Os empresarios no poder 2013 versão web final

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EMPRESÁRIOS NO PODER [O Projeto Político do CIC — 1978-1986] A GÊNESE POLÍTICO-ELEITORAL DE TASSO JEREISSATI 2 A. E D I Ç Ã O INCLUI POSFÁCIO


Um livro necessário Foi com determinação que Isabela Martin definiu o objeto desta sua monografia de conclusão do Curso de Comunicação Social. E não se tratava de precipitação, mas de convicção de que era política e imprensa que ela queria estudar para a produção de um texto sob a orientação do professor Luís-Sérgio Santos. O resultado final, que agora se publica em livro, revela que ela soube refletir, de modo amadurecido, sobre o jogo do poder que resultou na “cara” do Ceará que vivemos agora. Isabela Martin compreendeu a importância de um projeto político que se tornou hegemônico e buscou, na ideologia e na retórica, instrumentos para a desmontagem de um discurso que reflete uma prática que, por sua vez, realimenta o discurso jornalístico e assim por diante. O trabalho é da maior atualidade e mantém o distanciamento exigido em nome de um rigor acadêmico. O período que ela abarca é passível de uma análise por conta de uma delimitação difícil de se aceitar quando se prevalece a vontade de colocar tudo no papel e de partir para uma visão enciclopédica dos fatos. No que se refere ao ineditismo, este objeto tem sido pouco estudado. Com certeza, será ponto de partida para muitas análises futuras, mas já é hora de começar a mexer as principais peças deste quebra-cabeça e Isabela Martin se antecipou, nos propondo uma estimulante cumplicidade. O convite é irrecusável.

O texto, que se lê com prazer, supera a expectativa de uma pesquisa de iniciação. Tem densidade e traz elementos que comprovam suas premissas, fugindo ao senso comum e buscando mesclar o teórico com o testemunhal, na composição de um painel de tensão e ruptura com a velha ordem dos coronéis e a entrada em cena dos empresários. A expectativa era de que a ênfase fosse deslocada para o planejamento, com a recorrência às estratégias de marketing e à sedução publicitária, à moralidade administrativa e à gestão eficaz da coisa pública, com a denúncia do clientelismo e de outras práticas superadas. É impossível uma palavra final ou conclusões definitivas sobre um processo que está em curso. Isabela Martin sabe disso. E esboça em OS EMPRESÁRIOS NO PODER um texto que possibilita múltiplas retomadas e que evidencia a convicção de ter dado conta de seus objetivos, quando do início da empreitada. Estamos diante de uma reflexão com um saudável frescor de descoberta e de um corte importante para a compreensão da guinada social-democrata dos rumos que a política cearense tomou ditados pelo “Cambeba”, com inevitáveis equívocos e muitos acertos. Um livro para ser lido com senso crítico e prazer. Um livro necessário.

Gilmar de Carvalho Fortaleza, 1993


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EMPRESÁRIOS NO PODER [O Projeto Político do CIC — 1978-1986] A GÊNESE POLÍTICO-ELEITORAL DE TASSO JEREISSATI 2 A. E D I Ç Ã O INCLUI POSFÁCIO


Copyright 2002 ©Isabela Martin 1a edição 1993 Secretaria da Cultura — SECULT-CE

FICHA CATALOGRÁFICA

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Martin, Isabela Os empresários no poder: o projeto político do CIC (1978/1986). Fortaleza: Omni Editora Associados Ltda, 2002. 220 pp 1.Centro Industrial do Ceará. 2. Empresários na política.3.Política. I.Título. CDU 658.114.8:32(813.1) ISBN 85-88661-02-0

2002 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da Lei OMNI EDITORA Rua Joaquim Sá, 746 Fortaleza, Ceará, Brasil Fone: (85) 3247.6101 home-page: www.omnieditora.com.br e-mail: df@fortalnet.com.br


ÍNDICE APRESENTAÇÃO 7 PREFÁCIO 11 INTRODUÇÃO 13 CAP 1 — A SUPERESTRUTURA 17 1.1 O conceito de retórica 17 1.2 A ideologia burguesa 21 1.2.1 Discurso ideológico: “Fora do Lugar e Fora do Tempo” 25 1.2.2 Ideologia Política 27 1.2.3 Histórico 29 1.3 A Social-Democracia 33 1.4 Hegemonia e Correlação de Forças 37 Notas 41

CAP 2 — OS PRIMÓRDIOS DO CIC

43

CAP 3 — A SEGUNDA FASE DO CIC

51

Notas Notas

49 53


CAP 4 — “UM ARROUBO DE DEMOCRACIA”

59

CAP 5 — ENTREVISTAS

97

4.1 Uma correlação de forças 4.2 O Grupo dos Oito 4.3 Guerrilha Retórica 4.4 A Bandeira das Diretas-Já 4.5 A Um Passo da Política Partidária 4.6 Procura-se um Candidato 4.7 Campanha, Desgoverno e Divergência 4.8 Por que Tasso? 4.9 Os Dois Extremos da Campanha 4.10 As Gestões dos Jovens Empresários Notas

Entrevista com José Flávio Costa Lima Entrevista com Amarílio Macedo Entrevista com Beni Veras Entrevista com Tasso Jereissati Entrevista com Sérgio Machado

61 65 67 71 73 75 79 80 81 87 89

97 112 131 142 153

CONCLUSÃO 169 POSFÁCIO 177 BIBLIOGRAFIA 189 ANEXO II (DISCURSOS)

195

Posse de Beni Veras na presidência do CIC 195 Posse de Amarílio Macedo na presidência do CIC 200 Posse de Tasso Jereissati na presidência do CIC 204


APRESENTAÇÃO

É

significativo que um ciclo político recentemente instituído, que ainda luta para implementar os pilares de sua consolidação, receba tratamento historiográfico, através de tão delicado trabalho como este de Isabela Martin, onde a autora revela percepção do seu tempo, atenta à necessidade de manter-se fiel aos fatos. As grandes mudanças já nascem sob o signo e delas cedo buscamos guardar os melhores registros. O movimento que conduziu um grupo de jovens empresários e uma participação política em nosso Estado faz parte deste conjunto de fatos que a história de um povo não se priva de sobre eles refletir e deles colher melhores exemplos. Devo dizer, como agente e colaborador deste processo, que não buscávamos instaurar um capitalismo “humanitário”, como pode de início parecer, no sentido de corrigi-lo naquelas que são, afinal suas características mais marcantes. Buscávamos, isto sim, aproveitar melhor as possibilidades que o momento histórico oferece para o benefício de um conjunto cada vez mais amplo da sociedade. O capitalismo é um sistema baseado na livre iniciativa. É a capacidade empreendedora e diferenciada dos seres humanos que o anima e fortalece. Contudo, para colocá-lo no contexto de uma sociedade moderna, sobretudo quando se parte de

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um patamar de agudo subdesenvolvimento, é preciso que o Estado estimule o fortalecimento da sociedade, equipando-a para reagir favoravelmente às oportunidades que o sistema econômico permite à promoção de suas potencialidades, impedindo que determinados setores exacerbam em suas iniciativas. No caso específicos em que atuamos, o Ceará deste final de século, não concordávamos em que as elites se prevalecessem da fragilidade de nossa estrutura social para se apropriar do pouco excedente que a economia gerava, ampliando cada vez mais a faixa de exclusão social. Nosso objetivo primordial era sustar a relação incestuosa entre a elite econômica e o poder político, animada por um articulado conjunto de procedimentos burocráticos condenáveis. Esta mentalidade patrimonialista, que buscava o desenvolvimento apenas para si, e não para toda a sociedade, é que tentávamos combater. Podemos afirmar que este objetivo foi atingido, na medida em que criou-se no Ceará um novo padrão para o desenvolvimento governamental, baseado na construção de um estado eficiente em sua organização e politicamente orientado para o atendimento prioritário às camadas de baixa renda da população. Na construção deste processo, nos mantivemos distantes de práticas alheias ao interesse público, preservando-o, sem usar recursos e instrumentos do Estado para acumulação de fortuna pessoal. Disto temos o grato reconhecimento dos cearenses, constituindo uma referência para todo o País, num momento em que a Nação busca construir uma apresentação mais fiel aos seus valores éticos. É viva nossa convicção - e redobrando o ânimo para fortalecê-la - de que a construção de uma sociedade moderna requer das elites a capacidade de se auto-regularem, não

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exercendo sobre o Estado expressões indevidas. Para isto é imperioso que a própria sociedade construa formas eficazes de participação, agente permanente que deve ser em defesa de um estado instrumentado para a promoção do bem comum, e não de uma parcela mais articulada. O estudo de Isabela Martin tem o mérito de iniciar a discussão no âmbito acadêmico sobre este período, quando vivemos ainda etapas importantes de consolidação. É um risco a qual a autora se expõe. E o faz, diga-se, com o equilíbrio normalmente observado entre os mais experientes. BENI VERAS

Apresentação à primeira edição, 1993

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PREFÁCIO

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onfia-me a jornalista Isabela Martin a tarefa de prefaciar seu livro. E, com um só gesto, lança-me uma deferência e, ao mesmo tempo, o desafio de, com insenção, referir-me a uma história com a qual, personagem, estou envolvido. Trata a obra, na verdade, dos caminhos que, nos termos da autora, conduziam “um grupo de empresários ao poder político”, no Ceará. Portanto, ela é a narrativa da atuação política do Centro Industrial do Ceará (CIC), em sua fase segunda, que compreende ao período de 1978 a 1986. Didático, o trabalho recompõe essa fase em quatro momentos crescentes: 1) o inaugural (quando o CIC se reinstala e se revitaliza, após longa hibernação); b) o conceitual (que abrange toda a faixa temporal em que a entidade se converteu num importante fórum para a discussão das questões regionais e nacionais; c) o mercadológico (quando as ideias começaram a transpor os limites do CIC e, pela ação dos meios de comunicação de massa, terminaram por ganhar amplitude na sociedade); d) o político-eleitoral-institucional (quando integrantes do CIC resolveram assumir a defesa de um projeto político de conotação partidária). Boa parte do livro dedica-se a um diligente flashback, onde vão, aos poucos, surgindo as bandeiras, os conceitos e as atitudes que, mais tarde, irão compor tanto o “Projeto de Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 13


Mudanças”, para o Ceará, como ideário de uma social democracia brasileira, forjando-se a partir da realidade cotidiana de nossa gente, com jeito e sabor nordestino, diante, pois, dos caminhos habituais, no País, da importação de ideias do estrangeiro. Aí, o trabalho lastreia-se em diversificado e fidedigno acervo documental e testemunhal. Os Empresários no Poder — advirta-se — é trabalho que cumpre com uma destinação acadêmica. Em sua origem, ele é uma monografia de conclusão do Curso de Comunicação Social, na Universidade Federal do Ceará. Daí, sua preocupação preliminar em estabelecer o fundamento teórico e metodológico sobre “retórica” e “ideologia” social e política. É sob o crivo — e, por que, não, sob o viés — desse aproach, que os fatos e as aliações irão terminar por se enfocar. Sem dúvida, estamos diante de uma importante contribuição para quem se dispõe a estudar os evidentes sinais de inquietação e de busca por novos caminhos que a nossa sociedade vem emitindo, desde o início dos anos 80. Decreto que o palco de operações da obra restringe-se aqui, a uma entidade, CIC. Mas é evidente que a autora valeu-se do usual recurso da sinédoque. O CIC, aqui, não é menos do que um expressivo close up do todo social, num dado momento histórico. Sob essa ética, haverá que se alterar nossa leitura. A história, aqui, haverá de transpor-se, em amplitude maior. E seus personagens, em consequência, haverão que se repor em seu devido lugar. Não atores centrais a conduzir a história, mas meros símbolos, desaguadouro da insatisfação contra o atraso e os anseios por um projeto coletivo que exorcize de nosso meio a miséria e o clientelismo político. TASSO JEREISSATI Prefácio à primeira edição, 1993

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INTRODUÇÃO

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objetivo deste trabalho é mostrar a ascensão de um grupo de empresários ao poder político, num ciclo que se inicia em 1978 e termina em 1986, quando, sedimentado, ganha uma perspectiva nacional no Brasil, premiando um trabalho exaustivo de oito anos que se desenvolveu numa conjuntura em que as condições objetivas demandavam respostas pragmáticas, e não tradicionais, à retomada do desenvolvimento econômico e social e da democracia. O período objetivo do estudo (1978-1986) está denominado de “a segunda fase do CIC”, que se encerra, na minha avaliação, com a eleição do empresário Tasso Jereissati para Governador do Ceará, em 1986. Obviamente que existe uma “primeira fase do CIC”, marcada por uma atividade passiva e voltada para discussões tais como a otimização da infra-estrutura na linha custo-benefício. Tanto uma quanto outra carecem de documentos e de análises. A rigor, não existe uma bibliografia sobre o assunto, mas muitos estudos que tratam da industrialização do Ceará e de movimentos políticos na esfera burguesa referem-se ao tema. O historiador Geraldo Nobre e o economista Dórian Sampaio Filho dedicam parte de seus estudos sobre industrialização do Ceará àquela fase do CIC. Sobre a segunda

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fase do CIC, quase nada foi escrito. A bibliografia na área é, portanto, inexistente. Assim, para recuperar as ideias e a história do CIC em sua “segunda fase”, foi necessária uma pesquisa que se desenvolveu em três níveis: 1) pesquisa hemerográfica, levantando os registros feitos por jornais e revistas; 2) pesquisa bibliográfica, recuperando a conjuntura política nacional, o pano de fundo que abrigou a ação do grupo e, ainda aqui, mapeamento dos autores que, em maior ou menor intensidade, referem-se aos empresários do CIC; 3) entrevistas com as principais personagens na história da segunda fase do CIC. As ideias do CIC sempre encontraram na mídia impressa um amplo abrigo. Os jornais O Povo e Tribuna do Ceará, de Fortaleza, documentam, passo a passo, as atividades públicas do grupo que se instalou no Centro Industrial do Ceará em 1978, transcrevendo discursos e mostrando a mudança de comportamento de empresários que falavam, de modo crítico, sobre questões sociais estruturais da região Nordeste e do Brasil. A postura contundente surpreendia seus pares tradicionais porque, a rigor, todos se movimentavam na mesma esfera. Ao jornal O Povo cabe o mérito de ter sido a principal mídia na formação do valor simbólico do CIC em seus primórdios. Daí para a mídia nacional foi um passo. Conceitualmente, os empresários se movimentam na esfera burguesa e, aqui, defendem em maior ou menor grau de ideologia do modo de produção capitalista que tem como essência a lógica do lucro. A ideologia dos empresários é, portanto, aquela que legitima a livre empresa, mas, mesmo aqui, existem sutilezas que diferem os níveis da gestão da empresa privada e a relação do Estado com esta empresa. Uma dessas sutilezas é a social-democracia, doutrina que rompe, conjunturalmente, com as formas selvagens de capi-

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talismo, isto é, trabalho e, ao mesmo tempo, cria as condições objetivas favoráveis ao consumo. A parte teórica deste trabalho quer, exatamente, pontuar os conceitos-chaves, aqueles que nos possibilitam a compreensão da ação política dos empresários e, mais que isso, expõem as contradições e as ambiguidades de suas ações. Uma dessas contradições aparece mesmo na realidade empírica, quando os entrevistados colidem em perspectiva e expõem que a imagem pública do CIC é decorrente de uma operação simbólica que ganha sustentação na linguagem e na retórica. A rigor, o discurso dos empresários do CIC é marcado por uma coerência conceitual, portanto, ideológica. Chauí lembra que a “ideologia é um corpo sistemático de representações e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir”. Os empresários trilharam um caminho que significou uma ruptura com a estética conservadora das práticas políticas vigentes. Neste caminho, eles determinaram alvos e partiram para o ataque. Na verdade, uma batalha retórica na esfera burguesa empresarial entre “progressistas e conservadores”. Travou-se aqui uma guerra pela hegemonia política. A dissidência decorrente da correlação de forças no seio da classe empresarial transferiu-se, imediatamente após, para a esfera burguesa política. O poder significava a conquista da hegemonia. Podemos classificar a ascensão dos empresários do novo CIC em quatro momentos. 1. a fase inaugural com a retomada consentida do CIC, em 1978, iniciando sua separação da FIEC; 2. a fase conceitual, com a série de seminários na gestão Amarílio Macedo (1980-1981) e continuada noutras gestões; 3. a fase mercadológica, quando os empresários viram na mídia o seu aliado na construção de uma imagem pública positiva; 4. a fase político-eleitoral-institucional quando, a partir de

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1986, eles ingressaram definitivamente na política. Estes ciclos que se intersecionam e se encerram com a eleição de Tasso Jereissati, em 1986, são o objeto desta monografia, na verdade, uma obra inconclusa e sujeita a adendos e a novas versões.

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1. A SUPERESTRUTURA 1.1— O Conceito de Retórica retórica, entendida como tentativa de persuasão, está presente na linguagem, nos símbolos, nas relações interagentes do cotidiano. Nós somos seres retóricos na medida em que utilizamos a linguagem como instrumento de persuasão para modificar posturas, percepções, sentimentos, valores. As campanhas institucionais — da Igreja, dos partidos políticos, de entidades de classe —, os manifestos, os editoriais, ou uma discussão entre colegas de trabalho caracterizam-se como modalidades da prática retórica, definida por Aristóteles como forma de se obter persuasão. Aristóteles foi seguidor da Escola retórica de Isócrates. Em “Arte Poética”, no século IV a.C., ele traçou o arcabouço teórico da retórica, compreendida como “regras da arte de bem falar”. Como observa Tereza Lúcia Halliday, em “Atos Retóricos: Discurso e Circunstâncias”, Aristóteles distinguiu entre dois tipos de conhecimento: as “verdades imutáveis” da natureza, que pertencem ao campo das ciências, e as “verdades contingentes”, pertencentes ao campo da retórica 1. Segundo Maria José Santos, em “Discursos de Posse: Vez e Voz de

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um Governador”, retórica é a fusão de diferentes técnicas: uma, o método verificado para se promover a persuasão, e, a outra, o dialético 2. No livro I, Aristóteles procura estabelecer uma relação entre retórica e dialética. Ambas, segundo ele, são faculdades de fornecer argumentos que integram áreas do conhecimento, e não uma ciência, porque não têm objeto definido. A sua definição propriamente dita sobre retórica está no segundo capítulo do Livro I. A retórica, para Aristóteles, é principalmente a arte de descobrir o que, em determinada situação retórica, é capaz de persuadir. “...a retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre os objetos que lhes é próprio, a possibilidade de instituir e de persuadir; mas a retórica parece ser capaz de, por assim, dizer, no que concerne a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir”. A prática retórica já era frequente na Antiguidade grega e considerada uma atividade democrática, por meio da qual os cidadãos da pólis usavam a força da argumentação para induzir à cooperação: quer por meio dos discursos deliberativos (políticos), forenses (jurídicos) e epideítico (cerimonial). Todavia, no século XIX, a retórica sofreu um equívoco conceitual e de “comunicação pragmática para resolver os negócios humanos na Antiguidade”, caiu no senso comum como figura de linguagem floreada, “verniz de estilo”. Nesse século, o conceito de retórica foi retomado em seu sentido mais pragmático de influenciar em determinado assunto. Os estudos modernos de retórica enveredam pela

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sociolinguística e pela semiótica. Halliday cita dois filósofos que contribuíram com os estudos da Rhetorical Criticism (crítica retórica): o belga Chaim Perelman e o norte-americano Kenneth Burke. Em “Argumentação”, Perelman recapitula o desenvolvimento da teoria da argumentação como uma reação às tentativas dos lógicos modernos de identificarem a lógica com a lógica forma. Uma proposição seria aceita como verdadeira ou hipotética caso partisse de premissas verdadeiras ou de hipóteses. A demonstração reduz-se a um cálculo. Perelman afirma que a argumentação retoma e renova a retórica dos gregos e romanos, entendida como a arte do bem falar, de modo que persuada e convença. Ao contrário da lógica formal, que é impessoal e, a princípio, não se preocupa com a adesão, a argumentação é pessoal, dirige-se a um auditório com o fim de persuadir, embora suscetível de ter uma intensidade variável. A eficácia de uma argumentação, segundo Perelman, depende de sua adequação ao auditório (público, ouvinte) ao qual se destina. Ele afirma que “a qualidade do auditório determina a qualidade da argumentação”. O auditório, segundo ele, é o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar por meio do seu discurso. O contato entre eles somente se estabelece quando existe um meio de comunicação, de uma linguagem inteligível a ambos. “Querer persuadir um auditório significa, antes de mais nada, reconhecer-lhe as capacidades e qualidades de um ser com o qual a comunicação é possível, em seguida, renunciar a dar-lhe ordens que exprimam uma simples relação de forças, mas sim procurar ganhar a sua adesão intelectual. Não se pode persuadir um auditório senão tendo em conta as suas reações (...) De fato, querer persuadir alguém

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é, à partida, não partir do princípio que tudo o que se irá dizer aceito como palavra do Evangelho” 3 A retórica, calcada na teoria da argumentação é, portanto, falível. É sempre uma tentativa de persuadir, podendo ser ou não bem-sucedida. “Uma das razões pelas quais os discursos de políticos e administradores tantas vezes não dão certo, em termos de efeitos duradouros, é a falta de sustentáculo para os argumentos apresentados — o divórcio entre o discurso e a ação. Quando se diz de um discurso que “é só retórica”, trata-se de má retórica, ato retórico indefensável.” 4 A decisão de intervir em uma determinada situação com a finalidade de modificá-la somente acontece quando o retor (o orador) importa-se ou possui algum tipo de interesse em relação àquela questão. Quando esta circunstância acontece, está-se diante de uma situação retórica. Bitzer, citado por Halliday, define situação retórica como: “Um complexo de pessoas, eventos, objetos e relações que apresentam uma instância, a qual pode ser atendida, completa, parcialmente, se (um certo tipo de) discurso — introduzido na situação — for capaz de influenciar o pensamento ou a ação de uma audiência (ou público), de maneira a acarretar uma modificação positiva da instância.” 5 Bitzer classifica ainda três tipos de problemas retóricos causados por uma situação retórica. O primeiro é o da instância ou imperfeição, algo que o retor deseja modificar; o segundo, uma audiência ou público, que pode ser influencia-

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do para colaborar na modificação da instância; e o terceiro, um conjunto de limitações e restrições, que são leis, pessoas, interesses, hábitos, emoções que interferem na audiência e no retor. O retor deverá ser criativo e saber fazer uso dessas limitações para “que seu ato retórico aumente em probabilidade de sintonizar-se perfeitamente com a situação”. O ato retórico — entendido como uma “tentativa intencional de superar obstáculos numa determinada situação com a audiência específica sobre determinada questão” — pode ser analisado por critérios pragmáticos (ou de efeitos), critérios estéticos (ou de qualidade) e critérios éticos (ou de valor). No critério pragmático, a retórica é vista como ação persuasiva. Esse critério enfatiza a relação entre o ato retórico e seus objetivos. Pelo critério estético, prioriza-se a forma, o fator eloquência em detrimento de um resultado mais eficaz do discurso. É o caso, por exemplo, dos discursos imortais — ricos e vazios — e da campanha das diretas-já que conseguiu “tocar a alma humana”, a despeito de ter fracassado em seu propósito. Finalmente, o critério ético julga o ato retórico quanto ao seu valor. Segundo Halliday, quando o ato retórico é de valor, deve-se verificar em que ele contribuiu para dignificar, degradar ou mediocrizar a condição humana. 1.2 — A Ideologia Burguesa A ideologia é um conjunto de representações e normas que doutrinam o conhecimento e ação. É a maneira pela qual os agentes sociais representam o “parecer social” e esta aparência — modo abstrato e imediato de manifestação do processo histórico — camufla, oculta ou dissimula o real, na perspectiva de Marilena Chauí, em “Cultura e Democracia”.6 Essa dissimulação foi considerada, por Marx, realidade invertida. A perspectiva de Chauí corresponde à análise de Marx para

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quem, em um determinado momento histórico, “a classe que dispõe dos meios de produção material controla ao mesmo tempo os meios de produção mental, de maneira que, por isso mesmo, as ideias dos que carecem dos meios de produção estão sujeitas a ela”. Marx defendeu que a distorção do pensamento nasce a partir da realidade, das contradições sociais e as oculta. Por isso, nele, a noção de ideologia apresenta uma conotação negativa e crítica. Em “O que é Ideologia”, Chauí recupera a teoria das quatro causas de Aristóteles para evidenciar que a realidade torna compreensível as ideias elaboradas e vigentes em um determinado momento histórico.7 O aspecto fundamental da teoria da causalidade, que sistematiza o pensamento da Grécia antiga, uma sociedade escravocrata, é a hierarquização das causas em: 1. material (inferior); 2. formal; 3. motriz ou eficiente e; 4. final (superior). Essa teoria, tal como é concebida, é a transparência para o plano das ideias das relações socais da época. Ela ratifica a perspectiva de Marx que afirma que a separação da produção das ideias das condições nas quais foram produzidas é típica da ideologia. A conexão entre realidade invertida e consciência invertida não acontece de forma direta. Marx concluiu que ela é mediada por um nível de aparência que é constitutivo da própria realidade. As instituições criadas pelo homem para fixar a sua sociabilidade e explicar sua vida individual e social, como a escola, a família, a língua, os costumes e a Igreja, tendem a mascarar a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Em Marilena Chauí, essa dissimulação do real dá-se pela construção do discurso ideológico, que fornece coerência, unifica o pensamento, o discurso e a ação, anulando as diferenças; o que acaba contribuindo para a dominação numa sociedade caracterizada pela luta de classes.

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Falsa consciência ou realidade invertida — termos utilizados para se referir ao pensamento ideológico — não pode ser simplesmente compreendida como uma construção que está em desacordo com os fatos, na avaliação de Jon Elster, em “Marx Hoje”. Elster afirma que tal falsificação ou distorção é consequência de processos sociais que impedem a busca da verdade.8 Essa observação alerta que a concepção sociológica de Marx sobre falsa consciência difere da concepção freudiana de ideologia como automistificação. A teoria de Freud supõe que há uma “intuição inconsciente” do estado verdadeiro da questão, reprimida e substituída pela falsa consciência. A concepção marxista da ideologia não supõe o processo de automistificação, a despeito, segundo Elster, de na construção ideológica “haver o desejo de que o mundo é como se gostaria que ele fosse”. “O que quer que se pense sobre esse pensamento, não há modo pelo qual as pessoas possam ter acesso imediato à verdade da sociedade. Qualquer concepção da sociedade — verdadeira ou falsa, distorcida ou não — é uma construção.” 9 A explicação “marxista padrão” sobre a interdição à busca da vida e às causas que mantêm o pensamento ideológico — que, segundo Elster, tem uma resistência à crítica e à refutação por muito tempo — refere-se ao interesse da classe dominante, mas deixa sem resposta como o interesse dessa classe “supostamente conforma” as posições de outros membros da sociedade. “A concepção segundo a qual os dominantes e exploradores dão forma à visão de

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mundo dos oprimidos pela manipulação consciente e crítica é simplista demais, não porque não tenham ocorrido tentativas nessa direção, mas porque essas tentativas quase nunca dão certo. De maneira geral, o cinismo dos governantes gera o cinismo, e não a crença, dos súditos. A doutrinação eficaz requer que os governantes acreditem no que pregam; não devem ter uma atitude puramente instrumental para com suas doutrinas”.10 Marx não se prende à resposta oficial, e aponta para que as ideologias também podem surgir e infiltrar-se nas mente das pessoas sem a colaboração de outros. Isso é possível, segundo Elster, porque em Marx, ao contrário do que se observa em Freud, a ideologia não é um conjunto de crenças e atitudes gerado por experiências individualizadas. Mas, sim, compartilhado por várias pessoas por uma causa comum às condições sociais em que vivem. As ideologias podem surgir ainda simultânea e espontaneamente no espírito de muitas pessoas “sujeitas a processos psicológicos semelhantes” ou se manifestam primeiro em uma pessoa e se alastram por disseminação. Elster insiste em que a existência de crenças não pode ser atribuída exclusivamente ao fato de servirem aos interesses da classe dominante. Ele afirma que os estudos concretos de Marx sobre o pensamento ideológico diferem da sua “teoria oficial” — a de que as ideias dominantes são as que servem aos interesses da classe dominante. Elster se vale do fato de Marx apontar o interesse como explicação da ideologia, ao colocá-lo como causa de uma crença. Elster não crê que as crenças geradas pelo interesse servirão ao interesse de que as tem. Em primeiro lugar “porque crenças baseadas na paixão prestam mau serviço à própria paixão”. Em um outro momento, ele utiliza essa frase de Paul Veyne 26 | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | Isabela Martin


para argumentar que as atitudes passíveis do viés ideológico cognitivo (frio) têm mais chances de servir à paixão, até mesmo a paixão pela verdade. Em segundo lugar, a posição de classe e o interesse de classe entram na explicação do pensamento ideológico. Assim, a classe dominante também pode ser vítima desse mecanismo. Não obstante essas controvérsias, se os interesses da classe dominante por si só não justificam a existência de crenças de um determinado momento histórico, o que prevalece do pensamento marxista é a tese de que a construção ideológica é a forma encontrada para camuflar a realidade e as contradições sociais, assegurando a manutenção da dominação na sociedade de classes. 1.2.1 — Discurso ideológico: “Fora do Lugar e Fora do Tempo” Marilena Chauí utiliza duas expressões para auxiliar na definição de discurso ideológico: “fora do lugar” e “fora do tempo”. A primeira não se refere ao espaço geográfico, mas ao espaço social e político de uma determinada sociedade em que, por inversão ideológica, os sujeitos sociais e suas relações parecem estar nas ideias em vez das ideias estarem nos sujeitos sociais e em suas relações. “Fora do tempo” porque a ideologia também não tem história. Isso significa que a transformação nos discursos ideológicos não acontece por uma deliberação que lhe é própria, mas precisamente porque há a verdadeira história que a ideologia pretende dissimular. Significa também que o discurso ideológico se empenha em “produzir uma certa imagem do tempo com processo e desenvolvimento de maneira a exorcizar o risco de enfrentar efetivamente a história”.

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Isso acontece, na avaliação de Chauí, na medida em que se retornam ideias condenadas, rejeitadas em um momento, quando elas já estão desprovidas do seu poder histórico. “Com efeito, afirmar que nela (ideologia) as ideias estão fora do tempo é perceber a diferença entre o histórico ou instituinte e o institucional ou instituído. A ideologia teme tudo quanto possa ser instituinte ou fundador, e só pode incorporá-lo quando perdeu a força inaugural e tornou-se algo instituído. Por essa via podemos perceber a diferença entre ideologia e saber, na medida em que, neste, as ideias são produto de um trabalho, enquanto naquela as ideias assumem a forma de conhecimento, isto é, de ideias instituídas.” 11 Saber, segundo Chauí, é o trabalho de se tornar inteligível o não-saber, de classificar a obscuridade. Isso só ocorre mediante um processo de reflexão e “sem garantias prévias e exteriores à própria experiência e à própria reflexão que a trabalha”. Isto é, sem a interferência das ideias normativas do discurso ideológico. Cabe à ideologia neutralizar esse não-saber que suscita interrogações e, frequentemente, entra em confronto com a ordem instituída. “Ora, para que a ideologia seja eficaz é preciso que realize um movimento que lhe é peculiar, qual seja, recusar o não saber que habita a experiência, ter a habilidade para assegurar uma posição graças à qual possa neutralizar a história, abolir as diferenças, ocultar as contradições e desarmar toda a tentativa de interrogação. Assim, graças a certos artifícios que lhe são peculiares (como, por exemplo,

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elevar todas as esferas da vida social e política à condição de “essência”), a ideologia torna-se dominante e adquire feição própria sempre que consiga conjurar ou exorcizar o perigo da indeterminação social e política, indeterminação que faz com que a interrogação sobre o presente (o que pensar ? O que fazer ?) seja inutilizada graças a representações e normas prévias que fazem definitivamente a ordem instituída”.12 As idéias instituídas, afirma Chauí, são partes do “discurso competente”. Entenda-se por esse conceito, o que pode ser falado, ouvido e tido como verdadeiro; o que poderá ser proferido sem correr o risco de sofrer patrulhamento ideológico, “porque já perdeu o laços como o lugar e o tempo de sua origem”. “O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência”.13 1.2.2 — Ideologia Política Marx também elaborou uma teoria da ideologia política que

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tem como ponto central a relação entre os interesses específicos de uma determinada classe e os interesses gerais da sociedade. Elster afirma a esse respeito que os representantes ideológicos acham que o interesse geral pode ser melhor realizado por meio de atos que promovam, simultaneamente, seus interesses específicos. Segundo ele, quando outras classes aceitam essa ideia como verdade, os membros da classe em questão se fortificam. Assim, o pressuposto primeiro para a eficácia de uma ideologia política é que ela não seja orientada apenas pelo auto-interesse. “A luta política não é uma forma de barganha, em que o auto-interesse é conhecido como a força motivadora por trás de todos os participantes. Como bem notou Tocqueville por volta de 1830, os partidos políticos que são manifestamente motivados pelo auto-interesse não serão capazes de levantar sua audiência nem, o que é mais importante, sues próprios militantes; ils s’échauffent toujours à froid”.14 Para ter sucesso, a ideologia política terá sempre que agir em nome dos interesses gerais. É preciso que os partidos e os líderes propagadores de uma ideologia acreditem em sua própria ideologia. Do contrário, a contrapartida será a incredulidade. Elster diz ser possível afirmar que representantes da classe acabarão por acreditar na coincidência entre a realização dos interesses específicos e interesse geral. Isso pode ser possível, segundo ele, por três motivos: 1. “o argumento da seleção natural: partidos com líderes que não acreditam em sua própria ideologia não são capazes de obter credibilidade nem de ganhar adesões”; 2. “um argumento psicológico: até

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mesmo pessoas que inicialmente apenas fingem falar em nome do interesse geral acabarão, depois de algum tempo, por acreditar no que dizem”; e 3. “não é difícil chegar à conclusão de que o interesse geral é mais bem servido pela implementação do interesse específico”. Elster detalha esse último argumento.15 Diz que ao se comparar o efeito de determinada política com o efeito de não se ter política nenhuma (anarquia) é fácil que política em questão corresponde ao interesse de todos. Mas como frequentemente há dissenso entre os cientistas sociais sobre as causações sociais, é possível encontrar uma “política que afirma que a implementação do interesse específico de uma classe é a única maneira de promover o bem comum”. Nesse caso, afirma Elster, deve-se defender esta teoria com a “explicação correta para o funcionamento do mundo” e assegurar que todos lucrarão se contribuírem para a consecução dos interesses específicos em questão. A classe defensora daquela política obterá mais credibilidade caso interceda por políticas que vão contra seus interesses específicos. “Um movimento político, neste contexto, é uma oferta para o público. A oferta é aceita quando as circunstâncias são tais que a fazem parecer favorável. É mais ou menos como um relógio quebrado que incida a hora certa uma vez a cada doze horas. (...) Seu sucesso não depende da racionalidade de seus programas, porque são todos eivados de wishful thinking (tomar o todo pela metade). Depende, isto sim, do fato de que o ponteiro esteja mostrando a hora certa. Às vezes é claro para qualquer um que esteja fora do núcleo dos ideologicamente comprometidos que um determinado programa é mais adequado que outro às

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necessidades do momento. Outras vezes, a insatisfação com o governo é que determina que “chegou a hora” de um novo partido”.16 1.2.3 — Histórico O conceito de ideologia foi inventado por um filósofo francês pouco conhecido, o enciclopedista Desttut de Tracy. Em “Élements d’Idéologie”, publicado em 1801, de Tracy escreveu sobre a ideologia como um subcapítulo da zoologia (parte das ciências que estuda os animais). Seria, segundo ele, através da percepção sensorial do relacionamento dos organismos vivos com o meio ambiente que se chegaria às ideias. Esse pensamento vigorou cerca de vinte anos. Quando Napoleão Bonaparte, o militar que se fingiu de republicano e conquistou a confiança dos revolucionários franceses de 1789, imperou no Velho Mundo, traiu o conceito de ideologia de Tracy. Em Napoleão, o termo adquiriu um sentido metafísico e abstrato. Em uma de suas verves retóricas e exaltada proclamação contra os idealizadores republicanos, chamou-os de “ideologistas”. O termo soou desdenhoso e ameaçador. Para Napoleão, eles estavam vivendo em um mundo metafísico e especulativo. Em 1821, Napoleão Bonaparte morreu de câncer, prisioneiro em Santa Helena. Legou à História histórias de massacres e um conceito napoleônico de ideologia, com o qual Marx se deparou anos depois. Marx reutilizou o conceito em 1846. Em “A Ideologia Alemã”, passou a significar falsa consciência ou o equivalente à realidade invertida. Duas vertentes do pensamento filosófico crítico influenciaram o conceito de ideologia em Marx: a crítica da religião, desenvolvida por materialistas franceses e por Feuerbach, e a crítica da epistemologia tradicional e a revitalização do

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sujeito pela filosofia alemã, especialmente por Hegel. O processo de amadurecimento do conceito de ideologia em Marx foi secionado em três etapas, embora não se tenham verificado rupturas epistemológicas entre elas. Na primeira fase — que vai até 1844 e é marcada por debates filosóficos, cujos principais pontos de referência são Feuerbach e Hegel — ainda não aparece cunhada a expressão ideologia, apenas os elementos materiais do futuro conceito. Na perspectiva de Marx, não se separa a produção de ideias e as condições sociais nas quais foram produzidas: tal separação é típica de ideologia porque tende a ocultar a origem das formas de dominação política e explicação econômica. A crítica de Marx a Feuerbach e a Hegel sobre a religião e a concepção de Estado, respectivamente, era por não mostrarem a existência de um elo entre as formas “invertidas” de consciência e a vida material do homem. Marx foi um crítico do idealismo hegeliano de que as ideias se manifestam necessariamente no mundo empírico. Para ele, a distorção do pensamento nasce das contradições sociais e as oculta. Ele dedicou algumas de suas 11 teses sobre Feuerbach, encontradas por Hegel anos após sua morte, à defesa da ideologia como realidade invertida. Por isso, em Marx, a noção de ideologia apresenta uma conotação negativa e crítica. O conceito de ideologia em Marx foi introduzido, pela primeira vez, a partir do início da segunda fase (1845-1857), período dominado pela construção do materialismo histórico de Marx e Engels. A ideia de inversão, no que diz respeito à relação entre ideologia e realidade, foi conservada e, sobretudo, ampliada para contemplar a crítica da religião de Feuerbach e da filosofia de Hegel que os jovens hegelianos vinham desenvolvendo. Para eles que defendiam a libertação dos homens das

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ideias errôneas, Marx elaborou a seguinte reflexão: “Mas eles esquecem que estas frases estão apenas opondo-se a outras frases e não estão, de modo algum, combatendo o mundo real que de fato existe” (A Ideologia Alemã, Vol. I,II). Ele insiste em que as ideias ocultavam as contradições da realidade e que, por isso, eram falsa consciência e beneficiavam os interesses das classes dominantes. No tocante à religião de Feuerbach, Marx concordou em que o homem faz a religião e a ideia de que Deus fez o homem é uma inversão. Mas acrescentou que esta inversão é mais do que uma simples ilusão: ela expressa as contradições e sofrimentos do mundo real. O Estado e a sociedade produzem na religião, dizia, porque eles próprios são o mundo invertido. “A inversão religiosa compensa no espírito uma realidade deficiente, reconstitui na imaginação uma solução coerente que está além do mundo real para compensar as contradições existentes deste mundo real”.17 Na terceira fase — com o início da redação dos Gundrisse em 1858 — Marx faz uma análise completa das relações sociais capitalistas que culmina em “O Capital”. Foi quando percebeu que a conexão entre consciência invertida e realidade invertida se dá pela mediação de nível de aparência que é constitutivo da própria realidade. Nele, a ideologia resguardou o sentido crítico, na medida em que dizia que ela “ocultava o caráter contraditório do padrão essencial oculto”, concentrando o foco na maneira pela qual as relações econômicas aparecem superficialmente. Marx afirmou que o mundo das aparências era vital para a sobrevivência da esfera da circulação que gera formas econômicas de ideologia. O que era percebido, embora de forma superficial e invertida, era um “Éden dos direitos 34 | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | Isabela Martin


inativos do homem onde reinam a liberdade e igualdade”. Mas a ideologia burguesa da igualdade e liberdade, segundo ele, dissimulava o que está subjacente ao nível superficial de troca, onde a aparente liberdade e igualdade individuais desaparecem e revelam-se suas carências. Com a morte de Marx, o conceito de ideologia ganhou novos significados e perdeu o ranço negativista. As duas primeiras gerações de pensadores marxistas posteriores a Marx não tiveram acesso ao texto “A Ideologia Alemã”, que permaneceu inédito até 1920. Por isso, Pleckhanov, Labriola, Lenin, Gramsci e Lukács não estavam familiarizados com a argumentação de Marx e Engels em favor de um conceito pejorativo de ideologia. Berstein, o primeiro pensador a fazer referência ao marxismo como sendo ele próprio uma ideologia, nunca foi atacado, o que mostra que esta primeira geração não aprendeu um conceito negativo de ideologia. Os novos significados do conceito pós Marx tomaram duas formas: uma concepção de ideologia como a totalidade das formas de consciência social (superestrutura ideológica) e a concepção de ideologia como ideias políticas relacionadas aos interesses de uma classe. No contexto das lutas travadas nas últimas décadas do século XIX, o marxismo despertou para a necessidade de criar uma teoria da prática política e, neste ínterim, sua evolução passa a se relacionar com as lutas de classe e organizações partidárias. O conceito mentalizado por Marx, segundo o qual a ideologia se refere à consciência deformada da realidade que se dá por meio da ideologia da classe dominante, tornou-se restrito e insuficiente para contemplar as mudanças. Em Lenin, a ideologia já não é uma distorção necessária que oculta as contradições, tornando-se um conceito neutro relativo à consciência política das classes, até mesmo da proletária. Assim, num confronto, a ideologia se torna a consciência

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política ligada aos interesses de cada classe. 1.3 — A Social-Democracia A compreensão que a práxis do regime social-democrata nos sugere difere diametralmente do conceito do termo quando do seu surgimento no século passado, em 1875. Refere-se a movimentos que pretendem se mover no âmbito das instituições liberal-democráticas, aceitando o mercado, a propriedade privada e a orientação do Estado na gestão e transferência dos recursos dali gerados em benefício dos setores econômicos (por motivos econômicos ou sociais) e em função de grupos sociais. Segundo Domenico Settembrini, essa definição de social-democracia permissiva ao sistema capitalista esbarra na sua proposta inicial. Ela surgiu para se interpor entre o reformismo e o socialismo revolucionário. Aceitava as instituições liberal-democráticas, embora as considerasse insuficientes para assegurar a participação popular e cedo demais para romper totalmente com as estruturas do sistema em prol de sua superação. A social-democracia visava atingir o socialismo mediante a democracia. Sua finalidade coincidia com a proposta do anarquismo: a sociedade fundada no autogoverno.18 Przeworski, em “Capitalismo e Social-Democracia”, fala mais detalhadamente sobre o distanciamento daqueles socialistas dos socialistas adeptos do comunismo. No caso dos primeiros, a dúvida entre participar ou não das instituições políticas burguesas era “crucial”. A questão central era se deveriam arrebatar da burguesia o poder social, da mesma forma como ela, por meio da revolução, conquistou o poder político.19 A escolha estava polarizada entre a ação “direta” e a ação “política”: “o confronto direto entre o mundo dos traba-

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lhadores e o mundo do capital ou uma luta via instituições políticas”. Os anarquistas eram contrários à participação dos socialistas na ação política instituída na sociedade burguesa. Para eles, qualquer ato nesse sentido significaria uma traição e quem se rendesse não se constituiria em “verdadeiro socialista”. A dúvida tornava-se mais perturbadora para os socialistas quando recorriam aos escritos de Marx. No Manifesto de Lançamento da Primeira Internacional, em 1864, ele disse que “para ser capaz de emancipar a classe operária, o sistema cooperativo deve ser desenvolvido em âmbito nacional, o que implica a necessidade de dispor de recursos em escala nacional. (...)Nessas condições, o grande dever da classe operária consiste em conquistar o poder político”.20 Os socialistas, mesmo após a leitura marxista, não sabiam se esse partido deveria fazer ou não uso das instituições existentes em busca do poder político. Não havia precedentes na História, como ainda hoje não há, segundo Przeworski, que garantissem aos socialistas que a burguesia não reverteria os meios ilegais para defender seus interesses, caso usassem a instituição do voto para vencer as eleições e criar leis que levassem aos socialismo. Essa perspectiva de Przeworski afasta-se um pouco da narrativa de Settembrini. Settembrini não registra a crise entre os socialistas motivada pela dúvida entre participar ou não das instituições políticas burguesas. Quando se refere à relação dos social-democratas com o sistema, fala apenas de sua disposição de não acatar e de não colaborar com o Governo, porque isso poderia suscitar dúvidas sobre sua essência revolucionária. E ainda que consideravam legítimo aproveitar as possibilidades que as instituições democráticas lhes ofereciam para conquistar apoio na base da massa

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e assim pressionar o sistema de fora do poder para dentro, através de uma anti-sociedade cuja força levaria ao desmonte das estruturas do sistema vigente, criando o núcleo da nova sociedade. A social-democracia converteu-se em reformismo quando se alienou de sua matriz milenarista, já no século XX. E um dos fatos que contribuíram para esta evolução foi a recuperação do capitalismo capaz de administrar de forma competente, e até em certo limite, os interesses dos operários e das classes médias, ao mesmo tempo. É com este espírito reformista que a experiência de governos social-democratas na Europa alcançou mais de 50 anos. A segunda metade do século XX marca a consolidação da práxis social-democrata em diversos países da Europa Ocidental em alguns deles com êxito no tocante às demandas sociais e à conciliação, até certo ponto, de interesses entre as classes antagônicas. Inicialmente este modelo foi implementado na Suécia na década de 30, disseminando-se após a Segunda Guerra Mundial: na República Federal da Alemanha com Willy Brandt e Helmut Schmidt, no Reino Unido com Clement Attloe, na França com François Miterrand, na Espanha com Felipe González, entre outros. A doutrina social-democrata passou a conceber a produção de riquezas a partir da iniciativa privada, numa economia livre de mercado e com uma intervenção reguladora do Estado para corrigir as distorções sociais e econômicas do mercado, segundo Hélio Jaguaribe, um dos ideólogos do Partido da Social-Democracia Brasileira, o PSDB, em “Economia e Política da Crise Brasileira — A Perspectiva Social-Democrata”.21 Atribui-se como essência da social-democracia a gestão da economia que, ao contrário do comunismo, defende a intervenção do Estado por via da tributação das rendas dos indivíduos e empresas e da descentralização destes recursos. 38 | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | Isabela Martin


A crítica aos governos social-democratas é que mesmo sendo hábeis na gestão da economia capitalista, não progridem no que diz respeito à transformação da estratificação social, a despeito de terem conquistado setores da classe operária e da classe média-baixa pelo Welfare State. Jaguaribe afirma que, apesar de críticas e revisões às quais foi submetido o regime social-democrata por pontos de ineficiência na gestão privada e pública, a essência do modelo não foi afetada. “É certo que, em anos mais recentes, o modelo social-democrata foi submetido a uma importante revisão crítica por correntes de tendências neoliberais. Depois de vários decênios de êxito, o regime social-democrata acusava, em diversos países, preocupantes sinais de decréscimos na eficiência da gestão privada e pública, excessivos incrementos nas despesas sociais e outros indícios de laxitude. As revisões neoliberais da social-democracia, entretanto, não afetaram a essência do modelo. A Alemanha de Kohl e a própria Grã-Bretanha deixada por Thatcher continuam sendo sociedades de mercado socialmente reguladas. O neoliberalismo constitui, sobretudo, um esforço de incremento da eficiência econômica e administrativa, com contenção do excesso de gastos sociais”.22 Weffort em “Qual Democracia?”, ao tentar responder quais as perspectivas de uma democracia social, faz inferências como: 1. para que ocorra a consolidação da democracia é preciso que as causas políticas e sociais façam parte da mesma agenda; 2. “a democracia social é mais do que uma democracia organizatória, ela pressupõe uma sociedade organizada e integrada”; 3. a vigência da democracia social

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pressupõe uma classe de trabalhadores muito bem organizada e; 4. “pressupõe um alto grau de consenso a respeito das questões decisivas para o desenvolvimento social e econômico do País”, além de uma sociedade com capacidade de planejamento.23 Dessas questões, a primeira e a segunda recebem especial atenção de Weffort. Ele afirma que em países onde a democracia social teve êxito, o capitalismo produziu efeitos homogeneizadores, tanto na esfera regional e étnica como na esfera social. Segundo observou, “naqueles países em que foi problemática a consolidação do impulso homogeneizador do capitalismo, não houve democracia social”. Weffort enfatiza que um regime social-democrata impõe como pré-requisito uma sociedade integrada ou em processo de integração, com chances da política redistributiva atingir os que estão integrados e em fase de integração. Ele não crê na implementação da social-democracia no Brasil, onde os marginalizados (não integrados) constituem mais da metade da população. “Não se trata de um regime de mobilização que implementa políticas redistributivas para os marginalizados. Os imigrantes turcos não fazem parte da democracia social-alemã, assim como os irlandeses não participam da democracia inglesa”.24 1.4 — Hegemonia e Correlação de Forças “Em toda cidade, segundo Maquiavel, “há dois desejos: o dos grandes, de oprimir e comandar, e o do povo, de não ser oprimido nem comandado”. A relação fundamental do mando e da obediência está na base do domínio político que, sempre, é a consagração dos pontos de vista de uma minoria a uma maioria. Não existe

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governo de todos sobre todos e esta noção está intrínseca no conceito de política. A política é uma atividade geral do homem, presente em toda a história humana e sua compreensão atrela-se à correlação de forças. Ela se define por se desenrolar no interior de um território, sem que haja, necessariamente, fronteiras fixadas. Mas sem isso, segundo Max Weber, que fez um estudo sobre Sociologia Política ou política do domínio, principalmente em “Économie et Societé”, não se pode tratar de política. Na avaliação de Weber, dessa delimitação espacial (não rígida) nasce a divisão entre interior e exterior. O meio político, segundo Weber, reivindica à autoridade instalada no território o direito de domínio com a possibilidade de usar, se necessário, a força ou a violência, para manter a ordem interna ou defender a comunidade de ameaças externas. “A atividade política consiste, em suma, no jogo que tenta incessantemente formar, desenvolver, entravar, deslocar ou perturbar as relações de domínio”.25 A política é sempre um agrupamento de força porque lhe é inerente a relação mando/obediência. Da reflexão sobre a sentença de Maquiavel que fala das expectativas contrárias dos “grandes” e do “povo”, resulta que nenhuma autoridade instalada num território conseguirá manter seu domínio por muito tempo caso não consiga a hegemonia entre o grupo dominado e até mesmo entre os agrupamentos que compõem a classe dominante. Qualquer definição precisa e única de hegemonia é inviável porque não raramente o uso da palavra se dá em sentido diametralmente oposto.

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Um é ligado à etimologia do termo que é um decalque latino da palavra grega hegemonia, que significa “direção suprema”, utilizada para indicar o poder absoluto conferido aos chefes dos exércitos, chamados hegemónes (condutores, guias). Esta definição é comum quando do uso do termo a propósito das relações internacionais, para indicar uma modalidade de domínio de um país sobre o outro.26 Também no uso marxista do termo há a oscilação entre os dois significados da palavra. Um deles aproxima hegemonia e domínio, privilegiando mais o aspecto coativo, a forma e a submissão do que o persuasivo, a direção e a legitimação e o consenso. Mas o significado próprio às reflexões de Antônio Gramsci — e a ele se atribuiu o pleno desenvolvimento desta expressão como conceito marxista e que foi básico para o desenrolar do seu “Quaderni del Carcere”, que prevalece, sobretudo, na cultura política italiana — é o que compreende hegemonia como a capacidade de direção intelectual e moral. Em virtude disso, a classe dominante ou aspirante é aceita como guia legítima, constitui-se em classe dirigente e consegue o consenso ou a passividade da maioria diante das metas impostas à vida social e política. Gramsci afirmou que numa sociedade de classes a supremacia de uma delas se exerce sempre através das modalidades complementares do domínio e da hegemonia. O Estado é a força mais hegemônica no sentido etimológico da palavra. Para ele, o domínio se impõe por mecanismos de coerção da sociedade política aos grupos antagônicos, mas a hegemonia se exerce sobre grupos sociais e aliados ou neutros, usando dos “mecanismos hegemônicos” da sociedade civil. “Uma conjugação de forças e de consenso, de ditadura e de hegemonia é funda-

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mental em todo o Estado. O que varia é a proporção entre ambos os elementos, em razão do grau de desenvolvimento da sociedade civil, que como sede da ação ideologicamente orientada, é o locus da formação e difusão da hegemonia, o centro nevrálgico de toda a estratégica política”.27 O que Gramsci chamou de conjunção de força e de consenso se aproximaria do binômio leis/força citado pelo mestre dos príncipes para torná-los duráveis no poder. Maquiavel dizia que havia duas maneiras de se combater: uma segundo as leis (próprias dos homens) e outra pela força (própria dos animais). Segundo ele, a insuficiência da primeira levaria o príncipe a recorrer à segunda. A aproximação entre Gramsci e Maquiavel, neste caso, é lícita, a despeito de terem vivido em realidades distintas e antagônicas. Ambos defendiam a necessidade de saber usar e dosar a aplicação de cada um dos componentes dos binômios: quer domínio/hegemonia, quer leis/força. No primeiro caso, afirmava Gramsci, se houvesse o predomínio de um sobre o outro, a supremacia de uma classe, na sociedade capitalista, estaria ameaçada. No segundo caso, previu Maquiavel, o príncipe que não soubesse usar uma e a outra não seria durável. Com aquelas ponderações, Gramsci alertava que o domínio não se sustenta muito tempo faltando a hegemonia e que se torna impossível conquistar o poder se a força que aspira se fazer Estado não se torna primeiro hegemônico no bloco social antagônico ao que está no poder. Com a definição pragmática desses quatro conceitos — retórica, ideologia, social-democracia e hegemonia — acreditamos ter reunido as quatro categorias-chaves para dissecar e compreender os fenômenos superestruturais que levaram

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à emancipação do CIC e que tangenciaram o processo de legitimação dos jovens empresários.

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NOTAS

1. Halliday, Tereza Lúcia. Atos Retóricos: Discurso e Circunstâncias. In: Atos Retóricos — Mensagens estratégicas de políticos e igrejas. Sumus Editorial, São Paulo, 1988. 2. Santos, Maria José. Discurso de Posse: “Vez e Voz de um Governador. In: Atos Retóricos — Mensagens estratégicas de políticos e igrejas, op. cit., p. 92 3. Perelman, Chaim. Argumentação. In Enciclopédia Einaudi, Vol. 11, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, Portugal, 1987, p. 210 4. Halliday, Tereza Lúcia, op. cit., p.125 5. Citado por Halliday, Tereza Lúcia, op. cit. p.123 6. Chauí, Marilena. Cultura e Democracia, Cortez Editora, São Paulo, 1989. 7. Chauí, Marilena. O que é Ideologia, Brasiliense, São Paulo, 32ª edição, 1990 8. Elster, Jon. Marx Hoje. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1989. 9. Ibidem, p. 189. 10. Ibidem, p. 188. 11. Chauí, Marilena. Cultura e Democracia, op. cit., p. 5. 12. Ibidem. 13. Ibidem, p. 7. 14. Elster, Jon, op. cit., p. 193. 15. Ibidem. 16. Ibidem, p. 194-5. 17. Larrain, Jorge. Ideologia (verbete). In: Dicionário do Pensamento Marxista. Bottomore, Tom (org.). Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1988, P. 184. 18. Settembrini, Domenico. Social-Democracia (verbete). In: Dicionário de Política. Bobbio, Norberto & Matteucci, Nicola & Pasquino, Gianfranco, Editora Universidade de Brasília, Brasília.

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19. Przeworski, Adam. capitalismo e Social-Democracia, Companhia das Letras, São Paulo, 1989. 20. Ibidem, p. 20. 21. David, Maurício Dias (org.), Economia e Política da Crise Brasileira. Rio Fundo, Rio de Janeiro, 1991. 22. Jaguaribe, Hélio. Desafios do Projeto Social-Democrata nas Presentes Condições do Mundo e do Brasil. In: Economia e Política da Crise Brasileira, op. cit., p. 15. 23. Weffort, Francisco. Qual Democracia? Companhia das Letras, São Paulo, 1992, p. 20-30. 24. Ibidem, p. 31. 25. Freud, Julien. Sociologia de Max Weber, Forense, Rio de Janeiro, 1987, p. 161. 26. Max Weber disse que domínio é a manifestação do poderio. Definiu poderio como a oportunidade do indivíduo de fazer triunfar no seio de uma relação social sua própria vontade contra resistências. O domínio, para ele é a oportunidade de encontrar pessoas dispostas a obedecer à ordem que lhes é dada. Nem o domínio nem o poderio, segundo Weber, são peculiares somente ao político. Mas tornam-se políticos quando a vontade se orienta em função de um agrupamento político territorial, com vistas a realizar um fim que só tem sentido pela existência do agrupamento. 27. Belligni, Silvano, Hegemonia (verbete). In: Dicionário de Política. Bobbio, Norberto & Matteucci, Nicola & Pasquino, Gianfranco, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1986.

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2. OS PRIMÓRDIOS DO CIC

A

s conversações entre proprietários de estabelecimentos fabris sobre a criação da primeira entidade de classe industrial do Ceará, e uma das primeiras do Brasil, aconteceram na redação do Correio do Ceará, em 27 de julho de 1919. O articulador do encontro foi o industrial e jornalista Álvaro da Cunha Mendes. Também foi sua a iniciativa de fundar o Centro Industrial Cearense, com o objetivo de tratar de assuntos de interesses comuns aos industriais e estudar possibilidades de novos empreendimentos. Cunha Mendes atuava no setor de moagem de cereais a vapor e era dono de uma tipografia, que funcionava na Rua Sena Madureira, 183, no Centro de Fortaleza. O que viabilizou a convergência de outros proprietários de indústrias da época em torno da criação do CIC não foi apenas o prestígio de Cunha Mendes como industrial, mas principalmente sua influência na sociedade, que vinha aumentando desde 1915, quando se tornou editor do Correio do Ceará, o “prestige paper” depois incorporado aos Diários Associados de Assis Chateaubriand. O surgimento do CIC foi uma consequência direta da explosão da Primeira Grande Guerra (1914-1918), que provocou um surto industrial no Brasil, embora com maior expressão em São Paulo. Foi a partir dessa época, segundo Geraldo Nobre em “O Processo Histórico de Industrialização Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 47


do Ceará”, que se começou a ouvir a expressão “indústria cearense”.1 Desde o século passado, nos primórdios da industrialização do Brasil, por volta de 1880, que se assistia a várias tentativas, a maioria delas malograda, de aglutinação de industriais em uma entidade representativa. Na primeira década do século XX, dois fatores contribuíram para desencadear uma campanha visando ao fortalecimento do movimento operário que desembocou na greve geral de 1919, levando as lideranças empresariais a buscar o fortalecimento da classe para pressionar os operários em greve. A conjuntura nacional, embora com menor envergadura no Ceará do que em outros pólos mais desenvolvidos do País, favoreceu a criação do Centro Industrial Cearense. O peso que tem hoje a palavra indústria, obviamente, não é o mesmo de 74 anos atrás. O setor no Ceará vivia sua fase mais embrionária, sendo até confundido com a atividade artesanal, e estava longe de competir com o comércio no emprego de mão-de-obra.2 O parágrafo 1º, artigo 4º do primeiro estatuto do CIC 3 estabelecia o seguinte pré-requisito para a admissão de sócios: “Ser proprietário ou diretor de um estabelecimento industrial, no qual estejam empregados pelo menos 10 operários”. Este dispositivo, observou Geraldo Nobre, “restringiu muito o acesso ao Centro, tal o número deveras reduzido de estabelecimentos industriais com o mínimo de uma dezena de empregados na capital cearense, naquele ano final da década de 1910-1919”.4 As tipografias de Álvaro da Cunha Mendes (Correio do Ceará), de Francisco Carneiro (Moderna) e a de Francisco de Assis Bezerra de Menezes (Minerva), por exemplo, eram uma das poucas empresas com o mínimo de pessoas exigido nos

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estatutos do CIC. O Centro Industrial Cearense surgiu num contexto de pressão. O relacionamento entre as empresas dos setores mais desenvolvidos era notadamente competitivo porque a Primeira Guerra Mundial havia provocado a expansão do consumo interno, mas também levou à retração do comércio externo e de cabotagem, principalmente o que existia com a Amazônia, responsável então pelo consumo de boa parte dos produtos das fábricas cearenses. Não obstante a precariedade da indústria local, os empresários vislumbraram a possibilidade de uma conciliação de interesses da classe emergente através de uma entidade própria. O primeiro presidente do CIC foi Tomás Pompeu de Souza Brasil, um dos fundadores da mais antiga fábrica de fiação de tecelagem do Ceará. Para a Secretaria foi eleito Pedro Philomeno Gomes e para a tesouraria, Teófilo Gurgel Valente. O mandato da primeira diretoria durou menos de um ano. Em 30 de junho de 1920 foram eleitos os administradores subsequentes, que assumiram em 1º de julho, segundo o art. 8º do estatuto, para um mandato anual. Consta no art. 7º do estatuto do CIC que os sócios tinham que contribuir mensalmente com vinte mil réis, uma quantia considerável para a época, que seria destinada “à defesa dos interesses sociais de ordem jurídica ou comercial...”. Mas especula-se que esse artigo não tenha sido cumprido e o dinheiro tenha sido destinado ao pagamento do aluguel da sala onde funcionava o centro e do material de expediente. O CIC operou regularmente durante vários anos, passando em seguida por um período de estagnação, devido ao aparecimento da Federação das Associações do Comércio e Indústria do Ceará (FACIC). O surgimento de novos órgãos de classe empresarial,

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segundo Geraldo Nobre, deu-se pelas “consequências políticas da crise institucional sobre as antigas associações”, notadamente entre 1925 e 1930. Nobre referiu-se, especificamente, à eleição do engenheiro João Tomé de Sabóia e Silva, ex-presidente do Ceará (1916-1920), para a presidência do CIC em 1925. Sabóia e Silva era um homem de bastantes atributos. Quando deixou o Governo, ganhou uma cadeira no Senado e era prestigiado pelas autoridades federais. Mas a escolha para o CIC não produziu o efeito esperado e sob sua égide o Centro passou por um período de obscuridade. Os cearenses mantinham muitas reservas em relação a Sabóia e Silva por conta das rivalidades enfrentadas pela intervenção federal no Estado, durante o seu Governo. Os cearenses, na verdade, eram um grupo de empresários, porque mesmo sendo o CIC uma entidade desvinculada de compromissos partidários, era constituída por pessoas que estavam direta ou indiretamente atreladas ao paternalismo do Estado. Quando o Centro Industrial se encontrava neste marasmo, foi fundada a FACIC, em 1928. A FACIC reuniu ao mesmo tempo os representantes do comércio e da indústria do Ceará, implicando diretamente no completo esvaziamento do Centro Industrial. Bento Lousada Gonçalves, um dos diretores da única fábrica de conserva de peixe no Brasil e um dos signatários do documento de criação da FACIC como representante do CIC, respondeu pela reativação do Centro (1934) que estava em plena atividade no início da década de 30, depois do período de estagnação. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) provocou novamente um impulso industrial no Brasil, com o apoio do Governo Federal. As entidades de classe foram, consequentemente, revitalizadas. Luís Gonzaga Flávio da Silva,

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considerado um industrial próspero, foi eleito e assumiu a presidência do CIC, em 4 de setembro de 1959; ele era ex-presidente do Centro Industrial e o seu segundo mandato consagrou o fim de uma fase do CIC. Entre 1913 e 1950, o CIC foi comandado por empresários ligados principalmente à exploração de salinas e ao ramo madeireiro. As duas atividades bem cotadas na economia cearenses, atendendo à carência de alimentação e moradia, enquanto as indústrias de tecelagem e fiação, que estavam em alta quando da fundação do CIC, enfrentavam problemas de custo de produção e concorrência de fabricantes de outros estados. Um dos primeiros atos de Luís Gonzaga foi a aprovação dos novos estatutos do CIC e a mudança do nome da entidade para Centro Industrial do Ceará. A feição do CIC, a partir da administração de Luís Gonzaga, caracterizou-se pela total dependência em relação à Federação das Indústrias do Estado do Ceará, criada em 1950. A tutela era, em primeiro lugar, gerencial, na medida em que o presidente da FIEC acumulava, automaticamente, a presidência do CIC. A atrelagem da direção das duas entidades na pessoa do presidente da FIEC permaneceu até 1978, quando um grupo de jovens empresários assumiu o controle do CIC e implantou a sua autonomia em relação à Federação das Indústrias. Foi eleito, então, Benedito Clayton Veras Alcântara para a Presidência do CIC e esta eleição não foi apenas uma concessão do então presidente da FIEC, José Flávio Costa Lima. Costa Lima integrava o pequeno rol de empresários libertos do ranço imediatista, sem planos globais a longo prazo, que caracterizou a mentalidade empresarial brasileira de 1880 — início da industrialização do País — 1930, quando começou o segundo período da história industrial do Brasil,

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escreve Dórian Sampaio Filho em “A Industrialização do Ceará: Empresários e Entidades”.5 Costa Lima, uma exceção à época, havia concluído o Curso de Direito da Universidade de São Paulo em 1945, a mais antiga Faculdade de Direito do País. Com uma biblioteca particular é capaz de dedicar vários minutos do seu discurso à crítica aos empresários “tacanhos” que integravam os quadros da FIEC naqueles anos. Mas José Flávio Costa Lima, segundo Geraldo Nobre, era parte do grupo dos velhos empresários que, por fidelidade aos princípios ou coerência, não poderiam questionar a estrutura do poder, por também estarem comprometidos com posições na administração pública. Foi do oficialismo da verba da Sudene e BNB, por exemplo, que muitos conseguiram a expansão industrial. Costa Lima abdicou da presidência do CIC porque queria o reforço dos jovens empresários — a maioria já controlando com sucesso gerencial os negócios da família — nos comportamentos da FIEC. Posteriormente, veremos que esta aspiração de Costa Lima foi motivo de atrito com os membros do novo CIC. Os jovens empresários discordavam das ideias e das estratégias tradicionais da FIEC, mas tais discordâncias não significaram, obviamente, uma ruptura estrutural. Os jovens emergentes pregavam uma gestão profissional da coisa pública, sem clientelismo político e com responsabilidade social e criticavam a política do Governo Federal em relação aos problemas do Nordeste.

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NOTAS

1. Sampaio Filho, Dórian. A Industrialização do Ceará: Empresários e Entidades. Tese de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação da EAESP/FGV, São Paulo, 1985. 2. Os principais estabelecimentos fabris do Estado em 1919, segundo Geraldo Nobre em “O Processo Histórico da Industrialização do Ceará: o de fiação e tecelagem da firma Boris Frères & Cia; os de confecções da rede do senhor Tomás Pompeu de Souza Brasil, de A. Monteiro & Irmão, de Alcides Montano Brasil de Matos e de Manuel France; de calçados, de Manuel Ribeiro Bertrand; de mosaicos, de Carvalho e Silva; de cigarro, de Philomeno Gomes & Filho, de Caminha & Irmão e de J. Markan; de sabão e óleos, de Proença, Irmão & Cia, de Antônio Diogo de Siqueira & Silva e de Teófilo Gurgel Valente; os de refinação e torrefação, entre os quais o de Joaquim Sá e o de J. Brasil de Matos & Sobrinhos; os de panificação, de destilação e bebidas e ainda numerosas oficinas, notadamente a de fundição, marcenaria, carpintaria e serraria. Nobre, Geraldo da Silva. O Processo Histórico de Industrialização do Ceará. Senai/DR-CE, Coordenadoria de Divulgação, Fortaleza, 1989. 3. O primeiro estatuto do CIC foi aprovado em 12 de julho de 1919. 4. Nobre, Geraldo da Silva. O Processo Histórico de Industrialização do Ceará, op. cit., p. 391, Senai/DR-CE, Coordenadoria de Divulgação, Fortaleza, 1989. 5. Sampaio Filho, Dórian, op. cit.. Sampaio Filho diz ainda que a Revolução de 1930 significou no setor econômico-financeiro do País o deslocamento do eixo da oligarquia agroexportadora para o crescimento urbano industrial.

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3. A SEGUNDA FASE DO CIC

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il novecentos e setenta e oito foi um divisor de águas na história do Centro Industrial do Ceará, e apenas a palavra revigoração guarda o significado que teve para o próprio CIC e para o Estado a mudança das mãos que seguravam a rédea da entidade. O Ceará, pela primeira vez, ganhava alguns espaços na imprensa nacional figurando como um vanguardista na promoção de discussões sobre democracia, distribuição de renda, probidade na gestão do dinheiro público que, até então, eram questões alheias à sociedade e aos governantes. “O CIC passou quase a totalidade dos 60 anos de sua existência em estado de hibernação”, diz José Flávio Costa Lima 1 . Nem mesmo defendia os interesses da classe empresarial para a qual foi criado. A ascensão dos jovens empresários à presidência do CIC, em 1978, pontuou uma radical mudança nos rumos da instituição e inaugurou uma nova forma de se fazer política no Ceará. Os jovens emergentes pareciam correr contra a contagem regressiva do cronômetro que registrava a crise progressiva dos setores industrial e social nordestinos 2. Se a dinâmica do CIC até 1978 fosse registrada em um gráfico do sistema cartesiano, traçar-se-ia uma reta quase coincidente aos eixo das abscissas, significando pouca ou nenhuma alteração no ânimo e quase o repouso da entidade. Quando Benedito Clayton Veras Alcântara, o mais velho

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entre os jovens empresários, teve seu nome consensualmente apontado para assumir a presidência do CIC, em 1978, o gráfico passou a indicar um movimento progressivo constante e acelerado. Diz-se do CIC que ele se transformou num fórum de debates sobre temas do setor sócio-econômico no contexto regional e que terminou como uma entidade essencialmente política, a despeito de ter sido criado como órgão técnico para resolver questões como suprimento de matéria-prima e a comercialização. Através do Centro Industrial, uma elite empresarial jovem 3 , com propostas visando à mudança dos indicadores sócio-econômicos e da estrutura política do Ceará, foi projetada aqui e fora do Estado. Os jovens empresários — patrocinados inicialmente pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará — mentalizaram um projeto que antes de meados da década de 1980 foi tomando mais claramente o formato de um projeto político-administrativo para gerenciar o Estado a partir do poder institucional. Oito anos após o início da gestão de Benedito Clayton Veras Alcântara, o empresário Tasso Jereissati, um dos mais destacados integrantes do Centro Industrial, foi eleito governador do Estado para o mandato de 1987 a 1991, com o suporte político do CIC. Tanto Veras quanto Amarílio Macêdo, Tasso Jereissati, Sérgio Machado e Assis Machado Neto concordam com esta tese. O CIC serviu de base para mobilizar recursos para a campanha que culminou com a vitória de Tasso. Tasso Jereissati foi o terceiro presidente do CIC na linha sucessória de Beni Veras (1978-1980) e posteriormente Amarílio Macêdo (1980-1981). Ele foi o primeiro a deixar explícito em seu discurso a possibilidade de o Centro Industrial assumir a política diretiva do Estado do Ceará. “O CIC tem um compromisso em nível estadual, regional e nacional com a formação, o mais rápido possível, de uma classe política competente e forte, capaz de influenciar e até assumir 56 | OS EMPRESÁRIOS PODER | Isabela Martin o poder”, disse NO Jereissati no dia em que foi eleito presidente do CIC, a 15 de setembro de 1981.4


NOTAS

1. Entrevista com José Flávio Costa Lima à autora, em 11 de novembro de 1992. (Ver anexos). José Flávio Costa Lima atribuiu a si próprio a responsabilidade pelo soerguimento do Centro Industrial do Ceará. Segundo ele, os jovens empresários estavam alheios às questões econômicas e sociais do Estado até receberem a sua convocação para a assumir a direção do CIC. Em nenhum momento Costa Lima desconhece a importância política dos jovens empresários que através do CIC conquistaram o controle da máquina governamental. Mas, segundo Costa Lima, os jovens emergentes destruíram a oligarquia dos coronéis no Ceará e não investiram no processo de conscientização da sociedade. Costa Lima é taxativo ao afirmar que a gestão dos jovens empresários à frente do Centro Industrial do Ceará foi de “gesticulação” e ainda que o CIC tornou-se em “negócio de imprensa” e é uma ficção. Essa crítica de Costa Lima atribui um valor simbólico à entidade. Esse simbolismo se sustenta no valor da “aparência de mercadoria” para usarmos uma expressão de Wolfgang Haug, em “A Crítica da Estética da Mercadoria” (in: Marcondes Filho, Ciro. A Linguagem da Sedução. Perspectiva, São Paulo, 1988). Costa Lima criticou o modelo de sucessão do CIC “com mandato tirado do bolso do colete”. Esse processo, segundo ele, é semelhante ao que era praticado pela FIEC e que, à época, foi julgado conservador pelos jovens empresários. Costa Lima, como há 14 anos, defende a incorporação do CIC à FIEC. Acha que a absorção conferiria mais forma e representatividade à Federação para reivindicar, perante o Governo, o desenvolvimento social e econômico do Estado. 2. Um estudo intitulado Proposta de Política Social para o Estado Diagnóstico e Diretrizes, efetuado no governo Waldemar Alcântara

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(1978-1979), mas publicado no governo de Virgílio Távora (1979-1982), mostra a crítica situação da saúde, educação, habitação, taxa de mortalidade infantil, saneamento e abastecimento d’água, todos atrelados à baixa renda, atingindo, naquele início de década, 84,89% da população do Estado. A distribuição de renda pessoal no Ceará, segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1970, estratificou a população ocupada em termos gerais em 78,29% recebendo até 3,55 salários mínimos, enquadrando-se em população de baixa renda, apenas 0,26% com renda mensal acima de 15,52 S.M., classificada como camada de alta renda. O restante constituía-se em estratos médios-baixos (6,60%); médios (1,76%) e médios-altos (0,72%). As camadas de baixa renda eram impossibilitadas de adquirir lotes ou casas próprias que foram construídas em grande número, naqueles anos, pelo Sistema Financeiro de Habitação, apoiado pelo Banco Nacional da Habitação. Isto contribuiu para a proliferação de aglomerados de casas próprias, favelas e bairros pobres, afirma o estudo. Dados comparativos mostram um avanço muito lento na oferta de serviços básicos no Estado. Em 1950, 2% dos domicílios tinham água encanada, 25% possuíam energia elétrica e 11% tinham aparelhos sanitários. Vinte anos depois, 6% das residências eram abastecidas com água encanada, 50% com energia elétrica e 7% possuíam instalações sanitárias. Em 1970, 29% dos domicílios eram ligados à rede pública de água, 60% tinham energia elétrica e 26% possuíam aparelhos sanitários. Em 1979, após um projeto de ampliação, o abastecimento d’água na capital passou a servir 55,6%. No interior do Estado a situação continuou “precária”, mesmo com os acréscimos no sistema de abastecimento d’água da Cagece. Até 1975, o sistema de saneamento básico em Fortaleza atendia à área central da cidade e pequena parte da Aldeota: eram 72 km de extensão de rede coletora, significando 10% dos habitantes. A maioria das casas era servida de fossas sépticas e negras para a eliminação de dejetos. Um confronto dos resultados das pesquisas anuais de 1977 e 1978, ano em que os jovens empresários assumiram a presidência do CIC, publicados em Pesquisa Industrial - 1978, mostra um declínio no número de estabelecimentos industriais do Estado, particularmente na classe

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extrativa, que caiu de 67 em 1977 para 64 no ano seguinte. Este setor empregou 1.069 pessoas no primeiro ano da análise e 1.066 em 1978. O número de indústrias da classe de transformação cresceu de 1.487 para 1.546 naquele período. À exceção dos gêneros transformação de produtos minerais não metálicos, vestuários, calçados, e artefatos de tecidos e produtos alimentares, que cresceram em número de estabelecimentos de 214 para 258; 115 para 119, e 407 para 427, respectivamente, os demais apresentaram pouca ou nenhuma alteração.

GÊNEROS DE INDÚSTRIAS

1977

1978

Número de Número de estabelecimentos estabelecimentos Extração de minerais 67 64 Metalurgia 54 53 Mecânica 43 42 Mobiliário 65 63 Perfumaria, sabões e velas 20 18 Têxtil 163 155 Fumo 2 1 Diversas 22 20 Material de Transporte 13 13 Papel e papelão 9 9 Borracha 16 16 Couros e peles, artefatos p/ viagem 11 11 Química 99 99 Produtos farmacêuticos e veterinários 6 6 Produtos de matérias plásticas 13 13 Ativ. de apoio e de serviço de caráter industrial 18 18

3. A expressão “jovens empresários” refere-se à faixa etária do grupo (35 a 45 anos) e a sua postura não alinhada ao tradicionalismo/conservadorismo da velha classe empresarial, intersecionada pelo Estado. Aqueles defendiam uma ruptura desses laços. Os jovens empresários que compuseram a primeira diretoria do CIC, e suas respectivas empresas, foram: Presidente: Benedito Clayton Veras Alcântara — Guararapes (a razão social da Guararapes — setor têxtil — mudou para Confex) Vice-presidente: Álvaro de Castro Correia Neto (Mecesa), Airton José

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Vidal de Queiroz (Grupo Edson Queiroz), Francisco de Assis Machado Neto (Construtora Mota Machado), Pedro Philomeno Ferreira Gomes (Redes Philomeno), Byron Costa de Queiroz (executivo do Grupo Ivan Bezerra), Francisco Hermane de Holanda Farias (diretor financeiro da Discon), José Airton Moreira Angelim (Junta Comercial), Álber Garcia Quinderé (Cimaipinto, automóveis), Ignácio Colares Capelo (Sapataria Belém), José Maria Moraes Machado (Bancesa, banco), José Wellington Costa Rolim (W.J. Construtora e Engenharia Ltda.), Roberto Ney Melo Machado (Nortur Viagens e Turismos Ltda.), José Sérgio de Oliveira Machado (Vilejack, setor têxtil), Wilson Maia Aragão (Tyrol), Édson Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), João Fernandes Fontenele (Sindicato de Química), Francisco José Ribeiro (diretor comercial do Diário do Nordeste), Tasso Ribeiro Jereissati (Grupo Jereissati), Amarílio Proença de Macêdo (Grupo J. Macêdo). Conselho Fiscal: João Oswaldo Studart (Saga Confecções), Ednilton Brasil Soárez (Colégio 7 de Setembro), Jaime Nogueira Pinheiro (BMC). Suplentes: Eurico de Souza Monteiro (Lumes Têxtil S.A.), Jorge Lima de Albuquerque (Aba Filme), Alexandre Costa Lima (CBR). 4. Em seu discurso de posse na presidência do Centro Industrial do Ceará, a 6 de novembro de 1981, Tasso Ribeiro Jereissati reconheceu que o ressurgimento da entidade deu-se graças à iniciativa de José Flávio Costa Lima, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará. Afirmou que o compromisso do CIC era com a mudança da face da região Nordeste, “o maior bolsão de pobreza na América Latina”, nas palavras de Jereissati. Seus argumentos: a renda per capita da região em relação à do País tinha caído de 47,7% em 1960, para 35,3% em 1970. Ele previu um futuro pouco promissor à classe empresarial caso os indicadores sociais do Nordeste não fossem “enfrentados de frente”. “O CIC assume que não há nenhuma perspectiva a longo prazo para o empresário sem a solução dos problemas sociais do País. Ou todos resolvemos (sic), em conjunto, o problema da justiça social, ou todos juntos pereceremos (sic). A bandeira contra a miséria deve ser erguida e defendida por nós”, disse Jereissati em um trecho do discurso.

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Tasso reafirmou a posição do CIC em favor do capitalismo humanizado, da livre empresa, mas observou que os bens econômicos deveriam ser marcados pelo endereçamento social (ver a íntegra dos discursos em Anexos).

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4. “UM ARROUBO DE DEMOCRACIA”

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ideia do soerguimento do CIC foi, a princípio, alheia aos próprios jovens empresários e consensualmente atribuída a José Flávio Costa Lima, então presidente da FIEC em primeiro mandato (1977-80). A versão de Costa Lima sobre o porquê da convocação dos jovens empresários lhe confere a imagem de um homem, à época, extremamente progressista, e fere o ideário que predominava entre o segmento dos empresários tradicionais, do qual ele fazia parte. Quando assumiu a presidência da FIEC em 1977, as federações como entidades sindicais estavam presas ao sindicalismo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tutelado pelo Estado, e a Constituição de 1969 cerceava as reivindicações do empresariado quando iam de encontro à política oficial. As convicções de Costa Lima indicavam que a independência diante do poder público era a única instância para o desenvolvimento da classe. Ele acreditva que o “campo de luta” onde os empresários poderiam exigir direitos relativos à ordem econômica e social era dentro das entidades de classe. Mas somente uma ínfima parte deles, segundo Costa Lima, creram na eficiência da Federação como fórum reivindicador. Motivado por estes fatores, Costa Lima despertou para a força emergente de um grupo de jovens empresários que tinham herdado a direção das empresas da família, obtendo Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 63


uma performance positiva. Segundo Costa Lima, os jovens criticavam as posturas da FIEC, mas permaneciam distantes do processo de discussão. Os jovens empresários não estavam completamente alheios, como afirmou Costa Lima. Segundo Jereissati, eles vinham-se reunindo — motivados pelas afinidades como a preocupação com o futuro econômico e político do País, a participação frustrada na política estudantil por causa da repressão do regime militar e a própria condição de empresários — para discutirem questões que não fossem os pleitos específicos da categoria.1 Para acentuar um comportamento informal e alienado dos jovens empresários, Costa Lima conta à autora que os encontrou bebendo uísque escocês no Ideal Clube. O ex-presidente da FIEC diz que em um dos contatos indagou: “O que vocês estão fazendo aí? Taí o Centro Industrial. Dêem vida a ele e digam o que vocês pensam da vida social, econômica e política do Estado, do País!”.2 A resposta dos jovens aos apelos de Costa Lima para revigorar o CIC não veio de imediato. Eles se reuniram algumas vezes e juntos com o presidente da FIEC traçaram diretrizes de comportamento a ser adotado pelo novo Centro Industrial, um documento que foi entregue aos jovens empresários quando Benedito Clayton Veras Alcântara assumiu a presidência do CIC. A política de Costa Lima apontava para a necessidade de dinamização do Centro Industrial no seguinte ponto: trazer para dentro da entidade debates sobre as principais causas nacionais e, para isso, acreditavam que era fundamental a inteligência e o nível cultural dos jovens empresários, que entraram na atividade econômica “amparados pelo conhecimento técnico-científico adquirido nos bancos das universidades”, ao contrário do auto-didatismo e baixo nível

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intelectual dos velhos empresários. A imprensa foi parceira das ideias do CIC e, com ênfase no noticiário, legitimou o discurso e a importância dos jovens empresários. A iniciativa de Costa Lima foi aplaudida pelos jornais O Povo e Tribuna do Ceará no dia em que Benedito Clayton Veras Alcântara assumiu a presidência do Centro Industrial, o Jornal do Brasil noticiou o evento iniciando uma parceria que se explicitou ainda na promoção do seminário “O Nordeste do Brasil: Avaliação e Perspectivas”, realizado nos dias 25 e 26 de junho de 1981 e na realização do encontro com todos os governadores do Nordeste, em 17 de janeiro de 1983.3 A notícia do JB reforçou a participação da FIEC na articulação que culminou com a eleição da nova diretoria do CIC, em oito de março de 1978. À época diretor da Guararapes, Benedito Clayton Veras Alcântara, que se elegeu senador pelo PSDB para o mandato de 1990-1998 e, em seguida, foi conduzido à presidência da Executiva Regional do partido, inaugurou a segunda fase do CIC: a dos jovens empresários, com um discurso que era uma distensão no contexto empresarial conservador. A ideia de novo se refere à cronologia (tinham entre 35 e 45 anos) e à retórica social-democrata. 4.1 — Uma correlação de forças O relacionamento cordial entre o novo grupo do CIC e a FIEC durou pouco tempo. Mil novecentos e oitenta marca o início das divergências públicas entre as duas entidades demarcando os limites doutrinários de cada uma. O CIC, dialético de retórica progressista e funções políticas. A FIEC, mais corporativa e tradicional. Costa Lima foi vanguarda quando estimulou a retomada do CIC, rompendo com um esquema de sucessão que se estendia por 19 anos. Desde 1959, o presidente da FIEC assumia automaticamente o CIC. Costa Lima teve um “arroubo de Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 65


democracia”.4, mas depois da posse de Beni Veras, perdeu o controle, a tutela dos jovens empresários e o direito de voz no CIC. Segundo o empresário Amarílio de Proença Macêdo, presidente do CIC, na sucessão de Veras para o mandato de 1980 a 1981, quando perceberam que Costa Lima queria a manutenção da tutela, houve a ruptura. Os emergentes diretores do CIC estavam tomados por uma dose de rebeldia contra o conformismo e a favor da desobediência. “Nós não obedecíamos nem ao papai dentro de casa muito menos ao titio Costa Lima”, conta Amarílio Macêdo.5 A história do novo CIC começou em 1978. Não existe uma bibliografia sobre o assunto consubstanciada com as versões dos próprios partícipes do processo de soerguimento da entidade. Basicamente cinco estudos abordam o objeto de estudo desse trabalho: o da socióloga Rejane Accioly 6, o do historiador Geraldo Nobre 7, o trabalho de doutorado de Dorian Sampaio Filho 8, o do advogado Aroldo Mota 9 e o do sociólogo Josênio Parente 10. Em suas entrevistas, com depoimentos subjetivos sobre o processo iniciado em 1978, detectam-se, entre os jovens empresários, vários pontos convergentes, mas também alguns pensamentos destoantes. Macêdo 11, por exemplo, nega o desentendimento entre o CIC e Costa Lima. Segundo ele, o Centro Industrial provocou “crise de ciúmes” na FIEC quando se tornou um fórum de debates e despontou para a notoriedade nacional. Porém, na imprensa, a controvérsia ganhou a conotação de um choque entre a conservadora e a emergente geração empresarial.

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O estopim foi uma entrevista de Amarílio Macêdo à revista ISTOÉ 12, quando era presidente do CIC. “Fortaleza está a 3.087 quilômetros de São Paulo. Mas, quando se fala de renovação de mentalidade empresarial, a distância praticamente deixa de existir. Há quase três anos um grupo de jovens empresários cearenses assumiu a direção do sexagenário e inexpressivo Centro Industrial do Ceará (CIC) e transformou o que não passava de um agradável local de encontros vespertinos, totalmente submisso à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC) em um fórum de debates”. A reportagem de ISTOÉ não mencionou a participação de Costa Lima para a retomada da segunda fase do CIC. O entrevero foi causado provavelmente pelo uso da palavra renovação cujos antônimos, anacronismo e arcaísmo, Costa Lima não aceitava como adjetivos à velha classe empresarial. O “X” da questão era outro. Quando José Flávio Costa Lima convidou os jovens para assumir o CIC, queria, publicamente, uma ação participativa e a presença numérica deles na Federação 13. Isto nunca aconteceu. Os jovens sempre tomavam as decisões à revelia dos velhos empresários e à distância da FIEC. Os grandiosos eventos promovidos pelo CIC conseguiram atrair uma numerosa quantidade de pessoas e este seria um motivo para a crise 14, mas o atrito entre os jovens e velhos ganhou maior dimensão quando os membros do CIC não aceitaram a proposta de Costa Lima de incorporar o Centro Industrial à FIEC. Foi com esta ideia que José Flávio Costa Lima convocou os jovens que, a princípio, deveriam revigorar o CIC e posteriormente reforçariam a Federação. Isto lhe foi negado veementemente porque os jovens empresários queriam autonomia e suas ideias, revolucionárias à época, iam de

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encontro à postura adotada pela FIEC em relação à política, à população e à conduta empresarial, reveladora de um casamento incestuoso com o Governo Federal 15. Costa Lima, “como todo criador no momento em que faz a criação, pensou em convidar e assumir o futuro da entidade” 16. Os conflitos não estavam em seus planos. Segundo Accioly, a ruptura entre o CIC e a FIEC, só aparentemente estrutural, não era alimentada por nenhuma das partes — jovens e velhos faziam questão de serem vistos juntos em público — e desvendava uma luta hegemônica dentro da própria classe dominante e na estrutura de poder do Estado. Accioly afirma que pela ambiguidade da origem do jovem empresariado, esta briga camuflada pela hegemonia se dá num contexto de reconciliação. “Os novos empresários ligam-se umbilicalmente aos mesmos troncos familiares das velhas elites e a luta pela hegemonia no interior das classes dominantes só pode aparecer como conflito de gerações ou de mentalidade, obscurecendo assim transformações gestadas na natureza das relações sociais pelo processo de diferenciação/modernização da economia cearense registrado de modo especial nas duas últimas décadas”.17 Sérgio Machado, presidente do CIC de 1983 a 1985, reforça a análise de Accioly ao afirmar que os conflitos entre as duas entidades eram sempre bem administrados. As divergências entre CIC e FIEC existiam. Mas a delimitação conflituosa entre nova e velha mentalidade empresarial servia mais para afirmar a identidade política dos jovens empresários.

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“As peculiaridades de uma disputa que não pode ser reconhecida e cujos efeitos desorganizadores na solidariedade de classe procura-se recorrente contornar, decorrem da constituição ambígua do “novo empresariado” cearense que pretende afirmar sua identidade política através do CIC: criaturas das políticas do desenvolvimento regional acionadas pelo Estado nas décadas de 70-80 pretendem rebelar-se ao criador; herdeiros de empresas originadas em um contexto de acumulação tradicional, mas que nas últimas décadas integraram-se aos circuitos de industrialização e mercados modernos pretendem demarcar fronteiras entre a velha e a nova mentalidade empresarial sem esgarçar definitivamente a trama de interesses tecidos pelos laços familiares. A luta pela hegemonia opera-se assim em um contexto permanente de reconciliação”.18 As distorções entre jovens e velhos empresários aumentaram quando os objetivos do CIC se ampliaram: por volta de 1980 eram os jovens que queriam conquistar a presidência da Federação. Beni Veras, o grande defensor deste objetivo, era o candidato potencial, 19 mas houve uma desistência sem nunca ter partido para a disputa. Esta primeira derrota do CIC, na opinião de Veras, foi patrocinada pelo corporativismo dos sindicatos patronais que compõem a Federação e através dela se solidificam. Costa Lima disse à época que “ninguém ia ganhar a Federação no berro, mas se credenciando junto às entidades sindicais que a compõem”.20 4.2 — O Grupo dos Oito No final da década de 1980, o Brasil passava por transfor-

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mações políticas: era o início da distensão do regime militar, a abertura lenta e gradual iniciada pelo presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Na sociedade de classes, ideologicamente pluralizada, a propósito do maniqueísmo da dicotomia direita-esquerda, as opiniões se dividiam sobre a distensão arquitetada pelo ideólogo do governo Geisel, o general Golbery Couto e Silva. A censura à imprensa era coisa de um passado recente e a anistia “ampla, geral e irrestrita” trouxe de volta os inimigos do regime militar: Leonel Brizola, Miguel Arraes, Roberto Freire, Fernando Gabeira, entre outros. Contra a abertura política estavam os empresários conservadores que chegaram a enviar um documento ao então presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985), no qual explicitaram os seus temores em relação à volta dos direitos civis na democracia. Eram prováveis parceiros do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Mário Amato, que cita com orgulho o fato dos pais terem doado suas abotoaduras de ouro numa cota organizada pelos defensores do regime da ditadura militar. 21 José Flávio Costa Lima também assinou, como presidente da FIEC, o manifesto da Confederação Nacional das Indústrias, sugerindo ao Presidente da República cuidado com a distensão. Este foi um motivo marcante para a ruptura do CIC com a FIEC.22 Entre os empresários nacionais defensores da abertura democrática estavam o Grupo dos Oito, em São Paulo, e o grupo do CIC, no Ceará. O primeiro era composto por oito empresários — Cláudio Bardella, José Mindlin, Severo Gomes, Antônio Ermírio de Moraes, Paulo Vilares, Paulo d’Arrigo Vellinho, Laerte Setúbal e Jorge Gerdau Johannpeter — apontados como porta-vozes do empresariado brasileiro, segundo uma consulta promovida pelo jornal Gazeta Mercantil de São Paulo.23

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O Grupo dos Oito assinou em São Paulo, em 1978, o “Documento dos Empresários”, uma análise da situação política e econômica nacional e sua implicação no setor social. A identificação do CIC com o Grupo dos Oito foi imediata. Os empresários paulistas constituíram um movimento semelhante ao que os jovens queriam implantar no Ceará: contestatório da política industrial do Governo Federal, do crescimento do processo de estatização, do centralismo do Estado como planejador e cerceador do desenvolvimento empresarial e ainda queriam a abertura política.24 Existia uma convergência explícita porque muitos daqueles pontos já estavam contemplados no discurso de posse de Beni Veras na presidência do CIC, que destacava: 1. a necessidade de representatividade dos órgãos de classe e por isso a reestruturação do CIC; 2. a crítica à presença excessiva do Estado no planejamento industrial; 3. a crítica ao achatamento salarial e, 4. a defesa do capitalismo humanitário 25, compromissado com os problemas sociais. Os jovens empresários conheciam o Grupo dos Oito pela mídia e se interessaram por convidar Cláudio Bardella e José Mindlin para falar sobre “O Empresário e a Atual Sociedade Brasileira”. Amarílio Macêdo formalizou o convite em abril de 1978. O encontro com José Mindlin foi casual, na ponte aérea do aeroporto Santos Dumont do Rio de Janeiro. Amarílio Macêdo bateu no ombro de Mindlin, apresentou-se e fez o convite. Depois, Amarílio foi a São Paulo com Beni Veras e almoçaram na residência do empresário que, em julho daquele ano, veio a Fortaleza junto com Bardella para visitar empresas e falar ao CIC. 4.3 — Guerrilha Retórica Os empresários paulistas apresentaram um painel no

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Centro Industrial do Ceará em 14 de julho de 1978. Eles enfatizaram a distribuição das riquezas como tática para diminuir o fosso entre as camadas mais favorecidas e a maioria da população. 26 A bandeira da justiça social esteve presente nos discursos dos jovens empresários e chegou a ser colocada explicitamente por Amarílio Macêdo 27 e Tasso Jereissati 28 como condição sine qua non para a sobrevivência, a médio e longo prazos, do empresariado. Ela forneceu as diretrizes da retórica cujos elementos compuseram, mais tarde, o discurso social-democrata do grupo do CIC que assumiu a política diretiva do Estado. O tema da distribuição de renda foi ponto primordial para enfatizar a mudança da mentalidade política e social do empresariado, segundo Accioly 29. Uma das origens da concentração de renda — a má remuneração do assalariado em nível da iniciativa privada — era atacada pelos próprios jovens empresários. “Em qualquer de nossas empresas a diferença entre a base e o topo da pirâmide vai de 40 a mais vezes. Não que uns ganhem demais, mas sim que a grande massa, por razões diversas, não foi capaz de influir adequadamente em nossa política econômica” 30. A tese era elementar: “Não existe capitalismo sem consumidor”, declarou Tasso Jereissati à revista Veja 31, em entrevista concedida após a sua eleição para o governo do Estado (1986). Segundo Jereissati — que reafirmou sua convicção na força do empresariado como instrumento de transformação e de justiça social — caberia à classe empresarial criar condições para que nascesse o mercado. Ele se comprometeu, em nível de plano governamental, com a reforma agrária. “A reforma agrária é essencial no caso nordestino, ela permitirá que cada cearense tenha acesso à produção, se torne um cidadão econômico e passe a ser um consumidor”.32 72 | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | Isabela Martin


A situação do Ceará no contexto regional era preocupante. Um relatório sobre a condição econômica do Estado, produzido por membros do CIC em 1978 para ser entregue ao futuro governador, mostrou a desvantagem cearense em relação a outros estados nordestinos, exceto ao Piauí e ao Maranhão. Os indicadores mais alarmantes eram o ICMS, IPI, e o IR per capita (por pessoa), traduzindo uma alta concentração de renda no Ceará. 33 Um padrão menos concentrado de renda e a diminuição paulatina das desigualdades sociais defendida pelos jovens empresários não coincidiam com o “sonho igualitário de Marx”. 34 Eles não viam pecado no lucro e afirmavam que os empresários e o sistema capitalista, nos moldes das sociedades mais justas, tinham legitimidade para responder a todos os desafios. Mas, para isso, acreditavam na urgente necessidade de conscientizar a sociedade da sua responsabilidade social. Os jovens empresários queriam acabar com a apatia das classes dirigentes e estimular a massa crítica da sociedade, porque anunciavam-se conscientes de que não podiam esperar grandes transformações a partir do povo. Os seminários e debates, segundo Jereissati, tinham o objetivo de discutir questões que não os interesses corporativos das empresas e também explicitar o nível de miséria camuflado do Estado e da região. “A impressão que se tem é a de que há um medo de transmitir aos diferentes segmentos da população as verdades, por mais duras que sejam, da crise. Esse jogo de esconde-esconde amplia o fosso, alarga as desconfianças e torna difícil a colaboração da sociedade”. 35

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O estado de conformismo das classes sociais do Ceará e da região levou à apatia absoluta ao ponto do empresário paulista Abílio Diniz, diretor do Grupo Pão de Açúcar, vir a Fortaleza (agosto de 1980) para alertar os próprios nordestinos que “o Nordeste é um convite permanente à reflexão”. Ao iniciar estas reflexões, os jovens empresários entraram em confronto com instituições que estavam acomodadas sobre o limite da vantagem de quem exerce a tutela e de quem é tutelado. O governo, no primeiro caso, e as classes empresarias tradicionais, no segundo. No regime militar, o Estado foi acumulando poder e concentrando as iniciativas em relação a todos os setores da economia. “O manual da ESG (Escola Superior de Guerra) analisa explicitamente as relações capitalistas, dando especial atenção aos problemas levantados pela teoria marxista. Chega à conclusão de que Marx estava errado principalmente porque não anteviu a potencialidade reguladora do poder do Estado, desenvolvida na economia keynesiana (...) O capitalismo moderno, na ótica da ESG, deve buscar um modelo baseado na forte interferência do Estado no planejamento econômico nacional, na produção direta e no investimento infra-estrutural, com eventual apropriação direta dos recursos naturais por este mesmo Estado. O modelo mais se aproxima, portanto, do capitalismo de Estado do que da variante do “lassez-faire”. O “capitalismo liberal” é uma insensatez que leva diretamente aos problemas estudados por Marx; o potencial regulador do Estado permite superar tais contradições e realizar o poder de desenvolvimento da capacidade industrial de um país”.36 O setor privado passou a ser “tutelado, protegido e regu-

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lamentado” pelo governo 37. Em troca das linhas de crédito, concessões ou informações privilegiadas, os empresários asseguraram ao Estado seu apoio incondicional: este pacto informal não previa críticas. O sistema de parceria com o governo rendeu lucros aos empresários tradicionais. Os primeiros anos da década de 70 foram pródigos para o crescimento de suas indústrias, mas no final começou a despontar uma crise que se acirrou na década seguinte. Alguns importantes setores da economia do Ceará se extinguiram nessa época, como o da mamona, o do couro, o do algodão e o da pecuária. A tese de Jereissati é que o excesso de facilidade, créditos e prestígio gerou a ineficiência que levou à decadência. 38 A atitude dos jovens empresários — que lhes rendeu adjetivos de “incendiários” e “comunistas”, por parte dos velhos empresários — foi de questionar a consistência deste lucro, uma vez que ele implicou na concentração de renda e acentuou o déficit social. A origem desta crítica às classes empresariais tradicionais continha uma ambiguidade e uma contradição, porque as raízes familiares ligavam-nos aos velhos empresários, e os seus negócios remontam a empresas originadas em contexto de acumulação. “A ambiguidade é assim marcada nesses novos empresários. Suas raízes os prendem ao passado, mas a expansão de suas atividades os projeta para além dos métodos de gestão e ação política tradicionais”. 39 Segundo Jereissati, alguns jovens empresários tiveram problemas de ordem conceitual com a família. Este enfrentamento ficou bem explicitado no discurso de posse de Amarílio Macedo na presidência do CIC, em 1980. Macedo

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criticou a postura dos empresários e parafraseando Saint-Exupéry, convocou a sociedade a participar mais ativamente das decisões políticas. “Somos, nós empresários, diretamente responsáveis pelas definições políticas vigentes; alguns porque delas participaram pessoalmente, outros porque as aprovaram sem restrições, os demais que se omitiram ou contestaram, porque permanecem na condição de empresários”. 40 4.4 — A Bandeira das Diretas-Já Desde que Amarílio Macêdo instigou os jovens empresários à mudança para a categoria de empresários políticos, passaram-se cerca de quatro anos. A transição foi acontecendo de forma gradual, mas não tão lenta. A performance do grupo à frente do CIC legitimava-os perante a sociedade como vanguarda — primeiro da classe empresarial, em seguida dos políticos — e tornava-os assemelhados a um partido de oposição. A afinidade do CIC com um partido de oposição começou a se verificar nas coincidências de posturas em relação, a priori, a questões políticas nacionais. A primeira delas foi a campanha pelas diretas-já, em 1984. A campanha das diretas seguia a Trajetória Sul/Norte e no seu início foi pouco pródiga. À primeira manifestação pró-diretas, no Estádio Pacaembu, em São Paulo, a 27 de novembro de 1983, compareceram apenas 15 mil pessoas. O jornalista Ricardo Kotscho, que cobriu para o jornal Folha de São Paulo a cruzada nacional das diretas, escreveu que aquele foi um dia de tristeza no qual se pensou que os indiretistas, cujo representante-mor era o presidenciável Paulo Maluf, eram imbatíveis. 41

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Até então, a imprensa não tinha abraçado a causa das diretas. Os maiores representantes do movimento — “os três mosqueteiros” Ulisses Guimarães, presidente do PMDB, Luís Inácio Lula da Silva, presidente do PT, e Doutel de Andrade, presidente do PDT — traçaram um roteiro de peregrinação por todas as capitais do País, a partir de 1984, para alastrar a causa. A segunda manifestação pelas diretas-já, em Curitiba, em 1984, reuniu 50 mil pessoas e desfez a impressão derrotista deixada quando do comício de São Paulo. A partir destes movimentos, foram constituídos em vários estados, comitês pró-diretas. O primeiro deles foi no Ceará por iniciativa do CIC, segundo Beni Veras e Sérgio Machado. Outras forças democráticas — partidos políticos de oposição, intelectuais e demais representantes da sociedade civil — que também defendiam as eleições diretas para presidente da República, impulsionaram o comitê que funcionou na Rua Gonçalves Lêdo. Essa campanha era parte inerente da ampliação política do Centro Industrial que se consolidava ao mesmo tempo em que a abertura política aculturava no País. Os jovens empresários elaboraram e distribuíram uma nota oficial da entidade na qual manifestavam o irrestrito apoio às eleições para presidente da República. Comunicavam, também, que cada parlamentar da bancada cearense no Congresso Nacional iria receber um telefonema explicando o porquê de os jovens empresários defenderem as diretas-já. O presidente do CIC, Sérgio Machado (1983-1985), mostrava-se apreensivo porque acreditava que a maioria dos parlamentares já havia-se comprometido com alguns candidatos sem conhecer suas plataformas políticas. 42 A nota oficial foi assinada pelo presidente do CIC, Sérgio Machado, e pelo presidente da FIEC, José Flávio Costa Lima. Naquele momento, Costa Lima se emancipava da postura

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anterior, quando assinou o manifesto da Confederação Nacional das Indústrias advertindo o presidente João Baptista Figueiredo sobre os perigos da democracia. 4.5 — A Um Passo da Política Partidária O movimento pró-Tancredo Neves, após o fracasso num primeiro momento das campanhas das diretas-já, foi a última grande bandeira pública levantada pelos jovens empresários antes de ingressarem na política sob a égide de um partido político. Tancredo Neves foi o candidato que disputou a Presidência da República contra Paulo Maluf (PDS), num Colégio Eleitoral, em 1985. Beni Veras conta que os jovens empresários foram os precursores nas sugestões de candidatura de Tancredo Neves, quando ela ainda não tinha sido lançada nem mesmo em Minas Gerais, onde era governador, eleito em 1982. Outros autores podem discordar da afirmação sobre o pioneirismo do CIC, tendo em vista que a candidatura de Tancredo Neves foi um evento nacional a partir dos pólos de poder Rio de Janeiro-São Paulo-Brasília. O CIC não teve influência decisiva na resposta positiva de Neves quanto a sua candidatura. Segundo Sérgio Machado, Tancredo Neves foi pressionado durante uma reunião com todos os governadores do País, em São Paulo, no gabinete do governador Franco Montoro (PMDB). O mérito da disposição de Neves de ser candidato é atribuído especialmente a Montoro, ao governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola (PDT) e a José Richa. A princípio, houve uma disputa interna no PMDB entre Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Mas, segundo Machado, numa eleição via Colégio Eleitoral, Neves seria o candidato capaz de arregimentar forças da situação que assegurassem a sua vitória, além de possuir trânsito livre

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entre as Forças Armadas. O aparato logístico que deu suporte à campanha das diretas-já foi mobilizado para a eleição de Tancredo Neves. O período das manifestações pró-diretas e pró-Tancredo foi caracterizado pela pressão do Governo Federal com o objetivo de conter os movimentos. No tocante aos jovens empresários do CIC, segundo Sérgio Machado, havia ameaça de não liberação de recursos via Caixa Econômica Federal. Esse teria sido o motivo, segundo Machado, que neutralizou Amarílio Macêdo durante a campanha pela eleição de Tancredo Neves. A eleição de Tancredo Neves, a 15 de janeiro de 1985, encerrou um período de 21 anos de regime militar. Neves não chegou a ser empossado na Presidência da República porque faleceu em 21 de abril daquele ano. A sua morte, segundo Jereissati, contribuiu para que uma coletânea de documentos sobre o Nordeste, produzida a partir de eventos do CIC, fosse engavetada. Os documentos, segundo ele, foram requisitados pelo próprio Tancredo Neves e serviriam de base para arquitetar a política do Governo Federal para a região. A infiltração do CIC em movimentos sociais teve duas consequências imediatas: cristalizou a função política e pretensamente não corporativa da entidade e clarificou aos jovens empresários que o ingresso na política partidária seria inevitável. Essa possibilidade, segundo Sérgio Machado, foi emergindo gradativamente durante o processo de discussão patrocinado pelo CIC desde a gestão de Beni Veras, e à medida que percebiam a inviabilidade da implementação de suas ideias sem o controle do poder institucional. “O nosso crescimento coincidiu muito com o crescimento social do Brasil. À medida que íamos discutindo — começamos isso sem

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pensar em entrar para a política — fomos vendo que a alternativa para equacionar os problemas era via política. Não adiantava apenas termos boas ideias se não tivéssemos a força para implementá-las. Se o Tasso não tivesse sido governador, de nada teriam adiantado essas boas ideias”, diz Machado, 43 referindo-se à eleição de Jereissati, em 1986. Em 1984, os jovens empresários ainda não estavam plenamente convencidos de que a hora de ingressar na política partidária e disputar um cargo público havia chegado. Recusavam a sugestão de Tancredo Neves — o primeiro a estimular o grupo do CIC a ingressar na política partidária —, de Franco Montoro e de Ulysses Guimarães, que vieram a Fortaleza durante as campanhas das diretas-já. O tempo protelado pelos jovens empresários para decidir se deveriam e quando deveriam se comprometer com um partido político e disputar um cargo eletivo foi empregado: 1. na construção de uma imagem progressista; e 2. na afirmação da capacidade de liderança do grupo. Esses dois fatores foram decisivos na escolha de um empresário vinculado ao CIC para disputar as eleições do Governo do Estado, em 1986. 4.6 — Procura-se um Candidato As articulações em torno da sucessão do governador Gonzaga Mota começaram em janeiro de 1986, época em que completava oito anos da gestão dos jovens empresários à frente do CIC. A hipótese de concorrer a um mandato eletivo vinha sendo analisada, mas em seus depoimentos os jovens empresários confirmam que a candidatura de Tasso Jereissati, naquele ano, foi uma antecipação dos planos e um salto qualitativo do qual não se arrependem.

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Eles usam dois argumentos para justificar a tese de que a disputa por um cargo público não estava prevista para 1986: 1. entre os jovens empresários, Jereissati foi o único que se candidatou, a despeito de Beni Veras ter sido convidado a ocupar a vaga de Senador; e 2. A filiação de Jereissati e de outros membros do CIC ao PMDB aconteceu próximo ao término do prazo permitido pela lei do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que regulamentou aquelas eleições. Havia passado apenas dois anos de quando Tasso Jereissati, à época da campanha das diretas-já, declarou que o papel de um empresário progressista era criar condições objetivas de desempenho dos políticos profissionais. O que mudou na perspectiva dos empresários ? Segundo Jereissati, a conjuntura política nacional e a ameaça de um retrocesso político no Ceará, que necessariamente obrigavam a uma mudança das estruturas de poder do Estado, foram os motivadores: “Quando constatamos que a sucessão no Ceará estava caminhando para uma solução que representaria um retrocesso de vinte anos, voltando novamente à política dos coronéis, isso nos motivou a ingressar na disputa eleitoral. Na campanha de Tancredo, o coronel Adauto Bezerra parecia ter dado um passo à frente ao aderir àquela candidatura. No momento em que ele recuou da posição para recompor a tríade dos coronéis — Virgílio Távora e César Cals — ficou então claro que, se todas as forças novas e progressistas não se dessem as mãos, o Ceará estaria dando um passo atrás enquanto o País dava um passo à frente.” 44 A candidatura de Tasso Jereissati — um convite formalizado pelo governador Gonzaga Mota (PMDB) — veio à tona

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após sucessivos fracassos de negociatas entre os “coronéis” Virgílio Távora, César Cals, ambos do PDS, e Adauto Bezerra (PFL) para que os três marchassem unidos, numa composição de forças imbatível. A discussão sobre quem encabeçaria a chapa inviabilizou a coligação. Mota se elegera governador em 1982 pelas mãos do governador-coronel Virgílio Távora, com o qual rompeu, transformando essa ruptura no principal marketing de sua administração, que terminou com muitas denúncias de corrupção e com um enorme déficit social. O governador Gonzaga Mota não abria mão da indicação do seu sucessor e as bases do PMDB, segundo alertou o deputado Eufrasino Neto, líder do partido na Assembléia Legislativa do Ceará, não aceitavam acordo com o PFL. Várias tentativas fracassadas foram feitas no sentido de manter no Ceará a Aliança Democrática formada em nível nacional pelo PMDB e PFL, que conduziu José Sarney à vice-presidência da República na chapa de Tancredo Neves, em 1985. Adauto Bezerra — que era vice-governador, não queria romper com Gonzaga Mota e, por isso, segundo Aroldo Mota, deixou circular uma chapa com as seguintes indicações: governador Mauro Benevides (PMDB); vice (PFL); Senador (PFL) e Senador (PFL).45 Pressionado pelas bases do PFL, Adauto Bezerra recuou e afirmou que o partido teria candidato próprio. Uma entrevista de Adauto Bezerra ao programa Armando Vasconcelos, exibida pela TV Cidade, em 23 de março de 1986, selou o fim da Aliança Democrática no Ceará. Bezerra fez críticas à atuação do Governo, notadamente pela falta de obras. Dois dias após o rompimento de Adauto Bezerra com Gonzaga Mota, foi costurado o “acordo dos coronéis”, que disputaram as eleições do Governo com a seguinte distribuição de cargos por partidos políticos: o PFL preencheu a cabeça

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de chapa com Adauto Bezerra e uma vaga ao Senado; a outra ficou com o PDS. Duas semanas antes, Gonzaga Mota publicara seu apoio à candidatura de Mauro Benevides, que já renunciara à presidência do BNB. A composição de forças, aparentemente concluída para aquela eleição, guardava uma surpresa só revelada no dia 12 de abril de 1986. Gonzaga Mota anunciou a candidatura de Tasso Jereissati para o Governo do Estado e a de Mauro Benevides para o Senado Federal. O convite feito antes do anúncio público causou impacto entre os jovens empresários, ainda mais porque Jereissati se recuperava da cirurgia de implantação de uma ponte de safena, feita no Hospital de Cleveland, nos Estados Unidos, cerca de um mês antes. A atitude de Gonzaga Mota é classificada de arrojada por Beni Veras. Mota tomou a decisão sem consultar as bases do PMDB. Sérgio Machado conta que a surpresa do primeiro momento foi substituída pela cautela. Nas reuniões do grupo foi avaliada a chance real de vitória — que era praticamente nula, naquele momento — e tomada uma decisão. Tasso Jereissati não queria ser o candidato do governador Gonzaga Mota e a confirmação da sua candidatura estava condicionada ao aval do partido. O nome de Jereissati foi submetido à crítica das bases do PMDB do Ceará e de um personagem notório da política nacional: o presidente da República, José Sarney. Tratava-se, obviamente, de uma formalidade. Sérgio Machado nega essa etapa da negociação da candidatura de Jereissati. Sarney não poderia intervir na sucessão do Ceará, segundo ele, porque tinha compromisso com a Aliança Democrática — formada nacionalmente pelo PMDB e PFL — que o colocou como vice na chapa que elegeu Tancredo Neves. Jereissati, à época, também negou estar discutindo sua candidatura com José

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Sarney e atribuiu o encontro que tiveram em abril, na véspera de Gonzaga Mota anunciar sua candidatura, a uma visita de cortesia. Jereissati e Sarney eram amigos. Aroldo Mota não deixa dúvida de que o diálogo de Jereissati com o Presidente da República era pautado pela sucessão estadual. “O País vivia debaixo de uma euforia muito grande em face do lançamento pelo presidente da República — José Sarney — do chamado “Plano Cruzado” dando um golpe forte na inflação, proporcionando um movimento intenso de venda, valorizando os salários e criando em toda a Nação a expectativa de que todos os problemas nacionais haviam sido resolvidos. Pela coragem em aprovar o plano econômico, o presidente Sarney desfrutava de grande popularidade, assim como o PMDB, encorajando Sua Excelência a interferir na sucessão estadual do Ceará”. 46

Gonzaga Mota, em depoimento à autora em 22 de dezembro de 1992, confirmou que a candidatura de Jereissati foi submetida à avaliação de Sarney. 4.7 — Campanha, Desgoverno e Divergência Durante as negociações da candidatura e a campanha de Tasso Jereissati houve atritos entre os jovens empresários e Gonzaga Mota, no que diz respeito à gestão da coisa pública. O Banco do Estado do Ceará (BEC) era o ponto nevrálgico dos desentendimentos. O BEC, segundo Beni Veras, estava completamente falido. Os jovens empresários defendiam a intervenção do Banco Central e a demissão do presidente do

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Banco, Fernando Terra. Mota, segundo dizem, comprometeu-se com as sugestões, mas não agiu. Por isso, após uma reunião, os jovens empresários decidiram devolver a candidatura de Tasso Jereissati. Mesmo após a renegociação da aceitação da candidatura, continuaram os conflitos. Gonzaga Mota não ia a todos os comícios de campanha e, nos bastidores, as críticas dos jovens empresários ao governador ficaram cada vez mais severas. Os escandalosos desmandos do governo de Mota nunca foram notificados pelos jovens empresários. Em entrevista à autora, Beni Veras faz algumas revelações. “Gonzaga Mota se apresentou no exercício do poder como um homem muito contraditório. Um péssimo executivo, mas em nível nacional ele tinha uma posição progressista. Aqui no Estado tinha um governo desorganizado. Não sei se ele, pessoalmente, sujou-se com isso. Mas pessoas ligadas a ele tiveram condições e espaço para usar muito o Estado. O Estado foi usado descaradamente para eleger oito deputados federais ou estaduais. O Totó abriu os cofres. Uma vez ele deu a um deputado estadual 200 portarias de nomeação de pessoas. Esse rapaz foi paraninfo de uma turma de formandos e deu como presente às professoras formadas contrato de trabalho”.47 Veras conta que as divergências eram “insistentemente” manifestadas principalmente ao secretário de Planejamento de Gonzaga Mota, Osmundo Rebouças. Os jovens empresários sentiam-se, de certa forma, incomodados com a improbidade verificada no governo de Mota porque propuseram o nome dele a Virgílio Távora e ajudaram na sua eleição em 1982. Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 85


4.8 — Por que Tasso? O acordo dos coronéis vaticinava a vitória de Adauto Bezerra afastando a hipótese de um confronto mais acirrado, notadamente se o adversário fosse Mauro Benevides, candidato derrotado ao governo do Estado nas eleições de 1982. “Pelo sistema tradicional, se as ideias não rompessem com todos os valores, não teria nenhuma chance. Se fôssemos medir as forças, um (candidato) tinha 130 prefeitos e o outro tinha 15. Cento e trinta sempre ganha de 15. Era preciso colocar no processo ideias novas que fossem capazes de desestabilizar a ordem”. 48 Essa declaração de Sérgio Machado justifica o porquê de Gonzaga Mota ter preterido o nome tradicional do PMDB em prol de um membro do CIC, mas não explica a escolha de Tasso Jereissati. Jereissati contribuiu com poucas informações a esse respeito. Limita-se a afirmar que qualquer outro jovem empresário do CIC poderia ter sido candidato ao governo do Estado e que o nome dele foi lembrado numa determinada circunstância. Na opinião de Aroldo Mota, Tasso Jereissati não era “estranho à vida política do Ceará, porque o pai, Carlos Jereissati, foi deputado federal e faleceu como senador”. Essa hipótese é pouco convincente e é improvável que a tradição política familiar tenha funcionado como critério de escolha na medida em que José Macêdo, pai de Amarílio Macêdo, e Expedito Machado, pai de Sérgio Machado, também exerceram mandato eletivo: ambos como deputado federal. Expedito Machado chegou a ser ninistro da Aviação e Obras Públicas no final do Governo João Goulart (1961-1964).

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Sérgio Machado enumerou algumas razões que teriam favorecido a opção por Jereissati: 1. Ele tinha saído havia pouco tempo da presidência do CIC e por isso estaria em evidência; e 2. “é uma liderança marcante”. O terceiro motivo citado por Machado foi, certamente, o que mais influenciou na decisão de Gonzaga Mota: Jereissati tinha trânsito livre na mídia local, uma vez que sua esposa, Renata Jereissati, é uma das herdeiras do Grupo Édson Queiroz, que engloba o Sistema Verdes Mares de Comunicação (rádio, jornal e televisão). 4.9 — Os Dois Extremos da Campanha A campanha de Tasso Jereissati visualizou nitidamente o embate entre dois pólos: o progressista versus o retrógrado. O primeiro foi representado pelo Movimento Pró-Mudanças, formado pelo PMDB, PCD, PCdoB, e PDC, com retaguarda dos jovens empresários, intelectuais e outros agregados do CIC e o segundo pela oligarquia dos coronéis. Tasso Jereissati afirma que, a despeito da remota possibilidade de êxito naquela eleição, a sua candidatura tinha em princípio a função de marcar uma oposição aos coronéis, e que o fracasso não seria uma mácula no currículo dos jovens empresários porque não eram políticos profissionais. Eles não chegaram a ver a derrota nas urnas, mas as chances de vitória foram traduzidas em uma pesquisa de opinião pública feita pouco tempo antes das candidaturas de Tasso Jereissati e Adauto Bezerra estarem postas. De acordo com a pesquisa, Jereissati tinha um porcento da intenção de votos no confronto com os potenciais candidatos Adauto Bezerra, Lúcio Alcântara e Paulo Lustosa. Essa mesma pesquisa, segundo Sérgio Machado, trouxe uma esperança: quem conhecia os dois candidatos — que era um universo pequeno — optava por Jereissati.

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Quando o PMDB referendou a candidatura de Tasso Jereissati, os coronéis arguíram a vitória antecipadamente e cometeram o erro estratégico de subestimar o adversário político. “O que é mais fácil para você: disputar com um profissional (Mauro) ou com um amador (Tasso) ?” 49 Jereissati não deixou essa indagação de Adauto Bezerra sem resposta. “Sou um amador do poder, mas sou um profissional do espírito público. Toda a minha vida foi pautada nos princípios relativos ao espírito correto da palavra”.50 Em tese, teria sido mais fácil para Adauto Bezerra disputar com Mauro Benevides. Benevides, a rigor, não representaria uma ruptura à estrutura política que sustentava o “coronelismo”. Venceria, então, quem tivesse mais força dentro dos “currais eleitorais”. O “acordo dos coronéis” praticamente não deixava margem para a derrota. A candidatura Jereissati era vendida como uma ruptura estrutural com os “coronéis”, criando a dicotomia “antigo-novo”, “anacrônico-moderno”, “conservador-progressista”. Beni Veras classifica a campanha de Jereissati de revolucionária por ter sido feita à revelia dos prefeitos que representavam os “coronéis” no comando de suas bases tradicionais. As ideias defendidas e divulgadas pelos jovens empresários quando de suas gestões no CIC canalizaram forças aliadas que ajudaram na eleição de Jereissati. Partidos políticos rotulados de progressistas mobilizaram os mais atuantes militantes da campanha eleitoral, notadamente o PCdoB, segundo Amarílio Macêdo, que agiram no interior do Estado violentando as fronteiras dos currais eleitorais. O formato conservador dos “coronéis” foi o contraponto ideal na estratégia dos jovens empresários. A conotação de “coronel” transcende o sentido pragmático da palavra, referindo-se ao chefe político conservador que comandou a política do Nordeste do Brasil por várias décadas. O peso da

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palavra está carregado de significados que exprimem poder centralizado, tradicionalismo e forma anacrônica de gestão. Pode-se afirmar que um dos fatores que levou à eleição de Tasso Jereissati foi o estágio de superação em que se encontrava o “coronelismo” no Nordeste. “O declínio político do coronel quase sempre provoca esfacelamento do poder, atritos e lutas políticas mais acirradas. Com o tempo, aquela forma de supremacia sócio-política se substitui por outra, mais sutil menos ostensiva, na pessoa de um líder mais moço, formado nas cidades e mesmo com a cultura universitária, quase sempre em regressão: ou representada por uma classe comercial e incipiente empresarial, ativa e ávida de poder político; ou ainda pela demagogia de certos “líderes populares” e pelo oportunismo político. O modo como se operou o rompimento da velha estrutura coronelística, o caráter e a atuação pessoal do coronel ou dos coronéis, o tamanho e a importância das concentrações urbanas que se formam e sua proximidade das capitais condicionam uma outra dessas formas novas de substituição da liderança política”.51A postura do “coronel” é predominantemente conservadora. Vila e Albuquerque atestam sua reação agressiva ao novo, ameaçadora da sobrevivência do coronelismo. Mas acrescentam que, ao tentar subsistir ao processo de mudanças, as incorporadoras promovem-nas prolongando sua existência nos novos tempos. Para continuarem no poder, os “coronéis” são obrigados a promover mudança para assegurarem a dignidade paternalista. O prestígio junto às cidades onde dominam está garantido enquanto promovem doações, urbanizações, abertura de estradas alargando caminho para o ingresso de sua própria condenação. O “coronel” deixa de ser o senhor absoluto com poder concentrado de “impor decisões, julgar causas e

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aplicar castigos” e passa a “exercer forte influência, não o controle total, sobre o delegado, o prefeito, o governador e os deputados. Segundo Vilaça e Albuquerque, o “coronel” vai dependendo mais e mais tanto de governos como de eleitorado para um exercício que lhe pertencia originalmente”. “Os coronéis necessitam aprender a conviver com a permeabilização social, com a interferência da imprensa e do rádio, com o prestígio de governos e com o processo eleitoral”. O “coronel”, segundo eles, que sabe capitalizar para si próprio estes fatores, a despeito de implicarem a sua superação, assegura, embora efemeramente, a permanência no comando. “O coronel, ao pretender manter, a todo custo, o poder político, trai a sua ordem; é instrumento dialético do próprio ocaso. Alguns, mais fechados, resistem como podem, em suas cidadelas, à investida do caminhão, das estradas, dos governos e dos bacharéis, dos médicos e das escolas; revelam uma certa teimosia ou rigidez social e, algum dia, caem com suas cidades-fazendas e pátios-familiares. Alguns outros, os mais permeáveis, prolongam-se vivos enquanto se contaminam com a destruição e divulgam sua ruína”.52 Aliada à bandeira da miséria, a campanha anticlientelista foi insistentemente defendida por Jereissati e entre as prioridades do Governo das Mudanças, segundo afirmava, estava previsto o seu fim. Para ele, clientelismo político e coronelismo são sinônimos e ambos se alimentam do nível de pobreza da população. “O essencial, o clientelismo político, este nós vamos atacar no dia 15 de março (quando Jereissati assumiu o governo do Estado). No dia 16 não haverá mais clientelismo político”.53 O combate ao coronelismo, por parte dos jovens empresá-

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rios, remonta às discussões promovidas no CIC e às gestões à frente da entidade. Há um insólito episódio, que se deu durante um jantar de homenagem à eleição de Gonzaga Mota ao governo do Estado em 1982, em que Tasso fez um discurso sobre o caráter anacrônico do coronelismo e aconselhou Mota a romper com aquele vício. Na platéia do Náutico Atlético Cearense com cerca de duas mil pessoas, segundo Machado, estavam os coronéis Virgílio Távora, patrocinador da candidatura de Gonzaga Mota, Adauto Bezerra, e César Cals. Távora teria ficado muito incomodado com as palavras de Jereissati. Não obstante, essa distância conceitual que separa “coronéis” de jovens empresários não caracterizou uma desarmonia inadministrável entre eles. Os jovens empresários do CIC, segundo Machado, conquistaram o respeito e a credibilidade dos coronéis, na medida em que se propuseram a discutir questões relativas ao Nordeste e ao Brasil, e não interesses pessoais. A afirmação de Machado se sustenta também no fato de os “coronéis”, especialmente Virgílio Távora, que ascendeu ao governo do Estado à época em que os jovens assumiram o CIC, estarem presentes a vários eventos promovidos pela entidade. Da eleição de Beni Veras, que inicia a segunda fase do CIC, até a eleição do empresário Tasso Jereissati para governador do Ceará, em 1986, passaram-se oito anos, nos quais o grupo hegemônico se revezou no gerenciamento político da instituição. A definição clássica do CIC, na perspectiva dos empresários, é a de uma instituição política que não se perderia em discussões de questões corporativo-sindicais. Tratava-se, sim, de uma corporação, mas no sentido de expor para a sociedade o pensamento político dos empresários. Esta operação simbólica passou pelos meios de comunicação de massa, especialmente na mídia impressa identificada com Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 91


a perspectiva dos empresários que abriu amplos espaços para a discussão de suas ideias e foi, em muitos momentos, um parceiro fiel abrigando a retórica progressista do grupo emergente. A ideia de progressismo do grupo está situada no contexto da esfera burguesa e o principal parâmetro para o estabelecimento do novo pólo era a predominância das políticas tradicionais, marcadas por clientelismos e paternalismos. Estabelecida a dicotomia, os meios de comunicação passaram a demarcar os limites entre o velho e o novo, este, representado pelo CIC através de teses como a do “capitalismo humanitário”. A expressão, conceitualmente insólita, ganha respaldo numa das ideias expressas por Tasso Jereissati, que pregou na entrevista às páginas amarelas da Veja a distribuição de renda através de salários. Uma das críticas públicas mais contundentes do grupo do CIC refere-se à concentração de renda e à visão anacrônica das elites econômicas brasileiras sobre a questão social. “Capitalismo humanitário” talvez seja, na perspectiva dos ideólogos do CIC, o embrião conceitual de “social-democracia”, “uma economia de mercado socialmente regulada”. Hélio Jaguaribe, citando o Congresso de Bad-Godesberg, de 1959, na Alemanha, escreve que a filosofia social-democrata “consiste, fundamentalmente, na concepção da sociedade como um processo aberto de interações humanas, produzindo riqueza a partir da iniciativa privada, numa economia livre de mercado, e na proposta de corrigir as distorções econômicas e sociais do mercado através de uma prudente intervenção reguladora do Estado democrático”.54 Em oito anos, o CIC viveu uma trajetória fulminante. Trouxe para si uma imagem de fórum de debates ativo e progressista, buscou parceiros internos e externos na

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consolidação de suas ideias e sedimentou um poder que transcende os limites de partidos políticos. 4.10 — As Gestões dos Jovens Empresários Beni Veras (1978-1980) Foi o primeiro presidente da segunda fase do CIC. Por ser o mais velho, o seu nome foi referendado por todos os jovens empresários que compuseram a primeira diretoria do novo CIC. A partir da gestão de Veras, o CIC foi-se consolidando como fórum de debates sobre questões locais e regionais no contexto nacional. Atribui-se como a maior contribuição da sua administração o credenciamento do CIC como entidade política. A busca por parceiros externos às ideias dos jovens empresários iniciou-se já no começo do mandato de Veras, através de convites a alguns empresários do Grupo dos Oito da Gazeta Mercantil para irem falar ao CIC: Cláudio Bardella (Bardella) e José Mindlin (Metal Leve) foram dois deles. Amarílio Macedo (1980-1981) Foi o segundo presidente do novo CIC. Macêdo promoveu uma das gestões mais atuantes no tocante a promoções de eventos, com destaque para o seminário “O Nordeste do Brasil: Avaliações e Perspectivas”, realizado em 1981. Vieram a Fortaleza também: Abílio Diniz (Pão de Açúcar), Antônio Ermírio de Moraes (Votorantim) e Maria Conceição Tavares (economista). Na gestão de Macedo vieram à tona as divergências entre o CIC e a FIEC cujas causas diziam respeito à autonomia do Centro e a questões conceituais como o papel do empresário na promoção do bem-estar social e a sua relação com o governo. Tasso Jereissati (1981-1983) Foi o terceiro presidente da segunda fase do CIC. Entre os eventos realizados na sua gestão, destaca-se o encontro com todos os governadores

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do Nordeste e de Minas Gerais, que aconteceu em 1983. Na administração de Jereissati, o CIC estava consolidado como fórum de debates, entidade autônoma e reivindicadora dos interesses da população. Jereissati, segundo Macedo, colheu os melhores frutos da notoriedade alcançada pelo CIC a partir das duas primeiras gestões. Sérgio Machado (1983-1985) Foi o quarto presidente da segunda fase do CIC. O seu mandato coincidiu com o início das campanhas das diretas-já. Nesse movimento, o CIC exerceu um papel atuante e tornou mais evidente a sua postura com a de um partido político de oposição. Ainda durante o seu mandato, tiveram início as manifestações pró-Tancredo. Machado foi um destacado conselheiro do grupo, assumindo, na maioria das vezes, o papel de estrategista. Assis Machado Neto (1985-1986) Foi o quinto presidente do novo CIC no período em estudo (1978-1986). O grande evento ocorrido no seu mandato foi o movimento pró-Tancredo. Na gestão de Assis Machado Neto foram travadas as discussões e as negociações em torno da candidatura de Tasso Jereissati para governador do Estado. Ele não concluiu o mandato porque recebeu e aceitou o convite de Jereissati para ocupar a Secretaria de Transportes, Estradas, Comunicação e Obras do Governo (ex-Seteco). Dado o breve período de sua gestão, Assis Machado Neto praticamente não é citado nesse trabalho.

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NOTAS

1. Tasso Jereissati em entrevista à autora em 15 de dezembro de 1992 (ver anexos) 2. José Flávio Costa Lima em entrevista à autora em 11 de novembro de 1992 (ver anexos) 3. O seminário aconteceu no final da gestão de Amarílio Macêdo e foi patrocinado pelo Jornal do Brasil, CIC, Sudene, BNB e governo do Estado do Ceará. O livro-documentário “O Nordeste no Brasil: Avaliação e Perspectivas” — preparado pelo setor de documentação e biblioteca do BNB, em 1982, traz transcrito um editorial do Jornal do Brasil de primeiro de julho de 1981, “Despertar da Consciência” enaltecendo a postura da “nova liderança empresarial” do Centro Industrial do Ceará em favor de uma posição política, e não de vítima, frente aos problemas da região Nordeste. A apresentação do livro-documentário é do empresário Tasso Jereissati — sucessor de Amarílio Macêdo na presidência do CIC — dizendo que os objetivos do seminário eram três: 1. avaliar a situação do Nordeste no contexto nacional; 2. examinar criticamente o que vinha sendo feito pelos poderes públicos em prol da região; e 3. apontar os caminhos que poderiam ser trilhados para melhorar as perspectivas. A íntegra das exposições de todos os patrocinadores e participantes dos painéis está publicada no livro-documentário. A seguir o nome de alguns deles com as respectivas funções à época: Virgílio Távora, governador, Amarílio Macedo, presidente do CIC, Walter Fontoura, Editor-Chefe do Jornal do Brasil, Dom Aloísio Lorscheider, Arcerbispo de Fortaleza, José Mindlin, presidente da Metal Leve, Camilo Calazans, presidente do BNB, Firmo de Castro, secretário da Indústria e do Comércio do Ceará, Antônio Carlos Magalhães, governador da Bahia, Severo Gomes, presidente da Tecelagem Parahyba, Dóriam Sampaio, jornalista, Paulo Lustosa, deputado federal, José Flávio Costa Lima, presidente da FIEC,

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Luiz Gonzaga Mota, secretário de Planejamento do Estado do Ceará, João Agripino, ex-governador do Paraíba, Teotônio Vilela, senador, Osmundo Rebouças, chefe da Assessoria da Secretaria de Planejamento e Coordenação do Ceará, Celso Furtado, professor da Universidade de Sorbone, Beni Veras, ex-presidente do CIC, Marcos Freire, senador, entre outros. O encontro com os governadores eleitos do Nordeste e de Minas Gerais aconteceu em 17 de janeiro de 1983. Compareceram todos dos governadores convidados, à exceção dos de Alagoas e Piauí que foram representados pelos vice-governadores. O tema central da discussão foi a reforma no sistema tributário nacional. O presidente do CIC, Tasso Jereissati, defendeu o ajustamento do sistema tributário do País. O encontro foi dividido em quatro módulos: política econômica e política tributária, presidido pelo senador Virgílio Távora; ajustamento do sistema tributário ao novo quadro político, presidido por Camilo Calazans, do BNB; o novo quadro político e seus efeitos na política econômica, presidido pelo governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães; e a proposta da comissão interministerial de reforma tributária, presidida pelo governador Manoel Castro Filho. Participara também o Secretário Geral do Ministério da Fazenda e presidente da Comissão Interministerial de Reforma Tributária, Carlos Viacava; chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Maílson da Nóbrega; os economistas Adroaldo Moura, da Universidade de São Paulo, e Nilson Holanda, ex-Presidente do BNB; os deputados federais Paulo Lustosa e Lúcio Alcântara; superintendente Adjunto da Sudene, José Martins Oliveira Amado; Fernando Resende, do Instituto de Pesquisas Econômicas, Sociais Aplicadas; e Ibraim Eris, secretário da Comissão Interministerial de Reforma Tributária. 4. Expressão cunhada por Amarílio Macêdo em entrevista à autora, em 19 de novembro de 1992 (ver anexos). 5. Entrevista com Amarílio Macêdo, op. cit. 6. Accioly Carvalho trata da correlação de força pela hegemonia política no interior da classe dominante e no contexto da estrutura do poder do Estado. O grupo de jovens empresários à frente do CIC é visto como um segmento novo nesta luta. Accioly relativiza o conceito de novo, uma vez que os jovens empresários, segundo afirma, “Ligam-se umbilicalmente aos mesmos troncos familiares da velhas elites...” Numa análise de discurso dos jovens empresários, Accioly vê ingredientes do regionalismo que reforçam a imagem dos empresários emergentes como “intérpretes e defensores dos interesses de um estado pobre situado em uma região

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problema” (Carvalho, Rejane Vasconcelos Accioly. A Nova Burguesia Cearense — Discurso Regionalista e Luta pela Hegemonia. In: Modernidade e Pobreza — As Ciências Sociais dos Anos 90, Anais II, Instituto de Pesquisas Sociais — Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1991). 7. Nobre se reporta aos primórdios do Centro Industrial do Ceará e recupera o contexto em que ele surgiu. O estudo é descritivo desde a fundação do CIC, em 1919, até 1978. Ele introduz, de passagem, o tema da ascensão dos jovens empresários à presidência da entidade (Nobre, Geraldo da Silva. O Processo Histórico de Industrialização do Ceará. Senai/DR-CE, Coordenadoria de Divulgação em colaboração com o governo do Estado do Ceará, Fortaleza, 1989). 8. Sampaio Filho prefere, a princípio, contextualizar a criação do CIC, em 1919, mostrando-a como consequência, principalmente, da pressão do operariado no início do século. O operariado, segundo ele, estava mais organizado do que a classe empresarial e motivou também o surgimento de outras entidades do gênero no Brasil. Em seguida, Sampaio Filho descreve a história do CIC com um relato semelhante, embora mais breve, ao de Geraldo Nobre. Ele interpretou a ascensão dos jovens empresários à presidência do CIC como uma conjugação de dois fatores: 1. a ajuda dos empresários da primeira geração representados pelo presidente da FIEC, José Flávio Costa Lima; e 2. o poder de reivindicação do grupo postulante (Sampaio Filho, Dórian. A Industrialização do Ceará: Empresários e Entidades. Tese de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-Graduação da EASP/FGV, São Paulo, 1985). 9. Mota fez um resumido relato da história do CIC e cita, também de forma breve, a importância do Centro Industrial para a escolha de Tasso Jereissati para o governo do Estado (Mota, Aroldo, História Política do Ceará, 1987-1991, Multigraf, Fortaleza, 1992). 10. Parente analisa a ascensão de um grupo político empresarial ao poder do Estado em 1986. Ele detalha o surgimento de um novo processo de hegemonia a partir de um “projeto arrojado” de uma fração da burguesia — a dos jovens industriais — que destituiu o setor burguês tradicional, ligado ao paternalismo e ao empreguismo. Sobre este projeto alternativo Parente diz que: 1. ele é “nitidamente burguês”, capaz de incrementar e desenvolver o capitalismo; 2. “não está a serviço de grupos clientelistas, mas da acumulação de capital”; e 3. ele “não é um fenômeno local porque há, em todo o Brasil, uma articulação semelhante para a formação de um grupo político empresarial no poder” (Parente, Josênio Camelo. Projetan

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do a Hegemonia Burguesa: Organização e Expressão Política dos Industriais Cearenses. In: Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, vol. 20/21, nº 1/2, 1989/90). 11. Amarílio Macêdo, op. cit. 12. “O Ceará também Renova”; box da reportagem “Tempos Modernos”, sobre sucessão na presidência da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), quando Luís Eulálio Vidigal Filho derrotou Theobaldo de Nigris, que recebeu apoio do então governador paulista, Paulo Maluf, entre outros. A eleição de Vidigal, segundo a reportagem de ISTO É, significou uma renovação dos quadros da entidade, respaldada por nomes como o de Cláudio Bardella (4º vice-presidente da chapa) e Mário Amato (3º vice-presidente). ISTO É, 10 de setembro de 1980. 13. José Flávio Costa Lima. “O CIC não pode dizer que está renovando liderança”. O POVO, 12 de setembro de 1980. 14. Alguns dos eventos promovidos pelo CIC: o seminário “O Nordeste no Brasil: Avaliação e Perspectivas”, em 25 e 26 de junho de 1981; o encontro com todos os governadores eleitos do Nordeste, em 17 de janeiro de 1983; os debates com os empresários paulistas José Mindlin (Metal Leve) e Cláudio Bardella (Bardella), em 14 de julho de 1978; com Abílio Diniz (Pão de Açúcar), em 14 de agosto de 1980; com Antônio Ermírio de Moraes (Votorantim), em 5 de setembro de 1980; com Paulo Francini (Presidente da Associação Brasileira de refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento - Abrava), em 22 de fevereiro de 1980; com os economistas Francisco Lopes, em 11 de abril de 1986; com Adroaldo Moura, em 26 de outubro de 1982; e com Maria Conceição Tavares, em 2 de outubro de 1980; com os jornalistas Dórian Sampaio Filho, em 18 de fevereiro de 1981; e Oliveira da Silva Ferreira (de O Estado de S. Paulo), em 23 de janeiro de 1981; com Leonel Brizola, em 30 de outubro de 1981; com o humorista Millôr Fernandes, em 3 de agosto de 1979, com Valfrido Salmito (da Sudene), José Osvaldo Pontes (do Dnocs), Camilo Calazans (do BNB), em 15 de dezembro de 1981, com os governadores Virgílio Távora e Gonzaga Mota. 15. A fase autoritária iniciada em 1964 proporcionou um processo de acumulação capitalista financiado pelo Estado através de incentivos fiscais, linha de crédito, concessões e via arrocho salarial. A qualificação da relação incestuosa entre o Governo Federal e empresários tradicionais não é aceita por José Flávio Costa Lima. Costa Lima admitiu à autora (ver entrevista em anexos) que os empresários recebiam incentivos da

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Sudene, mas nega que tenha havido beneficiamento. Afirmou ainda: “Eu fui representante da indústria nacional no Conselho Deliberativo da Sudene e disse isso lá. Eu não sou beneficiário de coisa nenhuma. A Sudene não me deu dinheiro, eu recebi sócios. Se um sujeito comprou a ação de minha empresa, não me beneficiou, não. Eu sou empresário. Tenho que ter o pró-labore, mas tenho que prestar conta do dinheiro”. 16. Entrevista com Tasso Jereissati, op. cit. 17. Carvalho, Rejane Vasconcelos Accioly, op. cit., p. 342. 18. Ibidem, p. 343. 19. Entrevista com Amarílio Macêdo, op. cit. 20. José Flávio Costa Lima. “CIC não pode dizer que está renovando liderança”, op. cit. 21. “Mário Amato tem, dessa época, uma lembrança que o comove. Seu pai, o velho alfaiate, e senhora, doaram as alianças de casamento para a campanha “Dê ouro para o bem do Brasil”, organizada logo depois da queda de João Goulart, a pretexto da reconstrução do País. No próprio momento em que fazia sua doação, o velho Amato percebeu que usava abotoaduras de ouro. “Ah, tem também as abotoaduras”, disse. Tirou-as e entregou-as. Amato conta essa história para dizer que é um “pátria-amada”, um homem que tem um “acentuado” amor à pátria, valor que aprendeu no berço e que sentiu muito ser colocado em dúvida quando o então presidente da República (Fernando Collor de Mello), entre os vários impropérios que lhe dedicou, chamou-o de “impatriótico”. Nunca mais se soube da cor do ouro da tal campanha, mas isso não surpreende Amato. Afinal, todos somos corruptos”. Veja, 29 de julho de 1992. 22. Beni Veras em entrevista à autora, em 22 de novembro de 1992 (Ver anexos). 23. “Mindlin e Bardella vêm debater atualidade nacional com lideranças industriais cearenses”. O Povo, 1 de julho de 1978. 24. Amarílio Macêdo em entrevista à autora, op. cit. 25. “O capitalismo humanitário que nós defendíamos era nada mais, nada menos, do que a social-democracia: o livre mercado com a presença forte da livre iniciativa e tendo o Estado como regulador das desigualdades sociais e do desequilíbrio entre as pessoas e entre as regiões. Um estado que tivesse um viés fortemente social, promovendo, em vez de empresas, educação; em vez de empresário, saúde, por exemplo, dando condições aos mais desfavorecidos pela sorte de terem as oportunidades mínimas necessárias ao cidadão. Isto que nós defendíamos era diferente do libe

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ralismo que é a ausência total do Estado. Tasso Jereissati sobre o conceito de capitalismo humanitário, em entrevista à autora (Ver anexos). Sérgio Machado utiliza outro termo — capitalismo social — para referir-se ao mesmo conceito. 26. “Empresários paulistas pregam melhor distribuição de riqueza nacional”. O Povo, 15 de julho de 1978. 27. “Quando concluímos, no início da nova fase do CIC, que o pacto contra a pobreza é a meta de nossa sociedade, tínhamos em mente a convicção que ou nós acabamos com a miséria ou por ela seremos destruídos”. Amarílio Macêdo. “Somos diretamente responsáveis pelas definições políticas vigentes”. O Povo, 19 de janeiro de 1980. 28. “O CIC assume que não há nenhuma perspectiva a longo prazo para o empresário sem a solução para os problemas sociais do País. Ou todos resolvemos juntos o problema da justiça social ou todos juntos pereceremos. A bandeira contra a miséria deve ser erguida e defendida por todos nós”. Tasso Jereissati. “Tasso preocupado com justiça social”. O Povo, 7 de novembro de 1981. 29. Carvalho, Rejane Vasconcelos Accioly, op. cit., p. 347. 30. Beni Veras. “Palavra do novo presidente”. O Povo, 9 de março de 1978. 31. Tasso Jereissati. “O Nordeste vai mudar”. Veja, 10 de dezembro de 1986. 32. Ibidem. 33. O relatório de seis pontos foi analisado pelos jovens empresários, juntamente com o economista Gonzaga Mota, coordenador da equipe técnica responsável pela elaboração do plano de governo de Virgílio Távora que assumiu o Governo em 1978 para um mandato de quatro anos. 34. Beni Veras. “Palavra do novo Presidente”, op. cit. 35. Depoimento de Tasso Jereissati à revista Exame, em julho de 1983, reproduzido em O Povo, em 14 de agosto de 1983. 36. Alves, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (19641984). Vozes, Petrópolis, 1984, p. 50. 37. Entrevista com Tasso Jereissati, op. cit. 38. Ibidem. 39. Carvalho, Rejane Vasconcelos Accioly, op. cit. p. 342. 40. Amarílio Macêdo, “Somos diretamente responsáveis pelas definições políticas vigentes”. O Povo, op. cit. 41. Kotscho, Ricardo. “Explode um novo Brasil — Diário da Campanha

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das Diretas”, Brasiliense, São Paulo, 1984. 42. Sérgio Machado. “CIC quer debate sobre Diretas”, Tribuna do Ceará, 23 de dezembro de 1983. 43. Sérgio Machado em entrevista à autora, em 31 de dezembro de 1992. 44. “O Nordeste vai mudar”, Veja, 10 de dezembro de 1986, op. cit. 45. Mota, Aroldo. “História Política do Ceará” — 1987-1991, op. cit., p. 22. 46. Ibidem, p. 49. 47. Entrevista com Beni Veras, op. cit. 48. Entrevista com Sérgio Machado, op. cit. 49. Adauto Bezerra citado por Mota, Aroldo, op. cit. p. 23. 50. Citado por Mota, Aroldo, op. cit. p. 23. 51. Vilaça, Marcos Vinícios & Albuquerque, Roberto Cavalcanti de. “Coronel Coronéis”. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1988, p. 21. 52. Ibidem, p. 20. 53. Tasso Jereissati. “O Nordeste vai mudar”, Veja, 10 de dezembro de 1986, op. cit. 54. Jaguaribe, Hélio. Desafios do projeto social-democrata nas presentes condições do mundo e do Brasil. In: Economia e Política da Crise Brasileira — A Perspectiva Social-Democrata, Rio Fundo Editora, Rio de Janeiro, 1991.

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5. ENTREVISTAS Entrevista com José Flávio Costa Lima Em 11 de novembro de 1992

P

– Gostaria que o senhor recuperasse o momento da retomada do CIC, em 1978, e falasse sobre o papel que o senhor desempenhou à época. JOSÉ FLÁVIO COSTA LIMA — Tradicionalmente os Centros Industriais ficaram submetidos ou anexados às federações, embora com personalidade jurídica. Mas na verdade uma era praticamente a diretoria da outra. E em quase todos os estados, o presidente da Federação era, automaticamente, o presidente do CIC. Era uma cadeira cativa para o presidente da Federação. E, por isso mesmo, o CIC ficou estacionário, sem nenhuma documentação, porque tudo se concentrava na entidade maior e mais rica e mais poderosa, com uma responsabilidade sindical muito grande, que é a Federação. ERGUNTA

PERGUNTA – A FIEC surgiu em 1950? JFCL — Sim. Aqui no Ceará havia uma disputa muito grande

por formação de entidades de classe. Por exemplo, a FACIC, Federação da Associação e Comércios das Indústrias, foi uma disputa dentro da Associação Comercial. Na medida em que o empresariado foi crescendo, iniciou-se a luta por disputa de lugares nas entidades de classe. Como a Associação Comercial, de certa maneira, se fechou, houve uma dissidência Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 103


daqueles que queriam a diretoria. Então fundaram a FACIC. O CIC foi o contrário. O CIC existia desde 1919, foi a partir dele que se chegou à Federação. Por esse ou por aquele fato, o processo de entidade de classe, o CIC, hibernou. A Federação ocupou os espaços todos. Mas ocupando os espaços todos ela ficou dentro do sindicalismo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que é um sindicalismo corporativista tutelado pelo Estado. E por isso mesmo se fechou num pequeno número. E o universo do empresariado não frequentava a Federação, não participava, elegia o sindicato, ficava naquela rotina, de forma que também essas entidades sindicais, durante muito tempo, ficaram presas ao controlo do Estado, por isso mesmo não tinham liberdade. Quando eu assumi a Federação das Indústrias, já havia um processo libertário onde se procurava naturalmente a independência do empresariado diante do poder público. E assumimos já a crítica do sistema do Governo. Deram o Golpe Militar de 69, e veio a Constituição de 69, fechada, que inibia a representatividade autêntica e a legítima postulação dos problemas diante da autoridade na medida que essa postulação contrariasse a política oficial do Governo. Era constrangedor e o poder público, por várias vezes, interveio nas Federações, e até cassou mandatos de deputados e no Sindicato também. Quando eu assumi, esses organismos estavam fechados. Eu tenho uma formação liberal e democrática e sou um Bacharel de Direito, embora não advogado. Mas minha formação é jurídica e assumi postulando a liberdade de todos. PERGUNTA – O senhor é formado em Direito? JFCL — Sim. Sou formado em Direito na Universidade

de São Paulo, Largo de São Francisco (N. do A.: o Curso de Direito da USP não funciona na cidade universitária: mantém-se

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no Largo de São Paulo, no centro velho da capital paulista). – O senhor disse que havia um sentimento libertário. Por parte de quem? JFCL — Eram os meus sentimentos, que comandei esse processo de abertura dentro da Faculdade, dentro da Universidade. Eu preguei a ampliação do número dos sindicatos, a formação de mais sindicatos. Notava que nós éramos muito poucos. Havia um individualismo muito grande no meio industrial. Não procuravam dar participação, até porque muitos não acreditavam na eficiência das entidades de classe, que se perdiam na rotina da administração do Sesi/Senai. Mas a minha formação era outra, era uma formação política, eu tinha sido deputado federal... PERGUNTA

PERGUNTA

– Qual foi o período do seu mandato de deputado

federal? JFCL — Fui deputado federal eleito em 1958 até 66. Assumi os dois mandatos. Fui deputado federal e tenho monografia sobre os problemas dos cearenses. Eu achava que nós devíamos participar, que a entidade de classe é a casa política do empresário. Na Federação nós afirmamos e nós reivindicamos os nossos direitos, com relação à ordem econômica e social do Estado, consignados na Constituição Federal. Aqui seria, portanto, nosso campo de luta. Nós, necessariamente, não precisávamos pertencer a um partido político para poder defender os interesses da economia, tendo em vista a economia de mercado e a livre empresa. Então, porque éramos poucos, eu achei que havia uma mocidade que estava totalmente alienada do processo. O empresariado mais jovem não participava, não se interessava. E o CIC não foi uma conquista deles. Eles estavam alheios. Fui eu quem os mobilizou e os convocou e disse: “Olha, o que vocês estão fazendo aí? Muitos até falando da gente sem conhecer o que

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nós estamos vivendo aqui dentro. Por que vocês não vêm participar?” “Ah, nós não temos uma entidade”. Eu disse: “Pois aí está o Centro Industrial do Ceará. Dêem vida a ele. “Mas a presidência dele é cadeira cativa, tá presa”. “Eu renuncio, vamos a outro tipo de estatuto: o presidente da Federação das Indústrias não será mais necessariamente o presidente do CIC e vocês assumem, e digam o que vocês pensam da vida social econômica e política do Estado e do País”. Então foi um desafio, uma convocação. Um desafio por muito tempo. E foi o suficiente para que desatasse neles todos essa pujança, esse espírito de independência que, posteriormente, nós tomamos conhecimento. PERGUNTA – Num certo momento houve um desentendimento entre a FIEC (quando o senhor estava na presidência) e o pessoal do CIC, devido a sua notícia publicada na revista ISTO É? JFCL — Eu vou contar exatamente o que aconteceu. Você

não precisa tornar público isso. Na realidade, eles foram convocados. Mas eles disseram: “Nós conquistamos o CIC com uma luta muito grande contra a velharia fechada e incapaz da Federação das Indústrias... “Não, isso é um desaforo! Primeiro porque não era verdade. Eles não conquistaram coisa nenhuma. Eles receberam de jeito, de mão aberta. Se eles tivessem dito: “Olha, nós queremos participar e tivessem formado uma entidade que depois tivesse sido absorvida pelo CIC, estava certo. Mas não houve isso. Eles chegaram, gostaram e se empolgaram de líderes e defensores. Não vou discutir a capacidade de liderança de cada um deles. Mas da maneira como eles se mostraram no Sul, foi uma maneira de ataque para se projetar. Ou seja, o cara que chegou com uma bandeira nova está querendo derrubar as velhas oligarquias que dominavam as entidades de classe. Não é bem assim.

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Eu posso ser maduro e velho, mas o meu espírito é espírito novo da luta, da independência. E já era assim naquela época. Então eu achei é que eles estavam errados. Então eu disse: “Tá certo”, mas aqui na Federação não entram pela janela como entraram no CIC. Vão entrar na Federação, na medida em que disputarem, participarem das lutas da Federação e se credenciarem pelo trabalho, pela capacidade, pelo respeito, perante os companheiros da indústria. – E depois desse episódio, como ficou a relação entre a Federação e o CIC? JFCL — Muito ruim. Eu criei na Federação das Indústrias o Conselho de Política Econômica e Social da Indústria Cearense, cujos diretores eram o pessoal do CIC: Beni Veras, Sérgio Machado...Eles nunca compareceram ao Conselho Industrial de Política Econômica e Social da Federação das Indústrias. Eu abri o Conselho e convidei, como membros cativos, os reitores da Universidade do Estado, da Federal, da Unifor, porque era com a universidade que a gente tinha o primeiro contato com a tecnologia, com o instrumento científico e tecnológico para aplicar ao desenvolvimento econômico do Estado do Ceará. E eles participando, também, sentiam a perspectiva do empresariado, do problema social e econômico e traziam os seus conhecimentos científicos, os seus conhecimentos técnicos para que a gente, numa simbiose, pudesse encontrar os caminhos e as soluções para esses problemas degradantes que estão diante de nós, numa situação muito desmoralizante. Os jovens empresários não quiseram participar disso, ou mesmo nunca vieram a uma reunião, nunca deram uma contribuição. Se você pesquisar nas atas do Conselho, não vai encontrar pronunciamento deles. PERGUNTA

PERGUNTA

– Os jovens empresários se limitavam a atuar

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somente dentro do CIC? JFCL — Dentro do CIC e sem querer prestigiar a FIEC. Você vai aí (ele estava se referindo à situação atual do CIC) não tem uma secretária. É um negócio de imprensa! Eu digo para eles hoje que o CIC é uma ficção: “Vocês vivem na imprensa, vocês são lançados pela imprensa”. Agora, que eles têm valor de liderança isto é verdade, mas se desvirtuam dentro desse negócio. Nós somos 26 ou 28 sindicatos hoje, mas o universo das indústrias sindicalizadas é menos do que 1/3 da indústria cearense, que não pertence a sindicato nenhum. Deve ter muita categoria econômica que não está sindicalizada ainda. PERGUNTA

– A FIEC só congrega as categorias sindicali-

zadas? JFCL — Sim. Então, na medida em que essas que não estão sindicalizadas deveriam pertencer ao CIC, o CIC deveria ser uma multidão, porque nós somos seis mil indústrias. Eu tinha a obrigação de mobilizar esses moços e a gente precisa desses moços. Se não tivesse mobilizado, quando chegasse a hora de entregar a minha cadeira, para quem era que eu ia entregar? Quais as mentalidades que iam assumir? Aquelas mentalidades tacanhas? – Parece que o seu espírito destoava um pouco do espírito que predominava entre a maioria dos empresários da época. Então, qual a reação do pessoal da FIEC, desses de espírito tacanho, quando os jovens assumiram o CIC? JFCL — O espírito era tacanho como era o deles. Eles assumiram e ficaram nessa gesticulação aparecendo na imprensa, chamando gente, fazendo uma conferência. Mas qual é o documento que eles têm sobre a economia cearense? Qual foi o manifesto que eles fizeram sobre o problema econômicoPERGUNTA

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-social do Ceará? A Federação, sim. Chamamos a Universidade e nós ficamos discutindo. O Conselho de Política ouviu o professor Paulo Bonavides, ouviu Nilson Holanda, ouviu todas as autoridades econômicas. Vocês podem compreender que no Dia da Indústria o CIC faça coquetel com a imprensa e não convide o Presidente da Federação? Porque a sombra incomoda, não é? O Presidente da Federação é alfabetizado, mais do que eles. Tanto que no meu discurso, quando eu entreguei o CIC a eles, eu já estava dizendo o que eles precisavam dizer. O que Beni Veras fez foi a maior repetição do meu. E isso incomoda. Quando você quer ocupar espaço no jornal, você está ocupando espaços em cima de outros... PERGUNTA – A Federação não era muito forte porque... JFCL — Porque não houve grandeza na mobilização. Eles

fizeram um grupo político e depois...

– Lançaram-se ao poder político-administrativo do Estado. JFCL — Pois é. PERGUNTA

– O senhor acha que os jovens empresários, quando assumiram o CIC, vislumbravam a possibilidade de concorrer a um cargo público? JFCL — Sim. Começaram a se projetar na imprensa, é um pessoal inteligente, evidentemente que eles são inteligentes, não são tacanhos, não são medíocres. Está certo. A bandeira da justiça social é bonita e é a bandeira que está na moda. Mas dizer que a Federação era uma velharia! Nós estávamos vencendo uma etapa histórica do desenvolvimento da economia e da empresa cearense. Nós fomos velhos na medida em que o Brasil ficou parado pelo Golpe de Estado, pela Revolução de 1937, pela CLT, que era corporativista, fascista. PERGUNTA

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Nós estávamos presos àquilo. Quando da minha posse na Federação eu havia feito um discurso de uma certa maneira libertário, em cima do Presidente, mas, qualquer coisa mais e eu seria cassado. O que ia adiantar? A história não fala dos derrotados. Eu vejo isso com todas as restrições e na realidade não censuro. Eu acho que os jovens empresários conquistaram um espaço. – Qual a opinião do senhor sobre o Governo Tasso Jereissati, um dos mais significativos representantes do CIC? JFCL — Eu disse ao Tasso quando ele era governador: “Governador, o senhor está destruindo a organização política e partidária do Ceará e não está construindo nada”. Há um movimento pendular na política cearense. Historicamente é isso. Houve ditadura, oligarquia dos Acioly, com a queda da oligarquia dos Acioly veio o PSD e UDN. Numa eleição ganhava o PSD, na outra ganhava a UDN, na outra, o PSD... Era um movimento pendular . As massas eram convocadas a apoiar, a ser contra aquele estado de coisa que não tinha resolvido os seus problemas, então derrotavam aquele partido que estava no poder e elegiam outro que, quando assumia o poder, ficava na berlinda e passava a ser objeto da agressão oposicionista. Até porque faziam muito pouca coisa, eram só políticos profissionais que ficavam olhando para as pequenezas oligárquicas. Então eu disse para o Tasso: “O senhor destruiu as oligarquias; o que é que o senhor está construindo em termo de política, de conscientizar o povo? Porque amanhã ele desaparece e que é que fica? Qual o outro líder do partido? Na medida em que se fecharam e na medida em que o povo ainda não está conscientizado que deve Ter uma participação política, o governo dos jovens empresários está, mais ou menos, marcando passo. PERGUNTA

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– A não conscientização política da população, na opinião do senhor, contribui para essa característica pendular da política cearense? JFCL —Sim, porque há um problema cultural nas nossas massas. Não se pode negar, e seria injusto e seria má-fé minha se eu não reconhecesse que, na realidade, houve mérito na atuação política dos jovens empresários. Estou fazendo uma análise crítica, embora reconhecendo que efetivamente houve um progresso, mas ainda muito pequeno. PERGUNTA

– O senhor acha que a derrota do PSDB em Fortaleza nas eleições para prefeito em 1992 aconteceu porque o programa político dos jovens empresários, ou dos representantes do CIC, não satisfaz as expectativas da população? JFCL — É. Eles acenaram com um processo muito rápido de desenvolvimento. “Vou libertar da miséria”. Isso aqui é uma luta para trinta anos. Quando eles agrediam e jogavam pedras na vidraça da Federação dizendo que nós éramos anacrônicos, e a imprensa acreditou nisso, não foi feita uma análise. Há três anos eles eram heróis, hoje são bandidos. Eu falei com Tasso que havia uma missão dele no sentido de mobilizar a massa através de um partido político, dando consciência de que é preciso participar, de que o processo de crescimento econômico é um processo difícil, que depende principalmente da educação, do conhecimento. PERGUNTA

PERGUNTA

– Qual foi a reação dele quando o senhor disso

isso? JFCL — Hoje nós vivemos em lua-de-mel. O Tasso na realidade compreendeu. Quando foi se despedir do mandato dele, disse: “Olha, tudo isso começou pela atitude inteligente e da

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abertura do senhor José Flávio”. – Houve um reconhecimento da parte do Tasso quanto ao seu papel no processo que culminou com a eleição dele? JFCL — Ele se penitenciou de todas aquelas agressões anteriores. Mas na realidade, nós empresários ainda participamos muito pouco, na medida em que nós somos apontados como um dos responsáveis pela desordem, pela condição de subdesenvolvimento, pela condição do País e de degradação da sociedade brasileira. Nós somos tidos como beneficiários ilegítimos de um sistema que na realidade não somos. Eu tenho 1.000 operários, tenho que dar emprego e pagar o salário dessa gente numa economia inflacionária. Como é que pode? Eu não sou mágico. Eu sou empresário. Como é que posso crescer? PERGUNTA

PERGUNTA – Qual o setor em que JFCL — É de alimentos, é a CBR.

o senhor atua?

– Muitos industriais do Ceará foram beneficiados com o dinheiro do Estado, na época em que havia um atrelamento entre a indústria e o Estado. Como o senhor via essa relação empresários versus governo? JFCL — Não, não. A gente tem hoje naturalmente o incentivo da Sudene, mas a Sudene não me dá dinheiro. Eu recebi sócios para fazer o capital da minha empresa. Então, na medida que eu recebi sócios, a Sudene não me deu dinheiro. Ela me deu sócios, que eram os empresários do Sul. Se eu não prestar conta, eu devo estar preso. Eu fui representante da Indústria Nacional no Conselho Deliberativo da Sudene e disse tudo isso lá: “Eu sou beneficiário coisa nenhuma”. Se eu compro uma ação do Banco do Brasil, eu estou beneficiando PERGUNTA

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o Banco? O sujeito que compra uma ação da minha empresa não me beneficia não. Eu sou empresário. Tenho que ter um pró-labore, mas também tenho que prestar conta do dinheiro, criar emprego e gerar o desenvolvimento econômico. E é essa consciência da realidade que nós não temos. Agora chega o governador um dia e diz: “Eu não vou à Sudene porque a Sudene é uma porcaria”(Costa Lima referia-se ao governador Ciro Gomes). O lugar dele dizer que a Sudene é uma porcaria é lá e não na imprensa. Isso é manchete e o povão besta diz: “Isto é que é um homem macho”. E o Ceará não saiu deste estado miserável. Quando eu ia conversar com o meu eleitorado, o prefeito dizia: “Doutor deputado, traga a verba, nós queremos é a verba, não queremos discurso”. A verba para ele meter no bolso. Para o prefeito meter no bolso, para fazer fonte onde não tinha riacho? Eu não podia comprometer as minhas convicções. Vinte anos depois eu vi o Tasso mandando os coronéis para casa. E era mais ou menos isso a política cearense: um grupo fechado, políticos profissionais e Tasso destruiu tudo isso e criou o quê? Só esse sentimento de que nós devíamos ser independentes, de que nós precisávamos ter um partido e de que nós necessitávamos ter uma maioria. E dentro do CIC? Onde estão os candidatos? De onde saíram os candidatos? Estão fazendo os candidatos do bolso do colete como se fazia antigamente e como eles censuravam! O Brasil precisa ser libertado desse processo. Nós precisamos ser autenticamente democráticos. Eles fizeram muita coisa, mas ficou muito na manchete. PERGUNTA – Muita retórica JFCL — Gesticulação.

na opinião do senhor?

– O senhor ainda defende que o CIC seja incorporado pela FIEC? PERGUNTA

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— Se esse pessoal tivesse bem intencionado, não vou dizer que eles estão mal-intencionados, se eles tivessem uma concepção mais dinâmica do processo, seria o termo correto. O CIC deveria hoje ser absorvido pela Federação e assim a gente ficaria fazendo tudo isso dentro da Federação, porque é um organismo vivo, que tem dinheiro. Sem dinheiro não se faz nada. O CIC tem um gabinete com um secretário que não dá para nada. Se querem uma viagem para São Paulo, pagam do próprio bolso. O CIC deveria dizer: “Vamos fortalecer a entidade o máximo, chamar todo mundo aqui para dentro e vamos exercitar e procurar ativar todos esses objetivos dinâmicos que nós demos dentro da Federação porque o papel dela é esse. A Constituição de 1988 revogou a Consolidação, tirou o Estado daqui. Aqui nós só não podemos falar da mãe do Presidente da República porque o resto é fácil. A atual diretoria do CIC está bem intencionada, mas chega outro grupo, toma o CIC, vai se servir dele como um trampolim. Isso é um contra-senso. Então eu disse ao atual Presidente do CIC: “Fred (Sabóia), você já devia preparar o caminho para trazer o CIC para dentro da Federação. Nós temos aqui uma entidade, uma grande entidade com todo esse empresariado vinculado dentro da nossa Federação e aqui nós vamos disputar os mandatos, num processo democrático e ganhar, e ter a maioria, e vamos ter representatividade autêntica perante o Governo do Estado para defender os interesses econômicos, que nós consideramos conseguir com o desenvolvimento econômico e social. JFCL

PERGUNTA

– Qual a resposta que o senhor recebeu de Fred

Sabóia? JFCL — “Como é que eu vou ser o homem que vai fechar o CIC? Eu sou o presidente do CIC e vou fechar o CIC?” Do jeito que eu era presidente do CIC, saí e entreguei o CIC

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para outro. Para educá-los, para que eles, quando chegassem na Federação, soubessem ter uma entidade de classe, não viessem aqui aprender o que era uma entidade de classe e qual era o papel do empresariado. O meu papel como empresário é dentro do meu grupo, você não pode ficar isolado. Eu só posso representar o meu papel perante a sociedade dentro do meu grupo social, que é uma entidade de classe que eu represento. E essa entidade tem que ser legítima, altamente representativa. Então para que essa divisão? Eles queriam fazer um outro Conselho de Política Econômica e Social no CIC tendo o da Federação e sendo os membros do CIC diretores da Federação. Queriam fazer um outro do CIC. Para quê? Para fazer o oba-oba na imprensa. “O Conselho de Política Econômica e Social do CIC tratou desse assunto”...A Federação seria um lugar onde nós poderíamos debater e encontrar novos caminhos dentro da sociedade brasileira. Porque se você perguntar para o povão o que é um empresário, ele vai dizer que é um filho da mãe, um ladrão, sonegador. O CIC, felizmente, conseguiu uma imagem para uso externo e é bom a gente não derrubar essa imagem porque através dela a gente talvez possa aperfeiçoar. E talvez seja esse o caminho que eles acharam que é por aí que nós vamos, porque se nós abrirmos mão, nós acabamos tropeçando e não vamos fazer nada. Mas é uma minoria e uma elite muito...Você tira da mão uns três e o resto não sabe escrever o bê-á-bá... – Uma crítica que se faz àquele grupo do CIC, agora aglutinado num partido político, o PSDB, é que eles são herméticos e autoritários, querem aplausos e não aceitam críticas. JFCL — Você não leva ninguém para a guerra desse jeito. Nós estamos diante de uma guerra, uma luta muito grande em todos os setores de atividade e o Estado está falido. Tem PERGUNTA

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que ter uma parceria, você faz parte do processo. Temos que ter consciência disso, e eu entendi que a Federação é o lugar do nosso grupo chegar e encontrar os caminhos e conquistar, depois, a credibilidade da sociedade brasileira, ocupando os espaços para os quais nós fomos chamados, dentro do nosso contexto político-econômico. Eu já fui membro de partido, fui presidente de Comissão na Câmara... PERGUNTA – O senhor foi membro de qual partido? JFCL — Da famosa UDN. Depois fiquei na Arena. Quando

veio o golpe de 66, época do AI-2, AI-3, eu saí da política. Ficar fechado eu não aceito. Eu não entrei na política como empresário, para conseguir facilidade, tanto que entrei na UDN, que era um partido de oposição. Se eu quisesse uma oportunidade ia para o PSD abrir o Banco do Brasil para mim. Fui para o ideário, porque eu achava que a UDN era o melhor partido. Poderia ter grandes defeitos. Mas onde estão os melhores anos da República, se você procurar, estavam com a UDN. Essa República de 45 para cá. Mas deu tudo errado. E nós estamos aqui diante desta emergência difícil, bastante crítica, bastante perigosa. Eu acho que o próximo presidente da República será o senhor Luís Inácio Lula da Silva. O senhor acha. Por quê? o líder que tem aqui? Para variar não sabem nem dizer o que quer a maioria despreparada. Fizeram um curso, formaram-se, são doutores, mas não leram. Você vai à casa de um deles e não tem um livro. PERGUNTA – JFCL: Qual é

– O que é que o senhor acha do Lula na Presidência? JFCL — Eu acho que é o preço que nós temos de pagar. Se PERGUNTA

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ele esquecer daqueles 13 pontos que ele tinha na sua primeira campanha e começar a sentir que nós estamos diante de outra realidade e que nós precisamos marchar para um neoliberalismo; não o liberalismo que o Collor pregou... – Em quem o senhor votou no primeiro turno das eleições de 1989? JFCL — Eu votei no Covas. PERGUNTA

PERGUNTA – E no segundo? JFCL — Votei no Collor porque não podia votar nos 13 pontos

do Lula. Os 13 pontos contrariam tudo aquilo em que eu votei na minha vida: a liberdade, a independência, a democracia, justiça social. Eu não podia. Achei que ele não tinha razão, que ele ainda estava preso ao sectarismo ideológico que levou o Leste Europeu para esse impasse em que eles ainda estão metidos. Como é que nós vamos sair do nosso impasse? Participando dos erros que os outros já cometeram também? Não podemos continuar com essa desigualdade social gritante que há no Brasil. É uma miséria. É um acinte. Eu não tenho direito de pensar que o operário está vivendo com um salário de Cr$500.000,00. Seria uma irresponsabilidade minha eu pensar desse jeito. É como se eu fosse num avião com dez bilhões de cruzeiros na minha bolsa e a aeromoça dissesse: “Olha, o piloto está embriagado, a turbina está pifando”. Eu fui em São Paulo visitar um amigo no Morumbi, cheguei na casa dele, não avisei, toquei a campainha e apareceu um sujeito pedindo a minha carteira de identidade para levar lá dentro. Passei 10 minutos para que ele conseguisse falar com o patrão e mostrar a minha carteira de identidade. Então, que liberdade é essa? Você precisa estar num castelo selvagem da Idade Média, cercado de poço? Você vai à minha casa, eu tenho cinco cachorros policiais. Entrar lá é uma aventura.

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Eu não tenho direito de desconhecer essa realidade. Agora essa turma aí que não lê, que não vê nada! Foi que eu disse aos jovens empresários quando fui convocá-los a soerguer o CIC: “Vocês tão aí tomando uísque escocês no Ideal Clube e jogando pedra na gente? Vão para o CIC, pelo menos dizer o que é que vocês querem”. Foram lá meter o pau na gente. Não é por aí. Fizeram no CIC a mesma coisa que fizeram no Estado”: “Lá, lá, lá...”As eleições são feitas do mesmo jeito. Quando eu cheguei na Federação, nós fizemos uma luta dentro da Associação Comercial e dizíamos: “São velhos, carcomidos, não fazem nada. Chegou a nossa vez”. E começamos a viver as mesmas dificuldades e fomos viver os mesmos dramas dos jovens empresários do CIC porque depois nós compreendemos que o erro não era do velho, era um negócio mais profundo. Um negócio cultural. Quer dizer, é uma tarefa sobre-humana para todos nós. Porque o povo brasileiro quer que o político se eleja pelos princípios éticos, mas quer que o político administre pelos interesses.

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Entrevista com Amarílio Macedo Em 19 de novembro de 1992

P

— Gostaria que o senhor relembrasse o momento em que os jovens empresários assumiram o CIC a convite do presidente da FIEC, José Flávio Costa Lima. AMARÍLIO MACEDO — Naquele momento de 1978, a gente estava vivendo um Brasil diferente. Vivendo um Brasil em que tinha sido formado, em São Paulo, o Grupo dos Oito da Gazeta Mercantil composto pelo Cláudio Bardella, Antônio Ermírio de Moraes, José Mindlin, Laerte Setúbal, Jorge Gerdau...Esse Grupo dos Oito da Gazeta Mercantil formou em São Paulo um movimento semelhante àquele que nós estávamos sentindo necessidade de começar a desenvolver aqui. Eles começaram a criticar a política industrial do governo, eles começaram a criticar o centralismo, eles começaram a criticar o crescimento do processo de estatização, a falta de liberdade para a atividade econômica. Aqui no Ceará a gente começou a perceber isso (isso foi no governo do Virgílio Távora). O secretário de Planejamento dele era o Gonzaga Mota, que foi indicado pelo Mário Henrique Simonsen. O Totó tinha sido aluno do Simonsen na Fundação Getúlio Vargas e tinha sido aluno brilhante. Aí foi que o Virgílio Távora quis saber quem era Totó, e disse ao Totó que ele ERGUNTA

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precisava ouvir os jovens empresários. Então, nesse tempo, o Totó chamou a mim, chamou o Beni, e nós já vínhamos conversando sobre como é que a gente poderia fazer alguma coisa em termos de ação participativa. A gente tinha a sensação de que a Federação era um negócio meio arcaico e de muita discurseira, e de muita falsidade, de muita aparência. A gente não sentia ali que fosse ambiente para a gente exercitar nossa vontade de participar. Coincidentemente, o José Flávio Costa Lima, que era presidente da Federação em segundo mandato, teve assim um arroubo de democracia e chamou a juventude a participar e disse para a juventude que iria entregar a ela o Centro Industrial. Agora como a gente não tinha nenhum compromisso com o José Flávio e nem tinha qualquer vocação para rasgar seda, a gente rapidamente percebeu que o que o José Flávio queria era claque. Ele pensou que a meninada ia assumir o CIC, que depois ia ficar seguindo as diretrizes dele. Mas só que a meninada não tinha nada de obediente. A meninada não respeitava nem o papai de casa, quanto mais o titio José Flávio. Então a gente tomou um rumo completamente independente da Federação e, de certa maneira, criou uma ciumeira na Federação. Mas as nossas pretensões no processo da discussão eram tão destemidas que aí a gente saiu para transformar rapidamente o CIC num fórum de debates, não de assunto de Fortaleza e não de assunto de Ceará, mas de assunto do Brasil no Ceará. Então foi aí que a gente desencadeou um processo de atrair cabeças de ponta daquela época do cenário nacional que eram uns dos maiores questionadores do governo e questionadores sobre múltiplos aspectos: tanto econômico como político, como cultural, como filosófico... — E o contato com o Grupo dos Oito, com os empresários paulistas, deu-se depois que os jovens emprePERGUNTA

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sários assumiram o CIC ou anteriormente? AMARÍLIO MACEDO — Isso aí foi no peito e na raça. PERGUNTA — Antes ou depois? AMARÍLIO MACEDO — Foi depois. A gente conhecia o Grupo dos Oito pelo jornal e num determinado dia a gente combinou que iria convidar o Cláudio Bardella... PERGUNTA

contato?

— O Sérgio Machado foi a São Paulo fazer o

— Não foi o Sérgio. Foi o Amarílio Macedo. A primeira pessoa que entrou na sala do Cláudio Bardella, no escritório que eu não sei se ele ainda tem hoje, em frente ao Jóquei Clube, na Marginal Pinheiros, fui eu. Mas numa segunda ida foi o Sérgio Machado. Não sei se o Beni foi também. Assim como o primeiro contato com o Dr. José Mindlin fui eu também. Eu estava na ponte aérea do Rio de Janeiro, indo para São Paulo, e desceram, no aeroporto do Rio de Janeiro, o Dr. Mindlin e o Dr. Laerte Setúbal (que sempre tinha muita projeção em nível de exportação). Daí eu bati no ombro dele: “Tudo bem? Eu sou lá do Ceará e a gente quer ouvir o senhor”. AMARÍLIO MACEDO

PERGUNTA — Isso na ponte aérea do Rio de Janeiro? AMARÍLIO MACEDO — No aeroporto Santos Dumont. PERGUNTA – Mas haviam combinado alguma coisa? AMARÍLIO MACEDO — Não. Era decisão nossa de convidar o

Dr. Mindlin. Quando eu desci do mesmo avião em que ele vinha, encontrei com ele, casualmente. Aí eu bati nas costas dele e me apresentei. Eu fui à casa dele com o Beni, não sei se o Sérgio Machado estava junto. Nós almoçamos na casa dele. Quer dizer, tinha havido esse pré-contato. E com o Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar, foi o Tasso Jereissati,

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que era sócio do Abílio Diniz. O Tasso Jereissati tinha 30% ou 20% da loja Pão de Açúcar dentro do Center I. A gente ia procurando saber quem é que facilitava o contato e foi trazendo e foi aparecendo um monte de gente aí. Quanto ao Dr. Antônio Ermírio de Moraes, demorei um tempo enorme para conseguir falar com ele pelo telefone. Um dia eu estava na missa de 7º dia, em São Paulo, do pai do Presidente do Sindicato do Trigo em São Paulo, João Martins Filho – que é muito amigo meu, e parou um senhor do meu lado. Era o senhor Antônio Ermírio de Moraes. Então eu disse: “Doutor Ermírio, faz é tempo que eu ligo para o senhor e queria que o senhor fosse ao Ceará”. Aí ele disse: “Meu filho, eu já estou com o dia marcado” . Aí eu não entendi nada, mas eu queria que ele viesse e ele já estava com o dia marcado. Agora, por coisa do destino, quem tinha conseguido que ele marcasse a vinda dele para cá foi um pessoal da Associação dos Administradores de Empresa. Mas a confusão que houve é que, como tinha o meu pedido, e ele marcou com o pessoal da Administração de Empresas, na cabeça dele é Ceará. E entre o pessoal da Administração de Empresa e o CIC, naquele tempo o CIC é que era forte, ele acertou com o pessoal da Administração de Empresa e foi bater no CIC. E falou no CIC e de lá foi ao BNB falar aos Administradores de Empresa. Só que ele estava estourado e foi curioso esse dia. No BNB, com o pessoal da Administração de Empresa, ele só falou sobre coração. Então, ele comparou a administração da empresa com um safenado. Foi uma aula de cardiologia — Esses debates promovidos pelo CIC eram abertos ao público ou eram apenas para autoridades? AMARÍLIO MACEDO — Eram abertos ao público com uma frequência monstruosa. Quando a gente trazia um figurão, como a Maria Conceição Tavares, o auditório ficava tão PERGUNTA

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cheio que a gente tinha que colocar som no andar de cima. Mas, nesse miolo aí da gestão do Beni e da minha, que foi a seguinte, que foram as que eu participei mais intensamente, vieram muitas pessoas e aconteceu, ainda na minha gestão, um evento que foi um seminário sobre o Nordeste. Acho que até houve a maior concentração de personalidades, no mesmo dia, ou no mesmo evento, em toda a história do Ceará. Naqueles dias, nós conseguimos manter o auditório do BNB lotado, completamente lotado. Por exemplo, estiveram aqui o Severo Gomes, o Antônio Carlos Magalhães, Teotônio Vilela, Celso Furtado. Além dessas pessoas já citadas, que vieram ao debate, teve o Carlos Castello Branco, o Henfil. Quando o Henfil veio aqui foi curioso porque tinha meia dúzia de empresários e o resto era artista, era pessoal da área cultural, gente de esquerda, e isso causou um mal-estar muito grande naquele ambiente conservador de empresário, e numa reunião seguinte da FIEC, eu fui chamado. Nessa reunião, o pessoal começou com indiretas e a perguntar que ideia era aquela minha de trazer o Lula. Eu nunca consegui trazer o Lula. Começaram a levar na gozação e perguntaram qual era mesmo a finalidade daquela reunião com o Henfil. E eu vi que eles estavam querendo bater em cima de mim e eu disse: “Para mim a maior finalidade, naquela reunião, foi colocar unidos todos os meus amigos comunistas” . Então, como eles estavam exatamente querendo me afrontar, pensando que eu estava incomodado com aquele tipo de público, eu inverti. Aí todo mundo achou graça e relaxou. Mas tinha esse tipo de ambiente tenso. Havia uma ciumeira porque realmente a FIEC não conseguia lotar metade do auditório e o CIC estourava a frequência do auditório. E quando discrepava um pouco de um assunto de economia, parecia assim que estava havendo um mau uso daquele espaço.

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— Vocês não chegaram a produzir documentos e levar o resultado dessas discussões e seminários para outros empresários? AMARÍLIO MACEDO — Não. Havia uma informalidade total. Não tínhamos a preocupação de gravar todos os eventos, mas se você me perguntar qual o fim dessas fitas, aí eu não sei. Devem ter sido jogadas fora. PERGUNTA

— Quais eram os objetivos do CIC com aqueles eventos que tiveram grande repercussão na mídia? AMARÍLIO MACEDO — Era o evento em si. Era o debate. Era a oportunidade de ouvir pessoas que pensavam diferente, que tinham uma visão de mundo, muitas vezes muito mais ampla, muito mais atualizada do que a nossa, e trazer para a província um oxigênio novo. Trazer para a província cabeças que podiam ajudar a abrir as nossas cabeças. E realmente abriram. Tanto que se você for avaliar o que aconteceu realmente de revolucionário nesse Estado nos últimos 30 anos, dificilmente vai encontrar uma coisa mais revolucionária do que o próprio CIC, que ainda hoje está produzindo. Se você quiser perguntar “por que essa história de Pacto de Cooperação?” (pacto entre empresários, governo e sociedade civil costurado na administração de Ciro Gomes), a resposta é: o CIC plantou uma semente altamente positiva porque foi daí que a gente viu que a empresa é um bem social. Foi daí que a gente viu que a empresa não era coisa do dono. O dono é apenas uma pessoa que por uma fatalidade participa de uma maneira mais determinante do processo decisório. Mas o dono que não descobrir em 1992 que o processo decisório do mundo não é mais uma coisa de uma cabeça só, mas sim um processo que tem que ser participativo, e tem que buscar excelência, ele é dono de uma empresa que vai falir; ele é dono de uma empresa que vai ser rejeitada. O que é a falência PERGUNTA

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de uma empresa? Nada mais, nada menos do que a rejeição da sociedade. Uma empresa só vai à falência ou porque não conseguiu vender o que fabricava ou porque vendeu abaixo do custo, então teve prejuízo. Por alguma coisa dessa natureza. Então uma empresa não vai à falência porque o produto dela é disputado, porque o produto dela é altamente lucrativo, porque o produto dela é de ponta, isso não leva a empresa à falência. A falência, em síntese, é a rejeição da sociedade. Acho que o CIC cometeu um erro filosófico. O CIC era uma entidade não partidária, era uma entidade pluralista, era uma entidade não comprometida com uma única linha ideológica. O CIC era um fórum que colocava em discussão na sociedade questões relevantes do interesse da sociedade, de forma não corporativista. Na medida em que o CIC pensou que atingiu o seu ápice, assumindo o Governo do Estado, eu acho que o CIC caiu e até hoje não se levantou. Na medida em que uma entidade é para ser pluralista, que é para ser não-partidária, se identifica com um partido, ela fecha as suas portas para toda as pessoas que não são necessariamente simpatizantes daquele partido. Por que é que, como dizia o deputado Tarcísio Leitão, “dentro do CIC você vê de avestruz a vaca”? Porque lá você tinha comunista, cara de direita, pragmático, UDR, você tinha tudo. Porque o que interessava dentro do CIC era a gente discutir o que é que era importante para a sociedade. E na hora que você vai discutir o que é importante para a sociedade, você não pode dizer: “ Quem for de direita não entra”. Por que é que não pode entrar? A sociedade não tem um monte de gente de direita? Você tem que deixar falar os de direita. Ou: “O de esquerda não entra”. Por que é que não deixa entrar? A sociedade não tem um monte de esquerda? A sociedade não tem conservador? A sociedade não tem lunático? A sociedade tem tudo!

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— Os jovens do CIC levantaram bandeiras progressistas como a da redemocratização e a da justiça social. Por que, mesmo depois do CIC ter chegado ao governo, essa identificação com outros segmentos da sociedade não permaneceu? AMARÍLIO MACEDO — A coisa mais gostosa do mundo é estar no ponto mais alto do podium. O CIC, quando o Tasso assumiu o Governo, subiu no podium. Não era nunca para ter subido. O CIC, quando o Tasso assumiu o Governo, era para ter dito ao Tasso: “Colega, boa sorte, nós somos sociedade, vamos continuar sociedade, vamos ser cooperadores e críticos” Eu tentei esse papel. Na campanha do Tasso, eu dediquei apenas seis meses da minha vida, eu praticamente inviabilizei minha carreira em J. Macedo. Todas as reuniões da campanha do Tasso, reuniões de cooperação, eram feitas aqui dentro, nesse prédio, no último andar. Durante seis meses, nós tínhamos pelo menos três reuniões semanais aqui para tratar de política. Acho que 60% dos presentes eram do PCdoB. A militância mais pesada que o Tasso teve foi o pessoal do PCdoB. Quando terminou a campanha do Tasso, parecia que o trabalho tinha terminado. Um dia, me chamaram para conversar. Eu cheguei de viagem, vim do aeroporto para cá porque estava aqui um pessoal reunido querendo conversar comigo. Esse pessoal era parte dos líderes desse movimento. Chegaram e disseram: “É o seguinte, já que ganhou o candidato para o qual nós trabalhamos dentro de uma proposta de que seria um governo participativo, nós queremos participar”. E daí para frente começou a fase mais excitante da minha vida que foi a de coordenar um trabalho de discussão, de um plano de governo à revelia do governante. Porque o Beni Veras me chamou lá na Guararapes (empresa do ramo de confecção cujo nome mudou para Confex) para dizer: “ Amarílio, acabou a brincadeira. Dissolve essa história PERGUNTA

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aí porque o governo precisa trabalhar. Acaba com essa história”. Eu disse: “Beni, eu sinto muito, o pessoal quer trabalhar porque trabalhou para eleger um governo participativo”. Então o pessoal começou a trabalhar mais do que durante a campanha. A Padre Valdevino, que era onde funcionou o comitê central, ficou numa atividade direta, diariamente, depois da campanha. O pessoal continuou trabalhando com os mesmos comitês que existiam antes da campanha: tinha o comitê da saúde, o comitê da reforma agrária, o comitê do judiciário, tinha o comitê do artesanato, tinha o comitê da Coelce, tinha o comitê da Cagece. Eram dezenas de comitês e todos continuavam produzindo e produzindo coisas espetaculares. Eu tive a oportunidade de perguntar ao Penaforte, que era o coordenador do comitê da saúde e que participava do comitê oficial do governo, qual era a diferença do trabalho que o comitê da saúde estava fazendo (o informal) e o que o formal estava fazendo. Ele disse: “nenhuma”. Porque tudo o que era discutido pelo informal, ele, Penaforte, levava para o formal. Aproveitou tudo. A Anya Ribeiro, que participou das questões urbanísticas, citou várias vezes a cooperação que esses comitês informais tinham dado. Mas para poder evitar uma frustração monumental dessas pessoas, nós organizamos um evento na Faculdade de Direito, num sábado, 9 horas, num dia de chuva. Como a gente tinha uma desconfiança muito grande de que o Tasso não iria, o Tasso já eleito governador... PERGUNTA – Não iria por quê? AMARÍLIO MACEDO — Porque ele

discordava dessa história toda. Aí nós convidamos o Dom Aloísio Lorscheider, que é uma pessoa muito simpática ao Tasso. O Tasso soube que o Dom Aloísio ia, então o Tasso foi. Agora foi bom a gente saber que houve um momento em que se entregou ao Tasso

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o trabalho de todos esses grupos durante mais de dois meses, em época de férias, porque tinha muito estudante. Mas a gente sabe que esses papéis foram jogados no lixo. Eles nunca foram abertos para coisa nenhuma. Apesar de tudo isso, esse movimento que daí em diante teria um nome porque antes era o Comitê Civil da Campanha, e que depois passa a se chamar de Movimento Pró-Mudanças, existiu durante nove meses após a posse do Tasso. Até que se exauriu. Como é que você alimenta um diálogo onde só uma pessoa fala? É impossível. — O Comitê e, posteriormente, o Movimento Pró-Mudanças, era composto por um partido de esquerda predominantemente? AMARÍLIO MACEDO — Não. O Movimento Pró-Mudanças tinha de tudo. Tinha empresário e tinha pessoas do Governo que depois foram convidadas a largar. Um que foi convidado a largar foi o Penaforte. Outro que foi convidado a sair do Governo porque fazia parte do Movimento foi o subsecretário de Ação Social, que era o Pedro Albuquerque, do Instituto Equatorial. Ele saiu do Governo porque optou pelo Pró-Mudanças. PERGUNTA

— O senhor tem uma visão diferente de como o processo deveria ter sido conduzido, não é? AMARÍLIO MACEDO — É, eu tenho uma visão muito diferente e acho que os frutos estão sendo colhidos agora. PERGUNTA

PERGUNTA

tecimento?

— Agora desde quando? A partir de que acon-

AMARÍLIO MACEDO —

Esse agora é a partir do momento em que começou a haver uma separação entre o caminho da comunicabilidade do Governo com os formadores de opinião, e

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a visão desses formadores de opinião a respeito do Governo. Dentro do Movimento Pró-Mudanças começou-se a organizar o PSDB no Ceará. Começou-se a organizar o PSDB no Ceará no momento em que o Tasso, ainda no PMDB, cogitava a possibilidade de ser o vice do Fernando Collor de Mello. Eu sou um dos 60 brasileiros que assinaram a ata de constituição do PSDB, em Brasília. Lá nos anais do PSDB tem Amarílio Macedo. E eu assinei porque a Moema Santiago me levou para lá. A formação do PSDB aqui no Ceará estava casada com o Movimento Pró-Mudanças. Então, houve uma rejeição por parte da estrutura do Governo de que isso pudesse acontecer via esse grupo que era filiado ao Movimento Pró-Mudanças. Até que Tasso Jereissati, depois que se desiludiu de Collor, resolveu vir para o PSDB, colocou para o Fernando Henrique Cardoso (isso ele me disse pessoalmente) e para o doutor Euclides Scalco que ele não ia entrar para o PSDB se eu fosse ficar no diretório do PSDB. Então, a partir do momento em que foi colocado isso, numa posição categórica fechada, eu fiz uma carta para o Fernando Henrique Cardoso, que naquele momento era o Presidente do Partido, me desligando do Partido. Eu me desliguei do PSDB porque eu não ia ficar num partido que tivesse esse tipo de patrulhamento. Naquele momento não tinha nenhuma pessoa aqui no Ceará que tivesse feito mais pela gênese do PSDB do que eu. Então por uma questão de capricho, eu não posso continuar participando. Se a direção nacional prefere esse caminho, o que é que eu tenho para fazer nesse partido? Nada. Caí fora do PSDB aí. — O senhor disse que o CIC nunca deveria ter subido no podium... AMARÍLIO MACEDO — No podium, nunca. PERGUNTA

PERGUNTA

— Mas o senhor ajudou na campanha do Tasso?

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AMARÍLIO MACEDO —

Claro que eu trabalhei na campanha do Tasso, mas eu nunca subi no podium e fui expulso da conversa. Você sabe quantas vezes eu fui recebido em audiência pelo Tasso como Pró-Mudanças? Nenhuma. Nunca o Pró-Mudanças, em nove meses de governo, foi recebido pelo Tasso. Eu, pessoa física, fui. Ele uma vez juntou o CIC todinho, que eram as pessoas que davam apoio ao Governo. Mas não foi para me ouvir, para saber o que é que eu queria dizer. Foi para deixar que eu falasse, depois me dar uma lição de moral e continuar tudo na estaca zero. — O senhor esperava que quando Tasso fosse eleito o CIC tivesse resguardado uma certa distância? AMARÍLIO MACEDO — Eu acho que essa é que é uma atitude democrática. PERGUNTA

PERGUNTA — Mas o senhor esperava que acontecesse isso? AMARÍLIO MACEDO — Não. Eu não esperava. Eu fiz isso. Eu

não esperei. Eu fiz porque era nisso que eu acreditava. Mas só que das pessoas que faziam parte desse CIC original, a única que acreditou nisso fui eu. Eu não gosto de esperar, eu gosto de fazer. Eu faço aquilo que eu acredito. Agora só que eu fiquei só. Ainda hoje o CIC continua aqui em cima. O governador Ciro Gomes nunca foi do CIC, mas o CIC continua se considerando proprietário do Governo, continua aqui em cima. Eu acho que a atitude do CIC deveria ser semelhante à da FIEC, à da Facic e á da Associação dos Jovens Empresários: fazer tudo o que puder para ajudar o Governo do Estado. Como cidadão eu quero que meu Estado melhore. Tenho orgulho de ser cearense e quero morrer vendo o Ceará melhor do que quando eu nasci. Mas não precisa ser de partido para fazer isso. Não precisa ser de associação para fazer isso. Só precisa ser cidadão.

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— O senhor não é contra o fato do CIC ter um representante no poder, contanto que o CIC... AMARÍLIO MACEDO — Não, pelo amor de Deus! Eu quero que todos cheguem. Eu gostaria que o Assis Neto tivesse sido eleito; eu gostaria que o Beni Veras fosse eleito, eu gostaria que todos fossem eleitos porque são pessoas capazes. Agora, na hora que assumem um mandato popular, eles passam a ser representantes desse povo e não mais dos amigos de antes. Um governante não representa os amigos que ele curte no fim-de-semana. Ele representa as pessoas que votam na urna. Do contrário, é uma deformação. Eu não posso dizer: “Porque os meus amigos acreditam, eu faço”. Eu não tenho que fazer porque meus amigos acreditam. Eu tenho que fazer o que o povo espera. Eu não devo fidelidade nem devo mandato a quem gosta de mim. Eu devo mandato a quem acredita e vota em mim. PERGUNTA — Uma crítica que se faz a membros do PSDB no Ceará, alguns deles egressos do CIC, como Tasso Jereissati, Beni Veras, Sérgio Machado e Assis Machado Neto, é a do autoritarismo, da centralização... AMARÍLIO MACEDO — Esse autoritarismo já falei dele aqui. Chegar para mim e dizer: “Dissolve esse Movimento porque agora nós vamos trabalhar”, isto é autoritarismo, estilo mais perverso possível. E isso aconteceu. PERGUNTA

– É por isso que o senhor acredita que eles estão colhendo aquilo que plantaram? AMARÍLIO MACEDO — É. A sociedade é pluralista. A sociedade é como a floresta nativa. Se eu pegar e derrubar tudo e plantar só pínus, aí ela não vai ter mais aquela característica anterior e vai ser estéril porque o equilíbrio ecológico depende do pluralismo. Se você disser: “Eu vou matar todo mundo que PERGUNTA

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pensa de determinada maneira”, não melhora a sociedade. Você empobrece a sociedade porque é exatamente essa convivência de contrários que dá a riqueza, que dá o avanço, que dá a transformação. — Como é o relacionamento do senhor com o governador Ciro Gomes, que representa a continuidade do CIC no poder? AMARÍLIO MACEDO — É o melhor possível. Se o Brasil tivesse um presidente que governasse o País assim como o Ciro está governando o Ceará, você ia ver o Brasil mudar mais ligeiro do que o Ceará. PERGUNTA

— O senhor considera que o Ciro é um representante do CIC embora não tenha origens no CIC? AMARÍLIO MACEDO — Só perguntando para ele. Eu não tenho procuração dele para responder. Se você quiser saber o que eu acho que ele deveria se considerar, eu diria que ele deveria se considerar um representante dos cearenses, mas nunca do CIC. Como eu acho que o Tasso nunca deveria ter representado o CIC. PERGUNTA

— O senhor considera que a forma do Ciro Gomes agir e conceber o Governo é diferente da que tinha Tasso Jereissati? AMARÍLIO MACEDO — É, eu acho que sim. O Tasso saiu cru da empresa para a vida pública. O Ciro nasceu na vida pública. Embora o Ciro tenha chegado ao Governo mais novo do que o Tasso, ele chegou com muito mais tempo de vida pública do que o Tasso. E como ele viveu muito próximo do Tasso, e como ele tem uma cabeça privilegiada, eu acho que ele também aprendeu com o Tasso. O próprio tempo de Tasso foi importante para o Ciro. Se o Tasso voltasse a ser PERGUNTA

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governador, eu tenho certeza de que ele seria completamente diferente do que foi. Eu assisti a um jantar do jornal O Povo comemorativo do evento “Quem é quem” no final do governo Tasso, em que ele fez uma autocrítica, para um auditório de mais de 300 pessoas. Eu achei bonito aquilo que ele fez. O Tasso, se fosse no primeiro dia de Governo, ele nem iria àquele jantar. Porque o jornal O Povo era inimigo. O que ele iria fazer no terreno do inimigo? Ele foi e fez a autocrítica. — Em algum momento da trajetória dos jovens empresários à frente do CIC existiu uma crise de representatividade política? AMARÍLIO MACEDO — Sempre existiram empresários na política cearense. Eu, pessoalmente. Não acho recomendável um empresário ir para a política. Para mim, empresário se vai para a política, vai não para ser empresário na política. Ele vai para começar uma nova vida como político, porque são coisas distintas. A cabeça do empresário tem uma matriz; a cabeça do político tem outra matriz. O empresário não pode pensar como empresário na política porque se fizer isso não vai ter nada que preste. Do mesmo jeito, você não pode querer que um político pense como empresário porque também não dá nada que preste. São coisas muito diferentes, completamente diferentes. Eu pensei, durante muito tempo na minha vida, em ser filiado a um partido político, em ser governador do Ceará, em ser vereador, em ser qualquer coisa na política. PERGUNTA

— Por que o senhor não seguiu a carreira de político? Por que vê incompatibilidade entre os dois cargos? AMARÍLIO MACEDO — Por isso. Se você perguntar qual foi o maior benefício que eu tirei da convivência com meus amigos do Governo do Estado, eu digo que foi a descoberta do meu papel. Eu descobri que o meu papel é ser empresário. Eu PERGUNTA

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estou convencido de que só haveria uma maneira de eu entrar na política partidária: era eu pedir demissão de J. Macedo e dedicar minha vida todinha daí para a frente à política. Se eu fosse fazer isso sem ter maturado minha condição de empresário para a qual eu dediquei os melhores anos da minha vida, eu estaria jogando no lixo um trabalho pela metade do caminho. Começando em outro trabalho, provavelmente no Legislativo, eu não iria me encontrar de uma maneira estimulante porque eu não sou uma pessoa de ficar grudada em livro e estudar Direito, Legislação, Constituição. Isso não tem nada a ver comigo. Seria penoso para mim. Então, se eu fosse entrar na política, ficar temporariamente no Legislativo, aguardando a chance de entrar no Executivo, para aí, sim, como administrador, eu tentar me realizar, isso ia ser a morte para mim. Porque as transformações com as quais eu me identifico são as transformações profundas, são as transformações que vão à essência da sociedade, à questão cultural, e você não consegue trabalhar essas transformações em quatro anos. Então, se eu tivesse oportunidade, nesta fase atual da minha vida, de assumir um mandato executivo, eu provavelmente iria enfrentar a maior frustração da minha vida. Porque eu iria começar coisas que, antes delas estarem sólidas, terminaria o mandato e, com qualquer chute ou com qualquer vendaval, elas iriam deixar de existir. Iriam se transformar em trabalhos inúteis. Para mim, foi importante entender as diferenças dos papéis e fiz a minha opção e a cada dia eu me sinto mais atraído em fazer coisa de interesse público, mas continuando como empresário. — Em qual momento os jovens empresários começaram a cogitar a possibilidade de conquistar o Governo e de entrar para a política partidária? AMARÍLIO MACEDO — Esse momento, pelo que me consta, PERGUNTA

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nunca existiu. Nunca houve esse planejamento. Nós planejamos duas vezes assumir a Federação das Indústrias. Uma quando eu terminei o meu mandato no CIC. E a gente viu claramente que nós éramos incapazes de ganhar a Federação das Indústrias. PERGUNTA — Por quê? AMARÍLIO MACEDO — Porque

aquilo ali era uma panela que estava montada de um jeito que nós não tínhamos condição de ter a maioria dos votos. E lá o regime é de voto. A Federação das Indústrias, graças a Deus, está na mão do Fernando Cirino. Depois o José Flávio mais uma vez levou a candidatura. A gente tentou o Beni também e mais uma vez nós fomos incapazes de conseguir a Federação das Indústrias. Então nunca houve, que me conste, esse planejamento de conquistar o Governo do Estado, porque nós não éramos capazes de conseguir conquistar sequer a Federação das Indústrias. Agora o Totó, para poder fazer o sucessor dele, precisava de um nome bom. Então o Totó achou o Tasso. Aí Tasso entrou na política. O Tasso e o CIC não escolheram procurar o Totó para dizer: “Nós queremos fazer o candidato, nós queremos indicar o candidato”. Se isso houve, para mim foi segredo, mas não me consta que tenha havido. Então com a eleição do Tasso, aí começou uma nova história. Se você me perguntar como foi a curva ascensional do CIC, eu acho que o CIC saiu do zero com o Beni. Na minha administração essa curva ficou mais ascendente ainda. Na administração do Tasso , ela atingiu um vôo de cruzeiro. Então veio a administração do Tasso, do Sérgio Machado, e daí para frente eu acho que ela começou a cair. Para mim, os dois momentos de muita efervescência do CIC e de muitos eventos aconteceram na administração do Beni e na minha administração. Na do Tasso, já houve uma desaceleração

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significativa. Mas, nesse momento da gestão do Tasso, o CIC atingiu uma notoriedade nacional. E quem colheu essa notoriedade nacional foi o Tasso. E mal o Tasso terminou o mandato dele, veio a oportunidade da candidatura. — O senhor concorda, então, que o CIC, a notoriedade do CIC, foi um fator importante e até decisivo para a eleição do Tasso? AMARÍLIO MACEDO — Foi fundamental até para a escolha dele também. Sem o CIC, eu acho que dificilmente o nome dele e dos demais teriam sido lembrados. Porque éramos empresários comuns. Deixamos de ser comuns com o CIC. Com o CIC, a gente de fato começou um negócio novo no Ceará. PERGUNTA

— Em que momento surgiu um certo atrito entre os jovens empresários e a Federação? AMARÍLIO MACEDO — Mas não houve atrito. Havia ciumeira. Como as pessoas de meia idade tendem a ser cordiais, nem que seja de fachada, o tratamento entre nós sempre foi muito cordial. Agora, a ciumeira havia, mas eu nunca tive dificuldade de conviver com o José Flávio. E a gente sabia que não era bem aquilo que ele queria. PERGUNTA

– O senhor concorda que a iniciativa de convocação dos jovens empresários para assumir o CIC foi de José Flávio Costa Lima? AMARÍLIO MACEDO — Foi total, exclusiva. Foi mérito absoluto. Só que o CIC, como não era propriedade dele, a partir do momento em que nós assumimos, seguimos a nossa própria trajetória. PERGUNTA

— Os jovens empresários fizeram um pacto contra a miséria. Com o Governo Tasso, o que mudou na sua avaliação? PERGUNTA

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AMARÍLIO MACEDO —

Mudou muita coisa: a probidade, a honestidade no trato da coisa política passou a existir. Coisas que não existiam antes. Nós tínhamos governantes de espírito público e que empobreceram na política, como Virgílio Távora. Mas essa nitidez de que a coisa pública não pode ser usada em benefício próprio começou com o governo do Tasso e continua. E a modernidade no trato das questões é prioridade. Era comum ouvir, antes do Governo do Tasso, um político dizer: “Olha, qualquer dinheiro que venha para o Ceará, não importa para que seja, se vai ser para construir o Castelão, se vai ser para fazer uma coisa ociosa, deve vir. Contanto que venha o dinheiro”. E da administração do Tasso para cá, o discurso mudou. O dinheiro tem que vir porque interessa e não o dinheiro de qualquer jeito. Então, eu acho que mudou significativamente. A questão social passou a ser tratada de uma forma prioritária a partir do governo do Tasso. Antes, a questão social era uma ferramenta clientelista. Era uma forma de você exacerbar a dependência. PERGUNTA – Qual o relacionamento do CIC com a imprensa? AMARÍLIO MACEDO — Por força deste início de comporta-

mento autoritário do Governo Tasso, da preferência pelo alinhamento incondicional, o governo reagia a qualquer crítica. Viesse de onde viesse. Reagia às vezes, até com certa truculência dizendo frases que eram chavões naquele tempo: “Os insatisfeitos eram aqueles que tinham deixado de mamar, eram aqueles que tinham deixado de se aproveitar”. No entanto, os insatisfeitos podiam ser simplesmente pessoas que discordavam. No começo do Governo, discordar era condenado! Era proibido! Então, a imprensa que discordasse do Governo estava condenada. PERGUNTA

– Na sua opinião, essa postura do Governo per-

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manece na administração Ciro Gomes? AMARÍLIO MACEDO — Não, eu acho que mudou tudo. Hoje já existe convite ao diálogo, seja crítico, seja de concordância. O Governo está totalmente aberto para ouvir o que as pessoas acham, o que as pessoas acreditam, seja a favor, seja contra. Eu acho que houve uma mudança significativa.

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Entrevista com Beni Veras Em 22 de novembro de 1992

P

— Como surgiu o convite do senhor José Flávio Costa Lima, presidente da FIEC, para que os jovens empresários reativassem o CIC? BENI VERAS — O José Flávio tinha o desejo de incorporar à Federação a ala mais jovem. Ele nos convocou para uma reunião na Federação e colocou essa questão. Ele queria que nós assumíssemos o CIC. Então houve uma série de reuniões e se chegou à conclusão de que eu deveria assumir. Ele tinha a intenção de que o CIC se organizasse, mas que fosse depois incorporado diretamente à Federação, não tivesse vida própria. Mas era difícil porque a Federação tinha seus próprios propósitos e nós não concordávamos com muita coisa que ela fazia. Nós queríamos dar autonomia ao CIC, que tinha suas próprias reuniões, sua própria vida. Logo depois veio uma série de conflitos. ERGUNTA

– O desejo do senhor José Flávio de incorporar o CIC à FIEC foi um dos motivos dos conflitos? BENI VERAS — A intenção do José Flávio era que nós fôssemos acoitar a forma como a Federação agia. Quando começamos a expressar o nosso ponto de vista, o conflito foi inevitável. Nós começamos a questionar a forma como a indústria local PERGUNTA

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se posicionava em relação à população, em relação à política, principalmente aquela relação incestuosa entre a Federação e o Governo. Nós achávamos que o que ela fazia, naquela altura, não era o melhor. Em nível nacional, também o divisor de águas foi quando o José Flávio assinou um manifesto da Confederação Nacional das Indústrias pedindo que o presidente da República tivesse cuidado com a abertura democrática porque corria sérios riscos. Nós desautorizamos publicamente aquela manifestação dele. Nós achávamos que a abertura democrática deveria acontecer. — Houve um momento em que os jovens empresários quiseram conquistar a Presidência da Federação das Indústrias. O senhor confirma? BENI VERAS — Eu pessoalmente achava que nós deveríamos caminhar para a Federação. PERGUNTA

Por quê? Porque era um fórum mais forte, mas eu vi logo que não tínhamos chances porque a Federação era um órgão muito controlado. Os sindicatos tinham um controle muito forte sobre ela e a Federação conseguia muitos benefícios para esse pessoal e através dos benefícios controlava os sindicatos. Para nós era difícil e nós vimos que não era necessário chegar à Federação. PERGUNTA — BENI VERAS —

— Vocês tentaram quantas vezes conquistar a presidência da FIEC? BENI VERAS — Nós cogitamos uma vez ou duas, mas nunca chegamos a competir seriamente. PERGUNTA

— Como foi o contato do grupo do CIC com o Grupo dos Oito da Gazeta Mercantil de São Paulo? PERGUNTA

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Nós, naquela altura, achamos que aquele grupo era precursor. Então nós convidamos aquele pessoal para vir aqui: o Cláudio Bardella, o José Mindlin e depois veio o Antônio Ermírio. E eles vieram praticamente na abertura democrática. Nós adotamos a postura deles que era boa para aquele momento e começamos a defender aqueles pontos de vista aqui. BENI VERAS —

— Além da redemocratização, quais eram outros pontos de identificação entre o grupo do CIC e o Grupo dos Oito? BENI VERAS — A abertura da economia que era muito fechada, a crítica ao controle das eleições (os senadores, deputados etc) eram biônicos. Dessa discussão nós partimos rapidamente para as diretas. Neste processo das diretas nós entramos defendendo as diretas. Era uma postura política. Ao mesmo tempo, era discutido muito o governo do Estado: o do Virgílio e depois o do Totó. PERGUNTA

— Na gestão dos jovens empresários, o CIC promoveu muitos eventos grandiosos como o seminário “O Nordeste no Brasil: Avaliações e Perspectivas” e o encontro com os governadores eleitos em 1982. Qual o objetivo do CIC com aqueles debates? BENI VERAS — Era comprometer a sociedade cearense com aquelas posturas. Aqui havia uma sociedade muito fechada, muito conformada. Nós queríamos abrir um pouco a mentalidade e começar a discutir questões mais candentes da política nacional. O encontro com os governadores do Nordeste, que nós fizemos junto com o Jornal do Brasil, foi muito bom porque nós questionamos os governadores do Nordeste. Eles eram, naquela altura, todos governistas e sentiram que havia uma tendência nova. PERGUNTA

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— Esses eventos foram constantes até a eleição do governador Tasso Jereissati. A partir daí, o número de promoções do CIC começou a diminuir. Por quê? PERGUNTA

BENI VERAS — Nessa altura nós não éramos mais empresários

fazendo discussões empresariais. Éramos políticos. Então, a postura era outra. Com o Tasso eleito, nós tínhamos que partir para o exercício do poder. Tentar mostrar no exercício aquilo em que nós acreditávamos. — O senhor concorda que o CIC teve um papel fundamental na eleição de Tasso Jereissati para o Governo do Estado? BENI VERAS — Foi a base para encontrar apoio para a campanha, para mobilizar recursos, enfim, para ganhar a eleição. PERGUNTA

— Em que momento daquele período os jovens empresários chegaram à conclusão de que deveriam assumir o poder político institucional do Estado? BENI VERAS — Foi após a eleição de Tancredo. Nós achamos que deveríamos partir na frente, não deixar que o Maluf desse as cartas. Então nós procuramos o Tancredo e montamos aqui um comitê suprapartidário pró-Tancredo. Nessa altura, o Tancredo não era candidato, nem em Minas Gerais. Fomos precursores. Nós conhecíamos muito o Maluf e sabíamos que ele era um homem que sabia tomar iniciativa. Então, se nós ficássemos de braços cruzados, ele tomava as iniciativas, partiria na frente e levaria vantagem. Nós advogamos que deveríamos partir na frente. O comitê foi forte, teve vida muito intensa, fez algumas manifestações de massa e ajudou a tornar a candidatura do Tancredo aqui no Ceará numa coisa inacreditável. Nesta campanha, nós envolvemos o PMDB que era o partido mais favorável à abertura, e demais partidos. PERGUNTA

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Daí para a candidatura do Tasso como foi? O Totó, naquela altura, se sentia um pouco bloqueado aqui. Ele não tinha espaço nem mesmo dentro do próprio PMDB. Então, ele não tinha condições de lançar os tradicionais do PMDB. Partiu para uma solução nova que foi a candidatura do Tasso. Ele fez de uma maneira arrojada porque ele não controlava o partido completamente. PERGUNTA — BENI VERAS —

PERGUNTA — BENI VERAS —

Foi um convite do Totó, então? Foi.

Vocês já estavam filiados ao PMDB? Nós nos filiamos na véspera das eleições. Eu também fui chamado para ser candidato a senador, mas eu tinha compromissos muito fortes e não podia ser candidato. Não podia entrar na política ainda. PERGUNTA — BENI VERAS —

PERGUNTA

do Totó?

— Como é que o grupo do CIC via o governo

Nós achávamos que o governo era muito ruim. Fizemos muitas críticas porque nós ajudamos o Totó a ser eleito governador. Propusemos ele ao Virgílio. Propusemos que ele fosse o secretário de Planejamento do Virgílio. Mas ele, no exercício do poder, foi um homem muito contraditório, um péssimo executivo, isto é, dirigiu muito mal o Estado. Mas em nível nacional tinha uma posição boa, progressiva. Aqui no Estado tinha uma governo desorganizado. Aumentou muito o número de empregos, foi pouco cuidadoso na lisura com os recursos públicos. Até não sei se ele pessoalmente se sujou com isso, mas as pessoas ligadas a ele tiveram condições e espaço para usar muito o Estado. Daí veio uma série de divergências que nós manifestamos a ele insistentemente, principalmente através do secretário de Planejamento dele, o BENI VERAS —

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Osmundo Rebouças. Mas parece que ele estava comprometido com aquela coisa porque não se dispôs a limpar o Estado. O caso BEC era o mais evidente. Então, quando Tasso foi escolhido governador, já na preparação da campanha, surgiram divergências sérias. Nós achávamos que ele deveria chamar o Banco Central para fazer uma auditoria no BEC e assumir o BEC. Ele comprometeu-se num primeiro momento, mas não agiu. Então nós rompemos com ele. Houve uma reunião e nós devolvemos a candidatura do PMDB. Mas aí nós encontramos uma maneira de continuarmos candidato, porém num conflito aberto com o Totó. Ele, por outro lado, não tinha alternativa. — Quais foram as forças políticas que ajudaram na eleição do Tasso? BENI VERAS — A candidatura do Tasso foi meio revolucionária. Ela entrou em vários partidos. Ela foi organizada sem apelar para os cabos eleitorais do interior e por cima dos prefeitos porque a maioria deles era da Arena. Passamos esse pessoal todo e fomos direto para a massa. O resultado foi muito bom. Nós tínhamos o recado que ela queria ouvir. PERGUNTA

— Vários grupos que trabalharam pela eleição do Tasso e por uma gestão participativa, após a eleição, reivindicaram participar do Governo. O senhor foi contra isso em algum momento? BENI VERAS — Havia na campanha aquele sentimento do povo no poder. Era a ressaca de anos de ditadura. Então existia o sentimento de que havia chegado a hora de usar o poder na democracia ateniense, aberta, popular. Era todo mundo querendo participar. O ideal era que todo mundo pudesse participar, mas era um ideal um pouco utópico porque nós chegamos lá e, para organizar a máquina do Estado, nós tínhamos que ter uma organização formal mínima que não PERGUNTA

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permitia uma participação tão aberta porque ninguém consegue ordenar essa crítica. O Governo tinha que escolher um e para isso fomentou conflito com uma parte. Mas nós aproveitamos o mínimo dos grupos de liderança que foram incorporados ao Governo como o Ariosto Holanda, Eudoro Santana e outros. — Na campanha do Tasso, funcionou um comitê civil que continuou trabalhando após a eleição, elaborando projetos para o Governo. Estes projetos foram aproveitados? BENI VERAS — Eu sugeri que aqueles grupos se institucionalizassem. Escolhido o secretário de dentro do grupo, naturalmente uma parte deveria se incorporar ao Governo e a outra parte, não. Não poderíamos fazer um governo informal. A máquina do Estado funcionando, e ao mesmo tempo, grupos informais fazendo ações de governo. Eu até perguntei aos meus companheiros qual seria o governador. Uma figura que não existia. Então, essa luta pela institucionalização do movimento criou esse conflito, mas em todo movimento popular a gente se depara com esse conflito. Esse conflito houve. Foi administrado bem ou mal, mas provocou o primeiro racho no inimigo. PERGUNTA

PERGUNTA

postura?

— O governador Tasso concordava com a sua

Nós tínhamos que nos organizar, não havia outra maneira. Tínhamos que ter secretários, executivos governamentais. Não poderíamos fazer um governo de comícios. Não funciona. Nós tínhamos um problema sério nas mãos. O Estado estava acabado. BENI VERAS —

— O Tasso herdou muito desgoverno do Gonzaga Mota em termos financeiros? Essa coisa nunca foi tornada PERGUNTA

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pública claramente. BENI VERAS — A máquina estava totalmente desajustada. O Estado foi usado para eleger uns oito deputados federais ou estaduais. Usado descaradamente. O Totó abriu os cofres. Uma vez ele deu a um deputado estadual duzentas portarias de nomeação de pessoas. Esse rapaz foi paraninfo de uma turma de formandos e deu como presente a professores formados contrato de trabalho. Duzentos contratos, desespero do governador. Era uma bagunça. O BEC estava completamente falido. Milhões de cruzeiros jogados fora, emprestados aos candidatos a deputado. O Daer tinha muitos equipamentos à época que estavam todos nas fazendas privadas do pessoal do interior. Nós precisávamos pôr ordem naquilo rápido, e ao pôr ordem nós contrariamos muita gente. Um deputado estadual do PMDB propôs, através de uma lista assinada por todos os deputados do PMDB, para ser diretor do Daer. Quando fomos ver, esse homem tinha dado um desfalque no Daer como tesoureiro. Só nesse lance nós perdemos metade da bancada estadual do PMDB. Quando Tasso assumiu o Governo, nós contávamos com cinco, seis deputados. Mas sempre fazíamos o que achávamos que deveria ser feito. — Qual foi a primeira medida moralizadora que tomaram? BENI VERAS — Foi cessar os contratos de quem tinha mais de um cheque no Estado. Essa gente toda era poderosa. Político não nomeia povo, nomeia amigo dele, o amigo do cabo eleitoral. Nós cortamos cheques de 40 mil pessoas. Precisávamos ter ido mais fundo. Nós deveríamos ter deixado o Estado com 70 ou 80 mil funcionários. Mas tivemos cuidado porque quando demitimos 40 mil, vimos que ao demitir mais 30 criaríamos uma situação muito difícil para a população. Às vezes, eu acho que deveríamos ter ido mais fundo porque PERGUNTA

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seria uma coisa, a curto prazo, e fomos mal nessa questão. — Os jovens empresários defendiam causas como a bandeira contra a miséria, a da justiça social. Com o governo de Tasso Jereissati, o que mudou? BENI VERAS — Toda a ação do governo do Tasso foi voltada para baixo. Se você examinar a utilização dos recursos do Estado, ele investiu até nas camadas inferiores, na educação, na saúde, urbanização de favelas, saneamento, sistema de água e manutenção de estradas. Hoje você não nota muito porque o governo tem uma certa tradição nisso. No Governo Ciro o trabalho é basicamente para as camadas inferiores. PERGUNTA

— E quanto à concentração de renda? Há indícios de que a concentração aumentou no período que coincide com o do governo de Tasso Jereissati. BENI VERAS — A concentração de renda nos estados do Nordeste não é uma questão só do Governo do Estado. A ação dos governos do Tasso e do Ciro foi voltada para levar recursos do Estado para as camadas inferiores. Não teve um investimento para melhorar as condições das elites. Eu não tenho esse dado de que a renda ficou mais concentrada, e se foi não foi por culpa do governo do Estado. PERGUNTA

— Daqueles debates e seminários que o CIC promovia eram elaborados documentos? Qual o objetivo daquelas discussões? BENI VERAS — Nós sabíamos que não tínhamos massa crítica para mudar o País institucionalmente, mas tínhamos massa crítica para mudar a opinião pública. Esse era o nosso maior interesse: mudar a opinião pública do Ceará, principalmente da elite. Isso a gente fez. Não se pode achar que o povo é capaz de fazer grandes mudanças no Ceará. É capaz, mas a elite PERGUNTA

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também tem muita coisa a fazer. Não podíamos menosprezar a elite. Nós queríamos ela do nosso lado. Os seminários, os debates, tinham esse sentido de torná-la compulsoriamente obrigada a debater; tinham esse sentido de torná-la compulsoriamente obrigada a pensar fundo nessas coisas. — Quando vocês convidaram o Millôr, o Henfil não era para discutir assuntos econômicos e políticos. Qual era o interesse? BENI VERAS — Era também. O Millôr falou com humor, mas a discussão com ele foi sobre a ética na política. Achávamos que a política tinha que ter um comprometimento transcendental: ter uma visão ética das coisas. Para nós, não havia nada maior do que o roubo do dinheiro público. Quando você rouba do Estado, você rouba de muitos. É muito mais pecaminoso, do ponto de vista político, do que o roubo individual. Aqui eram homenageados os homens que roubavam o Governo. Ainda hoje é. Em 1991, o Comitê de Imprensa (da Assembléia Legislativa do Ceará) elegeu alguns melhores deputados, entre eles os que estavam se fartando do dinheiro do povo. PERGUNTA

— Fazendo uma comparação entre a atuação do CIC até a eleição do governador Tasso e hoje em dia, quais as observações que o senhor faz? BENI VERAS — O CIC foi um momento. Continua existindo o CIC como instituição, mas aquele foi um período de ação que passou. Hoje o CIC é uma instituição respeitada, mas não tem mais aquela...Passou aquilo. PERGUNTA

— O CIC foi vanguarda naquela época. A vanguarda hoje é do governo do Estado que é, digamos, do CIC, ou tem um suporte do CIC, não é? PERGUNTA

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Exatamente. Aquela imagem do CIC incorporou-se à ação política. Não se pode esperar do CIC hoje a postura que tinha naquele momento. Foi um momento de história. Outros grupos surgirão sendo vanguarda. É a lei da vida. BENI VERAS —

— Qual era a relação dos jovens empresários com a imprensa naquele momento? BENI VERAS — Até nós chegarmos ao poder, era boa. Nós tínhamos ideias mais novas. Quando nós chegamos ao poder, nós acabamos com aquela convivência de comensais entre o Estado e a imprensa. O Estado mantinha jornalistas comissionados. Mantinha os donos de jornais gordos. Eram verbas enormes. PERGUNTA

— Havia uma relação promíscua dos meios de comunicação com o governo do Estado? BENI VERAS — O Governo mantinha os jornalistas através dos empregos e a instituição dos jornais, rádio, televisão, através dos anúncios. Então, o Governo era o dono da opinião pública, como é em Pernambuco. Os empresários da comunicação achavam que nós deveríamos gastar uma percentagem do Produto Interno Bruto do Estado com a imprensa. O Tasso era ligado a um grupo de comunicação, familiarmente, mas ele cortou esses vícios. Eu trabalhei dois anos na comunicação do Estado e tive que fazer anúncios de televisão contrários aos jornais e aos funcionários públicos, por exemplo. Porque eu acho que aquilo é uma corporação que estava querendo o que era do povo. O Estado tinha 98% da sua renda comprometida com o funcionalismo. Queríamos que o limite fosse 60%. Do contrário, como poderíamos combater a miséria? Os grupos de esquerda compraram a posição da corporação e não da maioria da população. PERGUNTA

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— É verdade que durante o governo do Totó a maior parte do orçamento era destinada à imprensa? BENI VERAS — Não diria a maior parte, mas uma parcela significativa. Chegou a ser 6%. Num certo momento nós não gastamos nada. Depois, passamos a gastar 0,5%. PERGUNTA

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Entrevista com Tasso Jereissati Em 15 de dezembro de 1992

P

— Gostaria que o senhor retomasse o momento em que o CIC foi reativado pelos jovens empresários em 1978. TASSO JEREISSATI — O CIC começou basicamente da necessidade que tinha um grupo de empresários jovens daquela época, com algumas características comuns no momento político-histórico que nós vivíamos. Eram todos ou filhos de pais empresários ou executivos com formação universitária que tinham em comum o fato de serem recém-saídos da universidade. E recém-saídos da universidade com um pouco de participação frustrada na política estudantil em função da própria revolução. E, portanto, tinham mentalidade de política estudantil, uma mentalidade empresarial e uma visão de mundo trazida da universidade. Ao mesmo tempo, nós vivíamos no auge das consequências da ditadura, em que não havia crítica, não havia discussão, não havia participação, a imprensa fechada, a participação política praticamente nula, relegada a uma coisa meramente decorativa. Esse grupo começou a se reunir e conversar, atraído até por essa afinidade e nascia uma preocupação muito grande quanto ao futuro nosso, todos muito jovens e muito preocupados com o futuro ERGUNTA

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do Estado e da região. O problema do Estado e o problema da região não eram discutidos por empresários, não era hábito se discutir. As Associações Empresariais tinham como finalidade, como objetivo básico, como o dia-a-dia, pleitos específicos, um incentivo, uma abertura de crédito, uma linha de crédito. A nossa preocupação era discutir o futuro da região Nordeste porque não víamos muita perspectiva, à medida que continuasse da maneira que estava. Então, esse grupo foi informalmente se criando. Nessa ocasião, em 1978, o velho CIC estava vazio, não tinha uma diretoria ativa e o Presidente da Federação das Indústrias, o Zé Flávio Costa Lima, teve iniciativa de convocar os jovens para assumir o Centro Industrial. Nós, que já vínhamos informalmente nos encontrando, topamos imediatamente e o Beni assumiu a liderança, num primeiro momento. – O senhor falou que os jovens empresários participavam da política estudantil. Como era fazer política estudantil naqueles anos? TASSO JEREISSATI — De uma maneira ou de outra, todos tinham tido alguma participação frustrada de política estudantil dentro da universidade já que, dependendo da idade, alguns ou fizeram política estudantil e tiveram sua participação encerrada com o AI-5, ou as tentativas de começar a fazer política estudantil logo depois do AI-5 também foram frustradas. PERGUNTA

— O que se discutia nos movimentos estudantis naquela época? TASSO JEREISSATI — O grande tema era a liberdade. Vivíamos numa época de ditadura braba. Quase todos nós pegamos o Médici dentro da universidade, o período do Médici e o fim do Médici dentro da universidade. E vivemos o AI-5 dentro PERGUNTA

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da universidade. Então o grande tema era a liberdade e a democracia. — O senhor fez universidade em São Paulo? TASSO JEREISSATI — Sim, na Fundação Getúlio Vargas. PERGUNTA

— Como surgiram as primeiras divergências entre os jovens do CIC e a FIEC? TASSO JEREISSATI — A divergência era natural. No momento em que o CIC começou a ter uma atuação numa linha bastante diferente das entidades tradicionais de classe, e que ao invés de discutir pleitos específicos, do dia da indústria, começaram a discutir a sociedade, era natural que algumas posições de confronto aparecessem com o próprio Governo. E, naquela época, não era normal o confronto, a crítica ao Governo Federal, ao Governo Estadual. Aquela não era posição para empresário. Aquilo era posição para esquerdista. O CIC foi convocando para discussões nomes polêmicos. Gente como o Lula, naquela época, era um absurdo; o Dom Hélder, sociólogos, o Brizola, recém-chegado do exílio, isso tudo chocou muito a classe empresarial tradicional. Então, nós éramos chamados naquela época de comunistas, de incendiários. PERGUNTA

— O senhor confirma que um motivo de confronto foi a intenção de José Flávio Costa Lima de incorporar o CIC à FIEC? TASSO JEREISSATI — É evidente que todo criador, no momento em que faz a criação, pensa em controlar. Isso até de pai para filho. Ele pensou em controlar e assumir o futuro da entidade. Mas o grupo que fez a entidade já tinha uma raiz bem mais profunda. Houve a tentativa de controle, principalmente quando Costa Lima sentiu que estava perdendo o controle e nós estávamos indo por um caminho completamente difePERGUNTA

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rente do que ele imaginava. — Essa tutela da FIEC implicaria o fim do CIC? Os jovens empresários passariam a pertencer à Federação? TASSO JEREISSATI — Não, eu acho que era mais assumir a liderança, o controle. Muito mais isso do que acabar com o CIC. Eu não me lembro se ele chegou a ameaçar com isso. Houve um choque bem grande, mas era muito mais em reassumir o controle da entidade cuja linha de atuação estava completamente fora do que ele tinha previsto. PERGUNTA

PERGUNTA

FIEC?

— Houve, então, uma ruptura entre o CIC e a

TASSO JEREISSATI — Houve uma ruptura porque à medida em

que se começou e se rompeu com toda uma linha de atuação conservadora das classes empresariais, se partiu para um outro tipo de atuação. Nesse sentido, houve uma ruptura bastante forte. — A maioria dos jovens na época ou já tinha experiência executiva ou aguardava assumir o controle de empresas dos pais. Como era fazer crítica e enfrentar os velhos empresários, dentre os quais estavam os próprios pais dos senhores? TASSO JEREISSATI — Muitos tiveram problemas internos também. PERGUNTA

PERGUNTA — De família? TASSO JEREISSATI — De geração,

dentro da empresa com os pais, muitos tiveram esse tipo de problema. — Como era essa relação que se caracterizava de incestuosa entre Governo e a velha casta empresarial? PERGUNTA

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TASSO JEREISSATI — À medida que o Governo, que a ditadura

foi-se fortificando, foi-se consolidando como um regime fechado, o Estado também foi aumentando o seu poder, sua participação em todos os setores da economia, principalmente regulamentando tudo aquilo que fosse iniciativa privada. A iniciativa privada passou a ser ou tutelada ou protegida ou regulamentada pelo Estado. Então, o empresário, para sobreviver de uma maneira ou de outra, precisava da bênção e da boa vontade do Governo, ou através de uma linha de crédito, que eram os grandes órgãos oficiais que estabeleciam as grandes linhas de crédito, ou através de concessões, ou através de informações. Enfim, do acesso a tudo aquilo que o Governo oferecia, prendia ou protegia. PERGUNTA — E em troca... TASSO JEREISSATI — E em troca

havia o apoio.

PERGUNTA — Incondicional? TASSO JEREISSATI — Incondicional

porque era um regime de tutela de controle, de cabresto. Mas com isso rendia lucros; de uma maneira ou de outra a classe era beneficiária do sistema e estava satisfeita. O que nós questionávamos é que esse lucro era de curto prazo, porque num momento seguinte, isso não tinha consistência, não tinha futuro e esse lucro não perduraria. — A FIEC é uma entidade sindical. Que tipo de benefício ela consegue para os sindicatos filiados? TASSO JEREISSATI — Não para os sindicatos, mas diretamente para as indústrias filiadas. Ela consegue todo tipo de benefício. Os grupos, os grandes grupos, se formaram e se consolidaram nessa época, porque tiveram acesso aos grandes cartórios. Praticamente todos os setores privados PERGUNTA

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viraram cartórios: do moinho de trigo ao gás, à televisão, aos bens de mecânica pesada, aos bens de capital. Todos eles eram, de uma maneira ou de outra, cartórios governamentais, em que você tinha desde a proteção ao financiamento e ao direito de entrar. Esses grupos se formaram nessa época. Depois que você entrava, e havia o direito de entrar porque era o Governo quem dava, depois que entrava era protegido, portanto tinha seus lucros garantidos. Você tinha o financiamento normalmente fornecido pelo Governo também. Eram os empresários que tinham esse acesso; eram eles quem controlavam as entidades. PERGUNTA – Os jovens empresários questionavam o lucro porque não viam perspectivas, a longo prazo, segundo o senhor. Na década de 70 havia uma crise substancial no setor industrial na região Nordeste, mais especificamente aqui no Ceará? TASSO JEREISSATI — Começou a haver no finzinho da década de 70 e início da década de 80. Mas a década de 70 tinha sido pródiga. Tinha sido de grandes ganhos. Os primeiros anos então da década de 70 tinham sido do milagre. – Mas já por 1978 existiam classes de empresas em crise, algumas falências. TASSO JEREISSATI — Mas isso aconteceu por excesso de dinheiro. A crise foi por excesso de facilidades, muito mais do que por dificuldades. As dificuldades, realmente, só começaram no início da década de 80. A crise social já estava clara, porque o processo todo trazia uma concentração. Mas isso era muito escondido porque apareciam muitas novas indústrias embora vários setores tradicionais da economia cearense tenham acabado nessa época. A mamona, o algodão, o couro, a pecuária. PERGUNTA

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PERGUNTA — Por que o excesso de dinheiro leva à falência? TASSO JEREISSATI — Porque o excesso de crédito, de facili-

dades e de prestígio gerou a ineficiência que, no momento seguinte, trouxe o problema.

— Entre as bandeiras levantadas pelos jovens empresários do CIC estava a do capitalismo humanitário. Qual o conceito do senhor sobre capitalismo humanitário? TASSO JEREISSATI — O capitalismo humanitário que nós defendíamos é, nada mais, nada menos, do que a social-democracia, o livre mercado com a presença forte da livre iniciativa, o Estado presente como regulador das desigualdades sociais e dos desequilíbrios entre pessoas e regiões. O Estado tendo também um viés totalmente social promovendo, em vez de empresas, educação, em de empresários, saúde, e dando condições aos mais desfavorecidos pela sorte de ter as oportunidades mínimas necessárias ao cidadão. Isso que nós defendíamos era diferente do liberalismo, que é a ausência total do Estado. PERGUNTA

– Como foi a relação dos jovens empresários com o Grupo dos Oito? TASSO JEREISSATI — Naquela época, estava aparecendo em São Paulo o chamado Grupo dos Oito, que fez um manifesto pedindo a democratização do País. Isso foi mais ou menos na mesma época em que nós estávamos aparecendo aqui e a primeira reunião do CIC foi um seminário feito por dois representantes do Grupo dos Oito. Foi o primeiro encontro do CIC com a presença do Cláudio Bardella e do Zé Mindlin. Daí em diante esse contato foi bastante estreito, sendo que nós aqui evoluímos muito mais em termos políticos do que eles lá em São Paulo. Eles ficaram muito mais restritos e aqui, talvez até porque o Estado é menor, as distâncias PERGUNTA

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são menores, nossas posições começaram a ser muito mais parecidas com as de um partido de oposição. Só tinha um na época que era o MDB, não tinha outro. Então, a nossa convergência, a nossa afinidade com o partido de oposição, que era o MDB, começou pelas próprias coincidências de posições. Nós começamos, em certos pontos, a nos encontrar em algum movimento e isso teve o ápice no momento das eleições diretas porque quem promovia as eleições diretas no Ceará era o MDB e o CIC. Nós entramos nos movimentos juntos e passamos já a subir em palanque. — Havia um comitê pró-diretas, num primeiro momento, e em seguida o pró-Tancredo, correto? TASSO JEREISSATI — Sim. Nós fizemos o primeiro comitê pró-Tancredo também juntos. Éramos o pessoal do CIC e do MDB. Então essa afinidade nasceu. Na verdade, a candidatura ao Governo foi uma coincidência. Nós estávamos muito ligados ao PMDB, e quando houve a primeira sucessão livre realmente, que foi a de 1986, os três coronéis que, sempre, de uma maneira ou de outra, competiam nas indiretas, se uniram e lançaram um dos coronéis e praticamente o PMDB ficou sem candidato e era difícil lançar um candidato que pudesse enfrentar. O fato de chamar alguém do CIC foi muito menos para ganhar a eleição e muito mais para marcar oposição porque a possibilidade de ganhar a eleição, de ser um gestor político concreto, era muito remota. O objetivo era mais de marcar uma oposição no Ceará, na medida em que estava acontecendo uma porção de coisas novas no Brasil, e no Ceará a política continuava na mão dos três coronéis. PERGUNTA

— Por que o Gonzaga Mota foi buscar uma pessoa do CIC para marcar a oposição e não alguém dentro do partido? PERGUNTA

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— Porque praticamente não havia candidatos dentro do PMDB. Era tão remota a possibilidade de ganhar as eleições que ninguém queria ser candidato. O candidato posto, teórico, era o Mauro Benevides, que não tinha o menor entusiasmo em ser candidato, porque era impossível ganhar as eleições. Na verdade, quando um candidato do CIC entrou foi para ser boi-de-piranha mesmo, era para marcar oposição. Como nenhum de nós era político, não fazia mal perder a eleição, não perdia nada. Não havia, dentro do PMDB, nenhum político que quisesse se oferecer a ser candidato. O que significava para o PMDB ficar sem mandato. TASSO JEREISSATI

— E por que, entre os membros do CIC, o senhor foi o escolhido? Foi o único que aceitou a candidatura e correu o risco de perder? TASSO JEREISSATI — Não. Não fui o único que aceitou. Acho que fui lembrado no momento. Poderia ter sido qualquer um, e as circunstâncias do momento levaram ao meu nome. PERGUNTA

— E já que os senhores não esperavam ganhar aquelas eleições, qual o fator que revelou o processo e assegurou a sua vitória? TASSO JEREISSATI — Foi o desejo da mudança da população que, como sempre, está à frente das elites. A população já estava muito mais consciente da necessidade de mudanças e querendo mudanças, transformações do que as elites percebiam. Quando foi lançada a candidatura, ela decolou como um foguete. PERGUNTA

PERGUNTA

eleição?

— O CIC foi fundamental nesse processo da sua

TASSO JEREISSATI —

Lógico, porque tem toda uma história

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de construção política, de participação que foi construída durante anos dentro do CIC. — O senhor caracterizaria o seu governo como governo do CIC? TASSO JEREISSATI — Não, de maneira nenhuma. Se você observar o secretariado, que foi a base do Governo, ele tem como característica fundamental o seguinte: procurar os melhores para cada lugar, independente da origem. O CIC teve um papel muito importante, à medida em que ele seria de conselho, como se fosse um conselho informal para o que acontecia no governo. A agricultura era o Eudoro Santana, era um homem vindo de lutas de esquerda, que não tinha nada a ver com o CIC. O da Secretaria da Fazenda, um técnico do Banco do Nordeste, que era o Lima Matos. O da Secretaria do Desenvolvimento e Urbanismo, um técnico, por suas qualidades, o melhor técnico em desenvolvimento e em engenharia sanitária do Estado, também nada a ver com o CIC. A Secretaria de Ação Social, um homem ligado à Igreja vindo de Brasília, aliás há muito tempo distante do Ceará, mas muito ligado aos movimentos sociais da Igreja em Brasília, o José Rosa. O primeiro secretário de Educação, um homem trazido da universidade, o Paulo Elpídio, que não tinha ligação com o CIC. De fato, ligados ao CIC, apenas dois secretários que eram o secretário de Governo, Sérgio Machado, e também de família política e que tinha sido coordenador de política, e o Assis Machado Neto, que era um engenheiro com experiência enorme em construção, obra e em engenharia. Você vê que 80% vieram de origens completamente diferentes. Agora todos tinham a mesma marca, o mesmo objetivo, o mesmo ideal, a mesma ideia de como trabalhar no Ceará. A grande preocupação da época, contra o clientelismo, era a de sanear as contas do Estado, era PERGUNTA

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dar eficiência a cada uma das suas máquinas e dar seriedade. — Na sua campanha eleitoral existia o Movimento Pró-Mudanças, que atuava com a participação de vários partidos políticos de esquerda. Após a sua eleição, alguns membros quiseram participar do seu governo. Isso não aconteceu. Por quê? TASSO JEREISSATI — Porque não tem lugar para todo mundo. Talvez um dos momentos mais difíceis do governo seja a formação do secretariado porque muita gente que espera ser secretário, ocupar algum cargo, não ocupa. Muita gente competente até, mas simplesmente não tem lugar para todos. Então, você cria sempre, na formação do governo, principalmente num governo novo que trazia muitas esperanças, muitas expectativas como o nosso, um bolsão de insatisfação e que se desfaz em seguida. PERGUNTA

PERGUNTA – Desfez-se em seu governo? TASSO JEREISSATI — Sim. PERGUNTA — Antes da sua eleição, o CIC fez vários eventos,

como o encontro com os governadores na sua gestão. Eventos que ganharam espaço na mídia nacional e que projetaram os nomes dos jovens empresários do CIC. Quando o senhor assumiu o CIC o número de promoções caiu e quando o senhor entrou para o governo elas praticamente cessaram. TASSO JEREISSATI — Evidente, pois todos aqueles que fizeram o movimento inicial do CIC já estavam vivendo outro momento político completamente diferente. Um momento até pessoal de suas vidas, então imediatamente uma nova geração assumiu o CIC, já num outro momento, com ideias diferentes e levando ele para outro rumo. PERGUNTA

— Aqueles debates fizeram parte de um momento

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da vida do CIC?

TASSO JEREISSATI —

Também não tem mais sentido, hoje, porque o debate era uma coisa extremamente necessária. A sociedade estava precisando daquilo como oxigênio, porque ninguém debatia, ninguém discutia. Hoje, não. Nós vivemos numa sociedade inteiramente aberta, debatedora, reivindicativa e um debate a mais, um debate a menos, não uma coisa marcante como foi na época. – E qual era a finalidade daqueles encontros que os senhores faziam? Foram produzidos documentos? TASSO JEREISSATI — Muitos. Foi produzida uma série de documentos sobre o Nordeste, desenvolvimento regional. Nós fornecemos a coletânea de documentos de debates para Tancredo Neves para servir de base para a política da região. Infelizmente, com a morte dele e depois com os desvios, não foi usada. Ela foi perdida, mas nós mandamos. PERGUNTA

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Entrevista com Sérgio Machado Em 31 de dezembro de 1992

P

— Antes de assumir o CIC, os jovens empresários já exercitavam em discussões sobre questões regionais e nacionais? SÉRGIO MACHADO — Esse grupo se reunia antes de assumir o CIC. Aquele era um momento de efervescência da vida nacional em que a população se conscientizou que, sem a democracia, seria muito difícil encontrar uma solução. O grupo começou a se encontrar para conversar um pouco sobre aquele momento de angústia nacional, local e regional, onde a miséria e a falta de perspectivas eram crescentes. O grupo queria encontrar um caminho. Mas naquele primeiro estágio de reunião não encontramos uma bandeira comum de atuação e isso acabou desagregando, dispersando. Esse tipo de movimento precisa de uma instituição para que a coisa avance. Quando isso não acontece, faz-se a primeira, a segunda, e, na quarta reunião começa a desagregar. Aí foi oportuna a iniciativa do José Flávio de dar uma instituição que foi o CIC, porque facilitou a continuação do trabalho. Tivemos o canal para desenvolver o movimento ERGUNTA

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— Quando começaram as divergências entre o CIC e o José Flávio Costa Lima? SÉRGIO MACHADO — Não foi só com o José Flávio. Havia divergência de pensamento entre aqueles jovens que compunham o CIC e a FIEC no que dizia respeito à visão de sociedade, à atuação que era completamente diferente. Jamais o CIC participou de qualquer reivindicação individual ou pessoal. Nunca. Nossa visão de atuação de entidade de classe era diferente da reinante na Federação, e isso provocava choques. O CIC começou a crescer muito e isso gerou, em vários momentos, confrontos, mas sempre muito bem administrados. PERGUNTA

— Havia, então, uma preocupação de administrar esses conflitos com a FIEC? SÉRGIO MACHADO — Mas sempre mantendo uma coerência. PERGUNTA

PERGUNTA — Autonomia? SÉRGIO MACHADO — Autonomia

com coerência no sentido de procurar uma convivência, que muitas vezes foi de atrito, mas sempre atrito em termos de ideias e não de pessoas. Nunca fomos inimigos. Algumas vezes fomos adversários por apresentarmos ideias diferentes. — Quando houve a intenção de incorporar o CIC à FIEC, qual foi a postura dos jovens empresários? SÉRGIO MACHADO — Aí o CIC já estava consolidado. PERGUNTA

PERGUNTA — Essa incorporação previa o fim do CIC? SÉRGIO MACHADO — Não. Ela se daria pela atrelagem da

presidência da FIEC à do CIC. Várias federações do Brasil ainda são assim até hoje. O José Flávio, pela primeira vez, rompeu com isso. Então, em 1980, tentou-se eleger para o

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CIC o mesmo presidente da Federação, mas não era mais possível. O CIC era um órgão que já tinha autonomia, vida e que já tinha marcado, perante a sociedade cearense, um papel. O CIC foi uma coisa importante porque não se restringiu só a empresários. A gente transformou o CIC num fórum de debates e aglutinou em torno dele todas as pessoas que tinham pensamentos a favor e contra. O que sempre caracterizou o CIC foi a discussão de ideias conflitantes. Trazia-se a esquerda e a direita e o centro para discutir e ver o que era essencial. – Qual a sua opinião sobre o José Flávio Costa Lima? Ele tinha alguns pontos de vista coincidentes com os dos jovens empresários, como a defesa da autonomia das entidades de classe. Onde exatamente havia o confronto com ele? SÉRGIO MACHADO — Ele era mais avançado do que o presidente anterior da FIEC. Mas eu acredito que ele não imaginasse que, com essa abertura que ele deu, nós fôssemos avançar tanto no sentido de buscar um caminho próprio. Eu acho que ele esperava que a gente fosse viver debaixo das asas dele, quando o que a gente buscava era um caminho independente e aí surgiram os confrontos. Nossas ideias eram mais avançadas do que as do José Flávio numa série de pontos. PERGUNTA

PERGUNTA — Quais pontos, por exemplo? SÉRGIO MACHADO — Nós nos preocupávamos com a liberda-

de, mas a gente acha que a liberdade tem um cunho social. Se você não tem liberdade social, você também não tem a liberdade. Daí surgia uma série de confrontos. Nós nos preocupávamos muito com a visão social. O poder estava concentrado nas mãos de poucos e a gente achava que essa

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concentração gerava o privilégio e a discriminação. Estaria-se construindo uma sociedade de ilhas, onde você teria uma pequena ilha própria e o grande conjunto de miseráveis que tinha que funcionar e que romper com isso. E a gente acreditava que só seria possível através de uma decisão política, através de uma atuação política. Nós nordestinos somos muito competentes, mas nós nordestinos sempre fomos de resolver as questões pessoais e não as questões gerais. Então ficamos sempre muito nas migalhas e não na definição das grandes prioridades. Era aí que a gente deveria travar a luta. — A relação incestuosa entre os velhos empresários e o governo era outro ponto de confronto? SÉRGIO MACHADO — Era, porque a visão que os empresários tinham era corporativa. Você tinha que ter o governo como aliado para resolver os seus problemas. Você não podia ter problema com o governo. Nós precisávamos enfrentar o governo, para poder mudar a relação maior. Porque se não mudasse a relação maior, não tínhamos futuro. Não adiantava ter um governo amigo. Adiantava ter um governo com compromisso social. PERGUNTA

— Em que nível se dava o favorecimento aos empresários aliados incondicionais do governo? SÉRGIO MACHADO — Era deferimento de pleitos. Se havia uma reivindicação na sua empresa recorria-se ao governo. Foi essa troca de favores que manteve a estrutura dominante até então, que manteve o Estado forte. Era a questão do chefe político que nomeava a filha do cabo eleitoral, que dava emprego à professora ou permitia o acesso a remédios, ou dava carteira de identidade. E nessa relação se mantinha o poder em detrimento do conjunto da população, que não tinha direito a nada. À medida que isso avançou, levou à falência PERGUNTA

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do Estado, e faliu também esse modelo. Nós buscamos um novo modelo de ação coletiva que foi a base do governo Tasso, onde todas as ações visavam sempre ao interesse geral e não mais ao particular. – Com que autonomia e legitimidade os jovens empresários criticaram a relação dos velhos empresários com o governo, em todos os níveis, quando muitas das empresas que os senhores dirigiam surgiram nesse contexto? SÉRGIO MACHADO — A ideia dos pais era diferente da dos filhos. Eu tenho a maior afinidade com o meu pai, mas eu penso diferente dele. Eu vivi em outro momento, em outro contexto. Eu me desenvolvi em outro meio. Nós achávamos que Estado é para servir à sociedade e que quando eu falo nós, o eu está inserido. Quando eu falo no eu é que o nós não está inserido. Nós achávamos que a questão do Nordeste tinha que ser resolvida. É um momento de repensar o Nordeste numa política geral, uma política de incentivo, sim, mas incentivo que não vai beneficiar um, mas todos. Essa era a grande diferença de visão. De um lado, havia o corporativismo dos sindicatos procurando estar bem com o poder, senão perdiam as benesses, e do outra lado estavam os jovens empresários defendendo a ruptura para criar uma nova sociedade. Sem distribuição de renda não tinha consumo, não tinha crescimento, não tinha alimento. PERGUNTA

— Os jovens empresários utilizaram muito o termo capitalismo humanitário. O que, essencialmente, ele significa? SÉRGIO MACHADO — Era capitalismo social. Humanitário é uma visão mais antiga e lembra muito a questão da piedade. Não é essa a questão. A questão é a do direito que o cidadão tem. O homem lutou no século XVIII pela conquista do PERGUNTA

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direito individual. Uma grande luta, contra os reis, contra os tiranos. No século XIX, pelo direito político, para poder participar e opinar no processo. E no século XX, nós temos que lutar para que um país como o nosso garanta o bem-estar social para se ser cidadão. E a cidadania implica ter esses requisitos mínimos sociais, que é a grande liberdade. — O capitalismo social evoluiu para a social-democracia defendida pelos empresários atualmente? SÉRGIO MACHADO — É um avanço. O que é a social-democracia? E o que tem a social-democracia de bom e de ruim? No capitalismo tem-se toda a liberdade de agir individualmente, mas gera-se uma sociedade distorcida, pois só beneficia alguns. Há uma sociedade concentradora e o Estado não exerce esse papel. No socialismo, você privou, e foi essa uma das razões do insucesso, aquilo que é inerente ao homem que é a sua individualidade. Então, desestimulou-se a produtividade, o desafio, porque não tinha vantagem. E na social-democracia, tem-se as duas coisas: a liberdade do homem de fazer o que quiser, de ser o mais produtivo possível, e um Estado que entra com a sua mão para promover o equilíbrio da situação. A social-democracia dá ao cidadão aqueles direitos mínimos, que é o acesso à educação, à saúde e ao emprego. Pode-se ganhar o quanto quiser, mas o Estado vem para reequilibrar o jogo. PERGUNTA

PERGUNTA

CIC?

— Por que o Beni foi o primeiro presidente do

SÉRGIO MACHADO — Porque o Beni, naquele momento inicial,

teve uma participação muito grande e ele era o mais velho, o único com mais de 40 anos. PERGUNTA

— Aquelas discussões promovidas pelos jovens

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empresários e as bandeiras levantadas como a da justiça social feriam muitos interesses... SÉRGIO MACHADO — Mexiam. — Então como era a relação dos jovens empresários com os “coronéis” já que eles também foram alvo das críticas dos senhores? SÉRGIO MACHADO — Nós éramos respeitados à medida que fomos discutir o geral e não projetos individuais. Quando ninguém está barganhando interesse pessoal, ganha-se credibilidade. Fica-se legítimo na colocação dos problemas. PERGUNTA

PERGUNTA

coronéis?

— Então os senhores eram respeitados pelos

SÉRGIO MACHADO — Exatamente.

Nós fazíamos debates no CIC e os candidatos a governador tinham que falar muito de si mesmos. Eu me lembro que eles chegavam lá todos um pouco assustados porque a gente realmente questionava, sem nenhum medo. Eu me lembro quando o Totó, recém-eleito governador, e Virgílio era ainda o governador e foi feito um jantar em homenagem ao Totó. O Tasso fez um discurso colocando todos os pontos e críticas ao coronelismo e sugerindo ao Totó que ele se libertasse daquilo e marchasse com esse tipo de visão social. Eu lembro que o Virgílio ficou incomodado com o discurso. O discurso foi feito na frente deles todos: Totó, Adauto, César Cals. Se for olhar, muitas das ações do governo Tasso estavam descritas naquele discurso, porque era um pensamento nosso. Porque o presidente do CIC nunca encarnava o seu pensamento. E esse discurso do Totó foi característico do nosso rompimento com aqueles políticos. Houve impacto, deu uma briga danada, mas nunca, em nenhum momento, se viveu debaixo de asas de políticos.

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— Sérgio, quando e como aconteceu a aproximação entre o grupo do CIC e o Grupo dos Oito da Gazeta Mercantil? SÉRGIO MACHADO — Começava a surgir, naquele momento de autoritarismo em São Paulo, o Grupo dos Oito, que tinha acabado de lançar o manifesto deles, muito importante para o avanço da democracia. Então, a gente os convidou para virem aqui. Vieram o Cláudio Bardella, e o José Mindlin. Depois veio o Antônio Ermírio. Eles viram que a nossa intenção era parecida com a deles e dessa primeira visita surgiu uma integração muito grande em termos de ideias e aí ficamos num relacionamento muito estreito com eles. PERGUNTA

— Havia convergência de pontos de vista em quais aspectos? SÉRGIO MACHADO — Nós achávamos que só a democracia poderia resolver a questão do Nordeste e eles pregavam a democracia. Nós achávamos que num sistema fechado só se beneficiavam os poderosos, aqueles que têm acesso aos gabinetes e que têm força para fazer. Como o Nordeste era periferia, nós só pensávamos, dentro do governo fechado, 10% do PIB. Era errado. A gente ficava só recebendo as migalhas dos grandes banqueiros. Um dos pontos básicos era resolver a democracia e aí a gente entrou no movimento de diretas-já, da eleição do Tancredo, e isso arcando com todo o ônus porque nós sofríamos ameaça de corte de crédito em bancos. Lembro de um episódio. Numa das vezes que o Celso Furtado estava aqui para falar ao CIC, estava aqui também o Gil Macieira, presidente da Caixa Econômica Federal, participando de um encontro. O Tasso ia oferecer um jantar e convidou os dois. O Gil Macieira mandou dizer ao Tasso que se o Celso Furtado fosse ao jantar, ele não iria. O Tasso tinha muitos interesses naquele momento na Caixa EconôPERGUNTA

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mica, porque estava construindo o shopping. Mas o Tasso mandou dizer ao Gil Macieira que o Celso Furtado era amigo dele e iria ao jantar e que ele, Macieira, iria se quisesse. Deu um rolo danado e o Tasso foi muito prejudicado na Caixa Econômica por causa disso. PERGUNTA – Verbas cortadas? SÉRGIO MACHADO — Crédito não liberado. PERGUNTA — O senhor sofreu ameaças semelhantes? SÉRGIO MACHADO — Todos nós. Fazia parte de todo um pro-

cesso. Principalmente na época do movimento pró-Tancredo.

– Como se deu a aproximação do CIC a um partido político de oposição? SÉRGIO MACHADO — O nosso crescimento coincidiu com o crescimento social no Brasil à medida que se ia discutindo e levantando questões. Mas nós começamos isso sem pensar em entrar em política. A política que a gente fazia era uma política geral e não partidária. À medida que nós íamos nos conscientizando e avançando, íamos vendo que a alternativa para poder equacionar os problemas era via política. Essa possibilidade começou a surgir nas nossas cabeças. PERGUNTA

PERGUNTA — Quando, SÉRGIO MACHADO — À

aproximadamente? medida que ia se revendo os problemas e vendo a dificuldade para resolvê-los, percebemos que não adiantava só ter uma boa ideia se não tivesse força para implantar essa ideia. Era preciso um instrumento para pô-las em prática. Eu comecei a defender isso. Se o Tasso não tivesse sido governador, essas ideias nunca teriam sido implantadas no Ceará. A primeira pessoa que conversou com a gente sobre o nosso ingresso na política partidária foi o Tancredo Neves durante a visita que ele fez ao Ceará, na época das diretas-já, em 1984. Num almoço ele perguntou

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para a gente: “Vocês têm esse pensamento todo, por que não entram para a política”? – O que os jovens empresários responderam? SÉRGIO MACHADO — Na época nós não tínhamos amadurecido a ideia. Tanto que não existia plano nosso de entrar na política em 1986. Essa ideia foi evoluindo num ciclo normal, um dia nós iríamos entrar na política. Mas em 1986 não era o objetivo. Tanto que só o Tasso foi candidato. Nenhum de nós foi candidato a nada. PERGUNTA

– Em quais circunstâncias os jovens empresários entraram na política? SÉRGIO MACHADO — O Tasso entrou com o convite do Totó meio surpreendente. O candidato para a sucessão dele no Governo era o Mauro Benevides. O Tasso estava recém-saído de uma operação de safena. A operação foi em fevereiro e em abril o Totó convidou. Foi um impacto. PERGUNTA

— Quais os motivos que levaram Gonzaga Mota a convidar o Tasso? SÉRGIO MACHADO — Os coronéis estavam unidos e eram considerados imbatíveis. Naquela época, o pelotão de forças era o seguinte: acho que havia uns 152 prefeitos no Ceará, e os coronéis tinham 130. Dos 46 deputados, tinham mais de 30. Quando começou a eleição, diziam: “Pobres garotos, vamos dar uma surra neles com mais de 600 mil votos”. E foi exatamente o contrário. Então o Totó ouviu esse boato que iria perder a eleição se fosse o Mauro Benevides. Daí foi buscar quem pudesse, fora daquele segmento tradicional, dar um impacto político e que fosse capaz de desequilibrar o processo. Mas, quando ele pensou no Tasso, as nossas chances eram remotíssimas. PERGUNTA

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– Qual foi a primeira atitude dos jovens empresários após receber o convite? SÉRGIO MACHADO — Avaliar a situação. Vimos então que a situação era muito difícil. Nós confiávamos nas nossas ideias, mas era uma eleição difícil. Então achamos que valeria a pena correr o risco, mesmo com eventual possibilidade de perder porque poderíamos fazer uma campanha muito bonita. Uma campanha que iria marcar uma nova etapa na política cearense. E mesmo que a gente não ganhasse, a gente iria lançar sementes profundas para uma grande mudança no Estado. PERGUNTA

PERGUNTA – O objetivo era marcar uma oposição clara? SÉRGIO MACHADO — Uma oposição clara em relação a essa

ideia que simbolizavam o novo. Eu, pessoalmente, acreditava que a gente tivesse chance de ganhar. Na primeira pesquisa que a gente fez, o Tasso tinha 1%. Isso em abril, antes de aceitarmos o convite. O Tasso era desconhecido de quase todo mundo, mas entre o Tasso, o Adauto Bezerra, o Lúcio Alcântara e o Paulo Lustosa, que eram os candidatos que nós considerávamos, o Tasso ganhava. — Se as chances de ganhar eram tão pequenas, por que o candidato não foi o Mauro Benevides? SÉRGIO MACHADO — Pela avaliação do Gonzaga Mota, o Mauro não tinha a menor chance. PERGUNTA

— Quais os critérios que o Gonzaga Mota utilizou para fazer esse julgamento? SÉRGIO MACHADO — Pelo sistema tradicional, se não houvesse ideias que rompessem com todos aqueles valores, não teria nenhuma chance de derrotar os coronéis. Porque na hora de medir as forças, um tinha 130 prefeitos, o outro tinha 15. Se PERGUNTA

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fosse pela política tradicional, seria 130 contra 15. Cento e trinta ganha sempre de 15. Então, ele tinha que ir pelo outro lado, colocando no processo ideias completamente novas que fossem capazes de desestabilizar a ordem. PERGUNTA

escolhido?

— Por que, do grupo do CIC, o Tasso foi o

— O Tasso tinha recém-saído da presidência do CIC, e sempre teve uma liderança, dentro do jeito dele, marcante. Era uma pessoa jovem. Eu acho que todos esses valores levaram a ele ser escolhido. SÉRGIO MACHADO

— Outros jovens empresários também se destacaram na liderança do CIC. Por que o Tasso foi o escolhido? SÉRGIO MACHADO — O Gonzaga Mota procurou dentro do grupo aquele que pudesse somar mais, naquele momento. Acho também que a aproximação do Tasso com os meios de comunicação reforçou a escolha. PERGUNTA

PERGUNTA

Queiroz?

— A aproximação dele com o Grupo Édson

SÉRGIO MACHADO — É.

— Para o senhor, o CIC foi fundamental na eleição de Tasso Jereissati, por todo um processo de construção política feito a partir do controle da entidade? SÉRGIO MACHADO — Não o CIC. As idéias do CIC, sim. O grupo do CIC formava um time líder. O que foi fundamental na decisão não foi o CIC, foram as ideias. PERGUNTA

— Refiro-me ao CIC como entidade que agregou essas idéias. SÉRGIO MACHADO — Nós fomos para a campanha rompendo PERGUNTA

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com tudo que é personagem político. Desde a maneira de fazer a campanha, porque nós usamos na campanha toda a nossa visão de organização, de formulação, de marketing. E fomos romper com tudo o que era tradicional. Foi um confronto do velho com o novo. E as pessoas viviam, naquele momento, como nós vivemos hoje: sem esperanças, sem perspectivas, sem visão, vendo um estado destruído. — Antes da campanha do Tasso, o CIC participou efetivamente da campanha das diretas. Como foi essa experiência? PERGUNTA

SÉRGIO MACHADO — O primeiro comitê civil pró-diretas foi

organizado no Ceará. Então nós juntamos nesse comitê todas as forças democráticas que estavam querendo a eleição direta. PERGUNTA — A iniciativa de instalar o comitê foi do CIC? SÉRGIO MACHADO — Foi nossa. Aí foi feito um discurso,

foi feita uma conscientização, foi feita uma discussão com a imprensa e o movimento instalou-se. Então foi feito um movimento todo de conscientização. Mas, na nossa cabeça, a política ainda era uma coisa distante. Aquele movimento visava ao interesse político, mas porque achávamos que, através das diretas, se chegaria à democracia, e através da democracia, nós teríamos mais chances de desenvolver a região, teríamos mais força no poder. Nós deixaríamos de representar 10% da população e passaríamos a representar 30%. — Então, o primeiro comitê pró-diretas foi iniciativa do CIC? SÉRGIO MACHADO — Não foi do CIC, porque quem fazia o CIC eram as pessoas. E o CIC não era só empresários. PERGUNTA

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Tinham vários intelectuais, professores que faziam parte e participavam desse processo de decisão nossa que, como eu disse, sempre foi coletivo. — Após o movimento das diretas, o CIC abraçou a campanha de eleição de Tancredo. Qual a influência do grupo naquele processo? SÉRGIO MACHADO — O Tancredo, quando saiu do PMDB, formou o PP, antes da eleição de governador de 1982. Aí, o Governo Geisel criou legislação dificultando muito os partidos sobreviverem individualmente. Então o PP se fundiu com o PMDB e o Tancredo voltou para o PMDB. Havia, naquele momento, uma disputa entre Tancredo e Ulysses Guimarães. Tancredo liderava um grupo e Ulysses, outro. Se as diretas-já tivessem sido vitoriosas, o candidato à Presidência teria sido o Ulisses Guimarães. Naquela época, ele teria tido muito mais chance do que o Tancredo. Mas isso não aconteceu. Nessa época, Tancredo era governador de Minas Gerais. Mas a candidatura dele à Presidência da República não tinha sido lançada lá. Então, passamos a ter que escolher o candidato à Presidência para disputar no Colégio Eleitoral. Chegaram à conclusão que, mesmo sendo espúrio o Colégio Eleitoral, valia a pena botar um lenço e tentar mudar. O candidato teria que arregimentar força do lado da situação e ter trânsito livre, naquela época, junto às Forças Armadas para que não fosse vetado. O Ulisses tinha algumas restrições por todo um processo de luta. E o Tancredo circularia melhor. Então, os governadores tiveram uma reunião em São Paulo, no gabinete do Franco Montoro, onde pressionaram o Tancredo para ser candidato. PERGUNTA

— Qual foi a influência do CIC no sentido de pressionar Tancredo? PERGUNTA

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SÉRGIO MACHADO — Foi um processo muito de governadores.

Mesmo o Totó não teve participação importante.

— Ainda no processo de discussão sobre a candidatura do Tasso, que divergências os senhores tinham com o governo de Gonzaga Mota? SÉRGIO MACHADO — Tinham muitas divergências. Tinham divergências sérias como no caso do BEC. PERGUNTA

– Vocês achavam que ele devia chamar o Banco Central para intervir no BEC? SÉRGIO MACHADO — É, e colocar o Fernando Terra para fora. Foi uma discussão muito acirrada naquela hora. Mas, a partir de um certo momento, nós decidimos levar nossas ideias e fazer a candidatura independentemente do Governo. Nós não ficamos dependentes do Governo para fazer a campanha. Todas as ações políticas foram feitas pelo comando da campanha. PERGUNTA

PERGUNTA — O senhor era o coordenador da campanha? SÉRGIO MACHADO — Era. O Totó foi a alguns comícios.

— Isso significa que o Tasso não foi o candidato do Gonzaga Mota? SÉRGIO MACHADO — Foi. O Tasso foi indicado pelo Totó. PERGUNTA

— E como era ser o candidato de um governo e ter divergências com esse governo? SÉRGIO MACHADO — Em primeiro lugar, o Tasso não aceitou a candidatura dele. O Totó convidou o Tasso para ser candidato. Depois, nós decidimos submeter o nome do Tasso ao partido, ao PMDB. Não devia ser um candidato imposto pelo Totó. O candidato devia ser candidato do partido. Então, o PMDB, PERGUNTA

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unânime, indicou o Tasso e ele passou a ser o candidato não do Totó, mas sim do partido. – A candidatura do Tasso foi submetida também ao Sarney? SÉRGIO MACHADO — O Sarney era amigo nosso antes de se pensar em política. Nós tínhamos uma relação, isto durante a candidatura dele a vice-presidente. E o Sarney aqui não pôde apoiar o Tasso porque existia a Frente Democrática da qual o PFL fazia parte. O Sarney, quando foi se candidatar à Presidência, era presidente da Arena. Ele renunciou à Arena e foi fundado o PFL. Ele saiu de presidente da Arena para ser candidato ao vice pelo PFL. Então, o Sarney não podia assumir aqui nenhuma postura, pois fazia parte dessa Frente que englobava o PFL e o PMDB (O adversário político de Tasso Jereissati nas eleições para governador, em 1986, era Adauto Bezerra, do PFL, que tinha apoio dos coronéis César Cals e Virgílio Távora, do PDS). PERGUNTA

— Quais eram as suas observações sobre o governo de Gonzaga Mota? SÉRGIO MACHADO — Na questão do BEC, por exemplo, prevaleceu o interesse do amigo. Havia a questão do clientelismo e que a gente não concordava. Surgiram divergências, e antes do Tasso assumir, tivemos uma briga enorme com ele, porque ele estava tentando antecipar a receita do Estado para pagar uma dívida que nós não concordávamos. PERGUNTA

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CONCLUSÃO

E

mpresários sempre estiveram muito próximos ao poder político e chegaram a se confundir com este em vários momentos da vida pública. Nesse aspecto, a eleição do empresário Tasso Jereissati para o governo do Estado em 1986 não significou o inusitado. O que caracterizou e distinguiu a sua candidatura e a sua eleição, a partir de uma correlação de forças na esfera burguesa do Ceará, foi a introdução de um projeto de reformas que rompeu com a tradição. Entendase por tradicional as práticas políticas comprometidas com o empreguismo, o paternalismo, o clientelismo e outros vícios de uma concepção anacrônica de gestão pública e, também, privada. Algumas das últimas pedras que prepararam o caminho para a vitória do “projeto das mudanças” foram colocadas pelo modelo político anacrônico e debilitado, “pela emergência de um novo Brasil”. A ideia da candidatura de Jereissati partiu do governador Gonzaga Mota, com quem se debateu mesmo em campanha. Mota foi eleito com o apoio do “coronel” Virgílio Távora e, a despeito de ter rompido com ele posteriormente, continuou partidário de uma política conservadora e anti-social. A eleição de Tasso Jereissati – que significou uma opção popular por um projeto “novo” e moderno em detrimento de outro, anacrônico – deve ser analisada numa perspectiva

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ampla e causal. Alguns fatores mais marcantes ajudam na compreensão. Jereissati foi eleito porque: 1. Naquele momento histórico, simbolizava o novo no contexto da política fragilizada do Estado; 2. Sua candidatura conseguiu reunir forças progressistas que desempenharam um papel fundamental na campanha eleitoral; 3. A conjuntura política lhe estava favorável; e, principalmente, 4. Tinha o suporte institucional de uma entidade da qual era membro – o CIC – com credibilidade e legitimidade conquistadas mediante a construção de uma imagem. Na verdade, Jereissati vinha respaldado por um suporte material e espiritual fortalecido e com um feedback positivo junto a diversos estratos sociais. As condições objetivas eram favoráveis à sua ascensão e o apoio da mídia que, mesmo não assumindo publicamente uma candidatura, era-lhe, também, favorável. As relações familiares de Jereissati abriram espaços em jornais como o Diário do Nordeste e TV Verdes Mares, da família Queiroz, com quem ele era vinculado a partir do casamento com uma das herdeiras do poderoso grupo econômico. Esse trabalho procurou mostrar que o CIC e a mídia foram os instrumentos através dos quais os empresários, ou melhor, os jovens empresários e não somente Tasso Jereissati, ampliaram seu raio de ação assumindo o poder político. Destacamos entre eles, o próprio Jereissati, Beni Veras, Sérgio Machado, Assis Machado Neto e Amarílio Macedo. Desses, Macedo foi o único que assumiu uma postura dissidente em relação ao grupo após a eleição de Jereissati. Mas isso não se deu em nível de uma ruptura estrutural, porém de divergências no que diz respeito às formas de consecução do “projeto das mudanças”. Para Macedo, as atitudes dos governantas devem ser dirigidas pelas expectativas da população e não pelo grupo

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que ajudou na eleição. Ele refere-se, obviamente, ao CIC insinuando uma ascendência da instituição sobre o Governo. Isso ratifica o ponto de vista de que o CIC (os jovens empresários) ascendeu ao poder, em 1986, não obstante as negativas de Jereissati e Sérgio Machado. Atribui-se como maior mérito dos jovens empresários que assumiram o CIC em 1978 a quebra do silêncio sobre temas considerados tabus na retórica do empresariado tradicional, tais como a pobreza – que era o ponto nevrálgico do governo dos “coronéis”—, a política centralizadora do Governo Federal, temáticas regionais e, de uma certa forma, a abertura democrática. Através do CIC, os jovens empresários se projetaram como defensores da região, do Estado e dos interesses nacionais e como lideranças emergentes. Toda essa articulação com o público externo era mediada pelos meios de comunicação de massa, especialmente os jornais – na verdade parceiros de uma mesma cruzada, uma vez que existia a convergência da modernidade. Na verdade, também na imprensa setores burgueses progressistas abriram mais espaço ao CIC. Outros, conservadores, foram discretos e até reticentes. A conquista da hegemonia e a construção do perfil progressista dos jovens empresários do CIC foi uma árdua tarefa que durou exatamente oito anos. Árdua porque um processo insistente e determinado como se já previssem, desde o início da gestão de Beni Veras, que acabariam numa disputa político-eleitoral que, sobretudo, seria decidida pela clarificação de dois pólos bem distintos. Mas uma tarefa relativamente facilitada pela conjuntura político-econômica e social do Estado, da região e do País que lhes foi favorável e que também lhes permitiu levantar bandeiras como a da justiça social, da democratização, das

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diretas-já e da eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República. “Tínhamos a mensagem que a população queria ouvir”, afirma, corretamente, Beni Veras. Os jovens empresários do CIC foram emblemáticos dos novos ares que sopravam no País, como a distensão iniciada no Governo Ernesto Geisel, e do efeito asfixiante do sistema político-econômico do Estado, então há mais de duas décadas nas mãos dos “coronéis”. No que dizia respeito ao Estado, os jovens empresários souberam capitalizar, em benefício de sua auto-imagem, as fragilidades do sistema “coronelista”, caracterizado pela ausência do Estado quanto às demandas sociais até porque, através da miséria, os “coronéis” asseguravam seu cetro paternalista e prolongavam, assim, sua sobrevivência nos tempos modernos. No final da década de 70, a concentração de renda no Ceará – dado indicador de miséria – traduzia-se em índices com mais de 78% da população enquadrada em estratos populacionais de renda baixa, segundo um estudo realizado no Governo Waldemar Alcântara (1978-79). Alguns setores tradicionais da economia do Estado extinguiram-se nessa época ou entraram em processo irreversível de decadência, apesar de muitos terem vivido anos pródigos graças a uma relação incestuosa com o Governo Federal e às relações semifeudais com a remuneração do trabalho. Tasso Jereissati cita como exemplo de empresas geradas nesse contexto as indústrias de moinho de trigo, de distribuição de gás liquefeito de petróleo e da água mineral. A título de curiosidade, todos os três exemplos ilustram ramos de atividades de seus desafetos públicos mais notórios. No primeiro caso, pode-se incluir o empresário Amarílio Macedo, ex-companheiro dos tempos do CIC e o primeiro a romper com o isolamento do grupo liderado por Jereissati. Nos outros dois casos, revela-se

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a briga intestina entre ele e a família da sua esposa, herdeira do Grupo Édson Queiroz, que tem entre suas principais atividades a distribuição de gás e o negócio da água mineral. No tocante a questões nacionais, os jovens empresários apresentaram-se como defensores intransigentes da democratização. A campanha das diretas-já, um movimento político de dimensão nacional, encontrou nos jovens do CIC os aliados que instituíram no Estado o primeiro comitê pró-diretas do Brasil, embora esse tenha sido um movimento que ganhou peso seguindo a trajetória Sul/Norte. As manifestações pró-Tancredo com a participação do CIC, tendo à frente os jovens empresários, foram uma consequência. Esse evento, assim como muitos outros, os projetou, inapelavelmente, no Ceará e para lá das fronteiras, como uma elite progressista, cuja capacidade de liderança poderia muito bem transcender os limites de uma entidade de classe e de movimentos políticos. Por que não ingressar na política partidária? Essa indagação, por ocasião da sucessão do governador Gonzaga Mota, em 1986, era latente no imaginário dos jovens empresários, e a sua resposta veio como solução a uma outra questão: Por que não disputar o controle da máquina governamental? Concorrer a um cargo eletivo, em 1986, não estava nos planos. Se um representante dos jovens empresários não tivesse disputado e sido eleito naquelas eleições, certamente outra oportunidade teria aparecido, dado o esfacelamento e o enfraquecimento dos “coronéis” em suas bases políticas tradicionais. Mas é provável que não se repetisse uma conjugação de forças e fatores tão harmoniosamente sintonizados que conspirassem a seu favor, como em 1986. Suponho que a expressão ‘representante dos jovens empresários’, referindo-se a Tasso Jereissati, suscite divergências

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e os desagrade. Eles se pretendem novos representantes da sociedade. Essa observação é pertinente na medida em que Jereissati foi eleito pelo voto popular nas primeiras eleições realmente livres em 24 anos. Mas ele era, em primeiro lugar, o expoente da jovem geração empresarial, com uma concepção mais avançada, “adquirida nos bancos das universidades” , sobre a dinâmica da sociedade, sobre as relações sociais e, notadamente, sobre o papel do empresário moderno. Os jovens empresários conquistaram espaço público e assumiram o “discurso competente”(entenda-se ideológico); a retórica cujas mensagens iam ao encontro do imaginário das massas; bradaram frases de impacto; assumiram posturas dissidentes tudo isso amplificado com o apoio da mídia local. A mídia impressa, especificamente, acompanhou pari passu a trajetória do CIC nas mãos dos jovens empresários, até a eleição de Tasso Jereissati, o período em estudo. Eventos como o seminário “O Nordeste do Brasil: Avaliação e Perspectivas”, realizado na gestão de Amarílio Macedo (1980-81) e o encontro com os governadores do Nordeste e de Minas Gerais, acontecido no mandato de Tasso Jereissati (1981-83), entre outros, tiveram ampla repercussão nos jornais do Ceará. O jornal O Povo figurava entre os maiores entusiastas das ideias do CIC. A repercussão na imprensa nacional ficava especialmente por conta da cobertura vasta dada pelo Jornal do Brasil, um aliado desde o início da empreitada dos jovens empresários à frente do CIC. A animação na mídia motivou o ex-presidente da FIEC, José Flávio Costa Lima, a afirmar que o CIC “virou negócio de imprensa”. Os discursos de posse dos jovens empresários na presidência do CIC eram publicados na íntegra nos jornais e as manchetes destacavam frases impactantes, preferencialmente relativas à defesa da justiça social. Vale ressaltar que, mesmo naquela época, a publicação de discursos na íntegra não era uma prá-

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tica corriqueira, exceção feita ao CIC, e não havia nenhum indicativo de que se tratava de espaço pago, como cercadura ou mesmo a tarja com a inscrição informe publicitário, ou ineditorial. Os jovens empresários defendiam o que chamavam de “capitalismo humanitário. Segundo suas próprias definições, aquele que pleiteava a liberdade para o desenvolvimento do mercado, a intervenção reguladora do Estado na perspectiva do bem-estar social. Esse conceito continha elementos da doutrina social-democrata. Social-democracia foi a expressão posteriormente adotada pelos jovens empresários, que terminaram por ser fundadores do PSDB no Ceará. Cientistas políticos de esquerda, como Francisco Weffort, não acreditam na viabilidade de um regime social-democrata no Brasil, uma vez que o pressuposto, segundo Weffort, é uma sociedade homogeneizada e integrada ou em via de integração, para que se dê a redistribuição de benefícios. Tais pressupostos são antagônicos à realidade do Brasil. Daí que não existem as condições objetivas, na sua avaliação. O “governo das mudanças” está no poder há mais de seis anos iniciado com Tasso Jereissati, em 1987. Mesmo defensor da social-democracia, tem enfrentado uma crosta dura na concentração de renda, analfabetismo, desemprego, e saúde, a despeito de ter equilibrado as finanças do governo do Ceará, que se tornaram superavitárias em relação aos custos operacionais e de pessoal. Dados levantados pelo Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea e de outros órgãos do Governo evidenciam que a solidez financeira do Estado não encontrou contrapartida nos indicadores sociais. Até agosto de 1991, um ano após o fim do governo Tasso, 544 mil 730 pessoas habitavam em 355 favelas. Até 1989, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) atendia apenas a 39,3% das residências, a

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maioria na capital. Estes dados reforçam a tese de Weffort e transformam as ideias de social-democracia, mantido aquele status quo, num ato retórico. A concentração de renda no Ceará foi o item mais agravado. Quando José Sarney assumiu a Presidência da República, em 1986, e decretou o Plano Cruzado, houve uma tendência nacional à desconcentração de renda. O Ceará foi na contramão. A faixa que ganhava entre meio e dois salários mínimos mensais cresceu de 80,3% para 82,4%, num período que coincidiu com o início da administração do governador Tasso Jereissati. Como pode-se observar, o CIC foi o instrumento de construção política que possibilitou os jovens empresários afirmarem-se como lideranças e apresentarem um projeto burguês alternativo mais condizente com as necessidades e exigências dos tempos modernos. Jereissati não ganhou a eleição sozinho ou por mérito próprio, embora seja discutível se outro membro do CIC teria conseguido, naquele momento, arregimentar forças políticas para assegurar a vitória. A propósito daquelas eleições, aplica-se uma máxima do taylorismo: os jovens empresários estavam no lugar certo, com a mensagem certa, na hora certa. O resultado das urnas ratificou que aquela era, também, a hora certa de mudar. E a mudança implicou principalmente numa operação simbólica, (*) Tasso Jereissati se elegeu governador do Ceará em 1986;

presidente nacional do PSDB em 1991 e governador por dois mandatos consecutivos (1995-1998 e 1999-2002) Beni Veras se elegeu senador da República em 1990 e vice-governador para o mandato 1999-2002 Sérgio Machado se elegeu deputado federal em 1990 e senador para o mandato de 1995-2002 Assis Machado Neto disputou e perdeu a eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 1992

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que tem na mídia um papel estratégico. Nos últimos seis anos, o universo de influência daqueles jovens empresários tornou-se mais abrangente. Não só Tasso Jereissati, como Beni Veras, Sérgio Machado e Assis Machado Neto ingressaram na política partidária, disputando mandatos eleitorais. (*) Os horizontes dos jovens empresários se ampliaram numa perspectiva nacional. Eles se preparam para outros saltos qualitativos donde não se descarta a Presidência da República. Para isso existe muito marketing que conta com a parceria dos pesos-pesados da imprensa nacional. Todavia, a instituição abrigo das promoções não é mais o CIC e, sim, o Governo do Estado. A publicidade não é calcada exclusivamente em “boas ideias”, mas em cima de gestos concretos e da retórica da “administração das mudanças”, cujo slogan informal é: “Não roubar e não deixar roubar”.

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POSFÁCIO DA INEVITABILIDADE DAS COISAS — O FIM DA ERA TASSO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES “‘O senhor destruiu as oligarquias. O que é que o senhor está construindo em termo de política, de conscientizar o povo?’ Porque amanhã ele desaparece e quem é que fica? Qual é o outro líder do partido? Na medida em que se fecharam e na medida em que o povo ainda não está conscientizado que deve ter uma participação política, o governo dos jovens empresários está, mais ou menos, marcando passo” José Flávio Costa Lima à autora, narrando um diálogo com o governador Tasso Jereissati em seu primeiro mandato (1987-1990)

E

m 2002, com o fim do terceiro mandato do governador Tasso Jereissati, encerra-se o que se convencionou chamar de ‘era Tasso’. A era Tasso foi um ciclo — curioso pela pontuação que marca o seu início e fim. Como novo representante da classe burguesa no poder, Jereissati inaugurou uma fase que colocou o Ceará em patamar de grande visibilidade econômica e política. Após três mandatos não consecutivos, ele encerra esse ciclo dando margem para insinuações sobre seu monopólio político no Ceará, algo Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 189


como um “neo-coronelismo”. Uma ironia, se considerarmos que Jereissati se elegeu sobre o primeiro argumento de acabar com a hegemonia dos coronéis. A aproximação do fim da era Tasso é o que me motiva a reeditar este livro. Esta reedição não implica revisão ou acréscimos. Escrito em 1992, na primeira metade da gestão Ciro Gomes (1991-1994), o livro repercutiu entre os formadores de opinião, estudiosos e curiosos do assunto em parte pela originalidade da abordagem, mas também pelo momento histórico: o auge do chamado “governo das mudanças”. Os momentos finais da era Tasso estimulam reflexões sobre essa espécie de reinado que, para os críticos mais ardorosos, durou tempo demais. E, ao fazê-las, é importante não perder de vista a dimensão nacional, considerando que Tasso Jereissati se forjou na política, desde os tempos do CIC, sob o espectro do cenário nacional. Vide as bandeiras das diretas-já, do movimento pró-Tancredo e da democratização que agitaram os encontros do CIC entre 1978 e 1986. A quase simultaneidade entre o acontecimento dos fatos e a versão deles embute, para quem os narra, o risco da precipitação de análises. Por isso, e pela delimitação temporal entre 1978 e 1986 a qual foi submetido, este trabalho não se prestou a análises sobre os primeiros anos do novo governo pós-oligarquias tradicionais. Teve como propósito reconstruir alguns cenários e os motivos que levaram ao podium a entidade que foi a gênese de um movimento político-burguês, cujos protagonistas, mais identificados com os tempos modernos, traçaram as linhas da história contemporânea do Ceará. Mas é preciso situá-los em algum lugar dessa história longe do extremismo maniqueísta que domina as mentes excessivamente fechadas e oportunistas da nossa elite política. Passados nove anos do lançamento da primeria edição, sinto-me à vontade para revelar preocupações que me to-

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mam quando debruçada sobre a linha da história que liga o período do CIC em que atuaram os “jovens empresários” e o fim da era Tasso. Trata-se de observações de quem, pela profissão, conviveu mais perto desses personagens e, desde então, nutre interesse particular na trejetória política do grupo que emergiu do CIC. Não são, portanto, análises fundamentadas pelo viés sociológico, mas partindo do princípio que norteia o trabalho jornalísitco — a observação. *** O início da era Tasso é marcado por conceitos que rompem com as denotações de anacronismo e tradicionalismo. Em substituição, dissemina seus antônimos, como novo e moderno. Probidade na gestão dos bens públicos, eficiência da máquina administrativa, desenvolvimento econômico e social são alguns deles. O primeiro “governo das mudanças” representou um corte — não estrutural, mas conceitual radical —com as práticas e vícios da política que se praticava no Ceará sob a égide do coronelismo. Na verdade, o anticoronelismo foi uma das mais contundentes bandeiras levantadas pelos jovens empresários liderados por Jereissati. Antes de qualquer ponderação, é preciso renomear os personagens dessa história. Já não podem ser chamados de jovens empresários. Não só pela impossibilidade da faixa etária que atingiram — cruzaram a casa dos 50 —, mas também porque tornaram-se políticos profissionais. Entenda-se por essa expressão que não são nem iniciantes, tampouco amadores nessa arte. A partir do ingresso deles na disputa política, a entidade que passa a abrigar seus passos deixa de ser o CIC e passa a ser a instituição Governo do Estado, sob o abrigo de um partido político. O primeiro foi o PMDB. Mas ainda no final da década de 80 fundam o PSDB. Do Ceará,

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tornam-se os principais representantes nacionais. Nesse momento, quando se começa a vislumbrar a sucessão do governador Tasso Jereissati, toma-me a mesma preocupação que, há mais de uma década, incomodava o industrial José Flávio Costa Lima, o homem que atraiu os jovens empresários para o CIC. Costa Lima tinha razão. No entorno político deles não se projetaram novas lideranças comprometidas com os ideais éticos e sociais que nortearam os discursos daqueles jovens empresários. O que se passou dentro do PSDB nos últimos anos é emblemático. Na busca pela hegemonia política, o partido dos tucanos embarcou num pragmatismo que privilegiou a quantidade em vez da qualidade: o tamanho das bases e bancadas em detrimento da seletividade. O PSDB no Ceará tentou se massificar não pela base da militância — ao contrário, essa não se sentiu convidada a se aproximar —, mas pelas castas das esferas executivas e legislativas. As porteiras do PSDB foram abertas. Entrou quem quis. A depuração seria um ato posterior, na avaliação de alguns eminentes quadros do partido. Mas ela não veio. A faxina ética e moral que os jovens empresários propuseram à sociedade antes e durante a campanha de 1986 — quando, por exemplo, associavam a imagem do coronelismo à miséria e aos desmandos espraiados no Estado —, foi deixada de lado dentro do PSDB. Há inúmeros escândalos que provam isso. Os do Fundef, os desvios da verba da merenda escolar, o desmonte das prefeituras e rumores de favorecimento que depõem contra a postura de vários tucanos. Não implica dizer que Jereissati tenha se envolvido, pessoalmente, com desmandos administrativos. Mas a omisão é uma forma de errar. O nível intelectual e ético dos quadros que compõem o PSDB é, sem dúvida, um dilema que pesa na hora de escolher nomes para as disputas a cargos executivos no Ceará

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— Prefeitura e Governo do Estado. Ainda que não pesasse na cabeça de Tasso Jereissati e Beni Veras, as principais referências tucanas no Ceará, ainda assim pesaria entre os que compõem a esfera mais politizada da sociedade. O PSDB está no foco das atenções no Ceará quando o assunto é ética. A cobrança que recai sobre os membros desse partido talvez seja bem maior em relação a outros. E o motivo remete aos primódios do CIC, às bandeiras pela probidade na gestão da coisa pública, no tempo em que não haviam sido banalizadas como retórica (discurso vazio). Hoje à frente do poder no Estado, eles são vitrine porque um dia jogaram muita pedra na vidraça dos seus antecessores políticos e, graças a isso, legitimaram-se junto aos formadores de opinião a partir de Fortaleza. A cúpula do PSDB no Ceará é ambigua. Pretendem-se os arautos da correção e moralidade, mas convivem no mesmo ninho com parceiros que são excrescências do que há de pior na política brasileira e, frente aos desmandos cometidos por esses, se fecham à sociedade num silêncio insinuador de desrespeito e tolerância para com os malfeitores. A casta inferior do partido não tem acesso fácil à casta superior do Governo onde encontram-se Jereissati e Assis Machado Neto, por exemplo. No caso dos prefeitos, a relação de interdependência é alimentada e gerenciada pelo viés pragmático, uma espécie de lógica da sobrevivência no poder. Bem ao estilo dos coronéis. No final da década de 70, quando os jovens empresários do CIC começam a se inserir no cenário político, as bases de sustentação do coronelismo no Ceará já davam sinais claros de ruína. Naquele momento, o stablishment era vítima de uma estratégia do Governo Federal para o desenvolvimento nacional integrado. Projetos como o da Sudente e Dnocs, que levavam aos estados nordestinos alguma fonte de beneficiamento para a população, subtraíam dos coronéis a

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fonte do seu poder. A força deles, originalmente, estava em centralizar os mecanismos de concessão de benfeitorias pessoais e/ou coletivas ao povo. Por essa razão é que em meio ao fim iminente do coronelismo, os jovens empresários se beneficiaram da conjuntura favorável e tinham o discurso apropriado para a ocasião certa. Se a destituição dos coronéis do poder era uma questão de tempo, os jovens empresários anteciparam a queda deles. Esse processo se deu a partir de uma estratégia que visava, como afirma Beni Veras na entrevista em anexo, convencer a sociedade a aderir às teses de modernização e moralização. Além da convergência nesses aspectos, produzindo fatos, fizeram da mídia uma aliada estratégica num tipo de “pacto pelo progresso do Ceará”. Pelo menos em tese, tendo em vista que um dos primeiros atos administrativos do novo governo desagradou e deixou em situação crítica várias empresas de comunicação do Estado, que subexistiam graças à fartura que minava dos cofres públicos — quase uma sangria. Aquele perfil agregador e crítico do passado, a meu ver, é o que hoje, subjetivamente e ironicamente, alimenta a rejeição aos representantes do Cambeba, especialmente em Fortaleza, o centro político do Estado. No CIC, eles atraíram aliados das mais diversas origens — fossem líderes empresariais, militância juvenil, artistas e lidreranças políticas de esquerda que já vislumbravam a necessidade de mudanças e estavam à procura de líderes que tivessem os mesmos ideais. Os jovens empresários assim se apresentaram àquelas pessoas. Foi a força resultante dessa coalizão que, a partir da Capital, penetrou nos currais do interior que estavam sob o domínio da tríade coronelista. Aquela não foi uma campanha de aliciamento eleitoral, do toma-lá-dá-cá. Foi uma campanha de ideais e uma aposta nas promessas a partir do binômio mudanças e participação. A

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origem burguesa daqueles empresários não era desconhecida da população que os apoiou. O senso de oportunidade de mudar foi primordial para atrair adesões como a dos partidos de esquerda. Em plena distensão do regime militar, onde os rótulos políticos estavam em evidência máxima, o mais importante parecia ser não a origem do grupo — se proletária ou burguesa —, mas os ideais sócio-políticos que defendiam. Só assim, a meu ver, se explicaria a adesão de militantes e líderes de esquerda, como o PCdoB, à candidatura de Tasso Jereissati. O empenho dessa militância tornava-se tão mais importante à medida que a campanha se afastava do perímetro da capital. Pois era no interior que as fortes porteiras dos currais eleitorais precisavam ser derrubadas. O que se passou após a eleição de Tasso Jereissati ao governo em 1986 foi a negação de uma postura aberta e participativa que durante oito anos foi cultivada pelos jovens empresários à frente do CIC. Como afirmou o então deputado Sérgio Machado em entrevista à autora, à época 100% alinhado ao Cambeba, “o que sempre caracterizou o CIC foi a discussão de ideias conflitantes”. A centralização do poder, uma das mais ácidas críticas dirigidas aos representantes do Cambeba, era condenada pelos jovens empresários porque consideravam que “a concentração gerava o privilégio e a discriminação”. Mas foi exatamente isso que se deu a partir da posse de Jereissati. A condução do afastamento e a proposta para dissolução do grupo civil que trabalhou para a eleição do governador — o movimento Pró-Mudanças — deixou sequelas profundas e não saradas até hoje, apesar de passados 14 anos. Ali estava, como foi dito, a nata dos formadores de opinião, os mesmos que, desde então, de aliados passaram a adversários incondicionais do Cambeba. Massificou-se como explicação para a alta rejeição do

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Cambeba em Fortaleza a insatisfação do funcionalismo público estadual, com uma das primeiras e mais notórias medidas de moralização adotadas por Jereissati — o corte dos 40 mil contracheques de funcionários que percebiam mais de um vencimento sem trabalhar. Já houve quem calculasse o tamanho do vespeiro onde o governador recém-eleito colocara as mãos. A partir do número de contracheques cortados, chegou-se a 200 mil pessoas que teriam passado a ver em Jereissati um inimigo eterno. Com isso, explicar-se-ia, por exemplo, as sucessivas derrotas do PSDB para a Prefeitura de Fortaleza (1992/1996/2000). Em 1994 – na disputa pelo Governo do Estado — a vingança foi ainda mais pessoal, apesar do resultado final. Reeleito para seu segundo mandato, Tasso Jereissati amargou a derrota nas urnas de Fortaleza para o Juraci Magalhães. Apesar do peso incontestável da malquerença e do clima de insatisfação com os representantes do Cambeba que se gerou dentro do funcionalismo estadual, responsabilizá-los pelos altos índices de rejeição do Cambeba é conferir a esse fato peso maior do que, a meu ver, de fato tem. Sobretudo, trata-se de minimizar e subestimar as consequências de uma mudança de postura que, na prática, negou a teoria participativa que os jovens empresários defendiam. Essa tese ganha reforço se considerarmos que também na esfera municipal – onde o grupo adversário do Cambeba está no poder há 11 anos – a centralização político-administrativa é uma marca forte. A diferença essencial é de estilo. O governador Tasso Jereissati não corrompe seu estilo aristocrático e olimpiano para degustar buchada de bode com caldo de cana nas esquinas da periferia de Fortaleza. O vice-governador Beni Veras, apesar de grande apreciador da cozinha regional, também não faz de suas preferências gastronômicas um mote eleitoral.

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A rejeição ao Cambeba mostra-se como um sentimento que não existia a priori — até a eleição de Jereissati ou, se preferirem, até que deixasse o mundo empresarial e ingressasse, sob imersão, na profissionalização política. A rejeição mostra-se, portanto, como um sentimento político que foi sendo construído a partir de um marco zero. E esse marco, na minha opinião, foi o fato do governo dos jovens empresários ter dado as costas à sociedade, contrariando a retórica dos tempos de militantes do CIC. *** Numa trajetória inversa, quanto mais se consolidava a rejeição ao grupo do Cambeba em Fortaleza, mais abriam-se-lhe as portas da política nacional. Como se sabe, seria Tasso Jereissati e não Fernando Henrique Cardoso o nome da vez para disputar a campanha presidencial de 1994. Numa reunião em que estavam FHC, Tasso, Ciro Gomes e Mário Covas, Jereissati cedeu o seu lugar ao então Ministro da Fazenda de Itamar Franco. Naquela campanha, o “case” Ceará foi generosamente usado para ilustrar o que seria o jeito tucano de governar. Uma mídia que o Ceará ganhou de graça após investimentos milionários em marketing institucional em todo o País. O Ceará de Tasso, mas também de Ciro Gomes, é uma referência nacional, numa sinalização clara de que as rusgas da opinião pública com o estilo hermético do Cambeba não ultrapassaram as nossas fronteiras. A imagem pública dos dois presidenciáveis corta críticas como aquela na transversal. Sobre Tasso e Ciro, dois atributos se consolidaram no imaginário nacional: um de natureza pessoal, o outro, institucional. No primeiro caso, refere-se à imagem de homens probos. No segundo, a moralidade na gestão pública e o desenvolvimento do Ceará. Para este último tópico converge grande parte das críticas que põem em xeque o desempenho do “governo das mudanças”.

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Para um grupo de empresários com preocupações sociais, a social-democracia livrava-os do contraditório, uma vez que se trata de um sistema em que, em tese, o estado é o regulador das desigualdades geradas a partir das forças livres do mercado. Se da teoria à prática segue-se uma longa distância, a traição dos números é o caminho mais rápido por onde seguem as críticas aos representantes da social-democracia do Ceará. A concentração de renda no Estado — Fortaleza é primeira no ranking nacional, segundo o IBGE — é um dado que, no mínimo, levanta uma dúvida: por que os índices sociais não acompanharam os índices econômicos? Quando governador, Ciro Gomes rebatia esses questionamentos com o argumento da melhoria das políticas públicas. Naquela época, 1991 a 1994, o governo recrudesceu na multiplicação dos agentes de saúde e lançou uma campanha de revolução na educação — boa no mérito, mas ruim na sua condução. Talvez uma resposta possível para aquela indagação venha do sociólogo Francisco Weffort. Não existe social-democracia num mundo de excluídos. O beneficiamento do sistema só é possível de se dar estando os indivíduos integrados à sociedade, ou seja, com as prerrogativas básicas de cidadania asseguradas. Por estar integrado, entendo ser necessário que a pessoa exista oficialmente (tenha certidão de nascimento), tenha um endereço fixo, um emprego, comida na mesa e oportunidade de frequentar a escola. A partir daí, passa a ser sujeito na construção da sua própria cidadania. Bem se vê que no Brasil — o Ceará é uma repetição regional - os excluídos formam uma massa sem identidade, sem endereço; como diriam os americanos, sem social security — o documento de identidade que é o raio-x da vida dos cidadãos de lá. Faz sentido. É impossível integrar à sociedade pessoas que vivem em condições assemelhadas às de bichos selva-

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gens. A dificuldade provém dos dois fatores. Tanto é difícil integrar-lhes pelas limitações de toda ordem as quais lhes foram impostas, como o é para a sociedade conviver com eles — profissionalmente, culturalmente etc. Na constatação dessas dificuldades de convivência, não há mesura de culpa. A responsabilidade aparece e recai sobre nós quando centramos nossa atenção sobre nossos direitos e esquecemos que entre os nossos deveres está o da responsabilidade social. Quanto ao governo dos social-democratas do Ceará, o contraponto é que, ao contrário da tese, o Estado foi bem sucedido na fomentação do desenvolvimento econômico, mas não foi bem-sucedido em levar os benefícios daí gerados às extremidades do tecido social. Não na mesma proporção. O dado da concentração de renda é gravíssimo, assim como o é o da corrupção Ambos imbricam-se nos índices de miséria. O custo econômico e social da corrupção é objeto de pesquisa e de preocupação de organismos internacionais que lidam diretamente com a questão da pobreza. É o caso do Banco Mundial. Estudos recentes mostram que, tal qual a inflação, a corrupção tem resultado devastador na economia e nas faixas mais pobres da população. No segundo caso, porque desvia parte do dinheiro destinado aos mais desvalidos. No primeiro, entre outras coisas, porque a corrupção freia a economia. Um estudo feito por Cheryl Gray, diretora do setor de redução de pobreza do Banco Mundial, mostra que, entre 1989 e 1998, os países que apresentaram maior queda no PIB, ou seja, onde a economia encolheu, foram aqueles campeões mundiais de corrupção. Ainda segundo o Banco Mundial, o combate à corrupção pode reduzir em até 54% a desigualdade na distribuição de renda. No ranking global de honestidade, a Filândia ocupa a primeira posição. O Brasil, a 46ª. Quanto ao ranking interno no País, não sei se existe. Mas são emblemáticos dados como o de Fortaleza

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ter a maior frota de veículos importados do País. Ou um dos mais aquecidos mercados imobiliários. Ou ainda, num círculo nem tão vasto de “autoridades”, inúmeras suspeitas de má conduta e enriquecimento ilícito. O combate à corrupção é uma questão de Estado. A educação formal e cidadã é cada vez mais uma importante aliada na erradicação da miséria, assim como no combate à corrupção de uma forma endógena e consciente. Mas até o povo atingir esse nível de consciência, cabe às elites, onde incluem-se as autoridades, imprimir aos corruptos todo o rigor da lei. Este “intervalo” sobre corrupção é para mostrar que, por uma ou outra falha, o governo social-democrata do Ceará termina um ciclo sem cumprir uma de suas principais metas: a redução da pobreza. As políticas públicas, cada vez mais, merecem atenção especial. O que se percebe é que não basta eleger prioridades sociais ou metas. A operacionalização, a metodologia, ou como fazer chegar o benefício a quem de fato mais precisa, tem que estar no cerne das discussões. Isso só é possível a partir de um diálogo permanente entre governos e comunidades para a elaboração dessas políticas e, se necessário, correção de rumos. Um exemplo bem-sucedido e estreado pelas administrações petistas é o do orçamento participativo, onde a comunidade diz quais projetos lhe trariam mais qualidade de vida. Por fim, acho importante dizer que, se por um lado a Era Tasso é um ciclo que se fecha na história do Ceará, por outro, um novo ciclo pode-se iniciar brevemente com ele num contexto bem mais amplo. Uma vez lembrado como candidato a Presidente da República, a ida de Tasso Jereissati para o plano nacional pode ser uma questão de tempo. A imagem de probidade que lhe cerca nacionalmente, e a boa aceitação que tem entre o empresariado nacional, tornam-no

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privilegiado num contexto onde poucos políticos espelham a mesma imagem. Desta vez, para chegar ao poder, a adesão das esquerdas seria prescindível. Apenas conferiria à sua candidatura mais legitimidade. Mas isso é quase impossível. Quanto a Ciro Gomes, presidenciável declarado há algum tempo, não haveria nenhum empecilho. Os interesses seriam acomodados internamente, silenciosamente. Silêncio esse que, aliás, resguarda o sólido pacto informal que une esses dois importantes e controversos personagens da política cearense. I.M. Fortaleza, 2002

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ANEXOSII (DISCURSOS) DISCURSO DE POSSE DE BENI VERAS NA PRESIDÊNCIA DO CIC EM 8 DE MARÇO DE 1978 Prezados companheiros,

A

FIEC, algum tempo atrás, concluiu que deveria buscar uma maneira de integrar a seus quadros um grande número de empresários, que, por razões diversas, estavam à margem de suas atividades. Tornando eletiva esta preocupação, fomos convocados a assumir o Centro Industrial do Ceará e procurar, através dele, desenvolver um trabalho que pudesse colaborar para o desenvolvimento de nosso Estado, de nosso meio industrial e de nós mesmos. Esta abertura dada pela FIEC é bastante reveladora de sua compreensão da necessidade cada vez maior de que os órgãos de classe aumentem em representatividade, assim como do descortíno de seu presidente, Dr. José Flávio Costa Lima, que, a partir de seus propósitos renovadores, resolve investir a longo prazo no desenvolvimento de nossa mentalidade empresarial. Ao lembrarmos da necessidade de representatividade de nossos órgãos de classe, temos em vista a condição atual de nossa sociedade que, após 13 anos de profundas mudanças e ajustamentos, apresenta uma face bem mais moderna e funcional, mas ainda há braços com problemas de grande

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envergadura que pedem a participação de todos para sua superação. Nosso mercado consumidor ainda é pequeno, pobre e desigual, incapaz de sustentar o desenvolvimento de grandes indústrias de bens de consumo, de que é prova o impasse em que sempre se encontrou e ainda se encontra nossa indústria têxtil. Em qualquer de nossas empresas a diferença entre a base e o topo da pirâmide salarial vai de 40 a mais vezes. Não que uns ganhem demais, mas sim a grande massa, por razões diversas, não foi capaz de influir adequadamente em nossa política econômica. Desta forma, o capitalismo brasileiro de que somos parte, que experimentou grande euforia quando do achatamento salarial de meados da década anterior, paga hoje altos juros pelo não desenvolvimento de nosso mercado interno. Ao mesmo tempo, o processo de modernização de nossa sociedade, apoiado pelas classes empresariais desde o seu princípio, gerou uma forte burocracia que, a partir do crescente poder de estado e escudada em planos de desenvolvimento, adquiria uma enorme força, antes mesmo que se desnudasse de seus preconceitos, muitas vezes enxergando pecado no lucro e corrupção no sucesso. Com recursos públicos não vinculados a lucro e de difícil avaliação em termos de resultado social, torna-se fácil vencer o concurso da iniciativa privada, que quando falha é facilmente penalizada pelo mercado. Se, por um lado, o planejamento estatal tem ajudado a tornar nosso desenvolvimento mais previsível, tem também colocado nas mãos dos organismos estatais ou paraestatais os destinos de toda a iniciativa empresarial. Tendo-se um mercado contido pela baixa renda da maioria da população, e os recursos atrelados a uma série infinita de órgãos governamentais, como esperar que os empresários possam sobreviver no livre jogo das iniciativas? Este quadro de força limita o desenvolvimento de nosso capitalismo, e priva a sua criatividade. O talento de buscar recursos passa a preponderar

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sobre a criatividade e a busca de oportunidades. Um grande número de boas iniciativas em negócios tem fracassado quando busca apoio em órgãos governamentais. Há casos de empresas montadas com base em legislação consagrada que fenecem quando a legislação é alterada. Bons projetos montados em nosso Estado têm pago altíssimo tributo quando os cronogramas de fontes de recursos aprovados por órgãos de desenvolvimento sofreram grandes atrasos levando estas empresas aos braços de rede bancária, empreendendo a partir daí uma viagem fantástica, via de regra sem retorno, pois a juros de até 60% nenhum empreendimento no Ceará, e talvez no Brasil, é viável. Se somarmos o controle do Estado sobre as fontes básicas de financiamento à estreiteza do mercado interno e ao poder da tecnocracia para definir nossos destinos, veremos que o outro lado desta equação será um capitalismo emasculado em que o empresário, que por definição seria altivo, cheio de segurança e iniciativa, recebe um constante convite a ser maneiroso, conservador e oportunista. Tudo isso marca nosso ambiente empresarial. O contingenciamento e os preconceitos tornam difícil o diálogo, pois estamos todos na condição de satélites do poder público. Nossa condição de capitalista, entretanto, nos liga a uma longa história. O início da revolução industrial, a par do grande progresso experimentado pela humanidade, é também lembrado pelas longas jornadas de trabalho, pela exploração do trabalho do mentor, e pelo capitalismo alheio à sociedade. A afirmação de que toda propriedade é um roubo refletia a sensação de que a humanidade havia descoberto um novo algoz. Os Krupp’s com suas fábricas altamente produtivas aos regimes autocratas, os Rotchilds fabricando e financiando guerras, os Rockfeller utilizando a Bíblia para conseguir e justificar monopólios são lembranças ainda presentes no subconsciente de

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nossa sociedade. Nosso século, entretanto, impôs profundas mudanças ao capitalismo e de tal forma consistentes, que ele hoje é suporte de algumas das sociedades mais justas de todos os tempos. Até o sonho igualitário de Marx, quando posto à prova, buscando a igualdade econômica e liberdade política, somente foi capaz de gerar sociedades injustas e carentes de qualquer vislumbre de liberdade. Sendo o capitalismo capaz de responder ao desafio de nossos tempos, sobra legitimidade ao empresário para influir na formulação do pacto social que deve embasar nossa sociedade. Lastima-se apenas que a proliferação das sociedades empresariais, às vezes atendendo apenas a interesses menores, além do alheamento de alguns grandes nomes, não tinham permitido às nossas organizações deterem a expressividade que têm as de outros países. Mas, mesmo assim, é fora de dúvida que o empresariado tem muito o que dar a nossa terra, com sua criatividade e autoconfiança, pois do sucesso de nosso capitalismo depende em grande parte a qualidade do novo Brasil que se está. Se padecemos de grandes desigualdades, padecemos também de sermos uma nação ainda pobre como um todo, a merecer o trabalho de todos. Ao assumirmos o CIC temos perfeita consciência das grandes limitações que nos pesam. Se o Brasil enfrenta problemas, o que dizer de sua região mais pobre. E nesta região, o que dizer de um dos estados mais pobres? Poucos recursos naturais, solo de baixa fertilidade, sociedade ainda presa a tradições feudais, baixa taxa de escolaridade da população como um todo são dados que sugerem conformação, desânimo e desalento. O que faz com que o Ceará não seja o que este quadro sugere? É que os cearenses nunca acreditaram nisso. A qualidade e a fibra de nossa gente tem sido legenda em todo o País. E por vários exemplos, como Japão, Coréia e

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até a notável Suíça, que é muito mais uma população que um espaço físico, sabe-se que a alma do povo é que determina o tamanho da catedral. Composto de jovens empresários em sua maioria, pode o CIC funcionar como a consciência crítica de nosso meio. Através de múltiplas atividades, podemos abordar sem preconceitos os problemas de nosso Estado, tendo em vista encontrar a fórmula certa para que os empresários, governo e povo nos componhamos de forma adequada. Nenhum destes três segmentos isoladamente, sozinho, atende as expectativas do nosso Estado. Somente um pacto social pode nos oferecer uma alternativa à pobreza, e ele deve ter como base o desejo sincero de melhorar as expectativas econômicas de nosso Estado. Esta será a busca do nosso trabalho no CIC.

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DISCURSO DE POSSE DE AMARÍLIO MACEDO NA PRESIDÊNCIA DO CIC EM 18 DE JANEIRO DE 1980

A

ssumo a coordenação desse grupo de empresários que se propõe a dirigir o Centro Industrial do Ceará no biênio 80-81, com preocupação pela responsabilidade que encerra tal investidura e encarando como dever. Agradeço a confiança que em mim depositaram meus companheiros do CIC. Acreditamos na capacidade humana de encontrar soluções e na coragem de enfrentar as mudanças, quando elas dizem respeito à sobrevivência da sociedade. Sentimos na pele e no ar que respiramos a insegurança que cerca as pessoas que possuem, em decorrência do estado inviável de sobrevivência das pessoas que não possuem. Sentimos a falta de rumo daqueles que participaram da definição da política. Somos, nós empresários, diretamente responsáveis pelas definições políticas vigentes; alguns porque delas participaram pessoalmente, outros porque as aprovaram sem restrições, os demais que se omitiram ou contestaram, porque permanecem na condição de empresários. Aceitamos a crítica como exercício de liberdade, no entanto, consideramos indispensável desenvolver, antes de mais nada, o senso crítico de uma comunidade composta de indivíduos que a este exercício estão desacostumados. Fazer historia é assumir uma postura política. Aceitamos o desafio de lutar por uma sociedade mais

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justa, mais humana, não ignorando, todavia, os riscos que temos a enfrentar. Sejam eles reais ou imputados, não nos farão desistir desta luta. A certeza de que a sobrevivência do planeta está ameaçada é conhecida de todos. A hipocrisia do nosso sistema foi desnudada pelos meios de comunicação, pela aproximação dos povos e, consequentemente, pelo descortinar da crua realidade social. Hoje, não se consegue enganar os outros mais do que o período de uma geração. Quem busca o caminho da exploração e falácia, certamente em vida recebe a contrapartida merecida. Portanto, se não progredimos de forma duradoura através da exploração do homem pelo homem, se estamos ameaçados de perder tudo o que temos antes do ano 2000, por que insistimos na declaração de que tudo vai bem e que seremos contemplados com um futuro promissor? Quando concluímos, no início da nova fase do CIC, que o pacto contra a pobreza é a meta da nossa sociedade, tínhamos em mente a convicção de que ou nós acabamos com a miséria ou por ela seremos destruídos. Óbvio que mudanças de mentalidade e comportamento se processam de forma lenta. Entretanto, a reflexão é o primeiro passo para a mudança e é um ato pessoal. O debate dos problemas, da forma crua como se apresentam, é o passo seguinte, e pressupõe coragem, lucidez, formação ética, trabalho de equipe. Existem distorções tão absurdas e tão evidentes que dispensam qualquer raciocínio. É comum entre nós o desperdício; e fomos condicionados para desperdiçar para continuarmos consumindo. Desperdiçar, consumir mais. Binômio que é uma das características do nosso subdesen-

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volvimento, gerador de misérias e desigualdades gritantes. Acreditamos que o CIC existe para promover, entre os empresários do nosso Estado, o debate em busca de revisão dos nossos conceitos. Conceitos que herdamos e que sobreviveram até ontem, e hoje nos deixam sem rumo, sem credibilidade no futuro. Nós, nas nossas empresas, nos sindicatos, na federação, nas associações comerciais, nas associações setoriais, procuramos resolver os problemas de funcionamento empresarial. No CIC, porém, continuaremos buscando novas ideias, abertos ao debate, conscientes da nossa responsabilidade para com a sociedade e o universo em que vivemos. Continuaremos empenhados na aproximação com elementos integrados no processo político nacional e regional, influentes nos seus setores de atividades, responsáveis pela formação de opinião no meio em que atuam. Temos realizado encontros com empresários do Centro-Sul, políticos, autoridades do setor público, pessoas ligadas a órgãos oficiais e de destaque nos meios de comunicação de massa. Pretendemos intensificar estes contatos, ampliando, na medida do possível, o campo de influência e ação abrangido pelas características e tendências dos convidados. Não competimos por espaços, e não nos propomos a solucionar os problemas. Buscamos o conhecimento de novos rumos, a crítica de nossas convicções, a humanização da nossa adesão às causas da sociedade. Sobre o Nordeste muito tem sido dito e, nos últimos tempos, ressalte-se, de forma clara e amplamente reconhecida, que o problema do Nordeste é político. Neste sentido, esta entidade, contribuindo para incentivar novas gerações de empresários, no interesse pelas causas da sociedade, estará,

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sem dúvida, desempenhando um papel político social da maior relevância. Concordamos que o problema do Nordeste é político. Assim sendo, o estímulo ao desenvolvimento de novas lideranças deve ser uma consequência objetiva do esforço comum de cada um de nós.

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DISCURSO DE POSSE DE TASSO JEREISSATI NA PRESIDÊNCIA DO CIC EM 6 DE NOVEMBRO DE 1981 TASSO PREOCUPADO COM JUSTIÇA SOCIAL

P

o seu discurso de posse, na presidência do Centro Industrial no Ceará, o empresário Tasso Jereissati declarou que não há nenhuma perspectiva, a longo prazo, para o empresário sem a solução dos problemas sociais do País. E advertiu: “Ou todos resolvemos, em conjunto, o problema da justiça social, ou todos juntos pereceremos”. À solenidade, realizada às 18h30min de ontem, no auditório da Federação das Indústrias, compareceram o governador Virgílio Távora, cardeal arcebispo Aloísio Lorscheider, presidente da Confederação Nacional da Indústria, Albano Franco, Comandante da 10ª Região Militar, general Silva Campos, políticos, empresários de outros estados e locais e jornalistas. PRONUNCIAMENTOS

Ao transmitir o cargo ao seu sucessor, o empresário Amarílio Macedo, que teve encerrado seu mandato ontem, fez um resumo dos esforços da entidade nos últimos anos e externou agradecimentos à imprensa pela colaboração recebida em sua gestão. Em seguida, falou o novo presidente do CIC, Tasso Jereissati, afirmando que “antes de destacar qualquer tipo de liderança pessoal e sobre significar cumprimento de imperativo estatutário, confirma o caráter da instituição Isabela Martin | OS EMPRESÁRIOS NO PODER | 217


como — acima de tudo — um conjunto harmonioso de pessoas e ideias”. “O CIC, disse Tasso, ressurgiu há quatro anos por iniciativa do espírito renovador do presidente da Federação das Indústrias, José Flávio Costa Lima. De então a esta parte, nossos antecessores — primeiro Beni, em seguida Amarílio, ambos contando com a colaboração dos demais companheiros — fizeram desta entidade um fórum de debates. E aqui discutimos candentes questões políticas, através de vozes representativas dos mais diversos e, mesmo, adversos, entre si, segmentos do pensamento nacional”. “Temos tido oportunidade, pois, de refletir, coletivamente, sobre os problemas que mais afligem a sociedade brasileira, em geral, e a comunidade nordestina, em particular. A esse propósito, é importante ter em mente o contexto mundial, porquanto, em verdade, o Brasil, como aliás nenhuma Nação, não se constitui em sistema sócio-econômico autárquico. Daí a nossa perplexidade diante das disparidades crescentes que separam os hemisférios Norte e Sul”. “Como também, já agora quanto à situação interna do próprio País, a nossa rejeição ao quadro que informa as relações entre o Sul e o Nordeste do Brasil; a distância entre ambos é maior do que aquela que separa o Centro-Sul brasileiro da Europa Ocidental”. “A renda per capita da região caiu de 47,7 por cento em relação à do Brasil, em 1960, para 35,3 por cento, em 1970. O mais grave é que a participação relativa do Nordeste, nos gastos nacionais com Saúde e Educação, está longe de se equiparar à proporção regional sobre a população do País”. “Estamos convencidos de que qualquer solução para os problemas sociais do Brasil deve ter em vista, prioritariamente, o Nordeste”, afirmou o novo presidente do Centro Industrial do Ceará.

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JUSTIÇA SOCIAL

Segundo o Sr. Tasso Jereissati, o “CIC ratifica seu posicionamento em favor da tolerância, mas, também, de um esforço conjunto e firme — mobilizando todos os segmentos da sociedade — para mudar a face desta região, o maior bolsão de pobreza do continente latino-americano”. “Temos de enfrentar — e o estamos fazendo — com realismo e desprendimento, e de frente os problemas mais graves, como a fome, a desnutrição, a mortalidade infantil, a carência do homem do campo, sem terra para habitar e produzir, o desemprego e o analfabetismo”. “O CIC assume que não há nenhuma perspectiva, a longo prazo, para o empresário sem a solução dos problemas sociais do País. Ou todos resolvemos, em conjunto, o problema da justiça social, ou todos juntos pereceremos. A bandeira contra a miséria deve ser erguida e defendida por nós”. “Este posicionamento do CIC pressupõe a existência de um ideário, o qual se alicerça na consciência que temos de que os bens econômicos estão marcados pelo endereçamento social. Temos a convicção de que o capitalismo humanizado e justo é o único sistema econômico capaz de preservação das liberdades individuais”. “Para nós, a propriedade privada não deve se constituir em privilégio. Entendemos que o que confere legitimidade à livre empresa é ser ela forma descentralizada de realização do bem comum. Isto significa, na prática, a criação do emprego, a geração da renda e a sua justa e simultânea distribuição, de tudo devendo resultar a elevação do nível de bem-estar social”. IGREJA E POLÍTICOS

Prosseguiu o Sr. Tasso Jereissati: “Nossa opção pela livre empresa opõe-se, como é evidente,

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à alternativa da socialização dos meios de produção. Tal opção, não exclui nossa concordância, ao mesmo tempo, com a ação disciplinadora e democrática, por parte do Estado, na defesa dos legítimos interesses da sociedade”. “Como desdobramento coerente deste raciocínio, somos favoráveis à presença, no corpo social, dos demais grupos intermediários, principalmente as associações, não só de empregadores, mas também de empregados, bem como os partidos políticos e a Igreja. Sem esses grupos intermediários, a pessoa humana se tornaria frágil no relacionamento do homem com o Estado e do homem com o homem”. “É a atuação recíproca entre esses protagonistas da história, cada um tentando fazer valer sua influência sobre os demais, no seu esforço de acomodação dentro do mesmo espaço nacional, é essa interação que assegura a prática democrática”. “Finalmente, como conclusão de quanto até aqui temos dito, cabe-nos proclamar, como têm feito repetidamente vozes autorizadas do CIC, nossa posição favorável à abertura política, deflagrada pelo presidente Geisel e continuada pelo presidente Figueiredo, porém, ainda em estágio anterior ao da plenitude democrática, que é aspiração do povo brasileiro”. “Cremos no Nordeste, nas suas lideranças empresariais e no seu povo. E cremos que a classe política nordestina será forte e competente, para, junto conosco, vencer a batalha contra o subdesenvolvimento da região”. “Acreditamos, mais do que nunca, no Brasil. E o antevemos, num futuro não muito distante, desenvolvido, forte e socialmente justo”, finalizou o Sr. Tasso Jereissati.

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A AUTORA

Lançado em 1993, o livro OS EMPRESÁRIOS NO PODER foi o primeiro trabalho acadêmico a tratar o tema em profundidade, a partir de longas entrevistas com os personagens da história do Centro Industrial do Ceará - CIC, que deu à política cearense e nacional empresários como Tasso Jereissati, Sérgio Machado, Beni Veras, Amarílio Macedo, Assis Machado Neto e outros. Hoje, o livro é referência na maioria dos estudos sobre a gênese política daqueles jovens empresários que cresceram dentro de um CIC apoiado pela Federação das Indústrias do Ceará, à época de José Flávio Costa Lima. OS EMPRESÁRIOS NO PODER, agora em segunda edição, é uma contribuição relevante à História do Ceará, num dos seus capítulos mais recentes. A autora, Isabela Martin, é jornalista graduada pela Universidade Federal do Ceará. Atuou na editoria de Política do jornal O Povo. Tem MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e é correspondente do jornal O Globo em Fortaleza.

ISBN 85-88661-02-0

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588661

020008


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