divulGAçãO
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aos leitores Não faz muito tempo, ela era associada ao submundo, ao crime. Só marinheiros, penitenciários e prostitutas se arriscavam a criar desenhos definitivos em suas peles, de forma amadora, sem qualquer cuidado higiênico e com materiais improvisados. Pouco a pouco, a técnica foi saindo dos guetos. Mas quem trazia em seu corpo essas marcas carregava também algum estigma, era tachado de marginal, de drogado, de rebelde. Hoje, a tatuagem conseguiu vencer muitos desses preconceitos, popularizou-se e se disseminou em vários campos da sociedade – não é só nos shows de rock que são vistos os corpos ilustrados; eles habitam a farofa das praias e os recintos mais tradicionais de música erudita. Frente à banalização impulsionada por essa massificação, alguns tatuadores profissionais buscam regulamentar a profissão e reivindicam para suas obras um status artístico. É apostando nesse potencial que a Continente abre as suas páginas para o tema. A reportagem de Júlio Cavani mergulha nesse universo, mostrando a trajetória da
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tatuagem em Pernambuco e suas distintas fases: a pré-história, com os grafismos feitos pelos índios caetés e tabajaras; as inscrições corporais dos marinheiros, prostitutas, ciganos, difundidas nos portos e penitenciárias; e uma mais recente, iniciada na década de 1980, com os primeiros estúdios modernos, agora consolidados e multiplicados. Segundo os tatuadores entrevistados, o desenho de linguagem mais autoral e artístico ainda é raro, pois a maioria das pessoas escolhe imagens já difundidas. A presença da tatuagem no cenário da arte também ganha destaque na série. Ainda nesta edição, destacamos o legado deixado pelo arquiteto carioca Acacio Gil Borsoi, falecido em novembro de 2009, aos 84 anos. Casado com a arquiteta pernambucana e designer de interiores Janete Costa, falecida em 2008, Borsoi construiu no Recife várias obras que rejeitavam o formalismo e concentravam-se na adaptação do edifício aos materiais tradicionais e ao seu entorno. Os textos da jornalista Patrícia Amorim e do arquiteto e professor Fernando Moreira reafirmam a importância desse patrimônio.
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sumário especial
Tatuagem 06
cartas
07
expediente + colaboradores
08
entrevista
Luiz tatit Compositor fala sobre a vanguarda musical paulista, festivais de música e a impossibilidade da morte da canção
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Palco
Piollin A companhia paraibana estreia espetáculo O retábulo de Santa Joana Carolina, adaptação da obra de Osman Lins
68
Matéria corrida
conexão
74
claquete
14
Portfólio
78
Sonoras
20
Balaio
82
cardápio
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Artigo
Paulo Meira Desde 2004 artista vem se dedicando à pesquisa O marco amador Literatura Relançamento de contos de Raymond Carver mostra as intervenções da tesoura afiada de Gordon Lish
32
Peleja
48
História
62
Jogos Os games podem ser considerados obras de arte? Guerra dos Mascates Há 300 anos, os “nobres” pernambucanos decretaram a independência de Portugal
Leitura
cepe Companhia prepara incrementos para 2011, como a publicação de títulos infanto-juvenis e obras fora de catálogo
88
22
José cláudio Acervo secreto de Maria Carmen
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Voa, viola Site de mapeamento dos violeiros no Brasil já soma 650 perfis e mais de 500 vídeos de artistas
Uma breve história dessa body art, desde os tempos em que era exclusiva do submundo marginal à difusão massiva dos dias atuais
Jean-Luc Godard Cineasta francês, que completa 80 anos em dezembro, receberá um inócuo Oscar honorário Neil Young Cantor canadense lança Le noise, CD no qual dispensou acompanhamento de banda, gravando apenas com sua voz, guitarra e violão Porco Ora considerada causadora de doenças, ora proibida por questões culturais ou religiosas, carne suína é rara nos restaurantes de alta gastronomia
Viviane Souto Maior O frevo ganha visibilidade em novas pesquisas
Saída
Felipe trotta A “farofada de rico” vem invadindo as praias com músicas estridentes
Pernambucanas
Engenho Massangana Residência que abrigou o abolicionista Joaquim Nabuco, até seus oito anos de idade, recebe restauração para se tornar centro cultural
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Capa Foto Jim Cornfield/CORBIS/Corbis(DC)/Latinstock
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Arquitetura
Viagem
Arquiteto, que se estabeleceu no Recife em 1950, marcou a paisagem urbana local, tanto pela formação de novos profissionais quanto pelas soluções projetuais
A 134 quilômetros do Recife, cidade atrai visitantes pela quietude interiorana aliada às belezas de suas matas, rios, cachoeiras e fontes
Perfil
Visuais
Protagonista de histórias curiosas, radialista prepara documentação para entrar no Guinness como recordista na liderança de audiência
Conhecido como o primeiro grande historiador da fotografia no Brasil, o pesquisador e teórico revela neste livro sua faceta de autor
Acacio Gil Borsoi
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Geraldo Freire
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Bonito
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Nov’ 10
Boris Kossoy: fotógrafo
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cartas Análise editorial Muitas publicações do jornalismo cultural estão com os olhos vendados para as diferenças de público, imersas nas discussões acadêmicas que se encontram isoladas em opiniões de teóricos e especialistas. Hoje, posso dizer, a Continente superou essas barreiras, adaptando-se à sua realidade social, regional e, por que não, cultural. Há alguns anos, a revista apenas engatinhava. Eu, como leitor da publicação, percebia o quanto suas páginas eram distantes do público. O quanto suas críticas, seu conteúdo, sua proposta estavam incompatíveis com a realidade. Sua formatação era fria; seus textos, longos e cansativos; sua linguagem, completamente inacessível. Além disso, as pautas não condiziam com a nossa percepção de mundo. Em outras palavras, assuntos que não diziam respeito ao pernambucano, nordestino, estampavam a capa da publicação. Hoje, observamos uma nova linha editorial presente em toda
sua concepção. Um apanhado de temas das mais variadas áreas compõem seu sumário, levando ao leitor informações diversificadas, relevantes aos mais diferentes e exigentes níveis de compreensão. Suas páginas estão ocupadas com a opinião de estudiosos de todo o país, mas com uma significativa presença de pernambucanos, oriundos dos mais diversos centros de estudos de nosso Estado. Essa iniciativa visa valorizar os nossos departamentos de ensino; os nossos profissionais das artes que, sem sombra de dúvida, são muitos e qualificados para discutir questões das mais abrangentes naturezas. A linguagem obteve enriquecimento de sua capacidade comunicativa devido à sensível aproximação do cotidiano, sem se tornar medíocre. As imagens estão amplas e ocupam largo espaço nas reportagens, não deixando de muitas vezes buscar nas caricaturas, nos desenhos satíricos, um caminho alternativo, e não menos eficiente, de dialogar
com o leitor. Em particular, duas seções merecem destaque: Peleja e Portfólio. A primeira, pela abordagem de ricas discussões de interesse cultural, sempre com pontos de vista diferentes. A segunda, pela mostra e análise de trabalhos fotográficos elaborados com diversificadas visões. Chego atualmente a essa leitura, pois sou assinante e acompanho as edições. O motivo de assinar a publicação foi justamente a mudança de postura de seus editores e a aproximação da revista aos passantes das ruas, que hoje param e veem sua capa nas bancas e sentem interesse em assimilar o conteúdo. Hoje, a Continente fala para os pernambucanos, sem perder a isenção linguística que a capacita como veículo de comunicação aberto para conversar com todos os brasileiros. faUSto mUnIz RecIfe – Pe
Você faz a continente com a gente o nosso objetivo é fazer uma publicação cada vez melhor, e, para isso, contamos com você. envie suas críticas, sugestões e opiniões. A seção de cartas recebe colaborações por e-mail, fax e correio (Rua Coelho Leite, 530, Santo Amaro, Recife-Pe, CeP 50100-140). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e telefone. A continente se reserva o direito de publicar apenas trechos e não se compromete a publicar todas as cartas. telefone
(81) 3183 2780
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colaboradores
Astier Basílio
Fernando Diniz Moreira
Júlio cavani
Kleber de Burgos
Jornalista, poeta e crítico de teatro, radicado em João Pessoa. Coautor da peça Ariano
Arquiteto, professor de Arquitetura e Urbanismo da UFPE e diretor do Ceci
Jornalista, repórter do Diario de Pernambuco, escreve sobre cinema, música e artes visuais
Fotógrafo, organizador do livro Bonito Pernambuco – História e ecologia
e MAiS carlos eduardo Amaral, mestrando em Comunicação Social pela UFPE e crítico de música. David de oliveira Lemes, professor da PUC-SP e editor do blog GameReporter. Felipe trotta, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE, doutor em Comunicação e Cultura e mestre em Musicologia. Fernando Monteiro, escritor. Gilson oliveira, jornalista e revisor. Heudes Régis, fotógrafo. Leo caldas, fotógrafo. Libório, ilustrador. Patrícia Amorim, jornalista, mestre e doutoranda em Design. Paulo Santos de oliveira, jornalista e escritor. Renata do Amaral, jornalista e mestre em Comunicação. Rizemberg Felipe, fotógrafo. Rui Belfort, diretor de operações da Jynx Playware. tiago calazans, fotógrafo. Viviane Souto Maior, bacharel em Interpretação Teatral pela UFBA, atriz, professora de teatro e pesquisadora.
GoVeRno Do eStADo De PeRnAMBUco
SUPeRIntenDente De eDIÇÃo
contatoS com a ReDaÇÃo
atenDImento ao aSSInante
goVeRnaDoR
Adriana Dória Matos
(81) 3183.2780
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SecRetÁRIo Da caSa cIVIL
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eDIÇÃo eLetRÔnIca
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Júlio Gonçalves
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PReSIDente
Guedes, Mariana Oliveira e Thiago Lins
Eliseu Souza
Leda Alves
(jornalistas)
Sóstenes Fernandes
DIRetoR De PRoDUÇÃo e eDIÇÃo
Maria Helena Pôrto (revisora)
Roberto Bandeira
Ricardo Melo
Gabriela Lobo, Gianni Paula de Melo, Maíra
DIRetoR aDmInIStRatIVo e fInanceIRo
Gamarra, Maria Doralice Amorim, Mariana
PUBLIcIDaDe e maRKetIng
Bráulio Mendonça Menezes
Chiappetta e Raquel Monteath (estagiários)
e cIRcULaÇÃo
conSeLHo eDItoRIaL:
Elizabeth Cristina de Oliveira (apoio)
Armando Lemos Alexandre Monteiro
Mário Hélio (presidente) Antônio Portela
aRte
Rosana Galvão
José Luiz Mota Menezes
Hallina Beltrão e Karina Freitas (paginação)
Gilberto Silva
Luís Reis
Nélio Câmara (tratamento de imagem)
Daniela Brayner
Luzilá Gonçalves Ferreira
Joselma Firmino de Souza (supervisão de diagramação e ilustração)
Continente é uma publicação da Companhia Editora de Pernambuco - CEPE ReDaÇÃo, aDmInIStRaÇÃo e PaRQUe gRÁfIco Rua Coelho Leite, 530 - Santo Amaro Recife/Pernambuco CEP: 50100-140 Fone: 3183.2700
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LUIZ TATIT
“A ideia da morte da canção é absurda” Compositor da vanguarda paulista da década de 1980, que concilia as atividades de criação com a formação acadêmica, discute os novos paradigmas da música contemporânea texto Gianni Paula de Melo
con ti nen te
Entrevista
Desde a década de 1980, quando fundou o Grupo Rumo, o compositor Luiz Tatit já conciliava as atividades de criação com a formação acadêmica. Seu objeto de estudo no doutorado era justamente a canção e, ainda hoje, atuando como professor da Universidade de São Paulo, suas pesquisas investigam elementos essenciais da conjunção entre letra e melodia. A melhor tradução de sua trajetória talvez esteja na música Mestres cantores, feita em parceria com José Miguel Wisnik, outro compositor dividido entre a criação musical e a atividade universitária: “Nós, aqui, mestres cantores, aprendizes felizes, modestos e muito dignos da prosa, da prosódia, da prosápia, da poesia / Da música popular, da canção enquanto tal, da música total / Da voz que fala pela fala e pela voz”. Defensor do entendimento da canção como um desdobramento da própria fala, a partir da entoação, Tatit refuta qualquer possibilidade de “morte da canção”, como haviam indicado alguns críticos e compositores. Ao contrário, percebe uma produção musical crescendo vertiginosamente no Brasil e
mantendo um nível elevado de qualidade. Reconhece, no entanto, mudanças no modo de produção e, principalmente, de difusão das canções, o que lhe parece positivo e incontornável. Durante uma breve passagem pelo Recife, Tatit recebeu a Continente e falou sobre a vanguarda paulista, festivais da canção, download de músicas na internet e sobre a polêmica morte da canção. continente Em quais aspectos as atividades de pesquisador e de músico se completam ou antagonizam? LUiZ tAtit Eu nem tive experiência de viver um só lado da coisa. Eu não sei como seria lidar com uma coisa só. Mas são atividades bem diferentes, uma é de análise e a outra é criar, bolar histórias ou situações a partir de melodias. Normalmente, a gente nunca sabe onde uma canção vai dar, então, até o estado de espírito é diferente. Na criação, você tem que estar com certa disponibilidade para ficar lidando com aquilo ao longo de horas. Na pesquisa, não, você pode parar porque ela tem uma objetividade analítica e em qualquer ponto que você retome é possível dar continuidade.
continente Mas a época em que o Grupo Rumo estava mais ativo no cenário musical coincidiu justamente com o seu mestrado e doutoramento. As pesquisas não geraram influência no ato de compor? LUiZ tAtit O Rumo se reunia um pouco para estudar a canção e um pouco para fazer arranjos para as músicas, então nossa pergunta já era: “O que é que a gente deve compor, hoje, que resulte em uma música diferente, mas que ao mesmo tempo mantenha o que é mais característico da canção?” Esse questionamento já estava na linha intermediária entre a produção e a reflexão, tanto que o elemento que foi encontrado nesse momento foi a entoação da fala. A gente percebeu como seria a nova composição e, ao mesmo tempo, no meu trabalho, eu percebi que poderia ser uma fonte de defesa de tese, porque tinha uma hipótese ali, de que a entoação era o embrião da canção. continente As inovações propostas pelo grupo, junto a outros artistas como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, configuraram a vanguarda paulista da década de 1980. Qual era o elo entre essas produções “de vanguarda”?
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TIAGO CALAZANS
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jeito de ele se apresentar era muito mais dinâmico naquele momento. Não deu certo na mídia por outras razões, como problemas com gravadoras. continente Após o fim do grupo, você começou o trabalho solo e já lançou cinco discos. O que mudou na sua forma de criar? LUiZ tAtit Na época em que nós terminamos o Rumo, em 1992, eu nem estava pensando em continuar. Já tinha desencanado e estava preocupado com a livre-docência. Mas aí começou a acontecer na minha vida essa história de parceria. O Zé Miguel Wisnik começou a me instigar a fazer coisas, depois a Ná Ozetti me trouxe umas melodias para eu letrar, na mesma ocasião começou o projeto do Palavra Cantada e o Paulo Tatit
FOTOS: DIVULGAÇÃO
LUiZ tAtit Houve a passagem de todos pela Escola de Comunicação e Artes de São Paulo. Os membros do grupo Premê, o próprio Arrigo, vários integrantes do Rumo, como o Hélio Ziskind, o Pedro Mourão e eu, todos tínhamos passado por essa faculdade, porque era a única chance de trabalhar com música no nível de universidade. Na época, a linha da diretoria e dos professores principais era música de vanguarda, mas de vanguarda erudita; então, o slogan de vanguardista parece ter sido importado da ECA. O Maurício Kubrusly cuidava das pautas de música popular no Jornal da Tarde; ouviu as músicas do Rumo e achou maravilhosas. Ele classificou como de vanguarda na música popular, então, essa história da “vanguarda” veio de fora para dentro.
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Entrevista continente Do ponto de vista estético, não existia uma proposta alinhando essas “tendências vanguardistas”? LUiZ tAtit Os projetos eram diferentes, o nosso era o de tentar ver qual elemento dentro da canção causaria uma música nova. A proposta do Arrigo era importar da música erudita a escala dodecafônica. Então, a música ficava diferente porque não tinha tonalidade, a chamada música atonal. O Itamar Assumpção, que era baixista do Arrigo, recebeu aquela influência também. O engraçado é que ele foi o que melhor concebeu um modelo de música para tocar no palco, ao mesmo tempo incluindo elementos modernos. A música dele era muito mais bem-acabada como canção do que a do Arrigo e do que a nossa. Até porque o
também me pediu algumas canções. Eu quase fui sugado para a música outra vez, sem ter planejado. Continuei compondo do mesmo jeito e, quando vi, estava produzindo mais do que antes, o que mudou foi essa história da parceria. continente Certa vez você disse que tudo poderia ser pensando sob o crivo da música popular brasileira. O que seria enxergar o mundo sob o olhar da canção? LUiZ tAtit Isso é uma coisa bem brasileira. A gente relembra os períodos vivenciados através da trilha sonora da nossa vida, fazendo mais associações com a canção do que qualquer outra linguagem. Nós ouvimos uma canção e automaticamente lembramos o que aconteceu em determinada época. E,
às vezes, as músicas de que as pessoas gostam acabam definindo-as para a gente. A canção nos acompanha até no sentido de escolher as amizades, as reflexões, a maneira de pensar o mundo. Além disso, a canção fala sobre quase tudo e a melodia amolece os assuntos, ela torna os assuntos mais difíceis passíveis de serem pensados. continente Este ano, estreou o documentário Uma noite em 67, sobre o festival daquele ano, o que despertou certa nostalgia no público sobre festivais. É anacrônico pensar em festival da canção hoje? LUiZ tAtit Sem dúvida, isso é anacrônico, porque a música atualmente é difusa. Naquele momento, todas as tendências musicais partiam
“A proposta do Arrigo (à esquerda) era importar da música erudita a escala dodecafônica. o itamar Assumpção (à direita), que era baixista do Arrigo, recebeu aquela influência também” de uma só emissora. A linha dura da MPB estava na Record, o iê-iê-iê, considerado a música mais alienada do mundo, estava na Record, a música saudosista, chamada bossaudade, estava na Record, a música gingada e de influência americana, proposta por artistas como o Wilson Simonal, estava na Record. Se você estourasse uma bomba lá, acabava com a música brasileira, porque todos eram artistas da Record. Além disso, a televisão era absoluta, porque não tinha internet. A canção passou a ter importância nacional e se tornou uma questão central, na qual se decidem os problemas da nação. Não significa que foi o nosso melhor momento musical, foi o melhor momento de investimento.
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continente Então você avalia o campo da música, na atualidade, de forma mais positiva? LUiZ tAtit Hoje, o panorama é muito mais rico do que era naquela época, não tem comparação. Quem começa a tocar hoje, já toca melhor do que qualquer músico daquela época, já compõe melhor, até porque já tiveram compositores do passado como modelo. Todo mundo começa a partir do Caetano, do Chico, do Tim Maia. A diferença é que a regra das músicas é a dispersâo. continente Mas, se estamos vivendo um momento tão criativo e de alta qualidade, como você diz, por que José Ramos Tinhorão e outros críticos musicais insistem em falar na morte da canção? LUiZ tAtit Primeiro, é preciso lembrar o
seguinte: nenhuma previsão do Tinhorão deu certo. Ele é um grande pesquisador de música, mas se a gente fosse levar em consideração as suas previsões não teria existido nem bossa nova, porque ele achava que aquilo era influência de música americana e não funcionaria no Brasil. O Chico Buarque também falou em morte da canção, mas mencionando o desgaste do formato que ele costuma fazer, ele acha que está um pouco sem lugar... Ao mesmo tempo, a força adquirida por estilos como o rap ajuda a gerar esse tipo de polêmica. Mas ele é o exemplo da canção mais pura que existe: a fala. Mesmo se nós só tivéssemos rap daqui para frente, a canção estaria salva, porque significaria que ela tomou conta de tudo e alcançou até uma forma mais
crua, através da fala pura. De forma geral, acho essa hipótese da morte da canção, absurda... Você imagina uma mãe tentando ninar uma criança sem canção? Se isso acontecesse, a mãe iria ninar uma criança dizendo: “Dorme! Dorme!” Não tem o menor sentido. Quer dizer, toda pessoa que fala, também canta. Então, não tem como acabar, a não ser que as pessoas deixem de falar. continente E sua composição Quando a canção acabar é justamente sobre essa polêmica. LUiZ tAtit É verdade. Fiz essa brincadeira da cigarra e da formiga... Porque se alguém fosse se preocupar com a morte da canção seria a formiga, que ficaria guardando composições
para ter um acervo quando a canção acabasse. Já a cigarra não está ligando muito para essa história, ela quer mesmo é viver o presente. Eu via o pessoal falando muito sobre esse assunto e achei que dava pano para manga, mas de um jeito meio folclórico. Porque nunca vai acontecer, mas faz a gente pensar. continente Você considera as releituras e regravações interessantes para a difusão da canção, mesmo quando são criadas alterações nas letras das músicas? LUiZ tAtit Não sei se é pelo fato de eu não ser um músico muito obsessivo, então sempre acho que, quando outros intérpretes pegam para gravar, acaba ficando melhor. O ato de retirar uma palavra ou colocar uma frase na canção
é algo extremamente habitual, porque a origem dela é oral. Quando você está fazendo letra, você põe um verbo ou deixa de colocar por razões ocasionais, não tem qualquer compromisso fixo. Talvez esteja aí uma boa diferença entre poesia e letra, porque o único problema para a letra é se adequar à melodia. Ninguém precisa ficar se apegando à construção porque foi feita na hora da inspiração. Letra, você tem que adaptar à melodia, essa história de que fez e não pode mexer, isso não existe. continente No ano passado, Tom Zé instigou no blog dele uma leitura coletiva de O século da canção e as pessoas discutiram bastante o seu livro. Esse tipo de experiência lhe parece positiva? LUiZ tAtit O Tom Zé tem umas iniciativas que, quando ele conta, a gente acha uma loucura e se pergunta: “Como é que isso vai dar certo?” Mas, depois, ele começou a me mandar trechos das discussões e fiquei impressionado. Acho que ele acabou tornando o livro não só conhecido, mas lido, o que é o mais importante. Atualmente, a maior parte das pessoas que compra um livro não lê tudo, mas apenas um trecho. Aqui, no Brasil, essa cultura letrada é mais escassa ainda, todo mundo lê um pouquinho do livro e larga. Tom Zé acabou fazendo muita gente ler o livro inteiro. É um livro que em alguns momentos a leitura é direta, mas em outros tem análises difíceis sobre canção. continente Já que estamos falando de internet, você percebe as redes de difusão (Youtube, MySpace, LastFm) e o próprio hábito de fazer download de músicas como aliados da perpetuação da canção? LUiZ tAtit Acho que isso só pode ser bom, além de ser irreversível. O que está em pauta atualmente é a questão dos direitos. Como organizar minimamente os downloads para que esses direitos cheguem ao artista? Porque tem muita gente que vive de direitos autorais... Existe essa história de pagar o mínimo, mas isso acho difícil, porque sempre tem um jeito de não pagar. Penso que, resolvida a questão do direito autoral, o gesto de baixar a música, de procurar e encontrar músicas na internet, é maravilhoso, porque a reprodução é em progressão geométrica.
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O melhor deste mês na revista Continente, no ambiente virtual
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BeLeZAS de Bonito
cLAQUete
Veja no site da Continente imagens do livro Bonito, história e ecologia, em que o jornalista e fotógrafo Kléber de Burgos realiza um levantamento da fauna e da flora locais. Além desse, outros lançamentos da Cepe são destaques online. O internauta poderá ler o prefácio escrito por Fernando Monteiro para o livro A intocável beleza do fogo, do poeta Geraldino Brasil; e a apresentação do crítico Lourival Holanda a Escritores pernambucanos do século XIX, organizado pela escritora Luzilá Gonçalves Ferreira.
Este ano, Jean-Luc Godard recebe um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra. Assista a trechos de entrevistas e filmes de sua autoria.
Conexão
PerFiL Ouça passagens da entrevista realizada pelo jornalista Gilson Oliveira com o “comunicador da maioria”, o radialista Geraldo Freire, cuja biografia é admirável.
Veja esses e outros links em www.revistacontinente.com.br
AndAnçAS virtUAiS
LUSoFoniA
HQS
SAMPLer
conHeciMento
o patifúndio reúne os diferentes sotaques da língua portuguesa
Um acervo de revistas de quadrinhos das décadas de 1940 e 1950
Inspirado no trabalho dos DJs, tradutor cria remixes literários
No edge, artistas e cientistas debatem sobre atualidades
opatifundio.com
digitalcomicmuseum.com
mixlit.wordpress.com
edge.org
Unir mais de 200 milhões de pessoas em torno de algo em comum: a língua. Mesmo falando para um público de locais bastante diversos, indo desde Portugal, Brasil até Macau e à colônia brasileira no Japão, o site O patifúndio busca ser uma “pangeia virtual”, quando se propõe a usar a internet como forma de aproximação dos falantes do idioma. Os artigos, escritos por jornalistas, cronistas e escritores, destacam a diversidade cultural de cada um dos países, sem esquecer de ressaltar as suas diferenças linguísticas.
Sustentado por meio de doações, o Digital Comic Museum é um grande acervo de história em quadrinhos feito a partir de contribuições de internautas. Com foco nas revistas publicadas durante a Era de Ouro estadounidense, as décadas de 1940 e 1950, o endereço é uma forma de conhecer personagens e heróis que não ficaram famosos no Brasil, como o Atoman e Cairo Jones, além de rever os mais célebres, como o Demolidor e Sherlock Holmes. Os gibis publicados no site já estão em domínio público.
Imagine trechos de obras de Ricardo Piglia, James Joyce, João Guimarães Rosa, Albert Einstein e Raymond Queneau formando um só texto. Essa é a base do MixLit, do tradutor carioca Leonardo Villa-Forte. Nele, o tradutor recorta passagens literárias de diferentes tamanhos e origens e as une, criando novos textos – com sentidos diferentes para os trechos originais. A proposta, segundo Leonardo, é dar uma “vida bastarda” aos trechos utilizados. Além de prosa, o tradutor também remixa poesia, juntando, por exemplo, Oswald de Andrade, Augusto dos Anjos, Ferreira Gullar e Dante Alighieri.
O endereço eletrônico tem como objetivo funcionar como uma terceira via cultural, um espaço de discussão aprofundada que tome partido do conhecimento de cientistas e intelectuais. Para isso, conversa com artistas, escritores e acadêmicos das mais diversas áreas sobre questões fundamentais do nosso tempo. “Como a internet está mudando o seu jeito de pensar?”, “O que vai mudar tudo?” e “Em relação a que você é otimista?” são exemplos de perguntas respondidas por nomes como Marina Abramovich, Richard Dawkins e Chris Anderson.
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blogs FotoGrAFiA terrysdiary.com
Em seu blog, o fotógrafo Terry Richardson, um dos mais famosos e controversos, traz previews de ensaios feitos para publicações de moda com celebridades como Kim Kardashian e James Franco, vestido de mulher.
cineMA filmstudiesforfree.blogspot.com
vioLeiroS eM rede SociAL Voa viola reúne mais de 500 vídeos de musicistas do Rio Grande do Sul ao Amazonas, lançando-se como uma importante base de dados do gênero Apesar de recente, pois foi criado este ano, o site e rede social Voa viola já
soma 650 perfis de violeiros e fãs, jornalistas e produtores. O usuário pode participar dos fóruns de discussão, acompanhar a programação de eventos ligados ao gênero e conferir mais de 500 vídeos de artistas de 180 cidades brasileiras. São duplas, grupos e artistas-solo, com trabalhos instrumentais e cantados, do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Até os instrumentos são diversos: há artistas usando violas derivadas de buriti, machete (maior que o cavaquinho e menor do que a viola tradicional), e também de cocho (modelo de cinco cordas). Além de realizar um mapeamento dos violeiros no Brasil, o projeto Voa Viola inclui outras iniciativas, como o festival homônimo, que distribui em cinco categorias (canção, dupla, inovação, instrumental e tradição) premiações de 8 mil reais. Os vencedores, que passaram pelo crivo dos violeiros Roberto Corrêa e Paulo Freire, além dos produtores Miranda e Pelão, ainda dividem o palco com músicos do quilate de Lenine e Antônio Nóbrega. Era o incentivo que faltava para aliar um estilo mais tradicional à era 2.0, que agora se junta aos coletivos e festivais independentes, mais ligados ao rock. tHiAGO LiNS
Catherine Grant, segundo ela mesma, sempre quis ser uma bibliotecária. A forma que ela encontrou de exercer o ofício foi criar o Film studies for free, blog que reúne estudos acadêmicos, incluindo teses de PhDs, sobre cinema.
QUAdrinHoS punyparker.blogspot.com
Vitor Cafaggi mantém, desde 2008, a série Puny Parker, tirinha que aborda a infância de Peter Parker, o HomemAranha. O tom leve e o bom humor são acrescidos de curiosidades tiradas das histórias originais.
crÍticA cinecasulofilia.blogspot.com
No Cinecasulofilia, o professor de cinema Marcelo Ikeda tece críticas bem-urdidas de filmes e da filmografia de diretores. Menos preocupado com lançamentos recentes, o blogueiro dá um tom ensaístico às suas análises.
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PRATICIDADE
PERNAMBUCANO
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Além de disponibilizar 11 mil fontes, o Da font mostra como elas devem ser instaladas e explica para que usos elas estão liberadas.
A principal utilidade do What the font é identificar com poucos cliques que fonte é utilizada em uma imagem postada pelos internautas.
O site do projeto Crimes tipográficos, de Damião Santana e Fátima Finiloza, procura divulgar a cultura brasileira e pernambucana de fontes.
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Paulo Meira
O MARCO AMADOR TexTo Mariana Oliveira
Desde 2004, Paulo Meira vem se dedicando à pesquisa intitulada O marco amador. O
artista norteia sua investigação pela construção de universos plásticos e conceituais, nos quais acontecimentos (um marco) são explorados ética, estética e politicamente. Nesses trabalhos, os personagens criados pelo artista se aventuram por situações desafiadoras. Quatro séries já foram produzidas dentro da pesquisa, compostas por obras em diversas linguagens – vídeos, videoinstalações, pinturas, fotografias, textos. O artista utiliza o termo marco para designar o que chama de “acontecimentos paradigmáticos”. Cada um deles expressaria um conjunto de fatos anteriores e posteriores a ele. “Os marcos podem ser entendidos como pequenas oscilações que podem mover o mundo, invisivelmente, por isso uso outro termo ao lado da palavra marco. Com amador, proponho um agir que exercite o zelo sobre as coisas do mundo”, explica. Os elementos circenses marcam forte presença nos universos criados e habitados pelos personagens da pesquisa. Na série Las outras, dois personagens compõem o acontecimento paradigmático e surreal. No vídeo, uma anã contracena com o artista, que balança como um pêndulo içado pela própria carne a um cabo de aço. Em Cursos, o artista, de olhos vendados, divide a cena com uma palhaça. Como num road movie, os dois personagens percorrem diversas paisagens, todas rondadas pela iminência de perigo. A série
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a fotomontagem transporta os mesmos personagens para cenários transnacionais
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a série 15 minutos no jardim de Alice Coelho é o mais recente trabalho da pesquisa
4-5 recorrência nas séries Las outras e Cursos, destacam-se os personagens circenses
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6 pintura na série A perder de vista, o artista também cria papéis e envelopes hiper-reais
remete às brincadeiras de quebra-panela e cabra-cega, cabendo à palhaça – que fala em italiano – orientar os passos do artista vendado. A palhaça ressurge em pinturas que reproduzem supostos certificados de cursos, hiperampliados – nos quais não são indicados o curso concluído ou o candidato. A perder de vista é composta, assim como as outras séries, por trabalhos em suportes variados. Num deles, um vídeo, Meira sustenta uma mulher sobre seus ombros, com uma hélice na mão. Em sincronia com esse giro, surge uma coleção de imagens do trio (o homem, a mulher e a hélice), fotografado em diversas paisagens dos cinco continentes. A exemplo de Cursos, essa série também é composta por um conjunto de pinturas:
7 a 9 CURSOS os personagens do vídeo ressurgem em pinturas de supostos certificados
envelopes e papéis hiperrealisticamente concebidos. O trabalho mais recente da pesquisa é 15 minutos no jardim de Alice Coelho. A personagem principal deste marco é uma mulher barbada. Ela é teletransportada para vários locais por um mágico, num universo em que reina uma pequena galeria de personagens estranhos (mulher barbada, mágico, equino autômato, uma modelo de um atirador de facas...). “Envoltos numa atmosfera de paixão, morte, fatalidade, repugnância diante de aberrações, esses personagens vivem uma série de acontecimentos que suscitam questões presentes na multiplicidade corpórea do homem contemporâneo”, descreve Meira, que mais uma vez surge como idealizador e ator de sua obra.
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REPRODUÇÃO
casa branca musical
intervenções de um editor O norte-americano Raymond Carver (1938-1988) teve sua prosa intensa celebrizada como “minimalista”. Embora seja genuíno o caráter conciso de sua narrativa, ele se deveu sobremaneira às intervenções de Gordon Lish, que foi editor de quase tudo produzido pelo escritor. Possivelmente agradecido – mas também constrangido – pela leitura colada que o editor da Esquire e da Alfred A. Knopf fazia de seu trabalho, Carver deixou que Lish laminasse até os ossos os seus textos. Um caso emblemático é o do livro de contos What we talk about when we talk about love (1981), cujos contos foram, na maioria, reduzidos à metade, até mais, pelo editor. Como as alterações de Lish eram feitas à mão sobre páginas datilografadas, um esforço de recuperação dos textos originais trouxe a público, em 2007, a versão do autor para o livro Begginers, cujo título também havia sido proposto por Carver para a publicação de 1981. No ano passado, Iniciantes foi lançado no Brasil, com um prefácio da dupla de editores que deu tratos à nova edição, explicando o acontecido. Agora, também pela Companhia das Letras, chega a coletânea 68 contos de Raymond Carver, na qual o conjunto Do que estamos falando quando falamos de amor, traz os mesmos 17 contos de Iniciantes, mas na versão enxutíssima editada por Gordon Lish. Para o leitor, trata-se de um transparente exercício de observação dos duelos editoriais. ADRIAnA DÓRIA mAToS
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Depois do jazzman Bill Clinton, a Casa Branca abriga outro presidente cool: Barack Obama. Ele tem um iPod, cujo acervo, conta-se, abriga de Bob Dylan a Jay-Z. Em julho, Obama homenageou, na residência oficial da presidência, o ex-beatle Paul McCartney. Na ocasião, os roqueiros Dave Grohl e Jack White (vocalistas de Foo Fighters e Raconteurs, respectivamente), entre outros, destilaram versões de clássicos do velho Macca. Por outro lado, Bush, certa vez, recebeu o pagodeiro e cantor romântico Alexandre Pires para um pocket show. Para quem não se lembra, o ex-Só Pra Contrariar chorou muito durante a apresentação. Mas foi amparado pelo belicista sensível: “Mi casa es su casa”, consolou Bush. (Thiago Lins)
Balaio monarQuia em alta Pelo menos na cultura e no imaginário popular, a monarquia ainda reina no Brasil, 121 anos depois de proclamada a República. Além da profusão de títulos nobiliárquicos para designar de lojas de eletrodomésticos (Rainha do Lar) a empresas gastronômicas (Rei das Coxinhas), o fascínio pela realeza tem resultado na construção de castelos em diversos lugares. Em Pernambuco, eles já estão presentes em Garanhuns, Pesqueira, Recife e em São José do Belmonte, que deverá inaugurar em maio de 2011 o seu Castelo Armorial. Enquanto isso, na Inglaterra, umas das mais prestigiadas e famosas das 44 monarquias existentes no mundo, as estruturas do Palácio de Buckingham estão sendo abaladas por uma crise financeira que impede a família real até mesmo de pagar as contas de luz. (Gilson Oliveira)
“viver é desenhar sem borracha” millôr fernandes
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vargas llosa 1 Para o romancista peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010, os escritores devem transcender, em suas obras literárias, às ideologias que por acaso defendam. A ficção aceita de antemão sua natureza ilusória e limitada; as ideologias tentam se impor como a versão final e incontornável da história. Ideologia e ficção assumem, portanto, no pensamento de Vargas Llosa, posições diametralmente opostas. Muitos entre seus críticos possivelmente não entenderam (ou não leram) a obra literária e ensaística desse autor aviltado por suas posições políticas liberais. Nas palavras do crítico literário Raymond Williams, “Vargas Llosa tem enfrentado, a partir de sua dissidência pessoal, a dissidência preestabelecida, essa que se engessou, de forma acrítica e autocomplacente, no que podemos classificar hoje de forma geral como politicamente correto”. (Eduardo César Maia)
criaturas
vargas llosa 2 Em recente entrevista a Emílio Fraga, editor da Cosac Naify, antes de receber o Nobel de Literatura deste ano, Mario Vargas Llosa expôs sua paixão pelos hipopótamos. Segundo ele, esses animais são extremamente dóceis, têm um paladar delicado e uma grande propensão ao amor. O escritor tem uma coleção de bibelôs desses bichinhos, cujas principais ocupações são: tomar banho, chafurdar na lama e fazer amor – ficam até 12 horas copulando. “Gostaria de fazer amor como os hipopótamos. Eles conseguiram o que os hippies jamais conseguiram, verdadeiramente levar a cabo a máxima ‘paz e amor’ ”, afirmou Vargas Llosa. (Mariana Oliveira)
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a literatura e a fama Conhecida por sua literatura erótica e transgressora, Hilda Hilst também nos legou poemas líricos de tocante delicadeza. A seu pedido, alguns desses, os que compunham o capítulo Júbilo, memória, noviciado da paixão, do livro Ode descontínua e remota para flauta e oboé, foram musicados pelo compositor Zeca Baleiro e, posteriormente, gravados por 10 intérpretes da música popular brasileira. À época da parceria, entre a ironia e o desabafo, a escritora comentou: “Quero ser famosa, cansei dessa história de prestígio”. E acrescentou: “Literatura não dá camisa a ninguém”. O CD, com título homônimo ao do livro, ficou pronto em 2005, um ano depois da morte de Hilda. (Gianni Paula de Melo)
o novo nobel, vargas llosa Por Luiz Arrais
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TATUAGEM Uma marca indelével na história do corpo Frente à massificação, tatuadores buscam um maior aprofundamento artístico para se diferenciarem com estilo pessoal nesse consolidado mercado que venceu o preconceito e que hoje conta com diversos estúdios modernos TEXTo Júlio Cavani
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“Vamos encontrar nos homicidas o
maior número de tatuados”, escreveu em 1912, na sua tese de doutorado, o médico pernambucano Angelo Rodrigues da Cruz Ribeiro, que fez um levantamento da presença da tatuagem em duas prisões de Pernambuco no começo do século 20. Além dos presidiários, ele também identificou figuras desenhadas nos corpos de ciganas cartomantes e homens, principalmente marinheiros estrangeiros, que localizou em ambientes como as ladeiras de Olinda e a Praça Maciel Pinheiro, no Centro do Recife. Na antiga Penitenciária Estadual, 33% dos presos carregavam desenhos indeléveis na pele. Outros pesquisadores nordestinos, como Gilberto Freyre e Luís da Câmara Cascudo, também mencionam o tema em seus livros. Assim como na maior parte do mundo, a história da tatuagem em
Pernambuco tem três momentos distintos. O primeiro é praticamente pré-histórico, relativo especificamente aos índios caetés e tabajaras, cuja cultura foi exterminada pelos colonizadores europeus. A segunda fase, descrita por Angelo Ribeiro, envolve os marinheiros, as prostitutas, os ciganos e os submundos portuários e penitenciários. O terceiro momento, mais profissional, inicia-se na década de 1980 (uma distância temporal de mais de 50 anos em relação aos Estados Unidos e à Europa), com os primeiros estúdios modernos, agora consolidados e multiplicados. “Hoje em dia é possível se tatuar até em salões de beleza, mas a tatuagem é essencialmente uma arte de rua”, observa Valdélio, um dos inauguradores da tatuagem profissional do Recife, que abriu seu primeiro estúdio nos anos 1980, em Boa Viagem, na academia Arte Viva, onde também
eram realizados shows de rock e outras atividades culturais. “Meus clientes não eram só os roqueiros. Tinha gente de todo tipo, como advogados e dentistas. Quando comecei, o Recife tinha apenas três tatuadores.” Os outros dois eram Reinaldo Saruê, de Olinda, e Caveira, considerado o pioneiro, que trabalhava no Centro. O DJ Justino Passos trabalhou ao lado de Caveira (falecido na década de 1990) na loja de discos Mausoléu, em que funcionava o estúdio do tatuador, na Rua 7 de Setembro, entre 1984 e 1986. “A primeira máquina de tatuagem que vi foi a dele. Era a única que existia aqui no Recife. Antes, a galera se tatuava com linhas, agulhas comuns e nanquim”, recorda. “Foi um dos primeiros lugares underground do Recife. Siba, Fred 04, Renato L e Rogerman estavam entre os pirralhos que viviam por lá.” Os clientes que se tatuavam, de acordo
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1 MaRGinal no início, a tatuagem era comum apenas entre marinheiros, prostitutas, ciganos e presidiários 2 tÉcnica apesar de ter avançado, o processo continua bem parecido com o da década de 1950
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com Justino, eram basicamente ligados ao rock, principalmente punks e headbangers (metaleiros).
tRaQUinaGeM
Valdélio passou a infância e a adolescência em Garanhuns, onde teve os primeiros contatos com a tatuagem por meio de uma revista chamada Pop, de cultura jovem, na década de 1970. Empolgados com as fotografias publicadas, ele e os amigos começaram a se tatuar por conta própria, com nanquim e agulhas de costura, até serem expulsos do colégio onde estudavam. Como relíquias, restos daquela traquinagem continuam em seu braço até hoje, mas já foram corrigidos e retocados. Anos depois, o artista desenvolveu suas técnicas na Bahia e no Rio de Janeiro, onde a tatuagem já era moda na praia de Ipanema. “Aprendi a tatuar de verdade em Salvador, com
“Hoje, é possível se tatuar até em salões de beleza, mas a tatuagem é essencialmente uma arte de rua”, observa Valdélio um jogador de basquete chamado Binga. Era uma coisa de submundo. Para trabalhar na área, você tinha que ser aceito por outro tatuador.” A tatuagem no Brasil formava uma rede de pessoas conhecidas, conta Valdélio. “No começo, usávamos bambus e agulhas de costura número 12. Hoje, existe toda uma indústria de equipamentos, mas naquele tempo construíamos nossas próprias máquinas, apesar de elas terem sido inventadas há quase um século, no exterior.” Para ele, a venda de kits pelo correio foi
a responsável pela proliferação sem controle de tatuadores no país. “Que eu saiba, nunca existiram tatuadores no Porto do Recife”, acredita Valdélio. As tatuagens descritas pelo doutor Angelo Ribeiro no começo do século 20, portanto, teriam chegado pelos navios ou eram feitas no Recife de maneira obscura. Como sugere o jornalista Toni Marques, no livro O Brasil tatuado, a técnica chegava com os marinheiros e, nos prostíbulos, seus desenhos corporais fascinavam as prostitutas e estimulavam também os outros fregueses. Quando os marujos se metiam em confusões e eram presos, os colegas de cadeia também se influenciavam e repassavam a ideia para os outros. No Rio de Janeiro, contudo, já existiam esses trabalhadores especializados, alguns menores de idade, como constatou o cronista João do Rio, na reportagem Os tatuadores, de 1908, que pode ser
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ILUSTRADOS Sob as regras do seu seu pr贸prio universo Embora n茫o esteja catalogada como arte, a tatuagem vem sendo agregada ao campo como ocorre com o grafite e a HQ
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leonardo branco e leo resende, que mantêm um estúdio no bairro das Graças, tentam dar um toque autoral às tatuagens que fazem
que já pode ser considerado um mercado de escala fabril. Do ponto de vista artístico, a tatuagem sempre trilhou um caminho próprio. Essencialmente visual, apenas encontra interseções pontuais com a arte moderna e contemporânea, seguindo uma linguagem autônoma em relação às categorizações estéticas. Como os quadrinhos ou a grafitagem, ela é, de certa forma, marginalizada em relação aos circuitos legitimadores (museus e bienais), salvas as exceções. “O Recife tem mais de 300 tatuadores, porém menos de nove trabalham nas condições ideais”, estima Renattoo Mousinho, que executa algumas das tatuagens mais caras da cidade. Mais do que buscar ser reconhecido por méritos autorais, suas prioridades são a busca pela perfeição técnica e os cuidados com a saúde. Leo Resende, outro tatuador bastante requisitado, está mais preocupado com sua afirmação como artista, apesar de ainda não encontrar muitos clientes dispostos a ceder o corpo para suas experimentações: “Acredito que a banalização da tatuagem vai fazer o público mais sensível buscar artistas com um estilo pessoal sólido e amadurecido”.
estÉtica e paciÊncia
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Depois de toda uma história de
oscilações entre legado, afirmação, perseguição e preconceito, a tatuagem chega ao século 21 popularizada na sociedade. Corpos ilustrados são vistos tanto nas farofas das praias mais populares quanto nos tradicionais recintos da música clássica. Frente à banalização impulsionada por essa massificação, tatuadores profissionais se veem obrigados a regularizar a profissão e a buscar um maior aprofundamento artístico para se diferenciar no
No Brasil, poucos tatuadores conseguem realmente impor suas identidades de maneira explícita. Uma exceção é o pernambucano Jun Matsui, descendente de japoneses, que cresceu no Mato Grosso do Sul, começou a carreira em Los Angeles, morou em Tóquio e hoje trabalha em São Paulo. Ele só usa a cor preta e suas tatuagens sempre estão combinadas com a anatomia (estendem-se sobre os membros e o tronco), para enfatizar a relação primordial dessa arte com as formas do corpo. “Serão as tatuagens uma afirmação da unidade do corpo?”, pergunta Nízia Villaça, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pósdoutorado em Antropologia Cultural, autora do livro Em nome do corpo. “O
desenvolvimento da visibilidade por meio das novas tecnologias certamente constitui elemento instigante de tais lutas simbólicas, quando propaga a ideia da substituição ou confusão do corpo com a imagem. Cresce a discussão em torno do estatuto corporal.” Em relação ao posicionamento da tatuagem no panorama das artes, ela sugere que “a pele pode ser considerada o primeiro muro ou tela em que imprimimos nossas marcas. Na sua complexidade, constitui uma metáfora contemporânea do que se perde e do que se procura”. No Recife, a maior parte das tatuagens realizadas é de figuras reproduzidas. “Muita gente pensa
“a banalização da tatuagem vai fazer o público mais sensível buscar artistas com um estilo pessoal”, afirma leo Resende só em cópia. Até gosto de tatuar o mesmo tema mais de uma vez, mas não o mesmo desenho. Acho legal fazer carpas e corações, pois é como homenagear a história universal da tatuagem, só que sempre procuro distorcer do meu jeito. Prefiro criar um desenho personalizado a partir das ideias do cliente”, pontua Leo Resende. “Minha proposta é transportar as artes plásticas para a tatuagem. Adoro quando me pedem para tatuar a pintura de um artista, pois isso me permite experimentar novas técnicas ao tentar criar efeitos e texturas de pinceladas ou até riscos de giz.” Resende divide um estúdio no bairro das Graças com Leonardo Branco, que escreveu uma monografia sobre tatuagem como trabalho de conclusão do curso de Design na Universidade Federal de Pernambuco. “Já convenci uma mulher a não tatuar o nome do noivo. Ela ficou com raiva na hora, mas me agradeceu um ano depois, quando o namoro acabou”, conta Leo Branco, que muitas
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vezes se vê no papel de psicólogo. “Converso bastante antes de começar um novo trabalho e acabo criando um laço com a pessoa que precisa dividir sua dor comigo.” Valdélio, um dos pioneiros da tatuagem profissional no Recife, parou de tatuar justamente por causa dessa necessidade de proximidade psicológica, entre outros motivos. “Você tem que ter toda uma disponibilidade e paciência para se envolver emocionalmente com as pessoas”, pondera ele, que já teve Mousinho como estagiário e observa mais vontade artística nas gerações atuais. Valdélio chegou a dar aulas de tatuagem em bairros da periferia como arte-educador num projeto
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cultural do governo municipal. Ele usava peles de porco para fazer demonstrações diante dos alunos.
ReGUlaMentaÇÃo
Em 2010, a Prefeitura do Recife regularizou a profissão de tatuador, uma tendência que se verifica em outras cidades diante da popularização da atividade. A Vigilância Sanitária faz a fiscalização nos estúdios, que oficialmente têm a obrigação de ser tão higiênicos quanto um consultório médico. Um dos motivos que tornam cara uma tatuagem feita por Renattoo Mousinho, por exemplo, é a estrutura de seu local de trabalho, o único que adota um sistema (não obrigatório) de teste biológico para garantir a
assepsia dos equipamentos. Todos também têm que ter um sistema de coleta de lixo hospitalar feito por empresas especializadas. “Tenho amigos tatuadores, mas só confio em Mousinho, apesar de ser tão caro. Conheço o trabalho dele”, afirma a designer Cecília Torres, que tem no corpo reproduções de obras dos artistas Escher, Miró e Shag, além de uma imagem dos Beatles (capa de Help!), uma figura do cartaz do filme Bom dia, tristeza (desenhada por Saul Bass) e um grafismo representativo do padrão de cores CMYK (cyan, magenta, yellow, black). “Simplesmente achei que são desenhos bonitos e tatuáveis, mas gosto de tantos
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cecÍlia toRRes
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Daniela BRilHante
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estilo
a designer tem na pele reproduções de obras de escher, miró e shag, além de uma imagem dos beatles e uma figura do cartaz do filme Bom dia, tristeza a designer tatuou desenhos feitos por amigos, reproduzidos pelo tatuador leo resende as tatuagens de Jun matsui são todas na cor preta e acompanham a anatomia do corpo
outros e não os tenho porque são mais complicados, pode sair algo errado... Vejo, gosto e tatuo”, explica. Apesar de seguir todas as regras, Renattoo não é contra os estúdios irregulares e acha “importante que continuem a existir artistas independentes, que façam seu trabalho na clandestinidade, contanto que não tenham uma proposta comercial”. Para Valdélio, “é uma subcultura urbana. Ninguém precisa ter um endereço fixo. A gente carregava o equipamento para viver onde quisesse. Tenho certeza de que alguns dos melhores tatuadores do mundo são pouco conhecidos e trabalham na informalidade”. júLiO cAVANi
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OUTRAS LINGUAGENS TATUADAS
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INNERENSTEREN
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anGelina Jolie
em diversas expressões artísticas, a tatuagem surge como referência.
teleVisÃo além dos reality shows Miami Ink e LA Ink, que se passam em estúdios de tatuadores dos estados unidos, a tatuagem apareceu com destaque em novelas como Guerra dos sexos (em que o ator mário Gomes mostrava sua gaivota no peito), Garota dourada, Cambalacho, Olho por olho e O mapa da mina (citadas no livro O Brasil tatuado), entre outras. recentemente, a atriz da tv Globo alinne morais posou para a capa da edição brasileira da Rolling Stone com o corpo todo pintado pelo tatuador Jun matsui (mas era uma pintura superficial, não definitiva).
a capa do disco Tattoo you (1981) ajudou a disseminar a tatuagem
a artista olindense Juliana notari pintou tatuagens em bebês de brinquedo, no projeto apresentado no 46º Salão de Artes Plásticas, em 2004
possui cerca de 10 tatuagens espalhadas pelo corpo, algumas em homenagem aos seus filhos
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aRte conteMpoRÂnea em 1999, o pavilhão da eslováquia na Bienal de Veneza não exibiu o trabalho de um artista, mas de vários. as curadoras petra Hanakova e alexandra kusa convidaram 46 tatuadores para mostrar seus trabalhos nas paredes da sala. no centro do espaço, o público era convidado a tatuar uma das figuras em si, de graça, e carregar a arte no corpo durante a vida inteira. o projeto também se propunha a questionar as divisões entre alta e baixa cultura. tatuadores, no entanto, ainda não são convidados a participar de grandes exposições na condição de artistas, mas a tatuagem esteve presente em momentos pontuais nas últimas décadas. em paris, o centro Georges pompidou, por exemplo, um dos maiores museus de arte moderna do mundo, produziu uma exposição sobre o assunto, intitulada Tatouages, no ano de sua fundação, em 1977. o artista espanhol santiago sierra, polêmico, mas consagrado no circuito internacional, realizou uma série de trabalhos que consistiam em tatuar uma linha horizontal nas costas das pessoas, que recebiam 50 dólares em troca para ficarem marcadas para o resto da vida. em 1998, fez isso com trabalhadores mexicanos. em 1999, repetiu a operação com cubanos. no ano 2000, foi a vez de prostitutas. uma de suas provocações era mostrar até que ponto pessoas com necessidades financeiras se venderiam por pouco dinheiro.
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a artista olindense Juliana notari simulou tatuagens sobre o corpo de bebês de brinquedo no projeto Innerensteren, apresentado no 46º Salão de Artes Plásticas em 2004. as bonecas, que representavam crianças, também eram mostradas em posições sexuais, numa abordagem sobre os valores culturais da sociedade. os desenhos reproduziam órgãos internos do corpo humano, transportados para a superfície da pele. artistas plásticos também costumam elaborar procedimentos particulares na
hora de se tatuar. a pernambucana Juliana calheiros fez nas costas uma linha vertical reta, que segue do cóccix até a nuca. a acriana Daniela brilhante, que vive e trabalha no recife, tatuou desenhos feitos por amigos, reproduzidos pelo tatuador leo resende. uma das figuras faz parte do concurso Mickey Feio, que ela desenvolveu como integrante do grupo valdisney, um projeto exibido em instituições como o museu de arte moderna do rio de Janeiro e a fundação Joaquim nabuco.
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cineMa seria possível fazer um festival só com filmes que abordam a tatuagem direta ou indiretamente. um dos exemplos é o longa neozelandês O amor e a fúria, de lee tamahori, um dos responsáveis pelo resgate da cultura maori na década de 1990. recentemente, David cronenberg retratou as tatuagens da máfia russa em londres com Os donos do crime. este ano, os músculos coloridos de sylvester stallone e mickey rourke aparecem em Os Mercenários, filmado no rio de Janeiro. em 2011, o tema estará presente em dois filmes que serão realizados em pernambuco: o longa Tatuagem, de Hilton lacerda, sobre o grupo de teatro vivencial Diversiones; e o curta Sob a pele (título provisório), de pedro sotero, sobre um homem que vê imagens em movimento no corpo de uma namorada. na cinematografia mundial, as tatuagens ainda têm presença-chave em filmes como Amnésia, Moby Dick, Tattoo, Papillon, Dragão vermelho, Avatar e Tropa de elite, em que policiais se tatuam com o horrível símbolo do bope.
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MoDa as grifes e os estilistas internacionais têm incorporado cada vez mais as tatuagens dos modelos em desfiles e ensaios fotográficos. para elaborar um novo conceito, a encomendou ao artista ari marcopoulos (frequentador do circuito de arte contemporânea) um curta-documentário sobre um tatuador americano, exibido na internet. na última semana de moda masculina de milão, diversos modelos desfilaram com
seus adornos corporais à mostra, para grifes como louis vuitton, frankie morello e versace, como tendências para o verão de 2011. a emporio armani explorou bastante os braços ornamentados de David beckham numa recente campanha de cuecas (diversos jogadores de futebol ostentaram suas marcas braçais na última copa do mundo, como o italiano fabio cannavaro, os eslovacos Juraj kucka e vittek, o australiano tim cahill, o uruguaio Diego lugano e os portugueses Hugo almeida e raul meireles).
foi-se o tempo em que as tatuagens eram associadas apenas ao rock. num passado recente, capas de discos de bandas como rolling stones (Tattoo you, 1981) e sublime (Sublime, 1996) ajudaram a disseminar a linguagem em todo o mundo, assim como os corpos dos músicos do red Hot chili peppers, mas hoje é possível ver figuras na pele de artistas de pagode, da música clássica e de gêneros os mais diversos. no recife, o tatuado em maior evidência hoje é o cantor João do morro, revelação nacional, sucesso nas periferias e no bairros nobres, que exibe uma grande tatuagem no lado direito do corpo. o desenho, de estilo tribal, começa no pescoço e percorre todo o seu braço. na música clássica, apesar do formalismo visual do meio erudito, chamam a atenção as três tatuagens da violinista carioca antonella pareschi, solista da orquestra do teatro municipal do rio de Janeiro. entre os herdeiros do manguebeat, são visíveis as intervenções visuais na pele de otto, Zé cafofinho e pupilo, baterista da nação Zumbi, que tem um retrato de chico science eternizado no ombro. o cantor Grilowsky foi mais conceitual e escreveu no braço uma palavra em linguagem braile. na mpb, chico buarque (“Quero ficar no teu corpo/ feito tatuagem”), caetano veloso (“menino do rio/ Dragão tatuado no braço”) e nelson cavaquinho (“o meu único fracasso/ está na tatuagem do meu braço”) também ajudaram a divulgar a arte. (Jc)
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Os games podem ser considerados obras de arte?
As cifras desse setor já superam as do mercado da música e do cinema. Os três nichos, aliados à internet, marcam a era da convergência: astros do rock compõem trilha sonoras de games, que, por sua vez, rendem franquias cinematográficas. Jogos são entretenimento. Acontece que essa diversão, mais recentemente, tem sido levada a sério, tanto pelos criadores quanto pelos usuários – o que nos leva a questionar se essa é uma nova forma de arte
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Rui Belfort
Duas grandes discussões “fi-
losóficas” permeiam o mundo dos games: videogames podem ser considerados esportes? Seriam os jogos uma forma de arte? Para as duas perguntas, existem duas frentes de respostas distintas. A que defende a conceituação dos games como esporte e a que defende os games Professor da PUCcomo forma de arte. ConcentremoSP e editor do blog GameReporter nos, então, em explorar o que poderia tornar um videogame uma forma de arte. O cinema é tido como a sétima arte. Ora, por que não considerar, então, que videogames também podem ser obras de arte? Hoje, os games estão cada vez mais próximos das produções cinematográficas, e não apenas no que diz respeito aos custos de orçamento. Também em suas concepções visuais, narrativas e emocionais. A diferença principal dos games para o cinema, hoje, não está na narrativa e em sua construção, aspectos em que os dois setores praticamente convergem. A diferença é que, ao contrário do cinema, o videogame dá ao jogador a capacidade de explorar diferentes desfechos. É o poder da interatividade presente nos games, coisa que hoje em dia ainda não existe no cinema. Mesmo que haja os chamados “filmes enlatados”, criados apenas para alavancar os estúdios com seus enormes números de bilheteria, existem filmes feitos com o propósito de encantar, como uma verdadeira obra de arte. O mesmo acontece com os games, tanto no setor comercial, com criações vendidas a preços de jogos comerciais, quanto no mercado independente, onde artistas e game designers, normalmente estudantes, exploram as possibilidades narrativas, transformando poemas, músicas e belas narrativas em jogos. O videogame é uma mídia recente. Popularizouse há menos de quatro décadas. Muito está sendo explorado e inovações estão por vir. É inevitável que novas formas e diversos padrões estéticos dentro dos games sejam explorados num futuro próximo. Todavia, mesmo agora, se formos encarar a definição de arte como o meio encontrado pelo homem de se expressar, mostrando sua história e cultura de forma harmonizada e seguindo valores estéticos, não há motivos capazes de invalidar o game como forma de arte.
A diferença principal dos games para o cinema não está na narrativa nem em sua construção, aspectos em que convergem
FLORA PIMENTEL
DIVULGAÇÃO
David de Oliveira Lemes
Utilizando o conhecimento comum, qualquer obra, artística ou não, pode ser avaliada com base em três perspectivas: as intenções do criador; o formalismo material e as interpretações do usuário. Essa tríade é extremamente relevante, quando se trata da questão desta Peleja. Isso posto, fazemse necessários alguns esclarecimentos. Diretor de Arte existe no que é criado com intenoperações da Jynx Playware e jornalista ção de expressar pontos de vista sobre questões do mundo, elevando a vanguarda. Em quadros da série Inimigos, por exemplo, o artista plástico Gil Vicente se autorretrata assassinando políticos como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o que expõe algumas de suas convicções políticas. Também são consideradas obras de arte as que desafiam o formalismo material, subpujando questões utilitárias; há arte naquilo que revoluciona, em forma, o contexto no qual está inserido. Por esse motivo, Oscar Niemeyer é considerado um arquiteto-artista. Não menos importante é o resultado do encontro entre obra artística e contemplador. O contato com a arte provoca, necessariamente, emoções sublimes. É improvável que alguém, ao deparar-se com as belas imagens do fotógrafoartista Sebastião Salgado, sobre povos desfavorecidos, não acabe tomado por um estado de extrema inquietação. Munindo-se desses argumentos, chega-se à Peleja. Jogos carregam, ou não, arte? A resposta é sim e não. Depende do jogo; das intenções que c o n du zi ra m sua criação, do impacto gerado no contexto em que está inserido e das emoções provocadas no usuário. Mas um olhar generalista permite entender que a esmagadora maioria dos jogos disponíveis não possui valor de arte. No estágio atual de desenvolvimento da indústria, que, segundo a PricewaterhouseCooper (PwC), irá faturar US$ 86,8 bilhões ao ano, até 2014, objetiva-se primordialmente criar produtos rentáveis (direta ou indiretamente), na maior parte dos casos, análogos a similares, com o intuito de promover experiências essencialmente divertidas. Essa é a arte do jogo. Isso não significa que não há jogos em estado de arte. Esses são minoria absoluta, mas existem. Imagine jogos cujo intuito seria desconstruir um paradigma cultural, ou cuja forma desafiasse os padrões amplamente difundidos na indústria ou, ainda, que provocasse emoções completamente inesperadas nos usuários. Esse seria o jogo da arte.
A arte existe no que é criado com intenção de expressar pontos de vista sobre questões do mundo
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MEMÓRIA A partitura moderna de Acacio Gil Borsoi Em 60 anos de atividade profissional, arquiteto carioca, falecido há um ano, criou projetos emblemáticos do acervo nacional, tanto público quanto privado texto Patrícia Amorim
“Seu pai, sim, era arquiteto”,
costumava dizer Tom Jobim a Roberta Borsoi, nas reuniões de família. “Enquanto eu andava com livros e revistas de música debaixo do braço, ele só queria saber dos de arquitetura”, recordava o maestro. Naquela época, 1945, os jovens Acacio Gil Borsoi e Antonio Carlos Jobim cursavam o primeiro ano da Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro e muitas vezes pegavam juntos o bonde que ia da Tijuca para o Centro, onde funcionava a Escola de Belas Artes. Daqueles dois estudantes – unidos por laços familiares, muitos anos depois, com o casamento de Eliane, sobrinhaneta de Borsoi, e Paulo, filho de Jobim –, um assentou a vida na música e o outro cravou o nome entre os formandos da turma de 1949. Aí Borsoi inaugura uma das mais emblemáticas carreiras da arquitetura brasileira, traçada nas pranchetas de seus escritórios no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, ao longo de 60 anos. Mas para que não restem dúvidas de que em Borsoi também havia música, basta lembrar de sua trajetória de criação, movida a Brahms e Mozart, de preferência com o volume nas alturas. Oriundos de um pequeno vilarejo em Alpago, região do Vêneto, nordeste da Itália, onde viviam do comércio de cavalos, os Borsoi chegam ao Brasil em
Sua obra rejeitava o formalismo e focava na adaptação do edifício aos materiais tradicionais e ao seu entorno março de 1880. Integrando a família, o jovem casal Francesco Borsoi, 23 anos, e Bonna Dinardi, 18 anos, desembarca do vapor Biltmore com o filho Antônio Borsoi ainda bebê. A criança é registrada em São Paulo e lá se instalam em busca de sua história de bem-aventurança na América, assim como tantos outros grupos de imigrantes italianos. No Liceu de Artes e Ofícios, prédio onde hoje funciona a Pinacoteca do Estado de São Paulo, Antônio formou-se artista e artesão. Logo depois, casou-se com a carioca Inayá Pinheiro, filha de um farmacêutico do interior do Estado do Rio. Muda-se para a então capital federal e lá nascem os quatro filhos do casal. “Papai era o temporão, nascido em 2 de outubro de 1924”, conta o arquiteto Marco Antonio Gil Borsoi. “Era 15 anos mais novo que tia Bela”, diz, referindo-se ao apelido carinhoso da tia Guaraciaba. Antes deles dois, já tinham vindo Semiramis e Gérson.
Inayá faleceu com pouco mais de 40 anos, quando Acacio ainda era adolescente, abalada com a perda da filha Semiramis, em decorrência de eclâmpsia. A partir daí, Bela, funcionária pública do Ministério da Educação, assume o papel de mãe, pagando inclusive os estudos do irmão mais novo no Colégio Marista. Mestre-artesão genial, o pai Antônio Borsoi concebia e executava projetos de decoração e mobiliário, criando interiores de estabelecimentos como a Confeitaria Colombo, hoje patrimônio cultural e artístico, o Cinema Iris, a Biblioteca Nacional e o Palácio da Guanabara, entre outros espaços. Em 1o de abril de 1943, aos 19 anos incompletos, Acacio Gil Borsoi matricula-se na escola de aeronáutica do Curso Freycinet. Naquele período, a 2a Guerra Mundial revirava profundamente a Europa, o incentivo ao alistamento militar era constante e as notícias do confronto alimentavam, nos mais jovens, sonhos de façanhas heroicas. No decorrer da avaliação, contudo, na etapa de exames físicos, Borsoi foi reprovado. “O pai de um amigo dele, que estudaria aviação nos Estados Unidos, chegou a se oferecer para lhe pagar um curso também, mas vovô não assinou os papéis autorizando a viagem”, conta Roberta. Seis anos mais tarde, arrebatado pela arquitetura, ao invés do avião, a
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prancheta, um Citroen, dois sócios – Almir Gadelha e Arthur Coelho –, e um pequeno escritório para começar.
eSPÍRito BAUHAUS
“Borsoi, o que você vai fazer em Pernambuco?”, cutucou o colega Oscar Niemeyer. Indicado pelo ex-professor Lucas Mayerhofer para assumir a disciplina Pequenas Composições de Arquitetura, na Escola de Belas Artes do Recife, Borsoi consultou familiares e amigos antes de aceitar o convite. Todos foram contra. Mas, entusiasmado com a possibilidade de dinamizar o ensino e colaborar com a construção do país na era pós-Vargas, decidiu arriscar-se. “Vim com o espírito de formar um curso de arquitetura nos moldes da Bauhaus, no qual a integração das artes plásticas no saber fazer nos parecia importante”, relatou Borsoi, em 2006, no catálogo de sua exposição individual Arquitetura como manifesto. Naquele ano de 1951, ainda no Rio de Janeiro, Borsoi já havia trabalhado com Alcides da Rocha Miranda, Affonso Reidy e Rodrigo de Melo Franco e forjava-se no exemplo de postura
Borsoi abriu o próprio escritório no Recife, contando com colaboradores como Lula cardoso Ayres e Burle Marx profissional de Lucio Costa e Joaquim Cardozo. Além disso, estava noivo de Yvonne de Azevedo Bastos, estudante de licenciatura em Artes Plásticas, juntos desde os tempos da Escola de Belas Artes. Ao chegar ao Recife, dedica-se à carreira docente, tornando-se, em 1959, titular da cadeira Grandes Composições de Arquitetura, transferindo ao amigo e assistente Delfim Amorim a matéria de Pequenas Composições. Permaneceria na instituição até 1979, agora convertida em Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, quando pediu demissão irrevogável em protesto à intervenção militar na escola. Conjugando o ensino à atividade profissional, Borsoi influenciou várias gerações de arquitetos nordestinos, como Armando de Holanda, Vital
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1 SAnto AntÔnio A fachada poente do edifício é o grande destaque, devido à membrana de elementos de proteção solar 2 cAJUeiRo Seco O projeto de habitações populares teve repercussão nacional, em 1963 3 HoSPitAL Projetado em 1951, foi um dos primeiros trabalhos realizados por Borsoi no Recife 2
Pessoa de Melo, Vera Pires e Arthur Lício Pontual, construindo uma obra que rejeitava o formalismo e concentrava-se na adaptação do edifício aos materiais tradicionais e ao seu entorno. À safra inaugural de projetos arquitetônicos de Borsoi no Nordeste pertencem o Edifício Califórnia (1951), um dos primeiros arranha-céus da Avenida Boa Viagem, o Pronto Socorro do Recife (1951), hoje Hospital da Restauração, o Edifício Caetés (1955), além de uma série de casas no Recife, em João Pessoa, Maceió, Natal e Fortaleza. Nos anos 1960,
destacam-se o Edifício Santo Antônio (1963) e o prédio do Bandepe (1969), intervalados pelo projeto singular da comunidade de Cajueiro Seco (1963), em Jaboatão dos Guararapes. De repercussão nacional, o sistema construtivo de Cajueiro Seco, promovido pelo Serviço Social Contra o Mocambo, foi apresentado por Borsoi no Congresso da União Internacional dos Arquitetos, em Cuba, em 1963. Com o golpe militar, no ano seguinte, entretanto, o plano-piloto foi destruído pelo governo ditatorial – e Borsoi, preso por uma semana, na Casa
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4 no PAPeL O projeto do Museu de Arte Moderna do Recife, realizado em 1955, não foi levado adiante
de Detenção do Recife, hoje Casa da Cultura de Pernambuco. Casada com Borsoi desde 1952 e com dois filhos pequenos – Ângela e Marco Antônio –, Yvonne procurava manter o clima tranquilo entre as crianças frente à situação e visitava o marido preso, levando-lhe refeições todos os dias. Então diretor técnico do Serviço Social Contra o Mocambo, presidido pelo ex-aluno e compadre Gildo Guerra, no governo de Miguel Arraes, Borsoi não se filiou a nenhum partido político.
JoiA ARQUitetÔnicA
Buscando atender a um mercado imobiliário cada vez mais carente de projetos arquitetônicos para edifícios comerciais, residenciais e administrativos, Borsoi abriu o próprio escritório no Recife, contando com colaboradores como Lula Cardoso Ayres, Burle Marx e Joaquim Cardozo. Além desses, teve, ao seu lado a parceira para toda a
vida, a arquiteta pernambucana e designer de interiores Janete Costa, com quem se casou em 1968. Reservados, Borsoi e Janete não costumavam falar frequentemente sobre assuntos mais íntimos, mesmo em família. O início da história dos dois, entretanto, foi bastante difícil, visto que ambos eram casados quando se apaixonaram. Janete, que havia sido aluna de Borsoi no início da Faculdade de Arquitetura no Recife, morava no Rio de Janeiro, onde terminou o curso, e era mãe de Lúcia, Cláudia e Mário Santos. Borsoi, além de Ângela e Marco Antônio, também já era pai dos gêmeos Mônica e Eduardo. “Naquela época, foi muito complicado para eles romperem com tudo para ficarem juntos. Separação era uma coisa absurda. Meus pais acabaram sofrendo preconceito da sociedade e dentro de casa também. Mas tudo passa e, com o tempo, toda a família se reaproximou”, conta Roberta, nascida no início dos anos 1970 e também arquiteta. “Era um casamento de paixão e de arquitetura”, afirma Carlos Augusto Lira, que integrou a equipe do escritório do
Ao senso de estética e volumetria perfeita de Borsoi se somava a funcionalidade de Janete costa casal como estagiário e lá permaneceu até se tornar diretor. “Se Borsoi acertava na estética e na volumetria perfeita, Janete vinha e contribuía para a funcionalidade”, exemplifica, referindo-se à admiração mútua e à contribuição constante e enriquecedora de um à produção do outro. “Lembro que um dos projetos que Borsoi mais curtiu fazer foi a casa deles no Rio, em 1987, já que os dois tinham uma relação muito forte com a cidade”, observa. O gosto por receber os amigos em casa, tanto no casarão que reformaram na Rua do Amparo, em Olinda, como na residência do Rio, e o prazer em viajar – ainda jovens, conheceram a China, a Índia e o Japão – eram para Borsoi e Janete a melhor forma de relaxar.
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Em 1987, Borsoi e sua esposa, Janete Costa, projetaram para eles uma casa no Rio de Janeiro
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MiRAGe
Toda a fachada do edifício se abre para captar a ventilação por meio de janelas e varandas
Outra bela empreitada em comum, além da grande família que construíram, com vários dos filhos compartilhando com eles o encanto pela arquitetura, foi a exposição Uma vida – Janete Costa e Acacio Gil Borsoi. Apresentada em 2007, no Museu do Estado de Pernambuco, a coleção consistia numa seleção de peças e objetos representativos da história e da vida do casal, reunidos ao longo de 40 anos juntos. Criador incansável, Borsoi nunca se afastou de seu ofício. “Era comum ele ainda estar na prancheta às três horas da manhã”, comenta Roberta. E um dos principais reconhecimentos ao conjunto incontornável de sua obra acontece em 2005, ao receber o Colar de Ouro, mais importante homenagem concedida pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil. Por outro lado, foi também no trabalho que Borsoi encontrou alento, aos 84 anos e com a saúde debilitada, diante da morte da esposa, em novembro
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de 2008, em função de um câncer de estômago. Para ele, a ausência de Janete era insuportável e, um ano depois, em 4 de novembro de 2009, Borsoi falece, em São Paulo, em virtude do câncer que também enfrentava. Sensível, de personalidade inquieta e sempre conectado ao hodierno, Borsoi alinhava-se entre os que
perseguiam a transformação, o desafio a cumprir. Afinal, como gostava de reconhecer, essa é a natureza dos imigrantes, dos inconformados que partem para um novo mundo. E assim foi Borsoi, até o último instante. Sem negociar, seja na arquitetura ou na vida, o seu bocado de encantamento, de frio na espinha.
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Artigo
fERnAndo dInIz MoREIRA ARquItEtuRA coMpRoMIssAdA coM o contExto o estabelecimento de Acacio Gil
Borsoi no Recife, na década de 1950, marcou indelevelmente a arquitetura local, tanto pela formação de novos arquitetos por sua atividade docente na Escola de Belas Artes de Pernambuco como pelas soluções projetuais que se tornaram paradigmas arquitetônicos na Região. Sua obra sempre se desenvolveu procurando adaptar ideais universais da arquitetura moderna a uma realidade regional, com suas particularidades culturais, climáticas e construtivas. Esse compromisso com o contexto pode ser medido pelo seu esforço em projetar levando em consideração três tipos de preocupações: a inserção de seus edifícios na malha da cidade, a adaptação deles ao clima local, e a intermediação entre materiais e técnicas construtivas modernas e tradicionais. Esses três aspectos podem ser vistos em maior ou menor grau em todos seus edifícios, mas aqui gostaria de explicitá-los em dois, hoje um tanto esquecidos na cidade. O edifício Santo Antônio (1960) nasceu de uma necessidade dos frades franciscanos de um empreendimento que gerasse rendimentos para a Ordem. O projeto consistiu num edifício de lojas e salas comerciais dispostas em dois blocos perpendiculares nos fundos do convento de Santo Antônio, que fazia face à recém-aberta Avenida Dantas Barreto. O edifício foi uma resposta às condições urbanas. Ele dialoga com a modernidade da Avenida Guararapes por meio de suas linhas e galerias, com o convento por meio de um bloco com telhado tradicional e com vizinho Fórum ao respeitar sua escala e ao valorizá-lo com a textura neutra de sua frente. A fachada é, sem dúvida, o grande protagonista dessa peça. Para quebrar a luz do poente, Borsoi dispôs uma membrana de proteção solar, uma combinação de um elemento de cimento armado desenvolvida exclusivamente
para essa obra. A textura desfaz distinções entre claro/escuro, cheio/ vazio, fechado/aberto e termina por desmaterializar, mas, ao mesmo tempo, dar profundidade à fachada. Considerando a superfície como uma grande janela, Borsoi propôs uma forma inovadora de pensá-la. Ela protege contra o poente, filtra a luz, capta e dissipa o ar; enfim, faz com que o edifício respire. Esse exemplar demostra ainda o esforço de Borsoi de colocar em prática a racionalização da construção em um contexto de precariedade técnica, ou seja, como intermediar o industrial e o artesanal na construção. Investigando e experimentando, ele criou esses elementos da fachada,
Sua obra sempre se desenvolveu procurando adaptar ideais universais da arquitetura moderna à realidade regional que eram executados na obra pelos próprios operários (seus croquis eram desenhados para serem entendidos pelos trabalhadores mais humildes). Essa industrialização feijão com arroz, como ele próprio nomeou, era capaz de transformar obstáculos em oportunidades.
MULtiFAMiLiAR
O edifício Mirage (1967), em Boa Viagem, foi fruto de um momento de transformação do Recife, quando residências unifamiliares começaram a ser substituídas por edifícios de apartamentos e populações começaram a se deslocar para os subúrbios, particularmente, para o litoral sul, que passou a ser uma área privilegiada para moradia. Borsoi teve uma participação fundamental na definição do edifício residencial multifamiliar no Recife. Ele procurou responder a uma questão central: como reinterpretar formas culturais do morar ligadas ao rés do chão em um edifício alto. Essa obra inaugurou uma série de edifícios verticais, nos quais Borsoi e vários arquitetos locais lançaram mão de
uma série de elementos que marcaram a arquitetura recifense: a divisão do bloco em base, corpo e coroamento; os jogos dinâmicos de planos e volumes, tirando partido das varandas e armários sacando do volume; o uso comedido da cor, como resultado dos diferentes materiais; o uso de cerâmicas e azulejos; o emprego de artifícios de adaptação climática, como o peitoril ventilado, cobogós e elementos vazados; e a preocupação com arremates e detalhes construtivos. Ao procurar uma relação com o contexto urbano imediato, a planta do Mirage quebra a ortogonalidade tão comum nos edifícios altos. Como o edifício não dispunha de vista frontal do mar, Borsoi lançou mão do escalonamento dos quartos, chanfros, reentrâncias e saliências para que todos os cômodos olhassem para o mar. Toda a fachada se abre para captar a ventilação por meio de janelas e varandas. Mesmo na face voltada para o lote vizinho, Borsoi cria janelas tipo seteiras, que sacam do volume principal, preservando a privacidade e permitindo a captação da ventilação. Suaves escadarias e plataformas configuravam uma transição leve a amigável entre lobby e rua, depois rompida pela introdução de uma guarita. Esse é um dos bons exemplos da busca de Borsoi por uma arquitetura mais expressiva a partir de exposição direta de materiais e elementos tectônicos. Segundo Borsoi, a forma final do edifício não deveria esconder o processo construtivo, pelo contrário, deveria expor a estrutura, as junções, a articulação dos materiais. A clara exposição das partes, a honestidade construtiva, a utilização dos materiais brutos, a evidenciação do processo construtivo está na raiz da boa arquitetura. Nesse edifício, observa-se um expressivo contraste entre o tijolo das alvenarias e concreto aparente das estruturas. Esses dois edifícios resumem a real tarefa do arquiteto, segundo Borsoi: “É um esforço para viabilizar uma arquitetura de qualidade, baseada na resolução de problemas construtivos, tecnológicos e de adequação ambiental, procurando transformar a crônica carência de recursos materiais em fator de estímulo às soluções apropriadas e respostas criativas”. .
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bonito maravilha aquática Rios, cachoeiras e fontes são os maiores atrativos do lugar, que também conta com casario eclético e movimento artístico TEXTO Danielle Romani FOTOS Kleber de Burgos
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As lendas correm soltas pela
cidade. A mais comum, contada com bom humor pelos moradores, diz que quem bebe a água das cachoeiras, fontes ou riachos de Bonito está enfeitiçado e jamais abandona o município. O técnico ambiental Aronilson Leal Paz, recifense, 57 anos, garante ser uma das vítimas do “encantamento”. Há 26 anos, visitou a localidade, distante 134 km do Recife, onde passaria apenas alguns dias. Mas gostou tanto do que viu, que acabou ali se instalando. “Não sei se a água, não sei se o clima. Mas as belezas naturais bonitenses me fisgaram, e em hipótese alguma penso em sair daqui”, afirma o ambientalista. Lendas à parte, é fácil se sentir atraído pelo local, situado no Agreste, na microrregião do Brejo Pernambucano. Como atesta o nome, beleza não falta à região, cujas cachoeiras foram eleitas como uma das sete maravilhas de Pernambuco, em 2007, a partir de um concurso promovido pelo Sistema Jornal do Commercio. A pequena cidade de cerca de 40 mil habitantes conquista os visitantes
Bonito é um vale cercado pelo Maciço da Borborema, cadeia montanhosa que vai do Rio Grande do norte até Alagoas por sua quietude interiorana, pelo seu casario bem-conservado, com exemplares do estilo arquitetônico eclético, por ter uma história de episódios marcantes, e contar com manifestações artísticas, sejam tradicionais ou contemporâneas. Mas o que atrai as pessoas para Bonito é, sobretudo, seu patrimônio ambiental: montes, matas, rios, cachoeiras e fontes. São belezas naturais procuradas seja por quem deseja um dia festivo à beira das quedas d’água, o que acontece aos sábados, domingos e feriados; por quem aprecia práticas ecoesportivas radicais, em especial; ou pelos que buscam apenas um pouco de contemplação, natureza e paz.
VALe De ÁGUAS
Bonito é um vale cercado pelo Maciço da Borborema, cadeia montanhosa que vai do Rio Grande do Norte até Alagoas. “A região é um dos remanescentes mais expressivos da Mata Atlântica no estado. Trata-se de um brejo de altitude, um pedaço da mata no meio da caatinga”, explica Aloysio Gonçalves da Costa Junior, diretor do Departamento Ambiental da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Além de habitat de diversas espécies vegetais e animais, a região é riquíssima em termos hídricos, cortada por quatro afluentes, e banhada pelas bacias do rio Una e Sirinhaém. Nas matas da região, 320 nascentes já foram mapeadas. “É um dos maiores mananciais hídricos de Pernambuco”, afirma Aloysio. O lugar, entretanto, vive constantemente ameaçado pela ocupação humana. E os sinais de deterioração são preocupantes, na opinião de Kleber de Burgos, jornalista e organizador do livro Bonito Pernambuco – História e Ecologia, lançado
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A região é cortada por quatro afluentes; em suas matas já foram identificadas 320 nascentes
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Bonito começou a se formar no final do século 18, em terras que pertenceram ao Quilombo dos Palmares
neste mês pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Durante os anos de 2007 e 2008, o jornalista especializado em meio ambiente percorreu as matas bonitenses para documentar espécies da fauna e flora locais. Ao retornar ao local no último mês de outubro, constatou que matas – nas áreas particulares – vêm sendo substituídas por plantações de subsistência. “Infelizmente, a equação para resolver esse problema é muito difícil, pois as famílias que residem no local necessitam de meios para sustentarse. Sem uma melhor orientação e sem alternativas para sobrevivência, a cada dia vão desmatar mais”, afirma Kleber. Técnico ambiental e gestor nacional em meio ambiente, lotado atualmente na Prefeitura de Bonito, Aronilson Leal Paz admite que as matas bonitenses apresentam sinais de devastação. “Nas quase três décadas em que estou aqui, deixei de ver vários animais que eram observados nos anos 1980, como o loboguará, a ariranha e a preguiça”, aponta. Mas observa que um trabalho efetivo vem sendo realizado pelo município.
A estrutura turística ainda é modesta na gastronomia, mas lá existem algumas boas opções de hospedagem “Nos dois últimos anos, várias ações estão sendo desenvolvidas na tentativa de recuperar o que foi destruído. Trouxemos de volta a Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipoma) para dentro das matas, isso tem coibido novas infrações”, diz o ambientalista, lembrando que dados do IBGE mostram que as matas bonitenses – somando as áreas públicas e privadas –, contavam com 620 hectares no ano 2000. A solução encontrada pelas autoridades locais para conter a devastação e deflagrar o desenvolvimento sustentável está sendo apostar no ecoturismo e na legalização do patrimônio ambiental.
“Regularizamos todas as áreas públicas de mata. Estamos implantando o Parque Natural Municipal Mata do Mucuri-Hymalaia, que fica a 780 metros de altura acima do mar, e tem cerca de 105 hectares de florestas disponíveis à prática de ecoturismo e recreação”, explica Adriana Pautila, diretora de Educação Ambiental da Prefeitura de Bonito. Paralelamente, diz ela, duas reservas biológicas estão sendo legalizadas, nas Matas da Chuva (174 hectares) e de Guaretama (51,30 hectares), onde a presença de visitantes é proibida e cujo acesso será permitido apenas a pesquisadores e cientistas autorizados. O trabalho de organização e preservação das matas inclui sinalização, com placas educativas e de alerta para visitantes; treinamento de guias; e implantação de equipamentos de segurança para os turistas.
SeGUinDo AS tRiLhAS
A estrutura turística de Bonito ainda é modesta, principalmente no que diz respeito aos serviços gastronômicos. Mas existem algumas boas opções de hospedagem na cidade, a exemplo do Bonito Plaza Hotel. Na área rural, além do camping do Mágico, vários hotéis oferecem pousada e estrutura para ecoturismo, entre eles o Bonito Eco Parque e o Engenho da Pedra do Rodeadouro. No Parque Municipal, turistas poderão fazer caminhadas por várias trilhas. Mas os que desejam banharse nas cachoeiras deverão procurar as matas particulares. Todas as oito quedas d’água responsáveis pelo grande movimento de visitantes nos finais de semana estão em propriedades privadas – ou em áreas pertencentes a associações – o que significa, na maioria dos casos, ter que desembolsar uma pequena taxa para banhos.
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Atualmente, tornou-se bem mais fácil chegar até as cachoeiras, que se encontram próximas à recémpavimentada PE-103, estrada que corta os oito quilômetros de serra e que é conhecida como Estrada das Cachoeiras. A mais famosa e procurada é a Véu de Noiva 1, a maior de todas, com mais de 40 m de altura. Localizada a 24 km do centro, oferece trilhas leves e estrutura para prática de rapel. A cachoeira conhecida como Barra Azul, distante 21 km da cidade, também é indicada para os que gostam de passeios radicais; seus 15 m de quedas d’água permitem a formação de piscinas naturais. Pequena e ideal para banhos com crianças, a Paraíso, a 18 km da área urbana, é a opção mais acertada para quem deseja calma e segurança. A maioria das cachoeiras de Bonito possui estrutura de lanchonete e bar.
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Marco zero da cidade, tem como padroeira Nossa Senhora da Conceição Heron Martins trabalha aliando a tradição popular das xilogravuras a elementos visuais contemporâneos As matas bonitenses apresentam sinais de devastação e vêm sendo substituídas por plantações de subsistência
Próximas Páginas 6 PeDRA Do RoDeADoURo
Localizada a nove quilômetros da zona urbana, será transformada em Monumento Natural de Bonito
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Os visitantes não devem se aventurar sozinhos pelas matas. Em todos os casos, afirmam as autoridades locais, é recomendável procurar a ajuda de um guia ou trilheiro. Indicações sobre profissionais podem ser repassadas pelos hotéis ou pela prefeitura municipal.
ReVoLtAS e tRADiÇÕeS
Bonito começou a se formar no final do século 18, entre os anos de 1783 e 1786, em terras que pertenceram, no passado, ao Quilombo dos Palmares. Doutor em História e autor de livros sobre o município, Flávio José Gomes Cabral conta que o povoado foi fundado por caçadores originários da região do rio Ipojuca, que, certo dia, ao se depararem com um riacho de água cristalina emoldurado pela serra e pela bela vegetação, teriam dado o nome de Bonito ao local.
O marco zero da cidade é a Igreja da Matriz, cuja pedra fundamental foi fixada em 1816, tendo sido finalizada em 1853 e reconstruída em 1912. Sua padroeira é Nossa Senhora da Conceição. Os que visitarem a igreja poderão observar uma imagem barroca da santa, doada em 1828 por uma tradicional família portuguesa, na tentativa de livrar a cidade da cólera que assolou o Brasil à época. Sua autonomia política, entretanto, deu-se apenas em 20 de maio de 1833. Entre 1832 e 1836, o município seria palco da maior revolta popular da história do período regencial, quando negros, índios, homens e mulheres pobres lutaram por seus direitos na famosa Guerra dos Cabanos. Em 1848, a região do Verde, um dos sítios locais, abrigou Pedro Ivo, líder da Revolução Praieira. “As tropas imperiais invadiram as matas durante meses à sua procura”, conta Flávio Cabral.
cASARio
Bem-preservado, reúne cerca de meia centena de exemplares típicos da arquitetura eclética do início do século 20
Outro episódio marcante, já no final do século 19, deu-se com o descontentamento da comunidade diante da Lei de Pesos e Medidas. Na ocasião, em 1874, a população atacou a feira, destruiu os novos pesos, dando origem a uma das últimas rebeliões sociais da época imperial: a Revolta dos Quebra-Quilos. Palco de tais enfrentamentos de cunho social, Bonito torna-se um local onde se evidencia o sentimento de pertencimento. “Temos um passado cheio de lutas em busca de uma sociedade mais justa. Hoje vivemos em total harmonia, mas somos muito apegados às tradições”, explica Niedja Nascimento, diretora de Cultura da prefeitura municipal. A maior festa da cidade é a de São Sebastião, com ápice no dia 20 de janeiro, e que acontece em volta da igreja dedicada ao santo, edificada em 1840. “É a maior festa de Bonito,
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marco do sebastianismo no nordeste Localizada a nove quilômetros da zona urbana, a Pedra do Rodeadouro, ou Rodeador – como é conhecida pela população – será transformada em Monumento Natural de Bonito, por iniciativa das autoridades municipais, apesar de estar localizada numa área particular. A preocupação em preservar o local, que faz parte da fazenda São José, e que tem 300 m de altura, pauta-se, principalmente, no fato de ter sido cenário de um importante episódio histórico nacional. Foi no seu entorno, entre os anos de 1811 e 1820, que se instalou a primeira – e a maior – comunidade sebastianista da história brasileira, comandada pelo desertor das milícias Silvestre José dos Santos, que chegou a Bonito fugindo de Alagoas. Autor do livro Paraíso terreal: a rebelião sebastianista na Serra do Rodeador, publicado em 2004, o historiador Flávio José Gomes Cabral diz que o episódio, desconhecido da maioria dos pernambucanos, tem características messiânicas, como Canudos, e que mesclou ritos de um catolicismo popular
à espera de um rei redentor, Dom Sebastião, morto há séculos na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Segundo registros históricos, Silvestre chegou à região entre os anos de 1811 e 1812, na companhia do cunhado Manoel Gomes das Virgens, também desertor. Juntos, fundaram o arraial designado de Reino ou Cidade do Paraíso Terreal. O acampamento contava com cerca de 150 casebres, construídos e cobertos de palha. A comunidade acreditava que Dom Sebastião retornaria, e que na sua volta os pobres enriqueceriam e os líderes da comunidade se transformariam em príncipes, saindo dali para conquistar o mundo e corrigir as desigualdades. O local mais representativo do movimento era exatamente a pedra, que abriga furnas (espécies de cavernas) e onde, segundo a comunidade local, ouviam-se vozes humanas, manejos de armas e instrumentos tocando. O local era conhecido como Lugar do Encanto. Dali, explica Flávio, se acreditava que Dom Sebastião sairia comandando um fabuloso exército para defendê-los do mal. Mas, ainda ressabiadas pelo movimento rebelde de 1817, as autoridades
governamentais começaram a desconfiar de que na Cidade do Paraíso Terreal se maquinava uma nova revolução contra a Coroa. Na madrugada do dia 26 de outubro de 1820, a comunidade começou a ser atacada pelas tropas imperiais. Composto por mulheres e crianças, armadas de facas, pistolas, espadas, bacamartes e espingardas, o grupo defendeu seu território, enfrentando os soldados da Coroa. De acordo com relatos apurados por Flávio Cabral, a população feminina era maior que a masculina, e as mulheres do Rodeador chegaram a ter cargos importantes na comunidade. Na madrugada do ataque das tropas, houve um massacre, que não poupou mulheres, crianças nem velhos. “Logo que o dia amanheceu, a grande quantidade de feridos e mortos foi amontoada e incendiada, formando uma imensa fogueira”, diz Flávio. Tais imagens inspirariam o Príncipe Dom Pedro I, futuro Imperador do Brasil, ao enfatizá-las em um manifesto de 1º de agosto de 1822, dirigido à Nação, quando se expressou: “Recordai-vos, pernambucanos, das fogueiras de Bonito”.
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atrai milhares de pessoas de outras cidades, e começa com a procissão da bandeira, que percorre as ruas e depois é hasteada. As comemorações costumam durar uma semana”, explica Niedja. Tradição sertaneja do ciclo folclórico da Guerra do Paraguai, o folguedo dos bacamarteiros também é característico de Bonito. Com dois regimentos atuando na cidade, o 15 e o 25, a festa acontece sempre em 29 de junho, dia de São Pedro. “O nosso regimento, o 15, começou a se reunir há 103 anos, na Grota do Chico. Temos um batalhão com 50 homens, 15 mulheres e cinco crianças. Fazemos coreografia, e repassamos a tradição de pai para filho. Temos autorização do exército para o exercício. Ser bacamarteiro é amor pela tradição”, explica Rubem Alves da Silva, presidente da Associação dos Bacarmateiros da Cidade de Bonito.
DiÁLoGo conteMPoRÂneo Além das tradições, chama a atenção do visitante a profusão de grafites que ocupam fachadas
entre 1832 e 1836, o município foi palco da maior revolta popular da história do período regencial, a famosa Guerra dos cabanos inteiras de casas e os latões de lixo bonitenses, seja na área urbana ou na rural. Os autores, Marcelo Júlio, 30 anos, e Heron Martins de Melo, 42, dois artistas plásticos locais, ainda não tiveram uma exposição de suas obras em galeria, mas aonde chegam, a exemplo da última edição da Fenearte, seus trabalhos causam boa impressão, ao aliar a tradição popular das xilogravuras a elementos visuais contemporâneos. A qualidade do trabalho dos artistas locais motivou Raul Córdula a organizar uma oficina de pintura na cidade, programada para começar em dezembro e se estender até março de 2011. “Heron e Marcelo, assim como outros artistas de
Bonito, mostram muito talento. Se tiverem as oportunidades que têm os artistas urbanos, certamente, despontarão”, acredita. A montagem da oficina tem como ideia original estimular os artistas locais a passarem uma semana pintando temas sobre a cidade. “Eles serão monitorados por profissionais experientes de Pernambuco e da Paraíba, como Maurício Arraes, Plínio Palhano, Marcelo Peregrino, Manoel Claúdio, Álvaro Caldas e Antônio Mendes, entre outros”, explica Córdula, que também participará das atividades. O casario bonitense, bempreservado, também merece destaque e agrega interesse pelo turismo local. Apesar de não existirem ainda estudos a esse respeito, trata-se de um acervo que reúne cerca de meia centena de exemplares típicos da arquitetura eclética do início do século 20, bem ao estilo do que se pode observar nas ruas da sertaneja Triunfo. “Estamos catalogando e classificando o acervo para tentar preservá-lo”, explica o pesquisador Marco André, que vem realizando levantamento da arquitetura local.
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conflito A República é filha de olinda
Há 300 anos, os “nobres” pernambucanos proclamaram a independência de Portugal e propuseram o sistema de governo inédito nas Américas, dando início à Guerra dos Mascates texto Paulo Santos de Oliveira
orgulho, vaidade, sobranceria, sim. Principalmente, isso. Publicamente, isso. Mas, também, a comezinha sobrevivência, as contas a pagar, os saldos devedores a cada dia maiores pesavam muito, naquelas circunstâncias, e o capitão Bernardo Vieira de Melo entendeu que medidas drásticas precisavam ser imediatamente tomadas. Para os Albuquerques, os Figueiredos, os Negreiros, os Cavalcantis e outros dessa estirpe, como ele mesmo, era uma questão de luta pela existência política e econômica. A velha “nobreza” de Olinda não cairia na arapuca armada pelos “mascates” do Recife! Ou a Coroa recuava naquela ação malregulada, ou eles se declarariam separados de Portugal! Para Bernardo, bons tempos tinham sido os de antigamente, quando, em sua Olinda amada, “as mulheres andavam tão louçãs e tão custosas, que não se contentavam com tafetás, chamalotes, veludos e outras sedas, senão que arrojavam as mais finas telas e os mais ricos brocados; e eram tantas as joias adornando-as, que pareciam chovidas em suas cabeças e gargantas as pérolas, os rubis, as esmeraldas e os diamantes”, conforme registrara Frei Manoel Callado n’O Valoroso Lucideno. “O fausto e aparato das casas era excessivo, porque por mui pobre e miserável se tinha o que não possuía serviço de prata”, e “os navios que vinham de arriba ali descarregavam o melhor que traziam”. O capitão gostaria mesmo era de ter vivido no primeiro século da colonização, quando aquela pequena
A companhia das Índias ocidentais deixou para os mascates portugueses o posto de negociadores de açúcar Lisboa tropical fora considerada “Cabeça do Brasil” – inclusive depois de Salvador ser declarada a capital do país. Pernambuco constituía-se, então, na província mais rica do império colonial português, exportando até 700 mil arrobas de açúcar por ano; e, além disso, os pernambucanos possuíam bastante autonomia política, pois sua capitania era de proprietário – fora concedida a Duarte Coelho e aos seus descendentes, não estando sob controle direto da Coroa –, o que os fazia ainda mais anchos de si. Infelizmente, “caiu sobre ela a vara da divina justiça, à instância dos pecados em que estava enlodada”, segundo Frei Callado, “quando entraram os holandeses e a renderam, sem muito parafusar”. Ora, Portugal se encontrava sob o domínio espanhol desde 1580; e como a União Ibérica entrou em guerra com as Províncias Unidas dos Países Baixos, a imensa riqueza do açúcar chamou à invasão, em 1630. No ano seguinte, Olinda foi incendiada e com as pedras das suas construções foram erguidos os novos edifícios do Recife, a capital eleita pelos
batavos. Mas, a despeito desse tremendo infortúnio, a memória daqueles tempos, ainda muito viva, também estufava de altanaria o peito de Bernardo. Durante a ocupação holandesa, os senhores pernambucanos, que haviam pelejado com franceses e com índios ferozes conquistando palmo a palmo as léguas de terra que El Rei D. João V lhes concedera num pedaço de papel, e os homens que desbravaram, povoaram e fizeram rica aquela capitania, mostraram, novamente, o seu valor. Por nove anos deram combate aos invasores, que mal conseguiam pôr os pés fora da estreita língua de terra na qual se haviam arranchado. Até suas mulheres puseram uma tropa inimiga para correr, em Tejucupapo. Com a chegada de Maurício de Nassau, houve um período de convivência amigável, por certo; mas ele findou com a partida do Conde, e fora a gente da terra a maior responsável pela expulsão definitiva do inimigo. Nas duas batalhas dos Guararapes, as vitórias se deveram aos daqui, pois os espanhóis, portugueses e italianos que combateram ao seu lado, chamados por eles de bisonhos, “só serviam para atrapalhar ou se perder no mato”.
PÉS-RAPADoS
Orgulho, porém, não enche barriga, e após a Restauração a cama da nobreza já estava feita. Além de arrasarem Olinda, os infames protestantes instruíram-se nos segredos do fabrico do açúcar e passaram a produzi-lo em larga escala nas Antilhas, abaixando seu preço no
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mercado internacional. O pior, para Bernardo, fora, talvez, a mudança no sistema de comércio. Nos tempos idos, os agricultores vendiam seu açúcar diretamente a quem vinha buscá-lo, mas a Companhia das Índias Ocidentais chamou para si a intermediação dos negócios. Passou a financiar os proprietários, porém reservandolhes apenas o fabrico do produto, não lhes permitindo a comercialização. Quando ela se foi, os mascates portugueses assumiram seu posto. Empobrecidos, descapitalizados, os grãos-senhores viram-se à mercê de uma classe inferior de gente, os galegos que vinham para cá nos porões dos navios com uma réstia de cebolas e um par de tamancos, e, aqui chegando, enricavam às suas custas, faziam-se seus credores, obrigavam-nos a viver mendigando empréstimos e protelações de pagamentos. E ainda zombavam deles pelas costas, chamando-os de “pés-rapados”... Para completar a obra, a Coroa tomara para si o controle da capitania, que passara a ser governada por um capitão-general nomeado pelo rei, tal qual as outras.
o progresso do Recife, que ganhou status de “vila”, levou os nobres de olinda a entrarem em conflito com os mascates Do Alto da Sé, Bernardo mirava com raiva e com desdém o povoado aos seus pés, uma légua ao sul. Olinda, a vila mais nobre e de antiga linhagem do país, ainda possuía as vantagens que a fizeram ser escolhida como a primeira sede de Pernambuco: cenário magnífico, terreno fértil, água e vegetação em abundância. Porém, apenas parcialmente reerguida, após a destruição, nela viviam não mais que 2.500 almas. Já o vizinho plebeu se alevantava em uma ponta de areia despida de arvoredo, fétida, doentia, sem água potável, mas assumira com desembaraço o papel de maior centro de toda a região compreendida entre a Bahia e o Maranhão. Possuía mais de 12 mil habitantes e aumentava a cada dia.
O trunfo recifense era o excelente porto, “tão quieto e seguro, que para as curvas das naus serve de muro”, nos versos do poeta Bento Teixeira. Pelas estreitas aberturas nos seus arrecifes, passavam as naus e os negócios; mas por ali também entravam a mesquinhez, a rudeza e o mau gosto burgueses, que ameaçavam se apoderar da aristocrática civilização cultivada nos morros olindenses, e subjugá-la – o que, no fundo, era o maior temor do capitão. O único escudo dos nobres, sua tábua de salvação, era o status de capital da província que eles conseguiram recuperar para Olinda em 1657 – contra a vontade da Coroa –, depois de ele ter ficado por quase três décadas no Recife, no período holandês. E também a sua Câmara, às vezes chamada de Senado, que ainda possuía algum poder de intervenção nas decisões políticas, na qual só se assentavam homens “bons”, os da sua estirpe. Os mascates não ousavam se fazer representar, embora possuíssem esse direito. Mas, em conluio com o governador, Sebastião de Castro Caldas, após anos de demandas em Lisboa, e de muitas tramoias e negociatas ao pé
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1 Recife no século 18, um dos trunfos da cidade era seu porto, “quieto e seguro” 2 neGociAção d. João V determinou que os líderes do movimento fossem enviados a Lisboa
do Trono, os portugueses conseguiram finalmente o status de “vila” para o povoado onde viviam e tinham seus negócios. E, imediatamente, à socapa, na calada da noite, ergueram o pelourinho do Recife, símbolo da autonomia municipal, e criaram sua própria Câmara, proclamandose livres da tutela olindense. Ah, mas isso, a nobreza da terra jamais admitiria! Os mascates não podiam ficar sem nenhum controle! Valentia e experiência militar para enfrentá-los, eles possuíam, herdadas do passado e exercidas no presente: Bernardo, por exemplo, servira como lugar-tenente de Domingos Jorge Velho, na expedição que pusera fim ao poderoso Quilombo dos Palmares. Histórico de confrontos com a Coroa, também havia. Não tinham despachado de volta para Lisboa, em 1666, jungido em ferros, um maldito governador – Jerônimo de Mendonça Furtado, o “Xumbergas” – famoso pelos bigodes imensos e pela canalhice, tanto que a expressão “xumbregar” virou sinônimo de fazer safadeza? Não impuseram, daquela vez, sua vontade ao Rei, que se dobrou às exigências
pernambucanas sem tugir nem miar? Pois fariam o mesmo com essa outra alma de lama, o Castro Caldas, e desmanchariam aquele terrível malfeito. Ou, então, iriam à guerra!
eXiGÊnciAS e MASSAcRe
A primeira reação dos nobres foi invadir o Recife e mandar 12 homens pôr abaixo o novo pelourinho. Também libertaram os presos da cadeia e rasgaram o Foral Régio. O governador fugiu para a Bahia. E, no dia 10 de novembro de 1710, eles tiveram uma longa reunião na sua Câmara, presidida por Bernardo, na qual estabeleceram 15 exigências a serem feitas a Portugal, entre elas o direito de comerciar diretamente com naus estrangeiras aqui arribadas, a não execução por dívidas dos senhores de engenho, e o perdão geral para os envolvidos no movimento. Caso esses “capítulos” não fossem aceitos, as alternativas poderiam ser a submissão da capitania à França, já cogitada no início da invasão holandesa, quando o Rei vacilou em apoiá-los; ou, até mesmo, o estabelecimento,
aqui, de uma república nos moldes venezianos ou dos Países Baixos, os modelos disponíveis na época. Isso se veria depois. Antes de chegar resposta de Lisboa, contudo, os mascates contra-atacaram, e a luta se estendeu a outras freguesias, causando centenas de mortos e feridos, além de grandes prejuízos. Um ano depois, arribou o novo governador, Félix Machado, com propostas de paz e de perdão para os revoltosos, nas quais Bernardo e os seus acreditaram, movidos pelo desejo de nelas acreditar. Mas as reais intenções do galego eram outras, pois aquele levante fora entendido pelo Conselho Ultramarino não só como gravíssimo, porém o maior já ocorrido no seio da nação portuguesa! Machado foi manobrando sutilmente de forma a isolar e desarmar os nobres, e, quando se viu em condições, mostrou a que realmente viera. As prisões começaram em 1712, feitas por ajuntamentos de índios e negros, para vilipendiar ainda mais os rebeldes. Os de negros, chamados de tunda-cumbés, expressão angolana que significa “tortos de corpo e de cabeça”, eram especialmente cruéis com seus antigos donos, para se vingar do tratamento deles recebidos. Humilhavam e torturavam até mesmo velhos, mulheres e crianças. O terror perdurou até 1714, quando a Coroa determinou a libertação dos presos sem culpa formada e o envio dos cabeças da revolta para Lisboa. Bernardo Vieira de Melo e seu filho André estavam entre esses últimos, e ambos morreriam na prisão do Limoeiro, devido aos maus tratos, antes de serem julgados. Assim foi esmagado o orgulho dos nobres olindenses. Da guerra levada por eles contra os mascates restaria, como herança, o acirramento do ódio aos europeus, que de novo se manifestaria nos movimentos patrióticos pernambucanos de 1802, 1817 e 1821, e mesmo após a independência, em 1824 e 1848. Muito bem-traduzido, aliás, na recomendação de Leonardo Bezerra, um dos presos em 1712, que ficaria encarcerado por 13 anos: “não corteis um só quiri das matas, tratai de poupálos para, oportunamente, quebrarem-se nas costas dos portugueses”.
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MASSANGANA A casa do menino de engenho restaurada
Propriedade em que viveu na inf芒ncia Joaquim Nabuco, no Cabo de Santo Agostinho, recebe incrementos para funcionar como centro cultural de valor hist贸rico, educativo e patrimonial TEXTO Gianni Paula de Melo FOTOS Leo Caldas
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Próximo à Pe-60, estrada que leva ao litoral sul de Pernambuco, situado no município do Cabo de Santo Agostinho, localiza-se o Engenho Massangana, lugar onde viveu até seus oito anos o abolicionista Joaquim Nabuco. O diálogo construtivo estabelecido entre a propriedade colonial e seus arredores incita imediatas reflexões sobre a economia de ontem e hoje. O panorama outrora agrícola, impulsionado pela produção de açúcar, deu lugar às indústrias, ali estabelecidas sob estímulos que vieram do processo desenvolvimentista dos anos 1970 aos atuais investimentos no Porto de Suape. O engenho, um complexo arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) em 1984, com o nome de Parque Nacional da Abolição, tem seu registro mais antigo datado de 1774, quando de posse do padre Manuel de Mesquita e Silva. Agora pertencente à Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), ele está sendo reestruturado para funcionar como centro cultural de valor histórico, educativo e patrimonial. No decorrer dos anos, o engenho teve sua estrutura física alterada, seja por reformas dos sucessivos proprietários, seja pelo desgaste natural do tempo. Hoje, ele agrega a casa-grande, a capela e o arruado – conjunto de casas de porta e janela cuja data de construção não é consenso entre pesquisadores. É provável também que houvesse no local uma senzala, mas que, devido à sua estrutura
rudimentar, tenha se deteriorado até o desabamento. O mesmo se aplicaria à moita, que entrou em desuso no início do século 20, quando o engenho foi vendido à Usina Santo Inácio e tornou-se apenas fornecedor de cana-de-açúcar. Prospecções arqueológicas no terreno serão feitas para identificar vestígios e confirmar essas suposições.
teMPoS SoBRePoStoS
Do ponto de vista arquitetônico, as edificações do Engenho Massangana apresentam peculiaridades, nas quais é perceptível a citada sobreposição de épocas. A casa-grande representa um modelo atípico da sua categoria. Suas dimensões reduzidas e seu baixo número de cômodos, se comparados às
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Página anterior 1 ADjAcenteS
Casa-grande e capela são as edificações principais do engenho
Nestas páginas 2 ARRUADo
O extenso conjunto de casinhas foi utilizado para abrigar pesquisadores na década de 1980
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ALPenDRe
Embora não seja original, a estrutura foi criada para otimizar a ventilação
permanecerá, por questão de segurança, no Museu do Homem do Nordeste. Situado em frente à casa-grande, o arruado é controverso quanto à sua época e ao seu uso. Embora houvesse casinhas no terreno do engenho após a abolição da escravatura, elas existiram em quantidade inferior, sendo a estrutura na extensão atual uma intervenção do século 20. Quando o engenho tornou-se responsabilidade da Fundaj, o espaço foi utilizado para hospedar pesquisadores. O conjunto de edificações não confere ao Engenho Massangana uma qualidade arquitetônica de destaque. Sua relevância está relacionada ao morador célebre, Joaquim Nabuco, que lá viveu entre os anos de 1849 e 1857. O arquiteto Antônio Montenegro reconhece o valor simbólico em detrimento de todo o resto: “Alguns engenhos pernambucanos são maravilhosos do ponto de vista arquitetônico, muito mais singulares e significativos. No entanto, foi em Massangana que viveu Joaquim Nabuco e isto cria uma camada histórica diferente”, ratifica. 3
construções tradicionais, atribuem-lhe uma conformação urbana. Vinculado a ela, projeta-se o alpendre frontal, erguido em alvenaria e coberto por telha cerâmica. Embora não seja original, esse elemento aparece em registros antigos do casarão; e foi por conta disso e por ocasionar uma melhoria do ponto de vista museológico que o arquiteto responsável pela recuperação do conjunto, Antônio Montenegro, junto a pesquisadores da Fundaj, decidiu recuperá-lo. “Com a colocação da coberta ocorre um acréscimo de conforto ambiental, além da ampliação de área útil do futuro museu”, explica o arquiteto. Assim como a casa-grande, a capela de São Mateus também foi modificada
A arquitetura do Massangana tem peculiaridades, nas quais é perceptível uma sobreposição de épocas com o passar dos séculos, e cresceu. O espaço dedicado à devoção era, inicialmente, formado pelo altar e a pequena nave, aos quais foram somadas uma ala lateral e a sacristia. O elemento mais fidedigno aos antigos registros fotográficos da capela é a sua fachada. A imagem do padroeiro da igrejinha, São Mateus, outro item original conservado,
MoRADoR iLUStRe
“Os primeiros oito anos da vida foram assim, em certo sentido, os de minha formação, instintiva e moral, definitiva... Passei esse período inicial, tão remoto, porém, mais presente do que qualquer outro, em um engenho de Pernambuco, minha província natal. A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo...”. Nenhuma apreciação da importância do Massangana para Joaquim Nabuco poderia ser mais precisa. O trecho, retirado do livro Minha formação, introduz lembranças associadas à morada nos seus tempos de menino. Hoje, porém, é Nabuco quem se torna importante para o engenho, agregandolhe valor histórico. Durante o período da sua infância, Massangana era propriedade de sua
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Pernambucanas madrinha, Ana Rosa Falcão, cuja lápide está fixada na parede do altar da capela de São Mateus. A localização do corpo está indicada nas memórias de Nabuco. As mudanças averiguadas nas construções através dos estudos também são mencionadas em Minha formação, quando Nabuco registra suas impressões ao visitar, anos mais tarde, o lar da infância. Após comentar modificações na disposição arquitetônica dos edifícios, ele conclui: “da casa velha não ficara vestígio”. As intervenções mais significativas desta época foram realizadas por Paulino Pires Falcão, sobrinho e herdeiro de Ana Rosa. Concluída em 1870, essa reforma incluiu a ampliação da casa-grande com a construção de um pátio interno – algo raro nos engenhos do estado – ainda hoje existente. Também foi aplicada uma ornamentação neoclássica ao imóvel, perceptível na simetria da fachada e nas estruturas em arcos.
Embora auxilie nas pesquisas, o valor do registro memorialístico de Nabuco sobre Massangana é, sobretudo, sensorial. Ele convida o leitor a experimentar a atmosfera do seu tempo de criança e a realidade rural do século 19. Até mesmo o escritor Machado de Assis foi tocado pelo relato emocionado de Nabuco, como se pode ler em carta remetida ao abolicionista: “Reli Massangana. Essa página da infância, já narrada em nossa língua, e agora transposta à francesa, que você cultivou também com amor, dá imagem da vida e do engenho do Norte, ainda para quem os conheça de outiva ou de leitura; deve ser verdadeira”.
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Quando o engenho foi cedido em regime de comodato à Fundação Joaquim Nabuco, na década de 1980, vários projetos foram desenvolvidos para estimular o acesso da sociedade e dos
pesquisadores ao patrimônio. A proposta de utilização mais recente, em vias de conclusão de sua primeira etapa, foi implantada em 2008, em parceria com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), entre outras instituições. A partir da reunião de vários projetos envolvendo o engenho, articularam-se cinco grupos de pesquisa sob orientação do consultor americano Bryan Bath: conservação e arquitetura; paisagem e infraestrutura; história e arqueologia; educação; e turismo e marketing. O resultado dos estudos culminou na exposição ao ar livre Nabuco e Massagana: Memória & Futuro, inaugurada em abril deste ano no local, constituída por um conjunto de painéis dispostos ao ar livre. Este mês, essa mostra temporária sai de cena para dar lugar a outra, permanente, concebida a partir de excertos de Minha formação. “Decidimos que a linha central seria Joaquim Nabuco, que é o diferencial deste engenho, a questão da abolição da escravatura e a economia da canade-açúcar”, comenta Rúbia Campelo, coordenadora do projeto, também envolvida na elaboração do calendário de
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eventos para a instituição e das oficinas de educação patrimonial. A casa-grande será ambientada ao estilo do século 19, com mobiliário existente no Museu do Homem do Nordeste e no Museu do Estado, junto com itens recémadquiridos de antiquário. No entanto, os organizadores ressaltam a impossibilidade de reproduzir a residência tal qual a da infância do personagem histórico. “A casa atual do Engenho Massangana não é a casa do tempo de Joaquim Nabuco. Queremos mostrar isso ao visitante: que aquela casa passou por uma série de transformações”, aponta a historiadora da Fundaj, Sylvia Couceiro. Em longo prazo, o projeto inclui ainda a reestruturação paisagística, que pretende recuperar o rio Massangana – que atravessa a propriedade – e possibilitar atividades de trilha ecológica e educação ambiental na área de 10 hectares da propriedade, extrapolando, assim, os limites históricos, oferecendo uma perspectiva multidisciplinar às futuras visitações.
4 PÁtio inteRno Construído na reforma de 1870, é composto por jardim e cômodos que se tornarão salas de exposições 5 caPela A edificação foi modificada com o passar dos séculos 6 casa-GRande O espaço será ambientado ao estilo do século 19 7 aRcos Os sinos se destacam na fachada da capela de São Mateus
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GERALDO FREIRE Sintonia com histórias do homem-rádio
Protagonista de aventuras dignas do “maior ibope”, radialista prepara documentação para pleitear ao Guinness o recorde na liderança de audiência TEXTO Gilson Oliveira
Quando criança, ao ouvir a Rádio Difusora de Pesqueira, Geraldo Freire sempre tinha a sensação de que, se conseguisse abrir o aparelho, poderia tirar de dentro os cantores, locutores, entrevistados... Com o passar do tempo, ocorreu uma “mágica” inversa: o rádio foi cada vez mais se abrindo para a entrada do próprio Geraldo, que há 42 anos navega de forma excepcionalmente vitoriosa nas ondas sonoras. “Tivemos a sorte de ser 1º lugar em todas as emissoras por onde passamos”, diz o “comunicador da maioria”, que, estimulado por amigos, está levantando uma série de dados sobre sua carreira. Objetivo: credenciar-se junto ao Guinness world records como o radialista com maior número de títulos de campeão de audiência. Como na expressão do poeta russo Maiakóvski, que dizia ser “todo coração”, a anatomia parece ter enlouquecido em Geraldo Freire: ele é todo rádio. Ou, pelo menos, esse meio de comunicação – ainda o de maior público no mundo – parece ocupar totalmente o lado esquerdo do seu peito. Isso fica evidente, por exemplo, quando se acessa o endereço www.geraldofreire.uol.com. br, em que estão várias declarações de amor a esse veículo. Uma delas, escrita pelo jornalista Joseval Peixoto, diz: “O rádio é a vida, o rádio é tudo”. Mas a paixão do comunicador não se restringe ao rádio considerado como mídia, demonstrado pela coleção de
“na noite em que durmo três horas, dormi muito. em intervalos, acordo e ligo o rádio para ver se tem alguma notícia” 180 aparelhos receptores, a maior parte presenteada por amigos. Fabricados em vários países e épocas – o mais antigo é um Benephone Monteux, suíço de 1940 –, eles nunca serão peças de museu, pois o dono, sempre que aparece um tempinho, gosta de ouvir o que têm a dizer. É, no entanto, através de suas atividades diárias que Geraldo melhor expressa seus sentimentos. “Estou sempre à disposição do rádio e da Rádio para fazerem o que quiserem comigo”, ressalta o comunicador, que gosta de passar o Natal e o Ano-Novo no trabalho, ao qual, em dias normais, costuma chegar por volta das 3h da madrugada, mesmo que o programa, como é o caso hoje do Supermanhã, na Rádio Jornal, só comece às 7h30. “Chego bem cedinho porque tenho tempo para zonar com os amigos que passaram a noite lá e também para preparar o programa com calma. Mesmo tendo pessoas para redigir e fazer outras coisas até melhor que eu, venho de um tempo em que o radialista fazia quase tudo”, explica.
Na verdade, ele começa a trabalhar bem antes de chegar à emissora: “Na noite em que durmo três horas, dormi muito. E nunca é um sono contínuo, porque, em intervalos de 15 a 20 minutos, acordo e ligo o rádio para ver se tem alguma notícia importante. Acho que o trabalho é uma forma de oração, pois quando está trabalhando você está no bem”. A transcendental ligação do radialista com sua profissão já provocou comentários até do empresário João Carlos Paes Mendonça, presidente do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação: “Você é que é um homem feliz, porque faz o que gosta”. A resposta de Geraldo veio no seu famoso estilo brincalhão: “Não, Seu João, quem gosta de rádio é o senhor, que comprou uma emissora. Eu trabalho porque é o jeito!...”.
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Há várias décadas, acompanhado diariamente por milhares e milhares de pessoas, Geraldo Freire é um “ilustre desconhecido” no que se refere a muitos – e incomuns – episódios de sua vida. As aventuras começaram quando, literalmente “na buraqueira”, devido à precariedade das estradas e do transporte, enfrentou as centenas de quilômetros que separam Juazeiro do Norte, no Sertão do Ceará, de Pesqueira, no Agreste pernambucano. Nada demais, se naquele tempo não tivesse apenas dois dias de nascido (oficialmente, veio ao mundo em 28 de julho de 1949, mas a data exata de
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arquivo pessoal
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Perfil nascimento é um mistério até para o próprio Geraldo, que, por motivos vários, ao longo da vida teve a idade algumas vezes aumentada). Nascido, na verdade, em Caririaçu, à época distrito de Juazeiro do Norte, o radialista (que muitos pensam ser pesqueirense), aos nove anos, viveu uma de suas maiores odisseias, sobretudo se considerada a idade: fugiu de casa, viajando de trem para o Recife, após vender, escondido, uns 10kg das mamonas plantadas pelo pai, Lauro Gomes dos Santos, que fora para Pesqueira trabalhar na Fábrica Peixe, mas tornou-se agricultor depois que a produção de doce no município decaiu. A decisão de fugir se deu pelos desdobramentos do tempo ruim que se instalou depois que, aos quatro anos, Geraldo perdeu sua mãe, Odília Freire dos Santos. “O bom é que não morra ninguém numa família, mas, se tiver de morrer, que não seja a mãe, porque isso desarruma tudo”, diz o comunicador, que, ao contrário de suas duas irmãs, foi proibido pelo pai de se mudar para a capital pernambucana, para residir na casa de uma tia materna. O destino
Geraldo não esquece nunca: o dia 1º de agosto de 1968, quando assinou com a Rádio Repórter seu primeiro contrato do menino, nos quatro anos seguintes, foi a lavoura, o que prejudicou até os estudos na Escola Rural Municipal do Fundão de Dentro, na Vila de Cimbres, distrito pesqueirense. “Só aprender o nome da escola já era um verdadeiro vestibular”, relembra o radialista. A viagem para o Recife era a apenas o “prefixo” de novas e grandes aventuras na vida de Geraldo, que, decidido a ganhar um dinheirinho para ajudar os parentes e melhorar de situação, fez de tudo, numa frenética mudança de atividades. Entre outras coisas, cuidou de barraca na feira de Casa Amarela e vendeu cachaça numa bodega de Água Fria. Certa vez, na função de entregador de correspondências, ao ir pela primeira
vez ao Edifício JK, centro do Recife, ficou tão impressionado com a farda do ascensorista, que chegou a alimentar o sonho de um dia trabalhar em elevador.
MARReco DA RAMPA
Apesar de classificar sua memória como muito ruim para a gravação de datas, existe uma que Geraldo não esquece nunca: 1º de agosto de 1968, quando assinou com a Rádio Repórter seu primeiro contrato profissional. Foi nessa emissora que ele – hoje profundo conhecedor do mundo do rádio também na área trabalhista, pois atuou alguns anos como presidente do Sindicato dos Radialistas de Pernambuco – começou a desenvolver o irreverente estilo que o tornou famoso (talvez porque, numa época em que o estresse faz a festa, um dos papéis sociais do comunicador seja o de proporcionar ao povo a oportunidade de rir). Um dos quadros de sucesso do programa na Repórter foi o Tribunal da Cana, cujo nome, proibido pela Polícia Federal, mudou para Tribunal do Leite. Era uma sátira aos júris da TV, de
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supermanhã
pelé foi umas das muitas celebridades entrevistadas nos anos 1970, quando atuou como repórter esportivo
Há 42 anos trabalhando no rádio, Geraldo Freire chega ainda durante a madrugada para iniciar os trabalhos
vinculadas a várias esferas do poder: “Morro de rir com as coisas que você diz”. Outra frase muito repetida (e que funciona como uma espécie de perdão a priori) é: “Isso são coisas de Geraldo...”.
coMUniStA MonoGLotA
muita audiência na época. O grande diferencial é que os jurados eram bêbados inveterados que costumavam dormir sob a rampa do Hospital da Restauração. “Revelados” pelo então repórter policial Jota Ferreira e com apelidos como Marreco, Pipoquinha e Exu Cultura, eles – sempre embriagados e nem um pouco asseados – radicalizavam nas críticas. Umas das preocupações de Geraldo eram os palavrões que às vezes soltavam, como se não bastassem – no tempo em que a tesoura da censura estava afiadíssima – os ditos pelo próprio comunicador, talvez o precursor, na mídia brasileira, do uso sistemático das chamadas “palavras de baixo calão”. O mais popular dos jurados era o Marreco, que acompanhou o radialista quando ele, convidado pelo locutor esportivo Roberto Queiroz, foi para a Rádio Olinda, emissora pertencente à Arquidiocese de Olinda e Recife, na qual, além da censura dos militares, existia a dos religiosos. Como o programa de Geraldo começava de madrugada e era interrompido às 6h para Dom Helder apresentar o
seu, Um olhar sobre a cidade, que era acompanhado até pela elite católica, o radialista precisava esconder Marreco – que continuava aprontando poucas e boas –, para ele não ser visto pelo arcebispo. A tarefa não era difícil. “Eu botava ele no banheiro das mulheres, pois sabia que era um lugar aonde Dom Helder jamais iria”, revela Geraldo. A liberdade de linguagem e as músicas de duplo sentido tocadas nos programas do radialista em várias emissoras por onde passou (“A música dos grandes mestres” era a sessão específica para esse tipo de canção) fizeram até Luiz Gonzaga, que já cantara muitos versos na linha “pra cavalo véio, o remédio é capim novo”, certa vez comentar: “É, Geraldo, estás certo: o povo adora putaria. Mas tu exagera!...”. Caso para ser analisado com lupa por sociólogos e estudiosos da comunicação, o sucesso de Geraldo Freire – cujo site, através de um texto de Millôr Fernandes, faz verdadeira apologia ao palavrão – é também muito grande junto à chamada Classe A. Uma experiência comum para o comunicador é ouvir, de pessoas
Uma das maiores proezas de Geraldo foi ter se tornado um bem-sucedido apresentador de rádio num tempo em que ainda se valorizava muito as “grandes vozes”. Mas isso não o impediu de viver, quando trabalhou na Rádio Jornal, no início dos anos 1970, uma de suas mais inusitadas experiências. A emissora estava em crise e foi uma excelente notícia o programa A Musicalíssima é uma Parada, por ele apresentado, sagrar-se líder de audiência. A festa, no entanto, só durou até um dos diretores da empresa, depois de ouvir o apresentador, decidir demiti-lo. Mas uma das mais surpreendentes histórias de Geraldo aconteceu no final da década de 1970, quando foi preso e interrogado como comunista. À época, apresentava, na Rádio Capibaribe, um programa direcionado aos motoristas de táxi, responsáveis por 90% de sua grande audiência. O lado dramático dessa relação se deu quando um taxista foi assassinado e o radialista e os motoristas decidiram, numa manifestação de protesto, levar o corpo da vítima até o Palácio do Governo. A grande questão é que, ao saberem da mobilização, centenas de profissionais aderiram e os seus carros terminaram bloqueando todas as entradas e saídas do centro do Recife. O que, para as forças de segurança, parecia ser um grande atentado comunista, teve um final feliz. Mas, muitos dos que assistiram ao interrogatório de Geraldo, ainda hoje devem lembrar de uma resposta do radialista: “Sou comunista não, doutor! Para ser comunista, o cara tem que saber várias línguas, além de usar óculos e ter barba grande...”.
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CEPE Novo fôlego para projetos editoriais
Companhia se reafirma no mercado, revê e amplia seu catálogo, preparando incrementos para 2011, como a publicação de títulos infanto-juvenis e obras raras texto Diogo Guedes
Leitura Pernambuco é um estado rico em
escritores, mas carente de editoras – ainda mais em relação àquelas comprometidas com edições de qualidade e conteúdo original. Em 2010, ano profícuo de publicações, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) deve alcançar a marca de 16 lançamentos, abrangendo desde coletâneas de poemas a estudos históricos, passando por ensaios acadêmicos sobre o teatro e obras sobre ecologia e arquitetura. Os livros são frutos do trabalho criterioso de seleção do atual Conselho Editorial da Cepe, que tomou posse em 2008. Presidido pelo jornalista Mário Hélio Gomes, o conselho é formado por nomes de prestígio: o arquiteto e historiador José Luiz da Mota Menezes, o jornalista Antônio Portela, a escritora e pesquisadora Luzilá Gonçalves e o professor Luís Augusto Reis. Segundo Mário Hélio, o principal critério para escolha das publicações da Cepe é a contribuição da obra para o Estado. “O primeiro critério é qualidade, mas também é avaliada a relevância da publicação para o estado de Pernambuco e isso vale tanto para os livros de ficção quanto para os de nãoficção”, explica. No mesmo ano, a editora passou a ter um Departamento Editorial, responsável por transformar em publicações os originais aprovados pelos conselheiros. Segundo o jornalista Marco Polo, diretor do setor, não é prioridade da Cepe tornar-se
“competitiva” em relação às editoras privadas, escolhendo publicações que se tornem best-sellers, por exemplo. O ineditismo é uma requisito fundamental, mas em alguns casos a editora opta por republicar um obra. “Nesses casos, o conselho recomenda que seja pensada uma obra diferente com novos prefácios e novos comentários para que não sejam reedições e, sim, novas edições”, pontua Mário Hélio. O pesquisador Alexandre Furtado, que publicou o livro de poesias De ruas e inti-nerários, acredita que a publicação pela Cepe possibilitou que muitas pessoas que vivem em outros estados tivessem acesso ao livro com maior facilidade. “Além disso, recebi muitos elogios quanto à publicação em si, ao projeto gráfico, o livro foi muito bem-recebido”, comenta. As inclusões no catálogo da Cepe têm primado, segundo Polo, pelo conteúdo aprofundado e pela qualidade gráfica. São exemplos disso os dois lançamentos recentes, compostos de artigos e imagens, que têm em comum a temática da arquitetura: Nos caminhos do ferro: construções e manufaturas no Recife (1830 – 1920) e Jardins do Recife: uma história do paisagismo no Brasil (1872-1937). Organizada por Paulo Souto Maior, a primeira obra resgata a importância da arquitetura do ferro para o Recife. “É um estudo técnico sobre como esse tipo de tecnologia foi adaptado aos trópicos”, explica o editor Marco Polo. Já em Jardins do Recife, a arquiteta Aline de Figuerôa Silva traz uma
abordagem inédita do paisagismo de praças e parques da cidade. “Conceitualmente, o que me motivou a fazer esse livro foi o fato de o Recife ter um acervo muito significativo do ponto de vista do paisagismo, mas não havia nenhum estudo sobre a sua história. Jardins do Recife é o primeiro livro publicado sobre a história do paisagismo, antes Burle Marx e Liana Mesquita tinham realizado apenas algumas pesquisas sobre o tema”, conta a autora. Segundo Marco Polo, as duas obras dialogam em suas propostas: “São fundamentais para se conhecer em maior profundidade o perfil da cidade em seu aspecto mais imediato, que é sua visualidade”.
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Previsto para dezembro, o livro de fotografia O olhar encantado de Claudio Dubeaux privilegia edição feita em parceria com o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, cujos membros enriquecem a edição com artigos sobre a vida e o trabalho de Dubeaux, bem como sobre a história do Recife da época e da fotografia em seus primórdios. Outro lançamento, marcado para 10 de novembro, na Livraria Cultura, é Bonito: história e ecologia, livro do fotógrafo Kleber de Burgos, tratando de ecologia, ciências naturais e belas imagens da cidade pernambucana.
PoeSiA e HiStÓRiA
O catálogo da Cepe também tem
investido em poesia. No primeiro semestre, a editora levou às prateleiras os inéditos O girassol, do jornalista Garibaldi Otávio, e o citado De ruas e inti-nerários, de Alexandre Furtado. Agora, mais dois chegam ao público: A intocável beleza do fogo, do poeta Geraldino Brasil, e Poemas, do padre Daniel Lima. “Temos tido a sorte de publicar livros de poetas até então inéditos”, comemora Polo. Segundo ele, a exceção é a obra de Geraldino Brasil que, apesar de inédita, não é a primeira do autor. “O livro foi encontrado em uma pasta, datilografado e organizado, graças à sua filha, Beatriz Brenner”, conta. Mantendo a temática anterior do
poeta, A intocável beleza do fogo também é um mergulho mais profundo do representante da Geração de 65 nos questionamentos do fazer poético. Daniel Lima, por sua vez, faz sua estreia em grande estilo. Poemas não só é a sua primeira obra, como é composta por quatro livros, e tem lançamento previsto para 24 de novembro, na Livraria Cultura. A capa, criada a partir de uma pintura de José Cláudio, segue o projeto gráfico da coleção, de autoria do diretor de Produção e Edição da Cepe, Ricardo Melo: em capa dura e ilustrada por trabalhos de artistas plásticos pernambucanos. Ainda no campo da literatura, a escritora e professora Luzilá
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A nova marca da editora está presente em grandes eventos literários
AutoR
Entre os títulos publicados, neste ano, esteve o livro Todos estão dormindo, de Edson Nery da Fonseca
Leitura 1
Gonçalves Ferreira prepara dois tomos da coletânea crítica Autores pernambucanos do século XIX. Organizadas pela acadêmica, as obras são resultado de uma pesquisa em arquivos e bibliotecas públicas e particulares sobre os escritores da época. “Cada um mereceu um estudo biográfico e crítico, seguido de uma pequena antologia de seus trabalhos”, descreve Marco Polo, ressaltando a importância de tirar nomes importantes do esquecimento. “É um livro que completa lacunas e oferece a estudantes, professores e interessados em literatura e história um rico material para novos estudos, pesquisas e reflexões.” Neste 2010, foram lançadas também duas obras de análise histórica. Em Nas solidões vastas e assustadoras: a conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII, a historiadora Kalina Vanderlei da Silva aponta como os personagens esquecidos pelos relatos oficiais contribuíram para a expansão do território brasileiro sertão nordestino adentro. Enquanto isso, Fernando da Cruz Gouvêa, também historiador, elabora Um diplomata e político do Império – o conselheiro Sérgio Teixeira de Macedo, a partir do diário pessoal do eminente
diplomata, resgatando a vida pernambucana do século 18. Para dezembro, a editora ainda planeja a publicação da minienciclopédia Elucidário, de Fernando Cerqueira Lemos, que reúne a definição de termos ligados ao universo das artes, do colecionismo, dos antiquários e dos marchands
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Mas nem só de inéditos se pauta o setor editorial da Cepe. A partir de um mapeamento das publicações pernambucanas, a editora criou a Coleção Acervo Pernambuco, que trabalha com obras consideradas fundamentais para a cultura pernambucana que se encontram fora de catálogo ou que já são raridades. “A intenção é reeditá-las, atualizando seus textos para a nova ortografia e com tratamento gráfico apurado, a partir de um projeto especialmente encomendado à premiada designer de livros Moema Cavalcanti”, explica Ricardo Melo. Por enquanto, a coleção deve englobar três selos: o Letra pernambucana, recuperando obras de poesia, prosa e ensaio; o Palco pernambucano, com textos de peças e ensaios teóricos; e o Arte pernambucana, que traz livros de
história da arte e ensaios. “Também está na pauta a reedição de livros sobre história, antropologia, geografia, dentre outros. Além da nova visualidade, esses livros terão apresentações de especialistas, nas quais comentarão sobre seus autores, o contexto histórico em que estão inscritos e a atualidade que mantêm”, aponta o diretor de Produção e Edição da Cepe. Segundo ele, como títulos da Coleção, devem ser lançados ainda este ano Dois Recifes, de Polycarpo Feitosa, A personagem dramática, de Rubem Rocha Filho, e Memória do Atelier Coletivo, de José Cláudio. Outro segmento de publicações que deve ser explorado pela Cepe em 2011 é o infanto-juvenil, realizando uma proposta antiga da editora. “A maneira que encontramos de atrair novos escritores foi criando um concurso nacional”, conta Marco Polo. O I Concurso Cepe de Literatura Infantil e Juvenil teve uma procura surpreendente, com a inscrição de 445 obras de diversos estados brasileiros. “A experiência do concurso foi interessantíssima, pois esse gênero é um dos mais importantes no cenário da literatura brasileira. No entanto, Pernambuco, além da editora Bagaço, que lança obras para o público infantojuvenil regularmente, não possui
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INDICAÇÕES POESIA
GERALDINO BRASIL A intocável beleza do fogo Cepe
HISTÓRIA
KALINA VANDERLEI SILVA Nas solidões vastas e assustadoras
Segundo o prefaciador Fernando Monteiro, Geraldino Brasil foi um dos mais desinteressados em glórias. Na obra póstuma A intocável beleza do fogo, o leitor conhece 89 poemas inéditos do alagoano escritos entre 1983 e 1987. Os versos de Geraldino são simples e líricos: “escrevo quando pensam/ que amo ou janto ou rezo ou durmo”.
Cepe
PAISAGISMO
LITERATURA
A historiadora Kalina Vanderlei Silva conta como viviam produtores pobres, trabalhadores livres, desempregados, criminosos e mendigos das vilas açucareiras de Pernambuco nos séculos 17 e 18. A autora, além disso, ressalta o papel desses esquecidos na formação e conquista do Sertão.
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produção expressiva nessa área. Além disso, o aspecto gráfico dessas publicações também foram priorizados pela editora e isto é muito importante, porque esses livros precisam ter um tipo de acabamento não convencional. É uma grande iniciativa. O concurso merece ainda mais elogios, porque é uma experiência muito democrática”, comemora Mário Hélio. A princípio, os três primeiros colocados no concurso terão suas obras publicadas – além de receberem até R$ 8 mil –, mas já se prevê a inclusão de obras inscritas no Concurso no catálogo da editora. “A ideia é criar uma coleção e, posteriormente, promover palestras com os autores em escolas públicas e eventos literários”, projeta Marco Polo. Fazendo um balanço positivo dos dois primeiros anos em que está à frente dos projetos editoriais da Cepe, o editor destaca
como principal dificuldade mercadológica a distribuição dos livros para além do limites do Estado. “Estamos tentando superar o problema através das redes nacionais de livrarias, distribuidoras regionais e, principalmente, através da divulgação e das vendas online”, expõe. A recéminaugurada loja virtual da Cepe (www.cepe.com.br/ loja/), com entrega para todo o Brasil, é o principal esforço na área. O editor acrescenta também a vontade de investir em formatos de livros que ainda não puderam ser contemplados. “Seria muito bom lançar um romance de qualidade, mas até agora não surgiu nenhum. Também temos interesse em publicar histórias em quadrinhos. Há ainda o projeto de publicação de audiolivros e livros para deficientes visuais, o que devemos efetivar no próximo ano”, adianta.
ALINE DE FIGUERÔA SILVA Jardins do Recife Cepe
Na obra, a arquiteta Aline Figuerôa Silva divide sua análise dos jardins da cidade em três períodos históricos, sempre comparandoos com as experiências nacionais. Começando pela escola romântica (1872-1888), a autora destaca , também, o período moderno (1934-1937), marcado pelas obras de Burle Marx.
LUZILÁ GONÇALVES FERREIRA Escritores pernambucanos do século XIX Cepe
Os dois tomos de Escritores pernambucanos do século XIX trazem biografia, textos críticos e seleção das obras de 24 nomes essenciais para a cultura pernambucana. Dentre os escolhidos pela organizadora, estão Joaquim Nabuco e Frei Caneca.
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rizemberg felipe
osman lins os mistérios do retábulo de Joana Carolina A companhia paraibana Piollin estreia espetáculo, adaptação de uma das narrativas de Nove, novena, livro de contos do escritor pernambucano TEXTo Astier Basílio
Palco Fim da apresentação do primeiro ensaio aberto de Retábulo. Era uma exibição, a primeira da peça, exclusiva para convidados. Gente amiga do grupo. Pessoas que estavam ali para dar sua opinião, fazer críticas, apontar problemas. Em todas as observações feitas, um ponto convergente: o texto. Não é fácil trazer para a cena a geometria narrativa de um dos grandes inventores da literatura nacional, o pernambucano Osman Lins. Mesmo quando quem está à frente da empreitada seja um grupo como a companhia paraibana Piollin, revelada no teatro nacional na década de 1990, com o espetáculo Vau da Sarapalha, que vertia para o palco toda a magia vocabular de um gênio da literatura, Guimarães Rosa. No meio do debate, Nanego Lira, ator da companhia, pede a palavra: “O diretor é muito apegado ao texto e não quer cortar nada”. Mesmo com a estreia marcada para este mês em Fortaleza (resultante de um patrocínio de manutenção de grupo da Petrobras), a montagem não está totalmente pronta. A queda de braço entre elenco e encenador ainda não está resolvida. O diretor Luiz Carlos Vasconcelos assume sua paixão pelo texto. Está cortando aos poucos. A artesania poética de Osman Lins, dita em cena, resulta, muitas vezes, em difícil compreensão. Luiz Carlos Vasconcelos, que desde Vau da Sarapalha não reconhece isso como um problema, adianta o que
fará: “Não vou cortar o texto. Vou trabalhar ações com o atores para jogar no texto do coro e daí ver o que fica e o que sai”. Ele diz que pretende eliminar 30 minutos da apresentação, atualmente com uma hora e meia.
inVenÇÃo e ReinVenÇÃo
N’O retábulo de Santa Joana Carolina, publicado no livro Nove, novena, Osman Lins antecede os capítulos da narrativa – ao todo 12, que ele denomina de “mistérios” – com um prólogo narrado em terceira pessoa,
o coro enconta a justa medida, combinado com ações dramatizadas pelos personagens, num jogo teatral carregado de alta densidade poética e sem ligação clara ou direta com o texto que precede, cada qual narrado em primeira pessoa por um personagem designado por um símbolo. Para assinalar o fio de muitas vozes, que se enreda para contar a estória de Joana Carolina, homenagem à avó que criou o escritor, Luiz Carlos Vasconcelos lançou mão do coro. E é na utilização desse recurso que está a chave do espetáculo, em que está o melhor e o pior da montagem. Retábulo é encenado sobre uma base retangular formada por blocos de madeira, ladeada por quatro arquibancadas. O ponto alto se dá no tempo em que as cenas exploram a dimensão espacial do tablado, quando
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o coro encontra a justa medida, combinando com ações dramatizadas pelos personagens o que é recitado em uníssono, num jogo teatral que faz o texto, literário e poético, se esgarçar e se vivificar em cena. É o que se vê no quadro em que Joana vela um parente e o coro, utilizando máscaras, dança um carnaval funesto. Os movimentos do maracatu e do cavalo-marinho se ressignificam sem a música e sem o contexto festivo, tornando-se fantasmagóricos. Ocorre, como foi dito, que o espetáculo não está pronto. O coro, no arrastar da encenação, soa cansativo, monocórdio e repetitivo. Em alguns momentos, o grupo de vozes consegue criar modulações
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1 Retábulo encenada sobre um tablado rodeado de arquibancadas, peça reúne atores de Vau de Sarapalha, da companhia piollin e convidados
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dentro da massa sonora, como se, ao mesmo tempo, obtivesse a unidade dentro da pluralidade, acentuando timbres e tons de interpretação. No elenco, estão todos os atores de Vau da Sarapalha, mais o integrante da companhia, Buda Lira, além dos atores convidados Alan Monteiro, Suzy Lopes e Ingrid Trigueiro. Destaque para o ator Servílio Holanda, famoso pela performance do Cachorro Giló. Depois de tanto insistir, obteve um papel em que falasse. Interpreta, dentre outros papéis, o coronel dono do engenho.
FoRMA De VitRAL
Osman Lins não conheceu o rosto da mãe, falecida em complicações do parto poucos dias após seu
nascimento. Nem foto havia dela. Ter-se tornado escritor, ele disse algumas vezes, resultou da busca desse rosto desconhecido. Na narrativa, porém, há um paradoxo: o retábulo, lugar de exposição no altar católico, é dividido em mistérios que, na liturgia cristã, remetem ao segredo dos primeiros cristãos sobre alguns dogmas. Eis o jogo bem-resolvido literariamente e apenas sugerido no palco: o de revelar e esconder, de misturar biografia e criação, o que é dito e o que é suprimido. N’O retábulo de Santa Joana Carolina, alguns personagens dão a entender que estão diante de um fotograma, ao se descreverem como se estivessem
simultaneamente dentro e fora do tempo narrado: “Acompanhei, durante muitos anos, Joana Carolina e os seus. Lá estou eu, negra e moça...”, narra a velha, interpretada por Soia Lira, numa das primeiras falas do espetáculo. “Em um dos mistérios, penso colocar, de alguma maneira, um fio no pé com uma cor diferente para cada papel, para que os fios se entrecruzem”, vislumbra Luiz Carlos. No enterro de Joana Carolina, os personagens buscam saber quem foi a protagonista. Como se cada voz, à sua maneira, fosse o caco de um vitral que conseguisse um rosto. Um semblante materno.
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acervo secreto de maria carmen
matéria corrida José cláudio
artista plástico
Apesar de ter tomado conhecimento
da arte de Maria Carmen desde o início, ao entrar no recinto da exposição O acervo secreto de Maria Carmen, Museu do Estado (24/set. a 24/out.) e dar de cara com dois belos painéis, senti-me um estranho transportado à tumba de um faraó ou caverna como a descoberta na China em 1911, emparedada desde o século 10, onde o linguista francês Paul Pelliot foi descobrir, entre pilhas de textos antigos, duas línguas extintas, como o pálavi, um persa arcaico (Jean-Claude Carrière, Não contem com o fim do livro), ou cidade soterrada por mais tempo ainda, Pompeia, no ano 79 pelo vulcão Etna e encontrada intacta em 1755, ou Cortês e Pizarro ao chegarem no México e Peru no meio da feira, digamos, como levado por uma máquina do tempo a outras civilizações, assim me vi despreparado para abarcar tudo aquilo, perplexo, maravilhado.
Agarro-me pois aos seus inícios, até certo ponto indo atrás de minha própria biografia, quando nos encontramos no M.C.P. (Movimento de Cultura Popular), época de Miguel Arraes, às vésperas do golpe de 64, eu inventado professor por Abelardo da Hora, de desenho. Ou antes, mas já naquela época, acho que aí é que nos conhecemos, numa galeriazinha na beira do rio, ali perto dos correios, onde eu realizava uma exposição de pinturas feitas com objetos agregados que batizei um tanto espalhafatosamente de “polimaterialismo”, na verdade, no resto do mundo, “polimaterismo” ou “polimatérico”. Ela foi lá e me convidou para ir ao seu apartamento no Edifício Duarte Coelho, ali pertinho, do outro lado do rio. Mostrou-me umas esculturas de tamanho inusitado, feitas, cada uma, de um chiclete, guardada a coleção toda, conservada com talco, numa caixa de fósforos dessas pequenas.
O M.C.P., para Abelardo da Hora, era uma continuação ampliada do Atelier Coletivo da S.A.M.R. (Sociedade de Arte Moderna do Recife) criado por ele na década anterior, 1952. Uma vez, eu dando aula, na sala da frente do casarão do Sítio da Trindade, muita gente, bem umas cem pessoas ou mais, um grupinho começou a anarquizar. Reclamei: “Não pensem que ser artista é fácil. De todos aqui talvez se salvem um ou dois”, e apontei para Delano e Maria Carmen. Nem do nome deles sabia. Delano há algum tempo me lembrou o episódio. De fato, a que eu saiba, não sobrou mais ninguém. Naquela época eu praticava um desenho minucioso, muito tracejado, a bico-de-pena, o que o crítico e romancista José Geraldo Vieira (A quadragésima porta, A mulher que fugiu de Sodoma) chamava de “trabeculado”, sob influência do desenhista paulista Arnaldo Pedroso d’Horta, que depois
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conheceu Maria Carmen, tornandose grandes amigos, contágio esse bem presente nessa retrospectiva do Museu do Estado, evoluindo para uns desenhos redondos, com grandes áreas cobertas de texto escrito a mão, que ela chamava, seu lado esotérico, de “mandalas”. Longe de mim pactuar com o clichê arte-loucura e de fato quando Maria Carmen esteve doente nada produziu. Esse o terremoto que a soterrou. Depois é que veio a saber da alteração sofrida em seu intelecto convivendo, como se verdadeiras, com cenas amedrontadoras enquanto nada sabia do mundo objetivo. O primeiro vestígio de realidade veio através de uma picada de injeção que o médico lhe aplicava e, apesar da sensação de dor, lhe pareceu no entanto mais intensamente prazerosa, tanto que passou a botar pequenas pedras no sapato na esperança de trazer a realidade de volta. Foi aí que alguém sugeriu que frequentasse o atelier do escultor Humberto Cozzo (São Paulo, 1900-1981) no Rio de Janeiro. Sobre suas esculturas, certa vez, conversando com sua mãe Dna.
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cABeÇAS
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MAngAS verdeS
Acrílica sobre tela, 200x200cm, 2004 Óleo sobre eucatex, 100x75cm, 2005
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Já está mais do que na hora de se fazer um livro sobre Maria carmen e sua obra – já existe um projeto nesse sentido Carmita, mulher de fina educação, expus, entre outras bobagens, minha estranheza ante a capacidade de Maria Carmen de modelar o corpo feminino com a sensualidade tátil que somente um homem poderia ter, respondendo Dna. Carmita educadamente, sobre esse contato físico, que uma mulher dá à luz tanto um homem quanto uma mulher. Depois da época dos desenhos, me despreocupei de suas pinturas, talvez por achar que, como desenhista, ela já estava de bom tamanho, dando-nos ideia de que se realizava completamente no nanquim sobre papel. Calcule-se pois o impacto de, logo de longe, vislumbrar esse desfile suntuoso de seus quadros, até lamentando que os seus amigos
e parentes que já se foram não pudessem estar conosco ali, nessa solidão ou desamparo que às vezes nos sobrevem e temos necessidade de socorro. Depois é que a gente começa a ver aqui e ali vestígios e citações, involuntárias ou não, talvez mais de nossas referências do que propriamente dela. “Diego Rivera”, lembrou o pintor José Carlos Viana, encantado como eu diante dos quadros, ao que emendei “Frida” por pura leviandade, que nem é de meu tempo, mas se tivesse dito outro artista que não tivesse nada a ver daria no mesmo, ou apropriação pictórica da linguagem de grafiteiro. O fato é que a exposição é, ou foi, pois já deve ter acabado, “surpreendente” como disse, macaco velho, Abelardo da Hora. Já está mais do que na hora de se fazer um livro sobre Maria Carmen. Conversando com Margot Monteiro, diretora do Museu do Estado, e Joziane Pinto, na noite da inauguração da exposição, fui inteirado da existência de projeto nesse sentido. “Importantíssimo”, como disse Margot.
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Nestas páginas 1 cALeiDoScÓPio
A concepção editorial do livro é a de que imagens transcendem o tempo em que foram registradas, rearranjando-se em novos contextos
2 encontRo Numa foto realizada na periferia de são paulo, em 1969, a metáfora do encontro entre a vida e a morte Próxima página 3 FiccionALiDADe
produzida em Itapecerica da serra, em 1973, A agonia do Sr. Frank integra a série Viagem pelo fantástico
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BORIS KOSSOY Imagens de uma segunda realidade
Fotografias realizadas ao longo de quatro décadas revelam o acervo entre o documental e o ficcional criado pelo pesquisador e teórico paulista texto Adriana Dória Matos
“A fotografia tem uma realidade própria que não corresponde necessariamente à realidade que envolveu o assunto, objeto do registro, no contexto da vida passada. Trata-se da realidade do documento, da representação: uma segunda realidade, construída, codificada, sedutora em sua montagem, em sua estética, de forma alguma ingênua, inocente, mas que é, todavia, o elo material do tempo e espaço representado, pista decisiva para desvendarmos o passado.”
Possivelmente, não há maneira mais clara de definir a fotografia como um campo de significações quanto na citação anterior, ainda mais quando associamos o seu conteúdo à atuação profissional de seu autor, Boris Kossoy. Como poucos fotógrafos no Brasil, ele vem empreendendo uma consistente carreira de pesquisador acerca desse meio, sobre o qual incide insistentemente a ideia de que é uma reprodução fiel da realidade, mesmo quando se está diante de uma imagem evidentemente manipulada, como a
fotografia usada para fins publicitários. Na breve afirmação transcrita do livro Realidades e ficções na trama fotográfica (Ateliê, 1999), ele define não apenas o lugar de representação ocupado pela fotografia, mas também seu próprio ponto de partida como teórico, pesquisador e fotógrafo. O leitor brasileiro certamente está mais familiarizado com o Boris Kossoy pesquisador e teórico, já que essa tem sido sua faceta mais difundida nacionalmente, sobretudo pelos livros publicados, entre outros, o já citado Realidade e ficções na trama fotográfica, título que integra a trilogia iniciada com Fotografia & História (1989/2001) e encerrada com Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo (2007). Há também na trajetória de Kossoy as funções administrativas e pedagógicas, nas quais ele, por exemplo, foi diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS/ São Paulo), elaborou o projeto de criação da primeira escola superior de Fotografia do país (Senac/SP) e foi professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de
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Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Com essas e outra atividades, exercidas desde os anos 1970, sobrava pouco tempo para o Kossoy fotógrafo se manifestar. É na ênfase no acervo de imagens realizadas por esse paulista filho de imigrantes, nascido em 1941, que recai Boris Kossoy: fotógrafo, lançado em parceria pela Cosac Naify, Pinacoteca e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Embora reúna material realizado ao longo dos anos 1960, 70, 80, 90 e 2000, é nas fotografias das décadas de 1970 e 80 que ganha corpo a publicação.
FRAGMentoS
A ideia de tempo como um caleidoscópio (e não como uma linha regular, imutável) norteia a edição, que, por isso, não segue uma cronologia, mas põe em contato fotografias realizadas em épocas e contextos diversos. “As imagens se distribuem por toda e extensão de nossa caminhada e interagem entre si, dialogam plástica e culturalmente com seu tempo, mas também transcendem a época em que
o fotógrafo buscou extrair da própria realidade sentidos e reflexões, orientando a fruição da imagem à ideia de construção foram criadas”, escreve o autor, na apresentação que faz ao livro. Assim é que, mesmo abrindo o capítulo que traz a galeria de imagens Fotografias [1955–2008] com uma tomada de rua da década de 1950 – a primeira feita por ele, na Avenida São João – o que dá consistência ao conjunto são as fotos selecionadas das séries Viagem pelo fantástico, Cartões antipostais, Hommages e Cenas de Nova York I, todas dos anos 1970. Essas fotografias revelam, numa mirada a posteriori, um período de distensão na carreira do fotógrafo, quando ele mais experimentou. Foi um intervalo entre a produção dos anos 1960 – quando prestava serviços de free-lancer para periódicos, fazia retratos de artistas em estúdio e mantinha
uma firma de pôsteres, distribuídos massivamente em bancas de revistas – e dos anos 1980, em que mergulha mais profundamente na produção acadêmica. Sobretudo com a série Viagem pelo fantástico, que teve edição em livro em 1971, chegamos à evidência da ideia da fotografia como segunda realidade trazida pelo autor e como um campo para a criação e reflexão, que transcende e ao mesmo tempo qualifica a realidade (daí, possivelmente, ele não definir esse trabalho como surrealista). Boris Kossoy pretendeu com a série a realização de “contos fotográficos”, que, influenciados pela literatura e pelo cinema, “exploravam o drama existencial, os cenários urbanos, além de enveredar pelo político, a partir de imagens simbólicas”, como ele aponta. Curioso é que, mesmo sendo um trabalho de força autoral e criativa, que trazia para a fotografia brasileira uma ampliação de suas possibilidades, à época, a série não foi bem-recebida pelos seus pares, embora amplamente elogiada pela crítica. Hoje, com a fotografia expandida, a série se enriquece com uma leitura mais flexível e empática.
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JEAN-LUC GODARD Uma constrangedora estatueta a um reinventor
Academia de Ciência e Artes do Cinema concede um Oscar honorário pelo conjunto da obra ao cineasta francês, que completa 80 anos no dia 3 de dezembro TEXTo Fernando Monteiro
essa premiação não faz nenhuma
diferença. Até porque nada é menos parecido com Godard do que a famosa estatueta dourada, uma figura andrógina concebida para representar a glória na indústria cinematográfica americana. Ao Jean-Luc, já ancião, será conferida uma homenagem antes recusada ao cineasta ao longo da carreira de meio século e, até agora, 85 títulos que contaram com a solene indiferença da mesma Academia. Só agora ela resolveu conceder-lhe um Oscar “especial”, que chegará tarde às mãos do diretor nunca galardoado antes, ao menos com aquele prêmio “colher de chá” conferido aos melhores filmes estrangeiros – um troféu considerado importante por nós, mas não por eles. O homenzinho na pose de sentinela transida, para os americanos, é relevante somente quando premia roteiristas, músicos, atores, atrizes, diretores e produtores integrados ao sistema hollywoodiano. Na contramão disso, Godard sempre representou – e ainda representa – um cinema radicalmente criativo e rebelde. Quem quiser saber mais sobre a modernidade da sua obra, é só conferir as 944 páginas de GODard (assim mesmo, na capa), livro do historiador e jornalista Antoine de Baecque, lançado na França, em março deste ano. Nem com essa empreitada do sério Baecque se animou o Godard, convidado para colaborar com a alentada biografia: “Pra que diabo servirá saber sobre detalhes da minha vida?” – logo de saída, ele perguntou ao compatriota e admirador, interessado
até no café da manhã de uma lenda viva. Agora, lá vem o Oscar chatear com seus cenários de luxo e acomodação, num contexto que é o emblema maior do negócio no cinema. O “caneco” americano celebra isso, madrugada adentro, numa festa de brilho brega, com passarela de celebridades e tradutores simultâneos tropeçando nas piadas sem graça de emocionados agraciados pulando do auditório com cara de surpresa. Seja como for, o diretor de Acossado sequer confirmou que estará presente na entrega – prévia, no dia 13 de novembro – dos prêmios especiais de 2010.
DiSSiDente e cLÁSSico
Jean-Luc Godard nunca morreu de amores pelo cinema made in USA, mas, justiça seja feita, ele também não compareceu ao Festival de Cannes deste ano. Foi esperado até o último momento, quando afinal avisou que resolvera cancelar a viagem à Riviera, a fim de apresentar a mais recente produção (Film Socialisme) com a inconfundível assinatura JLG nos créditos – que incluem a cantora Patti Smith, o filósofo Alain Badiou e o historiador palestino Elias Sanbar. Se houver explicação para as recusas do cineasta, será a de que o homem está cada vez mais parecido consigo mesmo e, portanto, menos disposto a suportar as “futilidades” de festivais, holofotes da mídia, prêmios e entrevistas coletivas que fazem a delícia dos Woody Allen da vida. Godard sempre foi mortalmente
sério, desde seus tempos daquele cigarro de desprezo no canto da boca, óculos escuros e os olhos novos para imagens de desacordo 24 quadros por segundo. Não resisto à tentação de fazer um paralelo desse Godard irredutível com um cineasta brasileiríssimo. Não se trata de Glauber Rocha. O nome que vou trazer para perto de Jean-Luc é o do também revolucionário Mário Peixoto, realizador do único e fundamental título: Limite, de 1930. Ele foi o nosso Godard avant-la-lettre, e Jean-Luc é, no cinema de hoje, o único diretor que, a exemplo de Mário, continua interessado no cinemacinematográfico (tautologia necessária), ou seja, na imagem pura, no discurso não “verbal” de tomadas que revelam o real para além do “naturalismo”, no qual se refestela grande parte dos filmes deste momento agônico quer do cinema clássico (à la John Ford e David Lean), quer do cinema das almas formalmente inconformistas, na tradição de Eisenstein, Peixoto, Welles e Godard. Usando o paradoxo dos signos verbais, o mais próximo de uma sinopse godardiana seriam os versos da polonesa Wislawa Szymborska (Prêmio Nobel de 1996): “Quando pronuncio a palavra Futuro/a primeira sílaba já pertence ao passado./ Quando pronuncio a palavra Silêncio,/destruo-o. /Quando pronuncio a palavra Nada, /crio algo que não cabe em nenhum não ser.” Essa brevíssima metafísica corresponde, em parte, àquela dos filmes menos palavrosos do Jean-
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Luc que fez de tudo para reinventar a sétima arte: filmes literários e antipoliciais, crônicas parisienses desesperadas e ensaios de política, visões escatológicas, dramas cubistas, anotações e epifanias – jamais parecidos uns com os outros –, porque Godard sabe que o cinema é uma arte que, estranhamente, envelhece com as décadas, as culturas e a história às quais ninguém mais estará presente depois do ex-anônimo Abraham Zapruder filmando, em oito milímetros, o assassinato de um presidente.
Claquete Isso aconteceu quando Godard caminhava para o zênite da Nouvelle Vague, a escola francesa de cinema da qual se tornaria a cabeça mais inquieta (enquanto o recém-falecido Claude Chabrol era a mente mais convencionalmente gaulesa, desculpem os chabrolianos que nunca aceitaram bem a superioridade dos Godard e dos Rivette). Ora, Jean-Luc foi, quase sozinho, a nova vaga em essência, longe da noite americana e outros disfarces à Truffaut. Ele impregnou o seu cinema da marca do reflexo do tempo que passa à nossa frente, caótico e inacabado como são todos os tempos.
VeLHoS teMPoS, BeLoS DiAS
No auge da Nouvelle, mal havia o intervalo necessário para entender a nova visão godardiana nas coxas – entretanto, bem-feita –, e lá vinha mais uma instigação literária e visual dos seus cadernos de Dziga Vértov da ficção cinematográfica, em modo de discurso já diferente. Como descrever o que era aguardar, ansiosamente, o novo Godard? Basta dizer, talvez, que era como esperar uma mensagem codificada invertendo tudo que fosse fácil de apreender nas salas de poltronas acolchoadas do pensamento, e que suas “películas” (ainda se usa a palavra?) de Kino-verité podiam ser Alfa e Ômega, e rolar de trás para diante nos projetores, de acordo com o ajuste irônico do autor de Je vous salue, Marie: “Sim, todo filme tem que
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não resisto à tentação de fazer um paralelo de Godard com o cineasta brasileiro, o revolucionário Mário Peixoto
ter princípio, meio e fim, embora não necessariamente nessa ordem”. Isso – esse novo modo de contar uma história na tela – viria a ser apropriado até pelos cineastas mais idiotas da indústria, nas imitações baratas que surgiriam, depois, macaqueadas das reinvenções de Godard. Mais, muito mais do que metade da linguagem do cinema de hoje saiu das liberdades que esse cineasta tomou com a linguagem, até como possível reflexo de ser oriundo da família Monod, de protestantes severos. O irrequieto artista surgido deles fez “história imediata”, ao filmar com uma urgência tal, que não hesitava sequer em furtar dentro de casa. Na época da estreia atrás das câmeras (Operátion Béton, curta-metragem, 1954), para
choque dos seus sisudos parentes, o jovem Jean-Luc roubou um livro da biblioteca do avô – obra rara, com o autógrafo de Paul Valéry – para suplementar as despesas da produção. Esses Monod franco-suíços bempensantes dos quais Godard provém, tornam-se bem mais aceitáveis, entretanto, do que a modernosa ligeireza dos macaquinhos que passaram a praticar a diluição da diluição dos filmes que essa lenda cinematográfica involuntariamente articulou para um futuro de déjà vu estético e calculadoras exponenciais de lucros, quer sejam do mais novo Almodóvar atropelado pela vulgaridade do Tarantino mais recente, ou do cinema falso-brilhante de Martin Scorcese e outros menos votados (formando a multidão de esquecíveis quase de imediato à consagração de um único dia na Quinzena dos Realizadores, na corda bamba da montanha-russa mimetizada desse senhor que, nos anos de 1960, reinventou a arte das imagens: Monsieur Jean-Luc Godard). O cineasta malcopiado é, na verdade, pináculo, vertigem e
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ascese – enquanto o resto vai de pós-modernismo tatibitate até chegar à cinematografia pedestre dos Spielbergs interessados em entretenimento rasteiro de maneira a fazer fortuna rápida com a sintaxe libertada pelo mestre. Por que Godard estaria interessado na “homenagem” de uma estatueta sem valor? (Sem valor, vírgula: o Oscar serve para fazer dinheiro, mas não com os filmes alternativos da rica marginalidade do seu cinema.) Estou tentando louvar um velho renovador com o melhor do seu veneno: a paráfrase de um texto o mais próximo possível do cinema maravilhosamente perto das primeiras visões dos Lumière, quando a imagem era novidade e invenção mecânicas, a estimular a mente de protoespectadores
acossado
É um dos filmes emblemáticos do cineasta que, este ano, comemora seus 80 anos
ainda bebês em matéria de “sétima arte”. O cinema voltou a engatinhar? “A indústria recupera tudo”? Quem disse isso? Gilles Deleuze? Glauber? Godard? Branchú?... Não importa: a dúvida sobre essa frase a indústria (zás!) já recuperou, junto com a camiseta de Che Guevara que o mercado gosta de usar debaixo do smoking alugado para a noite do Oscar. Alguém imagina Godard enfiado numa roupa de cerimônia, subindo ao palco pelo tapete cor vermelhosangue do Iraque que vai recomeçar a render mais filmes de soldados desajustados de volta para a América sem qualquer inocência (restante daquela que havia na Idade de Ouro de um John Ford)?... Eu, pelo menos, não consigo ver o diretor revolucionário no cul-de-sac de uma roupa apertada, avisando a todo mundo – na plateia expectante – que, no seu rigor, esqueceu de vestir a cueca, e, em seguida, agradecendo comportadamente aos pais, aos mestres, aos bedéis, às ex-namoradas, aos guardadores de carros e à antiga (in)sanidade dos tempos em que ir ao cinema era viver a vida novamente intensificada de um jeito que nada tem a ver com a arte sete vezes pasteurizada na telinha do celular... Viva Godard! Os que vão ter saudade do futuro te saúdam!, rapaz de 80 anos, imortalmente jovem na atração fatal de filmes ainda em plena desobediência política, artística, global – o escambau.
ANIMAÇÃO
MARY AND MAX
Direção de Adam Elliot Com Toni Collette, Philip Seymour Hoffman, Eric Bana, Barry Humphries Playarte
A animação em stop motion, desenvolvida pelo diretor australiano Adam Elliot, Mary and Max foi uma agradável surpresa no circuito alternativo. O filme mostra a amizade entre uma criança australiana e um adulto novaiorquino de 44 anos. Mary tem poucos amigos e é muito curiosa. Max sofre da Síndrome de Asperger e não consegue sair de casa. As peculiaridades dessa relação, através de correspondências, são tratadas por Elliot com criatividade e sutileza.
ANIMAÇÃO
SUSPENSE
O CASTELO
Direção de Michael Haneken Com Ulrich Muhe, Suzanne Lothar e Frank GieringLume Filme
Baseado na obra de Franz Kafka, O castelo é uma das produções menos conhecidas de Michael Haneke – um dos mais talentosos diretores de sua geração. Neste filme, o agrimensor K é enviado a um vilarejo, mas não tem acesso ao castelo no qual deveria trabalhar. Uma série de restrições burocráticas o impedem de chegar ao local e ele percebe que seus serviços não são necessários. O castelo aborda a angústia e a frustração em suas manifestações mais extremas.
DOCUMENTÁRIO
PONYO – UMA AMIZADE QUE VEIO DO MAR
A PAIXãO SEGUNDO CALLADO
Direção de Hayao Miyazaki Com Noah Cyrus, Yuria Nara, Frankie Jonas, Hiroki Doi, Matt Damon Walt Disney Studios Motion Pictures
Direção de José Joffily Com Carlos Heitor Cony, Fernanda Montenegro, Ferreira Gullar, João Ubaldo Biscoito Fino
Chega ao público brasileiro a obra mais recente do diretor japonês Hanyao Miyazaki (A viagem de Chihiro). Talvez o mais infantil dos seus filmes, Ponyo não decepciona e atrai o público adulto por sua narrativa e pela beleza dos desenhos feitos à mão. Ao contar a história de amor entre duas crianças, Miyazaki lida com a inocência de um menino de cinco anos e de uma peixinha que quer virar humana.
O trabalho do jornalista e escritor Antônio Callado é relembrado nessa obra por amigos e admiradores como Fernanda Montenegro, Frei Betto e Carlos Heitor Cony. A experiência na Europa e no Vietnã, em períodos de guerra, e as ações no Nordeste, durante as Ligas Camponesas, ilustram a trajetória de um homem que sempre se preocupou em denunciar injustiças. O filme tenta desvendar a figura de Callado e a importância de sua produção.
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divulgação
FOLK ROCK Um velho trovador que não enferruja
Aos 40 anos de carreira, o músico Neil Young inova ao lançar Le noise, CD gravado apenas com sua voz e guitarras repletas de efeitos texto Débora Nascimento
Sonoras
Há muito tempo, existe um
consenso entre fãs e críticos de que Neil Young concebe álbuns espetaculares independentemente de serem acústicos ou elétricos, de folk ou de rock. No entanto, como se trata de um artista dono de uma imensa discografia de cerca de 60 títulos lançados (contando com os discos solo e os gravados com as bandas Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young), há alguns títulos que conseguem dividir a opinião do público. Talvez
esse seja o caso do recente Le noise, CD que vem coroar os 40 anos de carreira fonográfica do legendário compositor canadense, que completa 65 anos no dia 12 de novembro. Curiosamente, o título é uma corruptela para o sobrenome do produtor musical do CD, Daniel Lanois, nome que esteve por trás de álbuns como o premiado Time out of mind (1997), de Bob Dylan, e os arrasa-quarteirões do U2 The joshua tree (1987) e Achtung baby (1991), ambos coproduzidos com Brian Eno. Neil
Young entregou a Lanois um desafio: produzir um disco cujos instrumentos seriam apenas um violão customizado (que aparece em duas músicas) e duas guitarras, uma Les Paul (na música Hitchhiker) e a semiacústica branca Gretsch, do fim dos anos 1950, usada em quase todas as faixas. Qual foi a solução de Lanois? Em vez de ir a um estúdio tradicional, levou o músico para sua casa em Silver Lake, Los Angeles, e lá gravou as composições como se fossem para um álbum ao vivo. Usou diversos efeitos
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(reverbs, samples, timbragens variadas) nos instrumentos e na voz do cantor. Dessa forma, conseguiu preencher os “fantasmas” da bateria, do baixo, dos teclados, criando um resultado diferente, interessante e fluente, e revertendo os possíveis perigos da proposta inicial, que poderia render o clichê de um “disco intimista”.
poesia cantada
Mas, claro, o produtor também tinha um trunfo: o próprio Neil Young. O mestre, autor de cerca de 350
composições (Bob Dylan tem 462 lançadas) e uma das lendas vivas da música, compôs um bom punhado de algumas das mais belas canções já ouvidas, como Old man, Harvest moon, Ohio e The needle and the damage done, todas nascidas de sua sensibilidade apurada para traduzir em poesia cantada os mais variados aspectos da vida, como violência, morte, amizade e, principalmente, amor. Em Le noise, o artista apresenta oito novas composições, que tendem mais para o folk rock,
emolduradas por sua característica melódica de tom campestre, com perceptível encadeamento de acordes já presentes em sua obra. A veia de observador do tempo e das atitudes humanas continua certeira e deságua na interpretação melancólica e lírica de sua voz anasalada e de frágil falsete. A partir da primeira faixa, Walk with me, expõe como se sente hoje no mundo (“I lost some friends/ (...) I miss the old friendship”), com a perda de pessoas queridas – uma delas, o guitarrista Ben Keith, antigo colaborador do músico, que faleceu de um ataque cardíaco, em julho, na casa de Neil. Em Sign of love, demonstra toda a compaixão e empatia que sente pelas pessoas, sejam próximas ou não (“When we both have silver hair and a little less time, but there still are roses on the vine/ You can take it as a sign of love”). O artista, que, em 2006, lançou o disco Living with war, no qual atacara o governo Bush com músicas como Let’s impeach the president, retoma o tema da guerra em Love and war (tente não se emocionar quando ele canta a frase “Daddy will never come home”) e em Angry world (“It’s an angry world for the businessman and the fisherman”). Também dedica duas das mais belas canções do CD, Peaceful valley boulevard e Rumblin’, para lamentar, com a pertinência de homem do campo, as transformações sofridas no meio ambiente (“I can feel the weather changing/ I can see it all around”). Uma das mais contundentes é Hitchhiker, balada que faz uma espécie de resumo sobre o mergulho no mundo das drogas, mas com final redentor, no qual credita sua sobrevivência aos filhos e à esposa Pegi (que integra sua banda country). A melodia aparece em seus shows desde o início dos anos 1990, mas agora ganhou letra definitiva, como uma carta de agradecimento de alguém com consciência de sua finitude – principalmente depois que descobriu, em 2005, a existência de um aneurisma potencialmente fatal no cérebro. Nos dias em que esperou por uma intervenção cirúrgica, o cantor ficou tão abalado com a possibilidade de perder a vida, que compôs e gravou,
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divulgação
em 10 dias, Prairie wind, o melhor de seus oito álbuns de estúdio desta década. Em seguida, fez o primeiro show da turnê na cidade do country, Nashville (Tennessee). O espetáculo foi filmado pelo diretor Jonathan Demme (O silêncio dos inocentes e Stop making sense, do Talking Heads), no documentário Heart of gold (2006). Vale lembrar que Young já havia arregimentado o cineasta Jim Jarmusch para registrar suas músicas com sua banda de rock Crazy Horse, no imperdível Year of the horse (1997).
QUatRo dÉcadas
Le noise é o 45º disco dessas quatro décadas de carreira solo de Neil Young, que teve momentos memoráveis, como os álbuns Everybody knows this is nowhere (1969) e After the gold rush (1970), aclamados pela crítica. Nesses anos, o músico colocou-se em definitivo na história da música ao integrar o grupo Crosby,
Sonoras Stills & Nash. Acrescido de Young no final do nome, o quarteto lançou, entre os cinco discos, o clássico Déjà vu (1970). Em 2006, houve uma reunião do supergrupo na turnê Freedom of speech, e Neil Young fez questão de ser o diretor do documentário CSNY: Déjà vu, assinando como Bernard Shakey. O sucesso de Harvest (1972) torna Young uma megaestrela do folk rock – isso contraria o arredio artista, que deixa de tocar, a partir de então, e por mais de três décadas, o hit do LP, Heart of gold. Nesse mesmo ano, a morte de dois amigos, o guitarrista Danny Whytten (para quem fez The needle and the damage done) e o roadie Bruce Berry o levam a um longo período depressivo, com imersão nas drogas e no álcool. Dessa época nascem álbuns pessimistas, como Time fades away (1973), Tonight’s the night (1973) e On the beach (1974). Esse clima nebuloso é interrompido com Zuma (75) e Comes a time (1978), que traz o único sucesso radiofônico de Neil Young no Brasil, Lotta love. No entanto, nos anos 1980, o compositor desenvolveu uma carreira confusa,
gravando álbuns de música eletrônica, rockabilly, clássicos do country e blues. Por conta da má repercussão desses lançamentos, em 1983, o selo Geffen o processou sob a acusação de intencionalmente fazer discos ruins, mas perdeu a ação judicial, tendo que indenizar o artista em US$ 21 milhões. E o empresário David Geffen ainda se viu obrigado a pedir desculpas ao músico, para que permanecesse no seu cast. O álbum Freedom (1989), então, o traz de volta ao panteão dos grandes artistas do século 20, e os discos seguintes Unplugged (1993), Sleeps with angels (de 1994, dedicado a Kurt Cobain) e Mirror ball (de 1995, com o Pearl Jam) popularizam seu nome entre a “Geração MTV”.
discoGRaFia diFUsa
A discografia de Neil Young sofre de alguns atropelos. Por exemplo, até os anos 1990, muitos de seus discos só podiam ser ouvidos no Brasil através de importação. No final da década, a Warner Music anunciou o lançamento de toda a discografia do
cantor. No entanto, nas lojas brasileiras apenas alguns títulos passaram a estar disponíveis e, depois, muitos desapareceram de catálogo. Em 2003, o LP On the beach (1974) foi finalmente lançado em CD, mas agora está esgotado no país. No mercado americano, foi lançado, no final do ano passado, Neil Young archives, com diversos títulos. Um deles é Performance series, uma reunião de gravações de shows, mas que chegou às lojas pelo volume 2, seguido pelos números 3, zero e 12. Muito estranho. Ainda não há previsão de sua chegada ao Brasil. As idiossincrasias do músico também lhe causam confusões, como no conturbado caso que envolveu o seu biógrafo, o jornalista Jimmy McDonough, a quem concedeu longas entrevistas durante seis anos. Quando finalmente o livro estava pronto, mudou de ideia e não quis mais publicá-lo. O escritor, então, processou-o e conseguiu lançar Shakey, que relata as esquisitices e paranoias desse artista que teima em não enferrujar.
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INDICAÇÕES ROCK
MPB
PAULA MORELENBAUM E JOÃO DONATO Água
EMICIDA Emicídio
O piano de João Donato é inconfundível. Mas, neste trabalho em parceria com a vocalista Paula Morelenbaum, notam-se renovações no seu estilo. A sonoridade acústica, recorrente na trajetória do pianista, incorpora elementos eletrônicos e o disco evoca, nas palavras do próprio músico, um clima “tranx boladão”. Foram convidados para fazer os arranjos, músicos como Kassin, Beto Villares e Donatinho, instrumentistas do Fino Coletivo e Paraphernalia.
O rapper paulista faz bonito em sua segunda mixtape. Gravada no estúdio adquirido por Emicida após colher os dividendos com a estreia vitoriosa (independente, Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe vendeu 10 mil cópias), Emicídio traz alguns avanços estéticos, como Avua besouro. No entanto, as rimas espertas não mudaram: nelas, a realidade das periferias brasileiras continua a mesma.
biscoito Fino
RAP
EXPERIMENTAL
Independente
Independente
DO AMOR Do Amor
O grupo, que tem dois membros acompanhando Caetano desde 2007, na banda Cê, quer se emancipar. Mas, a julgar pela estreia homônima, vai ter de se esforçar e subir a nota no teste do segundo disco. O repertório, recheado de lisergias obsoletas, indica que as “cucas” do quarteto podem ter ficado “odara” depois da experiência com o mestre baiano, dado o clima sessentista, meio “joia rara” que permeia o álbum.
BAD RELIGION The dissent of man epitaph
A banda-patrimônio do punk californiano chega com fôlego ao 15º álbum de estúdio, que sai do forno apenas seis meses depois de 30 years alive, a coletânea ao vivo que celebra a longeva carreira do grupo. Os veteranos ainda seguem a cartilha que os consagrou com Recipe for hate, o clássico de 1993 que carimbou o passaporte do Bad Religion para a MTV (com o hit American Jesus). The dissent of man traz os familiares arranjos enxutos, compensados com melodias mais fortes, e críticas certeiras ao Tio Sam.
DiVUlGAçãO
Sting
NEW WAVE Em SINFoNIA Crossover é uma denominação que a indústria fonográfica disseminou para situar arranjos de música popular feitos para orquestra sinfônica ou qualquer outra formação instrumental associada à música erudita, e vice-versa. O termo significa algo como “cruzar por cima”, em referência às distinções entre os dois universos musicais, bastante discutidas e redefinidas ao longo dos tempos . Sting, por outro lado, tem sido um dos músicos mais felizes na aproximação com o universo erudito sem abdicar de seu estilo próprio nem subvalorizar a instrumentação erudita à condição de adorno pseudocult. Em Symphonicities (Deutsche Grammophon/ Universal Music), o cantor britânico reforça essa constatação e ao mesmo tempo revela uma trilha progressiva, iniciada com o álbum intimista Canções do labirinto (2007) e seguida pelo camerístico Se em uma noite de inverno (2009). Symphonicities explora a infindável paleta de cores sonoras
tendo a participação especial de duas orquestras de câmara e uma sinfônica completa (a Royal Philharmonic Orchestra). Nesses três últimos trabalhos, Sting não compôs quase nada novo: releu o renascentista John Dowland, no primeiro; algumas canções natalinas, no segundo, dando apenas contribuições tímidas; e a si próprio no presente lançamento, no qual reúne 12 de suas principais canções. Apesar disso, o músico continua inventivo, fugindo da repetição de fórmulas e da aparência crossover. Busca uma instrumentação variada não para enfeitar, mas para se integrar à levada e ao feeling das músicas. Com isso, hits como Roxanne e Every little thing she does is magic podem até adquirir ares mais comportados em relação às gravações consagradas de The Police ou de Sting, mas em nenhum momento de Symphonicities o aparato orquestral desempolga, descaracteriza ou se sobrepõe ao clima das interpretações originais. (Carlos Eduardo Amaral)
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Cardápio
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PORCO Uma iguaria vítima de tabus alimentares
Cercada por mitos dietéticos e interdições culturais, a carne suína ainda é item raro nos menus da alta gastronomia TEXTO Renata do Amaral FOTOS 2nafoto
“A carne de porco não é doentia,
como muitas pessoas supõem; para prova, considerem-se os habitantes das províncias de Minas, São Paulo, Goiás e Mato Grosso, os quais usam da carne de porco quase exclusivamente e, entretanto, são eles os mais sadios e vigorosos de todo o Império.” Não fosse pela palavra que fecha a frase,
“Império”, essa citação bem poderia ser atual. Mas é de 1883, do Cozinheiro nacional, primeiro livro de cozinha brasileiro. Ainda hoje, essa carne continua sendo um tabu. Ora é considerada causadora de doenças, ora é proibida por questões culturais ou religiosas, ora é vista como “reimosa”, como se diz popularmente (comer porco
depois de fazer uma cirurgia, nem pensar!). Embora ela não deixe de fazer parte do cardápio popular nem das culinárias regionais, especialmente da mineira, nas mesas dos restaurantes pernambucanos de alta gastronomia, entretanto, raramente aparece. No tradicional Royal, fundado em 1944 no Recife Antigo, o porco está presente em dois pratos do dia: a costelinha, na terça-feira, e o lombinho, na quarta-feira. Esse último é tão disputado, que precisa ser encomendado por telefone. São, no máximo, 80 unidades – mais do que suficientes para que alguns grupos batam ponto no local toda semana. “Não tivemos queda nas vendas nem durante a gripe suína”, diz o proprietário Fernando Ribeiro. Comprada em 1971 por José Ribeiro, hoje com 82 anos, a casa é gerenciada pelo filho Fernando, também dono do bar vizinho Burburinho, e a cozinha tem receitas a cargo de sua esposa Teresinha.
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ser feita na própria banha do porco, mas, em tempos de preocupação com a saúde e a silhueta, o costume foi se perdendo. Para temperar, salsa e alho aparecem na maioria dos pratos.
PReconceito
Qual o segredo para o lombinho ficar macio por dentro e crocante por fora? A carne é cozida até ficar a ponto de desmanchar e, depois, frita em imersão. O molho de tomate e cebola é feito à parte. Para acompanhar, feijão e arroz. Já em Minas Gerais, o porco é rei – como Paulo Salles, provável autor do Cozinheiro nacional, bem sabia há 127 anos. “Na cozinha mineira, usase porco de todo jeito e dele tudo se aproveita”, afirma Oscar Marinho, proprietário do restaurante Ô Mineiro, na Ilha do Retiro, no Recife. Ele explica que o estado mineiro sempre foi voltado para a pecuária e o porco fazia parte da comida dos tropeiros, o que ajudou a fortalecer a suinocultura. Entre os usos mais comuns estão a barrigada de porco (toucinho) para o torresmo e os miúdos para o sarapatel. As carnes consideradas mais nobres, como o lombo e o pernil, são servidas assadas ou fritas. Essa fritura costumava
Nos restaurantes mais requintados do Recife, é raro ver opções de porco no menu. O Mingus, em Boa Viagem, chegou a ter um prato com bisteca, mas ele saiu do cardápio porque a qualidade do produto deixava a desejar. Além da dificuldade em achar bons fornecedores, o proprietário Nicola Sultanum acha que a carne é pouco usada porque há um preconceito generalizado tanto do público consumidor quanto dos donos dos estabelecimentos. Para ele, as pessoas pensam que se trata de uma carne muito gorda – o que nem sempre corresponde à realidade – e têm medo de pegar alguma doença grave por causa da baixa temperatura de cocção da carne ou da sua procedência. Instala-se então um círculo vicioso, em que as pessoas não pedem porque os restaurantes não têm e os restaurantes não têm porque as pessoas não pedem. “Ele também é considerada uma carne de segunda ou ‘comida de pobre’, como era o bacalhau”, diz Sultanum, que adora porco, mas tem que evitálo porque é alérgico. Ela acredita que o fenômeno é regional, pois em outras capitais do Brasil e no Exterior existe a preocupação de usar todas as partes comestíveis do animal, em vez de somente as partes nobres. “É uma filosofia que pode ser livremente traduzida como ‘do rabo ao chifre’”, diz. A avaliação do chef do Wiella Bistrô, também em Boa Viagem, Claudemir Barros, segue o mesmo caminho. Ele já lançou pratos de carré e lombo, mas parou de fazê-los por não encontrar fornecedor qualificado. Barros concorda com a existência do preconceito regionalizado. E acredita que ele pode ser quebrado, como aconteceu com a tilápia: antes ignorado, o peixe virou moda por aqui. “Mas é preciso que os chefs se unam para isso”, destaca. Foi justamente a união de dois cozinheiros que levou a carne de porco ao Quina do Futuro, nos Aflitos. O chef André Saburó convidou Tanaka Yoshinari para sua equipe, depois de
ele ter passado duas décadas como cozinheiro-chefe do consulado japonês, hoje desativado. A primeira novidade foi um festival de sopas, que inclui um caldo de costelinha de porco e vai fazer parte do menu fixo da casa. A tonjiru leva caldo de missô, costelinha em lâminas, shiitake e legumes e está em segundo lugar nas vendas, atrás apenas da misso nabe, com camarões grelhados. Cortada bem fina, a carne vem com a faixa de gordura que derrete na boca. Yoshinari explica que o segredo é finalizar com uma gota de óleo de gergelim. Segundo Saburó, o restaurante já havia oferecido um teppanyaki (em chapa de ferro) de porco, mas o prato era pouco pedido e foi retirado. Mas porco na terra do sushi? Apesar de os acepipes de peixe cru serem mais conhecidos por aqui, Yoshinari explica que se come bastante essa carne no Japão – há até restaurantes especializados
“o porco não é reimoso como dizem. na Alemanha, comemos até no café da manhã”, afirma Werner Johann na iguaria. São bem populares o tonkatsu (lombo à milanesa, com farinha de pão ralada grossa), o shabu-shabu (carne fatiada cozida em água fervendo, como um fondue) e o kushikatsu (espetinho com carne de porco, pimentão verde e cebola).
PARMA PeRnAMBUcAno
Pouca gente sabe, mas já se produzem presuntos artesanais no Estado. Em Alecrim, cidade da Zona da Mata pernambucana, o químico Werner Johann instalou a Defumaria Delícias do Mar. Apesar do nome, a indústria familiar produz, além de peixes defumados, derivados de carne suína. Alemão radicado no Brasil há 25 anos, Johann começou a produção para consumo próprio, por não apreciar os itens disponíveis no mercado. Há quatro anos, a empresa oferece seus insumos para restaurantes como Pomodoro Café, Ponte Nova e Oficina do Sabor, em encomendas de, no mínimo,
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10 kg . Com produção limitada, eles podem ser encontrados em porções menores em delicatessens e na distribuidora Manihot. A defumaria também oferece opções feitas de forma personalizada para os chefs, sob encomenda, e linguiças de lombo. Johann acredita que a grande desvantagem da carne de porco é ser muito perecível: depois do abate, ela precisa resfriar em no máximo uma hora ou se estraga rapidamente. Qualquer cheiro é sinal de deterioração. Por outro lado, há as vantagens do preço menor que o da carne bovina e o sabor. “O porco não é reimoso como dizem. Na Alemanha, comemos até no café da manhã”, lembra.
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Para preparar os presuntos, Johann precisa de animais grandes, com pernis de 15 a 20 kg. Por isso, porcos muito novos ou com pouca gordura são evitados. A salga é feita por meio de massagens na carne por um profissional conhecido como “mestre de sal”. Cada presunto recebe um nome e descansa até ficar curado. Depois da eliminação do excesso de sal, segue para a fermentação, que leva cerca de 12 meses. Além do tipo parma, batizado de San Daniele Goiana, há o lombo defumado, o Jamón Serrano Tamarindo (que leva esse nome porque o porco é alimentado com a fruta e a peça é untada com uma camada de pasta de tamarindo), o Floresta Negra (feito sob camadas de
sal e cinza e posteriormente defumado) e a Copa (bem macia e temperada com canela e semente de coentro). Na hora de consumir, ele dá a dica: o melhor é fatiar na hora e tirar da geladeira antes para o produto ficar em temperatura ambiente. Apesar de o sal evitar que o presunto estrague, ele aconselha comer em até seis meses, para evitar ressecamento. Palavras de quem tem uma porca ibérica – aquela do famoso pata negra – de estimação em casa. Preta tem 10 anos e já gerou descendentes, mas está livre de virar presunto.
MitoS e inteRDiÇÕeS
A nutricionista e professora de gastronomia da UFRPE, Maria de
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A costelinha de porco é tradição do restaurante, que funciona na Ilha do Retiro
Nestas Páginas
Fátima Padilha, informa que a carne de porco tem alto valor nutritivo, além de ser saborosa. A possibilidade de contaminação é semelhante à da carne de boi. Basta que o consumidor tome alguns cuidados, como cozinhar adequadamente e buscar o selo de garantia das instituições responsáveis na hora da compra. Não são apenas os fatores de saúde, porém, que influem no consumo. Organizadora do recém-lançado livro A cultura alimentar judaica em Pernambuco, a doutora em história e professora da UFPE Tânia Neumann Kaufman explica que há leis dietéticas segundo as quais alguns alimentos são apropriados para consumo e outros não, de acordo com a bíblia hebraica. Para ela, considerar
o porco reimoso é resquício da cultura judaica em Pernambuco. Segundo a kashrut, conjunto de leis sobre a alimentação dos judeus de acordo com princípios religiosos ou medicinais, só devem ser ingeridos animais que ruminam e têm casco fendido. Simbolicamente, a ruminação representa a necessidade de pensar antes de agir, enquanto o casco fendido remete ao equilíbrio entre os lados emocional e racional. A lei islâmica, por sua vez, também proíbe aos muçulmanos comer carne de porco, considerada impura. “A rigor, todas as culturas precisam ter seu discurso sobre o porco, não cabendo a indiferença”, escreve o sociólogo Carlos Alberto Dória, no ensaio Elogio do torresminho. Para ele,
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loMBinho
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tAnAkA YoShinARi
Na receita do Royal, a carne é cozida até ficar a ponto de desmanchar e, depois, frita em imersão Criou a tonjiru, uma sopa que leva caldo de missô, costelinha em lâminas, shiitake e legumes
as culturas podem ser “porcófilas” ou “porcófobas”. Ele conta que, historicamente, a criação suína ficou restrita às pequenas propriedades, o que explica seu consumo preferencial por homens livres e pobres, quase sempre do sertão do Brasil. Nada se desperdiça do porco. A feijoada – que pode levar costela, pé, rabo, orelha, toucinho – que o diga. “A feijoada não constitui um acepipe, mas um cardápio inteiro. Ali se condensam fauna e flora num plano de seleção e resultados inestimáveis de pressão atmosférica e graduação calorífera de alta precisão sensível”, resume Luís da Câmara Cascudo, em sua História da alimentação no Brasil. Por que, então, abrir mão de tanta generosidade?
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Artigo
hallina beltrão
ViViane Souto Maior FerVo, FreVo: aula-eSpetáculo Você conhece o frevo
pernambucano? É muito provável que conheça apenas as canções mais famosas como Vassourinhas (Matias da Rocha e Joana Batista Ramos) e Madeira que cupim não rói (Capiba) e que as escute somente no período carnavalesco ou até mesmo só no Carnaval. E a dança do frevo? O famoso passo? Nas ruas, arrisca-se um passo, sugere-se uma tesoura, desfila-se com sombrinhas e veste-se a camisa do carnaval pernambucano, apenas naquela época do ano. Entretanto, não somente no aspecto musical, mas também na sua dança, o frevo vem se tornando referência artística de grande importância e representatividade, sendo pensado como arte que transcende suas manifestações ligadas ao Carnaval. O frevo é um dos elementos da cultura popular pernambucana que tem ganhado visibilidade, a partir de investigações recentes realizadas por artistas e pesquisadores. Entre essas investigações, que pensam o frevo enquanto arte e que enxergam nele, em especial no passo, uma riqueza de material com possibilidades artísticas variadas a serem conhecidas e trabalhadas, está o projeto Fervo, frevo: aula-espetáculo, contemplado em 2009 pela Bolsa Funarte de Produção Crítica sobre as Interfaces dos Conteúdos Artísticos e Culturas Populares, por meio do Ministério da Cultura. A pesquisa, por mim desenvolvida e que tem como resultado uma aula-espetáculo, busca incorporar elementos da dança frevo no treinamento do ator e na criação cênica. A dança do frevo é extremamente rica e possui uma gama de elementos que precisam ser contemplados e divulgados, principalmente visando à valorização e ao conhecimento do passo, para
que não fique exclusivamente vinculado à folia momesca e à extroversão, o que resulta numa visão que desconsidera as suas variadas possibilidades, modalidades e nuances. O frevo surgiu nas ruas do Recife no fim do século 19 e se estruturou como forma artística no decorrer do século 20. Sua dança começou a ser elaborada de maneira sistematizada somente na década de 1970, pelo Mestre Nascimento do Passo, que desenvolveu um
método próprio, com o objetivo de perpetuá-la às novas gerações. A metodologia criada por Nascimento se tornou uma grande facilitador para o entendimento e aprendizado do passo, permitindo que alguns princípios, também utilizados no teatro (dentro do treinamento do ator-dançarino), sejam facilmente percebidos, apreendidos e trabalhados. O projeto Fervo, frevo: aula-espetáculo tem como base a dança e, em especial, o método do Mestre Nascimento. Outra
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referência do trabalho é o grupo Guerreiros do Passo, formado por discípulos de Nascimento, que há cinco anos desenvolve um projeto de aulas gratuitas de dança em praças e ruas da Região Metropolitana do Recife, sem nenhum tipo de incentivo e apoio de instituições particulares ou governamentais. A pesquisa estabelece o diálogo entre o método criado por Nascimento e o pensamento da Antropologia Teatral. O encontro e o diálogo entre essas duas
linguagens artísticas acontecem com o foco no trabalho do atordançarino e se valem de princípios identificados na base dos diferentes gêneros, estilos e papéis das tradições pessoais e coletivas, para o estudo do comportamento cênico pré-expressivo. Com a apresentação da aulaespetáculo foi possível identificar o interesse e a admiração do público pelo frevo, ao mesmo tempo em que se percebeu a sua falta de conhecimento sobre o
assunto. Foram apresentadas algumas modalidades da dança frevo identificadas por Mestre Nascimento do Passo e desconhecidas por muitas pessoas. Há um trabalho com diferentes qualidades corporais presentes em cada uma delas, que tanto enriquece o treinamento do atordançarino como favorece a criação de personagens e situações cênicas. Alguns exemplos identificados por Nascimento são: o do ginasta, do bêbado, da criança, do cinquentão, da mulher pernambucana, do capoeira, do carancolado, da boneca, entre outros. Ainda falta um reconhecimento ao trabalho artístico e pedagógico, de valor histórico e social, realizado por Nascimento do Passo. A seu respeito, encontramos depoimentos de foliões, carnavalescos, alunos, em livros e jornais, destacando a importância e sabedoria do seu legado e a sua dedicação e paixão pelo frevo. “O trabalho de Nascimento é, acima de tudo, um exemplo de resistência cultural, de luta política para retirar o frevo e o passo dos parâmetros do exclusivamente carnavalesco ou folclórico”, escreve a pesquisadora Maria Goretti Rocha de Oliveira, em seu livro Danças populares como espetáculo público no Recife de 1970 a 1988. O projeto Fervo, Frevo: aulaespetáculo foi apresentado no III Festival Latino Americano de Teatro da Bahia, em Salvador, dando continuidade ao seu objetivo de divulgar seus resultados. Além do público em geral, acreditamos no interesse do trabalho para profissionais e estudantes das artes do corpo, desde que ele busca ampliar os conhecimentos sobre o frevo pernambucano, valorizar o teatro de pesquisa e enaltecer a prática dos brincantes populares. Assim, buscamos contribuir para a propagação e a valorização da cultura do Nordeste, do frevo e do teatro de pesquisa, fomentando a diversidade da produção cultural da região. A pesquisa pode ser acompanhada pelo blog: www.viviver.blogspot.com.
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Felipe Trotta
FAROFA DE RICO, MÚSICA DE TODOS
Felipe trotta
professor, doutor em Comunicação e Cultura e mestre em Musicologia maíra gamarra
Pense na seguinte cena dominical: numa bela praia do litoral pernambucano, dezenas de barcos (de pequeno porte, mas confortáveis) estacionam diretamente na areia, onde desembarcam seus donos, amigos e familiares. Os ingredientes lembram muito o trecho de uma antiga canção do rock nacional: “a farofa, a galinha e a vitrolinha”. A sensação de quem chegou antes, e por meio terrestre, é mesmo de uma espécie de “invasão”. A farofa é uma metonímia interessante. Representa o alimento mais barato, amorfo, processado de forma simples, difícil de manejar e que assume papel secundário na composição da refeição. Acompanha os mais variados pratos e transita com certa desenvoltura por toda uma gama de desqualificações. Nesse caso específico, a singela “vitrolinha” é substituída por um poderoso equipamento de som que, instalado na cabine das embarcações, impõe a todos os frequentadores da praia o repertório escolhido pelos donos dos barcos. Após sua chegada, Calcinha Preta e Aviões do Forró acomodaram-se confortavelmente na paisagem sonora da praia, assim como fariam em qualquer outra de nosso Estado (e além dele), chegando de carro, de ônibus ou pelos mares. O curioso é que as bandas de forró eletrônico costumam ser duramente atacadas pela crítica especializada como sendo uma expressão de gente “sem cultura”. Música de uma periferia que consome e reproduz acriticamente artefatos de baixo valor cultural, moldando seu gosto iletrado. A partir desse raciocínio, de forte inspiração bourdieusiana, uma melhor escolaridade representaria necessariamente uma predileção por outro repertório musical, longe daquelas bandas. Seria fácil tomar o domingo dos barcos para rebater frontalmente esse pensamento. Porém, talvez uma manobra mais complexa seria pensar que alguns refrões como “pega e não se apega” ou “chupa que é de uva” podem falar sobre essa periferia, mas reverberam muito além dela. A alegria, a festa, o amor e o sexo – os temas mais recorrentes do forró eletrônico – funcionam como eixos de uma identificação musical e afetiva que agrega admiradores em várias esferas sociais, entrecortada pelo viés jovem e por determinados conjuntos de valores éticos compartilhados e negociados em larga escala. Ouvi de um colega que um domingo nessa praia é uma “farofada de rico”. Talvez seja precisamente a “farofa” esse artefato cultural que agrega ricos, pobres e setores médios da sociedade, cantando juntos, com ironia, “você não vale nada/ mas eu gosto de você”. Ficamos de fora apenas nós, intelectuais da classe média, que não “misturamos nossa laia” e ainda não reconhecemos a força e o prazer do massivo. Eu mesmo, incomodado, fui embora da praia.
con ti nen te
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