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EM PROCESSO DE CRIAR
INTEGRANTES DE UMA GERAÇÃO CONTEMPORÂNEA
E EFERVESCENTE DE ARTISTAS CEARENSES, AZUHLI, BERIN
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E CADEH JUAÇABA REVELAM SEUS PROCESSOS CRIATIVOS
Falar de arte é, também, abordar o que não está definido. É se debruçar sobre criadores, obras e movimentos em constante transformação e que, ainda que consolidados, podem ser revistos, redescobertos e causar ainda mais impacto. O processo se torna mais instigante quando protagonizado pelas gerações contemporâneas de mentes poéticas e criativas.
Escolher Azuhli, Berin e Cadeh Juaçaba dentro do recorte da nova geração de artistas do Ceará é filtrar pelo que os distingue e evidenciar as percepções únicas que cada um deles nos estimula a ter sobre o cotidiano, sobre as feridas que aguardamos cicatrizar, e sobre o que queremos para o futuro.
O Corpo Como Ele
À porta de casa, Luiza Veras, 27, a Azuhli (@azuhli), recebe as visitas com o lembrete: “Tudo aqui já foi um sonho”. A artista foge da estética idealizada e mergulha na verdade do corpo feminino. Ao pintar cicatrizes, visíveis e invisíveis a olho nu, ela desvela cuidado e revolução na própria arte.
A fotografia, primeira paixão, embasa o trabalho da artista. A câmera analógica que ganhou da tia quando criança expandiu seu universo. Entre um intervalo e outro nas aulas do colégio, desbravava o Centro da cidade em busca de filmes para revelar os registros. “Muita gente nem sabe que eu fotografo. Ela (a fotografia), até hoje, é o grande pilar do meu trabalho”, revela. “Pintar é como guardar em si uma fotografia analógica”, diz. A foto e o desenho são o estudo. A pintura é o trabalho final. “Eu misturo as tintas e o amor que eu sinto pelas pessoas”, detalha Azuhli.
A artista trabalha o corpo real, as feridas e as marcas do feminino.
O início da carreira, entretanto, foi reproduzindo corpos idealizados.
“Eu nunca tinha visto uma mulher daquele jeito, com aqueles corpos. E as mulheres que eu vejo são lindas. E por isso, eu quero pintá-las”, reforça.
E foi assim, pintando as imperfeições, que a cearense transformou a própria arte.
“É uma mulher pintando uma mulher. E isso é revolucionário”, atesta.
A arte é a essência da vida de Azuhli. De Valter Hugo Mae à Tarsila do Amaral, ela traz na pele algumas referências. “Perdi as contas das tatuagens. Foi aí que comecei a adquirir quadros”, confessa. As paredes da casa expõem uma galeria parti - cular de nomes como Charles Lessa, Rafael Barón e Sérvulo Esmeraldo. “A maioria, aqui, são trocas com outros artistas. É uma coisa legal da minha profissão. Mas ainda tem espaço para mais”, calcula. Azuhli não se esquiva das imperfeições e pinta a realidade - a dela e de tantas outras mulheres. “Eu queria completar 80 anos pintando para ver tudo o que a minha arte deixou”, almeja. A frase à porta de casa é talvez o quadro mais bonito: a imagem do que já foi sonho e hoje virou conquista.
Mensageiro Da Esperan A
Morar no bairro Castelo Encantado proporcionou vivências únicas a Francisco Ribeiro Araujo Filho, 24o Berin (@berin.art), como se intitula o jovem artista visual. Dessas nuances do cotidiano, a que mais reverbera no coletivo rompe com o estereótipo de crescer nos bairros menos abastados da cidade: respirar talento, produzir arte e transformar por meio dela. “Nas áreas onde eu moro, em cada esquina tu encontra um artista. Tem poeta, ator, compositor, rapper… Como eu comecei a ser artista, não sei, mas sei que foi por causa da rua”, estabelece.
O grafite foi uma das primeiras expressões que deram vazão à criatividade de Berin, mas em 2019 ele deu um passo mais firme na trajetória de artista, quando participou do Festival Além da Rua, atuando como auxiliar de pintura dos convidados. Ele destaca o incentivo de Robézio Marqs e Terezadequinta, do coletivo Acidum, como essencial nesse processo. “Eles me fizeram ver que não sou só uma pessoa que pinta, mas um grande artista que tem capacidade de chegar onde eles estão hoje”, lembra. Outra inspiração foi Nódoa, que estimulou Berin a trabalhar com telas e experimentar outros traços criativos.
Hoje, enquanto se descobre e se fortalece cada vez mais como artista nascido no Ceará, Berin se dedica a pesquisar os temas que gosta e articular trocas com outros produtores desse segmento. E as obras que surgirem desse fluxo, planeja ele, devem se materializar para o público de forma diferente. “Quero algo grande, mas não em uma galeria tradicional. Quero fazer nas minhas áreas, chamar amigos de outros bairros que fazem movimentos, gestores culturais, galera da moda. Quero uma exposição coletiva que converse com todas as pessoas que estão ao redor do meu trabalho”, projeta. Esse anseio diz muito, também, sobre a maneira como Berin enxerga a relevância da arte que produz e a influência que ela vai ter na vida das pessoas. “Se eu pintar uma tela sobre uma pessoa negra, vai ser uma tela sobre uma pessoa negra. Mas se eu conseguir levar essa tela pra dentro de um coletivo e usar ela como elemento de mudança, junto dessas pessoas, vai ter um potencial muito maior”. Se é pra retratar uma realidade, que seja a que o artista deseja para o futuro, mesmo que ele não tenha perspectiva de alcançar aquele cenário, segundo Berin. “Quero pintar sobre a periferia, mas quero falar de forma mais profunda. Eu acredito que, no futuro, as pessoas que virem o meu trabalho vão dizer ‘Ah, naquele tempo o Berin já acreditava que hoje a gente ia tá bem’. Quero colocar essas pessoas como príncipes, rainhas, reis, até mesmo deuses”.
Arte Da Inquietude
A criança inquieta que acabava com os sabonetes da casa da avó, em brincadeiras de esculpir, cresceu. Carlos André, o Cadeh Juaçaba (@ cadeh.juacaba), chegou aos 33 anos com a mesma agitação da infância. “Ser artista é ser inquieto por essência”, diz. Quando pequeno, a estratégia para acalmá-lo era lhe dar lápis e papel. “Virou maneira de me concentrar nas aulas”, acrescenta. O cearense se tornou um artista visual de mãos criativas e cabeça repleta de ideias.
Ele cresceu com a arte no sangue. A tia avó, a artista plástica Heloísa Juaçaba, foi pintora, produtora e protagonista nas artes cearenses ao longo dos últimos 50 anos. Cadeh entende o processo criativo como doloroso, deixando o viés romântico de lado em busca de provocações ao público. “Eu faço uma arte não-panfletária. Não falo de coisas felizes. Falo sobre questões polêmicas para que as pessoas pensem diferente”, detalha.
“Panóplia Paradoxo” foi a exposição mais recente do cearense. A mostra individual aconteceu entre julho e agosto de 2022, na galeria Leonardo Leal, em Fortaleza, com 26 obras do acervo do artista. Desconstruir a bandeira nacional como símbolo e estimular a abstração do público foi a maneira encontrada de debater relações de identificação e pertencimento. “Minha intenção era mostrar imagens sem que fizessem um julgamento prévio”, relata. Antes, Cadeh participou do coletivo Artequattro, reverenciando a tia avó; e produziu “Plácido Povo”, trabalho individual sobre as memórias de Fortaleza.
As próximas obras, no entanto, devem esculpir uma temática diferente. Em busca de “prazer e inquietação”, Cadeh rebusca as gavetas das ideias.
“Estou fazendo trabalhos digitais, muitos desenhos, coisas menores. Histórias densas, também sobre identidade, mas que carregam mais poesia”, antecipa. A vontade é reunir tudo em uma exposição individual em 2023.
Fã declarado de Caetano Velosoa quem julga ser “o maior artista visual do Brasil” -, Cadeh caminha contra o vento da calmaria com a inquietude de ser artista. Prefere não limitar a arte a um conceito, mas arrisca: “É o desnecessário mais necessário possível”. ¤