Um pacto pelo sentido de Fortaleza
REVISTA DE GESTÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Abril de 2010 n Edição Especial www.poderlocal.com.br
R$
9,00
9 781806 233007
disputa territorial
00010>
O conflito que atormenta a comunidade de Prainha do Canto Verde, em Beberibe, Ceará
BSB e d i t o r a
ENDEREÇO SHIN CA 05 Bloco I Loja 112 Ed. Saint Regis — Lago Norte CEP 71.503-505, Brasília, Distrito Federal
Uma revista com a cara de Brasília.
A revista de informação de Brasília. Toda grande cidade merece uma grande revista.
www.revistafale.com.br/brasilia (61) 3468.5697
Nesta Edição DIRETOR EDITORIAL DIRETOR
Luis-Sérgio Santos Isabela Martin
6
Revista de Gestão e Políticas Públicas EDITOR & PUBLISHER editor editor de arte
Luis-Sérgio Santos Isabela Martin Jon Romano
Adriano Queiroz, Cinara Sá, Lívia Pontes arte Bruno Aôr, Eduardo Vasconcelos
equipe omni redação
REDAÇÃO E PUBLICIDADE
Omni Editora Associados Ltda. Rua Joaquim Sá, 746 n Fones: (85) 3247.6101 e 3088.8659 n CEP 60.130-050, Aldeota, Fortaleza, Ceará, Brasil PODER LOCAL é publicada pela Omni Editora Associados Ltda. Preço da assinatura anual no Brasil (12 edições): R$ 66,24 ou o preço com desconto anunciado em promoção. Exemplar em venda avulsa: R$ 6,80 exceto em promoçãp com preço menor. Números anteriores podem ser solicitados pelo correio ou fax. Reprints podem ser adquiridos pelo telefone (85) 3247.6101. Os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista. PODER LOCAL não se responsabiliza pela devolução de matérias editoriais não solicitados. Sugestões e comentários sobre o conteúdo editorial de PODER LOCAL podem ser feitos por fax, telefone ou email. Cartas e mensagens devem trazer o nome e endereço do autor. PODER LOCAL é marca registrada da Omni Editora Associados Ltda. PODER LOCAL é marca registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Copyright © 2010 Omni Editora Associados Ltda. Todos os direitos reservados. Impresso no Brasil/Printed in Brazil. PODER LOCAL is published monthly by Omni Editora Associados Ltda. A yarly subscription abroad costs US$ 99,00. To subscribe call (55+85) 3247.6101 or by e-mail: df@fortalnet.com.br SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE, REPRINTS E NÚMEROS ANTERIORES: (85) 3088.8659 TIRAGEM DESTA EDIÇÃO: 25.000 EXEMPLARES
6 | PODER LOCAL | Abril 2010
disputa no litoral. Disputa territorial e divergências entre duas ONGs colocam comunidade de pescadores do litoral leste do Ceará em situação de extrema disputa interna
14
DE FAMÍLIA. 23NEGÓCIOS
18
DIREÇÃO OPOSTA. 24NA
PACTO PARA O FUTURO. O lançamento
do “Pacto por Fortaleza: a cidade que queremos até 2020”, pelo presidente da Câmara Municipal Salmito Filho (PT), reacende um velho desejo da cearensidade de pensar o futuro com equidade e paz.
TEMPO. Há uma dimensão
surrealista nesta irracionalidade que envolve a má distribuição dos esforços. Uma parte da sociedade está desesperada por excesso de trabalho, e outra por não ter acesso ao emprego.
Ano após ano, quase todos os dias, executivos das mais diversas corporações enfrentam e gerenciam adversidades, entraves e gargalos. Por Phelipe Linhares Enquanto a sociedade brasileira está cada vez mais consciente na busca de um desenvolvimento sustentável, parte dos políticos vai na direção oposta. Por Marina Silva
Notas&Ideias FRASE Quem imprime é responsável pelo que imprime, e se fizer algo que vai contra a lei terá de responder. Franklin Martins,
secretário de Comunicação Social
liberdade de iMPRENSA
A regulação não é ameaça
E
m nenhuma democracia sólida do mundo se confunde marco regulatório — para o setor de telecomunicações e de radiodifusão — com privação da liberdade de imprensa. Esta é uma das teses do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, ao comentar a proposta de criação de um conselho de comunicação social, uma das principais conclusões da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro do ano passado. Segundo o ministro, o governo está “extremamente satisfeito” com as propostas aprovadas. “[O marco regulatório] já existe nos Estados Unidos, na Inglaterra e nas democracias mais sólidas do mundo e em nenhuma delas se confunde marco regulatório com privação da liberdade de imprensa. A não ser que queiram confundi-las”, disse Martins em audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, que tem o objetivo de debater a implementação das propostas aprovadas pela Confecom. n
TCU APROVA CONTAS DA UNIÃO COM RESSALVAS O Tribunal de Contas da União aprovou, com 15 ressalvas, as contas do governo federal referentes a 2009. O documento segue agora para votação no Congresso Nacional, que é o responsável por aprovar ou rejeitar a prestação de contas. Entre as ressalvas feitas pelo TCU estão, por exemplo, deficiências nos dados que deveriam subsidiar a análise dos resultados de programas do governo, o baixo percentual de arrecadação das multas administrativas aplicadas por órgãos da administração pública
Uma revista online para universitários A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) lançou uma revista digital de apoio ao estudante pré-universitário: a Pré-Univesp. A ideia é trazer conteúdo de qualidade, gratuito e agradável voltado ao público pré-vestibular. Trata-se de um instrumento de apoio ao estudante pré-universitário, veiculado de uma forma democrática e capaz de expandir o conhecimento a quem tem acesso à internet – incluindo aqueles que frequentam a rede em espaços públicos e
federal e a execução de despesa sem suficiente dotação no Orçamento de Investimento das Empresas Estatais. No texto, o Tribunal de Contas também fez críticas ao volume de restos a pagar, que são os gastos que já foram empenhados, mas ainda não foram pagos. Apesar das ressalvas, a conclusão do tribunal é de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está enquadrado nos parâmetros e limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. O relator do documento foi o ministro Raimundo Carreiro.
em lan houses. O conteúdo, temático e mensal, está focado nos grandes assuntos da atualidade, presentes também na matriz curricular do ensino médio e nas questões das provas de ingresso à universidade. A revista também conta com conteúdo dinâmico, disposto nas notícias e na Agenda Cultural, que trarão informações diárias de interesse de quem estiver estudando para ingressar no ensino superior. O acesso ao conteúdo integral da revista é gratuito e o internauta pode ainda se cadastrar para receber as atualizações da revista e para criar um espaço próprio virtual. www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/
>> Não existe sucesso ou felicidade sem o exercício pleno da cidadania e da ética global.
Carlos Roberto Sabbi, especialista em Gestão de Pessoas
Educação é a prioridade
A
educação aparece como a quarta área que, segundo os eleitores, merece receber mais atenção do próximo presidente da República — perde apenas para a saúde, a segurança pública e o emprego. É o que aponta pesquisa do Instituto Paulo Montenegro (IPM), do Ibope, a pedido do movimento Todos pela Educação. O estudo constata que a educação ganhou importância para o eleitor desde o último pleito em 2006, quando ocupava o 7° lugar nesse ranking. Para a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, o resultado indica que o brasileiro passou a priorizar as áreas de resultado a longo prazo. “Pesquisas semelhantes mostram que essa crescida da educação é consistente, ano a ano ela galga uma posição. Essa mensagem é muito importante”, disse. Os 2 mil eleitores entrevistados destacaram como pontos fortes da educação básica a merenda escolar (29%), o número de escolas e de vagas existentes (25%) e o material didático (25%). Entre os pontos fracos estão o salário do professor (46%), a segurança nas escolas (46%) e a qualificação do corpo docente. Os entrevistados também elegeram as medidas que os próximos governantes devem priorizar para melhorar a educação pública no país. No topo das necessidades está melhorar o salário do professor (41%), equipar melhor as escolas já existentes (29%), criar escolas profissionalizantes (28%) e melhorar a segurança nas unidades de ensino (28%). Agbril 2010 | PODER LOCAL | 7
CAPA
Prainha do Canto Verde, em Beberibe, Ceará
UMA VILA EM PÉ DE GUERRA Disputa territorial e divergências entre duas ONGs colocam comunidade de pescadores do litoral leste do Ceará em situação de extrema disputa interna
A
APRAZÍVEL COMUNIDADE Prainha do Canto Verde,
um paraíso tropical no litoral de Beberibe, a 80 quilometros de Fortaleza, virou reserva extrativista com 29 mil hectares e uma comunidade de 1,6 mil nativos. A questão que está colocada agora é se a reserva é marítima ou terrestre. A comunidade encontra-se dividida. A associação independente dos moradores da prainha do Canto Verde e adjacências defende a reserva marítima, alegando que se ela se estender para terra vai prejudicar os benefícios que podem advir com o desenvolvimento da Prainha. Já a Associação dos Moradores da Prainha quer a reserva ampla. O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio) entrou na questão e está propondo a criação de um Conselho Popular. A Associação Independente propõe um plebiscito para resolver o impasse, mas a Associação mais antiga dos moradores não concorda. Um parecer técnico elaborado pelos técnicos Fábio Perdigão Vasconcelos e Roberto Bruno Moreira Rebou-
8 | PODER LOCAL | Abril 2010
A reserva é marítima ou terrestre? A comunidade está dividida
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 9
10 | PODER LOCAL | Abril 2010
A comunidade Ă beira do mar, que sobrevive da pesca e do extrativismo, vive agora um conflito sobre a natureza da terra.
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 11
Pescador há 48 anos Luis Gama da Silva, de 67 anos de idade, conhecido como Bibiu, reclama que há uma luta de 20 anos pela posse das terras. “A reserva terrestre vai tirar isso da gente”
ças aponta condições geoambientais de potencialidades e vulnerabilidades para as terras na Prainha do Canto Verde. O parecer é fruto de levantamentos e medições em campo e da análise de uma vasta bibliografia técnica, científica e jurídica. Feito de setembro de 2009 a fevereiro de 2010, o levantamento envolveu três etapas. A primeira foi a análise documental para compreensão da problemática ali instalada. A segunda etapa consistiu nos levantamentos de campo. Já a terceira fase foi a elaboração do parecer técnico. E a conclusão que o parecer chegou ao analisar o mapa de sensibilidade ambiental é que a área não deve ser utilizada 12 | PODER LOCAL | Abril 2010
para atividades extrativistas por “tratar-se de um campo de dunas móveis e semi-fixas em bom estado de preservação ambiental”. O parecer técnico ressalta que “a área não apresenta nenhuma vocação para as atividades extrativistas vegetal e animal”. Segundo o parecer, “a implantação de qualquer dessas atividades econômicas na área em questão põe em risco a estabilidade ambiental e a manutenção do potencial paisagístico do terreno em questão”. Então o que se questiona é por que não ser uma reserva extrativista apenas marítima, pois a briga maior é contra a pesca predatória
da lagosta na área. Essa pesca sem discriminação já gerou muitos conflitos e não há uma fiscalização efetiva do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na área. Para os defensores da Reserva Marítima, a comunidade foi enganada. “Tem gente morrendo de fome. Este povo foi enganado por muito tempo e não vai ser mais não”, adverte o empresário Tales de Sá Cavalcante, que encampou a luta dos nativos. Segundo ele, a comunidade quer só a reserva marítima, “porque será prejudicada se a reserva for terrestre”. O parecer técnico, conforme Tales, é bem claro e enumera as desvantagens para os nativos com a reserva terrestre. Chico Mendes media. O representante do Instituto Chico Mendes, Alexandre Brito, esteve na comunidade e esclareceu pontos sobre a reserva e disse que cabe às partes entrarem na Justiça para
Um paraíso no meio dos trópicos
A
prainha do Canto Verde está distante 30 quilômetros da cidade de Beberibe, sede do município. É uma comunidade basicamente de pescadores, plantada às margens do Oceano Atlântico. Desde há muito, o lugar desperta interesse de estrangeiros e nativos, mas pouco tem se desenvolvido turisticamente. As pousadas Refúgio da Paz, Sol e Mar, Casa Cangulo e Chalé Maresia são algumas opções para quem quer conhecer e se hospedar nesta pequena comunidade habitada originalmente por pescadores. A Casa Cangulo é anexa à loja comunitária Bodega e gerida pela Associação dos Moradores da Prainha do Canto Verde.
tornar a reserva só marítima. Na reunião acontecida no final de uma tarde de sábado [15 de maio], o clima chegou a se acirrar entre os prós e os contras a reserva terrestre. Os contras alegaram que nem foram convidados para o encontro e que querem participar de toda a discussão. Eles sugeriram a colocação de uma urna no próximo encontro para decidir a questão, mas o Instituto Chico Mendes afastou esta possibilidade. “Não há a menor possibilidade da existência dessa urna”, destacou Alexandre Brito, sem justificar tal medida. Para Tales de Sá, o Instituto Chico Mendes sabe que se for colocar a urna para a decisão da comunidade o resultado será a reserva apenas marítima. “Mas eles não querem respeitar a vontade dos moradores e insistem em enganar afirmando que a reserva terrestre é benéfica. Mas está comprovado tecnicamente que não”, salienta. Na apresentação de Alexandre
Brito há uma mensagem subliminar que induz os moradores a aceitarem a reserva ampla. “O que muitas comunidades sonham, na Prainha já é realidade”, em referência à reserva extrativista em terra e mar. “Não há acordo com reserva. Ela já está criada e pronto”, sentenciou Alexandre Brito. Mas o caso não está resolvido. Segundo o advogado Paulo Lamarão, a comunidade vai participar de toda discussão e se necessário entrará na Justiça para garantir a reserva apenas marítima. “Vamos questionar. Vamos participar”, alertou o advogado que diz ser importante a discussão e não uma medida tomada a contragosto da comunidade. Um dos principais questionamentos de uma possível reserva terrestre é que os moradores não seriam donos de nada. “O problema é que não são nossas terras, mas a pesca predatória”, indica o morador Jair Roberto Monteiro. Agbril 2010 | PODER LOCAL | 13
Tabuba do Morro Branco Macapá Salina Guaiai
CE 040
Morro Branco
Lagoa Tracuá Beberibe, sede Praia das Fontes Lagoa Uberaba
ONDE FICA A PRAINHA DO CANTO VERDE
CE 040
Forquilha
Choró
Diogo
Lagoa Rasa
Caetano
Ponta D’Água
Praia do Uruaú
Lagoa do Uruaú
Muriti
Croatá Lagoa da Tabuba
Barra da Sucatinga Sucatinga
Lagoa Sêca
Campestre
Barraca Primeira Lagoa CE
Lagoa dos Teobaldos
Lagoa 040 do Canão Lagoa Jirau Lagoa Salgada Lagoa de Dentro Lagoa do Vicente Lagoa das Bolachas Lagoa do Lagoa do Jardim Cardoso Lagoa da Joana Lagoa dos Cavalos
Lagoa Nova
Boa Esperança
Bom Sucesso angi
Rio Pir
Cedro
Jatobá
Cascavel
Andreza Rio
Itapeim
Arataca
Alto Alegre
Pira n
gi
Encruzilhada
Palmeira
Lagoa da Jurema CE 138
Lagoa das Cajazeiras Lagoinha
Lagoa de Paripueira
Várzea Redonda
Lagoa Arataca
Várzea da Serra
Prainha do Canto Verde
Lagoa Negra
Carnaúba Juazeiro Goaibeira Torta Canoé
Paripueira Lagoa das Porteiras
Lagoa do Juá
Parajuru
Tapuio Ponta da Rio Pirangi Paripueira
Salina Pirangi
Lagoa do Umari Açude do Camará Lagoa do Serrote
Grossos
Ocara
Lagoa de Fora
Serrote do Urubu
Medeiros Urubú
Lagoa do Surubim de Cima
Lagoa do Meio
i irang Rio P
Lagoa do Tapuiu
Tapuia
Lagoa Comprida
Lagoa do Vitoriano
Lagoa do Surubim de Baixo
Serra do Félix
Forquilha do Córrego Uruburanas Umburanas
Rio da Casca
dos Pereiras
Lagoa Comprida
Lagoa do Berimbau
Lagoa do Mel
Pau Branco Lagoa do Arroz
Riacho da Areia
Morada Nova
Fortim
Riacho da Perdição
Serrote do Negro
Lagoa Caiçara Lagoa Queimada Lagoa do Boqueirão Lagoa da Suçuarana Boqueirão Lagoa do Santo de Cima do Arroz Boqueirão
BR 116
Tanques
Lagoinha
Aracati
Baixa Verde
Boqueirão do Cesário
Medeiros Saburão
Russas
Riacho das Umburanas
BR 304
Forquilha
Riacho das Umburanas 1
Palhano
Escala gráfica 0
1
2
3
4 5km
Sinais Convencionais Área urbana Revestimento sólido Revestimento solto Caminho trilho
Litoral
Açudes
Curso d’água permanente/intermitente
Salina
Lagoa permanente/intermitente
Areia/Duna
Limite municipal
Pescador há 48 anos, Luis Gama da Silva, de 67 anos de idade, conhecido como Bibiu, reclama que há uma luta de 20 anos pela posse das terras “e a reserva terrestre vai tirar isso da gente”. Bibiu denuncia que foi criada uma Associação dos Amigos da Prainha do Canto Verde, “que beneficia muito mais os seus criadores que a comunidade. “A proporção 14 | PODER LOCAL | Abril 2010
das verbas arrecadas é de apenas 20% para a comunidade e 80% para eles. Fomos enganados”, atesta. Os representantes da Associação dos Amigos da Prainha não estavam na reunião do dia 15 de maio. Segundo informações, o suíço René Scharer, fundador da entidade, não está no Brasil para se defender das acusações. As denúncias contra René não
pararam aí. Jair Monteiro diz que quando era diretor da Associação teve que contrair um empréstimo no Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 1995 para a compra de um barco a motor, uma Toyota e dois barcos a vela. Este empréstimo demorou a ser pago e ele recebeu várias cartas de cobrança. Somente depois que denunciou as cobranças, o empréstimo de R$ 326 mil foi
Jair Ribeiro (acima esq.), pescador e exdiretor da Associação da Prainha do Canto Verde, reclama de atraso no pagamento de financiamento ao BNB. O advogado Paulo Lamarão (acima) diz que a comunidade quer a reserva extrativista apenas no mar. Já Bibiu (esq.), o pescador Luiz Gama da Silva, revela histórias de marchas e contra-marchas na comunidade. Para ele, a questão marítima está atormentando a Prainha do Canto Verde, além da briga do mar pela lagosta pescada de forma predatória e o avanço do mar que se faz presente.
pago e seu nome ficou “limpo” na praça. Na formação do Conselho Popular todos os interesses devem estar representados, espera o advogado Paulo Lamarão. E ele revela que o Conselho deve sim ter representantes do Ibama e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para mostrar efetivamente que a reserva é marítima e não terrestre. Enquanto isso não acontece, o mar vai avançando e há uma área de erosão grande na Prainha do Canto. O morador Seu Tomé, há mais de 20 anos na área, destaca que a maré está avançando muito, tirando dos moradores as casas e ninguém faz nada para parar. “A reserva para mim tem que ser no mar para, além de evitar a pesca predatória, evitar também este avanço do mar.” n Agbril 2010 | PODER LOCAL | 15
UM PACTO PELO SENTIDO DA CIDADE
O lançamento do “Pacto por Fortaleza: a cidade que queremos até 2020”, pelo presidente da Câmara Municipal, Salmito Filho (PT), reacende um velho desejo da cearensidade de pensar o futuro com equidade e paz. Em 1997, com a realização da Conferência de Busca do Futuro – Construindo o Ceará 2020, em Beberibe, a sociedade quis, mas o governo não quis; em 2007, com a promoção, também em Beberibe, do Fórum Ceará – Ideias para um futuro melhor, no horizonte de 2027, o governo quis e a sociedade não quis. Por Flávio Paiva
16 | PODER LOCAL | Abril 2010
C
om relação a
Fortaleza e sua região metropolitana, em 1997 criou-se no ambiente do Pacto de Cooperação, o Planejamento Estratégico de Fortaleza, Planefor, com o objetivo de mobilizar a comunidade pela realização do seu sonho de cidade, como espaço articulado de referências comerciais, turísticas, industriais, logísticas, culturais e de serviços das regiões Norte e Nordeste. O Planefor reunia os governos municipal e estadual, entidades dos movimentos sociais, empresas, órgãos públicos e instituições privadas, organizações não-governamentais e cidadãos de espírito público.
As estratégias do Planefor foram desenvolvidas com base em cinco eixos temáticos: 1. Região metropolitana integrada; 2. Região metropolitana empreendedora e competitiva; 3. Educação para o desenvolvimento; 4. Sociedade solidária e gestão compartilhada; e 5. Cultura, identidade e auto-estima. Diagnósticos e soluções foram levantados e apontados em todas as áreas, num total de 180 projetos. Aproveitou-se muito pouco desse grande esforço e o Planefor desarticulou-se quase uma década depois. Movimentações de orçamento participativo daqui, Lei Orgânica Municipal dali e debates de integração ao sistema nacional de cultura acolá, o certo é que Fortaleza continua sem um conceito de cidade. Por isso, qualquer intervenção que precisa ser feita no nosso território urbano é sempre coberta de chiliques e tensões desnecessárias, a exemplo do caso do estaleiro do Titanzinho... será?, do Pirambu... será?, da Barra do Ceará... será?, da praia do pontão... será?. Este é um exemplo típico da fragilidade conceitual de uma cidade que vem crescendo e crescendo e crescendo irresponsável e desordenadamente. É, portanto, muito bem-vinda a iniciativa do vereador Salmito Filho, de encomendar à Universidade Federal do Ceará para, com o apoio de entidades civis, produzir em seis meses (até novembro) estudos que norteiem os rumos de
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 17
Fortaleza com base em cinco eixos temáticos: 1. segurança pública e cidadania; 2. desenvolvimento econômico e social; 3. qualidade de vida; 4. mobilidade urbana; e 5. resíduos urbanos e geração de renda. O pragmatismo dessa proposta indica que aprendemos a lição de que é preciso firmar os pés no chão antes de voar. O Pacto por Fortaleza propõe antes de tudo uma busca da compreensão do sentido de cidade, por meio da convergência de interesses na elaboração de projetos e na construção de uma agenda comum que leve à articulação de esforços entre os poderes públicos e a sociedade. Com esse pacto concretizado, a Câmara Municipal estará oferecendo a Fortaleza uma base para um processo de gestão estratégica socialmente orientada, capaz de mudar positivamente a face da cidade, pela visão de longo prazo e pela criação de um novo ambiente urbano. A ideia geral e as áreas-alvo me parecem adequadas para o momento. Acredito, porém, que o Pacto por Fortaleza poderia ter essa parte de misto de pesquisas acadêmicas com debate sobre a cidade que queremos, como uma etapa associada à validade do atual Plano Diretor (2018), como bem definido por Salmito Filho, mas, o pacto em si poderia referencialmente ter seu prazo um pouco mais elástico. Penso em um ano-símbolo como 2026, data em que a cidade completará 300 anos. Nessas estratégias de construção de cumplicidade, de apropriação cidadã, os recursos simbólicos tornam-se fundamentais para o sucesso de empreitadas como essa, que pode resultar em uma cidade bem planejada, com urbanismo decente, uso democrático dos espaços públicos, novas formas de organização social e cultural e com melhores condições de vida da população. Tomando o exemplo de Curitiba, que tem um histórico reconhecido de cidade administrativamente bem resolvida, o programa “Cidades Inovadoras” está sendo feito em duas perspectivas complementares e convergentes: uma, conhe18 | PODER LOCAL | Abril 2010
O futuro do planeta passa obrigatoriamente pela maneira como trataremos o desenvolvimento das cidades cida como Projeto de Desenvolvimento Local, procura mobilizar e capacitar comunidades de forma que elas próprias construam a sustentabilidade urbana; enquanto outra, chamada de “Curitiba 2030”, objetiva preparar a cidade para a atração de investimentos, numa parceria da prefeitura municipal, com o Sistema Fiep e a OPTI — Observatório de Prospectiva Tecnológica Industrial da Espanha. O próprio projeto “Brasil em 3 Tempos”, do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, foi estruturado considerando que as mudanças sociais desejadas e indispensáveis requerem um processo gradual. Lançado em 2004, os objetivos da Nação foram pensados em três datas referenciais: 2007, como início de uma nova administração (segundo mandado de Lula); 2015, quando ocorrerá a conferência das “Metas do Milênio”, da ONU; e 2022, momento histórico em que serão comemorados os 200 anos da independência do Brasil. O “Brasil em 3 Tempos” também parte da definição de uma base social, cultural, econômica, territorial, institucional, ambiental e internacional como dimensões indispensáveis ao desenvolvimento. Ao trazer à memória todas essas experiências de pactos, fico pensando se não seria o caso do Pacto por Fortaleza ser trabalhado em dois tempos. Uma primeira etapa, com a data de 2020 e com os cinco eixos que a UFC vai trabalhar; e uma segunda etapa, de consolidação das recomendações,
culminando, em 2026, no trigésimo centenário da cidade. Para essa segunda etapa eu incluiria dois eixos temáticos: um, voltado especificamente para a cultura como fator estruturante das relações sociais, considerando que a governança democrática da diversidade cultural (ao lado das dimensões econômica, social e ambiental) é hoje entendida mundialmente como o quarto vetor do desenvolvimento; e o outro, focado especificamente na mobilização social, tendo em conta que na geopolítica multipolar da atualidade, uma condição elementar de sobrevivência é a emancipação social. O futuro do planeta passa obrigatoriamente pela maneira como trataremos o desenvolvimento das cidades. Então, a descoberta do que aspiramos para Fortaleza em 2026 e o que estamos dispostos a fazer por ela e por nós, tem no pacto proposto pela Câmara Municipal um grande aliado. A reinserção da universidade nos processos de formulação, implementação e avaliação da ação política é também um ponto bastante louvável no intento capitaneado pelo vereador Salmito Filho. O Pacto por Fortaleza, em um tempo ou em dois tempos, mais do que uma referência para a macrogestão da cidade, mais do que um feixe de políticas transversais, caracteriza-se como uma expressão de exercício maduro da cidadania, do pensar o coletivo de modo estruturado e da crença no esforço coordenado entre afins e contrários. Se não esbarrar apenas nos diagnósticos, esse pacto tem tudo para contribuir efetivamente para a revitalização da imagem de Fortaleza, como um lugar fundado no debate e na corresponsabilidade, que merece destaque por ser entreposto cultural, econômico e ecológico, mas, sobretudo, por ser uma cidade de valores multitudinários. n
ARTIGO
Pacto por Fortaleza
A capital do Ceará é a localidade acolhedora de parte significativa da migração Por Salmito Filho
T
odos nós queremos e precisamos de respostas aos desafios da Metrópole Fortaleza. Pensar, debater e propor soluções em um período de dez anos, do ponto de vista da Política de Estado, no ente federado local (município) a partir do Poder Legislativo, sob à luz do Plano Diretor Participativo (2008-
2018) e sob a expectativa do maior evento do planeta, como sub-sede da Copa de 2014.
A palavra metrópole vem do grego e significa cidade-mãe. A capital do Ceará é de fato, há décadas, a localidade acolhedora de parte significativa da migração cearense: 1. Seja pela ausência de equipamentos públicos (especialmente de saúde e educação) nas demais macro-regiões do Estado; 2. Seja pela falta de base econômica para a população decorrente da “combinação” insustentável da economia de subsistência incompatível social, econômica e ecologicamente com o semi-árido (cerca de 86,8% do território cearense segundo o Ministério da Integração Nacional). Esses dois fatores (1 e 2) somados com a dívida histórica do Estado brasileiro para com o Nordeste e, em especial, para com o Ceará, aliados a uma cultura política ainda insipiente do pensar e agir republicanos são, conforme pensado e denunciado por Celso Furtado há 50 anos, as causas do subdesenvolvimento. O desenvolvimento é o resultado do pensar e agir, de forma planejada, com o objetivo de alcançar o digno, plural e harmônico convívio humano no mesmo espaço social de uma cidade e de forma sustentável. Desde o primeiro semestre de 2009 um grupo de pesquisadores das universidades locais, a convite da Câmara Municipal de Fortaleza, começou a elaborar, metodologicamente, cinco eixos que se complementam na
transversalidade dos temas mais relevantes e que englobam muitos desafios pontuais de uma metrópole como Fortaleza. Os cinco eixos são: Segurança Pública e Cidadania; Desenvolvimento Econômico e Social; Qualidade de Vida e Vulnerabilidade Socioambiental; Mobilidade Espacial e Trânsito; Resíduos Urbanos e Geração de Renda. O lastro acadêmico irá subsidiar a qualidade das informações que serão coletadas em pesquisas realizadas e a serem realizadas conjuntamente com o debate e a participação da sociedade civil. Será constituído um Conselho de Cidadania composto por instituições públicas e privadas, rigorosamente plural, para acompanhar todos os trabalhos executados ao longo do cronograma estabelecido. No final, os dados pesquisados sobre Fortaleza e as diretrizes propostas serão entregues, na forma de livro, a cada vereador(a) e à prefeita de Fortaleza, assim como a cada membro do Conselho de
Cidadania, à cidade como um todo e a quem mais possa interessar, além do compromisso institucional que o Poder Legislativo passará a assumir coletivamente com a sociedade civil de Fortaleza. O “Pacto por Fortaleza: a cidade que queremos até 2020” é um passo inédito da Câmara Municipal de Fortaleza, propiciando, a partir do encontro participativo da academia e da sociedade civil e tendo como autor, mediador e signatário o Parlamento Municipal, a oportunidade histórica de elaborar diretrizes para contribuir com os poderes públicos, em especial o Legislativo e o Executivo, em busca do desenvolvimento sustentável a curto e médio prazo para a nossa Fortaleza. n Salmito Filho é vereador e presidente da Câmara Municipal de Fortaleza
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 19
ENSAIO
O VALOR ECONÔMICO DO TEMPO Há uma dimensão surrealista nesta irracionalidade que envolve a má distribuição dos esforços. Uma parte da sociedade está desesperada por excesso de trabalho, e outra por não ter acesso ao emprego. Por Ladislau Dowbor
O
tempo é o nosso principal recurso não renovável. O seu desperdício, por nós mesmos ou por terceiros, é monumental. Todos sabemos que time is money, mas poucos pensam no que estão comparando. O tempo é o tempo da nossa vida. Dinheiro perdido pode ser recuperado. Já a vida... Keynes tinha uma visão muito simpática do amor pelo dinheiro: “O amor do dinheiro como posse – distintamente do amor do dinheiro como meio de obter os prazeres e realidades da vida — será reconhecido pelo que é, uma morbidez um pouco repugnante, uma destas propensões semi-criminais, semi-patológicas que entregamos com um tremor aos especialistas em doenças mentais”.1
Não que desconheçamos o valor econômico do tempo. O empresário calcula rigorosamente os tempos dos seus empregados, porque o tempo dos seus empregados é o seu dinheiro. Kuttner relata a visita que fez a 1John Maynard Keynes —Economic Possibilites for our Grandchildren – (1930), in Essays in Persuasion, W.W. Norton, New York, London, 1963, p. 358 e ss. No original, “The love of money as a possession – as distinguished from the love of money as a means to the enjoyments and realities of life – will be recognised for what it is, a somewhat disgusting morbidity, one of those semi-criminal, semi-pathological propensities which one hands over with a shudder to the specialists in mental disease”. (p. 369).
20 | PODER LOCAL | Abril 2010
um centro de telemarketing, onde as moças têm direito a apenas dois segundos entre uma chamada e outra: passados os dois segundos, começam os descontos. O documentário The Corporation mostra empresas onde são registrados até centésimos de segundo das operações de costureiras para as grandes marcas. Ninguém marca em segundos o tempo que passamos na fila do banco. Ao pensarmos o tempo livre como categoria econômica, entramos numa visão moderna da economia, porque centrada no resultado final, na qualidade de vida. Em termos econômicos, isto significa darmos valor tanto ao tempo que não é diretamente contratado por um empregador, — e que as empresas consideram gratuito pois não lhes custa — como ao tempo dedicado a atividades socialmente úteis mas que não entram no circuito monetário, como os cuidados com a família, o embelezamento dos nossos jardins, a arborização das nossas calçadas por vizinhos dedicados e assim por diante, porque o prazer da vida tem valor. Dormir bem também tem valor. É o nosso tempo. Há uma dimensão surrealista nesta irracionalidade que envolve a má distribuição dos esforços. Uma parte da sociedade está desesperada por excesso de trabalho, e outra por não ter acesso ao emprego. Um mínimo de bom senso na distribuição de esforços constitui, neste sentido, um dos objetivos centrais da gestão social. Em termos de regulação da economia do tempo, chega-se à conclusão de que o mercado constitui um mecanismo estruturalmente insuficiente de alocação des recursos do trabalho, exigindo soluções sistêmicas articuladas. Não há nada de novo nesta constatação. Mas na visão que aqui sugerimos, ao darmos um valor econômico ao tempo social, o desemprego deixará de ser visto apenas como situação de desespero lamentável, restrita aos pobres diabos que não conseguiram diplomas e “empregabilidade”, mas um custo para a sociedade:
o valor do tempo desperdiçado pode ser muito maior do que o custo de medidas de organização que assegurem um trabalho útil para todos.2 Calcular o valor econômico do nosso tempo livre pode ter grandes impactos sobre a forma de organizarmos as decisões econômicas, e sobre a priorização dos investimentos, além de resolver o problema da inclusão no PIB de categorias não monetárias. A forma mais prática de explicitar a metodologia é aplicá-la a um caso concreto, a cidade de São Paulo. O exemplo de São Paulo
São Paulo tem 11 milhões de habitantes. O PIB da cidade é de 320 bilhões de reais. Dividindo
2 O clássico sobre o tema é o livro de Guy Aznar, Trabalhar menos para trabalharem todos - prefácio de André Gorz. Keynes já se insurgia contra “a enorme anomalia do desemprego num mundo cheio de necessidades”.
o PIB pela população temos uma PIB anual per capita de 29 mil reais. Para já, é um montante muito elevado. Mas o que nos interessa aqui é que a partir desta cifra podemos calcular o valor da hora per capita. Dividindo 29 mil reais por 8.760 horas, que é o número de horas num ano, teremos um valor de 3,30 reais. Este seria o valor médio da hora do paulistano, em termos gerais.3 Fixar um valor básico para o tempo do paulistano nos permite chegar a uma visão bastante mais realista das contas econômicas. Essencialmente, permite que se dê um equivalente valor a um conjunto de atividades que não contabilizamos simplesmente porque não custam dinheiro, ou não ocasionam registro de trocas monetárias. O que segue, é uma 3 Dados da Fundação Seade, www.seade.gov. br/produtos/perfil/perfil.php, Perfil Municipal, São Paulo.
aplicação possível da metodologia para a cidade. Não se trata aqui de substituir o conceito de Produto Interno Bruto, e sim de dar visibilidade econômica ao conjunto de atividades não contabilizadas, pois são atividades que absorvem tempo, e ao dar uma equivalência valor à hora do paulistano, passamos a complementar o PIB. 4 O custo do tempo no trânsito
É notório que o tempo perdido no transporte é um desperdício. Do ponto de vista do PIB, o fato de tantos serem obrigados a comprar carros e a utilizá-los em permanência – pela fragilidade dos serviços de transporte coletivo – aparece como conta positiva no cálculo do PIB, tanto pela produ4 O próprio PIB está sendo reavaliado nos mais variados fóros. Sobre as insuficiências do PIB, ver o nosso O debate sobre o PIB: Estamos fazendo a conta errada, http://dowbor.org/09_pibestamosfazendoacontaerrada.doc
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 21
ção de automóveis, como consumo de combustíveis, investimentos, acidentes e hospitalizações e assim por diante. Desde 2003 o Banco Mundial passou a descontar no cálculo da contribuição da produção automobilística para o PIB os custos gerados com saúde. No nosso caso, de forma mais ampla, consideraremos que os 6 milhões de pessoas que constituem a população economicamente ocupada da cidade, são penalizadas ao perder tempo no transporte, em que nem descansam, nem produzem, nem investem (a não ser os raros que por exemplo aproveitam o trânsito parado para estudar idiomas e atividades semelhantes). Uma hora perdida por 6 milhões de ativos, são 6 milhões de horas perdidas. Se calcularmos o valor da hora perdida em 3,30 reais, são 19,8 milhões de reais perdidos por hora. De acordo com as pesquisas do movimento Nossa São Paulo, o paulistano ativo médio perde por dia duas horas e quarenta minutos no trânsito. Isto significa um custo-tempo de 52,8 milhões de reais por dia, o que representaria a dimensão do prejuízo causado à cidade pela ineficácia das suas opções de transporte. Outra forma de considerar este cálculo está ligada à política de investimentos. Se São Paulo perde, arredondando, 20 milhões de reais por hora de tempo perdido no trânsito, isto significa que se investimentos no metrô e corredores de ônibus economizarem meia hora por dia do nosso tempo, são 10 milhões de reais ganhos por dia. Como um quilometro de metrô custa 200 milhões de reais em valores aproximados, isto significa que no cálculo do retorno sobre o investimento devemos levar em conta não só o retorno pelos bilhetes que as pessoas irão pagar, mas também as economias difusas para toda a sociedade. Com 10 milhões economizados por dia, só isto já cobre um quilometro de metrô a cada 20 dias. Não incluir este cálculo na avaliação dos investimentos significa fazer um cálculo errado. Do ponto de vista microeconômico é até correto, pois quem fizer o investimento acha que o que lhe interessa 22 | PODER LOCAL | Abril 2010
trução e reforma de habitações etc. – pago com salário mínimo, o custo de 22 milhões por dia se transforma em investimento na qualidade de vida urbana. Já dizia Celso Furtado que quando a produção de uma pessoa é zero, qualquer atividade é lucro. Na realidade, tomar consciência de que cada hora perdida de atividade representa um custo, facilita a compreensão e aceitação das políticas de garantia do emprego. Assim atribuir um valor equivalente à hora do paulistano permite avaliar melhor como estamos gastando o dinheiro. A organização do processo de garantia do emprego não representa hoje maiores mistérios, política implementada na Índia durante 10 anos no Estado de Maharashtra, com bons resultados, e que hoje está sendo estendida para todo o país. Nem todos irão querer trabalhar por um salário mínimo. Mas muitos desempregados com boa formação — e são muitos mesmo – podem ser absorvidos na educação e na saúde, coisa que hoje gera protestos porque estaria “inchando a máquina pública”. Na realidade, o desempregado custa, e tomar consciência de que nos custa mais de 20 milhões de reais por dia poderia levar a cidade a ser mais ativa em termos de promoção de emprego.
O desempregado nos custa mais de R$ 20 milhões por dia. A cidade deveria estimular a promoção de emprego é apenas o dinheiro dos bilhetes que vai entrar, e as economias realizadas pelo conjunto da população não enchem o seu bolso. Mas do ponto de vista da produtividade sistêmica do território, a racionalidade geral torna-se mais elevada, pois o fato das pessoas desperdiçarem menos tempo e dinheiro em transporte melhora a situação de todos. Contabilidade incompleta é contabilidade errada. O custo do desemprego.
Uma outra forma de aproveitar a equivalência valor do tempo, é a avaliação do desemprego. Em São Paulo temos uma população ativa da ordem de 6 milhões de pessoas, com um desemprego aberto de 7% (critério IBGE), e um desemprego que inclui o desemprego por desalento da ordem de 14% (critério DIEESE). Este segundo critério é sem dúvida mais realista para uma economia como a nossa. 14% de 6 milhões são 840 mil desempregados. Independentemente dos custos humanos que isto significa, podemos avaliar, em horas de trabalho perdidas, o que isto significa como perdas para a cidade. Se calcularmos as perdas diárias como representando 8 horas de potencial trabalho não realizado, temos uma perda diária de 6,72 milhões de horas. Isto multiplicado por R$3,30 representa R$22,2 milhões desperdiçados por dia. Do ponto de vista propositivo, quando se toma uma iniciativa de criação de serviços de manutenção urbana – saneamento básico, arborização, promoção de autocons-
A contribuição dos voluntários. Uma outra forma
de aproveitar a equivalência valor do tempo, é a avaliação do trabalho prestado por voluntários. Para muitos, trata-se de atividade pouco importante, “marginal” do ponto de vista econômico. O exemplo da Pastoral da Criança é neste sentido significativo. A Pastoral trabalha com 350 mil voluntários, e está na origem, nas regiões de atividade, de 50% da redução da mortalidade infantil e 80% da redução das hospitalizações. Em termos de contabilidade
tradicional, esta atividade não é positiva: pelo contrário, ao reduzir o consumo de medicamentos, uso de ambulâncias e dias de hospitalização, reduz o PIB. E a atividade, como não é remunerada, não aparece no PIB como contribuição positiva. Se estimarmos o trabalho das voluntárias da Pastoral dedicado a crianças em 1 hora por dia, a R$3,30 a hora, podemos avaliar a contribuição da pastoral como equivalente a R$1.155.000 por dia. Não temos estimativas do volume de horas de trabalho voluntário na cidade de São Paulo. Mas seguramente é muito significativo, e a sua avaliação através da equivalência hora permitiria ter uma aproximação muito mais realista do valor das atividades na cidade. De toda forma, este cálculo passará a equilibrar melhor as decisões políticas na cidade, inclusive porque o voluntariado se expande no país, com a expansão das organizações da sociedade civil que o utilizam intensamente. A contribuição dos afazeres domésticos. Outro
potencial importante da equivalência valor-hora encontra-se na sempre difícil avaliação do trabalho não remunerado nas famílias. No exemplo clássico, a pessoa que plantou, colheu e vendeu o pé de alface realizou uma atividade econômica, enquanto a pessoa que foi comprar na feira, transportou, lavou, preparou e serviu este mesmo alface não contribuiu para economia. Mais ainda, a pessoa que comprou, lavou, preparou e serviu este mesmo alface num restaurante contribui sim para economia. A dificuldade de se avaliar esta atividade é amplamente reconhecida. Mas avaliar o tempo de trabalho doméstico realizado nos domicílios é hoje uma tarefa relativamente simples, e familiar para os estatísticos que fazem, por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Não é complexo fazer um levantamento por amostragem de quanto tempo as mulheres gastam na sua segunda jornada. A Síntese de Indicadores Sociais 1996-2006, do IBGE, comenta
O tempo médio perdido na espera do transporte coletivo pode ser calculado e multiplicado pelo valor equivalente da hora do paulistano que “com relação à jornada média semanal despendida em afazeres domésticos, verifica-se que as mulheres trabalham mais que o dobro dos homens nessas atividades (24,8 horas).”5 Se estimarmos – enquanto não se realiza a amostragem correspondente para São Paulo – que vale para a cidade de São Paulo a média brasileira, podemos calcular o valor desta contribuição. O cálculo é simples: das 11 milhões de pessoas da cidade, subtraimos 2,7 milhões de pessoas de menos de 15 anos, e 1,3 milhões de pessoas de mais de 60 anos, restando 7 milhões de adultos em idade de trabalho. A metade desta população representa 3,5 milhões de mulheres (seria um pouco mais na realidade, pela presença maior da população feminina, mas isso não muda significativamente o cálculo) que despendem 24,8 horas semanais, três horas e meia por dia, em afazeres domésticos. Com o valor de R$3,30 por hora, 3,5 milhões de pessoas com trabalho de 3,5 horas por dia, são R$40,4 milhões de reais por dia. Como na família se come e se lava pratos inclusive aos domingos, multiplicando os R$40,4 por 365 dias, as mulheres da cidade de São Paulo 5 Ver os dados na Sintese de Indicadores Sociais 1996-2006 do IBGE, gráfico 4.1, e páginas seguintes, doc. s.p. – O documento completo, Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2007 – está disponível em http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2007/indic_sociais2007.pdf Sobre as tendências de desagregação da família, ver o nosso artigo Economia da Família, sob Artigos Online no site www.dowbor.org
contribuiriam com R$14,7 bilhões para a economia da cidade, a se acrescentar aos R$320 bilhões do PIB calculado pelo SEADE. Perspectivas do valor equivalente do nosso tempo. Utilizar o
valor equivalente da hora do nosso tempo pode ter outras utilizações. Por exemplo, perdemos tempo na fila do banco. Do ponto de vista do banco, a hora do funcionário é paga, a hora do cliente na fila é de graça. Portanto, compensa ter menos funcionários e mais filas. Na economia isto se chama externalização de custos. Há limites, evidentemente, e por vezes manifestações de indignação de clientes. Mas se os outros bancos adotam a mesma política, a maioria suspira de fila, ou contrata rapazes cuja profissão será ficar na fila. Não é complicado calcular, por agência, multiplicando as pessoas pelo tempo de espera, o valor perdido para todos, tempo em que não se descansa, e não se trabalha. E o rapaz fica na fila em vez de estudar, ou se divertir. Um vetor semelhante de custos pode ser calculado a partir do tempo médio de espera pelo ônibus. Do ponto de vista da empresa transportadora, o ideal é ter um ônibus bem cheio, o que rentabiliza o trajeto. Portanto é bom demorar um pouco, para que o número de passageiros nos pontos aumente. O tempo médio perdido na espera pelo transporte coletivo pode ser calculado sem muita dificuldade, e multiplicado pelo valor equivalente da hora do paulistano. Ao se calcular a disponibilização de meios coletivos de transporte, a contabilidade correta exige portanto que se leve em consideração os custos sociais completos. Uma vez mais, o custo para o cidadão, em termos de tempo perdido, não sai do bolso da empresa, e o tempo ganho não o enche. A implicação evidente, é
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 23
que não basta a soma do cálculo microeconômico das empresas, é preciso acrescentar a avaliação da produtividade sistêmica para a cidade no seu conjunto. Seria de grande utilidade avaliar pelo critério do valor do tempo a produtividade dos sistemas públicos ou privados que envolvem as burocracias em geral. Para determinados impostos, calcula-se o custo/benefício dos diferentes impostos. Alguns geram mais trabalho para a administração pública do que os recursos gerados. Mas é preciso incluir também os custos para o cidadão, em termos de tempo perdido. Se multiplicarmos o número de contribuintes e o tempo de preenchimento ou de filas, pelo equivalente valor básico da hora do cidadão, teremos o custo social da cobrança calculado de maneira mais correta. Determinados documentos ou procedimentos burocráticos exigem horas de espera. Isto é um custo. Ao aplicarmos a contabilidade das horas perdidas, poderemos verificar melhor a produtividade de se comprar equipamento mais avançado para reduzir as filas, ou simplificar impostos. Os exemplos podem evidentemente ser multiplicados. Quanto vale o tempo de espera nos serviços de saúde? Quanto vale o tempo perdido pelo cidadão, mas não pela empresa, ao discar dezenas de vezes para um número onde atende uma voz misteriosa que nos informa que “a sua ligação é muito importante para nós”. Importante para o misterioso “nós”, mas evidentemente um custo direto para o bolso do usuário. Quanto custa o serviço que solicitamos, e que será atendido “em horário comercial”, em que temos de ficar em casa esperando? Porque o tempo dos fornecedores não pode ser desperdiçado, o nosso sim. O telemarketing calcula os seus custos em termos de funcionários e de tarifas telefônicas. E o tempo perdido por milhões de potenciais clientes? Apenas uma proporção ínfima das chamadas resultará em venda, e por isso as chamadas devem ser aos milhões. Alguns minutos de milhões de pessoas representam um custo de tempo perdido – sem 24 | PODER LOCAL | Abril 2010
dividido pela população nos dá o PIB per capita anual. Dividindo este pelas horas do ano, obtemos o valor per capita da hora. Mas podemos pensar em contas diferentes. Steven Davis, nos Estados Unidos, partiu do valor médio do salário horário, descontados os impostos, e atribuiu este valor à hora de lazer, algo como 13,2 dólares. Um ganho de 5 horas de lazer por semana significaria 3.300 dólares por trabalhador e por ano.6 O importante, em termos metodológicos, é a cifra ser claramente compreensível por não especialistas. O per capita anual é uma cifra compreensível e assimilada pelo grosso da população. O per capita por hora é igualmente transparente. Poderíamos utilizar como divisor apenas a população ativa em vez da população total, ou as horas médias de trabalho em vez das horas totais do ano – o que causa problemas porque estamos avaliando as horas totais, incluindo em particular o tempo livre. Isto não mudaria o sentido geral da avaliação, e apenas dificultaria a compreensão. Por outro lado, a metodologia aponta para a importância de realizarmos regularmente pesquisas sobre o uso do tempo na sociedade. No plano internacional, são os estudos do time budget, que ainda falta introduzir no Brasil. Trata-se do nosso bem mais precioso, o tempo da nossa vida. Entender como o utilizamos, e o custo do seu desperdício, é essencial para começarmos a organizar as nossas atividades em torno da qualidade de vida, e atualizarmos as nossas contas. n
Os estudos do time budget ainda devem ser introduzidos no Brasil. Trata-se do nosso bem mais precioso, o tempo da nossa vida. falar da irritação – muito significativo. Outras formas de publicidade, em particular o “spam”, representam mundialmente centenas de milhões de horas perdidas apagando bobagens, e sendo distraídos do que estamos fazendo, com perda de produtividade geral. O custo da saúde será mais completo ao incluirmos os dias perdidos de trabalho com doenças. Levar em conta este custo do tempo tornaria muito mais clara a produtividade de se investir na saúde preventiva. Particular atenção deverá ser dada aos cálculos que realizamos sobre a redução da jornada de trabalho. Nos cálculos dos opositores, como consideram sem valor a hora fora do trabalho comercialmente remunerado, assegurar as quarenta horas semanais, e portanto dois dias plenos de descanso para os trabalhadores, representaria uma queda de produção. Naturalmente, porque não consideram como tendo valor o tempo passado com a família, o merecido descanso, o lazer. Na realidade, o cálculo que fazem é errado inclusive no plano estritamente microeconômico, pois onde foi introduzida, a redução da jornada expandiu outras atividades econômicas mais ligadas a lazer, cultura, esportes e semelhantes. Mas na metodologia que aqui focamos, aumentar o lazer não reduz a produção, pois passamos a calcular o valor da hora livre como valor também para a população. Uma metodologia em definição. Optamos aqui
pelo mais simples: o valor do PIB
Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”. Seus numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site http://dowbor. org n Contato ladislau@dowbor.org
6 The Economist, February 4th 2006, p. 29
ARTIGO
Negócios de família
É vital aprimorar técnicas de gestão circundadas de valores e crenças. Por Phelipe Linhares
A
no após ano, quase todos os dias, executivos das mais diversas corporações enfrentam e gerenciam adversidades, entraves e gargalos resultantes do mercado de atuação da empresa, do modelo de gestão e da estrutura empresarial. O pensamento de qualquer acionista e líder empresarial é – ou, pelo menos, deveria ser – trabalhar pela perpetuidade do negócio que comanda. Nesse sentido, nos deparamos com uma vastidão de temas que podem ser discutidos e aprofundados. Porém, vamos nos restringir ao cenário das empresas familiares brasileiras e, dentre elas, abordaremos aquelas que não se configuram como de grande porte.
Para abordar características das empresas familiares de pequeno ou médio porte, devemos destacar o fato de que essas estruturas desempenham papel da maior importância no incremento do PIB nacional, na geração de empregos e no recolhimento de tributos. Por conta dessa relevância, discutiremos alguns fatos que podem afetar o desempenho e em alguns casos, a própria sobrevivência desses negócios. Voltando ao assunto dos entraves e gargalos, as empresas familiares podem vivenciar diferentes situações dependendo do seu estágio de desenvolvimento (inicial, em expansão e madura), mas todas elas ligadas ao tripé família, patrimônio e empresa. As problemáticas vividas nessas empresas são inúmeras e pretendemos destacar algumas delas. A primeira tem a ver com a resistência pelo novo, e isso tem conexão com o nível de capacitação da geração. A preocupação com a formação executiva de um acionista deveria ser a base filosófica, já que o intuitismo pode ter sido o diferencial de um fundador, mas é algo não administrável pelas gerações seguintes. Outra face desse mesmo tema é a preocupação em agregar valor ao patrimônio por parte dos herdeiros acionistas. A geração de valor fundamentada na estratégia, quando negligenciada, potencializa as chances de descontinuidade do negócio. A deficiência na formação de herdeiros acionistas tem relação com modelos de gestão vinculados de maneira extrema à idéia de que, “se foi fundada assim e deu certo, é porque é bom e deve ser mantida”. Não pretendemos, é claro, induzir sócios herdeiros a abrirem mão de valores e crenças, mas de perceber que é possível e vital aprimorar técnicas de gestão circundadas de valores e crenças.
No mercado atual, o controle familiar é “diluído” na medida em que as partes interessadas (stakeholders) passam a exercer maior influência na evolução do negócio. Ou seja, clientes e fornecedores exigem referências na gestão e não só na especificação do produto ou serviço. Bancos impõem requisitos que vão desde regras de aceitação da empresa como cliente até o seu nível de transparência e preocupação ambiental, sem falar nos órgãos reguladores e governamentais que já diferenciam empresas pelo seu nível de governança e gestão. Dessa forma, nenhum modelo de gestão familiar consegue se manter absolutamente fechado e arraigado ao modelo original de fundação. Ainda nessa seara, outro ponto de destaque é o crédito. Sem ponderar sua complexidade histórica no Brasil, é fato que existe diferenciação no custo e no acesso para organizações com adequados níveis de governança e sustentabilidade. Para todas essas questões é primordial, além da capacitação, a constante avaliação do quê e de como estamos gerindo o curto, o médio e o longo prazos. Visões externas e comparativas auxiliam nas decisões e mudanças de conceitos. Salientamos ainda os quesitos inovação e crescimento. Inovar favorece as chances de competir e requer processos, investimentos e dedicação no acompanhamento do mercado. Crescer é algo que demanda a busca por novos sócios e a atração de profissionais competentes. Isso tudo resultará – é inevitável! – na revisão dos modelos de gestão e na forma de se fazer negócios. Também quando abordamos a governança, estamos tratando da separação entre patrimônio da empresa e dos sócios, bem como dos modelos decisórios. O famoso “almoço do domingo” é valiosíssimo para se discutir idéias e pensamentos estratégicos, mas não pode ser soberano frente às instâncias decisórias da organização. n Phelipe Linhares é sócio-diretor da BDO, umas das cinco maiores empresas do mundo em auditoria, tributos e advisory services.
Agbril 2010 | PODER LOCAL | 25
ARTIGO
Na direção oposta
A equivocada legalização fundiária, sem os devidos critérios Por Marina Silva
E
nquanto a sociedade brasileira está cada vez mais consciente na busca de
um desenvolvimento sustentável, parte dos políticos vai na direção oposta. É uma triste viagem no tempo, de volta aos anos 70 do século passado, quando florestas eram derrubadas como se fossem um entrave ao que se imaginava ser o progresso, mas que se mostrou apenas um projeto autoritário e desastroso de ocupação da Amazônia. Pois há os que não aprenderam nada com aqueles erros. Querem mais terra arrasada.
Duas investigações recentes, da Polícia Federal e da imprensa, alertam para esse perigo. A primeira - Operação Jurupari, em Mato Grosso - desmontou mais um esquema criminoso de exploração e venda ilegal de madeira, envolvendo membros do governo estadual, políticos, madeireiros e fazendeiros. A outra é a reportagem de Marta Salomon denunciando a “venda”, pelo governo federal, de terras na Amazônia pela bagatela de R$ 2,99 a cada dez mil metros quadrados, com 20 anos para pagar. O que comprova o alerta que fizemos no ano passado, sobre a equivocada legalização fundiária, sem os devidos critérios. Estamos agora às vésperas da apresentação e votação na Câmara do relatório do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que poderá propor, segundo o que vem sendo divulgado, mudanças profundas que podem desconstituir a legislação ambiental. Precisamos atentar para a posição do relator sobre a pulverização da legislação ambiental em normas estaduais, proposta pelos ruralistas, e a redução das áreas de proteção ambiental, permitindo mais desmatamento. O exemplo de Mato Grosso ilustra bem o que pode acontecer. Ademais, o uso sustentável dos recursos naturais é questão estratégica para o país. Não é razoável que fique 26 | PODER LOCAL | Abril 2010
ao sabor do jogo de pressões locais, de consequências imprevisíveis. As mudanças pretendidas, principalmente no Código Florestal, longe de serem uma “atualização”, como andam dizendo, representam o retrocesso, o comprometimento de um patrimônio de todos os brasileiros em nome da insistência de alguns setores em permanecer na produção predatória. Estamos diante de uma escolha que determinará se queremos desenvolvimento de fato ou exploração irracional da natureza em benefício de poucos, sobrando o desastre para milhões. Muitos produtores já se organizam, com excelentes resultados, para praticar a agricultura e a pecuária sustentável do futuro. Ela não só é possível como rentável. É fundamental, portanto, que os legisladores pensem no peso de sua responsabilidade. É fundamental também que a sociedade mostre ao Congresso que está atenta e sabe se defender. Marina Silva é senadora pelo Partido Verde e candidata à Presidência da República
Foto: © Russell A. MITTERMEIER / WWF-Canon * O minuto da ligação a partir de telefone fixo é de R$ 0,036 + impostos e a partir de celular é de R$ 0,44 + impostos
Nós precisamos de sua ajuda. Nossas grandes riquezas naturais, a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica são destruídas a cada dia. E para frear esta situação, precisamos do seu apoio. O WWF-Brasil é uma organização brasileira que, com a sua ajuda, desenvolve projetos de conservação da natureza e uso sustentável dos recursos naturais. Contribuindo para o WWF-Brasil, você colabora diretamente com ações para construir uma vida melhor para as gerações de hoje e do futuro.
Faça a diferença! Afilie-se ao WWF-Brasil. Conserve o seu planeta. Ainda dá tempo.
Uma pequena contribuição mensal, uma grande diferença para o meio ambiente.
R$
20,00
Você colabora para a criação de importantes áreas de conservação
R$
30,00
Você ajuda a salvar espécies ameaçadas de extinção
R$
50,00
Você auxilia a frear o desmatamento na Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica
Acesse www.wwf.org.br/afiliacao ou ligue 0300 789 5652*