe terminantemente a penhora de quotas, fortificando os menciona25

CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p.197

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dos dispositivos do CPC. É nítido que a evolução normativa e jurisprudencial caminha à completa admissão das penhoras de quotas, não obstante, o Código Civil careça de melhor redação para que não enseje ainda maiores discussões. Se os legisladores pretenderem algo diverso do fluxo atual, deverão, então, alterar ambos os códigos, o civil e o processual civil.

Conclusão

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Em breve análise de alguns poucos temas que assolam o dia a dia societário daqueles que são quotistas, administradores ou credores de sociedades limitadas, fica clara a necesidade de prementes reformas legislativas que os possibilitem ter maior acessibilidade, perenidade e segurança jurídica. Mais do que isso, ficam claras as limitações da sociedade limitada na condição de principal tipo societário brasileiro, mostrando o quão defasado nossos meios de empreendedorismo são. Fosse a legislação societária regida pelo código civil tão bem delineada quanto a Lei de Sociedades Anônimas, estariamos anos luz à frente de onde nos encontramos atualmente. Algumas inconsistências e incongruências legislativas ensejam problemas aos sócios e administradores das sociedades limitadas, outras aos credores, mas, sem sombra de dúvidas, todas ensejam problemas à economia brasileira. Talvez um dos principais meios para lograrmos êxito econômico seja exatamente através do fomento aos empreendedores brasileiros, o qual pode ser atingido por meio de uma reforma legislativa da sociedade limitada.

Referências BERLE, Adolf A. e MEANS, Gardiner C. The Modern Corporation and Private Property (with a new introduction by Murray Weidenbaum & Mark Jensen). New Jersey: Transaction Publishers. CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Sociedade limitada no novo código civil. São Paulo: Atlas, 2003. CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do código civil. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercia, vol. 1: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2012. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013. COZIAN, M. e VIANDIER, A. Droit des societés. Litec, Paris, 2000. DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do Capital Social: noção, princípio e funções. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. ROVAI, Armando Luiz. Deliberações nas Sociedades Limitadas, in Direito Societário: tipos societários (coord. Maria Eugênia Reis Finkelstein e José Marcelo Martins Proença), série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2009.

Paco Manolo Camargo Alcalde Paco Manolo Camargo Alcalde é graduando do 3º ano do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estagiário de Lehmann, Warde Advogados e membro do Conselho Editorial Discente da Revista Comercialista


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Venture capital, sociedades anônimas e inovação: as falhas do direito societário brasileiro por Marcelo Godke Veiga

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normes esforços foram empreendidos para o aumento da pesquisa científica e do desenvolvimento de novas tecnologias no Brasil. Um claro exemplo de que tais esforços tiveram resultado positivo é o fato de que, em 1997, mais títulos de doutoramento em ciências e engenharia foram outorgados no Brasil do que na Coréia do Sul (2.691 e 2.189, respectivamente), um dos ditos “tigres asiáticos”. Em contrapartida, parece que o efeito prático disso não pode ser tão facilmente percebido, já que o United States Patent and Trademark Office1 constatou média anual de 100 patentes originadas de pedidos de brasileiros entre 1998 e 2000, enquanto a média de pedidos da Coréia do Sul chega a 3.5042 no mesmo período. Hoje está bastante claro que (i) venture capital e inovação tecnológica andam de mãos dadas3, e esta última com o crescimento econômi-

Autoridade estadunidense que administra os registros de patentes e marcas (a contraparte do brasileiro Instituto Nacional da Propriedade Intelectual). 2 Cf. Erber, Fabio Stefano. Innovation and the development convention in Brazil. In: Revista Brasileira de Inovação, vol. 3, número 1, janeiro/junho de 2004. 3 Cf. Bonini, Stefano e Alkan Aktuccar, Senem. The Political and Legal Determinants of Venture Capital Investments around the World. Disponível em <SSRN: http://ssrn. com/abstract=945312>. Acesso em 12/06/2013 4 Cf. McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc. Venture capital financing of innovative firms: an introduction. In: McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc (coords.). Venture capital contracting and the valuation of 1

co4, e (ii) há evidente relação positiva entre o grau de empreendedorismo e a performance da atividade econômica e a geração de empregos de um país5. Uma rápida passada de olhos nos sítios na Internet do Ministério da Tecnologia6 e da FINEP – Agência Brasileira de Inovação7 permite dizer que o discurso oficial do governo brasileiro vai no mesmo sentido. Apesar do discurso oficial e de até se verificar certo grau de comprometimento das autoridades governamentais, há muito a ser feito no âmbito do direito brasileiro para se fomentar a inovação tecnológica, principalmente no que tange ao direito societário. Posso afirmar sem nenhum medo de errar: o direito societário brasileiro padece de institutos jurídicos adequados ao desenvolvimento tecnológico. Apesar do discurso oficial de apoio ao empreendedorismo e ao investimento em sociedades de menor porte – principalmente as desenvolvedoras *

high technology firms. Oxford: Oxford University Press, 2003. 5 Cf. Audretsch, David B. e Thurik, Roy. Linking entrepreneurship to growth. OECD Science, Technology and Industry Working Papers, 2001/02, OECD Publishing. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1787/736170038056>. Acesso em 05/06/2013. Cf. Acs, Zoltan J. High-impact entrepreneurship. In Acs, Zoltan J., e Audretsch, David B. (coords.). Handbook of entrepreneurship researchan interdisciplinary survey and introduction. 2a. ed. New York: Springer, 2010. Cf. Erber, Fabio Stefano. Innovation and the development convention in Brazil. In: Revista Brasileira de Inovação, vol. 3, número 1, janeiro/junho de 2004. 6 http://www.mct.gov.br

de alta tecnologia -, está claro que o legislativo e o executivo federais deixam muito a desejar e não cumprem aquilo que propagandeiam. Para as atividades empresariais de menor porte, a sociedade limitada é, sem sombra de dúvida, a forma societária mais adequada, já que possui constituição e manutenção muito mais simples e barata do que a sociedade anônima8. Por conseguinte, tais empreendimentos, “principalmente aqueles com poucos recursos financeiros e voltados para o desenvolvimento tecnológico - as chamadas ‘startups’ – deveriam adotar a forma de sociedade limitada”9. O curioso é que o regime original da sociedade limitada - um “transplante jurídico” da GmbH alemã criada em 1892 –, flexível e extremamente útil, foi profundamente alterada no novo Código Civil e transformada em algo rígido e pouco inspirador10, e, no lugar de facilitar a vida dos empreendedores, o Código Civil dificultou. http://www.finep.gov.br Cf. Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/ sol3/papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013. 9 Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/sol3/ papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013. 10 Cf. McCahery, Joseph A. e Godke Veiga, Marcelo. Inovação travada: Startups ainda encontram diversos obstáculos legais no Brasil. In: Capital Aberto, Espaço Regulamentação, número 119, ano 10, julho de 2013 (no prelo). 7

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Note-se que a adoção da forma societária mais simples, barata e adequada às startups que é a limitada terá como consequências indesejadas (i) enorme limitação de acesso (a) a recursos financeiros e (b) ao mercado de capitais, que poderá ser feito tão-somente mediante oferta pública de cédulas de crédito bancário e notas comerciais, mas não de quotas ou quaisquer títulos representativos ou conversíveis em títulos representativos do capital da sociedade; (ii) a formação adequada da estrutura de capital da sociedade será prejudicada, já que são limitadas as fontes de captação de recursos; e (iii) por ter tantos empecilhos para se financiar, corre o risco de não se manter viva por falta de capital11. Tal problema decorre da visão distorcida e anacrônica acerca das limitadas descrita por Godke Veiga & Oioli, que praticamente as torna ente societário de segunda categoria e, portanto, pouco merecedor da liberdade de ter sua estrutura de capital planejada de acordo com suas verdadeiras necessidades12. Tal visão fica hialina na regulamentação editada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), a ser analisada mais adiante. Se uma startup pretender ter estrutura de capital mais sofisticada e

ajustada, terá de, infelizmente, adotar forma de sociedade anônima. Mas será tal solução a que privilegia a lógica das startups, normalmente tão carente de recursos financeiros? Evidente que não, já que a sociedade anônima, em sua forma atual, é bastante burocrática e cara, com a necessidade de serem feitas inúmeras publicações em Diário Oficial e em outro jornal de grande circulação, mesmo que, hoje, com a existência de meios de comunicação mais eficientes, a utilidade da forma corrente de divulgação seja altamente questionável. Além disso, a burocracia inerente à anônima vai contra a lógica das startups, que devem ser rápidas e eficientes por natureza, para que possam competir adequadamente em um mundo em que as mudanças tecnológicas acontecem do dia para a noite. O presente artigo tratará dos aspectos que tornam a sociedade anônima pouco eficiente para as startups e da necessidade de se adotar, com urgência, reforma legislativa que traga para o nosso direito ente societário mais flexível e que possa ser moldado de acordo com a necessidade das partes interessadas. Para tanto, tratarei do assunto da seguinte maneira: na próxima seção, serão feitos apontamentos acerca do venture capital e do financiamento das

Cf. Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/ sol3/papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013. 12 Cf. Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/ sol3/papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013. 13 Caso a startup continue em seu caminho de crescimento, as próximas rodadas de captação de recursos serão bancadas por fundos de private equity. Tudo dando certo, a sociedade terá

seu controle negociado, o que pode ocorrer via uma operação de venda direta de controle ou por meio do chamado “IPO” (oferta pública inicial de ações). 14 Cf. Gilson, Ronald J. e Black, Bernard S. Venture capital and the structure of capital markets: banks versus stock markets. In: Journal of Financial Economics, vol. 47, 1998. Disponível em <http://ssrn.com/ abstract=46909>. Acesso em 17/06/2013. Cf. Gompers, Paul e Lerner, Josh. Equity financing. In: Acs, Zoltan J., e Audretsch, David B. (coords.). Handbook of entrepreneurship research- an interdisciplinary survey and

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startups; na seção seguinte, o autor tecerá comentários acerca das operações de venture capital e do direito societário; em seguida, serão feitas críticas acerca dos problemas encontrados na sociedade anônima atual no que diz respeito à sua aplicabilidade às startups; por fim, o autor concluirá e fará apontamentos bibliográficos.

Venture capitalists, o financiamento das startups e o mercado de capitais No caminho tradicional visto nos Estados Unidos, as startups normalmente requerem várias rodadas de financiamento, socorrendo-se, inicialmente, dos chamados “angel investors” e dos “seed capitalists”, que fornecerão recursos para que o negócio dê os seus primeiros e segundos passos. Na sequência, os “venture capitalists” entram em ação13. É fácil perceber-se que, nas rodadas iniciais, de um lado, as startups possuem grandes dificuldades de tomar dinheiro emprestado de instituições financeiras ou por meio de emissão de títulos representativos dívida14. Por outro lado, a captação dá-se, na grande maioria dos casos, via emissão de títulos representativos do capital da sociedade, tornando os investidores sócios do negócio15. introduction. 2a. ed. New York: Springer, 2010. 15 Cf. Gilson, Ronald J. e Black, Bernard S. Venture capital and the structure of capital markets: banks versus stock markets. In: Journal of Financial Economics, vol. 47, 1998. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=46909>. Acesso em 17/06/2013. Cf. Gompers, Paul e Lerner, Josh. Equity financing. In: Acs, Zoltan J., e Audretsch, David B. (coords.). Handbook of entrepreneurship research- an interdisciplinary survey and introduction. 2a. ed. New York: Springer, 2010.


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No Brasil, este caminho torna-se muito difícil, beirando o impossível, para as sociedades limitadas. Em primeiro lugar, pois há poucos angel investors e seed capitalists, haja vista não termos, aqui, a mesma cultura de investir em startups como há nos Estados Unidos. Em segundo lugar, pois os fundos de venture capital são, muitas vezes, obrigados a assumir a função não só de venture capitalists, mas também de angel investors e seed capitalists. Mas será que os fundos de venture capital são regulados adequadamente no Brasil para também funcionarem como angel investors e seed capitalists? E o resto da regulamentação privilegia as startups? A resposta é não, como se verá a seguir. Os fundos de venture capital são oficialmente denominados “Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes” pela CVM na Instrução n° 209, de 25 de março de 1994 (“Instrução CVM n° 209/94”). Nos termos do artigo 1° da Instrução CVM n° 209/94, tais fundos são destinados à aplicação de carteira de valores mobiliários de emissão de “empresas emergentes”, que são, segundo o § 2º do mesmo artigo, as companhias com faturamento anual de até R$ 150 milhões16. Logo, fugindo da lógica aplicada às startups e da simplicidade, os fundos de venture capital não podem, segundo

determina a CVM, investir em limitadas, já que suas inversões devem ter como destino somente as companhias. Já que as limitadas não podem captar recursos dos fundos de venture capital, poderiam tentar acessar, de outra maneira, o mercado de capitais para se financiar. Segundo a própria CVM, as limitadas podem, nos termos do artigo 33 da a Instrução nº 480, de 7 de dezembro de 2009 (“Instrução CVM nº 480/09”) acessar o mercado de capitais por meio da emissão de alguns títulos de dívida17: “emissores que emitam exclusivamente notas comerciais e cédula de crédito bancário – CCB, para distribuição ou negociação pública, podem se organizar sob a forma de sociedade anônima ou sociedade limitada”18. Note-se, todavia, que tal tarefa seria bastante difícil, já que, por serem startups, terão dificuldade em atrair investidores19. Não bastasse isso, o emissor, mesmo na forma de sociedade limitada, terá de obter registro nos termos da Instrução CVM nº 480/09, salvo se puder apoiar-se na isenção prevista no artigo 7º, IV e V, que dispensa automaticamente as micro e pequenas empresas de tal registro, desde que o emissor se qualifique como tal, nos termos da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 200620, mas, pela própria lógica de tal lei, há

“§1o Entende-se por empresa emergente a companhia que apresente faturamento líquido anual, ou faturamento líquido anual consolidado, inferiores a R$ 150.000.000,00 (cento e cinqüenta milhões de Reais), apurados no balanço de encerramento do exercício anterior à aquisição dos valores mobiliários de sua emissão”. 17 Note-se que, além das dificuldades de conseguir acessar investidores interessados em subscrever títulos representativos de dívida de uma limitada, uma startup precisa de investimento em equity, ou seja, em seu capital.

Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/sol3/ papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013. 19 V. nota de rodapé 14 supra. 20 Cf. McCahery, Joseph A. e Godke Veiga, Marcelo. Inovação travada: Startups ainda encontram diversos obstáculos legais no Brasil. In: Capital Aberto, Espaço Regulamentação, número 119, ano 10, julho de 2013 (no prelo). 21 Cf. Godke Veiga, Marcelo e Mello Pedreiro,

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grandes chances que não ocorra. Uma alternativa às limitadas seria a distribuição de valores mobiliários por meio de ofertas públicas com esforços restritos, conforme reguladas pela CVM na Instrução n° 476, de 16 janeiro de 2009 (“Instrução CVM n° 476/09”), que possuem dispensa automática de distribuição21. Notese, entretanto, que os únicos títulos que as limitadas podem distribuir por meio de tais ofertas devem ser, também, representativos de dívida. Os títulos representativos do capital das limitadas, as quotas, não podem ser objeto de distribuição com esforços restritos. Mesmo quando se trata de ofertas públicas plenas, sujeitas a registro, a CVM também não permite a distribuição de quotas, que seriam vistas como contratos de investimento coletivo nos termos do artigo 2º, IX, da Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Nos termos do artigo 1º da Instrução nº 270, de 23 de janeiro de 1998 (“Instrução CVM nº 270/98”) “[s]omente poderão emitir títulos ou contratos de investimento coletivo para distribuição pública as sociedades constituídas sob a forma de sociedade anônima”22. Portanto, apesar da lógica econômica das startups clamar pela utilização da limitada como veículo societário, as alterações em seu regime legal trazidas pelo Código Civil as inúmeras restrições impostas pela Marcela de. As ofertas de valores mobiliários com esforços restritos de colocação. In: Revista Juris da Faculdade de Direito, Fundação Armando Álvares Penteado, vol. 7, 2012. Disponível em <http://ssrn.com/ abstract=2264408>. Acesso em 30/05/2013.7 http://www.finep.gov.br. 23 Cf. Godke Veiga, Marcelo e Oioli, Erik. As sociedades limitadas e o mercado de capitais. Disponível em <http://papers.ssrn.com/ sol3/papers.cfm?abstract_id=2264420>. Acesso em 19/05/2013.

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CVM a torna algo próximo do invi- social possam circular, e (v) que os ável. Analisarei, agora, os aspectos administradores possam, por meio societários relacionados às starups. de uma administração centralizada, tomar decisões em nome da sociedaStartups e direito societário de. Mas, é importante se ressaltar Cabe ao direito societário criar que, não obstante existirem tais estruturas e regras que resolvam funções básicas, algumas não seconflitos imanentes (chamados de rão vistas em determinadas formas “conflito de agência” pela doutrina societárias25. Além disso, o simples econômica) entre os diversos entes fato de existirem formas societárias que se encontram dentro ou orbitam diferentes deixa claro que algumas a sociedade23. Logo, o direito socie- delas adequam-se mais a determitário não prescinde de cumprir vá- nadas atividades do que outras, e é rias funções básicas. Deve permitir24 muito pouco provável que um único (i) que aqueles que aportem recur- tipo de sociedade que limite a ressos sejam considerados sócios, que ponsabilidade dos sócios seja sufiserão donos de títulos – quotas ou ciente para atender aos interesses ações pelo que se extrai do direito e necessidades de toda e qualquer brasileiro - representativos do capi- empresa26. Um ambiente com direito societal do emissor, (ii) que as sociedades existam independentemente de tário adequado à realidade das starseus sócios (por meio da chamada tups é essencial ao empreendedoris“personalidade jurídica”), (iii) que mo. O primeiro aspecto importante estes – ou ao menos alguns deles é a existência de formas societárias – tenham suas perdas limitadas ao que permitam a limitação da resque for contribuído para formação ponsabilidade dos sócios ao capital do capital social (reduzindo-se aqui- efetivamente contribuído; acerca de lo que se convencionou chamar de tal necessidade, parece27 que o direi“custos de transação”), (iv) que os to brasileiro cumpre sua obrigação28. A segunda preocupação, segundo títulos representativos do capital

Armour, é que os custos para estruturação legal do veículo societário sejam baixos29. A tal respeito, as limitadas cumpririam tal função, enquanto as anônimas não. Mas pelos entraves regulatórios impostos pela CVM, a anônima culmina por ser a única opção para quem quiser ou tiver de acessar os fundos de venture capital. Armour aponta, ainda, que os custos regulatórios devem ser mantidos sob controle; por exemplo, seria desnecessário que se empreenda auditoria anual obrigatória30. A CVM impõe que as sociedades que captem recursos efetuem auditoria anual por ente credenciado pela própria CVM, o que também contraria a lógica das startups. Já McCahery e Vermeulen ensinam que a existência de formas societárias flexíveis e que limitem custos de transação é vista como essencial quando empreendedores encaram os riscos de iniciar um negócio31. Por isso, afirmam, é importante existirem formas societárias alternativas (chamadas de “unincorporated” pelos autores) para aumento da produtividade, inovação e

* Cf. Klein, William A., Coffee Jr., John C. e Partnoy, Frank. Business organization and finance. New York: Foundation Press, 2010. Cf. Armour, John, Hansmann, Henry e Kraakman, Reinier. Agency problems and legal strategies. In: Kraakman, Reinier, Armour, John, Davies, Paulo, Enriques, Luca, Hansmann, Henry, Hertig, Gerard, Hopt, Klaus, Kanda, Hideki e Rock, Edward. The anatomy of corporate law: a comparative and functional approach. 2a ed. Oxford: Oxford Univesity Press, 2009. Cf. Jensen, Michael C. A theory of the firm: governance, residual claims and organizational forms. In: Journal of Financial Economics, vol. 3, n° 4, 1976. 24 Cf. Coase, Ronald. H. The firm, the market and the law. Chicago: The University of Chicago Press, 1988. Cf. Easterbrook, Frank H. e Fischel, Daniel R. The Economic Structure of Corporate Law. Cambridge: Harvard Uni23

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versity Press, 1996. Cf. Klein, William A., Coffee Jr., John C. e Partnoy, Frank. Business organization and finance. New York: Foundation Press, 2010. 25 Veja-se o caso, por exemplo, da sociedade simples, que, apesar de possuir personalidade jurídica, não possui limitação da responsabilidade dos sócios. Ou, ainda, a sociedade em comandita por ações, na qual somente uma categoria de sócios possui responsabilidade limitada. 26 McCahery, Joseph A. Introduction: governance in partnership and close corporation law in Europe and the United States. In: McCahery, Joseph A., Raajimakers, Theo e Vermeulen, Erik P. M. (coords). The governance of close corporations and partnerships: US and European perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2004. 27 Sem se esquecer que a jurisprudência trabalhista vai no sentido oposto.

Exceção é caudalosa jurisprudência trabalhista que leva à responsabilização pessoal dos sócios pelo simples fato de serem sócios e haver uma crédito trabalhista impago. 29 Armour, John. Law, innovation, and finance. In: McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc (coords.). Venture capital contracting and the valuation of high technology firms. Oxford: Oxford University Press, 2003. 30 Armour, John. Law, innovation, and finance. In: McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc (coords.). Venture capital contracting and the valuation of high technology firms. Oxford: Oxford University Press, 2003. 31 Business organizational law and venture capital. In: McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc (coords.). Venture capital contracting and the valuation of high technology firms. Oxford: Oxford University Press, 2003. 28


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criação de empregos, e que vem sendo dada alta prioridade no desenho de novas estruturas jurídico-societárias que fomentem o aparecimento de startups32. Mas será que é isso que se vê no Brasil, com a proibição, na prática, de se utilizar a sociedade limitada como veículo para captar recursos e funcionar como verdadeira startup e se exigir a utilização da anônima em seu lugar, sem que se ofereça uma terceira alternativa? Já se pode adiantar que a resposta é não, e que, ademais, os incentivos do direito societário a tal tipo de atividade estão muito próximos do zero. Vamos analisar, agora, as inadequações contidas na sociedade anônima, a única autorizada a captar recursos dos fundos de venture capital.

Se, por um lado, a utilização das limitadas como forma societária para as startups padece de sérias limitações impostas pela CVM, como já visto acima, por outro lado a utilização anônima, em sua estrutura corrente, é sobremaneira inadequada33 ao aparecimento e sobrevivência das startups. Vamos entender os motivos. Primeiramente, a sociedade anô-

nima é de constituição difícil e burocrática. Segundo o artigo 80 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei n° 6.404/76”), a constituição de uma anônima dependerá dos seguintes requisitos preliminares: (i) subscrição a ser feita por pelo menos duas pessoas da totalidade das ações de emissão da sociedade conforme fixado no estatuto social, (ii) realização de no mínimo 10% do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro, e (iii) depósito prévio do capital realizado. Hoje já se sabe ser completamente anacrônica a exigência de mais de um acionista. A chamada “unipessoalidade” é vista sem qualquer tipo de restrição nas economias desenvolvidas e, por isso, deve ser ampliada34 sua permissão no Brasil, inclusive para se evitar que a sociedade entre automaticamente em estado de dissolução conforme determinado pelo artigo 206, I, d, da Lei n° 6.404/76 caso não se recomponha a pluralidade dentro do prazo legal. Ademais, a realização, mediante depósito em instituição financeira, do capital mínimo não parece criar qualquer tipo de proteção a qualquer credor, principalmente pelo fato de não exigir qualquer requisito quando ao capital propriamente dito35, e a exigência de depósito prévio de 10% do preço de emissão das ações, além de ser absolutamente aleatória, não

McCahery, Joseph A. e Vermeulen, Erik P. M. Business organizational law and venture capital. In: McCahery, Joseph A. e Renneboog, Luc (coords.). Venture capital contracting and the valuation of high technology firms. Oxford: Oxford University Press, 2003. 33 É de se notar, entretanto, que algumas das características intrínsecas às sociedades anônimas são muito bem-vindas: (i) limitação da responsabilidade dos sócios, (ii) administração centralizada, e (iii) deveres fiduciários. Cf. McCahery, Joseph A. e Vermeulen, Erik P. M. Understanding (um)incorporated busi-

ness forms. Amsterdam: Amsterdam Center for Corporate Finance, 2005. 34 Hoje a sociedade unipessoal é autorizada (i) de maneira provisória para as sociedades limitadas por até 180 dias (artigo 1.033, IV, do Código Civil Brasileiro) e para as anônimas por até duas assembleias gerais ordinárias (artigo 206, I, d, da Lei n° 6.404/76), e (ii) de maneira permanente para as EIRELIs (artigo 980-A do Código Civil Brasileiro) e para as subsidiárias integrais (artigos 251 e 251 da Lei n° 6.404/76). 35 Não se defende, aqui, qualquer limite mínimo de capital, que também em nada ajuda a pro-

Críticas à LSA e sua inadequação às startups

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tem qualquer efeito prático. A exigência de assembleia geral para constituição da sociedade também vai contra qualquer lógica da startup. Cria nível de burocracia absolutamente desnecessário que, na maioria das vezes, só serve para complicar a vida de quem quer empreender, sendo que tudo que precisaria acontecer é que um documento (um estatuto simplificado) seja assinado pelas partes, sem que se convoque ou se compareça a qualquer assembleia. Por fim, é importante ressaltar que, por disposição legal, o estatuto social em sua completude (com inúmeras cláusulas que não precisariam lá estar36), deverá ser aprovado no ato de constituição, quando, na verdade, muitos dos dispositivos que a Lei n° 6.404/76 determina lá ser encontrados deveriam fazer parte de documento interno (por exemplo, um regimento interno), já que é mero documento de governança que, na maioria das vezes, serve para reger os direitos e deveres entre sócios, administradores e a sociedade, mas que pouco interessam a quem está fora dela37. São exemplos do que poderia ser retirado do estatuto social e alocado em regimento interno: (i) competência da assembleia geral e da assembleia geral ordinária (artigos 122 e 132), (ii) competência para convocação da teger os credores da sociedade, mas serve para deixar claro de 10% de pouco será muito menos ainda. 36 Mas lá se encontram por mera determinação legal, não por ser intrínseco à lógica das sociedades anônimas. 37 É importante ressaltar que a eleição de administradores, por exemplo, é feita em atos apartados e, seguindo-se tal lógica, o mesmo poderia acontecer com boa parte dos dispositivos encontrados nos estatutos sociais.

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assembleia geral (artigo 123), (iii) modo de convocação da assembleia geral (artigo 124), (iv) legitimação para comparecer à assembleia geral, (v) composição e competência do conselho de administração e da diretoria (artigos 140, 142 e 143), (vi) deveres fiduciários e responsabilidade dos administradores (artigos 153, 154, 155, 156, 157 e 158), (viii) composição, funcionamento e competência do conselho fiscal (artigos 161 e 163), (ix) fixação ou maneira de se alterar o capital social (artigos 5º, 6º e 166), (x) capital autorizado (artigo 168), (xi) liquidação (artigo 208), e (xii) espécies, classes e vantagens das ações (artigos 14, 15, 16, 17, 18 e 19). Absolutamente todas estas regras poderiam ser retiradas do estatuto social e levadas ao regimento interno sem qualquer prejuízo aos acionistas ou terceiros, o que agilizaria, simplificaria e baratearia a constituição da startup. Um aspecto importante e que está diretamente relacionado à extensão e à complexidade do estatuto social é o fato de o artigo 94 da Lei n° 6.404/76 determinar que a sociedade anônima não poderá funcionar sem que sejam publicados38 seus atos constitutivos. Primeiramente, o artigo 289 da Lei n° 6.404/76 determina que as publicações sejam feitas no Diário Oficial e em outro jornal de grande circulação na localidade em que se encontra a sede da sociedade. Tais publicações até faziam sentido na época da edição da Lei n° 6.404/76, em que os meios de comunicação não tinham atingido o grau de desenvolvimento que hoje se vê; hodiernamente, entretanto, com a enorme eficiência da Internet, a publicação em jornais, que é caríssima,

tornou-se absolutamente desnecessária, e que também vai contra a lógica das startups, normalmente destituídas de recursos que possam ser desperdiçados. Em segundo lugar, se o estatuto social de constituição for muito longo, como hoje certamente é pelas exigências legais, o preço de tais publicações será elevado na mesma proporção, já que as publicações são cobradas de acordo com o tamanho efetivamente ocupado. Um outro aspecto importante está relacionado à composição da diretoria. Nos termos do artigo 143 da Lei n° 6.404/76, tal órgão deverá ser composto por, pelo menos, dois diretores. Em uma startup, tal número, principalmente em seu início, parece ser elevado e desnecessário. Mais correto é permitir-se que a diretoria seja composta por tão-somente um diretor. No que diz respeito aos financials exigidos da sociedade anônima, se tudo for cumprido à risca os custos com contadores e preparação de demonstrativos financeiros serão bastante elevados. Nos termos do artigo 176 da Lei n° 6.404/76, as sociedades anônimas fechadas39 deverão preparar (i) balanço patrimonial, (ii) demonstração dos lucros e prejuízos acumulados, (iii) demonstração do resultado do exercício, e (iv) demonstração de fluxo de caixa. Para uma pequena anônima, somente são essenciais o balanço patrimonial e a demonstração do resultado do exercício e, por isso, as determinação do referido artigo 176 devem ser flexibilizadas para as startups. Uma startup deverá ser estruturada de maneira que, de um lado, os sócios possam se retirar com certa facilidade da sociedade e, de outro lado,

A exigência também compreende o arquivamento no registro do comércio.

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As abertas deverão preparar, ainda, a demonstração e valor adicionado.

os acionistas faltosos possam ser facilmente excluídos. No regime atual das anônimas isso não acontecerá de maneira tão fácil, o que também prejudica a startup, já que os conflitos societários em sociedades jovens poderão surgir rapidamente e, sem a possibilidade de se retirar ou excluir sócios para que a paz seja restabelecida, tais brigas ou desentendimentos poderão perdurar mais do que o desejado, colocando-se em risco a sobrevivência do próprio negócio. Por fim, deve-se ressaltar que as regras acerca da distribuição de lucros encontradas na Lei n° 6.404/76, notadamente nos artigos 202 e 203, são bastante rígidas. Deve-se flexibilizar e permitir (i) distribuições desproporcionais à participação no capital social e (ii) que a sociedade retenha lucros sem distribuí-los por mais tempo, o que permitirá às startups formar reservas para que seu futuro seja menos difícil. Muitos desses problemas serão resolvidos caso seja aprovado o Projeto de Lei n° 4.303/12, que trará para o direito brasileiro o regime da sociedade anônima simplificada, já adotada com enorme êxito em várias outras jurisdições, tais como França e Colômbia. Tal regime simplificado emula as limited liabilities companies encontradas nos Estados Unidos e no Reino Unido, que são a forma societária preferida das startups.

Conclusões Como se pode observar, a limitada é a forma societária a ser naturalmente adotada para as startups. Seu custo de manutenção é baixo e sua burocracia é pouca. Em decorrência


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de inúmeras restrições regulatórias impostas pela CVM, no entanto, a limitada deixa de ser adotada e dá vez à anônima, que é naturalmente cara e burocrática. Uma reforma legislativa que crie um regime alternativo e uma forma societária híbrida – a sociedade anônima simplificada -, se aprovada, facilitará a vida dos empreendedores e tornará a economia brasileira mais competitiva.

Marcelo Godke Veiga

Sócio de Godke Silva & Rocha Advogados. Doutorando pela Universiteit van Amsteram. LL.M pela Universiteit Leiden (Países Baixos). LL.M pela Columbia University (Estados Unidos). Especialista pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais/Centro de Extensão Universitária. Professor de regulamentação bancária e do mercado de capitais da Fundação Armando Álvares Pentado – FAAP. Professor de “Regulamentação do mercado de capitais, direito societário e fusões & aquisições” do Instituto Internacional de Ciências Sociais/Centro de Extensão Universitária. Professor de derivativos do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa. Membro do IDSA.

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Desconsideração da personalidade jurídica: um risco esquecido pelos micro e pequenos empreendedores por Gustavo Lacerda Franco

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ste artigo busca apontar, sucintamente e sem a pretensão de esgotar o tema, que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica caracteriza um risco efetivo aos sócios de micro e pequenas empresas (MPEs), que deveria ser levado em conta por esses empreendedores, quando da constituição de suas sociedades empresárias, e não vem sendo. Com efeito, será demonstrado neste breve estudo que o desconhecimento dos sócios de MPEs acerca do risco representado pela aplicação da disregard doctrine, somado ao emprego frequente desse instituto pelos tribunais e até pela legislação brasileira em termos mais amplos do que seria desejável, consiste em um grave problema no cenário das MPEs no Brasil. Primeiramente, no entanto, deve-se esclarecer quais empresas estão incluídas na categoria das micro e pequenas empresas. Segundo o artigo 3º, incisos I e II, do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/2006), considerase microempresa “o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada [que] aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a SEBRAE-SP. Doze Anos de Monitoramento da Sobrevivência e Mortalidade de Empresas. Agosto/2010. p. 21. Disponível em http://www. sebraesp.com.br/arquivos_site/biblioteca/EstudosPesquisas/mortalidade/mortalidade_12_ anos.pdf. Acessado em 12.05.2013. 2 NOGUEIRA, MAURO ODDO e OLIVEIRA, JOÃO MARIA DE. Da Baleia ao Ornitorrinco: Contribuições Para a Compreensão do Univer1

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R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais)” e empresa de pequeno porte “o empresário,a pessoa jurídica, ou a ela equiparada [que] aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais)”. Ressalte-se que a caracterização de uma sociedade empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte não se confunde com o tipo societário escolhido em sua constituição, tratando-se de aspectos distintos da empresa em questão. Interessam a este artigo, especificamente, as micro e pequenas empresas constituídas sob a forma de sociedade limitada, tipo societário que, de 2003 a 2007, apenas no Estado de São Paulo, era adotado por 51% das empresas em atividade1. Deve-se lembrar, também, que os critérios estabelecidos no Estatuto da Microempresa não são os únicos destinados à categorização de empresas como micro ou pequenas, havendo, por exemplo, classificações baseadas na “quantidade de pessoal ocupado” na empresa, que é utilizada pelo Sebrae e pelo IBGE, e na composição dos critérios de faturamento e da quantidade de pessoal ocupado na empresa2. Feito o esclarecimento neces*

so das Micro e Pequenas Empresas Brasileiras in INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Radar, edição nº 25. pp. 8 e 9. Disponível em http://www.ipea.gov.br/ portal/images/stories/PDFs/radar/130507_radar25.pdf. Acessado em 12.05.2013. 3 Ibidem, p. 7. 4 Ibidem, p. 7. 5 Ibidem, p. 14.

sário sobre quem são as MPEs, é devido que se aponte o que elas representam na economia do país, para que se entenda a extensão do problema que ora se visa a indicar. Os números impressionam. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS-MTE), as MPEs, em 2011, representavam 99% das empresas privadas brasileiras, bem como agregavam 51,6% das pessoas ocupadas no país3. Estudo do Sebrae indica também que, em 2011, as MPEs contribuíram com 39,7% da renda de trabalho e cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil4. Frise-se ainda que, por conta da economia informal, que chega a representar 17% do PIB brasileiro5, esses dados podem ser, na verdade, ainda mais impressionantes. É provável que o leitor, ao se deparar com esses dados, pense ser muito positivo o cenário das MPEs no Brasil. Essa impressão pode, inclusive, ser reforçada, quando se compara a taxa de sobrevivência, no prazo de 2 anos, das MPEs constituídas em 2006 no Brasil (73,1%)6, com a taxa de sobrevivência de empresas constituídas em 2005 em diversos países desenvolvidos, como Itália (68%) e Holanda (50%)7. Essa conIbidem, p. 7. SEBRAE. Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil in Coleção Estudo e Pesquisas. Outubro/2011. p. 25. Disponível em http://www. biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/45465B1C66A6772D832579300051816C/$File/ NT00046582.pdf. Acessado em 12.05.2013. 6 7


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“Se a pessoa jurídica é criação legal destinada a preencher certos fins que o ordenamento

jurídico chancela (instrumento destinado a facilitar ou possibilitar a concretização de certas relações jurídicas da vida na coletividade), é intuitivo que, nessa outorga, está implícita sua imprestabilidade para protagonizar função diversa, que o mesmo ordenamento condena. Em outras palavras, sendo a pessoa jurídica uma ficção, uma técnica colocada pelo ordenamento jurídico à disposição das pessoas humanas para facilitar sua relações, sua personalidade não pode ir além disso. A ficção legal existe para o fim precípuo de possibilitar o preenchimento da função que lhe é reservada pelo direito; fora de sua função, ela perde todo o sentido e deve ser desconsiderada para que apareça a realidade que lhe está subjacente e se evitem eventuais desvios ou ilicitudes por ela encobertos. O regime jurídico previsto para preencher um determinado papel não pode ser utilizado para contornar ou esconder condutas antijurídicas (do autor, Lições de direito societário, v. I, p. 31-32). Surge, assim, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, que tem lugar quando há desvirtuamento da função da pessoa jurídica – teoria que se desenvolveu para autorizar a quebra do regime jurídico a que a pessoa jurídica está subordinada e permitir que se apliquem as normas que, não fora a existência dela, incidiriam no caso concreto, evitando, com isso, a realização de fins ilícitos. (...) A assertiva de que a sociedade

NOGUEIRA, MAURO ODDO e OLIVEIRA, JOÃO MARIA DE. Op. cit., p. 11. 9 GONÇALVES NETO, ALFREDO DE ASSIS. Di-

reito de Empresa. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2010. pp. 137/138. 10 REQUIÃO, RUBENS. Curso de Direito Comer-

clusão otimista, porém, seria precipitada, porquanto, em uma análise mais profunda, podem ser notados diversos problemas em tal cenário, entre os quais se encontra o desconhecimento dos sócios de MPEs constituídas sob a forma de sociedade limitada acerca da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica desse tipo societário, o que é um grande risco, em especial, aos pequenos empreendedores, que deveriam levá-lo em consideração quando da abertura da empresa, seja para decidir sobre a viabilidade do negócio, seja para adotar medidas que evitem a aplicação do instituto no futuro. Alerte-se, desde já, que os dados os quais permitem afirmar, atualmente, que esses pequenos empreendedores desconhecem esse risco específico ou que, ao menos, não se previnem contra sua ocorrência repousam em escassas pesquisas e estatísticas confiáveis utilizadas ao longo deste artigo, sendo um desafio à realização deste, justamente, a precariedade da produção de dados e informações estatísticas relativas às MPEs8. Antes de se passar à análise desses dados, entretanto, cabe relembrar em que consiste a desconsideração da personalidade jurídica, de modo sucinto, por ser tema já tratado exaustivamente pela doutrina. O Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto conseguiu desvendar o espírito do instituto da desconsideração em lição de poucas e precisas palavras:

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não se confunde com a pessoa dos sócios e tem patrimônio próprio, distinto dos deles, é um princípio jurídico, mas não se pode transformar em dogma a entravar a ação do ordenamento jurídico positivado (isto é, daquele que estabelece o regime a que se subordina essa mesma pessoa por ele criada) na realização da Justiça.” 9 Essa teoria, como explicitado por Rubens Requião, pioneiro em seus estudos no país, não trata, “é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos”10. A realidade, no entanto, apresenta diversas situações em que a desconsideração é aplicada de modo inadequado, inclusive na legislação, como será visto. Os principais dispositivos legais por meio dos quais a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica foi positivada no Brasil são o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, o artigo 50 do Código Civil de 2002 e o artigo 18 da antiga Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, correspondente ao artigo 34 da atual legislação que trata da matéria (Lei nº 12.529/2011). Há críticas severas da doutrina à aplicação da desconsideração nos diplomas consumerista e antitruste11, as quais serão expostas a seguir. O artigo 28 do CDC é muito criticado por pouco corresponder ao estudo doutrinário da teoria da desconsideração12, tornando hipóteses de desconsideração de personalidade jurídica situações em que a responsabilidade já poderia ser imputada diretamente ao sócio, cial. v. I, 25ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003. p. 378. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


26 Doutrina controlador ou representante da pessoa jurídica, como bem colocado por Fabio Ulhoa Coelho13. O § 5º do mencionado artigo, da mesma forma, sofre severas críticas de Coelho, dado que sua aplicação literal poderia ocasionar, em última análise, o equivalente à eliminação do instituto da pessoa jurídica no âmbito do direito do consumidor14, o que seria extremamente danoso às MPEs. Essas críticas são compartilhadas por Sérgio Campinho, que ressalta a possibilidade de o administrador incompetente, mas honesto e de boa-fé, ser responsabilizado por conta do disposto nesse artigo15. Quanto ao disposto na Lei nº 12.529/2011, apesar de corroborar a “pertinência da aplicação da teoria da desconsideração no campo da tutela do livre mercado”, Fábio Ulhoa Coelho critica os desacertos semelhantes aos do Código de Defesa do Consumidor no trato da matéria16, no que é seguido por Sérgio Campinho17. O Código Civil, em seu artigo 5018, certamente destina melhor disciplina à desconsideração da pessoa jurí11 CDC: “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

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dica, o que não faz, porém, com que seja isenta de críticas da doutrina. A correspondência entre o citado artigo 50 do CC e os estudos doutrinários sobre a disregard doctrine, que já é evidente, especialmente quando esse texto é comparado aos textos do CDC e da Lei nº 12.529/2011, torna-se inequívoca quando se conhece a informação de que Rubens Requião e Fábio Konder Comparato, outro relevante estudioso do tema, influenciaram em sua redação, como lembrado pelo Professor Gonçalves Neto19. Com relação às críticas a esse dispositivo, menos severas do que as destinadas aos outros diplomas mencionados, destacam-se a que se faz à referência da lei ao administrador da pessoa jurídica, cuja responsabilização estaria no âmbito do ordenamento societário e consistiria em regra de responsabilização civil, distinta da desconsideração da personalidade, bem como a que é feita ao não esgotamento, pelo dispositivo, das hipóteses em que se pode aplicar o instituto20. *

Lei nº 12.529/2011: “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” 12 Ressalte-se que “há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial.” COELHO, FABIO ULHOA. Curso de Direito Comercial. v. II, 6ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003. p. 35. 13 Ibidem, pp. 50/51. 14 Ibidem, pp. 51/52.

A aplicação da disregard doctrine, de modo geral, portanto, dá-se em determinadas hipóteses nas quais se considera abusiva a utilização da personalidade jurídica ou, ainda, em casos nos quais haja a perpetração de atos fraudulentos contra seus credores. Ou melhor, a aplicação ideal dessa teoria se daria dessa forma, mas, seja por conta de leis que não atendem ao seu verdadeiro espirito (o que não é o caso do artigo 50 do CC, frise-se), seja pelo fato de que “em nome dessa doutrina, ou a pretexto de aplicá-la, vêm na realidade sendo praticadas muitas distorções, injustiças, ilegalidades e revoltantes abusos”, como ressaltado por Cândido Rangel Dinamarco21, a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica no Brasil é distante do ideal. Note-se que, se já é um problema enorme o desconhecimento, por parte dos empreendedores, do risco da aplicação da disregard doctrine às suas MPEs, é um problema ainda maior o fato de que, muitas vezes, a sua aplicação causa prejuízos muito mais proCAMPINHO, SÉRGIO. O Direito da Empresa à Luz do Novo Código Civil. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2007. pp. 72/73. 16 COELHO, FABIO ULHOA. Op. cit., pp. 52/53. 17 CAMPINHO, SÉRGIO. Op. cit., pp. 75/76. 18 “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 19 GONÇALVES NETO, ALFREDO DE ASSIS. Op. cit., pp. 138/139. 20 NUNES, SIMONE LAHORGUE e BIANQUI, PEDRO HENRIQUE TORRES. A Desconsideração da Personalidade Jurídica: Considerações Sobre a Origem do Principio, sua Positivação e a Aplicação no Brasil in FRANÇA, ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES (coord.). Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Editora Quartier Latin. 2009. p. 323. 15


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fundos do que seria possível em tese. Pois bem. Como apontado anteriormente, 26,9% das MPEs encerram suas atividades ainda nos dois primeiros anos de vida22. E quando se investigam as razões desse fracasso, descobre-se que, além de diversas dificuldades encontradas pelos empreendedores, como falta de clientes, falta de capital e custos elevados , houve uma série de problemas de planejamento dos negócios. E, nesse âmbito, o Sebrae-SP, em pesquisa denominada “Doze anos de monitoramento da sobrevivência e mortalidade das empresas”, apontou que, apenas no estado de São Paulo, 23% dos empreendedores “não conheciam e não levantaram informações sobre os aspectos legais do negócio” antes da sua abertura24. É evidente a gravidade desse quadro, em que pelo menos 23% dos empresários não levantam informações acerca dos riscos legais envolvidos no negócio que pretendem abrir. Problema maior, porém, está no fato de que mesmo aqueles empreendedores que buscam se prevenir contra eventuais problemas legais, procurando o auxílio de profissionais ou instituições para a abertura do negócio (41% dos empresários paulistas25), não têm total consciência dos riscos legais a que estão sujeitos. Quando um grupo de empreendedores procura o Sebrae, por exemplo, na busca de apoio à abertura de empresa, é provável que receba a Cartilha do Empreendedor elaborada pela instituição26, publicação que visa a explicar aos empreendedores, em linguagem simples, todos os asDINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Vocabulário do Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores. 2009. p. 121. 22 NOGUEIRA, MAURO ODDO e OLIVEIRA, JOÃO MARIA DE. Op. cit., p. 7. 23 SEBRAE-SP. Op. cit., p. 33. 24 SEBRAE-SP. Op. cit., p. 18. 21

pectos da abertura e gerenciamento do negócio. Nesse documento, há um capítulo destinado aos tipos societários disponíveis na constituição de uma MPE. Nesse capítulo, a sociedade limitada é apresentada como aquela em que a responsabilidade dos sócios é restrita ao valor de suas quotas na empresa, em clara contraposição ao conceito apresentado, no mesmo trecho, de empresário individual, que é mostrado como aquele em que “o patrimônio particular se confunde com o da empresa”27. Quando analisam essa cartilha, os pequenos empreendedores, os quais, em geral, não dispõem de recursos financeiros a serem gastos com consultas a advogados, entendem, naturalmente, que, ao optarem pelo regime da sociedade limitada, na constituição de sua MPE, estarão livrando seu patrimônio não investido no negócio de qualquer responsabilidade a ele referente. Dado que o intuito da sociedade limitada é justamente a limitação da responsabilidade dos sócios às suas quotas na empresa, tal compreensão não é equivocada. Ocorre que, quando se considera a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica à sociedade, esse entendimento se torna incompleto. E essa parte da história não se costuma contar aos empreendedores que optam pela sociedade limitada28. Corrobora a hipótese de que os empreendedores não se acautelam da aplicação da disregard doctrine, ignorando o risco por ela representado, o fato de que um dos maiores desafios narrados ao Sebrae-SP na *

pesquisa supracitada, pelos empreendedores, quanto à gestão de suas empresas, é a dificuldade em “separar o patrimônio da empresa e dos sócios, que ficam misturados”29. A confusão entre os patrimônios da empresa e dos seus sócios, como mencionado, pode ocasionar a incidência do art. 50 do Código Civil. Não se pode negar que, muitas vezes, a confusão patrimonial pode significar fraude a credores e que o risco daí decorrente é conhecido pelos sócios. Não é esse, entretanto, o foco das pesquisas e estatísticas ora utilizados, assumindo-se, neste estudo, que a confusão narrada corresponde a problema de administração e/ou planejamento nas MPEs, até porque se desconhecem estudos que apresentem dados e estatísticas relativos à utilização fraudulenta de sua personalidade jurídica. A ignorância ou indiferença dos empreendedores brasileiros com relação à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica ocasiona diversos problemas. Primeiro, tem-se um risco grave, inerente ao negócio, não contabilizado na análise de sua viabilidade. Em segundo lugar, o desconhecimento dificulta iniciativas no sentido de evitar a aplicação da disregard doctrine à empresa constituída. Por fim, deve-se considerar que a sua aplicação à MPE, após a soma dos dois problemas anteriormente mencionados, pode contribuir decisivamente para o fim das suas atividades, que terão, então, onerado demasiadamente os seus sócios, os quais podem perder o interesse, até mesmo, no empreendedorismo em geral30.

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Ibidem, p. 19. SEBRAE. Cartilha do Empreendedor. Disponível em http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/BDS.nsf/ F896176A3D895B71832575510075D2DB/$File/NT0003DCB6.pdf. Acessado em 07.06.2013. 25

Ibidem, pp. 21/23. De 2003 a 2007, 51% das empresas em atividade no Estado de São Paulo. SEBRAE-SP. Op. cit., p. 21. 30 Ibidem, p. 30. 28

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O problema da ignorância de pequenos e médio empreendedores quanto ao risco representado pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, assim, não se resume aos fatos de que tal risco deveria ser levado em conta por eles, quando da análise de viabilidade do negócio, como todos os outros riscos neste envolvidos, e de que a adoção de medidas que visassem a evitar a aplicação do instituto seria imprescindível após a abertura da empresa, podendo a soma desses problemas ocasionar, até mesmo, o fim das atividades da empresa. Os efeitos dessa ignorância podem ser ainda mais profundos. Como aponta pesquisa realizada por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, apesar de o Global Entrepreneurship Monitor (GEM, 2010) indicar que o ciclo de sucesso do empreendedor ocorre, em média, após 3,6 ciclos de tentativas, o empreendedor brasileiro, após falhar em sua primeira tentativa, encontra um grande número de barreiras legais para empreender uma segunda tentativa31. Embora o estudo do Ipea se refira, especialmente, às pendências fiscais decorrentes do insucesso da primeira MPE como fator restritivo a ações empreendedoras posteriores do sócio da empresa encerrada, é inegável que a responsabilização patrimonial dos sócios da MPE cuja personalidade jurídica tenha sido desconsiderada, por dívidas desta, pode afetar a capacidade desses sócios de empreender novamente. Em última análi-

se, portanto, todo o cenário do empreendedorismo no Brasil é afetado pela reiterada aplicação inadequada da desconsideração da personalidade jurídica às MPEs, situação que é agravada pelo desconhecimento dos empreendedores com relação a esse risco, como demonstrado acima. Os problemas expostos ao longo deste artigo, no entanto, podem ser amenizados por meio da adoção de duas medidas: a aplicação criteriosa, por nossos tribunais, da desconsideração da personalidade jurídica às MPEs, apontamento que, em caráter genérico, é pacífico na doutrina brasileira32, e a divulgação, aos pequenos empreendedores, sobre o caráter não absoluto da limitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas das limitadas, de modo que o planejamento dos seus negócios repouse em informações mais completas acerca dos riscos neles envolvidos. Sugere-se, por exemplo, que o risco de desconsideração passe a constar nas cartilhas distribuídas pelo Sebrae aos empreendedores, bem como o que pode ser feito nas empresas a fim de se evitar a concretização do referido risco. Essas duas medidas, portanto, certamente gerariam maiores chances de sucesso às MPEs no Brasil, assim como contribuiriam para que a comum impressão positiva sobre o cenário das MPEs no país passasse a corresponder, efetivamente, à realidade, superandose os desafios apontados ao longo deste estudo. *

Reação que já costuma ocorrer no encerramento das atividades da empresa, porquanto apenas 16% dos responsáveis pelas empresas encerradas no Estado de São Paulo continuaram a ser empresários após o encerramento. SEBRAE-SP. Op. cit., p. 37. NOGUEIRA, MAURO ODDO e OLIVEIRA, JOÃO MARIA DE. Op. cit., p. 17. Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br

Nesse sentido, por exemplo: GONÇALVES NETO, ALFREDO DE ASSIS. Op. cit., p. 141. COELHO, FABIO ULHOA. Op. cit., pp. 54. DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Op. cit., p. 121. CAMPINHO, SÉRGIO. Op.cit., pp. 77

Gustavo Lacerda Franco Graduando na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), membro do Conselho Discente da Revista Comercialista e estagiário no escritório Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide Advogados.

Bibliografia CAMPINHO, SÉRGIO. O Direito da Empresa à Luz do Novo Código Civil. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2007. COELHO, FABIO ULHOA. Curso de Direito Comercial. v. II, 6ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003. DINAMARCO, CÂNDIDO RANGEL. Vocabulário do Processo Civil. São Paulo: Malheiros Editores. 2009. GONÇALVES NETO, ALFREDO DE ASSIS. Direito de Empresa. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2010. NOGUEIRA, MAURO ODDO e OLIVEIRA, JOÃO MARIA DE. Da Baleia ao Ornitorrinco: Contribuições Para a Compreensão do Universo das Micro e Pequenas Empresas Brasileiras in INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA - IPEA. Radar, edição nº 25. NUNES, SIMONE LAHORGUE e BIANQUI, PEDRO HENRIQUE TORRES. A Desconsideração da Personalidade Jurídica: Considerações Sobre a Origem do Principio, sua Positivação e a Aplicação no Brasil in FRANÇA, ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES (coord.). Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Editora Quartier Latin. 2009. REQUIÃO, RUBENS. Curso de Direito Comercial. v. I, 25ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003. SEBRAE. Cartilha do Empreendedor. Disponível em http://www.biblioteca.sebrae. com.br. Acessado em 07.06.2013. SEBRAE. Taxa de Sobrevivência das Empresas no Brasil in Coleção Estudo e Pesquisas. Outubro/2011. Disponível em http:// www.biblioteca.sebrae.com.br. Acessado em 12.05.2013. SEBRAE-SP. Doze Anos de Monitoramento da Sobrevivência e Mortalidade de Empresas. Agosto/2010. Disponível em http://www.sebraesp.com.br. Acessado em 12.05.2013


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Responsabilidade dos Administradores na Sociedade por Ações Simplificada por Francisco Reyes Villamizar (traduzido por Paco Manolo Camargo Alcalde)

Introdução

A

pós a conclusão do primeiro ano de vigência da lei que deu origem à sociedade por ações simplificada na Colômbia, os resultados não podem ser mais animadores. Mais de 200.000 sociedades por ações simplificadas criadas em todo o país nos quatro anos de vigência da lei são a demonstração incontrastável de um fenômeno sem precedentes na história de nossas normas comerciais. E não é apenas a enorme quantidade de sociedades simplificadas o que surpreende. O mais interessante e sugestivo é observar o desvanecimento dos tipos tradicionais de sociedade, cuja decadência demonstra a obsolescência de um regime defendido a todo custo pelos mais ferozes defensores do anacrônico status quo. É claro que os empresários não falam a linguagem dogmática de complexos teoremas jurídicos, senão o mais eficaz da racionalidade econômica. Assim, quando aparece uma nova tecnologia, mais prática, mais flexível e menos custosa como a da nova sociedade, adotam-na sem melindres conceituais. Só no mês de novembro de 2009, o número de SAS criadas ou transformadas foi sete vezes maior que o número de sociedades anônimas. A SAS também quadruplicou o número de sociedades de responsabilidade limitada criadas no mesmo período.

No mais, uma figura como a SAS tem melhorado, sem dúvida, o clima dos negócios, ao tempo que tem facilitado o investimento estrangeiro, de maneira que o país pode seguir avançando também nos índices que o Banco Mundial e outras entidades multilaterais preparam a cada ano. Em um país repleto de leis que apenas se conhecem por sua inobservância, não deixa de surpreender a efetividade de uma norma que, em tempo recorde, permitiu a formalização de milhares de entidades empresariais, ao facilitá-las o acesso a uma estrutura societária que se ajusta às necessidades específicas de seus usuários. O entusiasmo dos empresários pela nova forma de sociedade e por sua utilização massiva para acometer toda a classe de empreendimentos não se restringe ao âmbito das pequenas empresas. A versatilidade do novo tipo também tem despertado o interesse dos grandes empresários que tem transformado massivamente suas companhias em sociedades por ações simplificadas. Os mais importantes grupos empresariais colombianos têm migrado nos últimos meses para o regime da SAS, no que poderia se considerar como o maior plebiscito face a uma norma mercantil em várias décadas. A SAS destaca-se no sistema latino americano porque, ao invés de seguir o pensamento das escolas do século XIX, inscreve-se em tendências contemporâneas. Nelas é fun-

damental uma drástica redução de custos de transação, o qual só pode se lograr com uma estrutura leve, carente de arcaicos formalismos e obstáculos à inciativa privada. Dentro das inovações mais relevantes que a Lei de SAS introduziu deve se ressaltar a possibilidade de criação por ato unipessoal, a constituição por documento particular, o caráter constitutivo da inscrição no registro mercantil, a limitação de responsabilidade por obrigações sociais – incluídas as derivadas de impostos e obrigações trabalhistas -, a possibilidade de desconsideração de sua personalidade jurídica em hipóteses de fraude ou utilização abusiva, a possibilidade de possuir objeto indeterminado, prazo de duração indefinido, ampla liberdade na organização da sociedade, abolição da auditoria fiscal obrigatória, classificação de ações, voto múltiplo, abolição da pluralidade para quórum e maiorias decisórias – incluídas as reuniões em segunda convocação -, a possibilidade de renunciar ao direito de ser convocado para reuniões da assembleia, regulação específica da teoria do abuso do direito em decisões da assembleia – incluídos os abusos de maioria, minoria e paridade -, votação por princípio de simples maioria, liberdade de proporção entre capital autorizado e subscrito, amplo prazo de dois anos para a integralização do capital sem sujeição a proporção definida de quota inicial, ampla efetividade de acordo de acionistas – incluída a possibilidade de fazer valer a execução específica das prestações pactuadas -, supressão www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


30 Doutrina de proibições aos administradores sociais e dos limites para a distribuição de dividendos, possibilidade de arbitragem para resolver todos os assuntos, incluídas as ações de impugnação de determinações de assembleia ou conselho de administração. Ao contrário do que se costuma afirmar sobre a SAS, o novo tipo societário inclui maiores proteções para os acionistas e para terceiros do que as formas associativas tradicionais. A filosofia que subjaz a esta nova legislação se orienta ao estabelecimento de normas materiais e processuais que permitam cumprir o ideal de eficácia de que nossas normas do Direito Privado careceram. Para lograr esse propósito, o projeto legislativo que deu origem à sociedade por ações simplificada se baseou em duas premissas fundamentais. Em primeiro lugar, teve-se em conta a necessidade urgente de suprir inúmeros formalismos inúteis e elevados custos de transação provenientes do regime tradicional das sociedades. Em segundo lugar, tentou-se substituir esse acervo de disposições anacrônicas por proteAs análises econométricas contemporâneas permitem medir a eficiência real de um sistema jurídico a partir do exercício efetivo que os cidadãos fazem das normas legais em processos judiciais e administrativos. Com base nos métodos da análise econômica do direito, se pode sustentar a premissa óbvia segundo a qual as normas legais são tanto mais eficientes quanto maior seja a ameaça de que sua infração dará lugar a sanções para quem as desobedeçam. Assim, basta somar condenações judiciais, conciliações extrajudiciais e multas impostas por autoridades administrativas para saber quão eficiente é um sistema jurídico. John Coffee fez o estudo para certos âmbitos do direito privado norte americano. As cifras astronômicas obtidas em seus estudos o permitem corroborar a inegável eficiência desse regime. Como nesse sistema jurídico os particulares confiam na efetividade prática das normas, recorrem massivamente ao litígio. As consequências dessas análises são de modo algum irrelevantes. Segundo Robert Cooter, a 1

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ções efetivas e de acordo com as tendências atuais do Direito Societário. À parte da consideração certa e suficientemente difundida no sentido de que as regras do Direito Societário vigentes antes da reforma não estavam cumprindo uma finalidade de proteção adequada, a análise empírica havia demonstrado a virtual inexistência de litígio societário na Colômbia1. Não apenas se verificou que os particulares raras vezes exerciam seus direitos ante as instâncias jurisdicionais, senão que, além disso, o número de processos de arbitragem nessa matéria era ínfimo em comparação à quantidade de sociedades existentes no país. O primeiro obedece, sem dúvida, à escassa confiança que os particulares demonstram na jurisdição ordinária, tanto pela lentidão dos processos (que torna o litígio extremamente custoso), como pela falta de especialização em matérias complexas, como aquelas que formam parte do regime societário. No que se refere à reduzida atividade em tribunais de arbitragem, a razão reside, sem dúvida, na obsoleta proibição que impede *

única coisa que determina o grau de desenvolvimento financeiro de um país é a efetividade das normas de Direito Privado. Em sua opinião, os potenciais infratores, ao se verem ameaçados por sanções iminentes, agirão de acordo com a lei. Daí que “un sistema es efectivo cuando las obligaciones legales y contractuales se hacen cumplir en la prática hasta tal punto que la mayoría de la gente las observa”. 2 Na sentença C-978 de 2008, a Corte Constitucional respaldou a vigência do citado artigo 194 do Código de Comércio, que proíbe submeter à arbitragem as ações de impugnação de decisões da assembleia. Para tal, se baseou na consideração um tanto anacrônica segundo a qual certas questões não são suscetíveis de serem submetidas à arbitragem, mesmo que as partes tenham interesse nisso. “A la luz de la perspectiva descrita, la Corte Constitucional ha admitido de modo constante cómo respecto del arbitramento existen límites materiales, esto es, que aún mediando la habilitación a las

submeter a esse meio alternativo as ações de impugnação de determinações da assembleia e do conselho de administração. Esse último entrave à arbitragem, baseado no artigo 194 do Código de Comércio, foi defendida com força pela jurisprudência e doutrina locais2. Por isso que os conflitos principais que se suscitam nas sociedades, cuja discussão se da no foro natural de controvérsia que é a assembleia geral de acionistas, ficam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula compromissória. Por isso, no desenho do projeto que deu origem à Lei 1285 de 2008, teve-se especial cuidado em adotar para esta estrutura societária suficientes salvaguardas para evitar que, como ocorreu até agora, os potenciais litigantes desistam antecipadamente de fazer valer seus direitos face às instâncias estatais encarregadas de dirimi-los. Tal como afirma o professor Robert Cooter, o acesso à justiça depende também dos custos do litígio e estes estão estritamente relacionados com a maior ou menor celeridade em que os tribunais podem resolver um conflito. Em sua partes ‘no toda cuestión materia de controversia puede ser sometida genéricamente a la decisión de árbitros’ (destaque acrescentado pelo autor). Ha entendido la Corte que la justicia arbitral únicamente puede operar cuando ‘los derechos en conflicto son de libre disposición por su titular’, es decir, cuando respecto de ellos existe plena libertad de disposición’ (destaque acrescentado pelo autor). Tal facultad de renuncia o disposición es precisamente la que ‘determina el carácter de transigible de un derecho o de un litigio’. Es, por tanto, la naturaleza misma del derecho la que fija los alcances de la libertad de renuncia. Le corresponde a la Ley establecer en qué casos opera la posibilidad de disposición. A partir de lo hasta aquí señalado, resulta factible distinguir algunas de las principales fronteras que fijan la Constitución y la Ley para el ejercicio de la justicia arbitral, tanto como los límites a los que debe ajustarse también la libertad de configuración de la ley” (Ibidem).


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opinião, “los costos del litigio incluyen, además de los honorarios de abogado, las demoras delproceso. Al mantener controlados loscostos del litigio, los jueces logran aumentar la credibilidad que los particulares Le otorgan a la amenaza de demandas judiciales por parte de quienes han sido víctimas de transgresiones legales. El temor ante una justicia eficiente conduce a conciliaciones en condiciones adecuadas. Cuando los jueces resuelven conflictos económicos eficientemente, la mayoría de los litigios se concilian en términos favorables para la parte que ha actuado correctamente3”. A Lei 1285 de 2008 também avança significativamente do ponto de vista processual. No artigo 40 do novo estatuto se estabelece que todas as ações que se relacionem com a sociedade por ações simplificadas (SAS) serão resolvidas pela Superintendência de Sociedades, mediante o trâmite do processo “verbal sumário”. Devido ao fato deste trâmite ser de uma única instância (artigo 435 do Código de Processo Civil), não haverá audiências inúteis de conciliação “obrigatória”, nem recurso de apelação sobre as decisões finais que neste âmbito se profiram4. Por isso, ao menos no âmbito das SAS, subsistirá uma desjudicialização plena dos conflitos que se suscitem entre seus acionistas, face à sociedade ou com seus administradores e executivos. Nas sociedades por ações simplificadas não apenas será viável litigar O mesmo autor acrescenta que em muitos países pobres a ineficiência da justiça e a corrupção dos juízes diminuem a credibilidade das ameaças de litígio judicial, de modo que a parte que esta do lado da lei fica impossibilitada de obter uma conciliação em termos favoráveis frente à parte que atuou incorretamente (Ibidem). 4 No artigo 3º da recente lei de reforma ao Estatuto da Administração de Justiça (1285 de 2009), se expressa que, “contra las sentencias 3

face à Superintendência de Sociedades, senão que também o será a inserção da cláusula compromissória para todos os assuntos, incluídas as ações de impugnação de decisões da assembleia e as de responsabilidade contra os administradores. A arbitragem poderá, por fim, estrear no âmbito do Direito de Sociedades. Se espera, então, que a partir dessas normas se consiga colocar em prática um vigoroso litígio societário que permita a efetividade dos direitos subjetivos conferidos aos acionistas. Apenas assim se alcançará a criação de confiança no regime das sociedades e a possível redução dos custos de capital para os empresários. As soluções de direito substantivo aplicáveis à SAS vão desde a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, passando por mecanismos para combater o abuso de direito até a consagração de um novo regime de responsabilidade dos administradores, que retoma o sistema previsto na Lei 222 de 1995 e o complementa com o conceito de administrador de fato e novos mecanismos para torná-lo efetivo. É preciso reconhecer que o regime de responsabilidade de administradores contido na Lei 222 de 1995 tem tido muito pouca aplicação prática, não apenas por uma falta de autoridade judicial eficiente, senão também pela escassa difusão que os preceitos contidos nesse estatuto têm tido. Assim, conceitos tais como o do bom homem de negócios, tem *

o decisiones definitivas que em asuntos judiciales adopten las autoridades administrativas excepcionalmente facultadas para ello, siempreprocederán recursos ante los órganos de la Rama Jurisdiccional del Estado, en los términos y con las condiciones que determine la ley”. Esta norma permitirá, seguramente, deixar sem maior efeito a “desjudicialização” de muitos dos conflitos de Direito Privado que normas anteriores haviam deslocado para várias autoridades

sido totalmente ignorados pela doutrina e jurisprudência locais. A Lei de SAS pretende fazer frente a esse problema mediante um sistema de arbitragem comercial generalizado, se as partes assim decidirem, ou, de modo supletivo, ante a Superintendência de Sociedades, em exercício de faculdades jurisdicionais. Assim mesmo, o estatuto prevê que os conflitos deverão tramitar mediante o processo verbal sumário. Este é um trâmite de única instância que, se cumprir os termos previstos no Código de Processo Civil, poderia dar resultados muito eficientes na aplicação das normas de proteção contidas nas normas substantivas vigentes.

Problemas típicos da sociedade de capital fechado Na literatura jurídica há copiosa informação sobre os problemas mais frequentes nas sociedades de capital fechado. Robert Thompson analisa, de maneira concisa, a situação da iliquidez em que ficam incursos todos os sócios. O problema se situa no fato de que a carência de um mercado aberto (ready market) para a negociação das ações restringe o número de potenciais adquirentes. Na verdade, os únicos interessados em adquirir ações em uma sociedade fechada são aqueles que detêm o controle sobre ela. Daí que, em casos de conflito, as possibilidades de vendê-las a terceiros se reduzem de administrativas. Muitos desses trâmites ficarão sujeitos a eternas apelações e outros recursos face à jurisdição. Graças à inclusão explícita do processo verbal sumário para tramitar os litígios relacionados com a SAS, será factível promover um efetivo litígio societário, de uma única instância, ao menos no âmbito das sociedades por ações simplificadas.

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modo significativo5. Isso se deve ao alto risco financeiro que assumiria qualquer adquirente de uma porcentagem minoritária no capital social da sociedade. Esse possível adquirente, com efeito, ficaria submetido às determinações do controlador, incluídos os assuntos principais do funcionamento da companhia, assim como a disposição de seus ativos e a definição na divisão ou retenção de benefícios econômicos tangíveis e intangíveis6. Essa situação implicará, de acordo com a equação fundamental dos investimentos de capital, uma redução nos preços das ações dos minoritários que correspondem ao risco que terá que aceitar quem adquira a posição minoritária e assuma as contingências derivadas da carência do controle7. Com efeito, com fundamento na teoria econômica dos conflitos de agência, a informação assimétrica que dispõem aqueles que controlam, somada à sua posição dominante, dará lugar a atuações oportunistas que poderiam permiti-los apropriar-

se dos benefícios privados do controle (privatebenefitsofcontro). Já em 1932, os professores Adolf Berle e GardinerMeans identificaram a notória disparidade entre o valor individual das ações pertencentes àqueles que detêm o controle, frente ao valor que alcançam os títulos de participação pertencentes aos acionistas minoritários8. Segundo estes autores, os direitos que confere o controle – que são outorgados a quem detenha os poderes de decisão e disposição antes indicados -, geram uma maior rentabilidade que, somada a um menor risco, deve traduzir-se, naturalmente, no maior preço das ações dos acionistas controladores. Assim, apesar de que tanto o valor nominal das ações como o chamado preço de mercado se mantenham e quantias homogêneas, no momento de uma negociação concreta, tal homogeneidade se quebrará devido ao denominado prêmio de controle. Apesar de que a análise do prêmio

Os juízes norte americanos exploraram, profundamente, o particular problema de iliquidez que se veem expostos os acionistas minoritários. O importante caso de Donahue v. RoddElectrotypeCo. (367 Mass. 578, 328 N.E. 2s 505 1975), resolvido pela Suprema Corte do Estado de Massachussets é um dos primeiros antecedentes sobre a matéria, tal como se analisará em detalhe mais adiante. 6 Segundo Michel Jensen, tais benefícios intangíveis abarcam “la posibilidad de determinar la organización de las oficinas de la sociedad, discrecionalidad sobre las cualidades de los posibles empleados, el mayor o menor grado de austeridad em lacompañía, la naturaleza y cuantía de lasdonaciones que las ociedad efectúe (…), la compra de una computadora de categoría desproporcionada a las necesidades de la sociedad o la celebración de contratos con amigos para la adquisición de insumos” (Michael C. Jensen, A TheoryoftheFirm: Governance, Residual Claims and Organizational Forms, Cambridge, Harvard University Press, 2003, p. 90). 7 Nas palavras de O’Kelley, “ao se combinar as formas legais que estabelecem um controle cen-

tralizado sobre a sociedade, o efeito da lei das minorias e a carência de um mercado público para a venda de ações em uma sociedade fechada, a minoria ficará em situação vulnerável, em comparação com os riscos de um investidor de sociedades com ações na bolsa. Logo, de um conflito daqueles que participam de uma sociedade fechada, o acionista minoritário ficará, durante um período indefinido, submetido a uma situação em que não obtém rendimento do capital inicialmente investido ou, inclusive, poderá ser excluído injustamente pelos acionistas majoritários (...). Nas sociedade fechadas o investimento de um acionista carece de liquidez. Também não se da o controle que os mercados usualmente exercem em relação às sociedade inscritas na bolsa. A maior parte dos acionistas nas sociedades fechadas esperam vender suas ações, em algum momento, à própria sociedade ou aos demais acionistas ou, inclusive, transferi-las, talvez, a um filho, que poderia eventualmente ocupar um cargo na administração e operação da sociedade” (Charles R. O’Kelley, Jr., et al., op.cit., p. 499-501). 8 Como corolário deste conceito, os referidos

de controle tenha tido particular relevância no âmbito das companhias abertas, é claro que tal conceito também tem incidência nas companhias fechadas. Em países com elevada concentração de capital, como é o caso das nações latino americanas, a possibilidade de extrair benefícios particulares do controle cria uma clara dicotomia entre a posição econômica das minorias frente aos controladores9. O antagonismo descrito pode se prolongar no tempo devido ao que alguns chamam de a dependência do caminho recorrido (path dependence). Para Lucian A. Bebchuk, as circunstâncias econômicas sob as quais surge um sistema financeiro tendem a se perpetuar tanto em sua estrutura quanto nas normas jurídicas que o regem. Assim, em países que há concentração de capital, aqueles que controlam as sociedades contam com incentivos econômicos para manter o status quo. O acionista que detêm o controle terá

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autores chegaram à conclusão revolucionária, segundo a qual, o controle representa um ativo social. As implicações desta noção foram, assim mesmo, de grande importância, desde então, se levantou a tese de que qualquer “prêmio” recebido por um indivíduo como consequência da venda de controle, pertenceria, em justiça, a todos os acionistas. Esta teoria serviu, mais adiante, de fundamento à regulação das chamadas ofertas públicas de aquisição, no entendimento de que todos os acionistas teriam direito a se beneficiar do prêmio, quando o controle fosse transferido (Cfr. Henry Manne, “Mergersandthe Market for Corporate Control” in The Journal of Political Economy, Vol. 73, No. 2., 1965). 9 As sociedade fechadas se caracterizam, normalmente, pelas seguintes facetas: (1) são integradas por um número reduzido de sócios; (2) pode existir o direito de preferência na negociação das ações e a sua alienação não se dá em um mercado aberto; e (3) um número significativo de sócios ocupa cargos na administração ou operação da companhia.


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incentivos de alto poder para im- mercado, de um lado, e os adminispedir que o capital da sociedade se tradores sociais, de outro. Em nações disperse. Em verdade, a fragmen- com notória concentração de capital, tação das participações de capital esse problema tende a ser menos imteria por efeito a homogeneidade portante, na medida em que os aciono valor de todas as ações, com a nistas majoritários exercem permaconsequente perda do prêmio de nente supervisão sobre os gestores controle. Por isso, o que pode ocor- da empresa social11. Pelo contrário, rer é uma transferência de blocos em tais sistemas, o antagonismo entre maiorias e minorias representa o superiores a 50% do capital. Na análise moderna do Direito principal conflito de agência12. Segunde Sociedades, procura-se elucidar o do o Professor Guillermo Cabanellas impacto dos denominados conflitos de las Cuevas, no caso argentino – o de agência nas relações que surgem qual também pode se transpor para da sociedade10. As políticas legislati- os demais países latino americanos-, vas neste âmbito podem se formular -, “no existen prácticamente sociedacom o propósito de atenuar a incidên- des em las que el capital esté de tal cia de tais problemas em um sistema forma disperso que no pueda ideneconômico específico. É sabido que tificarse un accionista o un conjunem países em que existe alta disper- to pequeño de accionistas que ejersão de capital, o principal conflito de zanelcontrolefectivo de lasociedad. El agência se dá entre os milhares ou controlefectivo de lasociedad implica, milhões de acionistas dispersos no enlaprácticasocietaria argentina, lae-

leccióndeldirectorio y de lasindicatura o consejo de vigilancia, y ladeterminación, conmayor o menor detalle de lacomposición de la gerencia. Frente a laestructura monolítica de control a que permite llegarlatitularidad de lamayoría de lasacciones de lasociedad, resulta poço lo que pueden hacerlos administradores o los accionistas minoritarios; aquellos serán removidos si se oponen a los accionistas mayoritarios; y los demás accionistas tienen, como principal derecho político, el derecho a entablar demandas más o menos arbitrarias o abusivas contra los sócios mayoritarios o la sociedad, a fin de que se compre sus acciones o que los sócios mayoritarios modifiquen en algo su conducta13”. É por esta razão que, para proteger a posição dos acionistas minoritários, não é suficiente legislar sobre deveres e responsabilidades dos ad-

* “Aquello que los economistas clasifican como ‘problemas del agencia’, enel sentido más genérico de laexpresión, sonaquellos que surgen cuando el bien estar de una de las partes, denominada el mandante (‘principal’), depende de lasaccionesadelantadas por untercero, denominado el mandatario (‘agent’). El problema radica en motivar al mandatario para que actúeen beneficio del mandante, en lugar de obrar em su próprio interés. [...] En especial, casi todas las relaciones contractuales em las que una de las partes (elmandatario) le promete a untercero (el mandante) el cumplimiento de una prestación, estánexpuestas a un problema de mandato. El quid de este asunto reside enla circunstancia de que, por lo general, elmandatario está mejor informado que el mandante respecto de los principales hechos relevantes del negocio. El mandante no puede, sin incurrir em costos, garantizar que el cumplimiento del mandatario se ajuste conexactitud a lo estipulado. Em consecuencia, el mandatário podría estar inclinado a actuar de manera oportunista, mediante una ejecución descuidada de laprestación o, incluso, mediante un aprovechamiento indebido de los benefícios del negocio. Tal conducta implicará, a su vez, una pérdida de valor em la prestación contratada por el mandante. El detrimento económico podría surgir de modo directo o tambiénindirecta10

mente, como enaquellos casos en que es preciso incurriren altos costos de fiscalización para garantizar la ejecución cumplida de lo prometido por el mandatario. Mientras más complejasea la labor encomendada al mandatario y mayorseael grado de discrecionalidad que se leconfiera para suactuación, mayor será tambiénel ‘costo de mandato’ (‘agencycost’) en que deberáincurrirse” (REINIER R. KRAAKMAN, The Anatomyof Corporate Law, A ComparativeandFunctional Approach, New York, Oxford University Press, 2004, Págs. 21-22, citado por Francisco Reyes, DerechoSocietario, Segunda Edição, Bogotá, Editora Temis, 2006, Cap. I, p.7). 11 É interessante consultar a opinião de Bainbridge, segundo a qual, “elreducido número de accionistas em las sociedades cerradas desvirtua la justificación económica de consentir em las eparación entre la titularidad del capital y el control administrativo de tales compañías. Ciertamente, a diferencia de como ocurre em las sociedades abiertas, los accionistas de compañías cerradas no suelen ser inversionistas pasivos (...). La propensión a participar de modo activo en los negócios sociales se deriva, precisamente, de la carencia de un mercado abierto para la negociación de sus acciones. Si los accionistas no pueden protegerse mediante la enajenación de sus acciones en tal mercado, lo más prudente

para ellos sería procurar una participación directa en la gestión de los negócios sociales” (Stephen Bainbridge, Corporation Law andEconomics, New York, Foundation Press, 2002, p.798). 12 O professor O’Kelley provê, como exemplo, uma situação em que existem três acionistas, com porcentagens iguais, que formam parte de uma sociedade fechada. De comum acordo, os acionistas resolvem não repartir os lucros, senão atribuir todos os recursos obtidos na exploração econômica por meio do pagamento de salários. Logo após haver um conflito em relação a um dos acionistas, que foi despedido de seu cargo na sociedade, os dois restantes, por motivos oportunistas ou de qualquer outra natureza, decidem manter a política antes mencionada de não repartir dividendos. Ante a impossibilidade em que se encontra o acionista excluído da administração de vender suas ações a um terceiro em condições razoáveis, aquele termina como um refém de quem controla a sociedade. Estes últimos, seguramente, não terão maior incentivo para pagar ao dissidente um preço justo por suas ações (Cf. Charles R. O’Kelley, Jr., et al., CorporationsandOther Business Associations: Cases andMaterials, SecondEdition, Boston, Little, Brown &Co., 1996, p. 501).

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ministradores. Em muitos casos, esses funcionários não são senão um apêndice dos acionistas majoritários que os controlam, os quais, sob as regras tradicionais do Direito Societário, ficam incólumes frente a qualquer responsabilidade que pudesse ser-lhes impingidas por suas atuações, muitas vezes opressivas, em detrimento dos minoritários14. As legislações mais modernas, há muito tempo, reagiram a essas condutas por meio da extensão aos acionistas majoritários dos deveres e responsabilidades inicialmente aplicáveis, com exclusividade, aos administradores sociais. A dificuldade inerente a estas regulações consiste em determinar em quais circunstâncias se pode considerar apropriada a aplicação extensiva de tais deveres e responsabilidades. Para tal, costumam-se definir critérios que facilitam o enquadramento de condutas nas quais se pode justificar tal extensão. Já na década de setenta se produziram relevantes antecedentes jurisprudenciais nos quais a tensão entre acionistas majoritários e minoritários foi resolvida a partir da extensão dos deveres de conduta, outrora aplicáveis com exclusividade aos administradores sociais. Um dos tais casos, resolvido pela Suprema Corte do Estado de Massachussets, é o célebre antecedente de Donahue contra Rodd Electrotype Co15. Neste litígio, a virtual expropriação a que foi exposto o acionista minoritário – mediante uma operação de resgate de ações supostamente ajustadas às normas societárias -, se resolveu por intermédio da aplicação de um dever de boa-fé, similar ao que se

aplica aos sócios de sociedades de pessoas, tal como se analisará em detalhe mais adiante.

“Las Reglas de Gobierno Corporativo y su Aplicación en la Argentina y en los Estados Unidos” 14 Na linha de pensamento de Clark, é frequente que a opressão dos acionistas minoritários se produza mediante “la realización de maniobras orientadas a reducir, en forma significativa, la

porción de las utilidades que les corresponden o a entorpecer su participación en los diferentes órganos de lacompañía”. Esta última conduta só é relevante na medida em que os acionistas tenham se associado com a expectativa de participar ativamente das decisões sociais. Assim, o

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Regime dos administradores na Lei de SAS Apesar da autonomia do tipo societário da SAS, a LEY 1258 de 2008 deixa certos âmbitos sujeitos a remissão às normas de Direito de Sociedades, contidas no Código de Comércio e na Lei 222 de 1995. Previu-se, então, um enlace com as disposições gerais que permitem complementar aqueles aspectos não contidos especificamente na Lei de SAS. É assim como no caso do artigo 45 da Lei de SAS, que produz uma remissão às disposições que regem a sociedade anônima e, na sua falta, às disposições que regem as sociedades no Código de Comércio. No caso concreto do regime aplicável aos administradores da sociedade por ações simplificada, existe uma remissão específica no artigo 27 da Lei 1258, segundo a qual “as regras relativas à responsabilidade de administradores, contidas na Lei 222 de 1995, serão aplicáveis tanto ao representante legal da sociedade anônima simplificada quanto ao seu Conselho de Administração e demais órgãos administrativos, se houver”. O parágrafo do mesmo artigo, que será analisado mais adiante em detalhe, introduz a figura do administrador de fato.

I - Remissão ao regime geral dos administradores previsto na Lei 222 de 1995 *

Apesar de sua escassa aplicação prática, a Lei 222 de 1995 introduziu importantes princípios em matéria de responsabilidade dos administradores. Antes da edição desta lei, a única regra aplicável à matéria era o artigo 200 do Código de Comércio. Esta sucinta disposição, muito pouco aplicada na prática, se limitava a dizer que os administradores responderiam solidária e ilimitadamente pelos prejuízos causados à sociedade, aos sócios ou a terceiros. A Lei 222 de 1995 introduziu princípios muito sólidos em matéria de administradores. Nessa lei se definiu o âmbito de aplicação das norma pertinentes por meio de uma delimitação concreta dos funcionário aos quais se aplicam a regulação, estabeleceu-se pela primeira vez os chamados “deveres fiduciários dos administradores”, criou-se deveres específicos para quem cumpre funções de administração e se definiu os termos e condições em que se pode cumprir as ações individuais ou sociais de responsabilidade. O caráter relativamente recente destas normas e seu desenho, no geral, apropriado às condições atuais, fez desnecessário incluir uma regulação nova sobre a matéria na Lei 1258 de 2008. O alcance da nova legislação sobre a sociedade simplificada nesta matéria é, todavia, muito significativo. Não apenas se pretende dar efetividade às normas substantivas previstas na Lei 222 de 1995, mediante mecanismos de arbitragem e processos judiciais ante a Superintendência de Sociedades, senão que, além disso, complementa-se e expande-se o reimpasse dos respectivos órgãos implicará para os minoritários uma perda de valor (Robert C. Clark, Corporate Law, Boston, Little, Brown andCompany, 1986, p. 792). 15 367 Mass. 578, 328 N.E. 2s 505 (1975).


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gime mencionado, com a inovadora figura do administrador de fato. Procura desta forma que, ao lado da notória simplificação de trâmites e a supressão de formalismos e requisitos burocráticos inúteis, estabeleçase um sistema de controle eficaz face às condutas ilícitas ou abusivas.

II - Âmbito de aplicação do regime contido na Lei 222 de 1995 O artigo 21 da Lei 222 de 1995 delimitou o âmbito de aplicação de regras sobre administradores sociais, mediante uma enumeração dos indivíduos sujeitos a essa regulação especial. Essa delimitação é plenamente aplicável no âmbito das sociedades por ações simplificadas, de maneira que sempre que se esteja diante de alguma das pessoas mencionadas no referido artigo, o regime pertinente será o da Lei 222. Dentro dos indivíduos considerados como administradores, a citada norma alude explicitamente aos representantes legais, os membros do conselho de administração, os liquidatários e os fatores de estabelecimento de comércio. Esses últimos, como se sabe, são mandatários especiais que administram um estabelecimento de comércio, uma parte deste ou um ramo de atividade deste (Código de Comércio, art. 1332). O artigo 21 da Lei 222 de 1995 também considera como administradores “aqueles que, de acordo com os Estatutos Sociais, exerçam ou detenham essas funções”. Esta previsão normativa permite estenA doutrina da Superintendência de Sociedades observou que os funcionários de diversos níveis que exercem ou detenham funções de administração são considerados como administradores independentemente se suas funções são de fato ou de direito. Essa doutrina parece ignorar a necessidade de que as funções constem nos estatu16

der à condição de administrador outros funcionários da companhia mediante uma indicação explícita no contrato ou ato unilateral que dê origem à SAS. Assim, a denominação de administrador que se formule estatutariamente em relação a qualquer funcionário da sociedade simplificada ou a indicação de faculdades expressamente denominadas como administrativas, dará lugar à aplicação do regime consagrado nos artigos 21 e seguintes da Lei 222 de 199516.

atuação para o desempenho das amplas funções que podem se atribuir aos gestores da empresa social.

IV - Deveres fiduciários dos administradores

A Lei 222 contém um importante conceito que poderia ser de grande utilidade quando se trate de revisar, mediante arbitragem, o processo judicial ante a Superintendência de Sociedades a atuação dos administradores da SAS. Trata-se dos chamados deveres fiduIII - Princípio de atuação dos admi- ciários dos administradores, cuja nistradores consagração inicial pelo direito societário norte americano foi imiA definição de um contexto axioló- tado em várias legislações civilistas gico de referência para a conduta dos sobre a matéria. administradores foi um dos avanços No sistema anglo-saxônico, de mais significativo – e também menos onde se originou esse conceito, difundidos – do regime de adminis- considera-se que existe uma retradores contido na Lei 222 de 1995. lação fiduciária do administrador Conforme o artigo 23 dessa lei, aque- com a sociedade, em virtude da les que se desempenhem como admi- qual essa deposita sua confiança no nistradores estarão convocados a atu- juízo e conselho daquele. “En dicha ar dentro de específicos princípios de relación, el derecho impone la reconduta definidos legalmente. Segun- gla de que ninguna de las partes do o inciso 1º da norma citada, “os ad- puede aprovecharse de su encargo ministradores devem agir de boa-fé, en forma egoísta o negociar com el com lealdade e com a diligência de um objeto de su encargo para beneficio bom homem de negócios”. Mediante propio o perjudicar al otro, salvo esses princípios, extraídos do direi- em el ejercicio de la mejor buena to societário estrangeiro, obtém-se fe y com conocimiento y consentium marco conceitual a partir do qual miento de la otra18”. pode se avaliar a conduta dos admiPor isso, tanto a legislação como nistradores sociais sob critérios rela- a jurisprudência anglo-saxônicas tivamente definidos17. Este contorno criaram um detalhado corpo de normativo tem particular relevância normas jurídicas e antecedentes no contexto da sociedade simplifica- judiciais, cuja aplicação origina um da, pois demarca claras diretrizes de notável caráter profissional na ati*

tos sociais, tal como exige o artigo 22 da Lei 222 de 1995. 17 Os princípio aos quais acaba-se de aludir parte do dever de boa-fé. Sua inobservância irrestrita não implica apenas na atuação diligente ou livre de culpa, senão também a atitude leal no desempenho de suas funções. Segundo Ospina

Fernández, todo ato jurídico deve ser cumprido “con entera lealtad, con intención recta y positiva, para que así pueda realizarse cabal y satisfactoriamente la finalidad social y privada a que obedece su celebración” (GUILLERMO OSPINA FERNÁNDEZet al., op. cit., pág. 332). www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


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vidade dos administradores. As responsabilidades dos administradores não são limitadas. Elas têm claros limites definidos pelos citados deveres fiduciários ou de sua confiança (fiduciaryduties). Esses deveres apontam à indicação de certos princípios de conduta sobre os administradores sociais. O primeiro dos chamados deveres de confiança é o de cuidado (dutyofcare), que envolve, como sua denominação sugere, a obrigação de atuar com diligência o manejo dos assuntos societários. De acordo com a seção 8.30, (a), (2), da nova lei-modelo de sociedades de capital dos Estados Unidos (revisedmodel business Corporation act), um diretor deve cumprir seus deveres “com o mesmo cuidado com o que atuaria uma pessoa prudente colocada em uma posição semelhante e sob as mesmas circunstâncias”. No regime colombiano, o texto da lei 222 dispõe que os administradores devem atuar “com a diligência de um bom homem de negócios”. Esta última expressão, como é óbvio, significa uma alteração do padrão de conduta empregado no Código Civil para avaliar os diversos graus de culpa. O referido código alude ao conhecido padrão do bom pai de família19. A expressão bom homem de negócios deveria ter um efeito importante no alcance da responsabilidade dos administradores da SAS20. É claro, de uma parte, que o enfoque da lei 222 compreende um modelo profissionalizante para a

avaliação da conduta dos administradores. Assim, as determinações para que esses adotem devem ser cumpridas com a cuidadosa diligência própria das técnicas de administração. Trata-se, então, de um padrão de conduta que traz consigo uma avaliação informada das principais opções de que dispõe o administrador no momento de tomar decisões. Contudo, o paradigma do bom homem de negócios, implica também em um maior respeito judicial pela autonomia de decisão de que devem gozar os administradores sociais. Sob este padrão de conduta, esperase que os administradores possam aproveitar alternativas que levem à assunção de riscos de negócios de forma consciente e fundamentada. Sendo o risco inerente ao mundo dos negócios, não há sentido em reprimir a conduta dos administradores pelo simples fato de assumirem-no. A rentabilidade ou “retorno do investimento” pode se relacionar, com efeito, com o maior ou menor risco que os investidores estão dispostos a assumir. Assim, a “penalização” das condutas que implicam risco empresarial carece, via de regra, de racionalidade econômica. Isso não quer dizer que o administrador que assume irresponsavelmente as contingências fique indene face às ações de responsabilidade. A expressão bom homem de negócios deve ser entendida como aquela diligência que um comerciante normal empregaria em seus próprios negócios.

Black’s Law Dictionary, citado por MARCELA CASTRO, ¬“La responsabilidad de los administradores de las sociedades comerciales: enfoques del derecho angloamericano y del derecho colombiano”, em Revista de Derecho Privado, número 1, junho de 1986, Bogotá, Universidad de los Andes, pág. 124. 19 De acordo com o art. 63 do CC, “Culpa leve, de-

scuido leve, descuido ligero, es la falta de aquella diligencia y cuidado que los hombres emplean ordinariamente en sus negocios propios. Culpa o descuido, sin otra calificación, significa culpa o descuido leve. Esta especie de culpa se opone a la diligencia o cuidado ordinario o mediano”. “El que debe administrar un negocio como buen padre de familia, es responsable de esta especie

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É por isso que quando se fala de dever de diligência ou cuidado, não se pretende que, em virtude de sua aplicação, as decisões de negócios adotadas pelos administradores devam ser determinadas em termos de benefícios econômicos para a companhia. Assim, a interpretação desta regra de conduta deveria conduzir à consideração de que os administradores devem empenhar-se ao máximo para conseguir que as decisões administrativas sejam adotadas com seu pleno conhecimento e clareza sobre os diversos fatores que se relacionam com elas, os maus resultados da gestão não teriam por que dar lugar à responsabilidade para que às adotam. No sistema norte americano, cujos precedentes bem poderiam servir de ilustração para nossas normas de responsabilidade, os tribunais preferiram não se imiscuir na análise econômica das decisões administrativas da sociedade. Portanto, adotaram a denominada regra do juízo de negócios ou da discricionariedade (business judgementrule), em virtude da qual os administradores são autônomos na tomada de decisões, sempre e quando estas obedecerem a um juízo prudente de sua parte. Assim, por exemplo, a nova lei-modelo de sociedades de capital (revisedmodel business Corporation act) é explícita ao assinalar que um membro do Conselho de Administração tem a faculdade de se basear em informação fornecida por funcionários ou empregados da de culpa” (ressalte-se). 20 Enquanto a atividade empresarial esta relacionada com a assunção de riscos, as circunstâncias da vida familiar, às quais esta exposto o pai de família, estão mais bem ligadas à prevenção de riscos.


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companhia, cujo domínio do tema em exame seja suficiente ao juízo do administrador [seção 8.30, (b), (1)]. A mesma norma o permite ter como fundamento para a tomada de decisões o conceito emitido por um advogado, contador público ou outro profissional, que pelo critério do membro do Conselho de Administração seja especialista no tema de que trata a determinação [seção 8.30, (b), (1)]. Finalmente, a mencionada lei-modelo exonera de responsabilidade o membro do Conselho de Administração quando a decisão se adota com base em uma recomendação proferida por um comitê eleito pelo mesmo Conselho, que seja confiável pelo critério do administrador [8.30, (b), (3)]21. “Muchas veces, en el desarrollo de la empresa social, resultan pérdidas o perjuicios para la sociedad como consecuencia directa o indirecta de decisiones tomadas por los administradores, pérdidas que son, finalmente, un riesgo inherente a la vida de los negocios. Si estas de-

cisiones o medidas son adoptadas de buena fe y en uso de buen juicio por parte de los administradores, las cortes no entran a cuestionarlas como violatorias del deber de cuidado. Esta sana actitud de los tribunales bajo el common law, que respeta la independencia y criterio de los administradores em cumplimiento de su encargo, ha sido llamada la regla de la discrecionalidad22”. Como complemento necessário do dever de cuidado, a Lei 222 estabeleceu, também, o denominado dever de lealdade. Este se reflete em uma série de obrigações específicas de ação ou omissão, que se orientam à proteção de segredos da sociedade, à abstenção de atuações que resultem conflitivas com as da companhia, ao respeito pelas oportunidades de negócios para a sociedade, etc23. O dever de lealdade implica, simplesmente, na necessidade de que o administrador atue conforme “los mejores intereses de la sociedad24”. Assim como ocorre

com outros desenvolvimentos da jurisprudência da common law, não existe uma classificação precisa de situações que se considerem violadoras do dever de lealdade. São os juízes que, em seus permanentes trabalhos interpretativos, podem determinar as circunstâncias fáticas nas quais se considera ter havido transgressão. CLARK afirma que “lo más importante acerca de este aspecto, es que el deberfiduciario de lealtad es un concepto residual que podría incluir situaciones fácticas que nadie ha previsto ni clasificado aún. El deber general de lealtad permite, y de hecho ha permitido, una continuada evolución del derecho societario. De igual forma, los jueces y legisladores estaduales han desarrollado reglas más específicas o deberes fiduciarios particulares, para afrontar muchas situaciones recurrentes que implican conflictos de intereses25”. Se bem a lei colombiana não dispõe explicitamente que o dever de

* De maneira análoga, a Lei Societária do Estado de Delaware é clara em expressar que “Um membro do Conselho de Administração ou de qualquer comitê designado pelo Conselho de Administração, no cumprimento de seus deveres, ficará totalmente protegido de responsabilidade, se de boa fé se baseia nas informações contidas nos livros da sociedade ou na informação, opiniões, relatórios ou declarações apresentados à sociedade por qualquer dos diretores ou empregados da companhia, ou pelos comitês nomeados pelo Conselho de Administração ou por qualquer outra pessoa, em relação a assuntos a respeito dos quais o diretor creia razoavelmente que estão dentro da experiência profissional ou do domínio técnico de tais pessoas...” (seção 141 (e) da Lei Geral de Sociedades do Estado de Delaware). 22 MARCELA CASTRO, op. cit., pág. 126. No célebre caso Aronson contra Lewis, se afirma que a discricionariedade é aquela regra segundo a qual, quando os diretores de uma sociedade adotam uma decisão de negocios, “se presume que 21

a tenham feito com pleno conhecimento e informação. Os diretores têm o dever de obter, com anterioridade à adoção de uma determinação, toda a informação relevante que razoavelmente possa estar à sua disposição”. [Del. Supr., 437 A, 2d, 805 (1984)]. 23 Um dos aspectos que com maior frequência permite avaliar a aplicação do dever de lealdade é o relativo às remunerações dos membros do Conselho de Administração e executivos da sociedade. A tendência que determina benefícios econômicos excessivos poderia configurar violação desta linha de conduta. O escrutínio deste comportamento implica uma verificação da conformidade da determinação adotada com os interesses da sociedade, à luz de critérios de proporcionalidade. Na opinião da Superintendência de Sociedades, a fixação de honorários e bonificações “debe cumplirse conforme a los principios de buena fe, lealtad y diligencia y cuidado del buen hombre de negocios, presupuestos que a juicio de este Despacho, dejan a salvo la posibilidad de demostrar judicialmente por quienes ten-

gan interés jurídico, los perjuicios irrogados a la compañía por causa de las determinaciones salariales o prestaciones adoptadas por el gerente o por la junta directiva”(Cf. Ofício 220-38140 de 17 de setembro de 2001). 24 R. M. B. C. A. S. 8.30, (a), (2). De acordo com a opinião de CLARK, “los miembros de junta directiva, los demás administradores y, en algunas situaciones, los accionistas controladores, deben a sus sociedades y en ocasiones a los socios e inversionistas, un deber fiduciario de lealtad. Este deber impide a los fiduciarios [administradores] tomar ventaja de sus beneficiarios, por medio de negocios fraudulentos o injustos. No deberán, por tanto, abusar de los beneficiarios en situaciones en las que tengan un conflicto de interés. Bajo ciertas circunstancias, podrían actuar indebidamente simplemente por mantener pasivamente un estado de negocios personales en el que existe conflicto de interés” (ROBERT CHARLES CLARK, CorporateLaw, Boston, Little, Brown and Company, 1986, pág. 141).

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lealdade se prega também sobra a relação entre os administradores e os sócios, como ocorre no sistema norte americano, existe na legislação vigente princípios que permitem essa assimilação. Com efeito, a expressão contida no artigo 23 da lei 222, no sentido de que as atuações dos administradores “se cumprirão no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios” (grifos nossos), denota a intenção legislativa de permitir que a norma se aplique às situações que impliquem em deslealdade com os sócios.

lei exige ao administrador “realizar os esforços que conduzam ao adequado desenvolvimento do objeto social”. O enunciado deste dispositivo corresponde ao mais elementar dos deveres de conduta que assumem os administradores. Não por óbvio, ainda é muito importante e útil o dever de conduta contido nesta norma. Mesmo do ponto de vista probatório, será mais simples para quem saia prejudicado por essa omissão de conduta argumentar que existe causalidade entre o dano sofrido e o cumprimento deste dever legal, cuja prova pode resultar V - Deveres específicos dos admi- maia rápida. nistradores O fato de que a SAS possa ter objeto social indeterminado, não O artigo 23 da lei 222 de 1995 afeta totalmente a aplicação deste contempla algumas das principais dever de conduta. Mesmo nas hiresponsabilidades que se atribuem póteses de objeto amplo é evidente aos administradores de sociedades. que se pode fazer o escrutínio da Esses preceitos se orientam à profis- conduta dos administradores face sionalização de tais cargos. Como se a inatividade no desenvolvimento observará adiante, as três primeiras de atividades de exploração econôfunções contidas na norma podem mica. Este dever de conduta pode se enquadrar dentro do dever de ser utilizado naqueles casos em diligência ou cuidado, enquanto as que os administradores utilizam a cinco últimas são a consagração do SAS como um simples veículo para dever de lealdade. A norma é de ca- a realização de atividades ilícitas, ráter enunciativo e serve para ilus- como nas denominadas sociedades trar ao intérprete e ao próprio ad- de fachada. ministrador sobre o alcance de suas B. Velar pelo cumprimento das disresponsabilidades. posições legais e estatutárias

normas legais e contratuais, tanto em sua atividade quanto nas de seus subordinados. Esta norma compreende, em certa medida, a consagração da tese da culpa in vigilando. Esta, como é sabido, acarreta também um dever de cuidado a respeito dos funcionários que trabalham sob a dependência dos administradores e que, portanto, atuam frequentemente com sujeição às ordens dadas por aqueles26.

O parágrafo 1º do artigo 23 da

Os administradores têm o dever positivo de conduta que se manifesta na obrigação de colocar todo seu empenho para que se cumpram as

D. Guardar e proteger a reserva comercial e industrial da sociedade e abster-se de utilizar indevidamente informação privilegiada

ROBERT CHARLES CLARK,op. cit., pág. 141. A legislação societária brasileira, da qual se diz existir uma grande influencia norte americana, faz uma apresentação detalhada do dever de lealdade e inclusive aponta as hipótesis específicas em que o considera transgredido. Com efeito, o artigo 155 da Lei de Sociedades Anônimas dispõe que “…O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I) usar,

em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; II) omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III) adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta

tencione adquirir...”. Sobre este particular, é interessante o previsto na legislação do Brasil, na qual se manifesta a consagração da culpa in vigilando. O parágrafo 2º do art. 155 da Lei de Sociedades Anônimas dispõe que “O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º [usurpar as oportunidades societárias] não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança”.

A. Desenvolvimento adequado do objeto social

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C. Velar para que se permita o cumprimento das funções do auditor fiscal A auditoria fiscal na SAS só é requerida naqueles casos previstos na Lei 43 de 1990, ou seja, quando se cumpram os critérios dimensionais de ativos e rendas apontados nessa norma. Devido ao fato da auditoria fiscal carecer de verdadeira independência face à administração da sociedade, a Lei 222 enfatiza a ideia de que o auditor fiscal deve, pelo menos, contar com os recursos necessários para cumprir suas funções. Assim, os administradores estarão obrigados a fornecer ao auditor fiscal toda a informação contábil, financeira, administrativa ou de outra matéria que ele considere indispensável para o cumprimento de suas atribuições legais ou estatutárias.

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assim como suas características e algumas das hipóteses nas quais, a juízo da entidade, não se configura seu uso indevido (circular externa 20, 4 de novembro de 1997)28. Assim mesmo, entende-se por segredo industrial “todo conocimiento reservado sobre ideas, productos o procedimientos industriales que el empresario, por su valor competitivo para la empresa, desea mantener oculto29”. Os artigos 260 a 266 da decisão 486 de 2000, adotada pela comissão para o Acordo de Cartagena, que regula o regime comum de propriedade industrial para os países da denominada Comunidade Andina, reconhece explicitamente a proteção às referidas informações confidenciais, que nessa regulação se denominam “segredos empresariais”.

tagônicos – entre aqueles que detém Os parágrafos 4 e 5 do artigo 23, a maioria e os demais, constituiu citado, consagram esses importantes fator de preocupação às legislações deveres de lealdade, cujo propósito desde muito tempo. Como afirma o essencial consiste em guardar a inautor espanhol JUSTINO DUQUE, dispensável reserva sobre as infor“... en definitiva se trata de establemações concernentes à sociedade. cer un âmbito en que los intereses No primeiro caso se trata, essendel accionista se substraigan a la acción mayoritaria de los órganos cialmente, de informações de ordem sociales. No es solo una exigencia técnica que adquirem os administécnica, sino también una exigencia tradores de sociedades por ocasião de carácter ético, lo que impone el do exercício de seus cargos, sobre reconocimiento de ciertos límites al as fórmulas de processos industriais poder de lamayoría o de laminoría ou sobre algumas circunstâncias que têm aplicações econômicas para a organizada especialmente perceptible em las sociedades con acciones sociedade e que se mantém em segredo, assim como a reserva sobre dispersas en el público para proteos livros e documentos da sociedade ger a los accionistas. La mayoría tie27 (Código Comercial, art. 61) . No sene unos límites, fuera de los cuales gundo caso, refere-se à informação la acción de la sociedad no es correcprivilegiada, como a que existe, por ta. Entre estos límites se encuentran exemplo, em relação a situações futulos derechos propios, derechos indiras da companhia, v. gr., emissões de viduales del accionista30”. ações, solicitação de acordo de reesE. Dar um tratamento equitativo a A Lei 222 de 1995 reafirma o truturação, etc., cuja divulgação pode todos os sócios e respeitar seu direito princípio, não por óbvio menos ser prejudicial à companhia. A Supede inspeção violado, de que os administradores rintendência de Sociedades determidevem tratar de igual forma todos nou, por via doutrinária, o alcance da A difícil harmonização dos inte- os sócios e lhes garantir todos os expressão informação privilegiada, resses – as vezes diferentes e até an- seus direitos. A norma faz espeDentre os documentos submetidos a reserva, encontram-se os ligados aos estados financeiros. Assim, mesmo que estes últimos estejam disponíveis para consulta de qualquer interessado, aqueles são documentos privados que contém informação procedente de livros sujeitos a reserva. (Cf. Superintendência de Sociedades, Ofício 220-87598 de 22 de setembro de 1999). 28 “Concepto de información privilegiada: por información privilegiada debe entenderse aquella a la cual solo tienen acceso directo ciertas personas (sujetos calificados) en razón de su profesión u oficio, la cual, por su carácter, está sujeta a reserva, ya que de conocerse po-dría ser utilizada con el fin de obtener provecho o beneficio para sí o para un tercero. Características de la información privilegiada: Es necesario que a ella solo tengan acceso determinadas personas, en razón al cargo o de sus funciones en el sector público o en el sector privado; debe tener la idoneidad suficiente para ser utilizada; debe versar sobre hechos concretos y referidos al en27

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torno societario o al ámbito dentro del cual actúa la compañía. Uso indebido de la información privilegiada: se considera que hay uso indebido de la información privilegiada cuando quien la posee y está en la obligación de mantenerla en reserva, incurra en cualquiera de las siguientes conductas, independientemente de que su actuación le reporte o no beneficios: que se suministre a quienes no tienen derecho a acceder a ella; que se use con el fin de obtener provecho propio o de terceros; que la oculte maliciosamente en perjuicio de la sociedad o en beneficio propio o de terceros, lo cual supone usarla solo para sí y, por abstención, en perjuicio de la sociedad para estimular beneficio propio o de terceros; que se haga pública en un momento inapropiado. Igualmente habrá uso indebido de la información, cuando existiendo la obligación de darla a conocer no se haga pública y se la divulgue en un medio cerrado o no se le divulgue de manera alguna. Algunos casos en los cuales no se configura el uso indebido de la información privilegiada:

Cuando el órgano competente de la sociedad autorice expresamente al administrador el levantamiento de la reserva; cuando la información se le suministre a las autoridades facultadas para solicitarla y previa su solicitud; cuando es puesta a disposición de los órganos que tienen derecho a conocerla, tales como la asamblea general de accionistas, la junta de socios, la junta directiva, el revisor fiscal, los asociados en ejercicio del derecho de inspección y los asesores externos, etc.” (Superintendência de Sociedades, circular externa 20, 4 de novembro de 1997). 29 JOSÉ ANTONIO GÓMEZ, citado por MANUEL PACHÓN, El régimen andino de la propiedad industrial, Bogotá, Ed. Gustavo Ibáñez, 1995, pág. 181. 30 JUSTINO F. DUQUE DOMÍNGUEZ, “La protección del accionista minoritario en la sociedad anónima”, emRevista de sociedades, Madrid, Editorial Civitas, págs. 61 e 62

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40 Doutrina cial ênfase, outrossim, no direito de fiscalização individual, à cuja inviolabilidade aponta a norma que se comenta. Esta prerrogativa é fundamental para o sócio, como parte dos denominados direitos instrumentais31. Este dever de conduta resulta particularmente relevante no âmbito da sociedade anônima simplificada devido às características que costumam estar presentes nos conflitos intra-societários das sociedades fechadas. Em muitas ocasiões, como se analisará detalhadamente mais adiante, a ruptura de relações harmônicas entre acionistas majoritários e as minorias, da lugar a manobras opressivas, organizadas normalmente pelos próprios administradores. F. Abster-se de participar de atos que impliquem conflito de interesse ou competência com a sociedade O parágrafo 7 do artigo sub examine se refere a um tema de partiJOAQUÍN RODRÍGUEZ, Tratado de sociedades comerciales, 2ª ed., México, Porrúa Hnos., 1971, pág. 394. 32 A Superintendência de Sociedades definiu o concento de conflito de interesse como a situção em que“no es posible la satisfacción simultánea de dos intereses, a saber: el radicado en cabeza del administrador y el de la sociedad, bien porque el interés sea de aquel o de un tercero” (circular externa 20, 4 de novembro de 1997). 33 Tal seria o caso, por exemplo, de uma pessoa que ocupa simltaneamente um cargo de gerente em duas sociedades anônimas simplificadas que contratam entre si. Mesmo que as decisões relacionadas à celebração desses contratos possam nada afetar diretamente o interesse do mencionado representante legal, e claro que existe uma situação de conflito, porque o funcionário poderia atuar para favorecer em aior grau os interesses de uma sociedade em detrimento da outra. 34 Sobre esta particularidade, e com o fim de esclarecer o alcance do disposto na norma, a Superintendência de Sociedades, na circular externa número 20, de 4 de novembro de 1997, afirmou o seguinte: “Entiende este despacho que 31

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cular importância no estado atual procedimento previsto no mesmo do direito societário. Regula dois preceito. Isso quer dizer que as opeaspectos completamente distintos: rações conflitantes ou de competênpor um lado, refere-se às situações cia com a sociedade não são necesde conflito de interesse dos admi- sariamente prejudiciais para ela34. nistradores frente à sociedade32, e Com efeito, sob certas circunstânpor outro, diz respeito às situações cias, determinado negócio celebrado de competência do administrador, com algum administrador da socieacerca dos negócios que a socieda- dade pode resultar útil para ambas de também de dedica. Tanto em as partes. Por essa razão, a Lei 222 um quanto no outro caso, a lei é não impede definitivamente a realiexplicita ao dizer que não se requer zação de tais atos, senão que somenque o interesse beneficiado com a te sua celebração com um rigoroso atividade seja diretamente o do procedimento mediante o qual se administrador, senão que se abar- pretende, no essencial, proteger os cam também aqueles atos realiza- interesses da sociedade, seus sócios dos no interesse de terceiros33. E, e os terceiros interessados35. além disso, indica, com toda clareO procedimento se regulou conza, que a participação nas citadas forme o princípio segundo o qual o atividades podem ser cumpridas ato pode ser realizado se existe autodiretamente pelo administrador rização do máximo órgão social e se ou através de outra pessoa. fornecida toda a informação pertiA norma citada parte de uma nente para adotar a determinação36. proibição de caráter geral para exeObviamente, o voto do adminiscutar uns e outros atos, mas dispõe trador interessado deve ser excluído que, porém, poderão realizar tais ati- se ele for sócio ou acionista. O recente Decreto 1925 de 2009 vidades, sempre que se cumpra um *

son ‘actos de competencia’ aquellos que implican una concurrencia entre el ente societario y el administrador, o un tercero en favor del cual este tenga la vocación de actuar, toda vez que cada uno de ellos persigue la obtención de un mismo resultado, tal como ocurre cuando varios pretenden la adquisición de unos productos o servicios, el posicionamiento en un mercado al que ellos concurren. Llama de manera especial la atención el despacho en el sentido de que esta disposición legal le prohíbe a las autoridades que participen en actividades que impliquen competencia con la sociedad, sin calificar la forma como se desarrolle esa competencia; es decir, sin precisar si es competencia desleal o competencia ilícita, porque para estos efectos lo que trasciende es el hecho de competir y nada más. En consecuencia, no puede el administrador argumentar en su favor que los actos de competencia no tienen el calificativo de desleales, pues tal condición no fue prevista por la ley. A fin de determinar si existen o no actos de competencia, será necesario establecer cuáles son las actividades que constituyen el objeto social de la compañía, cuáles son las líneas de productos o ser-

vicios, cuál es el mercado al cual se encuentran dirigidos, cuál es el ámbito de acción territorial, etc. La participación puede ser directa, cuando el administrador personal¬mente realiza los actos de competencia; o, indirecta, cuando el administrador a través de un tercero desarrolla la actividad de competencia, sin que sea evidente o notoria su presencia”. 35 Essa é uma das normas que mereceram um ajuste importante a respeito do texto que apareceria no Projeto de Lei 119 de 1993. No artigo 154 da dita proposta, expressava-se, simplesmente, que “nadie podrá actuar como administrador de dos o más compañías que sean competidoras entre sí, o cuando entre ellas, a juicio de los demás administradores, se presenten conflictos de interés”. A Superintendência de Sociedades se pronunciou a favor da possibilidade de que um membro do Conselho de Administração possa prestar simultaneamente serviços profissionais à sociedade na qual exerce seu cargo, sempre que se cumpra o procedimento do parágrafo 7 do artigo 23 da Ley 222 de 1995. (Cf. Ofício 22039036 de 7 de maio de 1999).


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regulamente em detalhes a aplicação o mencionado parágrafo 7 do artigo 23 da Lei 222 de 1995. Particularmente, esse decreto regulamentar define os procedimentos e sanções aplicáveis aos acionistas e administradores que infrinjam o referido preceito. Em seu artigo 5º aponta, com efeito, que “o processo judicial para obter a declaração de nulidade absoluta dos atos executados contra os deveres dos administradores consagrados no parágrafo 7 do artigo 2 da Lei 222 de 1995, adiantar-se-á mediante o processo legalmente estabelecido, em conformidade com o artigo 233 da Lei 222 de 1995; sem prejuízo de outros mecanismos de solução de conflitos estabelecidos em outras leis. Salvo os direitos de terceiros que tenham agido de boafé, declarada a nulidade, restituir-se -ão as coisas a seu estado anterior, o que poderia incluir, dentre outros, o reembolso dos ganhos obtidos com a realização da conduta condenada, sem prejuízo das ações de impugnação das decisões, e conformidade com o disposto no artigo 191 seguintes do Código Comercial”. Na mesma disposição se prevê que, “mediante este mesmo trâmite, o administrador que aja contrariando o disposto no artigo 23 da Lei 222 de 1995, será condenado a indenizar a quem causou prejuízo. O juiz competente, segundo o estabelecido na lei, poderá punir os administradores com multas e/ou com a proibição de exercer atividade mercantil, sem prejuízo da responsabilidade penal que dita conduta possa gerar”. Por último, a

norma introduz em seu parágrafo uma precisão sobre o trâmite arbitral e outra sobre o mesmo regime que se deverá aplicar à SAS: No caso de a sociedade ter pactuado cláusula compromissória ou compromisso, estar-se-á às normas respectivas. No caso da Sociedade Anônima Simplificada se aplicará o artigo 44 da Lei 1258 de 2008.

Sugerimos que se acolhesse um sistema parecido com parecido ao adotado por várias legislações estatais norte americanas sobre a matéria. Nelas, como afirmam HENN y ALEXANDER, “... muchas jurisdicciones han legislado sobre el problema de conflicto de interés de los administradores. Aunque las formulaciones varían,

usualmente le ordenan al director interesado abstenerse de votar. Además, exigen el voto de los directores que no tienen interés personal en la operación o ratificación de la asamblea, así como la condición de que el negocio sea justo y razonable para la sociedad” (HARRY HENN,Laws of corporations, St. Paul, Hornbook Series, West

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relação de causalidade para que se imponha responsabilidade solidária a todos os administradores que participaram da tomada de decisão respectiva ou que a executaram. Além disso, é suficientemente claro que a responsabilidade imputável aos administradores pode ser de natureza contratual ou extracontratual. Além, deve se ter em conta que a VI - Responsabilidade dos Admi- norma citada estabelece que “ter-se nistradores -ão por não escritas as cláusulas do contrato social que tendam a absolO artigo 200 do Código Comer- ver os administradores das responcial foi uma das disposições revisa- sabilidades retro mencionadas ou a das integralmente pelo legislador de limitá-las ao montante das cauções 1995. A norma, com efeito, carecia que tenham prestado para exercer de suficiente precisão e se limita- seus cargos37”. Esta norma não é seva a repetir os princípios gerais de não a consagração do princípio esresponsabilidade por dolo ou culpa, sencial de que não é possível perdoar próprios do direito civil. A disposi- o dolo futuro. Contudo, não significa ção vigente logra uma maior preci- que os administradores não possam são do tema, ao definir claramente se amparar contra futuras responqual é o alcance da responsabilidade sabilidades mediante a aquisição que assumem os administradores, de apólices de seguros que cubram em que casos se presume sua res- os riscos associados a suas atividaponsabilidade e quando podem se des. Essa classe de apólices, que são exonerar dela. muito comuns em outros países, não A primeira importante especi- restringem, como é obvio, em todo ficação da Lei 222 de 1995 esta em caso, o caráter da responsabilidade assinalar um responsabilidade soli- dos administradores que é, como se dária e limitada dos administrado- disse, ilimitada. res pelos prejuízos que, por dolo ou Apesar da importância da proibiculpa, causem à sociedade, aos só- ção que acabamos de citar, é bom adcios ou a terceiros. vertir que em outros sistemas jurídiNão pode existir, portanto, dú- cos avançou-se até soluções opostas vida alguma sobre o alcance da à indicada. É assim como, por exemresponsabilidade que assumem os plo, sob a Lei Geral de Sociedades administradores das sociedades. do Estado de Delaware, permite-se Bastará, então, que se comprove que as sociedades de capital fechado que houve culpabilidade, dano e previnam a aplicação dos deveres fi*

Publishing Co., 1983, pág. 640). Em particular, teve-se em conta a regulação prevista na nova lei-tipo de sociedades (R.M.B.C.A., subcapítulo f, seções 8.60 e seuintes). 37 Esse princípio já se encontrava presente no sub-rogado artigo 200 do Código Comercial. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


42 Doutrina duciários dos administradores. Com efeito, a Seção 18-1101 (e) da Lei de Sociedades de Capital Fechado (Limited Liability Companies ou LLC) desse Estado preceitua que, “nos estatutos de uma sociedade de capital fechado poderá se pactuar a limitação ou eliminação de toda responsabilidade por descumprimento dos estatutos ou por violação dos deveres (incluídos os chamados deveres fiduciários) de qualquer sócio, administrador ou qualquer outra pessoa que participe em uma sociedade de capital fechado (LLC) (...) sempre e quando que nos estatutos não se elimine a responsabilidade por atos ou omissões que se constituam uma violação do dever de boa-fé...”.

O administrador de fato na SAS Embora, como se acaba de explicar, a Lei 222 de 1995 havia regulado em detalhe os deveres fiduciários dos administradores, não existia na Colômbia o conceito de administrador de fato. Este permitirá, seguramente, a aplicação de elevados padrões de conduta aos acionistas que controlem uma SAS, apesar de que não participem de modo direto na administração da companhia. O sistema de administradores de fato, tomado do Direito Comparado de sociedades, pretende fazer amplas as responsabilidades legais aplicáveis aos administradores e a outros indivíduos que, sem ocupar cargos formais dentro da companhia, cumpram atividades positivas de administração ou gestão. No artigo 27 da Lei de SAS, regulou-se, de modo explícito, esta figura, mediante uma consagração geral que outor367 Mass. 578, 328 N.E. 2s 505 (1975). Enquanto que no ano de 1970 a companhia readquiriu suas ações a um preço de 8.000

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ga ao juiz societário discricionariedade suficiente para definir quando procede à qualificação respectiva. O caráter inovador desta instituição no direito local justifica uma breve menção dos antecedentes de direito comparado que se tiveram em conta para o desenho desta figura.

I - Antecedentes no direito norte americano O direito norte americano, tal como costuma ocorrer em matéria de regime societário, foi um dos primeiros a se referir ao problema dos abusos de maioria nas sociedades fechadas. A jurisprudência da Common Law introduziu regras de direito, hoje suficientemente decantadas, que permitem estender os deveres fiduciários dos administradores a pessoas que não tenham formalmente esse caráter. Esses desenvolvimentos jurisprudenciais, aplicáveis no contexto de sociedades de capital fechadas (Closely held Corporations), tiveram significativa influência em outros sistemas jurídicos. Em alguma medida essas sentenças judiciais se relacionam com o conceito do administrador de fato, devido a que permitem lhes impor sanções a certos indivíduos, ainda que não detenham cargos de administração na sociedade. Os precedentes judiciais que se mencionarão a seguir demonstram como algumas atuações ilegítimas de acionistas majoritários são equiparadas a uma violação de deveres fiduciários e, consequentemente, punidas pelos tribunais. Um dos primeiros casos conhecidos nos Estados Unidos é o já men*

dólares cada uma, nos anos de 1965 e 1969 Rodd Electrotype Co. ofereceu a compra das ações que os minoritários detinham por preços que flutua-

cionado Donahue contra Rodd Electrotype Co., resolvido pela Suprema Corte do Estado de Massachussets38. Neste antecedente jurisprudencial a demandante EuphemiaDonahue, acionista minoritária da sociedade Rodd Electrotype propôs demanda judicial contra a companhia, seus administradores e acionistas majoritários, com fundamento no tratamento injustificado do qual havia sido vítima durante um processo de reaquisição de ações. Na opinião da demandante, a conduta das maiorias constituía uma violação de deveres fiduciários que lhes resultariam aplicáveis por se tratar de uma sociedade fechada. Sobre os fatos desse caso, tomou-se ciência de que Rodd Electrotype Co. havia efetuado, em momentos distintos, oferta para a reaquisição de suas próprias ações, em diferentes condições de preço para o majoritário e para os acionistas minoritários. Com efeito, o preço da oferta que havia dado lugar à reaquisição das ações de propriedade do senhor Harry Rodd, acionistas majoritário da companhia, havia sido significativamente maior que o contido na oferta formulada aos minoritários39. Esses últimos manifestaram sua inconformidade pela atitude dos majoritários e exigiram à sociedade que procedesse à reaquisição de suas ações em condições e termos idênticos aos utilizados para a recompra dos acionistas majoritários. Neste caso, o critério utilizado pela Suprema Corte do Estado de Massachussets consistiu na extrapolação de princípios outrora aplicáveis apenas às sociedades de pessoas (partnership), para uma sociedade de capital vam entre os quarenta e os 200 dólares por ação. Cf. WILLIAM L. CARY et al., op. cit., p. 332.


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fechada. Nas palavras do Tribunal, “os acionistas em uma sociedade de capita fechada devem executar as responsabilidades que lhes digam respeito como administradores e sócios, conforme um estrito preceito de boa-fé qualificada. Não podem, portanto, comportar-se de forma gananciosa ou negligente, nem atuar exclusivamente na procura de seus próprios interesses, porquanto isso produziria uma ruptura de seu dever de lealdade com os demais acionistas e com a sociedade40”. Antes de efetuar a assimilação mencionada, o tribunal formulou uma incisiva divisão entre sociedades abertas e fechadas, por meio da indicação de elementos que permitem distingui-las com clareza. Em seu critério, as sociedades de capital fechado apresentam as seguintes características: (i) A concorrência de um número reduzido de acionistas, (ii) a inexistência de um mercado aberto para negociar as ações em que se divide seu capital, e (iii) a participação da maioria de seus acionista nos órgãos de administração da companhia41. O tribunal mostrou que, ante o surgimento de um conflito, “a desgraça do minoritário mostra-se evidente, na medida em que este não pode obter o reembolso antecipado de seu capital. Nas sociedades de capital aberto de grande dimensão, o acionista minoritário dissidente ou que tenha sido oprimido pode vender suas ações a fim de recuperar ao menos parte do capital investi-

do. É claro que um mercado desta natureza não existe para as sociedades fechadas. Em uma sociedade de fato (partnership) o sócio que sente que tenha sido tratado de maneira abusiva pelos demais sócios pode conduzir à liquidação forçada da companhia em qualquer momento e recuperar a parte que o corresponda nos ativos sociais, assim como os lucros. Em contraste, o acionista da sociedade fechada (incorporated partnership) só poderá obter o reembolso de sua participação na companhia na medida em que se cumpram os rigorosos termos previstos nas Leis Gerais de Sociedades. Portanto, na sociedade fechada, o sócio minoritário pode ficar preso em uma situação desvantajosa. Nenhum terceiro assumiria a posição em que se encontra o minoritário oprimido. Isso se deve ao fato de que o terceiro teria de assumir as mesmas dificuldades. Para reduzir suas perdas, o minoritário poderia se ver obrigado a iniciar negociações com os majoritários. Esse seria o golpe de misericórdia na estratégia do majoritário. A opressão das minorias (conhecida na terminologia anglo saxônica como freeze-out), frequentemente caracterizada na renúncia de distribuir dividendos, esta desenhada para forçar a minoria a ceder suas ações a preços inadequados. Quando o acionista minoritário decide finalmente vender suas ações a um preço inferior ao valor de mercado, o majoritário terá ganhado a partida”.

No caso analisado, a Suprema Corte de Massachussets se refere a algumas das atuações que usualmente se levam a cabo com o propósito de oprimir os acionistas minoritários: “as maiorias podem se recusar a distribuir dividendos; apropriar-se dos lucros da companhia, mediante a alocação de salários e bonificações exorbitantes em favor dos acionistas majoritários que

formem parte da administração ou inclusive em benefício de seus familiares; podem extrair valor por meio de estipulação de regras excessivas em contratos de arrendamento celebrados com as maiorias; ou podem, de igual modo, excluir os acionistas minoritários da administração e lhes negar a possibilidade de trabalhar para a companhia” (Cf. William L. Caryet al, op. cit., p.

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A Suprema Corte do Estado de Massachussets sustentou que as relações dos acionistas das sociedades fechadas devem se orientar em todo momento por estritos critérios de lealdade e confiança, de modo a evitar atuações que propendam a satisfazer o interesse dos majoritários, sua conveniência pessoal ou sua própria avareza42. O tribunal assinalou, assim mesmo, o seguinte: “tanto na emissão e colocação de ações, como na reaquisição, os órgão administrativos estão sujeitos a estritos deveres fiduciários, em virtude dos quais surge para eles a obrigação de procurar aquilo que satisfaça os interesses da sociedade. À luz desses deveres, não são admissíveis atuações oportunistas nem aquelas que se cumpram em benefício exclusivo de interesses pessoais43”. Nesse caso, o tribunal concluiu que os acionistas majoritários de Rodd Electotyope Co. haviam omitido o cumprimento de seus deveres fiduciários e incorrido em uma conduta abusiva, ao negar à senhora Donahue a oportunidade de vender suas ações à sociedade nas mesmas condições em que haviam feito ao acionista majoritário. A minoria havia ficado, portanto, exposta a uma evidente disparidade em relação ao grupo controlador. A Suprema Corte do Estado de Massachussets decidiu, portanto, que ditas ações podiam se rescindir, ou seja, que seus efeitos eram suscetíveis de retroagirem ao estado anterior ao momento em que se havia 334). 41 Ibídem, p. 333. 42 Ibídem, p. 335. 43 Harry G. Henn and JOHN R. ALEXANDER, Laws of Corporations and other Business Enterprises,Terceira Edição,Minnesota, West Publishing Co., 1983, p. 436. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


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produzido o abuso. Para o efeito, o tribunal adotou ordens alternativas. Em primeiro lugar propôs a possibilidade do reembolso do valor da reaquisição por parte do acionista majoritário em troca da restituição de suas ações pela companhia. Em caso de não se adotar essa medida, imporse-ia, de modo alternativo, a ordem segundo a qual Rodd Electrotype Co., readquiria as ações da minoria, nas mesmas condições de preço em que a companhia havia readquirido as da maioria. Qualquer das determinações permitiria, no critério judicial, corrigir a disparidade observada. O precedente judicial mencionado sofreu desenvolvimentos posteriores que mostram a propensão da jurisprudência norte americana em estabelecer uma aplicação extensiva dos deveres fiduciários dos administradores aos acionistas majoritários, quando atuam contra os interesses das minorias. No caso de Wilkes contra Springside Nursing Home, Inc., resolvido em 1976 pela Suprema Corte do Estado de Massachussets, manteve-se a regra de direito estabelecida em Donahue contra Rodd Electrotype Co44. Nos fatos desse caso podemos analisar como no ano de 1951, a sociedade Springside Nursing Home, Inc., foi constituída no Estado de Massachussets por quatro indivíduos. Cada um de seus acionistas, entre eles o senhor Wilkes, subscreveram dez ações de valor nominal de 100 dólares cada uma, para um valor de 1000 dólares de aporte. Os acionistas tinham acor-

dado administrar conjuntamente a sociedade e perceber iguais benefícios econômicos da companhia45. Wilkes demandou os outros três acionistas quando esses tomaram a decisão de expulsá-lo de sua posição de administrador e empregado da companhia46. Na opinião do demandante, os acionistas majoritários violaram os deveres fiduciários aos quais estavam sujeitos, ao privar-lo dos benefícios econômicos derivados de seu trabalho em Springside Nursing Home, Inc47. Este caso é particularmente relevante, pois, mesmo que ratifique o precedente de Donahue contra Rodd Electrotype, formula certas ressalvas que permitem estabelecer uma regra de direito mais clara que a estabelecida no antecedente inicial. Com efeito, a Suprema Corte do Estado de Massachussets estabelece, em primeiro lugar, que a aplicação generalizada de deveres fiduciários aos acionistas majoritários pode atentar contra a discricionariedade que corresponde à maioria para permitir a eficiente tomada de decisõesem benefício da companhia48. É por isso que o tribunal estima que a extrapolação de deveres fiduciários é pertinente apenas àquelas circunstâncias em que, como ocorreu no caso de Wilkes contra Springside Nursing Home, Inc., a maioria atuou sob motivos ilegítimos. Evidentemente, o fato de excluir Wilkes da companhia não observava o interesse social, senão o propósito inconfessável de prejudicar o acionistas minoritário de Springside Nursing

370 Mass. 842, 353 N.E.2d. 657. 45 Cf. Charles R. O’Kelley, Jr., et al., op. cit. p. 553. 46 O bloco controlador se forma quando os outros três sócios de Wilkes fazer frente comum para excluí-lo da administração de SpringsideNursing Home, Inc. (Ibídem). 47 Springside Nursing Home, Inc. nunca de-

clarou nem distribuiu dividendos a seus acionistas durante os dezesseis anos em que Wilkes esteve como administrador e empregado da companhia. Os ganhos se distribuíam por meio de salários iguais aos sócios que trabalhavam na Springside Nursing Home, Inc. (Ibídem, p. 555). 48 Dentro das faculdades que os acionistas majoritários devem ter para o manejo eficiente

Home, Inc49. Em razão das considerações anteriores, a Suprema Corte do Estado de Massachussets considerou que a atuação dos acionistas majoritários havia violado os deveres fiduciários, ao atuar sem sujeição a estritos preceitos de boa fé, lealdade e confiança. De igual maneira, condenou os acionistas majoritários a indenizar os prejuízos causados a Wilkes por sua atuação injustificada. Os antecedentes judiciais mencionados se assemelham, em grande medida, ao conceito do administrador de fato. As determinações adotadas pela Suprema Corte de Massachussets, ao assimilar o regime jurídico aplicável às sociedades de pessoas com as regras que devem reger as sociedades de capital fechado, mostram como os sócios daquelas e os acionistas majoritários dessas detém a administração direta e conjunta da companhia. A delegação dessas atuações de administração em ambos os casos, implica em um alto grau de confiança tanto na lealdade quanto nas habilidades de quem as exerce50.

II - A doutrina e jurisprudência francesas Segundo a doutrina francesa, os administradores de fato (dirigeants de fait) são aquelas pessoas físicas ou jurídicas que, apesar de estarem desprovidas de um mandato social, imiscuem-se no funcionamento da sociedade para exercer, com sobera-

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da companhia se encontram as relativas à distribuição de dividendos, a determinação de contratar u despedir administradores e a de estabelecer seus salários (Ibídem, p. 554). 49 Ibídem. 50 Ibídem, p. 547.


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nia e independência, uma atividade positiva de gestão, de administração e de direção. “Esta calificación permite aplicarle a una situación de hecho la consecuencia de derecho correspondiente (sanciones civiles y penales previstas para los mandatários sociales, etc.)51”.Françoise Pérochon afirma que o administrador de fato atua e intervém ativamente na direção dos assuntos sociais. “Su actuación no se limita a prestarle dinero a la sociedad, dar consejo (aunque más que consejosparecenórdenes), o a vigilar celosamente las operaciones efectuadas por los administradores de derecho. Acaba por reemplazarlos en el proceso de toma de decisiones. Se trata de una inmixión efectiva en la gestión social”. E mais adiante acrescenta que “los administradores de hecho tienen orígenes diversos: asociados, especialmente mayoritarios (p. ej., asociado único en empresas unipersonales), proveedores de liquidez (banqueros, concedentes, franquiciantes o entidades financieras…), parientes o amigos de un administrador de derecho, asalariados, etc. Poco importa la forma más o menos abierta de la intervención. Tampoco es relevante la fuente de donde deriva la autoridad el administrador de facto52”. A figura do administrador de fato tem importância nos processos de falência, devido à chamada “ação judicial para completar o ativo insuficiente” (actionencomblement de l’in-

suffisance d’activ). Essa ação judicial pode ser interposta pelos credores quando, em um processo falimentar, a sociedade insolvente apresenta déficit patrimonial. Mediante a ação mencionada, tenta-se que o juiz exija aos administradores que atuaram indevidamente que forneçam os recursos faltantes para completar o ativo, de tal forma que possam satisfazer as dívidas que, de outro modo, não seriam adimplidas. Normalmente, a legislação pode ir contra aqueles indivíduos que exercem funções de administração ou representação legal na sociedade. No entanto, é viável solicitar que a mesma declaração judicial, em relação àqueles que não tenham essa qualidade, seja efetuada. Com base no artigo L-624-3 do Código Comercial Francês, o juiz pode efetuar a qualificação do administrador de fato em relação a pessoas naturais ou jurídicas que, “a pesar de estar desprovistas de un mandato social, se inmiscuyer en en la gestión, dirección o administración de una sociedad o que, en forma independiente, hubieren ejercido una actividad positiva de gestión o de dirección53”. É claro que a jurisprudência francesa foi cuidadosa em definir uma definição restritiva do conceito. E outras palavras, não é qualquer atividade de um indivíduo que não desempenhe cargos de administração na sociedade que pode ser caracterizá-lo como administrador de fato. Requer-se a realização de atos posi-

Alexis Constantin, Droit des sociétés, droit commun et droit spécial des sociétés, 2e. éd., Paris, Dalloz, 2005, p. 52. 52 Françoise Pérochon; Régine Bonhomme, Enterprises en difficulté. Instruments de crédit et paiment, 4a Ed., Paris, L.G.D.J., pp. 459-460. Emsentidoanálogo, Dominique Vidal afirma que é muito fácil ao administrador de fato cometer faltas, irregularidades e infrações ao atuar sob a roupagem de uma pessoa jurídica, de maneira que, “como ocurre con el titiritero, se confor-

mará con manejar los hilos desde la sombra” (DOMINIQUE VIDAL, Droit des Sociétés, 5a Ed., Paris, L.G.D.J., 2006, p. 217). De maneira mais apurada, a mesma autora mostra como a qualidade de adminstrador de fato surge do exercício de poderes de gestão ou mesmo da relação de certas atividades financeiras. “En el primer caso se trata de una inmixión en la administración; el juez constata, por ejemplo, que el interesado es quien ha tenido contactos con la clientela, los proveedores, el personal, etc. En

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tivos que transcenda a mera titularidade de porcentagens de controle no capital da sociedade. Sobre este particular, é relevante, por exemplo, a decisão do Tribunal de Comércio de Paris, adotada em fevereiro de 2001, no sentido de rejeitar a existência de uma situação de administrador de fato em um caso em que a sociedade mãe detinha 95% das ações de outra sociedade. No mesmo caso, dois dos empregados da sociedade mãe ocupavam cargos no conselho de administração da outra sociedade. Nem esta última circunstância foi suficiente para dar aplicação à mencionada doutrina. A doutrina também foi cuidadosa em restringir o alcance do conceito de administrador de fato, ao distingui-lo claramente do exercício de poder de maioria no âmbito da assembleia. Por isso afirmou-se que, “el poder de definir el sentido de las decisiones de la asamblea no es característico de lacalidad de administrador de facto. El control que um asociado mayoritario [aún extremadamente mayoritario] ejerce sobre la sociedad en razón de las facultades que por ministerio de la ley o los estatutos se le otorgan al accionista, no es suficiente para caracterizar la dirección de facto54”. O próprio Tribunal de Justiça francês estabeleceu que a classificação de administrador de fato “reposa sobre un acervo de indicios que demuestran la realización de actos positivos de gestión llevados a cabo cuanto al ejercicio de poderes financieros, podría tratarse de ‘aportes en cuenta corriente’ o al afianzamiento constante de obligaciones de la sociedad” (Ibídem, p. 449). Como exemplo, cita a possibilidade de declarar como administrador de fato aquele banqueiro que subordine a outorga de créditos à sociedade a modificações na estrutura da companhia ou na organização de seus negócios, defindas por ele (Id.). 53 DOMINIQUE VIDAL, Op. cit., P. 217. 54 Ibídem. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


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con total independencia55”. É importante notar que a declaração do administrador de fato e a aplicação que lhe possibilita sanções civis e penais, não exclui, de forma alguma, a responsabilidade correspondente aos administradores de direito. Segundo a jurisprudência vigente, “debe tenerse en cuenta que la declaración del administrador de hecho no implica, en principio, laexoneracióndel ‘administrador de derecho’ ante las responsabilidades que le incumben en virtud de tal calidad. Por lo tanto, un administrador de derecho no podría, a fin de sustraerse del proceso de extensión, alegar haber abandonado el ejercicio efectivo de sugestión a favor de un administrador de hecho56”.

pessoas naturais ou jurídicas que, sem ser administradores de uma sociedade anônima simplificada, imiscuam-se em uma atividade positiva de gestão, administração ou direção da sociedade, incorrerão nas mesmas responsabilidades e sanções aplicáveis aos administradores”. As diretrizes já apresentadas podem servir de base para a adequada interpretação dessa norma. Assim, é fundamental, em primeiro lugar, ter em conta que nem toda atividade empregada por terceiros não administradores pode dar lugar à declaração de administrador de fato. Assim, a atividade de assessores, consultores, profissionais externos contratados pela sociedade e inclusive acionistas majoritários ou sociedades mães, não se devem constituir per se administradores de fato, mesmo que devam tomar decisões de direção ou gestão de certos assuntos em razão dos direitos que sua posição frente à sociedade lhe confere. Deve-se tratar, portanto, de fatos que transcenderão essas funções legítimas, para assumir um caráter de verdadeira intromissão nos assuntos da sociedade. O “controle dos fios” da administração que se realiza nos bastidores, mas que implica na perda da autonomia de gestão dos representantes legais e membros do conselho de administração, é a condita que pode configurar o administrador de fato. A definição de administrador de fato por parte do Tribunal Arbitral que seja designado pela Superintendência de Sociedades em caso de se ter pactuado a cláusula compromissória, terá por efeito a aplicação das regras que a Lei 222 de 1995 consagra em matéria de administradores. Vale dizer que a violação dos deveres fiduciários de cuidado ou leal-

III - O administrador de fato na SAS A figura do administrador de fato foi introduzida pela Lei 1258 de 2009 devido à frequente situação na qual os indivíduos alheios à administração da sociedade, amparados na idoneidade que seus caracteres de “não administradores” lhes dá, podem controlar a administração da sociedade e, não raro, causar prejuízo à sociedade, aos sócios e a terceiros. Apesar de que o exercício de uma administração “à sobra” constitui uma prática relativamente frequente nas sociedades fechadas, a legislação colombiana era silente sobre as consequências, muitas vezes nocivas, desta classe de interferência na gestão da sociedade. Com fundamento nos antecedentes jurisprudenciais trazidos do direito estrangeiro, que acabam de ser apresentados, redigiu-se o texto parágrafo do artigo 27 da Lei de SAS. Nessa norma se expressa que, “as Decisão de 22 de janeiro de 2002, citada por DOMINIQUE VIDAL, op. cit., p. 208. 55

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Casación Comercial, 9 de maio de 1995, RevuedesSociétés, 1995, 766. 56

dade, ou a omissão ao cumprimento das obrigações específicas contidas no artigo 23 da supracitada lei, dará lugar à responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores de fato pelos prejuízos causados à sociedade, aos acionistas e a terceiros. Assim como ocorre no sistema francês, é pertinente considerar que o reconhecimento de administradores de fato não dará lugar à exclusão de responsabilidade dos representantes legais e membros do conselho de administração formalmente inscritos. Do ponto de vista legal, esses seguem vinculados aos deveres de responsabilidade previstos na Lei 222 de 1995. O processo correspondente poderá se dar por meio de ações individuais ou de ações sociais de responsabilidade. Diferentemente do sistema francês, no regime da Lei 1258 de 2008, não se exige que a sociedade esteja sujeita a um processo de falência. Claro que é factível que o processo para responsabilizar os administradores de fato possa concorrer com o trâmite de um processo de insolvência nos termos da Lei 1116 de 2006.

Francisco Reyes Villamizar Francisco Reyes Villamizar é advogado na Colômbia. Bacharel em Direito pela Universidade Javeriana de Bogotá, Colômbia. Mestre em Direito pela Universidade de Miami. Professor convidado da Louisiana State University, Université Lyon Jean Moulin, Stetson College of Law, Tilburg University, Fribourg University, Pontificia Universidad Católica Argentina e do Instituto Tecnológico Autónomo de México. Autor do projeto de lei que deu origem à Lei de Sociedades por Ações Simplificada na Colômbia.


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O Regime Especial da Sociedade Anônima Simplificada Por Walfrido Jorge Warde Jr. Por Rodrigo R. Monteiro de Castro

Aspectos gerais

O que é o RE-SAS?

existência de um regime jurídico das pequenas e das médias companhias, plasmado no art. 294 da LSA, mesmo que imperfeito, sugere uma reflexão acerca de modificações capazes de prover a essa disciplina suplementar os predicados que deve modelarmente ostentar. O Regime Especial de Sociedade Anônima Simplificada (“RESAS”), que o Projeto de Lei 4.303/12 (“ANEXO”) pretende instituir, nasce, por certo, como consequência desse estado de coisas; nasce dos clamores das ruas, das “bocas de foro”, dos escritórios de advocacia, das associações comerciais e industriais, dos sindicatos e, também, da academia. Trata-se da disciplina suplementar, que se acopla ao “chassi regulatório” das companhias, em substituição à “companhia do art. 294”, com vistas a remediar as inconsistências da “super -anônima”, sem rechaçar suas qualidades. Vale, nesse contexto, reforçar que o RE-SAS não cria uma nova forma societária, mas apenas uma nova “via de direito”, capaz de prover caminhos às pequenas e às médias empresas. O RE-SAS, que se insere no Projeto de Lei 4.303/12, revoga o art. 294 da Lei 6.404/76 (“LSA”) e o substitui pelos artigos 294-A a 294-J.

Uma companhia sob o regime de sociedade anônima simplificada não é uma nova forma societária. A ideia é sujeitar algumas companhias, as quais se faculta aderir ao RE-SAS – sob os critérios do art. 294-A –, a uma disciplina particular capaz de equipará-las à estrutura e ao manejo que caracterizam as formas societárias híbridas (i.e., grosso modo, os tipos societários que ostentam, ao mesmo tempo, características de sociedades contratuais e institucionais). A finalidade é atender as pequenas e médias empresas, prover-lhes formas adequadas de organização jurídica. A técnica é, desse modo, distinta da que se empregou em outros países, como a França, a Colômbia, os Estados Unidos ou o Reino Unido. Nesses países foram criados tipos societários novos, também para prover “vias de direito” à organização jurídica das pequenas e das médias empresas. Tratando-se de um regime como outros já existentes na LSA, a exemplo das companhias do art. 4º (abertas e fechadas) -, afirmase como subsistema. Aplicam-se às companhias enquadradas no RESAS, portanto, todas as demais normas da LSA, exceto aquelas que lhe forem contrárias ou incompatíveis. O RE-SAS apresenta, então, as seguintes características: (i) integra a LSA, como uma disciplina particular, (ii) é elegível por companhias enquadradas; e (iii) as companhias enquadradas aderentes sujeitam-se à disciplina particular, mas, de resto, continuam a ser regidas pelas normas gerais da LSA.

A

Os critérios de enquadramento no RE-SAS: que companhias podem aderir ao regime? O art. 294, em sua redação atual, enumera três critérios de enquadramento, todos de observância obrigatória: (i) ser companhia fechada, (ii) ter menos de 20 acionistas e (iii) ostentar patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão. A inexistência de qualquer um desses critérios impede a adoção do regime. O RE-SAS oferece um novo paradigma; abandona critérios extremamente restritivos que, em verdade, não descrevem as pequenas e as médias empresas. O critério de enquadramento ao RE-SAS é único: patrimônio líquido inferior a R$ 100 milhões. Para se submeter ao RE-SAS basta, então, que uma sociedade anônima exiba essa característica e adira ao regime. A ideia é, portanto, permitir a adesão de quaisquer companhias, abertas ou fechadas, independentemente do número de acionistas, que ostentem patrimônio líquido inferior a R$ 100 milhões. As razões para a facilitação do ingresso são bastante evidentes: a quantidade de sócios é um mero indício das dimensões de uma empresa. Além disso, não é conveniente impedir que a companhia emergente, necessitada de recursos e com auspiciosos planos de desenvolvimento empresarial, tenha acesso ao mercado de capitais e que, portanto, possa apelar à poupança privada para financiar suas atividades. Esse impedimento contraria, por certo, as mais recentes iniciativas. Tomewww.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


48 Doutrina se como exemplo o “Bovespa Mais”, uma via de negociação de ações, criada e administrada pela BM&FBOVESPA, com vistas a tornar o mercado de ações brasileiro acessível a um número maior de companhias, especialmente aquelas de pequeno e de médio porte, que desejam se financiar por meio de oferta pública de valores mobiliários. Não faz qualquer sentido submeter companhias emergentes, ao menos em uma fase inicial (às vezes pré-operacional), aos custos elevados impostos às companhias abertas. A função do mercado de valores mobiliários é prover meios ao empreendedorismo, financiar a empresa nacional, jamais impedi-la. Cabe ao legislador prover meios, com criatividade e sensatez, para compatibilizar os requisitos de full disclosure e de atendimento das boas regras de governança à necessidade de mitigar os custos de manejo das companhias em desenvolvimento. Vale, nesse sentido, monitorar todas as reflexões e iniciativas voltadas a atrair as pequenas e médias empresas para o mercado de capitais. O limite patrimonial corrente, de R$ 1 milhão, não é, de mesmo modo, razoável, porque não expressa as grandes disparidades regionais que caracterizam a realidade econômica do Brasil. A imposição de um critério restritivo, nesse particular, seria um incentivo à manutenção da insignificância, pelo que o legislador cria uma zona de conforto, que sugere à empresa que se mantenha pequena se quiser se valer dos benefícios da lei. O que deve querer, ao contrário, é promover o crescimento, ao ponto em que o privilégio não seja mais necessário.

O RE-SAS e a solução para o problema da unipessoalidade no Brasil Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br

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O RE-SAS prevê que “a sociedade anônima simplificada poderá ter um único acionista”, que pode ser “pessoa física ou jurídica”. A proposta não obriga, mas autoriza a unipessoalidade originária ou incidental, e afasta a dúvida, que ainda paira sobre a EIRELI, acerca da natureza de seu titular. A Lei 12.441, de 11 de julho de 2011, que instituiu o ao art. 980-A do CC dispõe que a “empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior saláriomínimo vigente no País”. Parece certo que o texto de lei não faz distinções, mas esse entendimento não é consolidado, causando ainda insegurança acerca da legitimidade de EIRELI que tenha uma pessoa jurídica como sua titular. O RE-SAS afasta o impasse e soluciona definitivamente o problema da unipessoalidade.

A diminuição dos custos de publicidade e maior publicidade O RE-SAS é inovador (e, ao mesmo tempo, realista) em relação à publicidade de atos societários, para inserir a companhia no mundo da acessibilidade à informação. Rompe, por isso, com tendência anacrônica de privar acionistas e agentes que gravitam ao entorno da empresa de conhecer o seu estado. Aqui, com efeito, a companhia sujeita ao RE-SAS goza, por si, por seus acionistas e stakeholders, dos benefícios de acesso rápido e barato à informação. Isso porque todos os atos societários passam a ser divulgados na rede mundial de computadores e lá mantidos em caráter permanente.

A permanência é o propósito da utilização do verbo “manter”, e, nesse sentido, atinge todos os propósitos do full disclosure. Mantendo-se os atos em meio eletrônico, disponíveis em sítio próprio, oferece-se a possibilidade de consulta rápida e precisa, sem custos diretos ou lapsos temporais, contribuindo para a agilidade dos negócios e à tomada de decisões negociais.

A diminuição dos custos de formação das deliberações Se, de um lado, a LSA não o inclui na lista de direitos essenciais, de outro os cultores da chamada governança corporativa o elegeram como um dos pilares da ética e da moralidade corporativa. Essa questão, que por muitas décadas foi tratada, no Brasil, apenas no plano acadêmico, merece, já há algum tempo, estudos sérios, especialmente por conta dos excessos ideológicos. O RE-SAS transcende a questão, para enfrentar e resolver um problema de ordem prática: como estimular os acionistas a participar da formação das deliberações sociais? O que se está a estimular, obviamente, é a participação de acionistas detentores de pequenas frações do capital, pois, por definição, acionista controlador não apenas participa, mas tenta controlar o processo de formação das deliberações. Nesse universo, a minoria qualificada tem incentivos econômicos (e, não raro, políticos) para atuar de modo ativo à proteção de seus investimentos. Esse estímulo não vem da possibilidade de o acionista fazer-se representar por procurador, nos termos do § 1º do art. 126, que, o mais das vezes, implica apenas em uma


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legitimação do poder, por meio de um absenteísmo material. O RE-SAS não se preocupa com a legitimação, perpetuação ou justificação do poder, mas com a possibilidade real – apesar de manifestada por meio virtual – de enfrentamento do poder, ofertando um instrumento efetivo para participação do acionista nas assembleias da companhia.

A distribuição desigual de dividendos O reconhecimento da importância da solidez do mercado de capitais parece já ter superado a rasa discussão ideológica, apesar de ainda ouvirem-se vozes, talvez retrógradas, em contrário. Não existe nação desenvolvida, social e economicamente, sem empresas pujantes. E é justamente para desenvolvê-las que o mercado de capitais se organiza. O modelo escolhido pelo legislador de 1976 foi erigido com essas preocupações: estabelecer novas bases para o mercado de capitais brasileiro, conjugando-se duas posições aparentemente antagônicas, mas que, na sociedade moderna, se complementam: o empreendedorismo e a diluição da propriedade da “empresa”1. A tutela dos direitos dos acionistas minoritários é, assim, consistente com o modelo que se pretendia estabelecer, e, mais importante, essencial para atração de poupança popular. O direito de participar nos lucros,

na lista do art. 109 da LSA, ocupa o primeiro lugar. Esse destaque decorre da necessidade de atrair e remunerar o capital comprometido com a atividade empresarial, em um primeiro plano, e, em segundo lugar, de remunerar o capital que, apesar de não ter ingressado diretamente na companhia (mercado secundário), oferece liquidez e justifica os ingressos primários, que, como dito, estimulam diretamente a atividade empresarial. A garantia de que o acionista não será privado e participará dos lucros sociais é um direito que justifica, juntamente com a limitação de responsabilidade (cuja finalidade é limitar perdas eventuais), a aplicação de recursos em dada empresa, que, por definição, associa-se a risco. A LSA, em que pese sua capacidade de cobrir uma ampla porção do fenômeno empresarial, foi concebida como modelar estatuto jurídico da macroempresa. Existem, atualmente, 252 companhias listadas no “segmento tradicional” da Bovespa, 128 no Novo Mercado, 18 no Nível 2, 33 no Nível 1, 3 no Bovespa Mais e 12 emissoras de BDRs Patrocinados2. Por outro lado, de acordo com dados da Junta Comercial do Estado de São Paulo, há, apenas no estado de São Paulo, 15.546 companhias fechadas3. Ou seja, sociedades empresárias, igualmente disciplinadas pela LSA, cujas dimensões, afetações específicas e estruturas são bastante distintas das companhias abertas. A LSA não está aparelhada a con-

siderar tamanha diversidade empresarial, nem dispõe, em vista do elevado dirigismo, de mecanismos de adaptação, capazes de dar abrigo a interesses legítimos, que se expressam por conta das peculiaridades de cada empresa. Bem por isso, o RE-SAS confere aos acionistas da companhia autonomia para deliberar pela distribuição desigual de dividendos. No silêncio do estatuto, aplica-se a regra geral, que determina participação proporcional às entradas de capital. Quer-se, com isso, acomodar o interesse, que se sente em concreto, de criar sistemas particulares de remuneração, especialmente nos casos em que é necessário, por exemplo, premiar a participação estratégica, tão (ou mais) útil à companhia quanto as efetivas entradas de capital. Não há, contudo, afronta ao art. 109; o direito ao recebimento de dividendo está resguardado. O acionista, em qualquer hipótese, participará da distribuição de lucros sociais.

O barateamento e a desburocratização da estrutura administrativa A administração da companhia, que se caracteriza por órgãos, responde pelo exercício da empresa. O conselho de administração, órgão de deliberação colegiada, nas hipóteses em que for constituído, tem competências descritas no art. 142, e outras expressamente previstas na LSA, além daquelas convencionadas

* Correto seria dizer da diluição da propriedade do titular da empresa, sob uma acepção puramente pragmática da relação que se estabelece entre os acionistas e os meios de produção de propriedade da companhia. 1

BMFBOVESPA. Empresas listadas. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/ Cias-Listadas/Empresas-Listadas/BuscaEmpresaListada.aspx?idioma=pt-br>. Acesso em: 18 fev. 2013. 2

JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – JUCESP. Disponível em: <https:// www.jucesponline.sp.gov.br/BuscaAvancada. aspx>. Acesso em: 18 fev. 2013. 3

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50 Doutrina no estatuto da companhia4. O poder de fixar e de orientar os negócios da companhia, por si, demonstra a sua importância. A diretoria tem função de representação e execução; seus membros são eleitos pelo conselho de administração, quando existente, ou, na ausência dele, pela assembleia geral. A eleição e a destituição de administradores, diretores ou conselheiros, obedecem regras detalhadamente previstas na LSA. A LSA, no que concerne à disciplina da administração, oscila entre arrojos liberais e um elevado dirigismo; de um lado, faculta aos acionistas definir aspectos relevantes, a exemplo do processo de escolha de presidente e do modo de substituição de conselheiros, mas, de outro, proíbe a fixação convencional do prazo do mandato. A plasticidade e liberdade de organização foram ressaltadas na Exposição de Motivos da LSA: “[o] art. 140 deixa ao estatuto ampla liberdade para regular a composição e o funcionamento do Conselho de Administração [...]”. Liberdade que, como se viu, foi tolhida, na mesma lei, e pelo mesmo legislador, como que envergonhado pelo arrojo, ao estabelecer prazo máximo de mandato. O mesmo acanhamento se deu em relação a composição e funcionamento da diretoria. Além da exigência de As competências desse órgão vêm sendo alargadas por atos da CVM, que parece pretender aproximá-lo do board of directors do direito norte-americano, que exerce função mais ativa do que o conselho brasileiro. Exemplo desse alargamento está estampado, por exemplo, na Instrução CVM n. 361 e no Parecer de Orientação n. 35. No âmbito autorregulatório, o movimento segue mesma direção. Regulamentos como o do Novo Mercado e o Código ABRASCA de Autorregulação e Boas Práticas das Companhias Abertas também parecem perquirir o fortalecimento do conselho em detrimento do poder societário. 5 Traz-se, como exemplo, o estatuto da BRF - Brasil Foods S.A., que estabelece a seguinte composição: “Artigo 20 - A Diretoria Executiva, cujos membros 4

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número mínimo - 2 -, define-se prazo máximo de gestão, não superior a 3 anos, permitida a reeleição. A interferência estatal se justifica sob a função de definir a matriz regulatória da macroempresa brasileira, forjada para acelerar o crescimento econômico nacional e para criar um verdadeiro mercado de capitais. Conquanto naquele momento a estrutura básica de companhias brasileiras apresentasse importante concentração, a sinalização ao mercado de que um administrador pudesse se perpetuar no cargo não era - como também não é em dias atuais - salutar. A possibilidade de revisão da estrutura administrativa convidava, portanto, a uma reflexão sobre a distinção dos poderes de controle societário e empresarial e oferecia, em tese, ocasião para que o contribuinte de capital se manifestasse, em assembleia, a respeito de sua percepção sobre a condução dos negócios, visando a influenciar as deliberações da companhia. Essa opção legislativa de 1976 resgatou, inclusive, estrutura já descartada pelo próprio sistema, no ano de 1940. Isto porque o Decreto-lei 2.627/40, que admitia em seu art. 116 a administração isolada, já inovara em relação ao antigo Decreto 434/1891, que previa ao menos 2 administradores. O momento era de revisão e reflexão, voltado à fixação do marco da macroempresa. *

são eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo Conselho de Administração, será composta por no mínimo 2 (dois) e no máximo 15 (quinze) membros, eleitos por um período de 2 (dois) anos, permitida a recondução, sendo 1 (um) Diretor Presidente, 1 (um) Diretor Financeiro, 1 (um) Diretor de Relações com Investidores e os demais Diretores com designação e funções a serem propostas ao Conselho de Administração pelo Diretor Presidente, nos termos do Artigo 21 abaixo, todos profissionais que atendam aos parâmetros relacionados nos Parágrafos 3º e 4º abaixo.” BRF S.A. Companhia Aberta. Estatuto Social. Disponível em: <https://www.brasilfoods. com/ri/siteri/web/arquivos/BRF_EstatutoSocial_20130412_pt.pdf>.

Esse movimento revisionista, ou melhor, de resgate histórico de certos preceitos, estendeu-se, mutatis mutandis, ao processo de eleição e reeleição de diretores, submetidos ao escrutínio máximo do triênio legal. Aqui, também, a possibilidade de influência na formação da vontade da sociedade, como protagonista da empresa, se verifica pela atuação de conselheiros indicados por acionistas não controladores, como aqueles nomeados nos termos do § 4º do art. 141, ou por trabalhadores, na forma do parágrafo único do art. 140. Custos e burocracia relacionados ao modelo não pareciam ser uma questão relevante. Partindo-se da premissa de que a LSA projetou-se à disciplina da macroempresa, não havia motivo para atentar a outras realidades. A prática desprezou a teoria; milhares de companhias brasileiras não expressam o retrato idealizado pelos autores da LSA. Em primeiro lugar, a quantidade de membros da diretoria. A regra, aqui, é cogente, o que parece desnecessário. A macroempresa normalmente contempla diretorias específicas, com atribuições geralmente detalhadas em seus estatutos, inclusive para fins de imputação de responsabilidade5-6. A intervenção estatal afeta, portanto, direta e talvez exclusivamente as companhias de menor porte. A indignação se traduz Outro exemplo, extraído do estatuto da Klabin S.A., contribui para confirmar a afirmação no sentido de que a fixação de número mínimo é inócua, no universo das macroempresas: “Art. 18 - A Diretoria, eleita pelo Conselho de Administração, será composta de até 10 (dez) membros, residentes no País, acionistas ou não, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, sendo um Diretor Geral; os demais diretores terão atribuições e designações estabelecidas pelo Conselho de Administração”. KLABIN S.A. Estatuto Social consolidado. Aprovado pela Assembléia Geral Extraordinária de 20/12/2011. Disponível em: <http://ri.klabin.com.br/fck_temp/8_17// KLABIN%20SA%20-%20estatuto%20aprovado%20na%20age%2020122011.pdf>. 6


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por uma pergunta do empreendedor: por que indicar mais um diretor? O direito brasileiro não repele a administração individual, conforme se depreende do art. 1.060 do Código Civil. Apenas não a estende a todos as formas societárias existentes. E não o faz, menos por rigor, e mais por falta de aderência à realidade, que se construiu ao longo de quase 40 anos, desde a concepção da LSA. Ao fixar número mínimo de dois diretores, não se modela a administração da sociedade anônima; apenas se cria um formalismo inócuo à grande empresa, e custoso às pequenas e às médias, cujos fundadores devem, necessariamente, apontar mais de um diretor, mesmo quando não haja efetiva necessidade. Daí, muitas vezes, sobretudo nas pequenas e médias empresas, parentes, amigos ou mesmo empregados, sem uma função realmente estatutária, emprestarem seus nomes, sujeitarem-se às responsabilidades e aos ônus do cargo, apenas para que não se ignore a lei. O segundo aspecto da reflexão trata do prazo de gestão, tanto dos membros do conselho de administração quanto da diretoria. O Decreto-lei 2.627/40 previa prazo máximo de seis anos, reduzido à metade em 1976. Justificativa não há, na Exposição de Motivos da LSA, apesar de a doutrina detectar nesse posicionamento uma tentativa de coibir a perpetuação dos administradores7. O fundamento é frágil; no contexto de controle societário majo-

ritário, a perpetuação se verificará enquanto assim o desejar o controlador, elegendo ou reelegendo os diretores em assembleia, ou, existindo conselho de administração, conselheiros que lhe são fiéis. A regra não se justifica sequer em um ambiente de ampla dispersão da base acionária, em níveis que impeçam a qualquer acionista a preponderância nas assembleias gerais. Essa situação enseja um pedido de procuração da administração aos acionistas, o que ordinariamente caracteriza controle gerencial e, portanto, a mesma perpetuação da administração. O RE-SAS prevê que a diretoria da sociedade anônima, sob o regime especial da SA simplificada, será composta por um ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembleia geral, devendo o estatuto observar, no que couber, os requisitos do art. 143. Dispõe ainda, que o “prazo de gestão dos diretores e dos membros do conselho de administração poderá ser indeterminado, desde que exista previsão expressa no estatuto”. Essas normas simplificam e barateiam o funcionamento da administração, submetendo-a, todavia, a qualquer tempo, ao escrutínio dos acionistas, que poderão destituí-la.

Cf. VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações (comentários ao decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940): arts. 74 a 136. Ed. rev. e atual. Forense: Rio de Janeiro, 1959. v. 2, p. 297. 8 A Instrução CVM 480, de 07 de dezembro de 2009, ao instituir a obrigatoriedade de divulgação de certas informações, mediante relatórios periódicos, previu a disponibilização, no for-

mulário de referência, no item 13.11 do Anexo 24, da remuneração individual máxima, mínima e média dos administradores. Esta norma é objeto de ação promovida pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio de Janeiro (IBEF-RJ), o qual obteve liminar para preservação de sigilo enquanto pendente o julgamento do mérito, perante 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. A CVM recorreu

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dos administradores, o texto do atual parágrafo 2º do art. 294 da LSA. Para compreendê-lo, deve-se verificar, antes o art. 152, cujo caput determina que a assembleia geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, nele incluídos benefícios de qualquer natureza e verbas de representação. A fixação leva em conta tempo dedicado às suas funções, a competência, a reputação profissional e o valor dos serviços no mercado. O art. 152 é de observância obrigatória e a assembleia geral não pode se furtar, ao menos, de fixar o montante global da remuneração. É comum, especialmente na companhia fechada, que se estabeleça um limite8. A obrigatoriedade de fixação é importante para alinhar os interesses de acionistas e administradores. Sem prejuízo da competência assemblear de fixação do montante global ou individual de remuneração, o estatuto pode atribuir aos administradores, nos termos do § 1º desse artigo, participação, estatutária, nos lucros. Essa participação não poderá ultrapassar a remuneração anual dos administradores, nem um décimo dos lucros, prevalecendo o que for menor. Ademais, apenas as companhias que prevejam, em seus A Remuneração dos administra- estatutos, dividendo obrigatório em 25% ou mais do lucro podem atridores buir essa participação a seus admiO RE-SAS reproduz, no que con- nistradores. cerne o tratamento da remuneração Trata-se, novamente, de regra de * ao TRF da 2ª Região e teve seu pedido deferido. O IBEF-RJ interpôs recurso ao STJ, tendo o seu pedido de restabelecimento da liminar sido deferido. De modo que, apesar da insurgência da CVM, por ora associados do IBEF-RJ podem valer-se da liminar para evitar a divulgação dessas informações.

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alinhamento de interesses, a fim de evitar que, na ausência de um piso de dividendo obrigatório, administradores recebam participação pelos lucros sem que acionistas o recebam – ou recebam em montante que o legislador julgou insatisfatório. A participação é paga aos administradores com base no lucro do exercício, após dedução de prejuízos acumulados e provisão para o imposto sobre a renda (cf. art. 189 da LSA). E ainda, nos termos do art. 190, após o pagamento de participações estatutárias a empregados, se previstas. O §2º do art. 152 estabelece que “[o]s administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o art. 202.” Trata-se de regra confirmadora do intuito estabilizador. Isso porque, sendo a participação dos administradores determinada após a dedução de prejuízos e provisão para imposto de renda, mas antes da apuração do lucro líquido, que servirá de base para proposta de destinação do lucro (conforme arts. 191 e 192), é possível, cronologicamente, que, após a dedução da participação dos administradores, o lucro líquido não seja suficiente para pagamento do dividendo obrigatório. Nessa hipótese, os administradores não farão jus à participação nos lucros. As normas analisadas preocupam-se com possível participação de administradores em lucros, sem que acionistas sejam contemplados com o pagamento do dividendo obriga-

tório. Por isso, o parágrafo segundo impõe condição ao pagamento da remuneração. Essa condição sujeita-se, contudo, à exceção presentemente aplicável às “companhias do art. 294”, sendo–lhes reconhecida ampla liberdade para remunerar administradores, mediante aprovação unânime dos acionistas. Isso se justifica porque se trata de uma companhia de pequeno porte, em que a maior parte da remuneração do administrador decorre do bom sucesso da companhia. Trata-se de fomentar o emprego da remuneração variável como técnica de incentivo.

É certo que o aparecimento do princípio majoritário e do controle societário reverteu esse distanciamento, para promover uma conexão subjetiva mais intensa entre controlador e a empresa exercida pela companhia.

Cf. arts. 40 e 118 da LSA. Para uma reflexão acerca dos pactos de bloqueio, cf. CARVALHOSA, Modesto. Acordo de acionistas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 273-324. 11 No âmbito de uma emissão de novas ações,

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A ampliação circunstancial e estatutária do direito de retirada como técnica de solução ex ante de conflitos societários A livre disposição das ações expressa uma particularidade das companhias. Esse traço característico provê fundamento à celebração de negócios jurídicos, de compra e de venda de ações, que determinam a “entrada” e a “saída” de acionistas. Trata-se de uma peculiaridade, que, dentre outras, promove um distanciamento entre os acionistas e a atividade empresarial (em vista da impessoalidade dos liames que entretêm com a companhia)9; é um elemento estruturante do mercado acionário, erigido sobre uma autorização geral para o comércio de ações. A relação dominial, que se estabelece entre o acionista e a ação de que é proprietário, mantém-se incólume de quaisquer interferências 10

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da companhia e dos demais acionistas, à exceção das hipóteses em que houve uma renúncia contratual a essa incolumidade, na forma de uma preferência ou de uma opção, ordinariamente insertas no âmbito de um pacto de bloqueio10. Uma tal renúncia se justifica, em regra, não apenas pelo interesse na mantença do balanço de poderes no âmbito da companhia (evitando-se, por exemplo, o desfazimento de blocos de controle), mas especialmente para impedir a livre ruptura de liames pessoais e subjetivos, que se justifiquem pela dimensão e pela complexidade da companhia em concreto; há, então, uma calibragem, cujo instrumento é o acordo de acionistas, uma verdadeira instância societária, que funciona sob o reconhecimento de que a LSA cobre um amplo espectro de companhias, entre as quais a subjetividade dos liames será mais ou menos relevante. Nesse contexto, então, a impessoalidade e o apartamento entre acionistas e empresa é a regra, que comportará exceções, para as quais a lei pavimenta caminhos. A livre disposição das ações se limita, de mesmo modo, para que a lei restrinja ou dirija negócios celebrados pela companhia, que tenham como objeto as ações de sua própria emissão. A norma do art. 171 da LSA prevê, por exemplo, um direito de preferência dos acionistas, na proporção das ações de que forem proprietários, para a subscrição do aumento de capital11. A intervenção do legislador – para travar a “entrada” – sustenta-se, aqui, pelo interesse de evitar uma diluição injusconsequência de um aumento de capital, apenas a companhia aberta poderá aliená-las livremente, na forma do artigo 172 da LSA.


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tificada dos acionistas e, portanto, a perda de sua influência na formação das deliberações da companhia. Um dirigismo de mesma ordem se pode identificar no regramento do recesso. As hipóteses do art. 137 da LSA12, sucedidas pelo reembolso das ações do acionista dissidente, caracterizam uma verdadeira aquisição forçada, pela companhia, das ações que emitiu. Isso se justifica por uma evidente perda da base do negócio, do elemento de juízo que motivou o investimento, i.e., das razões que levaram à aquisição das ações que, agora, em vista do recesso, deverão ser reembolsadas. Trata-se de uma garantia excepcional de “saída”, que se transmuda em verdadeira técnica de solução de conflitos societários, mesmo que esses conflitos não devam causar um impacto devastador nas companhias, justamente porque a sua natureza tende a expurgar subjetividade das relações. Uma disputa entre acionistas, sob a premissa de que há um ideal distanciamento entre os acionistas e a empresa, não deverá representar um óbice intransponível à continuação da atividade. Uma mais ampla permissão de “saída”, garantida pelo alargamento do direito de retirada, é capaz de solucionar aqueles conflitos societários mais nefastos, que se deflagram no âmbito de companhias onde as relações internas sujeitam-se a mais elevada subjetividade. Nesses casos, o conflito pode arruinar a empresa, daí porque o reembolso das ações do acionista insatisfeito, que exerce seu direito de retirada, faz cessar o conflito e salva a companhia13. Essa Cf. as exceções dos §§3º e 4º do art. 137 da LSA. Essa foi a técnica empregada pelo legislador entre as formas societárias disciplinadas pelo Código Civil (v.g. art. 1.029), que, em razão de sua natureza e dimensão modelares, ensejam conflitos mais numerosos, frequentes e danosos

é, aliás, uma solução pretoriana, que se afirma por reiterados precedentes jurisprudenciais, para permitir a retirada, sob o fundamento da perda da affectio societates, em “companhias familiares”14. É, portanto, uma solução para as pequenas e médias empresas, cobertas pelo RE-SAS. O certo, contudo, é que, em qualquer hipótese, o remédio deve ser bem dosado, para não matar o paciente. A ampliação da retirada pode causar dois efeitos colaterais indesejáveis: (i) o aumento do custo de financiamento da companhia (ou mesmo a escassez de recursos), sob o constante receio de esvaziamento do patrimônio, e de diminuição conseqüente do acervo de garantias à satisfação dos direitos creditórios, dado o dever de reembolsar o acionista retirante; (ii) uma desaceleração do crescimento da companhia, pela perda de elementos de produção, direta ou indiretamente restituídos ao acionista retirante, o que é capaz de comprometer a continuidade da empresa. A ampliação do direito de retirada pode, de mesmo modo, desnaturar a companhia, centrada na primazia do capital, em detrimento da pessoalidade e da subjetividade das relações. Todas essas considerações permitem concluir que não é possível fazer uma administração geral do direito de retirada como solução para conflitos societários, o que pressupõe a observância das particularidades do caso concreto. O RE-SAS, note-se, submete a companhia a um regramento transitório, capaz de transmudá-la em uma forma híbrida, em atenção a prevalentes critérios de conveniên*

à empresa. Cf., nesse sentido, a brilhante tese de doutoramento de Marcelo Guedes Nunes, Jurimetria aplicada ao direito societário: um estudo estatístico da dissolução de sociedade no Brasil. 2012. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

cia econômica. Esse regramento especial não desnatura a companhia, apenas torna pontualmente disponível a sua disciplina, para que se ajuste às dimensões e às peculiaridades da companhia em concreto. A LSA, aliás, já contempla essas nuances regulatórias. A disciplina atual do direito de recesso é uma concessão à companhia fechada, que, no geral, não organiza a macroempresa, cujas ações são evidentemente ilíquidas ou tem baixa liquidez15. A lei, contudo, não assiste aquele outro conjunto de companhias, para as quais uma ampliação ainda maior do direito de recesso pode ser circunstancialmente útil. Um aumento da autonomia privada, para que os acionistas deliberem uma solução que se afigure benfazeja, não será capaz de desnaturar a companhia, mas apenas permitirá tratar desigualmente companhias diferentes. De mesmo modo, não se estranha que uma companhia possa atualmente emitir ações preferenciais com prioridade de reembolso ou resgatáveis em data certa, que representem a metade de seu capital, e ter uma diminuição de metade de seu patrimônio, caso isso seja necessário, no caso concreto, para financiar a empresa16. A emissão dessas ações irá, não se duvida, comprometer novas iniciativas de financiamento da companhia, seja pela oposição de entraves políticos, seja pelo inevitável comprometimento de seu patrimônio. O custo de oportunidade dos recursos providos pelos acionistas preferenciais poderá justificar, entretanto, a aceitação das consequências indesejáveis. Cf., por todos, BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1.079.763 – SP, julgado em 25 de agosto de 2009. Cf. art. 137, II da LSA. Cf. art. 15, §2º da LSA. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


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O Projeto de Lei 4.303/12 permite que o estatuto da companhia determine uma disciplina mais laxista do direito de retirada. Isso se justifica, por exemplo, nas hipóteses em que esse direito facilita a captação de investimentos, porque estimula o pequeno acionista, sob a condição de que possa forçar a companhia a recomprar as suas ações no futuro. Aqui, atua, em verdade, a mesma lógica econômica que dá fundamento à opção de venda, à exceção da fixação futura do preço do objeto da opção, uma vez que as partes assumem o risco das flutuações patrimoniais e, portanto, da determinação do valor líquido das ações na data da retirada. A regra, neste caso, submete uma ampliação do direito de retirada à autonomia privada e, portanto, a uma avaliação dos benefícios e dos riscos envolvidos. Isso permite, de mesmo modo, o posterior afastamento dessa ampliação, quando não se mostre mais justificável. De mesmo modo, o regramento proposto pelo RE-SAS enseja a cooperação entre acionistas, particularmente para evitar o abuso do direito de retirada pelo acionista controlador, ou por acionistas detentores de participações significativas, quanto mais em situações de crise empresarial. O exercício abusivo do direito de retirada poderá ser obstado pelos demais acionistas, que, mesmo minoritários, poderão determinar a dissolução da companhia, em vista do impedimento ao voto que, nessa hipótese, a regra do art. 294-I opõe ao acionista retirante. Assim, determinada a dissolução, os acionistas apenas terão acesso ao acervo líquido da companhia, se houver, após o pagamento de todas as suas dívidas. É um forte elemento de

dissuasão à retirada, em especial dos maiores acionistas. Esses, cientes de que uma ampliação do recesso deverá beneficiar exclusivamente os minoritários, irão administrar a disciplina da retirada com parcimônia, para incentivar o ingresso de pequenos investidores na companhia, sem que a sua saída eventual represente o fim da empresa. Assim, como a ampliação do direito de retirada será frequentemente empregada como incentivo a investidores minoritários, a lei não pode permitir que o incentivo se falsifique por meio de uma disposição que determine um pagamento de reembolso sem qualquer relação com o valor da empresa. Isso seria institucionalizar a má-fé, plasmada na permissão de uso de um falso chamariz de investimento. É por isso que a norma do art. 294-I limita a autonomia privada à disposição sobre o método e sobre os critérios de determinação do reembolso, admitindo que seja inferior ao valor do patrimônio líquido a preço de mercado apenas quando calculado com base no valor econômico da companhia, apurado em avaliação, na forma dos §§3º e 4º do art. 45 da LSA.

Cf. NUNES, Marcelo Guedes. Intervenção judicial liminar na administração de sociedades.

In: MONTEIRO DE CASTRO, R.; MOURA AZEVEDO, L (Coords.). Poder de controle e outros

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A exclusão do acionista faltoso O direito de retirada caracteriza, como dissemos, uma opção de venda em favor do acionista insatisfeito, que poderá forçar a companhia a adquirir suas ações. É solução a um conflito entre acionistas ou entre acionistas e a companhia. De mesmo modo, é perfeitamente plausível que a companhia ou que quaisquer acionistas se mostrem insatisfeitos com a conduta de um acionista ou grupo particular de *

acionistas. Isso será tanto mais problemático quando mais pessoalizadas e subjetivas forem as relações internas, para caracterizar uma maior proximidade entre acionistas e a empresa exercida pela companhia. Nesse caso, a conduta inconveniente de um acionista poderá, em termos objetivos, caracterizar uma prática contrária aos interesses da companhia e, portanto, nefasta ao regular desenvolvimento da atividade empresarial. Esse cenário, não raro, intensifica-se pela cumulação dos papéis de acionista e de administrador. Um estudo estatístico muito interessante, da autoria de Marcelo Guedes Nunes, realizado em 2010, sobre os pedidos de intervenção judicial na administração das sociedades, dá conta de que, observada uma amostra de acórdãos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, uma maioria de 83,33% envolvia sociedades empresárias limitadas, enquanto que 2,56% tratavam de sociedades anônimas17. O dado, desde logo, demonstra que esses conflitos, que levam a um pleito de intervenção judicial na administração da sociedade, são mais frequentes entre formas societárias onde as relações internas são mais subjetivas, ensejando uma proximidade entre os sócios e a condução das atividades empresariais. O estudo nota, entretanto, que a quantidade de sociedades anônimas relacionadas (2,98%) é quase três vezes maior do que o percentual de sociedades anônimas constituídas em 2005, no estado de São Paulo (1,06%). Guedes conclui, com isso, que as companhias estariam proporcionalmente mais propensas a conflitos judiciais do que as limitadas, ocorrência cuja causa atribui às companhias ditas fatemas de direito societário e mercado de capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 83-133.


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miliares, incertas em um contexto de absoluta iliquidez de ações e de um restrito direito de retirada. O autor estabelece, de mesmo modo, uma íntima relação entre a intervenção na administração e as ações de exclusão de sócio, para caracterizar um cenário em que a interferência na administração é, como depreende da análise dos precedentes, uma medida acautelatória ou antecipatória, que busca evitar a desorganização da sociedade no curso dessas ações. A preponderância das exclusões surge da análise de ações originárias com pedidos de interferência, que montam 45% dos casos analisados. O estudo também demonstra que quase metade dos conflitos societários analisados envolvia sociedades com dois sócios (43,59%), enquanto as sociedades com três sócios respondiam por 20,51% das ocorrências, e as com quatro por 10,25%. Isso permite concluir que o conflito societário judicial é, em grande parte, uma realidade da pequena e da média empresa, independentemente da forma societária que a organize. Nesse contexto, é conveniente lançar mão de mecanismos internos à solução desses conflitos, de um lado, por meio de um circunstancial alargamento do direito de retirada, para prover “saída” ao acionista insatisfeito, e, de outro, criar critérios para o afastamento forçado de acionista que pratique atos capazes de comprometer o bom sucesso da companhia. A LSA, de certo modo, já disciplina a matéria, no geral, por meio da previsão do resgate (art. 44, §1º da LSA), e, no particular, por meio da exclusão do acionista remisso (art. 107 da LSA). A exclusão do acionista faltoso equivale, contudo, sob um ponto de vista estritamente econômico, a uma opção de compra, que o obriga, observadas algumas condições, a alienar à

companhia as suas ações. A doutrina e a jurisprudência brasileiras, cientes do problema, já o têm tratado, de modo a se admitir a exclusão como solução para conflitos societários em companhias fechadas, onde os acionistas e, sobretudo, o acionista controlador entretêm uma relação pessoal com a empresa, que demonstre eventualmente devastadora18. Essa influência nefasta se produz, o mais das vezes, quando é exercida pelo controlador, por meio do abuso de poder de controle, ou, quando decorre de um comportamento das minorias, com o emprego de práticas obstrucionistas e por meio do abuso do direito de voto. Pode acontecer, também, nas situações em que acionistas assumem funções administrativas, por meio da violação de deveres fiduciários. O RE-SAS assume a realidade das pequenas e das médias empresas como premissa, para admitir a adoção de regras e de procedimentos estatutários que determinem, caracterizadas condutas faltosas previstas, a exclusão do acionista. Nesse caso, a prescrição estatutária das causas, do procedimento e, em especial, do direito de defesa são condições de validade e, portanto, de eficácia da regra. Vale notar, ainda, que a exclusão é a única pena aplicada ao acionista faltoso, o qual será reembolsado por meio da apuração do valor de suas ações, sob o mesmo critério protetivo aplicado ao acionista retirante. Isso, por certo, encarece o procedimento, com vistas a evitar exclusões abusivas, sem prejuízo de que a companhia busque eventual ressarcimento por perdas, danos e lucros cessantes que o acionista faltoso lhe tenha causado.

Conclusões É necessária uma intervenção reformista no direito societário

brasileiro, para que se dê a devida atenção à organização jurídica das pequenas e das médias empresas, de que se esqueceram – centrados na disciplina da macroempresa – o Estado e o legislador brasileiros. Submeteram, na ausência de melhor destino, as pequenas e as médias ao regramento das grandes, senão a um arremedo dessa disciplina, a exemplo do que se deu com as limitadas, com o advento do Código Civil. A intervenção estatal na atividade econômica, para a implementação de políticas públicas, é um padrão frequente na história do direito societário. E não poderia mesmo ser diferente, o direito societário se resume, desde os seus primórdios, por “vias de direito” ao exercício da atividade econômica. O direito, nesse contexto, deve cuidar para que a entrada, a permanência e a saída dos empresários nos mercados se deem de modo facilitado, pela constituição e pelo manejo simples e barato das formas societárias disponíveis. Os interesses de supervisão estatal não se podem concretizar ao custo do absoluto desincentivo à organização e ao exercício da empresa ou, o que é pior, do seu desaparecimento. Não é acertado um modelo regulatório, que pretende controlar o fenômeno empresarial, mas que finda por determinar a sua rarefação e, na pior das hipóteses, o seu desaparecimento. Os números brasileiros, que contam milhões de empregos informais, a prevalência quantitativa de pequenas e de médias empresas, por oposição à durabilidade e o bom sucesso das grandes, e uma intolerável e custosa burocracia registral permitem concluir que, entre nós, menos pode ser mais. A formação de uma cultura de autorregramento privado, mesmo que cerceada por limites que, segunwww.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


56 Doutrina do uma concepção de Estado prevalente no Brasil, seriam inegociáveis, parece preferível à rigidez paralisante do dirigismo em vigor, que se funda em um inglório exercício de adivinhação das necessidades e dos interesses particulares no exercício da pequena e da média empresa. Isso porque, na dúvida, o legislador, impaciente e desinteressado, simplesmente institucionaliza soluções ilusoriamente seguras e inúteis. É certo que a autonomia privada, aplicada irrestritamente à disciplina de relações societárias, pode incrementar conflitos de agência e, com isso, institucionalizar um tratamento não equitativo, escorado na disparidade de meios e de informações eventualmente reinantes entre sócios. Nesse ambiente, o direito deve cumprir a sua função de pacificação social. Mas deve fazê-lo, em se tratando de conflitos ou de riscos menores, quando o indivíduo esgotou – sob gabaritos legais – todas as tentativas autônomas de solução. O desafio regulatório é evitar, de um lado, a rigidez paralisante causada pela irrestrita publicização do direito societário e, de outro, que a equidade das relações jurídico-formais se sobreponha à igualdade das relações econômicas. A empresa enseja uma técnica desejável de geração de riquezas, sob a ideia de eficiência, que, no esquema de produção capitalista, está fundada na realização de trocas desiguais nos mercados, na aptidão e na inaptidão seletivas e no crescimento tendentemente ininterrupto das economias. Todas essas utilidades se esgotam se as sociedades, como disciplinadas pelo direito, ensejarem mais custos do que ganhos. Uma disciplina das pequenas e das médias empresas, que simplesmente reproduza o que se dá entre as grandes, despreza o impacto Revista Comercialista * www.ocomercialista.com.br

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dos custos nos ganhos, especialmente porque, nesse caso, há uma profunda disparidade de custos e de ganhos. Uma disciplina jurídica que, demasiado custosa, dificulte a constituição e a modelar utilização de sociedades e que, portanto, contenha o empreendedorismo e o exercício da empresa será direito ruim. O empreendedor brasileiro, cioso de uma oportunidade de inclusão nos mercados, não pode esperar uma revisão da disciplina das limitadas ou a criação de um novo tipo societário que lhe dê guarida. O Brasil quer florescer como potência econômica; as brasileiras e os brasileiros despertam para o empreendedorismo e para as suas oportunidades. Quando as técnicas de distribuição de renda e de mitigação de desequilíbrios econômicos e sociais falham, e as nossas falharam em grande medida, o legislador deve, ao menos, prover ao pequeno e ao médio empreendedor vias de entrada nos mercados. Deve trabalhar para que esses empreendedores tenham uma chance de se beneficiar do próprio esforço, de seu gênio criativo e do favorável contexto macroeconômico. A urgência de uma solução pressupõe atenção ainda maior aos dados do problema. A pressa inspira modificações pontuais do que já existe. A ordem é adaptar. E a adaptação deve ser útil, para atender às necessidades que a inspiraram, sem criar novas necessidades. A amplitude da disciplina da companhia, no Brasil, é, desde logo, uma importante fonte de inspiração. De uma matriz comum são deduzidos matizes e pesos regulatórios, que a caracterizam como disciplina extremamente versátil, capaz de “cobrir” organizações societário-empresariais de diferentes tamanhos, mais ou menos complexas, dentro do amplo domínio (especialmente

no contexto brasileiro de disparidades regionais) da empresa de grande porte. É possível, acreditamos, deduzir desse “chassi regulatório”, uma disciplina especialmente aplicável às pequenas e às médias empresas. Não se trata de medir pequenos e médios com a régua dos grandes, como faz a disciplina brasileira das limitadas. Mas é razoável um desmonte calculado da disciplina da companhia, a diminuição da régua, mantendo-se a sua estrutura essencial, que caracteriza os elementos fundamentais da organização societária da empresa, a que se acoplam periféricos moldáveis, disponíveis segundo as peculiaridades do caso concreto. Se bem sucedida, essa iniciativa ensejará uma correção no direito societário brasileiro, por meio da qual a disciplina da macroempresa societária (que, em termos de frequência, é exceção) terá o seu âmbito de aplicação ainda mais ampliado, a ponto de cobrir as pequenas e as médias, em estrita observância às suas mais variadas dimensões e características. A adaptabilidade necessária, nesse caso, será introjetada na lei, sob o pulso da autonomia privada, como ordem jurídica parcial, constrita por limites objetivos bem definidos. À disciplina mínima e essencial, que caracteriza a companhia, são acopladas disciplinas suplementares, capazes de identificar regimes especiais, a exemplo, repise-se, das companhias fechadas em relação às abertas, diferençadas não apenas pela fattispecie do art. 4º, mas pela regência distinta que é imposta pela LSA. Em verdade, essa disciplina-base (o chassi regulatório) corresponde à disciplina das fechadas, de que se deduzem disciplinas suplementares. O regramento das anônimas é a mais conhecida dessas disciplinas suplementares, mas não a única.


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A existência de um regime jurídico das pequenas e das médias companhias, já plasmado no art. 294 da LSA, mesmo que imperfeito, sugere uma reflexão acerca de modificações capazes de prover a essa disciplina suplementar os predicados que deve modelarmente ostentar. O RE-SAS nasce, por certo, como consequência desse estado de coisas; nasce dos clamores das ruas, das “bocas de foro”, dos escritórios de advocacia, das associações comerciais e industriais, dos sindicatos e, também, da academia. Trata-se da disciplina suplementar, que se acopla ao “chassi regulatório” das companhias, em substituição à “companhia do art. 294”, com vistas a remediar as inconsistências da “superanônima”, sem rechaçar suas qualidades. Vale, nesse contexto, reforçar que o RE-SAS não cria uma nova forma societária, mas apenas uma nova “via de direito”, capaz de prover caminhos às pequenas e às médias empresas. O RE-SAS, que se insere no Projeto de Lei 4.303/12, revoga o art. 294 da LSA e o substitui pelos artigos 294-A a 294-J. O objeto e as principais características do RESAS são: (i) os critérios de inclusão e de exclusão; (ii) a unipessoalidade; (iii) a diminuição de custos de publicidade e o aumento de publicidade; (iv) a flexibilização dos processos de formação das deliberações sociais; (v) a distribuição desproporcional de dividendos; (vi) o barateamento e a desburocratização da estrutura administrativa; (vii) a remuneração dos administradores; e (viii) a ampliação da autonomia privada em matéria de autorregramento do direito de recesso e de exclusão “administrativa” de acionista. O momento se define pela consci-

ência estatal acerca da importância de se promover o empreendedorismo para o bem da economia das nações, mas, sobretudo, para melhorar a vida das pessoas. O aparecimento de um novo modelo híbrido, que combina algumas características essenciais e as técnicas de financiamento da companhia à ampla autonomia das sociedades contratuais, marca um novíssimo momento de inflexão na história do direito societário. E isso, não em razão da utilização de técnicas jurídicas revolucionárias, mas especialmente por conta de um claro alinhamento das técnicas existentes aos interesses das pequenas e das médias empresas. O RE-SAS mostra-se, em linhas gerais, compassado com as tendências mundiais que se expressam nas HBF, mas parece ostentar vantagens adicionais. Não é uma nova forma societária, mas um regime societário especial, a que se submetem algumas companhias, ao satisfazerem os critérios de enquadramento e de adesão voluntária. Assenta-se no consolidado e elogiável regramento das sociedades anônimas brasileiras, o que evita os riscos invariavelmente associados às novidades, no particular, a extensos textos de lei, sujeitos a toda a sorte de erros e de interpretações. Evita, em grande medida, a repristinação de toda a disciplina essencial às companhias, para excetuá-la apenas naquilo que é necessário para caracterizar a especialidade do regime. O RE-SAS aproveita todas as técnicas de financiamento da companhia, alinhando-as em proveito das pequenas e das médias empresas, as quais foram, inconvenientemente, privadas de seu emprego. Promove o crescimento da empresa, não apenas por meio do barateamento de sua organização e de seu exercício,

mas, sobretudo, pelo barateamento de seu financiamento. Nesse sentido, permite a adoção de diferentes estruturas de capitalização (seja pela emissão de ações de diferentes espécie e classes, seja por meio da distribuição desigual de dividendos), bem como a emissão de títulos de dívida, sempre no contexto de valores mobiliários, que poderão mais facilmente ingressar (ser negociados) nos níveis de acesso ao mercado bolsista. De resto, o RE-SAS interioriza a solução de conflitos societários, facultando uma ampla determinação da disciplina do recesso e da exclusão do acionista faltoso. Submetemos todas essas reflexões ao escrutínio do leitor, para que julgue a utilidade do PL 4.303/2012.

Walfrido Jorge Warde Jr Advogado em São Paulo. LLM pela New York University e Doutor em Direito Comercial pela USP, Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado, do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Associação Brasileira de Jurimetria e Conselheiro do Movimento de Defesa da Advocacia; idealizador do Projeto de Lei 4.303/12.

Rodrigo R. Monteiro de Castro Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela PUC-SP, ex-Presidente do Instituto de Direito Societário Aplicado, Vice-Presidente do Conselho do Movimento de Defesa da Advocacia, Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo e Diretor da Associação Brasileira de Jurimetria; idealizador do Projeto de Lei 4.303/12. www.ocomercialista.com.br * Revista Comercialista


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