PERFIL
Maria Cristina Cescon
trata do panorama das fusões e incorporações no Brasil
3o trimestre de 2013 - Ano 2 - Volume 9
Edição Especial M&A
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Sumário
4. Editorial 5. Perfil Entrevista com Dra. Maria Cristina Cescon, sócia de Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados
10. Doutrina Artigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante
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Nessa edição: • Perfil: Maria Cristina Cescon. Fusões e incorporações no mercado brasileiro. Por Paco Manolo Camargo Alcalde • Do fundamento econômico do ágio para fins fiscais. Por Cassandra Camargo Alcalde de Carvalho • FIN 48 is no Fun for Sellers of Brazilian Companies with Uncertain Tax Positions. Por Sanjiv K. Kapur • Considerações sobre o direito societário, as finanças e a contabilidade. Por Ivo Waisberg e Herbert Morgenstern Kugler • Negociação em M&A. Por Pedro Alves Lavacchini Ramunno • Notas sobre Jurimetria e operações societárias. Por Marcelo Guedes Nunes
Editor Executivo Pedro Alves Lavacchini Ramunno
Conselho Editorial Conselho Discente Gustavo Lacerda Franco Paco Manolo Camargo Alcalde Pedro Alves Lavacchini Ramunno Rodrigo Fialho Borges
Conselho Docente Ana de Oliveira Frazão Fábio Ulhoa Coelho Sérgio Campinho Walfrido Jorge Warde Jr.
Articulistas desta edição Bernard Moss
Cassandra Camargo Alcalde de Carvalho Herbert Morgenstern Kugler Ivo Waisberg Marcelo Guedes Nunes Pedro Alves Lavacchini Ramunno Sanjiv K. Kapur
Repórter desta edição Paco Manolo Camargo Alcalde
Diagramação Rodrigo Auada
Nessa edição: entrevista com Dra. Maria Cristina Cescon para a Revista Comercialista.
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A Revista Comercialista é uma publicação trimestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. Contato (11) 98133-5813 - contato@ocomercialista.com.br. Editor: Pedro A. L. Ramunno - pedro@ramunno.com.br. Nota aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comercialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem
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Apoio institucional
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LEHMANN, WARDE & MONTEIRO
DE
CASTRO
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Editorial
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M&A: Muito mais do que a mera transferência de participação societária Os rearranjos das estruturas societárias são conseqüências e, por vezes, até mesmo elementos do desenvolvimento econômico-social de um país ou de determinada região, refletindo diretamente na medição de seu crescimento. O mais das vezes, verifica-se que o aquecimento de determinada economia é diretamente proporcional à ocorrência de reorganizações societárias, materializadas pela transferência do controle societário ou empresarial das sociedades empresárias. Tanto através de uma análise quantitativa quanto valorativa, é notório que países emergentes têm sido, senão protagonistas, grandes palcos das operações de M&A pelo mundo. Os BRICS desfrutam de um elevado período de crescimento econômico desde meados da primeira década dos anos 2000, algo que corrobora para a verificação de intensas recomposições das estruturas empresárias. O Brasil, a despeito de amargar um período de certa estagnação, mostra-se um ambiente propício para conceber grandes operações societárias, admitindo influxos econômicos de extrema relevância para a economia mundial. Não obstante a assente sedimentação de operações de M&A, o desenvolvimento acadêmico-legal desse “instituto” é modesto para um país de grandes ambições. Nesta edição, com o intuito de fomentar a reflexão sobre a maté-
ria, a Comercialista traz uma edição especial sobre M&A, abordando temas diversos aos correntes aspectos societários versados em esparsas obras acerca do assunto. Na seção Perfil, Maria Cristina Cescon, traz-nos sua visão sobre o panorama das operações de M&A no Brasil, abordando o tema sob a perspectiva de uma experiente advogada à frente de uma das maiores bancas de advocacia do país. Iniciando a análise de multifários aspectos que circunscrevem as reorganizações societárias, Cassandra Camargo Alcalde de Carvalho trata com cirúrgica precisão do fundamento econômico do ágio e seus impactos nos investimentos atinentes às operações de fusões e incorporações, um dos mais acalorados tópicos em matéria de direito tributário e contabilidade em operações de M&A. Ainda no tocante aos aspectos fiscais das reorganizações societárias, Sanjiv Kapur aborda os aspectos e as consequências da política americana, consubstanciada no FIN 48, acerca dos riscos tributários a que estão sujeitas as sociedades americanas nos demais países em que operacionalizam concentrações societárias, evidenciando o contingenciamento de riscos e a já reconhecida relevância do planejamento tributário em operações de M&A, muitas vezes tratados de forma agressiva pelas sociedades empresárias brasileiras.
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Prova da múltipla aplicação disciplinar nas operações de fusões e incorporações, é o artigo trazido por Ivo Waisberg e Herbert Morgenstern Kugler, que sob a ótica de grandes advogados atuantes no direito de empresa tratam do imprescindível conhecimento e aplicação de institutos de finanças e contabilidade, atrelados ao direito societário, desde a negociação até o fechamento das operações. Por falar em negociação em M&A, essa importante fase de mitigação de discórdias e ajustes negociais é esmiuçada com maestria por um dos maiores expoentes em negociação do país, Pedro Alves Lavacchini Ramunno, que traz sua técnica visão sobre os mais diversos pontos negociais atinentes às reorganizações societárias. Por fim, com um tema de crescente instigação no âmbito jurídico, Marcelo Guedes Nunes, pioneiro e referência no estudo da jurimetria no Brasil, traz-nos a importância de pesquisas sérias e verdadeiramente empíricas, especialmente no direito comercial e em operações de M&A, para que se tenha uma efetiva identificação de tendências na análise do mercado e na implementação de políticas econômicas e reformas legislativas.
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Perfil - Drª. Maria Cristina Cescon
Fusões e incorporações no mercado brasileiro
Maria Cristina Cescon, advogada com atuação destacada em M&A e sócia do renomado escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, apresenta sua visão sobre o cenário das fusões e incorporações no Brasil, bem como sobre o mercado jurídico nacional e a importância das micro, pequenas e médias empresas aos grandes escritórios.
Bernard Moss
Por Paco Manolo Camargo Alcalde
Maria Cristina Cescon, uma das mais respeitadas profissionais atuantes em M&A, mostra a sua opinião sobre assuntos relevantes aos profissionais da área.
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Perfil Comercialista - Levando-se em conta um mercado de operações muito aquecido no final da última década, quais os principais motivos que influenciaram a notável queda nas operações de M&A no Brasil recentemente? Maria Cristina Cescon - Entre 2009 e 2010 houve um pico, no qual tivemos grandes operações. Existia o conceito de que “o Brasil está na moda”. Depois, no período imediatamente anterior à mudança das regras do CADE, ocorreu um novo pequeno pico, visto que as operações poderiam ser fechadas antes de aprovadas pelo órgão. Este cenário acabou aquecendo o mercado de M&A. Todos que fariam ou pretendiam fazer alguma operação anteciparam as tratativas e o fechamento. Durante cerca de seis meses foi bem volumoso. Enfim, a partir da criação do Super CADE houve, sim, uma queda no número de operações. O que ocorreu, na verdade, foi uma volta ao estado de normalidade. A melhor visão não é da perspectiva de que houve uma queda, mas sim de que houve um pico. Atualmente existem diversas operações no mercado e creio que todos os profissionais dessa área estão trabalhando bastante. Comercialista - Mas existe algum grande motivo para essa volta à normalidade? Maria Cristina Cescon - Creio que seja por uma questão econômica mundial, não apenas do Brasil. Depois de 2008, o mundo passou a
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rever as suas bases econômicas, a exemplo dos Estados Unidos e da Europa, que eram grandes investidores no Brasil e que faziam grandes negócios aqui. Então, existiu uma “quase recessão” e isso se refletiu aqui no país. Ocorre que logo depois disso não havia interesse em se investir nos Estados Unidos e na Europa, de modo que diversos recursos migraram para o Brasil; por isso, esses picos de 2009 e 2010. O Brasil era visto como o “país aonde o futuro chegou”. Finalmente havíamos chegado lá. Mas as bases - econômicas, principalmente - não se confirmaram, o Brasil não fez as reformas que prometia e deixou de ser a “estrela da vez” – mesmo porque, investimentos voltaram a ser feitos nos Estados Unidos e na Europa. Retornamos à normalidade. Ainda não foi dessa vez. O Brasil ainda precisa de muito investimento, principalmente em determinadas áreas como a de infraestrutura. O problema é que o país ainda não fez a lição de casa, embora as oportunidades existam.
estruturado, respondendo a tempo e com fundamento. Eu entendo que o CADE deve se alinhar com os “CADEs internacionais”, pois creio que a função do CADE não deva ser uma função de política de governo, mas uma função de ajuste da concorrência. É isso que o CADE, no Brasil, tem que fazer e faz. Comercialista - O grande volume de operações de fusões e incorporações protagonizadas por companhias estrangeiras afeta, de alguma maneira, a economia brasileira? Maria Cristina Cescon - Sem dúvida. Temos grande capitalização e esses recursos geram empregos, com isso geram salários e as pessoas, consequentemente, acabam gastando mais. Isto gira a economia. O investimento direto ou indireto dos estrangeiros colabora para o crescimento do país. Comercialista - E a presença não apenas dos recursos, mas de sociedades estrangeiras no Brasil, gera algum efeito negativo?
Comercialista - Qual é a visão que Maria Cristina Cescon - Se esses a senhora tem do CADE? estrangeiros ainda não atuam no Maria Cristina Cescon - Pela mi- Brasil, serão novos “players”, nonha experiência, mesmo com a vas fontes de concorrência. Do nova regra, o CADE tem feito um ponto de vista concorrencial, patrabalho excelente. Ele tem res- ra quem utiliza o produto ou o pondido de acordo com as nossas serviço, é bom, pois a desconcenexpectativas. Havia um grande re- tração de determinada área com ceio com as mudanças das “regras a entrada do estrangeiro é saudádo jogo”, de que ele não teria capa- vel. O que eu vejo de dificuldade cidade de atender, de dar um re- é do ponto de vista daqueles bratorno para o mercado, mas o CA- sileiros que têm vontade, que são DE está cada dia mais organizado, empreendedores e que querem,
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Perfil
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eventualmente, adquirir um ativo. Eles têm dificuldade de concorrer com o estrangeiro por falta de financiamento – o financiamento é muito caro para eles -, enfim, dificuldade de captar recursos, ao passo que os estrangeiros ou já têm esses recursos ou têm mais facilidade para captá-los. Comercialista - Quais os efeitos que a concepção do Comitê de Aquisições e Fusões – CAF produzirá no cenário de M&A nacional? Haverá repercussões efetivas? Maria Cristina Cescon - O CAF ainda está em fase de divulgação, está em fase de “venda”. O Souza, Cescon, Barrieu& Flesch sediará [na data de publicação desta edição o evento já ocorreu] um evento sobre o CAF, com a presença de seu Presidente. Participamos, de certa forma, desse processo de concepção, auxiliando alguns bancos que estavam nesse projeto juntamente com a Bovespa. É muito interessante, é um grande passo. O objetivo é modernizar, alcançar níveis de governança que já existem em outros países, principalmente na Inglaterra – creio que um dos grandes espelhos de governança tenham sido as regras da Inglaterra -, mas não é algo obrigatório, as companhias não se obrigam por essas regras do CAF. Então, existe agora uma fase comercial, de como convencer as companhias, seus administradores, de que vale a pena aderir a essas regras um pouco mais restritivas.
Comercialista - Os efeitos seriam de alguma forma parecidos com os do Novo Mercado? Maria Cristina Cescon - Não. Eu acho que é algo bem diferente. Creio que ainda demorará um pouco para as companhias aderirem. Existirão algumas que serão as pioneiras e, quando o CAF se mostrar eficiente, talvez haja uma adesão maior. Ainda existe muita insegurança. Algumas regras do CAF acabaram incorporando obrigações que o próprio Novo Mercado tentou implantar, mas as Companhias não aceitaram. Então existe um certo estresse, que são as questões de oferta pública por aumento de participação, etc. Há questões específicas que o CAF acaba impondo que não foram bem aceitas na época em que o Novo Mercado tentou adotar. O CAF também pode ser utilizado eventualmente, ou seja, se você tiver operações específicas, você não precisa aderir ao CAF; você pode buscá-lo naquela operação especificamente. Creio que no início essa será a maior atuação dele, ou seja, em casos específicos e não por uma adesão completa da companhia.
prir funções que a iniciativa privada não pode ou não consegue exercer, seja pelo tamanho, pela atividade ou pelo prazo de retorno, que é muito longo. O correto seria o BNDES entrar nas atividades essenciais, pelo fato de a economia privada não conseguir entrar. Isso é o que se espera do BNDES, mas eventualmente ele acaba interferindo em operações por uma agenda de governo, ou seja, o governo decide que determinada área deve ser capitalizada ou ingressar no mercado exterior por alguma indústria específica, seja atacado ou varejo. Dessa forma, ele acaba interferindo em áreas que não precisam desse tipo de suporte. Eu acho que isso não é bom para nossa imagem. Comercialista - E em relação aos fundos de pensão? Maria Cristina Cescon - Fundos de pensão, no mundo inteiro, são investidores essenciais para a economia, pois investem no mercado, seja como subscritores de aumento de capital, de “follow-on”, IPOs, etc. Os fundos (de pensão) são essenciais, pois agregam um volume de dinheiro excepcional e necessário. No Brasil devem ser assim, investidores independentes.
Comercialista - Considerando o contexto econômico brasileiro, a atuação estatal na economia (Sistema BNDES e Fundos de Pensão) Comercialista - Os chamados é um fator atrativo ou repelente “escritórios boutique”, escritórios de pequeno porte formados a investimentos? por integrantes altamente qualiMaria Cristina Cescon - Isso é ficados e que prometem serviços uma questão bastante circuns- personalizados, têm condições tancial. Nós vemos o BNDES su- reais de concorrer com os granwww.ocomercialista.com.br | Revista Comercialista
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Perfil des escritórios, principalmente no mercado de M&A? Quais são, na sua visão, as conseqüências da adoção de cada modelo, para os próprios advogados e os seus clientes?
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em cada processo, a relação com o cliente torna-se pessoal. E o fato de se ter uma equipe treinada, que trabalha sinergicamente, é um diferencial.
rar um ônus. A área tributária, em uma operação de M&A, anda lado a lado com o societário. Pelo menos em nosso escritório, ela é tão presente quanto o societário.
Comercialista - Quais são os prin- Comercialista - Na última ediMaria Cristina Cescon - O nú- cipais entraves fiscais encontra- ção da Revista Comercialista, enmero de “boutiques” de M&A tem dos nos planejamentos tributá- trevistamos o Sr. Alencar Burti aumentado e em um número im- rios das grandes reorganizações (Presidente do Conselho Deliberativo do SEBRAE-SP), o qual dá pressionante. Eu, sinceramen- societárias? grande importância para as mite, não conheço o funcionamento desses escritórios para opinar. Maria Cristina Cescon - Existem cro, pequenas e médias empreAgora, você não sabe o número de operações em que uma parcela es- sas (MPMEs). Para as grandes pessoas que eu envolvo em uma sencial do trabalho é tributária. Eu bancas de advocacia, qual a reoperação de M&A. Em uma ope- diria que se começa um M&A pelo levância das MPMEs no cenário nacional de M&A? ração, que não precisa ser muito grande, contamos com até quaMaria Cristina Cescon - É o comerenta pessoas envolvidas. Se forço da grande empresa, todos comos levar em conta apenas a parmeçam do zero (risos). Nós fazete de auditoria (Due Diligence), mos mais operações de M&A de ela envolve aspectos fiscais, tragrandes e médias empresas. É dibalhistas, ambientais, tudo o que fícil fazermos M&A de pequenas você puder imaginar. Você preempresas aqui dentro. Mas valocisa ter um grupo de pessoas esrizamos o atendimento de pequepecializadas. Se a empresa for renas empresas, pois o futuro degulada, por exemplo, você precilas é, daqui alguns anos, um IPO. sa ter uma equipe especialista na Por que não? Toda empresa pasmatéria. Eu tenho um time aqui sa por consolidações, aquisição de (SCBF), por exemplo, que atuam outras, fusões. Nós representamos exclusivamente em CADE. Se tragrandes empresas na aquisição de tarmos de uma instituição financeira, precisamos entender de re- tributário, principalmente se você médias empresas. Isso acontece gras do Banco Central. Em um fi- está do lado do vendedor. Isso faz bastante. O mercado se consolinanciamento, por exemplo, você diferença no preço, na avaliação, da, isso acontece no mundo inteinão faz uma operação sem ter to- nas condições do mercado. A par- ro. Às vezes duas pequenas viram te fiscal é essencial em qualquer uma média, duas médias viram da a parte financeira por trás. Apesar de sermos considerados operação de M&A, de modo que uma grande e a gente se envolve grandes, os atendimentos, em pode trazer vantagens ou, no mí- da mesma maneira que em operanosso escritório – e, nos outros, nimo, que seja indiferente. Quan- ções de muitos bilhões. Não faz dieu imagino que seja semelhan- do se une duas empresas, uma de- ferença. Para o advogado, não pote -, são muito personalizados. A las com créditos fiscais, por exem- de fazer diferença. pessoa contrata o Souza, Cescon, plo, ela pode perdê-los. Dessa mas como sempre contamos com forma, a área fiscal busca ganhar Maria Cristina Cescon - Nós acapelo menos um sócio envolvido sinergias ou pelo menos não ge- bamos de criar uma área nova no
“O Brasil não fez as reformas que prometia e deixou de ser a ‘estrela da vez’”
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escritório, relacionada a empreendedorismo, pela qual os empresários que estão começando, que não têm nenhum amparo legal ou nenhum conhecimento legal, nos procuram para que os ajudemos a se estruturarem, para crescerem. Nosso foco são as “startups”. É uma iniciativa pioneira no Brasil. Temos conheci-
prado por desconhecimento. Diversas operações são interrompidas por diversos riscos, seja por não ter concessão ou, até mesmo a empresa não ter um objeto possível. Riscos ambientais também são muito importantes. Numa rede varejista, por exemplo, imagine se as lojas não têm os contratos de locação. São coisas básicas, mas de extrema importância. As auditorias nos levam a duas coisas: a operação ocorrer ou não, pois a empresa pode se tornar algo completamente diferente daquilo que se imaginava depois de uma auditoria, a depender, principalmente,das negociações no futuro, indenizações, do que o vendedor responde ou não, do ajuste de preço, dentre outros pontos importantes. A auditoria é absolutamente essencial. Nós fazemos isso com uma responsabilidade extrema. Nós envolvemos nossos melhores advogados em auditoria, fazemos o trabalho com responsabilidade. mento de apenas dois ou três es- Já me deparei com relatórios de critórios nos Estados Unidos, na auditoria sem informações ou Califórnia e em Boston, que fazem análises. Muitas vezes até há inesse tipo de assessoria. E nós nos formações, mas o profissional não inspiramos neles para fazer esse as analisa. Então quem lê o relatótipo de trabalho rio passa por determinadas informações sem saber do que se trata. Comercialista - Tendo em vista Auditoria custa caro. O brasileique muitas vezes a “Due Diligen- ro tem que se conscientizar de ce” é negligenciada nas opera- que auditoria é um mal necessáções de M&A, em sua opinião, ela rio, assim como ocorre em outros é realmente importante? países. Se a auditoria for barata, com certeza não se terá o resulMaria Cristina Cescon - Total- tado necessário. mente. Algumas pessoas esque- E seria irresponsável para uma cem que podem comprar um ati- empresa comprar outra sem ter vo que não deveriam ter com- uma auditoria bem feita.
“Seria irresponsável para uma empresa comprar outra sem ter uma auditoria bem feita”
Nós temos uma equipe só de auditoria, responsável pela coordenação da auditoria, de modo que fazem um trabalho minucioso, tendo certeza de que tudo foi checado. Na hora em que surge uma questão jurídica importante, tributária, por exemplo, o (Roberto) Barrieu, que é o sócio chefe dessa área, vai olhar aquilo. Comercialista - Para finalizarmos, como a senhora prevê as operações de M&A daqui a 5 anos, quando o Brasil já tiver, de certa forma, assimilado os benefícios e as mazelas trazidas por grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas? De modo geral, creio que o impacto no país será de crescimento, de geração de riqueza, abertura de novas áreas, melhora na infraestrutura etc. O país só tem a se beneficiar e espero que façamos um bom papel. Creio que com isso entrarão no mercado brasileiro muitos investidores estrangeiros, que ou partirão do zero ou comprarão empresas que já tenham alguma estrutura. Isso gera investimentos, empregos. Enfim, acho uma maravilha, mas espero que correspondamos às expectativas. É complicado falar no cenário de M&A em cinco anos. Ocorre que a área de M&A sofre menos oscilações que a área de mercado de capitais, por exemplo. No M&A, se a empresa está mal, ela precisa ser vendida, se ela está bem, ela irá comprar. Ou seja, M&A é uma boa área.
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Do fundamento econômico do ágio para fins fiscais Por Cassandra Camargo Alcalde de Carvalho*
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m virtude do cenário tributário brasileiro, o ágio gerado nas operações de fusão e aquisição (M&A) ocupa papel de destaque nas discussões e avaliação das transações, na medida em que o seu aproveitamento, para fins fiscais, impacta o valor do investimento. A figura do ágio surgiu no ordenamento jurídico tributário brasileiro com a publicação do Decreto-lei nº 1.598/1977, que visava adaptar a legislação do Imposto de Renda às inovações trazidas pela Lei nº 6.404/76. Referido Decreto-Lei, quando das disposições acerca do método de equivalência patrimonial (MEP), determinou em seu artigo 20, que o contribuinte que avaliar o investimento em sociedade coligada ou controlada pelo método de equivalência patrimonial tem a obrigatoriedade de, quando da aquisição da participação societária, desdobrar o custo de aquisição em: i) valor do patrimônio líquido à época da aquisição; e ii) ágio ou deságio na aquisição. Esclareceu-se que o ágio ou deságio na aquisição de investimento é calculado pela diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor do patrimônio líquido da sociedade adquirida na época da aquisição. Portanto, quando essa diferença for positiva, qual seja o preço pa-
go maior que o valor do patrimônio líquido, o investidor registrará um ágio. Ao passo que quando essa diferença for negativa, assim apurada quando o preço pago for menor que o patrimônio líquido, o investidor registrará um deságio. O valor do ágio ou deságio, nos termos do Decreto-Lei nº 1.598/1977, será registrado pelo contribuinte em subconta distinta do custo de aquisição do investimento e deverá indicar os seguintes fundamentos econômicos: a. Mais valia de Ativos: valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo de aquisição registrado contabilmente; b. Rentabilidade Futura: valor da rentabilidade da coligada ou controlada, com base nos resultados de exercícios futuros; c. Outras Razões: fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas. O ágio fundamentado com base na mais valia de ativos (letra “a”) ou rentabilidade futura (letra “b”) deverá ser devidamente suportado por demonstração arquivada como comprovante da escrituração do investidor. Nota-se que o legislador elencou três tipos de critérios para suportar o preço pago na aquisi-
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ção do investimento, cujo valor, em tese, deveria estar em consonância com as práticas de mercado, cabendo ao contribuinte buscar o critério mais adequado para suportar o valor da operação. Vale destacar que o Decreto-Lei nº 1.598/1977 não estabelece qualquer ordem a ser seguida pelo investidor para fins de fundamentação do ágio apurado. Ademais, não impede que o investidor aloque o ágio em mais de uma fundamentação econômica. O Decreto-Lei nº 1.598/1977 determinou, ainda, que as contrapartidas da amortização do ágio ou deságio não seriam computadas na apuração do Lucro Real, com exceção ao caso de alienação do investimento, momento no qual, o ágio ou deságio passaria a compor o custo do investimento para fins de apuração de ganho ou perda de capital. Observa-se, contudo, que somente com o advento da Lei nº 9.532/1997, o ágio registrado, quando da aquisição da participação societária, ganhou grande importância com a determinação dos critérios a serem observados para alcançar a sua dedutibilidade para fins fiscais, até então não disciplinados pelo Decreto-Lei nº 1.598/1977. Os artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997 dispuseram que a pessoa jurídica que absorver o patrimônio de outra, em virtude
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de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio (“upstream merger”), ou vice-versa (“downstream merger”), deverá observar os seguintes procedimentos: a. Ágio fundamentado com base na mais valia de ativos: deverá ser registrado em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa, integrando o custo de aquisição do bem ou direito, e, portanto, sujeito à depreciação, amortização ou exaustão, no prazo previsto pela legislação tributária vigente; b. Ágio fundamentado com base na rentabilidade futura: será registrado em conta de Ativo Diferido, sujeito à amortização à razão de um sessenta avos, no máximo, por mês (equivalente a 20% ao ano), nos balanços correspondentes à apuração do Lucro Real, após a incorporação, fusão ou cisão. c. Ágio fundamentado em outras razões: será registrado em conta de Ativo Permanente, não sujeito amortização. No caso de alienação do bem ou direito, irá compor o custo de aquisição para fins de apuração do ganho ou perda de capital. Ademais, referido montante poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nesta data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa. Portanto, constata-se que a realização do ágio, para fins fiscais, através dos eventos especiais de incorporação, fusão ou cisão, é o mecanismo adota-
do até os dias atuais, em virtude da vigência da Lei nº 9.532/1997, para alcançar a dedutibilidade da amortização do ágio. Todavia, esse mecanismo está limitado à fundamentação econômica do ágio, já que para cada cenário, há um critério de amortização e dedutibilidade a ser observado. Na prática, os contribuintes sempre buscam fundamentar o ágio com base na mais valia de ativos (ágio letra “a”) ou na rentabilidade futura (ágio letra “b”) do investimento, com o intuito de alcançar benefício fiscal quando da sua amortização, já que o ágio classificado como “outras razões” não gera nenhuma dedutibilidade para fins de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, apenas será computado quando da alienação do investimento para fins de determinação do ganho ou perda de capital. Vale destacar que a Contabilidade, em nenhum momento até 2008, dispunha de práticas contábeis claras, além das previstas pela legislação tributária, para a contabilização do ágio. Havia normas infra legais da Comissão de Valores Mobiliários – CVM sobre instruções a serem observadas na contabilização e amortização do ágio para as companhias abertas, que visavam, principalmente, à proteção aos acionistas minoritários. A fundamentação econômica do ágio constitui aspecto de extrema relevância e cuidados a serem observados pelo investidor, já que pode acarretar diversos questionamentos em virtude do seu enquadramento e consequente dedutibilidade.
A legislação vigente não faz restrições sobre a preparação desse estudo, podendo, inclusive o próprio contribuinte prepará-lo. Entretanto, com o intuito de demonstrar transparência e independência na análise dos critérios adotados, recomenda-se que esse estudo seja preparado por empresa especializada, ou outro terceiro independente, com a emissão de um laudo/estudo específico para suportar o preço pago na operação. Trata-se de elemento essencial para suportar o fundamento econômico do ágio apurado pelo investidor, principalmente em caso de questionamentos por parte das autoridades competentes. A possibilidade de deduzir a amortização do ágio, para fins fiscais, no Brasil, é um grande atrativo para os investidores, principalmente os estrangeiros, já que esse benefício fiscal não é comum em outros países. Da mesma forma que constitui um grande atrativo para investidores, também passou a ser foco de fiscalização das autoridades fiscais. A Receita Federal tem, nos últimos anos, através dos seus agentes fiscalizadores, questionado os ágios gerados na aquisição de participações societárias, bem como as reestruturações societárias que vislumbram o seu aproveitamento para fins fiscais. São geralmente valores relevantes e que podem impactar significantemente as demonstrações financeiras das empresas, caso seus efeitos fiscais sejam efetivamente glosados. Os grandes questionamentos dos ágios ainda se perfazem na esfera Administrativa e não há evidências efetivas do entendi-
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mento que irá prevalecer sobre a matéria, principalmente pelo fato de o Judiciário não ter sido acionado. De qualquer forma, o tema tem sido objeto de acompanhamento efetivo pelos contribuintes e estudiosos, já que qualquer entendimento desfavorável que venha prevalecer poderá tornar inviáveis eventuais alternativas de melhor gestão tributária para o aproveitamento do ágio, e consequentemente desestimular operações de M&A. Nas operações de M&A, os investidores buscavam maximizar esse benefício fiscal da dedutibilidade do ágio, e até o ano calendário de 2008, era muito comum o ágio estar cem por cento fundamentado na rentabilidade futura do investimento. Conforme já pontuado, a Contabilidade permitia esse tipo de análise e registro contábil com base no Decreto-Lei nº 1.598/1977 e na Lei nº 9.532/1997, em virtude da própria ausência de normas contábeis expressas. A Contabilidade era acessória à legislação tributária para o alcance dos resultados pretendidos. Esse cenário foi mantido até o ano de 2007, quando ainda, a Contabilidade brasileira era norteada pela legislação tributária, em virtude da ausência de dispositivos expressos que indicassem as melhores práticas contábeis a serem seguidas. A legislação tributária pormenorizadamente determinava os critérios contábeis a serem seguidos pelas sociedades e a Contabilidade atuava como mera coadjuvante, sem qualquer intervenção expressa à legislação tributária, apenas acatando de forma passiva as determinações fiscais.
Assim, usualmente, observavam-se transações, nas quais determinada sociedade investidora, que tinha apurado o ágio da aquisição de investimento, incorporava esse investimento ou vice-versa, e com a realização desse ágio, nos termos da Lei nº 9.532/1997, iniciava-se a amortização do ágio contabilmente, e a despesa gerada era considerada dedutível (observado o limite máximo de 1/60 ao mês), para fins de apuração do Lucro Real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Logo, o contribuinte alcançava redução da carga tributária em aproximadamente 34% do valor do ágio apurado. Com a publicação da Lei nº 11.638/2007, esse modelo subordinado e secundário da Contabilidade foi deixado pra trás e os conceitos e práticas contábeis passaram a ter independência dos conceitos tributários. A Lei nº 11.638/2007 trouxe mudanças significativas na legislação societária, traduzidas na Lei nº 6.404/76, na medida em que convergiu as práticas contábeis brasileiras aos padrões internacionais do IFRS – “International Financial Reporting Standards”, procedimento esse, que vem sendo progressivamente adotado por outros países. As novas práticas contábeis tornaram-se vigentes, no Brasil, a partir de 1º de janeiro de 2008. No que concerne especificamente ao impacto que essas novas práticas contábeis poderiam trazer ao ágio apurado, em especial nas operações de M&A, vale destacar que foi criado um novo grupo contábil denominado “Ativo Intangível”.
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Neste novo grupo foram compreendidos os direitos que têm por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da sociedade ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. Incluiu-se também neste conceito de ativo intangível, para fins de IFRS, o ágio pago e suportado com base na rentabilidade futura, o chamado “goodwill”. Destaca-se que o “goodwill”, em virtude dos conceitos trazidos do IFRS, deixou de ser amortizado para fins contábeis. Face às novas práticas contábeis introduzidas, várias discussões surgiram no mercado sobre a aplicabilidade da nova regra; e do ponto de vista fiscal, um dos principais pontos discutidos foi a manutenção do benefício fiscal do ágio. Com o objetivo, entre outros, de centralizar e uniformizar o entendimento no processo de definição das boas práticas a serem consideradas pelas empresas para a convergência da contabilidade brasileira aos padrões internacionais do IFRS, através da emissão de Pronunciamentos Técnicos Contábeis, foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC pela Resolução do Conselho Federal de Contabilidade – CFC nº 1.055/2005. No que concerne ao aspecto contábil relativo ao ágio suportado com base na rentabilidade futura, foi publicado o Pronunciamento Técnico Contábil CPC nº 15, atual CPC nº 15 (R1). O CPC nº 15 instituiu o conceito de combinação de negócios, assim entendido como a operação ou outro evento, no qual o adquirente obtém o controle de
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um ou mais negócios, independente da forma jurídica da operação. Inclui-se também as operações de fusões entre partes independentes, até mesmo as operações de “true mergers” ou “merger of equals”. Esse mesmo CPC estabeleceu o mecanismo do “Purchase Price Allocation” (PPA) para as operações de combinações de negócios realizadas entre partes independentes, que, em suma, deve observar os seguintes procedimentos: i) Reconhecimento a valor justo dos ativos identificáveis e dos passivos assumidos, mesmo quando não estejam reconhecidos no balanço da sociedade adquirida, assim como de participações de não controladores na adquirida; e ii) Reconhecimento como “goodwill” ou resultado proveniente da compra vantajosa, do ativo que representa benefícios econômicos futuros resultantes de outros ativos adquiridos na combinação de negócios, os quais não foram individualmente reconhecidos conforme item “i” acima. Dessa forma, a adquirente do investimento, nos termos do CPC nº 15, deverá efetuar a alocação do preço pago, com base nos itens “i” e “ii” acima, e seria classificado como “goodwill”, incluindo-se aqui, o ágio fundamentado com base na rentabilidade futura, apenas o montante residual. Esse PPA deve estar suportado por um laudo de avaliação específico. O “goodwill” registrado contabilmente, segundo as novas práticas contábeis, não é passível
de amortização e está sujeito ao teste de redução do valor recuperado, o chamado “Impairment” (CPC nº 01). A legislação tributária brasileira não acompanhou as novas normas e práticas contábeis de harmonização ao IFRS. Contudo, essa ruptura do antigo modelo contábil para o novo, gerou e ainda gera grande incerteza dos impactos tributários que podem ser provocados pela aplicação dessas novas regras de contabilidade. A fim de dirimir os questionamentos que vinham sendo levantados e discutidos no mercado, foi publicada a Medida Provisória nº 449/2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/2009, que instituiu o Regime Tributário de Transição (RTT). O RTT tem como objetivo neutralizar os efeitos tributários decorrentes das novas práticas contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/2007 e normativos correspondentes, para fins de determinação do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. As empresas poderiam optar pelo RTT nos anos de 2008 e 2009, contudo, a partir de 2010, tornou-se obrigatório. De uma maneira geral, o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS devidos pelos contribuintes deverão ser calculados de acordo com os métodos e as práticas contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, ou seja, sem considerar eventuais efeitos advindos das alterações nas práticas contábeis. Os ajustes decorrentes do RTT, atualmente, são reportados no Controle Fiscal Contábil de Transição (FCONT), assim como em fichas específicas da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, e
constituem forma de demonstração dos resultados e do balanço patrimonial segundo os critérios contábeis em 31 de dezembro de 2007. Portanto, demonstram a diferença entre o balanço societário/contábil (novas regras contábeis) e o balanço fiscal (antigas regras contábeis). A instituição do RTT não foi suficiente para sanar todas as dúvidas e questionamentos quanto aos possíveis impactos tributários decorrentes das novas práticas contábeis. No caso específico do ágio gerado nas operações de aquisição de participação societária, dúvidas são suscitadas em relação à aplicabilidade do conceito de ágio advindo do CPC nº 15,qual seja, a necessidade de fundamentar o ágio, para fins fiscais, com base no PPA. Muitos passaram a entender que a legislação tributária, antes precursora dos critérios contábeis, agora estaria subordinada aos novos conceitos contábeis introduzidos. Nesse sentido, somente poderia ser fundamentado como ágio com base na rentabilidade futura, aquele relacionado ao preço que não foi possível ser alocado a valor justo de ativos identificáveis e passivos assumidos, como determina o CPC nº 15. Ocorre que as novas práticas contábeis introduzidas pela Lei nº 11.638/2007 e pela Lei nº 11.941/2009, devem ser consideradas neutras pra fins fiscais. Portanto, não deveriam produzir qualquer efeito fiscal. Com base na legislação fiscal vigente, constata-se que dois critérios contábeis devem ser adotados pelas empresas, com o objetivo de identificar dois tipos de balanços:
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i) Balanço societário com base nas novas práticas contábeis para a elaboração das demonstrações financeiras; e ii) Balanço fiscal com base nas práticas contábeis existentes em 31 de dezembro de 2007 para apuração dos tributos federais. Tal entendimento foi corroborado pela própria Receita Federal com a recente publicação da Instrução Normativa RFB nº 1.397/2013, que regulamenta o RTT, e determinou que além dos elementos de Resultado (custos, despesas e receitas), também os elementos do Ativo, Passivo, Patrimônio Líquido, deverão ser considerados para fins tributários, com base nos métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007. Essa Instrução Normativa da Receita Federal também instituiu a Escrituração Contábil Fiscal (ECF) que deverá ser apresentada anualmente pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, a partir de 2014. A ECF deverá conter todos os lançamentos do período de apuração conforme os critérios contábeis aceitos para fins fiscais, ou seja, com base nas práticas vigentes em 31 de dezembro de 2007 e será transmitida ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED). Até o ano de 2013, ainda permanece obrigatória a entrega do FCONT. Portanto, restou claro que os contribuintes são obrigados a manter duas escriturações contábeis, uma para atendimento da legislação societária e a ou-
tra para atendimento da legislação fiscal. Nota-se, contudo, que esse cenário vem sendo arduamente discutido pelo mercado e contribuintes, em virtude do alto custo de manutenção que ele representa. Considerando essa atual dicotomia, e sendo o ágio objeto de legislação tributária expressa (Decreto-lei nº 1.598/1977 e Lei nº 9.532/1997), não haveria que se falar na aplicação dos critérios contábeis em detrimento da legislação vigente. Como bem esclarece Luís Eduardo Schoueri “conquanto o assunto ágio tenha recebido, do ponto de vista da contabilidade societária, novos desdobramentos por conta da edição da Lei nº 11.638/2007, importa reconhecer que o instituto jurídico tributário homônimo - ágio – não sofreu qualquer alteração, cabendo, daí, ao tributarista, tomar por base a legislação que o regula.”1 Desta feita, se as autoridades fiscais pretendem se amparar das novas regras contábeis para fins de apuração e dedutibilidade do ágio, deverão primeiramente alterar a legislação fiscal vigente, atentando-se, principalmente, para o princípio constitucional da legalidade. Atualmente, os contribuintes estão protegidos pela neutralidade tributária instituída pelo RTT. Ao tomar-se por base o Decreto-lei nº 1.598/1977 e a aplicabilidade do RTT, o investidor deverá observar, para fins fiscais, os critérios determinados pela legislação fiscal vigente para a fundamentação do ágio, quais sejam:
1 Cf. Luís Eduardo Schoueri, “Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo.
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i) mais valia de ativos (letra “a”); ii) rentabilidade futura (letra “b”) ou iii) outras razões econômicas (letra “c”). Ademais, outro aspecto relevante a ser observado pelo investidor, como já pontuado, é a preparação de um estudo/laudo, que fundamentará economicamente o ágio gerado para fins fiscais, com base nas premissas, fatos e expectativas que nortearam a aquisição do investimento com ágio, sem qualquer ordem de aplicabilidade e relevância a ser seguida. Sob esse prisma, observa-se que as regras introduzidas pelo CPC nº 15, em princípio, alteraram os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, na medida em que o investidor, para fins de atendimento das novas regras contábeis, passou a alocar a valor justo, o preço pago aos ativos identificáveis e passivos assumidos, e somente o excedente seria considerado “goodwill” baseado na rentabilidade futura. Há, desse modo, uma ordem e metodologia imposta a ser seguida pelo contribuinte, até então inexistente. Portanto, mesmo que para fins de balanço societário, elaborado com base nos novos critérios contábeis, o investidor tenha que efetuar a alocação do preço pago com base em laudo específico que suportará o PPA e eventual “goodwill” gerado, com base na legislação tributária vigente, bem como entendimento emanado pela própria Receita Federal através da Instrução Norma-
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tiva RFB nº 1.397/2013, para fins de balanço fiscal, deverá também preparar um laudo específico que suportará o ágio registrado para fins fiscais, segundo os critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007 e que ainda permanecem inalterados. Vale destacar, contudo, que alguns aspectos constantes do CPC nº 15 não deveriam ser interpretados como novas práticas contábeis, tendo em vista que antes da sua publicação, já havia previsão para a alocação do preço de compra em itens específicos, como no caso de bens do ativo, mais especificamente para o Ativo Imobilizado. Ou seja, as práticas contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 permanecem aplicáveis. Não haveria que se falar em qualquer alteração. Dessa forma, não necessariamente a alocação do preço de compra a valor justo, segundo as determinações do CPC nº 15, é conceitualmente diferente da alocação do ágio fundamentado na legislação tributária vigente. Assim sendo, mesmo que o investidor esteja amparado pela neutralidade tributária do RTT, e elabore dois laudos/estudos econômicos para suportar o preço pago na aquisição do investimento com o intuito de alcançar maior benefício fiscal, quais sejam o PPA baseado nos novos critérios contábeis determinados pelo CPC nº 15, bem como o laudo fiscal baseado nos critérios previstos pelo Decreto-lei nº 1.598/1977, ficaria inconsistente apresentar um laudo/estudo para suportar o ágio apurado, para
fins fiscais, que esteja cem por cento fundamentado na rentabilidade futura do investimento, no caso do PPA apresentar alocação para Ativo Imobilizado (letra “a”), por exemplo. Restaria evidente, pelo balanço societário do investidor, que parte do valor pago na aquisição do investimento compõe o custo do Ativo Imobilizado adquirido, e ainda, que a fundamentação do ágio, para fins fiscais, foi efetuada com o único propósito de obter maior benefício fiscal. Portanto, eventuais justificativas utilizadas no laudo para suportar o ágio gerado, para fins fiscais, estariam enfraquecidas, face à referência clara a outro fundamento para seu pagamento, já antevisto no Decreto-lei nº 1.598/1977, e que também era utilizado pelos investidores antes do advento nas novas práticas contábeis. No que concerne especificamente à alocação do preço pago em Ativos Intangíveis (letra “c”) no PPA, Eliseu Martins e Sérgio Iudícibus ensinam que “os três elementos citados na letra c, do artigo 20 do DL 1.598/77 não deveriam, em hipótese alguma, lá estar. Pleonasmo puro ou razão impossível de existir”2. Os autores entendem que o sobrepreço pago, a esse título, compõe, essencialmente, a rentabilidade futura da entidade adquirida. Dessa forma, tomando-se por base os ensinamentos da doutrina contábil, bem como a inexistência do grupo contábil Ativo Intangível até o advento da Lei nº 11.638/2007, o investidor poderia
* Cassandra Camargo Alcalde de Carvalho Gerente Sênior de Consultoria Tributária da Deloitte Touche Tohmatsu. Bacharel em Direito pela PUC-SP, advogada inscrita na OAB/SP. Bacharel em Ciências Contábeis pela PUC-SP, contadora inscrita no CRC/SP. MBA em Gestão de Projetos pela FGV-SP.
2 Cf. Eliseu Martins e Sérgio de Iudícibus, “Intangível – Sua relação Contabilidade / Direito –
Teoria, estruturas conceituais e normas – Problemas fiscais de hoje”. In: Luís Eduardo Schoueri,
“Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo, Dialética, p. 18.
suportar eventual preço alocado em Ativo Intangível, consoante PPA, como ágio fundamentado na rentabilidade futura da empresa adquirida, para fins fiscais. Portanto, nos termos da legislação vigente, é possível que o contribuinte disponha de dois laudos/estudos que fundamente o preço pago na aquisição do investimento, para fins societários/contábeis e fiscais. Contudo, é extremamente importante que o investidor analise a essência sobre a forma de qualquer operação que envolva ágio e a documentação pertinente. Mesmo que a legislação tributária não tenha acompanhado as mudanças das práticas contábeis, há critérios e princípios que permanecem inalterados e podem ser utilizados como argumentos para suportar eventuais questionamentos por parte das autoridades competentes. A tendência é que as autoridades fiscais estejam cada vez mais rigorosas na fiscalização das operações que envolvam ágio e o contribuinte deverá estar preparado e munido de todos os subsídios necessários e inerentes a essa nova realidade.
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FIN 48 is no Fun for Sellers of Brazilian Companies with Uncertain Tax Positions Por Sanjiv K. Kapur*
A
s the luster of investing in Brazil and other BRIC countries has diminished, FIN 48, a US accounting rule relating to the disclosure and valuation of tax contingencies may further decrease the appetite of US companies to undertake acquisitions in Brazil. That accounting rule only went into effect at the end of 2006 for some US companies, and at the end of 2008 for non-public US companies. In the case of sales of Brazilian companies to US buyers that are actually completed, this relatively new accounting rule will increase the risks that the Brazilian seller might face in two respects. First, disclosures pursuant to FIN 48 about Brazilian tax contingencies might increase the risk that Brazilian tax authorities might detect the tax contingencies, and thus pursue the Brazilian seller for a potential historical tax underpayment. Second, the seller may face increased risks that it will have to indemnify the buyer for losses suffered as a result of the tax contingencies that were the subject of disclosure under the new accounting rule. Sellers of Brazilian com-
panies would thus be well advised to consider the impact of FIN 48 on any proposed transaction involving a US company. Brazil is widely recognized to have one of the most complicated tax regimes in the world1. That complicated tax regime has meant that many Brazilian companies have routinely failed to comply with Brazilian tax requirements. Some of the noncompliance is unintentional. But, some Brazilian companies purposefully fail to comply with tax laws or pursue questionable aggressive tax practices, precisely because they realize that overburdened understaffed Brazilian tax authorities are unable to detect instances of non-compliance with the complicated tax regime.2 Moreover, although the Brazilian government has taken actions to combat public corruption,3 it is not unheard that payments to Brazilian tax officials can mysteriously lead such officials to ignore and fail to take action against instances of tax non-compliance that have been detected. In addition, even if tax officials challenge tax irregularities, taxpayers
can tie up the challenge in Brazilian court litigation for years.4 Until now, viewed from within Brazil, aggressive posturing in tax planning has had little downside risk for Brazilian companies. But, as foreign companies in the last several years have begun to pay handsome prices for Brazilian companies to get access to the burgeoning Brazilian markets, Brazilian companies are beginning to realize that the tax savings they obtained through pursuing aggressive tax planning may potentially pale in comparison with lost or reduced profits obtained from a sale to a US company. In the past few years, United States and European authorities have aggressively pursued companies for failing to effectively promote compliance policies. Foreign companies have thus become hesitant to buy Brazilian companies with compliance issues, including with respect to tax matters, in light of concerns that such practices, embodied in the culture of the target, may continue under their watch. But even companies who are comfortable that they can implement policies and procedures that will ensure such in-
Nota: Sanjiv K. Kapur is a partner with the law firm Jones Day. He gratefully acknowledges the assistance of Douglas El Sanadi in research for this article. The views expressed herein do not necessarily reflect the views of Jones Day.
Brazil is high and continues to far exceed the time required in any other economy by some margin.”
that will go into effect on January 20, 2014, and establishes a comprehensive system of corporate and individual liability for acts of corruption including acts of bribery involving Brazilian and foreign public officials.
1 World Bank, International Finance Corporation and PWC, “Paying Taxes 2013 The global picture”. As Carlos Iacia of PWC notes in the regional analyses of the report, “The tax compliance burden for
2 According to the Tax Planning Institute, evasion in Brazil is estimated to be 16% of potential income. Soto, Alonso, “Brazil’s secret tax weapon: the fiscal lion”, Reuters, May 8, 2012. 3 The most recent of these actions is the adoption of Law 12.846, Brazil’s anti-corruption law
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4 “Nothing is certain Brazilian firms fight huge and unpredictable tax bills,” The Economist, January 12, 2013.
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tion threshold shall initially and subsequently be measured as the largest amount of tax benefit that is greater than 50 percent likely of being realized upon settlement with a taxing authority that has full knowledge of all relevant information.7
stances of non-compliance will not continue under their watch, and thus can avoid liability for compliance issues on a going forward basis from the acquisition, may still be hesitant to proceed forward. The reason for this hesitation are the strengthened FIN 48 US financial reporting guidelines that require US firms to quantify and account for the uncertainty extant in acquired companies’ uncertain tax positions. United States companies generally prepare financial statements in accordance with Generally Accepted Accounting Principles (GAAP), principles promulgated by the Financial Accounting Standard Board (FASB) and codified in 2009 in the FASB Accounting Standards Codification. When in 1992, FASB Statement No. 109, established reporting standards to account for the impact of income taxes on a company’s financial statements, it did not provide specific guidance on accounting for uncertainty in measuring income tax positions.5 That changed in 2006 when, FASB Interpretation No. 48, commonly referred to as FIN 48, modified FASB Statement No. 109 by providing specific guidance about how to account for uncertainty in income taxes recognized in a company’s financial statements. Since it became effective for periods beginning after December 15, 2006 for US companies that
publicly file reports with the U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) and for periods beginning after December 15, 2008 for all other non-public companies, FIN 48 has imposed a twostep process to account for uncertain tax positions. The first requirement is recognition. This step calls for a company to determine whether it is more likely than not that a tax position will be sustained upon examination by the appropriate taxing authority. In making this determination, the company uses its best judgment based on the individual facts and circumstances. The company must, however, presume that the tax position will in fact be examined by the appropriate taxing authority; the fact that the risk that a taxing authority will actually discover and examine the position might be remote is irrelevant. Furthermore, the company must presume that the taxing authority possesses all information needed to evaluate the tax position.6 The second step of the process is measurement. If a tax position meets the more-likely-than-not recognition threshold, the position is gauged in order to identify the amount of benefit that may be recognized in the company’s financial statements. According to FIN 48:
5 “Accounting for Uncertainty in Income Taxes: an interpretation of FASB Statement No. 109” (hereinafter “Accounting for Uncertainty”), page 2. “Statement 109 contains no specific guidance on how to address uncertainty in accounting for income tax assets and liabilities.”
7 Id. at 4.
10 “Accounting for Uncertainty” page 6.
8 Id. at 5.
11 Sections 13 and 15 (d) of the Securities Exchange Act of 1934 require publicly traded companies to file periodic reports prescribed by the SEC. The SEC has promulgated Rule 13a-1 and Form 10-K to require the filing of annual reports.
6 Id. at 3.
A tax position that meets the more-likely-than-not recogni-
9 Asciutti, Carlos R. “What Are the Key Considerations for Executing Transactions in Brazil?” Latin American Law & Business Report, March 2011.
Thus, the second stage of this process requires identifying an actual numerical value to be expressed within a company’s financial statements. The numerical value must include the value of interest and penalties.8 In Brazil, at the federal level, penalties can range from 75% to 150% of the tax that was not properly paid.9 FIN 48 requires that the company disclose an array of items related to income taxes and that the disclosures be made no less frequently than the end of every annual reporting period.10 US companies that are subject to the reporting requirements of the Securities Exchange Act of 1934 make these disclosures in their annual reports on Form 10-K filed with the SEC.11 Disclosures include the gross amounts of increases and decreases in unrecognized tax benefits as a result of tax positions during the prior and current periods. Unrecognized tax benefits are defined as:
“the differences between a tax position taken or expected to be taken in a tax return
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18 Doutrina and the benefit recognized and measured pursuant to this Interpretation. A liability is created (or the amount of a net operating loss carry-forward or amount refundable is reduced) for an unrecognized tax benefit because it represents an enterprise’s potential future obligation to the taxing authority for a tax position that was not recognized pursuant to this Interpretation.” 12 Disclosure of changes in unrecognized tax benefits due to tax positions taken, settlements with taxing authorities or lapse of the applicable statute of limitations is required to be made in a tabular reconciliation format. Other information required to be disclosed includes how the total amount of unrecognized tax benefits, if recognized, would impact the effective tax rate; and a description of tax years that remain subject to examination by major tax jurisdictions. Finally, if it is expected that total amounts of unrecognized tax benefits will significantly increase or decrease within twelve months, disclosure about the nature of the uncertainty, the event that could occur that would cause the change as well as an estimate of the change is also required by FIN 48.13 FIN 48’s impact on Brazilian sellers must be considered from two perspectives. The first comes from the possibility that disclosure of the liability in a US company’s financial 12 “Accounting for Uncertainty” page 5. 13 Id. at 6 14 In discussing additional disclosures about the
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statements might potentially alert and provide Brazilian tax officials with information that they might use to pursue claims against the prior owners of the company; the concern is that such disclosures might potentially cast a spotlight on conduct that led to tax contingencies reported in the financial statements and the SEC reports of the US company that bought the Brazilian company. Until now, that has usually not proven to be a major concern. Companies typically address FIN 48 within the sections of their annual reports on Form 10-K that report on income taxes. In accordance with the requirements of FIN 48, companies provide information concerning total amounts of unrecognized tax benefits. FIN 48, however, imposes no requirement that the reporting company specifically identify unrecognized tax benefits by the taxing jurisdiction in which aggressive positions have been taken.14 And companies have generally not adopted a practice of doing so. They, however, do have to list the relevant remaining period in the statute of limitations in the specific jurisdictions in which they are exposed to unrecognized tax benefits---although based on a review of several annual reports on Form 10-K, even that disclosure is not uniformly made. It is of course imaginable that close scrutiny of FIN 48 disclosures in a company’s annual reports on Form 10-K over several years, especially where that com-
pany has a practice of disclosing more than that necessary under the specific mandates of FIN 48, could aid a taxing authority’s educated guesses about the acquired company’s tax positions. To the extent, a company has only conducted one major acquisition in the last several years, the information disclosed in the annual report may also potentially allow the reader of the report to discern information about the tax uncertainty giving rise to FIN 48 disclosure. In fact, the United States tax authority, the Internal Revenue Service (IRS), does use FIN 48 to its advantage during audits and examinations. But, FIN 48 disclosures do not have the level of specificity that allows the IRS to have a perfect view of a company’s uncertain tax position.15 In addition, to the extent any Brazilian tax liability is material in light of the overall assets and liabilities of a company, a company would be required to provide more specificity about the Brazilian tax liability in its SEC reports that could tip off Brazilian tax authorities. In any event, a Brazilian seller of a business with a history of adopting aggressive tax policies, who has reason to worry about the potential of the Brazilian tax authorities being alerted to the questionable past aggressive tax policies in a buyer’s public SEC reports, would be well advised to review the past reports filed by an acquiring US company with the SEC. The review should
tax liability, it was stated: “the Board concluded that requiring disclosures at the aggregate level does not reveal information about individual tax positions yet it provides information that users indicated would be decision useful.” Id. at 21.
15 Lipin, Ilya A., “Uncertain Tax Positions and the New Tax Policy of Disclosures Through the Schedule UTP,” 30 Virginia Tax Review 663,674 (2011)
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be done with an eye to gauging the reporting practices of the US company under FIN 48 and how material any Brazilian tax liabilities about which it is concerned about might be, in light of such acquiring company’s overall assets and liabilities. To the extent, the relevant Brazilian tax liabilities are material, then an acquiring company will likely be required under the relevant SEC regulations to include information about the potential tax liability---even though its past reporting practices under FIN 48 might have suggested that the company would ordinarily not provide much specific information about such liability. The second and perhaps more important perspective from which a seller of a Brazilian company may want to consider the impact of FIN 48 is the impact on its dealings with the buyer itself and the consideration to be received in the sale of the business. When one begins to talk about consideration, one is, of course, implicitly talking about the valuation that the buyer has made based on the information that a buyer has obtained about the assets and liabilities of the company. Consideration received also is measured by the potential that the seller may have to return part of the consideration received in the transaction, including as part of any contractual obligation of seller to indemnify buyer for certain liabilities. Sellers cannot avoid FIN 48 by simply not disclosing damaging information about tax contingencies. The intentional withhold-
ing of information by a seller from a buyer, even when not required by the relevant contract governing the sales of the company could give rise to liability under legal theories of fraud. In fact, the Delaware Chancery Court in the United States held earlier this year that a buyer is not barred from bringing a claim for fraudulent concealment of material information despite executing a stock purchase agreement that expressly disclaimed reliance by the buyer on representations and warranties outside the agreement. 16 In any event it is customary that a US buyer will require that specific representations and warranties about the Brazilian company being acquired be provided, and to the extent the representations prove to be incorrect, the US buyer will be indemnified for any liability arising from such misrepresentations - - including by recovering from a portion of the purchase price held in escrow to satisfy such liabilities. Clearly, representations about tax matters may cover liabilities that are subject to the reporting requirements under FIN 48. But other representations, including a representation about the financial statements of the business being acquired having being prepared in compliance with US GAAP would also indirectly pull in a representation about compliance with FIN 48. To the extent a seller has prepared financial statements in accordance with US GAAP and is ready to give a representation about financial statements having being prepared
16 TransDigm Inc. v. Alcoa Global Fasteners, Inc., C.A. No. 7135-VCP (Del. Ch. May. 29, 2013)
17 Lev, Avi M., “Regulatory Watch: FIN 48 Creates Unexpected Risks in Business Sales,” The M&A
in compliance with US GAAP, the seller may well be advised to expressly state something to the effect “that no representation is made concerning accounting for unrecognized tax liabilities pursuant to FASB Interpretation No. 48.” Purchase agreements also often require sellers to indemnify buyer for all tax liabilities arising from events before the purchase is consummated, regardless of specific representations given about tax matters. In addition, unlike provisions dealing with indemnification of other third party claims, buyers are not willing to cede control of the defense of claims asserted by tax authorities to the Seller. To the extent, FIN 48 disclosures in the financial statements make it more likely that tax liabilities will be suffered in the future, including as a result of potential claims by the relevant Brazilian tax authorities (and the buyer controls and is fully indemnified for the resolution of any such claims), that will of course impact the returns that Brazilian sellers realize from the sale of a company that has in the past taken aggressive tax positions. * Sanjiv K. Kapur Partner at Jones Day. Lawyer in the Deutscher Akademischer Austauschdienst Juristenprogramm (Germany, 19881989); Pontificia Universidad Catolica del Ecuador (Fulbright Scholar in Ecuadorian Labor Law, 1985-1986); Harvard University (J.D. magna cum laude 1985; A.B. in Economics magna cum laude 1982; Phi Beta Kappa); Universidad de los Andes, Bogota, Colombia (Rotary Foundation Scholar, 1981-1982).
Lawyer, July/August 2008..
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Considerações sobre o direito societário, as finanças e a contabilidade Por Ivo Waisberg e Herbert Morgenstern Kugler*
Introdução
advogado que atua em operações compra e venda de participações societárias ou associações entre sociedades empresariais (assim compreendidas as operações de compra e venda de sociedades, fusões, incorporações, cisões, etc) – operações conhecidas no mercado como de “Fusões e Aquisições” e também pelo anglicismo ”Operações de M&A”1 , bem como com o Direito Societário de modo geral, frequentemente se depara com conceitos da ciência das Finanças ou da Contabilidade em negociações, contratos e demais documentos que fazem parte de seu cotidiano. O Direito Societário, neste ponto, age como um elemento de sobreposição, o qual coleta das negociações entabuladas pelas partes contratantes os elemen-
tos necessários para formalizar juridicamente as tratativas comerciais, por meio de contratos, compromissos, opções e demais atos societários e contratuais necessários para a concretização da operação. Contudo, esta tarefa de colocar no papel o quanto vislumbrado pelas partes do ponto de vista econômico, contábil ou financeiro é bastante árdua, tendo em vista a complexidade e ambiguidade que existe ao se traduzir números e conceitos contábeis ou financeiros em palavras e conceitos jurídicos. Por exemplo, um investidor pode condicionar seu aporte em determinada companhia à obtenção de uma expectativa de retorno do seu investimento, ou, mais precisamente, à realização de certa “Taxa Interna de Retorno – TIR”, a qual será calculada com base em uma “taxa de desconto” e determinado. Outras ve-
1 Este artigo se referirá aos contratos ou complexo de contratos que materializam essas operações como Contratos de Fusões e Aqui-
sições ou Contratos de M&A, pois tais termos são os comumente usados na vida prática dessas situações empresariais.
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zes, pode o investidor condicionar o pagamento de um prêmio ao vendedor, conforme o “EBITA” ou “múltiplo de Índice de P/L” obtido pela companhia nos próximos anos, o qual será somando ao preço de aquisição da companhia e pago ao vendedor. Nem sempre é trivial, por exemplo, exprimir fielmente o significado de WACC (Weighted Average Cost of Capital), sendo que é tarefa muito mais tormentosa convencer um juiz sobre o acerto ou erro deste conceito. Não por outra razão, a imensa maioria dos contratos de M&A preveem cláusulas de arbitragem, na esperança de que em eventual controversa futura um especialista da área acostumado a tais conceitos seja indicado como árbitro da questão. O relacionamento entre o Direito, a Contabilidade e as Finanças sempre existiu, mas podemos dizer que tem se intensificado
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ainda mais desde a edição da Lei 11.638/2007, a qual trouxe inovações impactantes à Lei 6.404/76 (“LSA”), principalmente no que tange à contabilidade das Sociedades Anônimas, vez que a LSA agora obriga a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a expedir normas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.2 Neste sentido, a CVM, com fulcro nos comunicados do Comitê de Pronunciamentos Contábeis e do Conselho Federal de Contabilidade, tem exarado instruções e orientações voltadas à inserção no Brasil das práticas adotados pelo IFRS – International Financial Reporting Standards, as quais possuem significativo impacto em operações de Fusões e Aquisições, vez que a contabilidade das companhias é a principal matéria prima das Finanças, a qual norteia os propósitos dos indivíduos em operações de M&A. Evidentemente, não estamos afirmando que os profissionais do Direito Societário ignoravam a Contabilidade ou Finanças antes de 2007; pelo contrário, sem-
pre tiveram de lidar com elas, havendo vários estudos pioneiros e de longa data, cujas influências perduram até hoje, cabendo destacar, dentre outros títulos de expressão, A Natureza Jurídica do Balanço, de Fábio Konder Comparato3, e Finanças e demonstrações financeiras da companhia, de José Luiz Bulhões Pedreira4. No entanto, a partir de 2007, o número de debates acadêmicos e estudos jurídicos voltados à análise do relacionamento entre Direito, Contabilidade e Finanças é crescente, o que significa um notável avanço interdisciplinar, tendo em vista que, em comparação com outros países, são ainda poucos os estudos pátrios sobre o relacionamento entre o Direito, a Contabilidade e as Finanças5. Neste sentido, chega-se a defender, até, a existência de um “Direito Contábil”6, consistente no ramo do Direito que estuda as normas contábeis positivadas pelo Estado, as quais englobam a LSA, as instruções e orientações da CVM, os normativos do Conselho Monetário Nacional, da Superintendência de Seguros Privados e demais órgãos e
agências reguladoras que positivam normas contábeis. Assim, os conceitos contábeis, desde que positivados em normas emanados pelos órgãos estatais competentes, também são conceitos jurídicos, cuja compreensão e interpretação são impostas aos operadores do Direito. De nossa parte, verificamos que, na esteira do que antecipou Alexsandro Broedel Lopes7, os impactos da Contabilidade e das Finanças no Direito Societário podem ser de ordem informacional e contratual, conforme veremos em maiores detalhes a seguir.
2 Art. 177, §5.
Roberto Quiroga Mosquera e Alexsandro Broedel Lopes (Coord.), São Paulo, Dialética, 2010. 6 Elidie Palma Bifano, Novos Aspectos do Direito Contábil: Lei n. 11.638/2007, suas alterações e variações sobre a interpretação da norma contábil”. In Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A – Vol. III, Sérgio André Rocha (Coord.), Quartier Latin, São Paulo, 2012.
presarial, Estudo em Homenagem a Modesto Carvalhosa, Luiz Fernando Martins Kuyven (Coord.), Saraiva, São Paulo, 2012, p.443.
3 In Estudos e Pareceres de Direito Empresarial, Forense, Rio de Janeiro, 1978, p. 29-37. 4 Forense, Rio de Janeiro, 1989. Também do mesmo autor, 5 Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera, O Direito Contábil – Fundamentos Conceituais, Aspectos da Experiência Brasileira e suas Implicações. In Controvérsias Jurídico-Contábeis (Aproximações e Distanciamentos),
7 O Novo Regime Jurídico das Demonstrações Financeiras das Companhias Abertas Brasileiras: Algumas Implicações para o Direito Societário. In Temas Essenciais de Direito Em-
Relacionamento Informacional entre Contabilidade, Finanças e Direito Societário A Contabilidade é um sistema de informação, o qual procura prover dados econômicos, financeiros e físicos da entidade contabilizada aos seus usuários, os quais podem ser investidores, administradores, o Estado etc.8 Assim, a Contabilidade é o principal meio pelo qual as socie-
8 “A Contabilidade é, objetivamente, um sistema de informação e avaliação destinado a prover seus usuários com demonstrações financeiras e análises de natureza econômica, financeira, física e de produtividade, com relação à entidade objeto de contabilização.” Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins, Ernesto Rubens Gelbcke, Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, 6ª edição, São Paulo, Atlas, 2003, p. 48.
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dades, principalmente as companhias de capital aberto, fornecem informações objetivas ao mercado acerca de sua saúde financeira e econômica. Baseadas nestas informações, os indivíduos e instituições tomam suas decisões de investimento, funcionários têm ciência do status da companhia na qual trabalham e o Estado verifica eventuais tributos cabíveis, além de outras análises pertinentes. O nível de divulgação de informação (disclosure) das informações contábeis varia de acordo com o tipo de sociedade e as normas específicas aplicáveis a cada atividade ou companhia, porém, em todos os casos continua a Contabilidade a ter a mesma função, consistente em informar seus usuários sobre a situação patrimonial e econômica-financeira da entidade avaliada, motivo pelo qual a legislação societária impõe à administração e sócios das sociedades deveres específicos com relação à apuração, aprovação e eventual publicação das demonstrações financeiras. Assim, sob o aspecto da informação, a Contabilidade presta imensos serviços ao Direito Societário, fazendo parte integrante dele na medida em que as normas de escrituração e de livros contábeis também são jurídicas, vez que inseridas na própria LSA e demais normativos infralegais. Não há, portanto, como realizar qualquer operação ou aná-
lise do capital social da companhia, por exemplo, sem buscar no Balanço Patrimonial da companhia esta informação. A informação, portanto, é, ao mesmo tempo, contábil e jurídica. Contudo, há situações onde a informação contábil possui impactos jurídicos bastante controversos, como no caso de mensuração de “valor justo” ou ”valor econômico” do ativo. Com a adesão do Brasil aos princípios do IFRS, a Contabilidade deve refletir a essência dos negócios jurídicos entabulados, o qual nem sempre é refletido pelos instrumentos jurídicos formais firmados pelas partes. Nestes casos, a informação contábil muitas vezes resulta em disputas jurídicas de difícil solução, vez que as normas contábeis, assim como as jurídicas, passaram a possuir um grau ainda maior de subjetividade, o que torna os debates entre advogados, contadores e auditores ainda mais frequentes. Ademais, nota-se que, tamanha é a complexidade e relevância da informação contábil, que o mercado, bem como algumas normas jurídicas específicas, obrigam as demonstrações contábeis de certas entidades a serem auditadas por entidades especializadas. É o caso das companhias abertas, fundos de investimento e instituições financeiras, dentre outras entidades, cujas demonstrações contábeis são
9 Stephen Ross, Randolph Westerfield, Bradford Jordan, Fundamentals of Corporate Fi-
nance, 8th Edition, McGraw-Hill Companies, 2008, p. 17.
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alvo de auditorias periódicas, na forma de legislação aplicável. Por sua vez, a ciência das Finanças compreende o estudo do orçamento de capital, da estrutura de capitais e da administração do capital de giro das sociedades, propiciando aos seus usuários formas de entender o valor de seus investimentos e patrimônios9. Ao contrário da Contabilidade, os princípios e métodos das Finanças não gozam de positivação jurídica, o que não quer dizer que não trazem impactos jurídicos. Um plano de recuperação judicial, por exemplo, deve conter, nos termos dos incisos II e III, do art. 53 da Lei 11.101/2005, uma demonstração da viabilidade econômica da recuperanda, além de um laudo econômico-financeiro, os quais são baseados em métodos da ciência das Finanças. Outras vezes, as Finanças informam dados que a Contabilidade omite, como marcas ou goodwill, as quais não são refletidas pela Contabilidade, mas são levadas em consideração em análises financeiras. Assim, um contrato de cessão de marca a título oneroso apenas se mostra viável em função da informação da ciência das Finanças, a qual atribui à marca um valor. Cabe muitas vezes às Finanças propiciar a real avaliação de um ativo empresarial. Nestes termos, o primeiro passo do inter-relacionamento entre o Direito, a Contabilidade e as Fi-
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nanças está centrado no conteúdo informacional que a Contabilidade e as Finanças fornecerem, bem como aos deveres jurídicos atrelados ao levantamento e aprovação destas informações e sua subsequente divulgação.
Relacionamento Contratual entre Contabilidade, Finanças e Direito Societário Além do caráter informacional, a Contabilidade e as Finanças afetam o Direito Societário na medida em que os contratos elaborados em operações de M&A possuem com substrato um fundamento da Contabilidade ou das Finanças. Conforme expusemos antes, são frequentes os casos onde as partes inserem nos contratos siglas como TIR, EBITA, PL, dentre outras, as quais exprimem conceitos contábeis e financeiros e que precisam ser devidamente traduzidos para o mundo jurídico, em linguagem competente, de modo a revestir a intenção das partes com a devida segurança jurídica. A dificuldade aqui consiste em exprimir corretamente o conceito contábil ou financeiro no contrato, de tal forma que sua interpretação por um terceiro, um juiz ou árbitro, não seja destoante do que foi efetivamente convencionado pelas partes. É neste ponto que a inteligência e criatividade dos profissionais do Direito Societário se sobressa-
em, tendo em vista a complexidade dos assuntos envolvidos e a necessidade de conhecer, ainda que sem a profundidade de um especialista, os efeitos e possibilidades contábeis e financeiros das diversas formas societárias de se chegar a um dado objetivo. Por exemplo, ao escolher em injetar recursos em uma companhia com o objetivo de receber lucros dela, um investidor pode optar por adquirir ações do capital social da companhia ou adquirir uma debênture com participação nos lucros. Os reflexos financeiros e contábeis das duas alternativas são distintas e determinantes para escolha do investidor, sendo que sempre cabem variáveis adicionais ao caso concreto (pode-se pensar em prever que as ações são preferenciais, preferenciais resgatáveis, as debêntures são perpétuas etc.).
Conclusões Como visto, procuramos abordar a riqueza e desafios do relacionamento entre a Contabilidade, as Finanças e o Direito Societário, tanto sob o enfoque informacional, quanto sob o ponto de vista contratual, demonstrando que cabe ao operador do Direito Societário aprofundar-se e conhecer conceitos contábeis e financeiros, ainda que sem a profundidade inerente a um especialista, tendo em vista que esta compreensão é indispensável na correta redação e interpretação de contratos de M&A.
* Ivo Waisberg Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. LLM pela NYU. Professor de Direito Comercial da PUC-SP. Sócio do Costa, Waisberg & Tavares Paes Sociedade de Advogados Herbert Morgenstern Kugler Bacharel e Mestre em Direito pela PUCSP. Advogado do Costa, Waisberg & Tavares Paes Sociedade de Advogados
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Negociação em M&A Interesses, conflito de agência e o papel do advogado Por Pedro Alves Lavacchini Ramunno*
1. Introdução
O
desenvolvimento da economia e das relações comerciais intensificaram a necessidade de maior previsibilidade econômica e segurança jurídica para as relações empresariais. Com isso, os estudos e as preocupações, tanto de cunho acadêmico, como de cunho prático, relacionados aos contratos empresariais só aumentou. Esse contexto levou, entre outras consequências, a análises recorrentes sobre a aplicação de certos institutos destinados, comumente, a contratos de natureza civil aos contratos empresariais, tais como a boa-fé objetiva e o instituto da lesão, ou mesmo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações contratuais travadas entre profissionais da atividade empresarial. A mesma preocupação não é, contudo, observada quando se trata do tema da negociação dos contratos empresariais, instrumentos precípuos para concretizar operações de M&A. Cumpre entender o porquê de isso acontecer. Primeiramente, o estudo sobre a negociação, tão vital para a atividade prática dos aplicadores do direito, é, surpreendentemen-
te, superficial. Basta comparar, por exemplo, a quantidade de estudos sobre negociação relacionados à ciência jurídica, com aqueles que abordam as clássicas (e ainda atuais, repise-se) discussões sobre a interpretação dos contratos empresariais. Além disso, a formação e aprática dos advogados, peças fundamentais na negociação de todo e qualquer contrato, principalmente os contratos relacionados à vida empresarial, está aquém das necessidades impostas pelas operações de M&A em que representam seus clientes. Há um foco em aspectos puramente técnico-jurídicos, o que acaba, curiosamente ou não, colocando em cheque a efetividade do patrono na negociação dos contratos que instrumentalizam as operações de fusão e aquisição. Essa característica tem íntima relação, inclusive, com o lugar-comum sustentado sobre a atuação do advogado que atua na área empresarial. O pensamento habitual define que o advogado deve se preocupar tão somente com a técnica jurídica, ou seja, escolher a melhor forma, o melhor design jurídico, para concretizar a operação, não sendo de sua alçada a definição dos aspectos comerciais. Estes são taxados como pontos nego-
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ciais, de responsabilidade exclusiva do cliente. Deve-se levar em consideração, contudo, que o advogado é considerado mandatário dos interesses de seu cliente e, portanto, tem que se atentar aos pontos negociais, mesmo que não detenha o poder decisório. Essas ponderações são o objeto de análise deste breve trabalho. Pretende-se, em um primeiro momento, analisar o conceito de negociação e, a partir dele, ingressar no papel dos advogados quando diante de situações em que devem negociar contratos em operações de M&A. Como será analisado, as práticas jurídicas normalmente observadas caminham em direção oposta à melhor execução e concretização dos interesses dos clientes, razão pela qual são propostas soluções a tal conflito de agência.
2. O conceito de negociação Todas as pessoas têm vontades. Estas, quando organizadas e (normalmente) exteriorizadas dão origem a interesses, que são um dos objetos cernes da negociação. Quando uma pessoa se depara com a oferta de um determinado produto, pode acontecer que lhe nasça a vontade de ad-
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quiri-lo. Vontade, esta, por sua vez, que, quando se tornar mais palpável, irá compor um interesse: o de adquirir o produto. O mesmo ocorre com, por exemplo, a vontade de um empresário adquirir as ações de uma companhia, que poderá se concretizar por meio de um negócio jurídico de compra e venda de ações, que é a técnica contratual precípua à aquisição do controle ou de participação societária relevante, no âmbito de operações de fusão e aquisição (M&A). Tal negócio jurídico é materializado em um contrato, o qual exemplifica elemento integrante do grupo dos contratos empresariais. Com base nesse breve introito, negociação é a criação, ex-
tinção, modificação e regulação de objetos negociais, dentre os quais se inserem os interesses.1 A negociação opera, assim, tanto “dentro” da parte (que deve ser entendida como um centro de imputação de interesses) – ao que se denomina negociação interna –, como entre as partes– a que denomina, por sua vez, negociação externa. Nesse sentido, a negociação interna ocorre tanto individualmente, como em relações em grupo. Explica-se. Em um primeiro momento, o empresário define seus interesses individualmente (negociação interna “individual”). O mesmo procedimento também é realizado pelo seu advogado. Ambos, em um segundo momento, an-
tes de uma reunião com a outra parte, por exemplo, definem os interesses que serão exteriorizados, bem como as estratégias a serem adotadas na “mesa de negociação” (negociação interna “relativa a um grupo”). Por fim, em um terceiro momento, há a reunião com a outra parte (negociação externa).
3. A identificação dos interesses envolvidos e o conflito de agência Os interesses das partes são cruciais em toda e qualquer negociação. Um desalinhamento de tais interesses pode implicar em uma relação conflituosa en-
Externa Negociação
Individual Interna Relativa a um grupo
Figura 1 - Negociação interna e externa
1 Essa seria a denominada “situação-interesse”, que não pode ser confundida com a “situaçãoposição”, em que o objeto de discussão seria uma posição (em que o objeto a ser negociado
apresenta um conteúdo fixo e de difícil mudança em relação à sua categoria); ou com a “situação-valor”, cujo objeto da negociação seria um valor. Uma vez que a negociação em
situações-posição e situações-interesse é extremamente restrita, neste trabalho “negociação” irá se referir às situações-interesse, salvo se diferentemente estipulado.
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tre elas. Sendo assim, o embate de interesses em negociações, por vezes referido como “brigas” ou “discussões fervorosas” foi, durante muito tempo, tratado como o modelo “clássico” de relação negocial. Trata-se da chamada relação de negociação frente a frente (ou frontal). Nesses casos, as partes têm interesses diametralmente opostos, os quais, consequentemente, são desarmônicos e orientados em sentidos contrários.
Essa parceria, que supostamente ocorre entre o advogado e seu cliente, é de grande relevância quando da condução de operações de fusões e aquisições. Deve-se atentar para o fato de que, por mais que não seja natural imaginar situações conflituosas entre eles, relações de negociação frontais são, no mais das vezes, bastante comuns entre os clientes e seus representantes jurídicos. Esse desalinhamento, é claro, não é sempre declarado, ou seja, exteriorizado por eles. Parte A Parte B O enfrentamento que deve ser feito é em busca do porquê, afinal, cliente e advogado Interesses Interesses não teriam os seus interesda parte A da parte B ses harmônicos e coordenados. O motivo para isso é o fator risco, o qual, diga-se de Figura 2 - Relação de negociação frontal passagem, é inerente a todo e qualquer contrato empresaEsse tipo de relação negocial rial, não sendo diferente panão se confunde com a relação la- ra os que instrumentalizam as teral (ou lado a lado). Neste caso, operações de M&A. Pois bem. Os empresários há um pleno alinhamento de interesses, o qual se traduz em con- (clientes ou principals) tendutas e abordagens coordenadas dem a ter interesses eminene harmônicas, com o intuito de temente econômicos. Pensam concretizar os interesses envolvi- e calculam o valor a ser invesdos. É exatamente essa categoria tido, a rentabilidade do emde relação de negociação que se espera de parceiros. Interesses do advogado (agente)
Parte A
+
Parte B
Confl ito/ Problema
Figura 3 - Relação de negociação lateral
mitigação do risco
Interesses cliente (principal) Interesses do advogado (agente)
economico
mitigação do risco
Figura 4 - Interesses - Cliente e advogado
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preendimento, a forma de pagamento e outros aspectos naturalmente ligados à face “econômica” da operação. E, exatamente por tal razão, contratam advogados para defender os seus interesses, que devem representá-los, sendo os principais interlocutores quando o assunto é o risco. A grande questão (e problema) é o fato de os interesses dos advogados (agents), precisamente pela motivação envolvida em sua contratação (conter riscos), serem, principalmente ou até exclusivamente, jurídicos. Visam à mitigação dos riscos, sem, contudo, guardar a necessária preocupação com o aspecto econômico. A possibilidade de geração de conflitos é tudo menos remota. Há, assim, entre o cliente e seu advogado, uma relação negocial (i) interna, (ii) relativa a um grupo, e, em certa medida (iii) frontal. O resultado dessa relação entre o cliente e o patrono é um potencial conflito de agência. De um lado, tem-se o interesse do cliente em concretizar a operação (de-
Interesses do advogado Pode ser confl ituoso
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al), enquanto, de outro, o risco da perda, do prejuízo, da materialização do risco. A defesa desse segundo aspecto é, normalmente, centralizada no papel do advogado, que até mesmo pode chegar a negligenciar o fato de o risco ser inerente a todo e qualquer contrato, principalmente os contratos empresariais, ainda mais em operações de M&A. Não é possível, em outros termos, mitigá-lo totalmente. Diante desse contexto, duas são as práticas corriqueiramente observadas em relação ao fator risco por parte dos advogados:
auditoria legal é evitar o perdimento de investimentos e a assunção de responsabilidades indesejáveis. Relatórios muito extensos, além de gerar custos desnecessários para o cliente, acabam por hipervalorar o fator risco, o que, além de não atender ao objetivo da auditoria legal com maestria, pode levar à “abertura do negócio” (“deal break”), ou seja, à não realização da operação. Em última instância, pode-se chegar à situação em que o advogado se valeria de expedientes praticamente inócuos e de eficácia questionável, com o simples objetivo de se resguardar em face de poten(a) Contenção excessiva de ciais futuros questionamentos riscos relacionados à sua conduta. Essa advocacia defensiva2 se Há advogados que evitam revelaria, valendo-se o exemao máximo qualquer exposi- plo da legal due diligence, em ção do cliente. uma pesquisa obsessiva para Isso, além de ir frontal- realizar o risk assessment remente contra os interesses lacionado a uma contingência do mandante em determina- que é, sabidamente, de remodos casos, aumenta de modo tíssima probabilidade de mademasiado os custos de tran- terialização, bem como de sação relacionados ao desen- valor irrisório, quando compavolvimento e negociação em rado com o da operação. operações de M&A. Exemplo (b) Assunção de riscos exclássico seria a realização de legal due diligence muito de- cessivos talhista, a qual poderia deixar Com o intuito de não sede lado seus objetivos principais. Como se sabe, o papel da rem taxados como os “culpa2 Faz-se alusão, aqui, ao termo medicina defensiva, relacionado à prática, cada vez mais comum, de médicos que solicitam a realização de uma grande quantidade de exames, os quais, por mais que possam apresentar determinada relação com a queixa do paciente, são
muito excessivos, com o objetivo de realizar algum diagnóstico que, por ventura, possa lhe ter escapado. Tal conduta, não obstante tenha como objetivo a determinação de um diagnóstico, é tomada com o intuito de o médico se resguardar em face de futuros question-
dos pela abertura do negócio”, há advogados que assumem riscos exacerbados para seus clientes. Acabam, assim, atuando de forma diametralmente oposta ao que se espera. Contrariamente ao caso anterior, aqui, canaliza-se com o objetivo de fechar o negócio (“dealmaker”). A título exemplificativo, seria possível citar a não realização de uma auditoria legal (e até o incentivo para que ela não seja conduzida). A mitigação dos riscos, objetivo determinante da contratação do consultor jurídico, é deixada de lado por aquele que deveria ser seu natural responsável. É importante levar em consideração que os conflitos de agência não são ocasionados apenas em função do fator risco. Este é, sem dúvida, de extrema importância, mas não pode ser analisado isoladamente. Isso se dá pois a “ousadia” para assumir (ou não) riscos está intimamente relacionada à forma de remuneração dos advogados. Ora, usualmente, tem-se três modalidades de remuneração pelos serviços jurídicos prestados em operações de M&A, as quais podem se apresentar de forma isolada ou conjugada. São elas: amentos às decisões tomadas em sua atividade profissional, principalmente em razão do crescente ajuizamento de ações de responsabilidade por erro médico e representações perante órgãos avaliadores das condutas dos profissionais da saúde (Comissões de Ética, por exemplo).
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28 Doutrina (a) Fixo ou pro labore Os honorários advocatícios fixos ou pro labore são aqueles devidos pelo serviço realizado, independentemente do tempo destinado à execução ou do sucesso da operação. Essa modalidade de remuneração pode fazer com que o advogado subestime o fator risco, já que, independentemente do resultado da operação ou da materialização do risco em contingência, terá direito ao mesmo valor a título de honorários. Dedicar maior ou menor quantidade de tempo, também não afeta a monta a ser recebida. A tendência, assim, será ou não tratar o caso como uma prioridade ou dedicar a menor quantidade possível de tempo para realizar a operação, o que otimizaria os rendimentos do advogado. A consequência, neste último caso, seria a potencial assunção excessiva de riscos. (b) Horário ou tempo puro Os honorários advocatícios calculados na modalidade horário ou tempo puro são aqueles devidos pela quantidade de tempo destinada ao caso. Estabelece-se um valor para hora trabalhada por cada profissional e computa-se o montante devido a títulos de honorários com base nessa estipulação inicial. Como é de praxe, pode vir acompanhado de um limite (cap), ou seja, um valor que, independentemen-
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te das horas trabalhadas, não será ultrapassado. Nesse caso, podem-se observar duas tendências: (b.1) se não houver cap, há possibilidade de que seja adotada uma postura de contenção excessiva de riscos, o que aumentaria a necessidade de condução de diligências com o suposto intuito de prever e/ ou evitar a materialização de riscos. Como consequência, a quantidade de trabalho e horas trabalhadas são elevadas, observando-se um acréscimo direto nos honorários a serem recebidos. (b.2) havendo cap, há a possibilidade de que ocorra uma conjugação da hipótese anterior com a dos honorários pro labore. As investigações e preocupações com a contenção de riscos serão intensas até se atingir o cap e, após esta meta ser ultrapassada, adotar-se-ia uma posição de assunção de riscos para finalizar o negócio. Alternativa seria conduzir as tratativas com o objetivo de impor celeridade à operação e, uma vez que o deal tivesse sido realizado, de forma não idônea, aumentam-se as horas até atingir o cap, maximizando os honorários devidos. (c) Êxito ou ad exitum Os honorários advocatícios calculados na modalidade êxito ou ad exitum são aqueles devidos em relação ao resultado de determinado serviço prestado.
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No caso de operações de M&A, seriam os honorários a serem pagos no caso de as tratativas resultarem em fechamento do negócio (deal). As formas de precificação variam muito, podendo ser tanto valores absolutos, como porcentagens, por exemplo, do benefício econômico percebido pelo cliente. Em ambas as hipóteses, é flagrante a possibilidade de conflito de interesses entre o advogado e seu representado. A tendência, nesse caso, é assunção de riscos, por vezes, indevida com o intuito de concretizar o negócio e receber, o quanto antes, o valor prometido pelo êxito. De todo modo, independentemente de qual das práticas dos advogados mencionadas for a adotada (contenção ou assunção excessivas de riscos), incentivadas ou não pelo modelo de remuneração estabelecido, é facilmente percebida uma diferença de foco e abordagem entre duas modalidades de operações, as quais deveriam ser tratadas com igual importância. Há, assim, grande preocupação por parte do advogado para com as operações de investimento, enquanto o preparo do empreendimento para o posterior desinvestimento, que deveria ser considerado desde o momento da aquisição do ativo, é esquecido ou negligenciado. Em outras palavras, muitos dos advogados que atuam em
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principal (cliente) e o agent (advogado), materializando efetivos custos de agência, como visto, não é recomendada quando se trata da negociação que protagonizam as operações de M&A. Qual seria, então, a melhor forma de encarar a questão? Antes de responder devidamente a tal questionamento, faz-se necessária uma mudança conceitual por parte do advogado: muito embora não possa permitir que seu cliente tome, negligentemente, op4. Solução do confl ito de agência e o papel esperado ções “desaconselháveis” como alternativa a ser seguida, sua por parte do advogado atuação não pode configurar A manutenção de uma re- um entrave à realização do nelação negocial frontal entre o gócio. Para tanto, os interesses operações de M&A não sustentam a abordagem adequada para modelar o potencial desinvestimento dos ativos de titularidade de seus clientes. Em um ambiente globalizado e com relações econômicas altamente cambiantes, a conferência de liquidez aos ativos que se pretenda alienar, desde o momento de sua aquisição, é um diferencial estratégico de imenso valor.
Interesses refl exos
Interesse principal
Interesses refl exos
Ressarcimento pela materialização de eventuais contigências
Possibilidade de desinvestimento
do principal e do agente devem estar alinhados, ou seja, deve-se ter uma relação de negociação lateral entre o cliente e seu advogado. Vale salientar que o risco, contudo, não deve ser desconsiderado. Muito pelo contrário: deve ser analisado enquanto componente dos interesses reflexos do interesse principal (agora tanto do cliente como do advogado), a saber, realizar a operação. Veja-se o esquema abaixo, que ilustra de forma simplificada o feixe de interesses principal e reflexo que compõe a relação lateral entre o cliente e seu advogado em operações de fusões e aquisições:
Reduzir a possibilidade de ocorrência de perdas
Interesse cliente = Interesse do advogado
Mitigação dos riscos
Possibilidade de procurar novos investimentos
Aumento dos lucros provenientes do empreendimento
Figura 5 - Relação lateral - Interesse cliente e interesse advogado www.ocomercialista.com.br | Revista Comercialista
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5. Conclusões
al, embora mantenha um papel relevante, deixa de ser a As consequências do tra- única ou mesmo a principal tamento da relação negocial preocupação por parte dos entre cliente e advogado co- advogados. mo sendo lateral, exemplifiA aplicação da boa-fé aos cada na Figura 5, acima, que contratos empresariais, por expõe de forma esquema- exemplo, mantém ainda grantizada a parte compradora de importância para mitigade uma operação de investi- ção dos riscos do negócio ou mento de M&A (aquisição das a redução da possibilidade de ações de uma companhia, por ocorrência de perdas decorexemplo), implica em uma rentes da transação, mas não análise crítica das condutas responde, por si só, à análicomumente percebidas entre se das possibilidades de deos figurantes dessa relação: sinvestimento ou da procura por outros empreendimentos 5.1. Redução dos custos a serem investidos (ou seja, decorrentes do conflito de não ficar “preso” ao negócio). Esse estudo “clássico”, proagência pagado primordialmente peCom o alinhamento dos lo ensino jurídico,continua interesses entre o principal com a mesma importân(cliente) e o agente (advoga- cia e abrangência, mas, o do) e a constituição de uma que ocorre, é que os tipos de relação negocial lateral, é na- preocupação e análise autural a redução dos custos de mentaram muito sua amagência, decorrentes do con- plitude: o estudo “clássico” não consegue cobrir todas flito de interesses. as alternativas.
5.2. Revisitação da importância do estudo “clássico”dos contratos empresariais, nos quais se inserem os que instrumentalizam as operações de M&A
5.3. Revisitação do perfil do advogado
do cliente, empresário focado na atividade empresarial, é preciso um conhecimento amplo, que não é encontrado apenas no direito. Contabilidade, economia, análise econômica, negociação e finanças (e o rol não é taxativo) passam a ser requisitos deste “novo”, porém muito mencionado perfil.
5.4. Análise crítica do papel do ensino jurídico Baseando-se em todas as considerações feitas, a questão que fica é se o conhecimento técnico-jurídico deveria continuar sendo a única (ou a principal) preocupação do ensino do direito, principalmente quando se trata dos ensinamentos que visam à formação dos futuros atuantes em matéria empresarial, os quais figurarão como partes das negociações de contratos empresariais. Se a resposta parece óbvia... por que a realidade se mostra tão diferente?
5.5. Novas composições Diante desse contexto da forma de remuneração multifário, entender, mesmo pelos serviços prestados
que com maestria, apenas a técnica jurídica relacionada aos contratos empresariais, A análise “clássica” dos não basta. Este perfil acaba contratos empresariais, no por distanciar os interesses mais das vezes referida co- entre os advogados e os seus mo as técnicas jurídicas re- clientes, levando às diversas lacionadas à interpretação consequências apresentadas. dessa modalidade contratu- Para entender o interesse Revista Comercialista | www.ocomercialista.com.br
Esta implicação é, sem dúvida, a mais importante e, muito provavelmente, a sujeita ao maior número de polêmicas. Pode-se identificar que os métodos de remuneração normalmente estipulados para os advogados em
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operações de M&A (fixo, tempo puro e êxito) não contribuem para o alinhamento de interesses entre o cliente e o seu patrono. Ao realizar uma operação de fusão e aquisição, vendedor e comprador tem pretensões distintas. O vendedor deseja, por um lado, auferir o maior valor possível por meio da venda do ativo, e, por outro, evitar potencial imputação de responsabilidade, decorrente do direito de regresso normalmente previsto nos contratos de compra e venda de ações. O comprador, por sua vez, tem como interesse principal a maximização de seus lucros, seja por meio da condução da atividade econômica relacionada ao ativo adquirido, seja pelo posterior desinvestimento, com a alienação do ativo para terceiro. Em ambos os casos, a melhor forma de remuneração do conselheiro jurídico para garantir a harmonia entre os seus interesses com os do cliente é aquela que imponha aos dois igual sorte. Ou seja, a remuneração do advogado deve estar vinculada ao “sucesso” da transação. Este, é claro, variará dependendo de cada operação. Na compra de um distressed asset, por exemplo, não se pode definir como objetivo e sucesso da transação lucros exorbitantes logo no primeiro exercício pós deal. Cada
tipo de ativo, bem como cada tipo de transação, tem um período específico de maturação. Nesse sentido, são alternativas para as formas de remuneração dos advogados normalmente observadas, podendo com elas coexistir: (a) equity: remuneração paga por meio da transferência de ações representativas do capital social da sociedade-alvo (target), fazendo com que eventual perdimento do ativo adquirido ou imputação de responsabilidade por eventuais contingências materializadas também impactem no recebimento do advogado; (b) fluxo de caixa: remuneração paga por meio de parcela do fluxo de caixa da sociedade-alvo (target) decorrente da condução de suas atividades durante certo período de tempo; (c) remuneração diferida no tempo: remuneração vinculada a percentual pré determinado do benefício econômico ou dos lucros auferidos pela condução da atividade da sociedade-alvo (target), a qual só será paga após o decurso de certo período. (d) opção de compra/venda de ações: remuneração por meio da outorga, para o advogado, de opção de compra de ações da sociedade-alvo (target), conjugada ou não com uma opção de venda das mesmas ações por parte do
cliente, que poderá ser exercida apenas após determinado período de tempo, com o preço das ações que não gere grandes impactos econômicos. Pode-se também determinar que o preço das ações será calculado com base em seu valor econômico. (e) unidades do empreendimento: nos casos de real estate M&A, remuneração por meio da transferência de unidades imobiliárias que compõem o empreendimento objeto do negócio.
* Pedro Alves Lavacchini Ramunno Graduando do 5º ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Fundador e Membro do Conselho Editorial Discente da Revista Comercialista. Co-fundador do Instituto Brasileiro de Direito Comercial e Econômico (IBDCE).
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Notas sobre Jurimetria e operações societárias Por Marcelo Guedes Nunes*
A
s ciências variam conforme seu objeto de interesse e de acordo com a metodologia que utilizam para investigá-lo. Por isso uma das maneiras de se definir uma ciência é através da conjunção de uma metodologia com um objeto. A Jurimetria, tema de fundo desta breve nota, é a disciplina que utiliza a metodologia estatística para entender o funcionamento da ordem jurídica. Seu propósito é descrever e, sempre que possível, mensurar as características concretas das instituições jurídicas enquanto operam na realidade. Um exemplo que sempre utilizo para ilustrar a distinção entre a Jurimetria e a abordagem tradicional é o do estudo do conceito de responsabilidade civil. A abordagem tradicional estuda a responsabilidade civil tomando como objeto central de interesse os artigos do Código Civil e a proposição que deles resulta: aquele que causar dano a outrem tem o dever de indenizar. A partir dessa proposição a doutrina decompõe o conceito de responsabilidade civil em partículas semânticas (agente, ato ilícito, dano, nexo causal, elemento subjetivo) em torno dos quais é desenhada uma moldura de significados possíveis. Quem pode ser agente? O que é nexo causal? A conduta deve ser necessária ou suficiente? O que é dano? É redução de patrimô-
nio? E o dano moral indenizável? A partir dessas molduras a abordagem tradicional constrói uma definição abstrata da responsabilidade civil, cuja pretensão é conter todas as possíveis situações que caracterizem o dever de indenizar. A Jurimetria parte de premissas distintas. Ao invés de tomar a lei como objeto central, ela toma um grupo de fatos jurídicos concretos ocorridos no curso do funcionamento real da ordem jurídica. No exemplo da responsabilidade civil, a Jurimetria tomaria como um dos seus possíveis objetos de estudo todos os acórdãos proferidos pelos 27 tribunais estaduais entre 1997 e 2013 (período em que há documentação eletrônica). Como são muitos os acórdãos, a metodologia recomenda, para economia de tempo e recursos, basear o estudo em uma amostra dessas decisões, a partir da qual poderemos investigar os casos reais de reparação civil. Quem são os autores dessas ações e quais são suas aflições? Quais são as causa dos pedidos? Erro médico, acidente de trânsito, negativação indevida? Quais os valores discutidos nessas ações? Feita a pesquisa, teremos uma descrição dos casos concretos que vão à Justiça e uma visão aproximada de como a ordem jurídica está decidindo esses conflitos. Além disso, é possível estudar associações entre essas variáveis, investigando, por exemplo, se a
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probabilidade de ganho de causa diminui conforme aumenta o valor do pedido (uma espécie de punição aos autores gananciosos), ou se o valor da condenação varia conforme a unidade da federação (o que criaria inventivos para eleição de foros contratuais). Igualmente importante é a possibilidade de investigação das mudanças de comportamento dessas variáveis ao longo do tempo, identificando tendências e permitindo previsões, ferramentas indispensáveis para a administração da Justiça e para a elaboração de políticas públicas. A utilização da Jurimetria no estudo das operações societárias é também capaz de revelar traços até agora desconhecidos dessa importante área do Direito e da Economia. Entender como evoluem as sociedades empresárias brasileiras, com que freqüência e em que condições ocorrem fusões, incorporações, cisões e transformações, qual o porte econômico, a estrutura societária e a localização das sociedades operadas, verificar se essas operações estão associadas a indicadores sócio-econômicos como PIB per capita, IDH, taxa de desemprego, índice de inflação ou taxa de juros. Essas informações, além de nos ensinar a respeito de como funcionam na prática esses institutos jurídicos, são fundamentais para a execução de políticas econômicas e reformas legislati-
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vas voltadas para o incremento da atividade empresarial. Apesar da proliferação de dissertações em perspectiva tradicional sobre o assunto (baseadas na já esgotada prática do halterofilismo bibliográfico), não foi realizada no Brasil, até onde tenho conhecimento, uma pesquisa empírica de fôlego sobre esse tema. Isso se deve historicamente tanto à falta de dados como à ausência de pesquisadores treinados, duas deficiências que estão sendo rapidamente superadas. No que se refere às bases de dados, a informatização vem criando de maneira automática diversas bases que acumulam informações sobre a vida das empresas e que poderiam muito bem ser mineiradas para extração de informações sobre o funcionamento das sociedades empresárias. Gostaria de destacar duas aqui. A primeira são as bases de dados das Juntas Comerciais estaduais, nas quais estão registrados os atos societários formais das sociedades empresárias brasileiras. As Juntas contém um rico e vasto manancial de dados sobre os atos praticados pelo empresário brasileiro, cuja exploração certamente revelará novos horizontes de pesquisa. As bases das Juntas são um dos mais eloqüentes exemplos daquilo que costumo denominar “pré-sal sociológico”: bases de dados desestruturadas de amplas proporções e de enorme riqueza sociológica, aguardando serem mineiradas por pesquisadores que tenham tecnologia e recursos suficientes para atingi-las. Além das Juntas, a Comissão de Valores Mobiliários - CVM mantém uma ba-
se com todos os fatos relevantes publicados no mercado brasileiro desde 1992. Considerando que as operações societárias são por definição relevantes para a vida societária, essa base contém um poderoso acervo de informações sobre as operações societárias envolvendo sociedades de capital aberto aguardando um estudo qualificado. Já no que se refere à ausência de pesquisadores, é visível o surgimento de alguns núcleos de pesquisa empírica de alta qualidade no Brasil voltados para o estudo do Direito. Dentre eles podemos destacar a Fundação Getúlio Vargas do RJ e SP, a Faculdade de Direto da USP Ribeirão Preto e a Associação Brasileira de Jurimetria - ABJ. Essas entidades, ao lado de outras ligadas a universidades federais e institutos de pesquisa Brasil afora, estão mudando o cenário da pesquisa em Direito no Brasil através da inserção de elementos quantitativos nas discussões acadêmicas e da formação de pesquisadores capacitados para o trabalho de planejar e executar pesquisas empíricas. Esse corpo de pesquisadores já está atuado em diversas frentes e hoje está à disposição para contribuir na mineração das bases acumuladas pelas Juntas, pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, pela CVM, pelo Cadastro de Empresas - CEMPRE do IBGE, pelas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial e por outras instituições públicas e privadas que mantém registros sobre operações societárias. O estudo da história do Realismo Jurídico mostra que esse
movimento sempre foi propalado por operadores ligados ao Direito Comercial. Alguns dos seus principais expoentes, como Karl Llewellyn, Jerome Frank e Herman Oliphant, tinham no Direito Comercial sua principal área de atuação profissional e acadêmica. Llewellyn foi o principal redator do Uniform Commercial Code. Frank foi um dos primeiros diretores da recém criada Security Exchange Commission. Oliphant foi procurador geral do Departamento do Tesouro Americano. Essa relação decorre, a meu ver, da constatação de que o Direito Comercial depende mais da compreensão das práticas, usos e costumes adotados no cotidiano pela sociedade do que outros ramos do Direito, como Tributário e Penal, em que a norma jurídica abstrata desempenha um papel mai relevante (e que não à toa são mais voltados para metodologias analíticas). Tal relação aumenta a responsabilidade dos operadores do Direito Comercial, a quem este periódico se dirige, na propagação da importância da Jurimetria para compreensão não apenas das operações societárias, mas dos demais institutos do Direito Comercial em especial e da ordem jurídica em geral.
* Marcelo Guedes Nunes Advogado. Sócio de Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados. Doutor em Direito Comercial pela PUC-SP. Mestre em Direito Comercial pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Associado-fundador do Instituto de Direito Societário
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