Joel Silveira (1918 – 2007) Colunista da Continente Multicultural e “maior repórter brasileiro” faleceu no Rio de Janeiro, em 15 de agosto passado
Os leitores da Revista Continente Multicultural já estavam habituados às crônicas históricas e às tiradas ferinas do “Diário de uma Víbora”, a coluna assinada por Joel Silveira desde o n° 7 de nossa publicação. Lembranças de episódios importantes eram mescladas com impressões pessoais mais do que indiscretas; teste munhos sobre eventos políticos decisivos para história brasileira eram alternados a crônicas simples sobre o homem e a vida comuns... Nesta edição, com o título de Monteiro Lobato e a Censura: um diálogo impossível, Joel se despede com a verve e o brilhantismo de sempre. Jornalista e amigo íntimo de Joel, Geneton Morais Neto conta que o “víbora” recebeu este apelido de Assis Chateaubriand, pois sempre foi especialista em destilar veneno e ironia em seus textos. O poeta Manuel Bandeira se referia ao seu estilo como “uma punhalada que só dói quando a ferida esfria”. Em reportagem para a Revista O Cruzeiro, que entrou para a história do jornalismo brasi leiro, pintou, com palavras elegantes e irônicas, um retrato devastador das grãfinas paulistas, na década de 40. A união entre a vocação de repórter que busca a notícia onde ela estiver e a capacidade de escrever com inte ligência, graça e ironia deram a Joel Silveira a merecida alcunha de “maior repórter brasileiro”. Ele impri mia seu tom autoral em qualquer matéria, coisa cada vez mais rara nos jornais brasileiros. Uma noite, após de sair do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, amargando uma tentativa frustrada de entrevista com Getúlio Vargas, escreveu: “Lá para a meianoite, entrei no Danúbio Azul, um bar que não
MEMÓRIA
existe mais numa Lapa que também não existe mais; e lá fiquei até que a manhã me fosse encontrar – uma das mais radiosas manhãs de abril já neste mundo surgida, desde que existem mundo e manhãs de abril”. Joel conta desta forma o que, segundo ele, foi o maior vexame profissional que cometeu: – “Uma vez, em Roma, depois da guerra, vi Ernest Hemingway tomando conha que sozinho num bar que ele costumava freqüentar. Fiquei em dúvida sobre se deveria abordálo. Fui ao banheiro remoendo a dúvida. Quando voltei, ele já tinha ido embora. É um dos meus grandes fracassos profissionais. O pior que poderia acontecer seria levar um soco de Hemingway. Nesse caso, pelo menos o lead estaria garantido”. Em relação às suas crenças religiosas, Joel se classi ficava como agnóstico, e dizia concordar com o que disse o poeta Murilo Mendes: – “Deus existe, mas não funciona”. Nos Diários Associados, Joel acabou sendo escalado por Assis Chateaubriand como correspondente de guerra. As inesquecíveis palavras de Chatô para seu subor dinado foram: “Vá para guerra, seu Silveira, mas, por favor, não me morra! Não me morra, seu Silveira! Repór ter não é para morrer. Repórter é para mandar notícias”. Bom conselho. •
Continente setembro 2007
47