Revista Comercialista - Direito Comercial e Econômico - 12ª Edição

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PERFIL

Calixto Salom達o Filho Professor Titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP apresenta a sua vis達o sobre o direito

Ano 3 - Vol. 12


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Sumário

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12

5. Editorial 6. Perfil Entrevista com o Prof. Calixto Salomão Filho 12a Edição:

12. Doutrina Artigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

Concorrência e Arbitragem no Direito Brasileiro. Por Bruno Bastos Becker Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o caso do PMI da linha 6 do metrô de São Paulo. Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula Constituição de Reservas em Prejuízo de Acionistas Minoritários. Por Eduardo Benetti Psico-história e Antitruste: avaliação de impacto e os conceitos legais indeterminados. Por Caio Cesar Moreira Pinto As Teorias Econômicas da Regulação e a Dicotomia entre Regulação Econômica e Social. Por Thomaz Teodorovicz

71. Estante Comercialista

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Expediente

REVISTA COMERCIALISTA | Ano 3 – Volume 12

EDITOR EXECUTIVO PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO CONSELHO EDITORIAL CONSELHO DISCENTE GUSTAVO LACERDA FRANCO PACO MANOLO CAMARGO ALCALDE PEDRO ALVES LAVACCHINI RAMUNNO RODRIGO FIALHO BORGES CONSELHO DOCENTE FABIO ULHOA COELHO JOSÉ ALEXANDRE TAVARES GUERREIRO MARIANA PARGENDLER SÉRGIO CAMPINHO ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO BRUNO BASTOS BECKER CAIO CESAR MOREIRA PINTO EDUARDO BENETTI PEDRO DO CARMO BAUMGRATZ DE PAULA THOMAZ TEODOROVICZ REPÓRTER DESTA EDIÇÃO RODRIGO FIALHO BORGES DIAGRAMAÇÃO RODRIGO AUADA FALE CONOSCO contato@ocomercialista.com.br

A Revista Comercialista – Direito Comercial e Econômico é uma publicação eletrônica trimestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. Contato (11) 981335813 - contato@ocomercialista.com.br. Editor: Pedro A. L. Ramunno - pedro@ramunno.com.br. Nota aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comercialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia. Imagem de capa: Wikipédia. Revista Comercialista

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Apoio institucional

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Editorial

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A Faculdade de Direito e a Formação Interdisciplinar Dentre os diversos produtos gerados pelo intenso trabalho de construção desta 12ª edição da Revista Comercialista, o destaque é, sem dúvidas, a reflexão. E é fácil identificar a origem desse processo reflexivo: a entrevista com o Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Calixto Salomão Filho. O Professor Calixto abordou temas relevantíssimos na entrevista, como a relação entre o direito e as desigualdades e também a questão do poder, em suas mais diversas manifestações, além de outros tantos assuntos importantes para o desenvolvimento do direito e, de uma maneira geral, do país. No entanto, uma das abordagens mais tocantes foi tratada justamente ao final da entrevista, sobre a faculdade de direito e a formação dos profissionais da área jurídica. De acordo com o Professor, “a faculdade de direito ideal é aquela que faz o aluno pensar e faz o aluno ser crítico” e o direito deve se tornar “mais complexo, ou seja, uma ciência interdisciplinar, em que os alunos sejam capacitados a entender esses efeitos, estudando outras ciências, como antropologia, economia, sociologia [...]”. Diante da notável propagação de um grande número de faculdades de direito pelo país nas últimas décadas, essa reflexão é pertinente e, mais que isso, essencial. Aliás, o ensino interdisciplinar deveria ser natural ao direito, pois para compreender bem o regramento dos acontecimentos da vida, o estudante deveria, previamente, entender esses acontecimentos. Reflexão semelhante, inclusive, ocasionou a renovação e ampliação daquele que sempre foi o objetivo da Revista Comercialista: contribuir para a promoção e o desenvolvimento do direito comercial e econômico. Nesse sentido, foram selecionados artigos de autores que apresentam, com efeito, uma formação interdisciplinar, o que se percebe por seus trabalhos publicados nesta edição, os quais conectam, com expressiva qualidade, o direito a diversos campos do conhecimento, como a economia, a contabilidade, o urbanismo e até mesmo a fictícia psico-história de Isaac Asimov. O artigo de Bruno Bastos Becker, advogado especializado em direito concorrencial e acadêmico, apre-

senta uma profunda análise sobre a aplicação do direito concorrencial em procedimentos arbitrais, que é pouco debatida no Brasil, embora a matéria seja abordada com frequência no exterior. Em seguida, Pedro do Carmo Baumgratz de Paula, advogado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e também acadêmico, contribui para esta edição com um excelente estudo sobre como a utilização de Procedimentos de Manifestação de Interesse na celebração de Parcerias Público-Privadas pode auxiliar ou prejudicar a realização de grandes projetos urbanos, abordando questões jurídicas, sociais, urbanísticas e o diálogo institucional. Já o potencial prejuízo aos acionistas minoritários gerado pela constituição de reservas em sociedades anônimas de capital fechado é tratado por Eduardo Bennetti, advogado especializado em direito societário e sócio de BGR Advogados, em um breve e, ao mesmo tempo, profundo artigo. Caio Cesar Moreira Pinto, graduando pela UFPA e pesquisador de direito concorrencial, em um moderno e desafiador artigo, retira da ficção científica de Isaac Asimov possíveis ensinamentos que podem ser relacionados à avaliação de impacto das decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Por fim, Thomaz Teodorovicz, economista e acadêmico, realiza uma ampla abordagem sobre as teorias econômicas da regulação e a dicotomia entre a regulação econômica e a social. A contribuição de um economista para esta edição está em plena sintonia com a mencionada valorização da interdisciplinaridade. Assim, de maneira interdisciplinar e bastante crítica, espera-se, como usual, que esta edição seja mais uma contribuição para o desenvolvimento do direito comercial e econômico, mas não só. A expectativa, originada nas reflexões decorrentes da entrevista com o Professor Calixto, é ainda mais ampla: promover uma reflexão crítica do direito comercial e econômico como instrumento de correção de deficiências presentes na sociedade.

Conselho Editorial Revista Comercialista

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Perfil

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Entrevista com o Professor Calixto Salomão Filho

O Professor apresenta o seu entendimento sobre diversos temas, destacando-se a sua visão sobre a manifestação do poder, o papel do direito na redução das desigualdades e a faculdade de direito. VISÃO DO DIREITO

Por Rodrigo Fialho Borges

Comercialista - Tendo em vista as enormes desigualdades presentes no Brasil, assim como em outros países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, na opinião do senhor, qual o papel do direito para permitir o desenvolvimento de forma a reduzir tais desigualdades? Como o direito pode nos ajudar a questionar as estruturas? Calixto Salomão Filho - O papel do direito é central, não é? Na verdade, o direito é que define os fluxos de distribuição e redistribuição de renda. É do funcionamento dos institutos e das estruturas jurídicas que dependem os fluxos de distribuição de renda. Veja, por exemplo, institutos como propriedade, contrato... Da maneira que nós definimos a disciplina da propriedade, dependem os fluxos. Por quê? E aí vem para a segunda parte da questão. Porque, na verdade, são as estruturas econômicas e jurídicas os elementos determinantes dessa distribuição. Se eu tenho um regulamento de propriedade absoluto, é claro que eu estou reduzindo o acesso de pessoas a bens. Se eu tenho um regulamento da empresa que só atende a determinados interesses, interesses daqueles acionistas da empresa, e não tem em conta os interesses das pessoas afetadas, é claro que estou optando por uma determinada forma de distribuição de riquezas. Então o direito é fundamental nesse tipo de raciocínio. Como ele pode ajudar a questionar as estruturas? A partir da reflexão crítica sobre essas estruturas. Ora, num mundo de recursos escassos, o que eu preciso fazer para que mais pessoas tenham acesso a esses recursos? É o direito que tem que dar a resposta.

REGULAÇÃO DA EMPRESA

Comercialista - Como se insere a regulação da empresa nessa visão do direito? É possível encontrar alguma relação entre a regulação das empresas e a evolução da pobreza? Revista Comercialista


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Calixto Salomão Filho - Dada a importância da empresa hoje, a questão da regulação da empresa está no centro dessa visão estrutural, vamos dizer assim, porque é através da regulação da empresa, e dos vários institutos que estão ao redor, que eu posso mudar essas estruturas. Exemplo: patente. Não se aplica só à empresa, aplica-se a indivíduos também, mas eu mudando as regras e limitando o reconhecimento de patentes em certos casos em prol de uma utilidade pública, em prol de um usuário que precisa ter acesso de baixo custo ao bem, eu estou atuando sobre a empresa, estou atuando sobre uma estrutura jurídica, de forma a permitir mais acesso público a determinadas invenções. Relação entre regulação da empresa e evolução da pobreza? Total. Nós fizemos um estudo interdisciplinar alguns anos atrás que mostrou que, na verdade, desde a época colonial, os níveis de pobreza acompanham as estruturas econômicas. Então na medida em que essas estruturas se concentram – e quanto mais concentradas elas estão e nos lugares onde elas estão mais concentradas –, mais pobreza há. Portanto, há uma relação direta.

ralidade. Nesse sentido, o senhor considera que há, no Brasil, muitas deficiências regulatórias? Existem mercados que não deveriam existir, na sua opinião? Calixto Salomão Filho - Acho que sim. Existem mercados que são, de um lado, absolutamente desnecessários, e de outro, eles são marcados por imensas assimetrias de informação. Dou alguns exemplos. Aliás, exemplos clássicos que nem exigem muita criatividade. Mercado de plano de saúde para pessoas idosas: ou o preço é inacessível ou então as pessoas idosas são simplesmente recusadas, porque a assimetria de informação é tão grande que a empresa tem sempre medo de aceitar ou põe um preço tão alto, que é inviável para o usuário. Então a solução tem que ser a dada por Akerlof naquele famoso artigo dos anos 70: financiamento público, um plano público ou um subsídio público para as pessoas de idade terem o seu plano de saúde. Então esse é um exemplo de um mercado que não pode existir. Outros mercados... No setor financeiro, eu acho que tem muitos minimercados que também não deveriam existir, como é a regra em relação aos Comercialista - No artigo “Mo- derivativos. Muitos já são proirals and Markets”, publicado na bidos, mas eu acho que preciRevista Science, é desenvolvido samos manter a atenção para um estudo que, em suma, demons- não permitir que eles surjam tra como as interações de mercado por vias indiretas. influem na forma como os agentes avaliam eventuais danos causados O PODER COMO UM TEMA a terceiros, relativizando a mo- RECORRENTE

Perfil Comercialista - Nota-se que o poder é tema recorrente nos seus trabalhos. Como o senhor desenvolveu a afinidade pelo assunto e por que considera relevante o seu estudo? Calixto Salomão Filho - Talvez meio por acaso. Eu sempre tive a sensação de que o poder era um entrave ao funcionamento do direito. Uma sensação não só intuitiva, mas a gente vê nas nossas relações sociais do dia-a-dia: onde está o poder o direito não entra. Basta olhar a relação social do empregado com o empregador. Quando ele tem muito medo do poder, as regras pouco valem, ele se submete independentemente delas. Isso é verdade para a maioria dos casos. Onde o poder é muito sólido, imagine nas sociedades mais arcaicas, como no Brasil passado, onde havia coronelismo, não entrava o direito... Podia se declarar o maior direito possível, mas ele não era aplicado. E eu tenho impressão de que isso ocorre no Brasil ainda hoje em uma série de ramos (por exemplo, a pouca efetividade dos direitos humanos), porque as pessoas estão sujeitas a estruturas de poder. Então o meu interesse surgiu desse potencial deslocamento, que eu sempre senti, do poder em relação ao direito. Na verdade, quando a gente está numa estrutura de poder muito forte, a maioria dos nossos direitos são inefetivos. Bom, essa é a razão da afinidade e da importância também, porque se a gente não resolve o problema do poder, os direitos vão contiRevista Comercialista

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Perfil nuar pouco efetivos. O interesse surgiu na graduação ainda. Parece que nos vários temas que eu acabei escolhendo, estava sempre o poder ali: a preocupação com o poder concentrado na sociedade unipessoal, depois a preocupação com o poder no direito da concorrência, no direito regulatório... Eu acho que o estudo do poder é uma das linhas de análise do direito, exatamente porque ele tem essa capacidade de tornar direitos inefetivos. Um dos objetivos do direito, nessa visão estruturalista, é romper essas estruturas de poder para que o direito possa adentrar nas relações sociais. Comercialista - Em sua visão, a política nacional de participação social (instituída pelo Decreto nº 8.243/2014) pode ser considerada uma ferramenta para equilibrar as relações de poder? Quais outros instrumentos poderiam ser aplicados, com esse objetivo, à realidade brasileira? Calixto Salomão Filho - Eu acho que sim. O funcionamento do Estado e dos órgãos estatais da administração direta e indireta está sempre sujeito a um dilema, um dilema clássico, que é a pressão entre a captura pelo interesse político (não o elevado, mas o partidário, que pode desvirtuar a atuação do Estado) e a captura pelo interesse privado, que é da história brasileira. Então, entre essas duas forças, o Estado fica extremamente pressionado. Entre o interesse político partidário e o interesse privado. Revista Comercialista

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Como fazer os órgãos do Estado atuarem de uma forma real no interesse público? Eu acho que a participação popular é um excelente instrumento para evitar essas duas pressões ou, pelo menos, garantir que elas não sejam exercidas de forma a capturar o Estado. Como? Porque a participação popular tem vários efeitos. Primeiro, o efeito de publicizar mais tudo que está sendo feito. Tem representantes da sociedade civil lá, eles vão ver o que está acontecendo. Segundo, porque eles vão trazer o interesse legítimo do usuário para dentro da discussão. Então, se há o interesse político de um lado e o interesse privado de outro (de uma empresa atuando para direcionar ou mal direcionar aquela regulação), na hora em que há participação popular, o usuário está presente dizendo ‘não, mas isso aqui não é meu objetivo’. Então para além do óbvio (e o óbvio é que participação social é democrática, é fazer com que as partes interessadas interajam, sejam copartícipes na elaboração das regras), há outro efeito positivo, que é proteger o Estado desses dois interesses, que dificultam que órgãos, agências, governo, administração direta possam agir no interesse público.

AS ESTRUTURAS (SOCIEDADE ANÔNIMA, DIREITO CONCORRENCIAL, PATENTES E PROPRIEDADE)

Comercialista - Considerando-

-se a sociedade anônima, qual a opinião do senhor em relação à ênfase da legislação brasileira no termo e na figura do “controle”, mesmo não existindo uma conceituação clara do termo na lei? Foi uma boa opção legislativa? O valor dado ao poder de controle está ligado ao contexto político de desenvolvimento da legislação? Calixto Salomão Filho - Está sim. Eu acho que foi uma opção típica da época, ligada a toda a filosofia do PND, que era reforçar o poder dos grandes grupos nacionais – o que, aliás, está explícito no PND. E era também uma opção do regime militar de trabalhar com esses grandes grupos privados. Se isso foi bom? Acho que definitivamente não. Entravou o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro durante trinta anos, porque a empresa foi tratada como algo do controlador. Portanto, todos os outros, inclusive minoritários, inclusive aqueles que poderiam investir no mercado de capitais, sentiam que estavam sempre fora do jogo. Aliás, foi isso o que revelou a pesquisa da Bovespa que foi feita nos anos 2000, dada a crise do nosso mercado de capitais. Então eu acho que essa ênfase foi excessiva e não foi positiva, não. Comercialista - Considerando o histórico brasileiro do monopólio colonial, em que medida a política concorrencial deveria se distanciar das práticas adotadas em reconhecidas jurisdições como Europa e Estados Unidos e impor uma polí-


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Perfil

estrutura jurídica que afeta a distribuição de renda tem um efeito sobre a desigualdade ou sobre a questão da pobreza. Mas, para além disso, nós precisamos de um modelo de propriedade que tenha em conta a realidade atual do mundo de escassez de recursos. Então não dá mais para imaginar aquela propriedade absoluta de um e a sujeição dos outros. Isso não nos leva a um modelo de propriedade comunal, existem modelos muito mais sofisticados hoje, como a estrutura dos bens comuns, que é muito útil para bens de relevância ambiental, mas também para bens regulados. Eu tenho que reconhecer que, em determinados bens, eu tenho que seccionar os vários direitos relativos àquele bem e (i) fazer com que, eventualmente, eles sejam atribuídos a grupos diversos; e (ii) fazer com que pessoas afetadas pelo bem e grupos afetados tenham direito a participar na definição dos destinos desse bem. Por exemplo, uma grande empresa que detém uma mina numa região em que passa um rio muito importante para a comunidade da região pode continuar explorando a mina, mas ainda Comercialista - O senhor con- que ela seja proprietária dasidera que a reformulação do con- quelas terras, os interesses das ceito de propriedade é uma medida comunidades que precisam do necessária para a redução das de- rio precisam ser considerados. Comercialista - Na opinião do sigualdades? Qual seria um modelo Considerados ao ponto de elas terem influência na gestão senhor, como o licenciamento com- ideal para o Brasil? pulsório de patentes de medicaCalixto Salomão Filho - Essa da parte da propriedade que mentos contribuiria para a redu- é uma resposta longuíssima... afeta o rio. Então essa expeção das desigualdades? Como eu estava dizendo, toda riência dos bens comuns, que tica adequada à realidade histórica e econômica brasileira? De uma forma concreta, quais seriam as diferenças de políticas necessárias a essa adequação? Calixto Salomão Filho - Essa é uma questão, sobretudo a segunda parte, difícil de especificar em poucas palavras, mas sim, devem ser mais incisivos, particularmente em relação às estruturas. Nós temos estruturas de poder historicamente mais concentradas. O nosso controle das estruturas tem que ser mais incisivo. Mais incisivo em que sentido? Mais incisivo no sentido de proibir concentrações, de restringir, de impor limitações sérias às concentrações, seja proibindo, seja restringindo de uma maneira efetiva, impondo alienações parciais... Então eu acho que, particularmente no controle das estruturas, isso é necessário. Também é necessário em condutas bem disseminadas. Eu acho que, nessa parte, isso tem sido feito nos últimos anos com o combate aos cartéis, que realmente são uma prática disseminada no Brasil nas esferas privada e pública. Tem que ter um combate incisivo. Isso tem sido feito, mas não basta. É preciso um controle das estruturas realmente efetivo e que realmente imponha limitações nas concentrações.

Calixto Salomão Filho - Sim, o licenciamento compulsório contribui diretamente. Por quê? Porque em vez de nós sempre carregarmos o Estado, ou seja, fazermos com que todos os pedidos de medicamento sejam atendidos pelo Estado individualmente, que já tem poucos recursos para o SUS, nós fazemos com que as empresas privadas sejam obrigadas a reduzir o valor do medicamento. Ou seja, a empresa privada, que está reduzindo acesso através de um preço abusivo, ela se torna a responsável pelo bem público, pelo provimento do interesse social, e não o Estado, que já está tão sobrecarregado no SUS. Então eu acho que o licenciamento compulsório é um elemento importante na redução das desigualdades e, comprovadamente, nenhum caso de licenciamento compulsório impede ou impediu o desenvolvimento de invenções. Ao contrário, a empresa continuou fornecendo em mercados grandes como o Brasil, mesmo na presença de genéricos, como ocorreu durante toda a nossa história de vigência dos genéricos.

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10 Perfil tem farto fundamento acadêmico (valeu um prêmio Nobel a quem formulou, a Professora Ostrom) e tem experiências práticas muito bem sucedidas, deve ser considerada numa realidade de bens escassos como nós vivemos.

AS INSTITUIÇÕES (CADE, STF E UNIVERSIDADE)

Comercialista - O senhor publicou, neste ano, um artigo na Folha intitulado “Concorrência e Intervenção na Economia”. Tendo em vista o artigo, o senhor considera que o CADE tem tomado uma postura mais interventiva nos últimos anos? A nova Lei de Defesa da Concorrência teria alguma relação com essa postura, na sua visão? Calixto Salomão Filho - O CADE tem, sim, tomado uma postura mais interventiva. Particularmente, em relação a cartéis. A nova lei pode ter um efeito para o futuro. Ela ainda é recente, portanto, nesse sentido é difícil avaliar. Mas ela exige que o CADE, como eu falei na resposta a uma pergunta anterior, seja mais incisivo também em relação ao controle das estruturas, ou seja, proibindo quando necessário ou restringindo quando necessário. Então, resumindo, a postura tem sido mais incisiva em relação a certas condutas (e isso é muito importante, muito meritório), como é o caso dos cartéis, mas ela precisa ainda ser mais incisiva, particularmente, em relação às estruturas. Revista Comercialista

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Comercialista - Recentemente, tivemos duas decisões do STF muito polêmicas para o direito concorrencial. No RE 664.189, negou-se seguimento ao recurso do CADE que questionava a competência exclusiva do Banco Central para fiscalizar atos de concentração no setor financeiro. Já no RE 627.709, o STF entendeu que decisões do CADE podem ser questionadas na Justiça Federal, em qualquer localidade do país, e não somente em Brasília, onde a autarquia se localiza. Na opinião do senhor, como essas decisões influenciam o atual panorama concorrencial brasileiro? Calixto Salomão Filho - Eu tenho uma opinião crítica em relação a ambas as decisões, e a razão é mais ou menos semelhante. A nossa marcha tem sido no sentido da especialização, tanto dos órgãos administrativos quanto dos tribunais. Nos tribunais, a experiência das varas especializadas, empresariais e outras, tem sido muito bem sucedida. Ora, as decisões do Supremo representam um passo atrás em ambos os casos. No primeiro caso, porque retira do órgão especializado em concorrência a capacidade de avaliar e de limitar o poder econômico em um setor tão concentrado, como é o dos bancos. E não adianta, porque o foco na concorrência e na limitação do poder econômico (nós sabemos) é do CADE. O Banco Central nunca exerceu essa competência. Já no segundo caso, eu acho que o problema,

também no mesmo sentido (ou seja, nos distanciando da especialização), é talvez tão ou mais grave, porque ao analisar uma determinada questão jurídica, nós precisamos sempre ter em conta os interesses envolvidos. Então no caso da competência para analisar (e aliás, não é só uma questão do CADE, porque essa decisão se aplica, em princípio, a todas as autarquias, pois tem repercussão geral), nós precisamos entender que o destinatário primeiro das decisões do CADE e da regulação das autarquias (isso inclui CVM e tantos outros órgãos reguladores) são as empresas. Então o interesse envolvido é o de grandes empresas. Portanto, o principio do acesso à justiça (que é um princípio importante) precisa ser parametrado e analisado sempre em função do interesse envolvido e da capacidade daquele interesse de ter ou não acesso à justiça. É evidente que o consumidor tem uma capacidade, mas a empresa tem outra. O fato de uma empresa ter de ir a uma vara especializada (eventualmente distante de onde é domiciliada) não restringe o acesso à justiça dela, enquanto que para o consumidor isso poderia ocorrer, devido à distância, dificuldade econômica, etc,. Então essa decisão, que se aplica primordialmente a grandes empresas, não é necessária para garantir o acesso à justiça. Caminha no sentido contrário ao da especialização


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e dificulta sobremaneira a defesa dessas agências em juízo. Comercialista - Em sua visão, como seria a faculdade de direito ideal? A formação deveria abranger quais áreas do conhecimento? Qual a importância da experiência no exterior? Calixto Salomão Filho - Olha, eu acho que a faculdade de direito ideal é a que faz o aluno pensar, sabe... Faz o aluno pensar e faz o aluno ser crítico. Eu te dou um exemplo: eu tenho tido, recentemente, muita alegria com um curso que eu tenho dado, sempre com um colega de departamento dando o curso regular da matéria (sobre temas de direito empresarial, direito societário, direito das patentes...) e eu dando um curso do avesso (meu curso se chama ‘o avesso do direito societário’, ‘o avesso do direito empresarial’...), mostrando como, na verdade, é possível interpretar as regras de forma oposta a que são interpretadas pela visão tradicional. Meu objetivo é fazer com que os alunos pensem, critiquem e cheguem às suas conclusões. Então eu acho que o que nós precisamos é de raciocínio crítico e de raciocínio que faça os alunos identificarem os efeitos das decisões e das interpretações deles sobre os interesses envolvidos. Por que eu digo isso? Porque enquanto em ciências exatas nós sabemos bem mais precisamente os efeitos das coisas (um

prédio mal construído cai, um paciente mal tratado continua doente ou piora...), no direito nós não medimos os efeitos. Então o raciocínio crítico que chegue ao ponto de identificar qual o efeito de uma determinada regra, de uma determinada interpretação sobre a sociedade, é fundamental para que nós não apliquemos, sem saber, o direito errado, as soluções erradas. Como é que se faz isso? É preciso que o direito se torne mais complexo, ou seja, uma ciência interdisciplinar, em que os alunos sejam capacitados a entender esses efeitos, estudando outras ciências, como antropologia, economia, sociologia, fazendo verdadeiros estudos interdisciplinares que não só avaliem melhor os interesses envolvidos pela norma, mas o efeito da aplicação da norma sobre esses interesses. Para mim, essa é a faculdade ideal. Difícil de obter, mas é a faculdade que nós temos que mirar, que tenha mais cursos que, portanto, estimulem o raciocínio crítico, que tenha mais matérias que estimulem a compreensão dos efeitos das normas. Matérias teóricas e não práticas, não no sentido corriqueiro, mas práticas no sentido de fazer os alunos irem atrás de captar esses efeitos, fazendo pesquisas empíricas, por exemplo, captando os efeitos das normas sobre a sociedade, para que eles estejam capacitados a entender esses efeitos e aplicar, portanto, um direito que contribua para

Perfil 11 a sociedade. Em relação à experiência no exterior, eu acho que é importante, mas com duas observações. Sempre que nós nos afastamos da nossa realidade, nós somos capazes de refletir melhor sobre ela e também nós temos, às vezes, mais tranquilidade para a pesquisa. Então ir para fora, às vezes, nos tira de uma realidade que nos assoberba muito e nos propicia mais possibilidades de pesquisa. Agora, eu queria fazer uma ressalva: não necessariamente só nos centros tradicionais. É importante, sim, ir para lá trocar ideias. Lá tem muita infraestrutura, grandes universidades no hemisfério norte que têm ótima infraestrutura. Mas muitas vezes lá nós não temos acesso a problemas sociais semelhantes aos nossos, então é importante que nós descubramos centros novos. Por exemplo, recentemente um aluno nosso, ex-integrante do Grupo Direito e Pobreza, foi para a Índia trabalhar em uma ONG, e lá, para quem quer trabalhar com medicamento, talvez seja o lugar certo para ir, porque é o lugar mais efervescente em discussões sociais, em discussões de novos medicamentos a preço acessível. Então é preciso que nós ampliemos esse conceito do ‘ir para fora’, que não se restrinja só aos centros tradicionais, que são importantes e nos dão tranquilidade e infraestrutura, mas que também nós possamos ir a laboratórios sociais semelhantes aos nossos. Revista Comercialista


12 Doutrina

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Concorrência e Arbitragem no direito brasileiro Hipóteses de incidência de questões concorrenciais em arbitragens Por Bruno Bastos Becker* INTRODUÇÃO

O Direito da Concorrência e a Arbitragem são institutos bastante distintos1, mas que, invariavelmente, acabam por ter uma importante conexão: de modo geral, os agentes econômicos que mais se utilizam da arbitragem como forma de resolução de conflitos, acabam sendo os que igualmente são dotados de poder econômico. O resultado dessa fórmula parece ser a consequente incidência de questões de ordem concorrencial em procedimentos arbitrais2-3, podendo surgir como disputas contratuais em contratos de longo prazo, como fornecimento, parcerias, joint ventures e até entre acionistas e membros de associações, caso tais contratos possuam cláusula compromissória4. Nessas hipóteses, o direito da concorrência poderia ser utilizado pelas partes envolvidas em uma arbitragem tanto como um escudo (i.e., como argumento de defesa), como uma espada (i.e., argumento de demanda)5.

1 Isabel Vaz apresenta interessante paralelo entre os modus operandi dos dois institutos. (VAZ, Isabel. Arbitrabilidade do Direito da Concorrência. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 16, São Paulo, p. 353, janeiro 2009.) 2 “Quando esses dois domínios do direito se cruzam, o que não é raro, dadas a identidade de seus principais atores e a potencialidade de reflexos no mercado dos atos e acordos submetidos ao juízo arbitral, surge a questão da arbitrabilidade dos litígios envolvendo a aplicação das normas do Direito da Concorrência” (CRISTOFARO, Pedro PauRevista Comercialista

lo Salles; NEY, Rafael de Moura Rangel. Possibilidade de Aplicação de Normas do Direito Antitruste pelo Juízo Arbitral. In: ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Arbitragem Internacional: Questões de doutrina e de prática. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003. p. 335.) 3 Segundo Luis Silva Morais, haveria “[...] uma percepção empírica da relevância concreta das questões de direito da concorrência em Portugal nos últimos anos”, a despeito da [...] reserva que existe sobre várias decisões arbitrais, ou até sobre processos arbitrais que terminaram com transações ou por acordo nos quais foram susci-

tados problemas de direito da concorrência, impeça um conhecimento mais alargado ou preciso desta realidade”. Ainda conforme o autor, haveria em Portugal um esforço para o levantamento de informações sobre processos arbitrais em que sejam suscitadas e apreciadas questões de direito da concorrência realizado pela Associação Portuguesa de Arbitragem (APA). (MORAIS, Luis Silva. Palavras Iniciais na Sessão de Abertura da Conferência “Arbitragem e Direito da Concorrência”. Lisboa, 2012. Disponível em: http://www.institutoeuropeu.eu/images/stories/LM-Abertura-Conf-Arb-Conc-Arb-ADR.pdf)


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Doutrina 13

É exatamente nesse contexto que o presente ensaio se insere, no exame da interação e da compatibilidade entre a arbitragem e o direito da concorrência. Em uma análise superficial, tais institutos poderiam ser considerados incompatíveis, de modo que as questões concorrenciais não seriam arbitráveis, pois poderiam ofender a ordem pública6. Em outras palavras, haveria uma oposição intransponível entre, de um lado, o princípio da autonomia das partes que rege a arbitragem, e, de outro, a máxima proteção visada à ordem pública pelo direito da concorrência7. Esse posicionamento parece já ter sido superado em grande medida pela doutrina8 e jurisprudência9 internacionais. Tendo em vista a relevância que discussões envolvendo o direito da concorrência podem apresentar em procedimentos arbitrais, caso tal matéria simplesmente fosse considerada como não arbitrável, “haveria um enorme

potencial para manobras táticas objetivando interferir nos efeitos apropriados de uma convenção de arbitragem”10. Ocorre que, a despeito da evolução da matéria no exterior, a especificidade das normas nacionais de ordem pública contidas nas normas relativas ao direito da concorrência torna a questão da arbitrabilidade muito complexa para ser tratada abstratamente (i.e., sem levar em consideração as normas locais)11. Faz-se necessária, portanto, uma investigação do tema à luz do direito brasileiro. No Brasil, a matéria é tratada ainda de forma incipiente, abordando-se basicamente a questão da arbitrabilidade12; discorrendo-se sobre a aplicação, pelos árbitros, do direito da concorrência em suas decisões. Usualmente, considera-se o direito da concorrência de forma indistinta, sem analisar as diversas formas de sua incidência e aplicação. Vislumbra-se, pois, a necessidade da investigação da questão

sob uma perspectiva mais focada no direito da concorrência, tratando dos possíveis conflitos com o instituto da arbitragem à luz das normas nacionais – especialmente os diplomas normativos da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência, ou “LDC”), e Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem). Para tanto, o presente ensaio divide-se em três partes. Inicialmente, serão apresentadas breves considerações sobre o desenvolvimento da matéria no exterior, em especial nos Estados Unidos da América e na União Europeia. Posteriormente, serão feitos breves apontamentos sobre as normas brasileiras de direito da concorrência. Por fim, serão apresentadas hipóteses de incidência de questões de ordem concorrencial em procedimentos arbitrais desenvolvidos no âmbito do direito brasileiro13.

4 “Competition issues may arise before the arbitrators in a number of ways. Generally, all contractual disputes between parties to a long-term contract, such as partnership disputes, disputes between members of associations, or between shareholders, or between the shareholders and the company, disputes between parties of long-term vertical or horizontal contracts such as joint-ventures, and, finally, disputes over the terms of a license are likely to be solved by arbitration if the underlying contract contains an arbitration clause” (BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 91) 5 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. 6 “Toda matéria que diz respeito à lei antitruste, Lei 8.884, de 11.06.1994, em que pese tratar de relação jurídica de direito patrimonial disponível,

não pode ser objeto de juízo arbitral” (MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos Patrimoniais Disponíveis e Indisponíveis à Luz da Lei da Arbitragem. Revista de Processo, vol. 106, São Paulo, p. 221, abril 2002) 7 IDOT, Laurence. Aribtration and Competition. In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http:// www.oecd.org/daf/competition/abuseofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p.53 8 MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US Perspective. In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. p. 36 e ss. 9 Vide, em especial, Mitsubishi Motors Co. vs. Soler Chrysler-Plymouth, 473 US 614 (1985) e Eco Swiss

China Time Ltd. e Benetton International NV (C126/97). 10 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. 11 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 109. 12 “O termo ‘arbitrabilidade’ é habitualmente usado para designar a susceptibilidade de uma controvérsia (ou litígio) ser submetida a arbitragem (CARAMELO, António Sampaio. Critérios de Arbitrabilidade dos Litígios. Revisitando o Tema. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 129, outubro 2010.)”. 13 Por questões de delimitação do tema, o foco do presente ensaio recairá na análise dos institutos à luz do direito brasileiro, não sendo objeto, portanto, questões relacionadas à eventual aplicação de normas de direito concorrencial em arbitragens internacionais.

1. DESENVOLVIMENTO DA MATÉRIA NO EXTERIOR A interação entre o direito da

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concorrência e a arbitragem já foi alvo de debates em diversas jurisdições14, sendo as mais relevantes decisões aquelas adotadas nos Estados Unidos da América e na União Europeia, a seguir apresentadas. Nos Estados Unidos da América, no caso American Safety, a decisão do US Second Circuit de 196815 afirmou que o direito antitruste16 não seria compatível com a resolução de conflitos por arbitragem17 e, assim, rejeitou a aplicação de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais. Foi somente em 1985 com o paradigmático caso Mitsubishi18 que a Suprema Corte norte-americana reviu sua posição, passando a aceitar a arbitrabilidade de questões de direito concorrencial19. Atualmente, percebe-se naquele país um considerável desenvolvimento teórico e prático acerca da matéria20. A esse respeito, cabe mencionar o desenvolvimento da doutrina

“Second Look”, por meio da qual os tribunais realizam, em âmbito de anulação ou homologação de sentenças arbitrais, uma revisão – em maior ou menor grau, isto é, maximalista ou minimalista21– da decisão do tribunal arbitral quando da incidência de questões concorrenciais em razão da justificativa do interesse público envolvido22. Na União Europeia, a questão da arbitrabilidade de questões concorrenciais também foi alvo de decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”). No caso Eco Swiss23, a questão envolvida dizia respeito à suspensão de execução de decisão arbitral que condenou a empresa Benetton ao pagamento de indenização por perdas e danos decorrentes de rescisão de contrato de licença. Neste sentido, discutiu-se a necessidade de os árbitros aplicarem ex oficio o Direito Comunitário da Concorrência, e embora tal questão

não tenha sido respondida pelo TJUE, entende-se que haveria, de fato, a necessidade de aplicação da matéria pelos árbitros, pois, enquanto normas de ordem pública na União Europeia, não poderiam deixar de ser consideradas e aplicadas em um procedimento arbitral24. Note-se que, no caso Eco Swiss, a decisão do TJUE dá um passo além, acenando haver não só a possibilidade de tribunais arbitrais decidirem questões concorrenciais – como ocorreu no caso Mitsubishi – mas também o dever de os árbitros suscitarem tais questões, sendo necessário frisar a existência de posicionamentos doutrinários contrários a tal dever25. Para além da discussão da arbitrabilidade de questões concorrenciais, as recentes reformas do Direito Comunitário da Concorrência26 ensejaram uma maior autonomia das partes em relação à resolução privada de

14 Como afirma Alexis Mourre, em países como Alemanha, Inglaterra, Holanda, Suécia, Nova Zelândia, o debate da arbitrabilidade de questões concorrenciais parece já estar superado (MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US perspective. In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. 5-67 p. 41 e ss.). 15 American Safety Equipment Corp v. J.P. Maguire & Co. (BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 45) 16 Para fins do presente ensaio, os termos Direito da Concorrência, Direito Concorrencial e Direito Antitruste serão entendidos como sinônimos e adotados indistintamente. 17 “[A] claim under the antitrust laws is not merely a private matter. Antitrust violation can affect hundreds of thousands, perhaps millions, of people and inflict staggering economic damage. We

do not believe Congress intended such claims to be resolved elsewhere than in Courts. […] The pervasive public interest in enforcement of the antitrust laws, and the nature of the claims that arise in such cases, combine to make […] antitrust claims […] inappropriate for arbitration”. (MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US perspective. In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011, p. 5-67 p. 22 e ss.) 18 Mitsubishi Motors Co. vs. Soler ChryslerPlymouth, 473 US 614 (1985). 19 Deve-se, no entanto, fazer uma ressalva acerca da diferença entre os sistemas jurídicos estrangeiros, especialmente do norte-americano no que se refere ao enforcement da legislação antitruste de forma privada. 20 Por exemplo, vide LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. 2210 p. Disponí-

vel em: <http://www.kluwerarbitration.com/>. Acesso em: 20 set. 2012.; ROGERS, Catherine A.; LANDI, Niccolò. Arbitration of Antitrust Claims in the United States and Europe. Disponível em < http://papers.ssrn.com >. Acesso em: 20 set. 2012; e ZEKOS, Georgios I. Antitrust/Competition Arbitration in EU versus U.S. Law. Journal of International Arbitration, Alphen Ann Den Rijn, v. 25, n. 1, p.1-29 , 2008. 21 Sobre o debate entre a aplicação da teoria minimalista e maximalista, isto é, entre a maior ou menor revisão do conteúdo das sentenças arbitrais pelo judiciário, vide: BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. 22 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2008. p. 98 Eco Swiss China Time Ltd. e Benetton International NV (C-126/97) 23 Eco Swiss China Time Ltd. e Benetton International NV (C-126/97)

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disputas de ordem concorrencial. Assim, debate-se, entre outros temas, acerca da possibilidade de a Comissão Europeia ingressar em procedimentos arbitrais como amicus curiae, bem como a utilização de procedimentos arbitrais pela Comissão para o monitoramento de cumprimento de remédios comportamentais no âmbito do controle de concentrações (behavioural remedies)27. Nessa linha, cabe salientar que até mesmo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já demonstrou preocupações sobre a interação entre Arbitragem e Concorrência. Em outubro de 2010, foi realizada uma audiência com alguns dos maiores especialistas na área para debater a questão. De acordo com as principais conclusões da OCDE, a arbitragem é uma ferramenta normal para a resolução de conflitos e o seu emprego em questões concorrenciais tende a aumentar. Ainda, entendeu a OCDE que a utilização da arbitragem não ameaçaria a aplicação do Direito da Concorrência, sendo desnecessárias mudanças de abor-

dagem por tribunais arbitrais. Assim, a Arbitragem deveria ser vista como uma ferramenta adicional para a correta aplicação do Direito Concorrencial28. Outras questões levantadas pelo relatório da OCDE relacionam-se à eventual obrigação de os árbitros levarem as questões concorrenciais ao conhecimento das autoridades, aos problemas relacionados à execução e revisão de sentenças arbitrais, e à utilização da arbitragem na aplicação de remédios em casos de controle de atos de concentração29.

poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. De forma a sistematizar a aplicação da matéria, o Legislador criou no Brasil um complexo sistema preventivo e repressivo de proteção à concorrência. Assim sendo, a fim de facilitar a compreensão e a apreciação de conceitos concorrenciais em procedimentos arbitrais, propõe-se uma dupla divisão metodológica: a análise da matéria tanto a partir das formas de incidência quanto a partir das esferas de aplicação.

Para uma análise específica da relação entre arbitragem e direito da concorrência à luz do direito brasileiro, faz-se necessária breve incursão em alguns conceitos do direito concorrencial pátrio. Nos termos do art. 170 da Constituição Federal, a Livre Concorrência é princípio da ordem econômica nacional, sendo que, nos termos do art. 173, § 4º, “[a] lei reprimirá o abuso do

o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (“SBDC”) possui duas principais esferas de atuação: preventiva e repressiva. De um lado, a preventiva, regulada pelos arts. 88 e seguintes da LDC, verifica-se por meio do controle de concentrações, em que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) analisa previamente operações consideradas atos de concentração (e.g., fusões, aquisi-

24 Segundo Phillip Landolt, “If the Community courts had really wished EC competition Law to be treated as unarbitrable, they would doubtless have found occasion to say so. Since at least 1982 with the Nordsee preliminary reference, the ECJ has been content to let pass unmentioned any objection it might have had to the arbitration of competition law questions” (LANDOLT, Phillip apud MOURRE, Alexis. Arbitrability of Antitrust Law from the European and US Perspective. In: BLANKE, Gordon; LANDOLT, Phillip. EU and US Antitrust Arbitration. A Handbook for Practitioners. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law International, 2011. p. 46)

25 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuseofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p. 12 26 Trazidas especialmente pelo Regulamento 1/2003. Para informações sobre o regulamento, vide: http://europa.eu/legislation_summaries/ competition/firms/l26092_pt.htm . Acesso em 12 set. 2014. 27 BLANKE, Gordon. Arbitrating Competition Law Issues. Alphen Ann Den Rijn: Kluwer Law Interna-

tional, 2008. p. 78 28 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuseofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 11 set. 2014. p. 12 29 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuseofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 11 set. 2014. p. 12 e ss.

2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE O DIREITO DA 2.1. Formas de Incidência Nos termos do art. 1º da LDC30, CONCORRÊNCIA

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ções de participação societária, joint ventures). De outro, a atuação repressiva ocorre por meio da investigação e da sanção a infrações à ordem econômica (as chamadas condutas anticoncorrenciais), que podem ser divididas em dois grupos: condutas unilaterais e condutas colusivas, sendo estas executadas conjuntamente por agentes econômicos, e aquelas praticadas individualmente pelos agentes econômicos, também conhecidas como abuso de posição dominante31. As condutas colusivas, também conhecidas como cartéis, estão previstas no art. 36, § 3, I da LDC. Segundo Paula Forgioni, as condutas colusivas seriam definidas como “acordos entre concorrentes, atuais ou potenciais, destinados a arrefecer ou neutralizar a competição entre eles”32. Seu objetivo principal é eliminar ou diminuir a concorrência, mediante fixação de preços, diminuição da oferta de produtos no mercado ou a divisão geográfica dos concorrentes em determinado território. Por meio de tais acordos entre concorrentes, viabiliza-se a im-

posição de preços monopolistas ao mercado, gerando a perda de bem-estar dos consumidores. Nas condutas colusivas, portanto, há um caráter de combinação, de acordo entre agentes econômicos. As condutas unilaterais, também conhecidas como abusos de posição dominante, estão previstas nos demais incisos do § 3º do art. 36 da LDC e são as práticas comerciais impostas – individualmente – por um agente econômico com poder de mercado que tenham como objetivo ou resultado a eliminação da concorrência. Aqui, importa destacar que as práticas unilaterais costumam ser impostas por meio de contratos entre partes verticalmente (e.g., contrato de fornecimento, distribuição, agência) ou horizontalmente relacionadas (e.g., contratos entre concorrentes)33. A título exemplificativo, as condutas unilaterais englobam o aumento abusivo de preços; a discriminação de rivais; os preços predatórios; as políticas promocionais (descontos); a venda casada; os acordos de exclusividade; a recusa de contratar; e a fixação de preço de revenda34.

Essa classificação metodológica entre condutas colusivas e unilaterais justifica-se por duas razões. Primeiro, porque as condutas colusivas, além de infrações administrativas, são tipificadas como crime nos termos da Lei nº 8.137/90 (“Lei de Crimes Econômicos”), ao passo que as unilaterais são, atualmente, ilícitos administrativos. Nesse particular, a reforma aos crimes contra a ordem econômica imposta pela LDC foi relevante, à medida que alterou a redação do art. 4º da Lei de Crimes Econômicos (dada anteriormente pela Lei nº 8.884/94)35. Com isso, o legislador restringiu a tipificação de crimes contra a ordem econômica como aquelas condutas praticadas de forma colusiva, i.e., “mediante qualquer forma de ajuste36 ou acordo37 de empresas”. Com efeito, a partir da entrada em vigor da LDC – e em linha com as recomendações da OCDE38 – deixaram de ser considerados crimes os abusos de poder econômico praticados unilateralmente (i.e., condutas unilaterais), descaracterizando-

30 A Lei nº 12.529/2011 entrou em vigor em 30 de maio de 2012. Entre 1994 e 2012, o Direito Concorrencial foi tutelado pela Lei nº 8.884/94. A Lei nº 12.529/2011 trouxe profundas mudanças (i) na estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e (ii) no controle de estruturas. Todavia, para fins do presente estudo, a alteração mais relevante diz respeito à descriminalização de determinadas condutas anticompetitivas em decorrência da alteração da redação da Lei nº 8.137/90, como apresentado a seguir. 31 Há diversas metodologias adotadas pela literatura para classificar as práticas concorrenciais. Aqui, refere-se basicamente (i) à divisão entre

acordos verticais ou horizontais, na qual o foco metodológico resta na relação econômica entre os agentes, e (ii) à divisão entre condutas colusivas e unilaterais (ou abuso de posição dominante), cujo foco resta na conduta incorrida e nos efeitos econômicos. Para os fins do presente ensaio, optou-se por adotar a segunda classificação, pois se entende mais adequada para a análise proposta. 32 FORGIONI, Paula A.. Os Fundamentos do Antitruste. 5. ed. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2012, p. 338 33 Muito embora o artigo 90, IV da LDC considere contratos associativos como atos de concentração, há hipóteses em que, de uma relação asso-

ciativa entre concorrentes pode decorrer a imposição de práticas comerciais caracterizadas como abuso de posição dominante. 34 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito Antitruste. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 139 e ss. 35 A nova redação do art. 4º da Lei de Crimes Econômicos deixou de tipificar condutas unilaterais anteriormente incluídas no rol de crimes econômicos, especialmente nos incisos IV e seguintes: IV - açambarcar, sonegar, destruir ou inutilizar bens de produção ou de consumo, com o fim de estabelecer monopólio ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência; V - provocar oscilação de

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-se “criminalmente várias dessas condutas [anteriormente definidas], apenas mantendo os casos dos cartéis [i.e., condutas colusivas], para os quais dificilmente se configuram eficiências compensatórias que impliquem um efeito líquido positivo da conduta”39. Segundo, tal distinção entre condutas colusivas e unilaterais relaciona-se ao standard de prova necessário para a verificação do ilícito, i.e., quanto à necessidade ou não de comprovação de efeitos econômicos para sua caracterização. O debate iniciado pela doutrina norte-americana acerca da oposição entre ilícitos per se e regra da razão40, possui hoje, no Brasil, evolução teórica, discernindo-se entre os ilícitos pelo objeto e pelo efeito. Nos termos do caput do art. 36 da LDC, “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos”. Assim, ainda que haja eventuais exceções, de acordo com

recente entendimento apresentado pelo tribunal do CADE, condutas colusivas que se caracterizariam como cartel clássico seriam infrações definidas pelo objeto, havendo dispensa da produção de provas sobre os efeitos anticompetitivos pela presunção de ilicitude, bastando para a caracterização a comprovação da exteriorização da conduta41. Tal presunção dispensaria a autoridade concorrencial, o CADE, da comprovação dos efeitos de determinada ilicitude, transferindo aos investigados o ônus de comprovar que a restrição analisada seria acessória a algum arranjo lícito e com objeto distinto – e ainda, que os efeitos benéficos advindos de tal arranjo superariam os riscos42. Portanto, seja pela perspectiva da gravidade das condutas (i.e., ilícitos administrativos e crimes), seja pela perspectiva da necessidade da comprovação dos efeitos econômicos por elas gerados (i.e., condutas pelo efeito e pelo objeto), as condutas objeto da prática repressiva

As três formas de incidência de questões concorrenciais acima descritas podem ser aplicadas em diversas esferas: administrativa, criminal e cível. A primeira e mais conhecida esfera de aplicação – a administrativa – é exercida por meio do CADE. Nos termos do artigo 4 da LDC, o CADE é entidade judicante que possui a competência para aplicar as normas previstas na lei. Compete a esse órgão, portanto, a investigação e imposição de penas, em âmbito administrativo, de condutas colusivas e unilaterais, bem como a análise prévia de atos de concentração43. A segunda esfera de atuação – a criminal – é aplicável somente às condutas colusivas tipificadas

preços em detrimento de empresa concorrente ou vendedor de matéria-prima, mediante ajuste ou acordo, ou por outro meio fraudulento; VI - vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência; VII - elevar, sem justa causa, os preços de bens ou serviços, valendo-se de monopólio natural ou de fato. VII - elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado. 36 Segundo Prado, “[p]or ajuste na seara penal, entende-se o acordo, livre e consciente, feito entre vários indivíduos com o objetivo de praticar um fato punível” (PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.p. 50-51) 37 Para Diniz apud Prado, “acordo é ‘a convenção ou ajuste entre contratantes, conjugando suas vontades para a efetivação do ato negocial,

gerando uma obrigação de dar, de fazer ou não fazer’”( PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 5ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.p. 51). 38 CORDOVIL, Leonor. Disposições Finais e Transitórias. In: CORDOVIL, Leonor et al. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada: Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 228. 39 MATTOS, Cesar apud TAUFICK, Roberto D. Nova Lei Antitruste Brasileira: a Lei 12.529/2011 COMENTADA e a Análise Prévia no Direito da Concorrência. São Paulo: Método, 2012, p. 509. 40 De acordo com grande parte dos autores, a diferença entre regra per se e regra da razão restaria no fato de que a primeira caracterizaria ilícitos que, para a condenação, não seria necessária a comprovação dos efeitos anticompetitivos, ao passo que

a segunda caracterizaria aqueles ilícitos que demandariam uma investigação dos efeitos. Todavia, como afirma Luis Fernando Schuartz, “[p]er se e rule of reason são, a rigor, padrões de investigação antitruste”, pois a presença de efeitos anticompeitivos seriam sempre necessários” [...] “Logo, a ilicitude per se de um determinado tipo de conduta (fixação de preços entre concorrentes, por exemplo) não consiste na suposta independência em relaçao ao efeito anticompetitivo, mas sim (o que é muitíssimo diferente), na autorização para abreviar o percurso analítico necessário para provar que o efeito – real ou provável – é de fato anticompetitivo”. (SCHUARTZ, Luis Fernando. Ilícito Antitruste e Acordos entre Concorrentes. In: POSSAS, Mario Luiz (Org.). Ensaios sobre Economia e Direito da Concorrência. São Paulo: Editora Singular, 2002. p. 113, 11797-134.)

do CADE podem ser classificadas entre condutas colusivas e unilaterais. Tal diferenciação será de grande utilidade para determinarem-se as esferas de possível resolução de conflitos concorrenciais por arbitragem, o que se verá a seguir.

2.2. Esferas de Aplicação

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na Lei nº 8.137/90. Nessa hipótese, embora haja esforços para a persecução conjunta de tais crimes44, não há a necessidade de existir um procedimento administrativo no CADE em curso para que seja iniciada uma investigação criminal, e vice-versa. A terceira e última esfera de atuação – a cível – foi estabelecida pelo art. 47 da LDC45 para que os prejudicados por práticas anticoncorrenciais possam ingressar em juízo (a chamada litigância privada) para a obtenção da cessação das práticas e a indenização pelos danos sofridos. Estão aptos a ingressar com ação judicial aqueles prejudicados por quaisquer práticas anticompetitivas, independentemente de serem colusivas ou unilaterais. A litigância privada permite que os prejudicados, sejam eles consumidores, fornecedores, clientes ou concorrentes, demandem judicialmente o ressarcimento dos danos decorrentes das práticas anticoncorrenciais. Ressalta-se que o ajuizamento de ação de reparação disposta no art. 47 da LDC independe da existência de

inquérito ou processo administrativo, ou qualquer comunicação prévia ao CADE. As três formas de incidência do direito concorrencial brasileiro, portanto, podem ser aplicadas – originariamente46 – em distintas esferas em cada caso (administrativa, criminal e cível). Conforme já se aludiu, a análise prévia de atos de concentração é de competência exclusiva do CADE47. Além disso, a repressão a cartéis, considerados ilícitos administrativos e crimes no Brasil, podem ser investigados e julgados tanto em instância administrativa, como diretamente pelo Ministério Público e pela justiça criminal, sendo que os prejudicados pelas práticas podem, ainda, ingressar em juízo cível para a obtenção de indenização pelos danos sofridos. Por fim, as condutas unilaterais podem ser investigadas em âmbito administrativo pelo CADE, podendo, igualmente, serem invocadas na esfera cível pelos prejudicados pelas práticas anticoncorrenciais – independentemente do inquérito ou

processo administrativo – nos termos do art. 47 da LDC. Seja em que esfera for investigada a conduta, além de serem independentes entre si os procedimentos, há de se destacar que igualmente independentes são os resultados, isto é, pode haver casos em que o CADE condene uma prática, mas o juízo criminal absolva os investigados. Portanto, a partir das definições acima descritas, serão traçadas a seguir hipóteses de incidência de questões de ordem concorrencial em procedimentos arbitrais à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

41 Processo Administrativo nº 08012.010215/200796, Voto do Conselheiro Relator Eduardo Pontual Ribeiro em 6 de março de 2012. 42 Processo Administrativo nº 08012006923/ 2002-18, Voto-vista do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo em 20 de fevereiro de 2003. 43 Por questões de delimitação do tema, não será abordada no presente ensaio a hipótese de configuração de ilícito concorrencial pela não notificação de atos de concentração ao CADE, nos termos do art. 88, § 3º da LDC. 44 “O cartel é crime e o mais grave ilícito à ordem econômica, merecendo uma atuação coordenada e integrada das diferentes autoridades responsáveis por sua repressão. A Enacc possibilita uma mudança de rumo no tratamento da criminalidade organizada no Brasil, ao ressaltar o papel do combate a cartéis no contexto de uma políti-

ca de Estado, implicando atuação efetiva e articulada de todos os agentes públicos envolvidos com o tema.” (Estratégia Nacional de Combate a Cartéis, disponível em: http://portal.mj.gov.br/ main.asp?View={87802C87-B7BE-4EAF-91DBF5843CEB74F2}&BrowserType=IE&LangID=ptbr&params=itemID%3D%7B2AA1B152-B1A04501-8AF1-E2E46EB718DB%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D) 45 Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente

do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação. 46 Há de se considerar que quaisquer decisões administrativas do CADE estão sujeitas à revisão judicial, nos termos do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal. 47 Há discussões a respeito da possibilidade da análise de atos de concentração ser realizada por juízos falimentares. Sobre o tema, vide: CRAVO, Daniela Copetti. Aplicação da teoria da failing company defense nos atos de concentração decorrentes da recuperação judicial: atribuição do CADE ou competência exclusiva do Juízo falimentar? Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 8, n. 43, p. 84-106, fev./mar. 2012 48 Para a pesquisa realizada em 18.8.2014, foram feitas duas buscas: “Arbitragem” e “Concorrên-

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3. HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DE QUESTÕES DE ORDEM CONCORRENCIAL EM PROCEDIMENTOS ARBITRAIS NO DIREITO BRASILEIRO

Como mencionado, há um número bastante reduzido de trabalhos a respeito da inter-relação entre arbitragem e direito da concorrência ora analisada sob a


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perspectiva brasileira, em especial sob a égide das recentes alterações trazidas pela LDC. De forma a corroborar a ausência de trabalhos a respeito, pesquisa jurisprudencial48 no STJ e nos Tribunais de Justiça de alguns dos Estados com maior atividade comercial (SP, RJ, MG, DF, PR, SC e RS) demonstra não ter ocorrido ainda no país, aparentemente, um debate em âmbito judicial acerca da incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais49. Todavia, a despeito da ausência de julgados e do reduzido número de estudos em torno da matéria no Brasil, a interação entre o direito da concorrência e a arbitragem – inicialmente vista como incompatível – torna-se, pois, necessária. Sob essa perspectiva, entende-se que, na evolução da aceitação da arbitrabilidade de questões concorrenciais, não haveria a supressão do papel dos órgãos especializados (i.e., CADE), mas sim uma “readaptação, pelo mercado, de uma modalidade dentre outras de que ele dispõe, para assegurar a eficácia da prática do Direito da Concorrência no plano das

relações contratuais do Direito Privado”50. Um bom exemplo de incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais é o apresentado por José Gabriel de Almeida: A e B celebram contrato de distribuição de um produto com cláusula de exclusividade, garantindo ainda o direito de A fixar o preço de revenda do produto. O contrato possui cláusula compromissória e é levado ao conhecimento do tribunal arbitral por B, alegando que teria liberdade de fixar os seus preços, havendo violação ao direito da concorrência51. Ocorre que o exemplo apresentado é uma parcela pequena das hipóteses em que questões de ordem concorrencial podem surgir em procedimentos arbitrais. As questões concorrenciais podem ser apresentadas como objeto central do litígio, ou podem surgir de forma incidental na instrução do procedimento; podem surgir após a decisão do CADE ou do judiciário a respeito da conduta anticoncorrencial, ou podem surgir sem que haja qualquer suspeita pelas autoridades competentes da existência da

conduta, ou ainda, podem estar relacionadas a condutas colusivas ou condutas unilaterais. Todas essas hipóteses possuem consequências e desfechos distintos. De antemão, importa traçar um esclarecimento adicional acerca da divisão metodológica entre condutas colusivas e unilaterais: a medida da “ordem pública”52 da questão concorrencial envolvida. Como afirma Luca Di Brozolo: As únicas infrações ao direito da concorrência capazes de se qualificar como violações à ordem pública, e por isso de implicar a anulação ou recusa de execução de uma sentença, são portanto aquelas que seriamente põem em risco os objetivos da política concorrencial. 53

cia”; e “Arbitral” e “Concorrência”, com resultados, quando disponível a opção, em “ementas” 49 De acordo com a pesquisa proposta: (i) o STJ não apresentou nenhum resultado, (ii) o TJSP apresentou 5 casos, sendo todos relacionados a questões de “concorrência desleal”, (iii) o TJRJ não apresentou nenhum caso, (iv) o TJMG apresentou somente um caso, relacionado à concorrência pública, (v) o TJDFT não apresentou nenhum caso, (vi) o TJPR apresentou 16 casos, sendo que nenhum se relacionava ao direito concorrencial, (vii) o TJSC não apresentou nenhum caso, e (viii) o TJRS apresentou somente um caso, relacionado à concorrência de jurisdição.

50 VAZ, Isabel. Arbitrabilidade do Direito da Concorrência. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 16, São Paulo, p. 353, janeiro 2009. 51 O autor baseia-se nos Arts 20, I e 21, XI da Lei nº 8.884/94, que foram basicamente transpostos à LDC, no art. 36 I, e §2º IX. Embora seja de grande clareza e didática, o autor afirma só existir infrações à concorrência se os agentes possuírem poder de mercado, o que, contudo, como apresentado anteriormente, nem sempre é verdade. (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem

Doméstica e Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 199 e 202). 52 A ordem pública é “um conceito jurídico indeterminado, na medida em que seu elevado grau de ambiguidade e vagueza exige do intérprete constante preenchimento valorativo” sendo “mutáveis as circunstâncias particulares a cada caso e as concepções do aplicador da norma” (ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 204) 53 BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e

Portanto, parece fazer sentido o entendimento de que condutas colusivas seriam aquelas de maior gravidade, aquelas que poriam em risco os objetivos concorrenciais e, consequentemente, poderiam implicar a anulação ou recusa à homologação de sentenças54. Por outro lado, condutas unilaterais teriam menor potencial lesivo e não le-

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variam à anulação ou recusa à execução de sentenças arbitrais. Nesse sentido, entende-se haver considerável distanciamento entre as condutas unilaterais e as colusivas – o que deve ser considerado caso-a-caso. Assim, tendo como linha condutora a divisão entre os tipos de condutas55, passa-se à análise das hipóteses de incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais56.

A primeira hipótese, e talvez aquela de mais clara resposta, envolve a situação em que se submete à arbitragem um acordo (com cláusula compromissória) entre concorrentes no qual se estipula, de forma conjunta, preços de bens ou serviços, o volume (ou sua restrição) a ser produzido ou ofertado, ou ainda a divisão geográfica de suas atividades. Tal acordo enquadrar-se-ia nas hipóteses do art. 36 § 3, I da LDC e no art. 4º da Lei de Crimes Econômicos e, enquanto 3.1. Condutas Colusivas Na possível intersecção entre crime, não seria passível de de57 arbitragem e direito da concor- cisão no sistema arbitral . Como rência, vislumbram-se três hipó- afirma Pedro Batista Martins: teses de incidências de conduA arbitragem não se presta tas colusivas em procedimentos a chancelar ilicitudes e com arbitrais: (i) arbitragens cujo elas não pode compactuar. objeto do litígio compreenda Atente-se para o fato de que condutas colusivas ainda não ina inarbitrabilidade da questão vestigadas e julgadas pelo CADE não se denuncia pelo simou pelo judiciário; (ii) arbitragens ples fato de envolver norma cujo objeto do litígio seja conde ordem pública. Há de se dutas colusivas que já tenham visualizar o elemento viosido investigadas e julgadas pelo lador dessa regra cogente. Reprime-se a decisão arbitral CADE ou pelo judiciário; (iii) arque infringe norma de ordem bitragens nas quais as condutas pública ou a convenção que colusivas sejam identificadas de busca afastar a imposição de forma incidental.

Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. p. 7. 54 Nos termos dos arts. 2º, §2 e 39, II da Lei de Arbitragem. Ainda, sobre a nulidade de sentenças arbitrais contrárias à ordem pública, segundo Pedro A. Batista Martins, “não se pode negar que a lista do art. 32 da Lei de Arbitragem reflete, em si, matérias elevadas à condição de ordem pública, frente ao ordenamento jurídico nacional. Daí supor-se que a sentença que viola a ordem pública se insere numa concepção interpretativa ampla e analógica dos itens que compõem a lista do art. 32 da Lei”. (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 319) 55 Portanto, não será objeto do presente ensaio Revista Comercialista

a análise da interação entre concorrência e arbitragem na atividade preventiva do controle de atos de concentração. Nos termos do Relatório da OCDE, “[t]here is a very limited role for arbitration in the ex ante application of competition law, for example in mergers and state aid, as these areas remain the exclusive competence of the national competition authorities (NCAs)” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. 2012. p.11) 56 Sob uma perspectiva distinta, Luca Di Brozolo apresenta diversas hipóteses pelas quais questões concorrenciais poderiam surgir em procedimentos arbitrais, apresentando para cada caso, a conduta esperada dos árbitros: (i) a situação em

comando da espécie ao caso em disputa. 58 Nesse sentido, de acordo com o já mencionado relatório da OCDE, nos últimos anos teria ocorrido uma mudança considerável na relação entre cartéis e arbitragens, quando esta era utilizada como método para escapar das autoridades concorrenciais59. A segunda hipótese igualmente parece possuir uma solução pouco questionável. Imagine-se que, após a decisão do CADE reconhecendo a existência de cartel entre diversas empresas, um cliente de uma das empresas condenadas que firmou contrato de fornecimento com cláusula arbitral possa ingressar com procedimento arbitral para demandar os prejuízos decorrentes do aumento de preços derivados do cartel. Nesse caso, parece não haver oposições quanto à possibilidade de o juízo arbitral decidir sobre a eventual necessidade de indenização, nos termos do art. 47 da LDC. Em tendo ocorri-

que há acordo mútuo entre as partes quanto à aplicação do direito da concorrência, (ii) a situação em que uma das partes invoca o direito da concorrência, (iii) a situação em que há acordo mútuo entre as partes para a desconsideração de normas de direito concorrencial pelos árbitros e, (iv) a situação em que o direito da concorrência não é invocado pelas partes, intencionalmente ou não. (BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010). 57 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 9. 58 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora


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do a proteção coletiva garantida pelo CADE (e pelo judiciário), não haveria óbice à disputa, em sede de arbitragem, para a verificação da incidência do dever de indenizar e da quantificação da indenização. Trata-se de direito disponível das partes60. Por fim, a terceira e última hipótese relacionada às condutas colusivas afigura-se como a que pode trazer maiores questionamentos. Imagine-se, por exemplo, uma disputa arbitral relativa à matéria societária envolvendo dois sócios de uma determinada companhia, tendo como objeto do litígio uma conduta plenamente lícita, mas que, ao longo da instrução do procedimento arbitral, descobre-se ter um dos sócios participado de um cartel ainda desconhecido pelas autoridades concorrenciais ou pelo judiciário, ou, em outra hipótese, situação na qual já haja investigação em curso, porém, ainda confidencial. Nesse caso, seria válida61 a sentença arbitral que, embora tivesse como objeto de análise uma conduta lícita, fosse relacionada, indiretamente, a uma conduta colusiva cuja apuração ainda não se iniciou ou se concretizou nas outras esferas? Ainda, haveria algum dever dos

árbitros de reportar a ciência de tal conduta? Considerando-se que condutas colusivas são tipificadas na Lei de Crimes Econômicos, a análise proposta assemelha-se à incidência de quaisquer crimes tipificados pelo sistema jurídico nacional. Assim, no que se refere ao primeiro questionamento, parece ser evidente que, ainda que não seja o objeto direto do procedimento arbitral, a existência de um crime indiretamente relacionado à lide em questão já seria suficiente para a anulação62 da sentença arbitral, eis que feriria a ordem pública. De forma contrária, o instituto da arbitragem poderia ser utilizado para chancelar ilícitos concorrenciais ainda que indiretamente envolvidos. É dizer, partícipes de cartéis poderiam, mediante a utilização da arbitragem em seus contratos de fornecimento e distribuição, estipulando a confidencialidade no procedimento, estar sujeitos a menor risco de descoberta do ilícito caso a questão concorrencial não seja levantada ao longo do procedimento63. Portanto, seja pela primeira hipótese (ilícito como objeto da arbitragem), seja por esta (ilícito indireta-

mente relacionado), a arbitragem não poderia ser utilizada como instrumento a proteger as partes envolvidas em condutas colusivas da ciência das autoridades competentes. Já o segundo questionamento, i.e., se há algum dever de os árbitros reportarem a ciência de tal conduta, parece ter uma resposta menos clara, havendo opiniões divergentes. Cândido Rangel Dinamarco é enfático ao afirmar que o árbitro não teria o dever de reportar crimes às autoridades competentes:

Forense, 2008. p. 7. 59 “The situation has changed considerably in recent years and the time when arbitration was perceived by cartels as a method for escaping the competition authorities is undoubtedly over” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. 2012. p. 53). 60 “A distinção é sutil e encontra-se no fato que a proteção individual é apenas e tão-somente um derivado e um reflexo da proteção coletiva. A indisponibilidade encontra-se no âmbito coletivo e

não no âmbito individual” (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Org.). Arbitragem Doméstica e Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 203). 61 Conforme afirma Pedro A. Batista Martins, o art. 32 da Lei de Arbitragem trata de nulidade de sentença arbitral, muito embora “na realidade, os casos elencados, em sua maioria, são de anulabilidade” (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos

sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 313) 62 Vide Nota de Rodapé nº 61 63 Para exemplos dos diversos momentos e formas pelas quais questões concorrenciais poderiam surgir em procedimentos arbitrais, vide BROZOLO, Luca G. Radicati. Arbitragem e Direito da Concorrência. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 27, São Paulo, p. 162, outubro 2010. 64 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.p. 64-65

Perante as partes, o árbitro tem o compromisso de bem aplicar o direito de regência do caso (salvo hipóteses de julgamento por equidade) mas perante a própria ordem jurídico-material do País seu compromisso é nenhum. [...] Sem ser um guardião da legalidade, o árbitro não tem qualquer compromisso com o interesse público, ao qual a própria arbitragem não se associa.64 E segue:

Diante dessas realidades práticas, éticas e sistemáti-

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22 Doutrina cas, a confidencialidade da arbitragem deve prevalecer inclusive para o reconhecimento de que o árbitro não tem o dever de comunicar à autoridade competente eventuais infrações penais ou tributárias de que venha a ter conhecimento no exercício de seu munus. Mais que isso: ele tem o dever de não fazer tais revelações65.

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A solução não parece de fácil solução, cabendo aos tribunais decidirem a respeito – cabendo aos tribunais analisarem a questão, decidindo-a de modo a pacificá-la.

Por outro lado, afirma Pedro Batista Martins que “o Estado não pode abrir mão é da concretização da justiça, no que toca seus elementos primários, essenciais e fundamentais”. E continua afirmando que “a exclusividade da atuação estatal deve se dirigir ao controle dos vícios que violem os direitos fundamentais do cidadão e da coletividade, nomeadamente, a ordem pública relevante66. Para o autor, os árbitros se projetariam perante as partes como uma longa manus estatal, em um “verdadeiro exercício de munus publicum e, por esta razão, estão submetidos a deveres e obrigações especiais”67.

Nesse oportuno – e considerando o referido exercício de munus publicum pelo árbitro – cabe mencionar eventual extensão do dever de juízes reportarem crimes às autoridades competentes prevista no art. 40 do Código de Processo Penal68 aos árbitros, em uma análise conjunta com o art. 14 da Lei de Arbitragem69, segundo o qual caberia aos árbitros os mesmos direitos e deveres dos juízes. A esse respeito, Cretella Neto afirma que a lei de arbitragem equipararia os árbitros aos juízes de Direito70. Em sentido semelhante, Carreira Alvim afirma que “aplicam-se, no que couber, aos árbitros, o disposto na lei processual sobre os deveres e responsabilidades dos juízes” 71-72 . Parece haver argumentos relevantes sustentando ambas as posições a respeito de eventual dever de os árbitros reportarem às autoridades competentes a ciência de crimes – dentre os quais se incluem os crimes contra a ordem econômica dispostos na Lei nº 8.137/90.

65 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Arbitragem na Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.p. 65 66 MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem no Direito Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. P. 32-33. 67 MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 216. 68 Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. 69 Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedi-

mento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. § 2º O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação. 70 CRETELLA NETO, José. Comentários à lei de arbitragem brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 95.

71 ALVIM, J. E. Carreira. Comentários à Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23/9/1996. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. p.104. 72 Foram consultados outros comentadores à Lei de Arbitragem, como Pedro Batista Martins (MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 9.) e Carlos Alberto Carmona (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009.), mas nenhum aborda na análise do art. 14 o dispositivo relacionado a eventual equiparação de deveres e responsabilidades dos árbitros e dos juízes. 73 ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem Doméstica e Internacional: Estudos

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3.2. Condutas Unilaterais

Para condutas unilaterais, i.e., abuso de posição dominante, também podem ser aplicadas analogamente as mesmas três hipóteses apresentadas acima: (i) arbitragens cujo objeto do litígio trata de condutas unilaterais ainda não investigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário; (ii) arbitragens cujo objeto do litígio seja condutas unilaterais que já tenham sido investigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário; e (iii) arbitragens nas quais condutas unilaterais sejam identificadas de forma incidental. A primeira hipótese relaciona-se aos precedentes estrangeiros mencionados (Mitsubishi e Eco Swiss), em que se questionou a arbitrabilidade de questões concorrenciais. O exemplo clássico aqui é, pois, aquele mencionado


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anteriormente, no qual A e B celebram contrato de distribuição de um produto com cláusula de exclusividade, garantindo ainda o direito de A fixar o preço de revenda do produto. Para José Gabriel de Almeida, “o tribunal arbitral não pode se escusar de aplicar o direito da concorrência em um determinado litígio. Essa inescusabilidade [...] tem a ver com o caráter dispositivo, ou não, de determinadas normas da ordem pública brasileira”73. Para o autor, o direito da concorrência deveria ser, inclusive, aplicado de ofício pelo tribunal arbitral74. Sobre essa hipótese, cabem ainda dois comentários. O primeiro é o de que decisões de tribunais arbitrais sobre questões concorrenciais devem se restringir (i) às partes envolvidas e àqueles direitos disponíveis objeto do litígio, nos termos do art. 47 da LDC, sob pena de anulação nos termos do art. 32, IV da Lei de Arbitragem e (ii) aos direitos disponíveis envolvidos , nos termos do art. 1º da Lei de Arbitragem. O segundo é que, de acordo com o relatório da OCDE, questões concorrenciais que surgem

em procedimentos arbitrais deveriam ser levantadas ao longo do procedimento, ao invés de se dar na decisão final, de forma a garantir a resposta adequada das partes75 e evitar que sejam surpreendidas com a decisão. A segunda hipótese, qual seja, arbitragens cujo objeto do litígio seja condutas unilaterais que já tenham sido investigadas e julgadas pelo CADE ou pelo judiciário – assim como ocorreu na análise das condutas colusivas, – não carece de maiores exames, uma vez que as situações em que verificada são decorrentes de procedimentos previamente investigados pelas autoridades competentes e, por isso, não haveria o risco de a matéria não ser levada a conhecimento das autoridades competentes. Por fim, analisa-se a terceira hipótese: a ocorrência de forma incidental de condutas unilaterais em procedimentos arbitrais. Como afirmado por Laurence Idot, essa seria a hipótese mais comum de incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais76. Diferentemente das condutas colusivas, que são de maior gra-

vidade (eis que tipificadas na Lei de Crimes Econômicos), e também independem da verificação dos efeitos anticompetitivos (eis que se caracterizam como ilícitos pelo objeto), as condutas unilaterais possuem menor potencial lesivo e também demandariam maior nível de investigação para sua caracterização. Para que seja configurada a ocorrência de abuso de posição dominante, é necessário (i) que seja comprovada a existência de poder de mercado no mercado específico relacionado à conduta e, adicionalmente, (ii) que seja comprovada a existência de efeitos anticompetitivos decorrentes do abuso do poder de mercado. Portanto, ao menos que uma prática unilateral incidental fosse objeto do procedimento arbitral e, portanto, de necessária análise pelo tribunal, dificilmente tal prática seria identificada pelos árbitros. Assim, parece haver uma questão prática relacionada à comprovação do abuso de posição dominante a impossibilitar a identificação pelos árbitros de tal ilícito. Ainda, não parece haver obrigação de reportar

em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 208. 74 “Um corolário da aplicação obrigatória do direito da concorrência é a aplicação de ofício desse mesmo direito. Pode acontecer que as partes não invoquem, perante o tribunal arbitral, o direito da concorrência. Mesmo assim, o tribunal arbitral está vinculado á aplicação do direito da concorrência, que deve ser invocado de ofício pelo referido tribunal“ (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. A Arbitragem e o Direito da Concorrência. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva (Coord.). Arbitragem Doméstica e

Internacional: Estudos em Homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. p. 208.) 75 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. 2012. p. 9. 76 IDOT, Laurence. Arbitration and Competition. In: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Arbitration and Competition 2010: Hearings. Disponível em <http://www.oecd.org/daf/competition/abuseofdominanceandmonopolisation/49294392.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012. p.59 77 Sobre o tema, André Abbud afirma que “[...]

não é possível às partes interessadas em valer-se da arbitragem para solucionar seu litígio furtarem-se à incidência das normas nacionais sobre a questão – se pretendem que o laudo tenha efeitos nesse país. Ainda que os interessados pactuem a realização do processo arbitral no exterior, a eficácia do decisum no Brasil estará sempre subordinada à observância daqueles preceitos legais. Evita-se, com isso, sejam fraudadas normas integrantes da ordem pública nacional.” (ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 199) Revista Comercialista


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tais condutas às autoridades competentes, visto que – ao não configurarem crimes – não se enquadram no âmbito do dever previsto no art. 40 do Código de Processo Penal.

CONCLUSÕES

A questão da arbitrabilidade de questões concorrenciais parece já ter sido superada em âmbito internacional e nacional, admitindo-se, no Brasil, que árbitros decidam a respeito de questões concorrenciais. Todavia, a fim de se evitar generalizações, há que se diferenciar as distintas formas de incidência do direito da concorrência. Nesse sentido, a divisão metodológica proposta evidencia a diversidade de formas de interação entre o direito da concorrência e a arbitragem e, consequentemente, soluções diversas para cada caso. Merece destaque o fato de que a legislação brasileira considera crime determinadas práticas anticompetitivas, o que afeta consideravelmente as conclusões acerca da arbitrabilidade de questões envolvendo o direito da concorrência. Portanto, nesse espectro de possíveis hipóteses de incidência de questões concorrenciais em procedimentos arbitrais, as soluções são igualmente diversas, devendo se levar em conta as características de cada conduta analisada, não podendo o direito da concorrência ser ignorado ou negligenciado. Como agenda de pesquisa, vislumbra-se a necessidade do Revista Comercialista

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aprofundamento do estudo especialmente no que diz respeito à eventual necessidade de os árbitros informarem às autoridades competentes a existência de condutas colusivas. Ainda que tenham fugido do escopo do presente ensaio, merecem igualmente futura análise questões referentes (i) à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras77 e a eventual revisão de sentenças arbitrais pelo judiciário envolvendo questões concorrenciais, bem como (ii) à relação entre a confidencialidade de procedimentos arbitrais e a ordem pública de questões de ordem concorrencial.

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* Bruno Bastos Becker Mestrando em Direito Comercial USP, advogado do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, diretor do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul (IDERS). O autor agradece à doutoranda Giovana Valentiniano Benetti pela cuidadosa revisão do texto do artigo, bem como ao advogado Rafael Xavier e a acadêmica Mariane Piccinin Barbieri pelos atentos comentários ao texto. Na pessoa de Rodrigo Fialho Borges, o autor também agradece o convite formulado pelo corpo editorial da Revista Comercialista para participar desta obra. Revista Comercialista


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Instrumentos Jurídicos e Diálogo Institucional nos Grandes Projetos de Mobilidade Urbana: o caso do PMI da linha 6 do metrô de São Paulo Por Pedro do Carmo Baumgratz de Paula* Em 18 de dezembro de 2013, o Governo do Estado de São Paulo anunciou a celebração do contrato de concessão patrocinada com o Consórcio MOVE1 para fins de construção e operação da linha 6 – Laranja – do metrô.2 A linha 6 – também conhecida como “linha das universidades” - já que cruzará regiões próximas à FGV (futura estação 14bis), Mackenzie, PUC e FAAP - teve sua importância ressaltada pelo governador Geraldo Alckmin: Revista Comercialista

“A Linha 6-Laranja será integradora e proporcionará mais sinergia ao transporte metroferroviário. A linha sairá de São Joaquim, passará pelas universidades, cruzará o Rio Tietê e irá até Freguesia do Ó e Brasilândia. Trata-se de uma grande obra.” 3

deste estudo, trata-se do mais complexo4 contrato de parceria público-privada em mobilidade urbana já celebrado pelo Estado de São Paulo. Portanto, o estudo dessa linha de metrô evoca a análise de diferentes temas relativos aos grandes projetos urbanos, Aparte da óbvia conota- a saber: mobilidade urbana e ção política da relevância dada sua conexão com outros setopelo governador à celebração res sociais, parcerias públicodeste contrato, a linha 6 tam- -privadas, diálogo instituciobém é um importante caso nal, entre outros. Todos esses temas serão para fins de análise acadêmi5 ca. Conforme se verá ao longo abordados neste breve artigo


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com a finalidade de obter melhores entendimentos a respeito de uma temática geral, qual seja: quais instrumentos jurídicos são capazes de auxiliar as políticas públicas a serem melhor concretizadas e assim incrementar o desenvolvimento econômico e social do país? Esta pergunta ampla que norteia a presente pesquisa desdobra-se em um questionamento mais específico: como a utilização dos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs) - na celebração de PPPs - pode auxiliar ou prejudicar a realização de grandes projetos urbanos? Para tentar responder às questões acima, é necessário analisar três grandes tópicos: a relevância e as peculiaridades do setor de transporte público urbano no Brasil; a evolução da celebração de contratos de PPPs no Brasil; e a perspectiva teórica do diálogo e do experimentalismo institucional. A partir do estudo desses três tópicos será possível fazer uma breve, mas (acredita-se) bem informada, análise do caso do PMI da linha 6 do metrô e, com isso, retirar conclusões da re-

cente experiência prática do Estado de São Paulo.

O deslocamento e a movimentação das pessoas no espaço são condições para a realização das atividades em que estão envolvidas. Assim, a estruturação de um sistema de mobilidade urbana efetivo e eficiente consiste em elemento central da organização e da evolução de uma sociedade. A mobilidade das pessoas e das mercadorias afeta a qualidade de vida da população, gerando externalidades no desempenho das atividades econômicas. Não sendo concretizada de maneira adequada, ela piora as desigualdades sócioespaciais e pressiona as já frágeis condições de equilíbrio ambiental nos espaços urbanos. (IPEA, 2011a) De acordo com dados de percepção social do IPEA (2011b), nos grandes centros urbanos brasileiros, aproximadamente 60% da população se vê dependente do sistema de transporte público urbano. A mesma pesquisa aponta que

apenas 20% dos não-usuários de transporte público não se tornaria usuário desta modalidade sob nenhuma condição. Podendo-se concluir, assim, que 80% dos usuários de meios de transporte privados o fazem em razão da ineficiência na prestação (rapidez; preço; e conforto são os principais fatores de ineficiência mencionados) ou mesmo da insuficiência/inexistência de oferta de transporte público urbano. A inadequação do serviço de transporte público urbano às necessidades da população é um problema que afeta a maioria dos grandes centros urbanos brasileiros (IPEA, 2011a), mas é especialmente grave na região metropolitana6 de São Paulo (RMSP), cuja população estimada é de, aproximadamente, 20 milhões de pessoas ou 10,77% da população do país7 (VASCONCELLOS, 2005a). Destes, de acordo com pesquisa da Companhia do Metropolitano (METRO, 2007), 55,3% são usuários do sistema de transporte público urbano, ao passo que 44,7% se valem de meios privados de transporte8. O tempo médio de percurso

1 Composto pelas empresas Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC Participações e Fundo Eco Realty. 2 Conforme noticiado, entre outros meios, pelo jornal Estado de São Paulo: http://www.estadao. com.br/noticias/cidades,alckmin-anuncia-linha-6-para-2018-e-fala-de-demora-em-obras-do-metro,1110071,0.htm 3 Trecho retirado do site de informações gerais sobre a linha, da Secretaria de Transportes Metropolitanos: http://www.stm.sp.gov.br/index.php/ obras/parcerias-publico-privadas-ppp/linha-6

4 As justificativas desta qualificação serão expostas no tópico pertinente. 5 Muito embora a estrutura textual do presente estudo seja de artigo científico seu conteúdo e “espírito” se aproximam aos de um ensaio (também acadêmico) exploratório, em virtude de explorar tema recente e sugerir encaminhamentos de pesquisa mais detalhada que só poderão ser efetuados com o decorrer do tempo. 6 Ou mesmo “macrometropolitana”, já que congloba 4 regiões metropolitanas cuja distância

entre bairros com, no mínimo, 72 moradias não ultrapassa 14 kilômetros. Ver EMPLASA, 2013. 7 Números depreendidos dos dados estimados pelo IBGE disponíveis em http://www.ibge.gov. br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/ estimativa.shtm , acesso em 10 de junho de 2012. 8 Interessante destacar que este números, apurados em São Paulo no ano de 2007, são bastante próximos àqueles constatados em 2011 pelo IPEA em pesquisa de percepção social (IPEA 2011b), quando o objeto de estudo eram os grandes cen-

1. O Transporte Público Urbano e os investimentos em Infraestrutura

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por viagem no transporte público, na RMSP, é de 67 minutos enquanto no transporte individual é de 31 minutos. A atual situação, no Brasil e em São Paulo, foi assim sintetizada em relatório elaborado pela revista The Economist (ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT, 2011): “Em 2010, o produto interno bruto do Brasil (PIB) cresceu 7,5% em termos reais (a taxa mais elevada em 25 anos). Depois de desacelerar para cerca de 3,6% em 2011, o Economist Intelligence Unit prevê um crescimento médio anual de 4,5% no médio prazo. O desenvolvimento da infraestrutura de transporte público urbano está aquém ao crescimento econômico há décadas. As redes de metrô servem, relativamente, a poucos; os ônibus são quase sempre de baixa qualidade e lotados, além de competir por espaço com os carros particulares. Dadas essas condições, a classe média, em rápida expansão, escolheu carros e motocicletas como principal meio de transporte.

A infraestrutura de transportes é inadequada neste país de dimensões continentais. (…) O metrô de São Paulo, o único sistema no Brasil que atinge altos padrões de qualidade, possui somente 74 km de extensão, para servir uma região metropolitana de 20 milhões de habitantes espalhada por uma área de 8 mil km2. O Rio (população: 11,5 milhões) possui menos de 50 km. Por comparação, Madri oferece 300 km de trilhos para servir a uma população de 5 milhões de habitantes, enquanto a área metropolitana de Nova York (população: cerca de 19 milhões) possui mais de 400 km de trilhos subterrâneos. A discrepância é parcialmente o resultado de um início tardio na construção de sistemas subterrâneos. O sistema de metrô de Londres funciona desde 1863, enquanto a primeira linha de São Paulo foi inaugurada em 1974. Mas a Cidade do México começou a construir seu sistema de metrô à mesma época que São Paulo e, agora, possui três vezes mais trilhos.” (p. 3-5)

Estes indicadores das deficiências do serviço de transporte público urbano no Brasil e na RMSP refletem, em grande medida, a falta de investimentos no setor a partir da segunda metade da década de 19809 até o final dos anos 9010, assim como o crescimento da opção pelo transporte individual (BNDES, 1997; IPEA, 2011a11; NOBRE, 2004; VASCONCELLOS et al., 2011). De acordo com a literatura (VASCONCELLOS et al, 2011; GOMIDE, 2008), para além da falta de “vontade política”, a redução nos investimentos se deveu, principalmente, a dois fatores: a crise fiscal dos anos 80, e a municipalização e consequente desvinculação de recursos federais ao financiamento de transportes públicos operada pela Constituição Federal de 198812. Tendo em vista esses problemas, bem como a extinção da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), foi criado na Secretaria Espe-

tros urbanos brasileiros; o que reforça a credibilidade de ambas pesquisas. 9 “Se entre meados da década de 1970 e 1980 parecia haver considerável oferta de recursos federais para o financiamento de planos, infraestrutura e sistemas de transportes urbanos, na segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990 houve uma estiagem nas fontes de recursos. Segundo Lima (1992), a receita tarifária e os recursos orçamentários (formado por arrecadação de tributos não vinculados) teriam constituído as principais fontes de financiamento do transporte público urbano até início dos anos 1980. Com a crise fiscal do estado, a partir de 1982, a estiagem de fundos setoriais de financiamento suscitou a discussão em torno de fontes alterna-

tivas de financiamento (como taxas de transporte, contribuições de melhoria, selo pedágio, taxas de acessibilidade, títulos de privatização etc.) e a rediscussão do próprio conceito de tarifa e sua relação com teoria da produção no setor de transporte urbano (LIMA, 1992). Embora a tarifa assumisse, cada vez mais, o papel da principal e mais permanente fonte de recursos, a fim de cobrir despesas de operação e custeio do transporte urbano, a falta de fontes extras de financiamento estáveis para provisão de infraestrutura adequada e a ausência de uma política de financiamento para o setor conduziram à estagnação quase total dos investimentos ao longo da década de 1990.” (VASCONCELLOS et al., 2011, p. 40)

10 “Embora as recomendações da política de transportes, desde pelo menos a década de 70 apregoem a prioridade ao transporte coletivo, o que se constata, de um modo geral, é justamente um aumento do transporte individual e uma queda do transporte realizado tanto por ônibus como sobre trilhos, notadamente quando comparados à evolução da população. (…) A política de financiamento sofreu, no entanto descontinuidades, a partir da década de 80, quando as dificuldades apresentadas ao financiamento do setor público impediram de se atingir as metas previstas de investimento no setor ferroviário, além de restringir também o financiamento aos Estados e Municípios, responsáveis, basicamente, pelo sistema rodoviário de passageiros.” (BNDES, 1997, p. 6-7)

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cial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, no ano 2000, um grupo (GTrans) para estudar e propor soluções para o transporte público urbano no Brasil. Este grupo, aliado a uma séria de eventos que o seguiram, como as manifestações populares contra o aumento das passagens de ônibus de 2003, a atuação da Frente Parlamentar do Transporte Público, a criação do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), a criação do Grupo de Trabalho de Transporte Urbano do Comitê de Articulação Federativa da Subchefia de Assuntos Federativos da Casa Civil13, gerou estudos e projetos que culminaram com o anúncio – por parte do Ministro das Relações Institucio-

nais, na reunião geral da Frente se consolidou no ano de 2012,14 Nacional de Prefeitos em 2007 quando diversos investimentos – do envio pelo Presidente da em mobilidade urbana foram República de um projeto de lei anunciados por meio das Porde diretrizes da política de mo- tarias 185 e 328 de 2012 do Mibilidade urbana ao Congresso nistério das Cidades. Nacional. (GOMIDE, 2008) Este Paralelamente aos projetos projeto, após prolongado pro- federais, mas pelos mesmos cesso legislativo, instituciona- motivos, o Estado de São Paulizou-se pela publicação da lei lo, em 199715, lança o Plano In12.587 de 2012, que instituiu a tegrado de Transportes UrbaPolítica Nacional de Mobilida- nos (PITU-2020) para a Região de Urbana. Metropolitana de São Paulo16. Na mesma oportunidade em O PITU 2020 possui metas de que foi anunciado o projeto promoção do desenvolvimento que deu origem à Política Na- urbano via melhoria na mobicional de Mobilidade Urbana lidade e com foco em: investi(em 2 de agosto de 2007), o Mi- mentos em infraestrutura; menistro das Cidades anunciou a didas de gestão em transporte; intenção do governo federal de medidas de gestão no trânsito; formular o “PAC da Mobilidade e política de preços.17 Urbana”. (GOMIDE, 2008) O Plano prevê R$30 bilhões Curiosamente, o que veio a de investimentos até 2020 em tornar-se o “PAC2-Mobilida- medidas de melhoria do transde Urbana” também somente porte, dos quais mais de R$21

11 De acordo com esta pesquisa, em 1977 os meios de transporte particulares (automóveis, taxis e “outros”) representavam 34% dos modais utilizados nos centros metropolitanos do Brasil, ao passo que esse número cresceu para 49% em 2005. 12 Exceção feita à CIDE-Combustíveis, que tem a infraestrutura de transporte público como uma das três possíveis destinações de parte de sua arrecadação, sendo esta destinação obrigatória no tocante aos repasses aos Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme se vê nos artigos 177, § 4o e 159, III da Constituição Federal de 1988. 13 “O grupo de trabalho foi integrado por, além de integrantes da Casa Civil, representantes da Frente Nacional dos Prefeitos, da Associação Brasileira de Municípios, da Confederação Nacional dos Municípios, do Fórum Nacional de Secretários de Transporte, e dos Ministérios das Cidades, Minas e Energia, Trabalho e Emprego, e Fazenda.” (GOMIDE, 2008, p. 14) 14 No início de 2011, o Governo Federal brasileiro lançou o Programa de Aceleração do Crescimento da Mobilidade Urbana (como parte do que ficou conhecido como PAC2), em que inicialmente se comprometeu a investir R$18 bilhões (R$6 bilhões

via recursos diretos e R$12 bilhões via financiamento aos Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios) em infraestrutura de transporte público urbano em municípios com população superior a 700 mil habitantes; mais especificamente em obras e equipamentos de corredores de ônibus, veículos leves sobre trilhos, trens urbanos e metrôs. Em abril de 2012 o montante a ser investido foi aumentado para R$32 bilhões (R$22 bilhões da União e R$10 bilhões dos Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios). A portaria n. 185 de abril de 2012 do Ministério das Cidades formalizou a seleção de 32 projetos de infraestrutura de transporte público urbano (em sua totalidade são projetos que envolvem trens urbanos, metrôs, VLTs e BRTs, corredores de ônibus, entre outros modais dependentes de infraestrutura própria e com alta eficiência energética) de 22 municípios brasileiros para receber verbas federais em forma de repasse direto e financiamento. A população total dos municípios agraciados é de aproximadamente 45 milhões de habitantes, ou 24% da população do país. A segunda etapa do PAC2 foi instituída pela portaria n. 328 de 2012, para cidades médias (com população entre 250 e 700 mil

habitantes/IBGE2010), com montante de R$ 7 bilhões a ser investido nas mesmas áreas de infraestrutura do PAC2 grandes cidades. 15 Embora se saiba que o PITU foi criado anteriormente a 1997, é somente nesse ano que surge o PITU-2020, marco do planejamento de transporte na RMSP, por essa razão optou-se por dar ênfase a essa versão do Plano e não à sua predecessora. No mesmo sentido: “O embrião do PITU, desenvolvido no ano de 1993, orientou os investimentos no sistema de transportes da capital paulista até 2010. Entretanto, sua maior contribuição foi ter dado origem ao PITU-2020, que se tornou uma referência no planejamento estratégico dos transportes na RMSP.” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2006b, p. 22) 16 Atualmente há dois planos para a RMSP (o PITU 2020 foi atualizado após a edição do Estatuto da Cidade e da realização do Censo de 2000 e passou a ser o PITU 2025), um para a Região Metropolitana da Baixada Santista e outro para a Região metropolitana de Campinas: http://www.stm.sp.gov. br/index.php/planos-e-projetos/pitu. 17 PITU 2020, disponível em http://www.stm.sp. gov.br/index.php/o-pitu-2020. Revista Comercialista


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bilhões serão destinados à rede metroviária (implantação de linhas de metrô subterrâneo, metrô em nível e metrô leve ou veículo leve sobre trilhos [VLT]). O PITU-2025, atualização e continuação do PITU2020, prevê investimentos da ordem de R$ 48 bilhões, dos quais – aproximadamente – R$ 30 bilhões se destinam à rede metroviária, encontrando-se a diferença aproximada de R$ 9 bilhões justamente nos investimentos previstos para entre 2020 e 2025. (ESTADO DE SÃO PAULO, 2006a, p. 11) Tanto o PAC2-Mobilidade Urbana quanto o PITU-2020 e o PITU-2025 inserem-se em um contexto de tentativa dos governos Federal e Estadual de prover a imensa demanda por infraestrutura (nesses casos infraestrutura de mobilidade urbana) que afeta o país. Essas medidas compõem um quadro ainda maior de investimentos em infraestrutura geral no Brasil. A defasagem da infraestrutura brasileira em diversos setores como saneamento, energia, telecomunicações,

rência dada pelos órgãos nacionais (federais, estaduais ou municipais) e internacionais à adoção de PPPs em infraestrutura de transporte público de massa e, em especial, de metrô.19 O que se deve a justificativas de diversas ordens.20 No plano político-econômico, busca-se justificar a adoção das PPPs, via de regra, por questões de eficiência e de inovação. Alega-se que as PPPs promovem acesso a novas formas e fontes de financiamento e a novas tecnologias, viabilizando inovações e melhorando a prestação e a manutenção do serviço. (BANCO MUNDIAL, 2012b) De acordo com Trebilcock e Daniels (1996), um dos principais fatores de eficiência de prestação de serviços públicos por meio de parcerias com o setor privado encontra-se, paradoxalmente, na – via de regra - maior dificuldade de acesso a crédito que os parceiros priva2 - Características e dos enfrentam. Essa dificuldacondições de implantação de de acesso a crédito faz com do modelo de PPPs que o financiamento de projeAtualmente, é clara a prefe- to proposto pelo parceiro pri-

18 Um bom panorama do que está acontecendo foi o mapeamento feito pelo caderno especial “Infraestrutura”, junho de 2013, do jornal “Valor Econômico” (doravante “VALOR, 2013”). Neste documento relata-se os investimentos da ordem de R$1 trilhão que estão sendo ou que ainda serão realizados no Brasil para suprir a demanda por infraestrutura em diversos setores no país. 19 Essa afirmação decorre da existência de diversas PPPs em metrô no país, sendo licitadas ou planejadas (vide projetos em São Paulo, Recife, Salvador, entre outras mencionadas na portaria n. 185 de 2012 do Ministério das Cidades), mas também de documentos propositivos do Banco Mundial, OCDE e IFC (braço financeiro do Banco Mundial),

respectivamente: “Public-Private Partnerships Reference Guide”, “Transport Infrastructure Investment: options for efficiency” e “Handshake: IFC’s quarterly journal on public private partnerships. Vol. 7” (BANCO MUNDIAL, 2012b; OCDE, 2008; IFC, 2012). 20 Nesse sentido, Delmon (2010, p. 8): “The decision to adopt PPP must be political, first. The government must consider the political and social implications of PPP and whether there is sufficient political will to implement PPP. Next, consideration needs to be given to the institutional, legal and regulatory context - the extent to which government institutions have the needed skills and resources, the financial and commercial

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mobilidade urbana, ferrovias, portos, entre outros, é patente e os inúmeros investimentos para fornecê-la18 compõem um esforço de tentativa de suprir o hiato entre a infraestrutura necessária para o crescimento econômico do país e a disponível. (TORRES e AROEIRA, 2010) É nesse contexto que se insere a contratação da linha 6 e o presente estudo. Busca-se analisar uma das formas de se contratar obras e serviços de infraestrutura de transporte público urbano, mais especificamente de se contratar obras e serviços de metrô. Portanto, a seguir será abordado o surgimento das Parcerias Público-Privadas para o provimento desses serviços no direito brasileiro. Após, serão levantados os principais aspectos desse modelo jurídico e as questões institucionais mais relevantes no caso da linha 6 - laranja.

markets have needed capacity and appetite, and laws and regulations encourage or enable PPP and whether changes need to be made to the institutional, legal and regulatory climate in order to provide the right context for PPP. Once these basic issues have been addressed, those designing the PPP solutions available to policymakers must consider the most commercially and financially viable and appropriate structures. This must involve consideration of cost benefit, value for money, the sources of finance, the commercial arrangements, the nature of investors and government participants, and a variety of other circumstances that need to be addressed in the design of appropriate PPP structures.”


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vado seja submetido a análises criteriosas pelos financiadores quanto a sua qualidade, rentabilidade e performance, o que culmina por incrementar a performance do serviço.21 Do ponto de vista jurídico, diz-se que as razões para adoção do modelo de PPPs no Brasil se ligam à necessidade de promover investimentos em infraestrutura sem impactar o nível de endividamento estatal e de viabilizar acesso a investimentos privados em serviços deficitários, cujas tarifas possam ser complementadas por contrapartidas públicas. (RIBEIRO e PRADO, 2010; MARQUES NETO, 2011) Para além de justificativas para a adoção deste modelo de contratação, entidades internacionais (BANCO MUNDIAL, 2012b; OCDE, 2008; IFC, 2012) bem como a literatura econômica (DE JONG et al,

2010; DELMON, 2010) e jurídica (WILLOUGHBY, 2013; MEYER e ENEI, 2004; TREBILCOCK e ROSENSTOCK, 2013), estabelecem condições institucionais para a viabilidade da celebração de parcerias público-privadas para fins de financiamento de projetos. De maneira geral, essas condições institucionais podem ser resumidas nos seguintes requisitos22: • Possibilidade de criação de uma sociedade de propósito específico (SPE); • Desimpedimento do funcionamento dessa SPE nas atividades relacionadas ao projeto; • Possibilidade de fornecimento de subsídios do governo ao parceiro privado; • Viabilidade de transferência de recursos, financeiros ou não, para o parceiro; • Sistema judiciário imparcial e eficiente;

• Legislação que permita divisão objetiva de riscos; • Asseguração legal do recebimento das tarifas; • Previsão legal - transparente e imparcial - de procedimentos licitatórios e contratuais; • Viabilidade de comprometimento do orçamento público por longos períodos; • Experiência dos órgãos governamentais com contratações; De acordo com a literatura jurídica brasileira (SUNDFELD, 2011; MARQUES NETO e SCHIRATO, 2011; RIBEIRO e PRADO, 2010; MONTEIRO, 2009; RIBEIRO, 2011), a lei 11.079 de 2004 trouxe diversos mecanismos para viabilizar o atendimento destes requisitos (alguns já se viam presentes no ordenamento jurídico brasileiro, mas foram também aplicados às concessões administrativas e patrocinadas; outros

21 Esse aparente paradoxo é esclarecido da seguinte forma: “(...) both the design and construction functions are highly sensitive to incentives created by the nature of the financing function. The nature of these cross-function incentives effects (interdependencies) are key to understanding what superficially may appear to be one of the major mysteries of private sector financing of infrastructure projects. In most cases, private sector financing will carry a higher cost of capital than government financing, simply because the default risk on sovereign debt (given that governments have access to the entire taxpayer base) is obviously lower than for a private sector infrastructure provider, where the cost of capital will reflect both project-specific risks and its de jure or de facto limited liability. Thus, if the financing function were viewed in isolation from the other functions, given the lower cost of sovereign debt relate to private sector debt, we should see governments financing all activities in the economy. The fact that they finance

vey few of these activities, at least in a market economy, requires an explanation. In the present context, the explanation appears to lie in the fact that while the cost of capital to the private sector infrastructure provider will be higher than the cost of an equivalent amount of capital to the government (which has the same access to private capital markets), offsetting efficiency gains from the other functions performed by the private sector provider are influenced positively by virtue of the fact that it is bearing the financial risk on the project. However, this trade-off in turn depends upon how the capital investment is to be recouped. If the investment must be recouped from competitively determined revenues from the project, then this will create socially appropriate incentives with respect to the design, construction, operation, and maintenance of projects. While it may be true that governments and private sector infrastructure developers borrow capital from the same sources, lenders’ incentives with respect to the private sector

project financing are sharply different. With the government as borrower, lenders can ignore project-specific returns, given that lenders ultimately have access to the governments’ entire tax and asset base. With project financing, project returns become central; lenders are likely to screen development consortia more carefully before lending, to insist on adequate security and financial penalties against non-completion or default, and to monitor performance more closely through the inclusion of numerous, tailored covenants than they would if they were lending to government which in turn then financed the project, thus significantly improving the performance of the infrastructure provider.” (TREBILCOCK e DANIELS, 1996, p. 401-402) 22 As principais características do modelo sugerido por entidades internacionais e pela literatura jurídica e econômica foram mapeadas em revisão de literatura e são apresentadas de forma esquemática por razões de adequação aos propósitos desse texto. Revista Comercialista


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decorrem de amadurecimento institucional mais amplo que a simples positivação de uma lei, como, p.e., a garantia de um sistema judiciário imparcial e eficiente), entre os quais pode-se mencionar as mais importantes inovações e aplicações23: • Possibilidade de contrapartida pecuniária pública ao concessionário privado (i.e. complementação de tarifa de serviços deficitários); • Existência de mecanismos de garantia do parceiro público ao privado; o Entre os quais encontra-se a possibilidade de criação de “Fundos Garantidores de Parcerias”; • Possibilidade de previsão de cláusula arbitral; • Permissão de utilização do “procedimento de manifestação de interesse”; • Remuneração vinculada ao desempenho; • Possibilidade de conjugação, em um mesmo contrato, de obra pública e concessão de serviço público; No entanto, a lei parece representar apenas a institucionalização de um projeto - já em curso desde o final dos anos 90 - de adoção de um modelo de parcerias público-priva-

das (SUNDFELD, 2011b; MONTEIRO, 2009). Independentemente da participação de financiadores externos, o modelo – conforme já exposto acima – vem sendo cada vez mais utilizado pelo Estado de São Paulo na contratação de serviços de transporte público urbano dependente de infraestrutura, o que justifica a relevância de melhor compreender seus instrumentos, vantagens, problemas, possibilidades e limitações.

Ao estudar a crise financeira de 2007 e as possíveis soluções institucionais disponíveis, Unger e Lothian (2011) criticam o dualismo simplista entre mais ou menos regulação/intervenção que seguiu a crise no debate político e jurídico. Os autores se valem da experiência norte-americana do New Deal para mostrar como pouco se utiliza dos aprendizados históricos e como há falta de imaginação institucional nas soluções propostas recentemente para a crise.

Muito embora os objetivos centrais do mencionado estudo consistam em mudanças estruturais no sistema financeiro e, com isso, na sociedade como um todo, as propostas partem da premissa de que mudanças benéficas advém de arranjos institucionais que - ao invés de proibir, isolar ou limitar – estimulam a imaginação institucional por meio de diálogos entre atores públicos e privados e mesmo entre diversos atores públicos ou privados. Outra importante premissa adotada por Unger e Lothian (2011), para os fins da análise aqui realizada, é que as distinções entre sistemas político e econômico mostraram-se extremamente tênues e artificiais com o advento da crise, estando tais sistemas cada vez mais imbricados. Para além da ideia de inovação e experimentalismo institucionais subjacentes à proposta de Unger e Lothian, outro importante paradigma de democracia experimentalista está na teoria do aprendizado institucional proposta por Sabel e Reddy (2007)24. Os autores colocam a seguinte questão: “porque devemos aprender a aprender?” para a qual trazem a resposta.

23 Reitera-se, aqui, as ressalvas feitas na nota de rodapé n. 28. 24 A noção de aprendizado institucional fica explicitada no seguinte trecho que trata de um modelo hipotético de política de subsídios: “It is possible to sketch the kernel of a two-level economic-development framework that encourages constraint-relaxing learning-offered only as

an example. At the ‘top’, a benchmarking committee of the relevant government entities and qualified private actors collaborates with potential users to establish the initial substantive and procedural criteria for participation and defines the initial metrics by which applications are to be ranked. At the ‘bottom’, project groups – whose members can be public or private enti-

ties or partnerships of both – compete to present projects that score highly under the emergent criteria. ‘Top’ and ‘bottom’ are in quotation marks because the relation between them is cyclical, not hierarchical: one entity proposes a framework for action, the other revises the proposal in enacting it, the first responds to the revisions, and so on. Lead actors dominate early

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3 - PPPs, experimentalismo, diálogo e aprendizado institucional


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“Uma justificativa para fa- cedimento de manifestação de festar sobre os projetos básivorecer arranjos experimen- interesse e a consulta pública. cos de eventual PPP. Essa abertalistas é que eles podem nos De acordo com Pereira tura vem sem custos adicionais permitir solucionar melhor et al (2012): para o Estado, vez que este esproblemas que encontramos. tabelece um teto de ressarciUma das estratégias ao dis- mento aos estudos que forem Podemos confiar nesse resultapor do poder público para ob- efetivamente do em razão da eficácia prática aproveitados, ter as informações e análises mas quem arcará com tal resde abordagens experimentais consolidadas nos estudos de sarcimento será o vencedor na que já podem ser constatadas viabilidade, a fim de decidir licitação; ou seja o próprio parno mundo e porque tais arransobre a contratação ou não jos estão mais próximos em de uma PPP e a publicação do ceiro privado interessado. forma e essência aos requisitos Além de eventuais parceirespectivo edital, é o chamado inerentes ao processo de soluros privados no projeto em si, Procedimento de Manifestação ção de problemas sob condia abertura para envios de prode Interesse (PMI). ções de incerteza. O PMI é um instrumento jetos é feita a todos interessaque institucionaliza o diálogo dos. Sendo assim, grupos orgapúblico-privado a respeito de nizados que tenham interesse Uma justificativa mais proum projeto de interesse públi- em enviar projetos (p.e. estufunda, entretanto, é que a democracia favorece e é favorecico a ser concedido à iniciativa dantes e/ou empresas júniores privada. Por intermédio desse de engenharia e arquitetura; da pelo experimentalismo. Isso instrumento, o setor público ONGs, etc), são partes legítié verdade pois o experimentalismo requer abertura e abertuobtém, de consultores ou direra requer democracia. Também tamente das empresas interes- mas para tanto. Já a consulta pública, ao coné verdade porque, para floressadas em disputar futuros concer, o experimentalismo requer tratos de concessão, os estudos trário do PMI que é uma facula quebra de limites sociais à de viabilidade sobre projetos dade, é um requisito obrigatócomunicação e a existência de de infraestrutura que estão na rio previsto no artigo 10, inciso igualdade procedimental de agenda da tomada de decisão VI da lei 11.079/2004. Por meio trabalho.” (p. 90, tradução livre) do Estado. desse dispositivo exige-se que Em outras palavras, o PMI a minuta do edital seja publié um convite do poder públi- cada na imprensa oficial e seja Desse modo, acredita-se co para que a iniciativa privada colocado à disposição de qualque uma maneira de promover interessada possa apresentar, quer interessado a possibilidamelhores formas de regulação por sua conta e risco, análises e e de melhor entender o mercapropostas sobre um projeto de de de enviar sugestões. do regulado, bem como as inúConclui-se, assim, que as interesse público que, no futumeras interconexões entre as PPPs podem ser formuladas e ro, poderá ser licitado. (p.6) diversas políticas públicas condiscutidas com auxílio de dois comitantes levadas a cabo pelo Por meio do PMI, conforme canais de diálogo institucional, Estado, é por meio de abertura pode-se depreender da cha- um obrigatório e outro facultae criação de fóruns de debate mada pública 1/2011 do PMI tivo. com os diversos atores. A seguir far-se-á uma despara a linha 6 do metrô, publiAcredita-se que alguns ins- cada no Diário Oficial do Es- crição dos acontecimentos da trumentos das PPPs são aptos tado de São Paulo no dia 5 de linha 6 até o momento com a criar estes fóruns e a efetiva- outubro de 2011, o parceiro pú- a concomitante análise dos mente promover diálogo insti- blico abre a possibilidade de pressupostos teóricos expostucional. Entre eles estão o pro- qualquer interessado se mani- tos até esse momento. Revista Comercialista


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4 – A linha 6 do metrô de São Paulo: o diálogo, a experimentação e as falhas

Em 05 de outubro de 2011, o Estado de São Paulo publicou a chamada pública 1/2011 convocando interessados a apresentar projetos de viabilidade para eventual linha de metrô ligando a estação São Joaquim à região da Brasilândia. Essa chamada foi motivada pela manifestação de interesse privado (MIP) promovida pela Odebrecht Transport Participações S/A em que a empresa sugeriu a criação de uma linha de metrô nos moldes do que foi publicado nesse edital. O edital descrevia as características gerais para apresentação de projetos de viabilidade nos seguintes termos:

“1 – Descrição e Características gerais do empreendimento: linha 6 laranja do metrô de São Paulo Traçado A linha 6 – Laranja deverá ligar a região noroeste de São Paulo ao Centro Expandido, fazendo articulação de linhas de ônibus das regiões atendidas propiciando a reorganização do transporte coletivo. Além disso, deverá reduzir a saturação dos eixos de transporte existentes, project rounds; weaker actors come to the fore in later ones. After each round, the selection criteria, benchmarks, and institutional arrangements are adjusted to reflect improved measures of performance and a richer operational understanding of success. There is thus public learning as well as learning by private agents. Revista Comercialista

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como as linhas 3 – Vermelha e 11 – Coral, ampliando as conexões com a rede metroferroviária. Características Físicas e Operacionais Na configuração detalhada, o trecho prioritário da linha 6 – Laranja inicialmente contará com 13,5km descontado a extensão das vias referentes ao pátio de manobras e guarda da frota de trens e de manobras no final da linha. Considerando estes segmentos de operação não comercial, toda a extensão do trecho possui 15,9km, com as seguintes características operacionais: - A demanda esperada para o trecho prioritário da Linha 6 – Laranja, nas simulações realizadas pelo Metrô, apontam para um carregamento total de aproximadamente 600 mil passageiros por dia útil. Os carregamentos nos trechos críticos apontados na modelagem foram de 33 mil usuários na hora pico, na Estação Santa Marina, sentido Brasilândia – São Joaquim, e 21 mil usuários na hora pico, na Estação Higienópolis-Mackenzie, sentido São Joaquim – Brasilândia. - Tempo de ciclo completo (incluindo manobras nas estações finais) = 50 minutos; - Velocidade comercial final = 33,6 km/h - Viagens na hora pico manhã = 21;

Because the implicit theory of economic development – expressed in the operationally applied selection criteria – is revised in light of the means chosen to pursue them – the pooled experience of actual projects – we can call these arrangements ‘experimentalist’.” (p. 85) 25 Procedimento diverso do PMI, trata-se de MIP

- Intervalo entre as partidas na hora pico manhã = 171 segundos; - Frota operacional = 18 trens; - Frota total = 20 trens. Trechos Adicionais No Plano de expansão do Metrô, há a previsão de 02 extensões para esta linha, a saber: Trecho Bandeirantes – Brasilândia, com aproximadamente 6,1km, continuando da região da Brasilândia/Pátio em direção à Rodovia Bandeirantes e atendendo ao Centro de Convenções Pirituba. Trecho São Joaquim – Cidade Líder, com extensão aproximada de 14,5km e 13 estações [...], estendendo a Linha 6 em direção à Zona Leste, atendendo áreas com reconhecida deficiência de transporte.” Após a publicação do edital de chamada pública para o PMI, três projetos foram recebidos conforme noticiado no portal PPPBrasil26:

“O Chamamento Público 1/2011, divulgado pelo Estado de São Paulo em 05/10/2011 e que obteve estudos de viabilidade para a PPP da Linha 6 - Laranja da Rede Metroviária de São Paulo de 3 (três) empresas interessadas, teve como resultado final o aproveitamento de 67,80% dos estudos apresentados. quando o ente privado “provoca” o ente pública acerca de eventual serviço ou obra a serem executados. 26 Notícia disponível em http://www.pppbrasil. com.br/portal/content/modelagem-final-dalinha-6-do-metrô-de-são-paulo-aproveitou6780-dos-estudos-de-viabilidade- .


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As empresas participantes do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) terão direito ao ressarcimento total de R$ 5.152.800,00 (cinco milhões cento e cinquenta e dois mil e oitocentos reais) em função dos estudos de viabilidade aproveitados na modelagem final do projeto. Os estudos da Galvão Engenharia S.A. e Somague Engenharia S.A. foram aproveitados em um percentual de 20,29% do total utilizado, cabendo um ressarcimento de R$ 1.045.601,00 (um milhão, quarenta e cinco mil e seiscentos e um reais). Dos estudos apresentados pela Construtora Queiroz Galvão S.A., foram aproveitados em um percentual de 35,65% do total utilizado, cabendo um ressarcimento de R$ 1.837.193,00 (um milhão, oitocentos e trinta e sete mil e cento e noventa e três reais). Por sua vez, os estudos apresentados pela Odebrecht Transport Participações S.A. foram aproveitados em um percentual de 44,05% do total utilizado, cabendo um ressarcimento de R$ 2.270.005,00 (dois milhões, duzentos e setenta mil e cinco reais).” Após a divulgação do aproveitamento dos projetos, foi realizada uma audiência pública em que se responderam a perguntas de pessoas presentes representantes dos meios de comunicação, bancos, construtoras, sindicatos de metroviários e cidadãos em geral. Uma vez realizada a audiência pública, foi publicado o edital de consulta pública em outubro de 2012, que resultou no

edital de concorrência pública internacional 1/2012 com previsão recebimento de propostas para até maio de 2013. Contudo, devido ao grande número de questionamentos realizados pelas empresas, foi necessária a ampliação do prazo até 31/07/2013, quando a licitação foi considerada deserta (sem proponentes). Após tal fato, o edital foi republicado em 13/09/2013, com data para apresentação de propostas no dia 31/10/2013 às 14:00. Nessa oportunidade, o único licitante interessado foi o Consórcio MOVE que, nos termos da ata de julgamento divulgada em dezembro de 2013, foi considerado apto e sagrou-se vencedor. O contrato celebrado entre o Estado de São Paulo e o Consórcio MOVE tem o valor de R$9,6 bilhões, sendo metade do investimento realizado pelo Estado de São Paulo (cobrirá as desapropriações e outros custos) e a outra metade (referente aos demais custos de obra e operação) está a cargo do concessionário. O valor inicialmente previsto era de R$8 bilhões, indicando um considerável descompasso com o que foi efetivamente contratado (necessidade de aumento de 20%). Além disso, dos dois trechos de extensão previstos na chamada pública inicial, apenas um (Brasilândia – Bandeirantes) foi mantido no contrato final e somente será construído mediante manifestação de interesse do

Doutrina 35

Estado de São Paulo e celebração de aditivo contratual. Curioso notar, também, que a empresa Odebrecht está envolvida desde o início no projeto, tendo incitado seu estudo e elaboração, auxiliado a formulação dos projetos técnicos de viabilidade (foi quem mais teve estudos aproveitados no PMI) e integrado o consórcio vencedor. Tal fato indica a possibilidade de ganhos de eficiência e de redução de assimetrias informacionais pelo potencial licitante caso se engaje no projeto desde o início. Uma questão relevante que sobressai da análise desse caso é que, embora os fóruns de diálogo criados pelo PMI e pela Consulta Pública possam auxiliar a melhoria do projeto e a inserção de elementos necessários aos interesses públicos e privados envolvidos, a experiência com a licitação deserta e a necessidade de se aumentar consideravelmente o valor do projeto evidenciam que nem sempre o diálogo ocorre com a fluidez e adequação necessárias à realização do projeto. Outro fato digno de destaque é que todos os documentos desde o início do processo foram disponibilizados eletronicamente, mesmo antes da lei de acesso à informação, algo que não é corriqueiro em contratações públicas do gênero. A publicidade e transparência do processo é um fator determinando para sua conformidade com o Estado DeRevista Comercialista


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mocrático de Direito. Conforme apontam Bersch, Taylor e Praça (2013), o setor de infraestrutura é tradicionalmente conhecido por escândalos de corrupção, sendo a transparência dos procedimentos um importante fator para a governança pública de tais projetos (RACO, 2013). Um importante fator a ser levado em consideração é a pouca ou nenhuma inserção, nos fóruns formais de debate da linha 6, de discussões sobre o modelo de cidade e as consequências dessa intervenção urbanística, ainda que tenha havido espaço para tanto. Acredita-se que isso se deva à falta de mobilização (ressalva feita às críticas dos moradores da bela vista no tocante às desapropriações na região) e conhecimento, já que, p.e., até mesmo nos meios técnicos especializados não se dispõe de ampla percepção de que qualquer interessado pode apresentar um projeto nos PMIs. Explica-se, um grupo organizado e interessado em promover a inserção urbanística de determinada área, pode apresentar um projeto específico para sugerir e detalhar exigências para a intervenção urbana nos entornos de uma estação específica. Outra questão relevante refere-se especificamente ao setor de mobilidade urbana. Sabe-se que o transporte público urbano possui inúmeras Revista Comercialista

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externalidades em outros setores da sociedade como saúde e meio ambiente. Contudo, na análise dos documentos, em nenhum momento nos fóruns de diálogo institucional esses temas foram tratados de forma relevante, sendo mencionados em falas políticas mas não estando presentes análises e comparações técnicas de peso. O debate e a melhor compreensão sobre as interconexões entre políticas públicas de transporte, saúde, trânsito, meio ambiente, moradia e urbanização devem estar no centro das discussões de um grande projeto com tamanho potencial estruturante e urbanizador, algo que não esteve presente neste projeto bilionário. Quanto aos dois últimos pontos, vale fazer uma ponderação. Estudos envolvendo projetos urbanos, infraestrutura, grandes eventos e governança pública (RACO, 2013; LEVI-FAUR, 2011; LEVI-FAUR, 2005; MURPHY, 2011; e outros) têm apontado que o “esvaziamento” do Estado por meio da contratualização de sua atuação têm sérias implicações democráticas. Ao se outorgar a um ente privado, ainda que devidamente regulado em questões técnicas, uma concessão para construir e gerir bens e serviços públicos de inegáveis relevância social por meio de um contrato por um prazo de 25 anos, mas com repercussões

ainda mais longas, dado à reversibilidade dos bens em favor da Administração Pública, há consequências para o debate democrático e a atuação da Administração Pública que ainda não são bem compreendidas. O clássico embate weberiano entre democracia e tecnocracia estaria resolvido pela regulação? Em que medida a abertura para o diálogo previamente à celebração do contrato e a divisão objetiva de riscos e atribuições realizada por esse não eliminam, quase que por completo, o campo de atuação da sociedade civil nas questões a ele atinentes? Ou seja, o “momento democrático” é trazido para a (não tão acalorada) discussão prévia de conteúdo contratual e, a partir da sua celebração, não há margens para mudanças? A estabilização das relações jurídicas e a necessária segurança e previsibilidade operadas pelo contrato (administrativo, aqui, mas ainda contrato em seus termos jurídicos formais) carregam, nesse caso, um conceito de cidade que repercutirá na vida de inúmeros cidadãos, isso ficou claro para a população afetada e/ou interessada? Em que medida, em um sentido mais amplo, a “desestatização” da gestão dos interesses públicos27 não torna o Estado, concebido como o principal gestor dos diversos interesses públicos, em um auditor de aspectos técnicos de


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contratos, expurgando todos aspectos de confronto político do bojo da sua atuação contínua, ao antecipá-lo para o momento de celebração do contrato? Essas e outras questões emergem desse caso específico, mas não é o objeto desse breve texto fornecer subsídios suficientes para respondê-las.

Considerações finais

Ao longo do presente estudo tentou-se abordar a questão das políticas públicas e grandes projetos urbanos sob a perspectiva jurídica como auxílio à promoção do diálogo institucional e do desenvolvimento econômico e social. Pode-se concluir, pelo exposto, que os novos instrumentos jurídicos já colocados em prática possuem grande potencial de transformação e permitem experimentação em novas formas de contratação e aprendizado pelo Estado. Contudo, esse potencial ainda tem sido usado de forma conservadora (limitada) e percebe-se a participação mais ativa dos grandes atores econômicos, sendo reduzida a participação de outros entes sociais. Adicionalmente, há uma preocupação com as implicações (anti)democráticas dessa contratualização das atividades estatais e o papel que esse modelo de gestão da ação pú-

blica tem no efetivo e contínuo diálogo institucional para o próprio desenvolvimento da sociedade. A linha 6 – Laranja, do metrô de São Paulo é um importante projeto que terá grande repercussão na configuração urbanística da região metropolitana de São Paulo, mas os instrumentos de diálogo e de aprendizado abertos em sua formatação foram utilizados apenas para questões técnicas da obras e referentes à rentabilidade do projeto. Ao que parece, a pauta da mobilidade urbana enquanto bem político que estava presente nas rua em junho de 2013 foi dada por resolvida pela sociedade civil. Esperamos estar enganados.

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Confira também as edições anteriores da revista

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* Pedro do Carmo Baumgratz de Paula. Advogado. Mestrando em direito econômico pela USP. Assistente de pesquisa II do IPEA. Revista Comercialista


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Constituição de reservas em prejuízo de acionistas minoritários Por Eduardo Benetti*

O objetivo do presente artigo é compartilhar com o leitor prática corrente em muitas sociedades anônimas de capital fechado cujos acionistas majoritários, respaldados por administradores por estes eleitos, e sob ilusória alegação de regularidade e legalidade, se utilizam da constituição de reservas como meio para reduzir lucros auferidos pela companhia, prejudicando, assim, a distribuição de dividendos a acionistas minoritários, o que caracteriza flagrante violação à legislação aplicável e aos direitos essenciais dos acionistas. O tema constituição de reservas é extremamente amplo e complexo, merecendo profunda análise, o que se torna inviável em um simples artigo. Por esta razão limitaremos nossos comentários à constituição de duas reservas, quais sejam: (i) reserva para fins de contingência (art. 195); e (ii) reserva de retenção de lucros (art. 196). Revista Comercialista

I - Reserva para Fins de Contingência

Conforme ensinamentos do ilustre Prof. Nelson Eizirik1 “a finalidade dessa reserva consiste em segregar lucros, que seriam distribuídos como dividendos, para cobrir perda ou prejuízo ainda não efetivamente incorrido, mas cuja ocorrência se fundamenta em razões justificadas, evitando que tal perda provável seja apenas computada no resultado do exercício que vier a ocorrer.” A par do nobre fim a que essa reserva se destina e dos benefícios que, quando bem utilizada, serão usufruídos pela companhia e seus acionistas, existem problemas de ordem prática que podem surgir em sua constituição, podendo resultar em prejuízo de determinados grupos de acionistas. Neste sentido, cumpre esclarecer que, conforme disposto no artigo 195 e §1°2 da Lei das S/As, os administradores apresentarão


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à Assembléia Geral proposta para deliberar sobre a constituição de reserva para fins de contingência, indicando a causa da perda prevista e justificando a recomendação de sua constituição. O texto da lei, apesar de mencionar que a proposta para a constituição da reserva deva ser fundamentada, não faz qualquer menção à forma ou formalidade a ser cumprida quanto à fundamentação da proposta apresentada. Ou seja, bastará aos administradores apresentar em Assembléia, de forma verbal ou escrita, as razões que no seu entender são justificadoras para formação da reserva. Sensível à lacuna da lei, a melhor doutrina buscou suprir a ausência de forma e formalidade na apresentação dos fundamentos da proposta, recomendando, como nos ensina o aclamado Prof. Modesto Carvalhosa3 que: “os fundamentos da proposta deverão ser objetivamente expostos, de modo a afastar qualquer decisão subjetiva, baseada apenas em receios não fundados em fatos comprováveis, ou em simples opiniões. Os casos mais comuns de perdas prováveis decorrem de ações judiciais. Nesses casos, por exemplo, a

proposta de constituição da reserva para contingências deveria vir acompanhada de parecer de jurista especialista na matéria, que não fosse empregado da companhia.” A despeito das sábias recomendações doutrinárias, o que se vê na prática dos negócios é que muitos administradores, quando da elaboração da proposta de constituição da reserva para fins de contingência, têm levado ao conhecimento da Assembléia Geral fundamentos imprecisos e, muitas vezes, carregados de subjetividade, recomendando, simplesmente, a aprovação da reserva. Em casos mais extremos, o que se tem visto é uma simples apresentação verbal e superficial das razões pelas quais a reserva deva ser constituída. Diante deste cenário e com receio de que os negócios da companhia sejam prejudicados, os acionistas, muitas vezes alheios aos reais riscos de que a contingência informada venha a se concretizar, acabam por aprovar a constituição da reserva por unanimidade. Ao tomar tal decisão, os acionistas automaticamente autorizam os administradores a descontar do lucro líquido4 a par-

cela destinada à constituição da reserva para fins de contingência, sendo que o dividendo mínimo obrigatório será calculado sobre o saldo remanescente, se houver5. Merece destaque o fato de que as reservas para fins de contingência não apresentam limite máximo de valores a ela destinados, ao contrário do que ocorre em outras reservas. Ou seja, caso a Assembléia Geral decida, com base em justificativas subjetivas e carentes de fundamentação técnica, incrementar os valores ali depositados, ano após ano, os recursos a ela destinados poderão crescer ilimitadamente6. Frente à omissão legal e não cumprimento das orientações existentes na melhor doutrina sobre o tema, administradores agindo em conjunto com acionistas majoritários têm se utilizado da reserva para fins de contingência como meio de reduzir o pagamento de dividendos, impossibilitando, em alguns casos, o pagamento do próprio dividendo mínimo obrigatório. A prática recorrente de tal ato, por alguns exercícios, acaba por desestimular acionistas minoritários de permanecer na sociedade, possibilitando ao grupo controla-

1 Eizirik, Nelson. A Lei das S/A Comentada, volume III, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 56. 2 Art. 195. A assembléia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração, destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável, cujo valor possa ser estimado.

§1º A proposta dos órgãos da administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar, com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva. 3 Carvalhosa, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 3° Volume, São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 803. 4 Vale lembrar que o lucro líquido, nos termos do artigo 191 da Lei das S/As é o resultado do exercício deduzidos os prejuízos acumulados

e a provisão para o Imposto de Renda, antes que haja qualquer participação. 5 Assim, vê-se que a constituição da reserva para fins de contingência pode se dar em prejuízo do dividendo mínimo obrigatório. 6 Cumpre lembrar que, conforme disposto no § 2º do artigo 195 da Lei das S/As, encerrado o risco da contingência, os valores destinados a essa reserva deverão ser revertidos Revista Comercialista


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dor adquirir ações a valores bem inferiores ao seu real preço. Como conclusão ao presente tema, o que se recomenda é seguir rigorosamente as orientações doutrinárias existentes, no sentido de que a fundamentação da constituição da reserva de contingência seja baseada em parecer de especialista que não possua vínculos com a empresa. Sem prejuízo dessa prática, existindo qualquer dúvida acerca da real necessidade da constituição da reserva, o acionista deverá procurar especialista de sua integral confiança para assessorá-lo na avaliação da proposta da administração, votando contra sua constituição, sempre que julgar impertinente.

II - Reserva de Retenção de Lucros

Outra prática comum que se tem visto em algumas companhias é a constituição de reservas de retenção de lucros como manobra para reduzir a distribuição de dividendos aos acionistas. Contudo, diferentemente do que acontece com a reserva para fins de contingência, a constituição desta reserva não pode se dar em prejuízo da distribuição do dividendo mínimo obrigatório. Esclareça-se, por oportuno, que sua finalidade está umbilicalmente atrelada à existência de orçamento de capital7 previamente elaborado e aprovado pe-

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los administradores e submetido, posteriormente, à aprovação da Assembléia Geral. Nada impede, contudo, que a própria Assembléia Geral venha a deliberar sobre o orçamento de capital. Tenha o orçamento de capital sido previamente aprovado pelos administradores ou seja objeto de aprovação da Assembléia Geral, é fundamental que cópia do documento esteja à disposição dos acionistas para análise e acompanhamento de seu cumprimento. Destaquem-se, ainda, as regras contidas nos § 1° e 2° do artigo 196 da Lei das S/As, segundo as quais o orçamento de capital poderá ter duração de até 5 exercícios, salvo se o projeto a ser realizado exigir prazo maior, bem como a exigência de revisão anual para os orçamento com prazo de execução superior a 1 ano. Não obstante existirem regras claras e precisas para a constituição desta reserva, a prática dos negócios nos tem mostrado que, em companhias fechadas, os administradores muitas vezes, sem apresentar qualquer orçamento de capital, propõem aos acionistas a aprovação da constituição da reserva de retenção de lucros, sob o argumento da realização de investimentos. Constituída a reserva, os investimentos acabam por se realizar parcialmente ou sequer se realizam, ficando os lucros destinados a esta conta retidos por prazos longos.

A falta de formalidade na apresentação e fiscalização do orçamento de capital acaba por beneficiar administradores mal intencionados, pois os acionistas encontram muitas dificuldades para demonstrar que a constituição da reserva em análise teve outro objetivo que não a realização de investimentos. Assim, é fundamental que, estando na pauta da assembléia deliberação sobre a constituição de reserva de retenção de lucros, seja exigida dos administradores a apresentação prévia do orçamento de capital a embasar a sua constituição. Caso a pauta nada mencione sobre a aprovação da constituição dessa reserva, mas o assunto venha a ser posto em pauta no curso da assembléia, a apresentação do orçamento deve ser exigida antes de qualquer deliberação. A formação de reservas nas sociedades é sempre salutar, por exigência legal ou conveniência administrativa, mas desde que não haja fins escusos. E, para evitar uma manobra ou suspeita dela, basta a transparente apresentação dos motivos da reserva. No caso, o parecer da contingência e o orçamento de capital. * Eduardo Benetti Advogado especializado em direito societário, sócio do escritório BGR Advogados.

5 Conforme ensinamentos do Prof. Nelson Eizirik, em A Lei das S/A Comentada, Volume III, pág. 64: “O orçamento de capital deve compreender os recursos econômico-financeiros previstos para serem utilizados pela companhia na aquisição, formação e construção de ativos imobilizados e em investimentos que contribuirão para melhorar sua atividade empresarial.” Revista Comercialista


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Psico-história e Antitruste: avaliação de impacto e os conceitos legais indeterminados Por Caio Cesar Moreira Pinto*

1. INTRODUÇÃO

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) possui corpo técnico para dosar a pena de multa e aplicar outros remédios. A Lei da Concorrência deixa margem bem ampla para a aplicação de penas. Tal escolha legislativa está correta, haja vista o fato de que o CADE decide sobre os mais variados mercados, cada um com as suas peculiaridades; o antitruste, por sua natureza, exige esse caráter mais amplo de aplicação e o uso de conceitos legais indeterminados. A aplicação da lei da concorrência se dá principalmente pelos efeitos negativos de determinadas condutas, mas como saber os efeitos causados pelas decisões da própria agência antitruste? A principal pergunta aqui é “tendo em vista a necessidade do uso de conceitos legais indeterminados, quais são os meios adequados para saber quais critérios utilizar?”. Para responder a essas perguntas, serão expostos alguns dos princípios básicos da Psico-história, da série “Fundação” de Isaac Asimov, relativos ao modo

de influenciar os “movimentos sociais”. Em seguida tratarei da avaliação de impacto como meio de concretizar tais premissas, através da coleta de informações e de externalidades positivas.

2. A PSICO-HISTÓRIA

Isaac Asimov criou uma ciência fictícia chamada “psico-história” na série “Fundação” (Foundation). Através do uso de cálculos matemáticos baseados em estatísticas, probabilidades e dados históricos, os “psico-historiadores” (cientistas que fazem o uso daquela ciência fictícia) analisam comportamentos humanos passados, bem como presentes, e fazem previsões probabilísticas acerca de comportamentos futuros. A leitura dessa série proporciona insights que levam a crer na possibilidade de uma forma limitada da psico-história, principalmente através da análise econômica. Nesse sentido, um dos objetivos deste artigo é o de passar da ideia de que “estudamos o passado para não cometer os mesmo erros” para a de que “estudar o passado e o presente (tanto os erros quanto os acertos) de forma sistemática é a chave Revista Comercialista


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para podermos prever probabilisticamente comportamentos sociais”. Essa ciência existente no mundo da série Fundação pode ser definida como “o ramo da matemática que trata das reações dos conglomerados humanos a estímulos sociais e econômicos fixos”1. O ponto de partida para definir essas possíveis reações é de extrema importância, pois, nas palavras de Seldon2: Em muitos sistemas, a situação configura-se de uma maneira que, sob determinadas condições, eventos caóticos acontecem. Isso quer dizer que, dependendo do ponto de partida, é impossível prever as consequências. É algo verdadeiro até mesmo em sistemas bastante simples, e, quanto maior a complexidade de um sistema, maiores são as chances de que ele se torne caótico. Partimos sempre do pressuposto de que qualquer coisa tão complicada quanto a sociedade humana rapidamente se torna caótica e, desse modo, imprevisível. O que fiz foi demonstrar que, ao estudarmos a sociedade humana, é possível escolher um ponto de partida e fazer pressuposições apropriadas para suprimir o caos. Isso fará com que seja possível prever o futuro. Não de maneira detalhada, claro, mas sim em grandes pinceladas; sem precisão, com probabilidades calculáveis. Observa-se que a psico-história tem dois elementos essenciais:

os dados históricos – para definir o ponto de partida adequado; e a previsão – através de probabilidades calculáveis. Há o cuidado de que os comportamentos sociais sejam deduzidos a partir de pressuposições apropriadas, que são resultados da análise dos dados históricos. Suprimir o caos seria obter informações suficientes para deduzir o comportamento humano. Essa era a proposta de Stigler: ao invés de postular um comportamento humano, deveríamos deduzi-lo3, embora ele argumentasse que isso seria somente papel da Economia. Do ponto de partida do comportamento econômico dentro do mercado, por exemplo, a maximização do lucro seria aquele pressuposto apropriado de Asimov para a teoria neoclássica, de modo que ela implicaria as formas de comportamento4. Essa linha de pensamento pode ser aplicada desde a elaboração de leis até de decisões proferidas por órgãos administrativos e judiciais. Para fazer uma análise mais específica, escolhi as decisões de órgãos de defesa da concorrência (órgãos antitruste) que versam sobre condutas anticompetitivas.

1 ASIMOV, Isaac. Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Fabio Fernandes. p. 25. 2 ASIMOV, Isaac. Prelúdio à Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Henrique B. Szolnoky. p. 23 e 24.

3 STIGLER, George J. The Organization of Industry. The University of Chicago Press, 1983. p. 39. 4 KUPFER, David. HASENCLEVER, Lia. Economia Industrial: Fundamentos teóricos e prá-

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2.1. LIBERDADE E INCENTIVOS

gundo Império Galáctico. Assim, Seldon aplicou aquela ciência novamente para reduzir esse período para mil anos – esse era o Plano Seldon. Outros psico-historiadores, após a morte de Seldon, utilizavam as informações dadas pela psico-história para definir quais as melhores estratégias para conduzir o Plano. Os psico-historiadores utilizavam como instrumentos de coerção poderes mentais desenvolvidos na Segunda Fundação, mas os utilizavam somente em situações extremas. Normalmente, eles se infiltravam nos governos e influenciavam de modo menos incisivo as figuras políticas mais importantes. Isso porque usar ferramentas para comandar de forma específica as ações de cada indivíduo elevaria o tempo de barbárie. A liberdade individual deveria, portanto, ser preservada. Nesse sentido, era adotada a estratégia de criar ambientes de incentivos (não de comandos específicos) para que o plano Seldon fosse cumprido da maneira mais eficiente.

2.2. A ORDEM ESPONTÂNEA E AS TEORIAS ECONÔMICAS EVOLUCIONÁRIAS

“Ordem espontânea” (spontaneous order) é o termo utilizado por A psico-história deveria ter apli- Hayek para se referir ao processo cação. Através dela, foi previsto de adaptação a um grande número que a humanidade entraria em um de fatos particulares que não preperíodo de trinta mil anos de bar- cisam ser conhecidos em sua totabárie, quando então surgiria o Se- lidade por ninguém5. Ele parte do ticas no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 17. 5 HAYEK, Friedrich A. Law Legislation and Liberty. Vol. 1. The University of Chicago Press, 1983. p. 41.


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pressuposto de que é impossível tomar decisões a partir do conhecimento de tudo o que pode afetar o nosso objetivo. O conhecimento limitado (a racionalidade limitada) não é necessariamente ruim, mas a noção dessa limitação é de grande valor para que possamos nos adaptar às mudanças através do uso do conhecimento disperso entre os indivíduos6. Essa ideia se aproxima da de Schumpeter à medida que há a preocupação com a adaptação. Hayek leva em consideração qualquer circunstância que afete o comportamento do indivíduo no sentido de se adaptar; já Schumpeter se refere aos incentivos dos empresários para se adequarem às inovações dos demais agentes para se manterem no mercado7. Em geral, existem circunstâncias conhecidas pelos indivíduos (por exemplo, os próprios custos da firma são conhecidos por ela mesma) e outras não conhecidas. De acordo com Nelson & Winter, de um lado há o “comportamento de rotina” dos indivíduos de acordo com o que já sabem e com o que podem prever (de forma limitada); de outro lado, os indivíduos podem tomar decisões que não se encaixam dentro do conceito de “rotina” que podem ser tomadas a partir de fatos que não eram conhecidos anteriormente. Nesse sentido, o comportamento das firmas geralmente é parcialmente estocástico8. Logo, a previsão da próxima “joga-

da” do agente econômico é necessariamente probabilística. Nessa linha, as relações (entre indivíduos) que possuem certa regularidade podem gerar ordens espontâneas – relações estas que não precisam ser conhecidas, mas o seu estudo é de extrema importância se quisermos regular algum setor social para que a ordem resultante seja benéfica9. A Psico-história de Asimov seria o exemplo extremo de estudos das relações que geram ordens espontâneas. Curiosamente, as previsões feitas pelos psico-historiadores são probabilísticas, e a precisão delas se dá justamente por causa da quantidade de informação que eles possuem sobre a sociedade. Outro ponto interessante é o de que, apesar de obter tanto conhecimento sobre a humanidade em geral, os psico-historiadores somente agiam diretamente na sociedade em casos extremamente excepcionais; normalmente eles utilizavam ambientes de incentivos para direcionar a sociedade para o menor tempo de barbárie possível (a ordem benéfica). Hayek adota a mesma posição: a complexidade da sociedade é a razão de não devermos impor comandos específicos para organizar a sociedade. Isto afetaria negativamente a ordem espontânea. Assim, nunca é vantajoso substituir as regras da ordem espontânea por comandos isolados10. É nesse sentido que a união de informação sobre

condutas humanas e a regulação por meio de incentivos (e não comandos) é importante. A capacidade de previsão de probabilidades será melhor quanto mais conhecimento sobre o funcionamento dos mercados for acumulado. Isso é válido tanto para o ponto de vista dos agentes econômicos quanto para o do governo. Logo, se o último quer implantar uma determinada política antitruste (de acordo com uma determinada ordem econômica), ele deve buscar mais conhecimentos acerca dos mercados para atingir um desempenho econômico melhor através da concorrência. Note-se que Giovanni Dosi também fala sobre o processo de adaptação da firma. Esta escolhe um paradigma tecnológico, ou trajetória tecnológica: em um mercado de televisão (paradigma tecnológico), o empresário pode investir em televisões com tela de LED (trajetória tecnológica). A decisão sobre qual caminho escolher (no que investir) não é um processo aleatório; é baseado em pesquisas e principalmente na experiência que a firma adquire através do uso da tecnologia (learning by doing e learning by using). Portanto, a empresa toma suas decisões através da análise do que deu certo e do que deu errado, ou seja, ela faz uma análise do seu próprio processo de adaptação para decidir suas ações futuras11. Esta é uma percepção essencial que será elaborada ao longo do texto.

6 HAYEK, Friedrich. Op. cit., p. 14. 7 SCHUMPETER, Joseph A. The Theory of Economic Development: An Inquiry into Profits, Capital, Credit, Interest, and the Business

Cycle. Social Science Classics Series. Transaction Publishers, 1982. p. 232-236 8 NELSON, Richard R.; WINTER, Sidney G. An Evolutionary Theory of Economic Change.

Belknap Press, 1985. p. 14 e 15. 9 HAYEK, Friedrich A. Op. cit., p. 40. 10 Ibid., p. 51. 11 DOSI, Giovanni. Technical change and survival: Revista Comercialista


48 Doutrina O ponto de vista adotado aqui é o dos órgãos regulatórios como instituições que evoluem. Em relação à regulação da concorrência, há a necessidade de avaliar os seus impactos nos mercados para saber se ela ainda é adequada à política econômica, e para se aperfeiçoar. Assim, o governo agiria de modo semelhante à firma sob o ponto de vista da economia evolucionária. Todos esses insights em conjunto corroboram a possibilidade de aplicação de alguns dos principais princípios da psico-história. Esta tem as mesmas características das teorias acima: 1) ela considera que intervenção direta na sociedade teria muitos riscos; essa intervenção deve ser feita somente quando necessária; 2) considera que os movimentos sociais são parcialmente estocásticos; e 3) a análise de dados empíricos são importantes para aferir pressupostos adequados para o estudo da sociedade.

2.3. PSICO-HISTÓRIA E ANTITRUSTE

Esclarecidos esses pontos, farei algumas adaptações: (i) os psico-historiadores seriam os órgãos de defesa econômica; (ii) o Plano Seldon seria a política econômica do País; e (iii) a humanidade seria representada pela população do país (adiante, assumirei que a humanidade, como beneficiária das decisões dos órgãos antitruste, é a parte da população correspondente aos consumidores). A partir des-

Europe’s semiconductor industry (Industrial adjustment and policy). Sussex European Research Centre, University of Sussex, 1981). p. 129-131 Revista Comercialista

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sas adaptações, podemos passar à análise das consequências para fazer uma comparação do papel da psico-história e o do antitruste. Em primeiro lugar está a liberdade. Para Asimov, intervenções incisivas em indivíduos eram realizadas somente quando realmente necessárias e dentro de certos limites (uma espécie de nudge). Assim, tomarei como referência o modelo econômico que tem como base a livre concorrência. Ainda assumirei que a política econômica tem como objetivo o bem-estar social. Então, adoto um sistema antitruste que tem como objetivo a proteção da concorrência como meio de aumentar o bem-estar dos consumidores, que é alcançado através de um mercado mais competitivo –“competitivo” definido como o mercado onde há preços baixos, alta oferta, e alta capacidade de inovação12. Nessa questão, a nova Escola de Harvard13 se aproxima da forma de intervenção dos psico-historiadores: há a preocupação com a estrutura do mercado, pois dependendo dela o ambiente do mercado pode ser mais ou menos propício a atitudes anticompetitivas. Então, deve haver a preocupação também com as condutas anticompetitivas. Para preservar o Plano Seldon com o mínimo de intervenção, os psico-historiadores usavam sistemas de incentivos para prevenir condutas prejudiciais ao Plano. O antitruste também conta com sistemas de incentivos, mas para prevenir condutas anticompetiti-

vas. Podemos verificar isso através do uso da Teoria dos Jogos, que trabalha a partir dos incentivos que jogadores têm para trapacear em um dado jogo. Portanto, em ambos os casos, há um estudo dos possíveis incentivos que os indivíduos teriam para praticar ou não tais condutas de modo que podem ser previstos (dentro de certos limites) seus comportamentos. Esses aspectos do antitruste não são novidades, mas há um da psico-história muito interessante quando é feito um paralelo com o mundo real (não somente com o antitruste): fórmulas matemáticas que utilizam dados passados e presentes (dados históricos) para prever probabilisticamente, através de estatísticas, o movimento da sociedade. Com essa ferramenta matemática, os psico-historiadores podiam tomar decisões mais sólidas e consistentes. Infelizmente tais recursos matemáticos (ainda) não existem, mas existe uma ferramenta da economia que busca avaliar, através de métodos qualitativos e quantitativos, os efeitos de decisões tomadas sobre a sociedade: a avaliação de impacto. A principal aplicação dela atualmente se dá sobre as políticas públicas. No antitruste ela vem sido aplicada a alguns casos de controle de estrutura, porém não há aplicação ao controle de conduta. Quando analisamos a psico-história, percebemos que há grande preocupação com a previsão do movimento social. Entretanto, se

12 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 2.

13 Ibid., p. 37 e 38. 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 4.


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nos preocupamos com o movimento social, devemos levar em consideração ações individuais, afinal a sociedade se movimenta a partir de condutas individuais que tenham efeitos em outras pessoas. Dessa maneira, nos preocupamos com a estrutura do mercado e com as condutas individuais dos agentes econômicos, haja vista que há influências recíprocas entre eles. Essa premissa explica o motivo da preocupação com mercados mais concentrados: quanto mais concentrado é o mercado, maior é o poder de mercado de algumas empresas. O problema de um poder de mercado grande é o de que a decisão individual tem maior capacidade de afetar o mercado e, portanto, os consumidores (aqui assumo os consumidores como os principais beneficiários do antitruste). Além disso, uma empresa com grande poder de mercado pode criar barreiras à entrada de novos concorrentes para manter o mercado concentrado. Dessa forma, assim como ocorreu com Golan Trevize na série Fundação, a intervenção específica sobre uma empresa detentora de poder de mercado pode ser necessária. No entanto, o uso de conceitos abertos demais abre muito espaço para que o intérprete da Lei da Concorrência adote modelos econômicos que não sejam adequados. Um quadro com moldura muito ampla tem a vantagem de possibilitar maior avanço das decisões de

acordo com o avanço da sociedade, assim como ocorre com o progresso da tecnologia e das teorias econômicas. Esse é um aspecto muito importante no Antitruste. Por outro lado, não são extirpadas teorias ultrapassadas ou até mesmo erros de interpretação econômica (em seu aspecto positivo) e jurídica (quanto à identificação das hipóteses legais de incidência). O aumento arbitrário dos lucros pode ser considerado infração à ordem econômica, mas a lei não traz um conceito de “arbitrariedade”. Desse modo, quanto mais difícil é identificar um evento, mais árdua ainda é a sua tradução para a linguagem jurídica. Torna-se difícil identificar a hipótese de incidência da norma Antitruste. Isto é, utilizando os conceitos de Kelsen14, temos duas dificuldades: 1) a definição do “fato” em si (a facticidade); e 2) interpretar a norma e o fato descrito para dá-lo uma significação jurídica. É nesse momento que se verifica a importância da avaliação de impacto no controle de condutas. Em princípio, essa é uma ferramenta muito útil porque nem sempre temos um caso ideal que enseje um remédio predeterminado e porque muitas vezes se faz necessário o uso de proxies que, por vezes, não substituem satisfatoriamente alguma variável importante. A avaliação de impacto forneceria informações importantes para saber como os agentes econômicos se compor-

tariam de acordo com uma dada decisão: dados anteriores e posteriores às decisões tomadas (dados históricos) são concretos e observáveis e, portanto, servem justamente para facilitar esse processo. A partir do momento em que prever qual será exatamente o comportamento individual de um agente econômico é impossível, é objetivado o uso da análise de impactos para buscar meios de fortalecer as decisões da agência antitruste e, consequentemente reduzir os incentivos às condutas anticompetitivas. Para isso, é preciso saber os aspectos gerais teóricos e de aplicação das avaliações de impacto.

15 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gayatri B.; SAMAD, Hussain A. Handbook on impact evaluation: quantitative methods and practices. The World Bank, 2010. p. 3.

16 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VERMEERSCH, Christel M. J.. Impact Evaluation in Practice. World Bank 2011. p. 14.

17 12 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gayatri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4. 18 Ibid.

3. A AVALIAÇÃO DE IMPACTO

A avaliação de impacto atualmente é largamente utilizada no âmbito das políticas públicas. Nesse ponto, esse instrumento econômico é um conjunto de métodos utilizados para entender se programas públicos funcionam, assim como os seus efeitos nos potenciais beneficiários15, através de produção de evidências16. A questão principal da avaliação de impacto é de verificar quais os efeitos de uma determinada decisão. Para isso, devem-se isolar os efeitos do programa de efeitos gerados por outros fatores17 por meio de relações causais entre o projeto ou programa e os seus resultados18.

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A partir de então, os policy makers podem decidir se a intervenção através de determinado programa vale a pena ser sustentada e se este deve ser mantido, expandido ou encerrado19. Durante a avaliação há gastos com pessoal, com buscas de informação etc. Logo, não é todo programa que será objeto de tal procedimento. Para justificar os custos envolvidos no processo de avaliação, o programa a ser avaliado deve ser: 1) Inovador – ele testa uma nova e promissora abordagem; 2) Replicável – ele pode ser aplicado em outros casos; 3) Relevante estrategicamente – é um programa piloto, requer recursos substanciais, abrange, ou pode ser expandido para abranger, um grande número de pessoas, ou pode gerar economias substanciais; 4) Não testado – pouco se sabe sobre a eficácia do programa, globalmente ou em um contexto particular; e 5) Influente – os resultados podem ser usados para informar decisões políticas chave20 (tradução livre) A avaliação de impacto se torna ainda mais importante quando são gerados spillover effects, ou seja, quando ela produz resultados generalizáveis, que possuem validade externa (external validity), de modo que podem ser utilizados em áreas mais amplas de interesse21 além do caso particular. Este seria o caso de externalidades positivas. Então, para que sejam gerados esses efeitos desejados, informações sensíveis são necessárias pa-

ra contextualizar a avaliação e os seus resultados. Ela não é projetada tipicamente para gerar spillover effects, mas sim para dar respostas a um caso individual a partir das particularidades deste. Portanto, a avaliação deve estar alinhada com os objetivos do programa, bem como ser guiada com informações sobre como, quando e onde o programa está sendo implantado22. A psico-história utiliza dados históricos, que são dados relativos ao contexto em que comportamentos humanos são tomados, e busca prever comportamentos futuros através de relações de causa-efeito com auxílio de fórmulas matemáticas. As principais caraterísticas da avaliação de impacto ex post estão presentes na psico-história: a relação de causa-efeito e a necessidade de informações sobre o contexto. Já a avaliação de impacto ex ante se aproxima mais da característica preditiva daquela ciência, pois a primeira tenta prever os resultados de mudanças políticas pretendidas com base em pressupostos sobre o comportamento individual e sobre mercados23 – psico-história também tenta prever resultados de mudanças comportamentais com base em pressupostos sobre o comportamento individual.

19 Ibid, p. 18. 20 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian; PREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VER-

MEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 11 21 Ibid., p. 14. 22 GERTLER, Paul J.; MARTINEZ, Sebastian;

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caso concreto deve ser dada independentemente de uma avaliação de impacto prévia. Esta é útil àquela, mas não necessária. Vincular as duas traria sérios problemas de morosidade e de custos altos e desnecessários para cada procedimento. A avaliação de impacto de políticas públicas serve para guiar um projeto antes da sua execução e durante ela. Essa ferramenta aumenta a eficiência do plano de governo uma vez que revela se as decisões sobre políticas públicas adotadas são ou não eficazes, de modo que gera consequências na alocação de recursos na implantação e condução de projetos. As decisões elaboradas por um órgão antitruste são definitivas em um momento determinado e não poderão ser modificadas desde então. Se os seus objetivos não forem alcançados, não há a possibilidade de modificação. Além disso, o processo de elaboração da decisão não deve ser muito longo. Portanto, a avaliação ex ante pode se mostrar como um obstáculo, pois ela necessita de tempo para que sejam coletados dados suficientes e para que, a partir destes, sejam feitas análises satisfatórias. Outro argumento é o de que uma decisão deve ser tomada, não há a possibilidade de não julgar um 3.1. AVALIAÇÃO DE caso – a política pública pode ou IMPACTO DE DECISÕES DA não ser implantada, dependendo AGÊNCIA ANTITRUSTE da análise ex ante, ao contrário das Desde logo, devemos ter em decisões da agência antitruste. No mente que uma decisão sobre um último caso, a análise ex ante serviPREMAND Patrick; RAWLINGS, Laura B., VERMEERSCH, Christel M. J.. Op. cit., p. 15. 23 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gaya-


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ria para aperfeiçoar a decisão, mas utilizando um grande período de tempo. Além disso, no caso de condutas anticompetitivas, somente é preciso que sejam verificados efeitos anticoncorrenciais através do exercício do poder de mercado, sendo presumido o fato de que a decisão condenatória será benéfica à sociedade. A avaliação ex post teria, portanto, o objetivo de constatar se aquela presunção era ou não verdadeira, haja vista que diferentes situações podem exigir diferentes tipos de sanção. Com efeito, a avaliação utilizada é a ex post, o que ocorre com as decisões sobre mergers24.

Doutrina 51

Uma avaliação ex post deve ter os melhores pressupostos possíveis para que obtenha os melhores resultados possíveis. Nesse sentido, verificar o que funcionou e o que não funcionou é muito útil para aferir não somente se uma dada decisão gerou os efeitos esperados ou não, mas também se a metodologia utilizada na elaboração foi adequada, se as conclusões alcançadas foram certas (se houve alguma incorreta, o porquê) e se os mecanismos adotados para concretizar a decisão também foram adequados. Essa abordagem pode, através de dados estatísticos, confirmar ou contestar pressupostos teóricos utilizados em decisões futuras – por exemplo, se 3.2. LIMITE CONTEXTUAL E a maximização de lucros é o único O SPILLOVER EFFECT objetivo das empresas, se outros Os resultados das avaliações de objetivos das empresas indicados impacto de decisões, assim como pela nova economia institucional os de políticas públicas, possuem são verdadeiros. limitações quanto ao contexto, principalmente no que diz respei3.3. A QUESTÃO DOS to às decisões sobre aquisições e fusões. Entretanto, existe o cha- CUSTOS DA AVALIAÇÃO mado spillover effect. Esse é um DE IMPACTO É claro que para realizar tal prodos benefícios gerados pela avaliação de impacto: os seus resul- cedimento é necessário contratar tados, baseados em relações de pessoal especializado e fornecer causa e efeito, podem oferecer in- meios e informações para que os sights para a elaboração de futu- resultados sejam satisfatórios. Se ras decisões aplicadas a âmbitos considerarmos o Estado como um diferentes – os seus pressupos- tipo de super-firma (“super-firm”), tos e mecanismos utilizados pa- como queria Ronald Coase25, tera atingir seus objetivos podem mos que ele age de forma econoser utilizados (ou deixarem de ser micamente racional: se os custos de uma avaliação de impacto supeutilizadas) em outras decisões.

rarem os seus benefícios, então o melhor para a sociedade é a inércia do Estado. Assim, uma manobra que serviria para beneficiar os consumidores com o desenvolvimento do antitruste, poderia acabar prejudicando-os. A intervenção estatal no mercado apresenta efeitos desde o curto prazo. Já a avaliação de impacto de decisões de órgãos antitruste, assim como nas políticas públicas, apresenta efeitos no longo prazo e podem ter spillover effects substanciais26. Portanto, a comparação dos custos dessa intervenção deve ser feita no longo prazo depois que tenham sido sentidos os efeitos (principalmente os spillover effects) das avaliações de impactos. Todavia, afirmar que os custos gerados pela intervenção são maiores que um possível trade-off sem dados ou implicações lógicas satisfatórias não é suficiente para afastar o uso de um instrumento que tem custos, mas com grande potencial para o desenvolvimento de enforcement do Antitruste. Dessa feita, tomarei aquela posição de Asimov quanto à intervenção: uma vez que o processo de avaliação de impacto gera custos (sociais), ele deverá ser feito quando necessário, quando as características do caso particular se mostrarem suficientes. Assim, para justificar tais custos, a decisão deve apresentar características semelhantes àquelas, já citadas, dos programas públicos: inovadora; replicável; relevante;

tri B.; SAMAD, Hussain A. Op. cit., p. 4. 24 Ver The Organisation for Economic Co-operation and Development. Impact Evaluation of Merger Decisions. OECD Policy Roun-

26 KHANDKER, Shahidur R.; KOOLWAL, Gayatri B.; SAMAD, Hussain A.; Handbook on impact evaluation: quantitative methods and practices. The World Bank, 2010. p. 3.

dtables. 2011. 25 COASE, Ronald H. The Firm, The Market and The Law. The University of Chicago Press, 1990. p. 117.

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52 Doutrina não testado – no que concerne aos remédios; e influente.

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Esse custo é, por definição, ligado a todo tipo de conduta ilegal, de modo que está relacionado a todo tipo de conduta anticompetitiva. Com base nas fórmulas apresentadas por Posner27 e Becker28, esse custo pode ser representado matematicamente da seguinte maneira:

4.1. CUSTOS DE PUNIÇÃO ESPERADOS

Assumirei que as empresas agem de forma racional – sendo “racional” o fato de elas balancearem os ganhos e custos potenciais. Só há incentivos para praticar condutas ilegais quando o custo delas é menor que os benefícios gerados (o seu trade-off). Assim, se o valor, por exemplo, da multa correspondente à prática de cartel, descontada a probabilidade de imposição da punição, é maior que os lucros gerados através da cartelização, haverá um “desincentivo” para a prática desta conduta. Aliás, é mais fácil calcular qual seria o µ nos casos em que é aplicada somente multa. Isso porque o mínimo e o máximo da multa já são predeterminados em lei, de modo que podemos calcular o mínimo e máximo do µ derivado daquela sanção – no Brasil, temos estipulados esses valores no art. 37, I, II e III da Lei nº. 12.529/2011. Já nos casos em que há outras punições impostas que não denotam um valor “imediato” – por exemplo, remédios estruturais, como vender uma parcela dos ativos da empresa. –,

o valor delas somente poderá ser calculado após a decisão do órgão antitruste, haja vista que não há um remédio predeterminado em lei para casos específicos. Quando analisamos a equação (1) podemos observar o fato de que, se temos uma pena fixa, quanto maior a certeza dela, maior será o µ. Do mesmo modo, se temos a probabilidade constante, quanto maior a pena, maior serão os custos de punição esperados. Entretanto a pena não é totalmente predeterminada em lei – quando se trata de multa, esta ainda varia entre um mínimo e um máximo; já probabilidade de punição não tem como ser calculada exatamente – não há informação sobre a quantidade de condutas que estão sendo praticadas e que estão impunes. É nesse momento que também se faz importante os benefícios da avaliação de impacto. Quando é realizada a avaliação de impacto de decisões, os efeitos destas ficam mais claros, ou seja, há disponibilidade de mais informação sobre as consequências de uma decisão. Isso é de extrema importância pra analisarmos os custos de punição esperados. O órgão antitruste possui certos parâmetros para fazer a dosimetria da pena. No Brasil, a Lei nº. 12.529/2011, em seu artigo 45, dispõe sobre algumas considerações que devem ser feitas na aplicação da pena. No entanto, o órgão ainda deve decidir qual valor exato da multa deverá ser aplicado e quais outras medidas deverão ser tomadas. Nes-

27 POSNER, Richard A. Antitrust Law. 2. ed. The University of Chicago Press, 2001. p. 47.

28 BECKER, Gary. Crime and Punishment: An Economic Approach The Jour-

nal of Political Economy, Vol. 76, No.2, 1968. p. 185.

4. AVALIAÇÃO DE IMPACTO NO CONTROLE DE CONDUTA

Em contraste com as avaliações sobre mergers, as sobre condutas possuem menos limitações quanto ao mercado relevante. Isso se dá porque mesmo em mercados diferentes, a conduta considerada como crime, em si, é a mesma. Uma empresa de fornecimento de peças automobilísticas e uma de cimento, na condição de suppliers, podem praticar discriminação de preços, podem formar cartéis com seus respectivos concorrentes etc. A influência do contexto sobre a prática diz respeito à forma de sua execução e aos incentivos às condutas anticompetitivas, haja vista que cada mercado possui as suas particularidades (concentração de mercado, diferenciação de produtos, economias de escala etc.). Desse modo, é possível que o spillover effect seja maior quando da análise de condutas: os insights sobre condutas, por terem menos limitações contextuais, podem ser aplicados de forma mais ampla; e o fato de melhorar as decisões, pode causar efeitos sobre incentivos de práticas anticompetitivas. Essa é uma vantagem de se avaliar o impacto de decisões.

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µ=pf

(1) onde µ é o custo, p a probabilidade de punição, e f (fine) o valor da punição.


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Doutrina 53

se momento, a avaliação de impacto oferece dados empíricos para o cálculo da multa adequada. Em relação à multa aplicada temos três possibilidades: 1) ela é insuficiente, caso em que ainda haverá incentivos para praticar o ilícito, pois mesmo que este seja e sofra sanção, ainda haverá lucro; 2) ela é adequada, caso em que ela se mostrou suficiente para desestimular tal conduta; e 3) ela é exacerbada, caso em que o valor muito elevado da multa pode gerar custos sociais, como insolvência que pode afetar os consumidores em mercados com fraca concorrência, refrear a tomada de atitudes competitivas por parte de empresários pelo receio de elas serem consideradas anticompetitivas29 etc. A avaliação de impacto de decisões oferece informações sobre os efeitos da multa aplicada. Por exemplo, se o objetivo era punir os integrantes de um cartel de modo eficaz para que os preços fossem reduzidos para os de competição, uma avaliação ex post pode esclarecer se tal objetivo foi alcançado ou não, e o porquê em caso negativo. Em relação à aplicação de remédios, através da avaliação de impacto teremos a informação sobre a eficácia de um remédio já aplicado (principalmente se ele for novo) e sobre como os agentes econômicos se comportaram após a aplicação dele. Hovenkamp já alertava sobre as limitações da legislação antitruste nos Estados Unidos:

The sad fact is that economists are often convinced that a certain practice can be anticompetitive, at least part of the time. However, antitrust is forced to leave the practice alone because it has not developed rules that can reliably distinguish anticompetitive results or remedy them effectively.30 Os remédios, muitas vezes, podem acabar sendo ineficazes ou até mesmo prejudiciais. Hovenkamp afirma também que há situações em que o mercado teria ficado melhor se nenhum remédio fosse aplicado e que, em casos nos quais os trade-offs não são tão claros, e que o melhor seria deixar o mercado trabalhar do seu próprio modo31. Nesse sentido, a avaliação de impacto fornece informações sobre a eficácia de remédios já adotados. Tais dados sobre os efeitos de novos remédios serviriam de base para a o seu aperfeiçoamento ou abandono e para criação de outros. Cumpre-se observar que os remédios também são valores a serem somados à punição. Portanto, balancear multa e remédio é uma atividade complexa e necessária para que seja atingida uma decisão mais adequada. Por um lado, temos que se a decisão não for suficiente para alcançar o seu objetivo, os consumidores serão prejudicados, pois haverá incentivo no sentido das condutas anticompetitivas. Por outro lado, se a decisão for incisiva, forte demais,

poderá afetar o funcionamento do mercado, pelo menos no curto prazo, prejudicando a qualidade dos produtos e serviços ofertados aos consumidores, bem como seus preços, já que a oferta poderá ser reduzida. Por esses motivos, temos que a decisão deve aplicar penas com valores adequados – conceituo como adequado o valor da pena suficiente para não gerar incentivo à prática de condutas anticompetitivas. Estabelecer quais as penas a serem aplicadas e os seus valores é tarefa complexa, que é facilitada quando o órgão julgador dispõe de informações essenciais sobre o caso e sobre as possíveis consequências de sua decisão (que é o papel da avaliação de impacto). Através da análise da equação (1), podemos alcançar esse resultado de três formas: (i) aumentando o valor da pena; (ii) aumentando a probabilidade da conduta ser punida; e (iii) aumentar ambos. Aumentar demais o valor da pena (f), como já foi argumentado, pode levar a prejuízos ao mercado. Também, subir esse valor e manter a probabilidade de punição muito baixa não gera resultados satisfatórios. Por outro lado, trabalhar somente com a probabilidade de punição (p) pode não ter os resultados desejados, pois o valor da punição pode não ser adequado. Logo, a melhor estratégia é adequar f e aumentar p. Através da avaliação de impacto podemos ter melhor noção de como punir, logo os valores das

29 TERKAZEN, John; HUIZING, Pieter. How Much Is Too Much? A Call For Global Principles To Guide The Punishment Of International Cartels. ABA Antitrust Magazine. vol. 7.

nº. 2, 2013. p. 6. 30 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 7.

31 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 30.

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54 Doutrina penas seriam mais adequados. As experiências passadas ajudariam a realizar a dosimetria da pena e a escolher qual remédio aplicar, bem como balancear os dois. Em relação à probabilidade de punição, as relações causais entre decisões e seus efeitos revelariam de qual forma as decisões anteriores surtiram efeito no mercado, de modo que novos insights poderiam ser retirados dos dados empíricos. Isso faria com que pudéssemos distinguir melhor se há ou não a prática de conduta anticompetitiva, eliminando boa parte dos “falsos positivos” e dos “falsos negativos” (termos usados por Hovenkamp32) – é importante notarmos que apenas punir um número maior de condutas não é desejável, pois o número de falsos positivos pode aumentar. Se reduzimos os falsos negativos, significa que mais condutas anticompetitivas não são “absolvidas”, o que aumenta a probabilidade de punição de forma eficiente, que é o nosso objetivo. Em geral, há duas externalidades geradas a partir do aprimoramento das decisões com a avaliação de impactos no controle de conduta: 1) menos incentivos à prática anticompetitiva, tendo em vista o menor número de falsos negativos; e 2) maior confiança das firmas na atuação da agência antitruste, considerando-se a redução de falsos positivos.

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dos de Asimov para que possamos melhor deduzir o comportamento dos agentes econômicos a partir de dados históricos e relações causais, de maneira que possamos prever as suas ações. Através do fornecimento de informações, há um alto potencial de validade externa da avaliação ex post no sentido de aprimorar decisões da agência antitruste sistematicamente e de oferecer percepções importantes acerca do comportamento do agente econômico no mercado, possibilitando previsões probabilísticas de comportamentos futuros. Se quisermos prevenir a prática de condutas anticompetitivas, então devemos trabalhar com sistemas de incentivos. Nessa linha, um sistema de incentivos está ligado ao aumento dos custos de punição esperados e da redução da possibilidade de danos causados ao mercado por penas não adequadas. Somente algumas decisões podem ser submetidas à análise, sob pena de haver um trade-off negativo. Nesse sentido, a decisão objeto da avaliação deve ser: 1) inovadora; 2) replicável (observando-se os limites contextuais ligados ao mercado e ao tipo de remédio utilizado); 3) relevante estrategicamente; 4) não testada; e 5) influente. Dois elementos devem ser considerados: as características dos mercados e o tempo, culminando-se em um processo de evolução. É nesse sentido que o uso de instrumentos econômicos que mos5. CONCLUSÃO Os dados empíricos nos auxiliam trem os resultados práticos das a estabelecer pressupostos adequa- decisões pode ajudar a limitar o

quadro de interpretação das normas antitruste. É adotada uma perspectiva institucional evolucionária através da melhor adequação de decisões a partir da constatação de se as penas aplicadas atingiram seus objetivos ou não e o motivo. As consequências esperadas são: 1) o fortalecimento do órgão antitruste através do aprimoramento de suas decisões; 2) a redução de “falsos positivos” e “falsos negativos” no controle de conduta; 3) a redução de incentivos às condutas anticompetitivas; e 4) o desenvolvimento do ambiente competitivo. No fundo, trata-se daquela questão de aprender com o passado para não cometer os mesmos erros, porém de uma forma mais sistemática e consistente, com uma capacidade maior de previsibilidade quanto a problemas futuros. Afinal, como já disse o federal agent Fox Mulder, “how do we know about the present? We look to the past”. Indo além, how do we know about the future? We look to the past and to the present.

REFERÊNCIAS

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32 HOVENKAMP, Herbert. The Antitrust Enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2008. p. 7. Revista Comercialista


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Doutrina 55

dução: Henrique B. Szolnoky. ____. Fundação e Terra. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Henrique B. Szolnoky. ____. Prelúdio à Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Henrique B. Szolnoky. ____. Origens da Fundação. São Paulo: Editora Aleph, 2013. Tradução: Maria Silvia Mourão Netto.

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* Caio César Moreira Pinto Graduando em direito pela UFPA. Revista Comercialista


56 Doutrina

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As teorias econômicas da regulação e a dicotomia entre regulação econômica e social Por Thomaz Teodorovicz* 1. INTRODUÇÃO

Uma função governamental central na moderna economia capitalista é promover o bem-estar econômico e social. Especialmente a partir do século XX, dentre os diversos modos pelos quais governantes buscam alcançar tal objetivo, como políticas econômicas, educacionais e de saúde, um merece especial destaque: a política regulatória (OCDE, 1997). Esse período foi marcado pela passagem de um modelo no qual os governos atuavam como agentes econômicos ativos a um modelo de “estado regulador”. Neste, atividades produtivas passavam a ser centralizadas no setor privado, enquanto ao governo ficou incumbida a supervisão e regulação de tais atividades (JORDANA; LEVI-FAUR, 2004). A ascensão do modelo de estado regulador é ilustrada por um relatório emitido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005), no qual se destaca o crescimento do número de agências reguladoras nos segmentos de telecomunicações, energia e financeiro de seus países-membro, passando de um agregado de 8 para 90 agências reguladoras entre 1960 e 2005. Revista Comercialista


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Os diversos mecanismos regulatórios utilizados pelos governos geraram a percepção de que as regulações poderiam ocasionar diversos resultados e perseguir objetivos diferentes, o que resultou em uma divisão entre regulação econômica e social. A primeira estaria voltada à eficiência produtiva e à regulação de variáveis como preços, quantidades produzidas e barreiras à entrada. Já a segunda compõe ações regulatórias ligadas ao bem-estar social como meio-ambiente, condições de trabalho, de saúde e proteção ao consumidor. Concomitantemente, economistas tentaram compreender as motivações da atividade regulatória e quais os seus impactos econômicos e de bem-estar, dando origem a duas teorias econômicas conflitantes: a “teoria do interesse público” da regulação e a “teoria econômica da regulação”, associada à escola de Chicago. Uma questão que surge da transposição da dicotomia entre regulação econômica e social para o âmbito teórico é a de se as teorias econômicas da regulação conseguem enfatizar diferenças percebidas entre esses dois tipos de regulação ou se, do ponto de vista econômico, há uma aproximação entre elas. A partir dessa questão, o objetivo deste artigo é verificar como e se as duas principais abordagens econômicas da regulação incorporam ou podem incorporar a dicotomia entre regulação econômica e social. O presente trabalho é dividido em mais quatro seções além desta

introdução. A seção dois explicita como a distinção entre regulação econômica e social vem sido percebida na literatura, pautando-se em uma definição ligada aos objetivos de cada regulação. A terceira apresenta a abordagem do interesse público da regulação e sua interpretação da dicotomia regulação social x econômico pode ser inserida nessa análise. A quarta seção é voltada à explanação da “teoria econômica da regulação”, desenvolvida pela escola de Chicago, e à tentativa de explicar como ela incorpora tanto a regulação econômica como social. A quinta e última seção apresenta as considerações finais.

2. A DISTINÇÃO ENTRE REGULAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL

Conforme apontado por den Hertog (1999; 2010) e Windholz e Hodge (2012), não há consenso respectivo à definição do conceito “regulação”. As várias definições de regulação refletem as preocupações do pesquisador ligadas à sua área disciplinar, de modo que não haveria sentido oferecer uma única definição autoritária da noção de regulação para todas as disciplinas (JORDANA; LEVI-FAUR). Há trabalhos que buscam, entretanto, clarificar e sistematizar as diversas acepções do termo a partir de perspectivas econômicas, sociais e legais. Baldwin, Scott e Hood (1998) identificam três significados com diferentes

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amplitudes da noção de regulação: i) o primeiro e mais restrito caracteriza a regulação como um conjunto de regras específicas associadas à ação de um órgão ou agência estatal; ii) a segunda adota uma amplitude moderada ao tratar de regulação como a governança geral e todos os tipos de intervenção das agências estatais para “guiar” a atividade e os agentes econômicos; e iii) a mais ampla noção de regulação como qualquer ação estatal capaz de afetar o comportamento humano. Eisner, Worsham e Ringquist (2006) definem regulação como um amplo conjunto de políticas incidentes sobre as atividades econômicas, seja no âmbito da firma ou do indivíduo. Ademais, a regulação se pauta no potencial poder de coerção, punição e legislação do Estado para impor regras que limitam a ação dos agentes econômicos com o intuito de atingir determinados objetivos desejados pelos policy makers (OCDE, 1997; VISCUSI; VERNON, HARRINGTON JR, 2005; DEN HERTOG, 2010). Assim, apesar de diferentes concepções de regulação, sua definição está associada à interferência estatal nas atividades econômicas. Quatro dimensões básicas compõem qualquer regulação: tipo, escopo, forma e função/objetivo. O tipo está associado à criação de informação e incentivo à ação (positiva) ou ao impedimento e à imposição (negativa); o escopo representa a extensão do controle e da supervisão imposta; a forma Revista Comercialista


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é caracterizada pelos procedimentos utilizados para desenhar e impor a regulação; e a função é caracterizada pelo objetivo o qual se deseja atingir por meio dela (PINHEIRO; SADDI, 2009). A partir da análise de objetivos regulatórios, legitimou-se a distinção entre a regulação econômica e social1. A regulação econômica é caracterizada pela OCDE como aquela que intervém diretamente nas decisões de mercado, como precificação, competição, entrada e saída do mercado, sendo voltadas ao aumento da eficiência econômica (OCDE, 1997). A literatura econômica e política enfatiza que o objetivo da regulação econômica é assegurar o funcionamento eficiente da economia a partir de, basicamente, ferramentas ligadas diretamente ao mercado e aos agentes econômicos: controle de preços, da quantidade produzida/ofertada, da entrada e da saída do mercado e de demais condições que afetem a competitividade e eficiência do mercado (TABB, 1980; VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; EISNER; WORSHAM; RINGQUIST, 2006; EISNER, 2007; WINDHOLZ, HODHE; 2012). Alguns exemplos de regulação econômica são o da legislação antitruste, a qual impacta diretamente a estrutura de competição do mercado no qual atua

ao impedir a fusão de firmas2, e o estabelecimento de preços-teto em algum segmento de mercado devido ao poder de monopólio existente3. A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, problemas resultantes da aceleração econômica durante o período do New Deal como a crescente poluição e as más condições de trabalho criaram a demanda para um novo tipo de intervenção estatal que protegesse o público geral dos danos gerados pela intensificação do processo produtivo (EISNER, 2002). A resposta estatal a essa demanda resultou na criação de diversas agências reguladoras: a Environmental Protection Agency, a Occupational Safety and Health Administration e a U.S. Consumer Product Safety Commmision são exemplos de agências norte-americanas criadas na década de 1970 com a responsabilidade de regular e prezar pela manutenção e proteção do meio ambiente, condições de trabalho e proteção ao consumidor, respectivamente (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; EISNER, 2002). Esse outro tipo de regulação preocupado em responsabilizar as empresas pelas possíveis consequências danosas que suas ações geram na sociedade foi nomeado “regulação social”. Diferentemente da regulação econômica, a regulação social é

caracterizada pelo foco em combater os efeitos deletérios do mercado no que tange à esfera social. Por meio da imposição de requisitos mínimos e de controle referentes ao processo produtivo, assim como critérios de qualidade dos produtos e disposição de informação, a regulação social incorpora diversos objetivos sociais como a manutenção da saúde, segurança e proteção ambiental, os quais podem ser lesados pelo processo produtivo (TABB, 1980). Tais objetivos podem, por sua vez, ser associados tanto à prevenção e compensação de danos socias gerados pelo setor privado como a objetivos paternalistas, morais e éticos intrínsecos ao policy maker e que são percebidos como “de interesse público” (OGUS, 2002; SAGGAR, 2008; WINDHOLZ, HODGE, 2012). O conceito difundido pela OCDE captura essas características, o qual define regulações sociais como aquelas que

1 Apesar de haver distinções com base no tipo de ferramenta regulatória utilizada e ator ou atividades sendo reguladas, Windholz e Hodge (2012) argumentam que tais quesitos são incapazes de explicar a diferenciação entre regulação social e econômica. Tanto “ferramentas sociais” podem ser utilizadas para atingir ob-

jetivos econômicos como “ferramentas econômicas” são capazes de atingir objetivos sociais. 2 Um exemplo de aplicação pode ser encontrado no impedimento de fusão da Garoto e da Nestlé, em 2002, devido ao elevado market share resultante desse possível ato de concentração horizontal (BRASIL, 2002).

3 Em 1989, por exemplo, a Federal Communication Commission (agência reguladora das telecomunicações nos Estados Unidos) instituiu preços-teto para as ligações de longa-distância da AT&T devido ao poder de monopólio detido por essa empresa (VISCUSI, VERNON, HARRINGTON JR., 2005).

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protect public interests such as health, safety, the environment, and social cohesion. The economic effects of social regulations may be secondary concerns or even unexpected, but can be substantial (OCDE, 1997). Se por um lado verifica-se uma segregação entre regulação econômica e social, por outro la-


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do uma segunda dicotomia pode ser observada nas chamadas “teorias econômicas da regulação”. Objetivando analisar os determinantes e motivadores das ações regulatórias a partir de conceitos e ferramentais econômicos, duas abordagens concorrentes foram desenvolvidas: a tradição do interesse público da regulação e a tradição do interesse privado da regulação. As próximas sessões expõem brevemente tais abordagens e buscam explicitar como e se elas refletem a dicotomia regulação econômica/social.

Doutrina 59

A primeira grande abordagem econômica da atividade regulatória deriva da escola econômica da “economia do bem estar”, introduzida por Pigou em “The Economics of Welfare” (1920). Ela trata a regulação a partir das premissas de que o governo atua com o objetivo de aumentar o bem-estar da população, portanto, dando origem a uma “teoria de interesse público” (SHLEIFER, 2005). A economia do bem-estar analisa a interação entre oferta e demanda e conclui que, em condições perfeitas4, o livre mercado resultaria na melhor alocação produtiva dos recursos e, consequentemente, no máximo bem-

estar5. Essa definição restrita de bem-estar leva à conclusão de que ganhos de eficiência são desejáveis per se e, consequentemente, são de interesse público. De tal modo, intervenções governamentais em mercados “perfeitos” retiram o mercado do seu equilíbrio, geram ineficiências e, portanto, reduzem o bem-estar social. Essa conclusão é, todavia, intrinsecamente dependente da suposição de condições perfeitas na abordagem da economia do bem-estar. A partir da percepção empírica da presença de “falhas de mercado”, a economia do bem-estar propõe que o governo pode agir de acordo com o interesse público ao corrigir falhas de mercado existentes. A regulação pública surge, portanto, com o intuito de compensar tais falhas e atingir maiores níveis de eficiência alocativa (DEN HERTOG, 2010). Segundo Schleiffer (2005), a introdução da análise das falhas de mercado foi um marco para a moderna economia do setor público. Três falhas de mercado são mais destacadas como propulsores da regulação: i) existência de poder de mercado e monopólio natural; ii) a assimetria de informações entre os agentes econômicos; e iii) externalidades. Primeiramente, a existência de firmas com poder de mercado implica em alocações subóti-

mas e resultados ineficientes do ponto de vista do bem-estar econômico. Em um mercado competitivo, firmas não possuem poder de mercado e preços são determinados pela livre interação entre oferta e demanda. Nesse caso, a receita marginal de uma firma é igual ao preço de mercado e a maximização de lucros (e do bem-estar econômico) ocorre quando os preços se igualam aos custos marginais de produção. Já em situações nas quais há poder de mercado, uma firma é capaz de alterar o preço do mercado (pricemakers) ao restringir a oferta em um ponto que maximize seu lucro. A existência de poder de mercado resulta em uma situação com restrição da oferta, elevação dos preços e, consequentemente, menor bem-estar econômico quando comparada ao mercado competitivo. (PINHEIRO; SADDI, 2009). Um caso especial de poder de mercado é o “monopólio natural”. Um mercado é um monopólio natural quando seu ponto de ótimo social é atingido a partir da presença de uma única firma produtora sujeita a retornos crescentes de escala. Esse caso usualmente ocorre quando os custos fixos de produção são grandes em relação aos custos marginais, como na produção de energia elétrica e provimento de serviços de tele-

4 Um mercado perfeito é caracterizado por: ausência de poder de mercado; preços equilibrados no ponto em que se igualam aos custos marginais de produção; os agentes possuem informações completas e são racionais; há livre entrada e saída de agentes do mercado; e há grande quantidade de ofertantes e

demandantes, de modo que todos os agentes são price-takers. 5 Essa noção de bem-estar é, entretanto, pautada exclusivamente em um critério econômico, uma vez que a mensuração e análise são embasadas nos preços de mercado e na maximização da riqueza total,

desconsiderando variáveis como distribuição ou justiça. Desse modo, essa análise restringe a definição de “bem-estar” a um conceito de “bem-estar econômico”. Tal restrição foi reconhecida, inclusive, por Pigou (1932), Prest e Turvey (1965) e Mishan (1974).

3. A ECONOMIA DO BEMESTAR E O INTERESSE PÚBLICO DA REGULAÇÃO

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60 Doutrina comunicações. A firma monopolista busca, entretanto, maximizar o seu próprio lucro e não o bemestar econômico, de modo que restringe a oferta a um volume abaixo do “ótimo social”. Percebe-se um conflito entre eficiência alocativa e produtiva: enquanto a primeira se dá na presença de diversas firmas ofertantes, de modo que o preço se iguale ao custo marginal, a eficiência produtiva é atingida somente com a presença de uma única firma devido aos ganhos crescentes de escala. A presença de poder de mercado e de monopólio natural resulta, portanto, em ineficiência e justificativa para a ação governamental (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005). A assimetria de informações é uma segunda falha de mercado que ocorre no mercado informacional e se reflete no mercado de bens e serviços, resultando em possibilidade de comportamentos oportunistas a partir dos processos de “seleção adversa” e “risco moral” (OGUS, 2002; DEN HERTOG, 1999; 2010). O processo de seleção adversa foi evidenciado em um famoso estudo do “mercado de limões” de Akerlof (1970). A partir da análise do mercado de carros usados dos Estados Unidos, Akerlof observou que os vendedores tinham vantagens informacionais em relação aos compradores e que essa interação resultava no “desaparecimento” de mercados potenciais e consequente perda de bemestar. A princípio, ele dividiu o mercado de carros usados em dois segmentos: i) carros em boRevista Comercialista

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as condições; e ii) carros em más condições. Devido à assimetria de informações, apenas o ofertante sabe ex ante se o seu carro está ou não em boas condições. Um demandante individual pode gastar recursos para obter informações, mas, devido ao spill-over dessas informações a outros demandantes que não ocorreram em custos (free-riders), há desincentivo e subalocação de recursos voltados à busca de informações. Essa assimetria resulta na indistinção entre carros em boas ou más condições, fazendo com que o preço de mercado seja dado pela “qualidade média” percebida pelo mercado. Como somente os ofertantes de carros de boa qualidade sabem de sua superioridade qualitativa ex ante, alguns não se sujeitam a vender seus produtos pelo preço “médio” e, consequentemente, há escassez de mercado de produtos de alta qualidade. Já o problema do risco moral é relacionado ao desvio de conduta de um agente econômico ex post à consumação de um contrato ou acordo. Ele surge da impossibilidade de acompanhar as ações dos agentes posteriormente à transação econômica e é um problema muito estudado na literatura sobre o mercado de seguros (STIGLITZ, 2002). Por exemplo, ao observar a contratação de um seguro de vida, verifica-se que o segurador tenta adquirir uma série de informações do segurado para tentar estimar sua conduta ex post à contratação para, somente depois, estabelecer o preço do contrato. Contudo, o segurado pode não ter incentivos para revelar

todas as suas informações (devido à busca de um preço mais baixo) e, ademais, poderá agir de modo “descuidado” após a contratação do seguro sem custos adicionais. O problema do risco moral também ocorre em casos em que fábricas de alimentos utilizam comida de baixa qualidade ou advogados dão conselhos infundados devido às suas vantagens informacionais. Nesses casos, o preço pago pelo serviço ou produto não reflete as verdadeiras características do serviço prestado ou a conduta real dos agentes (DEN HERTOG, 2010). Uma “externalidade” ocorre quando as ações de um agente (A) afetam o bem-estar ou a produção de outro agente (B), e o agente A não leva isso em consideração ao determinar seu comportamento. Ela pode ser caracterizada como “positiva” ou “negativa”. A primeira diz respeito àquela que gera benefícios a outros agentes, como o caso do “prazer visual” associado à manutenção de um parque. Já a segunda prejudica outros agentes, mas o responsável pela criação da externalidade não é punido ou não leva isso em consideração. Um exemplo muito utilizado de externalidade negativa é o da poluição resultante do processo produtivo: a empresa não tem o intuito de poluir, mas os resíduos poluentes que são liberados devido ao processo produtivo causam impactos socioambientais que podem afetar uma comunidade inteira. A presença de externalidades negativas faz com que o mercado competitivo resulte em per-


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das de bem-estar econômico e ineficiência. Isso é defendido pela comparação entre “disponibilidade a pagar” (DP), preço (P) e perda de bem-estar devido à externalidade (EX). Segundo essa abordagem, uma transação econômica ocorre apenas quando o consumidor considera que o ganho de bem-estar proveniente da aquisição de um bem é maior do que o preço pago, ou seja, DP > P e, portanto, DP - P > 0 significa um ganho de bem-estar econômico líquido em condições de mercado competitivo. A presença de externalidade negativa altera, todavia, esse resultado ao inserir seu impacto como um redutor do bem-estar líquido, de modo que o cálculo passa a ser (DP – P) - EX e, quando EX > DP – P, evidencia-se a perda de bem-estar mesmo em um mercado competitivo (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; PINHEIRO; SADDI, 2009; DEN HERTOG, 2010). Sempre que ocorre uma falha de mercado, a abordagem do interesse público pode justificar a presença de regulações com o intuito de remediar as perdas de eficiência geradas. Entretanto, essas falhas de mercado também podem ser associadas à diferença entre regulação econômica e social. Conforme destaca Ogus (2002), a regulação econômica é associada ao combate das ineficiências geradas pela existência de poder de mercado e de monopólio natural, enquanto a regulação social é defendida a partir da assimetria de informações e, principalmente, como meio de compensar a presença de externalidades negativas.

A regulação de defesa da concorrência, responsável por analisar os processos de fusões e de aquisição entre empresas, visam evitar grandes concentrações de mercado, são um exemplo de regulações econômicas que atuam para impedir o exercício de poder de mercado e a geração de ineficiências alocativas. Não somente isso, mas as regulações de indústrias caracterizadas como monopólios naturais, como o de energia elétrica, telecomunicações e transporte, são outros exemplos de regulações notadamente econômicas. As agências reguladoras atuam fixando preços, controlando as quantidades mínimas ofertadas e impondo price-caps, por exemplo, tentando conciliar a eficiência alocativa com a eficiência produtiva. O que se objetiva é uma aproximação do bem-estar econômico que seria atingido caso não houvesse o poder de mercado (DEN HERTOG, 1999). A assimetria de informações é combatida via regulações de defesa do consumidor e, principalmente, obrigatoriedade de disponibilização das informações sobre os produtos ofertados e níveis mínimos de qualidade. A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos é uma agência reguladora que atua com esse intuito, atingindo a indústria farmacêutica e alimentar. Já as externalidades são abordadas com ações que visam “internalizar” a externalidade. A Environmental Protection Agency (EPA) atua, por exemplo, mensurando os custos financeiros da poluição e danos

Doutrina 61 socioambientais gerados por uma indústria específica e pode obrigá-la a pagar um imposto equivalente. Esse processo gerará um desincentivo à ação e uma transferência da renda do gerador da externalidade negativa ao governo, de modo a levar o mercado novamente ao ponto de “máxima eficiência” (PINHEIRO; SADDI, 2009). A tentativa de atingir um ponto de “ótimo social” pode surgir de uma ação privada como o mercado de créditos de carbono. O que deve ser destacado é que a regulação social não está pautada em critérios morais ou éticos, mas sim na mensuração monetária dos danos e emulação das condições de livre mercado como um “ótimo social”. O núcleo da abordagem do interesse público para explicar a regulação pode ser resumido pela figura 1: a regulação, tanto econômica como social, buscará maximizar a eficiência e atingir o ponto (R*) que minimiza a ineficiência e maximiza o bem-estar econômico, após considerar os custos de regulação (CR) e a as perdas decorrentes das falhas de mercado (FM). Enquanto o interesse público é assumido como a maximização da produção e da simulação de condições de livre mercado em condições perfeitas, há ênfase na eficiência alocativa e na impossibilidade de atingi-la por meio de um mercado com falhas. Observa-se que, apesar da associação de regulação econômica e social a diferentes falhas de mercado, há uma motivação idêntica para ambas: maximizar a efiRevista Comercialista


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FIGURA 1 – NÍVEL ÓTIMO DE REGULAÇÃO NA TEORIA DO INTERESSE PÚBLICO

Fonte: Elaboração própria a partir de Den Hertog (2010).

ciência e simular as condições do livre mercado. Assumindo que os diferentes objetivos que pautam a ação regulatória levam, originalmente, a tal distinção, a abordagem do interesse público torna irrelevante e não incorpora a diferença entre regulação social em relação à econômica, sendo qualquer regulação exclusivamente um mecanismo para aumentar o “bem-estar econômico” a partir do aumento da eficiência.

4. A ESCOLA DE CHICAGO E O INTERESSE PRIVADO DA REGULAÇÃO

na busca intrínseca de eficiência econômica como motivador das regulações. A partir dos problemas percebidos na abordagem do interesse público, delineou-se uma alternativa pautada no interesse privado como crucial para a compreensão da ação regulatória.

4.1. A CRÍTICA À ABORDAGEM DO INTERESSE PÚBLICO DA REGULAÇÃO

A abordagem do interesse público foi alvo de extensas críticas cujos principais articulaA partir da década de 1970, dores estavam associados à Escouma nova teoria econômica da la de Chicago. Dentre os diversos regulação surgiu na Escola de apontamentos realizados, cinco Chicago. Ela adotava uma pos- se destacaram e foram a base patura crítica perante a explicação ra uma nova explicação da ativipautada nas falhas de mercado e dade regulatória. Revista Comercialista

A primeira linha de ataque consistia na argumentação de que a abordagem do interesse público exagerava a extensão dos danos das falhas de mercado e subjugava a própria capacidade do mercado em lidar com seus problemas. A própria competição resultava na “auto-gestão” do mercado, uma vez que competidores teriam incentivos a minimizar os danos provenientes das falhas de mercado para manter sua posição no mercado. A própria percepção do monopólio também foi vista como exagerada devido à análise de chamados “mercados contestáveis”, onde um monopolista agiria como se estivesse em condições de concorrência perfeita devido à ameaça realizada pelos entrantes potenciais (SCHLEIFER, 2005). Mesmo quando as falhas de mer-


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cado fossem evidenciadas, Coase (1960) argumentava que a necessidade de regulação seria pequena, pois seria mais eficiente lidar com as falhas de mercado a partir da ação de um poder judiciário imparcial voltado à manutenção de contratos e prática da jurisprudência. A abordagem do interesse público também foi criticada por ser incompleta e apresentar baixa densidade teórica. Posner (1974) apontou que o processo legislativo e político associado à promulgação de regulações não estava sendo considerado e a ação estatal era explicada somente a partir da transposição direta de verificação da falha de mercado para uma regulação. Mais que isso, essa abordagem não gerava hipóteses testáveis por haver falta de formalização teórica referente ao processo político, sendo pautada unicamente na análise de eficiência econômica (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005). Uma terceira crítica deriva da desconsideração do âmbito político e dos conflitos de interesses inerentes à ação pública. Ao assumir um governo benevolente, a interpretação dessa abordagem adotava o falso pressuposto de que a ação governamental seria exclusivamente motivada e voltada ao interesse público (OGUS, 2004). Ligada a essa crítica, Joskow e Noll (1981) observaram que considerar a eficiência econômica como único motivador seria insuficiente para explicar a existência de regulações, uma vez que objetivos como redistribuição de renda e justiça poderiam motivar a ação pública.

Mesmo se a regulação fosse motivada pelo interesse público, o trabalho empírico de Stigler e Friedland (1962), no qual os autores analisaram a eficácia da regulação de preços do setor de energia elétrica dos Estados Unidos, trouxe uma quarta crítica associada à aderência empírica da abordagem do interesse público e a possibilidade da regulação efetivamente resultar em benefícios líquidos (PELTZMAN, 1989). A última, e talvez principal crítica, é a de que a abordagem do interesse público não poderia ser considerada uma explicação positiva, mas sim um argumento normativo para defender a intervenção governamental na economia. Ela considerava que a regulação existia devido às falhas de mercado, quando na realidade o argumento das falhas de mercado era utilizado como um meio de legitimar a própria ação regulatória. Essa percepção fez com que Joskow e Noll (1981) a caracterizassem como uma análise normativa transposta a uma teoria positiva. Essa corrente crítica de Chicago não apenas resultou um ataque à abordagem do interesse público, mas também propôs novos modelos alternativos para explicar a existência e realização de regulações, buscando formalizar uma “teoria econômica da regulação” ou “teoria do interesse privado”. A partir do estudo crítico dos principais modelos dessa escola, a questão que buscará ser respondida a seguir é se a distinção entre regulação social e econô-

Doutrina 63 mica, não abarcada na abordagem do interesse público, passou a ser incorporada na “teoria do interesse privado” da regulação.

4.2. OS MODELOS DE STIGLER, PELTZMAN E BECKER

Especialmente pautados na visão de que as ações estatais não são benevolentes, essa abordagem analisa a regulação não como resultado da busca de um bem-estar social e do “interesse público”, mas sim como consequência de um jogo político no qual interesses privados pautam a ação governamental. Essa nova tradição deixa de lado as considerações da eficiência econômica e ilumina o poder redistributivo que acompanha as atividades regulatórias. Os estudos desse novo olhar sobre a regulação incorporam também o desenvolvimento da “teoria da escolha racional”, a qual utiliza o individualismo metodológico e uma abordagem racionalista para a explicação da ação política. Seguindo a análise do comportamento político elaborada por Downs (1957), a Escola de Chicago considera o policy maker como um agente exclusivamente auto-interessado e que busca a maximização individual do apoio político. Embasados também no trabalho de Olson (1965), essa nova abordagem incorporará a discussão sobre quais as condições necessárias para agentes individualistas e racionais se organizarem em grupos de pressão, assim como a análise da competição enRevista Comercialista


64 Doutrina tre tais grupos por influência e vantagens políticas/econômicas. Dentre os trabalhos da teoria privada da regulação, os trabalhos de Stigler (1971), Peltzman (1976) e Becker (1983) foram os mais proeminentes, sendo citados por diversos autores como centrais a essa escola (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005; DEN HERTOG, 1999; 2010; PELTZMAN, 1989; SCHLEIFER, 2005).

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A ascensão da teoria do interesse privado teve seu início com a publicação do artigo “The Theory of Economic Regulation” de George Stigler (1971). Nele, Stigler demonstra uma insatisfação com teorias prévias sobre as motivações para ações regulatórias6 e, a partir disso, intui preencher o que considerou uma lacuna teórica a ser preenchida. Adotando como questões centrais analisar como e quais grupos se beneficiam das atividades regulatórias, para então analisar como tais ações são definidas, Stigler embasa sua análise em três elementos principais. Primeiramente, ele

assume que o comportamento de todos os indivíduos é pautado exclusivamente pelo auto-interesse e maximização da utilidade individual. Desse modo, a ação estatal não pode ser pautada pela “busca do interesse público” a não ser que isso gerasse benefícios privados ao policy maker. Em segundo lugar, o governo possuiria poder de redistribuir renda entre diversos grupos econômicos e sociais existentes. Por último, considera a existência de uma competição entre grupos privados, os quais barganham suporte político em troca de regulações favoráveis (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005). A partir dessas premissas, a hipótese de Stigler é que regulações são mercadorias ofertadas pelos policy makers em troca de apoio político e votos. Já a demanda é formada pelas indústrias que desejam obter algum tipo de vantagem econômica frente aos outros grupos de interesse (OGUS, 2004). Desse modo, ao invés de concluir que as regulações são intrinsecamente necessárias para maximizar a eficiência econômica devido às falhas de mercado, ele conclui que a regulação é um mecanismo resultante da captura da ação política e que é utilizado para

maximizar a renda de grupos privados em detrimento de outros7. Stigler levanta quatro políticas principais que uma indústria pode demandar dos agentes reguladores: i) subsídio direto; ii) fixação e controle de preços e quantidades; iii) alteração sobre condições de produtos substitutos e complementares; e iv) controle da entrada de novos rivais por meio da construção de barreiras à entrada. As duas primeiras são diretamente relacionadas com o aumento das receitas da firma, seja por aporte direto de recursos financeiros ou por estabelecimento de preços acima do custo marginal no segmento industrial. A terceira é relacionada com o favorecimento das condições de oferta de produtos complementares e restrições à de produtos substitutos. A última, e talvez mais importante, política diz respeito ao aumento das barreiras à entrada: tarifas protetoras e licenciamento obrigatório para algumas profissões, por exemplo, impediriam a livre concorrência e beneficiariam as firmas incumbentes. Segundo Stigler, “[...] every industry or occupation that has enough power to utilize the state will seek to control entry” (1971, p. 5). A contribuição de Stigler foi responsável por dois desloca-

6 A insatisfação de Stigler recaía tanto sobre a teoria do interesse público da regulação, como a uma corrente que defendia a aleatoriedade de decisões regulatórias, as quais não seguiriam um comportamento determinístico. 7 A ênfase dada aos industriais é um reflexo do trabalho de Olson (1967) sobre a organização de grupos de interesse: a organização e ação de indivíduos em grupos

políticos seria uma função dos benefícios individuais esperados pelos indivíduos, do custo total da ação em conjunto e da possibilidade de oversight da conduta dos agentes individuais. Isso ocorre devido ao problema do free-rider, o qual impediria uma ação individual caso apenas o custo individual fosse considerado, pois haveria a possibilidade de outros receberem o mesmo benefício mesmo sem incorrer em nenhum

custo. Devido a essas considerações, a organização e definição da ação conjunta são mais fáceis para grupos pequenos, como líderes de uma indústria, do que para grupos grandes, como consumidores. Além disso, os possíveis benefícios individuais para um grupo de industriais seriam maiores dada a pouca quantidade de participantes vis-à-vis os benefícios individuais para todo o grupo de consumidores (STIGLER, 1971).

4.2.1 A CAPTURA DOS AGENTES POLÍTICOS E A “TEORIA DA REGULAÇÃO ECONÔMICA”: O MODELO DE STIGLER

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mentos na análise econômica da regulação. Em primeiro lugar, a ação estatal deixou de ser compreendida como pautada no interesse público e passou a ser vista como resultado do jogo de interesses entre grupos privados. Em segundo lugar, a regulação deixou de ser um mecanismo voltado à eficiência em detrimento da evidência no papel redistributivo que ela poder exercer na economia. Posner (1971) evidenciou, todavia, que a teoria de Stigler era incompleta, uma vez que somente estabelecia um genérico grupo “industrial” como demandante de regulações, não analisando quais indústrias efetivamente seriam beneficiadas pelas regulações. Similarmente, o trabalho de Stigler não explicava por que algumas regulações beneficiavam os consumidores e outros grupos de interesse que não os industriais8. Tais insuficiências motivaram modificações e levaram ao desenvolvimento de outros dois modelos associados à teoria econômica da regulação, os quais serão expostos a seguir.

ta econômico, exercendo grande influência e motivando o estudo de Peltzman (1976). Essencialmente, Peltzman defendia que o deslocamento da regulação como “protetora do bem-estar social” para uma posição de “protetora do produtor” seria observável. Entretanto, algumas fraquezas precisavam ser reparadas: primeiramente, sentia a necessidade de transpor os argumentos de Stigler em um modelo matemático que fosse capaz de produzir hipóteses testáveis; em segundo lugar, considerava a hipótese de que toda a regulação é voltada ao bemestar da indústria muito geral. A partir dessas objeções, Peltzman propõe um modelo que possibilite incorporar diversos grupos de interesse como responsáveis por capturar a ação regulatória, permitindo explicar tanto regulações voltadas aos industriais como aos consumidores e outros grupos (PELTZMAN, 1989). O núcleo do modelo de Peltzman é a consideração de que os políticos maximizam sua função de apoio político (M) a partir da emissão de regulações capazes de controlar os preços exercidos (P) e os lucros da indústria (π). O 4.2.2 AÇÃO apoio político pode consistir em GOVERNAMENTAL E votos ou recursos financeiros reA MAXIMIZAÇÃO DO passados ao policy maker. AssuSUPORTE POLÍTICO: O me-se M=f(P; π), onde M é uma função decrescente de P e cresMODELO DE PELTZMAN O trabalho de Stigler consis- cente de π. Isso ocorre porque as tiu em uma mudança de para- indústrias respondem com maior digma no que tange ao estudo da apoio político quanto maiores os regulação sob um ponto de vis- lucros esperados, assim como

Doutrina 65 os consumidores fornecem menos apoio político quanto maiores os preços praticados. O lucro, por sua vez, depende dos preços praticados, de tal modo π(P) corresponde à função lucro. Particularmente, π(P) é crescente até o ponto em que o preço praticado é o preço de monopólio (PM), decrescendo para P> PM (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005). O modelo de Peltzman consiste em sujeitar a função de apoio político do policy maker à restrição da função lucro dos industriais. Desse modo, as regulações emitidas correspondem ao auto-interesse dos reguladores em maximizar apoio político, de tal modo, não apenas os lucros, mas também os votos dos consumidores e de outros grupos de interesse são capazes de motivar ações regulatórias (destaca-se que esse modelo considera apenas dois grupos por motivos de simplificação: industriais e consumidores). A representação gráfica do modelo é apresentada na figura 2. As curvas M1, M2 e M3 representam três níveis de apoio político, sendo M1 < M2 < M3 devido à relação inversa com os preços e direta com lucros. As regulações seriam realizadas de modo que um equilíbrio fosse atingido em P*, em um patamar entre PM e o preço do mercado competitivo PC. Uma conclusão do modelo de Peltzman é a de que a estrutura de mercado influencia a ação regulatória. Na medida em que os

8 Posner utilizou o exemplo do subsídio-cruzado que levava a uma redução dos preços para alguns grupos de consumidores, consequentemente, beneficiando-os em detrimento dos industriais (POSNER, 1971). Revista Comercialista


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FIGURA 2 – O MODELO DE PELTZMAN E A MAXIMIZAÇÃO DO APOIO POLÍTICO

Fonte: Adaptado de Peltzman (1976).

mercados forem mais próximos da competição perfeita, os industriais possuem maior incentivo para realizar pressão e, portanto, regulações que impusessem barreiras à entrada e aumentassem o poder de monopólio dos industriais surgiriam. Já em condições de monopólio, os consumidores seriam mais capazes de exercer pressão por meio de seus votos, demandando regulações para benefício próprio e que reduzissem os preços.

ênfase ao policy maker como ator maximizador do apoio político geral, não restringindo aos industriais a possibilidade de captura do agente público. Contudo, a dinâmica de interação entre os diversos grupos de interesse, cada qual buscando vantagens muitas vezes conflitantes, ainda não havia sido abordada. Coube a Becker (1983) enfocar esse aspecto da regulação ao propor um modelo que, contrastando com o de Peltzman, focava a competição entre grupos de interesse. Assim como os outros mode4.2.3. A COMPETIÇÃO los da Escola de Chicago, Becker ENTRE GRUPOS DE considerava a regulação como um INTERESSE: O MODELO DE produto de interesses privados BECKER capazes de influenciar a decisão Peltzman (1976) incorporou política. A pressão política não outros grupos de interesse à aná- seria, entretanto, exercida por lise da decisão regulatória, dando somente um grupo de interesses, Revista Comercialista

mas sim envolta pelo embate entre diversas pressões conflitantes, como o caso de grupos de industriais já estabelecidos em relação aos possíveis entrantes no mercado. De tal modo, o modelo de Becker tem como seu principal pressuposto que:

[…] taxes, subsidies, regulations, and other political instruments are used to raise the welfare of more influential pressure groups. Groups compete within the context of rules that translate expenditures on political pressure into political influence and access to political resources. (BECKER, 1983, p.374). Conforme Peltzman (1989), a análise de Becker explicita a característica redistributiva da re-


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gulação, associada à Escola de Chicago, vis-à-vis ao enfoque da eficiência encontrado na abordagem do interesse público. Essa afirmação é relacionada com o modo pelo qual a competição entre grupos é exposta por Becker. Para ele, a competição é pautada pela transferência de renda entre grupos, de modo que um grupo A buscará obter subsídios ou vantagens que implicarão, necessariamente, em taxação do grupo competidor B9. Todavia, Becker supõe a não integralidade da transferência de um grupo ao outro, havendo uma perda-líquida associada aos custos de realocação dos recursos e “desequilíbrio” em relação à alocação eficiente do mercado. O nível de pressão exercida por determinado grupo “i” seria dado pela função, pi=f(mi;ni), onde mi é o total gasto pelo grupo para exercer pressão e ni corresponde ao número de membros do grupo. Supõe-se que o aumento dos gastos em pressão efetivamente aumenta a pressão absoluta exercida, sendo mi diretamente proporcional à pi. Já o número de membros, apesar de aumentar o potencial de recursos despendidos em pressão, seria inversamente proporcional a pi, aqui justificado pela lógica da ação coletiva desenvolvida por Olson (1965), já explicitada na apresentação do modelo de Stigler, a qual sugere que grupos menores têm mais facilidade de organização e exercício de pressão política devido ao problema do free-rider.

A partir das pressões exercidas pelos grupos, Becker propõe a existência de uma função de influência dada por IA (pA; pB; x), em que IA corresponde ao nível de influência política do grupo A, pA à pressão exercida pelo próprio grupo A, pB à pressão política exercida pelo outro grupo de interesse (B), e x representa outras variáveis. Paralelamente a IA, o grupo B possuiria sua própria função de influência IB (pB; pA; x). O modelo proposto para essas funções implica que a influência política de um grupo não é dada pela pressão absoluta, mas sim pela pressão relativa em relação àquela exercida pelos grupos competidores, de tal modo que quanto maior a pressão exercida por A e menor a exercida por B, maior será a influência política de A. A importância da influência relativa de cada grupo é que ela seria responsável pela emissão de regulações favoráveis, assim como pela transferência de recursos de um grupo ao outro (BECKER, 1983).Um fator importante na análise de Becker é que a transferência de renda e a influência política de um grupo não podem ser aumentadas infinitamente. Ao considerar que cada transferência gera uma perda líquida, Becker assume que elas crescem a taxas crescentes, de tal modo que a transferência marginal de um grupo que já é altamente subsidiado aos custos de outro geraria uma perda elevada ao grupo taxado. Desse modo, haveria forte incentivo para aumento da pressão relativa entre o grupo taxado e o grupo subsidiado (DEN HERTOG, 2010).

Doutrina 67 O modelo de Becker leva à conclusão de que regulações resultantes em melhoras do bem-estar são mais prováveis de serem implantadas, pois a perda marginal ao grupo taxado seria menor do que o benefício marginal do grupo subsidiado. Um exemplo é o da própria existência de falhas de mercado: os grupos beneficiados teriam mais incentivo a exercer pressão, pois esperam maiores benefícios líquidos, enquanto os grupos taxados não incorreriam em custos marginais altos (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005).

4.3. AS REGULAÇÔES ECONÔMICA E SOCIAL NA TEORIA DO INTERESSE PRIVADO

Ao analisar os modelos propostos pela escola de Chicago, é possível levantar algumas palavras-chave que resumem essa abordagem: “captura”, “racionalidade econômica”, “maximização privada”, “grupos de interesse”, “pressão política”, “redistribuição de renda” e “preços” são enfatizados nos trabalhos de Stigler, Peltzman e Becker. A partir de tais palavras, se compreende o porquê da teoria do interesse privado ser comumente utilizada para explicar as regulações econômicas em detrimento das regulações sociais (OGUS, 2004). O modelo de captura proposto por Stigler enfatizava como a interação entre industriais e policy

9 Assim como no modelo de Peltzman, Becker simplifica a análise ao incorporar a competição entre apenas dois grupos de interesse. Revista Comercialista


68 Doutrina makers era possível no que ele caracterizava como um “mercado de regulações”, no qual apoio político era trocado por regulações favoráveis que beneficiassem economicamente o grupo industrial. Os quatro mecanismos regulatórios aplicados para trazer vantagens aos industriais (subsídio direto, controle de preços e quantidades, influência nos produtos substitutos e complementares e controle da entrada de novos concorrentes) expostos por Stigler são associados à regulação econômica devido a sua capacidade de alterar diretamente as condições de mercado (VISCUSI; VERNON; HARRINGTON JR., 2005). Petlzman, por sua vez, se embasa na relação entre o preço, lucro e as vantagens econômicas dos consumidores perante os industriais como variáveis levadas em consideração para a pressão política. Já Becker observa como a transferência de renda entre grupos é o objetivo da pressão política, a qual influencia a decisão política a partir da influência relativa entre grupos competidores e as perdas líquidas de bem-estar econômico. Contudo, não é possível ignorar como tais modelos podem tratar a regulação social sob um ponto de vista econômico. Ao invés de considerar o controle direto das variáveis econômicas e regulações “capturadas por interesses privados” como um indicativo de regulação econômica, é possível observar que as chamadas “regulações sociais” também podem resultar em mudanças nas condições de mercado e, porRevista Comercialista

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tanto, ser originadas de interesses econômicos. Se tal afirmação for verdadeira, as regulações sociais seriam incorporadas à teoria do interesse privado, havendo uma aproximação entre a regulação econômica e social. O aspecto econômico da regulação social é evidenciado no modelo de Stigler a partir da restrição à entrada de novos concorrentes no mercado. A indústria já estabelecida visa manter um determinado nível de preços e lucros, assim como um possível poder de mercado, que podem ser rebaixados caso novos concorrentes entrem no mercado e iniciem uma competição via preço. Desse modo, é de interesse dela aumentar as barreiras à entrada, sendo a emissão de regulações sociais um dos meios para atingir tal fim econômico. Um exemplo disso é explicitado pelo próprio Stigler (1971): o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade ou especificações obrigatórias para produtos ou serviços e a necessidade de credenciamento junto às agências reguladoras, ações geralmente associadas à regulação social, levanta barreiras à entrada para novos ofertantes e ser utilizada como mantenedores de lucros de monopólio às empresas estabelecidas. Similarmente, os grupos de interesse analisados por Peltzman e Becker também podem exercer pressão a favor de regulações sociais que aumentem as barreiras à entrada e garantam um poder de monopólio responsável por transferir a renda dos consumidores aos industriais. Um caso possível de ser analisado foi a pressão exercida pelos industriais

e republicanos para a obrigatoriedade da análise custo-benefício na aprovação de regulações econômicas e sociais nos EUA. Apesar de ser um discurso pautado na eficiência econômica, caso que justificaria a análise dessa ferramenta como um meio de argumentar a favor da abordagem do interesse público, Eisner (2007) levanta a possibilidade de que o apoio à análise custo-benefício pode ter sido motivado pela postergação da ação regulatória e consequente extensão dos lucros da indústria. Não somente pela ótica dos interesses “industriais”, ao considerar grupos de interesse que buscam “capturar” os policy makers, é possível incorporar na análise grupos que buscam objetivos ambientais, de qualidade e ligados à saúde. A pressão exercida por ambientalistas, por exemplo, poderia ser analisada sob o modelo de Peltzman a partir do possível apoio político que ela conferiria ao político maximizador de suporte. Reconhece-se a limitação das teorias econômicas da regulação, as quais não conferem valor a outros motivos que pautam a ação regulatória, como a ideologia do policy maker e a própria autonomia política dos reguladores. Apesar disso, o objetivo do trabalho não é o de criticar os resultados sugeridos pelos modelos, mas sim o de evidenciar que a dicotomia entre regulação econômica e social não é incorporada nas teorias de interesse privado. Isso ocorre, em primeiro lugar, pelos impactos econômicos resultantes


Doutrina 69

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das regulações sociais, em especial aqueles relacionados às barreiras à entrada, que podem estar na pauta de interesse dos grupos privados. Em segundo lugar, grupos voltados ao apoio de regulação social também podem competir com outros grupos e exercer pressão política que afetará a decisão política.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de um cenário econômico no qual o papel do governo como agente produtor de bens e serviços vem decaindo vis-à-vis a sua função de supervisionar as atividades econômicas, percebeu-se a ascensão da regulação como ferramenta para restringir as ações dos agentes econômicos de modo a atingir objetivos políticos. Paralelamente a tal ascensão, economistas teorizaram sobre a origem da regulação e quais seus impactos econômicos. Duas grandes veias de “teorias econômicas gerais da regulação” surgiram desse movimento. A “abordagem do interesse público” é pautada na existência de falhas de mercado que geram ineficiências alocativas e, portanto, a regulação surgiria para otimizar a produção e o bem-estar econômico. Já a escola de Chicago enfocou a regulação como um mecanismo que reflete interesses privados, enfatizando a competição política e a captura dos policy makers por grupos de pressão. Com a percepção dos diferentes fins que moldam as regulações, assim como os métodos de aplicação e os impactos econômicos gerados, difundiu-se uma categorização das atividades regulatórias em dois grupos principais: a regulação econô-

mica e a regulação social. Enquanto a primeira visa aumentar a eficiência alocativa e produtiva, atuando diretamente no controle de preços, quantidade produzida e barreiras a entrada, a segunda estaria associada a questões sociais, como a preservação do meio ambiente, promoção da saúde e qualidade de vida. Buscou-se interpretar se as teorias econômicas da regulação refletiam a dicotomia social x econômica e, ademais, se seria possível incorporá-la em suas explicações. Verificou-se que tanto na abordagem do interesse público como na do interesse privado, a regulação econômica e a regulação social são explicadas a partir de uma mesma motivação econômica. Na primeira, enquanto a regulação econômica visa maximizar a eficiência produtiva por meio da emulação dos resultados de um mercado competitivo, a internalização de externalidades, como cobrança de impostos sobre poluição, sugere justificativa para uma regulação social pautada na busca de eficiência. Tanto uma como outra surgem da necessidade de otimizar a alocação de recursos por meio de ferramentas pautadas na interpretação neoclássica de maximização da eficiência dada por um mercado perfeito. Já a segunda, ao incorporar o papel de grupos de interesse na explicação da decisão política, sugere que tanto interesses econômicos como sociais afetam a decisão regulatória, uma vez que assumem a condição de um policy maker que atua visando maximizar seu apoio político. Desse modo, as regula-

ções sociais podem ser incorporadas como resultado da pressão política exercida por grupos com preferências voltadas às questões sociais. Entretanto, percebe-se que impactos econômicos das regulações sociais, especialmente devido à possível elevação de barreiras à entrada e consequente manutenção de poder de mercado, podem levar grupos de industriais pautados em interesses econômicos a exercer pressão em prol de regulações sociais. Este trabalho enfatiza, portanto, a proximidade entre as duas classes de regulação segundo as abordagens econômicas da regulação. O comportamento maximizador do político, os interesses econômicos privados e a busca por eficiência alocativa são as causas e motivações centrais tanto para a regulação econômica como para a regulação social.

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Estante Comercialista 71

Estante Comercialista Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A. (e outros escritos sobre conflitos de interesses) Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, 2a ed., Editora Malheiros. Em seu mais recente trabalho, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Professor de Direito Comercial da USP, aborda assunto do qual é uma das principais referências no direito brasileiro, o conflito de interesses no âmbito das sociedades anônimas. Sobre tema recorrente na vida de todos os comercialistas, trata-se de obra indispensável àqueles que querem se aprofundar no estudo da matéria. O autor, partindo de erudita digressão ao direito estrangeiro, analisa o interesse social, por meio do qual delineia o profundo estudo do conflito de interesses e do abuso de direito de voto. Finaliza-se a obra com análises de importantes julgados da CVM e crítica à diferenciação acerca de conflito de interesses e benefício particular.

Abuso de Minoria em Direito Societário Marcelo Vieira von Adamek, Editora Malheiros Derivado de sua tese de doutorado, o Prof. Marcelo Vieira von Adamek nos brinda com inovador estudo acerca de tema corriqueiro na vida societária, porém nunca antes abordado com profundidade na doutrina brasileira, o abuso de minoria. Trata-se, assim como a obra do Prof. Erasmo Valladão, de item essencial na estante de aplicadores e estudiosos do direito. Nesse livro o autor caracteriza o abuso de minoria no direito societário utilizando-se, inclusive, do direito comparado. Apresenta situações em que o abuso de minoria pode se manifestar no cotidiano da sociedade, bem como técnicas de inibição ou mitigação dessa prática.

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