Fale! Edição 21

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A sucess達o presidencial nos EUA

Binho Bezerra, presidente do Bicbanco

O SEGREDO DO

SUCESSO R$ 7,50 JANEIRO 2004

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Economia&Negócios O case do Bicbanco

S

imples, jovial nos seus 46 anos, o engenheiro civil Binho Bezerra assumiu a presidência do Bicbanco aos 38 anos e é responsável por uma arrancada de sucesso na história de um dos bancos mais tradicionais do país. Nesta entrevista exclusiva ao editor Luís-Sérgio Santos, concedida em Fortaleza, no aconchegante escritório do publicitário Orlando Mota, na Avenida Beira-Mar, no final da tarde do dia 14 de janeiro, Binho Bezerra revela a cultura do Bicbanco e opina com desenvoltura sobre política interna e externa. Hoje, quando comemora 65 anos, o Bicbanco exibe uma solidez e credibilidade conquistadas a partir de um planejamento que se traduz em gestão profissional e foco estratégico. O jovem presidente impôs um crescimento patrimonial de R$ 70 milhões, há dez anos, para R$ 370 milhões, hoje. Com o apoio dos acionistas — dentre os quais o pai, Humberto Bezerra, e o tio, o ex-governador do Ceará Adauto Bezerra —, Binho Bezerra atua lado a lado com seu primo Adauto Júnior, com o irmão Sérgio Bezerra e com um time de profissionais de primeira linha. Planejamento, prospecção do mercado, foco estratégico, prudência nas decisões — e nunca, nunca colocar em risco o que já foi conquistado, ou nunca crescer a qualquer custo —

VISÃO ESTRATÉGICA

Binho Bezerra, presidente do Bicbanco

FOCO NO NEG

a fórmula

BICBA Ao assumir, há oito anos, como o mais jovem presidente de banco no Brasil, Binho Bezerra tinha um rumo certo. “O fundamental é você ter foco no negócio, conhecimento.”

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GÓCIO

a

ANCO são leis ortodoxas no modelo de gestão do Bicbanco. Esta é a primeira entrevista que Binho Bezerra concede a um meio de comunicação. Ele é um workholic, e, no trabalho, é, na opinião dos amigos, um furacão em erupção. Determinado, com um foco impressionante no seu negócio, fala com desenvoltura sobre economia e negócios. Binho Bezerra é um insider,

FOTO DE FÁBIO LIMA PARA OMNI

ajudou a construir um sólido patrimônio tangível e, ao lado dele, um conceito de segurança, tradição e modernidade de uma instituição financeira consolidado na marca Bicbanco. Esta entrevista é também uma aula de gestão. Certamente, se discutida nos bancos escolares, dará uma enorme contribuição às novíssimas gerações. Uma lição de prudência, estratégia, que mostra JANEIRO 2004

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uma gestão misto de ortodoxia com sutil heterodoxia e, principalmente, determinação e uma obstinada certeza de que, sem foco, não há solução. A profissionalização da gestão do Bicbanco acontece de um modo curioso, sem apego a modismos. Acionistas e profissionais participam das decisões, foco no negócio, fidelização do cliente. Uma profissionalização com o equilíbrio entre acionistas e profissionais. O detalhe é que os acionistas, aqui, são do ramo. Vivem o negócio 24 horas. Isso ajuda a entender por que muitos bancos quebraram no Brasil, após o fim da inflação. É que o turbilhão da inflação encobria problemas gerenciais estruturais, disfarçava a falta de foco daqueles agentes e financiava o desperdício. Mas, principalmente, encobria a falta de aptidão dos acionistas para conviver com as sutilezas e riscos do negócio. A entrevista revela também um Binho Bezerra avesso à exposição na mídia, embora tenha uma vida social intensa. Por conta disso, está atualizado em assuntos bem distantes de sua atividade no Banco. Quer sempre estar atualizado sobre tendências e todo tipo de informação contemporânea, de moda a música, de literatura a comportamento. A grande oferta de produtos culturais em São Paulo, onde mora, na região do Ibirapuera, é um convite permanente à atualização. Mas faz tudo isso de modo discreto e, principalmente, anônimo. A relação continuada, afetuosa, mas ao mesmo tempo firme e, eventualmente, digamos “profissional” com o pai, Humberto Bezerra, é fator preponderante na sua formação. Se tivéssemos que definir Binho Bezerra numa palavra, esta palavra seria simples. Simples, mas consistente, focado. Ele sabe onde está. Tem consciência exata do que conquistou e sabe principalmente aonde quer chegar. Fale! — A que o senhor atribui o sucesso empresarial do Bicbanco e qual a importância estratégica da mudança da sede para São Paulo neste processo? Binho Bezerra. Não adianta mudar mantendo a mesma forma de pensar. Se você não agrega elementos para mudar a cultura empresarial, você vai envelhecendo, a estrutura vai envelhecendo e a organização vai envelhecendo. O novo tem uma missão e com certeza esta não é a de agradar o velho ou deixar as coisas como estão. É ter a consciência de que é necessário dar um upgrade.

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Fale! — Qual era a estratégia do Bicbanco quando se transferiu para São Paulo? Binho Bezerra. Nós víamos que existia uma limitação grande em termos de crescimento se ficássemos restritos ao Ceará ou ao Nordeste. E alguns eventos aconteceram e nos ajudaram a tomar a decisão de mudar para São Paulo. Em primeiro lugar, algumas regras do Banco Central foram alteradas. Até 1985, o modelo do BC, inspirado no modelo americano, era de bancos regionalizados. Se nós éramos

É fundamental você ter foco no negócio, conhecimento, mas, antes de mais nada, ter apoio.

” O modelo

“de gestão que

eu acredito ser o ideal é aquele que junta acionistas com os profissionais, desde que o acionista tenha um profundo conhecimento do negócio.


AVENIDA PAULISTA Sede do Bicbanco, em São Paulo

DETERMINADO

AO SUCESSO Quando se mudou, com o primo Adauto Júnior, para São Paulo, em 1989, José Bezerra de Menezes — ou simplesmente Binho Bezerra — tinha uma autodeterminação, não podia fracassar. Vindo de uma formação que passava por escolas de padres em Olinda, Brasília e Fortaleza, e uma gradução em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará e compondo uma linhagem de tradicionais políticos cearenses, ele impôs a si metas que hoje fazem do Bicbanco uma das instituições financeiras de maior credibilidade no país. Geminiano do dia 4 de junho de 1957, Binho Bezerra nasceu em Olinda, onde seu pai, o coronel Francisco Humberto Bezerra, servia, mas saiu de lá aos três anos. Depois de Olinda, morou em Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, cidade na qual o pai foi prefeito. Em seguida, quatro anos em Brasília, acompanhando o pai, deputado federal. Na volta ao Ceará, para Fortaleza, onde Humberto Bezerra foi vice-governador de César Cals de Oliveira Filho, a partir de 1971. Binho tem uma relação estreita com o pai. “Meu pai sempre mostrou para a gente os caminhos, mas sem procurar intervir muito. Cada um dos irmãos fez uma carreira diferente que não a de banco”, lembra. “Até porque era uma sociedade de seis irmãos e não se sabia como iria funcionar o processo sucessório. Então, cada um deveria tomar um rumo independente no negócio.” Quando chegou a São Paulo em 1989, foi surpreendido em seguida pelo turbilhão do Plano Collor, “uma situação totalmente inusitada.” Teve que aprender a gerenciar uma série de estresses. “O fundamental é você ter foco no negócio, conhecimento, mas antes de mais nada você ter um apoio.” A instabilidade da economia ajudou e muito na formação de Binho Bezerra e na condução dos rumos do Bicbanco. Com uma tradição de 65 anos de experiência, o Bicbanco nasceu em 1938 como uma Cooperativa de Crédito, na cidade de Juazeiro do Norte, fundada pelo precursor José Bezerra de Menezes, seu avô. Em 1944, a Cooperativa passa à condição de banco, como Banco do Juazeiro S.A. Em 1981, muda razão social para BIC Banco Industrial e Comercial S.A. e instala também a primeira agência na cidade de São Paulo. Em 1989, muda a sede para São Paulo. Hoje, a terceira geração, formada por Binho, seu primo Adauto e seu irmão Sérgio, comanda os destinos do Banco.  JANEIRO 2004

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do Nordeste, tínhamos todo apoio para crescer dentro da nossa região, mas não tínhamos esse apoio se quiséssemos ir para outra região. Isso acontecia com todos os bancos do Nordeste: Econômico, Banorte, BIC e outros. Quando veio o fato da quebra de dois grandes bancos, o Comind [o Banco do Commercio e Indústria de São Paulo, que faliu em 1985] e o Auxiliar, ambos de São Paulo — eram bancos de expressão e de rede —, a solução que o Banco Central encontrou foi leiloar aquelas agências. Só que para que o leilão ficasse mais disputado, o BC permitiu que os bancos regionais pudessem participar, quebrando, então, aquele conceito de regionalismo. Isso permitiu que bancos do Sul e do Nordeste migrassem para regiões nas quais não tinham permissão para atuar. E assim, naquele momento, nós mais que dobramos o número de agências, e todas elas fora do Ceará. Em seguida, o BC criou o conceito de banco múltiplo que nada mais era que você poder — através do índice de capitalização de cada banco — agregar carteiras com as quais você antes não trabalhava. Antes desse momento, nós só tínhamos carteira comercial, que é a nossa origem. A partir daí, nós passamos a operar com carteira de câmbio, de leasing, financeira. E isso nos obrigou a buscar profissionais que conhecessem essas carteiras. Aqui no Ceará, a única fonte para buscar profissionais era praticamente o Banco do Nordeste. Foi nesse momento que decidimos que deveríamos criar uma subsede do Banco, num primeiro momento, em São Paulo e, em 1989, eu fui para lá para dar corpo a essa nova estrutura. Fale! — Onde era a sede do Banco? Binho Bezerra. Na época, fomos

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para a Avenida Brigadeiro Faria Lima. Nós tínhamos agência lá, mas criamos uma subsede, fora da agência, para começar a estruturar o Banco e suas novas áreas. Esse momento foi muito importante porque nós decidimos que não adiantava mudar o Banco para São Paulo levando as mesmas pessoas que estavam no Banco em Fortaleza. Se nós queríamos buscar uma qualidade melhor, uma evolução, um dinamismo, era importante que não mudássemos com as pessoas que aqui estavam. Isso foi uma decisão muito boa porque foi uma forma não só de mudar de endereço, mas de reciclar todo o Banco. Praticamente todos os homens de decisão foram mudados de uma forma lenta e gradual. Foi uma transição por etapas e por área. Nunca houve um estresse dentro do Banco no sentido de o Banco estar mudando para São Paulo, de que estaria renegando sua origem cearense. Esse processo demorou cerca de três a quatro anos. Fale! — E o senhor conduzindo todo esse processo, em São Paulo. Binho Bezerra. O fato de reestruturar e estar no comando dá um enorme conhecimento sobre o seu negócio. Você acaba tendo que conhecer tudo que está sendo feito, tem que ter o domínio total do negócio, tem que ter muito claro o foco do negócio e isso dá consistência às suas ações. É diferente de ter as coisas todas montadas por terceiros. Depois de um certo período, o crescimento em São Paulo passou a ser progressivo. Em relação à nossa situação anterior — 70% a 75% dos ativos do Banco estavam nas regiões Norte e Nordeste — mudou muito. Três ou quatro anos depois, isso estava totalmente invertido. Os ativos do Banco passaram

CRONOLOGIA

BICBANCO 1938 Cooperativa de Crédito -

fundada na cidade de Juazeiro do Norte, na região do Cariri — Sul do Ceará, pelo precursor José Bezerra de Menezes. 1944 Banco do Juazeiro S.A. A Cooperativa passa à condição de banco. 1981 BIC Banco Industrial e Comercial S.A. São vencidos os limites geográficos do Estado do Ceará, com a 1ª agência na cidade de São Paulo sob nova razão social. 1989 A instituição atinge a condição de Banco Múltiplo operando em todas as carteiras de banco múltiplo.  Passa a concorrer em igualdade com os grandes conglomerados financeiros. 1991 Bicbanco — Banco Industrial e Comercial S.A. Nova identidade visual; conceito de atualidade e modernização da instituição. 1994 Administração Central São Paulo  Transferência da sede de Fortaleza, Ceará, para a Capital de São Paulo.  35 agências implantadas nas principais cidades brasileiras. 1996 A 3ª geração da família Bezerra de Menezes assume a administração dos negócios. O Bicbanco é destaque entre as 50 maiores e melhores instituições bancárias do país. 1998 Conquista do 13º lugar no ranking das importações, 41º em exportações e o 35º lugar no ranking geral de comércio exterior. 1999 Selecionado pelo Banco de Exportação e Importação dos EUA (Eximbank) junto com outros 5 bancos brasileiros para participar do programa de US$ 1 bilhão de fomento a exportações de curto, médio e longo prazo dos EUA para o Brasil. 2000 Bicbanco 10º lugar em ativos entre os bancos privados nacionais e 28º no ranking geral de bancos. 2001 Por 5 anos consecutivos, figura no Ranking Geral dos Bancos, entre as 50 maiores instituições financeiras do país. 2002 Transfere sua sede para o principal centro financeiro do país. Avenida Paulista, 1048, em São Paulo.


a ser 60% a 70% no Sul e Sudeste. Hoje, tranqüilamente, entre 80% e 85% dos ativos do Banco estão no Sul e Sudeste. Fale! — Qual o impacto desta transição no crescimento do Banco? Binho Bezerra. Quando cheguei a São Paulo, cerca de 12 anos atrás, o Banco deveria ter R$ 70 milhões de patrimônio. Hoje, nós temos R$ 370 milhões de patrimônio. Depois que abrimos agência em São Paulo, veio o momento da decisão de se transferir sede, presidência. Nos nossos estatutos, os acionistas com 70 anos têm que ir para o Conselho. Como eles iriam para o conselho em 1995, esperamos esse momento para fazermos oficialmente a migração do Banco para São Paulo e foi quando eu assumi a presidência. Vale lembrar que naquele momento o sistema financeiro foi colocado à prova. Foi a época em que começou o Plano Real. Houve uma queda abrupta da inflação. Os bancos, que sempre vinham se rentabilizando muito em cima de uma estrutura de inflação que distorcia bastante os custos de operação e resultados, começaram a sentir o problema. Essa queda da inflação aconteceu exatamente na época em que eu assumi a presidência do Banco. Houve bancos que não se adequaram à nova realidade até porque não tinham foco, não sabiam onde queriam atuar. Fale! — O senhor qualifica esse momento como o início de uma depuração do sistema bancário? Binho Bezerra. Foi um processo que naturalmente iria acontecer. Sempre acreditei que aconteceria em fases diferentes. A primeira fase é a de estrutura de custo que não era adequada à operação, mas que a inflação cobria. Afora isso, e somando-se a isso, tinha a falta de foco e a estratégia mal definida. Assim, grande parte dos bancos foi eliminada nesse momento. Fale! — O ciclo inflacionário encobria todo esse problema de mau gerenciamento? Binho Bezerra. Sim. Mas vale salientar também que o processo inflacionário estimulou uma superproliferação de instituições financeiras. Quando o Banco Central autorizou a criação de bancos múltiplos, mais de 100 bancos foram criados. E muitas empresas transformaram suas estruturas financeiras em bancos porque achavam que tinham

a oportunidade e o direito de ter um banco, de diversificar — e o sistema inflacionário ajudava essa decisão. No primeiro enxugamento do sistema financeiro, os bancos criados no momento inflacionário, com acionistas que não tinham a menor vocação para isso, sumiram. Mas tivemos problemas também com bancos que já estavam instalados há muito tempo e que, por falta de foco e de estrutura de custos, acabaram ficando para trás. Fale! — A vinda de bancos estrangeiros criou um cenário de previsões ruins para os bancos nacionais — que não eram modernos, competitivos etc. Binho Bezerra. Incentivou-se naquele momento — e isso era natural, até porque o Brasil precisava de uma nova estrutura de capital que viesse investir no País — a entrada de bancos estrangeiros. As previsões eram terríveis. Falavam que talvez apenas os dois maiores brasileiros sobrevivessem, mas desde que se juntassem para enfrentar os bancos estrangeiros. Um fato desprezado é que o processo inflacionário deu muito know-how aos bancos brasileiros porque não é fácil trabalhar com dinheiro numa inflação de mais de 1.000% ao ano. E saber lidar com isso gerou um enorme conhecimento e este conhecimento os estrangeiros não tinham. E era um know-how nosso por uma defecção da nossa economia. Os bancos brasileiros estavam muito acostumados com planos econômicos que criavam distorções na economia. O que parecia ser um mercado muito fácil — e o foi para os bancos estrangeiros em outros países, como o Chile e outros países da América Latina, onde os bancos estrangeiros chegaram e dominaram tudo —, na verdade dificultou muito o entendimento dos estrangeiros sobre nossa economia e sobre o perfil dos nossos clientes. A competitividade que deveria acontecer , acabou não acontecendo. Muito pelo contrário. As empresas não tinham uma cultura profissional de mostrar balanços, faturamentos. O crédito era dado muito em cima do conhecimento do dono da empresa. E isso, para banco estrangeiro, não funciona. Assim, os bancos estrangeiros que vieram para cá se limitavam a trabalhar com as empresas correlatas de seus países ou com as grandes multinacionais. E o resto do mercado sobrava para os bancos nacionais.

A falta de foco e a estratégia mal definida fizeram com que grande parte dos bancos fosse eliminada com a chegada do Plano Real e o fim da inflação.

” O acionista é

“importante para ajudar nas decisões, assumir riscos e definir estratégias.

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Fale! — Isso abria novas oportunidades de negócio? Binho Bezerra. Nós vislumbramos que a cada nova fusão abria-se espaço para o Banco crescer. E assim nós fomos crescendo — sempre nos apresentando como mais uma opção para o cliente, mostrando que éramos banco nacional, que não tínhamos uma política de mudança do modo operacional tão forte quanto os bancos estrangeiros, já que no caso deles era a matriz quem determinava a política. O empresariado foi percebendo isso. Empresas que trabalharam um certo tempo com bancos estrangeiros notavam que existia uma mudança de postura. A questão cultural foi muito importante para que nós definíssemos a nossa estratégia e buscássemos ganhar esse mercado. O fato de você saber lidar com esse tipo de sutileza, alternância de planos, ajudou bastante na nossa trajetória. Fale! — Nessa fase, o senhor está em São Paulo e implanta vários outros serviços como câmbio, leasing dentro do perfil de um banco múltiplo. Binho Bezerra. Esse é um outro processo. Quando nós abrimos a carteira de câmbio, logicamente nós tivemos de captar dinheiro de bancos estrangeiros, isso fez com que sempre estivéssemos em reuniões do Bird, do FMI. Encontros com banqueiros que nos dão linha. Só que nós temos que passar para eles exatamente o que fazemos, a consistência do que fazemos. Não é só mostrar o balanço do Banco não. Nós temos que mostrar que estamos fazendo o nosso dever de casa e mostrar que nós cumprimos todas as metas de crescimento. Então, essa convivência cria uma cultura de relacionamento com aqueles banqueiros com os quais você se encontra com certa freqüência. E, assim, desenvolvemos uma cultura de crédito com quem nos da crédito. Essa convivência tem sido muito boa porque nós trouxemos essa cultura para dentro do Banco. Esse relacionamento — que não tem nada a ver com números — dá consistência a tudo que nós planejamos. Trabalhar com os bancos estrangeiros tem sido muito bom porque você tem que se expor, mostrar que domina o manejo do negócio, que sabe lidar com o processo sucessório etc. Fale! — Quais são os bancos parceiros fora do Brasil?

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Binho Bezerra. Nós trabalhamos com bancos privados, com banco de desenvolvimento, temos acordos com praticamente os maiores bancos de desenvolvimento dos países, tais como Itália, França, Alemanha, países escandinavos. Com os bancos privados já chegamos a ter 90 bancos correspondentes. Às vezes nos falta negócios para dar a esses bancos — porque às vezes eles têm linhas disponíveis, mas o cenário aqui não está propício para que nós assumamos o risco de repassarmos os recursos. Mas o nosso conceito com esses bancos é sempre muito bom. Nós sempre tivemos presentes em todas as reuniões de Bird e FMI, mesmo com o Brasil em crise. Porque o que é importante é nunca se ausentar dessas reuniões. A pior coisa é se omitir, não estar ali para se defender. Infelizmente, em várias e várias reuniões, o governo brasileiro tem se omitido. Em momentos de estresse da economia, mandam pessoas do segundo escalão. E então nós, os bancos privados, tínhamos que defender o país, defender o sistema e defender o nosso negócio. E outros países, com situação igual ou pior que a nossa, nunca deixaram de mandar seus ministros da Fazenda que iam explicar os problemas, dar a cara para baterem. O que as pessoas querem é isso. O fato de você se ausentar gera muita especulação. Fale! — O Banco é agente de bancos de desenvolvimento como o Bird e isso tem a ver com o perfil do cliente? Binho Bezerra. O Banco tem uma parceria com o Bird como com outros bancos. Isso porque nós trabalhamos com médias empresas que são os clientes que nós queremos que cresçam e para que cresçam é necessário financiamento de longo prazo. Essas empresas compram máquinas com dinheiro dos bancos de fomento, que é um dinheiro mais barato. E nós somos os agentes dessas operações. Isso faz com que fidelizemos nossa relação com esses clientes. A relação com o cliente é importante quando o cliente está crescendo porque, depois que ele cresceu, você não vai conseguir parceria com nenhuma empresa. E nós criamos um plus para intensificar essa relação. Se o cliente quer financiar um bem nacional, nós temos linhas do BNDES. Se são bens estrangeiros, temos linhas dependendo do país para financiar operações de até cinco anos.

O Brasil melhorou muito mais em função de uma conjuntura externa do que pelas ações que deveríamos tomar. O mundo todo melhorou.

” Hoje em dia,

“não dá para viver

desconectado. Na globalização você não pode mais querer fazer vôo solo. As retaliações são muito grandes.


Fale! — Inicia-se uma fidelização no começo do ciclo de crescimento do cliente. É este o foco estratégico? Binho Bezerra. Clientes que trabalham com o Banco permanecem no Banco por um grande período. Porque, na realidade, nossos clientes não são clientes que vão ao banco. São clientes que nós prospectamos. Isso é muito importante pra você entender a nossa estratégia. Somos nós que vamos ao cliente, que definimos o perfil do nosso cliente, que definimos o mercado que queremos atuar. Todos os nossos gerentes têm uma lista de “x” empresas que têm que prospectar a cada ano para convertê-los em clientes porque foram definidos como mercado alvo. Quando nós fazemos a definição do mercado alvo, toda uma análise da empresa é realizada. O nosso gerente já vai na empresa com uma convicção muito grande de aprovação de crédito, porque o cliente já foi definido como mercado alvo. É diferente de uma empresa passar na porta do banco e entrar. Isso é muito raro! Fale! — Então é feito um planejamento estratégico anual? Binho Bezerra. Nós temos nossas reuniões semestrais com definições de metas e mercado alvo. Avaliamos as linhas do banco que não estão sendo trabalhadas da forma devida e tomamos decisões estratégicas. Fale! — Qual o modelo de administração que o Banco adota e que o senhor considera o mais eficaz? Binho Bezerra. Uma coisa muito preconizada é a profissionalização. Nós temos modelos de empresas familiares que são um desastre. E modelos de empresas profissionais que também são um desastre. Haja vista a americana Enron — [a gigante americana do setor de energia que pediu concordata em dezembro de 2001, denunciada por fraudes contábeis e fiscais, com uma dívida de US$ 13 bilhões]. O modelo de gestão que eu acredito ser o ideal é aquele que junta acionistas com os profissionais, desde que o acionista tenha um profundo conhecimento do negócio. E, apesar dele ter profundo conhecimento, eu não acho que ele deva gerir a empresa. O acionista é importante para ajudar nas decisões, assumir riscos e definir estratégias. O grande problema quando a empresa é

gerida só com profissional é o momento da decisão. É o momento de assumir o risco. Nessa hora, você tem que ter ao lado aquele acionista que entende do assunto para poder compartilhar o risco da decisão. Não é só o momento da gestão, é o momento da decisão. Fale! — Como é o processo de tomada de decisão considerando que sempre haverá um risco? Binho Bezerra. Atividade financeira é uma atividade de risco. Nós emprestamos o dinheiro e esperamos recebê-lo de volta. Eu não posso administrar uma empresa que tem o risco como a natureza do negócio e achar que não existe risco. Agora você pode, sim, minimizar o risco, ou conhecer os riscos, ou tentar minimizar ao máximo o efeito desses riscos. Mas, de fato, nós sempre vamos conviver com o risco. Tem que ser uma decisão compartilhada. Mas tem que ser com embasamento. Fale! — Muitos bancos grandes e médios não sobreviveram. E o Bicbanco é um case de solidez porque soube administrar os riscos? Binho Bezerra. Aí não é só risco. Tem risco, estratégia, gestão. Fale! — Sobre a conjuntura econômica de hoje, como o senhor vê a valorização dos C-Bonds e o aumento da credibilidade do Brasil junto ao mercado externo? Binho Bezerra. Eu vejo isso aí de duas formas. Não resta a menor dúvida de que o governo está no caminho certo. No primeiro momento, houve um certo temor sobre por quais caminhos o governo Lula iria trilhar, mas a credibilidade foi restabelecida. Mas eu acho que a gente também tem que parar para pensar. Se olharmos para fora, veremos que o que está acontecendo hoje é uma grande onda de liquidez mundial. Claro que tivemos progresso, mas ele sozinho não seria suficiente para construir este cenário. O mundo todo melhorou e nós estamos tendo uma visão muito tupiniquim de que só o Brasil melhorou. Por exemplo, o risco da Turquia é 250 pontos, o da Colômbia é 280 e o do Brasil é ainda de 480 pontos. E aqui, internamente, acho que não vamos ficar achando isso bom porque essa melhora está se dando muito mais pela liquidez internacional do que pelas ações que nós deveríamos tomar. Isso é extremamente importante porque mesmo que se fizessem todas as medidas certas e lá

O cenário externo é maravilhoso. Internamente, o governo não tem uma oposição forte que possa estar barrando as reformas necessárias. Então, o governo tem tudo para colocar o Brasil na rota do crescimento.

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fora estivesse ruim, as medidas certas não teriam nenhum efeito prático. O próprio Fernando Henrique fez muita coisa acertadamente, mas com uma conjuntura externa muito desfavorável. Hoje, o cenário externo possibilita que o Brasil lance papéis a 30 anos. A Vale do Rio Doce lançou papéis a 30 anos com risco menor do que o risco Brasil. Há um ano era impossível lançarmos papéis acima de um ano. A percepção mudou totalmente. O cenário agora é extremamente favorável. O que o Brasil deve fazer neste momento é — sabendo que existe uma aceitação do risco país com prazo longo — readequar sua dívida externa e uma forma tranqüila, sem ser através de uma negociação. Simplesmente emitindo papéis de longo prazo, e começar a recomprar os de curto prazo. Ou seja, ele mesmo vai alongar o prazo da dívida porque o cenário permite, sem ter que chamar os credores para renegociar — fato que causaria um estrago muito grande na economia. Fale! — Seria um alongamento do perfil da dívida sem nenhum trauma? Binho Bezerra. A nossa dívida tem que ser reequacionada. Alongar o perfil. Mas tem que ser naturalmente. Agora, o Brasil pode fazer porque o mercado aceita. O Brasil não pode perder essa oportunidade. Até porque os C-Bonds são o último título de uma renegociação. Até hoje nós temos uma manchinha porque esse título foi fruto de uma dívida não paga na época do Sarney [o governo de José Sarney foi de 1985 a 1990]. Existe possibilidade de recompra desses C-Bonds pelo fato deles terem atingido 100% do valor de face. O Brasil deveria emitir um papel de longo prazo e recomprar os C-Bonds. E por que ele deveria fazer isso? Porque vai tirar do mercado um título de renegociação — um papel de origem ruim. É como se ele limpasse o nome. Fale! — Como o senhor analisa os sucessivos superávits na balança comercial? Binho Bezerra. Eu acho que o superávit comercial vem de duas coisas. Primeiro, um dólar supervalorizado no primeiro semestre. Segundo, do desaquecimento da economia internamente. A economia está parada — nós crescemos 0,02%, a atividade econômica interna estava parada, não existe renda. Por que está dando superávit? Porque

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ninguém importa. Só faz exportar. Em 2004 você vai ver que, embora numa situação muito melhor, o superávit da balança vai ser muito inferior. Além disso, deve haver uma retomada do consumo interno. Fale! — O que deve ser feito para dar uma aquecida na economia, já que a meta para 2004 é um crescimento em torno de 4% do PIB? Binho Bezerra. Esse é outro ponto com o qual devemos ter muito cuidado. As perspectivas de crescimento para este ano vão de 3,5% a 4%. Mais uma vez temos que olhar para o que acontece em outras economias. A Índia cresce a 7% ao ano já há sete anos, a China cresce a 7% há oito anos. O Brasil tem que estar se estruturando não para crescer 4% este ano e sim para crescer a 5% nos próximos cinco anos. Essa que deve ser a preocupação dos nossos governantes. Crescer 4% num ano, vindo de uma base em que o crescimento foi zero, é fácil. Nós temos que ter um crescimento sustentado que seja por muito tempo. E aí surge a pergunta: será que nós temos infra-estrutura suficiente pra bancar isso? Será que não vamos ter problema lá na frente? Será que isso não vai gerar inflação? Porque o que tem acontecido no Brasil é falta de uma política macroeconômica, porque toda vida que a economia crescia 3%, gerava inflação, e aí o Banco Central tinha que aumentar juros para inibir consumo. Ou então faltava luz. Nós temos estrutura para crescer em que percentual e por quanto tempo? O crescimento sustentável deveria ser a grande meta dos governantes. Fale! — Como o senhor analisa as políticas estruturais, tais como reforma tributária e da Previdência? Binho Bezerra. Eu acho que nós temos, mais uma vez, uma grande oportunidade. O presidente Lula, que sempre foi de oposição e talvez em alguns momentos possa ter sido empecilho para algumas reformas, hoje trabalha a favor e não enfrenta uma oposição tão forte pra impedir as reformas. O cenário externo é maravilhoso. Então, o governo tem tudo para colocar o Brasil no processo de crescimento. É importante que para isso ele use os bancos de desenvolvimento como o BNDES, o BNB. Use-os na sua função de desenvolvimento. Esses bancos não podem estar financiando grandes operações. Eles têm que estimular pequenas e médias

Nós temos que estar nos estruturando não para crescer 4% este ano e sim para crescer 5% nos próximos cinco anos. Essa que deve ser a meta dos nossos governantes.

” É importante

“nunca se

ausentar dessas reuniões de Bird e FMI, mesmo que o país esteja em crise.


empresas. Quando falamos num crescimento de 3%, 4% do PIB, lembremos que no mercado de médias empresas o crescimento é muito maior. Elas sofrem o efeito-sanfona. Ali o crescimento é em torno de 7% porque o impacto é muito grande. Essas empresas precisam de um suporte, de investimento, ainda mais porque existem recursos que não estão sendo aplicados onde deveriam. O governo tinha que chamar esses bancos de desenvolvimento e traçar um projeto de crescimento para o país. Fale! — Os bancos privados poderiam se aliar nesse processo? Binho Bezerra. Porque, na realidade, por falta de capilaridade não será possível esses bancos cumprirem o seu papel. Se o banco não tem rede suficiente para isso, ele deve usar agentes financeiros para fazê-lo. Sim. É extremamente importante que os bancos de desenvolvimento usem a capilaridade do sistema financeiro para atingir suas metas. Fale! — Como o senhor viu o caso da recompra da Eletropaulo pelo BNDES, já que a americana AES Corp, controladora da empresa, não assumiu o rombo. Esse é um exemplo de má escolha de parceiros? Binho Bezerra. Eu acho que o processo de privatização brasileiro tinha que ter alguma sustentação. Uma das críticas que se faz é um Banco de Desenvolvimento Social colocar dinheiro na privatização. Na realidade, as operações que foram feitas não têm nada de desenvolvimento social. A não ser financiar ativos do governo. Muito dinheiro que não gerou nenhum emprego, nenhum desenvolvimento, a não ser o próprio status que já existia. No caso da AES, esses fatos desmistificaram aquela idéia de que a multinacional a qualquer momento vem socorrer os problemas de suas filiais. Isso está mais do que comprovado que não ocorre. Ora, no sistema financeiro da Argentina, no dia em que a Argentina quebrou, a matriz dos bancos estrangeiros pegou a chave do banco, entregou para o governo argentino e disse: o problema é teu. E nós tivemos exemplos de bancos cujas matrizes são enormes, e dos quais o argentino virou cliente de um banco estrangeiro achando que nunca ia ter problema. Teve o caso do Societé Generale e do banco canadense Bank of Nova Scotia [divulgou prejuízo de U$ 377 milhões e informou que não colocaria mais dinheiro no

país, o que provocou o fechamento de suas agências pelo governo argentino]. Hoje em dia essas empresas têm que ser auto-suficientes. Não existem vasos comunicantes com a matriz. Tanto isso é verdade que quando o risco de um país começa a crescer muito, às vezes a matriz manda fazer, sabe o quê? Manda que as filiais paguem dividendos, para tirar o máximo possível de recursos do país. Isso serve para desmistificar a idéia de que multinacional vai sempre socorrer as filiais com problemas. Também ocorre o contrário. Quando ela quebra lá fora, não quer dizer que as filiais vão ter um problema. Foi o caso da WorldCom, que é dona da Embratel. [A operação contábil fraudulenta feita pela WorldCom, que transformou US$ 3,9 bilhões de despesas em investimentos, distorceu o ativo e o patrimônio líquido do balanço financeiro. A operação feita pela controladora da Embratel teve objetivo de melhorar o resultado da companhia.] Fale! — Como o senhor analisa a situação da Argentina depois do calote? Binho Bezerra. Eu vejo isso de forma muito parecida com qualquer empresa que entra em dificuldade. Num primeiro momento, para a empresa devedora até pode ser bom porque ela deixa de ter encargos financeiros. Passa a ser auto-suficiente. É o que está acontecendo com a Argentina. Só que tem o seguinte: se essa empresa quiser crescer, ou se esse país quiser crescer, ele não dispõe de fonte de recursos. Na hora que você quiser crescer, onde é que você vai buscar recursos? O seu próprio negócio não gera os recursos suficientes para você crescer. Hoje, a Argentina cria uma situação de conforto para a população, mas ela fica tolhida de uma perspectiva de crescimento para os próximos anos. O Brasil, depois da moratória, amargou uma década sem créditos. Você não consegue viver desconectado. Na globalização, você não pode mais querer fazer vôo solo. As retaliações são muito grandes. Veja o que aconteceu com os Estados Unidos. Um país superpoderoso, que tomou uma decisão unilateral. Aonde você vai hoje vê um aumento da rejeição a essa postura. Atualmente o mundo não permite que você tenha atitudes isoladas. Fale! — Quais são as metas de crescimento do Bicbanco para este ano? Binho Bezerra. 2003 foi um ano

Por que está dando superávit? Porque ninguém importa. Só faz exportar. Em 2004, você vai ver que, embora numa situação muito melhor, o superávit da balança vai ser muito inferior.

” Nós, no Ban-

“co,mosnãocrescer querepor

crescer. Mas com qualidade e consistência.

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muito bom para o Banco e para o sistema financeiro como um todo. Na medida em que a economia vai reagindo, ela acaba irrigando o crédito como um todo. Existe uma demanda por crédito, a inadimplência é bem menor e conseqüentemente há um melhor resultado. Estamos acompanhando essa perspectiva de crescimento de 45 para 2004. Nós estamos fechando 2003 com ativos totais por volta de R$ 4, 4 bilhões, operações de crédito foram cerca de R$ 2,8 bilhões, depósitos totais por volta de R$ 2,9 bilhões e um resultado de mais ou menos R$ 75 milhões. Um retorno sobre o patrimônio de 23% que é um índice muito bom já que a média do sistema está em torno de 15%, 16%. A perspectiva é boa. Fale! — Como o senhor analisa hoje a credibilidade do Bicbanco? Binho Bezerra. A credibilidade do Banco é a melhor possível, nós sempre trabalhamos com muita transparência. O Banco é avaliado regularmente por empresas de rating como a Fitch Ibca, Austin Asis e Risk Bank e isto dá uma credibilidade muito grande ao banco. E todas essas instituições avaliam o banco muito bem. Nós temos uma política que prima muito pela pulverização das nossas fontes de captação. Nós temos como política de trabalho com uma liquidez próxima ao patrimônio líquido do Banco. Temos uma desconcentração tanto de ativos quanto de passivos. Isso nos traz mais estabilidade. Fale! — O que faz o Banco se tornar em case de gestão? Binho Bezerra. Não sei se a palavra é essa, mas o fato é que são 65 anos construídos com muita consistência. A nossa tônica sempre foi crescer, mas com a certeza de que todo passo que fosse dado não poderia comprometer o que já foi conquistado. Às vezes, as pessoas querem crescer colocando em risco tudo o que foi feito. Eu acho que talvez exista um pouco de conservadorismo no sentido de que nós não achamos que crescer seja uma corrida alucinada, mas algo com muita consistência. Isso é uma estratégia muito bem definida com os acionistas e com os profissionais. Não geramos a pressão de crescer por crescer. Mas crescer com qualidade e com consistência. Eu acho que isso é o grande fator de sucesso do Banco. Em alguns momentos poderia crescer muito mais. No entanto, o fato de o acio-

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nista estar na gestão leva-o a concluir que naquele momento é mais sensato crescer menos. Fale! — Como o senhor avalia a política comercial do Brasil com o exterior e a formação de um bloco com a dimensão da Alca? Binho Bezerra. Eu acho que a Alca é inevitável e ela tem que ser negociada. O que eu não gosto quando eu vejo nos jornais essa discussão ir para um lado ideológico. Na área de comércio, eu defendo algo diferente. Nos países que hoje são exportadores, capitalistas por essência, toda a área de comércio é feita por um ministro de Comércio Exterior. Mas o Brasil ainda adota um modelo em que quem faz isso são as embaixadas. E um mix de diplomacia e de comércio. Nos Estados Unidos, quem vai vender é ministro do Comércio, não tem essa de diplomata. A coisa já se profissionalizou de tal modo que isso não é mais assunto de diplomacia. Isso é dinheiro, é capital, o que importa é quanto vai e quanto vem. O modelo de diplomacia só existe em países que não têm uma cultura exportadora, que não têm uma cultura comercial objetiva. Noutros países, quando o presidente viaja, o ministro do Comércio Exterior vai para fazer business. É tudo troca de negócios mesmo. A diplomacia cuida de outra coisa. Eu acho que o Brasil, se tivesse que fazer uma reforma, deveria começar a olhar esses exemplos de modelo de exportação daqueles países. Países que possuem vocação para exportação têm um ministro que só cuida disso. Fale! — Como o senhor analisa-o desempenho dos ministros Celso Amorim e Luiz Fernando Furlan? Binho Bezerra. Enquanto um está discutindo business, o outro está discutindo filosofia. Os grandes atritos não são do business, os grandes atritos são na filosofia. E muitas vezes a coisa filosófica acaba atrapalhando o negócio. Os países têm que ser geridos como empresas, têm que ser profissionalizados. Áreas que requerem profissionais, têm que ser profissional. Olha, quando o Lula colocou o Henrique Meirelles no Banco Central tomou uma decisão extremamente profissional. Quando ele botou o Furlan, no Ministério da Indústria e Comércio, também foi uma medida extremamente profissional. 

Recomprar os C-Bonds seria como limparmos o nome, pois eles vêm de uma renegociação fruto de uma dívida não paga na época do Sarney. O Brasil deve readequar agora o perfil de sua dívida externa de forma tranqüila, simplesmente emitindo papéis de longo prazo e recomprando os de curto prazo.


ESTILO DE VIDA

Separando bem lazer, trabalho e vida em família FOTO DE FÁBIO LIMA PARA OMNI

A

o lado do executivo, um trator no trabalho, na opinião de alguns amigos, está o homem que tem uma vida privada discreta, mas intensa. “É muito difícil um executivo não conviver com o estresse no seu dia-a-dia, mesmo fora do trabalho”, conta. Mas Binho ensina que, na sua vida particular, não faz do seu um instrumento de trabalho. “No meu lazer, eu não trabalho, não janto, por exemplo, com um cliente, a não ser que seja com um cliente amigo.” Sua regra é dedicar o lazer à sua família, “embora traga, dentro desse convívio, um pouco do meu estresse, como qualquer

INSPIRAÇÃO pessoa.” onde mora, na arborizada reSeparar bem lazer e tra- Binho Bezerra gião do Parque do Ibirapuera. balho é uma maneira de com o pai, “Tem pessoas que chegam não levar a família para o Humberto em casa estressadas e não trabalho. “Se eu levo o traba- Bezerra têm vontade de sair e ficam lho para dentro de casa, vou em casa. Eu sou o contrário. acabar levando a família para Eu gosto de sair, de passear. o trabalho.” Porque é isso que me dá vontade de Ele se alimenta seguindo uma dieta trabalhar, usufruir a vida.” que nunca extrapola para a extravaBinho diz que São Paulo mostra-lhe gância. “Como eu não cometo certos que é importante não ter preconceito excessos, talvez não tenha que correr contra nenhum tipo de arte. Ele freatrás de reparos”, diz, referindo-se qüenta eventos tanto de gente famosa sobre a saúde em dia. quanto daqueles estreantes, pouco A intensa atividade profissional não o conhecidos. “Gosto de ver o novo. Sou impede de ser um consumidor cultural uma pessoa curiosa, que não se satisfaz regular, principalmente em São Paulo, com as mesmices.” JANEIRO 2004

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Ele [Humberto Bezerra, seu pai] é uma pessoa com quem me identifico muito. A gente tem um nível de conhecimento um do outro muito forte. Não é uma relação de pai e filho. Transcende isso. Eu entendo como ele pensa. Ele sabe o que eu penso.

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Seu estilo despojado pode ser identificado em coisas como não ir aos mesmos restaurantes porque o garçom o conhece, para ser bem tratado. “Ao contrário. Sou uma pessoa que não gosta de se expor. Não gosto que as pessoas saibam quem eu sou, porque às vezes acho que elas podem mudar a forma de me tratar. Tem pessoas que chegam no restaurante, chamam o mâitre, escolhem a mesa... Eu não gosto disso. Acho que a vida fica mais fácil assim. Eu gosto de ser um ilustre anônimo.” Esse estilo de vida é para preservar sua privacidade. “No dia em que eu quiser botar uma calça jeans e ir para um boteco, eu vou. Eu sempre fui assim, desde o tempo em que morava em Fortaleza. Nunca andei com uma turma só. Sempre andei com várias turmas diferentes. Todo geminiano é assim, geminiano do dia 4 de junho. Não gosta das coisas muito programadas.” >> Hobbie. “Música é um dos meus grandes hobbies. Gosto de todo tipo de música. Sempre pesquisei muito. A minha amizade coma Angela Borges [publicitária que faleceu em janeiro deste ano] sempre foi muito em cima disso. Ela ficava impressionada com coisas que eu descobria. Gosto de gravar para amigos porque é uma forma de ficar sentado e ficar ouvindo porque, na verdade, eu estou me dando um tempo para gravar para um amigo e ao mesmo tempo estou escutando música. Eu faço isso com certa freqüência.” >> Sobre o pai, Humberto Bezerra. “Meu pai sempre mostrou para a gente os caminhos, mas sem procurar intervir muito. Lá em casa, cada um sempre fez uma carreira diferente que não a de banco. Até porque era uma sociedade de seis irmãos que ele não sabia como iria funcionar o processo sucessório. Cada um deveria tomar um rumo independente no negócio. Então, tive uma construtora, cheguei a construir, só depois de um certo tempo fui para o Banco. Ele é uma pessoa com quem me identifico muito. A gente tem um nível de conhecimento um do outro muito forte. Não é uma relação de pai e filho. Transcende isso. Eu entendo como ele pensa. Ele sabe o que eu penso. A gente sabe os momentos em que dá para abordar certos assuntos. Mesmo a distância, nunca deixei de interagir com ele. Ele sempre funciona para mim como um

conselheiro. Ele sempre me deu total apoio. Isso é muito importante. Você pode ser um cara brilhante, mas, se você não tiver apoio, não adianta absolutamente nada. Vira um cara brilhante, mas totalmente ofuscado. O grande mérito dessa gestão toda não é o Binho, é você ter esse conjunto de coisas, de suporte, de apoio, do meu pai, do meu tio Adauto Bezerra, do Adauto Júnior, e do Sérgio Bezerra. Em momentos que já tive de situações de empresas que deram problemas, ele sempre dizia — você vai aprender com coisas boas e coisas ruins. Eu tenho muitos amigos que trabalham com o pai, mas sempre se preocuparam muito em agradar ao pai, talvez achando que este seja o modelo correto. E não é. A relação cresce quando se tem que contrapor e argumentar. “ >> Low Profile. “Eu acho que ele, o meu pai, foi o grande formador da minha personalidade, da minha forma de ser. Eu não gosto de me expor muito. Isso vem dele, gosto de estar na retaguarda ao invés de na linha de frente.” >> A rotina. “Moro próximo ao Parque do Ibirapuera. Tenho uma vida normal. Banco-casa-casa-banco, me dando tempo de usufruir da cidade. Procuro ter tempo para meus filhos — três homens com idade de 17 anos, 16 anos e seis anos. Sempre gosto de fazer uma viagem sozinho com minha mulher.” >> Equilibrista. “Eu acho que na vida você tem que ser um equilibrista com pratos. Na hora em que vê que um prato está caindo, você deve cuidar mais dele, depois cuida do outro. Só que eu digo que o prato do meio é o trabalho. Então, esse prato está sempre rodando mais do que os outros.” >> Simplicidade. “Eu acho que a gente tem que ter uma vida simples, uma forma de viver que traga amigos, não que afaste amigos. Eu tenho bastante amigos. Mas eu tenho um perfil mais familiar do que de amigos.” >> Fim de semana. “Vou para minha fazenda. São Paulo também tem praias maravilhosas e tem o aeroporto que pode te levar pra qualquer lugar. Mas a gente viaja tanto que o que na folga a gente quer mesmo é ficar em casa.” n


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