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CULTURA

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IMIGRAÇÃO

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DIA INTERNACIONAL DA MULHER

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Por Hellen Lima

Como a data se distanciou de suas raízes históricas e a sua relevância (ou não) para os dias atuais.

ODia Internacional da Mulher, como hoje o conhecemos, muito se distanciou de suas origens no início de século XX. Apesar de haver controvérsias a respeito do real motivo da data, uma coisa é certa: as mulheres que iniciaram esse movimento não esperavam receber flores nesse dia.

Há uma versão bem popular onde se diz que a data foi estabelecida em 1907 para fazer menção ao aniversário de cinquenta anos de uma repressão brutal a um protesto feito por trabalhadoras do setor têxtil em Nova York em 1857. Neste evento, os donos da fábrica teriam incendiado o prédio com as trabalhadoras dentro. No entanto, uma pesquisadora canadense chamada Renée Côté publicou uma pesquisa em 1984 revelando que não há registros de que, nem o tal incêndio ocorreu e tampouco a celebração em 1907. Esse mito teria sido criado na década de 50 para esconder as origens socialistas da comemoração. Houve de fato um incêndio, porém em 25 de Março de 1911 em Manhattan na Triangle Shirtwaist Factory (três anos após a primeira comemoração do dia da mulher que se têm notícia). Neste incêndio 145 trabalhadores morreram, em sua maioria mulheres imigrantes judias e italianas. As causas da tragédia foram as condições insalubres da fábrica, péssimas condições de trabalho, nenhum plano de prevenção a incêndios - e não uma represália.

Segundo registros, o primeiro dia onde se celebrou um dia dedicado à mulher foi em 3 de Maio de 1908 em Chicago. Mais de 1500 mulheres se reuniram para reivindicar igualdade econômica e política, defendendo o voto feminino e protestando contra as más condições de trabalho. A partir desse ano, protestos similares começaram a fazer parte do calendário do movimento das mulheres ao redor do mundo, porém sem uma data específica para tal. No ano seguinte, em 28 de Fevereiro 1909, o Woman’s Day foi realizado pelo Partido Socialista Americano e organizado pelo comitê das mulheres, tendo

Foto: Google

como principal bandeira o voto feminino. A primeira greve de mulheres nos EUA que se têm notícia ocorreu entre Novembro de 1909 e Fevereiro de 1910, e muitas dessas mulheres também participaram do Woman’s Day de 1910 que reuniu mais de 3 mil mulheres em Nova York a favor do sufrágio feminino. Influenciadas pelas americanas, mulheres europeias também passaram a comemorar a cada ano o Dia da Mulher. Em 1911, o dia foi comemorado na Alemanha em 19 de março e a alemã Clara Zetkin teve a ideia de tornar a data uma celebração internacional, porém ainda não havia a definição de uma data específica e cada país comemorava em um dia diferente no ano. Em 1913, na Rússia sob o regime

czarista, foi realizada a primeira jornada internacional das trabalhadoras pelo sufrágio feminino, no ano seguinte, as líderes do movimento estavam presas tornando impossível uma comemoração pública. Já na Alemanha, nesse mesmo ano o dia foi comemorado exatamente em 8 de Março, um domingo, assim todos os que trabalhavam durante a semana poderiam se juntar ao movimento. Nos anos seguintes, durante a Primeira Guerra Mundial, as comemorações foram discretas. O evento que é mais relevante para a fixação do dia em 8 de Março, ocorreu na Rússia em 23 de Fevereiro de 1917 (8 de Março pelo calendário Gregoriano, na época a Rússia adotava o calendário Juliano). Neste dia, mulheres começaram uma manifestação contra a fome, a guerra, escassez de alimentos e trabalhadoras do setor têxtil entraram em greve. Essa manifestação adquiriu vários adeptos e foi o estopim da Revolução Russa (1917-1922). O líder dessa Revolução, Trotsky, depôs o Czar Russo Nicholas II, pouco tempo depois a Rússia se tornaria o primeiro país Socialista da história. Apesar de muitas mulheres se orgulharem da Revolução Russa ter começado com uma manifestação de mulheres, vale lembrar que o regime Socialista na Rússia matou mais de 20 milhões de pessoas (entre homens e mulheres).

As manifestações das mulheres no início do século tiveram êxito em suas reivindicações. A

bandeira principal, o direito ao voto feminino, foi sendo conquistada pouco a pouco em diversos países. A Rússia permitiu o voto feminino em 1917, a Inglaterra em 1918, os EUA em 1920 e o Brasil em 1932. Após essa onda, surgiram outras e logo em seguida diversos temas foram sendo explorados (como a liberdade sexual através do anticoncepcional, o direito ao divórcio e ao aborto). Em 1975, a ONU designou o dia 8 de Março como o dia Internacional da Mulher.

Ainda hoje, o dia é marcado por manifestações ao redor do mundo, porém o movimento feminista que começou como uma luta legítima pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, não arrebata os corações de todas as mulheres. É irônico pensar que a data inicialmente criada por socialistas, hoje é celebrada muito mais pelo mundo capitalista (que lucra bastante com presentes para as mulheres) e até mesmo instituições religiosas fazem menção ao dia. Há atualmente um claro distanciamento de grande parte das mulheres do movimento que se auto-intitula como defensor dos direitos femininos. Ana Caroline Campagnolo, em seu livro Feminismo – Perversão e Subversão, traz a seguinte afirmação: “O feminismo não se interessa pelo feminino, mas intenta destruir a feminilidade e a masculinidade, bem como a simbologia e a identidade inerente aos dois sexos”. A principal crítica ao atual movimento é que as feministas hoje, desejosas de estarem em pé de igualdade com os homens em posições privilegiadas, consi

Março de 2020 deram um estorvo o papel da mulher simplesmente como esposa e mãe, quando ainda existem muitas mulheres que celebram exatamente o fato de serem apenas esposas e mães. G.K. Chesterton, em seu livro O que há de errado com um mundo traz uma reflexão importante: “Como é que ensinar regra de três para as crianças dos outros (como fazem as professoras) pode ser uma ampla, nobre e libertadora profissão, e ensinar suas próprias crianças a respeito de absolutamente tudo, uma profissão restrita?” O questionamento é: ser “apenas” esposa e mãe é menos nobre que liderar uma nação? Em tempos onde a ideologia de gênero está tão em voga, alguns até discordam se existe razão para celebrar o dia 8 de Março. Se qualquer um pode se auto-intitular mulher (e ser reconhecido como tal), o que seria ser de fato mulher então? Hoje homens biológicos que se sentem mulheres mudam seus hábitos para comportamentos tipicamente femininos: usam maquiagem e salto alto, tem seus cabelos longos, se tornam mais delicados e frágeis. Mulheres biológicas ao contrário, acham que devem cada dia se aproximar mais da aparência e do comportamento de um homem, usando roupas mais sérias e masculinas e se comportando de uma forma mais firme. Contradição? Neste cenário, o que é ser mulher hoje? Qual é o padrão de imagem e comportamento que define a mulher nos dias atuais? Talvez hoje, nenhum. C.S. Lewis em sua obra Cristianismo Puro e Simples traz uma explicação simples e clara sobre o significado das palavras. Ele fala a respeito da palavra “Gentleman” que inicialmente significava “um homem que tinha um brasão e possuía terras” e com o tempo o termo passou a significar “um homem bom e educado”, mesmo que antigamente dizer que um homem era ao mesmo tempo um gentleman e um cafajeste não fosse incoerência. “Quando uma palavra deixa de ter valor descritivo e passa a ser um mero elogio, ela não esclarece sobre o objeto, só denota o conceito que o falante tem dele”. Ainda acrescenta que com o tempo a palavra se tornará inútil, por perder seu significado original e passar a ter um conceito subjetivo. Será que as tão evidentes diferenças entre homens e mulheres um dia serão irrelevantes ao ponto da novilíngua, descrita por George Orwell no seu livro 1984, ser implantada e os pronomes neutrxs tomarem conta das gramáticas ao redor do mundo? Há ainda muito a ser conquistado pelas mulheres. Ao contrário do mundo ocidental, onde muito dos avanços em relação a direitos das mulheres já estão estabelecidos, em países da África e Ásia, principalmente os regidos pela Sharia, as mulheres ainda são cidadãos de segunda classe. Lá elas não têm os mesmos direitos que os homens e suas vidas são literalmente governadas por eles. Porém, essa é uma pauta pouco explorada pelos movimentos feministas atuais. Outra pauta pouco explorada é a admissão de mulhe res transgêneros no esporte feminino. Ana Paula, ex jogadora da

seleção brasileira feminina de vôlei, escreveu sobre a admissão de mu- lheres trans no esporte feminino: “O espaço conquistado de maneira íntegra por mulheres está em jogo. A verdade mais óbvia e respeitada por todos os envolvidos no esporte é a diferença biológica entre ho- mens e mulheres. Se não houves- se, por que estabelecer categorias separadas entre os sexos? Não faz sentido misturar homens e mulhe- res onde a força física faz diferença no resultado final”. Muitos advogam que esse seria o início do fim dos esportes femininos, uma vez que a força física inquestionavelmente superior do homem biológico irá sobrepujar o desempenho femini- no. Seria justa tal discrepância?

Como se observa, há ain- da uma infinidade de temas a se- rem explorados pelos movimen- tos de mulheres nos dias atuais. Certamente muitas das agendas femininas serão completamen- te opostas, embora advogadas por mulheres em ambos os lados. Há muitas perguntas, dife- rentes cosmovisões, provavelmen- te nunca chegar-se-á a um deno- minador comum, ao contrário, a tendência é que o Dia Internacional da Mulher ao passar dos anos fique cada vez mais ao gosto do freguês (ou freguesa). No entanto, isso não é motivo para ignorarmos essa ce- lebração, fazer isso seria esquecer as legítimas conquistas até agora. Que neste dia cada mulher re- ceba o que deseja, seja uma flor ou um emprego, um filho ou uma via- gem, um esposo ou uma graduação.

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