Editores-gerais Fabiane Araújo de Oliveira Raul Medeiros Bezerra da Costa Diretoria de Editoração Amanda Pontes Soares Fernandes Anna Beatriz Alves de Oliveira Bruna Agra de Medeiros Camila Cortez de Souza Araújo Érika Ramos Calife Gabriela Mariel Moura de Azevedo Maria Emília Freitas Diógenes Mariana Gomes Pereira Mariana Rocha Sousa Severino Yasmin Tomaz Cabral Diretoria de tradução para a língua inglesa Maria Emília Freitas Diógenes Yasmin Tomaz Cabral Professores Orientadores Morton Luiz Faria de Medeiros Patrícia Borba Vilar Guimarães
CAPA: Filosofia Política: entre o Direito e Sociedade – arte que representa o entrelaçamento entre estes dois universos que compõem o Direito e a Sociedade. Fonte: <http://www.istockphoto.com/photo/themis19291747> Edição da Capa por Paulo André Magalhães.
FIDΣS
ISSN 2177-1383
Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade
FIDES, Natal, v. 5, n. 2, jul./dez. 2014
EDITORIAL
A Revista FIDES lança sua emblemática décima edição no segundo semestre do ano de 2014. Celebra-se, assim, a fundação do periódico que em 2010 lançou as bases para a construção de um veículo de comunicação que fomentasse a comunidade acadêmica a não pensar apenas com o viés jurídico, mas o enlaçando, também, aos matizes da conjuntura social, filosófica, ética, política e de diversas outras matérias que compõem o arcabouço humano da vida. Com efeito, esta edição traz o tema Filosofia Política: entre o Direito e Sociedade, buscando, assim, reviver e fortificar as raízes de uma revista que foi pensada e é construída, semestre após semestre, para propagar o pensamento da maneira mais acessível e capaz de fazer com que os leitores reflitam, de maneira crítica, sobre o conhecimento derramado nas páginas dos artigos. Desta forma, é latente o entrelaçamento entre o Direito e a Sociedade, aliança esta vista desde o início do curso das ciências jurídicas no brocardo ubi societas, ibi jus representado na capa deste décimo lançamento. Todavia, tratar de tal binômio soa mais interessante quando visto sob a ótica da Filosofia Política, com a exposição de linhas de raciocínio de pensadores célebres, como Habermas e Heidegger. É sob tal conjuntura que a FIDES possui o prazer de apresentar obras de docentes que buscaram, dentro de sua área do conhecimento, aprofundar e disseminar o perseverante ato de construir a ciência para o maior número de pessoas. Por sua vez, abrindo a revista, apresentaremos uma obra da Doutoranda Clarissa Tassinari. Na seção de Artigos Iniciais, teremos estudos da professora Patrícia Borba Vilar Guimarães . Contaremos, ainda, com a contribuição da professora Karoline Marinho, do professor Lauro Ericksen Cavalcanti de Oliveira; da professora Patrícia Borba Vilar Guimarães em conjunto com a mestranda Fabiane Maria, da professora Andréa Gersósimo e do jornalista Dilson Florencio Rodrigues; e da professora Patrícia Kellis. Na seção Literatura e Direito, teremos um artigo do professor da Casa, Morton Medeiros. Em seguida, traremos nove artigos devidamente avaliados em processo editorial. Defronte a todo o cenário de festividade em lançar este número dez, agradecemos de forma efusiva à colaboração de toda à comunidade acadêmica, dos
membros da equipe editorial que formam este periódico, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, assim como a todos os envolvidos na coordenação e orientação, palestra do evento e produtores de artigos, os quais buscam perpetuar a cada dia a disseminação do saber, uma vez que é isto que o ser humano carrega para todo o sempre. Uma leitura feliz e descontraída a todos!
Natal/RN, 02 de novembro de 2014.
Conselho Editorial
SUMÁRIO
LIAMES FILOSÓFICOS ENTRE O DIREITO E A SOCIEDADE O PAPEL DA CRÍTICA HERMENÊUTICA DO DIREITO: SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA, TEORIA DO DIREITO E A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO Clarissa Tassinari
REFLEXÕES SOBRE DEMOCRACIA E ATIVISMO JUDICIAL Fabiane Araújo de Oliveira Raul Medeiros Bezerra da Costa
7 -24
25-30
ARTIGOS INICIAIS
A ÉTICA, COMUNICAÇÃO E MÍDIA: A RESPONSABILIDADE MIDIÁTICA SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL Andréa Gersósimo Mussato Dilson Florencio Rodrigues Patrícia Borba Vilar Guimarães
31 – 45
A IMPORTÂNCIA DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS ATRAVÉS DA BIORREMEDIAÇÃO: UMA ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA Ingrid Zanella Andrade Campos
46 – 58
REFORMA POLÍTICA E FINANCIAMENTO DE CAMPANHA: ENTRE A IDEOLOGIA E (DES)NECESSIDADE Lauro Ericksen
59 – 74
ARTIGOS CIENTÍFICOS CONVIDADOS
A REALIDADE DAS SERRAS CENTRAIS POTIGUARES E A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Fabiane Maria Dantas Patrícia Borba Vilar Guimarães
75 – 91
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: UMA DISCUSSÃO INÓCUA NO BRASIL? Anna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcanti da Rocha
DIREITO E TEATRO: PROPOSTA DE INSERÇÃO DA ARTE DRAMÁTICA COMO MEIO TRANSFORMADOR DA EDUCAÇÃO JURÍDICA Karoline Lins Câmara Marinho de Souza
O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA ANAPARENTAL COMO ENTIDADE FAMILIAR ESTÁVEL E SUA CONSEQUENTE LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR ADOÇÃO, À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF Patrícia Kellis Gomes Borges
92-96
97-112
113-117
118-138
SER Y TIEMPO JURIDICOS Juan Carlos Riofrío Martínez-Villalba ARTIGOS CIENTÍFICOS
A EVASÃO FISCAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LIVRE CONCORRÊNCIA DO MERCADO INTERNO Izadora Mayara Silva da Silveira Rocha
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Elaine Cristina Gabriel Ramos
NO
ÂMBITO
DO
A INDEVIDA CRIMINALIZAÇÃO DA MORALIDADE:O CRIME DE CASA DE PROSTITUIÇÃO SOB O PRISMA DO PATERNALISMO PENAL Alan Monteiro de Medeiros Paulo Vítor Avelino Silva Barros
A PREVENÇÃO COMO MEIO DE EFETIVAR O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE Bartolomeu Fagundes de Lima Filho Sérgio Roberto de Lima e Silva
A TRIBUTAÇÃO INDUTORA E A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS Arthur Magnus Dantas de Araújo
139-148
149 – 161
162-176
177-194
195- 210
DO RESTABELECIMENTO DO PRAZO DE VALIDADE DOS CRÉDITOS DE CELULARES PRÉ-PAGOS: UMA ANÁLISE DA DECISÃO DO STJ A PARTIR DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA Jéssica Helena Maruoka da Silva Maise Gindre Mosseline
FUNDAMENTOS E DIFICULDADES DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À MEIA-ENTRADA ESTUDANTIL Fabrício Germano Alves Victor Scarpa de Albuquerque Maranhão
O CRIME DE LAVAGEM RELIGIOSAS Felipe Gabriel da Silva Alvares Tiago Teixeira Coelho
DE
DINHEIRO
NAS
ORGANIZAÇÕES
O VÍNCULO ENTRE NACIONALIDADE E DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE DA APATRIDIA À LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT Ana Luiza de Morais Rodrigues
211-225
226-246
247-257
258-270
LITERATURA E DIREITO
A POLÍTICA EM CEM ANOS DE SOLIDÃO: UM ENSAIO SOBRE A DEMOCRACIA DA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX Morton Luiz Faria de Medeiros
271-275
FIDΣS Recebido 30 out. 2014 Aceito 31 out. 2014
O PAPEL DA CRÍTICA HERMENÊUTICA DO DIREITO: SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE FILOSOFIA, TEORIA DO DIREITO E A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO Clarissa Tassinari*
RESUMO Este artigo objetiva estudar as contribuições da Crítica Hermenêutica do Direito (de Lenio Streck) no modo de compreender o fenômeno jurídico no Brasil, em especial, a atuação do Poder Judiciário. Para tanto, o texto foi elaborado a partir de uma tríplice estrutura, que, por sua vez, coloca sob discussão três diferentes temas: primeiro, o resgate do diálogo entre Direito e Filosofia; segundo, a proposta de um referencial teórico para o Direito construído a partir da assimilação dos pressupostos da filosofia de um modo não instrumental, mas
crescimento das intervenções judicias em controvérsias políticas e sociais. O método utilizado na redação deste artigo foi o fenomenológico-hermenêutico, que permite revisitar a tradição jurídica, revolvendo o chão linguístico que a compõe. Palavras-chave: Crítica hermenêutica do direito. Filosofia no direito. Ativismo judicial. Judicialização da política.
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Doutoranda em direito público pelo PPG Direito da UNISINOS. Bolsista CNPq-BR. Mestre e graduada em Direito pela UNISINOS. Membro do “Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos” e do grupo de pesquisa “Hermenêutica Jurídica” (CNPq), ambos liderados pelo prof. Lenio Luiz Streck. Advogada (OAB/RS). E-mail: clarissa@tassinari.adv.br.
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paradigmático; e terceiro, os reflexos disso no modo de visualizar o
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FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
A Constituição brasileira de 1988 já completou mais de vinte e cinco anos. Desde que passou a ser a norma fundamental do país, nada mais de tão significativo aconteceu no contexto político-jurídico brasileiro que possa ser comparado a este evento. O texto constitucional de 1988 (e, com ele, suas instituições, institutos e todos os seus avanços em termos de direitos e garantias) é, portanto, o novo sobre o qual ainda temos que produzir reflexão. A importância deste reconhecimento pode ser justificada por pelo menos dois motivos: primeiro, porque a Constituição de 1988 representou, antes de tudo, uma significativa e positiva ruptura com a tradição; segundo, porque as grandes transformações não se concretizam simplesmente com o surgimento de novos textos, mesmo que sejam revolucionárias constituições. Para que aconteça um efetivo rompimento, é necessário, além de uma mudança que se opere no âmbito da institucionalidade (como o surgimento de um processo constituinte, como o que deu origem à atual Constituição), a construção de um imaginário social1 que incorpore esses avanços, o que depende da existência de uma postura reflexiva que seja capaz de atribuir sentido às modificações ocorridas, materializando, desse modo, o projeto constitucional. Diante de um processo de mudança, como sugere Lima Lopes, há duas posturas a serem seguidas: ou de rejeição, pela qual se procura um retorno aos modelos tradicionais; ou de aceitação, que exige a busca por compreender os sentidos que podem ser a ele atribuídos.
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implica colocar em questão o conceito de Direito, pois essa é a discussão de fundo a partir da qual serão realizadas projeções para os diversos âmbitos jurídicos. Por sua vez, a pergunta pelo conceito de Direito traduz-se pela busca de seus fundamentos. Ao afirmar a necessidade de se realizar um exercício reflexivo que procure atribuir uma fundamentação para o Direito, está-se fazendo referência a três questões elementares: primeira, a compreensão de que o conceito de Direito necessariamente passa pelo reconhecimento da existência de um pressuposto teórico que lhe sustenta (em outras palavras, de uma teoria que orienta a forma de entender o fenômeno jurídico e de atribuir-lhe conteúdo); segunda, a constatação de que essa racionalidade segundo a qual o Direito opera influencia diretamente na concretização dos direitos; e terceira, que o direito brasileiro há 1 2
CASTORIADIS, Cornelius (1991). A Instituição imaginária da sociedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. LOPES, José Reinaldo de Lima (2002). O direito na história. 2. ed. São Paulo: Max Limonad. p. 17.
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Em continuidade a esse raciocínio, pode-se afirmar que a construção de sentidos sobre o novo
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FIDΣS muito tempo vem lutando no enfrentamento de uma crise que impede a efetivação do que foi garantido tanto pela legislação quanto pelo texto constitucional. Por muito tempo, o positivismo jurídico (em especial, o de matriz kelseniana) foi onde a teoria do Direito procurou os elementos para dar legitimidade ao Estado Democrático de Direito e toda sua arquitetura (formal e material). Ocorre que o positivismo kelseniano se propôs a elaborar conceitos de um modo tão rigoroso, que construiu uma teoria descritiva do sistema de normas positivas. Com isso, ficou reforçada a noção de dogmática jurídica, compreendida como “a atividade que tem a pretensão de estudar o direito positivo vigente sem construir sobre o mesmo juízos de valor”3, o que repercutiu na produção de uma teoria sistemática, “baseada em sua aceitação acrítica”. 4 Essa ideia de uma ciência (jurídica) que não pensa repercute diretamente no afastamento do Direito da intenção filosófica, que consiste no desenvolvimento de uma postura crítico-reflexiva. É nesse contexto que se torna cada vez mais importante recuperar o diálogo entre o Direito e a Filosofia, pois somente através do questionamento, próprio da reflexão filosófica, será possível enfrentar a problemática do fundamento do Direito, proporcionando, assim, mudanças no modo como compreender os seus institutos e instituições. A primeira dessas transformações possibilitadas pela aproximação entre Direito e Filosofia é a atribuição de materialidade às construções jurídicas institucionais, tornando factível a concretização do projeto constitucional (e de sociedade) que foi elaborado por nossa Constituição e que apenas se tornará efetivo pela via de uma postura que abandone o sistema autorreferente de fundamentação (a lei com fundamento em si mesma).
resgatará a importância de se constituir e reforçar a interlocução entre o Direito e a Filosofia na busca de uma adequada resposta à pergunta sobre o que é o Direito (e não o que está de acordo com o Direito); segundo, realizará uma abordagem sobre a proposta que Lenio Streck denomina de Crítica Hermenêutica do Direito, com intuito de demonstrar a importância da adoção de uma matriz teórica que assimile os avanços filosóficos de um modo paradigmático, não instrumental; e, por fim, demonstrará os reflexos da adoção desses pressupostos teóricos na análise da atuação judiciária.
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WARAT, Luis Alberto; CARDOSO, Rosa (1977). Epistemologia e dogmática jurídica. In: ______. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca. p. 25. 4 Idem, ibidem. (grifos meus)
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Com base nisso, o presente texto obedecerá a um tríplice movimento: primeiro,
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FIDΣS 2 CONSTRUINDO O DIÁLOGO ENTRE DIREITO E FILOSOFIA: A BUSCA DO FUNDAMENTO PARA O DIREITO NA REFLEXÃO FILOSÓFICA
Desde a Grécia Antiga, a Filosofia procurou produzir reflexões sobre o conhecimento jurídico. O desenvolvimento deste pensamento reflexivo sobre o Direito ocorria de duas maneiras, ou melhor, a partir de duas intenções: uma filosófica, que era teórica, e outra normativa, que, por sua vez, era prática. Assim, a problematização do Direito, que, no fundo, reflete a ideia de postura filosófica diante de determinado problema jurídico, operavase neste duplo nível: teórico, mas também prático. 5 A modernidade modificou completamente esta questão, o que implicou uma transformação na interrelação entre Direito e Filosofia. Embora esse período tenha produzido o nascimento da expressão Filosofia do Direito, sendo que a primeira menção a esse termo aparece como título de uma das obras de Hegel, também fomentou o desenvolvimento da separação entre teoria e prática. Com isso, a reflexão filosófica desenvolvida perante o Direito deixa de possuir esta dimensão prática (normativo-regulativa), atribuindo à Filosofia apenas o papel de fundamentação teórica do conhecimento jurídico. 6 Filosofia do Direito passou, então, a ser sinônimo de conhecimento meramente teórico, abstrato, de certo modo desvinculado das práticas jurídicas, porque não prescritivo. Por sua vez, a intenção normativo-regulativa é deslocada, no Direito continental, para o que se chama de Filosofia Política. Assim, a Filosofia do Direito nasce, no contexto de todas estas transformações, rompendo com o que a tradição filosófica havia construído, embora o tivesse
O Direito, por sua vez, a partir do ideal de ciência jurídica acabou concebendo o papel da Filosofia como diminuído em relação à produção jurídica, como desprovido de aplicabilidade. Ou seja, se, com a noção de Filosofia do Direito surge a concepção de Filosofia como fundamento do conhecimento jurídico, nem ao menos este papel foi reconhecido pelos juristas. A partir de um aumento cada vez mais expressivo do abismo entre teoria e prática, o Direito mostrou-se alheio à Filosofia, numa espécie de busca de autonomização científica, que, como referido, foi impulsionada pelo desenvolvimento e assimilação pelos juristas da doutrina positivista de Hans Kelsen.
5
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Introdução à teoria e à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 189. 6 Idem, ibidem.
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feito sem o objetivo específico de se criar uma Filosofia do Direito.
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FIDΣS Na verdade, ao longo dos séculos, a questão do conhecimento humano colocava em choque o desenvolvimento das ciências com a Filosofia. Após o reconhecimento da inicial ligação, isto é, da ideia de ciência como desmembramento da Filosofia, houve todo um movimento das ciências para se tornarem autônomas e independentes. Assim, a compreensão do homem, a partir da proclamação de uma independência (científica), passava a ser derivada de pontos de partida absolutos, evidências definitivas e deduções abstratas, que colocavam de lado a experiência concreta, criando uma racionalidade dogmatizada. 7 O problema que envolve a relação Direito e Filosofia consiste, fundamentalmente, no fato de que, para o Direito, em geral, a produção do pensamento crítico está simplesmente vinculada à confrontação de posições teóricas. Essa mera contraposição de argumentos jurídicos é produzida como mera discussão, isto é, sem que se busque os fundamentos de cada uma das posturas sob análise. Por esse motivo, a aproximação entre Direito e Filosofia permite “(...) olhar mais no fundo da questão e descobrir qual é o standard de racionalidade que está por trás da argumentação e das premissas”. 8 Desse modo, a noção de uma resistência do Direito à Filosofia deve ser entendida no contexto da ideia positivista de autonomia jurídica como autossuficiência. Isso significa que, a partir de uma concepção enclausurada conhecimento jurídico, o Direito se constitui fechado nele mesmo. Como consequência, rejeita qualquer influência externa, como a da Filosofia, por exemplo. Quais as consequências deste isolamento jurídico da perspectiva filosófica? A existência de uma postura jurídica não reflexiva. Ou seja, os assuntos que a Filosofia do
sociedade democrática. Dessa forma, pode-se afirmar que é na Filosofia que conseguiremos encontrar os sentidos das palavras que constituem a Constituição, isto é, o sentido para os institutos e instituições do Direito. É por esse motivo que a expressão Filosofia do Direito, com o passar dos tempos, em oposição à produção desse saber encapsulado produzido por influência do positivismo jurídico, ganhou foros de cidadania. A Filosofia do Direito se diferencia da chamada Ciência do Direito ou das doutrinas do Direito, porque essas nos habilitam a dizer o que está e o que
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Como afirma Ernildo Stein: “A meditação sobre o homem, durante muitos séculos, se movimentava na esfera da abstração analítico-dedutivista. Os pontos de partida absolutos, as evidências definitivas eram as matrizes donde emergia a compreensão do homem. (...) Portanto, ou se partia da abstrata natureza humana ou se computavam dados positivos cuja soma jamais correspondia ao que vinha predeterminado na reflexão filosófica”. STEIN, Ernildo. História e ideologia. 3. ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1972. p. 15. 8 Idem, ibidem, p. 134.
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Direito traz para a nossa reflexão são temas que se relacionam com a construção de uma
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FIDΣS não está de acordo com o direito positivo. Através delas, o bacharel de Direito sairá da Universidade sabendo responder à pergunta sobre o que está de acordo com a lei. Por outro lado, a Filosofia do Direito responde a uma pergunta mais curta e, ao mesmo tempo, mais radical: o que é o Direito? Nesse sentido, é possível afirmar que a pergunta pelo conceito de Direito é a problematização acerca de seus fundamentos. Na contemporaneidade, a sociedade e, com isso, o Direito, vêm passando por transformações. Há uma simbólica tentativa de se romper com a concepção moderna de sociedade e de Direito, o que representa uma abertura ao pensamento crítico-filosófico. O papel de busca constante por recursos de orientação e fundamentação do conhecimento jurídico no âmbito filosófico tem encontrado, progressivamente, maior aceitação. A ideia de uma exacerbação do positivismo possibilitou um novo modo de perceber a Filosofia em sua articulação com o conhecimento jurídico. É por isso que, como diz Ernildo Stein, “(...) estamos postos diante da alternativa: ou encontramos um modo de pensar a relação entre Filosofia e Direito em uma nova dimensão, ou permanecemos na corrida interminá-vel de um Direito que se especializa para esconder o impasse de seu vazio”.9
3 O PAPEL DA CRÍTICA HERMENÊUTICA DO DIREITO (DE LENIO STRECK)
Com o objetivo de tornar possível o diálogo entre Direito e Filosofia, Lenio Streck cria um movimento que denomina de Crítica Hermenêutica do Direito. Com isso, o
e crítica concepção do fenômeno jurídico, mas, ao mesmo tempo, revela os equívocos existentes em propostas que meramente buscam se apropriar dos elementos da Filosofia sem uma adequada contextualização às particularidades do sistema jurídico. Ou seja, a Crítica Hermenêutica do Direito é uma teoria do direitos construída sob os aportes paradigmáticos da Filosofia; não uma proposta que busca em critérios filosóficos a solução para problemas jurídicos. A proposta de Lenio Streck, com a Crítica Hermenêutica do Direito, está centrada na realização de uma reflexão de caráter abrangente, considerada inovadora por diversos motivos, que podem ser assim sintetizados10:
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STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Editora Ijuí, 2004. p. 154. Evidentemente, a proposta de Lenio Streck não se resume a isto. Contudo, esta foi uma tentativa de demonstrar os principais pontos que permeiam sua abordagem. 10
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jusfilósofo busca reconhecer a importância das transformações filosóficas para uma adequada
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a) primeiro, por, sob influência de Luís Alberto Warat, consistir numa ruptura com o dogmatismo, através da afirmação de uma hermenêutica crítica na interpretação/aplicação do direito (na superação do que ficou conhecido por “senso [ou sentido] comum teórico dos juristas”11), o que repercutiu sobremaneira no modo de compreender o ensino jurídico no Brasil; b) segundo, por, em contato com a obra do filósofo Ernildo Stein, assentar sua teoria sob os aportes da filosofia hermenêutica (de Martin Heidegger) e da hermenêutica filosófica (de Hans-Georg Gadamer) e, a partir disso, evidenciar as inter-relações entre Direito e Filosofia, rompendo com a negação (resistência) filosófica que povoava o ambiente jurídico no Brasil, o que resultou na expressão filosofia no direito (terminologia por ele criada); e c) terceiro, por agregar a tudo isso a construção de uma teoria da decisão judicial, elaborada a partir de uma imbricação com a proposta do jurista norte-americano Ronald Dworkin, fazendo nascer a tese do direito fundamental a repostas constitucionalmente adequadas (a respostas corretas), estruturada a partir do dever de fundamentar as decisões, que, por sua vez, apresenta-se como uma exigência dos pressupostos democráticos do constitucionalismo. É neste sentido que a proposta de Lenio Streck apresenta-se diferenciada: a partir de pressupostos filosóficos, sua teoria não apenas dá uma nova tônica à interpretação do Direito, mas também possibilita visualizar, com base nisso, a existência de problemas jurídicos, como, por exemplo, a assimilação e os incentivos dados ao elemento discricionário na construção da
impulsiona o conhecimento jurídico em direção a uma pergunta fundamental: como decidir? Com isso, verifica-se que a intenção filosófica – que é crítico-reflexiva – possibilita o despertar para novos dilemas jurídicos, que, por sua vez, exigirão soluções que devem ser elaboradas a partir dos caminhos construídos pela teoria do direito (não por uma “aplicação imediata” dos conceitos fundamentais da Filosofia). Como referido acima, um dos vieses que marca interpretação do fenômeno jurídico sob os aportes da Crítica Hermenêutica do Direito é o enfrentamento do protagonismo de juízes e tribunais. Como solução para este enfrentamento crítico sobre a atuação jurisdicional,
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WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
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decisão judicial. Assim, a reflexão filosófica presente na obra de Streck, dentre outros temas,
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FIDΣS Lenio Streck elabora uma teoria da decisão judicial.12 Sua abordagem constitui uma proposta hermenêutica de amplo espectro, mas que se estrutura a partir de quatro elementos centrais: a) Um novo modo de conceber o ato interpretativo, possibilitado pelos aportes da Filosofia, compreendida não como uma filosofia ornamental ou de orientação, mas como standard de racionalidade. Estas terminologias são utilizadas por Ernildo Stein, indicando que há três modos pelos quais ocorre a aproximação entre a Filosofia e as demais esferas do saber (como o Direito): filosofia ornamental, de orientação ou como standard de racionalidade. O modo “ornamental” indica um uso “cosmético” da Filosofia, através de citações de conveniência; a filosofia de orientação aponta para um critério de utilidade, no sentido de busca por uma ética ou filosofia moral; e, por fim, a filosofia standard de racionalidade consiste em um projeto filosófico, que constitui um novo paradigma, sendo, portanto, a verdadeira filosofia13. Neste sentido, a utilização do método hermenêutico-fenomenológico, de matriz heideggeriana14, possibilitou um novo modo de compreender o fenômeno jurídico, denunciando a dimensão interpretativa do Direito, seja através da desmistificação dos conceitos jurídicos como enunciados com conteúdos determinados a priori, seja a partir da diferença entre texto e norma (que, segundo Streck, é ontológica15). A ideia de método é compreendida à distinção da noção de certeza e segurança, própria do pensamento moderno. O método hermenêutico-fenomenológico apresenta-se como uma “ferramenta”, precária e provisória, da qual não se consegue ter total apreensão e domínio, estando voltado ao constante questionamento e, por isto, constituindo um modo de filosofar. O método proposto
filosofia da subjetividade, causou), sendo fundado num modelo binário de velamento e desvelamento. A isto são agregados os aportes da hermenêutica filosófica gadameriana, no interior da qual o momento de interpretação de um texto deixa de ser percebido de modo separado de sua aplicação, mas como um acontecimento unitário, denominado pelo filósofo alemão de
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Sobre o tema, ler: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 13 STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004. pp. 135-157. 14 STEIN, Ernildo. A questão do método na filosofia: estudo do modelo heideggeriano. Porto Alegre: Editora Movimento, 1983. pp. 12-25. 15 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, op. cit., pp. 276 e ss.
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por Heidegger procura superar o velamento da questão do ser (que a metafísica, através de sua
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FIDΣS applicatio16. O ato aplicativo do Direito deixa de ser um procedimento de extração (reprodução) do sentido do texto (Auslegung) e passa a ser concebido como atribuição de sentido (Sinngebung), que ocorre através de um contexto de intersubjetividade, transformação através da qual Streck faz a primeira ruptura hermenêutica com a tradição: o afastamento das posturas objetivistas (vontade da lei/vontade do legislador). 17 b) Por sua vez, da teoria do direito de Ronald Dworkin é extraído o segundo elemento estrutural da nova teoria da interpretação que compõe o Constitucionalismo Contemporâneo: a reponsabilidade política dos juízes. Segundo Streck, se o advento do Estado Democrático de Direito tensionou a relação entre os Poderes em direção à esfera jurisdicional, também obrigou/responsabilizou os juízes perante à sociedade, especialmente porque o Judiciário passou a decidir questões que envolvem direitos sociais. Assim, incorporando a noção de integridade do Direito18 presente na obra de Dworkin, que se traduz na ideia de Direito considerado como um todo (que se volta ao tratamento equânime e igualitário na busca da melhor justificativa para as práticas jurídicas) 19, Streck afirma que os juízes, ao tomarem suas decisões, devem sentir-se politicamente constrangidos pela comunidade de princípios que constitui a sociedade;
A proposta de Hans-Georg Gadamer veio para superar a divisão do problema hermenêutico em: compreensão (subtilitas intelligendi), interpretação (subtilitas explicandi) e aplicação (subtilitas applicandi). Assim, pretendendo romper com esta cisão, Gadamer afirmou: “La interpretación no es un acto complementario y posterior al de la comprensión, sino que comprender es siempre interpretar, y en consecuencia la interpretación es la forma explícita de la comprensión. [...] En este sentido nos vemos obligado a dar un pazo más allá de la hermenéutica romántica considerando como un proceso unitario no sólo el de comprensión y interpretación, sino también el de la aplicación. [...] la aplicación es un momento del proceso hermenéutico tan esencial y integral como la comprensión y la interpretación”. GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método. 12. ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2007. pp. 378-379. 17 Embora este tema perpasse todas as obras de Lenio Streck, porque, como referido, constitui elemento estruturante de sua teoria, pode-se encontrar o aprofundamento desta abordagem nos seguintes textos: Hermenêutica jurídica e(m) crise, op. cit., capítulo dez, pp. 231-298; Verdade e Consenso, op. cit., especialmente os itens três e quatro do posfácio, pp. 468-516. 18 Stephen Guest, autor que elaborou uma obra para tratar especificamente da teoria de Dworkin, faz uma abordagem esclarecedora sobre o sentido de integridade na obra do autor norte-americano: “[...] Dworkin pretende que sua ideia de integridade seja algo além e acima da consistência, da ideia de tratar casos similares de maneira similar ou, como ele diz, da mera ‘elegância’. A integridade, por outro lado, considera fundamentalmente a maneira como as pessoas devem ser tratadas e considera que os direitos dão origem e limitam as decisões a respeito do futuro da comunidade”. GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Tradução de Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 79. 19 Sobre a integridade do direito, Ronald Dworkin afirma que uma decisão tomada baseada na integridade do direito considera princípios de justiça, enquanimidade e devido processo, sendo a melhor interpretação à luz da prática da comunidade: “According to law as integrity, propositions of law are true if they figure in or follow from the principles of justice, fairness and procedural due process that provide the best constructive interpretation of the communit’s legal practice. [...] Law as integrity, then, begins in the present and pursues the past only so far as and in the way its contemporary focus dictates”. DWORKIN, Ronald. Law’s empire. Cambridge/Massachusetts: Harvard University Press, 1986. pp. 225-227.
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FIDΣS c) Esta responsabilidade política dos juízes se desdobra, também, em um dever de fundamentação, que advém, de forma secundária20, da própria dogmática constitucional brasileira (art. 93, IX, da Constituição), conformando, assim, o terceiro elemento da teoria de Streck. Este dever de fundamentar se desdobra na diferença entre decisão e escolha: “a escolha ou eleição de algo é um ato de opção que se desenvolve sempre que estamos diante de duas ou mais possibilidades, sem que isso comprometa algo maior do que o simples ato presentificado em uma dada circunstância. [...] A escolha é sempre parcial. Há no direito uma palavra técnica para se referir à escolha: discricionariedade e, quiçá (ou na maioria das vezes), arbitrariedade. [...] Ora, a decisão se dá, não a partir de uma escolha, mas, sim, a partir do comprometimento com algo que se antecipa. No caso da decisão jurídica, esse algo que se antecipa é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói como direito (ressalta-se, por relevante, que essa construção não é a soma de diversas partes, mas, sim, um todo que se apresenta como a melhor interpretação – mais adequada – do direito)
21
;
d) Por fim, esta exigência de fundamentação não se dá em quaisquer termos, mas a partir do que Lenio Streck passou a chamar de respostas constitucionalmente adequadas (quarto e último elemento que dá estrutura à sua teoria da decisão). Com este dever de cumprimento da Constituição, a discricionariedade judicial é radicalmente superada, representando uma ruptura com posturas solipsistas, que fragilizam a força normativa do texto constitucional. Ganha espaço, portanto, o papel dos princípios como fechamento interpretativo e o respeito à história institucional do direito (seu DNA, diria Streck). Com a tese da resposta correta (que não é nem a única, nem a melhor, mas a resposta adequada ao
tradição: a superação das posturas solipsistas, fundadas na vontade do sujeito. Tal posicionamento revela-se como âmago do constitucionalismo democrático, sendo indispensável para a legitimidade da jurisdição.
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A expressão de forma secundária é utilizada no sentido de que o dever de fundamentação da decisão judicial, antes de tudo, decorre da responsabilidade política dos juízes perante uma sociedade democrática. 21 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. pp. 105-106. 22 Sobre a tese da resposta correta, Marcelo Cattoni faz uma excelente leitura, ao afirmar que: “A tese da única resposta correta [de Dworkin] é, sobretudo, uma questão de postura ou atitude, definidas como interpretativas e auto-reflexivas, críticas construtivas e fraternas em face do direito como integridade, dos direitos individuais compreendidos como trunfos na discussão política e do exercício da jurisdição por esse exigida; uma questão que, para Dworkin, não é metafísica, mas moral e jurídica”. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Ronald Dworkin: de que maneira o Direito se assemelha à Literatura? In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo (Orgs.). Direito & Literatura: ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21.
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caso), também inspirada no posicionamento de Dworkin22, há a segunda ruptura com a
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FIDΣS Como se pode perceber, a Crítica Hermenêutica do Direito constitui uma matriz teórica que orienta o modo de compreender o fenômeno jurídico. Em especial, com base numa postura filosófica, agrega à dogmática jurídica a possibilidade de uma leitura crítica do Direito. Tudo isso, ao mesmo tempo, impede os retrocessos sociais, mas também participa ativamente na consolidação do projeto constitucional democrático insculpido pela Constituição Cidadã.
4 A DISTINÇÃO ENTRE ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
No atual cenário jurídico, a atuação do Poder Judiciário aparece como um dos temas que cada vez mais ganha destaque. Sob os mais diferentes enfoques, o exercício da jurisdição assumiu, gradativamente, o centro do debate jurídico por todo mundo. Em outras palavras, a abordagem que outrora poderia ser observada (e considerada) como própria das experiências norte-americana e inglesa (ou, ainda, específica do sistema da common law), na contemporaneidade, atinge abrangência muito maior, constituindo o cerne da questão envolvendo a concretização de direitos nas tradições de diversos países, inclusive daqueles fundados sob os pilares da civil law. Com isso, tem-se que, agregado às transformações pelas quais passa a teoria constitucional – muitas das quais consolidam significativos avanços, é importante referir –, a expressões como “global expansion of Judicial Power” (Neal C. Tate e Torbjörn Vallinder), “juristocracy” (Ran Hirschl), “judge-made law” (Christopher Wolfe), “governing with judges” (Alec Stone Sweet), “judicial activism”, dentre outros possíveis termos que, na relação entre os Poderes, dão ênfase ao Judiciário. Ou seja, o (novo) constitucionalismo (que, para muitos, consolidou o que ficou conhecido como “posturas neoconstitucionalistas”), majoritariamente, é articulado e, por vezes, identificado por um protagonismo da atividade jurisdicional, mesmo em sistemas que estão assentados, em sua origem, no direito legislado. Sob esta perspectiva, no Brasil, parcela considerável dos juristas (e, inclusive, dos membros que compõem o Judiciário) começa a conceber a jurisdição a partir de dois principais pressupostos – pela via do ativismo judicial e/ou da judicialização da política. Neste ponto, a utilização da palavra pressuposto não é aleatória: ela se atribui ao fato de que a teoria do direito assimilou (de modo praticamente instantâneo) o perfil ativista do
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predominantemente, mesmo no Brasil, aparece o elemento jurisdicional do Estado vinculado
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FIDΣS Judiciário, tomando-o como ponto de partida para a composição do cenário jurídico, isto é, considerando esta característica como algo inerente, pressuposta, portanto. Assim, pouco se tem percebido que não basta afirmar (defender ou constatar) a existência do ativismo judicial (ou, também, da judicialização da política), mas é imprescindível que se demonstre como conjugar os elementos – constitucionalismo-Judiciário-política-ativismo, citando, aqui, apenas os principais – que perpassam estas duas concepções, problemática que, aliás, vem sendo debatida há mais de duzentos anos nos Estados Unidos, desde o julgamento do caso Marbury versus Madison (em 1803), que deu origem ao controle de constitucionalidade norteamericano (judicial review). Em outras palavras, no Brasil, poucos têm sido os esforços voltados para elaborar um quadro com sustentabilidade teórica que dê conta de compor todos os matizes necessários para consolidar uma teoria judicial que esteja adequada ao Estado Democrático de Direito, com todos os seus indispensáveis desdobramentos. Na obra “Teoría Impura del Derecho: la transformación de la cultura jurídica latinoamericana”, Diego Eduardo López Medina afirma que as transformações ocorridas no constitucionalismo a partir da segunda metade do século XX, com a garantia dos direitos fundamentais, proporcionaram uma guinada hermenêutica e política no direito latinoamericano, do que resultou uma “recepção entusiástica dos materiais justeóricos e constitucionais anglo-saxões”, que até então possuíam certa rejeição em face de uma tendência (europeia) ao formalismo. A partir desta “nova linguagem constitucional”, criou-se um imaginário de que as construções justeóricas (“iusteóricas”) possuíam um caráter transnacional, formando uma espécie de conhecimento abstrato (com discursos de caráter
distintos.
23
E, em virtude deste ambiente forjado por estes acontecimentos, Medina diz que
“éramos [os latino-americanos], no princípio, cópias europeias e, agora, talvez, copias norteamericanas”. 24 Com isso, o jurista colombiano denuncia o fato de que o direito na América Latina se apresenta impregnado, cada vez mais, das teorias advindas de solo estadunidense (e, também, do continente europeu). Em consequência, Medina sugere que a atual produção acadêmica no âmbito da teoria do direito pode ser dividida em “locais de produção” (“sítios de producción”) e “locais de recepção” (“sítios de recepción”). Para o autor, os “locais de produção” consistiriam círculos intelectuais de grande prestígio, com influência transnacional; 23
LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. Teoría impura del derecho: la transformación de la cultura juridical latinoamericana. Bogotá: Legis, 2004. pp. 4-13. 24 No original: “Éramos, en un principio, copias europeas y ahora, quizás, copias norteamericanas”. Ibidem, p. 13.
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global), passível de ser utilizado em diferentes contextos e por culturas com antecedentes
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FIDΣS em contrapartida, os “locais de recepção” fariam referência aos países periféricos, que, usualmente, transportam ou fazem uso de propostas que tiveram origem nos países considerados “locais de produção”. Em que pese os contributos teóricos oriundos destes centros de produção tenham, no mais das vezes, a pretensão de certa universalidade (ou adquirem este caráter simbólico em contato com os ambientes de recepção), Medina afirma que as teorias desenvolvidas nestes locais são “produtos de situações políticas e sociais concretas”, no sentido de que “pressupõem um contexto material (problemas ou preocupações sociais, doutrinários, econômicos específicos)”. Aliás, como mesmo informa o autor, se, ao recepcionar tais teorias oriundas destes locais de referência, fosse considerando todo o caldo de cultura intrínseco à sua formação, fazendo a devida contextualização, releitura e/ou adaptação, não se criaria um ambiente hermenêutico empobrecido, como acontece na atual conjuntura, mas, sim, um espaço para aprimoramentos teóricos.
25
O problema é que o Brasil, no mais das vezes,
acabou se colocando neste papel de “local de recepção” no que diz respeito à análise da atuação do Judiciário, em especial, ao ativismo judicial, incorporando os contributos da doutrina norte-americana sem a observação das especificidades do caso brasileiro. Neste sentido, a Crítica Hermenêutica do Direito contribui para a discussão sobre o modo de compreender a atuação do Judiciário. Em um contexto em que frequentemente o Judiciário é acionado para resolver conflitos, a distinção entre ativismo e judicialização da política apresenta-se como indispensável, evitando que o Direito seja resumido tão-somente a um produto das decisões judiciais, o que afetaria as bases democráticas que fundam o Estado
Brasil é possibilitar sua dissociação do que se entende como judicialização da política. Na obra coletiva “Diálogos institucionais e ativismo”, escrita pelo grupo de pesquisa Novas Perspectivas da Jurisdição Constitucional (sucessor do Laboratório de Análise Jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal), o ativismo judicial é identificado como um “processo político-institucional” pelo qual se assume “um modelo de jurisdição constitucional
25
“Cuidadosamente examinadas, es patente que las iusteorías formadas en sitios de producción son también el producto de circunstancias políticas y sociales muy concretas. Sin embargo, su transplantabilidad global y su valor ‘general’ y ‘objetivo’ depende del hecho crucial de oscurecer o minimizar los contextos específicos en que dichas iusteorías se forjaron. [...] Este conocimiento presupuesto entre autor y lectores en sitios de producción permite un doble proceso: los argumentos iusteóricos presuponen un context material (problemas o preocupaciones sociales, doctrinarios, económicos específicos que influyen el autor), pero en la medida en que ese contexto se supone culturalmente alcanzable por el lector en el sitio de producción a partir de algunas pocas trazas escriturales específicas se termina por suponer que el lector terminará haciendo una lectura correcta, o por lo menos normalizada de la teoría que se le ofrece”. Ibidem, pp. 16-17.
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brasileiro. Assim, o primeiro passo para situar o problema envolvendo o ativismo judicial no
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FIDΣS com forte apelo de supremacia”.
26
Além disso, através de pesquisas que consistiam em
analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal, desenvolvidas anteriormente pelo grupo, é possível afirmar que sua jurisprudência realiza o ativismo judicial, traduzido “em estratégias de reivindicação de competências que, ‘a priori’, não seriam de plano reconhecidas”.
27
Em
aproximação a esta forma de conceber o ativismo judicial, Lenio Streck afirma que: [...] um juiz ou tribunal pratica ativismo quando decide a partir de argumentos de política, de moral, enfim, quando o direito é substituído pelas convicções pessoais de cada magistrado (ou de um conjunto de magistrados); já a judicialização é um fenômeno que exsurge a partir da relação entre os poderes do Estado (pensemos, aqui, no deslocamento do pólo de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo em direção da justiça constitucional [...]. 28
Desse modo, tem-se uma concepção de ativismo que pode ser assim sintetizada: como a configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia, com competências que não lhe são reconhecidas constitucionalmente. Portanto, é seguindo os posicionamentos dos autores acima referidos a respeito do tema que podem ser apresentados apontamentos finais sobre a forma de compreender a diferença entre ativismo judicial e a judicialização da política no Brasil, base para a construção dos próximos capítulos: Primeiro, não há como negar o elo existente entre Direito e Política; Segundo, a inter-relação entre Direito e Política não autoriza a existência de ativismos judiciais; Terceiro, há um equívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial como se fossem o mesmo fenômeno;
insurge de determinado contexto social, independente da postura de juízes e tribunais, ao passo que o ativismo diz respeito a uma postura do Judiciário para além dos limites constitucionais. Se, como afirma Marcelo Cattoni, a última tendência da sociedade consiste em transferir o exercício da cidadania para o Supremo Tribunal Federal 26
30
, o Judiciário não pode
SILVA, Cecília de Almeida. et al. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010. p. 13. Ibidem, p. 20. 28 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, op. cit., p. 589, nota de rodapé 123. 29 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, op. cit., pp. 51-56; e TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.31. 30 “A última moda do momento é transferirmos o nosso destino e o nosso exercício da cidadania para o Supremo Tribunal Federal sob a desculpa da incapacidade dos cidadãos brasileiros de exercerem a sua cidadania”. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, política e filosofia: contribuições para uma teoria discursivo da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007p. 74. 27
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E quarto, a judicialização da política é um “fenômeno contingencial”29, isto é, que
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FIDΣS se desonerar da responsabilidade decorrente do papel que assume perante a sociedade. E, neste sentido, posturas ativistas e de evidente protagonismo judicial representam riscos democráticos. No atual contexto, como afirma Francisco José Borges Motta ao construir uma tese que, juntamente com Dworkin, convoca a comunidade jurídica a levar o direito a sério, o protagonista não pode mais ser o juiz individualmente considerado, mas, sim, o Direito.
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Isso somente será possível quando se edificarem posturas teóricas que se disponham a discutir o problema do ativismo judicial (ou da discricionariedade) de frente, com a merecida profundidade teórica. É este o propósito do Constitucionalismo Contemporâneo, na abordagem feita por Lenio Streck.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No conto “As ideias do Canário”, Machado de Assis conta a história de um canário que morava dentro de uma loja, trancado em uma gaiola. Quando perguntaram-lhe se ele não sentia falta do céu, da liberdade, enfim, das experiências que a vida de pássaro poderia lhe proporcionar fora da gaiola, ele respondeu dizendo que seu mundo era aquele: a loja, a pessoa que o servia e todos aqueles elementos que compunham a loja. No momento em que um comprador tirou-o daquele lugar, seu mundo passou a ser o cenário que seus olhos lhe permitiam enxergar. Neste momento, foi possível perceber que sua noção de mundo limitava-
fazendo-o esquecer do passado, como se ele nunca tivesse existido. Assim como o mundo para o canário era aquilo que ele dispunha, também os juristas (em especial, os brasileiros) parecem se comportar dessa maneira, tendo uma visão, ou melhor, uma compreensão do Direito que, na maioria das vezes, apresenta-se como limitada. 32
Isso pode ser percebido, pelo menos, de duas maneiras: primeiro, pela persistência de
parcela considerável da comunidade jurídica em manter-se atrelada a velhos paradigmas, repristinando conceitos jurídicos ultrapassados, que já não são mais adequados para o atual 31
MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 29. 32 Esta abordagem é feita por Lenio Streck na obra “Compreender Direito”, na parte em que explica que é impossível fazer Direito sem interpretar. Nesta seção, Streck faz interessantes intersecções entre Direito e Literatura, revelando o quanto a Literatura é rica em demonstrar (metaforicamente) os problemas jurídicos. STRECK, Lenio Luiz. Compreender Direito: desvelando as obviedades do discurso jurídico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 15 e ss.
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se a isso: ao que ele podia ver, que abruptamente tomava o lugar daquilo que ele tinha visto,
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FIDΣS contexto, e desconsiderando as diversas interrelações que perpassam o fenômeno jurídico, bem como sua complexidade; segundo, por, na tentativa de superar e romper com antigos modelos, assumirem um posicionamento teórico alheio ao que foi construído ao longo da história do Direito, numa espécie de esquecimento (ou negação) da tradição jurídica. Estas duas perspectivas de conceber o modo como os juristas se posicionam perante o Direito, apesar de apontarem para caminhos opostos, revelam a existência de um mesmo problema: a busca por um conhecimento setorial, descontextualizado, não reflexivo (porque fundado na autossuficiência do sistema), que consolida uma visão reducionista do fenômeno jurídico. Nesse contexto, é na recuperação do diálogo entre Direito e Filosofia que se pode encontrar uma abertura para o posicionamento crítico, aquele que indaga pela legitimidade dos institutos e instituições jurídicas. Na contramão de um pensamento dogmatizado, é preciso que se desenvolva uma cultura em que o posicionamento do jurista em relação a uma questão jurídica revele uma reflexão filosófica, o que, no fundo, importa discutir as bases que orientam o Direito (isto é, a pergunta pelo conceito de Direito).
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FIDΣS Recebido 30 out. 2014 Aceito 31 out. 2014
REFLEXÕES FILOSÓFICAS SOBRE A DEMOCRACIA Fabiane Araújo de Oliveira* Raul Medeiros Bezerra da Costa** O ser humano desde os tempos mais longínquos registrados pela História e ciências afins, mostrou-se adepto a viver em grupos e a criar sistemas de organização para que sua subsistência, e, com o tempo, o controle da ordem, se tornassem mais resistentes às intempéries naturais do mundo da vida. Tal característica tornou-o inerente, desde sua gênese, à associação com seus semelhantes. Com o desdobrar do percurso temporal, a união dos indivíduos fez surgir o Direito, visto por uns como meio de controle e por outros como via de pacificação social. Ora, esta discussão torna-se acalorada quando se percebe que, de forma entrelaçada e concomitante, o Direito perquire ordenar a vida em todas as esferas que o homem reproduziu
os particulares e entre estes próprios. Assim, pode-se asseverar que, em última análise, o Direito é visto como o instrumento utilizado pela sociedade para se proteger da autofagia que ela mesma poderia gerar para si. Com efeito, esta conjuntura supramencionada precisa ser destrinchada sob as luzes da Filosofia, pois a arte de pensar é essencial para que o enlaçamento entre Direito e Sociedade possa ser entendido de maneira cristalina.
*
Discente do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Editora-geral adjunta da Revista FIDES. Membro do Grupo de Estudos em Direito e Desenvolvimento. Membro da base de pesquisa em Direito e Desenvolvimento. Estagiária voluntária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJ/RN. ** Discente do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Editor-geral da Revista FIDES. Membro da Revista Pesquisas Jurídicas. Estagiário na Justiça Federal no Rio Grande do Norte.
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por força de seu intelecto, e, de modo contínuo, a dirimir os conflitos postos entre o Estado e
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FIDΣS Outrossim, muitos filósofos passaram anos de suas vidas criando linhas de raciocínio para explicar essa conexão entre o mundo da vida, o sistema, as normas, a cultura e a própria existência do ser humano neste caleidoscópio de universos. Dessa maneira, dentre tais pensadores, existe merecido destaque para o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, o qual elaborou diversas teses, entre as quais a teoria discursiva do direito, considerada de vital interesse para os comentários construídos a seguir. Nesta senda do jurídico-social, torna-se latente as visões postas por este filósofo, uma vez que ele mergulha suas interações nos campos da tão aclamada, atualmente neste período pós-eleição, democracia participativa, haja vista que ele corrobora em sua teoria discursiva que as normas jurídicas só se tornam concretas e válidas quando aqueles que serão os alvos de seus impérios forem os chanceleres dos ditames aos quais terão que se submeter. É o mesmo que dizer que a sociedade é detentora do poder ao qual a controla e, concorrentemente, perquire em mantê-la pacífica. A partir de tais análises, é possível afirmar que o pensador, com o tempo, torna seu pensamento mais robusto, postulando que “as sociedades modernas, pluralizadas e dessacralizadas, não podem sustentar uma ordem normativa que realize a integração social em elementos metajurídicos, mas apenas no direito democraticamente construído”1. Com olhos nisto, a Sociedade coloca (ou caminha para efetivar, como é o caso do contexto brasileiro) como um dos pilares do Estado e do Direito a democracia participativa, visto ser ela a concatenadora do binômio coletividade-Poder, ao passo que, com o avançar da
reais e concentrar-se em satisfazer as necessidades daquele que o instituiu e o concedeu soberania: o povo. Corroborando, então, com tal posicionamento, o professor Ricardo Tinoco2 arremata:
Com a democracia participativa admite-se o exercício do poder por representação, mas com uma intensa participação fiscalizadora da opinião pública e o acréscimo vertiginoso de meios destinados ao debate e à pressão popular, isso tudo motivado pelo ideário coletivo de dar concreção aos preceitos constitucionais e ao núcleo denso da Constituição, empenhando em fazer aflorar na vida dos cidadãos o rol dos direitos fundamentais por ela positivados.
1
MIRANDA, Maressa da Silva. O mundo da vida e o Direito na obra de Jürgen Habermas. 2009. Disponível em: <http://www.uninove.br/PDFs/Publicacoes/prisma_juridico/pjuridico_v8n1/prismav8n1_3d1454.pdf>. Acesso em: 30 out. 2014. 2 GÓES, Ricardo Tinoco de. Jurisdição democrática: uma visão procedimentalista para a tutela substancial dos direitos. Direito e Liberdade, Natal, v. 13, n. 2, p. 291-312, jul./dez., 2011.
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civilização, chegou-se ao ponto em que o aparato estatal deveria sair da figura dos soberanos
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Pois bem, resta cristalino que a Sociedade deve se unir em torno de ditames postos por ela mesma, devendo negar-se a ser normatizada por via de fatores estranhos ao Direito, e, em escala macro (enxergando mais de perto o contexto brasileiro), aos impérios da Constituição. Tal panorama pode ser perscrutado com exatidão pelos dizeres de Lenio Luiz Streck3: Assim como não existe salvo-conduto para atribuição arbitrária de sentidos, com tal razão não se pode admitir que um julgador deixe de lado o texto constitucional em benefício de qualquer outro fundamento. Senão, está ferindo as regras do jogo democrático, do qual ele, por determinação constitucional, é exatamente o guardião. Iudicialis activismum constitutione lupus est.
Destarte, nos domínios brasileiros, a democracia participativa precisa ser consolidada e buscada por todos e todas, uma vez que ainda existe uma tendência para que o Judiciário resolva a maioria dos problemas postos, fazendo do juiz um protagonista em face de diversos cenários, alargando seus poderes e gerando, muitas vezes, que sua convicção pessoal seja posta em primeiro plano, dispensando, assim, fundamentação e fuzilando o Estado Democrático Constitucional de Direito. Para ilustrar tal paisagem jurídico-política,
[...] o fenômeno chamado por Antoine Garapon de “mundialização” (ou “comércio entre juízes”), pelo qual, resumidamente, é suferido aos julgadores que decidam fazendo uso de decisões de outros países. Ou seja, trata-se da inserção dos juízes em um contexto globalizado (mundializado), de intercâmbio de decisões, o que se traduz em um poder que lhes desoneraria de fundamentar sua decisão a partir da “estrita vontade do legislador e da autoridade da doutrina”. Com isto, forma-se uma “sociedade dos tribunais” ou um “governo de juízes”, em que “o juiz procura conferir à sua opinião pessoal um fundamento mais geral e, por isso mesmo, mais aceitável”.
Agora, em outro relevo dos campos da Filosofia Política, abordar-se-á o pensamento filosófico de Heiddeger, o qual posteriormente inspirará a crítica ao ativismo judicial, delineando, especialmente, o Poder Judiciário brasileiro. Destaca-se, inicialmente que sua 3
STRECK, Lenio Luiz. O Supremo não é o guardião moral da nação. Consultor Jurídico, São Paulo, 5 set. 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-set-05/senso-incomum-supremo-nao-guardiao-moralnacao>. Acesso em: 01 nov. 2014. 4 TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana.. 2012. 139 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012. Disponível em: <http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/ClarissaTassinari.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2014.
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coloca-se sobre a mesa a lição de Clarissa Tassinari4, a qual aduz:
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FIDΣS obra é desenvolvida na ontologia do ser a partir da fenomenologia. Ou seja, no âmbito da fenomenologia, o homem tomaria a consciência de que existe um “problema na indeterminação da noção de existência, respondendo-o a partir da crítica à objetividade”5. Nesse sentido, percebe-se que Heiddeger propõe o desenvolvimento de uma ontologia capaz de definir o sentido do ser, confrontando-se, portanto com o viés tradicional da ontologia. Posto isso, entende-se a compreensão da linguagem como condição de possibilidade para construção do conhecimento, mas não como mero instrumento que se interpõe entre a pessoa e o objeto, de modo que se entende na filosofia heiddegeriana que “compreender não é um modo de conhecer, a verdade não é um método, mas uma questão relativa à manifestação do ser.”6 Assim, busca-se relacionar a filosofia de Heiddeger com o que se poderia denominar de ativismo judicial, tendo em vista que este se baseia na liberdade que os tribunais possuem para interferir de maneira significativa nas opções políticas dos demais poderes, admitindo, na verdade, o discricionarismo do juiz. Esse alvedrio além de proporcionar sentimento de insegurança jurídica, aduz a problemática de que o juiz ao decidir, não busca fundamentar-se no ordenamento jurídico, mas tão-somente em sua subjetividade, ou seja, sua percepção de justiça. Ora, a crítica na verdade, passa pela necessidade de fundamentar e legitimar as decisões dos tribunais, partindo de pressupostos e mecanismos de interpretação através filosofia hermenêutica e da hermenêutica filosófica. Assim, reflete-se que é possível demonstrar a “resposta correta” na atribuição de sentido de uma lei pela hermenêutica conferindo-se, portanto critérios seguros no ato de decidir.7 Nessa toada, salienta-se a simbiose entre Direito e Filosofia consoante a problemática do ativismo judicial. Ora, se atualmente critica-se os Tribunais por suas decisões arbitrárias, muitas vezes contrárias as medidas legislativas, é preciso refletir se esse caminho que o país tem levado. Entende-se que por ultrapassar suas funções originárias, e também proporcionar um ambiente de insegurança jurídica, esse ativismo, especialmente no Brasil
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SILVA, Thais Sampaio da. Heiddeger e Dworkin: diálogo para a fundamentação ontológica da teoria da resposta correta. Publica Direito. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7ec2442aa04c1575> Acesso em: 29 out 2014. 6 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 291. 7 CALDEIRA, Ana Paula Canoza. A discricionariedade nas decisões judiciais: uma nova “Revolução dos Bichos?” Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/anais/36/01_1573.pdf>. Acesso em: 29 out. 2014.
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filosófica heideggeriana-gadameriana e com espeque na tradição e pré-compreensões,
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FIDΣS deve ser rediscutido, tendo em vista o risco de se deturpar um dos alicerces do Estado democrático de direito, a tripartição dos poderes. É preciso analisar que a partir da promulgação da Constituição cidadã em 1988, o Poder Judiciário sofreu diversas modificações, tendo em vista sua tomada de posição de mero aplicador das leis para a responsabilidade de concretizar direitos. 8 Com efeito, diante da necessidade de materializar direitos constitucionais, especialmente os direitos fundamentais, o Judiciário brasileiro tomou força para decidir de modo arbitrário, desprovido de fundamentação e consequentemente sem legitimação. Destaca-se que no Brasil, essa problemática vem tomando contornos preocupantes, haja vista a confusão que foi feita do conceito de ativismo judicial. Sendo assim, de antemão, é preciso que se faça a diferenciação entre ativismo judicial e judicialização, tendo em vista que aquela define-se pela iniciativa do Judiciário quando provocado para tomar decisões, muitas vezes sem fundamento legal. E esta conceituase pela necessidade dos tribunais decidir a concretização de direitos, especialmente os direitos fundamentais, tendo em vista a inércia do Estado. Ora, o que é observado no Judiciário brasileiro é uma visão deficiente do que seria o ativismo judicial, no entanto, tal problemática não advém tão-somente da vontade da jurisdição, mas também das características do neoconstitucionalismo nacional e também como anseio político da sociedade que busca o Poder judicante na tentativa de resolver sua lide, por isso percebe-se a confusão entre ativismo e judicialização. Então, qual o problema desse ativismo, senão serve nada mais para resolver as
que a partir de posicionamentos avulsos, tal como se os membros da jurisdição representassem seres autênticos, que por suas decisões “revisam legislações e até mesmo o texto constitucional”9. Posto isso, entende-se que a posição dos tribunais deve ser, prioritariamente a de garantir a concretização dos direitos constitucionais, por isso é preciso repensar seu posicionamento diante das contendas da sociedade. A necessidade de fundamentar, e principalmente legitimar suas decisões, urge no âmbito do Judiciário pela obrigatoriedade de
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TASSINARI, Clarissa. Revisitando o problema do ativismo judicial: contributos da experiência norteamericana. Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima4-Seleta%20Externa/anima4-ClarissaTassinari.pdf> Acesso em: 29 out. 2014. 9 TASSINARI, Clarissa. A atuação do judiciário em tempos do constitucionalismo contemporâneo: uma crítica ao ativismo judicial. Disponível em: <http://www.fdsm.edu.br/site/posgraduacao/volume282/02.pdf>. Acesso em: 30 out. 2014.
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contendas da sociedade? O equívoco encontra-se, na verdade, no posicionamento deste órgão
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FIDΣS cumprir o papel deste órgão na seara da tripartição dos poderes, e também pela necessária
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segurança jurídica.
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FIDΣS Recebido 15 out. 2014 Aceito 30 out. 2014
A ÉTICA, COMUNICAÇÃO E MÍDIA: A RESPONSABILIDADE MIDIÁTICA SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL Andréa Gersósimo Mussato* Dilson Florencio Rodrigues** Patrícia Vilar Borba Guimarães***
1 INTRODUÇÃO
Apesar de toda movimentação social das massas nos séculos XVIII e XIX, apenas no século XX é que a cultura de massa se consolida. Após a Segunda Guerra Mundial, com a franca expansão industrial norte americana, e apesar da imprensa escrita e o cinema já existirem no mercado. Apenas quando surgem as tecnologias de informação e comunicação de massa (o rádio e a televisão) é que a comunicação massiva se configura em sua total
escala possibilitaram a cultura de massa alcançar seu viés atual. O liberalismo de Smith ganha novo fôlego com o capitalismo moderno, no qual a produção, consumo e o lucro deveriam estar livres de qualquer regulação estatal. O ideal seria dar ao mercado liberdade quase incondicional de atuação. Ao lado desse pensamento econômico, observava-se também que a cultura de massa crescia nos países capitalistas, tendo
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Mestranda em Direito - UFRN. Especialista em Direito Constitucional - UFRN. Especialista em Direito e Jurisdição - ESMARN/UNP. Bacharela em Direito - UFRN. Servidora Pública do Tribunal de Justiça do RN. Professora da UNI/RN. ** Especialista em educação a distância - UNICID. Bacharel em Comunicação Social: habilitação jornalismo UEPB. Palestrante, Jornalista e pesquisador de mídia. *** Doutora em Recursos Naturais – UFCG (Programa interdisciplinar). Mestre em Direito - UFRN. Mestre em Ciências da Sociedade - UEPB (Programa interdisciplinar. Especialista em Direito Processual Civil- UEPB. Tecnóloga em Processamento de Dados - UFPB. Bacharel em Direito - UEPB. Advocacia pública e privada (1996-2010).
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potencialidade. Todas as inovações tecnológicas, e as novas formas de comunicação em larga
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FIDΣS um paradigma recorrente em todos eles, que era a homogeneização cultural na produção e consumo. Contudo, a necessidade de manter a liberdade tão festejada, levou necessariamente à construção de um Estado menos “leviatânico”, mas igualmente fortalecido na capacidade de garantir as liberdades individuais, inclusive evitando que os particulares afetassem a esfera individual de liberdade de outros particulares. Assim conforme a própria evolução social, cada país, desenvolveu legislação própria para regular a comunicação social, havendo maior ou menor número de instrumentos de regulação ao Estado. Para estudar a comunicação e a mídia, é preciso ampliar os horizontes constitutivos de toda relação, ou seja, a mediação entre os sujeitos sociais. Assim, mais que analisar os meios é preciso observar, numa ótica de complexidade, a cultura, a política, a economia, etc. Portanto, o problema não está nas mídias em si. No que se refere à dimensão da técnica de veiculação, da tecnologia empregada e nem da organização empresarial que dá o suporte estrutural e econômico para que ela atue. Mas sim na prática midiática, na repercussão que a mensagem causa, na possibilidade de influenciação ideológica, de indução ao consumo, de enculturação, etc. E dada a esta complexidade em termo de mediação, levantar-se-á questões no que tange a ética na prática midiática, e estendê-las ao aspecto jurídico. Esta é a proposta deste artigo.
Antes de abordar especificamente a ética na prática midiática, convém refletir sobre o aspecto ontológico da ética. Em qualquer sociedade, qualquer grupamento humano, desde épocas remotas naturalmente surgiram códigos de conduta coletiva. Isto impulsionado pela necessidade de manter o bem estar comum no inter-relacionamento da comunidade. Algumas destas regras foram absorvidas pelas doutrinas religiosas, outras permaneceram nas tradições culturais populares e outras passaram a compor os primórdios das regas jurídicas que se perpetuaram ao longo dos séculos. Nessa linha de raciocínio nota-se que a ética esteve vinculada ao comportamento moral do indivíduo em relação ao coletivo. Dado que sua atuação tanto pode resultar em benefícios ou malefícios ao grupamento em está inserido. Assim Vázquez define ética como “a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade” (2005, p.23). Para
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2 DEFININDO ÉTICA
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FIDΣS embasar as reflexões deste trabalho, faz-se necessário um breve passeio no terreno da filosofia que traz subsídios sobre o tema. Sob a ótica grega, a proto-gênese da ética ocorre na observação dos costumes dos seres perante a esfera individual e coletiva.
Marilena Chaui abre um pouco mais o conceito, de modo a deixar bem clara a dupla face do comportamento ético, uma individual e outra social: “Embora ta ethé e mores signifiquem o mesmo, isto é, costumes e modos de agir de uma sociedade, ehtos, no singular, é o caráter ou temperamento individual que deve ser educado para os valores da sociedade e ta ethiké é uma parte da filosofia que se dedica às coisas referentes ao caráter e à conduta dos indivíduos. (Bucci, 2006, p.15)
Nota-se aqui, que os termos ta ethé e mores têm a mesma significação que trata de costumes e modos de agir em sociedade. Ou seja, a construção de hábitos na repetição de práticas (práxis) e de atitudes perante a convivência social. Infere-se disto que tanto ética quanto moral estão diretamente vinculadas ao relacionamento interpessoal coletivo. Embora alguns autores afirmem que a ética deve estar dissociada da moral, permanecemos convictos de que, para estudar a ética e compreendê-la de um ponto de vista universalista, é preciso abordá-la de forma tal a não restringi-la a um reducionismo sectarista que retalha a sua complexidade. Para Adolfo Sánchez Vázquez (2005, p.22) “A ética não cria a moral.” É justamente o oposto, a moral é quem dá vida à ética, que nasce na relação interpessoal, social, institucional, etc. Assim, a estrutura elementar da ética é a moral de cada indivíduo no seu relacionamento com o mundo. Nem só a moral, nem só a deontologia, mas o
a reflexão ética, não é redutível nem à moral existente nem aos códigos formais, é essencialmente um momento em que nos perguntamos, radicalmente, qual o sentido de uma vida, de um indivíduo, de uma profissão e o que afinal estamos fazendo.
Compreende-se, assim, que a construção da ética passa por um processo reflexivo intimista de cada indivíduo. Nesse processo, um arcabouço de conhecimentos, adquiridos culturalmente, é somado às regras de convivência pertinentes a cada grupamento social, e participam de forma congruente na reflexão ética individual. Contudo é preciso que haja mais um elemento: o ato volitivo, ou seja, a vontade. O indivíduo precisa querer realizar esta confluência, ele precisa querer vivenciar pragmaticamente os postulados assumidos. Portanto, como escreve Pegoraro (2002, p.28) “o certo é que a ética nunca foi, em primeiro lugar, um código de normas. Ela é antes de tudo uma concepção da vida, um estilo, um modo de existir do homem.”
Por conseguinte é preciso compreender que é a
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movimento desta interseção. Neste sentido Francisco José Karam (1997, p.35) afirma que:
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FIDΣS complexidade da ética que se apresenta no indivíduo em relação ao coletivo, e não exclusivamente o contrário. Diz Bucci (2006, p. 15) que “nem toda ética [...] é normativa, ou seja, nem toda ética se traduz em leis.” Ela vem de dentro e de não de fora. “A ética propõe a prática das virtudes.” (PEGORARO, 2002, p.59). Ou seja, o indivíduo interfere e atua no coletivo e este é influenciado por aquele, contudo a força geratriz primordial das relações sociais continua consubstanciada ao individuo. Escreve Marilena Chaui, “a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do agente e se o agente respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes [...]” (apud BUCCI, 2006, p.16). Devemos compreender, em nível de sociedade, portanto, partindo da descrição de Chauí, que é da ação do sujeito como um coparticipante social, ciente de seus valores éticos em relação a todas as outras instâncias que vem o subsídio para que a relação entre grupos ocorra eticamente. Mas essa relação do indivíduo para com o outro indivíduo e para com a sociedade em que se respeita a racionalidade, a individualidade e o limite do outro, também é uma relação moral, confirmando a ideia de Vazquez (2005, p. 28) para quem “[...] a moral é inseparável da atividade prática do homem – material e espiritual –, a ética nunca pode deixar de ter como fundamento a concepção filosófica do homem que nos dá uma visão total deste como ser social, histórico e criador.” De nada adianta estabelecer regras, códigos ou leis, se no exercício de sua profissão ou da sua cidadania, o indivíduo não tem base de valores morais, não compreende a sua função, não consegue enxergar a responsabilidade de cada um no contexto social. É nesse atividade com atitudes antiéticas. “O homem precisa converter suas melhores disposições naturais em hábitos, de acordo com a razão: virtudes intelectuais.” (VALLS, 2006, p.33). É no domínio particular de cada pessoa, no cadinho dos valores morais e na sua relação com os outros que a ética é forjada. Nota-se mais uma vez que ética não se distancia de uma compreensão ontológica, isto é, de natureza comum, mas imanente ao indivíduo. Neste sentido afirma Vázquez que “o verdadeiro agente moral é o indivíduo, mas o indivíduo como ser social”. (2005, p.212) “A moral é um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos homens.” (VÁZQUEZ, 2005, p.63). Isenta de dogmatismos religiosos, ela é o aperfeiçoamento de qualidades e virtudes pessoais que refletem no domínio do coletivo através do bom convívio social. Já a deontologia é um caminho a nortear os que já têm a ética na esfera íntima do ser. Ela sendo apenas um tratado
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âmbito individual, que os interesses pessoais, mesquinhos ou viciosos deslustram qualquer
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FIDΣS de código moral, como agente externo não tem efeito real e não passa de heteronomia. É o que se vê nas regulamentações legais que prescrevem condutas e procedimentos, basta haver brecha, que o ilícito é praticado. “Para Sánchez Vázquez [...] a ética não pode ser reduzida a um conjunto de normas e sua finalidade é estudar, explicar e influenciar a própria moral.” (KARAM, 1997, 34) Karam (1997, p.36) em seu livro Jornalismo, Ética e Liberdade afirma que,para tratar o problema da ética profissional é preciso quebrar alguns paradigmas, sair do aspecto meramente prático, e ensina que “refletir sobre a ética em uma atividade é [...] um exercício de afastamento de uma prática imediata, de complexificação da moral profissional [...]”. Aqui fica claro que ética não é apenas a deontologia específica a cada profissão. Nota-se que a ética está ligada diretamente ao aspecto pessoal de cada profissional, pois por mais que haja códigos e regras estes podem ser ignorados ou transgredidos.
3 PRÁTICA MIDIÁTICA E A ÉTICA NA COMUNICAÇÃO
Na cultura de massa atrelado à produção está o consumo de tudo o que vem a ser produto, inclusive a notícia, o entretenimento, enfim, qualquer informação nos veículos de comunicação de massa é produto a ser consumido. Partindo desse pressuposto, alia-se o neoliberalismo e surge, assim, um panorama caótico no tocante à ética. A cultura de massa ao derrocar a força das instituições formadoras prazer hedonista e o consumismo. “O que a cultura em geral precisa compreender é que estamos ingressando em uma esfera completamente nova [...]. Precisamos descobrir outros meios para a transmissão de valores.” (KATZ apud STRASBURGER, 1999, p.113) Afirma Vázquez (2005, p. 8) que “a moral possui um caráter social enquanto regula o comportamento individual cujos resultados e consequências afetam a outros.” Portanto, sabendo-se que a relação entre a mídia e o social é intensa, e que os meios de comunicação têm grande influência sobre a sociedade, atuando fortemente em sua formação, embutindo princípios, valores e “moral” que se adequam ao sistema econômico, entende-se que nessa interação, a mídia acaba também por afetar a construção da ética na formação do indivíduo e sua relação com o social. Analisando a relação público-mídia sob a ótica da teoria crítica de Theodor Adorno e Max Horkheimer da escola de Frankfurt (BUCCI, 2006), estes autores afirmam que os
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(família, igreja, escola) dos caracteres morais no sujeito, passa implantar valores como o
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FIDΣS padrões da indústria cultural são resultado das necessidades de consumo e isto explica o “círculo de manipulação”. Entretanto, cabe aqui fazer uma ressalva na afirmação de Adorno que responsabiliza os consumidores por haver necessidade de consumo. A cultura massiva encontrou eco no foro íntimo dos indivíduos que se tornou campo fértil para a propagação do consumo. Todavia é inadequado responsabilizar o público pelo teor do que se é ofertado pela indústria e pela mídia. Por mais aceitação e ressonância que possa haver por parte dos consumidores, trata-se de uma complexa mediação no qual há uma relação de mão dupla. E nisto está inserido o debate ético, pois onde há interseções valorativas que seduzem e influenciam tendências, a ética fica subjugada ao domínio econômico-cultural do sistema capitalista tanto na esfera atomizada do indivíduo quanto no macrocosmo institucional que é sua coletivização. Na corrida desenfreada pelo lucro muitas informações veiculadas trazem estímulos a pulsões canalizados para o consumo. Na economia livre de mercado, na qual os veículos de comunicação, que são empresas comerciais, participam do jogo acirrado da livre concorrência, sendo que seu objetivo é aumentar a audiência do público o que consequentemente valoriza espaço publicitário do veículo. Nesta corrida, valores culturais, sociais, éticos-morais, de cidadania são postos de lado, supostamente sob o guante de que “os fins que justificam os meios”. A veiculação de informações gera efeitos que se generalizam num contexto social mais amplo, afetando toda a sociedade. Daí porque não basta estudar a ética nos meios de comunicação somente pela visão restrita dos códigos de ética profissionais e pela
Portanto, mesmo que uma informação publicada esteja de acordo com as normas reguladoras insuficientes atualmente vigentes, se não são levadas em consideração as implicações subjetivas que refletem no público, a ética não está sendo realmente exercida, mas, sim disfarçadamente distorcida ou manipulada. A ética em comunicação social deve transcender ao óbvio, a simples observação da informação. “A manipulação de informações se transforma, assim, em manipulação da realidade.” (ABRAMO, 2003, p.24). Concordamos com Bucci ao dizer que “o ponto crítico não é portanto a informação em si: é o modo como ela é explorada pela imprensa”. (BUCCI, 2006, p.152), inclua-se também a mídia. Analisando a atual conjuntura comunicacional brasileira, no qual revogada a obrigatoriedade de certificação de curso para o exercício da profissão de comunicador ou jornalista. Junte-se a isso a invalidação da lei de imprensa que regulava o exercício da
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regulamentação da profissão de Jornalista (que alguns afirmam que já nem existe mais).
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FIDΣS profissão, embora anacrônica em relação à constante atualização do mercado, era o que se tinha. Conclui-se que não há leis que regulem o exercício da comunicação no Brasil, nem instrumentos legais complementares aos termos genéricos da constituição. Partindo deste raciocínio propomos o estudo e a criação de instrumentos legais que regulem com especificidade a prática comunicacional dos veículos de massa. É deveras importante que sejam criadas Leis modernas que adeque-se às necessidades da sociedade. A regulação só é uma terrível ameaça para quem enxerga a justiça, a liberdade, a honestidade e a ética como ameaças a sua forma de trabalhar, de agir, de informar e comunicar. Da mesma forma, o Estado como instância político-administrativa e representativa dos interesses gerais precisa também se posicionar e atuar mais efetivamente criando organismos especializados para a fiscalização e regulação da utilização midiática. Guilherme Canela de Souza Godoi (2004, p.7) aponta as nuanças da liberdade de expressão ao afirmar que “a liberdade de expressão está associada à amplitude do discurso de quem a detém. Ter liberdade de expressão às 20h em rede nacional de televisão, é muito diferente de ter liberdade de expressão subindo no banco da praça.” Neste viés, a responsabilidade pela prática comunicativa deve ser proporcional à amplitude de ação, ou seja, de massificação. Ainda que os adeptos do neoliberalismo vejam com pessimismo a intervenção do Estado na regulação midiática, Othon Jambeiro cita algumas justificativas para este tipo de
Tal intervenção nasceu tendo como base a concepção de que aqueles serviços utilizam um bem público — o espectro eletromagnético — sendo, desta forma, normal e necessário o controle exercido pelo Estado, ou por entidade para este fim constituída. Esta concepção tornou-se comum em todo o mundo, mesmo quando o uso desse espectro não tinha interesses comerciais [...] Outra justificativa diz respeito ao caráter intrusivo da radiodifusão, particularmente no que se refere às crianças e adolescentes. Daí têm resultado regulamentos — em alguns países mais, em outros menos — rigorosos, relativos à decência, violência, sexo, bebidas alcoólicas, drogas, produtos tóxicos etc. A terceira justificativa é a que reconhece a universalidade e a influência da radiodifusão, de onde deriva a necessidade de regulamentação sobre justeza e equilíbrio dos noticiários, imparcialidade política, não incitamento a ódios raciais, de classe, de etnia, de religião etc. (apud ZYLBERSZTAJN, 2008, p.65).
4 COMUNICAÇÃO SOB A ÓTICA JURÍDICA
Ainda mais uma vez a questão ética e também jurídica a respeito do seguinte ponto: qual o exato alcance da liberdade de expressão e qual o limite oferecido a esta pelo embate
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intervenção nos sistemas de radiodifusão:
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FIDΣS direto com a liberdade individual. Todos os caminhos nos levam a uma ponderação com base na dignidade da pessoa humana. Há que se levar em conta direitos constitucionais que, em muitos casos, sob a bandeira da utilização da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, apresentadores de programas de televisão, telejornalistas, repórteres ultrapassam o dever de informar e expõem pessoas físicas e jurídicas à execração pública. Leigos, pessoas do povo que passam por constrangimento e são lesadas em seus direitos de privacidade, imagem, domicílio, entre outros, por falta de conhecimento de seus direitos, tendo muitas vezes a veiculação da imagem sem autorização. O Capítulo V da Constituição Federal, a partir do art. 220, traz os parâmetros do constituinte originário sobre como pretendia ver conduzida a Comunicação Social em nosso país: com muita liberdade de expressão, de atuação, sem monopólios e oligopólios. Mas, em análise sistêmica do texto da Carta Magna, podemos verificar que toda a norma acerca do tema foi pincelada com intenso matiz de ética, a promover a liberdade para todos os indivíduos, buscando a convivência harmoniosa dos direitos e liberdades públicas. Não foi à toa que a Constituição erigiu como cláusula pétrea, no art. 5º, o direito à honra e a imagem, tornando passível de responsabilização aquele que viesse a desrespeitá-los. Trata-se de um freio, de um contrapeso à liberdade de expressão, cuja extensão e alcance somente podem ser mensurados caso a caso, pelo Poder Judiciário, a quem a mesma carta política incumbe inafastável égide. Foi possível verificar, na jurisprudência pátria, algumas divergências de
constitucional referente à ponderação de valores constitucionais saiu vitoriosa, uma vez que, para cada situação, juízes, Desembargadores e Ministros atuaram com grande senso ético e de justiça. O primeiro caso a ser analisado é o da professora da UNIBAN 1, que se sentiu ofendida em reportagem da Revista Veja, que afirmava que “professores medíocres” estariam apoiando a atitude dos alunos que agrediram a estudante Geyse Arruda, no ruidoso caso do vestido curto e cor-de-rosa, que foi parar no Youtube, e que culminou com a expulsão da aluna. À unanimidade, foi decidido que a expressão “medíocres” não estaria vinculada à identificação de qualquer dos professores e que a divulgação da reportagem causara mero 1
Decisão unânime da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, de maio de 2014, processo da professora C.S.F.P. contra a revista Veja. PORFÍRIO, Fernando. Veja não deve indenizar professora por artigo. 2011. Disponível em: <http://arealidadedodireito.blogspot.com.br/2011/07/veja-nao-deve-indenizar-professora-por.html>. Acesso em: 01 out. 2014.
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entendimento no que tange ao limite da liberdade de imprensa. Porém, a hermenêutica
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FIDΣS dissabor e não dano moral indenizável. Aqui, a crítica divulgada fora genérica e ressaltava a postura pouco corajosa de alguns professores que poderiam ter evitado o desfecho ocorrido na Uniban. Não houve, portanto, violação de direitos fundamentais. A ementa do Acórdão pode ser aqui demonstrada: RESPONSABILIDADE CIVIL - IMPRENSA. Revista de grande circulação que criticou, em uma de suas colunas, os insultos que os estudantes promoveram contra aluna que vestia saia curta e justa, bem como o fato de a Universidade ter penalizado a jovem e não os agressores. Linguagem contundente, com emprego da expressão "professores medíocres", base do pedido de indenização por um dos docentes que sentiu a honra e reputação atingidos. Inocorrência de abuso ou propósito de ultrajar, por constituir manifesto dirigido aos agressores e não a quem não impediu a concretização do ato hostil. Termo "medíocre" que, no contexto, não aparece com sentido pejorativo. Recurso provido para julgar a ação improcedente. (TJ-SP - Ap. Civ. 0008578-70.2010.8.26.0011 - Rel. Des. Ênio Zuliani - Julg. em 12-5-2011)
Em outro caso, julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná2, a 8ª Câmara Cível condenou a Folha de São Paulo pelo abuso do direito de informar e da liberdade de imprensa, quando, em 2003, divulgou, no caderno “Ciência”, uma reportagem denominada “Advogado vende fóssil ilegal pela internet”, que acusava o advogado de comercializar fósseis ilegalmente. 3 No acórdão, a relatora, Denise Krüger, expõe que
A relatora ainda aponta que a publicação continha vários erros, entre eles a forma de aquisição dos fósseis e o caráter comercial da venda, e o mais grave: acusaria o advogado de contrabando. Neste caso, a forma da exposição, com texto que configuraria calúnia e sem o dever ético de se informar corretamente acerca dos fatos, ensejaria punição, não só em âmbito civil, com a reparação, mas também em âmbito penal, em processo próprio.
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FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. 6ª Vara Cível. Apelação Cível nº 508.742-5. João Luiz Vieira Teixeira. Folha da Manhã S/A e outra. Relator: Denise Krüger Pereira. Curitiba, PR, 7 de maio de 2009. Tjpr Condena Folha a Pagar Indenização. Curitiba: Conjur. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/tj-pr-condena-folha-pagar-indenizacao.pdf>. Acesso em: 01 out. 2014. 3 FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. 6ª Vara Cível. Apelação Cível nº 508.742-5. João Luiz Vieira Teixeira. Folha da Manhã S/A e outra. Relator: Denise Krüger Pereira. Curitiba, PR, 7 de maio de 2009. Tjpr Condena Folha a Pagar Indenização. Curitiba: Conjur. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/tj-pr-condena-folha-pagar-indenizacao.pdf>. Acesso em: 01 out. 2014.
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“... não se quer dizer que é vedada à mídia a publicação de reportagens de cunho investigativo, que levem à população em geral a informação sobre os podres que atingem a sociedade (...). O que se exige, entretanto, é que tais reportagens se mostrem objetivas e representem relato fiel às informações que lhe deram origem, sem qualquer transformação de cunho manipulativo que altere a realidade ”.
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FIDΣS Em ambos os casos, tanto no caso da professora da Uniban como do advogado do Paraná, podemos ver a sobreposição de direitos fundamentais e os limites do trabalho da imprensa. O dever de informar, lastreado no interesse público, tem primazia até o limite em que a divulgação, pela imprensa, de fato ou ato, de pessoa jurídica ou física, pública ou não, importe violação aos direitos fundamentais. A crítica é possível e saudável – e já esperada, mas deve balizar-se também eticamente, evitando resvalar na calúnia, injúria ou difamação. Em decisão recente do STF, a solução para o problema do direito de crítica por parte
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO - DIREITO DE CRÍTICA - PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL - MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXPÕE FATOS E VEICULA OPINIÃO EM TOM DE CRÍTICA - CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUI O INTUITO DE OFENDER - AS EXCLUDENTES ANÍMICAS COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO DO "ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI" - AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DO PROFISSIONAL DE IMPRENSA - INOCORRÊNCIA DE ABUSO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO REGULAR EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO - O DIREITO DE CRÍTICA, QUANDO MOTIVADO POR RAZÕES DE INTERESSE COLETIVO, NÃO SE REDUZ, EM SUA EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DO ABUSO DA LIBERDADE DE IMPRENSA - A QUESTÃO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO (E DO DIREITO DE CRÍTICA NELA FUNDADO) EM FACE DAS FIGURAS PÚBLICAS OU NOTÓRIAS - JURISPRUDÊNCIA - DOUTRINA - JORNALISTA QUE FOI CONDENADO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS - INSUBSISTÊNCIA, NO CASO, DESSA CONDENAÇÃO CIVIL - IMPROCEDÊNCIA DA "AÇÃO INDENIZATÓRIA" - VERBA HONORÁRIA FIXADA EM 10% (DEZ POR CENTO) SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA - RECURSO DE AGRAVO PROVIDO, EM PARTE, UNICAMENTE NO QUE SE REFERE AOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. - A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. - A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais. - A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade. - Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a
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da mídia também foi discutida em debates éticos:
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FIDΣS liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Jurisprudência. Doutrina. O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático. - Mostra-se incompatível com o pluralismo de idéias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado - inclusive seus Juízes e Tribunais não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência comparada (Corte Europeia de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol). (STF - AI 705630 AgR/SC - Rel. Min. Celso de Mello Publ. em 6-4-2001)
Em dois arestos mais recentes da Excelsa Corte, confirma-se a tendência do Judiciário brasileiro em garantir a maior liberdade possível à imprensa, no que tange à crítica, desde que não desborde para a prática delituosa e a ofensa direta:
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. DANO MORAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XXXV, DA CF. OFENSA À LIBERDADE DE IMPRENSA E DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTE DO TRIBUNAL PLENO. 1. O Tribunal Pleno, na ADPF 130, rel. Min. Carlos Britto, DJe de 06-11-2009, decidiu que não afronta a liberdade de imprensa ou a livre manifestação do pensamento a responsabilização civil de jornalistas ou de veículos de imprensa por danos morais decorrentes de matérias jornalísticas. 2. É inviável, em recurso extraordinário, o exame dos pressupostos fáticos para a configuração do dano moral indenizável, a teor do óbice da Súmula 279/STF (Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 571151 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 13-08-2013 PUBLIC 14-08-2013)
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Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. REPARAÇÃO EM DANOS MORAIS. ALEGADO EXCESSO NO DIREITO DE CRÍTICA JORNALÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA. VERACIDADE DE INFORMAÇÕES VEICULADAS. LIBERDADE DE CRÍTICA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A crítica jornalística, ainda que elaborada em tom mordaz ou irônico, não transborda dos limites constitucionais da liberdade de imprensa. II – Agravo regimental a que se nega provimento.(RE 652330 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 25/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG 18-08-2014 PUBLIC 19-08-2014)
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FIDΣS Por outro lado, verifica-se que, cada vez mais, a sociedade brasileira necessita de um instrumento legal preventivo, capaz de coibir o abuso e, ainda uma forma de garantir a celeridade de tramitação dos processos que versem sobre essa temática, evitando, a um só tempo, a impunidade e o prolongamento da situação de prejuízo moral e material a que ficam jungidas as pessoas físicas e jurídicas vítimas do mal uso do poder que a imprensa tem. Se a notícia é divulgada pela internet, o provedor é responsável e deve, independentemente de decisão judicial, tendo conhecimento do conteúdo ofensivo, retirá-lo de circulação, conforme decisões reiteradas da 3ª e 4ª Turmas do STJ, tendo como paradigma a decisão da Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.193.764/SP.4 Com as empresas jornalísticas, o mesmo não se dá. Haja vista o recente exemplo dos conteúdos de apologia à violência divulgados pela jornalista Rachel Sheherazade, em que o Ministério Público, em Ação Civil Pública, solicitou a condenação da emissora ao pagamento de R$ 532.000,00 (quinhentos e trinta e dois mil reais) por dano moral coletivo. A liberdade excessiva, muitas vezes mal utilizada, é fonte de aprisionamento de toda a sociedade. É certo, pois, que a regulação da mídia se impõe, cada vez mais, como necessidade e não como discurso de ocasião. Como bem preceitua o jurista José Afonso da
a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especial têm um dever. Reconhece-se-lhe o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade tais acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original: do contrário, se terá não informação, mas deformação.
A ausência de regulação mais firme e a falta de mecanismos jurídicos de controle, criadas para o fim de proteger a população, fazem com que se utilize, nos tribunais brasileiros, regras genéricas de responsabilidade civil e de defesa do consumidor, aplicadas por analogia, para minimizar os efeitos danosos do exercício abusivo da prática midiática. Tornou-se comum casos de abuso e má utilização da liberdade de expressão no que concerne à prática midiática. Dentre eles apologia ao preconceito, racismo, intolerância, violência. Noutra linha vê-se nítida parcialidade político-partidária influenciando a temática
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LUCHETE, Felipe. Marco Civil contraria tese sobre responsabilidade de provedor. 2014. Disponível em: <Marco Civil contraria tese sobre responsabilidade de provedor>. Acesso em: 01 out. 2014.
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Silva (2006, p. 240):
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FIDΣS jornalística. Assim como explicitamente demonstrado as articulações por interesses próprios dos oligopólios das maiores empresas de comunicação de massa desta nação. Ainda viu-se omissão de informação e distorção de fatos que só veio a público por meio das redes sociais desvinculadas do monopólio informacional dos grupos de comunicação de massa do país. Nesta análise, é comum notar que meios de comunicação regionais (nos municípios e estados) terem vinculação patronal com representantes públicos. A máquina comunicacional de massa tem-se tornado um instrumento particular, de forma dissimulada, para o benefício de seus proprietários. Os profissionais de comunicação: jornalistas, apresentadores, editores, redatores, repórter, repórter-cinematográfico, técnicos de áudio, técnico de programação, publicitários, locutores, narradores entre outros. Têm em sua prática profissional a ética subsumida à pressão político-empresarial do meio de comunicação em que trabalha. Em outras palavras é uma ética flexível, generalista, em que os interesses do grupo (da empresa) se sobrepõem aos princípios individuais. Nesse sentido, Eugênio Bucci (2006, p.11) comenta na prática a reflexão sobre ética:
Analisando os exemplos dados, quais as medidas legais que garantam efetivamente os direitos dos cidadãos perante a exposição midiática? E quais ações disciplinares podem ser movidas aos profissionais da área de comunicação para o ajuste das práticas profissionais? Portanto pensar e agir eticamente no campo da comunicação social, é ampliar a visão e compreender que aquilo que será veiculado causará efeitos positivos ou nocivos na vida de muitas pessoas. “Pensar eticamente consiste em admitir que meus interesses não podem contar mais que os interesses alheios, pelo simples fato de serem meus interesses.” (SINGER apud PEGORARO,2002, p.33)
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De que adiantam equipes de repórteres de fino trato se o dono da rede de televisão põe a emissora a serviço de seu candidato a presidente de República, distorcendo os fatos? Pra que serve tanto cuidado na hora de investigar a privacidade de um senador, se não há o mínimo respeito para com os desempregados que, detidos como suspeitos por um delegado na periferia, são interrogados diante das câmeras como se fossem autores de crimes hediondos? Como pode a imprensa fiscalizar o poder – um de seus deveres supremos – se ela se converteu num negócio transacional, oligopolizado em conglomerados da mídia que trafica influência junto aos governos para conseguir mais concessões de canais e mais facilidades de financiamentos públicos? Onde está a independência do jornalismo?
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FIDΣS 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabendo-se do poder que a mídia tem de construir realidades para os espectadores partindo de ficções veiculadas, de influenciar opiniões, gostos, a cultura e os próprios valores constitutivos da sociedade, da moral e da ética. Existe, assim, uma responsabilidade obrigatória a ser observada na prática midiática. Que abrange a própria formação das novas gerações desde o ambiente doméstico e estendidas à escola. Também é importante tratar de ética com maior profundidade no ambiente acadêmico, abordando, não apenas as especificidades legais regulatórias inerentes a cada setor profissional. Mas da interrelação universalista de toda a sociedade, compreendendo todas as implicações do exercício da profissão, não apenas juridicamente, mas socialmente como um todo. E por fim é inegável a urgente necessidade de elaboração de leis específicas para a regulação de mídia não apenas para as empresas de comunicação, mas também para orientação e responsabilização individual do comunicador social. Um novo marco regulatório para a mídia deverá ser instrumento democratizante e de efetivação dos direitos constitucionais no que tange à comunicação.
REFERÊNCIAS
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BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das letras, 2006.
GODOI, Guilherme Canela de Souza. Comunicações no Brasil: da confusão Legal à necessidade de regular. 2004. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/156558638815675300647778499477569005329.pd f. Acesso em: 18. Out. 2012.
KARAM, Francisco José. Jornalismo, ética e liberdade. 3ª ed.. São Paulo: Summus, 1997.
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ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação
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FIDΣS PEGORARO, Olinto A.. Ética e bioética: Da subsistência à existência. Petrópolis: Vozes, 2002.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
VALLS, Álvaro L. M.. O que é ética. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense, 2006.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 26ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
ZYLBERSZTAJN, Joana. Regulação de mídia e proteção da infância e da juventude. 2008. Disponível em: http://institutoelo.org.br/site/files/publications/35955b49eaff109914a8346964edd846.pdf#pag
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e=63. Acesso em 24 set. 2012.
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FIDΣS Recebido 31 out. 2014 Aceito 31 out. 2014
A IMPORTÂNCIA DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS ATRAVÉS DA BIORREMEDIAÇÃO: UMA ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA Ingrid Zanella Andrade Campos*
RESUMO O presente artigo trata da necessidade de controle e monitoramento ambiental contínuo. Assim, procura-se estimular a sustentabilidade ambiental, estudos e novas tecnologias que podem ser adotadas pelo órgão ambiental, bem como, evitar atos de poluição ambiental e resguardar o direito ao meio ambiente não poluído através do tratamento de águas pelo processo da biorremediação. Palavras-chave:
Direito
ambiental.
Controle
ambiental;
1 INTRODUÇÃO
Atualmente o monitoramento ambiental de atividades econômicas se tornou uma necessidade e um dever jurídico, com vistas a manutenção da qualidade ambiental e a prevenção de danos ao meio ambiente às presentes e futuras gerações.
*
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pesquisadora da Linhares Geração em parceria com o Centro de Pesquisa e Projetos Tecnológicos (CPPT), em Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Auditora Ambiental Líder. Perita Ambiental Judicial. Coordenadora Acadêmica e Professora da Pós-Graduação em Direito Marítimo, Portuário e do Petróleo da UNINASSAU, Recife/PE. Professora da Pós-Graduação na área de Direito Marítimo, Portuário e Ambiental da UNISANTOS/SP, da Faculdade de Direito de Vitória/ES, da UNIVALI/SC, da UFRN e da ESMATRA/PE, entre outras. Presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Petróleo da OAB/PE. Membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/PE. Oficial Suplementar do Conselho da Ordem do Mérito Naval/Marinha do Brasil.
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Biorremediação.
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FIDΣS A poluição ambiental, como restará esclarecido, é produzida pelo homem e está diretamente relacionada com os processos de industrialização. Assim, a poluição se divide em sonora, visual, atmosférica, da água, do solo e nuclear, onde o lançamento de águas residuais sem o devido tratamento, é forma direta de produzir a poluição da água. Portanto, a relevância do tema, que envolve a manutenção da qualidade ambiental através da biorremediação de águas residuais é notória quando direcionada à saúde humana e ao bem estar social, razão pela qual, pretende-se analisar a obrigatoriedade e a importância do tratamento de águas residuais, considerando que deve haver condições e padrões de emissão adotados para o controle de lançamentos de efluentes no corpo receptor, não podendo haver qualquer lançamento dessas águas sem o prévio tratamento. O presente artigo foi desenvolvido através da pesquisa bibliográfica, constituído de livros e artigos científicos, bem como da análise da doutrina e legislação pertinente, sem, contudo, dissipar a teoria da vertente prática. Assim, a maior fonte de pesquisa envolve estudo que está sendo desenvolvido atualmente pela Linhares Geração em parceria com o Centro de Pesquisa e Projetos Tecnológicos (CPPT), em Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). O referido projeto de pesquisa envolve pioneiramente a biorremediação de águas residuais contendo contaminantes como óleos e graxas, entre outros que não atendem a legislação ambientais (com destaque as Resoluções do CONAMA que serão abordadas neste artigo). O tratamento de biorremediação é agregado ao estimulado do número de microalgas utilizadas através de fotobioreator, com o incremento significativo dessas microalgas
processo. Considerando a ausência de norma legal especifica que trate da biorremediação de águas residuais, tornou-se necessário enquadrar sua importância nos princípios ambientais, com vistas a possibilitar qualquer reivindicação pública a respeito da questão. Como o trabalho lida com premissas gerais aplicadas à poluição, à manutenção da qualidade ambiental através de processo de biorredemiação, aos princípios ambientais de forma ampla, buscando as aplicar no caso especifico, desta forma, por ser tratar de um estudo aplicado e interdisciplinar, o método utilizado foi marcadamente o dedutivo, partindo-se de parte de uma ideia geral para conclusões especificais ao objeto do presente estudo.
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(estimado a superior a 50 milhões de células por ml), com vistas a dar maior eficiência ao
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FIDΣS 2 DA OBRIGATORIEDADE DE TRATAMENTO DE ÁGUAS RESIDUAIS
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tratar expressamente sobre o meio ambiente, dedicando o Capítulo VI, do Título da Ordem Social, exclusivamente a essa matéria, além de abordar dessa temática em outros artigos do texto constitucional. Em conformidade com o preceito constitucional retro, o meio ambiente não poluído, ou seja, ecologicamente equilibrado, passou a ser considerado um direito fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana estabelecida no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Logo, a Constituição Federal defende o desenvolvimento sustentável mediante a racionalização do uso dos recursos ambientais, da preservação e recuperação do meio ambiente e do controle da poluição e da degradação ambiental. A expressão meio ambiente tem sua definição estabelecida na Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências. A mencionada Lei, no inciso I do art. 3º, conceitua o meio ambiente como sendo: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Segundo o inciso V, do mesmo artigo da Lei da PMNA, o meio ambiente natural compreende: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (denominados recursos ambientais).
(Lei nº 6.938/1981) o dever de defini-los de forma abrangente, visando proteger não só o meio ambiente, mas também a sociedade, a saúde e a economia, no art. 3º, incisos II e III. Assim degradação da qualidade ambiental pode ser entendida como a alteração adversa das características do meio ambiente. Por sua vez, a poluição é a espécie da degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota ou as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Entre as normas de prevenção e controle de poluição enfatiza-se o dever de manter a qualidade ambiental em águas públicas, em conformidade com os parâmetros estabelecidos pela autoridade competente.
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No que tange à degradação e à poluição coube a Política Nacional do Meio Ambiente
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FIDΣS A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA, Lei n o 6.938/1981) que tem como objetivo geral a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propiciam à vida, visando assegurar no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Entre os objetivos específicos da PNMA enfatiza-se: a compatibilização do desenvolvimento econômico social, com preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, e estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo dos recursos ambientais etc. Neste sentido, em 08 de janeiro de 1997, foi publicada a Lei nº 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos. A Lei nº 9.433/1997 elenca os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos, da seguinte forma: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; e, a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais. Entre os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos destaca-se: reconhecimento da água como bem de domínio público e como recurso natural limitado, dotado de valor econômico; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas, da mesma forma que gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades, etc.
gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade; adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Percebe-se que a Política Nacional de Recursos Hídricos trouxe como diretriz e meta a necessidade de controle e manutenção de qualidade dos recursos hídricos na sua gestão. Quanto ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental aponta-se o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que é órgão consultivo e deliberativo do
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Como diretrizes da Política Nacional dos Recursos podem ser citadas as seguintes:
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FIDΣS Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), foi instituído pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA possui competência, entre outras, de estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos. Para tanto o CONAMA elabora as resoluções, onde se destaca a Resolução no 357, de 17 de março de 2005 (parcialmente alterada pelas Resolução 410/2009 e pela 430/2011), que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Segundo a Res. no 357/2005 deve haver condições e padrões de emissão adotados para o controle de lançamentos de efluentes no corpo receptor (corpo hídrico superficial que recebe o lançamento de um efluente), não podendo haver qualquer lançamento de águas residuais sem o prévio tratamento. Destaca-se que o estabelecimento das condições para lançamento vai depender de cada espécie de água residual, como forma de evitar contaminação e degradação. Segundo a Resolução no 430, de 13 de maio de 2011, os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados diretamente nos corpos receptores após o devido tratamento e desde que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos na referida Resolução e em outras normas aplicáveis. Igualmente, no que tange a qualidade de águas, destaca-se que a Portaria no 518, de
responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Segundo a Portaria no 518/2004, do Ministério de Saúde, o controle da qualidade da água para consumo humano deve ser entendido como o conjunto de atividades exercidas de forma contínua pelo (s) responsável (is) pela operação de sistema ou solução alternativa de abastecimento de água, destinadas a verificar se a água fornecida à população é potável, assegurando a manutenção desta condição. Por sua vez a vigilância da qualidade da água para consumo humano é o conjunto de ações adotadas continuamente pela autoridade de saúde pública, para verificar se a água consumida pela população atende à referida Portaria e para avaliar os riscos que os sistemas e as soluções alternativas de abastecimento de água representam para a saúde humana.
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25 de março de 2004, do Ministério de Saúde. A citada Portaria estabelece os procedimentos e
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FIDΣS Desta forma, como meio de primar pelo direito ao meio ambiente não poluído, incube ao Poder Público e à sociedade o dever de manter e restaurar a qualidade ambiental em áreas degradadas. Como apontado, a Política Nacional de Recursos Hídricos tem como objetivo assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos, segundo as Resoluções do CONAMA. A necessidade de se manter a qualidade ambiental está diretamente ligada a biorremediação de águas residuais, em face do devido tratamento dessas impossibilitando o despejo ilícito de águas poluídas. No mesmo vértice através do tratamento das águas se permite que as alterações adversas reconhecidas no meio ambiente, que consubstanciam degradação e/ou poluição, sejam controladas e remediadas a depender do sistema proposto. As alterações adversas incluem aspectos químicos, que podem ser causadas por diversas atividades, como a agricultura, as explorações agropecuárias, o despejo indevido de efluentes, as atividades urbanas, as decorrentes de indústria, e demais atividades humanas. Da mesma forma, aspectos biológicos que ocorrem de forma natural nos ecossistemas através de interações no seio de espécies (competição, predação, etc.) e entre espécies (competição, predação, etc.). Esclarece-se que biorremediação é a utilização de seres vivos, microrganismos, ou seus componentes na recuperação de águas ou áreas ambientais degradadas. Entre as diversas vantagens da biorremediação, além do baixo custo, há a importância de se utilizar uma tecnologia limpa e eficaz, além de envolver novo mercado para pesquisadores e cientistas, que
Desta forma, torna-se cogente que o Brasil ingresse na busca da manutenção e da restauração da qualidade ambiental, como forma de garantir o meio ambiente não poluído às presentes e futuras gerações, entre as tecnologias limpas e sustentáveis, passa-se a explanar a importância da biorremediação de águas residuais.
3 DA AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA BIORREMEDIAÇÃO DE ÁGUAS RESIDUAIS
Atualmente, novas técnicas que enfatizam a destruição dos poluentes presentes nas águas residuais e visam um menor gasto energético têm sido desenvolvidas, entre essas
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pode se tornar uma realidade cultural nas indústrias e empresas.
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FIDΣS formas é possível citar a biorremediação, inclusive através do uso de microrganismos, como forma de é eliminar contaminantes ambientais de forma natural. No que concerne à remediação e forma genérica, destaca-se a Resolução CONAMA no 314, de 29 de outubro de 2002, que dispõe sobre o registro de produtos destinados à remediação e dá outras providências. A norma em comento entende que são diversos os benefícios ambientais que podem advir da utilização adequada de remediadores na recuperação de ecossistemas contaminados, no tratamento de resíduos e efluentes, na desobstrução e limpeza de dutos e equipamentos. E entende por remediador o produto, constituído ou não por microrganismos, destinado à recuperação de ambientes e ecossistemas contaminados, tratamento de efluentes e resíduos, desobstrução e limpeza de dutos e equipamentos atuando como agente de processo físico, químico, biológico ou combinados entre si. Com vistas a resguardar essas técnicas há a determinação na Resolução supra que os remediadores sejam ser registrados junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, para fins de produção, importação, comercialização e utilização. Assim, ficam dispensadas de registro os remediadores destinados a pesquisa e experimentação, exigindo-se para essas atividades a anuência prévia do IBAMA. Entretanto, mesmo a biorremediação de águas residuais se constituindo como uma alternativa limpa e eficaz, bem como da obrigatoriedade de tratamento dessas águas, não há regulamentação normativa especifica a respeito da matéria, sendo possível defender sua utilização através de uma interpretação sistêmica dos princípios ambientais. Isso, pois, o
constituir como uma obrigação, como forma de prevenir danos (poluição ambiental) e manter a qualidade ambiental. Como visto, o desenvolvimento econômico em dissonância com a questão ambiental não se mostra mais possível, em face do reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 do meio ambiente não poluído como direito fundamental. Dessa forma, a temática ambiental aparece como conteúdo e como limite das atividades econômicas, diante da supremacia da dignidade da pessoa humana e da primazia do direito à vida. Nesse sentido, a sustentabilidade ambiental deve ser percebida através da necessidade humana de viver com saúde, dignidade e bem-estar, usufruindo, para tanto, dos bens ambientais dentro dos limites que não comprometam a existência desses recursos e não seja prejudicial ao meio ambiente.
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tratamento de águas residuais, através de tecnologias limpa e altamente eficiente, deve se
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FIDΣS A questão ambiental é matéria de interesse mundial. Em face de diversidade crescente dos problemas ambientais, no campo jurídico vem sendo instituídos princípios, que vêm alicerçando o Direito Ambiental, orientando a aplicação das normas jurídicas aplicáveis a essa matéria. Portanto, com vistas a justificar a biorremediação de águas residuais como forma de evitar danos e poluição ambiental, é imprescindível que sejam analisados os princípios ambientais fundamentais de tal possibilidade. Ora, ordem jurídica constitucional deve ser vista como um sistema de princípios e normas. Primeiramente se encontram as normas, como mandamentos definitivos que traçam condutas em face de situações jurídicas pré-determinadas. E os princípios, que preceituam o que pode ser feito, perante as possibilidades de conduta que podem se caracterizar, com uma ampla margem de flexibilidade de aplicação e ponderação (ALEXY, 1993. p. 6). É inexequível um sistema jurídico formado unicamente por uma dessas categorias, um sistema constituído somente por regras formaria uma realidade jurídica de limitada racionalidade prática. E, elaborado apenas por princípios levaria a um ordenamento inseguro pela ausência de determinação que somente a regra é capaz de patrocinar (CANOTILHO, 1998. p. 188). Os princípios são, portanto, os instrumentos que veiculam os limites e o conteúdo valorativo do ordenamento jurídico, de caráter abstrato e genérico, influenciando a concretização e interpretação das normas. Permitem a atualização do sistema jurídico, em face da evolução social, e das necessidades que surgem, ou seja, eles tornam possível a adaptação
Neste sentido, primeiramente, cita-se o princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa ambiental está assinalado no Princípio 17 da Declaração de Estocolmo de 1972, no Princípio 11 da Declaração do Rio de 1992 e no texto da Carta Magna, no caput do art. 225 e nos arts. 23, III,VI, VII, IX e XI, e 24, VI, VII e VIII). Esse princípio pressupõe que o Poder Público tem a obrigação de atuar na esfera administrativa, legislativa e judicial na defesa do meio ambiente, constituindo um poder/dever, por conta da natureza indisponível desse bem. Contudo, como a própria Constituição Federal prevê que essa atividade estatal não é exclusiva, mas sim compartilhada com a participação direta da coletividade. O princípio da precaução foi consagrado na Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Princípio 15, orienta que os Estados devem adotar medidas precaução visando a evitar danos irreparáveis ao meio ambiente, de forma que a
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do direito à complexidade social.
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FIDΣS ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como motivo para postergar providências eficazes em decorrência das despesas para evitar a degradação ambiental. Destarte, o princípio da precaução tem como característica a incerteza do dano ambiental. Isso importa em afirmar que enquanto houver controvérsias no plano científico, no tocante aos efeitos nocivos de determinada atividade sobre o meio ambiente, em observância a esse princípio o empreendimento deverá ser evitado. Esse princípio está previsto na Constituição brasileira, por exemplo, quando exige prévio estudo de impacto ambiental para licenciamento de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, §1º, IV). Segundo Maria Luiza Granziera, o princípio da precaução determina que não se licencie uma atividade, toda vez que não se tenha certeza de que ela não causará danos irreversíveis ao meio ambiente (GRANZIERA, 2011, p. 62). Logo, em conformidade com esse princípio, é imprescindível prevenir as ocorrências de danos ambientais antes mesmo que eles aconteçam e, em caso de dúvidas sobre os efeitos nocivos ao meio ambiente sobre a implantação de uma determinada atividade, deve-se sempre escolher a proteção do meio ambiente, porque a vida das gerações presentes e futuras depende do meio ambiente ecologicamente equilibrado. O princípio da prevenção parte da suposição de que a reparação ou a recomposição do meio ambiente desequilibrado é, na maior parte das vezes, difícil, ou até impraticável, além de demasiadamente onerosa. Por isso, devem ser adotadas medidas preventivas com vistas a evitar ou minimizar o máximo possível a ocorrência de danos ambientais. Esse
Estocolmo de maneira implícita (Princípios 2, 3, 5, 6 e 7). A diferença entre o princípio da prevenção e o da precaução está na avaliação do risco que ameaça o meio ambiente. A precaução é considerada quando o risco é elevado, tão elevado que a certeza científica deve ser exigida antes de se adotar uma ação corretiva. Assim esse será aplicado nos casos em que qualquer atividade possa resultar em danos duradouros ou irreversíveis (KISS, 2004, p. 11). O princípio da cooperação em matéria ambiental se aplica em dois níveis: no âmbito internacional e nacional. No campo internacional, esse princípio está assentado no entendimento de que as atividades degradadoras ambientais podem ultrapassa os limites territoriais de um país e repercutir no domínio de outros Estados, uma vez que o meio ambiente é um todo interligado e interdependente. Desse modo todos os Estados devem cooperar na defesa do meio ambiente. A Declaração de Estocolmo, os Princípios 17 e 24
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princípio está inscrito na Declaração do Rio/1992 (Princípio 17) e na Declaração de
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FIDΣS ressaltam a importância dessa cooperação internacional na seara ambiental, como também o Principio 27 da Declaração do Rio/1992. Para concretização da cooperação internacional em matéria ambiental, é imprescindível que os Estados repassem informações entre si nos casos de possíveis ou efetivas ocorrências de danos ambientais capazes de ocasionar prejuízos transfronteiriços, promovam o auxílio mútuo, entre outras medidas. No plano nacional, a cooperação entre o Poder Público e a sociedade na defesa do meio ambiente tem sua previsão no Princípio 10 da Declaração do Rio/1992. Esse princípio está, também, consagrado no caput do art. 225 da Constituição Federal, quando impõe ao Poder Publico e à coletividade o dever de defender o meio ambiente para às presentes e futuras gerações. O mais importante, o princípio do desenvolvimento sustentável teve seu fundamento no Principio nº 13 da Conferência de Estocolmo/1972, contudo a expressão desenvolvimento sustentável foi empregada no Relatório Brundtland. Esse princípio decorreu dos efeitos prejudiciais decorrentes do modelo do desenvolvimento econômico adotado mundialmente que não levava em consideração a necessidade de salvaguardar os recursos naturais. O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades. Esse modelo de desenvolvimento pressupõe a integração harmônica entre crescimento econômico, justiça social e equilíbrio ecológico. Para Guido Soares desenvolvimento sustentável nada mais significa do que inserir
considerações de ordem ambiental (SOARES, 2001. p. 81). Espelha, igualmente, a preocupação mundial em promover o desenvolvimento econômico e social de forma ecologicamente sustentado, que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de prover às próprias necessidades. Essa premissa do desenvolvimento sustentável deve fazer parte das políticas públicas e das atividades econômicas promovidas pela sociedade. Nelson Nery afirma que a ordem econômica está vinculada ao desenvolvimento econômico em concomitância do social. Para atingir tal desiderato, a atividade econômica precisa ser planejada de maneira integrada, onde a atuação econômica estatal deverá ser integrada a um planejamento ambiental que racionalize o aproveitamento energético, aquático e que esteja comprometido com a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável. A atuação econômica também precisa estar integrada à pesquisa científica e
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nos processos decisórios de ordem política e econômica, como condição necessária, as
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FIDΣS tecnológica, em que toda a orientação está voltada para a promoção do bem estar dos cidadãos (NERY JUNIOR; NERY, 2009. p. 639). Na Constituição Federal, o princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se delineado no artigo 225, caput, e o artigo 170, inciso VI, da Carta Magna tem também esculpido esse princípio demonstrando claramente a preocupação do legislador em proteger o meio ambiente, não obstante a importância do desenvolvimento econômico para o país. Portanto, não há como dissociar os princípios ora destacados do processo de biorremediação de águas residuais, considerando que o processo envolve tecnologia limpa, de baixo custos, tendente a evitar atos de poluição e degradação ambientais, com destaque ao princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa ambiental e do desenvolvimento sustentável.
4 CONCLUSÃO
De acordo com a Constituição Federal, é dever da coletividade em conjunto com o Poder Público preservar e defender o meio ambiente, por ser esse reconhecido como direito humano e fundamental inerente à vida digna, das presentes e futuras gerações. Nesse sentido, a biorremediação de águas residuais se constitui como uma necessidade, por ser forma eficaz de manter a qualidade ambiental, onde a adoção de uma política preventiva é indispensável, inclusive embasada na necessidade de precaução e
Por sua vez, denota-se a importância de se observar os mencionados princípios ambientais que buscam conferir harmonia ao sistema jurídico, de forma a assegurar a boa aplicação das normas jurídicas voltadas proteção do meio ambiente, com vistas, ainda a fundamentar a biorremediação de águas residuais. Para tanto é preciso uma maior interação de esforços entre os órgãos públicos, o empreendedor e a sociedade, no que tange à fiscalização e ao monitoramento, através de uma atuação multidisciplinar permanente, bem como do fomento de estudo de novas tecnologias ou da aplicação de tecnologias já existentes no monitoramento e na biorremediação ambiental.
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prevenção ambiental.
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FIDΣS
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1993.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 2º ed. Coimbra: Almedina, 1998.
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas. 2011.
KISS, Alexandre. Os direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (org.). Princípios da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente. Emergência,
THE
IMPORTANCE
OF
WASTEWATER
TREATMENT
THROUGH
BIOREMEDIATION: A PRINCIPLED ANALYSIS
ABSTRACT This present article considers the needy of control and continuous environmental
monitoring.
Therefore,
pretend
to
encourage
environmental sustainability, studies and new technologies that can be adopted by the environmental agency, such as well, avoid acts of environmental pollution and protect the right to an unpolluted
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Obrigações e Responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001.
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FIDÎŁS environment through the water treatment by the process of bioremediation. Keywords:
Environmental
law.
Environmental
control.
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Bioremediation.
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FIDΣS Recebido 01 set. 2014 Aceito 27 out. 2014
REFORMA POLÍTICA E FINANCIAMENTO DE CAMPANHA: ENTRE A IDEOLOGIA E (DES)NECESSIDADE Lauro Ericksen*
RESUMO O artigo se foca nas discussões recentes sobre a reforma política e o modelo a ser adotado para o financiamento de campanha. Parte-se de um ponto de vista metodológico fusionista e visa alcançar liberdade econômica e política para o cidadão. Debate-se como as campanhas políticas eleitorais devem ser financiadas: através de fundos privados ou públicos. Explora-se o financiamento público de campanha e as suas ominosas consequências na liberdade econômica. Propõe-se um exclusivo sistema de financiamento privado, propondo, anexamente, a
obrigatório, para que a sistemática se aperfeiçoe. Tais medidas são proposições de resolução não-instantânea que são capazes de reduzir a corrupção no sistema político sem comprometer a liberdade econômica e a democracia. Palavras-chave: Reforma
política.
Financiamento
privado
de
campanha. Liberdade econômica.
*
Doutorando em Filosofia (UFRN), mestre em Filosofia (UFRN), especialista em Direito e Processo do Trabalho (UCAM-RJ), graduado em Direito, Filosofia (UFRN) e Controle Ambiental (IFRN), graduando em Gestão de Políticas Públicas (UFRN). Oficial de Justiça, Avaliador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. Possui livros publicados na área jurídica e filosófica.
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necessidade de privatizar empresas estatais e tornar o voto não
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FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema central a questão da reforma política brasileira, algo bastante em voga nos últimos tempos, principalmente após as manifestações de junho de 2013. Assim sendo, há de se por em debate um dos pontos nevrálgicos de tal reforma política, a questão do financiamento público de campanha, em detrimento do atual sistema misto. Alteração essa que deverá ser provisionada por uma assembleia constituinte extraordinária, arquitetada com o único intuito de promover tais alterações jurídicas que viabilizem a instituição dessa nova sistemática política. Metodologicamente, para adentrar no tema proposto, há de se adotar a inclinação política do fusionismo norte-americano, o qual defende, em termos bastante gerais, uma defesa conservadora dos interesses nos costumes e na cultura e uma defesa liberal em termos econômicos, tudo isso para que se possa defender, em termos mais amplos, a liberdade do cidadão, principalmente nos seus vieses econômicos e políticos propriamente ditos. O objetivo geral do trabalho, portanto, diz respeito a uma análise da intervenção econômica por parte do Estado na ingerência da vida do cidadão a partir da reforma política proposta. Em termos específicos, busca-se escrutinar, pormenorizadamente, aquilo que se propõe como reforma política de financiamento unicamente público, levantando as suas nefastas proposições e contrabalanceando tudo isso com a proposição de um financiamento exclusivamente privado de campanhas, levantando como propostas anexas a privatização de empresas estatais e o voto não obrigatório, como instrumentos políticos de redução na
Propõe-se, em última instância, com tais colocações, que a liberdade do cidadão seja cada vez mais enaltecida, em detrimento de uma política econômica que vise a intervenção estatal e consequentemente uma maior arrecadação tributária, principalmente em detrimento daquilo que se possa chamar de “justiça social” em termos de repartição de recursos financeiros para dar sustento a partidos políticos e candidatos em tempos de eleições. Assim, há de se perceber que, mesmo com as proposições inseridas no presente contexto, o artigo em relevo assume um caráter niilista com relação ao panorama político esquadrinhado: nenhuma proposta feita, por qualquer dos espectros ideológicos analisados, resolverá o problema levantado em um curto prazo, e mesmo que elas prometam tal instantaneidade na resolução dos problemas, certamente, tais proposições devem ser tidas como levianas e não factíveis no plano prático de atuação político-jurídica.
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corrupção do sistema eleitoral atualmente posto.
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2 AS PREOCUPAÇÕES ADVINDAS DAS MANIFESTAÇÕES DE 2013: A CONJUNTURA POLÍTICA E SEUS ANSEIOS
Recapitulando recentes eventos históricos de junho de 2013, em que uma parte da sociedade civil, insatisfeita com os hodiernos rumos e contornos da política brasileira, foi às ruas exigindo mudanças, tem-se como resultado de todo esse agito social “o clamor” por uma “reforma política”, a qual, por ser demasiadamente aprofundada e visceral necessitaria, segundo os postulantes, uma assembleia constituinte extraordinária. O que se pode indagar a respeito de toda essa movimentação pós-manifestações é: qual o conteúdo político-ideológico das mudanças “revolucionárias” propostas e qual a necessidade disso? Em um primeiro plano fica claramente exposto o viés político e ideológico de toda e qualquer proposta que se autodenomine “revolucionária”, ou que vise, “alterar o panorama posto”. Essas propostas claramente se inclinam a advogar uma doutrina claramente de “esquerda”, e por doutrinas “esquerdistas”, inclua-se nesse rol toda e qualquer concepção político (e partidária, cabe ressaltar aqui) que defenda uma forte intervenção estatal, seja ela no campo político, econômico ou social em grande medida. Certamente, as vozes das ruas, em alguma reverberação ecoavam por uma “saúde melhor” (leia-se, um sistema de saúde mais condizente com as necessidades), um “transporte melhor” (leia-se, propostas para melhorar a atual situação do transporte público) e também por “mais segurança” (uma melhor estruturação da segurança pública em âmbito federal e praticada por “black blocs” (integrantes assumidamente anarquistas e de “esquerda” – no sentido mais cru da palavra – bem como relatado por alguns meios da mídia escrita de circulação nacional), extraindo apenas aquilo que possa ser colocado no plano político como legítimo (ou seja, o anseio do cidadão comum, sem qualquer vinculação a grupos extremistas como o já citado anteriormente), não se deriva, que os anseios populares clamam por uma política estatal mais intervencionista. É lição comezinha que a intervenção estatal encontra-se diretamente ligada a uma intervenção econômica sobre a sociedade, haja vista que a maior parte das receitas e dos recursos públicos são advindos diretamente dos tributos cobrados da população em geral. Dessa maneira, a leitura operada por aqueles que propõem uma nova assembleia constituinte extraordinária e, nesse sentido mais estrito, uma reforma política, finda por repercutir em uma
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local). Todavia, analisando todo esse clamor, sem por em relevo qualquer ação de vandalismo
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FIDΣS proposta político-ideológica que requer uma maior intervenção do governo na vida do cidadão comum. Atualmente, sabe-se que todos os principais pontos de reivindicação propostos são fornecidos através de serviços públicos (educação, saúde, segurança e, em algum sentido, regulados no caso do “transporte público”). A leitura direta e mais aparente realizada pelos que clamam pela reforma política induz que é necessário mais uma vez que o Estado interfira em tais serviços, aparelhe-se cada vez mais, para que a partir de então possa prestá-los com maior presteza. Ou seja, parte-se da premissa que os tributos ou são cobrados a menor, de modo que o montante de recursos públicos não é o suficiente para que o Estado possa prover tais serviços de maneira satisfatória (como é o caso da proposta de 10% do Produto Interno Bruto a ser destinado para o orçamento da educação), ou que os recursos já existentes, ainda que suficientes, são geridos de uma maneira pouco profícua, ou seja, são desviados ou desperdiçados indevidamente. Qualquer que seja a justificativa fornecida, uma resposta é definitiva, é necessário que o Estado intervenha ainda mais para que os anseios da sociedade possam ser concretizados. Todavia, essa proposta ideologicamente vinculada a qualquer espectro da “esquerda”, seja ela moderada, a partir do discurso: “precisa-se aumentar a arrecadação dos impostos”, quer seja ela radical: “é necessário estatizar as empresas porventura privadas e aumentar ainda mais a arrecadação e a inserção tributária do Estado”, produz um efeito nefasto sobre cidadão, principalmente sobre aquele que foi, pacificamente, às ruas, exigir uma melhoria, em certo sentido, ainda que demasiadamente amplo, na sua qualidade de vida. tema é: “afigura-se necessária uma maior ingerência do Estado na vida do cidadão para que ele alcance uma melhor qualidade de vida?”. A resposta a tal indagação, ainda que possa parecer excessivamente presunçosa ou laconicamente curta é: não. Por uma inclinação fusionista, em que os costumes tendem a ser conservados, derivado de uma evolução do paleoconservadorismo, que acrescenta uma forte base filosófica a uma tradição de moralidade misturada com uma justificação publicamente inspirada na economia de mercado e um governo mínimo, ligado a um vigoroso anticomunismo (GLENN; TELES, 2009, p. 13) . Essa identificação neoconservadora serve de fundamento filosófico e jurídico basilar para toda a defesa política depreendida a seguir, uma vez que é o seu sustentáculo metodológico. Com toda a certeza, a maior parte das pessoas que foram às ruas não tinha em mente que a maneira mais adequada para melhorar a sua qualidade de vida consiste em aumentar, ainda mais, a carga tributária, que no Brasil já é demasiadamente significativa. Os
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Decerto, a pergunta mais adequada a ser feita, como problematização do presente
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FIDΣS fundamentos para esse desconhecimento podem ser os mais variados, transitam desde a falta de aprofundamento em questões políticas e econômicas até mesmo ao desinteresse por tal assunto, hipótese em que o manifesto recai no niilismo de “protestar por protestar”. Qualquer que seja o fundamento, ele é irrelevante, porque o efeito prático da proposta da reforma política é que se afigura como mais importante em toda essa discussão. Os fundamentos para o cidadão comum, ou o “homem médio” do Direito, ou o “man on the street” popularizado na fenomenologia contemporânea por Alfred Schutz (1970, p. 239), são inconsequentes, desde que os resultados pragmaticamente alcançados sejam relevantes e satisfatórios. No caso em relevo, esses resultados são imprevisíveis para o “homem médio”, e tampouco são por eles desejados ao final de todo esse processo, simplesmente porque o Estado jamais poderá cumprir com tais promessas ou com tais clamores populares. Ou seja, em síntese, poder-se-ia inferir que uma proposta tão visceral de mudança no sistema jurídico de todo o país se baseia, quase que em sua totalidade, em um mero engodo que se mantém, legitimado, por uma massa de manobra néscia. Assim sendo, a proposta de uma reforma política ancorada em uma nova constituinte parece ser algo digno de um extremismo político sem precedentes. Dada a sua grande repercussão, nos mais variados espectros (econômico, social e político), faz-se necessário adentrar um pouco mais em uma de suas propostas para que se possa aferir a sua necessidade ou a sua desnecessidade, ou até mesmo, averiguar se não seria possível promover alterações na atual sistemática política brasileira sem ter que descaracterizá-la ao ponto de ter que mudar a constituição atualmente vigente. Tais eventuais propostas de alteração devem ser feitas em
contas, se o objetivo consiste em não trair o elemento fulcral do extrato político das manifestações, ele não pode coadunar em manter tal ponto apenas como massa de manobra.
3 FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA E A SUA INVIABILIDADE Uma das principais reivindicações contidas na “revolução” ideológica proposta na reforma política consiste na alteração do atual sistema de financiamento de campanhas políticas em tempos de eleição. Impende-se asseverar que o atual sistema de financiamento é considerado misto, pois já inclui verbas públicas (advindas do fundo partidário) e a possibilidade de entrada de verbas de natureza privada, advindas de pessoas físicas ou
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dissonância com aquilo que foi pregado como fundamento da nova constituinte, afinal de
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FIDΣS jurídicas, desde que devidamente declaradas. A proposta contida1 na reforma política, transcrita a seguir, propõe que o financiamento seja feito de maneira exclusiva a partir de verbas de origem pública: “A reforma política prevê o financiamento das campanhas eleitorais exclusivamente com dinheiro público. Doações de pessoas físicas e empresas são proibidas e sujeitas a punição. Em ano eleitoral, conforme a proposta, serão incluídos na Lei Orçamentária créditos adicionais para financiar campanhas eleitorais com valores equivalente ao número de eleitores do País. Os recursos serão multiplicados por R$ 7, tomando-se por referência o eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior à elaboração da lei Orçamentária. Tomando como base um eleitorado de 115 milhões de pessoas, o valor destinado à campanha seria de R$ 805 milhões. O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil, em conta especial à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o dia 1º de maio do ano do pleito. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer a distribuição dos recursos aos diretórios nacionais dos partidos políticos, dentro de dez dias, contados da data do depósito, obedecendo os seguintes critérios: 1%, dividido igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; 14%, divididos igualitariamente entre os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85%, divididos entre os partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados”.
Ou seja, a partir de então, tolher-se-á qualquer doação, seja ela feita por uma pessoa física ou jurídica para qualquer tipo de propaganda eleitoral, sendo toda a campanha financiada por recursos de natureza pública, ou seja, captados pelo Estado segundo as suas fontes de custeio, principalmente a tributação. Um dos argumentos apontados por aqueles que defendem esse tipo de financiamento é a existência de “caixa-dois” em função da grande parte de recursos advindos de empresas privadas (este argumento, aliás, era o utilizado para se sustentar que deveria haver a inclusão
financiamento público de campanha, com a nova injeção de capital financeiro para ser gasto na campanha, os partidos deixariam de recorrer a tal expediente. Esse argumento é tão risível que chega a ser cômico e utópico, acreditar que não haverá mais caixa-dois porque há mais dinheiro disponível aos partidos. Quanto mais se têm dinheiro para gastar, mais se gastará, não há essa “lógica da disponibilidade” em campanhas eleitorais. Outro argumento levantado pelos defensores de tal sistema de financiamento consiste em, de maneira vitimizada, afirmar que nem todos os candidatos possuem as mesmas condições de concorrer, de modo que essa divisão do dinheiro público ajudaria os candidatos com “boas propostas”, mas que não possuem “recursos suficientes para concorrer”. Esse é o 1
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Financiamento Público de Campanha. <http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/70184.html>. Acesso em 27 ago. 2014.
Disponível
em:
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de pessoas jurídicas como doadoras, desde que declaradas). Segundo os defensores do
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FIDΣS típico argumento vitimista, que propõe uma “justiça social” até mesmo em repartições financeiras de campanha (um terreno político-ideológico em que todas as desigualdades se resolvem nas urnas). De modo reverso, se alguém acha que um determinado candidato possui boas propostas, cumpre a ele próprio, seja pessoa física ou jurídica patrocinar a campanha de quem quer que seja, esperar que o Estado venha a dividir suas receitas com tal propósito é mais do que demagogia, é o verdadeiro desperdício imoral do dinheiro público, uma vez que a moralidade administrativa (artigo 37 da Constituição da República de 1988) veda qualquer forma de favorecimento, por mais que se possa cogitar, supor ou depreender que tal candidato possui “boas propostas”, isso sem falar no pleno subjetivismo infundado dessa assertiva pouco fundamentada. Um argumento crítico proposto até por aqueles que defendem o financiamento público a essa forma de divisão dos fomentos públicos de campanha consiste em afirmar que os repasses, tais como instituídos, apenas favorecerão partidos grandes. Certamente, há de se concordar com esse argumento, de que provavelmente os maiores partidos serão beneficiados, todavia, há de se discordar no sentido de que “todos os partidos devem ter os mesmos recursos para que tenham as mesmas possibilidades de concorrer”. A defesa desse argumento “igualitário” recai, mais uma vez, na defesa de um argumento “vitimista” de que “todos devem ter a mesma chance”, ou no velho jargão da “justiça social”. O problema encontrado de os grandes partidos terem maior repasse reside no fato de que partidos são pessoas jurídicas de direito privado (artigo 44, inciso V do Código Civil), de modo que nenhum deles,
seja ela vultosa ou não. Não cabe a uma repartição em termos legais definir para quem vai o dinheiro dos tributos ou parte deles. Com menos tributação para suprir essa necessidade inventada, certamente, as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, possuirão liberdade em escolher para quem destinar tais recursos financeiros. Nesse ponto é que reside o julgamento se as propostas são boas ou ruins de determinado candidato, pois, somente no âmbito da liberdade econômica de cada pessoa é que lhe compete julgar a aptidão de um candidato ou de um partido. Não é uma incumbência legal destinar parte dos recursos a certo partido, seja ele de direita ou de esquerda. Cabe a cada contribuinte selecionar a quem destinar o seu voto e os seus recursos financeiros. É nesse passo que se pode adentrar no argumento seguinte, o que indica ser uma medida totalmente antidemocrática tolher a possibilidade de as pessoas, sejam elas físicas ou
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sejam grandes ou pequenos, de direita ou de esquerda, deve receber qualquer quantia pública,
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FIDΣS jurídicas, repise-se, doar ou contribuir financeiramente para campanhas políticas. Desde que cumpram os requisitos de validade legal para doação, todas as pessoas podem escolher incentivar financeiramente a campanha de um determinado candidato ou partido que lhes represente, por mais que tal representação política se faça no espectro político diametralmente oposto ao daqueles que pugnam por um financiamento público de campanha. É justamente nesse ponto que reside a liberdade política em seu mais alto grau. Os proponentes da reforma política costumeiramente demonizam o lucro e a atividade privada propriamente dita, imputando-lhe as mazelas sociais (HAYEK, 2007, p. 88). O lucro é demonizado, e a liberdade econômica e a competitividade comercial são sempre postas como vilãs na sociedade propostas por aqueles que endossam a reforma política tal como ela foi encabeçada. Todavia, em uma sociedade democrática, tal como proposto na atual Constituição, é possível (e segundo a ótica fusionista aqui encampada, é até digno de incentivo e louvor) que o lucro seja almejado, desejado e perquirido dentro da ordem social estatuída (vide artigo 170 da Constituição, quando ela fala em “livre iniciativa”). Deste modo, nada mais adequado que seja facultado ao particular a sua contribuição no exercício democrático em prover recursos financeiros para quem lhe aprouver, até mesmo que seu candidato ou seu partido vise, em primeira ou em única instância, o incentivo pelo lucro. Esse é um direito seu que lhe é inarredável e inalienável, pode sempre dispor para quem quiser seus valores financeiros. Certamente, o financiamento público de campanha não acabará com os esquemas de caixa-dois e doações ilícitas de campanha, nesse sentido, nenhum dos modelos propostos
privado. Nesse ponto, não é mais uma questão de jaez jurídico ou econômico, trata-se de uma deformidade ética da própria cultura brasileira. Uma distorção dessa magnitude, certamente, não será simplesmente espargida com uma simples alteração na forma de campanha, de como ela será conduzida ou financiada. As doações ilegais tendem a continuar, até porque a sua destinação específica, todos sabem, é direcionada à compra de votos, de modo que elas jamais poderão ser contabilizadas como recursos de campanha lícitos. Todavia, um dos pontos que devem ser levantados a partir da constatação inexorável de que sempre algum tipo de fraude existirá durante a captação de recursos nas campanhas eleitorais é que diante desse quadro absurdamente imoral é possível reduzir um pouco o gasto desenfreado da coisa pública quando ela é destinada aos partidos de maneira irrestrita. Nesse passo, tornar o financiamento de campanha totalmente privado, independentemente de ele advir de pessoas físicas ou jurídicas não garantirá a totalidade da lisura do processo. Essa
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acabará, seja o atual sistema misto ou quer seja o sistema de financiamento exclusivamente
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FIDΣS medida tampouco assegurará que todas as doações que sejam feitas ou venham a ser feitas no curso do processo eleitoral venham a ser declaradas de maneira lícita. Repise-se, tais artifícios ilegais, fraudulentos e ilícitos continuarão a ocorrer pelo simples fato de que o seu fundamento consistir em um problema culturalmente estatuído por muitos e muitos anos, consequentemente, acumulado em muitas e muitas outras eleições, algo que se encontra encrustado no âmago da própria sociedade e que não será aniquilado instantaneamente, aliás, qualquer proposição de alteração na forma de financiamento de campanha que venha a prometer mudanças dessa magnitude de modo imediato ou instantâneo não passa de um embuste e de uma maneira de se obter promoção ou vantagens políticas, essas sim, imediatas em detrimento da inteligência mínima dos eleitores ou dos analistas políticos e sociais. Também não há, nem se pretende que haja, de maneira alguma, a “igualdade material” em termos de concorrência entre os partidos ou candidatos. Nesse quesito, é possível até mesmo que se acentuem com clareza os destinos econômicos dos partidos mais fortes e com um apoio financeiro maior, em detrimento de pequenas legendas, que não conseguem angariar entre seus componentes, ou mesmo no mercado econômico, apoiadores para a sua causa. Há de se compreender esse apontamento corretamente, ele não indica que “partidos de ideologia alinhada à esquerda” terão menos recursos para utilizar em sua campanha, aliás, muito pelo contrário. O apontamento fornece o entendimento que “partidos maiores” tenderão a ter mais recursos advindos de doações exclusivamente privadas. Salientando-se, que nesse rol de “grandes partidos”, estão incluídos, de maneira bastante
partidos governa o Brasil há pelo menos 12 anos, e corre-se o risco que ele se perpetue por lá por mais algum tempo, por mais que as indicações democráticas mais comezinhas indiquem que é preferível a troca ou a alternância no Poder Político de maneira regular. Acabar com o financiamento privado de campanha apenas dá mais poder ao próprio governo, nesse sentido, como bem propõe como bem sugere John Samples (2006, p. 135), se as contribuições (de campanha) devem refletir uma igualdade de voto, cada cidadão deveria receber das autoridades tributárias uma quantia igual para contribuir para o candidato de sua escolha. Destarte, o financiamento exclusivamente privado de campanha não servirá, em nenhum plano, para planificar ou estratificar igualitariamente a concorrência entre as mais diversas legendas políticas existentes nos pleitos eleitorais.
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profusa, partidos que se enquadram na mencionada ideologia, até mesmo porque um desses
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FIDΣS 4 PROPOSIÇÕES POSSÍVEIS COM UM FINANCIAMENTO DE CAMPANHA EXCLUSIVAMENTE PRIVADO
A conclusão que se pode chegar com o financiamento exclusivamente público, em um sentido bastante simplório, não explorando outros desdobramentos sociais de sua instituição, é que ele viria a aumentar, flagrantemente, a tributação, já bastante excessiva, para que se pudesse financiar campanhas de entidades privadas (partidos políticos) durante o pleito eleitoral. Partindo da premissa básica e inarredável que tal medida afronta, de maneira flagrante e plenamente imoral, a liberdade (em seus parâmetros econômicos, sociais e individuais) do cidadão, pelos motivos expostos na seção precedente, há de se compreender que o modelo mais adequado seria o de financiamento privado exclusivo, dando um salto além daquilo que já existe atualmente, ou seja, o financiamento misto de campanha. O financiamento exclusivamente privado desonera a carga tributária brasileira, já bastante onerada por uma série de incentivos e benefícios sociais, os quais não cabem ser discutidos no momento em destaque. O que há de ser posto em relevo é que não há cabimento, seja ele jurídico ou social, para que se venha a pleitear a instituição ou majoração de tributos para que se custeiem deliberadamente agrupamentos políticos privados. De maneira bastante simples, há de se asseverar que as atrocidades que porventura possam ser efetuadas durante o período eleitoral de campanha não serão perpetradas, ao menos diretamente, com o financiamento provisionado com o dinheiro público. Contra essa proposição, pode-se pontuar: “mas é possível que o candidato que tenta a
é bem provável que aconteça, no entanto, por mais que ele se valha do dinheiro público indevidamente, há de se ter em mente que a proposta do financiamento exclusivamente privado não tem por escopo aniquilar a improbidade administrativa de maneira bastante ampla (para isso, já existe a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 – a Lei de Improbidade Administrativa). O escopo mais próprio do financiamento privado de campanhas eleitorais visa única e exclusivamente duas coisas: permitir o exercício da liberdade por parte do cidadão, e tolher o uso direto de verbas públicas em campanhas eleitorais. Qualquer outro desdobramento negativo que possa vir a ser retirado desse plano político proposto tende a descaracterizá-lo ou até mesmo inviabilizá-lo, uma vez que sua proposta de manejo de recursos públicos é a mais acrisolada e transparente possível: não deve haver nenhum tipo de repasse de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos ou de suas campanhas eleitorais.
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reeleição se valha da máquina pública para projetar sua campanha”. Isso é possível, aliás, isso
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FIDΣS Existe um argumento ainda mais forte de quem se posiciona a favor do financiamento público de campanha (e, logicamente, contrário ao financiamento privado), mas que pode ser desconstruído com algum empenho: “se houver doações de pessoas físicas ou jurídicas privadas, os doadores, após a campanha, cobrarão do político eleito favorecimentos eleitorais”. Esse é o famigerado “toma lá, dá cá”, conhecido estratagema político de favorecimento mútuo entre o doador do recurso e aquele que recebe o valor doado, uma troca de favores políticos que se faz em detrimento do bem e do interesse público mais amplo. É a partir dessa sistemática que se gera o ciclo vicioso da eleição, reeleição e nova tentativa de eleição como preocupação central da carreira política e da vida pública, como aponta Thomas Sowell (2002, p. 54). Assim sendo, por meio de financiamentos públicos, pode o próprio político, já eleito, programar a melhor forma de angariar recursos públicos para destinar para fundos partidários e demais formas de financiamento de campanha a partir de fundos tributáveis da população em geral. Em síntese, os detratores do financiamento exclusivamente privado defendem que os interesses privados na política se tornam "agentes de corrupção". Descartando, portanto, dessa equação social que a corrupção é um elemento além do público e do privado, algo de natureza ética e moral, enraizado na própria cultura em relevo. Em uma democracia madura e instituída sem interferências nefastas, há de se ter o entendimento que a sua representatividade deve ser alcançada independentemente de tais conluios ilícitos, daí porque ela não pode ser instituída diretamente (ROSANVALLON, 2006, p. 45), como outrora ela foi, em tempos históricos passados, por exemplo. Há de se indicar
licitações e contratos fraudulentos, a maioria deles operados entre o doador da verba privada e alguma empresa estatal (englobando nesse conceito mais amplo tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista). Ou seja, a brecha para que haja a malversação do dinheiro público surge, precipuamente, quando se imiscui o terreno do público em negociação com o privado. Então, para que se possa ter um financiamento exclusivamente privado de campanhas eleitorais é necessário que sejam propostas mudanças também no direcionamento econômico do país como um todo, e uma dessas propostas passa pela privatização da maioria das empresas estatais (senão a sua totalidade, como seria preferível, embora, de imediato, essa medida não fosse plenamente factível). A única hipótese possível para que não haja negociatas e arranjos políticos com o Poder Público e conchavos utilizando o dinheiro público nessas empresas ocorre quando não há dinheiro público investido. Ou seja, se essas empresas
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que as principais formas de se perfectibilizar essa forma de favores políticos é através de
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FIDΣS não fossem públicas, não haveria recurso público advindo da arrecadação tributária para ser malversado. Certamente, essa é uma proposição bastante polêmica, a qual necessita de muito aprofundamento teórico para que possa ser mais bem estruturada em sua aplicação prática, no entanto, o intento no presente escrito, consiste apenas em ventilar essa possibilidade, como uma forma de favorecer a liberdade econômica do cidadão, em detrimento do arrocho da carga tributária sob os seus auspícios. Outra proposta viável para que não houvesse, ao menos indiretamente, o favorecimento por meio de conluios pós-eleitorais diz respeito à questão da obrigatoriedade do voto. É lição comezinha que tal alteração não viola as cláusulas pétreas instituídas no artigo 60, § 4º da Constituição da República, pois no inciso II, o voto deve ser “direto, secreto, universal e periódico”, não se fala que ele deva ser necessariamente “obrigatório”. A extinção da obrigatoriedade do voto também é uma maneira de se assegurar liberdade ao cidadão. Participar de um pleito político pode se dar de uma maneira ativa, na qual a participação do cidadão é evidente, e através da qual ele vota em quem lhe aprouver, bem como ela também pode ser passiva, de modo que ele pode escolher não votar em alguém, pode escolher sequer se interessar em saber em quem votar. A “não-escolha” sempre deve ser uma forma de se posicionar politicamente. Certamente, essa é uma discussão filosófica bem mais profunda, em sua matriz ontológica, que remonta ao problema do “não-ser” (e de como ele passa a “ser”), bem como a sua entificação mais recente na filosofia contemporânea (KIERKEGAARD, 2011, p. 89). Todavia, esse não é o espaço mais adequado para se fazer
sendo apenas certo complementar que exigir um voto obrigatório é apenas um reflexo contemporâneo daquilo que costumeiramente se denominou ser a “entificação” do “ser”, ou seja, a necessidade de que se assuma uma postura política, ainda que não se queira, ou que não se tenha nenhum intento relacionado a isso2. Ainda que se tenha falado na questão do voto obrigatório, ainda não se indicou precisamente como a sua desnecessidade seria influente em um sistema de financiamento 2
Toda essa discussão filosófica passa na tangente do tópico defendido pelos “velhos ideais da esquerda” claramente metafísicos e essencialistas, que depositam em uma “essência humana coletiva” os anseios de toda a sociedade, retirando-lhe, decerto, qualquer escolha por si mesma, isto é, qualquer escolha que seja calcada em seu próprio entendimento sobre o assunto, seja ele um tópico político ou não. Esse entendimento essencialista próprio das doutrinas alinhadas ao espectro da esquerda é mais uma maneira de “entificar” ou de tratar os modos de ser como uma mera aparência da realidade. Aliás, quando confrontados com a realidade, a esquerda tende a descartá-la. Como bem salienta Eric Voegelin (1990, p. 94), Marx nega a experiência tangível da realidade porque ela atesta a dependência do homem (numa visão teólogica, uma dependência para com Deus); daí a necessidade de abolir o real e se libertar do tempo, da finitude e de toda a dependência.
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um aprofundamento político-filosófico, dado o caráter pragmático da discussão apreendida,
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FIDΣS exclusivamente privado de campanhas eleitorais. A conexão existente entre a necessidade de se votar obrigatoriamente e a existência de caixa-dois ou de demais fraudes financeiras no sistema eleitoral é patente. Como grande parte do dinheiro ilicitamente obtido pelos candidatos e pelos partidos se destina à compra de votos, toda a sistemática fica ainda mais facilitada quando se percebe que o voto é obrigatório. Isso se afigura desde o desinteresse pelo voto, no pensamento de que “já que se tem que votar, aproveita-se para vender o voto e lucrar com essa obrigatoriedade”, até mesmo com as ocorrências mais comuns, em que as pessoas com menos instrução acabam por “trocar” o voto por algum benefício imediato, seja uma cesta básica, seja uma dentadura, ou até mesmo quantias em dinheiro. O que é importante ser ressaltada é a relação visceral existente entre a compra do voto e a sua obrigatoriedade. Se o voto não fosse obrigatório, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, uma quantidade bem menor de pessoas se disporia a votar. Essa não é uma constatação necessariamente ruim, ou que promove um descrédito do sistema democrático. Como já mencionado anteriormente, o sistema democrático atualmente é representativo (ou seja, não é direto, não exige a atuação de todos diretamente para que funcione). De modo que apenas se tem uma amostragem representativa dos anseios populares (pode-se discutir se os anseios populares são os melhores possíveis ou não, mas essa é outra discussão). Haver uma menor participação popular nas eleições não quer dizer, em termos brutos estatísticos, que a eleição não foi democrática, quer dizer apenas que a participação foi mais efetiva, por parte daqueles que se interessaram por ela. A liberdade, em termos mais amplos, consiste em poder não ter que participar, é uma liberdade negativa perante o cenário político descortinado.
parte daqueles que se valem de tal expediente ominoso. Nesse passo, há de se compreender as leis de oferta e de procura tal como elas se aplicam ao mercado financeiro, afinal de contas, os mecanismos são, ainda que fraudulentos nas campanhas eleitorais, bastante similares nos dois casos. Não há de se dizer, de maneira irresponsável que isso iria acabar com a compra de votos, no entanto, é certo que isso diminuiria flagrantemente. Não há nenhum meio efetivo e imediato de se garantir a lisura nos processos eleitorais, o que se pode, como proposto, é vislumbrar maneiras de se diminuir as fraudes ou propor modelos que venham a estancar o gasto desenfreado de dinheiro público em tais pleitos. Há de se ter em mente que nenhuma das propostas feitas para viabilizar o financiamento unicamente privado de campanha servem como remédio imediato e definitivo para solucionar os históricos problemas da política brasileira, seria demasiadamente presunçoso prever isso. No entanto, todas as propostas são lúcidas o suficiente para propor
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Menos pessoas votando significa uma menor oferta de votos a serem comprados por
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FIDΣS alguma forma de melhora, focando-se na redução da intervenção do Estado sobre as pessoas, favorecendo, assim, um ambiente de liberdade, econômica e política, principalmente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Derradeiramente, pode-se observar que uma defesa fusionista (conservadorismo nos costumes e liberalismo no plano econômico) sempre tende a favorecer a liberdade econômica e política do cidadão em detrimento da intervenção estatal, a qual tende sempre a ser nociva e danosa para que o próprio homem possa fazer as suas escolhas, sejam quais forem, sem o esteio aprisionador do Estado em seus cós. Há de se concluir, diante de tudo que foi exposto, que a reforma política, tal como proposta, tende a ser mais um elemento jurídico que visa a aumentar a intervenção do Estado sobre a vida do cidadão. Uma assembleia constituinte teria poderes até mesmo para perpassar todas as cláusulas pétreas estatuídas e ora vigentes, uma vez que o seu Poder Político seria irrestrito, ilimitado e incondicionado. Um dos maiores achaques que ela seria capaz de perpetrar, como debatido de uma maneira razoavelmente aprofundada, é a questão do financiamento de campanha. Por mais que os anseios populares digam respeito à necessidade de se reduzir os benefícios e os privilégios dos políticos, esse escopo não será, nem poderá ser, alcançado por meio do financiamento público de campanha. Tal medida servirá única e exclusivamente para promover um aumento desmesurado (e inconsequente, ressalte-se), da
eleitorais. Há de se assumir uma perspectiva um tanto quanto niilista de que nem o financiamento unicamente público (tampouco o privado) servirá para impedir as doações ilícitas de campanha e a nefasta prática consequente de compra e barganha de votos. Esse é um direcionamento político que nenhum idealismo pode dispor. De modo que todas as proposições por ora efetuadas assumem apenas um caráter paliativo, no sentido de tentar ao menos resguardar a liberdade do cidadão em detrimento de possibilidades fortemente intervencionistas, as quais podem até se apresentar como sendo as efetivas detentoras de “políticas revolucionárias”, que, no entanto, apenas serão capazes de aprisionar ainda mais o cidadão no intervencionismo econômico fisiológico do governo, aumentando ainda mais a já exorbitante carga tributária que assombra o contribuinte brasileiro, sem prover, efetivamente, nenhuma melhora no quadro político hodierno.
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arrecadação tributária, que terá como fito condensado viabilizar o custeio das campanhas
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FIDΣS Certamente, há de se concluir, que não é necessária uma constituinte nova, exclusiva e soberana, que venha a sobrepujar todas as conquistas democráticas conseguidas desde 1988. Ademais, é totalmente desnecessária uma inovação em termos constitucionais que venha a onerar ainda mais o cidadão, que venha a propor ainda mais intervenção estatal no domínio econômico, e, principalmente no domínio político. Isto ocorre, precipuamente, se forem levadas em conta as indicações dos organizadores da “nova constituinte”, uma vez que a sua marcação ideológica para o espectro político da esquerda é patente, e suas proposições, além de não buscarem, de modo todo esse repertório de “proposições de resolução imediatas” não passam de um engodo ideológico para uma sociedade já tão combalida, moral, ética e juridicamente.
REFERÊNCIAS
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HAYEK, Friedrich A. The Road to Serfdom. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
KIERKEGAARD, Søren. O Conceito de Angústia. Trad. Álvaro Valls. Petrópolis: Vozes,
ROSANVALLON, Pierre. La Contre-Démocratie. Paris: Seuil, 2006.
SAMPLES, John. The Fallacy of Campaign Finance Reform. Chicago: University of Chicago Press, 2006.
SCHUTZ, Alfred. Phenomenology and Social Relations. Chicago: University of Chicago Press, 1970.
SOWELL, Thomas. A Conflict of Visions: Ideological Origins of Political Struggles. New York: Basic Books, 2002.
VOEGELIN, Eric. Il Mito del Mondo Nuovo. Trad. Arrigo Munari. Milano: Rusconi,
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2011.
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FIDÎŁS 1990.
POLITICAL
FINANCING
REFORM:
BETWEEN
IDEOLOGY
AND
(UN)NECESSITY
ABSTRACT The article focuses on the nowadays political financing reform. It takes the main point of view from a fusionist methodology and aims to seek political and economic freedom to the common citizen. It debates how the campaigns should be financed: by public or private funds. It explores the tax funding rising if the public form is adopted and its ominous consequences on economic freedom. It also proposes an exclusive private funding campaign system, side positing the need of privatizing state companies and to liberate the vote as something nonobligatory. These measures are non-instant resolution propositions which are able to reduce the corruption without compromising the economic and democratic freedom. Keywords: Political reform. Private funding campaign. Economic
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freedom.
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FIDΣS Recebido 09 out. 2014 Aceito 29 out. 2014
A REALIDADE DAS SERRAS CENTRAIS POTIGUARES E A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
SOB
A
PERSPECTIVA
DO
DIREITO,
DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
Fabiane Maria Dantas* Patrícia Borba Vilar Guimarães**
RESUMO O presente estudo pretende induzir reflexões acerca da realidade das serras de Santana e João do Vale sob o ângulo do Direito, Desenvolvimento e Sustentabilidade. A região encontra-se localizada na porção central do estado do Rio Grande do Norte a qual se sobressai pelas perspectivas de prosperidade porém não consegue atingir um resultado proporcional aos recursos naturais dos quais
cenários e atores dentro de um mesmo enredo constitucional e do diálogo de princípios que deverão nortear o desenvolvimento pautado na sustentabilidade. Palavras-chave:
Direito
e
desenvolvimento.
Serras
centrais
Potiguares. Sustentabilidade.
*
Graduada em Direito pela UFRN, pós-graduada em Direito Processual Civil pela UFRN e em Direito Público pela Universidade Anhanguera. Mestranda em Direito e Oficial de Justiça. ** Doutora em Recursos Naturais – UFCG (Programa interdisciplinar). Mestre em Direito - UFRN. Mestre em Ciências da Sociedade - UEPB (Programa interdisciplinar. Especialista em Direito Processual Civil- UEPB. Tecnóloga em Processamento de Dados - UFPB. Bacharel em Direito - UEPB. Advocacia pública e privada (1996-2010).
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dispõe. O caso constitui exemplo da possibilidade de se desenhar
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FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
O caso da fruticultura serrana desenvolvida nas terras centrais potiguares constitui um exemplo da possibilidade de se desenhar cenários e atores dentro de um mesmo enredo de desenvolvimento. Desenvolvimento no seu sentido transcendental, ou seja, que ultrapassa os lindes do acúmulo de riqueza mas agrega, sobretudo, a inclusão social. A discussão se torna ainda mais fértil se abordada de uma forma dialógica onde entram em cena a discussão sobre os princípios constitucionais que orientam o desenvolvimento e à sustentabilidade. A análise do desenvolvimento partindo de dados observados em um determinado local permite um estudo mais profundo de uma realidade. A importância do foco local e de suas especificidades estão presentes nos referenciais teóricos do cunho de estudiosos do Direito e Desenvolvimento como Amartya Sen (2013) e Brian Tamanaha (2009).
O
desenvolvimento regional e a sustentabilidade abordados nas perspectivas de Ignacy Sachs (2004, 2009) e Gilberto Bercovich (2003) transcendem os lindes dos próprios vocábulos, aflorando as discussões sobre princípios que remetem ao direito fundamental do desenvolvimento e de um meio ambiente sano. O diagnóstico trazido à baila pela Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó (2012), mostra a expectativa de prosperidade porém, a ausência de políticas públicas capazes de fomentar o desenvolvimento no seu sentido mais amplo.
Para que seja possível entender o sentido de “desenvolvimento” é necessário organizar ideias que unam o vocábulo à uma certa moldura e paisagem: um contexto histórico, político, econômico e social de dado objeto de estudo. Igualmente é premente considerar a ideia de que “desenvolvimento” é gênero que abriga várias espécies. Assim, temse o desenvolvimento econômico, sustentável, social, trazendo a possibilidade de análises multifacetadas de um mesmo vocábulo, conservando sua essência, visto porém sob uma ótica diversa. Quando analisado sob o prisma econômico e jurídico, o termo desenvolvimento se une ao seu oposto – subdesenvolvimento - e busca amparo na lei que abriga e espera de uma forma programática, a sua efetividade. As discussões são ainda mais férteis se, colocada ao lado do quesito subdesenvolvimento, a sustentabilidade for invocada, constituindo o
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2 DIREITO, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
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FIDΣS desenvolvimento sustentável desafio desta e das futuras gerações. Ignacy Sachs (2009, p. 71) alarga o conceito de sustentabilidade ao traduzi-lo sob várias dimensões: (...) Muitas vezes, o termo é utilizado para expressar a sustentabilidade ambiental. Creio, no entanto, que este conceito tem diversas outras dimensões. (...) a sustentabilidade social vem na frente, por se destacar como a própria finalidade do desenvolvimento, sem contar com a probabilidade de que um colapso social ocorra antes da catástrofe ambiental; um corolário: a sustentabilidade cultural; a sustentabilidade do meio ambiente vem em decorrência; outro corolário: distribuição territorial equilibrada de assentamentos humanos e atividades; a sustentabilidade econômica aparece como uma necessidade, mas em hipótese alguma é condição prévia para as anteriores, uma vez que um transtorno econômico traz consigo o transtorno social, que, por seu lado, obstrui a sustentabilidade ambiental; o mesmo pode ser dito quanto à falta de governabilidade política, e por esta razão é soberana a importância da sustentabilidade política na pilotagem do processo de reconciliação do desenvolvimento com a conservação da biodiversidade; novamente um corolário se introduz: a sustentabilidade do sistema internacional para manter a paz – as guerras modernas são não apenas genocidas, mas também ecocidas – e para o estabelecimento de um sistema de administração para o patrimônio comum da humanidade.
Entrelaçados Direito, Desenvolvimento e Sustentabilidade encontram-se inseridos num campo fértil, onde as sementes dos vários saberes e fazeres interdisciplinares são lançadas, criando a prospecção de possíveis ações e soluções. Um caminho a ser construído e reconstruído tendo em vista a dinamicidade das disciplinas, imersas numa realidade mutante. Ao revés, falar sobre Desenvolvimento e Desenvolvimentismo no Brasil é recorrer à História Econômica do país; é observar os mais variados diálogos acerca do desenvolvimento econômico do Brasil. Oswaldo Agripino de Castro Júnior (PPGD UFRN, 2006), ao comentar sobre Direito e Desenvolvimento, traz à discussão várias abordagens que perfilham desde a
desenvolvimento
nacional
preconizada
por
Paulo
Freire,
até
a
assimilação
de
desenvolvimento como arcabouço que abriga crescimento econômico e desenvolvimento social preconizado por Celso Furtado (BIDERMAN, Ciro e outros. pág. 64), propiciando rumo e abertura de diálogos. Por outro lado, e, numa perspectiva histórica, inevitável falar sobre desenvolvimento no Brasil sem transportar-se para o contexto que se desdobrava nos anos 1930. O chamado desenvolvimentismo brasileiro é contado e recontado por vários doutrinadores da seara econômica sob uma perspectiva histórica, fruto do Estado despido da democracia. A chamada era Vargas constituiu, ainda que de forma tímida, o início do processo de desenvolvimento, refletido pelo contexto internacional: a fase de ouro do capitalismo industrial, trazendo uma onda de industrialização para os países, dentre os quais o Brasil.
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preocupação com a inserção de uma ideologia do desenvolvimento para a promoção do
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FIDΣS Com Vargas, criou-se a Companhia Siderúrgica Nacional e a Petrobrás, importantes realizações no campo da energia e indústria de base. Com Juscelino, a ideologia desenvolvimentista foi intensamente fomentada, atingindo seu ápice. O lema “desenvolver 50 anos em 5” não era apenas mero” “marketing” mas objetivo real da era Kubitschek: a efetivação do Plano de Metas. O Novo Desenvolvimentismo – ND - se difere daquele preconizado entre os anos de Vargas e Kubitschek. Vive-se hoje não mais um Estado totalitário mas em uma democracia. Para Guimarães (2013, p. 33):
O contexto histórico do ND no país aponta para a necessidade de adequação das instituições jurídicas e políticas, as quais já vêm produzindo resultados nítidos. O Brasil experimentou reforços institucionais a partir da Constituição de 1988, com os processos de redemocratização e de reforma do Estado. Após os anos 1990, ocorreu a formação do Estado regulador. Cada vez mais, há um reconhecimento dos direitos de minorias e a implementação de políticas de inclusão social e distribuição de renda.
Assim, a perspectiva de desenvolvimento alarga-se para abarcar outras concepções, frutos da própria dinamicidade de novas realidades.
2.1 DESENVOLVIMENTO REGIONAL E O PIONEIRISMO DA SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE
A política de desenvolvimento instalada no Brasil no governo de Juscelino
as regiões brasileiras, principalmente a região Nordeste. Neste contexto, a necessidade de se discutir a questão do desenvolvimento regional se tornou necessária (FURTADO, Celso e outros. pág. 35). Segundo a professora Tânia Bacelar1 (FURTADO, Celso e outros. pág. 36), Furtado contestou as principais bases teóricas que até então eram vistas como dogmas: a seca como
1
Na verdade, o problema da seca para Celso Furtado, extrapolava a política de recursos hídricos; estava intimamente ligado à ordem socioeconômico do semiárido e sua formação política de estrutura oligárquica. Como consequência da política desenvolvimentista implementada por Juscelino, investindo e protegendo a industrialização nascente e crescente do Sudeste, Furtado denuncia a ausência de políticas de investimento para a região Nordeste, ressaltando práticas como a do chamado “comércio triangular”, onde o Nordeste financiava o desenvolvimento do Sudeste, sendo consumidor de bens produzidos naquela região ao invés de manter relações comerciais mais favoráveis com o comércio exterior.
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Kubitschek priorizou as regiões Sul e Sudeste do país, criando um fosso cada vez maior entre
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FIDΣS motivo principal da falta de investimentos no Nordeste; e o próprio Plano de Metas, base do governo de Juscelino Kubitschek. Várias foram as iniciativas do Prof. Celso Furtado no âmbito da discussão sobre o desenvolvimento do Nordeste. Além do seu livro “Formação Econômica do Brasil” onde chama atenção para o “Complexo Nordestino”, suas raízes, características e peculiaridades, engajou-se à frente do Grupo de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, cujos relatórios, intitulados “Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste” serviram de bases diretrizes para a ação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. A criação da SUDENE está ligada à proposta de trazer o Estado Desenvolvimentista para o Nordeste. Celso Furtado ajudou a alavancá-la. Com o advento da SUDENE se iniciam as políticas públicas em termos de desenvolvimento voltadas para as regiões Nordeste e, logo após, a Amazônica. Em 2001, a SUDENE é extinta. Vários são os motivos de seu desaparecimento dentre os quais a recessão de 1980 e a expansão do modelo liberal globalizante, gerando privatizações no setor público e a extinção das superintendências de desenvolvimento macrorregionais, instrumentos de atuação da política desenvolvimentista. É nesse cenário que as Agências de Desenvolvimento do Nordeste se implantam. 2.2 A AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO SERIDÓ – ADESE –
As mobilizações em torno da criação de entidades que representassem interesses comuns dos municípios do Seridó começaram a se proliferar no final dos anos 1990. Tais movimentos partiram de organizações sindicais do meio urbano e rural que pleiteavam uma maior representatividade dos anseios da região; uma entidade que reunisse tais interesses e que fomentasse o desenvolvimento sustentável urbano e rural. A Diocese de Caicó, presidida na época pelo bispo Dom Jaime Vieira Rocha, serviu de aliada junto às associações rurais e urbanas no intuito da criação de um plano de desenvolvimento sustentável do Seridó e mecanismos que garantissem sua efetividade. A escolha do bispo diocesano pelas associações não foi meramente casual. O que se pensava era que, por ser pessoa influente tanto no meio social quanto político e, ao mesmo tempo, desprovido de preferências políticas, o representante da Diocese de Caicó seria esse elo de ligação entre o povo, os agentes políticos e a sociedade civil organizada.
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COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL
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FIDΣS Assim, o bispo diocesano deu início a uma série de discussões tanto a nível local quanto nacional, com representantes da classe política e da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Inicialmente foi elaborado um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região do Seridó encomendado pela FIERN. A professora universitária Tânia Bacelar, estudiosa da região do semiárido nordestino aliado à questão da sustentabilidade ficou à frente dos trabalhos de elaboração. Porém, o plano apresentado não surtiu o efeito desejado. As pessoas que se encontravam no evento de lançamento do trabalho, principalmente os trabalhadores da agricultura familiar, as associações rurais e urbanas, não se enxergavam como protagonistas do cenário desenhado pela professora Tânia. Questionavam qual a metodologia abordada, quais as bases de pesquisa que levaram a elaboração do trabalho apresentado. E, dada a ausência de uma pesquisa de campo que realmente exibisse a realidade dos municípios do Seridó, suas potencialidades e necessidades, o Plano apresentado não conseguiu êxito. Assim, e com perspectivas da constituição de um Plano de Desenvolvimento Sustentável com raízes seridoenses, uma equipe de trabalho foi constituída. As Associações urbanas e rurais dos municípios seridoenses começaram a se mobilizar a população. O papel dos agentes de saúde foi fundamental para a disseminação do trabalho pois, como conheciam a área urbana e rural de cada município, informavam à população do projeto que estava por fazer. Nos vinte e cinco municípios do Seridó foram vinte e cinco “festas populares”
Universidade Federal do Rio Grande do Norte promoviam uma verdadeira festa popular em cada município. A população era convidada a expor suas atividades laborativas, os problemas existentes e suas expectativas em relação ao futuro do município. O trabalho para a obtenção de diagnósticos durou cerca de dois anos. Das pesquisas de campo, as professoras da área de Geografia e História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Centro de Ensino Superior do Seridó juntamente com a professora Tânia Bacelar coletaram dados de modo que pudessem identificar elementos peculiares de cada município, chegando a um diagnóstico e possível prognóstico. De posse dos dados colhidos, o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó começou a ser delineado nos aspectos ambiental, econômico, tecnológico, social e políticoinstitucional.
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promovidas. O encontro das associações e da população, contando com uma parceria com a
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FIDΣS Elaborado o plano, faltava uma entidade que fosse capaz de executá-lo. Um trabalho intenso de pesquisa e busca por modelos de agência para esse fim foram realizados: viagens pelo Brasil e Europa, a parceria do governo do estado do Rio Grande do Norte com o Banco Mundial, foram exemplos dos empenhos realizados. Além disso, o bispo diocesano contribuiu para os primeiros direcionamentos da estrutura administrativa da agência: a elaboração de um estatuto, a escolha da diretoria, além da consciência de se buscar recursos tanto no âmbito estadual quanto federal para fomentar os projetos a serem realizados. Ou seja, estipulada a estrutura da agência, sua missão, seu âmbito de atuação, os serviços prestados.2 Assim nasce em 17 de abril de 2001 a Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó como fruto e instrumento de efetividade do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó. A ADESE tem como missão articular, elaborar, executar, coordenar, acompanhar, avaliar e gerir a formulação e implementação de planos, programas, projetos e demais ações de interesse ao Desenvolvimento Sustentável do Seridó. Promove a formação de parcerias entre instituições públicas e privadas com o objetivo de obter recursos financeiros, materiais e humanos, necessários à execução de planos, programas e projetos inerentes aos seus fins. A agência atua em todo o território Potiguar e no Seridó Paraibano abrangido pela bacia hidrográfica do Rio Piranhas-Açu.
3 O CULTIVO DA FRUTICULTURA NAS SERRAS DE SANTANA E JOÃO DO
A Microrregião da Serra de Santana encontra-se localizada na Mesorregião Central Potiguar. Nessa área encontram-se inseridos os municípios de Bodó, Cerro Corá, Florânia, Santana do Matos, São Vicente, Tenente Laurentino Cruz e Lagoa Nova. A Serra de João do Vale está localizada na porção central do Estado e abrange os municípios de Jucurutu e Triunfo Potiguar. Uma das ações da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó é prestar assessoramento e consultoria. Dentro dessa perspectiva, foi realizado diagnóstico acerca da produção de frutas nas Serras Centrais do Rio Grande do Norte com o objetivo de identificar 2
As informações mencionadas sobre a criação e estruturação da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó – ADESE - foram colhidas em entrevista concedida pelo Sr. Emídio Gonçalves de Medeiros, ex-agente de saúde, hoje funcionário da ADESE; testemunha e colaborador dos movimentos políticos e sociais que culminaram na elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó e da criação da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó.
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VALE DO TERRITÓRIO POTIGUAR: UM ESTUDO DE CASO.
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FIDΣS quais problemas permeiam o cultivo e a comercialização das frutas produzidas naquela região, bem como os possíveis entraves ao desenvolvimento econômico da localidade. Também foi objetivo do diagnóstico, quantificar o volume mais preciso de da produção anual de frutas, como também identificar outros indicadores socioeconômicos capazes de trazer à tona um perfil mais preciso da localidade estudada (Brasil, Adese, 2012, p. 22): A Região Nordeste do Brasil, especialmente no semiárido, apresenta uma vocação natural para a fruticultura. No entanto, os resultados modestos obtidos com a atividade são uma contradição que tem chamado, cada vez mais, a atenção de pesquisadores, empresários, produtores rurais, bem como instituições públicas e privadas interessadas no desenvolvimento do agro negócio. A despeito das condições climáticas favoráveis, de solos apropriados e água de qualidade para irrigação, muitas áreas destinadas ao cultivo de frutas apresentam baixa produção e produtividade, além de dificuldades para comercialização.
De modo particular, na região do Seridó a fruticultura de sequeiro tem despontado como um novo segmento econômico. Dentre as frutas cultivadas como maracujá, pinha, goiaba, acerola, manga, coco, jaca, graviola, entre outros, o caju é o responsável pela maior fonte de renda da população que reside na Serra de Santana e João do Vale. O cultivo do caju representou a mola-mestra da economia local. Observou-se que várias fábricas foram instaladas em diversos municípios da região com o intuito de beneficiar o fruto. Porém, um problema surgiu em relação ao aproveitamento do pseudofruto: não havia um plano aproveitá-lo. Assim, surgiu no município de Lagoa Nova/RN a primeira fábrica para o beneficiamento da “carne do caju”, transformando-o em doces, sucos e outros produtos
Como em todas as regiões do Brasil, as intempéries climáticas ditam a produção agrícola, diversas fábricas de estados vizinhos buscavam, principalmente, na região da Serra de Santana o pseudofruto e a castanha devido à crise de produção naquelas localidades. Exemplos de empresas com a MAÍSA, PEIXE, MAGUARÍ, PALMEIRON e DA FRUTA, em parceria com os municípios, se instalaram na região serrana, explorando e beneficiando o produto forte da economia local, gerando receita, emprego e renda.
Assim como o caju, outras culturas frutíferas são observadas na região estudada como graviola, manga, acerola, goiaba, coco, banana e jaca, porém não se sobressaem em grau de importância econômica como a cultura do caju. Além da caracterização do cenário frutífero em termos de culturas desenvolvidas e o aspecto geofísico da área estudada, o diagnóstico propiciou a identificação das várias nuanças socioeconômicas da região. Isso é importante porque não se pode analisar o desenvolvimento
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(Brasil, Adese, p. 23):
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FIDΣS econômico de uma dada localidade divorciada da realidade social na sua dinâmica e suas diferentes abordagens, ou seja, dos bastidores sociais, culturais, políticos, do cenário econômico explícito. Assim, realizou-se a colheita de dados através da pesquisa in loco, sendo entrevistadas 1670 pessoas residentes nas serras de Santana e João do Vale (Brasil, Adese, pág. 13). Dos resultados obtidos foi possível a construção do cenário no qual a região serrana central potiguar encontra-se inserida. Assim, após a análise dos dados, o estudo constatou várias características ligadas ao bem estar da população, as condições de trabalho, geração de renda e empreendedorismo e a preocupação ambiental. No que diz respeito à qualidade de vida dos entrevistados, as informações colhidas indicam que ainda há a presença de casas de taipa - caso do município de Triunfo Potiguar onde 56% dos entrevistados declararam residir neste tipo de moradia. Em relação as taxas de natalidade, a maioria das famílias pesquisadas (cerca de 78%) possuem até cinco membros (Brasil, Adese, pág. 28). No que tange ao grau de instrução dos entrevistados, a maioria possui apenas o Ensino Fundamental I (31%), sendo o percentual de 12% o número de analfabetos; o acesso às unidades escolares é difícil (apesar da maioria dos entrevistados declararem que se encontram num raio de 4 km de distância da escola da rede pública de ensino, há ainda um número expressivo de estudantes que precisam se locomover entre 11 e 15 km para ter acesso à educação básica (Brasil, Adese, pág. 32). A população estudada tem dificuldade no acesso aos serviços de saúde pública.
de acesso e de atendimento médico. Dentre os motivos apontados estão a distância e as condições das estradas (Brasil, Adese, pág. 33). Sabe-se que a água é elemento indispensável ao desenvolvimento. No que diz respeito à oferta desse bem natural, a região em estudo é beneficiada pelas adutoras Serra de Santana e Médio Oeste. Apesar de tal fato, foi observado que cerca de 13% da população não é abastecida por esse mecanismo de distribuição hídrico, sendo utilizados outros métodos de armazenagem de água como cisternas, pequenos açudes e poços (Brasil, Adese, pág. 34). Quanto ao manejo da fruticultura, observou-se que a maioria dos produtores não tem o cuidado de conservar e fazer o controle dos agentes patogênicos nos pomares. Na cultura do caju a qual é o grande expoente da produção de frutas na região estudada, apenas 17 pessoas (cerca de 1% dos entrevistados) tem o cuidado em fazer a reposição de nutrientes e 12 pessoas (cerca de 5% dos entrevistados) controlam os agentes patológicos. Praticamente na cultura do
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Apesar da existência das unidades do Programa Saúde da Família foi observada a dificuldade
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FIDΣS caju, pinha, graviola, manga, goiaba, jaca, maracujá, acerola, banana, coco e mamão há o manejo cultural, ou seja, é utilizada mão-de-obra da família desde a semeadura, colheita, controle, ou seja, em todo o processo da atividade produtiva (Brasil, Adese, págs. 41, 45). Inserido igualmente no diagnóstico, o aspecto ambiental também recebeu especial atenção. No contexto do desenvolvimento da fruticultura das serras centrais estudadas, abordou-se questões como a utilização de agrotóxicos, o uso de equipamentos de proteção individual nas atividades da agricultura, o controle de pragas e doenças. Segundo os dados colhidos na pesquisa de campo acerca da utilização de agrotóxicos na fruticultura (Brasil, Adese, pág. 58), observou-se que há ausência de orientação adequada acerca do manejo dos defensivos agrícolas. Praticamente metade dos entrevistados declararam que utilizam agrotóxicos na cultura das frutas. Sobre o destino das embalagens vazias dos agrotóxicos, a maioria dos produtores (cerca de 55,37%) afirmaram que queimam as embalagens; 30,52% jogam as embalagens no lixo; 14,11% enterram as embalagens e nenhum deles devolve ao fabricante, como é previsto na lei (Brasil, Adese, pág. 59). Em relação ao uso de equipamentos de proteção individual, dos produtores que usam o EPI, a maioria não faz uso de forma apropriada dos devidos materiais de proteção: 63 produtores utilizam apenas máscara; 24 produtores, luvas e botas; 19 apenas luva; 09 apenas luvas e chapéu; 09 máscara e botas; 07 usam botas, máscara, luvas e avental; e 05 utilizam botas, chapéu e luvas. Nessa mesma esteira, a maioria das pessoas que manuseiam agrotóxicos não usam qualquer tipo de proteção, desconsiderando o risco que o uso de tais
O uso de agrotóxicos faz parte de estratégia para o controle de pragas e doenças na fruticultura. Dos entrevistados, 829 produtores utilizam o agrotóxico; 321 utilizam defensivos alternativos e 530 produtores não fazem uso de nenhum produto ou estratégia para o controle de doenças e pragas nos pomares (Brasil, Adese, pág. 63). Vários problemas também no âmbito do empreendedorismo foram detectados. A figura do atravessador, por exemplo, é uma constante e assume papel de beneficiado com boa parcela do lucro da comercialização, desvalorizando o preço das frutas e prejudicando o produtor rural. A presença dos intermediários não constitui característica peculiar somente da região em estudo. Tal prática é nociva ao desenvolvimento regional como bem ensina Celso Furtado (2009, p. 23):
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produtos sem o devido cuidado pode ocasionar à saúde (Brasil, Adese, pág. 61).
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FIDΣS O sistema atual, em que o produtor de alimentos de consumo geral – os pequenos proprietários, arrendatários e posseiros – é esmagado por uma pirâmide compacta de intermediários comerciais e financeiros, somente poderá ser modificado se esse produtor chegar a ser suficientemente forte para organizar-se em cooperativas, ter acesso direto ao crédito oficial e gerar poder de mercado. Nenhum avanço real será realizado se não se logra elevar o nível de vida dos produtores pequenos e médios, pois somente eles têm aptidão para criar uma agricultura ecologicamente adaptada à região semiárida e absorvedora de mão de obra.
A análise dos dados (Brasil, Adese, pág. 77) mostram algumas das dificuldades encontradas pelos produtores em agregar valores aos seus produtos: - a falta de qualificação e assistência aos produtores em termos de produção, armazenamento e comercialização dos produtos, bem como a conservação dos pomares e prevenção de pragas; - a indisponibilidade de recursos financeiros ou linhas de financiamentos na rede bancária com juros compatíveis para construir uma infraestrutura básica necessária ao processo. Diante da análise da fruticultura desenvolvida na região estudada e o que ela representa para os produtores em termos de renda, pode-se afirmar que são baixas as remunerações obtidas com a venda da produção, uma vez que, segundo o diagnóstico, a maioria dos produtores entrevistados recebe no máximo dois salários mínimos por ano oriundos das atividades desenvolvidas pela fruticultura (Brasil, Adese, pág. 54).
4 DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO DAS SERRAS EM ESTUDO SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE.
na trama da fruticultura. A inter-relação do desenvolvimento econômico com aspectos intrínsecos sociais, políticos e econômicos de determinada localidade, possibilita a promoção de um processo de desenvolvimento sui generis. Significa dizer que o respeito à cultura local, a necessidade de fomentar forças políticas e sociais, são requisitos imprescindíveis, capazes de alavancar o motor do desenvolvimento regional, local. Tais assertivas não se reduzem ao compartimento estanque de um caso isolado, de modo particular, do caso em tela. Brian Tamanaha (Guimarães, 2013, pág. 13), em seus estudos sobre Direito e Desenvolvimento, induz a necessidade, não de transplantar modelos de desenvolvimento, mas, desenvolvê-los em consonância com o pluralismo jurídico, levando-se em consideração as especificidades do local.
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Uma vez conhecido o cenário é possível se analisar a dinâmica dos atores envolvidos
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FIDΣS Observou-se inicialmente que a área estudada é propícia ao desenvolvimento da cultura de frutas, seja por seus fatores geofísicos, seja pelas características agroculturais da região. Paradoxalmente, apesar do ambiente favorável à exploração da fruticultura, a renda dos produtores obtida com a atividade é insatisfatória. Viu-se que as populações das áreas estudadas vivenciam os problemas da falta de estrutura básica como serviços de saúde e educação satisfatórios, da insuficiência da oferta de água para consumo humano e animal e para o desenvolvimento dos pomares. Além disso, problemas como moradia digna e nutrição adequada são constantes na vida da dessas comunidades. Amartya Sen (2013) defende a liberdade como meio e fim do desenvolvimento. Desenvolvimento entendido aqui como algo que transcende o mero crescimento econômico; que abriga também o desenvolvimento humano e social. As liberdades instrumentais3 propagadas por Sen são meios capazes de efetivar a capacidade geral de uma pessoa, ou seja, efetivar as liberdades substantivas que se congregam no saciar a fome, ter nutrição satisfatória, moradia digna, vestuário e lazer, encontrar-se absorvido por políticas públicas sanitárias, epidemiológicas e ter acesso à uma educação, saúde e segurança públicas eficazes. As liberdades substantivas encontram-se inseridas no arcabouço do princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na Constituição de 1988. Além disso, se confundem com os próprios direitos fundamentais nela delineados no art. 5º e incisos. Com a efetiva realização das liberdades substantivas, as pessoas serão capazes de se
liberdade de participar da vida social, política e econômica da sociedade. O estudo da região serrana central potiguar reflete também a preocupação com a sustentabilidade. Viu-se que a área é favorável para o desenvolvimento econômico da fruticultura porém a ausência de oportunidades – emprego de políticas públicas que promovam o incremento da atividade produtiva (uso de tecnologia, capacitação dos produtores, instalação de cooperativas) – poderá fazer com que a região possivelmente se hipertrofie de forma contínua. Ignacy Sachs (2008, p. 51) vem ratificar a necessidade de criação de oportunidades na zona rural com a perspectiva de um desenvolvimento pautado na sustentabilidade:
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Amartya Sen fala dos tipos de liberdades instrumentais: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. As liberdades instrumentais têm papel relevante na capacidade geral da pessoa, bem como efetivar as liberdades substantivas.
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descobrirem como agentes livres, politizados, capazes de agir e ocasionar mudanças, com
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FIDΣS
É necessário dar aos pequenos produtores uma oportunidade de melhora das suas atividades, aperfeiçoando as suas habilidades mediante treinamento. Este ponto é de suma importância para o número crescente de provedores de serviços técnicos e de manutenção para firmas e famílias urbanas e rurais. A demanda por serviços técnicos, mas também sociais e pessoais, muito provavelmente aumentará nas áreas rurais, acompanhando, desta forma, a modernização da agricultura e o estabelecimento de indústrias de processamento de biomassa.
Alguns problemas em relação ao uso de agrotóxicos foram identificados. A falta de cuidados na utilização de defensivos agrícolas bem como o descarte de maneira irresponsável das embalagens que guarnecem tais substâncias nocivas à saúde e ao meio ambiente constituem práticas que comprometem a vida das pessoas que vivem na comunidade. Tais comportamentos contribuem para o surgimento de males físicos bem como de prejuízos ambientais verificados no solo, na água, na produção de alimentos, comprometendo todo o ecossistema regional. No âmbito constitucional, a discussão em tela se enriquece na medida em que os questionamentos assumem caráter de cunho principiológico. Sabe-se que dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão o de “garantir o desenvolvimento nacional” e de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Tais objetivos se encontram interligados com os princípios da ordem econômica elencados no art. 170 e incisos da Constituição Federal de 1988. Garantir o desenvolvimento nacional é meta que se insere no contexto econômico da Constituição porém nele não se esgotando, já que o desenvolvimento deve ser observado em outras dimensões como a social,
constitui objetivo fundamental da República, não sendo apenas um instrumento para a obtenção de outro princípio (Tavares, 2011). Em uma concepção mais ampla, para Bercovich (2003, pág. 41) o direito ao desenvolvimento é também um direito fundamental a ser garantido, respeitado e promovido pelo Estado, sendo este responsável pela formulação de políticas públicas capazes de efetiválo. Na mesma esteira da discussão, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado também configura na carta constitucional em seu artigo 225, caput, e deve ser igualmente efetivado pelo Estado.
A cidadania e a participação popular devem ser
consideradas no seu aspecto mais amplo, ultrapassando os lindes da instrumentalidade. Há de haver a combinação entre a noção básica de sustentabilidade, tal como a preconizada em
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a moral, a política, entre outros. Convém salientar que o desenvolvimento econômico
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FIDΣS Brundtland4, com uma visão ampla dos seres humanos, capaz de enxergar o indivíduo como agente político propulsor de mudanças, não como recipientes reduzidos a meros padrões de vida (Sen, Kliksberg, 2007, pág. 72). A sustentabilidade deve mediar e promover a convivência harmônica entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, não propiciando a sobreposição de princípios constitucionais. Pelo contrário. Nem o desenvolvimento pode ser obstruído pela proteção ambiental nem o meio ambiente pode ser relativizado pelo desenvolvimento econômico. Assim, a conciliação, assim entendida pela moderna doutrina constitucional contemporânea, deve ser alcançada pelos critérios da ponderação e da proporcionalidade em cada caso concreto (Tavares, 2011, pág. 186).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a construção do cenário no qual o enredo se desenrola, os atores e seus respectivos papeis se revelam na medida em que o estudo de caso dá a devida dinamicidade fática. Ao lado da realidade dos fatos, surge a discussão jurídica. Assim, tem-se o Estado como sujeito que deve garantir o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, promover um meio ambiente ecologicamente sano. Segundo os dados trazidos pela Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó, observou-se, na área estudada, a existência de problemas inerentes à saúde, educação, acesso
empreendedorismo, importantes para a prática da sustentabilidade. Capacitar e empreender, no caso em tela, exigem políticas públicas que permitam qualificar o produtor rural ensinando-o a tirar proveito dos recursos naturais sem, no entanto, agredir o meio ambiente e comprometer sua integridade, bem como oferecer linhas de crédito capazes de fomentar a produção local e garantir o chamado desenvolvimento includente. Tais premissas encontram amparo nos princípios da ordem econômica elencados no art. 170 e respectivos incisos da Constituição Federal de 1988. A falta de oportunidades observada na região estudada se confunde com a ausência das chamadas liberdades instrumentais. São assim denominadas porque meios capazes de
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Segundo Sen e Kliksberg, o relatório Brundtland definiu como desenvolvimento sustentável aquele que ‘atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades’.
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à moradia, acesso à água, ao transporte e a falta de oportunidades para capacitação e
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FIDΣS efetivar a capacidade geral de uma pessoa, ou seja, efetivar as liberdades substantivas que se congregam no saciar a fome, ter nutrição satisfatória, moradia digna, vestuário e lazer, encontrar-se absorvido por políticas públicas sanitárias, epidemiológicas e ter acesso à uma educação, saúde e segurança públicas eficazes. As liberdades substantivas encontram-se inseridas no arcabouço do princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na Constituição de 1988. Além disso, se confundem com os próprios direitos fundamentais nela delineados no art. 5º e incisos. Diante das considerações, como promover um desenvolvimento econômico sustentado e includente se sequer os próprios direitos fundamentais são efetivados? Em outro aspecto, questões sobre o empoderamento (empowerment) local são colocados em xeque. Isso se evidencia, por exemplo, nas dificuldades de organização dos produtores em entidades que os representem, imprescindíveis ao fortalecimento da cadeia produtiva. O empoderamento está aliado ao exercício da democracia direta, à criação de espaços de diálogo local com os todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento, de forma que a comunidade assuma um papel transformador de sua própria realidade. O papel da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó como instrumento de concretização do Plano de Desenvolvimento Sustentável da região deve ser questionado. Apesar de ser investida de determinadas atribuições como, por exemplo, a possibilidade de ser promotora de mobilizações sociais, observa-se a falta de autonomia para a implementação de projetos e políticas públicas que proporcionem uma melhoria nas condições sociais, políticas e econômicas das comunidades envolvidas. Resta à Agência de Desenvolvimento Sustentável
como protagonista de ações voltadas aos municípios envolvidos. Diante das conclusões e sem a pretensão de apenas detectar “gargalos” sem aparente solução, os problemas constatados podem ser resolvidos com a implementação de políticas públicas que valorizem a qualificação técnica dos produtores, agregando valores aos produtos comercializados, sendo o produtor fortalecido seja pelo cooperativismo, seja pela própria mudança de visão de mundo (mercado). Um bom começo é a efetivação dos direitos fundamentais previstos na Carta Constitucional de 1988. O que se vê é uma área de grande potencial econômico porém não aproveitada como deveria pela ausência da liberdade: àquela substantivada, adjetivada e instrumentalizada, concebida como sendo parte integrante do desenvolvimento.
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do Seridó papel de mero órgão de estudos sociais e econômicos, sem poder algum de atuar
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FIDΣS Recebido 29 out. 2014 Aceito 01 nov. 2014
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: UMA DISCUSSÃO INÓCUA NO BRASIL?
Anna Emanuella Nelson dos Santos Cavalcanti da Rocha*
A polêmica envolvendo a publicação de livros do estilo biográfico ganha corpo na sociedade e também no meio jurídico. A Associação Nacional Dos Editores De Livros ANEL ajuizou demanda1 por requerendo a inconstitucionalidade de dois artigos do Código Civil: o 20 e o 21, para que, mediante interpretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, consequentemente, das pessoas retratadas como integrantes da trajetória da pessoa pública (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais. A inconstitucionalidade surgiria, dessa forma, na suposta infração das liberdades de
(CF, art. 5º, IV e IX), bem como do direito à informação (CF, art. 5º, XIV) em relação à vida privada de um indivíduo, sendo, portanto, fundamental retirar do ordenamento jurídico qualquer interpretação da supracitada norma que desse ensejo a essa, por assim dizer, “censura privada”. Importante ressaltar que a Procuradoria da República, em parecer, posicionou-se favoravelmente à declaração de inconstitucionalidade, ponderando que a exigência disposta no art. 202, mesmo se determinada pelo propósito da proteção dos direitos da personalidade *
Professora Assistente II do departamento de Direito Privado da UFRN STF. ADI 4.815/DF. Rel. Min. Carmén Lúcia. 2 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. 1
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manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação
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FIDΣS das pessoas, “configura restrição legal manifestamente desproporcional aos direitos fundamentais à liberdade de expressão e ao acesso à informação, consagrados pela Constituição da República (artigo 5º, incisos IV, IX e XIV, artigos 220, parágrafos 1º e 2º)”. Nesse sentido, com fundamento nos preceitos legais impugnados, a publicação de diversas biografias de personalidades públicas teria sido ilegalmente obstada pelo Poder Judiciário, como ocorreu com obras sobre Guimarães Rosa e Roberto Carlos. Assim assevera o parecer: “Tal sistemática viola não apenas o direito dos autores e editores das obras proibidas, como também o de toda a sociedade, que se vê privada do acesso à informação relevante e à cultura”. O nó górdio dessa questão está nos interesses afetados. Enquanto os biografados em sua maioria esclarecem que a ideia de ver o controle de informações sensíveis de sua privada a cargo de um terceiro é inaceitável, por outra via temos escritores que alegam que qualquer controle nesse sentido é cercear a liberdade de manifestação. Cinge-se a questão em ponderar dois direitos fundamentais encartados na nossa Constituição: de uma margem, todos os direitos relacionados com a manifestação de pensamento, liberdade de opinião e informação, sem qualquer censura, de outra a previsão de inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Ora, quando se trata desse assunto vemos tudo, menos razoabilidade na discussão. De um lado temos os escritores que alegam palavras de ordem, tais como livre manifestação
enorme medo subconsciente de nós todos, de alguma forma, retroceder na nossa tão jovem democracia e tornar a viver situações que ficaram no passado. Por seu turno, temos as pessoas públicas questionando o critério das informações lançadas nas biografias, na maioria das vezes muito mais relacionadas com o conteúdo das revistas “quem” e “contigo” do que com uma biografia enquanto gênero literário, e justamente nessa qualidade de fofoca reside muito do atrativo econômico desses livros.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
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de pensamento, democracia e evitar a censura, tudo recheado de paixão e decorrente do
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FIDΣS Assim nos colocamos diante de duas questões básicas: até que ponto uma pessoa pública tem o direito de assegurar a sua privacidade quando informações de sua vida privada tornam-se de interesse público? O segundo ponto é justamente diferenciar o interesse público do interesse do público. Com efeito, antecipo que ocorre com os dispositivos em comento no Judiciário uma interpretação equivocada que está ocasionando violação à manifestação de pensamento. Atualmente, os magistrados estão fazendo uma leitura dos mencionados dispositivos no sentido de que a falta de autorização por si já é um caminho para a proibição da publicação de biografias. Tal prática traz em absoluto o teor das normas citadas. Este entendimento, portanto, gera basicamente uma presunção de que os fatos ali narrados ou são mentirosos ou desabonadores de sua honra, bem como concede ao biografado total controle daquilo que ele quer que seja publicado da sua pessoa. Evidentemente assim agindo só teremos no mercado, daqui a alguns anos, as chamadas biografias “chapa branca”, em que se perpetuaria para a história a visão de mundo do biografado ajustada a seus interesses. É cristalino que enquanto manifestação de pensamento e liberdade de informação isso não interessa a ninguém. Destarte, imagine se personagens históricos como Hitler, Churchill, Lincoln e outros tivessem se perpetuado na história apenas a partir de sua visão pessoal. O que será que chegaria às gerações posteriores? Corresponderia pelo menos próximo da realidade histórica?
perigoso, pois poderia alienar completamente as futuras linhagens do conhecimento histórico. De outro pórtico, não podemos deixar de considerar o que representa o direito à privacidade na atualidade e suas alterações profundas que vem sofrendo ao longo do tempo, algo asseverado por Maria Celina Bodin de Moraes (2010, p. 140) 3: “De todos os aspectos da personalidade, a privacidade é certamente o que sofreu as transformações mais radicais”4.
3
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ampliando os direitos de personalidade. In: Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. 4 O inovador conceito é-nos apresentado por Rodotà. Conforme se lê, também, na lição de Maria Celina Bodin de Moraes, o direito a privacidade e expressão do “direito de determinar as modalidades de construção da própria esfera privada, bem como ao direito de manter o controle sobre as próprias informações. O direito a privacidade, visto assim, configura-se como um instrumento fundamental contra a discriminação e a favor da igualdade e da liberdade” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 141-142). A perspectiva também encontra eco em autores norte-americanos: “It protects self-determination, rather than simply offering a ‘mere right to be alone’. Envisioning privacy this way suggests that a right to privacy requires not isolation, but rcspect
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Claro que não! Chegaria até nós aquilo que os interessasse abordar, e isso é extremamente
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FIDΣS Nesse mote, não podemos deixar de considerar que uma vez violado o direito da personalidade, atacada a honra, conspurcada a imagem, violada a privacidade, estamos diante de um dano irreparável que pode apenas ser compensado, sem jamais ser restabelecido esse direito atacado. Como sopesar e ponderar todos esses elementos parece ser o que gera essa demasiada polêmica. Ora, para mim, tudo se resolve nas próprias ponderações que fizemos nas linhas anteriores, uma vez que não podemos deixar os escritores, e a própria sociedade, ao alvedrio da arbitrariedade de um particular que poderá macular permanentemente a liberdade de informação e a livre manifestação do pensamento. Entretanto, não podemos conceber retirar de eventuais biografados a possibilidade de uso do eficiente elemento da tutela preventiva para coibir a ameaça de lesão aos seus direitos da personalidade. O que precisa ser estabelecido é o meio de ponderação, a interpretação cabível, portanto, aos dispositivos atacados deve ser no sentido de que não existe a obrigação de autorização para publicação de biografias. Assim, se pode e se deve usar a tutela inibitória para abortar a publicação de biografias que certamente afetarão os direitos fundamentais dos envolvidos de forma irreparável, desde que essa proibição não passe apenas pelo fato da inexistência da autorização, mas decorra de um juízo do magistrado acerca do conteúdo do escrito e a potencialidade de malferir a intimidade, a privacidade, a imagem ou a honra do
Outrossim, temos que ter em mente, também, que o processo civil brasileiro está longe do conceito almejado por todos nós de duração razoável do processo. A reparação de um dano dessa natureza, no tempo que leva em média no Judiciário brasileiro, pode ser absolutamente inócua. Devemos, ainda, considerar que, apesar da inovação, os direitos da personalidade do ponto de vista de sua proteção estão muito mais atrelados à ótica da tutela reparatória do que a preventiva, e é justamente a vida privada um dos raros casos em que se prevê expressamente a tutela preventiva contra os danos a dignidade à pessoa humana.
for personhood” (BILDER, Mary Sarah. BILDER, Mary Sarah. The shrinking back: the law of biography. Stanford Law Review., p. 359).
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biografado.
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FIDΣS No mais, Maria Celina Bodin de Moraes5 — friso que nesse ponto divirjo dela — chega a sugerir um fator limítrofe para essa definição: a vida do biografado, após a morte, tornaria possível o lançamento da biografia sem qualquer discussão. Realmente não sei se é o mais apropriado. Aliás, enxergo em pensamentos como esses a base, por exemplo, da nossa dificuldade de rediscutir o período da ditadura iniciado em 1964 e suas consequências, haja vista parecer que estamos esperando todos os partícipes morrerem para tratar desse trauma nacional com mais liberdade e sem constrangimento. A análise, todavia, não pode ser feita em termos contemplativos. Mais urna vez, fundamental o exercício de ponderação, realizado no caso concreto. Não nos parece adequado, nada obstante, atribuir ao magistrado poderes que ultrapassem o de determinar, por exemplo, leves eliminações ou troca de nomes, para acabar interferindo efetivamente no conteúdo. Não cabe ao órgão judicante recompor a obra; esta é tarefa reservada ao autor — em não sendo possível, seria o caso da medida extrema da proibição da publicação. Por fim, não há antídoto único para todas as circunstâncias, competindo ao juiz ponderar não apenas no momento de decidir que interesses merecem tutela, mas ainda naquele de estabelecer quais medidas se apresentam, no caso concreto, mais adequadas à
5
Se ponderarmos adequadamente os interesses em jogo veremos que há uma maneira relativamente simples de equacionar a questão – em particular, um marco temporal, recurso tantas vezes empregado pelo legislador para pacificar questões igualmente controversas: a duração da vida do biografado. De fato, não é difícil compreender que a violação à privacidade, à honra ou à imagem da pessoa só ocorre durante a sua vida; após a morte, pode haver outras espécies de danos mais ou menos relacionadas à pessoa, mas a direitos fundamentais da personalidade (já extinta) não serão. Além disso, a morte parece ser um termo muito claro: se não há interesse social relevante na publicação de fofocas e de detalhes picantes da vida das pessoas enquanto elas estiverem vivas, a tendência é que com a morte da pessoa sua perspectiva diante da História, se é este o fundamento que se quer proteger, poderá ser muito mais bem avaliada. (cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. Biografias não autorizadas: conflito entre a liberdade de expressão e a privacidade das pessoas humanas? Civilistica.com, a.2, n. 2, 2013. Disponível em: <http://civilistica.com/biografias-nao-autorizadas/>. Acesso em: 29 out. 2014.)
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proteção da personalidade — de acordo com aquilo demandado pelas partes.
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FIDΣS Recebido 20 out. 2014 Aceito 01 nov. 2014
DIREITO E TEATRO: PROPOSTA DE INSERÇÃO DA ARTE DRAMÁTICA COMO MEIO TRANSFORMADOR DA EDUCAÇÃO JURÍDICA Karoline Lins Câmara Marinho de Souza*
RESUMO O ensino do Direito nas faculdades brasileiras dos nossos dias, dadas as raízes de sua formação, acaba por não ser suficiente para preparar o bacharel ao enfrentamento dos desafios contemporâneos diários, sendo essencial a inserção da arte dramática, como método de transformar a educação jurídica, face à estreita relação entre Direito e Teatro. Palavras-chave:
Educação
jurídica.
Teatro.
Arte
dramática.
1 INTRODUÇÃO Compreender o momento atual do ensino jurídico no Brasil demanda uma análise muito
mais
ampla
do
que
a
mera
verificação
dos
números
advindos
das
aprovações/reprovações nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, ou no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Demanda, além disso, a observação qualitativa de que os bacharéis que saem, atualmente, das universidades brasileiras, sejam elas públicas ou privadas, não estão completamente prontos a enfrentar as vicissitudes do mundo *
Professora Efetiva da UFRN. Doutoranda em Direito pela UFPE. Mestre em Direito Público pela UFRN e Especialista em Direito Constitucional pela UFRN. Habilitada em Direito do Petróleo pelo PRH ANP/MCT/UFRN. Professora de Direito Tributário, Administrativo, do Petróleo e da Energia dos cursos de pós graduação da UFRN, UNP, UNI-RN e Maurício de Nassau/PE.
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Transformação.
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FIDΣS contemporâneo, tendo em vista a visão restrita que vem sendo passada nos bancos da academia. Nesse contexto, o estudo e ensino do Direito nas faculdades brasileiras dos nossos dias, dadas as raízes de sua formação, acabam por não ser suficientes para preparar o bacharel ao enfrentamento dos desafios contemporâneos diários, de maneira que há necessidade de análise quantitativa e qualitativa dos resultados obtidos pelos bacharéis, seja tanto em processos avaliativos comuns (exames da OAB, concursos públicos, etc.), como nas soluções dadas pelos profissionais a conflitos do dia a dia, como no caso das soluções encontradas pelos juízes a lides postas à sua análise. Ademais, insta observar que a estrutura curricular dos cursos de Direito não mais se adequa aos saberes exigidos para um profissional dos tempos atuais. Nesse viés, tendo em vista a necessidade de ultrapassar o paradigma refutado por Paulo Freire, de “educação bancária”, o presente trabalho busca apresentar um meio para se combater o método de ensino que transgride as possibilidades de construção continuada do conhecimento, ainda mais quando se denota que este jamais pode ser dado como acabado, tendo em vista as constantes alterações normativas, seja tanto no âmbito legislativo quanto na esfera judicial. Assim sendo, a pesquisa que ora se pretende desenvolver parte do pressuposto levantado por Franco Cambi de que a educação acompanha a evolução do modelo estatal empregado, mas que, no dizer de Paulo Freire, pode ser instrumento essencial de transformação da realidade social, procurando lançar uma sólida base para a formação
Nesse sentido, insta sintetizar a ideia principal do presente trabalho: inserir a prática teatral no ensino do Direito como meio de combater as falhas no processo educativo, o que deverá se dar através da inserção da multiplicidade de conhecimentos humanos essenciais ao desenvolvimento do cidadão, principalmente com o escopo de formar um profissional apto a resolver problemas que lhes forem apresentados, independentemente da ordem jurídica em que se encontra (local, regional, nacional ou internacional), mas embasado em um alicerce muito bem vincado em princípios gerais, que seriam capazes de dar as respostas para os vários casos concretos que se apresentam diariamente. Outrossim, impende aproximar o estudo do Direito de um saber holístico, posicionando o estudante frente à realidade que enfrentará desde os bancos da faculdade, mas estabelecendo, primeiramente, a obrigatoriedade de difundir o saber mais amplo para se chegar aos conhecimentos específicos, os quais, por afinidade de cada um, poderão ser
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reflexiva da educação jurídica pela arte da encenação.
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FIDΣS escolhidos para dedicar-se e atuar, considerando, ainda, que cada indivíduo tem suas características próprias, diferenças e anseios, não havendo como se pretender que o conhecimento seja por todos apreendido igualmente. Tal pesquisa, nessa esteira, se apresenta como proposta para a transformação do ensino jurídico, por meio de jogos teatrais e do estudo de obras de teatro, com o escopo de enriquecer os saberes apreendidos durante o curso de Direito, tendo por fim a formação de profissionais realmente preparados para exercer as diversas funções atinentes à carreira jurídica e de pessoas realmente conscientes da realidade ao seu redor.
2 A TRADIÇÃO DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL Consoante assenta José de Faria, o ensino do Direito pode se transformar em conhecimento ultrapassado caso encarado como um sistema fechado, desconectado do mundo ao seu redor. Destaca o autor que, atualmente, pobre de conteúdo e pouco reflexivo, o ensino do Direito hoje se destaca por uma “organização curricular meramente geológica.” (FARIA, 1995, p. 102) A criação de faculdades de Direito no Brasil, com a Carta de 11 de agosto de 1827, que se deu em função dos movimentos de estudantes brasileiros que estudavam na Faculdade de Direito de Coimbra, deu início ao primeiro momento do estágio evolutivo do ensino jurídico no Brasil (MARTINEZ, p. da internet). ensino jurídico a essa época imprimia fielmente o modo de produção da época e os ideais liberais do momento, privilegiando apenas alguns poucos fidalgos, tendo passado por reforma educacional posterior a partir de pressões sociais, o que culminou na criação da Faculdade de Direito da Bahia, em 1891. A partir da proclamação da República brasileira, passa a ter início o período de “ensino livre”, o que, conforme Celso Bastos tinha foco na crença de que a educação era a força inovadora da sociedade em expansão (BASTOS, 2000, p. 28). Entretanto, em verdade, o ensino jurídico apenas permitia que os bacharéis se cingissem a estudar os estatutos legislativos brasileiros, sem que houvesse uma aferição profunda e qualitativa das causas socioculturais que ensejam a gênese e aplicação das normas jurídicas, dando a feição às faculdades de “fábricas de bacharéis”, consoante informa Maria Dalledone Siqueira (SIQUEIRA, 2000, p. 49).
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Inicialmente dividindo-se em duas faculdades de Direito, em São Paulo e Olinda, o
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FIDΣS Com o declínio do Estado liberal, viu-se a necessidade de que o ensino jurídico brasileiro abandonasse as bases ideológicas do conhecimento difundido, passando a acompanhar a tendência social que mundialmente se dispersava com o ideal Keynesiano do Estado do Bem Estar Social (CAMBI, 1999). Contudo, apesar de se aumentar a oferta de vagas nas faculdades brasileiras, a inserção das ideias oriundas do pensamento do Lord John Keynes não foi suficiente para se buscar uma mudança qualitativa no método de ensino do Direito, mantendo-se a pedagogia tradicional, a qual, segundo Luckesi (LUCKESI, 1994, p. 36), consistia no processo comunicativo básico de transferência de informações, limitando a função do professor ao ato de exposição oral de conteúdos, culminando na mera reprodução do conhecimento já existente. San Tiago Dantas, na obra “A educação jurídica e a crise brasileira”, reflete que, a essa época, somente seria considerada em crise educacional a faculdade que não reproduzisse simplesmente os estudos já existentes, mas conduzisse a um conhecimento de princípios e praxes, levando a crer que, no referido momento, a visão de ensino jurídico estaria jungida à mera reprodução do saber, e não à sua criação (DANTAS, 1955, p. 453). Importa asseverar que essa análise evolutiva do ensino do Direito no Brasil faz-se necessária para se ter a real dimensão do momento histórico vivido atualmente na educação jurídica nacional e averiguar se a transformação da realidade precisa desconstruir uma cultura jurídica enraizada na própria formação do povo brasileiro. Insta salientar que, no início dos anos 90, a despeito de se reportar a existência de curricular consolidada com a reforma de 1973, do que se dessume que o problema do ensino estagnado, reprodutor e restritivo de ideias não seria um problema apenas dos tempos mais antigos, mas que perdurou até datas próximas (MELO FILHO, 1993, p. 09), prolongando-se até os dias de hoje. Conforme destaca Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1993, p. 49),
é preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender às necessidades profissionais (o juiz, o advogado, o promotor) no desempenho imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos cem anos, o jurista teórico, pela sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização fechada e formalista.
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mais de 180 cursos de Direito no país, não se observava qualquer alteração na estrutura
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FIDΣS 3 O TEATRO E SUA INSERÇÃO NA EDUCAÇÃO JURÍDICA
As novéis relações sociais, incrementadas pelos meios de comunicação em massa, mormente em face das redes sociais, que têm representado uma preocupação constante do ensino no Brasil, têm gerado efeitos sobre a forma de pensar dos cidadãos que vêm se graduando nos últimos anos, de maneira que o ensino jurídico não se adequa à nova forma de encarar o mundo e às vicissitudes da convivência social. Assim, a verificação de que o ensino jurídico encontra-se ultrapassado, engessado e mercantilizado, pautando-se em fórmulas mágicas de resolução de conflitos, é problema suficiente a ensejar a reformulação das matrizes curriculares dos cursos de direito. Também é importante notar que o estudante de direito, atualmente, está muito mais preocupado em saber apenas o que é necessário para ser aprovado em concursos públicos ou exame da Ordem dos Advogados do Brasil do que em realmente fazer parte do processo de transformação e inclusão social do nosso país. Não é com justiça que o estudante de hoje está preocupado, mas com a lei, o que deve ser rechaçado pelos novos rumos da educação jurídica no país. Cumpre ressaltar, ainda, que os próprios docentes se sentem desestimulados em promover, isoladamente, um método de ensino reflexivo quando toda a matriz curricular indica um processo educativo retrógrado, que impossibilita a criatividade e, em consequência, a renovação do conhecimento, o que implica até mesmo nos baixos índices de pesquisa científica em Direito no Brasil. Desta forma, as práticas pedagógicas oficiais também desestimulam o discente, que se depara com disciplinas que nada possuem conexão com a prática em sua vida profissional, porque os conteúdos ministrados nas faculdades jamais foram revistos e repensados.
submetido a pelo menos três crises: científico-ideológica, político-institucional e metodológica, ao arrematar que: O bom professor hoje (especialmente em cursos de graduação ou de extensão universitária) é o que parte da definição de um problema concreto, reúne tudo quanto existe sobre ele (doutrina, jurisprudência, estatísticas etc.) e transmite esses seus conhecimentos com habilidade (que requer muito treinamento), em linguagem clara, direta, objetiva e contextualizada, direcionando-a (adequadamente) a cada público ouvinte. Além de tudo isso, ainda é fundamental administrar o controle emocional (leia-se: deve estar motivado para transmitir tudo que sabe a um aluno que deve ser motivado para aprender).
Consoante observa Lenio Streck (2013, p. de internet), entusiasta e criador do programa “Direito e Literatura”, da Unisinos/RS, ao avaliar a tendência atual do aprendizado jurídico:
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Para Luiz Flávio Gomes (p. da internet), o ensino jurídico no nosso país acha-se
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FIDΣS É proibido fazer perguntas complexas em concursos públicos. Vale, mesmo, é decorar textos simplificados e facilitados. Quem tentar complexizar, é vaiado. Por que fazer concursos que buscam profissionais que possam compreender a sociedade? Melhor é investir no produto final de quiz shows. Melhor é apostar em perguntas que tratem da “ladra Jane”, que furta um automóvel em Cuiabá e leva-o ao Paraguai para vender para um terceiro de boa-fé. Isso! Para que aprofundar? Como consta em livro sobre direito facilitado, no artigo 13 da CF a palavra armas, ao tratar dos símbolos nacionais, não se refere à armas de fogo. Ainda bem, não? Genial. Alvíssaras. Vamos em frente.
Desse modo, uma vez que a mercantilização do ensino é fenômeno que acompanha as tendências educacionais depositárias que vêm sendo aplicadas ao longo dos anos, desde a criação de faculdades de Direito no Brasil, mister a construção de novas práticas educacionais, capazes de inserir o estudante na realidade que lhe rodeia, sendo a utilização do teatro uma alternativa adequada para resgatar o processo reflexivo hábil a impedir uma maior difusão dos pensamentos coronelistas e oligárquicos que ainda predominam na sociedade brasileira, porquanto inegável a relação existente entre o Teatro e a política e, porque não dizer, entre o Teatro e o Direito. Segundo Augusto Boal, a discussão sobre as relações entre Teatro e Política é tão velha como o teatro ou como a política. Para ele, de um lado, se afirma que a arte é pura contemplação, e de outro, pelo contrário, que apresenta sempre uma visão do mundo em transformação, sendo, inevitavelmente, política, ao apresentar os meios de realizar essa transformação, devendo a arte educar, informar, organizar, influenciar, incitar, atuar, conforme o poeta cômico Aristófanes, para quem a arte não é só fonte de prazer e gozo, devendo o comediógrafo, por exemplo, ser um professor de moral e um conselheiro político.
Ademais, insta asseverar, da relação entre Direito e Arte, podemos notar a sua aparição em pelo menos quatro facetas, consoante nos informa Marcílio Franca: o Direito como objeto da Arte, quando retratado em obras literárias ou teatrais, A arte como objeto do Direito, quando este regula seus instrumentos, como no caso da Lei de Incentivo à Cultura; o Direito enquanto arte, como retratado por Dworkin ou Gadamer, e a arte como método de ensino do Direito, como o que ora se propõe (FRANCA FILHO, 2011, p. 48). Desse modo, mister asseverar que o que se pretende, com o presente trabalho, é estimular a reflexão por mais um método de ensino do Direito, utilizando o teatro, através dos seus jogos e dinâmicas, para propor discussões filosóficas aprofundadas sobre fatos cotidianos, bem assim, através da leitura de obras literárias, descobrir o sentido de diversas tradições jurídicas, de maneira que a encenação das obras, a reflexão sobre o seu sentido e os
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(BOAL, 2013, p. 30)
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FIDΣS debates sejam parte do construto de um cidadão consciente e possuidor de autonomia políticocultural.
3.1 O TEATRO COMO INSTRUMENTO DE FORMAÇÃO DO CIDADÃO
A arte dramática é inata ao homem. Desde criança, o homem inicia o processo de dramatização, em sua casa, representando, nas suas brincadeiras, o seu mundo e seu universo. A criança simula o mundo dos adultos dando a sua interpretação de fatos corriqueiros, numa tentativa de se inserir nessa realidade e de, ao revivê-la, na brincadeira, compreender o seu sentido. Através dessas brincadeiras, assim, a criança constrói seus símbolos e representa a sua visão do mundo, o que remonta aos primórdios da humanidade, já que os homens primitivos promoviam verdadeiros rituais que incluíam danças, pinturas e música (RIBEIRO, 2004, p. 69). Conforme assenta Richard Courtney (1980, p. 56-57), o teatro é a base de toda educação criativa e dele fluem todas as artes, pois a dramatização foi essencial para que o homem buscasse as demais. Como explica o autor, o homem primitivo expressou-se, antes, dramaticamente: dançava mimeticamente, criando os sons. Depois, necessitou a arte para pintar-se, ou cobrir-se com peles de animais, ou magicamente representar suas ações nas paredes das cavernas; e a música foi essencial para dar ritmo e tempo à sua dança dramática, do que se dessume que, de fato, a dramatização seria o passo inicial à busca das demais
A criança “inventa”, e em seu faz-de-conta necessita de música, dança, artes plásticas e habilidades manuais. A expressão dramática provê as outras artes de um significado e um objetivo para a criança. A criatividade espontânea fundamenta-se na experiência dos sentidos e, quer a enfoquemos psicodramaticamente ou cineticamente, a espontaneidade tem sua base na imaginação dramática. (COURTNEY, 1980, p. 56-57)
Portanto, essencial que se compreenda a importância da arte na formação do indivíduo emancipado, como ser livre e apto a construir suas ideias e ideais, na qualidade de cidadão, mostrando-se o teatro como instrumento capaz de atuar criticamente em prol da transformação, concepção que deriva das ideias lançadas pelo educador Paulo Freire e pelo teatrólogo Augusto Boal (TELLES, 2004, p. 22).
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formas de manifestação artística do homem, conforme assevera o autor supramencionado:
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FIDΣS Deste modo, a proposta por uma educação jurídica que tenha por escopo a libertação da mente deve buscar, por meio do diálogo, promover a visão crítica frente à realidade dos oprimidos, para que estes saiam do seu estado de alienação. Neste viés, explana FREIRE (1979, p. 91), que “o papel fundamental dos que estão comprometidos numa ação cultural para a conscientização não é propriamente falar sobre como construir a ideia libertadora, mas convidar os homens a captar com seu espírito a verdade de sua própria realidade”. Nessa perspectiva, tendo por base pressupostos semelhantes aos de Paulo Freire, Augusto Boal desenvolveu uma proposta teatral chamada Teatro do Oprimido, o que lhe conferiu, em 2009, o título de “embaixador do teatro mundial”, pela UNESCO. Seus métodos e encenações vêm correndo o mundo desde 1971, quando foi preso e exilado pela ditadura militar brasileira, porquanto seu “Teatro de Arena”, a partir do fim dos anos 50, acabou por trazer a política para o centro dos palcos brasileiros, encenando e discutindo os problemas sociais que até hoje presenciamos, consoante aduz Julián Boal (2013, p. 209). Augusto Boal critica o teatro tradicional, por acreditar que a atividade teatral seria uma ferramenta de libertação das classes dominadas. Ele critica essencialmente a divisão entre atores (aqueles que agem) e os espectadores (aqueles que assistem), entendendo imprescindível o rompimento com essa estrutura, de modo a possibilitar que o espectador participe ativamente da realização cênica e possa, nela, defender sua visão de mundo (TELLES, 2004, p. 23). Nesse contexto, tendo em vista a necessidade de se aprofundar debates sobre os mais do “teatro do oprimido” deve ter por fim as discussões relativas aos mais diversos temas sociais e jurídicos, no fito de buscar soluções justas e mais próximas da realidade, e não ter em conta tão somente as soluções trazidas pelos tribunais ou pelas leis, muitas vezes formuladas por quem jamais experimentou se deparar com as realidades hipoteticamente retratadas nos enunciados normativos oficiais. Portanto, diante da necessidade de aproximação dos estudantes de Direito da realidade estudada, mister a criação de um processo educativo em que professor e estudante interagem construindo ideias a partir da exposição de um roteiro teatral, que aborde exemplos do dia-a-dia, para se chegar à resolução de problemas práticos. Faz-se mister asseverar a função dessa aproximação entre Direito e Teatro para o processo de formação do próprio docente, porquanto muitas vezes este não se insere no processo de reflexão dos institutos jurídicos que apresenta aos alunos, deixando de lhes passar
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diversos temas no Direito, a concretização de um projeto de teatro jurídico com a utilização
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FIDΣS uma visão crítica sobre eles, de maneira que a discussão contínua a respeito dos pontos abordados, bem assim através da arte dramática, que questiona e provoca um espelho da sociedade, é capaz de contribuir para a formação de docentes mais comprometidos com a libertação do estudante. Segundo Paulo Freire, um dos princípios norteadores da reflexão é a ideia de “quem ensina, aprende ao ensinar” (FREIRE, 1997), de maneira que a construção da identidade docente é compreendida como resultante da relação estabelecida entre o professor e o aluno, e o espaço pedagógico como possibilidade de construção de uma relação na qual os participantes constituem suas identidades pelo trabalho coletivo, pela aceitação do outro, pelo compartilhamento do conhecimento e pela reflexão teórica indissociada da prática (SANTOS, 2012, p. 137). Portanto, essencial que se concretize essa ideia a partir de oficinas e jogos teatrais que aproximem a teoria da prática, proporcionando uma experiência o mais próximo das necessárias habilidades do profissional e cidadão atual. Partindo dessa premissa, essencial será o estudo das obras de Shakespeare, que muito retratou, em suas obras, assuntos relacionados à tradição jurídica que até hoje prepondera em nosso sistema, consoante assevera José Garcez Ghirardi, para quem Shakespeare foi se tornando ainda mais atual ao longo dos tempos, porque lidamos com problemas muito
Temos uma estrutura do cotidiano, ou seja, a vida material tem uma lógica e as estruturas simbólicas que temos para entender o cotidiano, tem outra. Um exemplo, para que isso fique mais claro: as moças hoje entendem o casamento de uma maneira muito diferente do que suas avós entendiam. Quase nenhuma menina hoje pensa sobre o casamento da mesma forma como a avó pensava, há 70 anos. Entretanto, a cerimônia de casamento é parecidíssima, inclusive muitas meninas estão usando o vestido da vovó para casar. Por que temos uma cerimônia semelhante, se o entendimento da instituição é tão diferente? Parece-me que temos um descompasso, entre justamente esse arcabouço simbólico, ou seja, as formas pelas quais significamos a vida, simbolicamente, e a vida prática, crenças cotidianas que levam o nosso dia a dia. Em Shakespeare isso acontecia entre o mundo medieval, que era o simbólico, e o mundo moderno, que era o da vida prática, da vida material. No nosso tempo, a vida industrial gera nossa vida simbólica e a vida pós-industrial gera a vida prática.
José Garcez continua sua análise apontando para o fato de que atualmente, apesar de vivermos em um mundo pós-moderno, pelo menos em nossas relações subjetivas, as nossas instituições, notadamente o Direito, ainda se comportam como no mundo moderno, porquanto não acompanharam as relações e as formas de produzir do mundo contemporâneo, criando
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parecidos com os abordados na sua obra. Segundo Garcez (2014, p. da internet),
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FIDΣS conflitos simbólicos que são muito bem retratados por Shakespeare, em sua obra. Aduz Garcez que:
Acredito que nosso tempo goste muito daquelas peças em que Shakespeare discute as dificuldades de se criar uma nova subjetividade, que seria uma subjetividade moderna, dentro de uma antiga forma simbólica, nesse caso, uma forma simbólica medieval. Porque tentamos criar uma subjetividade pós-moderna em um mundo que é ainda institucionalmente moderno, por isso tudo nos parece falso, as estruturas da política, da família, das religiões, da escola, da Justiça, tudo parece um pouco defasado com a realidade. Era esse também o sentimento dos contemporâneos de Shakespeare e ele capta isso muito bem.
Destarte, essencial à análise de obras literárias para a compreensão do desenvolver das nossas instituições contemporâneas e do pensamento subjetivo que impera na nossa sociedade, o que deverá ser realizado através da encenação destas para a compreensão efetiva dos significados postos e pressupostos do nosso ambiente jurídico institucional e sua relação com as relações sociais e de poder.
3.2 A CRIAÇÃO DE UM PROJETO DE EXTENSÃO PARA UNIR O TEATRO À EDUCAÇÃO JURÍDICA
Para concretizar a ideia de utilização do teatro como meio de transformar a educação jurídica, propõe-se a criação de projeto de extensão universitária que tenha por fim a aproximação entre a arte dramática e os conteúdos jurídicos.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sendo de bom alvitre o necessário estudo e aprofundamento teórico das bases teatrais, a história do teatro no mundo e no Brasil, as principais obras literárias que podem ser encenadas e que tragam temas jurídicos contemporâneos, a despeito da antiguidade das obras, para só então ser iniciado o processo prático de utilização de jogos teatrais, bem como o processo ativo de encenação e criação dos debates. Nesse sentido, pode-se dizer que uma das contribuições mais expressivas do teatro no ensino jurídico reside na utilização de jogos teatrais que são capazes de estimular a criatividade, o trabalho em equipe, melhorando, assim, o relacionamento entre os alunos, além de serem hábeis instrumentos ao despertar dos sentidos, ao raciocínio rápido, preparando o aluno para o seu individual processo de descobertas, experimentação e criação. Este processo,
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A ideia inicial é a criação de um projeto, no âmbito do curso de Direito da
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FIDΣS acredita-se, pode ser capaz de melhorar o rendimento dos alunos e das aulas (RIBEIRO, 2004, p. 68). Diante disso, os jogos teatrais devem ser utilizados como um meio ativo de aprendizagem da linguagem teatral, os quais podem ser entendidos como conjuntos de exercícios corporais, vocais, gestuais, plásticos e ficcionais necessários à preparação e formação do ator, capazes de oferecer condições para o exercício consciente e eficaz, para a aquisição e ordenação progressiva da linguagem dramática (BRASIL, 1997: 84). Outrossim, pode-se mencionar a experiência empírica de oficina desenvolvida no Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da UFRGS, intitulada “Professor de teatro e construção de conhecimento”, a qual, tendo por base o desenvolvimento da expressividade vocal dos participantes, chegou à conclusão de que o trabalho coletivo, quando opta por envolver a corporeidade como um todo, evidencia a necessidade de exposição individual e, por conseguinte, potencializa o relacionamento de grupo (SANTOS, 2012, p. 136). Deste modo, segundo reporta a pesquisadora Vera Lúcia Bertoni dos Santos, na mencionada experiência, a ação docente junto aos participantes da oficina, no que tange à construção de um ambiente propício à prática do teatro, foi capaz de enfatizar o papel da espontaneidade e da cooperação no trabalho de expressão vocal como aspectos inerentes do processo de iniciação teatral (SANTOS, 2012, p. 136-137), porquanto a cooperação e interação entre os participantes foram essenciais para a construção de um grupo coeso e hábil a tomar decisões harmônicas, a despeito de eventuais discordâncias individuais em seu corpo,
visando o coletivo e não apenas aspectos formais individuais que se encontram nas entrelinhas do enunciado normativo jurídico. Destarte, a oficina teatral, como proposta central a ser desenvolvida dentro do projeto de extensão ora proposto, caracteriza-se como uma ação pedagógica ativista, onde o professor/oficineiro direciona as atividades de forma a estabelecer um exercício dialético entre o seu conhecimento e o que os participantes trazem de seu universo sócio-cultural (TELLES, 2004, p. 26), de modo que esse seria o espaço e o momento de experimentar, refletir e elaborar soluções para as mais diversas proposições e situações sócio-jurídicas, estimulando os participantes a se inserirem na comunidade em que vivem, sendo a vivência da atividade artística responsável pela ampliação de suas capacidades expressivas e consciência de grupo.
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o que demonstra a eficiência da oficina teatral e o trabalho em equipe na tomada de decisões
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FIDΣS Tal método se encaixa perfeitamente nos novos paradigmas educacionais contemporâneos, na medida em que estimula uma autorreflexão e auto-formação do indivíduo a partir de suas experiências práticas e do seu treinamento como parte essencial de transformação da realidade. Mister ressaltar que, ao passo em que a pedagogia tradicional coloca os conteúdos e métodos em dissonância com o cotidiano do aluno e com sua realidade social, na nova pedagogia a educação é vista como um processo interno que valoriza a autoeducação, concedendo ao professor o papel de auxiliar do alcance desse conhecimento. Bem assim, a pedagogia crítico-social dos conteúdos objetiva a propagação dos conteúdos vivos, concretos e indissociáveis da prática social (FERREIRA, 2001, p. 144). Podem ser, ainda, apropriados os novos conceitos do teatro contemporâneo para a prática do teatro na educação, a partir da concepção de que o texto não é mais sagrado, isto é, não é mais a gaiola que aprisiona o trabalho interpretativo do diretor e, por conseguinte, do ator, de maneira que o diretor não mais pode ser prisioneiro do texto, devendo encontrar nele novas maneiras de registrar seus pensamentos, descobrir outros significados, outros conteúdos, pois que diferentes encenações “lêem” o mesmo texto de formas variadas, a depender dos fenômenos científicos, filosóficos, políticos, econômicos e outros (FERREIRA, 2001, p. 145). Desse modo, tal método, que instiga os alunos a pensar, provocando debates e discussões, apresenta-se como um meio hábil para trazer resultados satisfatórios, pois diante da complexidade do mundo atual e das vicissitudes da vida contemporânea, faz-se necessário
administrar suas emoções e subjetivismos diante de um caso, tendo em vista o bem comum e a defesa dos direitos fundamentais. Deve-se mudar o paradigma de que o professor serve para passar conceitos e definições pré-prontas. O ensino jurídico tem que partir da premissa de que o professor ajuda o aluno a construir sua formação jurídica, e não lhe passa unilateralmente textos de lei como se fosse algo certo e indiscutível, de modo que se mostra essencial essa maior aproximação entre docente e discente na construção das reflexões através dos jogos teatrais. Para alcançar os objetivos traçados, mister o início das atividades do projeto de extensão que deverá partir das reflexões do ensino jurídico como meio para formação de cidadãos conscientes, a utilização do teatro para tanto, o estudo das relações entre o Direito e o Teatro, seja quando este último é objeto da regulamentação daquele, ou seja quando o Direito é abordado nas obras artísticas literárias e encenações teatrais, como um espelho
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que o profissional esteja preparado para lidar com as situações mais extremas e consiga
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FIDΣS crítico da realidade, verificar em que medida o Direito pode ter a sua dimensão artístico dramática, para, enfim, desfrutar de uma formação mais adequada dos estudantes às necessidades do mundo contemporâneo. Acredita-se, assim, que procedimentos pedagógicos embasados nos conceitos teatrais contemporâneos, que respeitem as vivências culturais dos alunos, possibilitem apresentações teatrais carregadas de teatralidade e significação, onde ator e plateia estejam envolvidos, o público seja atraído com o olhar preso, concentrado, divertindo-se (FERREIRA, 2001, p. 150), sejam capazes de proporcionar a transformação da educação jurídica, e, porque não ousadamente afirmar, do próprio Direito.
4 CONCLUSÃO
O novo cenário cultural, social, ambiental e empresarial cria desafios jamais pensados para um profissional da área jurídica, o que demanda uma preparação do aluno de Direito voltada para a formação de um cidadão completo, pronto para enfrentar as complexidades do mundo contemporâneo, com uma visão holística dos saberes humanos, sem limitar-lhes a uma restrita seara que nada condiz com o mundo fora da universidade. Outrossim, vivemos uma realidade em que ocorre, ano a ano, grande número de graduações, mas não “formações” substantivas, consoante defende Paulo Freire. Percebe-se a multiplicação dos bacharéis em Direito que não sabem sequer
daquele, porquanto não conseguem compreender as normas como parte de um sistema integrado, que busca, com base no espírito da Constituição da República de 1988, a justiça social. Deve-se estimular uma formação jurídica que prestigie o diferencial para estes futuros profissionais. Memorizar fórmulas jurídicas e efetuar subsunções não representa um diferencial para o profissional do Direito, pois não há nem mesmo necessidade de graduação em Direito para fazê-lo; basta adquirir a legislação compilada nos chamados vade-mécuns para tanto. Este exercício não é capaz de identificar o domínio da ciência jurídica. A tarefa interpretativa, que representa, em verdade, o mister do profissional do Direito, requer muito mais. Por isso, é essencial um ensino jurídico que preze não pelo ensino técnico, mas por um “ratio-ensino” (que treine o “raciocínio”), fazendo com que o próprio graduando descubra
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interpretar um dispositivo normativo a ponto de encontrar a norma efetivamente resultante
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FIDΣS a resposta, que não é fechada e já terminada, mas construída a partir de um exercício de ponderação, o qual pode ser alcançado através da inserção da arte dramática no ensino do Direito, a partir da análise das relações existentes entre Direito e Teatro, para a compreensão efetiva das relações de poder atuais e o desdobramento institucional dessas.
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LAW AND THEATER: PROPOSAL OF INSERTION OF DRAMATIC ART AS A TRANSFORMATIVE MEANS OF LEGAL EDUCATION
ABSTRACT The teaching of law in Brazil nowadays colleges, In view of the roots of his formation, is not enough to prepare the bachelor to face the contemporary daily challenges, being
essential
the
inclusion of
dramatic art as a method of transforming legal education, given the close relationship between law and theater. Keywords: Legal education. Theater. Dramatic art. Transformation.
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FIDΣS Recebido 17 out. 2014 Aceito 29 out. 2014
O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA ANAPARENTAL COMO ENTIDADE FAMILIAR ESTÁVEL E SUA CONSEQUENTE LEGITIMIDADE PARA PLEITEAR ADOÇÃO, À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STF Patrícia Kellis Gomes Borges*
Não é novidade que a conceituação de família sofreu forte transformação com o advento da Carta Política de 1988. Anteriormente, o direito privado, e notadamente o direito de família, ressentia-se da influência patrimonialista, individualista e contratualista presente no Código Civil de 1916, oriunda do ideário liberal-burguês do Código Napoleônico tão marcante nesse Diploma Legal. Sob a égide do Código Civil de 1916 o núcleo familiar legítimo se formava somente no contexto do casamento, ou seja, a família juridicamente reconhecida era aquela formada pelo homem e mulher casados civilmente e sua prole eventual.
demonstraram a insuficiência do velho Código em disciplinar as novas relações que começavam a surgir em torno do direito de família. Eventos como a revolução tecnológica, surgimento da internet, evolução da ciência - em especial da técnica da reprodução humana assistida -, bem como o surgimento de movimentos sociais como o feminismo, a inserção da mulher no mercado de trabalho e a luta dos homossexuais pelo reconhecimento de seus direitos, conclamavam uma mudança do paradigma legal então existente. É certo que algumas leis extravagantes foram criadas no sentido de adequar o Código Civil de 1916 aos novos anseios sociais mais pujantes, como, por exemplo, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121, de 1962) e a Lei de Divórcio (Lei nº 6.515, de 1977). Contudo, é a Constituição de 1988 quem promove uma profunda transformação na formulação do *
Especialista em Direito, lato sensu. Professora Substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte junto ao Departamento de Direito Público. Advogada.
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Ocorre que as modificações sociais ocorridas no decorrer do século XX
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FIDΣS conceito de família, reconhecendo novos arranjos familiares até então não tutelados juridicamente, formados na informalidade, na uniparentalidade e, sobretudo, com base no afeto. Surgem, assim, as chamadas famílias plurais, entidades formadas não só a partir do casamento, mas da união estável entre homem e mulher, e também da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§ 1º, 3º e 4º, da Constituição Federal). Vê-se, assim, que o legislador constituinte deslocou o enfoque principal da família do instituto do casamento e passou a olhar com mais atenção para as relações de pessoas que se unem por vínculos sanguíneos ou de afeto 1. Além dos mosaicos familiares esculpidos pela Carta Magna, há outros conceitos de família que foram construídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de 1990, a saber: a família natural, comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (art. 25); família extensa ou ampliada, aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (parágrafo único do art. 25, acrescido pela Lei nº 12.010, de 2009 – Nova Lei de Adoção); e família substituta, compreendida como aquela que se forma a partir da impossibilidade, mesmo que transitória, de a criança ou adolescente permanecer junto à sua família natural, e que se apresenta sob três formas ou espécies: guarda, tutela e adoção (art. 28)2. E a evolução conceitual da unidade familiar não esbarrou nos formatos acima elencados.
núcleos familiares atuais e que o direito de constituir uma família é um consectário da dignidade da pessoa humana, a jurisprudência pátria vem reconhecendo também como entidade familiar o relacionamento afetivo estável formado por pessoas do mesmo sexo3, o que reflete um pensamento de vanguarda dos nossos tribunais, perfeitamente em sintonia com a evolução das relações sociais e com a mais acertada interpretação constitucional. Além destas, há outras modalidades famílias que vem ganhando reconhecimento doutrinário e jurisprudencial, como é o caso da família anaparental, expressão da doutrina de
1
MACIEL, Kátia Regina Maciel Ferreira de Lobo Andrade (coordenação). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 123-124. 2 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; SANCHES, Rogério. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: Lei nº 8.069/1990. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013, p. 179. 3 STF: ADI 4.277, ADPF 132/2011; STJ: REsp 889852/RS, de 2010, REsp 930460/PR, de 2011, REsp 1281093/ SP, de 2012 etc.
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Partindo-se das premissas que o afeto é o vínculo aglutinador mais relevante dos
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FIDΣS Sérgio Resende de Barros4, que consiste na família formada por descendentes privados por ambos os pais. Em outras palavras, é a família formada por grupo de irmãos sem ascendente. Segundo o referido autor, o que define o núcleo familiar estável não é o estado civil de seus componentes e, sim, o ânimo subjetivo de formarem uma unidade familiar, a congruência de interesses e, sobretudo, o afeto, o amor que os une num só propósito. Num primeiro momento se poderia até pensar que não há nada de inovador em reconhecer que dois ou mais irmãos formam uma entidade familiar, basta-se imaginar os diversos agrupamentos familiares dessa natureza espalhados pelo Brasil. Todavia, o que merece destaque é que a família anaparental vem sendo reconhecida como modalidade familiar estável, atribuindo a seus membros (irmãos entre si) a legitimidade para pleitearem adoção de crianças e adolescentes conjuntamente, o que até então só era possível a casais casados civilmente ou companheiros. Para bem compreender a novidade faz-se necessária uma breve digressão acerca da disciplina legal da adoção no Brasil nos últimos tempos. Com o advento da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, havia dois regramentos da adoção: a) a adoção de crianças e adolescentes, regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através de processo judicial; e b) adoção de pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, regida pelo Código Civil de 1916, via escritura pública. Com a promulgação do Código Civil de 2002, estabeleceu-se que a adoção, seja ela de criança, adolescentes ou adultos, somente poderia dar-se através da intervenção do Poder Judiciário, ou seja, abolia-se a possibilidade da adoção ser feita por meio de escritura pública.
Subtítulo II) sobre a adoção, repetindo, inclusive, vários artigos do ECA. Com isso, os processos de adoção no Brasil passaram a ser regidos por esses dois diplomas normativos, o que gerava uma certa dificuldade de compreensão por parte dos operadores do direito. Em 2009 é promulgada a Lei nº 12.010 – A nova Lei de Adoção, que além de implementar diversas modificações no texto do Estatuto da Crianças e do Adolescente no que se refere ao direito à convivência familiar, revogou o capítulo do Código Civil de 2002 que cuidava da adoção, restando apenas o art. 1.618 e ao artigo 1.619. Aquele dispondo que a adoção de crianças e adolescentes será disciplinada pelas regras estatutárias, e este, determinando que a adoção de pessoas maiores de 18 (dezoito) anos
4
BARROS, Sérgio Resende de. In: V Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2006. A tutela constitucional do afeto. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 921.
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Ocorre que o Novo Código Civil trouxe um capítulo específico (Capítulo IV, do
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FIDΣS realizar-se-á através de processo judicial e aplicando-se, no que couber, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em síntese, hoje se tem apenas um diploma normativo que rege a adoção de crianças, adolescentes e adultos no Brasil: o Estatuto da Criança e do Adolescente, guardadas as particularidades próprias da adoção de adultos. Pois bem. Nos termos do art. 42, § 2º, do ECA, adoção pode ser pleiteada de forma conjunta desde que os postulantes sejam casados civilmente ou vivam em regime de união estável, comprovada a estabilidade da família. Uma interpretação literal do sobredito dispositivo estatuário conduz ao raciocínio de que somente duas pessoas ligadas pelo vínculo matrimonial ou da união estável é que seriam legitimadas a postular adoção de criança e adolescente de forma conjunta. Esta era a única exegese admitida até bem pouco tempo, pela doutrina e jurisprudência. Ocorre que em 2012, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgado paradigmático (Resp 1.217.415/RS), de Relatoria da Ministra Nancy Andrigui, reconheceu a possibilidade de dois irmãos, que formavam unidade familiar estável, adotarem, conjuntamente, uma criança que há anos com eles convivia e a quem tratavam como filho. Ao ratificar o entendimento de primeira instância, o Superior Tribunal de Justiça permitiu que dois irmãos passassem a ser pai e mãe adotivos da criança adotada. Em seu brilhante voto, a Ministra reconhece que os requisitos para a adoção conjunta, previstos no art. 42, § 2º, do ECA, foram concebidos pelo legislador como critérios identificadores do melhor interesse da criança. Doutra banda, assevera que se faz necessária
pautando-se, principalmente pelo viés finalístico do Diploma Estatutário, que é o princípio do melhor interesse da criança, no caso em análise, do adotando. Pontua, também, que o comando legal buscou assegurar ao adotando a sua inserção em núcleo familiar estável, onde pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores, e obter amparo nas horas de dificuldades, mas aduz que “o conceito de núcleo estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar a noção plena de família, apreendida em suas bases sociológicas”. Para a relatora, o que constrói e define um núcleo familiar estável é a existência de elementos subjetivos que são extraídos da existência de laços afetivos, elementos perfeitamente observados na família anaparental do caso retratado no acórdão, vez que os irmãos adotantes, que viveram sob o mesmo teto até a morte de um deles, se comportavam
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uma interpretação normativa que promova a adequação do texto legal à realidade social atual,
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FIDΣS como família que eram, tanto entre si, como em relação ao infante, que com já eles convivia há período razoável de tempo. Por fim, reconheceu como válida a adoção de criança promovida conjuntamente por irmãos, vez que considera exemplificativas as hipóteses de adoção conjunta prevista no art. 42 do ECA. Percebe-se que o acórdão reflete uma interpretação pautada nos fins sociais orientadores do ECA (art. 6º): o melhor interesse da criança e a sua proteção integral. Negar o reconhecimento da família anaparental como núcleo familiar estável e apto a adotar apenas por não se enquadrar nos arranjos familiares tradicionais descritos no comando legal resultaria numa exegese fria do texto legal, totalmente descompassada da evolução das relações sociais que permeiam o direto de família e o direito infancista, cujo elemento aglutinador primordial é o afeto, é o amor! Pondere-se, por pertinente, que a adoção conjunta por irmãos deve ser deferida, a nosso ver, apenas quando os irmãos postulantes vivam sob os moldes de entidade familiar estável, formando um núcleo afetivo hábil a recepcionar a criança adotada como filho em comum e propiciar-lhe um desenvolvimento saudável e feliz. Do contrário, se cada irmão pleiteante tem uma realidade de vida diversa da do outro, se cada um já constituiu sua própria família ou se não possuem condições socioafetivas de se comportarem como pais adotivos da criança ou adolescente a ser adotado, deve o pleito adotivo ser indeferido. Por fim, vê-se que o fundamento estruturante da repersonalização dos modelos familiares5 reside, atualmente, no afeto, na afetividade, e sendo a família anaparental uma
legitimidade para fins de adotar de criança e adolescente, notadamente quando refletir o melhor interesse desses indivíduos.
5
LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n. 24, p. 135-136, jun./jul., 2004.
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nova expressão dessa nova feição de família, nada mais coerente que conferir-lhe a
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FIDΣS Recebido 23 jun. 2014 Aceito 05 ago. 2014
SER Y TIEMPO JURÍDICOS Juan Carlos Riofrío Martínez-Villalba
RESUMEN El estudio contiene una profundización metafísica del análisis de la dinámica jurídica. Para explicarla se aplican los poderosos conceptos griegos de ser y potencia, con los que los antiguos pudieron resolver el problema del tiempo y del cambio cósmico. Por eso el artículo comienza modulando para el derecho estas nociones griegas, de los cuales resultan los conceptos metafísicos de “ser jurídico” y “potencia jurídica”, para luego arribar al concepto de “espacio jurídico”. Con esta triada de nociones se puede, entonces, resolver el tema del cambio y el tiempo jurídico, como se hace al final del trabajo.
jurídica. Espacio jurídico. Cambio jurídico.
1 INTRODUCCIÓN
Es mérito de Heidegger el haber replanteado en el siglo XX con toda su radicalidad la pregunta por el ser como uno de los primeros y más acuciantes problemas de la filosofía. Sin resolver esta pregunta la especulación filosófica se queda a ciegas para resolver cualquier otra cuestión, que siempre será ulterior. A la vez, es Heidegger quien en su obra más
Profesor de Teoría Fundamental del Derecho de la Universidad de Los Hemisferios (Quito, Ecuador). Este trabajo se enmarca en el Proyecto Metafísica Jurídica 2014.
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Palabras clave: Metafísica jurídica. Dinámica jurídica. Potencia
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FIDΣS importante, Ser y tiempo, destaca la importancia de asociar la noción del ser al tiempo, al arribar al concepto de Dasein, del “ser-ahí”. Hay tres aporías griegas fuertemente atadas entre sí, que determinarán la concepción del mundo que maneje cada filósofo. Son las aporías del ser, del cambio y del tiempo. Los antiguos filósofos griegos se quedaron maravillados con el movimiento que observaban en la naturaleza e intentaron explicarlo. Heráclito convirtió al movimiento en el principio de todo y sin lo que nada se explica. Parménides, por el contrario, con su rígida concepción del ser único e inmutable, negó el cambio y lo relegó al ámbito de la apariencia: el ser “es”, el no-ser “no es”, y ambos son incomunicables. Con lo cual, para uno existía un tiempo vertiginoso y para otro sólo había una apariencia temporal. Aristóteles resolverá las tres aporías al descubrir el concepto de potencia. En la presente investigación intentaremos resolver el problema del cambio y del tiempo jurídico aplicando los conceptos aristotélicos al derecho. Por consiguiente, resulta necesario explicar primero las nociones de “ser jurídico”, “potencia jurídica” y “cambio jurídico”, para luego poder enfrentarnos con la cuestión del “tiempo jurídico”.
2 EL SER JURÍDICO
La cuestión del ser jurídico en términos llanos se reduce a dos preguntas: ¿qué es el derecho? y ¿qué es lo jurídico? Habiendo ya estudiado el tema con detenimiento en otro En primer lugar, hemos de decir que la palabra “derecho” designa varias cosas: la ley, los contratos, los derechos subjetivos… y lo justo. Esta última noción ha sido la principal y más usada a lo largo de la historia, aunque lingüísticamente tal noción haya desaparecido de varios idiomas en la modernidad. No obstante, bajo la concepción del derecho como dikaione o res iusta se configuró todo el derecho antiguo y todo el derecho medieval. Según Aristóteles, Tomás de Aquino y muchos otros, el derecho en su primera acepción es “lo igual”: hay que pagar “lo justo”, ni más, ni menos, porque eso es el derecho del acreedor. El derecho sólo subsiste en la relación jurídica. No es necesaria una populosa sociedad. Para que exista bastan dos sujetos, relacionados entre sí frente a una cosa (bien jurídico), donde uno es el acreedor y otro el deudor de esa cosa. La relación jurídica requiere 1
Cfr. RIOFRÍO MARTÍNEZ-VILLALBA, Juan Carlos. Noción de derecho en la Metafísica Tomista. Cuadernos Electrónicos de Filosofía del Derecho, n. 26, 2012, págs. 373-407.
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lugar1, aquí sólo recogeremos algunas conclusiones.
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FIDΣS que existan materialmente dos sujetos, una cosa y el entorno; entre ellos han de trabarse una relaciones ontológicas (v. gr. la relación entre acreedor y deudor, entre sujeto y cosa, entre sujetos y entorno, entre cosa y entorno). Una de esas relaciones ontológicas es el derecho: aquella relación por la cual la cosa es debida al acreedor2. Otra será el vínculo jurídico que une a los sujetos. Todo esto expresado puede ser expresado en la siguiente gráfica:
“Derecho” y “jurídico” no son lo mismo, aunque a veces se los use como términos equivalentes. Todo lo relacionado con el derecho puede ser considerado “jurídico” — quizá en sentido análogo —, pero no todo lo jurídico es derecho. Son jurídicos, por ejemplo, los elementos materiales de la relación jurídica (sujetos del derecho, bien jurídico, entorno jurídico), el título del derecho, y las fuentes del derecho (v. gr. la ley, la costumbre, la doctrina “sea derecho”, sino en un sentido menos propio y análogo. Como dijimos, el primer significado de ius es: to dikaione, la res iusta, lo igual, lo ajustado. Usando la analogía varias cosas pueden llamarse derecho. La ley es “derecho” en sentido análogo, en cuanto ella fija cierta medida de lo igual, de lo justo; el “derecho subjetivo” es derecho en cuanto este implica una facultad de exigir lo suyo.
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Hervada la llama relación de suidad. Cfr. HERVADA XIBERTA, Javier. Lecciones propedéuticas de filosofía del derecho. Pamplona: Eunsa, 2000, pág. 232.
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doctrina, la jurisprudencia, etc.). Pero no cabe decir que los sujetos “sean derecho”, ni que la
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FIDΣS 3 LA POTENCIA JURÍDICA Y EL CONCEPTO DE POTENCIA EN LA FILOSOFÍA CLÁSICA La idea de que el “ser jurídico” puede estar en potencia de “ser algo más” resulta evidente a los metafísicos, no así a los juristas, a quienes suele llamar mucho la atención. En el mundo jurídico no es común hablar de potencia jurídica y por eso hemos de explicarla. Comenzaremos revisando cuál ha sido el concepto de potencia en la filosofía clásica, para con estos antecedentes poder luego aplicar el concepto al mundo del derecho.
3.1 EL CONCEPTO DE POTENCIA EN LA FILOSOFÍA CLÁSICA
3.1.1 El concepto de potencia en la filosofía clásica Se ha dicho que “la distinción acto-potencia es la aportación más importante de Aristóteles y, al mismo tiempo, un poderoso modo de resolver dificultades”3. El concepto de potencia fue un poderoso concepto con el que Aristóteles logró resolver varios de las más importantes aporías de su época: la cuestión del conocimiento, el problema del cambio y del tiempo, la naturaleza de Dios y del cosmos. Tiempo atrás Parménides había plateado el dilema de si la realidad, la mente y la idea en sí están separadas, por tanto el conocimiento resultaba imposible. Con lo cual, ser y pensamiento debían ser lo mismo. Platón intentó resolver esta aporía con su doctrina de las
donde observa que una mente que no conoce es semejante a un hombre dormido, mientras conocer se asimila a un hombre despierto. Entonces logra plantearse una nueva pregunta en la filosofía: ¿cómo se pasa del no conocer al conocer? La solución dada fue la siguiente: el noús dormido es capacidad de conocer, potencia (dynamis, capacidad, aptitud); puede alcanzar algo, pero todavía no se actúa. El noús es capaz de conocer la esencia, pero de entrada, como pura capacidad, no la conoce. Cuando conoce lo inteligible, el noús está en acto. Estos conceptos de acto y potencia son originarios del Estagirita y se encontraron como solución a la mencionada aporía del Teetetos. Dicho lo anterior, hay que tener en cuenta que en Aristóteles las nociones de potencia y acto no tienen un sentido unívoco, sino que pueden aplicarse a dos realidades distintas. 3
POLO BARRENA, Leonardo. Introducción a la filosofía. Pamplona: Eunsa, 1995, pág. 45. Seguiremos a este autor en su explicación de los conceptos de acto y potencia en Aristóteles.
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esencias y de la participación gradada del ser y del uno. Aristóteles la analiza en Teetetos
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FIDΣS Comencemos hablando del acto. Acto es una palabra latina en la que se vierten dos palabras griegas diferentes: enérgeia (energía) y entelécheia (en castellano entelequia). La enérgeia es la solución del problema de la relación mente-verdad, y representa el acto del noús en cuanto posee la verdad; por eso la enérgeia aparece más temprano y se usa con mayor frecuencia en el Corpus Aristotelicum. En cambio, la entelécheia es la solución al problema de la realidad en sí: se trata de la realidad considerada como ousía (sustancia), como verdadera en sí misma, al margen de cualquier noús. Una cosa es el conocimiento en acto y otra la realidad en acto. Correlativamente, han de admitirse dos nociones de potencia, porque la potencia se dice del acto. Una es la potencia que puede corresponder a la ousía (la potencia de la entelécheia), y otra la potencia entendida como potencia de enérgeia (el noús dormido). El par acto-potencia explican cabalmente el universo, que no es puro acto (Parménides), ni puro cambio (Heráclito), sino que presenta una mezcla o alternancia entre potencia y acto. El acto y la potencia aparecen tanto en los seres físicos, como en los vivos corpóreos. En estricto aristotelismo, la teoría de las causas basada en estos conceptos explica el universo y los entes intramundanos (los physei ónta). Justamente por eso la física de Aristóteles es la ciencia del ente móvil, pues la movilidad comporta potencia. La psicología aristotélica es la ciencia de algo superior a lo meramente móvil, aunque se ha de seguir explicando de un modo causal y admitiendo el sentido causal al que, ante todo, hay que adscribir la potencialidad: la causa material. En cambio, lo intelectual como acto no es causa predicamental. Tampoco lo es Dios, que es puro acto. Polo observa que la teoría de las causas de Aristóteles llegó a tener tal importancia adecuadamente al aristotelismo4. Ahora bien, resulta indiscutible el paralelismo que hay entre los conceptos enérgeia-entelécheia, y entre sus respectivas potencias. En el fondo, en el noús y en la ousía estas nociones funcionan como acto-potencia, aunque se encuentren variantes como la predicamental.
3.1.2 El cambio, el acto y la potencia
Conviene ahora centrarnos en los conceptos de acto y potencia aplicados al ente móvil. Como dijimos, los antiguos filósofos griegos se quedaron maravillados con el movimiento que observaban en la naturaleza e intentaron explicarlo. Heráclito convirtió al
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que quiso formularse con ella la teoría del intelecto, aunque ello no corresponda
Cfr. POLO BARRENA, Leonardo. Introducción a la filosofía. Pamplona: Eunsa, 1995, págs. 90 y ss.
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FIDΣS movimiento en el principio de todo y sin lo que nada se explica. Parménides, con su rígida concepción del ser único e inmutable, negó el cambio y lo relegó al ámbito de la apariencia: el ser “es”, el no-ser “no es”, y ambos son incomunicables5. Aristóteles puso la vía media entre los dos filósofos al percatarse de que en el cambio no se da una novedad absoluta, porque en todo cambio hay algo que pasa de un estado determinado a otro relativo a ese primer estado, como el agua que pasa de fría a caliente. El Estagirita lo ejemplificaba diciendo que ni un animal, ni un infante saben resolver problemas matemáticos, pero el animal jamás lo hará, mientras el niño puede aprender; un retazo de madera no es una estatua, pero tiene la capacidad de serlo si cae en las manos de un artista, lo que nunca sucederá con el aire o con el agua. Entre el “ser” y el “no-ser” está la “capacidad de ser”. La potencia es la capacidad real de tener una determinada perfección; no es una mera privación de algo. Por eso, como dice el Aquinate, “la potencia se dice por relación al acto”6, pues la capacidad de ser refiere a un ser o acto determinado. Un niño está en potencia de ser un gran arquitecto, no un asteroide; la vista es una potencia que está en capacidad de percibir imágenes, no sonidos; la inteligencia y la voluntad son a su vez potencias supremas porque están en capacidad de tener todo de forma intencional (no de forma real). Lo que no está en potencia de ser algo, nunca podrá llegar a serlo; en cambio, lo que está en potencia no es, pero puede serlo. El ser y la potencia son dos coprincipios del ente móvil y, en general, de todo ser no subsistente.
3.2.1 Noción de potencia jurídica
Postulamos que la potencia jurídica es la capacidad de tener el ser jurídico. Algo está en “capacidad de ser jurídico” si está en capacidad de formar parte de una relación jurídica. Las personas llegan a ser sujetos de derecho cuando se vinculan en una relación jurídica; las cosas externas son objetos de derecho cuando pertenecen a alguien. Pero mientras no entren a formar parte de la relación jurídica, ni las personas, ni las cosas externas son derecho de forma actual, sino sólo de forma potencial. Clásico es el ejemplo de un no-
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PARMÉNIDES DE ELEA. Sobre la naturaleza. Trad. de J. Solana Dueso [en De Logos a Physis. Estudio sobre el Poema de Parménides]. Zaragoza: Mira Editores, 2006, 28 B8. 6 AQUINO, Tomás de. De Potentia. Roma: (s.e.), 1259-1268, q. 1, a. 1.
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3.2 LA POTENCIA JURÍDICA
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FIDΣS relacionado, Robinson Crusoe: mientras no desembarcó Viernes en su isla, éste ser solitario no fue sujeto de derecho. Tampoco lo serán las cosas desconocidas sobre las que el ser humano carece de dominio, como los astros desconocidos. La potencia jurídica es la capacidad de entrar en una determinada relación jurídica tanto como elemento intrínseco de la misma, como causa de los elementos formales de tal relación. Lo jurídico potencial comprende el conjunto de posibilidades justas que se abren en una determinada realidad. Si algo o alguien puede formar parte de una relación jurídica, entonces tendrá una potencialidad jurídica. Un transeúnte está en “potencia jurídica” de ser consumidor hasta el momento en que compre la pizza que le ofrecen; con la compra dejará de estar en mera potencia de ser consumidor y obtendrá un “ser jurídico” específico. Igual sucede con las cosas. Una piedra tirada en el camino está en “potencia jurídica” de pertenecer a alguien hasta cuando efectivamente sea poseída por un hombre y exista un tercero que deba respetar tal posesión. El término “potencia jurídica” puede aludir a un determinado efecto jurídico potencial (v. gr. el dueño de una casa puede venderla), pero también puede incluir todos los efectos posibles (v. gr. la casa puede ser vendida, alquilada, destruida, remodelada, etc.). En sentido lato, la potencia jurídica también incluye la capacidad de dejar de formar parte de una relación jurídica.
3.2.2 Potencia jurídica vs. falacia naturalista
simplemente sería un imposible, como también sería imposible el cambio jurídico del que más adelante hablaremos. El argumento más opuesto a la existencia de la potencia en la naturaleza ― incluida a la potencia jurídica ― es la llamada “falacia naturalista” que los positivistas imputan al iusnaturalismo y a todo género de ética realista. La crítica se remonta a Hume, para quien no cabe deducir conclusiones prescriptivas de enunciados descriptivos7. Apoyado en la doctrina de dos seguidores suyos (Moore y Prior) Kelsen elaboró su Teoría Pura del Derecho, dando crédito al presupuesto de raíz kantiana de incomunicación entre ser y
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Cfr. HUME, David. Tratado de la naturaleza humana. Trad. de Félix Duque. Madrid: Tecnos, 1988, págs. 633-634 (libro III, parte I, sección 1).
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Si las personas y las cosas no tuvieran una potencialidad jurídica, el derecho
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FIDΣS deber ser8: del ser de las cosas no se deriva su deber ser, es imposible deducir proposiciones normativas a partir de proposiciones fácticas. Varios autores han dedicado significativos esfuerzos a falsear esta “falacia”, desde múltiples flancos9. Aquí proponemos un argumento ontológico basado en la noción de ser, potencia, cambio y causa final. En el fondo, estamos ante la misma disputa sobre el cambio surgida entre Parménides y Heráclito, que no se pudo resolver hasta que la filosofía antigua no arribó al concepto de potencia. Es evidente que las cosas de la naturaleza que son (que tienen ser actual), cuando interviene una causa suficiente terminan cambiando, terminan recibiendo un nuevo ser. La potencia nos señala lo que la cosa puede ser, mientras la causa nos señala lo que la cosa debe ser en el futuro. Nos consta que pueden cambiar tanto las cosas, como las relaciones de las personas (v. gr. las relaciones de amistad, las relaciones políticas o las relaciones jurídicas). Las cosas corporales se mueven con necesidad hacia los “fines” que le marcan sus potencias: la piedra caerá indefectiblemente a 9,78 m/s2 en la línea ecuatorial. No sucede lo mismo con el ser humano, pues está en sus manos buscar conocer con su inteligencia esos “fines” marcados por las potencias de su naturaleza, para luego lanzarse libremente hacia ellos. El mero conocimiento de los fines es un conocimiento teórico, fruto de un razonamiento que juega con juicios descriptivos; cuando ya el intelecto descubre el fin de las potencias humanas y busca cómo alcanzarlo, entonces pasa a elaborar un razonamiento práctico donde cunden los juicios prescriptivos y concluye lo que se debe hacer para alcanzar el fin. Si no se quiere reducir el derecho a un mundo de sueños y deseos, habría que decir
cosas que son. Aplicado esto al conocimiento racional, que es espejo de la realidad, tenemos que: sin conocer las cosas no se pueden conocer sus fines, ni menos la forma de alcanzarlos, o, lo que es lo mismo, sin conclusiones descriptivas no hay conclusiones prescriptivas.
4 EL ESPACIO JURÍDICO Los conceptos de ser jurídico y potencia jurídica nos llevan de la mano al concepto de espacio jurídico, que a continuación abordamos. 8
Cfr. KELSEN, Hans. La teoría pura del derecho. Trad. de Roberto Vernengo. México: UNAM, 1982, págs. 19-21. 9 Cfr. MASSINI CORREAS, Carlos I. La falacia de la falacia naturalista. Mendoza: Edium, 1995; HERVADA XIBERTA, Javier. Bases críticas para la construcción de la ciencia del derecho eclesiástico. Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, n. 3, 1987, págs. 25-37; FINNIS, John. Ley natural y derechos naturales. Trad. de Cristóbal Orrego. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, págs. 66 y ss.
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que “sin ser no hay deber ser”: el deber ser sólo puede deducirse de la potencialidad de las
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4.1 NOCIÓN DE ESPACIO JURÍDICO, AJURÍDICO Y ANTIJURÍDICO
Ulpiano definió la jurisprudencia como iusti atque iniusti scientia (Digesto, 1.1.10). En realidad lo que más le interesa al jurista es conocer cuál es el campo de lo justo; el conocimiento de lo injusto también le servirá, pues es algo útil para delimitar el campo de lo justo o para deducir cómo ha de actuarse en justicia ante la conducta antijurídica. En todo caso, parafraseando a Ulpiano, podríamos decir que la jurisprudencia es la ciencia que estudia el conjunto de cosas justas y el de cosas injustas. El espacio jurídico se refiere al conjunto de cosas justas, mientras el espacio antijurídico alude al conjunto de cosas injustas. El primero comprende el conjunto de posibilidades justas que se dan o pueden darse en una realidad, o, dicho en términos más metafísicos, es el resultado de sumar el ser jurídico más su potencia jurídica. Todo lo que está dentro del espacio jurídico es “jurídico”. Más allá del espacio jurídico está el espacio antijurídico. El concepto de “antijuricidad” fue delineado por Ihering, quien partió de unos postulados similares a los aquí expuestos. Ihering entiende el derecho como resultado una lucha (que es el medio) destinada a alcanzar la paz social (que es el fin)10; las actuaciones humanas que perturban la paz social, que dañan los bienes jurídicos y atentan contra los intereses protegidos en el ordenamiento, han de tenerse como “antijurídicas”11. Ihering entiende lo antijurídico como aquella conducta contraria al ordenamiento jurídico, entendido este en términos bastantes positivistas. Nosotros
derecho-ley, al derecho subjetivo y al concepto lato de ordenamiento jurídico. También podríamos hablar de la existencia de un tercer espacio: el espacio ajurídico, que comprendería el conjunto de cosas para nada relacionadas con el derecho. Llenan este espacio: los ángeles en el cielo, las almas del purgatorio, los demonios del infierno, las normas de etiqueta, los sueños de una noche, lo absolutamente irracional falto de toda cordura, y, en general, todo ente real o ideal que carece de significación para el derecho. A diferencia de las acciones justas e injustas, lo a-jurídico no genera ningún efecto jurídico.
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Cfr. IHERING, Rudolf. La lucha por el derecho. Trad. de Adolfo González. Buenos Aires: Valletta Ediciones, 2004, cap. I. 11 IHERING, Rudolf. Das Schuldmoment im romischen Privatrecht, Festschrift für Etnil. Roth: Giefíen, 1867, VI-68. Este autor tiene el mérito de haber deslindado el elemento de antijuricidad de la noción de culpa, lo que representó un avance para la ciencia penal.
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entendemos lo antijurídico más ampliamente, como aquello contrario a la res iusta, al
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FIDΣS En cuanto el espacio jurídico contiene la suma de opciones legítimas que un individuo tiene frente a sí, este espacio humano es un espacio de libertad. Pero no se trata de una libertad ilimitada. El espacio jurídico de cada individuo no es infinito12, pues el ser humano no lo es: sus posibilidades físicas, jurídicas, económicas, etc. son limitadas. Sus posibilidades están limitadas por su propia naturaleza (v. gr. no puede volar, le cuesta llegar a la verdad, está circunscrito corporalmente, etc.), por sus circunstancias, por sus concepciones y también por sus decisiones. En otras palabras, la realidad, la razón y el ejercicio de la voluntad marcan el límite que hay entre lo jurídico y lo antijurídico. Un hombre soltero tiene un gran espacio jurídico potencial: tiene millones de mujeres potenciales a su disposición, pero ninguna real. Cuando el órgano de la iglesia suene y contraiga matrimonio cambiará esa multitud de mujeres potenciales por una real, reduciendo vastamente su espacio jurídico potencial y agrandando su realidad jurídica. El espacio jurídico de la persona comprende un espacio de libertad, que es la suma de opciones legítimas (no injustas) que una persona puede tener, o que se le pueden dar a sus cosas, en unas circunstancias dadas. Además el espacio jurídico comprende el ser jurídico actual de la misma persona y de sus circunstancias. También las cosas tienen su espacio jurídico, en cuanto pueden estar sujetas a una o varias relaciones jurídicas actuales y potenciales. Una mesa de metal que antes pertenecía a Juan, mañana puede pertenecer a Pedro, o puede entrar a un fideicomiso mercantil, o ser vendida como chatarra. La mesa tiene un conjunto de posibilidades jurídicas muy diversas. También los cargos, funciones o poderes públicos tienen su espacio jurídico propio (un
poder constituyente tendrá un espacio más amplio que el poder legislativo, y éste en principio será mayor que el espacio jurídico de la administración pública. Las normas jurídicas suelen dejar entre sus letras amplios espacios jurídicos potenciales cuando utilizan conceptos jurídicos indeterminados, cuando no mencionan todos los presupuestos (vacío legal), o cuando son normas abiertas o permisivas. Esos espacios jurídicos potenciales serán llenados o concretados por la doctrina, por la práctica, por la jurisprudencia, por alguna norma inferior o por otro género de fuentes del derecho.
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Tomás de Aquino afirma que “es posible que haya una multitud infinita en potencia” (Suma Teológica, I, q. 7, a. 4, sol.). Sin embargo, también admite que esa infinitud potencial puede ser reducida a los géneros o especies que dan orden a nuestro conocimiento (Suma Teológica, I-II, q. 60, a. 1, ad 3).
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conjunto de facultades lícitas), el mismo que será delimitado por las leyes de cada país. El
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FIDΣS 4.2 CLASES DE ESPACIO JURÍDICO
Por derivación, el espacio jurídico admite las clasificaciones que se han hecho a sus componentes (el ser jurídico y la potencia jurídica). En especial nos interesa la distinción que hicimos entre “potencia jurídica absoluta” que es omnicomprensiva de todas las opciones justas, y la “potencia jurídica relativa” que está más relacionada con el ser actual del hoy y ahora. Las restricciones de la potencia jurídica relativa se plasmarán en el espacio jurídico relativo, que será siempre más reducido que el espacio jurídico absoluto. El espacio jurídico absoluto engloba todo género de posibilidades (las posibilidades actuales que se están dando, las próximas y las lejanas), mientras el espacio jurídico relativo comprende sólo las posibilidades actuales e inmediatas, aquellas que están pegadas a la línea de frontera del ser jurídico. Un adolescente puede plantearse ser presidente de la clase o presidente de la República: ser presidente de la clase está dentro de sus posibilidades inmediatas (por esto forma parte del espacio jurídico relativo a su edad), no así serlo de la República (que, como posibilidad lejana, solo forma parte del espacio jurídico absoluto).
No aparece en el gráfico el espacio a-jurídico, por su escasa significación para el derecho. El espacio jurídico puede predicarse de todo lo que tiene ser y potencia jurídica. Por eso el concepto puede aplicarse a un extremo de la relación jurídica, a varios extremos relacionados o a toda la relación jurídica. Además es posible aplicarlo a las fuentes o causas del derecho como la ley, e incluso al mismo texto legal y a los conceptos que presupone. Aquí está lo más interesante del concepto, en su gran versatilidad. Pongamos algunos ejemplos adicionales para aclarar lo explicado. Ya hemos hablado del espacio jurídico del adolescente, que es el sujeto de la relación jurídica. Otro ejemplo es el
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Todo esto podría graficarse del siguiente modo:
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FIDΣS del espacio jurídico de las cosas de la relación jurídica: un secreto puede ser cuatro cosas: algo protegido por la ley, un derecho de una persona, una obligación de guardarlo o algo prohibido por la autoridad. Otro objeto del derecho son los lugares. Su espacio jurídico dependerá de muchos factores: en las oficinas públicas regirá un régimen jurídico distinto que en los hogares o en la vía pública. También las fuentes del derecho tienen su espacio jurídico: el poder constituyente originario tendrá un espacio jurídico más amplio que el del poder legislativo, y este seguramente lo tendrá mayor que el de la administración pública. Varios de los conceptos jurídicos indeterminados que aparecen en las leyes, junto a muchas normas abiertas o permisivas, lo que en el fondo hacen es abrir un espacio jurídico de libertad, más o menos amplio, a sus destinatarios. El concepto aquí delineado puede ayudar a definir de mejor forma algunas figuras jurídicas como la potestad constitucional, la jurisdicción o la competencia procesal. Los tres conceptos comportan un espacio jurídico distinto. El más amplio es el de la potestad, que se reduce cuando se habla de potestad de jurisdicción (o judicial). La competencia procesal es el espacio jurídico concreto que tiene un sujeto del ordenamiento jurídico para ejercer la potestad judicial.
5 EL CAMBIO JURÍDICO La palabra movimiento viene de motus en latín, y equivale al κίνησις griego. (principio pasivo del cambio) y en virtud de algo (principio activo del cambio)” 13. Así, tomando en cuenta que el mismo cambio implica un tiempo, tenemos que para que un cambio pueda darse en la realidad se requiere: (i) un sujeto14 del cambio, que inicialmente debe tener una actualidad de algún modo deficiente y estar en potencia pasiva de recibir el cambio; (ii) un “acto futuro” al que mira el cambio y que colma esa deficiencia; (iii) una causa suficiente que actualice la potencialidad pasiva; y, (iv) un tiempo sucesivo o instantáneo para que se dé el cambio. El movimiento o cambio de las cosas, puede ser sucesivo o instantáneo. El movimiento sucesivo puede ser percibido sensiblemente porque afecta a la forma accidental del ser. Por eso se subdivide según los accidentes a los que afecte: (i) si afecta al ubi, al lugar 13 14
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. de V. García Yebra. Madrid: Gredos, 2012, VII, 7 1032a14-15. Sujeto en sentido filosófico, no jurídico.
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Aristóteles explica que “todo lo que se hace, se hace algo (término del cambio), de algo
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FIDΣS donde se encuentra el ente, se llamará “traslación”; (ii) se denomina “alteración” si afecta a la cualidad del ente; (iii) “aumento” o “disminución” si toca la cantidad. En cambio, el movimiento instantáneo afecta a la forma sustancial que nuestros ojos no pueden ver. Cuando una sustancia muta en otra, manteniéndose la materia prima, se produce una “generación” y una “corrupción” inmediata, una cosa “se hace” y otra se “deshace”, algo “queda hecho” y algo “queda deshecho”. Hemos visto que sólo puede cambiar lo que está en potencia y que sólo está en potencia lo que tiene ser. ¿Qué, entonces, puede cambiar en el mundo jurídico? Simple: todo aquello que tenga o pueda tener ser jurídico. Básicamente existen y están en potencia de ser jurídicas las personas y sus acciones, las cosas y el entorno, en cuanto pueden formar parte de una relación jurídica. Dicho en términos filosóficos, los elementos materiales de la relación jurídica son los sujetos del cambio. El derecho cambia cuando uno de los extremos de la relación jurídica cambia. Tal cambio opera cuando existe una causa eficiente que creen, trastoquen o destruyan la relación jurídica. Por tanto, el cambio jurídico puede ser de tres clases: formación, alteración o extinción. Explicaremos cada uno con algún grado de detalle. (i) Hemos dicho que el derecho nace cuando cuaja la relación jurídica. Como acabamos de ver, todo cambio supone la existencia de un “sujeto del cambio”, aquel que de algún modo es deficiente y puede recibir la acción u operación que colma la deficiencia. Antes de que nazca el derecho sus extremos no son jurídicos. Las cosas no son derecho, ni son jurídicas, sino hasta que entran a formar parte de una relación jurídica; lo mismo sucede con perfección que recibirán cuando sean “ajustadas” por la mente humana es la de la medida justa; cada extremo recibirá esta medida según su forma de ser: las cosas miden al intelecto y son relacionadas por él, mientras el intelecto valora las cosas, extrae su medida y la relaciona. Una vez valoradas y relacionadas las cosas, entonces ha nacido el derecho: las cosas se convierten en objetos del derecho y las personas en sujetos del derecho. (ii) Una vez trabada la relación jurídica, sus fundamentos ―cualquiera que fuera― pueden cambiar y trastocar lo que antes se consideraba fijo. Las cosas se pueden corromper, dañar, trasladarse, alterarse, disminuirse, o por el contrario, acrecentarse, dar frutos, madurar, mejorarse. Las personas pueden actuar de diversas maneras: valorando mejor las cosas que antes habían valorado mal, o decidiendo dar un destino diferente a las cosas, como cuando se intentar cumplir la obligación pactada de un modo menos oneroso con la anuencia del
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las personas. En ambos casos, las cosas y las personas son los “sujetos del cambio”, y la
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FIDΣS acreedor… Si los elementos de la relación jurídica cambian, la misma relación jurídica y sus relaciones internas se alterarán. (iii) Finalmente, la relación jurídica puede extinguirse por una corrupción total de cualquiera de sus elementos, como la muerte de la persona o la desaparición de la cosa. Un efecto similar lo tiene el pago que salda las obligaciones adeudadas, dejando insubsistente la relación de débito y la inicial relación jurídica. El pago no es sino el ajustamiento producido en la realidad, que reproduce el ajustamiento que antes se ha producido en el intelecto. En cualquier caso, las cosas y sujetos restantes probablemente pasarán a formar parte de una nueva relación jurídica. De lo anterior deducimos que cuando el derecho aún no se ha formado, los “sujetos del cambio jurídico” son pre-jurídicos o jurídico-potenciales. Por el contrario, cuando el derecho ya existe, los “sujetos del cambio” (cambio de alteración o de extinción) serán jurídicos.
6 EL TIEMPO JURÍDICO 6.1. NOCIÓN DE TIEMPO
El tiempo ha sido definido de diversas maneras. Muchos filósofos hablan del tiempo considerándolo principalmente en su medida física, que sólo aplica al universo material. Otros adoptan una noción más amplia. Bergson, por ejemplo, distingue dos modos diferentes de
espacio, y el tiempo puro, que es mera duración interna. Nosotros lo tomaremos en su sentido lato, que comprende tanto el tiempo del universo corpóreo que puede ser “cronometrado” (medido con unidades), como el tiempo absoluto de todo el universo material e inmaterial, en donde operan diversos cambios hasta el fin de los siglos. Todo cambio tiene su tiempo y todo tiempo tiene su cambio. El tiempo se da donde se produce el cambio, no en las cosas inmutables. De hecho, el tiempo ha sido definido como la medida del cambio o, como dice Aristóteles “el tiempo es el número [la medida] del movimiento según el antes y el después”15.
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ARISTÓTELES. Física. Trad. de G. Rodríguez de Echandía. Madrid: Gredos, 1995, IV, II 220a. El Aquinate repetirá que “el tiempo no es otra cosa que el número de lo anterior y de lo posterior en el movimiento” (Suma Teológica, I, q. 66, a. 4, ad 3).
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durar los seres, dos distintas temporalidades: el tiempo numerado, que está mezclado con el
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FIDΣS Con esta definición el Estagirita ha puesto la cuestión en sus justos términos realistas, y evita caer en ciertos relativismos que consideran al tiempo como algo meramente convencional, fruto de la psiquis humana. En realidad la tarde cae, el Sol sale y se esconde, la vida pasa, nos sintamos bien o mal. En buena medida lo subjetivo no es el tiempo, sino la percepción de su velocidad: para los enamorados el tiempo “pasa volando”, para quienes padecen un dolor una tarde es una eternidad. De todas maneras, también es cierto que para ellos el tiempo “no pasa” o “pasa volando”, porque amando el ser humano cumple su fin, alcanza lo que necesita: por eso, no hay cambio ni medida del cambio, no hay paso del no-ser al ser, de una necesidad al fin, sino que siempre se está en acto de amar y contemplar, aunque se caiga el mundo. En este sentido el amor exige la eternidad. No hay prisas para quienes se aman.
6.2 EL TIEMPO JURÍDICO Según D’Agostino, “que entre el tiempo y el derecho existe un nexo constitutivo es una intuición casi inmediata. Mucho menos inmediata, sin embargo, más aun particularmente compleja es la determinación de tal nexo. Por una parte, es noción común que el derecho vive, nace y muere en el tiempo; por otra, que el tiempo encuentra en el derecho su estante y su medida. Pero por qué esto acontece y cuál es el sentido de este recíproco entrelazamiento no es algo fácil de decir”16. D’Agostino intentó resolver este problema usando el método fenomenológico y partiendo de la concepción heideggeriana del tiempo. Nosotros preferimos
En primer lugar observamos que para que haya derecho es necesario que haya tiempo: tiempo para adquirir lo suyo, tiempo para poder dar lo suyo, tiempo para recibirlo (tiempo para que se trabe la relación de titularidad, tiempo para que se trabe la relación de debido, tiempo para que se pueda pagar). Además, el tiempo es necesario para que se constituya la relación jurídica, para que subsista y para que termine. Las cosas se deben dar en el tiempo apropiado. Los retrasos y los adelantos pueden generar daños o beneficios, que transmutan la relación jurídica. Surgiría ahí una nueva relación de justicia, en parte fundamentada por la anterior relación, en parte fundamentada por una causa eficiente externa.
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D’AGOSTINO, Francesco. Filosofía del derecho. Trad. de José Rodríguez Iturbe. Bogotá: Temis, 2007, pág. 85
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hacerlo recurriendo a los conceptos propios de la tradicional metafísica del ser.
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FIDΣS El concepto de tiempo está estrechamente ligado al concepto de cambio, que es el paso del no-ser al ser. Para ello es necesario que inicialmente exista un ser que esté en potencia de ser lo que hoy no es.
6.3 EL DINAMISMO JURÍDICO DESDE LA PERSPECTIVA METAFÍSICA
La noción de dinámica jurídica es casi evidente. Comprende: el cambio de leyes sobre el que Kelsen habló mucho en su segunda etapa doctrinal, así como el surgimiento y la desaparición de los derechos subjetivos y de las relaciones jurídicas, que son cosas que se dan en el tráfico cotidiano. La dinámica jurídica presupone que lo que era deje de existir (v. gr. las leyes derogadas) y lo que no era comience a existir (v. gr. las nuevas leyes). Es decir, resulta necesario que algunas cosas tengan ser jurídico y otras estén en potencia de serlo. Sin ser y potencia no hay cambio. El ser sólo puede llegar a ser “otra cosa”, si está en potencia de ser esa “otra cosa”. Cuando llegue a ser esa “otra cosa”, tendrá una potencialidad distinta a la que inicialmente tenía. Para explicar cómo sucede esto en el mundo jurídico nos servirán las nociones que antes hemos perfilado de espacio jurídico relativo y absoluto. Cuando alguien proyecta un negocio, lo primero que hace es analizar el espacio jurídico absoluto de ese negocio, aquel que aún no tiene, pero que sopesa para ver si en el futuro le interesará tenerlo. Analiza los pros y contras de cada opción: ve si le conviene comprar una fábrica o alquilarla, constituir una compañía de capitales o de personas,
opción, únicamente entonces adquiere un conjunto nuevo de relaciones jurídicas que antes no tenía sino en potencia, como una posibilidad remota. Si compró la fábrica, ahora puede usarla sin los límites del alquiler; si optó por una sociedad de personas, se obligará a través de ella de forma personal; si se endeudó ahora debe pagar… Su situación y su espacio jurídico relativo han cambiado. Lo expresado podría graficarse de la siguiente manera:
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endeudarse en la banca o vender acciones… Solo al final, cuando la persona se decide por una
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FIDΣS
El gráfico muestra que en todo cambio jurídico hay tres elementos: un ser con una potencia jurídica, una causa eficiente y un efecto jurídico. Analicémoslos brevemente. (i) El ser es el que recibe la causa. El “ser” debe ser jurídico actual o potencialmente (en el gráfico ponemos “ser jurídico” porque presuponemos un cambio jurídico de alteración, que parte de un ser jurídico y termina en un ser jurídico distinto). El cambio sólo puede darse en lo que hoy es. Si algo no tiene ser, no puede cambiar. Por eso, para que la relación jurídica cambie es necesario que cambie lo que en ella tiene ser, es decir, sus elementos materiales o formales. Cambiará, por ejemplo, si el deudor paga o muere, si el acreedor condona, si la cosa produce frutos o se extingue, si la causa del derecho se desvirtúa, etc. Si el dueño de una casa optara por venderla, ya no podrá usarla: la relación jurídica se trastocará en una nueva relación, que en un principio era solo potencial. Como se ve, el cambio se da siempre a nivel del ser: lo que era dejó de ser, para ser algo que estaba solo en potencia. La transmutación del ser jurídico a su vez cambiará la potencia jurídica relativa.
actualizar la potencia jurídica del ente. Toda causa eficiente tiene su fin. Al análisis de estas causas (eficiente y final) nos hemos dedicado con minucia en otro lugar17, donde concluimos que podían causar el derecho tres cosas: a) las concepciones jurídicas de la inteligencia como la cultura jurídica, doctrina, derecho evidente, etc.; b) los actos de la voluntad que creaban leyes, acuerdos, decisiones personales, jurisprudencia, etc.; y, c) los hechos jurídicos que modificaban los elementos materiales de la relación jurídica. (iii) El efecto jurídico puede definirse como la dimensión jurídica causada. En el fondo es un nuevo ser jurídico (con su potencialidad relativa) el que ha recibido la actualización jurídica de la causa eficiente.
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(ii) La causa eficiente es la que causa el cambio. Para ello debe ser capaz de
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FIDΣS Metafísicamente el efecto podrá ser tan grande como el ser jurídico anterior y su causa, pero nunca superior a su sumatoria. Por eso, el legislador no podrá obligar por sobre su espacio jurídico: tiene los límites que la constitución y la naturaleza de las cosas le fijan. Si se miran las cosas desde el punto de vista del espacio jurídico absoluto se verá que lo propio del efecto jurídico es determinar la dimensión jurídica del ser (no crearla de la nada). Es decir, el cambio jurídico opera por la vía de la determinación del espacio jurídico natural, conforme a una línea de pensamiento abierta por Tomás de Aquino18. Cada ente tiene su propio espacio jurídico, su propia forma de cambiar y sus propias causas del cambio. Algunos ejemplos evidencian esta verdad. Ya hemos hablado de la persona que proyecta un negocio comercial. Ahí la persona es lo permanente y sus relaciones jurídicas son lo que varían, por efecto inicial de la voluntad. También puede constarse el cambio jurídico desde el punto de vista de la cosa repartible: hoy pertenece a fulano, mañana a mengano; ayer estuvo arrendada, en el presente está prestada; cuando se compró era nueva, ahora se destrozó. Y el espacio externo o entorno también puede variar: sobre un lugar (v. gr. tierra firme, fluvial o alta mar) puede haberse asentado en el pasado una monarquía y en nuestros días una democracia; cabe que sobre ese espacio haya una zona franca o un régimen de frontera; puede sufrir una inundación o un terremoto, trastocando todas las relaciones jurídicas que se encuentran dentro de sus límites, etc. En conclusión, la esfera jurídica de las personas no es igual a la esfera jurídica de las cosas, ni a la esfera jurídica del entorno: cada elemento jurídico tiene su propio espacio jurídico, su propia manera de cambiar y sus propias
7 CONCLUSIONES Los esfuerzos puestos en comprender el ser y el tiempo jurídico en términos aristotélicos han dejado sus frutos. Entre ellos tenemos: (i) la deducción de nuevos conceptos para la ciencia jurídica, como el de “ser jurídico”, “potencia jurídica”, “espacio jurídico” y “cambio jurídico”; (ii) también nos ha permitido comprender cómo el ser y potencia jurídicos dependen necesariamente de la ontología de los sujetos, de los objetos y del entorno de la relación jurídica; (iii) por último, el concepto de potencia nos ha permitido entender cómo
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Cfr. Suma Teológica, I-II, q. 95, a. 2, c. En el artículo señala que “una norma puede derivarse de la ley natural de dos maneras: bien como una conclusión de sus principios, bien como una determinación de algo indeterminado o común”. La vía de la conclusión no produce el cambio; la de la determinación sí.
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causas del cambio.
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FIDΣS opera la dinámica jurídica, evidenciándonos que ella sólo puede operar dentro de los límites ontológicos mencionados.
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JURIDICAL BEING AND TIME
ABSTRACT This article contains a metaphysical depth analysis of the legal dynamics. To explain these dynamics we apply the powerful Greek concepts of being and potency, with which the ancients were able to solve the problem of time and cosmic changes. So the article starts modulating legally these notions Greek, from which we obtain the metaphysical concepts of “juridical being” and “juridical potency”, to finally arrive at the concept of “juridical space”. This triad of concepts
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de Filosofía del Derecho, n. 26, 2012, págs. 373-407.
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FIDÎŁS is possible, then, to solve the issue of legal change and juridical time, as is done at the end of work. Keywords: Metaphysic law. Legal dynamics. Law potency. Juridical
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space. Juridical change.
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 29 out. 2014
A EVASÃO FISCAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SEUS REFLEXOS NA LIVRE CONCORRÊNCIA DO MERCADO INTERNO Izadora Mayara Silva da Silveira Rocha* RESUMO O presente artigo analisa a influência que a tributação internacional pode ter na livre concorrência do mercado interno, considerando a importância do Estado, este que deve zelar pelo fiel cumprimento das normas tributárias internacionais. Tal zelo deve ter o fito de impedir eventuais manobras por parte das empresas, que resultem na evasão fiscal, a qual possibilita distorções no mercado, em razão de vantagem indevida decorrente do não pagamento de impostos. Palavras-chave: Tributação internacional. Evasão fiscal. Livre
1 INTRODUÇÃO No cenário econômico atual, extremamente integrado e globalizado, tem-se um campo fértil para o crescimento do comércio e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico, de modo que as relações internacionais comerciais multiplicam-se rapidamente, aumentando gradativamente a atuação de empresas multinacionais em países cada vez mais distantes. A internacionalização das relações econômicas não é uma novidade dos tempos hodiernos, mas algo que remonta o início do comércio, desde os tempos Medievais, com o *
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concorrência. Mercado interno.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 10º período.
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FIDΣS surgimento da burguesia e o renascimento daquele. Com o avanço tecnológico das últimas décadas, a distância (um dos principais empecilhos para atingir novos mercados) entre os mais longínquos cantos do mundo, tornouse praticamente inexistente, permitindo que os agentes econômicos alcancem lugares antes inexplorados em razão da dificuldade de acesso. Assim, ao desenvolver-se em busca de lucros e novos mercados, o comércio possibilitou um natural aumento da concorrência entre os respectivos atores ao permitir que um número cada vez maior de empresas atuassem em um determinado mercado, fato esse que “obrigou” as empresas a serem mais eficientes, sob pena de não conseguirem manter-se ativas. Ocorre que, na intenção de manterem-se cada vez mais competitivos, muitos dos agentes econômicos acabam seduzidos pela ideia de maximização de seus lucros e minimização de suas despesas de formas ilícitas, utilizando-se de práticas como a transferência de preços e as operações triangulares, acarretando em distorções nos mercados internos das nações. Nessa perspectiva, este artigo pretende, após delimitar o conceito e a importância da livre concorrência e da tributação internacional nessas relações econômicas, explicitar as principais formas utilizadas pelos agentes econômicos que, violando a legislação tributária, visam a furtar-se do pagamento de tributos. Por fim, o presente trabalho busca refletir sobre a capacidade da política e da legislação tributária internacional atuais de efetivar os seus objetivos, a fim de identificar as livre concorrência no mercado interno, regulando as transferências de serviços e bens entre as empresas e suas filiais situadas em países distintos, sempre visando impedir a evasão fiscal e assegurar o desenvolvimento das nações.
2 LIVRE CONCORRÊNCIA: DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA Como é cediço, o sistema econômico que prevalece mundialmente é o capitalismo, o qual tem como um de seus alicerces, conforme ensina Celso Ribeiro Bastos (1998, p. 455), a livre concorrência. Assim, em face da evidente importância desse ditame, a Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV, consagrou a livre concorrência como princípio da ordem econômica
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atitudes que o Estado poderia adotar para combater eventuais condutas ilícitas, preservando a
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FIDΣS brasileira, sendo incontestável sua importância para o desenvolvimento nacional em todos os aspectos, e não apenas no seu viés econômico. Nesse sentido, André Ramos Tavares (2012, p. 256) define livre concorrência como a possibilidade de os particulares, a partir de uma abertura jurídica, concorrerem, em um determinado seguimento de mercado lícito, a fim de obter sucesso econômico e contribuir para o desenvolvimento nacional e justiça social. Aliado a esse conceito, Carlo Barbieri Filho (1984, p. 119) adiciona um ponto crucial, a igualdade de condições, conceituando a livre concorrência como a disputa entre as empresas de uma fatia cada vez maior do mercado, tendo elas igualdade de condições e objetivos lícitos e de acordo com o que busca o País. Sendo assim, a tutela da livre concorrência está intimamente ligada a dois pontos, a livre iniciativa e a igualdade de condições. A livre iniciativa refere-se, em síntese, à ampla possibilidade de atuar no mercado, sem que existam óbices indevidos. Por outro lado, a igualdade de condições reporta-se à "paridade de armas", ou seja, todas as empresas de determinada área do mercado devem possuir as mesmas oportunidades, sem que haja qualquer distinção ou vantagem destinada a um particular específico. Dessa forma, a correta tutela da livre concorrência, na doutrina de Celso Ribeiro Bastos (1998, 455), tende a otimizar os recursos econômicos, gerando preços justos e evitando abusos do poder econômico, que podem se materializar na imposição de preços e produtos, bem como na falta de investimentos e melhora dos referidos. No âmbito das relações internacionais, decorrentes do cenário econômico atual que, permitir a atuação de empresas estrangeiras no mercado brasileiro, privilegiando, inclusive o princípio da livre concorrência, o qual prescreve que “o mercado deve ser explorado pela maior quantidade de agentes possíveis” (MASSO, 2012, p. 67). Sobre o capital estrangeiro, cumpre destacar que a Constituição da República de 1988, em seu artigo 172, evidencia a importância que os investimentos internacionais têm na economia do País, especialmente diante da dependência econômica brasileira que, na condição de país em desenvolvimento, tem uma necessidade ainda maior de receber investimentos e capital de outros países (MASSO, 2012, p. 74). Verifica-se, portanto, que para que a livre concorrência seja efetivamente assegurada e alcance seus objetivos e benefícios, é imprescindível, dentre outras condições, que a tributação seja adequada e eficiente, especialmente no âmbito internacional, não permitindo
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conforme dito alhures, baseia-se na interação cada vez maior entre os países, é imprescindível
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FIDΣS que as transações entre as empresas situadas em países distintos causem distorções no mercado. Percebe-se, assim, que a tutela da livre concorrência tem papel determinante para que haja eficiência econômica, estimulando o desenvolvimento tecnológico e a geração de riquezas, melhorando a qualidade dos serviços prestados e dos bens desenvolvidos, resultando, consequentemente, no repasse dos respectivos proveitos para os consumidores, bem como para toda a sociedade, através da geração de empregos e arrecadação fiscal (COELHO, 1995, p. 5).
3 A TRIBUTAÇÃO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Tendo em vista o teor da questão a que se propõe tratar este artigo, evidencia-se a necessidade de algumas explicações conceituais sobre os tributos, a fim de alcançar um melhor entendimento da atuação da tributação internacional nas relações internacionais e das repercussões que pode causar no mercado interno. É de notório conhecimento o fato de que o Estado, para alcançar os seus objetivos, necessita de recursos. Em razão disso, deverá o ordenamento prever os meios para que o Estado financie seus gastos, sendo a receita pública o modo pelo qual esse valor será obtido. A receita pública constitui um acréscimo de riquezas no patrimônio público, cujo fim é atender as despesas públicas e, conforme os ensinamentos de Schoueri (2012, p. 154-155), como agente econômico, ou derivada, que ocorre quando há transferência de riqueza gerada pelo particular ao Estado. É o caso do tributo. Diante da necessidade de recursos para financiar seus gastos e da soberania que possui, o Estado representa a Nação no plano internacional em relações com outras Nações e impõe o interesse público às vontades individuais, instituindo o tributo e exigindo que os indivíduos o paguem (MACHADO, 2013, p. 25). No âmbito nacional, os tributos são regidos pelo Código Tributário Nacional, bem como pela Constituição Federal de 1988, sendo definidos pelo artigo 3º da legislação codificada como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Apesar de poder atuar como agente econômico, grande parte dos recursos do Estado
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poderá ser originária quando decorrente de riquezas produzidas pelo próprio Estado, atuando
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FIDΣS é arrecadada através da tributação, que, segundo Hugo de Brito Machado (2013, p. 24), é “o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver”. Isso porque sem ela o Estado não teria como obter os recursos necessários à realização de seus fins, a não ser que monopolizasse a atividade econômica. Embora se destaque a função arrecadatória dos tributos, também chamada fiscal, assume grande relevância a sua finalidade regulatória ou extrafiscal, que pode ser incluída em todos os tributos, em maior ou menor grau (SCHOUERI, 2012, p. 188). Esta função pode e deve ser utilizada pela Comunidade Internacional de forma estratégica, com o intuito de coibir o emprego, por parte das empresas, de práticas lesivas aos mercados internos das Nações, quando se relacionam comercialmente. Como é cediço, os Estados possuem legislações internas que determinam de que forma os tributos serão instituídos e cobrados. A Comunidade Internacional, por sua vez, regulamenta a tributação de relações internacionais através da assinatura de acordos e tratados entre as Nações, que deverão sempre observar as normas neles contidas, inclusive, adequando à legislação interna ao que prevê os documentos a que se obrigaram (GODOY, 2013). Cumpre destacar, ainda, que a Comunidade Internacional, por ser composta pelos Estados, que já possuem ordenamentos prevendo a instituição de tributos suficientes para o financiamento de suas despesas, deve zelar para que os acordos e tratados internacionais que versarão sobre a tributação internacional tenham como preocupação fundamental a regulamentação das relações comerciais internacionais, de modo a não prejudicar o mercado interno de nenhum País, bem como assegurar a livre concorrência e o desenvolvimento Dessa forma, ao deliberarem sobre a elaboração de tais documentos, os Estados deverão pensar no bem comum, e não na arrecadação que terá o seu País com o lucro das empresas que, ao utilizarem-se de práticas indevidas, se esquivam do pagamento dos impostos diminuindo custos e aumentando os lucros. Nesse sentido, vale salientar que a celebração de tratados pelas Nações é uma manifestação de sua soberania, uma vez que, ao obrigarem-se, renunciam de forma parcial ou total determinado rendimento, principalmente quando se fala em situações de bitributação (ÁVILA, 2012, p. 2). Em razão da existência dessa soberania tributária, vigem os princípios da territorialidade e da universalidade, essenciais para o entendimento das estratégias utilizadas pelas empresas para burlar a soberania nacional e evadirem-se de pagar os tributos, causando prejuízos àquelas que não se utilizam de tal prática, tendo em vista que geram uma
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econômico das empresas dessas Nações.
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FIDΣS concorrência desleal, ferindo o princípio da livre concorrência. De acordo com Márcio Ávila (2012), o princípio da territorialidade tem como base a soberania territorial e gera tributação apenas sobre os fatos ocorridos no território nacional, mesmo que o favorecido dos rendimentos seja não-residente, enquanto que o princípio da universalidade também leva em consideração fatos ocorridos fora do território nacional, cujo beneficiário dos rendimentos seja brasileiro residente no exterior. Muitos Estados adotam este último princípio, a exemplo do Brasil, gerando a possibilidade de dupla tributação, que leva a necessidade de uma regulamentação dessas relações, a fim de que um dos Estados renuncie o seu poder de tributar em prol do outro (ÁVILA, 2012, p. 4). É a existência de tais situações que abre caminho para a utilização, por parte das empresas, de práticas ilícitas, pois, apesar da existência de normas regulamentadoras, a complexidade das relações dificulta que as Nações identifiquem tais práticas.
4 ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELAS EMPRESAS PARA BURLAR AS NORMAS DE TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL Conforme já exposto a tributação é utilizada pelos Estados não só para arrecadar recursos para o seu funcionamento, mas também tendo em vista a indução de determinados comportamentos, não apenas de seus agentes individualmente, mas também da comunidade, Dessa forma, a tributação internacional terá essa finalidade extrafiscal, buscando evitar que as empresas se utilizem de práticas que violem a soberania nacional dos países com que se relacionam e, consequentemente, provoquem desequilíbrios no mercado interno. Esses artifícios visam à evasão fiscal, que, segundo Ricardo Mariz de Oliveira (2013, p. 472), é uma prática ilegítima e consiste na “fuga da obrigação tributária já existente pela anterior ocorrência do fato gerador previsto em lei”. Dentre as estratégias utilizadas pelas empresas, no cenário internacional, para alcançar à evasão fiscal, destacam-se a transferência de preços e as operações triangulares. Tais artifícios, utilizados por algumas empresas, constituem práticas ilegítimas e ilegais, cujo fim é burlar o devido pagamento de impostos e, assim, conseguir vantagens indevidas, que possibilitarão maior lucro, bem como maior competitividade. Além disso, os próprios Estados podem acabar contribuindo para a realização de tais
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bem como do mercado internacional.
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FIDΣS subterfúgios ao adotar regimes fiscais desleais, que podem violar a soberania tributária de outras Nações. Segundo Mário Ávila (2012, p. 5), a transferência de preços é observada quando o sujeito tributário passivo transfere seus rendimentos ou seus gastos entre países submetidos a diferentes legislações tributárias. Nessa prática, a empresa procura deslocar a maior quantidade de lucros para países com baixa carga tributária, enquanto os gastos são remetidos para países com tributos mais pesados. Para efetivar esta prática, o contribuinte pode superfaturar importações ou subfaturar exportações, transferindo, portanto a base de cálculo para o país que lhe for mais favorável. Desta forma, os lucros são menos afetados pela tributação, ao mesmo tempo em que, nos países com maior carga tributária, a arrecadação fica comprometida, pois há uma maior compensação de gastos (ÁVILA, 2012). Visando coibir essas práticas e evitar a subtração das riquezas tributáveis do país onde foi produzida, são editadas normas que determinam que as empresas deverão praticar os preços de mercado, não podendo haver distorções (ÁVILA, 2012, p. 6). Entretanto, há uma dificuldade em fiscalizar as empresas, visto que mesmo alguns países já se utilizam de regimes fiscais desleais, buscando atrair essas empresas, de forma a arrecadar mais recursos, o que acaba sendo também prejudicial a estas nações, que acabam perdendo, ao menos parcialmente, a sua capacidade contributiva. As operações triangulares, por sua vez, ocorrem quando os sujeitos da relação econômica percebem a inexistência de Convenção Contra a Dupla Tributação – CCDT entre desses sujeitos. Nessa hipótese, há uma procura, por parte do sujeito que se sentir desprestigiado, por países que possuam com aquele que originalmente pretende manter relações uma CCDT mais favorável, cuja tributação em operações internacionais seja a menor possível (ÁVILA, 2012). Assim, o sujeito que reside no Estado que possuir essa convenção mais favorável e realizar tais operações atuará como interposta pessoa, contribuindo para que a empresa que prática tal mecanismo adquira vantagens ilícitas, ao deixar de pagar impostos. As normas que buscam combater os efeitos nocivos dessa prática pretendem a desconsideração da pessoa interposta, porém, mais uma vez, há dificuldades na sua identificação, pois a maioria dos países não possui um controle integrado de suas operações, além do que os órgãos de fiscalização interna não são o suficiente para cuidar de todas as operações, principalmente em países de grandes proporções como o Brasil, bem como os que
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os países envolvidos, ou mesmo a existência de uma CCDT pouco favorável a pelo menos um
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FIDΣS possuem sérias dificuldades financeiras, dificultando a manutenção de pessoal qualificado e aparato tecnológico para que seja realizada a fiscalização de forma devida. Ora, as operações tributárias devem ser documentadas e verificadas, pois os atos praticados devem ser efetivos e não meramente simulados para que possam gerar tributação (OLIVEIRA, 2013, p. 568/569).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Da análise da tributação internacional, verifica-se que a atual legislação possui pontos falhos e lacunas, possibilitando, e até facilitando, a ocorrência de evasão fiscal. Desta maneira, é imprescindível que os Estados se empenhem no combate a esse ilícito, de modo a evitar que o não pagamento de tributos e a consequente redução indevida de custos afete a livre concorrência, prejudicando aquelas empresas que atuam dentro da legalidade. Ressalte-se que, apesar de haver certa ineficiência das normas tributárias que regem as relações internacionais, um ponto determinante para a falha dessa regulamentação é a falta de uma fiscalização mais efetiva das relações internacionais, especialmente as comerciais. Certamente, para reverter o problema, faz-se necessário maior esforço, integração e cooperação da Comunidade Internacional para melhor fiscalizar tais relações, inibindo, portanto, as práticas ilícitas supramencionadas, evitando que a economia interna de cada país Outra alternativa, que, entretanto, encontra maiores obstáculos para ser concretizada, é a elaboração de uma legislação supranacional que regule de forma linear e igualitária a tributação entre as relações comerciais internacionais, de sorte que com a normatização uniforme para as relações internacionais entre os mais diversos países, não haveria margem para práticas antijurídicas de evasão fiscal. Essa solução, porém, apresenta nítida dificuldade de aplicação, isso porque é bastante improvável que, diante das diversidades econômicas existentes, seja possível chegar a um consenso para determinar-se a regulamentação tributária uniforme que seja ratificada por quantidade suficiente de países, não podendo existir qualquer tipo de coação, tendo em vista a prevalência da soberania estatal na ordem internacional. Sendo assim, conclui-se que a tributação, especialmente a internacional, constitui fator de grande influência na economia, podendo, inclusive, ter reflexos na livre concorrência.
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seja prejudicada devido ao abalo da livre concorrência.
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FIDΣS Portanto, deve o Estado dedicar-se a fiscalização e aplicação efetiva de suas normas tributárias, evitando a evasão fiscal e, consequentemente, tutelando também a livre concorrência.
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THE
FISCAL
EVASION
IN
INTERNATIONAL
RELATIONS
AND
ITS
CONSEQUENCES IN FREE COMPETION OF THE INTERNAL MARKET ABSTRACT This article analyzes the influence that international taxation can have on free competition in the internal market, considering the importance of the State, which should ensure the respect of the international tax rules, in order to prevent any maneuvers, by the companies, resulting in tax evasion, which enables market distortions due to improper advantage through non-payment of taxes. Keywords: International taxation. Tax evasion. Free competition.
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Internal market.
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FIDΣS Recebido 02 jul. 2014 Aceito 18 ago. 2014
A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA NO ÂMBITO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Elaine Cristina Gabriel Ramos*
RESUMO O presente trabalho aborda o tema da evolução do conceito de família face ao ordenamento jurídico brasileiro no contexto da sociedade contemporânea. Traz a evolução da família nas Constituições pátrias e na Legislação Civilista e os fundamentos teóricos do compêndio normativo hodierno acerca da pluralidade das entidades familiares. Além disso, menciona as decisões dos tribunais e exemplifica os mais comuns núcleos de convivência. Utiliza pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial
e
método
de
abordagem
dedutivo.
Conclui
matrimônio e consolidado o direito ao pluralismo familiar. Palavras-chave: Pluralismo familiar. Princípio da afetividade. Garantias constitucionais. Evolução jurídica.
1 INTRODUÇÃO
Não obstante todas as revoluções que ao longo dos tempos vêm ocorrendo na sociedade, a família ainda se apresenta como célula mãe, uma das bases de formação patrimonial e de desenvolvimento primordial do indivíduo, sendo a grande responsável por influenciar, e até mesmo garantir, a salutar constituição da personalidade humana. *
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ultrapassado o padrão de família unicamente constituída através do
Advogada. Bacharel em Direito pela UFRN.
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FIDΣS Por outro lado, a liberdade tem no período da evolução histórica em que se vive a sua principal causa de variações, haja vista que, dependendo dos momentos em que se há maior ou menor autonomia, o homem pode ou não dispor do poder de gerir a si mesmo e de atuar na sociedade. Atualmente, o Direito Brasileiro, em razão da enorme gama de valores ofertados pela Constituição cidadã, entre os quais encontra-se a liberdade, exibe uma faceta voltada para a autonomia individual, na busca daquilo que venha a ser a felicidade ou a realização pessoal, ambas de caráter subjetivo e circunstancial. Assim, com essa liberdade conquistada pelo homem e o dinamismo com que a sociedade tem modificado seus valores, a família, ao longo dos tempos, passou a constituir-se em novas formas, o que tornou imprescindível a evolução dos preceitos jurídicos, de modo a garantir a inviolabilidade dos direitos que envolvem essa instituição. Dessa forma, permanece necessária a análise da evolução conceitual e jurídica da entidade familiar e a busca por novas reflexões acerca do tema.
2 A EVOLUÇÃO JURÍDICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA
A humanidade vem passando por um momento de completa revolução das relações sexuais, científicas e familiares, o que tem resultado nas mais diversas situações e maneiras de se relacionar, tais como sexo sem família, família sem reprodução e reprodução sem sexo
Em vista disso, o ordenamento jurídico e o Judiciário brasileiros também evoluíram ao longo dos anos, de forma a abraçar tais revoluções, ocorridas no âmbito privado da vida dos indivíduos e repercutidas por toda a sociedade. Ainda são necessárias diversas modificações na legislação, mas não se pode olvidar das evoluções constitucionais e cíveis que já subsistem hodiernamente. Além disso, em determinados casos, diante da ausência de norma clara, as variadas formas de se relacionar e a consolidação de novos vínculos familiares tem recebido na seara das decisões judiciais a tutela necessária.
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(FUGIE, 2002, p. 134).
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FIDΣS Em 2005, já decidia o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), na Apelação Cível Nº 2000.71.00.009347-0/RS1, demonstrando que a evolução social e jurídica da noção de casamento e constituição familiar já vem, há tempos, sendo reconhecida pelos tribunais:
[...] 6. A exclusão dos benefícios previdenciários, em razão da orientação sexual, além de discriminatória, retira da proteção estatal pessoas que, por imperativo constitucional, deveriam encontrar-se por ela abrangidas. [...] 8. As noções de casamento e amor vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. [...]
Assim, conforme se verifica na referida decisão e em várias outras proferidas pelas Cortes nacionais2, o Judiciário, haja vista possuir dentre suas atividades a defesa da democracia e ser desvinculado da aprovação pública e das influências religiosas, vem garantindo a eficácia dos direitos civis e constitucionais daqueles que não participam de núcleos familiares tradicionais e conservadores.
2.1 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A análise da evolução do conceito de família no Direito brasileiro deve ser iniciada com a visualização dos diferentes tratamentos recebidos por essa instituição nas Constituições brasileiras. Por conseguinte, a Constituição do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de progressista ao incluir em seu texto legal um rol de direitos e garantias individuais3, limitouse a falar da família imperial, nada disciplinando acerca da instituição familiar como núcleo da sociedade. O surgimento do casamento civil no Brasil data de 1891, com a primeira Constituição Republicana4, visto que, anteriormente à Proclamação da República, em 1889, apenas se casava por meio do casamento religioso, o qual tinha efeitos civis imediatos. 1
TRF4. AC 2000.71.00.009347-0/RS. 6ª T. Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira. j. 27.07.2005. DJ 10.08.2005. 2 TJRS. AC 70001388982. 7ª Câm. Cív. Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14.03.2001. DJ 02.05.2001. STJ. REsp 1096324 RS 2008/0218640-0. Rel. Honildo Amaral de Mello Castro (convocado). j. 02.03.2010. DJ 10.05.2010. STF. ADPF 132 RJ. Rel. Min. Ayres Britto. j. 05.05.2011. DJ 14.10.2011. 3 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, Art. 179, 1824. 4 BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 72, 1891.
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Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25 de março de 1824, não obstante ter sido
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FIDΣS Assim, a Constituição Republicana dispôs que, em virtude da separação havida entre o Estado e a Igreja, apenas o casamento civil passava a ser reconhecido pelo Estado, devendo ser garantida a sua gratuidade. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 5 e a Constituição de 19376 (Estado Novo) dispensaram maior tratamento à entidade familiar, atribuindo-lhe um capítulo exclusivo. No entanto, o casamento era considerado união indissolúvel e havia diferenciação entre filhos naturais e filhos legítimos. A seguir, a Constituição de 19467 também dedicou um capítulo à família, manteve a indissolubilidade do matrimônio e tornou obrigatória a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. Desta feita, a Constituição de 1967 (Regime Militar) tratou “Da família, da Educação e da Cultura” de forma conjunta em seu Título IV8, mantendo basicamente a mesma disciplina dispensada pela Constituição anterior, caracterizando o casamento como única forma de instituição familiar. A Constituição cidadã não só trouxe consigo uma verdadeira mudança de paradigma e ampliação no tratamento da família, como também, através da garantia do Estado Democrático de Direito, consagrou uma sociedade mais justa, igualitária, preocupada com a dignidade humana e com a pluralidade das suas relações. Destarte, a Constituição cidadã, já em seu preâmbulo, assegurou uma sociedade pluralista, em que se vislumbra o respeito à liberdade humana em detrimento de uma sociedade restritiva, ortodoxa e opressiva.
possui o escopo de assegurar e promover direitos, efetivando, destarte, o sentido pleno da cidadania” (CHAVES, 2012, p. 203). Dessa forma, a chegada da Constituição cidadã revolucionou o conceito daquilo que se entende por instituição familiar, a qual não mais tem se limitado ao casamento, como única forma de sua composição. O antigo padrão de família resta, portanto, ultrapassado, e novos vínculos, pautados no que se pode denominar de princípio da afetividade, são atualmente os responsáveis pela abertura conceitual do tema e pelo surgimento do “Direito das Famílias”. 5
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 144-147, 1934. 6 BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 124-127, 1937. 7 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 164, 1946. 8 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 167-172, 1967.
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Com isso, deu-se início a “um novo momento histórico em que a ciência jurídica
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FIDΣS Quanto a essa nova vertente, preceitua Marianna Chaves (2012, p.103-104):
O Direito das Famílias foi agasalhado pela Carta Magna brasileira de 1988, e é indubitável que a elevação dos seus principais institutos ao status constitucional simbolizou a abonação de que os princípios garantidores das relações familiares estão atendidos de melhor forma e, como consequência, mais sólidos para se tornarem mais eficientes.
No contexto da atual Constituição cidadã, homens e mulheres passaram a receber tratamento isonômico, não só na sociedade de forma geral, mas também como cônjuges. Além disso, o divórcio surgiu como forma de desconstituição do matrimônio, possibilitando novos recomeços como busca da felicidade individual. Houve uma inovação no tratamento dispensado aos filhos, sendo esses considerados iguais independentemente da relação jurídica de seus genitores. Nesse sentido, o art. 226 da Constituição cidadã9 caracteriza a família como base da sociedade e cita, em rol exemplificativo, as novas entidades familiares abraçadas pelo ordenamento jurídico, relegando como único o modelo clássico composto pelo casal heterossexual e sua prole, e abrindo espaço para outras formas de família, a qual deixa de ser uma sociedade hierarquizada e passa a ter uma dinâmica democrática, fundamentada na igualdade de direitos e deveres, na pluralidade e na afetividade. Acerca dessa reconstrução no conceito da instituição em comento, a doutrina de Maria Berenice Dias (2007, p. 41) dispõe que “o novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo
Dessa forma, a partir da Constituição cidadã, é a convivência familiar, guiada pela mútua assistência física, psicológica, emocional e patrimonial, e consolidada no respeito e na livre escolha de seus componentes, que deve definir, em cada caso, o que é família para o Estado e para a sociedade.
9
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [...] § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [...]
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nova roupagem axiológica ao direito de família”.
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FIDΣS 2.2 A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DA LEGISLAÇÃO CIVILISTA Elaborador do Código Civil de 191610, Clóvis Beviláqua (1976, p. 16) conceituou família “um conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as mais diversas legislações. Outras vezes se designa por família apenas os cônjuges e a respectiva progênie”. Tal conceito reflete não apenas a concepção do diploma cível revogado, como a própria definição de entidade familiar por quase toda a sociedade do século XX. Isso ocorria em razão da predominância social dos valores burgueses e conservadores, além da forte influência religiosa que subsistia naquela época. Assim, o Código Civil de 1916 reconhecia apenas a família patriarcal constituída através do casamento, o qual consistia numa unidade econômica, instituto indissolúvel e apenas rompido através do desquite, com impossibilidade de formação de novos vínculos matrimoniais. Dessa forma, percebe-se que, o referido instituto legal, detinha-se numa visão contratualista e patrimonialista dos relacionamentos, vislumbrado em definições do casamento guiadas por valores religiosos, conservadores, burgueses e agrários fortemente presentes naquela sociedade.
A hostilidade do legislador pré-constitucional às interferências exógenas na estrutura familiar e a escancarada proteção ao vínculo conjugal e da coesão da família, inda que em detrimento da realização pessoal de seus integrantes particularmente no que se refere à mulher e aos filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjuge-varão, justificava-se em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção dos filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo compreensível, em tal perspectiva, a aversão do Código Civil à concubina. O sacrifício, em todas as hipóteses, era largamente compensado na ótica do sistema, pela preservação da célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e modelada sob o paradigma patriarcal.
Nesse panorama, o sistema jurídico e o Estado visualizavam o casamento como uma sociedade conjugal heterossexual e hierarquizada, com finalidades de procriação e de defesa do patrimônio, dirigida por um chefe, detentor do pátrio poder, com o que se objetivava controlar a dinâmica social e garantir segurança jurídica, sem que se levasse em consideração o seu aspecto mais verdadeiro que é a busca da felicidade e realização pessoal dos envolvidos.
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Acerca do tema, cumpre trazer a lição de TEPEDINO (2001, p. 350):
BRASIL. Lei Nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916: Código Civil dos Estados Unidos do Brasil..
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FIDΣS Contudo, tais concepções acerca da família restam ultrapassadas frente às mudanças que se operam, não em virtude de novas normas ou decisões jurídicas, mas pela própria evolução da sociedade (RIOS, 2001, p. 103-105). A partir da chegada da Constituição cidadã, tem-se vivido o que se pode denominar de uma fase histórica de constitucionalização do Direito Civil, com uma verdadeira reviravolta nos seus institutos. Tem-se reconhecido a eficácia normativa e o impacto da Constituição sobre a regulação das relações privadas (MORAES, 2007). Com isso, o conceito de família foi democratizado, deixando de ser confundido com o de casamento e abrangendo relacionamentos como a união estável, além de vínculos monoparentais e homoafetivos. Essa flexibilização conceitual, consentânea com o Estado Democrático de Direito, resultou na atual pluralização dos tipos de famílias, instrumentos de realização da dignidade e da felicidade do homem. Assim, “a família deixa de ser percebida como mera instituição jurídica e passa a assumir feição de instrumento para promoção da personalidade humana” (FARIAS, 2004, p. 65 citado por NÓBREGA, 2009, p. 27), o que conclui em uma mudança de paradigma, donde o “ser” tornou-se o foco em detrimento do “ter”. Dessa forma, o processo de evolução histórica e social e a constitucionalização do Direito Civil agregaram à instituição familiar valores como igualdade, liberdade, solidariedade e realização pessoal, em oposição à visão de casamento constituído como unidade econômica e fundamentado em um conceito contratualista e patrimonialista. Nesse mesmo sentido, o Ministro Luís Felipe Salomão fundamentou em seu relatório
Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado”.
Vislumbra-se assim, que a família contemporânea possui um conceito personalista e democrático, visto que a Constituição cidadã revolucionou o tema ao deter-se na afetividade e na dignidade humanas para estabelecer formas plurais de se relacionar, o que ocorreu graças à dinâmica social e a consequente evolução dos seus valores morais.
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referente ao Recurso Especial 1.183.378/RS11:
STJ, RE 1.183.378/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. j. 25.10.2011. DJ 01.02.2012.
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FIDΣS O novo Código Civil surgiu proclamando a ideia de pessoa e dos direitos da personalidade, donde aquela, conforme disciplina Miguel Reale12 consiste “no valor-fonte de todos os valores, sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico”. O renomado autor prossegue ainda afirmando:
O importante é saber que cada direito da personalidade corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos. Enquanto titular desses direitos básicos, a pessoa deles tem garantia especial, o que se dá também com o direito à vida, a liberdade, a igualdade e a segurança, e outros mais que figuram nos arts. 5º e 6º da Carta Magna, desde que constituam faculdades sem as quais a pessoa humana seria inconcebível.
É nesse contexto que o Código Civil de 200213 preceitua que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, sendo defeso a qualquer pessoa ou entidade interferir na união consagrada pelo desenvolvimento familiar, devendo aquele instituto jurídico receber interpretação conforme a Constituição na oportunidade de sua aplicação aos casos concretos. Essa concepção se coaduna com a expansão do conceito de família trazida pela Lei Maria da Penha, restando estabelecido em lei infraconstitucional que a família hodierna é formada pela vontade dos indivíduos que a compõe e não por preceito legal. Ademais, em razão das dissoluções conjugais, tornou-se usual núcleos familiares formados apenas entre um dos genitores e sua prole. Com isso, o advento da Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, a qual modificou os arts. 1.583 e 1.584, do CC/2002, foi um grande
Conforme inteligência dos referidos artigos a instituição da guarda compartilhada deve ser a regra, devendo o Judiciário, em último recurso, com observância dos interesses do menor, optar pela guarda unilateral. O novo Direito Civil, após a consagração do princípio da afetividade como fundamento do direito de família, e conduzido pelos princípios constitucionais em seu vértice, tem sofrido desconstruções nas suas estruturas, construídas ao longo da história, as quais atendiam objetivos patrimoniais, mantendo um modelo clássico de casamento através da
12
REALE, Miguel. Os Direitos da Personalidade. 2004. Disponível em <http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014. 13 Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. [...] Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
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avanço, com a normatização das guardas unilateral e compartilhada.
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FIDΣS oficialidade, dificuldade de dissolução, diversidade de sexo e monogamia (NAMUR, 2009, p. 5). Vislumbra-se, assim, que a família, atualmente pautada no princípio da afetividade e estruturada em sentimentos de amor, cumplicidade, intimidade e solidariedade, se consubstanciou em instrumento de promoção da dignidade humana, tendo em vista propiciar aos seus integrantes a concretização da felicidade e da realização pessoal. No mais, cumpre ressaltar a função do Judiciário na evolução do tema, a qual tem ido além da tutela individual, nas palavras de Maria Berenice Dias (2010, p. 203): “Com isso, a jurisprudência acaba estabelecendo pautas de conduta de caráter geral. Mesmo apreciando o caso concreto, funciona o juiz como agente transformador da própria sociedade.”. Tal transformação social tem sido constantemente visualizada através das muitas decisões da justiça brasileira, dentre as quais destaca-se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Nº 132, julgada conjuntamente com
a Ação Direta de
14
Inconstitucionalidade N º 4.277, por conexão . Assim, não obstante o preconceito ainda existente na sociedade, para o Direito já resta estabelecida uma família contemporânea, fundamentada no amor familiar, na afetividade, na mútua cooperação e no respeito, a qual não pode deixar de receber a tutela estatal necessária para seu desenvolvimento e proteção, cooperando para a saudável formação dos indivíduos.
Os antigos conceitos sociais de família e casamento restam ultrapassados frente às mudanças que se operam pela própria e natural evolução da sociedade. Também obsoletas são as definições para o termo “casamento” trazidas pelo dicionário que, de forma geral, o conceitua como “união entre homem e mulher, lícita e permanente” (GUIMARÃES, 2013, p. 177). Assim, a evolução da concepção de entidade familiar deu ensejo à formação de uma pluralidade de núcleos de pessoas que se relacionam com fundamento no afeto e na assistência mútuos. No entanto, essa diversidade de arranjos familiares não deve ser
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3 OS ARRANJOS FAMILIARES CONTEMPORÂNEOS
STF, ADPF 132 RJ. Rel. Min. Ayres Britto. j. 05.05.2011. DJ 14.10.2011.
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FIDΣS enumerada de forma taxativa, tendo em vista a enorme abrangência que os novos conceitos trazem para a realidade social e jurídica. No entanto, é possível exemplificar as relações familiares contemporâneas mais comuns, as quais vão além do antigo modelo formado pelo casal heterossexual e seus filhos. Nesse sentido, pode-se falar acerca da família monoparental ou unilinear, constituída por qualquer um dos pais e sua prole, ora surgida através de adoção, ora através de reprodução medicamente assistida, entre outras formas (NÓBREGA, 2009, p. 44). Também cumpre trazer à baila a família formada por relacionamento amoroso que se solidifica em união estável, seja essa heterossexual ou homoafetiva, construída sem as amarras do Estado. Da mesma forma, merece destaque a família parental ou anaparental, resultante da convivência de parentes que não pais e filhos, tais como tio e sobrinho, irmãos, avô e neto, entre outras variações. Cada vez mais comum, a família mosaico, pluriparental ou reconstituída traz a faceta da evolução familiar de forma bastante nítida, tendo em vista ser formada por pares que tiveram anteriormente outras uniões ou casamentos, dos quais resultaram o nascimento de filhos (DIAS, 2010, p. 49). Cumpre também ressaltar a formação de famílias paralelas, em que um integrante comum faz parte de mais de um núcleo conjugal, desenvolvendo em cada um deles vínculos fortes e geração de prole. Vê-se, assim, que as várias espécies de famílias, há muito abarcadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, são núcleos de formação patrimonial e de desenvolvimento
da solidariedade, do afeto e da vontade comum de seus componentes em permanecerem unidos, o que demonstra a necessidade de respeito e de tutela por parte do Estado e de toda a sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o advento da Constituição cidadã, o conceito de família vem sofrendo grandes alterações, e essa evolução se deveu à natural dinâmica da sociedade, a qual promoveu notável modificação nos valores morais e multiplicidade de relacionamentos entre os seus integrantes.
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de seres humanos, possuindo como elemento constitutivo os vínculos interpessoais originados
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FIDΣS Em vista disso, as relações domésticas contemporâneas são pautadas no afeto, na felicidade mútua e na realização pessoal, de modo que, abraçadas pela nova ordem constitucional, passaram a ser reconhecidas e tuteladas nas decisões judiciais proferidas ao longo dos anos. Saíram da marginalidade e alcançaram o atual estágio de aceitação social e jurídica. Nesse sentido, o hodierno conceito de família denota que o ordenamento jurídico e o Poder Judiciário brasileiros devem propiciar respeito e proteção a todos os indivíduos em suas estruturas de convívio, em atenção ao Estado Democrático de Direito. Restou ainda esclarecido que a Legislação Civilista evoluiu em sua concepção de família, e que, independentemente da persistente existência de quaisquer limitações em suas normas, deve ser interpretada conforme a Constituição cidadã. Ademais, constatou-se que, tem o Judiciário atuado de maneira contramajoritária e protetiva, em prol de atender seu compromisso com a Lei e a Constituição, no que restou demonstrado que a ausência de regra explícita não deve significar necessariamente inexistência de um direito. Assim, com as variadas famílias contemporâneas, frutos da dinâmica da sociedade e da mudança dos institutos jurídicos, o modelo conservador, pautado exclusivamente no casamento heterossexual e hierarquizado, resta sepultado, nascendo em seu lugar uma diversidade de possibilidades fundamentadas na afetividade, solidariedade e livre escolha dos indivíduos.
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FIDΣS
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THE EVOLUTION OF THE FAMILY CONCEPT UNDER THE JURIDICAL BRAZILIAN ORDER
ABSTRACT The present paper approach the subject of familial concept evolution under the juridical Brazilian order and the contemporary society. Brings the family evolution in the Constitutions, Civil Legislations and the theoretical fundamentals of today’s normative compendium
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FIDÎŁS about the plurality of family entities. Furthermore, briefly talks about the importance of court decisions and exemplifies the new and most common cores of coexistence and affectivity. Uses doctrinal, legal and jurisprudential research method and deductive approach. Ultimately concludes now deprecated the standard family idea that consisting solely through marriage and consolidated the entitlement to a family pluralism. Keywords: Familial pluralism. Principle of affection. Constitutional
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guarantees. Development of law.
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 22 out. 2014
A INDEVIDA CRIMINALIZAÇÃO DA MORALIDADE: O CRIME DE CASA DE PROSTITUIÇÃO SOB O PRISMA DO PATERNALISMO PENAL Alan Monteiro de Medeiros* Paulo Vítor Avelino Silva Barros**
RESUMO O presente trabalho criminalização
de
discorre condutas
acerca da com
impossibilidade de
fundamentos
pautados
exclusivamente na moralidade. Para isso, embasa-se no julgamento do Habeas Corpus 104.467/RS, no qual se afastou a possibilidade de descriminalizar a conduta tipificada no artigo 229 da codificação penal substantiva. Analisa-se a história e o fundamento de existência de bens jurídicos, bem como a atipicidade material do referido
insignificância e da fragmentariedade. Observa-se, por derradeiro, a não aplicação da consagrada corrente do Direito Penal Mínimo, em contraposição à conservação de um defasado paternalismo penal. Palavras-chave:
Paternalismo
penal.
Casas
de
prostituição.
Moralidade.
*
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiário do Ministério Público Estadual - MPE/RN. Monitor de Direito Penal I. ** Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiário da Defensoria Pública Estadual - DPE/RN. Monitor de Direito Penal I.
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dispositivo, com esteio nos princípios da adequação social, da
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FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
É notório o descompasso da legislação penal pátria com o tempo e com a evolução social. Multas em moedas arcaicas (principalmente presentes na lei de contravenções) ou termos ultrapassados revogados apenas nos últimos anos (é o caso da “mulher honesta” descrita em alguns dos crimes sexuais) denotam as origens ainda remanescentes da codificação brasileira, advinda de meados do precedente século. Com mudanças pontuais ou com projetos de reforma, o legislador tenta modificar essa defasagem e dar eficácia ao Código Penal da ordem jurídica ainda vigente no Brasil. De igual modo, a atuação do magistrado deve verificar se há necessidade de punir o agente de uma conduta pouco reprovável, sob risco de, pairando sob um Direito Penal taxativo e legalista, castigar indevidamente o infrator. Contudo, essa tendência de evolução e adaptação aos tempos modernos esbarra em demasia nas concepções antijurídicas arraigadas no legislador ou até mesmo no próprio julgador, mormente aquelas de cunho exclusivamente moral. A análise histórica da ciência criminal explicita a sua transformação e a necessidade de um Direito racional e lógico, o qual será acionado apenas em casos de grave insulto a um bem jurídico penalmente tutelado. Destarte, a moralidade não pode de modo algum justificar um tipo penal tampouco uma sanção provinda do meio judicial. Neste momento, avalia-se a desnecessidade de existência do artigo 229 da nossa codificação substantiva, qual seja a manutenção de casa de prostituição. Mais do que isso,
sentido contrário ao pensamento ora defendido.
2 BREVES NOÇÕES SOBRE A HISTORICIDADE DO DIREITO PENAL
A evolução do Direito Penal é a evolução da sociedade. Representa a limitação ao anseio punitivo individual e a proteção àquilo que a sociedade atribui maior relevância. Antes do surgimento da figura do Estado, prevalecia a vingança privada como instrumento de resolução das contendas. Posteriormente, a titularidade do poder punitivo, foi retirado da iniciativa privada e passou a ser exclusivamente de caráter público. No entanto, puniam-se os infratores por motivos meramente religiosos, pela exclusiva e não fundamentada vontade do governante, pelo homossexualismo ou pela difusão
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analisa-se o erro crasso de nossa Suprema Corte ao julgar o Habeas Corpus 104.467/RS em
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FIDΣS de ideais “modernos demais” (BITENCOURT, 2010, p. 71). Era um direito embrionário, pautado em preceitos ilógicos e auspiciado por princípios hoje completamente execrados. Nesse escorço histórico, atuando como verdadeiro divisor de águas dessa transformação, Cesar Beccaria (1998), estabeleceu em meados do século XVIII a ideia de “humanização penal”. Desta feita, a orientação para a criação de normas penais assim como a aplicação destas passaram a nortear-se por um viés de humanidade, de dignidade e de racionalismo. Carecia esse direito punitivo, contudo, de esclarecer quais seriam as condutas humanas ou desumanas e qual seria a intensidade dessas punições. Mais do que isso: premente era a necessidade de estabelecer parâmetros mais objetivos para saber quais seriam aqueles bens a serem tutelados pelo Direito Penal. Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina e a legislação aduzem uníssonas que “a função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais”, refletindo diretamente a essência do princípio da intervenção mínima desse ramo jurídico. Será, portanto, utilizado como instrumento subsidiário e fragmentário para a manutenção de nossa ordem jurídica. (CAPEZ, 2012) A título de exemplificação, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar caso em que uma família, composta por várias crianças, atormentava, com barulhos, a paz de outro morador, decidiu concluindo que não havia fundamento sólido para se aplicar a contravenção penal em questão. Isso porque, “o bem jurídico tutelado é a paz pública, a tranquilidade da coletividade, não existindo a contravenção quando o fato atinge uma única pessoa”1,
meios mais amenos para a resolução da contenda, acertadamente rechaçando o acionamento de outro meio coercitivo. Isto é, o entendimento é que a ciência político-criminal deve delimitar o poder estatal, de modo a impedir a restrição da liberdade dos indivíduos por questões morais ou sociais. Nesse contexto, o direito penal deve ser a última forma de controle, diante de uma falha de todos os demais meios formais de exercer tal controle, a proteger tais bens jurídicos fundamentais. Logo, para que determinadas condutas sejam penalizadas, é necessário que tais ações ou omissões tenham um poder em potencial de ferir determinados bem jurídicos. Contudo, o
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asseverou o Min. Rel. Gilmar Mendes em seu voto. Dessa maneira, primou pela utilização de
SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. HC 85.032. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes. j. 17.05.2005.
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FIDΣS conceito de “bem jurídico”, a princípio, traduz um preceito assaz vasto que deve, de alguma forma, ser objetivado, conforme doravante será esmiuçado.
3 A EVOLUÇÃO DA TEORIA DO BEM JURÍDICO PENAL
O bem jurídico pode atualmente ser determinado como um interesse vital para a sociedade, o qual deve ser digno de proteção jurídica máxima pela importância que possui para a coletividade. Não obstante, esse conceito hoje consolidado deriva de todo um complexo de ideias construídas ao longo dos séculos pelos mais diversos pensadores. Desta feita, o resgate histórico da Teoria do bem jurídico penal se inicia com a doutrina iluminista, que postulava a não criminalização de atos em que não houvesse os elementos de violação do “direito subjetivo”; que implicassem na “necessidade da pena”, bem como na “danosidade social” (CUNHA, 1995). Nesse tópico, surge um dos pilares sem os quais o bem jurídico – como hoje é vislumbrado – não teria percebido tamanha evolução. A obrigatoriedade de um direito subjetivo a ser violado traduz indispensável vedação ao arbítrio do legislador que, ao tipificar condutas, está condicionado à percepção de lesões efetivas. De toda sorte, ainda não se podia analisar o tema objetivamente – sob o prisma de um bem jurídico – porquanto os direitos albergavam caráter essencialmente pessoal, incidindo sobremaneira na pessoa detentora do direito violado.
lançado o alicerce para a Teoria do Contrato Social. Nesta, seria pactuada uma espécie de acordo em que os indivíduos de determinada localidade cederiam uma parte de suas liberdades, em troca da proteção conferida pelo Estado a essas pessoas. Dessa forma, o Estado só teria a faculdade de limitar a liberdade individual mediante o Direito Penal, caso houvesse o intuito de proteger a sociedade e de prevenir danos gerais. Jean Paul Marat (2008) seria um exemplo de pensador misto entre as correntes supracitadas. Segundo este, a lei penal “deve perseguir o bem comum e possuir disposições claras, impedindo a tirania do homem pelo homem”. Desta forma, a pena, ao ser aplicada, deve observar a sua justiça, necessidade e utilidade. Caso inexista um desses três requisitos, não há condão de imputar qualquer pena ao infrator. Nessa senda, Birnbaum (2010), em 1834, iniciou uma ruptura aos pensamentos iluministas. Para ele, se o direito decorresse do contrato, seria muito difícil limitar o poder
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Outros pensadores, tais quais Rousseau (1991) e Thomas Hobbes (1988), haviam
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FIDΣS punitivo estatal. Logo, não se trata de debater a lesão ao direito subjetivo, mas sim ao objeto desse direito, que é o bem jurídico. Birnbaum, com essa tese inovadora, formulou um vetor cardeal para o desenvolvimento da ciência do bem jurídico. Ora, é impossível observar violações a direitos unicamente através do sujeito que sofreu hipoteticamente a lesão. A pessoa humana é motivada por instintos, inclusive o de vingança, e não consegue sopesar de maneira clara a magnitude do dano sofrido. Noutro giro, ao delimitar um objeto, um bem jurídico ofendido, demarca-se também a esfera que merece proteção na seara criminal. À vista disso, o direito singra de mares eminentemente subjetivos e molda sobejamente as formas em que hoje está inserido. Outros estudiosos do Direito Penal confabularam sobre a ideia de bem jurídico, como Tobias Barreto (2000) em Estudos do Direito e, posteriormente, Galdino Siqueira (2003) com a obra Direito Penal Brazileiro, já em 1921. Porém, a concepção mais ampla do que seria efetivamente o bem jurídico só veio a se concretizar com as teorias positivas. O pensamento penal positivista podia ser dividido em duas correntes: uma normativista (Binding) e outra sociológica (Von Lizst). A primeira entendia que o bem jurídico seria algo criado exclusivamente pelo legislativo, enquanto que a segunda tinha o ideal de que a lei penal não criava o bem jurídico, mas apenas o reconhecia e conferia sua proteção necessária. Dessa forma, o direito penal aproximou-se da realidade social, dotando o bem jurídico de um caráter sociológico, de modo a limitar o poder punitivo estatal (SÁ, 2014).
oposto da normativista, protagonizou intensos avanços na concepção de que bens merecem proteção penal. Não parece acertado afirmar que o legislador tem a faculdade de, a seu belprazer, definir o que é típico ou o que não é. A norma realmente encontra relevância sem igual em nosso ordenamento jurídico, todavia deve estar centrada em condutas que verdadeiramente firam bens de maneira objetiva. Assim sendo, é premente a necessidade de vedar a criação de tipos penais com base em fundamentos unicamente morais, por exemplo. É ilógica e absurda a punição à imoralidade de alguém se ela não fere diretamente bens de terceiros. Com efeito, a escola sociológica criou raízes para que o Direito Penal transpassasse do arbítrio e da falsa moralidade do legislador para ter como escopo a proteção de bens os quais possam ser danificados de modo gravoso, ensejando a tutela penal.
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Dentre as correntes retro mencionadas, a escola sociológica, em viés diametralmente
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FIDΣS No século XX, os Neokantistas atribuíram um caráter teleológico à norma penal e ao bem jurídico (PRADO, 2011). Essa concepção foi rechaçada no período pós Segunda Guerra, por pensadores como Mayer (SÁ, 2014), o qual entendia que o Direito Penal era um instrumento para o controle da ordem moral, e que o bem jurídico seria um elemento de tal ordem. Essa linha destoante da evolução da ciência penal, reste claro, deve ser observada como uma tese errônea e ultrapassada. Tal controle da ordem moral não pode, de maneira alguma, pertencer ao legislador. O plano de fundo para a atividade legiferante é a proteção da sociedade em si, não de qualquer preceito moral. Como adiante será visto, contudo, teses como esta ainda permanecem arraigadas em nossa legislação e necessitam de urgente revisão. A partir daí, outras teorias foram surgindo, apontando a função do Direito Penal como a proteção da sociedade, de um modo geral, excluindo as questões exclusivamente morais, ou seja, até as condutas que não fossem aceitas pela moral dominante, não poderiam ensejar punição, desse ramo do direito, a esses indivíduos. Nesse sentido, “nem toda lesão a um bem jurídico ensejará uma reação pelo direito penal, mas somente as que possuírem caráter socialmente prejudicial, excedendo o prejuízo individual da vítima” (SÁ, 2014, p. 82). Portanto, o bem jurídico seria um interesse humano, o qual consiste em bens de suma importância para a vida humana, como a liberdade, a própria vida, a dignidade e etc. Ainda, cabe ressaltar o princípio do dano (harm principle), introduzido pelo utilitarista John Stuart Mill (2001), o qual seria a motivação exclusiva para que o poder estatal
ensejaria a legitimação do Estado em agir contra a vontade de um determinado indivíduo. Observa-se que o princípio do dano procura a intervenção estatal em condutas que possibilitem danos a outros, mas não ações autolesivas, como é o caso do suicídio no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, juntamente com Mill (2001), Joel Freinberg (2014) criticou o paternalismo penal, alegando que a criminalização da conduta não é estrita a provocação de lesão, mas de uma ofensa também. Além disso, insta consignar que o bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal deve estar em consonância com a Constituição Federal, garantindo os direitos individuais, coletivos e sociais de seus cidadãos. Desse contexto surgem teorias como a de caráter geral do bem jurídico, bem como a de fundamento constitucional estrito. Aquela fornece ideias gerais sobre os bens jurídicos, em forma de parâmetros, de modo que o legislador penal possa escolher o que criminalizar, enquanto que essa ministra
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punisse qualquer membro da sociedade, isto é, a possibilidade de causar danos a outrem
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FIDΣS especificações estritas para a definição dos bens jurídicos a serem tutelados pelo poder punitivo estatal. Portanto, os bens jurídicos seriam caracterizados previamente pela Constituição Federal e a política criminal do Estado os adotaria, em conformidade com a teoria do delito e a realidade social. Isto posto, os últimos dois séculos de evolução da teoria do bem jurídico e da própria concepção de delito, imiscuída em uma visão mais sociológica do direito, criaram um cenário sólido para a formulação de tipos penais concretos e científicos. Crucial é, portanto, que o nosso sistema penal esteja apto a extrair a essência de cada bem a ser tutelado, repudiando o retrocesso da matéria criminal. Por óbvio, é necessário que se analise criticamente tanto a legislação quanto a interpretação que vem sendo dada aos dispositivos legais, conforme doravante será dissecado.
4 ANÁLISE DO HC 104.467/RS SOB A PERSPECTIVA DO PATERNALISMO JURÍDICO O Habeas Corpus 104.467/RS2 tinha como escopo o trancamento de ação penal pelo cometimento de crime de casa de prostituição, tipificado no art. 229 do Código Penal. Quando do seu exame pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como relatora a Ministra Cármen Lúcia, restou o mesmo denegado. O entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que no crime de casa de prostituição os bens jurídicos tutelados são a moralidade sexual e os
pelo Direito Penal, refutando a aplicação do princípio da fragmentariedade. Outro princípio, o da adequação social, restou inaplicado no julgamento ora mencionado. Alegou-se que esse princípio, de per si, não tem a prerrogativa de revogar tipos penais. A fundamentação do Tribunal se pautou em uma interpretação gramatical do art. 2º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, o qual preconiza que “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra lei a modifique ou revogue”. Também foi alegado que mesmo fazendo parte dos costumes ou sendo socialmente aceita a conduta tipificada no art. 229 do Código Penal, tal fato não bastaria para revogar a lei penal vigente.
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bons costumes, valores os quais, por sua relevante importância social, merecem ser protegidos
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 104.467. Primeira Turma. Rel. Min. Cármen Lúcia. j. 08.02.2011.
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FIDΣS Percebe-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal privilegiou o que se chama de paternalismo penal, o qual é exercido através da coerção estatal, se valendo das leis penais para proibir determinadas condutas quando estas não ferem qualquer bem jurídico. Ostentou o referido órgão julgador um pensamento de que existiria sim um bem a ser tutelado: a moralidade. Mas o que é moral, o que é imoral? A moralidade sob os olhos de quem? A moral é, efetivamente, um bem jurídico? É imprescindível aqui trazer à colação os ensinamentos de Claus Roxin (1986, p. 29/30) que afirmava que é absolutamente defeso ao legislador castigar a imoralidade, pois embora se acredite no contrário, ela não é um bem jurídico. Ora, o poder coercitivo não pode adentrara na esfera íntima de cada um quando esta não transpassa prejuízos para terceiros. Diante de uma sociedade com uma patente fúria punitiva, esse tipo penal reflete meramente a tentativa perene e forçada de tornar o seio social um berço de valores tidos como corretos e obrigatórios. Não compete ao Estado ou a qualquer instituição punitiva criminalizar qualquer conduta não lesiva. Esse paternalismo macula o sentido e a finalidade do sistema criminal. Passa a limitar a própria liberdade individual de muitos em vistas de princípios que a pessoa do legislador crê correto ou não. Nossas normas jurídicas, dessa forma, se afastam do Direito, da ciência e da justiça. Solapam a autonomia individual com o fito único de forçar essa “moralização social”. Não obstante, parte da doutrina, a exemplo do ilustre penalista Nélson Hungria, considerava que a ordem jurídica não cumpriria a sua finalidade se não reprimisse aqueles
a respectiva argumentação, conforme será visto mais adiante. Ao buscar proteger a moralidade sexual e os bons costumes, parece que o Estadojuiz, representado, no caso em análise, pelo Supremo Tribunal Federal, visa a moralizar o homem – como dito - através do exercício do poder-dever de punir. Acontece que, ao assim proceder, o Estado se opõe à vontade daqueles indivíduos (adultos plenamente capazes de se autodeterminarem) aos quais tem o propósito de salvaguardar. Diante dessa capacidade plena e da possibilidade legal de dispor livremente dos seus próprios corpos, não parece razoável pretender o Estado proteger pessoas que utilizam do seu livre-arbítrio para se prostituírem. São elas plenamente capazes de entender, inclusive, os riscos inerentes a tal conduta. Contudo, o entendimento aqui consolidado pelo Tribunal Máximo carece de uma visão constitucional da nossa legislação penal. A decisão proferida representou um atraso.
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que, de alguma maneira, favorecem a prostituição. Nesse sentido, transparece ser inadequada
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FIDΣS Denota uma ciência criminal auspiciada pelo rigor frio da lei, conforme assevera o brocardo: a lei é dura, ma é a lei. Carece de uma hermenêutica constitucionalizada. Esta parece desapercebida diante de uma hipotética rigidez penal "necessária". Ademais, se a prostituição, por si só, não é considerada crime, não faz sentido punir a conduta do dono do estabelecimento onde ocorra um ato não criminoso, muito embora se saiba que devido à clandestinidade a qual é remetida a casa de prostituição, em face da tipificação do art. 229 do Código Penal, esses estabelecimentos acabem por servir de abrigo para criminosos e, destarte, tornar comum a prática de crimes como o tráfico de drogas, a posse e o porte ilegais de armas de fogo, maus tratos, etc. Acontece que esses crimes já encontram tipificação autônoma, não devendo o dono do estabelecimento ser punido por sua prática, a menos que os pratique na condição de coautor ou partícipe, respondendo na medida da sua culpabilidade, nos termos do art. 29 do Código Penal.
A exploração da prostituição, no entanto, é um dos comportamentos mais degradantes e moralmente censuráveis que a civilização ao longo de sua história não conseguiu eliminar. Contudo, não será criminalizando as condutas que a sociedade conviverá melhor com essa verdadeira chaga da humanidade, um mal que aflige todos os países do mundo, ricos e pobres, democráticos e totalitários, sem exceção. Mas aqui o legislador confunde moral com direito, e criminaliza um comportamento puramente moral, qual seja, “explorar”, no sentido de empresariar, uma atividade perfeitamente lícita, que é a prostituição, pois, a despeito de tudo, continua sendo lícita, legal, permitida: ninguém comete crime algum ao prostituir-se, isto é, ao exercer a prostituição como atividade (ou profissão), lucrativa ou não. Se a prática da prostituição fosse, em si mesma, crime, estaria justificada, isto é, politicamente legitimada a criminalização de manter estabelecimento ou casa de prostituição. Criminalizar a manutenção de casa de prostituição (ou qualquer outro nome mais pomposo que se queira dar) é, como tem repetido a doutrina especializada, condenar as prostitutas (ou os prostituídos) à degradação moral, expondo-as aos rufiões e a exercitarem-se nas ruas e nos guetos, sempre perigosos, insalubres e escandalosos. Enfim, continua-se a enfiar a cabeça na carapuça, e a vida prossegue como se tudo se resumisse a um “baile de máscaras”: no dia seguinte tudo volta à normalidade, e é vida que segue.
É com fulcro nessa compreensão de livre-arbítrio e na inexistência de uma violação a um bem jurídico distinto da própria moral que se pode considerar esse tipo penal um “crime sem vítimas”. A autodeterminação daqueles que se submetem à prostituição possibilita que seja definida como vil, amoral, imoral ou indigna, mas nunca que essa situação atingirá a esfera de alguém ao ponto de ensejar uma tutela penal. Acrescente-se, nesse ínterim, com supedâneo nas lições de Eugenio Raul Zaffaroni (2011, p. 402), que o mencionado dispositivo carece inclusive de embasamento jurídico pare
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Nesse sentido, Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 397), aborda essa temática:
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FIDΣS existir. Avaliando cientificamente o instituto da tipicidade, podemos subdividi-la em tipicidade formal (evidente pela presença de norma vigente) e em tipicidade conglobante. Esta examina a proibição concernente à norma e se ela lesa significativamente um bem jurídico penal. Ora, como visto, o crime ora dissecado não tem vítima alguma, devendo no máximo ser tutelado por outro ramo jurídico. A norma, portanto, é falha no que tange, inclusive, à ciência jurídico-criminal. Outro ponto que merece destaque é a essência contraditória dessa proibição legal quando da análise de outras situações práticas tidas como lícitas. Sob o mantra da liberdade artística, resguardada pelo inciso IV do artigo 5º Constituição Federal, grandes indústrias cinematográficas arrecadam fortunas explorando a atividade sexual de terceiros, através dos filmes pornôs. Qual a justificativa para tal lucro incidente na “venda do próprio corpo” ser licito ao passo que as casas que fomentam a prostituição estão à margem do lícito e do legal? Nesse diapasão, a aludida proibição nada mais faz que marginalizar uma atividade que, independentemente de sanção penal prevista, existiu, existe e sempre existirá! O Estado obscurece isso e torna ainda mais degradante a atividade da prostituta. Se não é crime exercer sua profissão, deveria existir um local específico para sua realização?! Um profissional não pode exercer suas atividades em um ambiente que lhe é comercialmente mais favorável?
Por outro lado, torna-se necessário lembrar que a prostituição não é crime, razão pela qual deveria haver um local onde ela fosse desenvolvida, sem qualquer obstáculo. Entretanto, o legislador brasileiro, embora não criminalize a prostituição, pretender punir quem, de alguma forma, a favorece. Não consegue visualizar que a marginalização da pessoa prostituída somente traz maiores dramas. Sem o abrigo legal, a pessoa prostituída cai na clandestinidade e é justamente nesse momento que surgem os aproveitadores.
Essas discrepâncias refletem apenas um direito penal incrustado em uma moralidade hipócrita, que não percebe que o próprio ordenamento aceita outras modalidades de “coisificação” da vida sexual desses artistas, mas que aceita punir donos de estabelecimentos menores disseminados por todo o país. O julgamento, em suma, destoou por completo de fundamentos jurídicos e hermenêuticos de nosso ordenamento jurídico, restando distante de nossa realidade, pairando sob uma ótica estritamente legalista e desprivilegiando em demasia a principiologia penal.
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Corroborando para o ora exposto, aduz Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 897):
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FIDΣS 5 A TENDÊNCIA EVOLUTIVA DO DIREITO PENAL BRASILEIRO FRENTE AO PATERNALISMO JURÍDICO
Neste sentido, não restam dúvidas que a tipificação de uma conduta, com base unicamente na proteção do bem jurídico da moral e dos bons costumes é nada mais que o paternalismo jurídico moralista do Direito Penal. Isto é, a utilização desse ramo do Direito (que deveria ser a ultima ratio) para desvirtuar a dogmática penal no afã de garantir a repressão a bens que não deveriam receber atenção de qualquer mecanismo repressor. Desta feita, Paulo Nader (2012, p. 56) coloca a Moral como um fator cultural do Direito, que:
Favorece o Direito Positivo, emprestando-lhe valores. O Direito, contudo, não é de todo programado pela Moral. Esta não é, como já se afirmou, onipresente no território jurídico. Há matérias de indagação no Direito estranhas ao setor da Moral. Apesar desse coeficiente de competência própria, o Direito se revela sensível às mutações que ocorrem na Moral Social, acompanhando essa evolução, a fim de adaptar-se às necessidades sociais.
Acertadamente, Nader afirma que há a necessidade da evolução, tanto do Direito, como da Moral Social, com o intuito de acompanhar as necessidades sociais. Isso pode ser exemplificado com a descriminalização do adultério, feito pela Lei de nº 11.106, de 28 de março de 2005. Ou seja, o antigo tipo do artigo 240 do Código Penal, revogado pela Lei supracitada, previa pena de 15 dias a seis meses, caso um dos cônjuges cometessem o
Logo, percebe-se que o legislador (de maneira correta) entendeu que não há necessidade alguma do Direito Penal tipificar o adultério, tendo em vista que o bem jurídico em questão não deve ser protegido por esse ramo do Direito, mas sim por outros ramos, como o Civil, pois, atualmente, o cônjuge que se sentir lesionado em virtude de um adultério, pode intentar ação de danos morais, provando mais uma vez o caráter ultima ratio do Direito Penal. É essa a tendência que deve ser seguida pelo nosso sistema criminal. É mister perceber o contexto da aplicação da norma, não apenas a letra da lei. Essa falta completa de eficácia não pode ser olvidada. É um fato que ressalta a necessidade de reavaliação do tipo em análise. Da mesma forma, enfatize-se, a atuação do magistrado deve primar pela interpretação de uma norma dinâmica. Diante da inércia legislativa, o juiz deve perceber a ineficácia, a obsolescência de um dispositivo. A figura do julgador não se encontra mais como
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adultério (ter relações sexuais fora do casamento).
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FIDΣS no contexto pós-Revolução Francesa - a boca da lei - mas sim como um instrumento da justiça e do Direito. Corroborando com a tese de juiz proativo, que vislumbra as mudanças sociais, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Aliomar Baleeiro assim asseverou: Mas o conceito de ‘obsceno’, ‘imoral’, ‘contrário’ aos bons costumes é condicionado ao local e à época. Inúmeras atitudes aceitas no passado são repudiadas hoje, do mesmo modo que aceitamos sem pestanejar procedimentos repugnantes às gerações anteriores. A Polícia do Rio, há 30 ou 40 anos, não permitia que um rapaz se apresentasse de busto nu nas praias e parece que só mudou de critério quando o ex-Rei Eduardo VIII, então Príncipe de Gales assim se exibiu com o irmão em Copacabana. O chamado bikini (ou ‘duas peças’) seria inconcebível em qualquer praia do mundo ocidental há 30 anos. Negro de braço dado com branca em público, ou propósito de casamento entre ambos, constituía crime e atentado aos bons costumes em vários Estados americanos do Sul, até um tempo bem próximo do 3 atual .
Trilhando esse norte, a própria jurisprudência, ao reconhecer a dinamicidade do direito, percebe que a lei não é soberana na tutela e na proteção de direitos. Contudo, a percepção jurisprudencial ainda se mostra falha, mormente nos casos de clarividente ineficácia social do dispositivo e de inexistência de bens e sujeitos lesados por determinada conduta. Em decorrência disso, os tribunais devem obrigatoriamente atuar de maneira aguda na defesa da ciência jurídica e, indubitavelmente, promover a defesa do sujeito ativo do hipotético e falido tipo penal.
Munido do poder de punir, o Estado, amiúde, atua de modo arbitrário, malgrado a evolução política – supradescrita – gradativamente haja democratizado a atuação legislativa e judicial. Destarte, as leis tutelam absurdos jurídicos, como o que se examina, dando vazão a um direito penal paternalista alheio à ciência do Direito. A fim de sanar tal problemática, é preciso vislumbrar o ordenamento brasileiro e a sua legislação por um viés mais crítico e menos moral, primando sobejamente por um Direito Penal Mínimo, que defenda apenas aquilo que efetivamente merece uma proteção maior. Nada
obstante,
para
realizar
tais
mudanças,
o
poder
legislativo
deve,
preliminarmente, perceber e reparar o erro que cometera, revogando por completo o tipo penal 3
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS 18.534. Segunda Turma. Rel. Min. Aliomar Baleeiro. j. 01/10/1968.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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FIDΣS de número 229 do Código Penal Brasileiro. Contudo, enquanto não o faz, cabe ao judiciário observar essa desnecessidade de punição e agir em conformidade com o Direito e a justiça. Por conseguinte, em vias de reiteração, mais do que coibir dispositivos como o ora exposto, o ordenamento jurídico pátrio deve, sobretudo, entender o real significado do direito penal e perceber os princípios que devem ser considerados em sede de punição delitiva. O que é moral – e apenas moral – não merece sanção alguma, sob risco de um retrocesso evolutivo da ciência criminal.
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FIDΣS
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THE UNDUE CRIMINALIZATION OF MORALITY: THE CRIME OF BROTHEL UNDER THE PRISM OF CRIMINAL PATERNALISM
ABSTRACT This study analyses the impossibility of criminalizing conduits based on morality grounds only. It focus on the judgment of Habeas Corpus 104.467/RS, that the Supreme Court denied absolution of the crime provided on the article 229 of Brazilian Criminal Code, (keeping
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Conselho Editorial, 2003.
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FIDÎŁS brothels). It will be analyzed history and principles involved on the legal asset worthy of criminal protection and the illegality of this norm, with bases on adequacy, insignificance and fragmentation of Criminal Law. Then, will be demonstrated how penal norms have been put under penal paternalism, and how this must be accursed among the judiciary.
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Key-words: Criminal paternalism. Brothels. Morality.
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 21 out. 2014
A PREVENÇÃO COMO MEIO DE EFETIVAR O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE Bartolomeu Fagundes de Lima Filho* Sérgio Roberto de Lima e Silva**
RESUMO O presente trabalho, através de uma metodologia qualitativa, trata da prevenção como uma forma de efetivar o direito à saúde, considerado fundamental pelo ordenamento brasileiro, explanando seu conteúdo e suas dimensões objetiva e subjetiva. Em seguida, utilizando-se analogicamente do princípio da prevenção da doutrina ambientalista, estuda a prevenção como meio de se evitar danos que causam diversas enfermidades na população e lotam os diversos hospitais públicos. Em
através de medidas preventivas e não somente curativas, devendo o Poder Público trabalhar com diversos setores para trazer qualidade de vida à todos. Palavras-chave: Prevenção. Direito à saúde. Efetividade.
*
Acadêmico do 8º período de Fisioterapia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no campus da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA), Santa Cruz/RN. Possui vistas para a área de Saúde Coletiva e Saúde Pública, professor do Cursinho pré-ENEM PROCEEM (Programa Complementar de Estudos do Ensino Médio), da UFRN. Foi monitor da disciplina de Morfologia e Fisiologia Humana e Geral durante 4 semestres. Participante ativo de eventos científicos de Fisioterapia e afins. ** Advogado militante, formado pela Universidade Potiguar (UnP) com OAB 9342/RN. Possui vistas para a área de Direito Constitucional e segmentos correlatos. Participante ativo de congressos e eventos científicos de Direito e afins. Foi monitor das turmas de primeiro ano do curso de Direito da universidade supracitada durante 2 semestres.
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conclusão, tem-se que o direito à saúde deve ser promovido também
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FIDΣS "É melhor prevenir que remediar." (Provérbio Português)
1 INTRODUÇÃO
Ao analisarmos diversos contextos históricos, nota-se uma atenção mais evidente dada ao sistema de saúde brasileiro a partir da década de 80, quando a reforma sanitária exigiu relevância e abrangência para toda uma população. Como resultado dessas exigências, a Constituição Federal de 1988 passou a garantir a todo e qualquer ser humano o direito à saúde de forma universal e igualitária, sendo este dever principal do Estado e havendo a necessidade, portanto, de criação de políticas públicas para que esse direito seja efetivado. Dessa forma, o Sistema Único de Saúde (SUS) surgiu com a formulação da própria Constituição Federal de 1988 devido à crise do modelo médico assistencial privatista, necessário pela industrialização nacional em tal época. Nesse sentido, a qualidade do serviço de assistência e acesso à saúde é fundamental para a população, uma vez que o direito à saúde garante a essa sociedade um sistema com cobertura universal, diferente, por exemplo, de outros ordenamentos jurídicos, como o norteamericano, em que o serviço de saúde é dado de forma privada. Percebe-se, portanto, que o avanço tecnológico e econômico nem sempre caminha junto com acesso à saúde, visto o grande poder de aparatos que os Estados Unidos da América possuem, mas que não são
Desta feita, a partir da abertura do SUS, passou-se a se exigir uma maior eficiência atrelada à qualidade desse sistema. Em decorrência das circunstâncias nacionais, uma das estratégias para abarcar a demanda foi promover a descentralização, em que o governo, nas três esferas estatais (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), se compromete em ‘executar saúde’ em todos os seus entraves, promovendo um sentido mais democrático e deixando a equidade se estabelecer dentre os pilares sociais. Nesse ínterim, analisar-se-á no presente trabalho a prevenção como um meio de efetivação do direito fundamental à saúde, protegido pela Constituição Federal de 1988 e dotado de eficácia máxima, haja vista tal direito estar intimamente ligado ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana, possuindo natureza de direito social. Ademais, tenha-se que um dos princípios do SUS é o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, motivo pelo qual o presente artigo torna-se relevante. Em face a isto, pretende-se
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acessíveis a todos.
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FIDΣS demonstrar que a prevenção atua na diminuição significativa de três campos, quais sejam, número de enfermidade, orçamento público, e demandas judiciais.
2 DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUAS DIMENSÕES OBJETIVA E SUBJETIVA
Muito se ouve falar, principalmente na mídia nacional, sobre o direito à saúde, considerado fundamental pela atual ordem jurídica, uma vez que se encontra positivado em diversos artigos da Constituição Federal de 1988, em especial, no artigo 6º e 196 (ARAÚJO, ALVES, 2014, p. 69). Contudo, o fato de um direito estar expressamente positivado na Constituição Federal de 1988, não significa, necessariamente, que ele seja um direito fundamental (DIMOULIS, MARTINS, 2009, p. 46-53). Nas faculdades e centros universitários, por exemplo, estuda-se essa temática de forma recorrente, bem como os princípios e diretrizes do seu Sistema Único (SUS), fruto das discussões da VII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986. Essa conferência, inclusive, teve grande importância para a percepção da Reforma Sanitária, cuja luta conseguiu a inserção do direito à saúde no Texto Constitucional. (GUERRA FILHO, CORDEIRO, 2014, p. 398). Pois bem, sabe-se que os direitos são normas instituídas por determinada sociedade através de seus representantes, por serem relevantes, conforme aduz Marcos Bernardes de considerados fundamentais, como é o caso do direito ora em análise, tidos como “direitos do homem positivados” (MARMELSTEIN, 2008, p. 26). Nesse sentido, os direitos com status de fundamentais, como é o da saúde, no ordenamento jurídico pátrio são os que, devido à sua grande relevância para o Estado brasileiro, passaram a ser o alicerce sobre o qual o Estado Democrático de Direito foi construído, uma vez que esse possui como fundamento a dignidade da pessoa humana (artigo. 1º, III, da Constituição Federal de 1988). Sendo assim, por tais direitos possuírem um cunho ético e valorativo, Marmelstein (2008, p.20) conceitua-os como: “normas jurídicas, intimamente ligadas a idéia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”.
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Mello (2012, p. 33-36). Porém, alguns, além de serem priorizados, vão mais além e são
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FIDΣS Nesse contexto, o próprio conceito de saúde já demonstra claramente sua essencialidade, visto que está atrelado à uma vida sadia, de qualidade, com dignidade e boas relações no âmbito biopsicossocial, tendo em vista que sua definição é ampla demais para ser descrito com fidedignidade e integralidade. Da mesma maneira, no texto da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) de 19461, tem-se que a saúde abarca o tripé físico, social e mental, não sendo compreendida tão somente como ausência de enfermidade. Impende, ainda, mencionar que o próprio vocábulo “saúde” “deriva do latim saluus, a, aum, que tem o significado de inteiro, intacto, ou de salus, utis, com o significado de estar são, ou salvação”, nas palavras de Martins (2010, p. 499). Diante do exposto, compreende-se a saúde como um direito protegido tanto pela ordem internacional, sendo, então, considerado direito humano, como pela nacional, possuindo a natureza de direito fundamental (SARLET, FIGUEIREDO, 2008, p. 17). Então, não é inusitado que a Constituição trouxe exaustivamente a temática da seguridade relativa à promoção da saúde em sentido amplo, como se pode perceber mediante a leitura da Constituição Federal de 1988. Tal positivação do direito à saúde na Constituição Federal de 1988, nas palavras de Alexandre Lippel (2004, p. 1), “possuem duas características principais: o seu reconhecimento como direito fundamental e a definição dos princípios que regem a política pública de saúde”. Ou seja, esse direito passou a ser plenamente exigível, por não ser uma mera política pública e estabeleceu, através dos princípios, os valores a serem observados pelo Estado.
o Estado prestar assistência a todos de forma preventiva, promocional, curativa e reabilitadora, até mesmo como forma de efetivar o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Ademais, em função de sua fundamentalidade e eficácia vertical, verifica-se a vinculação do Poder Público (compreendido os três poderes – artigo. 2º da Constituição Federal de 1988) à sua observância, obrigando-o a fazer o possível para lhe conferir o máximo êxito social, e não pode ser sequer proposta de Emenda Constitucional que venha a aboli-lo, conforme o Supremo Tribunal Federal já se posicionou várias vezes em seus
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A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.
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Diante do exposto, verifica-se que o direito à saúde é subjetivo e universal, devendo
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FIDΣS julgados, a exemplo do que se constata do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286-8 2. Nesse contexto, se os direitos fundamentais trazem consigo uma grande carga axiológica, em razão de serem frutos de conquistas históricas, individuais e coletivas, tem-se que tais seguridades não servem somente como nascente de direitos subjetivos. Além disso, exercem papel valorativo, devendo, no que atine às interpretações, ser observada e conjugada com a Constituição Federal de 1988. Na primeira situação, temos a dimensão subjetiva, e na segunda, a objetiva (MENDES, 1998, p. 32-33). Com efeito, já que podem ser considerados como subjetivos, conclui-se pela existência de sua força normativa, correspondente ao não-fazer, isto é, status negativus. Na relação jurídica entre Estado e indivíduo, por exemplo, esse pode exercer suas liberdades e ao primeiro cabe a obrigação negativa, a de não fazer. Deve, portanto, o Leviatã se esquivar de interferir na esfera individual. Ora, os direitos fundamentais há muito deixaram de ser meros conselhos ou simples sentimentos nacionais. Em verdade, são direitos positivados, responsáveis por gerar pretensões e obrigações, até mesmo porque fazem parte da norma hipotética fundamental (DIMOULIS, MARTINS, 2009, p. 283). No caso da saúde, é justamente a universalidade, princípio contido na regra do artigo 196, que confere dimensão subjetiva. (MACHADO, 2007, p. 4). Assim, e em virtude dessa exigibilidade, há a possibilidade de reivindicar por vias judiciais a sua seguridade, não só como uma forma de transformar o ‘dever ser’ normativo em
qualquer pessoa usufruir do direito à saúde, desde o acesso à ambientes físicos, requisição de medicamentos, até os tratamentos médicos mais complexos. É importante ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, proposta em 1948, assegurou com clareza o respeito à efetivação dos direitos fundamentais, estabelecendo a necessidade de se permitir a proteção judicial, inclusive do direito à saúde, através de seus artigos VIII e XXV3. Esse reconhecimento decorreu, dentre outras motivações, do cenário mundial da época, a saber, pós Segunda Guerra Mundial e, 2
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AgRg no Recurso Extraordinário nº 271.286-8/RS. Segunda Turma. Min. Celso de Mello. j. 12.09.2000. DJ n. 226, publ. 24.11.2000. 3 Artigo VIII - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. Artigo XXV - Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violemos direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
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‘ser’, mas também como uma maneira de tutelar os direitos individuais do cidadão, podendo
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FIDΣS notadamente, da necessidade em amparar à pessoa humana em sentido amplo. Nesse viés, então, explicitou-se declaradamente a atenção dada a esse ramo por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que se fundamenta no respeito à dignidade da pessoa humana, e para o alcance deste objetivo, faz-se necessário uma proteção do direito à saúde, condicionante desta prospectiva dignidade. Sobre a força normativa, é de bom alvitre, uma vez mais, invocar o escólio de Marmelstein (2008, p. 283), para quem “o reconhecimento dessa força potencializa os direitos fundamentais e ocasiona a mudança de paradigma na aplicação do direito”. Dessa forma, não se cabe mais discutir sobre a aplicabilidade do direito à saúde, posto que esse não pode ser mais considerado uma norma programática dotada de ineficácia social. E ainda, por ter natureza de direito fundamental deve ser aplicado em sua máxima efetividade conforme princípios de interpretação da nova hermenêutica constitucional, pautada, outrossim, no princípio da força normativa da Constituição. Em contrapartida, já em relação à dimensão objetiva, tem-se que essa é mais recente, tendo seu pioneirismo expresso no reconhecimento jurisprudencial no julgamento Lüth no ano de 1958. Paulo Bonavides (2007, p. 557 e 558) constata ser esse tema o fruto da notável mudança de paradigma pela qual passou o constitucionalismo ao longo do século XX. Ademais, esclarece esse autor na mesma obra, que a antiga “relação direta, exclusiva e unidimensional do cidadão com o Estado”, característica “do status negativus e do subjetivismo individualista da idade liberal”, foi definitivamente superada por outra relação, mais ampla, “pluridimensional e plurifuncional”, que é a do status positivus.
implicou na evolução da norma de direito fundamental, a qual passou agora a ser reconhecida como “norma objetiva, de validade universal, de conteúdo indeterminado e aberto, e que não pertence nem ao Direito Público, nem ao Direito Privado, mas compõe a abóbada de todo o ordenamento jurídico”, ainda conforme as assertivas desse jurista. Tal afirmação se encaixa perfeitamente com o princípio da universalidade do direito à saúde, ou seja, a partir dessa concepção o Estado deixa de se preocupar somente com sua relação com o indivíduo (primeira categoria4 de direitos fundamentais) para conseguir efeitos maiores no que tange à sua relação com a sociedade (segunda categoria), principalmente diante de uma Constituição
4
Também chamada de gerações de direitos fundamentais ou dimensões. Para uma análise maior das nomenclaturas, conferir DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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Assim, o deslocamento do eixo Estado-Cidadão para o patamar Estado-Sociedade
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FIDΣS prenhe de direitos sociais como é a saúde, a moradia, a educação, segurança, lazer entre outros. Segundo Sarlet (2008, p. 69), a eficácia irradiante dos direitos fundamentais é o primeiro desdobramento de sua “força jurídico-objetiva”, pois “fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação do direito infraconstitucional”. Essa eficácia irradiante, portanto, concretiza-se na utilização do princípio hermenêutico da interpretação conforme a Constituição, haja vista que o poder público deve interpretar e aplicar o direito infraconstitucional em consonância com o conteúdo axiológico do direito fundamental em análise. Na contemporânea dogmática dos direitos fundamentais, a dimensão objetiva não deve ser considerada uma “função nova” desses direitos, mas deve, sim, funcionar como “fundamento para outras funções, cujos contornos e importância específica dificilmente podem ser avaliados de forma precisa e apriorística”, o que, no caso do direito à saúde, produz a necessidade de se ter um sistema que traga efetividade a esse direito (SARLET, 2008, p. 175-176). Por essa ótica, lê-se, nas palavras de Rios (2009, p.5), “o SUS e suas diretrizes, a responsabilidade da iniciativa privada, a responsabilidade do Poder Público na organização e no desenho institucional das políticas de saúde”, serem tão importantes, posto que são frutos da dimensão objetiva do direito à saúde. Como asseverado anteriormente, o direito à saúde é fundamental, logo serve como direcionamento interpretativo de outras normas, sejam constitucional ou infraconstitucional, inclusive para àquelas relativas ao direito privado. Em outras palavras, a dimensão objetiva do
analisados à luz daquele. É o que acontece quando se interpreta casos que envolvem integridade física, direito à vida, dignidade da pessoa humana, entre outros, bem como nos casos de omissão legislativa e do poder público. Nessa perspectiva, o caráter objetivo do direito fundamental à saúde, ao concretizar os valores havidos como os mais preciosos da ordem constitucional democrática, exsurge patente sua vocação primordial de ferramentas limitadoras de qualquer manifestação de poder, não apenas aquele advindo dos entes públicos. Igualmente importante é a caracterização do direito fundamental à saúde como diretriz objetiva de competência negativa, visto que aos órgãos estatais, especialmente no tocante à atividade do legislador, impõe-se a obrigação de respeitar um nível mínimo de proteção adequado a esse direito social assegurado pela Constituição Federal, evitando trazer
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direito à saúde irradia efeitos para outros direitos que devem, quando houver pertinência, ser
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FIDΣS ao ordenamento jurídico leis, atos ou ações de fato redutoras, com potencial para enfraquecer ou limitar o direito à saúde. Diante da conjuntura jurídica relatada sobre o tema em análise, mostra-se no momento atual, ainda mais verdadeira a opinião de Sarmento (2003, p. 253), no sentido de que a profunda crise vivida pelo Estado Social, decorre de múltiplos fatores, “não deve significar o abandono dos ideais humanitários e de igualdade substantiva, liberdade material e solidariedade que nutriam axiologicamente o Welfare State”. Impõe-se como necessário “articular novas estratégias e abordagens” para enfrentar “os mesmos problemas de justiça social que o capitalismo liberal não equacionou nem jamais equacionará”. E nesse panorama, arremata o autor, na página seguinte, que “a teoria da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, de matriz germânica, pode representar uma importante contribuição”.
3 DA IMPORTÂNCIA DAS MEDIDAS DE PREVENÇÃO PARA EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
A desembargadora federal, Marga Inge Barth Tessler (2009, p. 1-3), em seu artigo “Medicina baseada em evidências e o direito à saúde” por ela apresentado no I Congresso Brasileiro de Medicina Baseada em Evidências, com o objetivo de debater perspectivas em
“3º) Paciente de 30 anos, no 8º mês da sua primeira gestação, apresenta inchaço no corpo, pressão alta e alterações vasculares no exame do fundo de olho. Fez pré-natal em hospital-escola no SUS e, perguntada se foi orientada sobre o uso de cálcio, ácido acetil salicílico, informa não ter recebido nenhum tipo de prescrição ou orientação sobre o assunto. O médico faz diagnóstico de pré-eclâmpsia grave. A paciente pergunta se havia possibilidade de prevenção dos problemas.”
Percebe-se, ao final da ementa, que a própria paciente questiona sobre a prevenção. Ora, frequentemente na rede pública de saúde, profissionais se deparam com casos que, embora graves naquele momento, poderiam ter sido evitados caso existisse uma prevenção maior dessas patologias, a saber, por meio da distribuição contínua de informativos sobre alimentação adequada no estado gestacional, ou mesmo a inclusão de programas relativos à saúde alimentar nas escolas para as mães; a execução – e ampliação - de programas estimulantes da atividade física para gestantes; a veiculação publicitária mais acentuada sobre o consumo de bens prejudiciais à saúde, como o tabaco e o álcool, sobretudo as consequências desse consumo na gestação, entre outras medidas.
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torno de três casos, ementa um destes, da seguinte forma:
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FIDΣS Martins (2010, p. 500) afirma que “o sistema de saúde deve abranger três espécies de categorias: prevenção, proteção e recuperação”, sendo a primeira categoria compreendida pelo mesmo autor como os “meios para evitar doenças, incluindo a vigilância sanitária e epidemiológica”. Dessa forma, verifica-se que o dever do Estado de efetivar o direito à saúde deve abarcar ações também de prevenção e não somente de cura no objetivo de recuperar o indivíduo enfermo. Em alusão à questão de incluir a prevenção na programática da saúde, Chimenti (2010, p. 531), por sua vez, assevera que “a prevenção do risco doença e de outros agravos está inserida na etapa de promoção do direito à saúde”. Em concordância com esse posicionamento, aduz o estudioso George Marmelstein (2008, p. 287), cuja tese afirma ser essencial à inclusão de medidas preventivas para a população, haja vistas serem basilares e compreendidas como sendo o fornecimento mínimo pela via estatal de tutela desse direito. Ademais, Chimenti (2010, p. 531) cita ainda as campanhas de prevenção, especialmente as que se relacionam com o combate à contaminação pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana, em inglês), como exemplo de atuação do Estado nos períodos do carnaval ou outras festas de grande porte. Sem embargos, as campanhas de prevenção são meios importantes para prevenção de doenças, inclusive a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em inglês) que, conforme dados de relatório publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas), o número de infecção cresceu 11% (onze por cento) no Brasil nos últimos anos5 conforme relatório da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) (2014, p. da
rede regional e nacional, e de ações educativas, cada uma em sua vertente. Além disso, o direito fundamental e universal à saúde deve ser explorado, nas lições de Guerra Filho e Cordeiro (2014, p. 389) de uma forma interdisciplinar, haja vista que a ciência jurídica se relaciona com diversas áreas do conhecimento, sejam campos da própria dogmática jurídica, como o direito ambiental em associação com o direito à saúde, ou outros segmentos correlatos. Dessa forma, faz-se necessário invocar analogicamente o princípio da prevenção do direito ambiental e aplicá-lo ao direito à saúde, como forma de dar-se interdisciplinarmente maior atenção às ações de prevenção de enfermidades.
5
NETO, Ademar. Brasil teve aumento de 11% nos casos de HIV. Disponível em: <http://altosnoticia.com.br/artigo/3-brasil/brasil-teve-aumento-de-11-nos-casos-de-hiv/>. Acesso em: 12 ago. 2014.
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internet), noticiado nos jornais nacionais, provavelmente, por diminuição de campanhas em
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FIDΣS Sobre essa temática, a prevenção no direito ambiental, volta-se para as ações anteriormente ao dano, ou até mesmo, do risco. É, portanto, princípio essencial, posto que prioriza
medidas
responsáveis
por
evitar
danos
ao
meio
ambiente,
reduzindo,
significativamente, as causas que podem acarretar a poluição ao meio ambiente (PADILHA, 2007, p. 253). O princípio em análise é de todo aplicável ao direito à saúde, o qual também necessita da prevenção com o objetivo de, até mesmo, diminuir os altos custos do SUS, uma vez que, por óbvio, gasta-se mais com a promoção da cura de enfermidades que com a adoção de medidas preventivas. Sendo assim, a prevenção rememora o adágio popular “antes prevenir do que remediar”, o que, sem dúvida, resolveria muitos problemas existentes na saúde brasileira em sentido amplo. Veja-se que em muitos casos, depois de ocorrido o dano à saúde, é difícil ou às vezes impossível, o retorno sadio do paciente, a exemplo do AVE (Acidente Vascular Encefálico), infarto, entre outras enfermidades passíveis de sequelas. Em matéria de saúde, as medidas preventivas, portanto, pressupõem a adoção de mecanismos antecessores ao dano concreto, mas que as causas, utilizando-se analogicamente do conceito doutrinário ambientalista, desses danos sejam conhecidas (SANTIAGO, 2012, p. 83). Assim, para que se tenha êxito na medida preventiva, é necessário ter-se o devido conhecimento dos fatores fisiológicos, ambientais e socioeconômicos, causadores do dano ao qual pretende-se combater preventivamente. Dessa forma, é preciso evitar a concretização do dano ou, minimamente, trabalhar em prol da redução de suas causas com o intuito de coibir seus efeitos. Como exemplo, tem-se
reeducação da população na exposição ao sol e na dieta alimentar, ou seja, posturas que podem ser implantadas através de vários setores, como as escolas. Porquanto, as condutas preventivas podem ser efetivadas através de programas educacionais. Esses visando promover uma alimentação saudável à crianças e adolescentes, recomendando e incentivando o uso de protetor solar quando forem expor os alunos ao sol e aos demais ambientes em que haja incidência direta ou indireta de raios solares. E ainda, de maneira análoga e igualmente benéfica, poderia ser instituído um critério de seleção relativo ao fornecimento de alimentos aos empregados, o qual deveria pautar-se em refeições balanceadas e, também, a oferta de equipamentos de proteção individual caso haja situações de significativa exposição solar. Percebe-se, então, que existe uma grande variedade de alternativas a serem usadas como meios de prevenção, dentre elas, obviamente, a promoção dos sistemas de educação,
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também o câncer de pele e a diabetes tipo II, duas enfermidades cuja prevenção pressupõe
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FIDΣS embora não seja a única forma de prevenção, haja vista também existirem os fatores genéticos que podem ocasionar doenças, são de elevada importância. Nesse tom, a educação possui um papel de grande relevância, posto que é uma arma cujas benesses vão além de sua atividade, promovendo, na ótica analisada, a prevenção de enfermidades. Destarte, a partir do momento que a população possui um desenvolvimento educacional maior, logicamente, a mesma terá mais consciência sobre medidas simples capazes de erradicar doenças, como a dengue, ainda existente no Brasil. Esse já era, segundo Guerra Filho e Cordeiro (2014, p. 394), “o pensamento dos sanitaristas brasileiros que se firmou em 1940, baseado na compreensão que os indicadores do nível de saúde estão articulados ao processo de desenvolvimento econômico, social, político e cultural do País”. Esses tipos de desenvolvimento supracitados também são importantes para a democratização da saúde, vista como um direito de quarta categoria, em que o cidadão traz à sua realidade social a diretriz do inciso III do artigo 198 da Constituição Federal de 1988, qual seja, participação da comunidade, até mesmo porque, conforme se extrai dos estudos de Häberle (1997, p. 37), a população é somente um dos quatro grandes grupos de intérpretes da Lei Maior. Assim, a população como sociedade aberta à interpretação constitucional pode ser um participante nas tomadas de decisões sobre as políticas de saúde. Diante do exposto, é indelével que a prevenção é algo intrínseco à efetivação do direito à saúde, haja vista esta implicar não somente a medicina curativa, mas também a promoção de qualidade de vida das populações e, mesmo, o aproveitamento eficaz dos recursos. Essa ideia, obviamente, dependente de políticas públicas adequadas como as outros meios, assim como, “o esclarecimento e educação da população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de vacinação”, conforme esclarece Carvalho (2009, p. 1459). Nesse ínterim, não basta o Brasil ser a quinta maior economia do mundo se tal título não traz efetividade à um direito básico do ordenamento jurídico nacional como a saúde. Ofensa à saúde é, por consequência, ferir de morte a dignidade da pessoa humana, é levar o indivíduo a um processo de coisificação, no qual o indivíduo é visto como um objeto, desprovido de direitos (MARMELSTEIN, 2008, p. 18). E para se evitar tais ultrajes, a prevenção existe e deve ser observada como elemento de concretude ao direito fundamental à saúde. Como forma de prevenção nos dias atuais, tem-se visto, no Brasil, ações realizadas pela atenção básica, uma vez que a porta de entrada de um usuário do serviço público deve ser
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campanhas educacionais, contratação de agentes de saúde no combate a endemias, entre
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FIDΣS sempre esta, posto que as unidades básicas de saúde já estão atualmente em iminência de possuir uma melhora da qualidade de serviço prestado e é justamente nesse foco que o governo se compromete enfaticamente em garantir tal parte do processo de adaptação do usuário (GIOVANELLA, 2009, p. 784). Visando a acessibilidade de uma determinada população, o governo federal idealizou e proferiu a “Rede Cegonha”, outorgada pela Portaria nº 1.459, de 24 de Junho de 2011 e a Portaria nº 650, de 5 de Outubro de 2011 e criada dia 24 de março do mesmo ano. Essa iniciativa foi financiada por verba pública e seu objetivo era promover a assistência à saúde da mulher e da criança, em especial na atenção do parto, ao nascer, crescer e desenvolver da criança. O acolhimento e a resolutividade são fatores cruciais de fomento da Rede Cegonha e o cuidado para reduzir a mortalidade materno-infantil também é evidente. Com a implantação da rede em comento, o governo exerce sua função e, sobretudo, demonstra sua atuação exitosa em razão da redução de números drásticos de morte nesta população e, diante disso, auxilia fortemente na capacitação de profissionais para a assistência ao pré-natal adequado, melhorando qualidade de vida de a mãe e filho. A Rede Cegonha merece destaque por ser um programa implementado nas bases doutrinárias do SUS, ou seja, atribuindo universalidade, equidade e integralidade ao serviço, estimulando a humanização em primeiro aspecto, para haver um atendimento verdadeiramente humanizado. O foco dessa rede, como já mencionado, é o pré-natal, considerando o parto, nascimento, puerpério e sanitarismo com regulação. A Rede Cegonha está nas discussões das Redes de Atenção, propostas do governo para tratar de pontos específicos, como a
apodera-se da realidade de prevenção de agravos e da promoção da qualidade de vida, vindo a concordar com estratégias de atenção primária, corroborando com a diminuição de gastos com problemas futuros e proporcionando igual acesso à saúde para a realização desse intento. (CAVALCANTI, 2013, p. 1299-1300). Outra forma de incentivo ao acesso à saúde foi a criação da “Rede Amamenta Brasil”, no qual o Aleitamento Materno adentra como o foco principal das ações de educação em saúde, tendo como primeiro propósito incentivar nas mulheres um apoio social à amamentação, ressaltando sua necessidade e os riscos que a mãe e o filho correm por não fazê-la. Como uma proposta descentralizada e vinculada ao SUS, essa estratégia desponta ações de todos os poderes vigentes (federal, estadual e municipal) em prol da qualidade de vida da mãe e do recém-nascido em período favorável. As campanhas, em seu turno,
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mortalidade de um grupo determinado da população. Salienta-se também que essa iniciativa
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FIDΣS perduram por toda a nação e a aprendizagem é o diagrama de base para que ela seja evidente e realmente atinja os objetivos almejados (Ministério da Saúde,2009, p. 8). Inclusive, tem-se que o acesso à saúde é algo estudado em todos os seus entraves. A qualidade da oferta provida por instituições de grande porte varia conforme condições adversas, tais como localização, profissionais, incentivo, dentre outras (PUCCINI, CECILIO, 2004, p. 1343). Exemplificando, um indivíduo que reside na periferia com acesso ao serviço de saúde apenas por via fluvial sofrerá uma diminuição de sua qualidade de vida em comparação a outro que habite em locais centrais, variando positivamente o incentivo e o acesso. A inovação deve ser efetiva no sentido de promover o acesso à saúde independentemente de qualquer condição em que o indivíduo se apresente. (BONATO, 2011, p. 319-320) Analisando a saúde como um fator biopsicossocial, é inadmissível atê-la apenas à fatores diretos que se relacionam ao serviço prestado em saúde. As ações transversais e intersetoriais são de cunho fundamental para a organização da vigência em saúde. Nessa perspectiva, fatores como melhor distribuição de renda, geração de força em cidadania, melhoria de qualidade de vida, moradia digna, lazer e educação de qualidade combinam e confluem para a garantia de uma saúde adequada a qualquer indivíduo e, repise-se, servem como prevenção de enfermidades futuras. (SANCHEZ, CICONELLI, 2012, p. 264-265; TRAVASSOS, MARTINS, 2004, p. S190)
Assim, como se estuda constantemente meios que previnam o não surgimento de conflitos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, também é necessário efetivar o direito à saúde dentro do plano da prevenção, visando diminuir o grande número de enfermidades e patologias incidentes na população brasileira que lota os leitos, macas e corredores dos hospitais públicos, afinal “prevenção ainda é o melhor remédio”. Efetivar o direito à saúde não deve ser uma missão tão somente do Poder Público e dos juízes e tribunais quando postos a análise de algum caso concreto relacionado a tal direito, mas também de toda a população brasileira, posto que é dever de todos zelar pelos direitos fundamentais. Esse é o objetivo de uma República Federativa como a brasileira, cujo ideal é a construção de uma sociedade fundamentada na solidariedade, na liberdade e na justiça, e que,
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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FIDΣS além disso, combate as injustiças presentes, visa erradicar a pobreza, e promove o bem de todos, inclusive, com os meios de promover e proteger o direito fundamental à saúde. Seguramente, o direito à saúde é um desafio hodierno de todas as classes, posto que sua exigência mínima para devida efetivação requer do Poder Público dispêndio financeiro alto, bem como políticas públicas mais efetivas e maior acesso da população ao atendimento médico básico. Em síntese, considera-se a prevenção uma das grandes formas de diminuição dos gastos com saúde pública, haja vista que essa evita o excesso de pessoas enfermas que necessitarão de um tratamento, muitas vezes, mais caro do que a prevenção, bem como promove uma sadia qualidade de vida à todos. E para alcançar esse objetivo, é necessário trabalhar em setores que possam auxiliar o poder público a combater várias doenças, tais como as escolas, empresas públicas e privadas, qualificação de agentes de saúde, universidades, e, principalmente, a promoção de programas educativos à população, semelhantes aos explicitados supra. Por fim, a judicialização da saúde seria minimizada com a prevenção enfatizada desse direito, assim como constantemente se vê em relação ao meio ambiente, uma vez que haveria uma diminuição efetiva de responsabilização do Estado. Dessa forma, a redução na taxa de mortalidade e o aumento da longevidade no país poderão ser advindos de cuidados prévios como as medidas preventivas, garantindo o real acesso aos serviços de saúde.
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FIDÎŁS
PREVENTION AS A MEANS OF ACHIEVEMENT OF THE FUNDAMENTAL RIGHT TO HEALTH
ABSTRACT This paper, through a qualitative methodology, deals with the prevention as a way to achieve the right to health as fundamental by the Brazilian legal system, explaining its contents and objective and subjective dimensions. Then, using the analogy principle of prevention of environmental doctrine, studying prevention as a means of avoiding damages that cause various diseases in the population and crowd the public hospitals. In conclusion, it has the right to health should be promoted also through preventive measures and not only healing and the Government should work with various industries to bring quality of life to all.
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Keywords: Prevention. Right to health. Effectiveness.
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FIDΣS Recebido 13 jul. 2014 Aceito 14 set. 2014
A TRIBUTAÇÃO INDUTORA E A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS Arthur Magnus Dantas de Araújo*
RESUMO Estudar a tributação indutora, especificamente, a imunidade tributária dos partidos políticos, partindo da premissa de que a imunidade em geral é legitimada pelos direitos e princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Daí buscar-se-á na Constituição Federal de 1988 quais dispositivos são concretizados com a imunidade de tais entes. Ao fim, concluir-se-á que a imunidade tributária dos partidos políticos é bastante pertinente, pois induz positivamente o princípio democrático, o pluralismo político e outros
Palavras-chave: Tributação indutora. Imunidade. Partidos políticos.
1 INTRODUÇÃO
Constantemente, o estudo dos tributos mais se voltava para o seu aspecto primordial (se é que assim ainda se pode referir), o qual consiste no fato de arrecadar recursos para o Estado para que este possa desempenhar, de forma plena, as suas funções. A dinamicidade da vida contemporânea, no entanto, aliada a previsíveis momentos de crise econômica vividos pelos países de sistema de mercado, fez com que, a partir especialmente da segunda metade do século XX, os estudiosos reforçassem sua atenção para *
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direitos e princípios fundamentais.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado em Natal/RN.
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FIDΣS outro paradigma, que é o poder próprio do tributo de influenciar condutas dos agentes econômicos. Por sua vez, a imunidade tributária – um dos instrumentos da tributação indutora possui relação direta com os direitos fundamentais, como será ao longo deste trabalho especificado. Sendo assim, a partir desses dois aspectos, pode-se concluir que o constituinte pátrio tinha em mente garantir determinados direitos fundamentais ao conferir a imunidade tributária relativa aos partidos políticos, o que torna necessária uma perquirição acerca daqueles e um estudo da imunidade tributária à luz da Constituição Federal de 1988. Diante disso, considerando a grande relevância dos direitos fundamentais, mister vislumbrar como a tributação indutora, no aspecto específico da imunidade tributária dos partidos políticos, propicia a concretização de direitos fundamentais.
2 TRIBUTAÇÃO INDUTORA
Inicialmente, faz-se necessário, para o pleno esclarecimento do tema, tratar da tributação indutora, demonstrando alguns apontamentos e os instrumentos que são postos à disposição do Estado, caso decida dela se utilizar, como são exemplos as isenções e as imunidades tributárias, sendo que estas últimas estão diretamente relacionadas com o tema.
Primordialmente, inegável que a principal função dos tributos é a fiscal, isto é, arrecadar recursos para que o Estado possa deles se utilizar no sentido de angariar seus objetivos, a depender da política pública que seja escolhida pelo seu dirigente. Entretanto, a partir do momento em que se sai do liberalismo puro e se passa para o Estado Democrático de Direito, em que ocorre intervenção por parte do Estado na economia (e isso é um processo vivido atualmente pela imensa maioria dos países capitalistas), a tributação com o escopo de induzir condutas, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões e desestimulando outras condutas (MACHADO, 2012, p.69), ganha extrema importância, podendo-se, até mesmo, dizer que, atualmente, a função extrafiscal é tão importante quanto a fiscal.
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2.1 BREVES APONTAMENTOS ACERCA DA TRIBUTAÇÃO INDUTORA
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FIDΣS É notório que o comportamento humano reage a estímulos pecuniários, de modo que “sendo os recursos econômicos escassos, a decisão será aquela que maximize o seu bem estar em face dos recursos de que dispõe” (PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 17). A partir disso, fácil se torna concluir que o Estado utiliza-se da tributação para intervir no campo econômico, explorando a função extrafiscal dos tributos. Dessa maneira, essa ação estatal vai ocasionar uma reação por parte dos agentes econômicos, os quais tenderão a adotar uma posição que lhes seja mais vantajosa no âmbito do mercado. Isto é, o tratamento dado aos tributos, em determinadas circunstâncias, vai induzir o comportamento dos agentes econômicos, o que pode, até mesmo, ser uma indução negativa, de que é exemplo o programa de recuperação fiscal, REFIS. Assim, explanado como ocorre a tributação indutora, um processo ação-reação entre, respectivamente, Estado e agente econômico, pode-se perquirir, agora, sobre a razão de ser da tributação indutora, ou seja, o que leva o ente estatal a dela se utilizar, como tão frequentemente tem feito nos últimos tempos. O mecanismo da tributação, mormente a extrafiscal, possui relação muito significativa com a efetividade dos princípios constitucionais. É nítida sua relação, por exemplo, com os princípios elencados na ordem econômica da Constituição Federal de 1988,
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – Soberania Nacional; II – Propriedade privada; III – Função social da propriedade; IV- Livre concorrência; V – Defesa do consumidor; VI – Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – Redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – Busca do pleno emprego; IX – Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Parágrafo Único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Com efeito, o Estado garante o direito à propriedade, quando estabelece a vedação ao confisco; garante a função social da propriedade, por seu turno, com o IPTU progressivo;
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tal como dispõe o art. 170 a seguir:
enfatiza a defesa da concorrência com a não-cumulatividade (Cf. BORGES, 2011, p. 335197
FIDΣS 375); focaliza a busca do pleno emprego, quando tributa menos atividades empregadoras que especulativas; defende a soberania nacional, através da tributação, ao apoiar e estimular as empresas que investem em pesquisa e criação de tecnologia adequada ao país; tutela o direito do consumidor, quando tributa menos os produtos e serviços essenciais etc (SCHOUERI, 2005, p. 535-558). Poder-se-ia, argumentar, igualmente, que a tributação indutora, mecanismo de intervenção estatal na economia, é utilizada quando a economia privada impede que se efetive o desenvolvimento econômico. A tributação indutora pode ser utilizada, também, como mecanismo para redistribuir riquezas, proteger a indústria ou o mercado interno, facilitar o desenvolvimento regional, combater a inflação, disseminar a cultura, entre outros. (ABRAHAM, 2010, p. 63) De igual modo, podem ainda ser elencados, conforme Dória (1986, p. 175): o comando da conjuntura econômica, as barreiras alfandegárias, a correção de males sociais, a redistribuição da renda nacional. Da doutrina italiana, extrai-se pensamento semelhante, quanto aos propósitos da tributação indutora, como se pode aferir por meio de EzioVanoni, citado por Abraham (2010, p.64): O Estado não oferece apenas segurança interna e externa, proteção à indústria, ao comércio, à agricultura, mas tende ainda, pela sua atividade, a promover obras culturais, a socorrer indigentes e os doentes, a favorecer a elevação moral e intelectual das classes inferiores etc.; em todas estas atividades é fácil envergar uma função distributiva do estado.
estatal se justifica para equilibrar o mercado, com o fim de se chegar à igualdade material, objetivo central em um Estado Democrático de Direito. Nada obstante, urge salientar que da forma como vem sendo aplicada no Brasil, a tributação indutora não está sendo efetiva, já que acaba se desvirtuando, pois muitas vezes carece de parâmetros objetivos.
2.2 INSTRUMENTOS DA TRIBUTAÇÃO INDUTORA
Careceria de sentido abordar a tributação indutora, sem que, ainda que brevemente, não se mencionassem os instrumentos postos à mercê do Estado para a sua utilização. Desse modo, três instrumentos principais podem ser elencados no presente momento: a majoração de alíquotas, a progressividade e os incentivos. Impõe-se que façamos uma breve digressão sobre cada um deles.
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Em consonância com os argumentos expostos, o que se tem é que a intervenção
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FIDΣS A majoração de alíquotas deve atender a circunstâncias especiais, momentâneas, de modo que, quando estas cessarem, poder-se-á, até mesmo, falar em direito subjetivo à redução da alíquota previamente majorada. Isso porque a majoração deve ser proporcional ao grau de intervenção. Por outro lado, de acordo com Carvalho (2011, p. 1-223), citando Rubens Gomes de Sousa, a progressividade é um instrumento que visa à melhor distribuição de renda. Aqui, a alíquota é fixada na lei em porcentagem variável conforme o valor da matéria tributável. Atende também ao princípio da capacidade contributiva. Já os incentivos buscam uma vantagem econômica como contrapartida. Nesse aspecto, tais instrumentos podem ser subdivididos em reduções e alíquotas zero, isenções, imunidades, benefícios protelatórios e os perdões. No que diz respeito à alíquota zero e às reduções, estas podem ocorrer nos casos específicos em que a Constituição Federal de 1988 autoriza o fluxo de alíquotas por parte tão somente de ato do Poder Executivo, haja vista o eminente caráter extrafiscal dos tributos que
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – Exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – Renda e proventos de qualquer natureza; IV – Produtos industrializados; V – Operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – Propriedade territorial rural; VII- Grandes fortunas, nos termos da lei complementar. §1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. [...]
Na realidade, tanto a alíquota zero quanto as reduções representam verdadeiras renúncias de receita por parte do Estado. Observa-se, no entanto, que muitas vezes tal renúncia não cumpre a sua finalidade, sem falar que há, via de regra, meios menos gravosos para o Estado, os quais não são nem considerados, do que se pode concluir pela falta, em tais ocasiões, de visão técnica/econômica. Por seu turno, as imunidades (que serão detalhadas no tópico a seguir) estão previstas constitucionalmente e acabam por se relacionar com os direitos fundamentais, enquanto que as isenções são previstas por meio de lei e constituem exclusão do crédito tributário. Já no âmbito infralegal, têm-se os benefícios protelatórios e os perdões. Os primeiros, que representam um mal para o sistema tributário, findam induzindo o contribuinte
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recebem o permissivo constitucional no art. 153, §1º, conforme observa-se a seguir:
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FIDΣS negativamente, como é o caso, já mencionado, do REFIS, em que se torna mais vantajoso para o agente econômico permanecer inadimplente. Os últimos devem ser usados somente em situações excepcionalíssimas, pois, em si, geram desigualdades. Há de existir uma justificativa plausível para o perdão, devendo-se, sempre, ter-se em mente o princípio da proporcionalidade.
3 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E SUA RELAÇÃO COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Umas das primeiras noções que a palavra imunidade passa é a de privilégio. Basta uma simples consulta a um dicionário de língua portuguesa e pode-se notar o vocábulo definido, entre outras coisas, como sinônimo de direitos, privilégios ou vantagens de que alguém desfruta por causa do cargo ou função que exerce (FERREIRA, 2001, p.378). De igual modo, quando se fala em imunidade tributária, certamente a noção de privilégio vem à tona. Ocorre que, nada obstante as imunidades tributárias realmente proporcionarem vantagens para aqueles que são imunes, não buscar a verdadeira razão de ser de tal instituto em nosso sistema constitucional-tributário seria de uma ignorância aberrante. É justamente esse o intuito deste tópico. Destarte, em um apanhado doutrinário, não se tem tanta discrepância em relação ao conceito de imunidade. Há quem destaque a condição de vedação constitucional à
não incidência qualificada na Constituição Federal de 1988 (MORAES citado por CARVALHO, 2009, p. 195-202). Nesse diapasão, o professor Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 202), por sua vez, argumenta que a imunidade não é uma limitação constitucional às competências tributárias, tampouco exclusão ou supressão do poder de tributar, nos seguintes termos:
Os dispositivos que identificam a chamada imunidade tributária devem ser concebidos como singelas regras que colaboram no desenho do quadro das competências, expostas, todavia, por meio de esquemas sintáticos proibitivos ou vedatórios. Ademais, inexiste cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador constitucional, para, em momento posterior, ser mutilada pelo recurso da imunidade, sendo que a regra que imuniza é uma das múltiplas formas de demarcação de competência.
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competência tributária (MARTINS, 2008, p.283), ou aqueles que a veem como hipótese de
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FIDΣS Já no que diz respeito à imunidade como exclusão ou supressão do poder tributário, Paulo Barros de Carvalho (2009, p. 202) ainda refere-se à etimologia dos verbos excluir e suprimir da seguinte forma:
A imunidade não tem o condão nem de excluir, nem de suprimir competências tributárias, uma vez que estas representam o resultado de uma conjunção de normas constitucionais, entre elas, as de imunidade tributária. A competência para legislar, quando surge, já vem com as demarcações que os preceitos da Constituição fixaram.
Para o doutrinador (2009, p. 204), a imunidade seria uma classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal de 1988, estabelecendo, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. Luciano Amaro, por fim, sustenta que a imunidade tributária é a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, em virtude de algum aspecto pessoal ou material, não autoriza a instituição do tributo (AMARO, 2010, p. 174). Destarte, uma coisa que facilmente pode se depreender de todos esses pontos de vista apresentados é a ínsita relação entre o instituto da imunidade tributária e a Constituição Federal, no caso, a de 1988. E é justamente a partir disso que deve ser buscada a razão de ser dessa forma de limitação ao poder de tributar do Estado. Em outras palavras, a finalidade da
no próprio texto constitucional. Nessa esteira, não se pode olvidar dos ensinamentos de Paulo Caliendo (2005, p. 379) para quem o “entendimento do sistema tributário como um sistema constitucional significa compreender o direito tributário composto por normas (princípios e regras) no interior de um discurso que fundamentalmente é constitucional”. Na perspectiva, portanto, do sistema tributário à luz do sistema constitucional, a imunidade tributária encontra sua legitimação à medida que fomenta valores presentes (explícitos ou implícitos) na Constituição Federal de 1988. Tal ideia restou muito bem apresentada por Ricardo Lobo Torres, em que o renomado jurista põe a fonte de legitimação da imunidade tributária no princípio das
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imunidade tributária, mecanismo da tributação indutora, é consubstanciar valores agregados
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FIDΣS liberdades do contribuinte frente ao Estado, explanando a tese da autolimitação dos direitos humanos (TORRES, 2005, p. 305-331). Na onda do Estado Democrático de Direito, portanto, parece que o mais acertado é entender o instituto das imunidades tributárias como ferramenta dos entes contribuintes em face do Estado, enfatizando as liberdades daqueles em face deste. Isto é, abandona-se a ideia positivista de analisar a imunidade tributária como exercício da soberania estatal, para fundar a sua legitimação no fato de garantir as finalidades estatais, que nada mais são (ou, ao menos, deveriam ser) o conjunto dos objetivos, valores e princípios encartados na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido leciona Humberto Ávilla (2010, p. 218): Os fatos e situações excluídos do poder de tributar do estado correspondem a fatos e situações cuja soma forma atividades a serem estimuladas pelo Estado. O dever de o Estado garantir a estrutura federativa implica excluir de cada ente federado o poder de tributar o patrimônio, renda ou serviço dos outros (art. 150, VI, a). O dever de o Estado estimular e garantir a liberdade religiosa e de culto implica excluir da tributação os templos de qualquer culto (art. 150, VI, b). O dever do Estado em garantir o processe democrático, em erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento social implica excluir da tributação o patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de assistência social sem fins lucrativos (art. 150, VI, c). O dever de o Estado estimular a difusão das ideias implica a proibição de tributar livros, jornais periódicos e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, d). Isso equivale a dizer que a causa justificativa da imunidade é facilitar, por meio da exclusão dos encargos tributários, a consecução de finalidades que devem ser atingidas pelo próprio Estado.
Em resumo, a relação entre a imunidade tributária e a Constituição Federal de 1988 implica que aquela encontra sua legitimação, sua razão de ser, no fato de incentivar, dentro do
dos agentes econômicos. Finalmente, não poderia ser diferente com a imunidade concedida pelo art. 150, VI, c, da Constituição Federal de 1988. Resta saber, no entanto, o propósito de tal imunidade, isto é, quais dispositivos ou princípios constitucionais são garantidos em tal mandamento constitucional. Em outras palavras, o que quer a Constituição Federal de 1988 com norma de cunho eminentemente indutora? É o que se passa a analisar a seguir.
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escopo das normas indutoras, o arcabouço constitucional, influenciando condutas por parte
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FIDΣS 4 IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS (RAZÃO DE SER)
Antes de adentrarmos especificamente na razão de ser da imunidade dos partidos políticos, é pertinente que se faça uma breve elucidação acerca do que são os partidos políticos e qual propósito de sua existência no ordenamento jurídico brasileiro.
4.1 IMPORTÂNCIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM UM REGIME DEMOCRÁTICO Os partidos políticos, pessoas jurídicas de direito privado,1 podem ser conceituados como uma entidade formada por um grupo de pessoas as quais almejam, como representantes do povo, disseminar suas políticas caracterizantes, isto é, seus ideais nas mais diversas frentes, como política de governo. Em semelhante sentido, Djalma Pinto (PINTO, 2010, p. 99) ensina que tais pessoas jurídicas de direito privado visam a atingir o poder para conduzir os interesses da sociedade de acordo com seus ideais e princípios. Já Norberto Bobbio, juntamente com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (1992, p. 899) enfatizam, ao tratarem dos partidos políticos, a demanda de participação no processo de formação das decisões políticas, da seguinte O nascimento e o desenvolvimento dos partidos está ligado ao problema da participação, ou seja, ao progressivo aumento da demanda de participação no processo de formação das decisões políticas, por parte de classes e estratos diversos da sociedade. Tal demanda de participação se apresenta de modo mais intenso nos momentos das grandes transformações econômicas e sociais que abalam a ordem tradicional da sociedade e ameaçam modificar as relações de poder. É em tal situação que emergem grupos mais ou menos amplos e mais ou menos organizados que se propõem a agir em prol de uma ampliação da gestão do poder político a setores da sociedade que dela ficavam excluídos ou que propõem uma estruturação política e social diferente da própria sociedade.
Nessa linha de ideias, em um regime democrático, a principal função dos partidos políticos para a sociedade civil é justamente realizar a ligação entre esta e o governo (PINTO, 2010, 103). Tamanha a sua importância como propulsor do debate de ideias e valores, as quais refletem a liberdade de manifestação de pensamento, que tal ente é um dos legitimados ativos
(legitimado
universal,
diga-se)
para
a
propositura
da
Inconstitucionalidade, visando resguardar a Constituição Federal de 1988.
1
Ação
Direta
de
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maneira:
Previsão expressa no código civil de 2002, art. 44, V.
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FIDΣS Isto porque, em uma sociedade plural, vigora a noção que as pessoas podem divergir não somente uma das outras, como também detêm esse direito frente ao Estado e aqueles encarregados momentaneamente de seu governo. Sendo assim, um dos mecanismos pelos quais tal antagonismo se exprime é através da existência de partidos políticos, os quais, como já exposto alhures, congregam diferentes maneiras de pensar, de agir e de tentar solucionar os diversos problemas locais, regionais e nacionais. Impende salientar, outrossim, a eminente função dos partidos políticos para a formação da vontade política do povo, destacada, inclusive no voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, quando relator da ADI de n.º 1.407-2/DF2, nos seguintes termos: Sabemos todos que é extremamente significativa a participação dos partidos políticos no processo de poder. As agremiações partidárias, cuja institucionalização jurídica é historicamente recente, atuam como corpos intermediários, posicionandose, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. Os partidos políticos não são órgãos do Estado e nem se acham incorporados ao aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas de caráter institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental, na medida em que, consoante registra a experiência constitucional comparada ‘concorrem para a formação da vontade política do povo’.
Ademais, cabe destacar que no sistema jurídico pátrio é vedada a candidatura avulsa, ou seja, o candidato a algum cargo eletivo deve, necessariamente, encontrar-se filiado a algum partido político, com registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, pois a CFRB/88 estabelece a filiação partidária como condição indispensável para a elegibilidade (art. 14, §3º,
4.2 RAZÃO DE SER DA IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Como já demonstrado, a imunidade tributária serve para que princípios ou valores garantidos constitucionalmente possam ser concretizados. Portanto, é impossível afastar o instituto da imunidade tributária de um discurso sob a ótica constitucional. Não seria diferente com os partidos políticos, restando saber, dessa forma, quais os dispositivos
constitucionais
que,
pela
imunidade
concedida
a
tais
entes,
são
preservados/concretizados, ou seja, qual a razão de ser da imunidade dos partidos políticos.
2
STF. ADI 1407-2 – DF. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 24.11.2000.
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V).
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FIDΣS O primeiro a ser destacado e, talvez, o mais importante de todos, é o pluralismo político, fundamento da República Federativa do Brasil, previsto na Constituição Federal de 1988, no art. 1º, V. Quando se fala em tal fundamento, tem-se em mente a ideia de um permissivo constitucional para a coexistência pacífica das mais diversas categorias de ideias que almejem objetivos não ilícitos. Diferentemente do que ocorria antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, em que o Estado limitava o campo político em antagonismo de favoráveis e contrários à ditadura militar (ao menos no âmbito teórico), a nova ordem constitucional prima por liberdade política máxima, refletindo, aí, no pluralismo. Visa, destarte, esse fundamento, garantir a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país e uma das formas para tanto é a organização e participação em partidos políticos. Ora, evidente que se está diante da tributação indutora, pois, através da imunidade
daquelas
entidades,
maior
será
a
estimulação
para
sua
criação
e,
consequentemente, difusão do pluralismo político. Conforme Aduz Inocêncio Coelho (MENDES, COELHO, BRANCO, 2010, p. 220), o pluralismo político tem âmbito bem maior, pois falar em pluralismo político significa dizer que, respeitadas as poucas restrições estabelecidas na própria Constituição Federal de 1988 – pois nesse terreno é imperativa a reserva do mencionado documento -, o indivíduo é livre para se autodeterminar e levar a sua vida como bem lhe aprouver, imune a intromissões de terceiros, sejam elas provenientes do Estado, por tendencialmente invasor, ou mesmo de particulares.
CRFB/88, que estabelece a livre manifestação do pensamento. É ínsita aos partidos políticos a reunião de pessoas que comungam, em tese, das mesmas ideias e desejam colocá-las como políticas governamentais, de modo que inevitável dizer que a organização e atuação de um partido político configura-se em uma das plúrimas maneiras de manifestação do pensamento. Logo, se tal imunidade não houvesse, com decorrentes embaraços exacerbados à criação e organização dos partidos políticos, ocorreria, por parte do Estado, uma clara restrição, imprópria e desproporcional, ao direito fundamental de manifestação de pensamento. Nesse ponto, não haveria como se posicionar de outra forma, já que esses entes desempenham tamanho papel em uma democracia representativa que são, certamente, expositores do modo de pensar de vários segmentos da sociedade, de modo que se pode concluir que sua imunidade consubstancia maior eficácia à manifestação de pensamento.
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Em seguida, outro dispositivo constitucional concretizado é o art. 5°, IV, da
205
FIDΣS De igual modo, outro direito fundamental que poderia restar tolhido, caso inexistente a imunidade, seria o da liberdade de associação (art. 5°, XVII, CRFB/88). Com efeito, em que pese o Código Civil de 2002 tratá-los como entes diferentes, os partidos políticos em sua essência, constituem uma associação de pessoas que compartilham de pensamentos e ideias semelhantes. Nessa linha, o que restou dito quanto ao direito de manifestação de pensamento poderia, seguramente, ser utilizado quanto ao direito de associação, ambos previstos no rol exemplificativo do art. 5° da Constituição Federal de 1988: pensar de modo contrário à imunidade seria ocasionar um embaraço exacerbado à criação e organização dos partidos políticos, o que acabaria por se traduzir em uma restrição, imprópria e desproporcional, à liberdade de associação. Veja-se, em um exemplo análogo, quão burocrática e complicada é a criação e extinção de uma sociedade econômica no Brasil e uma dessas facetas engloba a própria carga tributária. É fato notório que muitos agentes econômicos hesitam em abrir e fechar empresas no país em virtude de tais aspectos, o que já é algo alarmante. Por outro lado, imagine-se tamanha burocracia e limitação, imposta pela carga tributária, fosse oponível aos partidos políticos. Certamente que cercearia não só o número deles, mas também a vontade e disposição das pessoas (indispensáveis que são suas participações) em agregarem-se. Logo, é de se concluir pela limitação tanto à manifestação de pensamento, quanto à livre associação. Pode-se estipular ainda, como dispositivo constitucional concretizado pela imunidade
incorporação e extinção de partidos políticos, devendo ser respeitados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Mais uma vez, podemos tomar emprestados os argumentos utilizados quando da análise da manifestação do pensamento e da liberdade de associação. Ora, caso o constituinte não houvesse previsto a imunidade dos partidos políticos, haveria sérios problemas para a criação e organização destes. Não se pode olvidar que a carga tributária brasileira é uma das mais pesadas do mundo. Nada obstante isso, com a imunidade garantida a este grupo de pessoas jurídicas de direito privado, o constituinte acabou por conferir maior eficácia à cabeça do art. 17 da Constituição Federal de 1988. Isso porque, se de modo antagônico fosse, a criação de tais entes restaria possibilitada, provavelmente, a um seleto grupo de agentes econômicos.
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dos partidos políticos, o art. 17, caput, o qual estabelece ser livre a criação, fusão,
206
FIDΣS Por fim, não se poderia olvidar do princípio democrático. Como já exposto, os partidos políticos desempenham função singular em uma democracia representativa, ainda mais na brasileira, em que a filiação partidária é condição de elegibilidade, não havendo, em nenhuma hipótese, a possibilidade de candidatura avulsa. Nessa pisada, Humberto Ávilla (2010, p. 230), dissertando acerca das imunidades dos partidos políticos, parece colocá-lo, na verdade, como a principal razão de ser da imunidade por ora discutida: “Essa imunidade – como já mencionado – serve de meio para a concretização do princípio democrático (art. 5°)”. Diante disso, acaso o Estado dificultasse a criação e existência jurídica deles, por meio da tributação não vinculada, acabaria por haver uma distorção de uma das emanações da Constituição Federal de 1988, pois tais elementos, indispensáveis para a democracia nacional, sofreriam considerável limitação no seu campo de atuação, haja vista o desestímulo que seria ocasionado, no que diz respeito à sua implementação, malferindo, além dos outros direitos e princípios já mencionados, a própria democracia representativa por nós adotada. Nesse sentido aponta a súmula 724 do STF, ao afirmar que ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.3
Como pôde ser visto, um dos mecanismos da tributação indutora é a imunidade tributária. Por sua vez, esta não constitui nenhum privilégio qualquer, mas uma vantagem auferida pelos entes imunes que apresenta, como legitimação, a finalidade de concretizar algum direito fundamental previsto explícito ou implicitamente na Constituição Federal de 1988 (CRFB/88). Além disso, especificamente em relação aos partidos políticos, observou-se que estes estão imunes por força da CRFB/88. Diante disso, restou necessário perquirir-se à luz da Constituição Federal de 1988, quais dispositivos tal imunidade concretizava. Em outras palavras, o que legitimava a imunidade garantida a esses entes.
3
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 724.
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FIDΣS Em decorrência de um olhar minucioso ao supracitado documento, foram elencados cinco direitos ou princípios fundamentais: a) o pluralismo político; b) a liberdade de manifestação de pensamento; c) o direito à liberdade de associação; d) o direito à livre criação dos partidos políticos; e) o princípio democrático, sendo que este pode ser entendido como o núcleo central da razão de ser da imunidade aqui estudada. Ressalte-se, mais uma vez, que tais elementos legitimam a imunidade dos partidos políticos. Nada obstante, essa legitimação só ocorre quando tal ente é utilizado de seu modo correto, isto é, sem finalidade lucrativa, propulsionando a democracia. Caso contrário, não restariam dúvidas quanto à necessidade de suspensão da imunidade tributária naquele exercício específico em que se tenha, por ventura, observado desvio de finalidade, deixandose, por exemplo, de cumprir as determinações do Código Tributário Nacional. De todo modo, pode-se concluir que a imunidade aos partidos políticos nos ditames da CRFB/88 é bastante pertinente, pois acaba por induzir condutas positivas para um ambiente democrático, presentes o pluralismo político e o debate de ideias, para que a sociedade em geral possa, através das eleições, decidir, periodicamente, os melhores caminhos a seguir.
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THE INDUCER TAXATION AND TAX IMMUNITY OF POLITICAL PARTIES ABSTRACT Study the inducing taxation, specifically, the immunity of political parties, under the assumption that immunity is often legitimized by fundamentals rights and principles established in the constitution of 1988. From that, it will pick up in the Federal Constitution of 1988 which dispositives are achieved with the immunity of such entities. At the end, it will be concluded that the tax immunity of political parties is quite relevant as it induces positive democratic principle of political pluralism and other fundamentals rights and principles.
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Keywords: Inducing taxation. Immunity. Political parties.
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 06 out. 2014
DO RESTABELECIMENTO DO PRAZO DE VALIDADE DOS CRÉDITOS DE CELULARES PRÉ-PAGOS: UMA ANÁLISE DA DECISÃO DO STJ A PARTIR DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA Jéssica Helena Maruoka da Silva* Maise Gindre Mosseline**
RESUMO O presente trabalho analisa, sob a perspectiva consumerista, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que entendeu válida a estipulação de prazo prescricional para os créditos de celulares prépagos, considerando legítima a Resolução nº 477/2007 da Anatel que regulamenta o tema. Observa que, em consonância com as regras e os princípios instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, é de
fornecedores de serviço, dentre os quais se destacam as empresas de telefonia móvel. Atualmente, a conduta adotada por essas prestadoras de serviço mostra-se desarrazoada, resultando em desequilíbrio econômico na relação de consumo. Palavras-chave: Prazo de validade. Créditos pré-pagos. Prática abusiva. Código de Defesa do Consumidor. Superior Tribunal de Justiça.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiária na Justiça Federal no Rio Grande do Norte. ** Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiária na Procuradoria da República no Rio Grande do Norte.
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fundamental importância coibir as práticas abusivas fomentadas pelos
211
FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
Com o intuito de proteger a parte vulnerável da relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) visa coibir práticas fomentadas pelo fornecedor, as quais se mostram abusivas e desarrazoadas. A defesa do consumidor não só é tratada em uma Lei ordinária, mas também é um direito fundamental do indivíduo, disposto na Constituição Federal de 1988. Não obstante o ordenamento jurídico dispor de mecanismos com o fito de assegurar a integridade do consumidor, é cada vez mais comum, por parte dos prestadores de serviços, condutas que almejam a obtenção de uma vantagem exagerada, gerando como consequência uma onerosidade excessiva para o consumidor. Diante da enorme procura dos consumidores pela prestação de serviços telefônicos, as operadoras não dispõem de estrutura suficiente para fornecer um serviço de boa qualidade a todos os usuários, notadamente observado no grande número de reclamações realizadas pelos clientes. Desse modo, é possível perceber o desrespeito aos padrões mercadológicos, bem como a desobediência a diversos princípios dispostos no Código de Defesa do Consumidor. Por conseguinte, quem sofre com esse sistema defasado é o consumidor, que necessita de um serviço prestado adequadamente, tendo em vista a essencialidade da telefonia nos dias atuais. Diante da realidade explicitada, é imprescindível a aplicação do CDC no que tange à prestação do serviço de telefonia, pois se tornou comum a adoção de práticas que visam
assim, defende-se a inaplicabilidade da Resolução nº 477/2007 da Anatel, frente à aplicabilidade do CDC.
2 A ANATEL E A RESOLUÇÃO N.º 477/2007
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é uma agência reguladora, instituída sob a forma de autarquia especial, criada pela Lei Geral de Telecomunicações n.º 9.472, de 16 de julho de 1997. Seu objetivo é ser o órgão responsável pelo desenvolvimento das telecomunicações no âmbito nacional, promovendo sua regulamentação e fiscalização. Assim, para oferecer serviços de qualidade, a Anatel tem competência para fiscalizar a prestação do serviço de
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apenas o lucro, sem a contraprestação do serviço de qualidade para o consumidor. Sendo
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FIDΣS telefonia, elaborar normas, controlar tarifas telefônicas, expedir a autorização para que as empresas possam prestar o serviço e aplicar sanções para as que não cumprirem o que foi determinado. Diante disso, com o escopo de realizar as atividades supramencionadas, a Agência Reguladora edita Resoluções para instruir o setor de telefonia. No entanto, o que vem sendo observado é que a Anatel, na tentativa de regular exacerbadamente determinadas matérias, acaba privilegiando o setor privado em detrimento do interesse público, como é o caso de alguns dispositivos da sua Resolução n.º 477/2007. O capítulo III da supramencionada Resolução dispõe sobre as normas regulamentadoras dos planos de celulares pré-pagos, determinando, em seu art. 62, caput e §1º, a sujeição dos créditos a prazo de validade, senão vejamos: Art. 62. Os créditos podem estar sujeitos a prazo de validade. § 1º A prestadora pode oferecer créditos com qualquer prazo de validade desde que possibilite ao Usuário a aquisição de créditos, de valores razoáveis, com o prazo igual ou superior a 90 (noventa) dias e 180 (cento e oitenta) dias.
Observa-se, assim, que tais dispositivos restringem o direito dos usuários do serviço de telefonia, uma vez que os créditos adquiridos estão condicionados a um prazo a ser estipulado pelas operadoras a partir do disposto no §1º. Desse modo, a única maneira de conseguir a revalidação dos créditos expirados pelo decurso do prazo de validade é com a inserção de novos créditos, conforme dispõe o §4º do art. 62 da referida Resolução, o qual diz que “no caso de inserção de novos créditos, antes do expirado serão revalidados pelo mesmo prazo dos novos créditos adquiridos”. Desta feita, observa-se que depois de esgotado o prazo de validade, sem a inserção de novos créditos, não será possível realizar ligações e nem receber chamadas a cobrar, só será permitido receber ou fazer ligações que não sejam onerosas para a linha telefônica, durante o prazo mínimo de 30 dias. Decorrido o prazo, o serviço poderá ser suspenso totalmente, inclusive com o bloqueio para o recebimento de ligações.
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prazo previsto para rescisão do contrato, os créditos não utilizados e com prazo de validade
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FIDΣS 3 ANÁLISE DOS JULGADOS SOBRE A VALIDADE DOS CRÉDITOS PARA CELULARES PRÉ-PAGOS
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública (Processo n.º 2005.39.00.004354-0) contra a Anatel e as operadoras de telefonia, tendo em vista considerar irregular o limite temporal estabelecido para a utilização dos créditos de celulares pré-pagos. O juízo de 1º grau entendeu ser improcedente o pedido, decisão da qual o MPF apelou. A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, ao analisar o recurso, entendeu, por unanimidade, a abusividade da estipulação do prazo, assim como declarou nulas as cláusulas contratuais que determinem a perda dos créditos após o decurso do tempo ou que condicionem a continuidade do serviço a partir da inserção de novos créditos. Em seguida, a Anatel recorreu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), obtendo 1
decisão que determinou a suspensão do que foi decidido pelo TRF da 1ª Região, bem como restabeleceu o prazo de validade para os créditos de celulares pré-pagos. Dessa forma, a Resolução da Anatel voltou a ter eficácia. No pedido de suspensão de liminar e sentença, interposto pela Agência Nacional de Telecomunicações perante o Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Felix Fischer deferiu o pedido para suspender a decisão exarada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em sua decisão monocrática, o Ministro do STJ entendeu que manter uma decisão que determinava seu imediato cumprimento causaria uma lesão à ordem e à economia pública, dada a
modificaria áreas técnicas e específicas da Reguladora em questão. Além disso, a execução imediata de uma situação não prevista nas normas do sistema de telefonia poderia causar um desequilíbrio tanto técnico como financeiro. Desse modo, o Ministro optou por manter a presunção de legitimidade da Resolução editada pela Anatel. Por fim, superada a questão processual, o Ministro Felix Fischer citou um julgado do STJ, afirmando que o mérito da presente questão revela um grau de incerteza, tendo em vista que se encontra no sentido oposto do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE TELEFONIA CELULAR PRÉ-PAGO. CRÉDITOS ADQUIRIDOS MEDIANTE CARTÕES PRÉ-PAGOS. FIXAÇÃO DE PRAZO DE 30 DIAS 1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Suspensão de Liminar e de Sentença n.º 1.818 /DF 2013/0367224-7. Decisão Monocrática Min. Herman Benjamin. DJe 05.11.2013.
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importância da área regulamentada pela Anatel. Ademais, o ato decisório impugnado
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FIDΣS PARA UTILIZAÇÃO. LEGITIMIDADE DA REGULAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Anatel tem competência para estabelecer estruturas tarifárias que melhor se ajustem aos serviços de telefonia oferecidos pelas empresas concessionárias, com o objetivo de assegurar o seu funcionamento em condições de excelência. 2. São legítimas a Resolução da Anatel que disciplina a matéria e a sistemática que rege os créditos de telefone celular pré-pagos. 3. O serviço pré-pago é remunerado apenas pelos créditos adquiridos pelo usuário. Eles são usados para que se façam ligações, e não para recebê-las. A indefinição de prazo de validade dos créditos pode significar o uso, ainda que parcial, de serviço gratuito. Existe, portanto, racionalidade na previsão de prazos, inclusive diferenciados. 4. A regulação pela Anatel para o serviço pré-pago não implica, in casu e a priori, violação aos direitos do consumidor, à isonomia ou à propriedade privada. 5. Há paradigma do STJ que acolhe a legitimidade da fixação de prazos para a utilização de créditos de telefonia pré-paga, bem como todas as demais premissas aqui referidas (REsp 806.304/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, Dje 17.12.2008). 2 6. Agravo Regimental não provido.
Desse modo, pode-se observar no caso análogo que o STJ reconheceu a licitude do estabelecimento de prazos de validade para os créditos de telefones pré-pagos, defendendo que a Anatel tem legitimidade para estabelecer a estrutura tarifária mais adequada para a prestação de serviço, sendo válida a Resolução nº 477/2007, que regulamenta o serviço de telefonia pré-pago. Outrossim, não estabelecer prazos de validade poderia significar uso gratuito do serviço, pois o serviço pré-pago se sustenta tão somente pelos créditos que o usuário adquire. Nesse julgado, o Ministro Relator Herman Benjamim entendeu que os usuários dispõem de inúmeros planos de telefonia para se adequar a sua necessidade, podendo optar
liberdade de escolha. Em último plano, entendeu que a Anatel visa desenvolver a área de telefonia, possibilitando uma livre concorrência entre as operadoras. Dessa forma, a Resolução que regulamenta o serviço pré-pago não se caracterizaria como uma afronta ao consumidor.
4 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS SOB A PERSPECTIVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
As cláusulas abusivas são aquelas que provocam um desequilíbrio no contrato, por afrontar os princípios instituídos no Código de Defesa do Consumidor, colocando o 2
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no REsp 1222916/PR. Segunda Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. j. 07.04.2011. DJe 25.04.2011.
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tanto pelo serviço pós-pago como pelo pré-pago, o que possibilita ao consumidor uma ampla
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FIDΣS consumidor em extrema desvantagem, causando-lhe prejuízos. O CDC, em seu art. 51, não traz um conceito fechado do que seria a abusividade de uma cláusula, mas tão somente se restringe a expor um rol exemplificativo. Nessa perspectiva, o CDC adotou um sistema aberto ao tratar das cláusulas abusivas, devendo o julgador, a partir de uma análise casuística, analisar se há ou não uma cláusula que seja desfavorável ao consumidor. Dessa forma, assevera SCHMITT (2008, p. 142):
Todas essas situações exprimem contrariedade à boa-fé, mas o legislador preferiu ser meticuloso, explicitando cada uma delas, as quais servem de auxílio para o juiz, sem limitar a sua atividade, uma vez que o rol é exemplificativo. A não adequação ao caso concreto ao rol do art. 51 do CDC não impedirá a atividade meticulosa do magistrado na análise das cláusulas do instrumento, a fim de comprovar ou não a abusividade de cada uma delas.
Atualmente, por se tratar de um conceito aberto, a doutrina vem aproximando as cláusulas abusivas do princípio da boa-fé objetiva, em face do que dispõe o art. 51 do CDC. Sendo assim, esse princípio deve funcionar como a “regra geral” que regula as relações de consumo, atuando como um mecanismo integrador do rol exemplificativo. Dessa maneira, é instrumento imprescindível para a harmonia e a estabilidade entre as partes. Assim, assinala
Para definir a abusividade da cláusula contratual, dois caminhos podem ser seguidos: 1) uma aproximação subjetiva, que conecta a abusividade mais com a figura do abuso do direito, como se sua característica principal fosse o uso (subjetivo) malicioso ou desviado de suas finalidades sociais de um poder (direito) concedido a um agente; 2) ou uma aproximação objetiva, que conecta a abusividade, mas com paradigmas modernos, com a boa-fé objetiva ou a antiga figura da lesão enorme, como se seu elemento principal fosse o resultado objetivo que causa a conduta do indivíduo, o prejuízo grave sofrido objetivamente pelo consumidor, o desequilíbrio resultante da cláusula imposta, a falta de razoabilidade ou comutatividade do exigido em contrato.
Na atual exegese do CDC, preza-se por “conectar a abusividade das cláusulas a um paradigma objetivo, em especial, ao princípio da boa-fé objetiva; observar mais o seu efeito, seu resultado e não tanto repreender uma atuação maliciosa ou não subjetiva” (MARQUES, 2006, p. 697). Outra característica que o CDC atribui às cláusulas abusivas é a sua nulidade de pleno direito – a exemplo do disposto em seu art. 51 –, bem como ao afirmar em seu art. 1º que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social. Desse modo, o consumidor não está obrigado a cumprir uma determinação imposta mediante uma cláusula abusiva.
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MARQUES (2006, p. 694-695):
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FIDΣS Nessa linha de pensamento, ensina Rizzato Nunes (2012, p. 722) que:
Como a cláusula abusiva é nula, tem de ser destituída de validade e efeito já antes do pronunciamento judicial. Não há por que aguardar que se busque a declaração de algo que de fato já é. Por isso que o efeito da decisão judicial é ex tunc, uma vez que nela se reconhece a nulidade existente desde o fechamento do negócio.
Por conseguinte, mesmo que a parte não alegue se tratar de uma cláusula abusiva, o magistrado deve reconhecer de ofício, pois questões de ordem públicas podem ser arguidas em qualquer tempo ou grau de jurisdição, podendo-se considerar, inclusive, uma questão imprescritível. Contudo, a Súmula nº 381 do STJ traz uma exceção à possibilidade de reconhecimento de ofício das cláusulas abusivas quando se tratarem de contratos bancários, cuja abusividade deve ser demonstrada expressamente. Nesse sentido, Nelson Nery Júnior (2001, p. 505) define que “a nulidade de pleno direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao juiz o dever de pronunciá-la de ofício.”. Desse modo, é possível asseverar que as cláusulas abusivas apresentam-se como uma importante mitigação da força obrigatória dos contratos, conhecida como pacta sunt servanda (TARTUCE; NEVES, 2013, p. 285), a qual dispõe que os acordos devem ser cumpridos obrigatoriamente. Logo, a nulidade de pleno direito de cláusulas abusivas privilegia a função social do contrato em detrimento do cumprimento de uma obrigação contrária a principiologia do CDC.
Defesa do Consumidor. O referido inciso aduz que serão consideradas abusivas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Conforme se pode depreender, trata-se também de um conceito aberto, necessitando de uma atividade hermenêutica integradora. A partir da sua leitura, é possível perceber que todos os outros incisos dispostos no art. 51 poderiam ser resumidos apenas no inciso IV. Sendo assim, é considerada uma cláusula geral. Nesse contexto, a Lei Federal n.º 8.078 de 1990 estabeleceu diretrizes a serem utilizadas como parâmetros para identificar quando uma vantagem pode ser considerada exagerada. Diante disso, o inciso IV deve ser interpretado em conjunto com o §1º do artigo supramencionado, o qual aduz que:
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O art. 51, inciso IV, traz uma das cláusulas consideradas abusivas para o Código de
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§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
A partir do que foi exposto, é possível analisar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que tange à estipulação de prazo de validade para os créditos dos celulares prépagos sob o ponto de vista da legislação consumerista. De plano, é possível observar que o referido posicionamento afronta os princípios instituídos no Código de Defesa do Consumidor, pois coloca o consumidor em uma situação de desvantagem excessiva. A Resolução n.º 477/2007 da Anatel, que autoriza as operadoras a estabelecerem prazos para a expiração dos créditos, restringe um direito do usuário inerente à obrigação contratual. Ora, o consumidor adquire um serviço, pagando por ele e não pode exercê-lo em plenitude, graças a um prazo que limita o seu direito de propriedade. Há, manifestamente, um desequilíbrio na relação contratual em desfavor do usuário, pois “não pode uma parte contratual exigir que a outra cumpra com a sua obrigação, se não cumprir com a própria” (TARTUCE; NEVES, 2013, p. 289). No presente caso, o consumidor ao adquirir os créditos telefônicos cumpre a sua obrigação. Entretanto, as operadoras de telefonia móvel, após decurso do tempo, estão isentas de cumprir as suas. Além disso, não é válido o argumento usado pelo Ministro Herman Benjamin no
utilização dos créditos seria o uso de serviço gratuito. De fato, o serviço pré-pago é remunerado pelos créditos adquiridos pelo usuário, todavia essa remuneração ocorre no momento em que o consumidor está comprando os créditos disponibilizados pelas empresas. Outro argumento exarado pelo Ministro foi no sentido de que as operadoras disponibilizam diversos planos de telefonia para se adequar a necessidade do usuário, podendo escolher tanto o plano pós-pago como o pré-pago. Segundo dados da Anatel3 de junho/2014, os celulares pré-pagos somam 76,99% do total de linhas, enquanto os pós-pagos representam apenas 23, 01%. No entanto, apesar da ampla disponibilidade de planos, sabe-se que todos esses usuários – sejam de pós ou pré-
3
Anatel. Quantidade de Acessos/Plano de Serviço/Unidade da Federação - Junho/2014. Anatel. Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/SMP/Administracao/Consulta/AcessosPrePosUF/telaConsulta.asp> Acesso em: 28 out. 2014.
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AgRg no REsp 1222916/PR, o qual afirmou que não definir prazo de validade para a
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FIDΣS pagos – não tiveram a possibilidade de escolher um plano que verdadeiramente se adeque as suas necessidades, notoriamente em virtude de os planos de telefonia móvel serem realizados por meio de contratos de adesão. Os contratos de adesão, conforme assevera o art. 54 do CDC, são aqueles que as “cláusulas
tenham
sido
aprovadas
pela
autoridade
competente
ou
estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. Na atual realidade, é de notório saber que nos contratos para aquisição de linhas telefônicas, o consumidor assina um contrato já elaborado unilateralmente pelo fornecedor, com todas as cláusulas já pré-estabelecidas, e raramente lhe é facultada a discussão sobre os termos de uso do serviço. Somando-se ao que foi explicitado, pode-se observar que a consequência da situação supramencionada acaba por promover uma onerosidade excessiva para o consumidor, uma vez que há um desequilíbrio na relação contratual, com extrema vantagem para o fornecedor. No caso em tela, o consumidor estará sempre obrigado a adquirir novos créditos para revalidar os seus anteriores já expirados. Assim, demanda sempre um gasto financeiro para o usuário do serviço, mesmo ele tendo saldo em seu aparelho telefônico. Em síntese, pode-se concluir que as cláusulas contratuais que estabelecem prazo para expiração de créditos nos serviços de telefonia são abusivas e confrontam diretamente o CDC, em seu art. 51, IV. Por conseguinte, são nulas de pleno direito, podendo o julgador conhecer
5 A ABUSIVIDADE DO PRAZO DE VALIDADE DOS CRÉDITOS DE CELULAR SOB A PERSPECTIVA DO ART. 39, I, DO CDC
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 39, regulamenta as práticas abusivas, as quais são vedadas para o fornecedor de produtos ou de serviços. Trata-se, também, de um rol exempl. Desse modo, outras situações que não estejam exemplificadas nos incisos do art. 39 podem ser consideradas como práticas abusivas. Desta feita, “as chamadas ‘práticas abusivas’ são ações e/ou condutas que, uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado” (NUNES, 2012, p. 598). Em síntese, se caracterizam por estar em desconformidade com os padrões de mercado determinados pelo CDC, pois o fornecedor adota uma conduta que atinge a esfera de proteção consumerista.
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de ofício a sua abusividade.
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FIDΣS Nesse ínterim, o art. 39, inciso I, afirma que se consideram prática abusiva “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Tal artigo refere-se à venda casada e a quantitativa. Diante disso, o fornecedor não pode impor, ao vender um produto ou serviço, que o consumidor adquira outro produto ou serviço. Sendo assim, o consumidor não pode ser obrigado a comprar um produto/serviço que não deseja como condição para obter o produto/serviço desejado. Em suma, a venda casada é a “hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido” (AMORIM; TARTUCE, 2013, p. 370). Outrossim, além do regulamentado pelo CDC, a prática da venda casada já foi, inclusive, considerado um crime contra a ordem econômica, previsto no art. 5º, II, da Lei Federal n.º 8.137/90, com pena de detenção de 2 a 5 anos ou multa. Contudo, tal dispositivo foi revogado pela Lei Federal nº 12.529/11. A partir do entendimento de como se configura uma prática abusiva e de uma das suas hipóteses, qual seja, a venda casada, é possível perceber que a Resolução n.º 477/2007 da Anatel, em seu art. 62, § 4º, afronta normas protetivas da relação consumerista, pois, para o consumidor revalidar os créditos expirados, é necessário a inserção de novos créditos. Desse modo, a venda casada ocorre no momento em que o usuário para ter o direito de usar o serviço que já adquiriu, precisa adquirir, novamente, o mesmo serviço. E mais, se decorrido o prazo de validade, e o período de, no mínimo, 30 dias, a
receba ligações que não são onerosas para ele, o que pode também ser caracterizado como uma prática abusiva. Logo, o entendimento do STJ, de acolher como válida a Resolução n.º 477/2007 da Anatel, acaba por permitir uma prática abusiva por parte das operadoras de telefonia. O CDC veda expressamente a prática da venda casada, por conseguinte, a operadora de telefonia móvel não pode obrigar que o usuário compre novos créditos para poder revalidar os anteriores já adquiridos por ele.
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operadora poderá suspender integralmente o serviço, limitando, inclusive, que o consumidor
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FIDΣS 6 O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO EM VIRTUDE DA PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS
O art. 62, § 4º, da Resolução n.º 477/2007 da Anatel permite que, decorrido o prazo de validade para expiração dos créditos, após o prazo estipulado para a suspensão do serviço, o contrato de prestação pode ser rescindido pela prestadora, sendo a linha telefônica cancelada. Em primeiro plano cumpre ressaltar que cláusula que autoriza rescisão unilateral do contrato pelo fornecedor é considerada abusiva, salvo se for dado ao consumidor o mesmo direito, nos termos do art. 51, XI, do CDC, sendo, portanto, nula de pleno direito. No entanto, esse não é o caso que melhor se afigura diante art. 62, § 4º, e sim o do enriquecimento sem causa por parte da prestadora de serviço ao se apropriar de todo o valor pago e não utilizado pelo consumidor. Ademais, poder-se-ia configurar, inclusive, por analogia, uma apropriação indébita. No momento em que a prestadora de serviço cancela uma linha telefônica cujos créditos não foram utilizados dada a sua perda em virtude do decurso do tempo, ela está se apoderando do valor pago pelo consumidor, uma vez que não mais prestarão o serviço correspondente à quantidade pretendida pelo usuário. Dessa forma, as operadoras recebem antecipadamente para prestar um serviço, o qual apresenta um prazo prescricional. O instituto do enriquecimento ilícito está previsto no art. 884 do Código Civil e dele se infere que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
assim, definido como o aumento patrimonial de um em detrimento de outro, de forma ilícita. Para Caio Mário (2003, p. 537):
Toda aquisição patrimonial deve decorrer de uma causa, ainda que seja ela apenas um ato de apropriação por parte do agente, ou de um ato de liberalidade de uma parte em favor de outra [...] O sistema jurídico não admite, assim, que alguém obtenha um proveito econômico às custas de outrem, sem que esse proveito decorra de uma causa juridicamente reconhecida.
Assim entende os Tribunais sobre o enriquecimento sem causa:
ADMINISTRATIVO E CIVIL - ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PAGAMENTO INDEVIDO - DEVER DE RESSARCIR O ERÁRIO 1 "Aquele que indevidamente recebe um pagamento, sem justa causa, tem o dever de restituir, não tolerando o ordenamento positivo o locupletamento indevido de alguém em detrimento de outrem" (REsp n. 67.731/SC, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). 2
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restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Poderia ser,
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FIDΣS A aplicação do princípio da boa-fé para justificar a não repetição do indébito só tem lugar quando o pagamento indevido foi resultado da interpretação equivocada da lei pela Administração, ou nas situações em que não era exigível que o beneficiário 4 tivesse ciência da ilegalidade ou do descabimento da vantagem a ele conferida.
Portanto, diante do explicitado, é plenamente possível enquadrar o estabelecimento de prazos de validade para créditos de celulares como uma ação que resulta em um enriquecimento ilícito para as prestadoras do serviço. No mais, na seara do Direito Penal, a referida conduta em muito se assemelha com o instituto da apropriação indébita. No Código Penal, está tipificada no art. 168, sendo a apropriação de coisa alheia móvel, de quem tem a posse ou a detenção. Ademais, um dos pressupostos nesse tipo penal é a “anterior posse lícita da coisa alheia, da qual o agente se apropria indevidamente” (BITTENCOURT, 2012, p. 238). Além disso, o animus de não restituir a coisa alheia deve ocorrer em momento posterior à aquisição lícita da posse. A partir da análise do presente caso, percebe-se que a operadora de telefonia móvel detém a posse lícita da remuneração paga pelo usuário para a inserção dos seus créditos. No entanto, a partir do vencimento do prazo de validade ou, até mesmo, do cancelamento da sua linha telefônica, a prestadora de serviço se apropria indevidamente dos valores que foram pagos, pois, caso não sejam inseridos novos créditos, o serviço não mais será prestado. Soma-se a isso o fato de que a vontade do agente em não restituir a coisa alheia, acontece em uma ocasião subsequente à sua detenção lícita do valor restituído. Desta feita, o animus da fornecedora para se apropriar ilicitamente de algo que não lhe pertence, ocorre após o vencimento do prazo de validade para o uso dos créditos.
a prática consolidada pelas operadoras com base na Resolução nº 477/2007 da Anatel, também pode se configurar como um enriquecimento sem causa e, inclusive, uma apropriação indébita, na hipótese de não serem esclarecidos os termos do contrato. De fato, o CDC não regula expressamente essas duas últimas práticas, todavia, a partir de uma interpretação extensiva é possível afirmar que são contrárias à boa-fé e a equidade.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante o que foi exposto, pode-se concluir que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em manter o estabelecimento de prazo de validade para os celulares pré-pagos, 4
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Assim, em síntese, além de afrontar o disposto no Código de Defesa do Consumidor,
TJ SC. AC 319707. Rel. Min. Luiz Cézar. Medeiros. j. 31.01.2012.
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FIDΣS assim como considerar legítima a Resolução nº 477/2007 da Agência Nacional de Telecomunicações que regula o tema, afronta diretamente diversas normas preconizadas pelo Código de Defesa do Consumidor. Essa realidade estabelece uma obrigação iníqua para o consumidor, colocando-o em extrema desvantagem perante o fornecedor do serviço. Nesse sentido, determinar prazo de validade significa restringir o direito do usuário, o qual remunerou a operadora com o fito de obter a prestação de um serviço de boa qualidade. Tal situação acarreta, por conseguinte, um desequilíbrio na relação contratual. Trata-se, portanto, de uma cláusula abusiva, a qual foi vedada pelo CDC. Ademais, a abusividade em uma cláusula significa a sua nulidade de pleno direito, por se tratar de uma questão de ordem pública conforme o art. 1º da Lei Federal n.º 8.078/90. Dessa forma, o julgador pode reconhecer de ofício e a qualquer tempo ou grau de jurisdição, uma vez que não preclui. Além disso, as empresas de telefonia também condicionam a validação dos créditos à aquisição de novos créditos, sendo essa a única maneira de poder utilizar os créditos já vencidos. Essa prática pode ser nitidamente enquadrada no rol de práticas abusivas explicitadas pelo Código de Defesa do Consumidor, mais especificamente no art. 39, inciso I. Essa prática, proibida pelo CDC, é conhecida como venda casada, isto é, a conduta de condicionar o oferecimento de um produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço. Outrossim, a Resolução n.º 477/2007 da Anatel também permite, após determinado período temporal, que o contrato seja rescindido, ou seja, a linha telefônica será cancelada.
indevidamente desse valor, podendo-se falar, nessa hipótese, de um enriquecimento sem causa. Logo, o usuário pagou por um serviço que não haverá uma contraprestação. Hodiernamente, é frequente a utilização de práticas abusivas pelas operadoras, não é à toa que se apresentam como campeãs no ranking de reclamações. Entretanto, é imprescindível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo que envolvem o setor de telefonia para coibir tais condutas.
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Nessa situação, a prestadora de serviço ao cancelar uma conta que possui créditos se apropria
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THE RECOVERY OF EXPIRY OF CLAIMS PREPAID CELL PHONES: AN ANALYSIS OF THE DECISION OF STJ FROM CONSUMER LAW
ABSTRACT This study analyzes the perspective consumerist, positioning the Superior Court of Justice to understand the stipulation valid statute of limitations for claims of prepaid cell phones, considering legitimate Anatel Resolution regulating the subject. Notes that, in line with the rules and principles defended by the Code of Consumer Protection, is of fundamental importance curb abusive practices fostered by service providers, among which stands out the mobile phone companies. Currently, the conduct adopted by that service provider proves
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 29 set. 2014
FUNDAMENTOS E DIFICULDADES DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À MEIA-ENTRADA ESTUDANTIL Fabrício Germano Alves* Victor Scarpa de Albuquerque Maranhão**
RESUMO A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe como direito social, o direito ao lazer; obrigando o Poder Público a incentivá-lo como forma de promoção social, assegurando à criança e ao jovem o direito, entre outros, ao lazer e à cultura. É nesse contexto que a proteção e defesa do consumidor são alçadas à condição de direito fundamental. Surge então o direito do estudante a pagar a metade do valor efetivamente cobrado para o acesso a manifestações culturais. Com
estudantil
em
geral.
Para
tanto,
pautar-se-á
em
critérios
legislativo/teóricos, sua abrangência, e importância. Palavras-chave: Meia-entrada. Estudante. Consumidor.
*
Graduado em Direito pela Universidade Potiguar - UNP (2005). Especialista em Direito do Consumidor e Relações de Consumo pela Universidade Potiguar (2008). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2011). Doutorando em Sociedad Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País Vasco / Euskal Herrico Unibertsitatea (UPV/EHU) - Espanha (2011 - ). Professor de Direito das Relações de Consumo na UFRN. Pesquisador visitante do Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis (PRH - ANP/MCTI n. 36 / UFRN). Membro do grupo de pesquisa Direito e Regulação dos Recursos Naturais e da Energia - UFRN. ** Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2011 - 2015). Acadêmico do 8º semestre. Membro da Base de Pesquisa: Direito Internacional e Soberania do Estado brasileiro. Monitor da disciplina de Direito das Relações de Consumo.
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isso, o presente trabalho objetiva expor aspectos da meia-entrada
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FIDΣS 1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 traz, dentre os direitos sociais, o direito ao lazer, uma vez que o Poder Público deverá incentivá-lo como forma de promoção social. Além disso, é dever do Estado (bem como da família e da sociedade) assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito, entre outros, ao lazer e à cultura, como corolário da proteção integral desses indivíduos. O acesso a tais direitos enriquece qualquer um a que deles usufrua. Nesse sentido, vê-se que se faz presente na Constituição Federal, nos artigos mencionados, o reconhecimento desses direitos para uma vida digna ao homem. Dessa maneira, como forma de estimular o acesso do estudante à cultura, já no início da década de 40, com o surgimento da União Nacional dos Estudantes (UNE), que buscava meios para tornar mais acessível a arte, a cultura e o esporte, surgiu a ideia do direito ao pagamento da meia-entrada para estudante em eventos dos caráteres acima mencionados, o que iria garantir a facilitação, do ponto de vista financeiro, do contato do jovem estudante com essas manifestações. Porém, foi somente na década de 90 que esse direito, que antes não passava de uma luta ou costume aplicado em lugares específicos, foi sendo transformado em Lei em diversos Estados da Federação. Surge, então, a meia-entrada, ou seja, o direito atribuído pela legislação regional específica de cada local a determinados grupos de consumidores para que adquiram o ingresso
pagando metade do valor efetivamente cobrado ao público geral. Tais alterações trazem benefícios ao fornecedor em alguns pontos, causando prejuízos ao consumidor, e em outros garantem a aplicação efetiva de princípios das relações consumeristas, como o princípio da informação, sendo também mais abrangente quanto aos seus beneficiados. Na prática, esse direito não é sempre respeitado, sendo comum a ocorrência de inúmeras práticas abusivas em relação a ele. A atual situação é de esquecimento, posto que os próprios beneficiários da Lei continuam inertes frente às práticas abusivas dos fornecedores, além das autoridades responsáveis que atuam apenas em alguns raríssimos casos. Com efeito, antes de adentrar no foco deste artigo, é de suma importância tratar dos fundamentos legais e teóricos que permeiam essa proteção destinada ao estudante consumidor, ou seja, deve-se tratar do que está por trás dessa proteção, a sua base.
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a shows, cinemas, teatros, parques, exposições de arte, eventos culturais e esportivos em geral
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2 FUNDAMENTOS LEGAIS E TEÓRICOS
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a defesa do consumidor é consagrada como direito fundamental, o que se constata da leitura do artigo 5º, inciso XXXII. A Constituição Federal, então, é a origem da proteção afirmativa dos consumidores, reconhecendo-a, inclusive, como um direito fundamental e deixando clara a sua dimensão objetiva. Nesse sentido, afirma-se que os direitos fundamentais seriam tidos como princípios básicos da ordem constitucional, participando da essência do Estado democrático de Direito, possuindo a função de limitadores do poder, bem como rumo ou diretrizes para a sua ação. Fenômeno que faz com que os direitos fundamentais irradiem seu espectro de influência sobre todo o ordenamento jurídico e os poderes constituídos. Tem-se a partir daí uma proteção em nível constitucional. Dessa forma, o consumidor é alçado à categoria de titular de direitos constitucionais fundamentais; o que ganha importância quando somado ao artigo 170, V, da Constituição Federal, que coloca a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (SILVA, 2012, p. 262-263). Esses são os principais fundamentos da legitimação das medidas intervencionistas do Estado necessárias para garantir a proteção do consumidor. A mencionada dimensão objetiva gera algumas consequências. Com a dimensão, o direito fundamental não é encarado apenas da
Tal fato enseja aos direitos fundamentais um dever de proteção por parte do Estado contra agressões do próprio Estado ou de particulares (MENDES, 2012, p. 190), ao contrário da perspectiva unicamente subjetiva, que preza pela abstenção. Na proteção do consumidor, a ação positiva estatal é necessária e obrigatória. Assim, é o que alguns chamam também de direitos de status positivo, sociais ou a prestações, que conferem aos indivíduos a possibilidade de exigirem atuações estatais com o objetivo de melhorar suas condições de vida, garantindo os meios necessários para o exercício da liberdade, devendo o Estado agir conforme a Constituição (MARTINS, 2011, p. 60). Nesse contexto, deve-se, ainda, falar da dimensão objetiva como um critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional, na perspectiva de que todo o direito infraconstitucional deve ser aplicado e interpretado tendo por base os direitos constitucionais fundamentais (MARTINS, 2011, p. 60).
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perspectiva individual, mas também, como um valor, que deve ser preservado e fomentado.
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FIDΣS Ademais, tem-se o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que reforça a afirmação que trata a Constituição de 1988 como origem do direito do consumidor codificado/tutelado, pois estabelece que o Congresso Nacional, em cento e vinte (120) dias da promulgação da Constituição deveria elaborar um Código de Defesa do Consumidor, o qual em 1990 foi estabelecido pela Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. É nesse sentido que se posiciona Cláudia Lima Marques, para quem a atual Carta Constitucional brasileira é a origem da tutela dos consumidores brasileiros de forma codificada, tendo em vista justamente o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no qual se encontra o mandamento para que o legislador ordinário deveria estabelecer um Código de Defesa e Proteção do Consumidor (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2013, p. 33). Dessa forma, o Direito das Relações de Consumo, de acordo com o que está disposto na Constituição Federal, seria uma conjunção de normas e princípios que tem por objetivo um triplo mandamento constitucional, qual seja: promover a defesa do consumidor (artigo 5°, inciso XXXII, CF); observar e assegurar como princípio geral da atividade econômica, como princípio imperativo da ordem econômica constitucional, a necessária defesa do sujeito de direitos (artigo 170, inciso V, CF); e sistematizar e ordenar esta proteção a nível infraconstitucional, por meio de um Código, que agregue e sistematize as normas protecionistas (artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) (BENJAMIN; MARQUES; BESSA, 2013, p. 33). Portanto, vê-se que ao alçar a proteção do consumidor à categoria de direito
intrinsecamente ligado à força normativa Constituição, de que fala Konrad Hesse, que faz o Estado e os exegetas da Lei se vincularem a esta (HESSE, 1991). A norma constitucional, por sua vez, não existe autonomamente diante da realidade, sendo a sua existência baseada essencialmente em sua vigência, levando a crer que sua efetividade e força estão ligadas à pretensão de concretização dessa norma na realidade. É, pois, a pretensão de eficácia, que graças a essa, a Constituição procura conferir ordem à realidade política e social. Dessa forma, a Constituição adquire força normativa na medida em que objetiva realizar essa pretensão de eficácia (HESSE, 1991, p. 24) Como já evidenciado, essa dimensão objetiva dos direitos fundamentais confere-lhes uma “eficácia irradiante”, convertendo-o em um norte para a interpretação e aplicação das normas dos diversos ramos do Direito; ensejando ainda a questão da eficácia horizontal dos
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fundamental (artigo 5°, inciso XXXII, CF), garante-se àquela uma maior eficácia, o que está
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FIDΣS direitos fundamentais, que irradia a sua eficácia para a esfera privada, nas relações entre os particulares, como o é a relação consumerista (MENDES, 2012, p. 190). Por conseguinte, tem-se que o fundamento da proteção ao consumidor e da garantia à meia-entrada não está somente na Constituição Federal, mas também no microssistema consumerista. Assunto o qual tem em Natalino Irti sua referência. Para ele, “a unidade do sistema jurídico oculta uma pluralidade de microssistemas, cada um dotado de uma lógica própria e de um ritmo próprio de desenvolvimento” (1999, p. 71). Diante disso, depreende-se que é um conjunto de normas inter-relacionadas, que por uma força de caráter integrador se constitui em uma unidade, conforme Michel van Kerchove e François Ost (1994, p. 5-6). Trata-se de um “inegável” microssistema das relações de consumo, no qual, desde que não gere conflitos, serão aplicadas disposições e regras do Código Civil e de legislações extravagantes pertinentes à matéria. Como Lei principiológica que é, o Código ingressa no sistema jurídico brasileiro atuando de maneira horizontal, atingindo toda relação que possa se dizer consumerista, mesmo que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Nesse ponto, deve-se trazer à discussão a Teoria do Diálogo das fontes importada da Alemanha através dos estudos de Cláudia Lima Marques, pois, tendo em vista a pluralidade legislativa presente no ordenamento protetivo em questão, há o risco do surgimento de antinomias. Dessa forma, é a partir desse conflito que o operador do Direito busca formular, em
parâmetros jurídicos que regulamentam o assunto, afinada com as bases constitucionais. Esta solução jurídica para o conflito em análise, apesar de eminentemente de consumo, poderá, após um juízo de coordenação, encadeamento e complementaridade entre as várias fontes normativas, utilizar-se de uma norma prevista no Código Civil, por exemplo, para solucionar o conflito da relação de consumo. Ou seja, na pluralidade de leis ou fontes, existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo que possuem os mesmos campos de aplicação ou não, a forma clássica de solução dos conflitos de leis no tempo encontra seu limite, surgindo, então, a solução de possíveis antinomias com o “diálogo das fontes” (MARQUES, 2004, p. 44)
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uma espécie de simbiose e sincretismo, a solução para a situação fática, de acordo com os
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FIDΣS Nessa toada, juntamente com o CDC, existem Leis estaduais e municipais em cada localidade do país dispondo sobre questões ligadas à relação de consumo, dentre as quais é possível citar as Leis que garantem a meia-entrada aos estudantes.
Porém, aliada a falta de fiscalização, tem-se a eterna crença brasileira na falta de efetividade das suas instituições, que muitas vezes sequer são procurados, dando pouca eficácia às leis.
3 CONFIGURAÇÃO DA AQUISIÇÃO DE INGRESSOS POR ESTUDANTES COMO RELAÇÃO CONSUMERISTA
Para se garantir a proteção do consumidor com a aplicação do microssistema consumerista, é preciso, em princípio, verificar se a relação em apreço é, verdadeiramente, uma relação de consumo. Deve-se, então, verificar o seu campo de aplicação. Haverá uma relação jurídica de consumo somente quando se puder identificar em um dos lados da relação jurídica um consumidor com qualidade de destinatário final, e do outro um fornecedor, tendo entre eles uma transação de produtos ou serviço (ULHOA COELHO, 1994, p. 126). Ao concluir que inexiste, no caso concreto, relação de consumo, o intérprete ou aplicador da norma jurídica deve deixar de aplicar o Código de Defesa do Consumidor, utilizando-se apenas das normas civis ou comerciais possíveis ao caso (LISBOA, 1999, p. 6).
Consumidor a adequação ao conceito de relação de consumo, que não prescinde da presença de um consumidor. Ou seja, temos aqui um direito complexo, que diferencia de forma subjetiva, favorecendo e protegendo os mais fracos. Nesse sentido, tem-se que o conceito de relação de consumo é destrinchado em três elementos que devem ser atendidos em sua inteireza, quais sejam: subjetivos, objetivos e causal ou finalístico. Quanto ao elemento subjetivo, sabe-se que este é atendido quando figuram na relação um consumidor e um fornecedor. Porém, quem é consumidor e quem é fornecedor em uma relação de consumo? Qual o conceito de cada figura presente nessa relação? O estudante que adquire ingresso para eventos culturais, de lazer e esportivos é considerado consumidor, para que tenha seu direito à meia-entrada garantido? Por quê?
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Portanto, como já dito, é condição essencial da aplicação do Código de Defesa do
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FIDΣS Essas serão perguntas a serem respondidas ao leitor à medida que prossegue na leitura do presente tópico, em que é feito o encaixe das figuras presentes na relação aos conceitos de consumidor e fornecedor, deixando claro se tratar de uma relação de consumo. O conceito de consumidor em relação com fornecedor está ligado, principalmente, a uma condição de hipossuficiência, de diferença de conhecimento na relação. De um lado, tem-se um profissional que possui as informações sobre o produto, serviço ou o contrato, e tem tal atividade como sua fonte de renda; já do outro lado, tem-se o consumidor, que possui um déficit informacional em relação àquele, juntamente com todos os que como ele formam uma coletividade de consumidores (BENJAMIN, 2013, p. 91). De início, é necessário dizer que o conceito de consumidor não é unívoco, existem correntes distintas de conceituação. Ademais, a definição desse sujeito a ser protegido não é feita por apenas um artigo do CDC, mas em quatro, quais sejam: art. 2°, e seu parágrafo único, o art. 17 e o 29, todos os três últimos tratando do consumidor equiparado, não se restringindo apenas à visão individual, mas também sob um caráter coletivo ou transindividual, como interesses homogêneos, coletivos em sentido estrito ou difusos. Neste último caso, para que se configure o consumidor por equiparação basta a simples exposição às práticas previstas no Capítulo V do CDC, que trata das práticas comerciais (ALVES, 2013, p. 53). Já se sabe que o consumidor é aquele hipossuficiente na relação, o que nos leva à afirmação de que o ponto de partida do CDC é a garantia do princípio do reconhecimento da hipossuficiência do consumidor, como disposto no art. 4°, inciso I, do CDC, que visa garantir
79) Da leitura do art. 2°, caput do Código de Defesa do Consumidor, extrai-se uma definição mais direta, qual seja: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Portanto, da apreciação desse dispositivo, vê-se que a única restrição à definição de consumidor seria que este adquirisse ou utilizasse o bem como seu destinatário final. Dessa interpretação compartilham os adeptos da teoria finalista, para os quais a expressão “destinatário final” do artigo mencionado deve ser interpretada de maneira restritiva. Ou seja, destinatário final seria o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, sendo este pessoa física ou jurídica. Não basta apenas retirar o produto do mercado, é necessário ser o destinatário final econômico desse produto, não o adquirindo com intenção de revenda, com intenção de uso profissional. De tal forma, deve ser considerado consumidor
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uma igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo (NUNES, 2013, p.
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FIDΣS aquele que adquire ou utiliza o bem para uso próprio e de sua família, não sendo o profissional, situação na qual faltaria a questão da hipossuficiência, no geral (atentando sempre para a possibilidade de profissionais vulneráveis em suas três formas: técnica, jurídica e fática) (BENJAMIN, 2013, p. 94) Contudo, não se tem apenas essa concepção. Baseando-se no modo de aferição do lucro, bem como na situação de vulnerabilidade do consumidor dentro do mercado surge também a teoria maximalista, falando-se ainda da finalista aprofundada (CARVALHO, 2000, p. 20-24). Para os maximalistas, a definição que se encontra no caput do art. 2º do CDC deve ser entendida extensivamente, de forma a ampliar o conceito de consumidor abrangendo tanto os não profissionais, bem como os profissionais que adquirem ou utilizam o produto ou serviço no desempenho de seu labor, sendo estes destinatários finais, desde que não aufiram lucros diretos com os produtos ou serviço (EFING, 2004, p. 60). Ademais, o entendimento majoritário da doutrina, bem como o adotado pelo Superior Tribunal de Justiça1 gira em torno da aplicação de uma terceira vertente teórica, que é denominada finalista atenuada ou mitigada, com base na qual o profissional ou empresa que compra ou utiliza determinado produto ou serviço podendo ser considerado destinatário final desde que se comprove a sua vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional no caso concreto (NISHIYAMA, 2010, p. 64). Portanto, o estudante portador de carteira de estudante, ou devidamente matriculado em ensino médio, superior ou cursos de idioma e preparatórios para vestibular, como
características já descritas, é portador da proteção do microssistema consumerista, sendo a ele dado o direito à meia-entrada na condição de consumidor. Contudo, ilustra-se o caso de estudante que compra uma grande quantidade de ingressos, para o qual não será dada a proteção consumerista. A partir do momento que ele compra o montante, inclusive com intenção de revenda e lucro, ou mesmo sem esse interesse, descaracteriza-se a relação de consumo, tendo em vista a falta de atributo de destinatário final. Quanto ao conceito de fornecedor, o CDC trata deste como sendo toda pessoa que realiza atividade produtiva, de montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço, podendo ser
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destinatário final fático e econômico do ingresso ou senha para evento que cumpre com as
Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº. 661.145/ES. Rel. Min. Jorge Scartezzini. j. 22/02/2005. DJ 28.03.2005.
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FIDΣS pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados (art. 3°, caput). Dessa forma, vê-se que o código buscou conferir a maior amplitude possível ao conceito de fornecedor, mas somente contemplou aqueles que participam do fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo, de modo a satisfazer as demandas dos consumidores no exercício habitual do comércio. Desse modo, estariam excluídas da tutela consumerista os contratos firmados entre dois consumidores não profissionais ou com o comerciante não atuante em sua atividade-fim, por não fazê-lo com habitualidade, aplicando a estes o Código Civil. A chave para compreender esse conceito está na expressão utilizada no Código, "desenvolvem atividades". Dessa forma, exemplifica-se como típica fornecedora a Escola que oferece cursos pagos a estudantes. Contrariamente, temos a mesma Escola que vende veículos de sua propriedade através de anúncios em classificados, não sendo dessa vez considerada fornecedora, pois não se trata de uma atividade própria de seu ofício, não a desenvolve com habitualidade. Nesse sentido o STJ já decidiu que agência de viagem quando vende carro próprio, não atua como fornecedor, já que compra e venda de veículos não fazem parte da atividade comercial da empresa, pois as normas do CDC não se aplicam às relações de compra e venda de objeto totalmente diferente daquele que não se reveste de natureza do comércio exercido pelo vendedor 2. A conceituação de fornecedor é bipartida em duas espécies, quais sejam:
O fornecedor imediato é aquele que mantém relação direta com o consumidor, ou seja, é o que atua de forma mais específica na comercialização de produtos e/ou na prestação de serviços diretamente para os consumidores. Dessa forma, são fornecedores imediatos os que atuam exercendo atividades de oferta, publicidade, vendas, realização de serviços, entre outras. Por sua vez, o fornecedor mediato ou indireto é o que compõe a cadeia de consumo, mesmo não mantendo uma relação direta com os consumidores. Atuam por meio da realização de práticas, tais como a produção, fabricação, montagem, criação, construção, transformação,
manipulação,
importação,
exportação,
distribuição,
apresentação,
acondicionamento, entre outras (BENJAMIN, 2013, p. 112-119). 2
Superior Tribunal de Justiça. AGA n° 150829/DF, Rel. Min. Waldemar Zveiter. j. 11/05/1998. DJ 11.05.1998.
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fornecedores imediatos e fornecedores mediatos ou indiretos.
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FIDΣS Tem-se também teoria que versa sobre um fornecedor equiparado que surgiu da situação de vulnerabilidade no mercado de consumo que ocasionou uma espécie de ampliação do campo de aplicação do CDC, enxergando de forma mais ampla o artigo 3º. Seria este apenas um terceiro intermediário ou ajudante da relação principal, mas que atua frente a um grupo de consumidores ou a um consumidor individual. Trata-se do “dono” da relação conexa à principal. Nesse sentido, tem-se a teoria elaborada por Leonardo Roscoe Bessa ao afirmar que a vulnerabilidade principal diante do mercado de consumo gera por si só a uma ampliação do campo de aplicação do CDC, analisando de forma mais abrangente o art. 3º. É aquele terceiro na relação de consumo, sendo um intermediário ou ajudante da relação principal (BESSA, 2007, p. 127). Diante disso, presentes os elementos fundamentais da relação jurídica de consumo quais sejam: elemento objetivo (produto ou serviço que é o ingresso e o evento); elemento causal (destinatário final); e, principalmente o subjetivo (sendo o estudante o consumidor em relação com o fornecedor) – fica demonstrado que há uma relação de consumo na situação de compra de ingresso por estudante, podendo-se aplicar o microssistema de defesa do consumidor.
4 COMPARATIVO DA ABRANGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO QUE REGULAMENTA
Adentrando agora mais especificamente na questão do direito dos estudantes à meiaentrada na cidade de Natal, proporcionado e protegido pelas leis direcionadas ao assunto (Lei Federal nº 12.933 de 26 de Dezembro de 2013; Lei Estadual nº 6.503, de 1º de dezembro de 19933 e a Lei Municipal nº 4.743, de 26 de março de 19964), já que o Código de Defesa de Consumidor não dispõe da matéria de forma específica, também por não existir legislação em âmbito federal que disponha da meia-entrada de forma genérica para todo o país.
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BRASIL.Lei Estadual nº 6.503, de 1º de dezembro de 1993. Assegura a estudantes o direito ao pagamento de meia-entrada em espetáculos esportivos, culturais e de lazer, e dá outras providências correlatas. 4 BRASIL. Lei Municipal nº 4.743, de 26 de março de 1996.Dispõe sobre a concessão aos estudantes a redução equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor do ingresso ou entrada em espetáculos artísticos, e dá outras providências.
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FIDΣS Dessa forma, sabe-se que cada Estado, assim como inúmeros municípios, possui suas próprias Leis da meia-entrada para estudantes5, variando termos e determinados aspectos entre uma e outra, mas mantendo, no geral, uma homogeneidade no tratamento ao assunto. Em dezembro de 2013, surgiu a mais nova disposição legislativa a tratar do tema, agora em âmbito Federal, é a Lei Federal nº 12.933/2013, que dispõe sobre o pagamento de meiaentrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes em espetáculos artístico-culturais e esportivos, que como já mencionado não pode ser aplicada em decorrência de seu artigo 6º que prevê a elaboração de regulamentação posterior para que possa gerar efeitos. Nesse sentido, tendo em vista o princípio da proteção ao consumidor - consagrado na Constituição Federal em seu artigo 170, inciso V; bem como no próprio CDC em seu artigo 1° - salienta-se que as Leis podem ser empregadas somando o que cada uma tem de mais benéfica para o estudante. Nesse sentido, tem-se também o artigo 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor no sentido de que a Política Nacional das Relações de Consumo tem como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, e principalmente a proteção de seus interesses econômicos. Conforme a referida Lei do Município de Natal (Lei municipal 4.743/96), a comprovação da condição de estudante é feita mediante a apresentação de documento de identidade estudantil, expedido pela Entidade Representativa (União Municipal dos Estudantes Secundaristas, Diretório Central dos Estudantes, Associação Potiguar de Estudantes Secundaristas e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) ou órgão por ela
Já na Lei Estadual nº 6.503/93, do Estado do Rio Grande do Norte, o estudante beneficiado é aquele devidamente matriculado em estabelecimento de ensino público ou particular, do primeiro, segundo ou terceiro graus, no referido Estado, devidamente autorizados a funcionar por órgãos competentes, de acordo com o, art. 1°, §2° da Lei em questão. Para a Lei Federal nº 12.933, estudantes são aqueles que estão matriculados regularmente nos níveis e modalidades de educação e ensino previstos noTítulo V da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 1°, §2°. Portanto, a ideia de restrição aos estudantes portadores de documento de identidade estudantil das Leis municipal e Federal não se faz presente na Lei estadual, por dispor que é 5
Apesar dessa ponderação, conveniente registrar o art. 24, inc. V da CF, que permite a competência concorrente pra legislar sobre o tema.
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autorizado (art. 1°, §1°).
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FIDΣS requisito somente a matrícula regular do estudante nos níveis enunciados. Aplica-se então a disposição da Lei Estadual, bastando o comprovante de matrícula regular do estudante, tendo em vista a inaplicabilidade da Lei Federal por inexistência de Lei regulamentadora, bem como o princípio da proteção do consumidor propugnando a aplicação da condição mais benéfica ao consumidor. Vistas as peculiaridades do tratamento de quem são os beneficiários de cada Lei, é necessário agora observar o direito que cada norma garante aos estudantes. Na Lei municipal nº 4.743/96, é concedida aos estudantes a redução equivalente a 50% do valor do ingresso ou entrada em espetáculos artísticos, circos, ou de natureza cultural que se realize em casa de espetáculos no município de Natal ou que venham a ocorrer em teatros (art. 1°, caput). Por sua vez, a Lei estadual nº 6.503/93 dispõe que será assegurado aos estudantes o pagamento da meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de espetáculos teatrais, musicais, circenses, de exibição cinematográfica, praças esportivas e similares das áreas de esporte e cultura na conformidade da presente Lei (art. 1°, caput). No caso da Lei Federal nº 12.933, fica assegurado aos estudantes acessarem salas de cinema, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, em todo o território nacional, sendo estes promovidos por quaisquer entidades e realizados em qualquer tipo de estabelecimento, seja ele público ou particular, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral. Dessa forma, vê-se que as Leis estadual e federal possuem uma disposição mais ampla quanto aos eventos em que o estudante conta com o benefício, estendendo o direito às – Rio Grande do Norte, tratando ainda da questão da metade do valor do preço efetivamente cobrado. A Lei Federal ainda vai mais distante, afirmando que o direito à meia-entrada se dá nos eventos realizados por quaisquer entidades e estabelecimentos, sejam públicos ou particulares. Volta-se, então, a questão da aplicabilidade da Lei mais benéfica ao estudante, que nesse caso seria a do Estado do Rio Grande do Norte ou a Federal. Sendo correta a aplicação da Lei Estadual nº 6.503/93, tendo em vista a ineficácia atual da Lei nº 12.933/13. Quanto à fiscalização do cumprimento da norma, a Lei Estadual nº 6.503/93 é mais benéfica por ser mais ampla, pois em seu artigo 3° diz-se que caberá ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte, através de seus respectivos órgãos de cultura, esporte, turismo e defesa do consumidor, e, nos Municípios, aos mesmos órgãos das referidas áreas, bem como ao Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, a fiscalização e o cumprimento desta Lei. Já a Lei do Município de Natal 4.743/96, dispõe apenas que a fiscalização do
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realizações esportivas, o que não consta, por exemplo, na Lei 4.743/96 do Município de Natal
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FIDΣS cumprimento da Lei será da competência da Secretaria Municipal de Finanças. Por sua vez, a Lei Federal em seu artigo 3º traz que a fiscalização caberá aos órgãos públicos competentes federais, estaduais e municipais, ou seja, delegando a cada ente essa escolha. No que diz respeito às penalidades decorrentes do descumprimento, apenas a Lei n° 4.743 de 1993 do Município de Natal trata expressamente da questão. É o que dispõe o art. 5° da citada Lei, ao enunciar que caso não cumpra o que está previsto no art. 1°, o fornecedor infrator fica sujeito a multa equivalente a até 250 ingressos cobrados pelo evento (inciso I); suspensão pelo período de até 60 dias, em se tratando de reincidência (inciso II); cancelamento definitivo da licença de funcionamento (inciso III). Trazendo ainda em seu parágrafo único que “a apuração da infração e aplicação da penalidade, assegurada em qualquer caso a ampla defesa, reger-se-á pelas normas do processo administrativo”. É importante demonstrar mudanças cruciais que a Lei Federal nº 12.933 de 26 de dezembro de 2013 busca trazer, que muitas vezes são mais benéficas em relação ao fornecedor. Veem-se essas mudanças, por exemplo, da dicção do artigo 1°, § 10 que especifica uma quantia limite de 40% do total de ingressos disponíveis para a disponibilização de meia-entrada aos estudantes. Tal limitação além de extremamente desvantajosa aos consumidores não é especificada em nenhuma outra Lei. A referida determinação do percentual traz ao menos um ônus ao fornecedor, que é o dever de prestar informações, o que está amparado pelo princípio da informação consagrado no microssistema de defesa consumerista. É o que se observa do artigo 2° da Lei Federal nº 12.933/2013, que enuncia que o cumprimento do percentual acima mencionado será aferido
quantia de ingressos ainda disponíveis. Devendo, ainda, as produtoras disponibilizarem o número total de ingressos disponíveis aos usuários da meia-entrada, em todos os pontos de venda de ingressos, de forma visível e clara (artigo 2º, § 1º, inciso I); informando também quando do esgotamento de ingressos (artigo 2º, § 1º, inciso I); além de disponibilizarem um relatório de vendas de ingressos de cada evento à Associação Nacional de Pós-Graduandos, à União Nacional dos Estudantes, à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, a entidades estudantis estaduais e municipais filiadas àquelas e ao Poder Público, interessados em consultar o cumprimento do disposto no §10 do artigo 1°(artigo 2º, §2º). Ademais, também como corolário do princípio da informação, os estabelecimentos mencionados na Lei deverão, quando possível a aplicação dessa norma, afixar cartazes, em local visível da bilheteria e da portaria, de que constem as condições estabelecidas para o gozo da meia-entrada, com os telefones dos órgãos de fiscalização.
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por meio de um instrumento que ofereça ao público as informações atualizadas em relação a
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FIDΣS Porém, essas garantias ao princípio da informação continuam sendo apenas vistas na teoria no cenário consumerista, tendo em vista que a norma federal ainda carece de regulamentação. O descumprimento patente dessas regras e princípios chega a ser banalizado, configurando práticas abusivas por parte dos fornecedores.
4.1 ESTUDANTES DE CURSOS PREPARATÓRIOS PARA VESTIBULAR
Prática corriqueira em muitos locais e eventos realizados no Estado do Rio Grande do Norte é a não consideração do estudante de cursos preparatórios para vestibular como titular do direito à meia-entrada, tendo por fundamentação a definição de estudante que consta da Lei estadual n° 6.503/93, que apenas considera como estudante aquele devidamente matriculado em estabelecimento de ensino público ou particular, do primeiro, segundo ou terceiro graus, no Estado do Rio Grande do Norte (artigo 1°, § 2°). Contudo, também foi visto que a Lei municipal n° 4.743/96 permite a caracterização da condição de estudante mediante a apresentação de documento de identidade estudantil, expedido pela Entidade Representativa (União Municipal dos Estudantes Secundaristas, Diretório Central dos Estudantes, Associação Potiguar de Estudantes Secundaristas e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) ou órgão por ela autorizado (artigo 1°, § 1°). Dessa forma, tendo por base o princípio da proteção do consumidor deve-se acolher o que é dito na Lei municipal, tendo em vista ser mais vantajoso ao estudante por, mesmo na condição de aluno de curso preparatório de vestibular, ser abarcado pela proteção ao direito a
documento de identificação estudantil expedido por entidade representativa ou órgão por ela autorizado terá, sim, o direito à meia-entrada, com fundamento na Lei n° 4.743/96 do Município do Natal.
4.2 MEIA-ENTRADA ESTUDANTIL E A LEI GERAL DA COPA DO MUNDO
Data de 5 de junho de 2012 a Lei Federal n° 12.663, chamada Lei Geral da Copa do Mundo, que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude – 2013, no Brasil. Com base nessa Lei, ficou determinado, em seu art. 26, que a FIFA fixaria os preços dos ingressos para cada partida das Competições (Copa das Confederações e Copa do Mundo), obedecendo a determinadas regras.
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meia-entrada. Com isso, o estudante de curso preparatório para vestibular que portar
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FIDΣS Sob pressão social, e a contragosto da FIFA, determinou-se que para os eventos realizados no Brasil haveria a manutenção do direito à meia-entrada aos estudantes, naqueles municípios que possuíssem Leis nesse sentido. Conforme o art. 26, §5°, inciso I da mencionada Lei: “§5o Em todas as fases de venda, os Ingressos da categoria 4 serão vendidos com desconto de 50% (cinquenta por cento) para as pessoas naturais residentes no País abaixo relacionadas: I – estudantes [...]”. Quanto à comprovação da condição de estudante, a Lei enuncia no §11, do mesmo artigo, que para a compra dos ingressos tratados no inciso I do §5 o, art. 26, a comprovação dar-se-ia, obrigatoriamente, mediante a apresentação da Carteira de Identificação Estudantil, que segue o modelo único e padronizado pelas entidades estudantis nacionais, com Certificação Digital, expedida exclusivamente pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), pela União Nacional dos Estudantes (UNE), pelos Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs) das instituições de ensino superior, pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e pelas uniões estaduais e municipais de estudantes universitários ou secundaristas. Porém, a Lei Estadual nº 6.503 dispõe que para comprovar a condição de estudante bastava a demonstração de matrícula regular em estabelecimento de ensino público ou particular, do primeiro, segundo ou terceiro graus, no Estado do Rio Grande do Norte, devidamente autorizados a funcionar por órgãos competentes. Sendo assim, com fundamento no princípio da proteção do consumidor, que viabiliza a aplicação do dispositivo mais benéfico ao protegido, é possível afirmar que a exigência da carteira de estudante para
da Lei Geral da Copa.
5 PRÁTICAS CONSIDERADAS ABUSIVAS NA AQUISIÇÃO DE INGRESSOS POR ESTUDANTES
Apesar da proteção que o microssistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor tenta propiciar aos seus beneficiados, o que se verifica constantemente é a ocorrência de práticas abusivas por parte dos fornecedores, consistindo em atos em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. Na prática, tem sido negligenciado por parte das autoridades, e dos próprios destinatários da Lei, o cumprimento da legislação concernente à meia-entrada estudantil. São
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comprovação da condição de estudante não deve ser reconhecida, em detrimento dos dizeres
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FIDΣS inúmeras as práticas que atentam contra tal direito, motivo pelo qual, neste tópico, tratar-se-á de apenas algumas que estão em maior evidência e recorrência. É comum a realização de eventos, em boates, casas de shows e afins, sem que o valor da meia-entrada seja sequer informado ao consumidor, afrontando o direito do consumidor de obter a informação completa e clara do que está adquirindo, contrariando o previsto no artigo 31, do CDC6. Nesses casos, subentende-se que o preço divulgado é o da inteira, sendo direito do estudante pagar a 50% do efetivamente divulgado7.Esta prática inclui-se na chamada “prática do preço único” aplicada por inúmeros fornecedores. A questão da observância ao princípio da informação está contemplada na Lei Federal nº 12.933/13, pois em seu artigo 2º, §1º, trata-se da instituição de mecanismos que viabilizem o fornecimento aos consumidores das informações precisas de forma visível e clara quanto ao número exato do total de ingressos disponibilizados, vendidos, reservados para o valor da meia-entrada, além de informar do esgotamento de ingressos. Outra prática que fere os ditames do microssistema consumerista é a limitação de venda de ingressos por valor de meia-entrada à determinada quantia de ingressos disponibilizados. No entanto, esta limitação passará a ser permitida quando possível a aplicabilidade da Lei Federal nº 12.933/13, dispondo que a concessão do direito ao benefício da meia-entrada é assegurada em 40% (quarenta por cento) do total dos ingressos disponíveis para cada evento. Tal prática consiste em ato abusivo e ilegítimo, pois enquanto houver lugares disponíveis e senhas sendo vendidas, deve haver a meia-entrada. Tal fato está previsto no às demandas dos consumidores, na exata medida de sua disponibilidade de estoque”. Além disso, deve-se aplicar a melhor disposição legislativa para o consumidor, tendo em vista o princípio da proteção do consumidor. Somando-se a estas, uma prática recorrente no Brasil, em geral, é a limitação da venda da meia-entrada a somente determinados setores do evento, a exemplo tem-se a já mencionada venda de ingressos para a Copa o Mundo, em que apenas o setor 4 é destinado àqueles que desejam usufruir do seu direito à meia-entrada. Nesse mesmo sentido, é possível
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Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével. 7 Artigo 1º da Lei 12.933/2013; artigo 1º da Lei 6.503/1993 e artigo 1º da Lei 4.743/1996.
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CDC, no art. 39, inciso II, que diz que será considerada prática abusiva: “recusar atendimento
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FIDΣS citar a limitação da venda de meia-entrada para festas e concertos de música, nos quais as chamadas áreas VIP’s ou camarotes são restritos às entradas pagas pelo valor de inteira. Com efeito, o fornecedor não pode instituir um requisito/limitação que a própria Lei não impõe, principalmente porque essa limitação prejudica os consumidores. O ingresso da área VIP já é naturalmente mais caro, então mesmo pagando meia-entrada o consumidor vai pagar mais caro, posto que o serviço extra deve ser cobrado sobre o valor da meia-entrada, não da inteira, ou do valor único, como geralmente dizem os fornecedores. O fornecedor não é obrigado a oferecer a área VIP aos seus consumidores, se ele decide fazer, deve arcar com o bônus (lucro maior em decorrência do preço mais alto), mas também com o ônus (vender meia-entrada). Ou seja, o fornecedor deve assumir por si só o risco do negócio. Portanto, no caso da cidade de Natal e do estado do Rio Grande do Norte, bem como em diversos outros Municípios e Estados brasileiros, não se pode negar o direito a venda da meia-entrada às Áreas VIP’s ou camarotes, pois nem a Lei municipal n° 4.743/96, nem a Lei estadual n° 6.503/93, impõem tal limitação aos consumidores, não sendo lícito aos organizadores desses eventos, discricionariamente, ou sob fundamentação de Lei que não a da localidade do fato, impor tal limitação. Com efeito, qualquer ofensa à norma de defesa do consumidor enseja aplicação de sanções a nível administrativo, como preceitua o artigo 56 do CDC8. Estas sanções são previstas de modo geral pelo Código de Defesa do Consumidor, podendo ser aplicadas em qualquer situação. No caso do Estado do Rio Grande do Norte, a
disposições, porém, a Lei n° 4.743/1996 do Município de Natal enuncia em seu artigo 5º as sanções a que se sujeitam os que descumprirem o previsto no artigo 1° da mencionada Lei, que concede aos estudantes uma redução equivalente a 50% do valor do ingresso ou entrada em espetáculos artísticos, circos, ou de natureza cultural. Nesse caso, especificamente, o
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Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
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Lei estadual n° 6.503/1993 não trata das sanções aplicáveis àqueles que descumprirem as suas
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FIDΣS consumidor pode denunciar ao PROCON ou à Secretaria Municipal de Finanças (incumbida na Lei municipal pela fiscalização), o que acarretará nas sanções previstas. Dessa forma, caso não cumpra o que está previsto no art. 1°, o fornecedor infrator fica sujeito a multa equivalente a até 250 ingressos cobrados pelo evento (inciso I); suspensão pelo período de até 60 dias, em se tratando de reincidência (inciso II); cancelamento definitivo da licença de funcionamento (inciso III), como disposto no artigo 5° da Lei n° 4.743/1996.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo de estimular e facilitar o acesso dos estudantes à cultura, esporte e lazer, atingindo objetivos almejados nas disposições da Constituição Federal de 1988, surge, a partir de reuniões da UNE, a ideia da meia-entrada estudantil para eventos dos caráteres acima mencionados. Ao se promulgar a Constituição Federal de 1988 a defesa do consumidor é alçada à condição de direito fundamental, com destaque para a redação do artigo 5º, inciso XXXII. Surge, então, o consumidor titular de direitos constitucionais fundamentais, tendo-se aí os principais fundamentos da legitimação das medidas intervencionistas do Estado, necessárias para garantir a proteção do consumidor. O direito do estudante a pagar a meia-entrada, no caso da cidade de Natal, constituise direito líquido e certo, amparado pela Lei Estadual nº 6.503, de 1º de dezembro de 1993,
26 de Dezembro de 2013, que atualmente se apresenta ineficaz pela ausência de norma regulamentadora. Configura-se como relação consumerista a aquisição de ingressos por estudantes, sendo aplicadas a estes o microssistema de proteção do consumidor. Haverá uma relação jurídica desse viés somente quando se puder identificar em um dos lados um consumidor, e do outro um fornecedor, tendo entre eles uma transação de produtos ou serviços. Comparando as Leis que regem o assunto em âmbito Municipal, Estadual e Federal, evidencia-se a configuração da relação consumerista em cada uma, demonstrando que as disposições nesse sentido em muito se assemelham, além do que as leis trazem ao mesmo tempo benefícios e malefícios aos protegidos. Constatou-se que inúmeras são as práticas abusivas que se encontram no contexto da aquisição de ingressos por estudantes, tais como: a realização de eventos sem que o valor da
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pela Lei Municipal nº 4.743, de 26 de março de 1996, e também pela Lei Federal nº 12.933 de
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FIDΣS meia-entrada seja informado ao consumidor; prática do preço único; limitação de venda de ingressos por valor de meia-entrada ou a determinados setores do evento, dentre outras. Por fim, em razão da incidência nas referidas práticas abusivas os fornecedores incorrem em sanções a nível administrativo, como preceitua o artigo 56 do CDC, podendo ser aplicadas em qualquer situação.
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ULHOA COELHO, Fábio. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva,
FUNDAMENTS AND DIFFICULTIES OF THE CONCRETION OF THE HALFPRICE RIGHT TO STUDENTS
ABSTRACT The Federal Constitution of 1988 brought, as a social right, the right to leisure (article 6th), stating it as a form of social promotion that the government should promote. In its context, by the power of the 5th Article, item XXXII, the consumer’s protection was raised to the status of a fundamental right. Then, the right to acquire admission tickets in half of the price was created. Here, a discussion about
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1994.
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FIDÎŁS legislative and theoretical criteria is going to take place to notify the society of the scope of this right, as well as the importance of respecting it.
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Keywords: Half-price entry. Student. Consumer.
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 30 out. 2014
O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS Felipe Gabriel da Silva Alvares Tiago Teixeira Coelho**
RESUMO O presente trabalho tem por objetivo analisar os principais elementos caracterizadores do crime de lavagem de dinheiro, assim como tecer breves comentários acerca da tipificação deste delito no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo aborda, ainda, a origem histórica do crime de lavagem de ativos, além das principais etapas ou fases deste delito dentro das organizações religiosas. Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Organizações religiosas.
1 INTRODUÇÃO
O crime organizado tem procurado diversificar cada vez mais seu campo de atuação, expandindo suas atividades ilícitas e os meios de camuflá-las, aproveitando-se, quase sempre, da inoperância do Estado em fiscalizar e identificar as atividades danosas à sociedade, bem como de elaborar leis carregadas de dispositivos eficazes contra a atuação dos criminosos. Tal fenômeno tem ocasionado grande preocupação das entidades internacionais ligadas ao setor da economia, pois o crime organizado tem gerado uma quantidade extraordinária de dinheiro
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 13º período. Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 13º período.
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Crime.
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FIDΣS de origem ilícita, proveniente, por exemplo, do contrabando de drogas e armas, extorsão, exploração sexual e tráfico de animais. Indubitavelmente, o crime organizado dispõe de uma gigantesca quantidade de fundos e bens adquiridos de forma ilegal que, enquanto deixarem pistas de sua origem, possibilitarão o rastreamento dos delinquentes. Deste modo, com o fim de utilizarem-se do dinheiro no mercado legal, seja para financiar a atividade ilegal ou investir em empreendimentos diversos sem levantar suspeitas, os criminosos costumam criar mecanismos que permitam dificultar, ou impedir, que o Estado e as pessoas não ligadas ao “esquema” percebam a verdadeira origem do dinheiro adquirido, criando assim uma fachada de legalidade sobre o mesmo. No Brasil, conforme se propõe demonstrar o presente trabalho, além dos já usuais meios de utilização para a lavagem de dinheiro, as organizações criminosas têm a possibilidade de se aproveitar das instituições que demandam menores dificuldades para o cometimento da lavagem, tais como das organizações religiosas. O presente artigo não possui o objetivo de incriminar qualquer igreja ou instituição de cunho religioso, mas apenas demonstrar a fragilidade dessas instituições frente à atuação do crime organizado, que facilmente pode utilizar-se destas entidades para a realização da reciclagem do dinheiro. Neste âmago, o presente trabalho se propõe a demonstrar que tal debilidade se deve à própria sistemática jurídica brasileira. As organizações religiosas serão analisadas em conjunto com as principais características do denominado crime de lavagem de dinheiro que foi tipificado no Brasil, em adequação aos reclames e preocupações internacionais.
em vista que os fundos provenientes destas práticas servem para financiar os próprios criminosos e suas atividades, dando-lhes poder a ponto de rivalizarem com o Estado Democrático de Direito.
2 O CONCEITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Afirmava o orador romano Marco Túlio Cícero (2007, p. 33) que viveu entre os séculos I e II a.C o seguinte: “quando se quer pôr ordem e método numa discussão, é preciso iniciar definido a coisa de que se debate, para se ter dela uma ideia clara e precisa.”
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A absorção do dinheiro ilícito na economia deve ser combatida ostensivamente, tendo
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FIDΣS De maneira geral os doutrinadores conceituam a expressão lavagem de dinheiro de modo similar, Gomez Iniesta (citado por ANDRADE, CALLEGARI, SCHEID, 2011, p. 246) afirma que: por lavagem de dinheiro ou bens entende-se a operação através da qual o dinheiro de origem sempre ilícita (procedentes de delitos que se revestem de especial gravidade) é investido, ocultado, substituído ou transformado e restituído aos circuitos econômico-financeiros legais, incorporando-se a qualquer tipo de negócio, como se fosse obtido de forma lícita.
De modo genérico e satisfatório, podemos afirmar que a expressão “lavagem de dinheiro”, significa o ato ou mecanismo de fazer com que produtos ou recursos provenientes de crime aparentem terem sidos adquiridos de modo lícito. No Brasil era seguido um conceito calcado na tipicidade do crime, firmado na Lei n° 9.613 de 1998, que estabelecia um rol taxativo dos crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro no seu art. 1°. Entretanto, a Lei n° 12.682/12 modificou o referido dispositivo legal, excluindo o rol taxativo existente. Atualmente, incorre no delito de lavagem de dinheiro “aquele que ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, conforme a nova redação do mencionado dispositivo.
3 A ORIGEM DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E SUA TIPIFICAÇÃO NA
Não se sabe ao certo quando o crime de lavagem de dinheiro começou. Afirma André Luís Callegari (2008, p. 35) que “historicamente, os criminosos sempre tentaram ocultar os frutos de suas atividades delitivas, supondo, logicamente, que o descobrimento de tais fundos por parte das autoridades conduziriam, obviamente, aos delitos que o geraram.” A expressão lavagem de dinheiro tem origem no início do século XX, nos Estados Unidos. Neste período, a Máfia começou a organizar-se naquele país de modo mais contundente. Tal fato deveu-se, principalmente, a chamada “lei seca”, que entrou em vigor em 1920 proibindo a fabricação e o consumo de bebidas alcoólicas entre os americanos. Àquela época, o “lendário” Al Capone assumira a liderança do crime organizado da cidade de Chicago, percebendo vultosos recursos com o contrabando e a venda ilegal de bebidas alcoólicas.
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ORDEM BRASILEIRA
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FIDΣS Objetivando dar uma aparência de legalidade ao dinheiro ilegal, Al Capone apoderouse de estabelecimentos que trabalhavam com dinheiro em espécie e de rápido “giro”, principalmente as lavanderias de roupa e os lava-carros, e passou a introduzir junto ao dinheiro recebido das atividades exercidas nos estabelecimentos dinheiro “sujo”, simulando maior lucro do que realmente adquiria. Através deste método, promovia a reciclagem do dinheiro proveniente do tráfico de bebidas e outras atividades ilícitas. Acerca deste tema, assevera o Dr. Bruno M. Todini (2011, p. de internet) do Centro Argentino de Estudos Internacionales: A palavra "lavar" tem origem nos Estados Unidos na década de vinte, momento em que a máfia norte-americana criou uma rede de lavanderias para ocultar a origem ilícita do dinheiro atingindo suas atividades criminosas, principalmente o contrabando de bebidas alcoólicas proibidas naquele momento. Basta apontar para o caso de "Al Capone" (...). O mecanismo utilizado foi o seguinte, os lucros das atividades ilegais seriam introduzidos no negócio de lavagem de têxteis, a maioria dos pagamentos nos estabelecimentos foi feito em dinheiro, sendo esta situação comunicada à Receita Federal dos Estados Unidos da América. Assim, ganhos de extorsão, tráfico de armas, álcool e prostituição se combinaram com tecidos de lavagem, impossibilitando às autoridades distinguir se esse dólar ou centavo veio de uma atividade lícita ou não, (...). (tradução nossa).
Ocorre que a partir da década de 1960, o narcotráfico cresce assustadoramente, movimentando grande quantidade de dinheiro, pondo em risco a economia mundial e a segurança das sociedades. Devido a este fato, as autoridades internacionais passaram a se preocupar com as consequências da falta de mecanismos que protegessem o sistema financeiro global dos investimentos de origem ilícita que financiam as organizações
Desde então, foram organizados vários encontros internacionais com a finalidade de se estabelecerem acordos que viabilizassem a proteção do mercado internacional contra a lavagem de dinheiro, o principal deles foi a Convenção de Viena de 1988, onde ficou firmado, o comprometimento mundial no combate à lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Em 14 de junho de 1991, o texto da referida convenção foi aprovado pelo congresso nacional brasileiro (VIVIANE, 2005, p. de internet), a partir de então, foi dado início aos trabalhos para a formulação de uma lei que combatesse o crime de lavagem de dinheiro no Brasil que culminou com a entrada em vigor da lei n° 9.613/98. No concernente a criminalização da lavagem de divisas, é importante ressaltar que o Direito Penal tem por finalidade tutelar os bens mais importantes da sociedade, sendo utilizado como último recurso do Estado para coibir determinada conduta. Apenas as condutas
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criminosas.
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FIDΣS contrárias aos interesses considerados vitais para os indivíduos e a sociedade são passíveis de abordagem penal. A Constituição Federal afirma em seu art. 170, caput, que a ordem econômica tem por finalidade garantir a todos os cidadãos uma existência digna. A Carta Magna de 1988 faz referência expressa aos denominados crimes econômicos, objetivando conter os abusos que visam a dominação do mercado, a eliminação da concorrência, bem como o aumento arbitrário e ilegal dos lucros. Resta claro, por tanto, que o crime de lavagem de divisas tem por fim proteger a ordem econômica nacional.
4 AS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS NO BRASIL FRENTE AO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE
As organizações religiosas são entidades que tem por finalidade e razão de ser, conforme assevera Francisco Amaral (2008, p. 334), reunir pessoas leigas para a manutenção de culto, ou para a prática de atos de assistência ou caridade, compreendendo as igrejas, assim como as ordens monásticas, as congregações religiosas, as irmandades, os centros dos variados cultos etc. Não almejando, em hipótese alguma, obter lucro destas atividades. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 5°, XVII, o princípio da liberdade de associação. Em harmonia com o texto constitucional, o Código Civil de 2002, em seu art. 44, § 1°, afirma ser “livre a organização, a criação, a estruturação interna e o conhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.” A lei n° 10.825, de 22 de dezembro de 2003, deu nova redação ao já mencionado art. 44, incluindo expressamente entre as pessoas jurídicas de direito privado, no inc. IV, as organizações religiosas. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 201), esta modificação decorreu devido a estas organizações não poderem ser qualificadas como associações, por não se enquadrarem na definição contida no art. 23 do Código Civil, pois não têm fins econômicos. Nem ao menos, podem ser classificadas como sociedades, uma vez que não se compatibilizam com a definição do art. 981 do Código Civil. Por força do art. 62 poderiam ser enquadradas como fundações, entretanto, para a formação destas exige-se, além das disposições estabelecidas no atual Código, lei específica que trata deste tipo de organização, cujas normas inviabilizam a adequação das igrejas nesta classificação.
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funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes
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FIDΣS A manutenção da organização religiosa, inegavelmente, implica movimentação de dinheiro, podendo assim promover eventos ou atividades de cunho econômico que devem ser revertidos totalmente para a instituição. Em verdade, o que importa é o fim teleológico da entidade religiosa, devendo as verbas percebidas ser empregadas totalmente em função deste objetivo, que dizem respeito às questões da fé, do evangelismo e bem estar espiritual dos seus adeptos. São aplicadas às organizações religiosas, apenas naquilo que couber, as normas referentes às associações. Outra característica, ou prerrogativa, daquelas instituições, garantida pela Constituição em seu art. 150, VI, b, diz respeito à imunidade fiscal. Deste modo o poder público não pode instituir impostos sobre “templos de qualquer culto”. Em decorrência deste dispositivo, as arrecadações percebidas pelas igrejas estão livres do fisco, e das auditorias de prestação de contas.
5 A FRAGILIDADE DAS INTITUIÇÕES RELIGIOSAS FRENTE AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
O crime organizado tem procurado encontrar mecanismos diferenciados de reciclar o dinheiro proveniente de atividades ilícitas, ao que tudo indica, há algum tempo eles descobriram a facilidade que existe em realizar tal atividade utilizando-se das organizações religiosas. Muitas são as vantagens para o criminoso, uma vez que a legislação brasileira, por
origem das doações. O criminoso ao “aplicar” o dinheiro ilícito em uma entidade religiosa, como uma igreja, por exemplo, acabar por obter algumas facilidades em relação aos métodos convencionais de lavagem. O envio da pecúnia para os bancos exteriores acabam por trazer insegurança para o infrator, pois o desenvolvimento da tecnologia acabou por permitir a criação dos chamados AML, que são softwares comumente utilizados pelos bancos para analisar as informações sobre os clientes, assim como transações suspeitas, tudo sem o conhecimento destes. Estes programas têm a capacidade de classificar até mesmo atividades de pequena monta como suspeitas, desde que preenchidos determinados critérios. Além disso, o emprego do dinheiro ilícito em organizações religiosas, permite ao criminoso acompanhar de perto o dinheiro “sujo”, pois geralmente, a congregação religiosa,
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não taxar qualquer renda percebida por estas instituições, acabou por não se importar com a
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FIDΣS encontra-se muito próxima, podendo localizar-se até no mesmo bairro onde mora o criminoso, ou em sua própria casa. Com efeito, outra vantagem é que as supostas doações não precisam se dar de modo tão diluído quando os fundos são empregados em estabelecimentos comerciais que trabalham com dinheiro em espécie, como bares, hotéis, postos de gasolina, lojas de conveniências etc. Ademais, estes empreendimentos devem pagar impostos ao Estado, chamando mais a atenção do fisco, emitindo notas fiscais dos produtos vendidos ou serviços prestados, além do pagamento de direitos trabalhistas de funcionários, que, quase sempre, são em quantidade bem superiores do que aqueles empregados nas igrejas, uma vez que estas utilizam grande mão de obra voluntária para suas necessidades. Deve-se destacar, ainda, a facilidade para se “abrir” igrejas no Brasil, ou qualquer instituição religiosa, uma vez que os requisitos legais são pouco exigentes, bastando, basicamente, o registro do estatuto da organização em cartório, inscrição no cadastro de CNPJ e matrícula no INSS. A obrigação legal de manutenção, por parte das igrejas, de registro contábil para dar ciência aos membros, assim como livro de caixa, não impedem a entrada de dinheiro ilícito, pois não permite a identificação da origem das doações tanto para os membros da instituição, quanto para ao Estado. Em entrevista concedida ao Jornal “Valor Econômico”, o magistrado Fausto Martin falou sobre a utilização de instituições religiosas para a lavagem de dinheiro, conforme destacou a matéria realizada pelo jornalista Ivan Santos (2014, p. de internet) para o periódico
“O uso de ‘templos de fachada’ ou ‘igrejas-fantasma’ está se disseminando no país”. Este alerta é do desembargador federal Fausto Martin de Sanctis, especializado no combate a crimes financeiros e à lavagem de dinheiro no Brasil. O magistrado, experiente e respeitado jurista brasileiro, destacou, na entrevista que concedeu ao jornal “Valor Econômico”, que “a condição tributária singular franqueada às igrejas tornou-se um expediente eficaz para abrigar recursos de procedência criminosa, sonegar impostos e dissimular enriquecimento ilícito porque é impossível auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem precisa camuflar o aumento de sua renda, escapar da tributação e lavar dinheiro do crime organizado”. Esta revelação surpreendente foi publicada na última terça-feira pelo jornal paulista. Quem fez a revelação não foi uma pessoa sem expressão social; foi, segundo o “Valor”, um conceituado magistrado.1
1
SANTOS, Ivan. Uma forma de lavar dinheiro. Correio de Uberlândia. Uberlândia, 30 mar. 2014. Disponível em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/colunas/ivansantos/u ma-forma-de-lavar-dinheiro/. Acesso em: 03 out. 2014.
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“Correio de Uberlândia”:
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FIDΣS Em verdade, atualmente, existem várias demandas judiciais tramitando no país sobre casos de envolvimento de organizações religiosas que versam sobre a utilização destas para fins de lavagem de capitais.
6 AS PRINCIPAIS FASES OU TÉCNICAS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO EMPREGADAS NAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS
Alguns autores (CALLEGARI, 2008; TODINI, 2011; SCHEID, 2011) têm comentado sobre as fases ou técnicas do processo de lavagem de dinheiro, e, por seu turno, o presente trabalho aborda apenas os mais comuns e consagrados pelos estudiosos do tema. Procuraremos, sempre que possível, fazer a conexão da respectiva fase à ação utilizada pelos criminosos que se utilizam das organizações religiosas para instrumentalizar o delito em análise. Torna-se oportuno salientar, ainda, que novas técnicas de lavagem de dinheiro surgem a todo o momento, diferenciando-se das já consagradas, neste sentido, afirma Gilson Dipp (2012, p. de internet), Ministro do Superior Tribunal de Justiça, “as técnicas de lavagem de dinheiro mais eficazes são aquelas ainda não conhecidas.” Como já foi mencionada em linhas pretéritas, a prática de lavagem tem por finalidade dar a valores ilícitos a aparência de lícitos. O iter criminis deste delito é caracterizado por duas ações, quais sejam, a ocultação e a dissimulação. De acordo com Rodolfo Tigre Maia (2011, p. 222), a lavagem de dinheiro pode ser simplificadamente compreendida da seguinte
(...) sob uma perspectiva teleológica e metajurídica, como o conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade práticas e atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da justiça.
A primeira fase apontada pelos doutrinadores e estudiosos do crime de lavagem de dinheiro é a chamada fase da ocultação. Neste momento do processo de “reciclagem”, para evitar chamar atenção, o montante arrecadado é transportado para um local distinto daquele em que se arrecadou, sendo, posteriormente, colocado em estabelecimentos financeiros, ou em negócios de condições variadas, comumente, cassinos, bares, restaurantes, hotéis, casas de câmbio etc.
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forma:
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FIDΣS É nesta fase que o dinheiro pode ser oferecida às igrejas ou organizações religiosas diversas, com a denominação de ofertas e dízimos, sendo, portanto, incorporado ao caixa das mesmas, misturando-se fundos lícitos com ilícitos. Quase sempre esta incorporação é realizada com o conhecimento e a anuência dos pastores ou líderes religiosos. O dinheiro pode ser colocado nas organizações de modo fracionado ou não. Nas igrejas, conforme já fora exposto anteriormente, os valores incorporados, geralmente, não necessitam ser tão fracionados como em outros estabelecimentos, uma vez que existem congregações religiosas que movimentam milhões, mensalmente. Mascaramento é o nome dado à segunda fase do processo de lavagem de dinheiro. Este momento consiste em camuflar a origem ilícita do dinheiro por meio de variadas transações financeiras. A finalidade desta fase é dificultar ainda mais a origem dos fundos. É nesta etapa que se almeja fazer desaparecer o vínculo existente entre a pecúnia e o crime da qual esta provém e, consequentemente, a identificação dos criminosos. Hodiernamente, as igrejas envolvem seus membros em numerosos eventos, tais como viagens, promovem shows, eventos esportivos, encenações teatrais, ações sociais, encontro com outras denominações, ações conjuntas, paradas públicas, retiros em hotéis e resorts, conferências nacionais e internacionais, programações de rádio e televisão, congressos, dentre muitas outras. Todas essas atividades demandam enorme quantidade de contratos de prestações de serviços, assim como a aquisição de bens duráveis e não duráveis. É neste momento que o dinheiro que está no caixa das organizações religiosas é utilizado, acabando por retornar para os criminosos que quase sempre possuem empresas que transacionam com
Na terceira fase, o crime de lavagem de dinheiro tem a sua jornada completada, é a chamada fase de integração. O capital obtido por meios ilícitos é “branqueado”, como afirmam os espanhóis, podendo ser utilizado livremente no mercado econômico mundial. Aduz Cordeiro (citado por ANDRADE, CALLEGARI, SCHEID, 2011, p. 257) acerca desta etapa: consumada a etapa de mascarar, os lavadores necessitam proporcionar uma explicação aparentemente legítima para sua riqueza, logo, os sistemas de integração introduzem os produtos lavados na economia, de maneira que apareçam como investimentos normais, créditos ou investimentos de poupança”
Pode ocorrer, por exemplo, que o criminoso, dono de fato da suposta empresa que transacionou com a organização religiosa produtos ou serviços, utiliza o dinheiro desta suposta relação comercial para investir em imóveis com o fim de vendê-los. Estes bens
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as igrejas venda de produtos e prestações de serviços superfaturados.
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FIDΣS aparentarão serem frutos de uma atividade de compra e venda absolutamente normal, sendo, nesta fase, muito difícil a detecção da origem ilícita desses bens.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indubitavelmente, a prolixidade dos estados em combater o crime de lavagem de dinheiro pode gerar sérios perigos para a própria sobrevivência do Estado Democrático de Direito, defensor da ordem e dos direitos humanos, uma vez que aqueles que se beneficiam deste delito global, são as próprias organizações criminosas que para defenderem seu poder não hesitam em matar e promover todos os tipos de desrespeito ao gênero humano. No caso brasileiro, é emblemático, o domínio que traficantes exercem sobre determinadas comunidades, desenvolvendo um verdadeiro governo paralelo, enfrentando o Estado e subjugando populações. As organizações religiosas constituem-se em apenas mais uma via utilizada pelos “lavadores de dinheiro”. Entretanto, tal constatação não obsta o Estado de agir para combater este delito. Necessário é rever a legislação que organiza e delimita os parâmetros de funcionamento destas instituições, com o fim de impedir o uso delas pelas organizações criminosas. As garantias de liberdade de culto e pensamento devem ser mantidas e ampliadas, neste sentido não cabe retrocesso, pois é inerente a um país defensor dos direitos humanos e
não ter religião. No entanto, o aperfeiçoamento legislativo é essencial para permitir que as organizações religiosas cumpram realmente com seus fins.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
ANDRADE, Roberta Lofrano; CALLEGARI, André Luís; SCHEID, Carlos Eduardo. Breves anotações sobre a lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 92, ano XIX, p. 245-260, set./out., 2011.
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da liberdade individual permitir o livre exercício da fé, assim como respeitar os que optam por
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FIDΣS CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da lei n° 9.613/98. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres. São Paulo: Martin Claret, 2007.
DIPP, Gilson, citado por BRAGA, Juliana Toralles dos Santos. Lavagem de dinheiro: origem histórica, conceito e fases. Âmbito Jurídico. Rio Grande, a. 13, n. 80, set. 2010. Disponível em: <www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?nlink=revista_artigos_leituraea rtigo_id=8425>. Acesso em: 29 jun. 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v. I.
TODINI, M. Bruno. Blanqueo de capitales y lavado de dinero: su concepto, historia y aspectos operativos. Disponível em: http://www.caei.com.ar/es/programas/di/20.pdf. Acesso em: 30 jun. 2012.
VIVIANE, Ana Karina. Combate à lavagem de dinheiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 684, mai. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6739>. Acesso em: 3 out. 2014.
ASTRACT The present work has for target to analyze the main elements that identify the delict of money laundering, as well as bring commentaries concerning the elements of this crime in the Brazilian legal system. It still approaches this work, the historical origin of the crime of laundering of asset as well as the main stages or phases of this crime which are rank occultation and the integration. Finally, it makes an analysis of the religious organizations will be carried through as institutions fragile and susceptible to be used for the practical one of the delict in study. Keywords: Money laudering. Religious organizations. Crime.
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CRIME OF MONEY LAUNDERING IN RELIGIOUS ORGANIZATIONS
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FIDΣS Recebido 15 ago. 2014 Aceito 24 out. 2014
O VÍNCULO ENTRE NACIONALIDADE E DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE DA APATRIDIA À LUZ DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT Ana Luiza de Morais Rodrigues1
RESUMO Partindo da maneira com que Hannah Arendt entende a vinculação entre a nacionalidade – por meio da qual se manifesta a cidadania (status civitatis) – e a efetivação dos direitos humanos, este trabalho busca demonstrar de que forma tal imbricação se relaciona ao tratamento internacionalmente oferecido aos apátridas. Para melhor ilustrar a temática, propõese uma análise da situação dos apátridas durante a Segunda Guerra Mundial, especialmente no que tange ao tratamento
Palavras-chave: Cidadania. Direitos humanos. Apatridia. Lugar no mundo. Hannah Arendt.
1 INTRODUÇÃO
A principal problemática relacionada aos apátridas se refere ao fato de que a eles não foi conferido “o direito a ter direitos”. Dessa forma, por estarem ao largo da legalidade, os apátridas não são dotados de personalidade jurídica, o que os torna vulneráveis a amplas violações de seus direitos mais essenciais.
1
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conferido à questão pelo regime nazista.
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, estando no 10º período.
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FIDΣS Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste em investigar a vinculação entre a nacionalidade, por meio da qual se manifesta a cidadania (status civitatis), e o gozo dos direitos humanos, demonstrando de que maneira, ao longo da história, tal relação foi determinante para a política empreendida pelos Estados Nacionais em face dos apátridas. Perseguindo esse escopo, num primeiro momento, será feito um panorama não exauriente a respeito do conceito de apatridia, a partir do qual se demonstrará de que maneira o ordenamento jurídico internacional trata da questão. Em seguida, passa-se à análise da relação entre nacionalidade, cidadania e apatridia no que tange ao gozo dos direitos humanos, realizando-se uma crítica a respeito da forma com que os Estados Nacionais procedem com a sua efetivação, na maior parte das vezes excluindo os apátridas de prerrogativas essenciais à vivência de sua própria condição humana. Com o objetivo de ilustrar as ideais defendidas, analisa-se o modo com que se implementou o procedimento de apatridia, em larga escala, pelo regime totalitário nazista, demonstrando-se que a transformação de suas vítimas em apátridas constituía condição indispensável para a possibilidade de relativizar os seus direitos humanos. Desta feita, para a completa caracterização da situação em que se encontram os apátridas, busca-se, no tópico seguinte, adentrar no conceito de “lugar no mundo” tal como pensado por Hannah Arendt, que o entende como requisito para que os indivíduos vivenciem a sua própria humanidade. Por fim, demonstra-se de que maneira o Direito Internacional procura conferir soluções a essa problemática, cuja magnitude continua a assombrar, especialmente porque
Feitas essas considerações, alerta-se que o presente estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente de apresentar e esclarecer a problemática, cuja potencialidade danosa se fez sentir, com toda a sua força, durante a Segunda Guerra Mundial. Sendo assim, lançar a luz sobre a questão da apatridia e da frágil tutela dos direitos humanos nessa condição é a principal finalidade deste trabalho, que evidenciará os pontos mais relevantes dessa discussão, tendo por referencial teórico as ideias de Hannah Arendt.
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ainda é restrito o número de países signatários das Convenções existentes a respeito.
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FIDΣS 2 A APATRIDIA
Denomina-se apátrida a pessoa que não possui nacionalidade, ou seja, não é considerada nacional por nenhum Estado2. De acordo com a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, atualmente, existem cerca de 12 milhões de apátridas3 no mundo. Nesse contexto, é importante distinguir a figura dos apátridas da dos refugiados, até mesmo porque, embora os apátridas também possam ser refugiados, a maioria não pode ser assim considerada. Diferentemente dos refugiados em sentido estrito4 – cujos direitos são tutelados pela Convenção da ONU de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados –, a marca fundamental dos apátridas é a ausência de personalidade jurídica. Considerando a gravidade do problema, a Organização das Nações Unidas adotou, em 28 de setembro de 1954, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, a qual entrou em vigor em 06 de junho de 1960, depois de oito Estados terem-na ratificado e declarado adesão (CARVAZERE, 2001, p. 146). Nela, além de ser delimitada a exata extensão da palavra “apátrida”, são estabelecidos os seguintes casos em que essa caracterização não se aplica5:
2
ACNUR. O conceito de pessoa apátrida segundo o Direito Internacional. UNHCR/ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/O_Conceito_de_Pessoa_Apatrida_segundo_o_ Direito_Internacional.pdf?view=1>. Acesso em: 18 out. 2014. 3 ACNUR. Apátridas: em busca de uma nacionalidade. UNHCR/ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/quem-ajudamos/apatridas/>. Acesso em: 05 de nov. 2013. 4 3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados. Adotada em 28 de julho de 1951 pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, convocada pela Resolução n. 429 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de 1950. Entrou em vigor em 22 de abril de 1954, de acordo com o artigo 43. Série Tratados da ONU, Nº 2545, Vol. 189, p. 137. Disponível em: <http://www.pucsp.br/IIIseminariocatedrasvm/documentos/convencao_de_1951_relativa_ao_estatuto_dos_refug iados.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2013. 5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas. Adotada em 28 de setembro de 1954 por uma Conferência de Plenipotenciários convocada pelo Conselho Econômico e Social em sua resolução 526 A (XVII), de 26 de abril de 1954 Entrou em vigor em 6 de junho de 1960, conforme o artigo 39. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/asilo/apatr54.htm>. Acesso em: 05 nov. 2013.
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I. Às pessoas que atualmente recebem proteção ou assistência de um órgão ou organismo das Nações Unidas diferente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, enquanto estejam recebendo tal proteção ou assistência; II. Às pessoas a quem as autoridades competentes do país onde tenham fixado sua residência reconheçam os direitos e obrigações inerentes a posse da nacionalidade de tal país; III. Às pessoas sobre as quais existam razões concretas para considerar: a) que tenham cometido um delito contra a paz, um delito de guerra ou um delito
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FIDΣS contra a humanidade, definido nos instrumentos internacionais referentes a tais delitos; b) que tenham cometido um delito grave de índole política fora do país de sua residência, antes de sua admissão em tal país; c) que são culpados de atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Na tentativa de enquadrar os apátridas no interior do regime jurídico do Estado Nacional em que tenham fixado domicílio ou residência, o artigo 12 da referida Convenção ONU estabelece que o Estatuto Pessoal dos Apátridas “será regido pela lei do país de seu domicílio ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência”, buscando-se, com isso, que os apátridas sejam percebidos como sujeitos de direitos.
A esse respeito, é importante recordar, conforme explica Portela (2010, p. 237), que a apatridia pode ocorrer pela perda arbitrária da nacionalidade, normalmente enquanto sanção por crimes políticos, ou pela não incidência de nenhum critério de nacionalidade sobre o indivíduo, situações em que se evidencia a necessidade de se proteger os apátridas em virtude de sua fragilidade jurídica em face do resto do mundo. Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19486, estabelece, em seu artigo XV, inciso I, que “toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”, assim como, em seu inciso II, que “ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”, percebe-se que os apátridas têm violado o mais elementar e originário de seus direitos, uma vez que nacionalidade é prérequisito para a aquisição e gozo de muitas outras prerrogativas, às quais permanecem alheios. Nessa perspectiva, a finalidade da referida Convenção consistiu, precisamente, em
lhes eram negadas em virtude da ausência de nacionalidade e, portanto, de cidadania. A partir de então, direitos tais como assistência administrativa (artigo 25), carteira de identidade e documentos de viagem (artigos 27 e 28), passaram a ser garantidos aos apátridas, no âmbito dos países signatários (ACNUR, 2011, p. 06). Sobre essa temática, o Brasil introduziu a Convenção de 1954 em seu ordenamento nacional, através do Decreto nº 4.246, de 22 de Maio de 2002, fazendo-se obrigar às disposições ali previstas. Além dos tratados acima, é de importância ainda maior a Convenção da ONU para a Redução da Apatridia, datada de 30 de Agosto de 1961 7, por meio da qual os Estados 6
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 30 out. 2014. 7 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção para Redução da Apátrida. Adotada a proclamada pela resolução nº 896 (IX)1 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 04 de dezembro de 1954. Entrou em
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ampliar o rol de direitos conferidos aos apátridas, garantindo-lhes prerrogativas que até então
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FIDΣS nacionais se comprometem a tomar medidas visando reduzir ao máximo a concessão da condição de apátrida a pessoas residentes em seu território. Para os fins desse trabalho, perceba-se que a adoção dessas Convenções ocorreu pouco tempo após o término da Segunda Guerra Mundial, oportunidade em que foi atestada a vulnerabilidade dos apátridas, consoante se verá a seguir.
3 O CONTEXTO DA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS APÁTRIDAS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Em 1961, a filósofa política Hannah Arendt requereu à revista nova-iorquina The New Yorker a oportunidade de cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém. A temática do julgamento de Eichmann, tenente-coronel das tropas nazistas, representava assunto de total interesse para Arendt, cuja obra tem polo irradiador o ineditismo dos regimes totalitários ao longo do século XX. A respeito da importância desse acontecimento histórico para a quebra da tradição filosófica, jurídica e política, Hannah Arendt (2007, p. 54) é explícita no sentido de considerar
Dentre as diversas reflexões empreendidas por Arendt – as quais, consoante se vê, têm como elo principal a ausência de precedentes para o crime impetrado pelo regime nazista –, encontra-se a análise, muito bem traduzida por Celso Lafer (1988, p. 146), do vínculo existente entre os direitos humanos e cidadania (status civitatis). Na obra Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, Hannah Arendt dedica três capítulos às conclusões que extraiu acerca do procedimento pelo qual se deu a “Solução Final”, denominação conferida pelos próprios integrantes do regime nazista ao crime de genocídio (tipo penal até então inexistente) contra a população judaica. A despeito da riqueza presente nas reflexões empreendidas na obra, o mais relevante para este trabalho é o curioso fato de que qualquer medida a ser tomada contra os judeus ao longo do vigor em 13 de dezembro de 1975, conforme o artigo 18. <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_14/IIIPAG3_14_3.htm>. Acesso em: 30 out. 2014.
Disponível
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A dominação totalitária como um fato estabelecido, que, em seu ineditismo, não pode ser compreendida mediante as categorias usuais do pensamento político, e cujos “crimes” não podem ser julgados por padrões morais tradicionais ou punidos dentro do quadro de referência legal de nossa civilização, quebrou a continuidade da História Ocidental. A ruptura em nossa tradição é agora um fato acabado. Não é o resultado da escolha deliberada de ninguém, nem sujeita a decisão ulterior.
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FIDΣS empreendimento da “Solução Final” necessariamente passava pelo processo de apatridia, condição da qual decorria uma espécie de carta branca para a violação de seus direitos humanos. A esse respeito, Christina Miranda Ribas (2005, p. 125) explica que o primeiro passo para o sucesso do totalitarismo estava no que Hannah Arendt (citado por RIBAS, 2005, p.115) chamava de assassinato da pessoa jurídica do homem, para só então se passar à aniquilação da sua pessoa moral, da sua identidade e, por fim, da sua própria existência física. Tal mecanismo, consoante narrado por Hannah Arendt (1999, p. 131), dava-se da seguinte maneira:
[...] os peritos legais elaboraram a legislação necessária para tornar apátridas as vítimas, o que era importante sob dois aspectos: tornava impossível para qualquer país inquirir sobre o destino deles, e permitia que o Estado em que residiam confiscasse a sua propriedade.
É importante destacar, contudo, que tal prática política não foi invenção nazista. Já no correr da Primeira Guerra Mundial, os Estados praticavam a anulação da naturalização de estrangeiros oriundos dos Estados com os quais conflitavam (LAFER, 1988, p. 143). Também tal política foi utilizada como instrumento pelos tratados de Saint-Germain e Trianon, afim de distribuir os antigos austro-húngaros entre os Estados sucessores da monarquia dual (LAFER, 1988). Ao longo de todo o seu livro, Hannah Arendt reforça o caráter determinante da apatridia para a consolidação dos planos nazistas de extermínio. A título de exemplo, Arendt
Assim como em praticamente todos os outros países, as deportações na Holanda começaram com os judeus apátridas, que neste caso consistiam quase inteiramente de refugiados da Alemanha, os quais o governo pré-guerra holandês declarara oficialmente “indesejáveis”.
No mesmo sentido, Arendt acrescenta que um dos maiores óbices à atuação nazista se dava quando um Estado Nacional, por razões políticas e humanitárias, decidia conferir nacionalidade aos judeus apátridas, a exemplo do que ocorreu na Suécia, já que “[...] o que foi muito mais sério, e sem dúvida totalmente inesperado foi que a Suécia [...] ofereceu asilo, e em determinados casos, até mesmo a nacionalidade sueca, a todos os perseguidos” (ARENDT, 1999, p. 189).
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(1999, p. 189) cita o procedimento que se deu na Holanda:
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FIDΣS Essa atitude, tomada por alguns Estados nacionais, fugia completamente à regra, especialmente pelo fato de que no contexto da guerra, em que vigorava a escassez de recursos econômicos, a repatriação não se mostrava como uma opção favorável à estabilidade nacional. Por essa razão, como resume Lafer (1988, p. 145), a maior parte dos apátridas passou a ter a sua sobrevivência garantida “não pelo Direito, mas pela caridade”. Desta feita, a história demonstra que, quando ocorre a anulação da nacionalidade – e, portanto, da cidadania – os direitos humanos por si só têm se mostrado ineficientes para a proteção das displaced persons ou pessoas sem lugar. Na realidade, conforme se percebe, a perda da nacionalidade equivale à própria perda da condição humana, tendo-se em conta que, num mundo dividido em Estados Nacionais, os indivíduos somente têm seus direitos humanos tutelados na medida em que pertencem a algum grupamento político.
4 O “LUGAR NO MUNDO” NA OBRA DE ARENDT: REQUISITO PARA A VIVÊNCIA DA CONDIÇÃO HUMANA
Destituídos de nacionalidade e, portanto, de cidadania, os apátridas são incapazes de encontrar o seu “lugar no mundo”. Contudo, no contexto da obra de Arendt, o sentido de “mundo” não coincide com a significação usualmente dada a esse vocábulo. “Lugar no mundo” não deve ser compreendido, neste trabalho, tão somente enquanto referência a um determinado Estado Nacional geograficamente delimitado. Apesar de também compreender público”, conceito que apresenta papel central para Hannah Arendt. Na obra Alienações do mundo: uma interpretação da obra de Hannah Arendt, Rodrigo Ribeiro Alves Neto (2009, p. 19) conceitua “mundo” enquanto o espaço artificial existente entre homem e natureza, assim como meio intermediário de relacionamento e distinção instaurado entre os homens através de suas interações e interesses comuns. Utilizando uma linguagem metafórica, podemos dizer que o “mundo” na obra de Arendt se assemelha a uma mesa, em torno da qual os interlocutores conectam-se num plano de igualdade, estando eles inseridos em torno de um espaço comum. Com efeito, os regimes totalitários do século XX foram responsáveis pela ruptura do “mundo comum” sofrida por milhões de pessoas durante as duas grandes guerras. Consoante explicitado no tópico acima, o ápice do “desenraizamento do mundo comum” (ALVES NETO, 2009, p. 23) se deu com a Segunda Guerra Mundial, que apresentou, nos campos de concentração, as últimas
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esse significado, o “lugar no mundo” precisa ser enxergado na perspectiva de “espaço
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FIDΣS conseqüências da “alienação do mundo”. A respeito da violência perpetrada pelos regimes totalitários, André Duarte (2011, p. 143) explica ela dispersou os homens e destruiu a sua pluralidade, na medida em que, mediante do domínio da violência, eles se viam impossibilitados de reunir-se livremente e, portanto, de interagir com os demais por meio da ação e da fala. Nesses espaços de violência e extermínio criados pelo regime nazista ocorreu não apenas a “desmundanização totalitária” – expressão que dá nome a um dos capítulos da obra de Alves Neto (2009, p. 23) –, mas também um radical processo de desumanização, já que até a morte, tida como a condição mais mundana da existência, foi absorvida pela complexa engrenagem da burocracia totalitária. Evidenciando que a decisão de transformar milhares de pessoas em apátridas do dia para a noite foi o primeiro passo de todo o processo de perda do “lugar no mundo” imposto pelo regime nazista, Alves Neto (1999, p. 26) explica, em trecho que merece transcrição:
Para Arendt, foi a perda radical da proteção de uma comunidade política organizada que acabou por expulsar milhões de pessoas de toda legalidade, foi um fenômeno tão sem precedentes quanto a perda de um âmbito próprio do mundo [...] A estabilidade dessa comunidade política assegura aos homens o ‘direito a ter direitos’, concedendolhes um lugar próprio no mundo e reconhecido pelos outros, onde suas opiniões são significativas e suas ações, eficazes.
Em função disso, percebe-se que a apatridia não se trata somente de negar ao indivíduo o seu lugar no seio de um Estado Nacional, no qual ele esteja albergado sob o
do mundo comum, negando a ele um espaço de estabilidade na qual possa interagir com os demais por meio da ação e da fala. Com a apatridia nega-se, pois, a própria humanidade, já que em se tratando de política, não existe “homem” no singular, mas apenas “os homens”, em sua pluralidade – tendo em vista que o mundo fenomênico só existe na presença de homens plurais que, para se destacarem da natureza, precisam aparecer na presença uns dos outros (ALVES NETO, 1999, p. 56). Estando ao largo do mundo, não encontrando qualquer espaço de estabilidade na qual possam interagir com “os homens” de forma igualitária8, aos apátridas é negada, portanto, a sua própria condição humana.
8
Tércio Sampaio (2008, p. 03) explica: “Igual entre iguais, o homem ao agir exercitava sua atividade em conjunto com os outros homens, igualmente cidadãos. Seu terreno era o encontro dos homens livres que se governam.”
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manto da legalidade. Trata-se, sobretudo, de um meio pernicioso para desenraizar o homem
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5 DIREITOS HUMANOS E NACIONALIDADE: A SOLUÇÃO CONFERIDA PELO DIREITO INTERNACIONAL
A temática do relacionamento existente entre a cidadania (status civitatis) e os direitos humanos à luz da obra de Arendt é sintetizada por Celso Lafer (1997, p. 58) nos seguintes termos: A experiência histórica dos displaced people levou Hannah Arendt a concluir que a cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direito dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso a um espaço público comum. Em resumo, é esse acesso ao espaço público – o direito de pertencer a uma comunidade política – que permite a construção de um mundo comum através do processo de asserção dos direitos humanos.
Acerca dessa temática, no clássico A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, Celso Lafer (1988, p. 146) formula questionamentos e críticas no tocante à tradição histórica, jurídica e – como se viu no tópico anterior – política de ter a nacionalidade como elo indispensável entre o Direito Internacional e o indivíduo. A esse respeito, é interessante perceber que apesar de a Convenção Internacional do Estatuto dos Apátridas ter exercido papel influente em sentido contrário, a condição de apátrida entra em confronto com o próprio direito interno dos Estados – especialmente no que diz respeito às nações que não aderiram ao referido pacto –, uma vez que as pessoas sem lugar no mundo (displaced persons) são colocadas à margem da legalidade, não se submetendo às
conclusão de que o apátrida somente é igualado aos demais cidadãos na medida em que comete um crime, uma vez que, paradoxalmente, responde pelo ilícito da mesma maneira que os demais (LAFER, 1988, p. 147). Com efeito, ainda que constituam, ao mesmo tempo, conquista e invenção históricas, os direitos humanos estão condicionados à vivência da nacionalidade, entendida enquanto pré-requisito para a cidadania. Assim, criticamente, mais correta seria a referência aos direitos humanos enquanto “direitos do cidadão”, já que a sua tutela está relacionada, sobretudo, à vivência do status civitatis por parte dos indivíduos. É interessante perceber, portanto, que a situação dos apátridas difere mesmo daquela vivenciada pelas pessoas que, por imposição legal, têm seus direitos humanos cerceados – a exemplo do que ocorre com um soldado em época de guerra, cujo direito à vida é mitigado.
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regras jurídicas aplicáveis no território nacional. Por essa razão, é merece destaque a
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FIDΣS Na realidade, o drama dos apátridas é precisamente não estar submetido a qualquer legalidade, deixando, por isso, de serem considerados sujeitos de direitos. Nesse contexto, Lafer (1988, p. 148) arremata que os apátridas são “inocentes condenados, destituídos de um lugar no mundo – um lugar que torne as suas opiniões significativas e as suas ações efetivas”. Por essa razão, impõe-se ao Direito Internacional a função de promover a desvinculação entre nacionalidade (pré-requisito para a cidadania) e direitos humanos, uma vez que, antes de serem reconhecidos enquanto cidadãos, os indivíduos necessitam serem enxerga
dos como sujeitos dotados de direitos inerentes à sua própria humanidade.
Aliás, foi esse o espírito garantista que tomou conta do cenário internacional após a Segunda Guerra Mundial, ao fim da qual se percebeu a necessidade de conferir limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que no contexto de conflitos armados. A soberania, portanto, abriu espaço para o Direito Humanitário, apontado por Flávia Piovesan (2010, p. 116) como um dos marcos no processo de internacionalização dos direitos humanos. Nas palavras da autora (PIOVESAN, 2010, p. 115), “foi ainda necessário redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de Direito Internacional”. Por essa razão, o problema dos direitos humanos deixou de ser entendido enquanto problema doméstico dos Estados, mas passou a ser encarado enquanto questão de relevância internacional. Nesse contexto, surgiram as primeiras organizações internacionais, em virtude da constatação de que “as instituições nacionais se mostram falhas e omissas na tarefa de
Especificamente no tocante aos apátridas, foi de fundamental relevância a já citada Convenção da ONU de 1954, relativa ao Estatuto dos Apátridas, assim como a Convenção da ONU de 1961, para a Redução dos Casos de Apatridia, as quais visam conferir direitos às displaced persons, albergando-as sob o manto protetor da legalidade, assim como estabeleceram medidas a serem tomadas pelos Estados Nacionais para a redução da apatridia.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos muitos avanços, os apátridas ainda hoje representam um grupo extremamente carente de proteção. Corrobora para esse quadro o fato de que dos mais de 190 Estados-nacionais existentes atualmente, apenas 68 são signatários da Convenção da ONU
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proteger os direitos humanos” (PIOVESAN, 2010, p. 123).
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FIDΣS sobre o Estatuto dos Apátridas e somente 40 aderiram à Convenção da ONU de 1961 sobre a Redução da Apatridia. Na medida em que ainda é relativamente pequena a quantidade de países comprometidos com a proteção dos apátridas e a redução da apatridia, a ausência de nacionalidade continua a obstaculizar a plenitude do gozo dos direitos humanos por parte de um grande número de pessoas, pertencentes a “lugar nenhum”. A razão para tanto se deve ao fato de que, por serem alheios a todos os grupamentos políticos, os apátridas permanecem como seres humanos invisíveis e, portanto, impedidos de agir politicamente, já que não existe um espaço de aparência do qual possam participar. Dessa forma, na medida em que lhes é tolhida a possibilidade de agir e discursar entre homens iguais – uma vez que o primeiro passo para a igualdade consiste na existência de um ordenamento jurídico capaz de conferir personalidade jurídica a todas as pessoas –, os apátridas são tolhidos do direito a lutar por seus direitos ou do “direito a ter direitos”, conforme a expressão cunhada por Arendt. Por esse motivo, aliás, as pessoas sem nacionalidade tornaram-se alvos fáceis do extermínio nazista durante da Segunda Guerra Mundial. Afinal, para qual entidade poderiam recorrer, se não pertenciam a lugar nenhum e não existiam, à época, organizações internacionais fortes, destinadas à tutela dos direitos humanos? Qual Estado se preocuparia com a sua proteção, se não nenhum deles os reconhecia como nacionais? Ainda que alguns países tenham agido de maneira proativa no tocante a esse aspecto, o resultado do procedimento nazista destinado à apatridia maciça não poderia ter sido mais exitoso e,
defesa internacional de seus direitos. Nesse sentido, para que a história não corra a risco de se repetir, as organizações internacionais não podem retroceder em seus pleitos pela redução da apatridia, cujas repercussões se referem à vivência da própria condição humana. Fixar o “lugar no mundo”, portanto, diz respeito à necessidade de os homens se relacionarem entre si em um meio no qual esteja assegurada a personalidade jurídica e a participação política a todas as pessoas, através da liberdade e da pluralidade.
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consequentemente, mais estarrecedor: milhões de seres humanos exterminados sem qualquer
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FIDΣS RIBAS, Christina Miranda. Justiça em tempos sombrios: a justiça no pensamento de Hannah Arendt. Ponta Grossa: UEPG, 2005.
THE CONNECTION BETWEEN NACIONALITY AND HUMAN’S RIGHTS: AN ANALYSIS INSPIRED BY ARENDT’S THOUGHT
ABSTRACT Through an analysis inspired by Hannah Arendt´s thought, this article seeks to explain how the concepts of nacionality and human´s rights are connected, and how this phenomenon results in the internacional treatment received by the displaced persons. To demonstrate this problem, this work offer a discussion about the way German Nazi Party turned displaced persons victims of human's rights violations, during the Second World War. Keywords: Citzenship. Human´s rights. Displaced persons. Hannah
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Arendt.
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FIDΣS Recebido 11 out. 2014 Aceito 12 out. 2014
A POLÍTICA EM CEM ANOS DE SOLIDÃO: UM ENSAIO SOBRE A DEMOCRACIA DA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XX Morton Luiz Faria de Medeiros*
No ano em que se pranteia a morte do escritor colombiano Gabriel García Márquez, soa oportuno homenageá-lo a partir de sua obra mais viva e celebrada: Cem anos de solidão, que narra a saga da família Buendía e, em sua esteira, as vicissitudes políticas, econômicas e morais que marcam a América Latina no século XX. Tamanha é a grandeza dessa obra que se buscará, nessas linhas, fazer um recorte para salientar apenas uma de suas temáticas – a Política – aproveitando o momento eleitoral vivenciado no Brasil em 2014. A obra-prima do Gabo é coalhada de referências às práticas políticas e eleitorais vivenciadas nos regimes políticos latino-americanos do século passado – muitos dos quais, aliás, ainda presenciados até hoje: o coronelismo, e suas características secundárias – o
Nunes Leal, antes mesmo do lançamento de Cem anos de solidão, em seu livro Coronelismo, enxada e voto, que servirá como arrimo subsidiário para as considerações aqui encetadas. Primeiramente, há várias menções aos procedimentos preparatórios das eleições. O alistamento eleitoral, por exemplo, foi restrito ao homem maior de vinte e um anos (MÁRQUEZ, 2001, p. 96), não apenas delimitando a idade em que se adquiria a capacidade eleitoral ativa, mas, sobretudo, excluindo as mulheres do corpo eleitoral, posição adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro até o advento do Código Eleitoral de 1932, que instituiu, em todo o país, a possibilidade de ser a mulher eleitora, mesmo sob as fortes resistências dos parlamentares da época, ciosos de “saber em que condições se deve arrojar a mulher no turbilhão dos comícios e na agitação dos parlamentos” (CABRAL, 2004, p. 19)! Ainda assim, *
Professor da UFRN, Promotor de Justiça no RN, Mestre em Direito Constitucional (UFRN) e Doutorando em Direitos Humanos (UFPB).
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mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e outras ocorrências denunciadas por Victor
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FIDΣS o Brasil foi o segundo país da América Latina a reconhecer o direito de voto às mulheres, saindo à frente de Argentina e Venezuela (1947) e México (1953) (CASTRO, 2008, p. 444). A preocupação com a ordem no dia das eleições também está presente no livro: “Na véspera das eleições, o próprio Sr. Apolinar Moscote leu uma ordem que proibia, desde a meia-noite de sábado, e por quarenta e oito horas, a venda de bebidas alcoólicas e a reunião de mais de três pessoas que não fossem da mesma família” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Assegurase, assim, a chamada “lei seca”, que visa a “[...] preservar a lisura e a legitimidade das eleições, no tocante à garantia da ordem pública, num período em que afloram disputas pelos cargos de maior relevância ao destino dos governados” (CERQUEIRA, 2002, p. 671), bem assim restrições ao direito de reunião, para que o exercício do sufrágio não sofra, no dia da eleição, influência de aglomerações e ingerências indevidas. Posteriormente, o autor de Cem anos de solidão narra os “cuidados” com que foi guardado o resultado do escrutínio popular pelo policial encarregado na cidade de Macondo, o delegado Apolinar Moscote: “Nessa noite, enquanto jogava dominó com Aureliano, ordenou ao sargento rasgar a etiqueta para contar os votos. Havia quase tantas cédulas vermelhas quanto azuis, mas o sargento só deixou dez vermelhas e completou a diferença com azuis” (MÁRQUEZ, 2001, p. 97). A importância do delegado de polícia para a consolidação do prestígio dos situacionistas, aliás, já havia sido detectada, no Brasil, por Victor Nunes Leal (2012, p. 66), e é bem caracterizada na obra de Márquez quando Apolinar chegou em Macondo, mandado pelo governo central: cuidou logo de pregar “[...] na parede um escudo da República que tinha
inexoráveis ao sistema político dominante e seu empenho em manter tal sistema a qualquer custo. Tal narrativa deixa à mostra, ademais, as fraudes eleitorais copiosamente denunciadas nos sistemas eleitorais em nosso continente, bem como a preocupação dos responsáveis com a aparência de legitimidade que a votação podia conferir: Apolinar Moscote fez questão de deixar “[...] algumas vermelhas para não haver reclamação” para, em seguida, selar “[...] a urna com uma etiqueta atravessada pela sua assinatura”, ato de todo inútil porque, após a troca das cédulas, “[...] voltaram a selar a urna com uma etiqueta nova” (MÁRQUEZ, 2001, p. 97). Victor Nunes Leal (2012, p. 329), como se vislumbrasse com exatidão o que ocorreria em Macondo, relata “[...] que em alguns lugares as urnas puderam ser violadas e enxertadas, durante o percurso, sem que ficassem vestígios capazes de despertar a atenção dos juízes apuradores”, prática que, no Brasil, só começou a ser efetivamente combatida com o
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trazido consigo” (MÁRQUEZ, 2001, p. 58), como a simbolizar sua vinculação e fidelidade
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FIDΣS advento do Código Eleitoral de 1932, que confiou a tarefa de apuração da votação à Justiça Eleitoral. Vê-se, igualmente, como o embate ideológico é refletido também na confrontação das cores: as cédulas azuis traziam os nomes dos candidatos conservadores, e as vermelhas, os dos “liberais” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Estes, por sua vez, são nitidamente identificados com os socialistas e comunistas, tanto que Apolinar descrevia os liberais – assim como fizeram todos os oponentes da esquerda política – como “[...] gente de má índole, partidária de enforcar os padres, de instituir o casamento civil e o divórcio, de reconhecer iguais direitos aos filhos naturais e aos legítimos” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96) e creditava o expressivo número de cédulas vermelhas “[...] à mania de novidade da juventude” (MÁRQUEZ, 2001, p. 98). Na escola onde estudava Arcádio, falava-se na “febre liberal”, que pretendia “[...] fuzilar o Padre Nicanor, converter o templo em escola, implantar o amor livre” (MÁRQUEZ, 2001, p. 100). Relata-se, ainda, que Apolinar “[...] convenceu a maioria dos habitantes de que suas casas deviam ser pintadas de azul” (MÁRQUEZ, 2001, p. 88-9), tal como sói ocorrer em muitos de nossos municípios, quando não se pintando as casas distribuídas pelo governo com as mesmas cores de seu partido, colorindo-se os próprios prédios públicos, em evidente afronta à impessoalidade que deve inspirar a Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição da República). O mandonismo, definida por Leal (2012, p. 60) como a perseguição hostil dos adversários do chefe local, aparece em outras passagens de Cem anos de solidão: quando o golpe militar fez-se finalmente sentir em Macondo, o médico da cidade Doutor Noguera – em uma árvore da praça e o fuzilaram sem qualquer julgamento” (MÁRQUEZ, 2001, p. 100-1). Por seu turno, o filhotismo – ainda muito presente nos dias atuais em nosso país – foi retratado na ocasião em que o Coronel Aureliano Buendía partiu de sua cidade para ir lutar ao lado das forças do General Victorio Medina, quando incumbiu sua administração ao seu filho Arcadio, dizendo: “Nós deixamos Macondo aí para você” (MÁRQUEZ, 2001, p. 104). Por essa prática, os entes públicos são tratados como capitanias hereditárias, e encarados tal qual propriedades privadas do gestor público da ocasião que, assim, lega seu poderio político a seus parentes mais próximos, com vistas a perpetuar tal poderio. Percebe-se, ainda, a concentração do poder político em um governo central, razão por que Apolinar tanto temia a ascensão dos “liberais”, a quem atribuía o esforço de “[...] despedaçar o país num sistema federal que despojaria de poderes a autoridade suprema” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Essa concentração é responsável pela relação de dependência que
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quem se descobrira o passado “liberal” – foi levado arrastado, depois “[...] amarraram-no a
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FIDΣS o chefe político local ostenta em relação aos administradores públicos centrais, obrigado que está a se curvar às conveniências destes com vistas a conseguir benefícios para sua região ou Município – e, desse modo, fortalecer-se eleitoralmente. Assim se justifica a ida de Apolinar Moscote à capital, para conseguir que o governo construísse uma escola em Macondo (MÁRQUEZ, 2001, p. 88), porquanto é com esse desvelo pelo progresso do Município que “[...] o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança” (LEAL, 2012, p. 58). Dessa relação de dependência não se furtam nem os parlamentares locais, cujo prestígio não se alimenta, em regra, de suas contribuições para a produção legislativa ou para o controle do poder, e sim pelos “benefícios” palpáveis que lhe são concedidos pelo governo central, que, em troca, perpetua tal dependência dos entes locais e regionais. Apesar da conhecida inspiração socialista de Gabriel García Márquez, ele não se furtou a reconhecer vícios que poderiam enodoar os governos de esquerda, que se seguiriam aos conservadores que reinavam na América Latina. Quando o comandante revolucionário Aureliano Buendía, por exemplo, incumbiu Arcadio da gestão municipal, este acabou assumindo a mesma postura autoritária dos militares – a começar pelo seu uniforme com galões e dragonas de marechal que passou a exibir, e em seguida fazendo uso abundante de decretos que consolidavam seu personalismo e mandonismo, chegando a baixar até quatro decretos por dia, “[...] para ordenar e determinar o que lhe passava pela cabeça” (MÁRQUEZ, 2001, p. 104). A dramática passagem do fuzilamento do General Moncada ordenada por Aureliano Buendía ilustra bem o perigo de o poder experimentado pelos revolucionários acabar por torná-los tão avessos à democracia quanto seus adversários depostos: ao justificarCoronel Aureliano perguntou ao seu condenado “Você no meu lugar não teria feito a mesma coisa?”. A que, altivamente, o General Moncada retorquiu:
Provavelmente [...]. Mas o que me preocupa não é que você me fuzile, porque afinal para gente como nós esta é a morte natural. [...] O que me preocupa [...] é que de tanto odiar os militares, de tanto combatê-los, de tanto pensar neles, você acabou por ficar igual a eles. E não há ideal na vida que mereça tanta baixeza” (MÁRQUEZ, 2001, p. 156)
Todas essas notas da obra-prima do Gabo retratam muitas das idiossincrasias e vícios que os modelos políticos latino-americanos apresentaram no século XX – e que ainda se encontram vívidas, em grande medida, até os dias de hoje, o suficiente para enxergar em Macondo a representação de toda a América Latina e as tragédias de seu povo explorado e marginalizado, fustigado pela indiferença de governos insensíveis e independentes. São
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se que tal ato extremo não consistia em represália pessoal, mas em imposição da revolução, o
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FIDΣS esculturas poéticas das experiências políticas vivenciadas neste período, mas se erigem, sobretudo, como alerta para os passos futuros deste continente. No livro se vê bem caracterizado o coronelismo retratado por Victor Nunes Leal em sua obra, expressão que, embora se reconheça como brasileirismo, acabou se manifestando na autodescrição de Aureliano Buendía quando do fuzilamento de seu sogro Apolinar: “E não torne a me chamar de Aurelito, porque já sou o Coronel Aureliano Buendía” (MÁRQUEZ, 2001, p. 102). As lições extraídas de Cem anos de solidão, afinal, podem ser decisivas para que a democracia na América Latina não tenha o mesmo destino desgraçado da linhagem de José Arcadio Buendía: acabar perecendo, após sete gerações, para instaurar verdadeiros e sombrios anos de solidão.
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