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Opinião
A saga das fundações de apoio contra a burocracia
Por Fernando Peregrino*
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Talvez ninguém imaginasse que ao ser criada a Lei 8958 em 1994, portanto há 27 anos, fôssemos passar por tanta burocracia ainda no país, sobretudo quando se trata de pesquisa. A lei respondia a uma demanda da comunidade acadêmica para simplificar o processo de importação de um insumo para pesquisa, por exemplo.
Reconhecidamente, lidar com a papelada e as proibições para realizar um projeto de pesquisa e inovação era como enfrentar um mar revolto com um pequeno barco sem remo. As fundações de apoio nasceram para dar conta desse problema. Vieram para realizar compras rápidas, importar de forma simplificada e sem imposto, contratar força de trabalho auxiliar, construir laboratórios etc. Tudo que a burocracia pública não conseguia fazer com eficiência.
A presença de uma fundação de apoio para gerir o que uma autarquia não consegue fazer, com a flexibilidade que se exige de projetos de ciência e tecnologia, é, sem duvida, uma jabuticaba. Não há precedente na administração pública, ter uma entidade privada, independente, para administrar os meios da pesquisa.
A rigor bastaria a burocracia pública entender o fim a que se destina e criar normas coerentes e flexíveis com esse objetivo.
Mas quem pensa assim não conhece como uma burocracia nasce e se mantém. Como imaginou Max Weber (séc. XX), a burocracia é uma organização formada por um grupo de funcionários bem pagos, com estrutura hierárquica definida, previsibilidade no fazer e um conjunto de leis e normas que devem ser obedecidas –quase tudo o que um projeto de pesquisa não precisa. Afinal, como disse o famoso filósofo italiano, Umberto Eco, um projeto de pesquisa é como um plano de uma viagem: você sabe onde quer chegar, mas não sabe se pode mudar seus planos durante o percurso.
Ora, a burocracia e suas leis não permitem que você mude seu projeto sem refazer orçamento e cronograma, além de o próprio contrato. Para o pesquisador, essa mudança deve ser feita sem formalidades, do contrário, ele pode perder a oportunidade de testar sua hipótese. Imagine, um pesquisador querendo medir a força de choque de uma onda no oceano sobre uma plataforma de petróleo. Se essa onda ocorre de 100 em 100 anos, um atraso poderá lhe custar o cronograma e a viabilidade. Imagine o teste de uma vacina no verão: se o material não for comprado a tempo, pode-se atrasar um cronograma e inviabilizar o projeto a tempo de implantar a vacina.
Mas Weber não imaginou que a burocracia era tão resiliente, como um ser vivo que ressurge com mais força a cada golpe contra ela. Vejam o caso do Marco Legal, um conjunto de leis voltadas para flexibilizar a gestão da pesquisa: em 2015, uma emenda à Constituição autorizava que um plano de ciência e tecnologia pudesse mudar suas rubricas sem anuência prévia do Congresso Nacional. Nenhum setor da Administração Pública tem esse privilégio, apenas o nosso. Em 2016, a Lei 13.243 do Marco Legal definia que as compras seriam flexíveis, e o decreto 9.283, em 2018, estabelecia que as prestações de contas seriam presididas pelo relatório técnico do projeto – e menos pelas formalidades. Tudo ao contrário do que se adota hoje, 5 anos depois.
Segundo levantamento do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica - CONFIES, pesquisadores de várias universidades, em 2020, disseram que a burocracia aumentou, e muitos acusam a burocracia da própria universidade de ter ampliado seus cordéis e fortalecido uma política do controle pouco inteligente. Tomemos o exemplo de o pesquisador ter de contratar um fiscal para um projeto de serviços para uma empresa. Quer coisa mais absurda? Não deveria a empresa ter um fiscal para verificar o cumprimento do projeto contratado?
O Brasil amarga a 62ª posição no índice global de inovação, perdendo para Argentina, Chile, México e Costa Rica. As Universidades, entre elas a UFPA, produzem 95% da ciência brasileira. Mas, em compensação, não conseguem transferir esse conhecimento para a sociedade, em grande parte por conta da burocracia. Essa é a luta principal das fundações de apoio e do CONFIES. Persistentemente estamos em guerra contra esse mal que assola o país.
(*) Fernando Peregrino é diretor da Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos - COPPETEC e presidente do CONFIES.