Giramundo #1

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R E V I STA D E G EOGRAFI A DO COLÉ G I O PEDR O I I

2014 #1

ALGUM A S CON S I D E R A Ç Õ E S S O B R E CO M O FEED BACK E ESTR UTURA PO D EM AJUDAR CRIAN ÇA S A A P R E N D E R G E O G R A F I A | O CO LEG IO P ED RO II E A IN S TITUCIO N ALIZ AÇ ÃO DA G E OGR A F I A E S C O L A R N O B RAS IL IM P ÉRIO | FIN ALID AD ES D ID ÁTIC AS E QUEST ÕE S CU R RI C U L A R E S | A I D E O LO G IA D O D ESEN VO LVIM EN TO SUSTEN TÁV EL | A FO RMA ÇÃ O CON T I N U A D A D O S P R O FES S O RES D E G EO G RAFIA N O BRAS IL E O USO DE GEOTE CNOL OG I A S | C A R T O G R A F I A S : VIS ITA AO SERVIÇO G EO G RÁFIC O DO E XÉRCIT O | CA RT O G R A F I A E D E F I C I Ê NCIA VISUAL | O CO N CEITO D E ES CALA | LEITURA, I NTERP R E TA ÇÃ O E C O MPA R A Ç Ã O D E M APAS BÁS ICO S E TEM ÁTICO S | P RO J E TO LIX O URBANO | E N T R E V I S T A C O M O P R O F E S S O R S A L O M O N T U R N O W S K I

I SSN 235 8 - 7 0 6 7


REVISTA DO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA DO COLÉGIO PEDRO II ISSN: 2358-7067 E-ISSN: 2358-4467 Colégio Pedro II Reitor: Oscar Halac Pró-Reitor de Ensino: Flavio Costa Balod Pró-Reitora de Pós-graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura: Márcia Oliva Chefe do Departamento de Geografia: Arnaldo Barbosa de Melo Filho Editor Demian Garcia Castro Conselho Editorial Carolina Lima Vilela, Márcio Ferreira Nery Corrêa, Pedro Paulo Biazzo. Conselho Avaliador Ana Angelita Rocha (UFRJ) André Novaes (UERJ) Angela Nunes Damasceno Gomes (UFMS / Colégio Pedro II) Enio Serra (UFRJ) Glaucio Jose Marafon (UERJ) Isaac Gabriel Gayer Fialho da Rosa (Colégio Pedro II e FIC) João Luiz Figueiredo (PUC-Rio / ESPM-Rio) Marcio da Costa Berbat (UNIRIO) Yan Navarro da Fonseca Paixão (Colégio Pedro II) Projeto Gráfico André Mantelli

Publicação semestral do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II. Campo de São Cristóvão, 177, Campus São Cristóvão III, 3º andar, Sala do Departamento de Geografia. São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 20921-903. Informações, envio de textos e versão eletrônica da revista: http://www.cp2.g12.br/ojs/index.php/GIRAMUNDO/index X

email: giramundo@cp2.g12.br


APRESENTAÇÃO

GIRAMUNDO, PRIMEIRA EDIÇÃO

D E M IA N G A R C IA CAST RO Editor d emia ncas tro@y ahoo.co m . b r

É com muita alegria e satisfação que nós, do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II, lançamos a Revista GIRAMUNDO. A proposta da revista é abrir um espaço permanente de debates sobre o ensino e a aprendizagem de geografia. Professores da educação básica ou superior, alunos de graduação e pós-graduação, educadores envolvidos em espaços formais ou não-formais com a educação geográfica, estão convidados a apresentar suas ideias. Temos acompanhado um aumento constante do número de trabalhos sobre ensino de geografia apresentados em eventos acadêmicos, bem como o crescimento da produção de teses e dissertações sobre o assunto. Entretanto, ainda são escassas as revistas com linha editorial voltada especificamente para esse debate, destaque deve ser dado para a Revista de Ensino de Geografia, a GeoSaberes: Revista de Estudos Geoeducacionais e a Revista Brasileira de Educação em Geografia. A especificidade da Revista GIRAMUNDO é sua vinculação com uma instituição de ensino que prioritariamente atende a educação básica. Neste contexto, pretendemos que essa revista seja um espaço que busque articular teoria e prática, o saber acadêmico com aquele constituído pelos professores no seu cotidiano, e também conhecimentos geográficos construídos por sujeitos que estão em espaços não-formais onde também ocorrem uma educação geográfica. A proposta de uma revista virtual, baseada no Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER/OJS), relaciona-se a uma política de acesso livre e irrestrito para todos aqueles que, por ventura, queiram dialogar com as temáticas da revista, seja como leitores ou como autores. Partindo dessas proposições, a GIRAMUNDO possui as seguintes seções: artigos (apresentados sob a forma de revisão de literatura, ensaios ou resultados de pesquisa), relatos de práticas pedagógicas (seção com tema pré-definido a cada edição), entrevistas, além de resenhas de livros, teses, dissertações e filmes. Agradecemos a todos os autores que enviaram contribuições para o número de lançamento, professores do Colégio Pedro II e de outras instituições da cidade, do estado, do país e do mundo. Esperamos que a GIRAMUNDO possa contribuir com os debates sobre o ensino e a aprendizagem de geografia, e que leitores e autores se apropriem desse espaço, acessando seus conteúdos e enviando suas colaborações.

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2 0 1 4 #1 g ir am undo@cp2.g12.br

A LGUM A S C O N S I D E R AÇ Õ E S SO B R E C O MO F E E DBA CK E E S T RUT URA P OD E M A J U D A R CR IANÇ AS A APR E NDE R GEOGRA FIA POR JOOP VAN DER SCHEE_ 0 7 O C O L E G I O P E D R O II E A INST IT U C IO NAL IZA ÇÃ O DA GE OGRA FIA E S COL A R NO BRA S IL IM P É RIO POR GENYLTON ODILON RÊGO DA ROCHA_ 1 5 FIN A L I D A D E S D I D ÁT IC AS E Q U E ST Õ E S C U R R ICUL A RE S : UM OL HA R PA RA O P ROCE S S O DE RE FORMULAÇÃO C U R R I C U L A R D A DISC IPL INA GE O GR AF IA NO COL É GIO P E DRO II POR CAROLINA LIMA VILELA_ 3 5 TRA J E T Ó R I A S D O C U R R ÍC U L O DE GE O GR AFIA Q UE S E E NS INA A JOVE NS E A DULT OS T RA BA L HADO RES POR ENIO SERRA DOS SANTOS_ 4 5 A IDE O L O G I A D O DE SE NV O LV IME NT O SU ST E NTÁVE L : UM BRE VE BA L A NÇO S OBRE S UA P RÁT ICA N O E N S I N O D E G E O GR AF IA POR LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA. FELIPE DE SOUZA RAMÃO E MARCOS VINICIUS N. DE MELO_ 55 A FO R M A Ç Ã O C O NT INU ADA DO DS PR O F E SSORE S DE GE OGRA FIA NO BRA S IL E O US O DE G EOT E C N O L O G I A S : DISC U T INDO O L U GAR D O L UGA R POR ISAAC GABRIEL GAYER FIALHO DA ROSA_ 6 7

P R ÁTI C A S P E D A G Ó G I CA S | CA RT O G R A FIA S V IS ITA A O S E R V I ÇO GE O GR ÁF IC O DO E XÉ R CIT O: UM A L IÇÃ O A CE RCA DA HIS T ÓRIA DA CA RT OGRAF I A E DO P R O C E S S O DE PR O DU Ç ÃO C ART O GR Á FICA NO BRA S IL POR MÁRCIO FERREIRA NERY CORRÊA_ 7 7 C A RT O G R A FI A E DE F IC IÊ NC IA V ISU AL : E XPE RIÊ NCIA S NO COL É GIO P E DRO II POR RAPHAEL MEDEIROS DE ANDRADEW_ 8 2 O C O N C E I T O D E E SC AL A: R E DU Ç ÃO E AM PL IA ÇÃ O POR CAROLINA LIMA VILELA_ 8 8 LEITU R A , I N T E R P R E TAÇ ÃO E C O MPAR AÇ ÃO DE M A PA S BÁ S ICOS E T E M ÁT ICOS POR PEDRO PAULO BIAZZO_ 9 1 P R OJE T O L I X O U R B ANO : U MA E XPE R IÊ NC IA P E DA GÓGICA M ULT I DIS CIP L INA R C OM U S O D E G E O T E C NO L O GIA POR SIMONE DA COSTA LIMA E ISAAC GABRIEL GAYER FIALHO DA ROSA_ 95

E N TR EV I S TA C OM O PRO FE SSO R SALOMON TURN OWSKI _ 103 5


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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE COMO FEEDBACK E ESTRUTURA PODEM AJUDAR CRIANÇAS A APRENDER GEOGRAFIA¹

SOME CONSIDERATIONS ABOUT PROVIDING FEEDBACK AND STRUCTURE TO HELP CHILDREN TO LEARN GEOGRAPHY

J OO P VA N D ER SCHEE²

VU University Amsterdam e Utrecht University, Holanda j.a.vander.s chee@v u.nl

RESU M O: E M 2 0 0 9 J O H N H AT T I E A P R E S EN T O U O S E U INS T IGANT E LIVRO INT IT ULADO AP RE NDIZAGE M VIS ÍVE L, RE S U LTADO DE SUA P E S QU IS A D E 1 5 A N O S E M Q U E S I N T E T I Z A M A I S DE 8 0 0 M E TANÁLIS E S RE LAC IONADAS C OM OS FAT ORE S QUE INF L UENCI AM O REND IME N T O D OS A L U N O S E M I D A D E E S C O L A R . O A UT OR C ONS T RÓI UM A H IS T ÓRIA S OBRE O P ODE R DOS P ROF ESSORES E A IM P ORTÂ N C IA D O F EE D B A C K E D A ES TR U TU R A . E NT RE TANT O, A P E RGUNTA QUE S E FAZ É : C OM O P ODE M OS PERCEBER ISSO N O CON T E X T O E S P EC Í F I C O D A G E O G R A F I A ? A PÓS ALGUM AS INFORM AÇ ÕE S S OBRE AP RE NDIZAGE M VIS ÍVE L E AL GUMAS OBSER VA ÇÕE S S OB R E O E N S I N O D A G EO G R A F I A , E S TE ART IGO DE S C RE VE DOIS P E QUE NOS E XP E RIM E NT OS E M QUE E S TUDANTES D OCEN T E S T R E IN A R A M A S H A B I L I D A D ES D E A P R E N D I Z AGE M DE S E US ALUNOS US ANDO FE E DBAC K E M RE LAÇ ÃO À E STR UTURA. PALAVRA S-C HAV E: EST R U T U R A ; F E E D B A C K; R E N D IM E N T O ES C O L A R ; A P R EN D I ZA G EM P R O F U N D A ; G EO G R A F I A N O EN S I N O M ÉD I O .

ABST RAC T: IN 2 0 0 9 H ATT I E P R E S EN T E D H I S I N T R I GUING BOOK ‘VIS IBLE LE ANING’, T H E RE S ULT OF 1 5 Y E ARS ’ RESEARCH AND S Y N T H E S IZ E S OV ER 8 0 0 M E TA -A N A LYS ES R E L AT ING T O T H E FAC T ORS T H AT INFLUE NC E AC H IE VE M E NT OF S C H OOL - AGED STUDE N T S . IT B U ILD S A S T O RY A B O U T TH E P O W E R OF T E AC H E RS AND T H E IM P ORTANC E OF FE E DBAC K AND S TR UCTURE. THE QU E S T ION IS , H O W EV E R : H O W D O W E R E A L I Z E T H IS IN T H E DOM AIN S P E C IFIC C ONT E XT OF GE OGRAP H Y ? AFTER SOME IN FO R M AT ION A B OU T ‘ V I S I B L E L E A R N I N G ’ A N D S O M E RE M ARK S ABOUT GE OGRAP H Y T E AC H ING, T H IS ART IC LE DE S C RI BES TWO SMAL L E X P E R IM E N T S I N W H I C H S T U D EN T T E A C H ER S T RAINE D S T UDE NT S ’ LE ARNING ABILIT IE S US ING FE E DBAC K RE S PECTI VELY STR UC T U R E . KEYWORDS : STR UCTUR E ; F E E D B A C K; A C H IE V E M E N T S; D E EP L EA R N I N G ; S EC O N D A RY G EO G R A P H Y TEA C H I N G .

APRENDIZAGEM VISÍVEL A maioria dos professores trabalha muito. Nas salas de aula, eles se ocupam em manter a atenção dos alunos na aula e no cumprimento de suas tarefas. Quando os alunos não são barulhentos, ou não se encontram visivelmente G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

entediados, alguns professores consideram que as aulas não estão muito ruins. Se a maioria dos estudantes se concentra em suas tarefas, ou faz uma ou mais perguntas, muitos professores acreditam que os alunos estão aprendendo. No entanto, como podemos ter certeza disso? Nuthall (2005, p.916) afirma que “Nas mentes da maioria 7


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dos professores, os critérios para a aprendizagem bem sucedida são os mesmos que os critérios para a gestão da sala de aula bem sucedida”. Turmas pequenas e boas instalações são também frequentemente mencionadas por educadores em discussões sobre os fatores que levam a uma aprendizagem bem sucedida. Mas será que esses fatores são realmente importantes? Perguntas sobre aprendizagem são raramente fáceis de responder. Desde o trabalho de Hattie (2009), temos pelo menos algumas respostas. Hattie escreveu um livro fascinante sobre o que encontrou em 800 metanálises sobre o rendimento do aluno. O livro não abrange atitudes, comportamento ou cidadania, portanto só apresenta um pouco daquilo que a educação aborda. No entanto, a revisão de Hattie sobre a pesquisa educacional é útil, pois nos ajuda a pensar sobre o ensino e a aprendizagem. Ela nos mostra quais os fatores que parecem ser importantes quando se quer melhorar o desempenho em conhecimentos e habilidades básicas. Hattie não contabiliza efeitos pequenos. Argumenta que deveria haver um tamanho de efeito de 0,40 para se começar uma discussão sobre os nossos objetivos se quisermos ver mudança nos alunos. Na maioria dos casos, a introdução de uma inovação é melhor do que a sua ausência, mas a pergunta é: isso realmente faz a diferença? Um tamanho de efeito de 0,40 é chamado de ponto de articulação. O título do livro é Aprendizagem Visível e Hattie (2009, p.25) explica: “O que é mais importante é que o ensino seja visível para o aluno, e que a aprendizagem seja visível para o professor. Quanto mais o aluno se tornar o professor e mais o professor se tornar o aluno, melhores serão os resultados”. Este artigo não é o fórum adequado para se apresentar todo o trabalho apresentado em Aprendizagem Visível; você deve ler esse livro, se é que ainda não o fez, portanto nos deixe terminar nossa história sobre ele descrevendo alguns resultados importantes. Não será nenhuma surpresa saber que a instrução ativa e direcionada é muito mais eficaz do que a instrução não direcionada, facilitadora. Mais surpreendente ainda será saber 8

que o tamanho de uma turma raramente causa um efeito direto sobre os resultados do ensino (ver Figura 1). No entanto, as condições de trabalho, como o tamanho da turma, podem produzir efeitos indiretos no desempenho do aluno.

Figur a 1 Ta m a n h o s d e e f e i t o d e 0 , 1 0 o u m a i s , o ri u n d o s d o ensino ou d a s c o n d i ç õ e s d e t ra b a l h o | Fo n t e: H at t i e, 2 0 0 9, p. 244.

Ens ino Qu a l i d a d e d o e n s i n o E n s i n o re c íp ro c o

Tamanho do ef ei t o ( d) 0 , 77 0,74

Re l a ç õ e s p ro f e s s o r-a l u n o

0 , 7 2

F o rn e c e n d o f e e d b a c k

0 , 7 2

E n s i n o d a a u t o v e rb a l i za ç ã o E s t ra t é g i a s d e m e t a -c o g n i ç ã o

0,67 0 , 6 7

I n s t ru ç ã o d i re t a

0,59

Do m ín i o d a a p re n d i za g e m

0 , 5 7

Condiç ões de trabalho Ag ru p a m e n t o d e n t ro d a t u rm a Ad i c ã o d e m a i s f i n a n ç a s

0,28 0 , 2 3

Re d u ç ã o d o t a m a n h o d a t u rm a

0,21

Ag ru p a m e n t o p o r h a b i l i d a d e s

0 , 1 1

Como mostra a Figura 1, a qualidade do ensino, o ensino recíproco, a relação professor-aluno e o fornecimento de feedback são muito importantes. Hattie (2009, p.245) conclui que: Não é um método em particular, nem um determinado roteiro que fazem a diferença. O que faz a diferença é o empenho em promover uma personalização da aprendizagem, obtendo maior precisão sobre a forma como os alunos estão progredindo nesta aprendizagem e garantir a aprendizagem profissional dos professores sobre como e quando devem fornecer diferentes ou mais eficazes estratégias de ensino e aprendizagem. G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


JOOP VAN DE R SCHE E

Muitos professores e alunos vêem um livro didático como uma montanha de conhecimento que tem de ser transposta. Seu objetivo é subir a montanha e eles nem se concentram no que o ato de subir a montanha lhes proporciona em termos de pontos de vista ou capacidades. O objetivo do ensino e da aprendizagem não é chegar ao fim do livro didático, mas enriquecer a qualidade de vida. O livro didático é apenas uma das ferramentas para se atingir esse objetivo. Estratégias de aprendizagem podem ser muito úteis para os alunos. Elas podem ajudá-los na redução de sua carga cognitiva. A mensagem de Hattie é no sentido de que os professores devem conversar com seus alunos, dar-lhes feedback e ajudá-los a encontrar o seu caminho. Essa mensagem também pode ser encontrada em publicações de educadores em geral, como Simons, Linden & Duffy (2000), bem como em publicações de educadores de Geografia como Lambert & Morgan (2010). Um bom professor é um especialista em aprendizagem adaptativa. Para os professores, bem como para os alunos, o conhecimento prévio às vezes é útil, mas pode atrapalhar, e muitas vezes atrapalha, a aprendizagem de algo novo. O importante é estabelecer metas razoáveis e desafiadoras, mapear o conhecimento prévio, fornecer feedback e ter uma mente aberta. O ENSINO DE GEOGRAFIA Os educadores de Geografia estão preocupados com o modo como as pessoas vêm adquirindo conhecimento geográfico, com a compreensão das aplicações do conhecimento e com o seu próprio desenvolvimento da estrutura da Ciência da Geografia (STOLTMAN & DE CHANO, 2003, p.120). O conteúdo da Geografia como disciplina é uma questão importante. Embora esse conteúdo não seja sempre objeto de atenção suficiente, não é a única questão que é importante na formação de professores. A tarefa dos professores de Geografia é transferir o conteúdo de tal forma que os alunos possam participar na construção de conhecimento significativo, de capacidades e de ideias usando G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

a Geografia. Uma tarefa como essa requer o conhecimento do conteúdo e o conhecimento do processo. Consoante com o que Hattie e outros estudiosos afirmam, “os professores na qualidade de profissionais engajados” e “a estrutura e o feedback” apresentam-se como questões-chave nesse processo de transferência. No entanto, não há nenhuma garantia de uma transferência bem sucedida. Alguns alunos não estão motivados para a Geografia. Nenhum professor pode fazer com que um aluno aprenda o que ele ou ela não quer aprender. Professores iniciantes muitas vezes ficam decepcionados quando seu entusiasmo para o assunto não evoca uma resposta semelhante nas aulas de Geografia (GRAVES, 1984, p.145). Motivação é uma questão, diferenciação é outra. O que ensinamos na Geografia é algumas vezes simples, mas frequentemente é muito complexo, sendo que aquilo que é simples ou complexo para um aluno não é sempre simples ou complexo para outro. Os alunos apresentam diferentes pontos de partida, diferentes conceitos equivocados e diferentes dificuldades quando se trata de integrar novos conhecimentos. “Todos os alunos são iguais, mas nenhum é o mesmo”, foi o slogan da escola de ensino médio onde eu trabalhava. Alimento para o pensamento. No entanto, dizer tudo isso é mais fácil do que encontrar soluções de como dar aulas de Geografia em uma sala cheia de estudantes.. Há iniciativas promissoras que permitem que se deem bons passos à frente. Revistas internacionais como o European Journal of Geography (Revista Europeia de Geografia), International Research in Geographical and Environmental Education (Pesquisa Internacional em Educação Geográfica e Ambiental), Journal of Geography in Higher Education (Revista de Geografia no Ensino Superior) e a Review of International Geographical Education Online (Revisão da Educação Geográfica Internacional On-line) são boas fontes para se obter mais informações sobre pesquisa e desenvolvimento no ensino de Geografia. Para dar um exemplo, o estudo de Reinfried, Aeschbacher & Rottermann (2012) mostra que os conceitos equivocados dos 9


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alunos sobre o efeito estufa são difíceis de mudar, mas que materiais didáticos especiais ajudam a estimular a mudança conceitual que se pretende. Os materiais de aprendizagem especial usados por esses pesquisadores consistiam em planilhas e experimentos para ajudar os alunos a pensar. As características principais da abordagem do ensino foram as seguintes: a) o problema começou com o conhecimento que o aluno já tinha sobre o assunto; b) o conteúdo foi reduzido de tal forma que apenas ideias-chave do conceito a ser aprendido foram apresentadas usando analogias; e c) perguntas, experimentos, feedback e discussão foram apresentados de forma alternada. Algumas dessas características também podem ser encontradas no trabalho de Leat (1998). Leat e outros estudiosos desenvolveram com sucesso estratégias motivadoras e desafiadoras para a Geografia. O segredo do sucesso das estratégias de Leat em seu livro Thinking through Geography é o fato de elas ajudarem os professores a se afastarem de uma visão de que a Geografia é uma carga cujo conteúdo deve ser entregue aos alunos. A Geografia é uma das disciplinas para ajudar os alunos a “pensar, fazer perguntas, se surpreender e, consequentemente, levar os professores a pensarem mais, a fazer perguntas e a se surpreenderem” (NICOLS & LEAT, 2001). Muitas vezes a Geografia ainda se apresenta como tendo milhares de quilômetros de largura, mas sem muita profundidade. Contudo, Eliseu, Leat e outros autores escolheram trilhar um caminho diverso que parece mais promissor quando o objetivo é ajudar os alunos a sobreviver num mundo que se apresenta em constantes mudanças. É uma estratégia que é muito mais do que uma metodologia. Reinfried e co-autores (2012) afirmam que “(...) o sucesso do ensino já não é principalmente atribuído à forma da metodologia aplicada ou aos roteiros para atividades usados em sala de aula. A questão primordial é: em que medida o ensino estimula os processos de aprendizagem em profundidade direcionados aos alunos?” Aprendizagem em profundidade e aprendizagem profunda são palavras que também podem ser encontradas 10

em outras publicações no campo do ensino de Geografia hoje. Em sua tese de doutorado, Favier (FAVIER & VAN DER SCHEE, 2012) discute o projeto de aulas de Geografia com o Sistema de Informação Geográfica (Geographical Information Services - GIS) e conclui que, para serem eficazes, os professores devem focalizar não apenas a tecnologia, mas, sobretudo, devem prestar mais atenção a duas questões: (i) como poderão transformar o assunto da disciplina de tal forma que se ele torne acessível para os alunos e (ii) como poderão ajudar os alunos a estruturar seu pensamento sobre o assunto. Os alunos precisam muito de orientação para se envolver na aprendizagem geográfica profunda. Proporcionar uma boa orientação é uma tarefa difícil e os professores muitas vezes precisam de ajuda. Vemos o mesmo na discussão sobre o trabalho de campo. Oost, De Vries & Van der Schee (2011) afirmam que o trabalho de campo é muitas vezes feito de forma tradicional e não é bem integrado ao currículo. Uma pesquisa de campo baseada em perguntas e bem integrada, conduzida com mais diálogos e reflexão, pode ajudar a alcançar o aprendizado profundo porque torna os alunos mais conscientes da teoria e da prática, ajudandoos a regular seus processos de aprendizagem. Em consonância com os projetos de pesquisa e desenvolvimento mencionados acima, dois estudantes docentes do Center for Training, Assessment and Research (Centro de Formação, Avaliação e Pesquisa) da VU University em Amsterdã na Holanda desenvolveram uma pesquisa objetivando um aprimoramento no seu ensino de Geografia. Em seus pequenos experimentos, enfocaram os efeitos do fornecimento de feedback e de estrutura. Um resumo desses experimentos é apresentado a seguir. UM EXPERIMENTO DE FEEDBACK Depois de obter uma nota insatisfatória na sua prova de Geografia, um aluno no ensino médio reagiu da seguinte forma: “Como isso é possível? Eu estudei muito, mas fui reprovado!” G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


JOOP VAN DE R SCHE E

Esse estudante aprendeu os fatos e as definições que estavam no seu livro de Geografia, mas não foi capaz de responder as perguntas que exigem raciocínio geográfico. Estudantes como ele precisam de feedback sobre os objetivos da prova, sua estrutura e resultados, caso contrário terão de enfrentar o mesmo problema na próxima prova. Hattie & Timperley (2007) afirmaram que “’É difícil documentar a frequência do fornecimento de feedback em salas de aula, exceto para observar que é baixa” e acrescentaram que “quando o feedback é combinado com uma instrução eficiente nas salas de aula, pode ser muito importante para a melhoria da aprendizagem”. Confrontado com o problema do pouco feedback depois da realização de provas em suas escolas e de estudar a literatura sobre o feedback em autores como Hattie & Timperley, um grupo de estudantes docentes de diferentes escolas holandesas de ensino médio investigou o efeito do feedback no rendimento escolar como parte de seu programa de formação de professores. Um dos estudantes docentes selecionou em sua escola de ensino médio duas turmas das séries finais de Geografia (média de 16 anos de idade) e para cada turma duas provas de Geografia que faziam parte do currículo regular. Uma turma foi designada para ser o grupo experimental e a outra para ser o grupo controle. Depois da primeira prova, o professor retornou as pontuações da prova para os alunos em ambas as turmas com informações sobre o número de pontos em categorias diferentes: conhecimento, compreensão e aplicação, com base na taxonomia de Bloom. Durante as aulas que se seguiram depois da primeira prova, a professora de Geografia deu atenção adicional para as categorias que tiveram uma pontuação baixa na primeira prova. Ela deu essa atenção extra na turma experimental, mas não na turma de controle. A confirmação foi feita dando-se uma segunda prova de Geografia. Na turma experimental houve uma progressão nas categorias de compreensão e aplicação, no período entre a primeira e a segunda prova. A pontuação média do grupo experimental (N=16) foi 6,1 em 10 na primeira prova e 6,7 em 10 na segunda prova em que uma pontuação de 10 em G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

10 foi o máximo obtido. No grupo controle (N=12), a pontuação média foi 5,9 em 10 na primeira prova e 5,8 em 10 na segunda. Embora a seleção dos estudantes não tenha sido feita de forma aleatória e o número de alunos participantes seja demasiado pequeno para se tirar conclusões, tanto o professor quanto os alunos se envolveram numa proveitosa discussão sobre o objetivo e o conteúdo do processo de aprendizagem da Geografia, bem como sobre os itens usados na prova e a importância do feedback. Conforme um dos professores declarou: “Graças a esse instrumento de feedback, nós e nossos alunos atingimos um maior controle sobre a situação e isso é bom para todos” (BAKKES, 2012). Nessa escola, um grupo de professores de outras disciplinas se envolveu numa discussão sobre provas, feedback e questões centrais da aprendizagem em cada disciplina. Um começo promissor. No entanto, informações mais específicas sobre como a professora de Geografia forneceu feedback e estimulou capacidades de pensamento de nível mais elevado são necessárias para ajudar outros professores (Geografia) que precisam de boas práticas. Fornecer feedback sobre o que pode ser feito é uma coisa, ajudar os alunos a melhorar sua aprendizagem é um segundo passo. UM EXPERIMENTO ESTRUTURAL O segundo experimento pode ajudar-nos a pensar sobre os processos da aprendizagem no ensino de Geografia, pois teve como objetivo analisar os efeitos do treinamento do pensamento geográfico. Dois estudantes docentes de Geografia (FABER & HAARING, 2012) partiram do pressuposto de que os próprios alunos podem ter um efeito positivo no seu processo de aprendizagem da Geografia por meio do treinamento do uso de perguntaschave geográficas. A IGU³ International Charter in Geographical Education (Carta Internacional em Educação Geográfica) (HAUBRICH, 1992) apresenta uma seção que lida com questões e conceitos no campo da Geografia. Nessa seção, são formuladas seis perguntas (ver Figura 2). A 11


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Carta da IGU afirma que “Procurar as respostas para essas perguntas implica em investigar a localização, situação, interação, distribuição espacial e diferenciação dos fenômenos na Terra. As explicações de situações atuais provêm de fontes históricas e contemporâneas. Nesse cenário, podemos identificar tendências que indicam “possíveis desenvolvimentos futuros” e o conceito de que “A Geografia diz respeito a interação dos humanos com o ambiente no contexto de lugares e locais específicos”. Geógrafos fazem as seguintes perguntas:

Figur a 3 A a t ri b u i ç ã o d a p ro v a | Fo n t e: Fab er & Haar i ng, 2012.

1. Escreva seu nome na folha de pap el. 2. Anote cinco perguntas que podem ser feitas na próxima prova de Geografia. 3. Trabalhe em grupos de quatro alunos. 4. Compare suas cinco perguntas com as perguntas dos outros estudantes em seu grupo. 5. Decida qual é a melhor pergunta de cada aluno em seu grupo.

F i gura 2 Perg u n tas q u e o s g e óg ra f os f a ze m | F o n t e : Ha u b r ic h, 1 9 9 2 .

6. Decida qual é a melhor pergunta entre todas do seu grupo.

1. Onde está? 2. O que é? 3. Por que está lá? 4. Como aconteceu? 5. Que impactos causou? 6. Como isso dev e ser administrado para o benefício mútuo da humanidade e do ambiente natural?

Um pequeno experimento foi organizado para ver se o treinamento no uso de perguntas geográficas teria um efeito sobre as perguntas dos alunos. Os dois professores em formação estavam empregados em escolas diferentes. Cada um deles selecionou uma turma de Geografia numa série mais baixa do ensino secundário com estudantes de 12-13 anos de idade. O projeto de pesquisa consistiu numa pré-prova, um treinamento de cinco aulas de Geografia e uma pós-prova. A préprova e a pós-prova foram exatamente iguais. A prova não foi uma prova de conhecimento, mas uma tarefa especial: veja a Figura 3. 12

O treinamento incluiu as seis perguntas geográficas escritas numa linguagem um pouco mais simples do que a da Figura 2 e mais exemplos foram dados. Na questão geográfica 5: “Que impactos causou?”, o exemplo foi: “Quais são as consequências das grandes diferenças entre as pessoas pobres e as ricas?” Após o préteste, os alunos receberam as seis perguntas, incluindo o conjunto de exemplos. Além disso, em toda aula de Geografia ministrada no período entre o pré-teste e o pós-teste era destinado um pouco de tempo para uma discussão do conteúdo da aula utilizando-se as seis perguntas geográficas. Nessa discussão compacta com toda a turma, os alunos foram desafiados a estruturar e repensar as principais questões da aula de Geografia, e o professor e os colegas da turma forneceram o feedback. Todas as perguntas feitas pelos alunos no pré-teste e no pós-teste foram coletadas e analisadas. Os resultados mostram que no pré-teste o número das perguntas ‘Onde está?’ e ‘O que é?’ foi muito maior (95% das perguntas foram nestas categorias numa turma e 98% na outra), mas no pós-teste a distribuição ao longo das seis diferentes perguntas geográficas foi melhor (66% e 58% das perguntas foram nas G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


JOOP VAN DE R SCHE E

categorias ‘Onde está?’ e ‘O que é?’). Entrevistas com um grupo de alunos depois do pós-teste mostraram que o treinamento em fazer perguntas geográficas foi mais útil para os alunos que não estavam indo bem em Geografia do que para aqueles que eram bons em Geografia. Ambos os estudantes docentes aconselham que a pesquisa nesta área continue, porque acham que vale a pena praticar o uso explícito das diferentes perguntas geográficas regularmente. Esse uso dá mais estrutura aos alunos (os mais fracos) e pode apoiar a aprendizagem profunda. Esse treinamento extensivo está em consonância com o que Hattie (2009) e Nuthall (2005) escreveram sobre a prática espaçada e em massa: não é a dedicação de mais tempo na execução da tarefa, mas é a frequência de oportunidades diferentes o que pode fazer a diferença. Isso não deve ser considerado exercício e prática, mas um diálogo contínuo entre professor e alunos sobre as questões-chave e os conceitos em Geografia.

juntamente com seus alunos na esperança de que eles tenham condições favoráveis para ir ainda mais longe, sozinhos ou com outros.

OBSERVAÇÕES FINAIS A Geografia é um assunto brilhante e fascinante, mas ela cobre uma área muito ampla e complexa. Mesmo que a carga horária total de Geografia nas escolas fosse dez vezes maior do que é agora, isso não seria suficiente para abranger todo o assunto. O desafio para os professores de Geografia não é abranger mais conteúdo, mas sim promover uma mudança no pensamento dos alunos. A cada dia teremos informações novas e em maior número sobre o nosso planeta em transformação. Aos professores de Geografia caberá proporcionar aos alunos as ferramentas (conhecimentos, habilidades e atitudes) para descobrir o nosso planeta Terra e refletir sobre ele. Fornecendo feedback e fazendo perguntas, os professores podem ajudar a estruturar a informação, avaliar situações e se preparar para tomar decisões. Antes de tudo, a tarefa do professor é estar ciente das realidades dos alunos. A partir daí, ele poderá oferecer indicações e bases de apoio, e até percorrer parte do caminho G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 - 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

NOTAS ¹ Tradução do original em inglês: Tereza Marques de Oliveira Lima. Revisão da tradução: Carolina Vilela (Colégio Pedro II). ² O Prof. Dr. Joop van der Schee é Professor Especial no Ensino de Geografia no Center for Educational Training, Assessment and Research/CETAR (Centro de Treinamento, Avaliação e Pesquisa educacionais), na Faculdade de Psicologia e Educação da VU University Amsterdam, na Holanda. Também é professor de Geografia para a Educação e Comunicação na Universidade de Utrecht na Holanda. É co-presidente da International Geographical Union Commission on Geographical Education (Comissão da União Geográfica Internacional para a Educação Geográfica). Suas principais atividades de pesquisa em Geografia na Educação estão relacionadas com o mapeamento (digital) de habilidades e estratégias de pensamento dos alunos no ensino médio. Além disso, é palestrante na área da Geografia Humana e se dedica à formação de professores em nível universitário. ³ International Geographical Union (União Geográfica Internacional) – IGU.

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A L G UM A S C O NSIDE R A Ç Õ E S SO B R E C O MO FE E DB A CK E ES TR UTURA P OD EM AJUDAR CRIAN ÇAS A AP REN D ER GEOGRAFIA

REFERÊNCIAS

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O COLEGIO PEDRO II E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA ESCOLAR NO BRASIL IMPÉRIO

THE COLEGIO PEDRO II AND THE INSTITUCIONALIZATION OF SCHOOL GEOGRAPHY IN BRAZIL EMPIRE

P RO F. D R . G ENYLTON ODI LON RÊG O DA R O C H A Universidade Federal do Pará Faculdade de Educação e Programa de Pós-Graduação em Educação g en ylton@gmai l .com

RESU M O: N E S T E T E X TO B U S C A R -S E -Á D I S C U T I R A INS T IT UC IONALIZAÇ ÃO DA GE OGRAFIA NO C URRÍC ULO DAS ESCOL AS BRASI LE IR A , T OM A N D O P O R B A S E O S C U R R Í C U L O S Q U E FORAM P RE S C RIT OS PARA O IM P E RIAL C OLÉ GIO DE P E DRO II, INSTI TUI ÇÃO CRIAD A E M 1 8 3 7 , N A C I D A D E D O R I O D E JA N E I R O . FRIS O QUE OP T E I P OR DIS C ORRE R S OBRE A H IS T ÓRIA DA GEOGRAF I A ESCOLA R , E M U M P E R Í O D O Q U E O C U R R Í C U L O P R E S C RIT O PARA O IM P E RIAL C OLÉ GIO DE P E DRO II DE VE RIA PA DRONI ZAR N ACIO N A LME N T E (P E L O M EN O S ER A E S TA A I N T E N Ç ÃO) , A S E LE Ç ÃO C ULT URAL C ONS IDE RADA, S E GUNDO OS LE GISL ADORES BRASI LE IR OS , D IG N A D E S ER A S S I M I L A D A P EL A S N O VAS GE RAÇ ÕE S . P ORTANT O, O P E RÍODO P OR NÓS E S T UDADO S E ESTENDE D E 18 3 7 - D ATA D E C R I A Ç Ã O D O C O L É G I O - ATÉ A DÉ C ADA DE 8 0 DO S É C ULO XIX, QUANDO S E P ROC LAM A A R EPÚBL I CA N O BR A S IL. PA R A QU E P U D ÉS S E M O S I D EN T I F I C A R E ANALIS AR O C URRÍC ULO P RE S C RIT O PARA A DIS C IP LINA GE OGRAF I A - E A Q UI FA Z E MOS U MA R E S S A LVA D E Q U E N O S S A A N Á LIS E S E RÁ RE S T RITA AO C URRÍC ULO P RE S C RIT O OU E XP LÍC ITO, O QUE TORNA A A N Á LIS E D O C U R R Í C U L O Q U E F O I E F ET I VA DO NAS S ALAS DE A ULA A P RINC IPAL LAC UNA QUE DE IXARE MOS NESTA PESQU IS A - , R E A LIZ A M O S O L E VA N TA M EN T O E S ELE Ç ÃO DE BIBLIOGRAFIAS QUE S E RE P ORTAM AO P E RÍODO ESTUDADO, E, SO B R E T U D O, D E T EX T O S ES C R I T O S D E C A R ÁT E R OFIC IAL E T É C NIC O - AS LE IS QUE NORM AT IZARAM O E NS INO NA QUEL E COLÉGIO E OS C ON T E Ú D O S P R O G R A M ÁTI C O S F I X A D OS P E LO LE GIS LAT IVO BRAS ILE IRO OU P E LA C ONGRE GAÇ ÃO DO REF ERI DO ESTAB E LE CIME N T O D E EN S I N O . E S TE M AT E R I A L F O I OBJE T O DE UM A DE S C RIÇ ÃO ANALÍT IC A, OU S E JA, S OBRE O MESMO REALI Z A MOS U M E S T U D O M A I S A P R O F U N D A D O À L U Z DO RE FE RE NC IAL T E ÓRIC O QUE T E M NORT E ADO M E US E S T UDO S. O QUE SE SE G U E S Ã O PA RT E S S I G N I F I C AT I VA S D E M E U S A C HADOS . PALAVRA S-C HAV E: CUR R ÍC U L O; H IST OR IA D A S D ISC IPL IN A S ES C O L A R ES ; G EO G R A F I A ES C O L A R ; C O L ÉG I O P ED R O I I ; S ÉC U L O XI X.

ABST RAC T: T HIS T E XT W I L L D I S C U S S TH E I N S TI TU TI O NALIZAT ION OF GE OGRAP H Y IN T H E C URRIC ULUM OF BRAZILIAN SCHOOL S, BASED ON C U R R ICU L A P R ES C R I B ED F O R TH E I M P ERIAL C OLLE GE OF P E DRO II, AN INS T IT UT ION C RE AT E D IN 1 8 37 I N RI O D E J A N E IR O. I E M P H A S I Z E T H E H I S T O RY O F T H E D EVE LOP M E NT OF GE OGRAP H IC E DUC AT ION IN A P E RIOD DURING WHI CH THE C U R R ICU LU M AT T H E I M P E R I A L C O L L EG E O F P E DRO II WAS BE ING P ROM OT E D AS A NAT IONAL S TANDARD BY B RAZI L I AN LAW M A K E R S . I E X A MI N E T H E P E R I O D EX T E N D I N G F R OM 1 8 3 7 – T H E DAT E OF T H E S C H OOL´ S FOUNDAT ION - UNT IL THE L ATE1880S , WH E N T H E B RA Z I L I A N R EP U B L I C WA S P R O C L A IM E D. IN ORDE R T O IDE NT IFY AND ANALY ZE T H E P RE S C RIBE D C URRI CUL UM FO R GE OG R A P HY – W I TH T H E C AV E AT TH AT TH E A N ALY S IS W ILL BE RE S T RIC T E D T O P RE S C RIBE D OR E XP LIC IT C URR I CUL UM SURVEY A N D S E LE C T I O N O F B I B L I O G R A P H I E S R E P O RTING T O T H E P E RIOD S T UDIE D WAS C ONDUC T E D, W IT H A C ONC ENTRATI ON ON WR IT T E N T E X T S O F O F F I C I A L A N D T E C H N I C A L C H ARAC T E R, T H E LAW S T H AT E S TABLIS H E D T H E T E AC H ING NORM S AND THE SYLLA B U S S E T B Y T HE B R A Z I L I A N L E G I S L AT U R E O R B Y T H E E DUC AT IONAL INS T IT UT ION. T H IS M AT E RIAL WAS S UBJE C TED TO AN ANALY T ICA L D E S CR IP T I O N C O N D U C TE D I N T H E L I G H T OF T H E T H E ORE T IC AL FRAM E W ORK T H AT H AS GUIDE D M Y RE S E ARCH. THE FO LLOWIN G A R E S IG N I F I C A N T PA RTS O F M Y F I N D I N G S. KEYWORDS : CURRI CUL U M ; H IST ORY OF SC H OOL SU B J E C T S ; S C H O O L G EO G R A P H Y; C O L EG I O P ED R O I I ; N I N ETEEN TH C EN TU RY.

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O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

A CRIAÇÃO DO IMPERIAL COLÉGIO DE PEDRO II E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA NO SEU CURRÍCULO ESCOLAR Em 1834, a primeira constituição brasileira sofria uma reforma. Sua realização era consequência direta das pressões feitas pelas Províncias, no sentido de ampliarem seus direitos e poderes. Exigiam-se do poder central medidas descentralizadoras. No campo educacional, a principal medida de impacto foi o direito adquirido por aquelas unidades políticas de legislar sobre o seu próprio sistema educacional. Coube aos governos das províncias à responsabilidade total pelo ensino elementar e médio, surgindo em consequência os primeiros liceus provinciais, localizados nas suas respectivas capitais: O Ateneu, do Rio Grande do Norte em 1835; os Liceus da Bahia e da Paraíba, ambos em 1836.1 Apenas no Município da Corte (Rio de Janeiro) ficou o poder central responsável por estes níveis de ensino. Por conta desta atribuição constitucional, em 1837 era criado na Corte, a partir da transformação do então existente Seminário de São Joaquim, o Imperial Colégio Pedro II, primeiro passo no sentido de dar certa unidade ao ensino médio, até então mantido através do sistema de aulas avulsas. A intenção dos que foram responsáveis pela criação do colégio não foi apenas a de dotar a Corte de um estabelecimento de ensino secundário mais organizado frente à desordem que presidia as aulas régias. Mais do que isto, objetivavam eles criar uma instituição que servisse de modelo, verdadeiramente padrão de excelência do que as demais escolas públicas ou particulares existentes ou a serem criadas pudessem seguir. O Colégio Pedro II, que recebera desde a sua fundação o “status” de escola-padrão, seria alvo da atenção especial do poder central. Criado para ser o “templo do saber oficialmente aceito”, o seu funcionamento seria em consequência, desde o início perpassado por alguns preceitos considerados fundamentais por seus fundadores. Já no discurso de inauguração, o Ministro dos Negócios do Império, Bernardo Pereira de 16

Vasconcelos, afirmava que seria função do novo estabelecimento Manter e unicamente adotar os bons métodos; resistir a inovações que não tenham a sanção do tempo e o abono de felizes resultados; proscrever e fazer abortar tôdas as espertezas de especuladores astutos que ilaqueiam a credulidade dos pais de família com promessas fáceis e rápidos progressos na educação de seus filhos; e repelir os charlatães que aspiram à celebridade, inculcando princípios que a razão desconhece. (apud HAIDAR, 1972, p. 99). O ideal de ensino acabou sendo trazido do estrangeiro. Foi da França que se “transplantou” o modelo de organização escolar, bem como a forma, e não raramente os conteúdos, adotados pelas disciplinas. Se esta afirmativa é verdadeira para o primeiro regulamento, não menos seria para todos os demais que foram estabelecidos ao longo do Império. Não é à toa que Chizzotti afirma que “A história das disposições legais que tentaram construir a instrução pública no Brasil, durante o Império, não pode ser entendida sem a leitura paralela da legislação sobre o ensino francês” (1975, p. 50). No primeiro regulamento fixado para o Colégio Pedro II, datado de 1938, foi introduzido, a exemplo dos colégios franceses, os estudos simultâneos e seriados, em substituição a mera reunião de aulas régias em um só prédio. No curso regular com duração de seis e oito anos, seriam ensinadas as línguas latina, grega, francesa e inglesa, a gramática nacional e a retórica, a geografia, a história, as ciências naturais, as matemáticas, a música vocal e o desenho. No modelo curricular francês predominava os estudos literários mas, apesar de não serem a parte mais importante daquele currículo, nele também estavam presentes as ciências físicas e naturais, a história , as línguas modernas e a geografia. O ensino desta última nas escolas francesas, segundo Capel “[...] estuvo siempre G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

presente con mayor o menor intensidad, aunque amenazada alguna vez por la fisiografía.” (1988, p. 113). Não podemos esquecer que, durante muito tempo, o rótulo Geografia foi utilizado para designar diferentes estudos ou produtos destes estudos. Tinha ele uma conotação quase que enciclopédica, e servia, por isso mesmo, tanto para se referir ao objeto Terra quanto para também denominar os estudos de descrição e representação daquele mesmo objeto. Em conseqüência, saber geografia passou a significar ter domínio do maior número de conhecimentos possível sobre os territórios e seus habitantes. Nas primeiras décadas do Século XIX, o rótulo geografia ainda não havia perdido suas antigas conotações. Palácios, em sua análise nos mostra que, neste período, o termo geografia [...] podía aludir a una serie de conocimientos útiles mundanos como al conjunto de las grandes obras de ‘vulgarización geográfica’: diccionarios, compendios, manuales y otros textos de divulgación masiva. Estas obras encontraban a un público ávido de repuestas sobre un mundo en expansión, pero tenían escaso valor científico; sin intención de rigurosidad en la mayoría de los casos, se confundían con otra literatura de divulgación que rayaba muchas veces con la novela, la fabula y la leyenda: se trata de la profusa bibliografia de relaciones y descripciones de viajes, surgida hacia fines del siglo XII y desarrollada sobre todo durante el siglo de las Luces. (1992, p. 64-65). O interesse despertado pelos conhecimentos geográficos nos séculos XVIII e XIX foi bastante expressivo a tal ponto de na sociedade européia de então, “[...] saber y enseñar ‘Geografia’ formaba parte de las ‘novedades’ del siglo, como así se llamaba a las ideas modernas o ligadas a la Razón ilustrada.” (PALÁCIOS, 1992, p. 63). Na França, das primeiras décadas do século passado, praticava-se uma geografia bem ao estilo G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

do modelo de Estrabão, ou seja, a de tradição histórico-descritiva. Os avanços significativos que haviam ocorrido em consequência das reformas educativas e institucionais realizadas na época revolucionária e mesmo no período napoleônico, e que provocaram intenso desenvolvimento científico durante os três primeiros decênios do século XIX, não alcançaram os conhecimentos geográficos. A presença da geografia no ensino ministrado pelas escolas francesas vinha, portanto, atender aos interesses deste público ávido em ampliar os conhecimentos acerca de um mundo que, em função do expansionismo imperialista europeu, começava a ser explorado (em todos os sentidos).2 Nem uma evidência nos faz pensar que ao ser inserido no Brasil, quando da “transplantação” do modelo curricular francês realizada nas primeiras décadas do século XIX, o ensino desta disciplina tenha inicialmente tido aqui outra finalidade que não fosse a de fornecer informações genéricas, verdadeiramente enciclopédicas, de um mundo em franco processo de expansão. Lembremos que também o curso secundário no Brasil tinha um nítido caráter de formação geral. Uma das características marcantes da geografia escolar que aqui foi introduzida a partir do primeiro regulamento adotado para o Colégio Pedro II, diz respeito à tradição metodológica adotada por seus professores. Preconizavase que se deveria começar os estudos a partir do mais distante até atingir o mais próximo (geralmente os conteúdos programáticos desta disciplina, organizados de forma enciclopédica, iam desde a descrição da esfera celeste, passando em seguida pela descrição das características naturais e humanas dos diferentes continentes, para somente no fim alcançar a descrição do Brasil) e não raramente, por conta do volume de informações a serem transmitidas nas poucas horas semanais destinadas a esta disciplina, os programas não conseguiam ser cumpridos integralmente. Analisemos, então, a trajetória da geografia no currículo escolar do Colégio Pedro II 17


O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

no período do Império brasileiro. AS REFORMAS SOFRIDAS PELO ESTATUTO DO IMPERIAL COLÉGIO DE PEDRO II DURANTE O IMPÉRIO E O LUGAR DA GEOGRAFIA NO CURRÍCULO ESCOLAR OFICIAL Para que possamos melhor acompanhar as transformações que a geografia escolar brasileira sofreu no período imperial, pretendemos utilizar como ponto de apoio as próprias reformas sofridas pelos estatutos do Imperial Colégio de Pedro II, já que no mesmo era explicitado o desenho curricular vigente, bem como lá estavam apontados os programas e compêndios prescritos oficialmente. Por ter assimilado, desde seu primeiro regulamento datado de 31 de janeiro de 1838, o modelo curricular francês, o Colégio Pedro II adotou os estudos simultâneos e seriados, fato que já o diferenciava dos primeiros Liceus Provinciais que apenas haviam posto sob um mesmo teto as aulas avulsas, típicas do ensino escolar pós-reforma pombalina. O currículo destinado a oferecer uma formação geral, era caracteristicamente clássicohumanístico e enciclopédico, nele, ressaltamos, não se marginalizou os conhecimentos científicos, que mesmo não sendo o seu cerne, tiveram seus espaços garantidos.3 No desenho curricular, a geografia e a história apareciam como disciplinas autônomas, apesar de que eram ministradas pelo mesmo professor, o bacharel em Direito Justiniano José da Rocha. Presente nos quatro primeiros anos, a geografia era trabalhada tendo como base os resumos escritos pelo seu primeiro professor, cujo título era “Compêndio de geografia elementar”. Dois fatos nos parecem relevante acrescentar: o primeiro diz respeito à recomendação de Bernardo de Vasconcelos de que fosse utilizado nas aulas os manuais franceses de autoria de Poisson e Cayz e os de Renoir e Dumont (obras que seriam mais tarde traduzidas por Justiniano); o segundo nos permite perceber o pouco caso do Instituto Histórico e Geográfico, considerado o principal bastião da construção do Estado-nação brasileiro, 18

com o ensino destas duas disciplinas, pois como denuncia Segismundo: Nomeado em abril de 1838 para a cátedra de História, Justiniano [...] pouco depois, se dirigia ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado nesse ano, pleiteando a elaboração, pelo cenáculo, de um livro escolar destinado ao ensino da matéria. Não foi atendido aí nem mais tarde, ao insistir no rogo. (1993, p. 12) A Primeira reforma sofrida no estatuto viria à luz através do Decreto nº 62 de 1º de fevereiro de 1841. O curso passou a ter duração de sete anos, bem como sofreu uma redistribuição das disciplinas pelas diferentes séries afim de melhor atender o desenvolvimento intelectual dos alunos. Adaptando-se mais ainda ao modelo francês, foi acentuada a predominância dos estudos literários. O enciclopedismo foi exacerbado, alcançando no sétimo ano o número absurdo de 14 disciplinas. A geografia passava a ser ensinada em seis séries (a partir do segundo ano) e passava a denominarse Geografia Descritiva (ver quadro 1). Novo regulamento entrava em vigor através do Decreto nº 1331-A de 17 de fevereiro de 1854. A Reforma realizada por Luiz Pereira do Couto Ferraz era decorrente do projeto proposto, em 1851, por ele próprio e por Justiniano José da Rocha (o mesmo que exercia anos antes, a docência de geografia e história no Colégio Pedro II). A mesma se baseou na Lei Falloux, que anos antes começara a vigorar na França. A reforma de 1854 estabelecera algumas disposições no sentido de exigir melhor capacitação dos professores, retribuição condigna, de organizar o recrutamento de professores, de estabelecer uma inspeção escolar eficiente e de criar um Conselho Diretor. Estas disposições foram objeto da lei Guizot e principalmente da lei Falloux que reorganizaram o ensino primário na França. É na legislação estabelecida por Falloux que Couto Ferraz se inspira para sua reforma G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

Quadr o 1 C u rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - Re g u l a m e n t o n º 6 2 d e 1 º d e F e v e re i ro de 1841

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULAR ES

1º ANO

GRAMÁTICA GERAL E GRAMÁTICA

HISTÓRIA (3 LIÇÕES SEMANAIS);

NACIONAL (5 LIÇÕES SEMANAIS);

ARITMÉTICA E ÁLGEBRA

LATIM (5 LIÇÕES SEMANAIS);

(5 LIÇÕES SEMANAIS);

FRANCÊS (3 LIÇÕES SEMANAIS);

ZOOLOGIA E BOTÂNICA

INGLÊS (5 LIÇÕES SEMANAIS);

(3 LIÇÕES SEMANAIS);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

DESENHO FIGURADO

(3 LIÇÕES SEMANAIS);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

DESENHO CALIGRÁFICO

(2 LIÇÕES SEMANAIS);

DESENHO FIGURADO

(3 LIÇÕES SEMANAIS);

6º ANO

GREGO (3 LIÇÕES SEMANAIS);

MÚSICA VOCAL

LATIM (3 LIÇÕES SEMANAIS);

(4 LIÇÕES SEMANAIS)

ALEMÃO (1 LIÇÃO SEMANAL);

INGLÊS (1 LIÇÃO SEMANAL);

MÚSICA VOCAL (1 LIÇÃO SEMANAL);

TOTAL: 25 LIÇÕES SEMANAIS

2º ANO

LATIM (5 LIÇÕES SEMANAIS);

FRANCÊS (1 LIÇÃO SEMANAL);

FRANCÊS (5 LIÇÕES SEMANAIS);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

DESENHO CALIGRÁFICO

(1 LIÇÃO SEMANAL);

(3 LIÇÕES SEMANAIS);

HISTÓRIA (2 LIÇÕES SEMANAIS);

DESENHO LINEAR

RETÓRICA E POÉTICA

(3 LIÇÕES SEMANAIS);

(5 LIÇÕES SEMANAIS);

MÚSICA VOCAL

FILOSOFIA (5 LIÇÕES SEMANAIS);

(4 LIÇÕES SEMANAIS)

GEOMETRIA, TRIGONOMETRIA

RETILÍNEA (3 LIÇÕES SEMANAIS);

3º ANO

LATIM (6 LIÇÕES SEMANAIS);

FÍSICA E QUÍMICA (3 LIÇÕES SEMANAIS);

FRANCÊS (2 LIÇÕES SEMANAIS);

DESENHO FIGURADO

INGLÊS (2 LIÇÕES SEMANAIS);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

ALEMÃO (3 LIÇÕES SEMANAIS);

GREGO (5 LIÇÕES SEMANAIS);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

(1 LIÇÃO SEMANAL);

7º ANO

GREGO (3 LIÇÕES SEMANAIS);

HISTÓRIA (4 LIÇÕES SEMANAIS);

LATIM (3 LIÇÕES SEMANAIS);

DESENHO FIGURADO

ALEMÃO (1 LIÇÃO SEMANAL);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

INGLÊS (1 LIÇÃO SEMANAL);

MÚSICA VOCAL (1 LIÇÃO SEMANAL)

FRANCÊS (1 LIÇÃO SEMANAL);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

MÚSICA VOCAL (1 LIÇÃO SEMANAL);

TOTAL: 25 LIÇÕES SEMANAIS

4º ANO

LATIM (6 LIÇÕES SEMANAIS);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

FRANCÊS (2 LIÇÕES SEMANAIS);

HISTÓRIA (2 LIÇÕES SEMANAIS);

INGLÊS (2 LIÇÕES SEMANAIS);

RETÓRICA E POÉTICA

ALEMÃO (3 LIÇÕES SEMANAIS);

(5 LIÇÕES SEMANAIS);

GREGO (5 LIÇÕES SEMANAIS);

FILOSOFIA (5 LIÇÕES SEMANAIS);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

GEOGRAFIA, MATEMÁTICA E

(1 LIÇÃO SEMANAL);

CRONOLOGIA (2 LIÇÕES SEMANAIS);

HISTÓRIA (4 LIÇÕES SEMANAIS);

MINERALOGIA E GEOLOGIA

DESENHO FIGURADO

(2 LIÇÕES SEMANAIS);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

ZOOLOGIA FILOSÓFICA

MUSICA VOCAL (1 LIÇÃO SEMANAL);

(1 LIÇÃO SEMANAL);

TOTAL: 25 LIÇÕES SEMANAIS

DESENHO FIGURADO

(1 LIÇÃO SEMANAL);

5º ANO

GREGO (4 LIÇÕES SEMANAIS);

LATIM (3 LIÇÕES SEMANAIS);

ALEMÃO (2 LIÇÕES SEMANAIS);

INGLÊS (I LIÇÃO SEMANAL);

FRANCÊS (1 LIÇÃO SEMANAL);

GEOGRAFIA DESCRITIVA

(1 LIÇÃO SEMANAL);

MÚSICA VOCAL (1 LIÇÃO SEMANAL);

TOTAL: 29 LIÇÕES SEMANAIS

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O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

no ensino da Côrte, pondo-se ao lado dos países europeus quanto à organização e regulamento. (CHIZZOTTI, 1975, p. 65) Dentre outras modificações estabelecidas pelo novo regulamento, estão: o deslocamento dos estudos científicos para os primeiros anos; mais projeção para a gramática nacional; desdobramento dos estudos históricos e geográficos que passaram a contar, além dos ensinamentos acerca da história e da geografia moderna, com conteúdos mais explícitos sobre a corografia brasileira e história do Brasil. Como consequência da legislação de 1854, seria baixado em 24 de janeiro de 1856 um novo decreto, com a finalidade de fixar programas e indicar os compêndios a serem adotados nos dois cursos em que naquele momento estavam divididos os estudos no Colégio Pedro II (estudos de primeira classe e estudos de segunda classe). A influência francesa alcançava o extremo. Euzébio de Queiroz chegou mesmo a afirmar que os programas adotados haviam sido adaptados dos últimos programas prescritos para os liceus nacionais da França, tendo sido realizadas apenas as necessárias modificações e alterações. No que diz respeito aos compêndios, esclarece Haidar: Na falta de obras nacionais, adotaramse para o estudo das ciências físicas e naturais, da história e geografia e da filosofia, compêndios francêses. Os programas extensíssimos e pretensiosos reproduziam, praticamente na íntegra, o plano dos livros adotados. Assim, por exemplo, no 4º ano do curso especial, ao lado do curso de história e geografia do Brasil baseado na História do Brasil de Abreu Lima e no Compêndio de Geografia de Pompeo, deveriam os alunos cumprir a segunda parte de um vastíssimo programa de História Moderna, utilizando o Manuel du Baccalaureat e o Atlas de Delamarche adotados nos Liceus de Paris. (1972, p. 116-117)

20

Quanto aos manuais franceses indicados para serem adotados nas aulas de geografia, podemos dizer que na França os mesmos já eram objeto de questionamento quanto à sua qualidade. Aliás, não apenas os livros adotados, mas sim, todo o ensino de geografia, como podemos verificar na análise feita por Broc: On a bien souvent évoqué la faiblesse, pour ne pas dire la nullité, de l’enseignement géographique en France dans la première moitié du XIXº siècle. Rappelons simplement quelques faits significatifs: en 1822, le jeune Ferdinand de Lesseps faillit échouer au baccalauréat pour ne pas avoir su dire à M. Barbié du Bocage, professeur à la Sorbonne, ce qu’étaient les points cardinaux. Quelques années plus tard, sous la monarchie de Juillet, on posait à des élèves de sixiè le sujet suivant: ‘La géographie et l’histoire posait à colonies grecques en Asie Mineure depuis l’émigration des Éoliens jusqu’á la révolte d’Ionie’ A la mème époque, l’inspecteur géneral Letronne, que régentait l’enseignement géographique en France, déclarait: ‘On n’enseigne pas la géographie; on enseigne seulement la manière de l’apprendre. Composée uniquement de fait ou isolés les uns des outres, ou qui moins, ne sont pas liés entre eux pas un enchainement qui existe dans d’autres sciences, la géographie est en grande partie le domaine exclusif de la mémoire: elle s’apprend par la lecture de l’histoire et des voyages’. Avec de tels préceptes on comprend que les professeurs d’histoire des lycées n’aient guère été encouragés à sortir des voies sùres de la géographie historique; formés exclusivement à la pratique des belles lettres et de l’histoire ancienne, ces maitres ne pouvaient enseigner avec fruit ce à quoi leurs propres études ne les avaient point préparés. (BROC, 1974, p. 546) Uma nova organização curricular para o Imperial Colégio de Pedro II foi apresentada, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

quando da entrada em vigor do Regulamento de 17 de fevereiro de 1855 (ver quadro 2). Este regulamento havia sido previsto no Decreto nº 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854, que aprovava a reforma do ensino primário e secundário no município da Corte, cujo artigo 78 estabelecia que “As materias de cada anno, sua distribuição

por aulas, o systema das lições, o methodo dos exames, o regimen interno do estabelecimento e a distribuição de premios até o numero de tres no fim de cada anno lectivo do curso, farão objecto de hum Regulamento especial que será organizado pelo Conselho Director, e sujeito á aprovação do Governo.”

Quadr o 2 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - Re g u l a m e n t o d e 1 7 d e F e v e re i ro de 1855

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULAR ES

ESTUDOS DE PRIMEIRA CLASSE

CIÊNCIAS NATURAIS:

1ª CADEIRA: REPETIÇÃO DE MINERALOGIA

1º ANO

LEITURA E RECITAÇÃO DO PORTUGUÊS;

EXERCÍCIOS ORTOGRÁFICOS;

GRAMÁTICA NACIONAL;

E QUÍMICA;

GRAMÁTICA LATINA;

CONTINUAÇÃO DA GEOGRAFI A E DA

FRANCÊS; COMPREENDENDO

HISTÓRIA MODERNA;

SIMPLESMENTE LEITURA, GRAMÁTICA

COROGRAFIA BRASILEIRA E

E VERSÃO FÁCIL

HISTÓRIA NACIONAL

2º ANO

LATIM: VERSÃO FÁCIL E CONSTRUÇÃO DE

ESTUDOS DE SEGUNDA CLASSE

PERÍODOS CURTOS COM O FIM ESPECIAL

DE APLICAR E RECORDAR AS REGRAS

E GEOLOGIA;

2ª CADEIRA: REPETIÇÃO DE FÍSICA

5º ANO

LATIM; VERSÃO PARA A LÍNGUA NACIONAL

GRAMATICAIS;

DE CLÁSSICOS MAIS DIFÍCEIS, E TEMAS;

FRANCÊS; VERSÃO, TEMAS E CONVERSA;

ALEMÃO: LEITURA, GRAMÁTICA,

INGLÊS; LEITURA, GRAMÁTICA,

VERSÃO FÁCIL;

VERSÃO FÁCIL;

GREGO: LEITURA GRAMATICAL,

CONTINUAÇÃO DA ARITMÉTICA E

VERSÃO FÁCIL;

ÁLGEBRA ATÉ EQUAÇÕES DO 2º GRAU;

FILOSOFIA RACIONAL E MORAL;

CIÊNCIAS NATURAIS:

GEOGRAFIA E HISTÓRIA ANTIGA

1ª CADEIRA: ZOOLOGIA E BOTÂNICA; 6º ANO

LATIM: CONTINUAÇÃO DAS MATÉRIAS

DO ANO ANTERIOR;

2ª CADEIRA: FÍSICA

3º ANO

LATIM: VERSÃO GRADUALMENTE MAIS

FILOSOFIA: SISTEMAS COMPARADOS;

DIFÍCIL, EXERCÍCIOS GRAMATICAIS,

ALEMÃO: VERSÃO MAIS DIFÍCIL,

E TEMAS;

TEMAS FÁCEIS;

INGLÊS: VERSÃO MAIS DIFÍCIL, E TEMAS;

GREGO: VERSÃO MAIS DIFÍCIL,

FRANCÊS: APERFEIÇOAMENTO DO ESTUDO

TEMAS FÁCEIS;

DA LÍNGUA;

RETÓRICA: REGRAS DA ELOQUÊNCIA E

CIÊNCIAS NATURAIS:

DE COMPOSIÇÃO;

1ª CADEIRA: MINERALOGIA E GEOLOGIA;

GEOGRAFIA E HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

2ª CADEIRA: QUÍMICA;

EXPLICAÇÃO DOS TERMOS TÉCNICOS

7º ANO

ALEMÃO: APERFEIÇOAMENTO;

NECESSÁRIOS PARA O ESTUDO

GREGO: APERFEIÇOAMENTO;

DA GEOGRAFIA;

ELOQUÊNCIA PRÁTICA: COMPOSIÇÃO DE

GEOGRAFIA E HISTÓRIA MODERNA

DISCURSOS E DE NARRAÇÕES EM

PORTUGUÊS, E QUADROS DA LITERATURA

4º ANO

LATIM; VERSÃO E TEMAS;

NACIONAL;

INGLÊS: APERFEIÇOAMENTO NO ESTUDO

HISTÓRIA DA FILOSOFIA;

DA LÍNGUA E CONVERSA;

LATIM: COMPOSIÇÃO DE DISCURSOS E

TRIGONOMETRIA RETILÍNEA;

DE NARRAÇÕES;

ITALIANO

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O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

Em ambos os documentos, o controle rígido do governo no que diz respeito ao que era ensinado no Imperial Colégio de Pedro II foi mantido. Conteúdos, metodologias, exames, passavam antes pelo crivo estatal, fosse pelas mãos do Inspetor de Ensino, fosse pelas do próprio Ministro dos Negócios do Império. Em relação aos livros permanecia também o mesmo rigor na sua adoção. Somente aqueles que recebessem a competente autorização governamental poderiam ser admitidos nas salas de aulas. Por outro lado, a ausência de compêndios na língua nacional obrigou o governo a estabelecer um prêmio para professores ou não que compusessem obras

didáticas ou mesmo traduzissem as publicadas em língua estrangeira. Em 1857 entrava em vigor o decreto nº 2006 de 24 de outubro (ver quadro 3). A grande alteração, no que diz respeito ao ensino de geografia, foi a separação da cadeira de corografia e história do Brasil da de história e geografia moderna. Segundo Haidar (1972), foi criada também uma cadeira de geografia geral que passou a trabalhar com conteúdos antes distribuídos pelas cadeiras de história antiga, média e moderna. Em 1862, nova reforma é efetuada através do Decreto nº 2883, de 1º de fevereiro (ver

Quadr o 3 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o 2 0 0 6 d e 2 4 d e Ou t u b ro de 1857

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

DOUTRINA CRISTÃ; HISTÓRIA SAGRADA; LEITURA E RECITAÇÃO DO PORTUGUÊS, EXERCÍCIOS ORTOG RÁFICOS,

GRAMÁTICA NACIONAL; GRAMÁTICA LATINA; FRANCÊS, COMPREENDENDO SIMPLESMENTE GRAMÁTICA,

LEITURA E VERSÃO FÁCIL; ARITMÉTICA ABRANGENDO TÃO SOMENTE OS PRINCÍPIOS ELEMENTARES,

DEFINIÇÕES E AS QUATRO OPERAÇÕES SOBRE NÚMEROS INTEIROS; GEOGRAFIA, COMPREENDENDO

UNICAMENTE A EXPLICAÇÃO DOS PRINCIPAIS TERMOS TÉCNICOS E AS DIVISÕES GERAIS DO GLOBO.

2º ANO

LATIM, VERSÃO FÁCIL E CONSTRUÇÃO DE PERÍODOS CURTOS, COM O FIM DE APLICAR E RECORDAR AS

REGRAS GRAMATICAIS; FRANCÊS, VERSÃO, TEMAS E CONVERSA; INGLÊS, COMPREENDENDO SIMPLESMENTE

GRAMÁTICA, LEITURA E VERSÃO FÁCIL; ARITMÉTICA, CONTINUAÇÃO ATÉ PROPORÇÕES;

GEOGRAFIA, CONTINUAÇÃO (ÁSIA E ÁFRICA)

3º ANO

LATIM, VERSÃO GRADUALMENTE MAIS DIFÍCIL, EXERCÍCIOS GRAMATICAIS E TEMAS; FRANCÊS, COMPOSIÇÃO,

APERFEIÇOAMENTO DO ESTUDO DA LÍNGUA; INGLÊS, VERSÃO MAIS DIFÍCIL, TEMAS; ARITMÉTICA,

CONTINUAÇÃO ATÉ O FIM; ÁLGEBRA, ATÉ EQUAÇÕES DO 2º GRAU; GEOGRAFIA, CONTINUAÇÃO (EUROPA,

AMÉRICA, OCEANIA); HISTÓRIA DA IDADE MÉDIA

4º ANO

LATIM, VERSÃO, TEMAS; INGLÊS, VERSÃO, TEMAS; GEOMETRIA ELEMENTAR; HISTÓRIA MODERNA E

CONTEMPORÂNEA; COROGRAFIA E HISTÓRIA DO BRASIL; BOTÂNICA E ZOOLOGIA. 5º ANO ESPECIAL

TRIGONOMETRIA RETILÍNEA, FÍSICA E QUÍMICA, MINERALOGIA E REPETIÇÃO DE BOTÂNICA, CONTINU AÇÃO E

REPETIÇÃO DE COROGRAFIA E HISTÓRIA DO BRASIL

SEGUNDA CLASSE

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6º ANO

LATIM, CONTINUAÇÃO DAS MATÉRIAS DO ANO ANTERIOR; GREGO, TEMAS FÁCEIS; ALEMÃO, TEMAS

FÁCEIS, CONVERSA; ITALIANO; FILOSOFIA, COMPREENDENDO A LÓGICA E A METAFÍSICA; RETÓRICA, REGRAS

DA ELOQUÊNCIA E DA COMPOSIÇÃO; HISTÓRIA ANTIGA; QUÍMICA E REPETIÇÃO DE FÍSICA

7º ANO

LATIM, COMPOSIÇÃO, APERFEIÇOAMENTO DO ESTUDO DA LÍNGUA; GREGO, VERSÃO MAIS DIFÍCIL, TEMAS;

ALEMÃO, VERSÃO, TEMAS, CONVERSA; FILOSOFIA MORAL E HISTÓRIA RESUMIDA DOS SISTEMAS COMPARADOS

DE FILOSOFIA; RETÓRICA E POÉTICA, ANÁLISE E CRÍTICA DOS CLÁSSICOS PORTUGUESES, COMPOSIÇÃO DE

DISCURSOS, NARRAÇÕES.


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

quadro 4). Veio para modificar a medida adotada pelo Ministro Couto Ferraz que bifurcou o curso secundário, no Imperial Colégio de Pedro II. Neste sentido, extinguiu o 5º ano especial e reorganizou as matérias em um curso único. A reforma reduziu os estudos de Física, Química e Ciências Naturais, enquanto que o Latim, o Português, o Francês e o Grego tiveram o número de aulas ampliadas. A História também sofreu modificações sendo desdobrados os seus conteúdos ao longo de cinco anos. Alemão, Italiano, Desenho, Música, Dança e Ginástica foram tornadas facultativas. A década de 70 do século XIX foi marcada, no campo educacional, pela discussão em torno do ensino científico. Nossas elites buscando “elevar o país ao nível do século” passaram a defender uma educação secundária assentada no ensino científico. A importância que estes estudos adquiriram estava relacionada ao desejo de formar integralmente o cidadão, em oposição às velhas finalidades da nossa escola secundária que nada mais era do que preparar para o ingresso no ensino superior. A escola secundária, defendiam eles, deveria agora dar a preparação básica para as necessidades complexas e variadas da vida social. Estas preocupações, diga-se de

passagem, não tiveram origem no Brasil. Elas emergiram a partir de uma discussão que se dava na Europa em torno dos chamados “estudos reais” e que provocara a defesa do ensino secundário diversificado em suas finalidades, para atender os defensores dos estudos científicos e dos estudos humanísticos. Em consequência desses embates, surgiram na Alemanha as Realschule, cujo caráter era o de ministrar um ensino desinteressado, enquanto que na França foram criados os Liceus de Ensino Secundário Especial, marcado pela ambiguidade entre a tarefa de ministrar um ensino clássico ao mesmo tempo em que preparava para as carreiras e profissões determinadas, adquirindo aí o seu caráter especial. A nova legislação educacional brasileira sofreria a influência dessas discussões. Através do Decreto nº 4468 editado em 1870 (ver quadro 5), entrava em vigor uma nova reforma do ensino que atingia os estudos ministrados no Colégio Pedro II. Acreditamos valer a pena reproduzir um trecho da justificativa apresentada pelo Ministro Paulino de Souza quando da apresentação da nova lei: A instrução secundária é dos três [ramos da instrução pública] o que mais influi na

Quadr o 4 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o n º 2 8 8 3 d e 1 º d e F e v e re i r o de 1862

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

PORTUGUÊS, LATIM, FRANCÊS, ARITMÉTICA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA ANTIGA

2º ANO

LATIM, FRANCÊS, ARITMÉTICA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA ANTIGA

3º ANO

LATIM, FRANCÊS, INGLÊS, ARITMÉTICA E ÁLGEBRA, GEOGRAFIA, HISTÓRIA ANTIGA

4º ANO

LATIM, FRANCÊS, INGLÊS, GEOMETRIA PLANA, HISTÓRIA MÉDIA, GEOGRAFIA E COSMOGRAFIA

5º ANO

LATIM, GREGO, INGLÊS, GEOMETRIA SÓLIDA E TRIGONOMETRIA RETILÍNEA, HISTÓRIA MÉDIA, FÍSICA

E QUÍMICA

6º ANO

LATIM, GREGO, LÓGICA E METAFÍSICA, GRAMÁTICA FILOSÓFICA, RETÓRICA, HISTÓRIA MODERNA

7º ANO

LATIM, GREGO, ÉTICA E HISTÓRIA DA FILOSOFIA, POÉTICA, LITERATURA NACIONAL, ZOOLOGIA E BOTÂNICA,

MINERALOGIA E GEOLOGIA, COROGRAFIA E HISTÓRIA DO BRASIL

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O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

educação, formando a inteligência e em grande parte o caráter dos que a recebem. Nela não enxergo tamanho alcance pelos conhecimentos que adquire o aluno, como pelo desenvolvimento intelectual e qualidades de espírito que obtém por meio do estudo das matérias que o constituem [...]. Não importa tanto que nas línguas estrangeiras o aluno

obtenha um vocabulário mais ou menos completo, que nas ciências fique com mais ou menos algumas noções, como que consiga o resultado de exercitar, adestrar e alargar o espírito, dispondo-o pela aquisição dos dotes necessários para estudos de aplicação e interesse prático. Eis porque, na reforma do plano de ensino do Imperial Colégio de Pedro

Quadr o 5 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o 4 4 68 de 1870

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

RELIGIÃO E HISTÓRIA SAGRADA; PORTUGUÊS (GRAMÁTICA, ANÁLISE LÓGICA E GRAMATICAL,

EXERCÍCIOS DE LEITURA, RECITAÇÃO E ORTOGRAFIA); GEOGRAFIA ELEMENTAR E DESCRITIVA EM GERAL;

ARITMÉTICA ELEMENTAR

2º ANO

PORTUGUÊS (GRAMÁTICA, ANÁLISE LÓGICA E GRAMATICAL, LEITURA DE AUTORES CLÁSSICOS, RECITAÇÃO,

EXERCÍCIOS DE REDAÇÃO); LATIM (GRAMÁTICA, TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS DE AUTORES LATINOS FÁCEIS,

ANÁLISE E TEMAS FÁCEIS); FRANCÊS (GRAMÁTICA, TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS DE TEMAS FÁCEIS,

ANÁLISE E TEMAS FÁCEIS); CONTINUAÇÃO DE ARITMÉTICA; CONTINUAÇÃO DE GEOGRAFIA, ESPECIALMENTE A

DA EUROPA E DA AMÉRICA

3º ANO

PORTUGUÊS (PRELEÇÕES SOBRE A ÍNDOLE DA LÍNGUA, NOTÍCIA HISTÓRICA SOBRE SUA FORMAÇÃO E

PROGRESSO, LEITURA DOS CLÁSSICOS, RECITAÇÃO, EXERCÍCIOS DE REDAÇÃO, COMPOSIÇÕES); LATIM

(TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS); FRANCÊS (TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS); CONTINUAÇÃO DA GEOGRAFIA,

INCLUÍDA A ANTIGA; APERFEIÇOAMENTO DE ARITMÉTICA (ÁLGEBRA ATÉ OPERAÇÕES DO PRIMEIRO GRAU

INCLUÍDAS) 4º ANO

LATIM (TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS MAIS DIFÍCEIS); FRANCÊS (TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS MAIS

DIFÍCEIS, COMPOSIÇÃO E RECITAÇÃO, NÃO SE FALANDO NA AULA SENÃO NESTA LÍNGUA); INGLÊS (GRAMÁTICA,

LEITURA E TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS DE AUTORES INGLESES FÁCEIS, ANÁLISE E TEMAS FÁCEIS);

CONTINUAÇÃO DE ÁLGEBRA (EQUAÇÕES DE 2º GRAU, GEOMETRIA PLANA); HISTÓRIA ANTIGA;

ZOOLOGIA E BOTÂNICA

5º ANO

LATIM (TRADUÇÃO E ANÁLISE DE AUTORES MAIS DIFÍCEIS, COMPOSIÇÃO DE DISCURSOS E VERSOS LATINOS);

INGLÊS (LEITURA, TRADUÇÃO ANÁLISE E TEMAS); GREGO (GRAMÁTICA, TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS FÁCEIS);

LEITURA E APRECIAÇÃO DE CLÁSSICOS FRANCESES E COMPOSIÇÕES, NÃO SE FALANDO EM AULA SENÃO

ESTA LÍNGUA

6º ANO

INGLÊS (LEITURA, ANÁLISE E TRADUÇÃO DE AUTORES MAIS DIFÍCEIS, COMPOSIÇÃO E RECITAÇÃO, NÃO SE

FALANDO EM AULA SENÃO ESTA LÍNGUA); GREGO (TRADUÇÃO, ANÁLISE E TEMAS); CONTINUAÇÃO DA QUÍMICA,

INCLUÍDAS NOÇÕES DE QUÍMICA ORGÂNICA; HISTÓRIA MODERNA; RETÓRICA E POÉTICA (LEITURA E

APRECIAÇÃO LITERÁRIA DOS MELHORES CLÁSSICOS DA LÍNGUA PORTUGUESA EXERCÍCIOS DE ESTILO);

FILOSOFIA (PSICOLOGIA E LÓGICA); APERFEIÇOAMENTO NAS LÍNGUAS LATINA E FRANCESA POR MEIO DE

TRADUÇÃO E APRECIAÇÃO LITERÁRIA DE AUTORES CLÁSSICOS E COMPOSIÇÕES

7º ANO

GREGO (TRADUÇÃO E ANÁLISE DE AUTORES MAIS DIFÍCEIS, COMPOSIÇÕES); HISTÓRIA E COROGRAFIA DO

BRASIL; MINERALOGIA E GEOLOGIA; FILOSOFIA (METAFÍSICA E ÉTICA; EXPOSIÇÃO DOS SISTEMAS

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COMPARADOS DE FILOSOFIA); COSMOGRAFIA; HISTÓRIA DA LITERATURA EM GERAL E ESPECIALMENTE DA

PORTUGUESA E NACIONAL, COMPOSIÇÃO DE DISCURSOS E NARRAÇÕES E DECLAMAÇÕES; APERFEIÇOAMENTO

NAS LÍNGUAS LATINA, FRANCESA E INGLESA (PRELEÇÕES ELEMENTARES SOBRE A ÍNDOLE, FORMAÇÃO E

PROGRESSO DE CADA UMA DAS REFERIDAS LÍNGUAS, ALTERNADAS COM A LEITURA, TRADUÇÃO E APRECIAÇÃO

LITERÁRIA DE AUTORES CLÁSSICOS)


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

II, procurei tornar mais rigoroso o estudo daquelas matérias que tendem a desenvolver o espírito do aluno na idade em que mais facilmente se pode dirigir, e não exigir provas tão severas nas matérias que tendem mais a enriquecer a inteligência do aluno do que a robustecê-la. (apud HAIDAR, 1972, p. 125) Dentre as novidades trazidas pela nova reforma, podemos destacar a ênfase dada ao ensino das ciências físicas e naturais, a criação do exame de admissão (artigo 7º), a transformação do primeiro ano em etapa de supressão das lacunas que os alunos traziam do ensino elementar e a criação do sistema de exames finais por disciplina (que seriam realizados em diferentes momentos do curso), modalidade que permitia aos aprovados o ingresso no ensino superior. Desenho, música vocal e ginástica passam a constituir em práticas obrigatórias. Em 1876, (ver quadro 6) uma nova legislação passa a vigorar. A reforma de José Bento da Cunha Figueiredo pôs fim às matrículas avulsas que serviam apenas para aligeirar os estudos dos “ávidos” e alcançar o ensino superior, porém, para não entrar em choque com estes, o Ministro criou novo mecanismo, qual seja, a transferência para as cinco primeiras séries

de todas as disciplinas que se constituíam em objeto dos exames de preparatórios. Já para os dois últimos anos foram todas as disciplinas que não interessavam para aqueles exames. Afirma Haidar que: Tais disposições combinadas com o sistema de exames finais por disciplina, praticamente, reduziam o Colégio de Pedro II a cursos de preparatórios. O título de bacharel em letras e conseqüentemente os dois últimos anos de estudos tornavam-se desnecessários aos que buscavam os cursos superiores: após 5 anos de estudos estariam os jovens alunos do colégio da Côrte em condições de matricularse em qualquer das Academias do Império, independemente de novas provas. (1972, p.127) A geografia escolar, com esse decreto, seria objeto de novas mudanças no que diz respeito à sua presença no currículo. Seu ensino ficou restrito a duas séries (1º e 3º), além disso, a corografia, agora ensinada pela disciplina Cosmografia e Corografia do Brasil, passou a ser ministrada em um único ano (7º ano). Durante todo o período imperial, o ensino de geografia manteve-se quase inalterado em suas características principais, tendo sofrido

Quadr o 6 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o n º 6 1 3 0 d e 1 º d e M a rço de 1876

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

RELIGIÃO E HISTÓRIA SAGRADA; PORTUGUÊS; ELEMENTOS DE GEOGRAFIA E DE ARITMÉTICA

2º ANO

PORTUGUÊS; LATIM; FRANCÊS

3º ANO

LATIM; FRANCÊS; GEOGRAFIA

4º ANO

LATIM; FILOSOFIA; HISTÓRIA ANTIGA E MÉDIA; ARITMÉTICA E ÁLGEBRA

5º ANO

HISTÓRIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA; GEOMETRIA E TRIGONOMETRIA; INGLÊS; RETÓRICA E POÉTICA

6º ANO

FÍSICA E QUÍMICA; COSMOGRAFIA E COROGRAFIA DO BRASIL; GREGO; ALEMÃO

7º ANO

HISTÓRIA DO BRASIL; GREGO; ALEMÃO; HISTÓRIA NATURAL; LITERATURA NACIONAL

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O C O L É G I O PE DR O II E A INST ITU C IO NA LIZ A ÇÃ O DA GEOGRAFIA ES COLAR N O BRAS IL IMP ÉRIO

poucas mudanças no que diz respeito ao conteúdo ensinado ou mesmo na forma de se ensinar. Praticou-se durante todo o período a geografia escolar de nítida orientação clássica, ou seja, a geografia descritiva, mnemônica, enciclopédica, distante da realidade do aluno. Tais características, entretanto, começariam a sofrer profundos questionamentos a partir do fim do século XIX. Novas propostas lentamente começam a emergir. Não propostas endógenas de geografia escolar, mas ainda modeladas conforme as transformações sofridas pelo ensino desta disciplina no exterior. Marco dos questionamentos acerca do ensino de geografia que vinha sendo praticado nas escolas brasileiras, a reforma educacional implementada por Leôncio de Carvalho em 1878 desencadeou profundas críticas acerca da organização, funcionamento e prática do ensino existente no Brasil, críticas estas muito bem sintetizadas nos pareceres de Ruy Barbosa. QUANDO O ENSINO DE GEOGRAFIA PASSA SER OBJETO DE QUESTIONAMENTO: AS CRÍTICAS FEITAS NOS PARECERES DE RUY BARBOSA Novas propostas lentamente começam a emergir. Não propostas endógenas de geografia escolar, mas ainda modeladas conforme as transformações sofridas pelo ensino desta disciplina no exterior. Marco dos questionamentos acerca do ensino de geografia que vinha sendo praticado nas escolas brasileiras, a reforma educacional implementada por Leôncio de Carvalho em 1878 desencadeou profundas críticas acerca da organização, funcionamento e prática do ensino existente no Brasil, críticas estas muito bem sintetizadas nos pareceres de Ruy Barbosa. Durante um largo período de existência da geografia escolar brasileira, foi bastante comum entre os professores desta disciplina, a prática da legitimação de saberes assentados numa concepção clássica de geografia, ou que dela se

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aproximasse. Nas últimas décadas do século XIX, porém, este estado de coisa começa a ser abalado. A geografia escolar até então praticada torna-se objeto de questionamentos não só no que diz respeito aos seus conteúdos, mas também (e sobretudo) em relação aos métodos de ensino adotados por seus professores. Na esfera oficial, tal realidade torna-se mais explícita quando da concepção dos famosos pareceres legislativos sobre a reforma educacional decretada por Leôncio de Carvalho, elaborados que foram por Ruy Barbosa, em 1882, (ele era então Deputado pela Bahia na Assembleia Geral) quando de sua função de relator da Comissão de Instrução da Câmara. Em 1878, assumia o governo brasileiro o Gabinete Liberal presidido por Cansanção de Sinimbu. Para a pasta de Negócios do Império, ministério que na época era responsável também pelos assuntos ligados à educação, foi nomeado o professor Carlos Leôncio de Carvalho, conhecido que era pela defesa do ensino livre, ideia que norteou suas ações no campo educacional. A principal característica das orientações dadas à educação, por este ministro, foi a tentativa de implantação dos princípios liberais que perpassaram as leis educacionais por ele implantadas. Em 20 de abril de 1878, entrava em vigor o Decreto nº 6884 que reformava o currículo do Imperial Colégio de Pedro II. As características mais marcantes neste decreto foram: ampliação dos estudos literários (acrescentou o italiano entre as línguas a serem aprendidas pelos alunos); supervalorização do preparo científico dos alunos (inclusive dotando o colégio de materiais didáticos que contribuíssem para uma maior praticidade e objetividade no ensino das ciências); restauração das matriculas avulsas no Colégio (estabelecidas em 1855, estimuladas na reforma de 1870, tais matriculas permitiam que os alunos deixassem o curso secundário sistemático, e de forma mais rápida concluíssem este grau de ensino, podendo ingressar normalmente nos cursos superiores); e, a de maior impacto, a liberdade de frequência, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


GEN YLTON OD ILON RÊGO DA ROCHA

isto é, permitia que qualquer pessoa, mesmo sem ter cursado as aulas, se submetesse aos exames vagos de qualquer ou de todas as disciplinas, quantas vezes fosse necessário, já que a frequência não seria mais exigida. Para se tornar mais atrativo ainda, a legislação permitia que, mesmo sem frequentar as aulas, somente com a aprovação nos testes, os “alunos” recebessem o grau de “bacharel em letras”. Nos novos estatutos prescritos por este decreto, o ensino de geografia foi deslocado para o primeiro e segundo anos do curso, voltando a corografia a ser ensinada pela disciplina história e corografia do Brasil. Em 1878 Carlos Leôncio de Carvalho promovia nova reforma no ensino ministrado no Colégio Pedro II, através do Decreto nº 6884, de 20 de abril (ver quadro 7). Esta reforma acabou com o caráter suplementar imposto ao primeiro ano do curso secundário pela reforma de 1862 e mantida pela de 1876, redistribuiu as disciplinas pelas sete séries, ampliou os estudos literários, incluindo o italiano como mais uma língua a ser obrigatória no currículo daquele colégio, bem como deu maior atenção ao preparo científico dos alunos. A questão mais polêmica desta reforma, porém, estava nos seus artigos 17º e 18º que autorizavam a liberdade de frequência, assim

sendo, qualquer aluno poderia se submeter à realização de exames vagos em qualquer disciplina e, caso obtivesse aprovação plena em todas as matérias, receberia o grau de bacharel em letras. Para Haidar, este foi o “tiro de misericórdia” dado no ensino secundário seriado existente no período imperial. A torrente avassaladora dos estudos avulsos, incessantemente alimentada pelos exames parcelados de preparatórios, conseguira abalar o mais forte reduto dos estudos secundários organizados e regulares. O Colégio de Pedro II rendia-se à desorganização geral. (HAIDAR,1972, p. 129) Em 19 de abril de 1879, novo Decreto (nº 7247) foi baixado por Leôncio de Carvalho, agora com o fim de normalizar o ensino primário e secundário no Município da Corte, os exames de preparatórios, além de reformar o ensino superior em todo o país. Gonçalves (1994) nos esclarece que o ministro optou por baixar um Decreto em detrimento da tramitação usual, que exigiria o encaminhamento de projeto ao legislativo para as necessárias discussões e deliberações. Leôncio de Carvalho tinha pressa e quis evitar as prolongadas discussões e o surgimento de impasses. Em

Quadr o 7 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o n º 6 8 8 4 d e 2 0 d e Ab ril de 1878

ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

RELIGIÃO E HISTÓRIA SAGRADA; PORTUGUÊS; ELEMENTOS DE GEOGRAFIA E DE ARITMÉTICA

2º ANO

PORTUGUÊS; LATIM; FRANCÊS

3º ANO

LATIM; FRANCÊS; GEOGRAFIA

4º ANO

LATIM; FILOSOFIA; HISTÓRIA ANTIGA E MÉDIA; ARITMÉTICA E ÁLGEBRA

5º ANO

HISTÓRIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA; GEOMETRIA E TRIGONOMETRIA; INGLÊS; RETÓRICA E POÉTICA

6º ANO

FÍSICA E QUÍMICA; COSMOGRAFIA E COROGRAFIA DO BRASIL; GREGO; ALEMÃO

7º ANO

HISTÓRIA DO BRASIL; GREGO; ALEMÃO; HISTÓRIA NATURAL; LITERATURA NACIONAL

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consequência do procedimento legal adotado, só pôde entrar em vigor, imediatamente, os itens que não provocassem aumento de despesas (assunto de competência do legislativo). Em consequência das discordâncias que eles suscitaram, efêmeras foram suas vigências. Como estava determinado pela lei, o Decreto foi levado à apreciação do Legislativo, e, em consequência, encaminhado à comissão de Instrução Pública da Câmara dos Deputados, para que lá fosse elaborado um parecer que servisse de subsídio para as discussões que seriam realizadas naquela casa. O parecer elaborado pelos membros da comissão, cujo relator era o Deputado Ruy Barbosa, se fez acompanhar de um Projeto Substitutivo ao Decreto analisado. Gonçalves (1994) afirma que a singularidade destes pareceres frente aos demais realizados anteriormente, estava no olhar enciclopédico, ilustrado de Ruy, que sempre investigou os problemas brasileiros com referencial europeu e norte-americano. Na parte do parecer dedicada à disciplina geografia, Ruy Barbosa deixa bem clara a sua opinião sobre a importância da presença desta disciplina nos currículos escolares. Concorda ele com o representante da Bélgica na exposição universal realizada na Filadélfia, em 1876, quando aquele afirma que a geografia deve fazer parte do programa obrigatório das escolas em todos os países civilizados. Dessa forma, evidentemente, não poderia ela ser excluída de nossas escolas, pois uma das grandes preocupações de Ruy Barbosa era colocar o Brasil em pé de igualdade com os países mais desenvolvidos. Lembra Barbosa que tanto Kant quanto Locke eram da opinião que a instrução das crianças deveria iniciar pela aprendizagem da geografia. Por conta disso, defende que seja dado largo espaço para esta disciplina numa reorganização dos programas escolares sob base científica, como a que estava sendo proposta nos pareceres. Citando Herder, afirma que “Acusar de aridez o estudo da geografia, o mesmo é que argüir de secura o oceano. Grande assombro seria o meu, se um menino bem dotado não a 28

ficasse amando acima de todas as outras ciências, desde que lha mostrassem sob a forma que lhe é própria.” (BARBOSA, 1946, p. 293). Propôs também em seu parecer, o ensino da geografia escolar assentado na geografia científica e nos métodos modernos de ensino. Em sua opinião, esta disciplina sob tais bases, se constituía, “[...] hoje mais do que nunca, um elemento essencial da educação comum. Em importância só se lhe avantaja a leitura, a escrita e a aritmética rudimentar” (BARBOSA, 1946, p. 293). Propõe ele a adoção dos métodos modernos no ensino da geografia escolar. Defendeu a aplicação dos processos intuitivos, apontando a pedagogia de Pestalozzi como grande responsável pelas melhoras qualitativas vividas por esta disciplina em outros países. A exemplo das geografias escolares dos demais países por ele citado, opina o parecerista que a geografia escolar brasileira deveria partir da realidade próxima. Para este autor, defensor dos princípios da ciência moderna então emergente, o ensino de geografia deveria seguir o método racional preconizado pelo positivismo. Por conta disso, deveriam ser banidas de forma absoluta as definições abstratas e, a priori, a realidade, ou a sua imagem concreta, sensível, nítida, exata, deveria ser, de forma inconteste, a fonte exclusiva de toda a cultura geográfica. Concluindo sua análise acerca da geografia escolar, apresentou aquele autor as seguintes sugestões que poderiam subsidiar as reformas que se faziam necessárias no ensino desta disciplina: 1. O curso de geografia há de partir da lição de coisas, e cingir-se, quanto se possa, estritamente aos processos do ensino pelo aspecto; 2. a descrição da terra começará pelo estudo topográfico da escola, seguindo pela topografia da cidade; tudo mediante exercícios na pedra e cartas apropriadas;

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3. desde o primeiro grau da aula de primeiras letras se dará princípios aos trabalhos de cartografia, que receberão, na escola, em todo o seu curso, o mais amplo desenvolvimento, habilitando os meninos a desenharem de memória o mapa das várias partes da terra; 4. os livros clássicos, nesta secção do programa, tomarão por tipo as obras americanas deste gênero; 5. cada escola será provida do indispensável material técnico: cartas mudas e expressivas, relevos (não em globos), esferas hipsométricas, esferas ardosiadas e, quando se possa, um planetário; 6. as noções de cosmografia serão dadas, igualmente mediante observações e exemplificações concretas. Os pareceres, apesar de todo o esforço despendido em suas elaborações, não chegaram a ser apreciados pela Câmara, porque muito demorou suas impressões na Tipografia Nacional. No período final do Império brasileiro, o ensino de geografia manteve-se com as mesmas características que foram objeto das críticas presentes nos pareceres. Devemos salientar, porém, que a hegemonia da velha geografia escolar, que no Brasil ainda era ensinada, iniciara, a partir daquele momento, seu ocaso. O ENSINO DE GEOGRAFIA NO FIM DO IMPÉRIO As mudanças que se dão no interior de uma disciplina escolar não raramente são gestadas em meio aos conflitos de ordem teóricos e metodológicos. Tal afirmativa pode ser nitidamente verificada no caso da geografia escolar brasileira a partir das últimas décadas do século XIX. A título de exemplo, podemos recorrer aos debates verificados quando do Congresso da Instrução, realizado no Rio de Janeiro em 1883. Dentre os vários assuntos postos em pauta, discutiu-se sobre os métodos e programas G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

de ensino presentes nas escolas primárias e secundárias brasileiras. Januário dos Santos Sabino, um dos relatores da 6º questão se referiu ao ensino de geografia, apresentando a seguinte proposta: Geographia do Brasil - Estudo da localidade em que estiver a escola: rua, quarteirão, freguesia, município. Orientação: valles, montes, rios, lagôas, que existirem nos arredores da escola. Com o fim de preparar o alumno para o estudo da geographia, o professor, procedendo sempre da observação, traçará no quadro preto em primeiro logar o plano da escola, depois o da rua até o do município, e praticará com elle acerca dos principaes habitantes, edificios, lavoura, commercio e industria da localidade. Na explicação dos termos geographicos, montes, valles, rios, lagos, etc., o professor baseará as lições na observação, já mostrando os montes, rios, etc., que existirem nas proximidades da escola, já referindo-se áquelles que o alumno tiver visto. (SABINO apud ISSLER, 1973, p. 72) Posto em comparação com a geografia escolar então praticada, percebemos uma preocupação por parte do autor com uma aprendizagem ativa, bastante semelhante ao modelo proposto por Pestalozzi. Subjacente na proposta está a implementação, nas escolas brasileiras, de uma geografia de cunho positivista, da geografia moderna de caráter cientificista, em detrimento, da geografia meramente descritiva e mnemônica tão usual naqueles tempos. Vindo ao encontro de nossa opinião acerca dos conflitos teórico-metodológicos que estavam se dando em torno do ensino de geografia no Brasil nos fins do século XIX, Bernardo Issler assim se manifesta em relação à proposta de Januário Sabino e a realidade preponderante entre a maioria dos demais professores desta disciplina: Eis aí outro documento a acentuar a grande distância entre a precariedade da situação 29


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escolar e a posição de vanguarda, quase utópica, pretendida pelo relator. [...] É o exemplo de uma posição renovadora em educação, pretendia, acreditamos honestamente, pelo relator. Porém se fosse aplicada, não teria condições de obter sucesso pois, a um programa assim concebido, são imprescindíveis professores com boa formação normalista, entre outras. [...] O parecer de Januário dos Santos Sabino, conquanto atualizado e lúcido do papel fundamental reservado à Geografia na escola primária, foi precoce face as contingências gerais. (1973, p. 72-73) Em nível de legislação, propriamente dita, durante todo o período imperial, o ensino de geografia manteve-se quase que totalmente inalterado. Tanto metodologias quanto conteúdos programáticos permaneceram imutáveis no currículo prescrito oficialmente por décadas seguidas. No máximo, as diferentes legislações voltadas para dar organização ao ensino do Imperial Colégio de Pedro II promoveram algumas mudanças superficiais a fim de melhor reordenar o programa de ensino dando-lhe uma feição mais coerente. Na última reforma sofrida pelos estatutos

do Colégio, ainda no império, a única alteração verificada, no que tange à geografia escolar, foi a nova distribuição desta disciplina pelas séries do ensino secundário, conforme o constante no corpo do decreto de nº 8051 de 25 de março de 1881(Reforma do curso de estudos do Colégio Pedro II), de autoria do Barão Homem de Mello (ver quadro 8). Esta reforma manteve os exames vagos, as matrículas avulsas e os exames finais por disciplina além de restaurar o primeiro ano suplementar extinto por Leôncio de Carvalho. A única novidade trazida pela nova legislação foi o fato da língua portuguesa ter passado a ser ensinada em todas as séries do ensino secundário. Podemos afirmar que ela manteve inalterado o estado de desorganização que caracterizava nos fins do século XIX o Imperial Colégio de Pedro II, referência para todo o ensino secundário brasileiro. Neste decreto, podemos observar que, a fim de tornar mais explícito os conteúdos a ser trabalhados nas séries em que se fazia presente a disciplina geografia, ficou estabelecido que no primeiro ano fossem ensinadas noções de geografia, no terceiro ano geografia física e no quarto ano geografia e cosmografia. Corografia e História do Brasil mantinham-se no sétimo ano. Findo o período imperial, a triste constatação

Quadr o 8 Cu rri c u l o d o Co l é g i o Pe d ro I I - De c re t o n º8 0 5 1 d e 2 5 d e M a rço de 1881

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ANO ESCOLAR

COMPONENTES CURRICULARES

1º ANO

HISTÓRIA SAGRADA; PORTUGUÊS; NOÇÕES DE GEOGRAFIA; ARITMÉTICA E NOMENCLATURA GEOMÉTRICA

2º ANO

PORTUGUÊS; FRANCÊS; LATIM; MATEMÁTICAS ELEMENTARES

3º ANO

PORTUGUÊS; FRANCÊS; LATIM; GEOGRAFIA FÍSICA; MATEMÁTICAS ELEMENTARES; ARITMÉTICA E ÁLGEBRA

4º ANO

PORTUGUÊS; INGLÊS; LATIM; GEOGRAFIA E COSMOGRAFIA ; MATEMÁTICAS ELEMENTARES (GEOMETRIA PLANA E

DO ESPAÇO E TRIGONOMETRIA RETILÍNEA)

5º ANO

PORTUGUÊS; INGLÊS; LATIM; HISTÓRIA GERAL; FÍSICA E QUÍMICA

6º ANO

ALEMÃO; GREGO; HISTÓRIA NATURAL E HIGIENE; RETÓRICA, POÉTICA E LITERATURA NACIONAL; FILOSOFIA

7º ANO

ITALIANO; ALEMÃO; GREGO; PORTUGUÊS E HISTÓRIA LITERÁRIA; FILOSOFIA; COROGRAFIA E

HISTÓRIA DO BRASIL


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é a de que as propostas inovadoras de Ruy Barbosa e Januário Sabino ficaram ao largo das salas de aulas, o que bem demonstra a vitória do conservadorismo, fato que iria se estender

ainda pelas primeiras décadas do novo regime (republicano) que se implantara no país. No último programa prescrito (ver quadro 9), ainda no antigo regime político, para o ensino

Quadr o 9

COMPONENTE CONTEÚDO CURRICULAR PROGRAMÁTICO GEOGRAPHIA

1- TERRA, SUA SUPERFICIE, SEUS MOVIMENTOS,

PRINCIPAIS CIRCULOS QUE NELLA SE TRAÇAM PARA

LOCALIZAR AS TERRAS E DETERMINAR AS ZONAS THERMAES.

2- DIVISÃO DAS TERRAS E DO OCEANO.

3- CLIMA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DOS

VEGETAES E ANIMAES PELA SUPERFICIE DA TERRA.

DAS CINCO GRANDES DIVISÕES DAS TERRAS:

4- MARES, GOLFOS, ESTREITOS, SEUS ACCIDENTES PHYSICOS.

5- ILHAS, SEUS ACCIDENTES PHYSICOS.

6- LAGOS, RIOS, LAGUNAS, SEUS LIMITES, SUAS DIMENSÕES

E POSIÇÕES.

7- POPULAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA. GOVERNO E SUAS

PRINCIPAES FORMAS. CONFEDERAÇÃO. ESTADOS SOBERANOS

E MEIO SOBERANOS.

8- DIVISÃO DOS POVOS SEGUNDO SEU DESENVOLVIMENTO

MORAL E SUAS RAÇAS.

DOS PRINCIPAES PAÍZES DO GLOBO:

9- POSIÇÃO, LIMITES, SUPERFÍCIE.

10- POPULAÇÃO, GOVERNO, REL IGIÃO.

11- DIVISÃO, ASPECTO E CLIMA.

12- PRODUCÇÃO, COMMERCIO E INDUSTRIA;

IMPORTANCIA POLITICA.

13- CIDADES PRINCIPAES.

COSMOGRAFIA

1- UNIVERSO. ASTROS, SUA DIVISÃO E AGLOMERAÇÃO EM

GRANDES GRUPOS OU NEBULOSAS.

2- ESTRELLAS, PLANETAS, COMETAS, ESTRELLAS CADENTES,

BOLIDOS E AEROLITHOS.

3- SYSTEMA DE PTOLOMEU E DE COPERNICO.

4- LEIS DE KEPLER.

5- ATTRAÇÃO E REPULSÃO.

6- FIGURA, ROTAÇÃO E REVOLUÇÃO DA TERRA.

7- CÍRCULOS DA ESPHERA.

8- ESTAÇÕES.

9- POSIÇÕES DA ESPHERA E DIA S.

10- LUA.

11- ECLIPSES.

ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA DAR-SE-HA MAIS DESENVOLVIMENTO AO QUE DISSER RESPEITO A AMÉRICA E PRINCIPALMENTE A MERIDION AL. EXAME INTUITIVO DE MAPPAS MURAES; DESENHO NO QUADRO PRETO DOS PORMENORES GEOGRAPHICOS QUE ABRANGER CADA PONTO; VIAGENS SIMULADAS PARA DIFERENTES PARTES, EM QUE OS EXAMINANDOS INDIQUEM OS ACIDENTES PHYSICOS QUE PODEM ENCONTRAR E AS CURIOSIDADES NATURAES OU ARTISTICAS NOTÁVEIS.

USO DE ESPHERAS, PROBLEMAS.

CHOROGRAPHIA DO BRAZIL

1- LIMITES DO BRAZIL E SUA POSIÇÃO ASTRONOMICA.

2- ETHNOGRAPHIA E CLIMA DO BRAZIL.

3- ILHAS, ESTREITOS E CABOS PRINCIPAES DO BRAZIL.

4- BAHIAS E PORTOS DO BRAZIL.

5- SYSTEMA OROGRAPHICO BRA ZILEIRO.

- SYSTEMA HIDROGRAPHICO BRAZILEIRO.

7- PRODUÇÕES NATURAES DO BRAZIL.

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8- INDUSTRIA, AGRICULTURA, COMMERCIO E PROGRESSO

MATERIAL DO PAIZ.

9- SYSTEMA DE GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO

(MILITAR, JUDICIARIO E ECLESIASTICO).

10- INSTITUIÇÕES E ESTATISTICA.

11- SYNOPSE DA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPERIO

E CÓDIGO CRIMINAL.

12- COLONIZAÇÃO E CATECHESE.

13- PROVINCIA DO AMAZONAS.

14- PROVINCIA DO GRÃO PARÁ.

15- PROVINCIA DO MARANHÃO.

16- PROVINCIA DO PIAUHY.

17- PROVINCIA DO CEARÁ.

18- PROVINCIA DO RIO GRANDE DO NORTE.

19- PROVINCIA DA PARAHYBA.

20- PROVINCIA DE PERNAMBUCO.

21- PROVINCIA DAS ALAGOAS.

22- PROVINCIA DE SERGIPE.

23- PROVINCIA DA BAHIA.

24- PROVINCIA DO ESPIRITO SANTO.

25- MUNICIPIO NEUTRO.

26- PROVINCIA DE SÃO PAULO.

27- PROVINCIA DO PARANA.

28- PROVINCIA DE SANTA CATHARINA.

29- PROVINCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL.

30- PROVINCIA DE MINAS GERAES.

31- PROVINCIA DE GOYAZ.

32- PROVINCIA DE MATO GROSSO.

secundário ministrado pelo Imperial Colégio de Pedro II, e que também seria utilizado para a realização dos exames gerais de preparatórios (datado de 1887), fica bastante clara a veracidade de nossa afirmação anterior, como podemos perceber: Permaneceu oficializado, como pudemos verificar, a visão enciclopédica, mnemônica, a-científica e descritiva, reflexo do ensino assentado na nomenclatura geográfica. Seria somente na segunda década do século XX, que substanciais mudanças ocorreriam com a geografia escolar brasileira. CONCLUSÃO O ensino da geografia escolar no Brasil não teve no Colégio Pedro II o seu berço, porém foi neste estabelecimento de ensino, por intermédio de seus regulamentos, que ocorreu a sua institucionalização e consolidação enquanto componente curricular obrigatório no Brasil. 32

Através das prescrições legais implementadas durante o período imperial para o Colégio Pedro II, foi sendo moldado o ensino de geografia, tornado gradativamente “tradição”, na acepção de Hobsbawm. Durante todo o período imperial, o ensino de geografia manteve-se quase que totalmente inalterado. Tanto metodologias quanto conteúdos programáticos permaneceram imutáveis no currículo prescrito oficialmente por décadas seguidas. No máximo, as diferentes legislações voltadas para dar organização ao ensino do Imperial Colégio de Pedro II promoveram algumas mudanças superficiais a fim de melhor reordenar o programa de ensino dando-lhe uma feição mais coerente. Durante o Século XIX, no Colégio Pedro II, legitimou-se uma geografia nomenclatura, puramente mnemônica, abstrata posto distante da realidade dos alunos, em si rotineira e mecânica, verdadeiramente inútil e embrutecedora. Tornado paradigma do ensino nacional, as prescrições G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 5 - 3 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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para o Colégio foram seguidas nos Liceus das Províncias. Os livros nele adotados também o eram tornados oficiais em todo o país. A negação ao modelo de geografia implementado e mantido no Brasil durante todo o período imperial, só passou a sofrer críticas oficiais quando as ideias cientificistas, fundamentadas no positivismo, ganharam adeptos em uma nação que se quis moderna. Somente em fins do XIX é que debates oficiais se deram em torno da proposta de se implantar nas salas de aulas brasileiras a chamada geografia moderna, paradigma então emergente no seio da ciência geografia e que, segundo a historiografia hoje existente, só viria se manifestar no Brasil nos anos 20 do século passado.

instrumento da liberdade, igualdade e fonte de moralidade pública, da prosperidade do Estado e do progresso da humanidade. Os estudos científicos eram muito mais valorizados do que os literários; a direção geral do ensino era unificada. Como afirma Chizzotti “O plano de Condorcet atendia aos ideais revolucionários que procurava dar à França um vasto sistema de ensino popular que servisse a todos os cidadãos” (1975, p. 58).

NOTAS ¹ Na verdade estes Liceus provinciais nada mais eram do que aulas avulsas que foram postas para funcionar em um mesmo prédio, sem um mínimo de organicidade. ² Capel nos mostra que por conta do imenso fascínio despertado pelos conhecimentos geográficos “Revistas como el ‘Journal de Voyages’ creada por Malte Brun en 1808, ‘La Tour du Monde’ o ‘lectures Geographiques’ facilitaban al gran público ilustrado información sobre países exóticos, y sobre los progresos de la colonización europea. Obras monumentales de geografía universal, como la del danés afincado en Francia, Malte-Brun, Précis de Géographie Universelle (1810-1829), o la del italiano Adriano Balbi significaban importantes esfuerzos de sistematización de los conocimientos geográficos de los países de la Tierra” (1988, p. 111). Quando da criação do Colégio Pedro II, vivia a França um processo reacionário instaurado pelo Consulado e pelo Império (Governo de Napoleão Bonaparte). No campo educacional, a lei de 1º de maio de 1802 reduziu o ensino primário a mera escola de “ler, escrever e contar”, além de que este nível de ensino passará a ser de total responsabilidade das comunas. No que diz respeito ao ensino secundário, foi restaurado o ensino das letras clássicas, passando as ciências a terem apenas papel secundário. Somente para que possamos comparar com o período anterior vivido pela educação daquele país, as tendências realistas da educação revolucionária, propunham, sobretudo no plano do Marques de Condorcet, a educação como dever do Estado, sendo ela apontada como um 3

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. R. P. História da instrução pública no Brasil (1500-1889) - história e legislação. São Paulo: EDUC/INEP, 1989. BARBOSA, R. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da educação pública. In: Obras Completas de Rui Barbosa. Vol. X, Tomo II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1946. BROC, Numa. L’établissement de la géographie en France: diffusion, institutions, projets (1870-1890). Annales de géographie, Paris, n. 459, p. 545-568, 1974. CAPEL, Horácio. Filosofia y ciencia en la geografía contemporánea. 3ª ed. Barcelona: Barcanova, 1988. CHIZZOTTI, Antonio. As origens da instrução pública no Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação)-Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1975. GONÇALVES, V. T. V. O liberalismo demiurgo - estudo sobre a reforma educacional projetada nos pareceres de Rui Barbosa. Tese (Doutorado em Educação)-Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1994 HAIDAR, Maria de Lourdes M. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo: EDUSP / Grijalbo, 1972. ISSLER, Bernardo. A geografia e os estudos sociais. 253f. Tese (Doutorado em Geografia)-Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 1973. PALÁCIOS, S. L. Q. Geografia y educación publica en los orígenes del territorio y la nación (Argentina, 1863-1890). Tesis (Licenciatura en Geografía)-Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1992. ROCHA, Genylton O. R. A trajetória da disciplina geografia no currículo escolar brasileiro (1838-1942). 297 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1996. SANTOS, Lucíola L.C.P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Rev. Teoria e Educação (Porto Alegre), n. 2, l990. ______. História das disciplinas escolares: outras perspectivas de análise. ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 6., 1994, Goiânia. Anais... Goiânia: Cegraf-UFG,1994, p.158-165. SEGISMUNDO, Fernando. Excelências do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 1993. WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

DOCUMENTOS CONSULTADOS BRASIL. Decreto de 2 de dezembro de 1837. Convertendo o Seminário de São Joaquim em colégio de instrução secundária, com a denominação de Colégio de Pedro II, e outras disposições. ______. Regulamento nº 8 de 31 de janeiro de 1838. Contém os Estatutos para o Colégio de Pedro II. ______. Regulamento nº 62 de 1º de fevereiro de 1841. Altera algumas das disposições do Regulamento nº 8 de 31 de janeiro de 1838, que contém os Estatutos do Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 1.331-A de 17 de fevereiro de 1854. Aprova regulamento para reforma do ensino primário e secundário no Município da Côrte. ______. Decreto nº 1.556 de 17 de fevereiro de 1855. Aprova o regulamento do Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 2.006 de 24 de outubro de 1857. Aprova o regulamento para os colégios públicos de instrução secundária do Município da Côrte. ______. Decreto nº 2.883 de 1º de fevereiro de 1862. Altera os regulamentos relativos ao curso de estudos do Imperial Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 4.468 de 1º de fevereiro de 1870. Altera os regulamentos relativos ao Imperial Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 6.130 de 1 de março de 1876. Altera os regulamentos do Imperial Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 8.051 de 25 de março de 1881. Altera os regulamentos do Imperial Colégio de Pedro II. ______. Decreto nº 981 de 8 de novembro de 1890. Aprova o regulamento da instrução primária e secundária do Distrito Federal. ______. Decreto nº 1.075 de 22 de novembro de 1890. Aprova o regulamento para o Ginásio Nacional.

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FINALIDADES DIDÁTICAS E QUESTÕES CURRICULARES: UM OLHAR PARA O PROCESSO DE REFORMULAÇÃO CURRICULAR DA DISCIPLINA GEOGRAFIA NO COLÉGIO PEDRO II¹ TEACHING PURPOSES AND CURRICULUM ISSUES: A LOOK AT THE PROCESS OF THE CURRICULUM REFORM OF THE SCHOOL DISCIPLINE OF GEOGRAPHY

CA R O L IN A L I M A VI LELA

Mestre em Geografia (UFRJ) e doutora em Educação (UFRJ) Professora do Colégio Pedro II (Campus Humaitá II) e colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação (FE/UFRJ) vilelac@terra.com.br

RESU M O: O OB J E T IV O D ES TE T R A B A L H O C O N S I S TE E M DE BAT E R QUE S T ÕE S FORM ULADAS DURANT E O P ROCESSO DE REFOR MU LA Ç Ã O CU R R I C U L A R D A D I S C I P L I N A G E O G RAFIA ( E NS INO FUNDAM E NTAL) , NO C OLÉ GIO P E DRO II. C ONSI DERANDO O CUR R ÍCU LO COM O U M A C O N S T R U Ç Ã O S O C I A L , O NDE AS DIS P UTAS P OR S TAT US E T E RRIT ÓRIO E S TÃO P RE S E NTES, BEM COMO R E CON HE C E N DO A S E S P E C I F I C I D A D ES E P I S TE M OLÓGIC AS DO C ONH E C IM E NT O P RODUZIDO NA E S C OLA, APRESENTO REFLEX ÕE S A CE R C A DE A L G U M A S TE N S Õ ES I D E N T I F I CADAS C OM O M ARC ANT E S NO P ROC E S S O: A INT E GRAÇ ÃO DOS A SPECTOS FÍSICO S E HU M A N OS E A R EG I O N A L I Z A Ç Ã O D O S C O NT E ÚDOS . FOI P OS S ÍVE L VE RIFIC AR QUE AS M UDANÇ AS NO CURRÍ CUL O SE ES TA B E LE C E R A M A PA RT I R D E N EG O C I A Ç Õ E S C O M C E RTAS T RADIÇ ÕE S C URRIC ULARE S , AS S IM C OM O AS FINAL I DADES D ID ÁT ICA S G A N HA R A M R E L EV O N A S D E C I S Õ ES D O G R UP O DE P ROFE S S ORE S E NVOLVIDOS NO P ROC E S S O. PALAVRA S-C HAV E: C URRÍ CUL O; E NSI NO; GE OGRAF I A E S C O L A R ; R E FO R M U L A Ç Ã O C U R R I C U L A R ; D I D ÁT I C A .

ABST RAC T: WIT H T H I S S TU D Y, I I N T E N D T O D I S C U S S S OM E OF T H E IS S UE S T H AT W E RE RAIS E D DURING T H E P ROCESS OF A G EOG R A P HY C U R R ICU L U M R E F O R M I N A P U B L I C S C HOOL IN RIO DE JANE IRO, BRAZIL. C ONS IDE RING T H E C URRIC UL UM AS A SOCIA L CON S T R U C T IO N , W H ER E D I S P U T E S O V ER S TAT US AND T E RRIT ORY ARE P RE S E NT, AND RE C OGNIZING T H E SPECI F I C EPIST E MOLOG Y OF K N O W L E D G E P R O D U C ED I N S C H O OL, I BRING S OM E IS S UE S FOR DIS C US S ION, NAM E LY T H E INT E GRATI ON OF HUMA N A N D P H Y S IC A L A S P EC TS A N D T H E R EG I O N A LIZAT ION OF C ONT E NT S . M Y C ONC LUS IONS S H OW T H AT C H ANGES I N THE CURR IC U LU M WE R E P O S S I B L E O N C E T H EY W ER E N EG OT IAT E D W IT H S OM E T RADIT IONS OF S C H OOL GE OGRAP H Y. M OREOVER, I T WAS P OS S IB LE T O V E R I F Y TH AT TE A C H ER S ’ D E C I S I O NS W E RE H IGH LY INFLUE NC E D BY T H E T E AC H ING P URP OS E S . KEYWORDS : CURRICU L UM ; T E ACHI NG; SCHOOL GE OGR A P H Y; C U R R I C U L U M R E FO R M ; D I D A C T I C S .

INTRODUÇÃO Durante o ano de 2010, professores do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II estiveram reunidos com o objetivo de realizar a reformulação do programa de Geografia do Ensino Fundamental. Pretendo, com este trabalho, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

debater questões curriculares e finalidades didáticas dos conteúdos, tomando como particular referência as reflexões que produzi durante minha participação neste processo. Este trabalho está vinculado ao desenvolvimento do projeto de doutorado2 que venho desenvolvendo, cujo objetivo é compreender, sócio-historicamente, 35


F I N A L I DA D ES DIDÁT ICA S E Q U E ST Õ E S C U R R IC U LA RES

a permanência e a importância da abordagem regional3 da Geografia nos currículos escolares, a despeito de seu aparente ‘descrédito’ acadêmico. Interessa-me, especialmente, compreender a configuração específica desse conhecimento no âmbito escolar, percebendo-o como diverso em relação aos conhecimentos acadêmicos e científicos sobre o tema. As análises são desenvolvidas a partir do entendimento de que as disciplinas escolares são “amálgamas mutáveis de subgrupos e tradições” (GOODSON, 1995, p. 120), o que significa entender o currículo como algo construído sóciohistoricamente, no qual estão em disputa status, recursos e território. Pretendo, então, perceber concepções da Geografia acadêmica e do ensino de Geografia que estiveram em disputa durante a reformulação curricular anteriormente mencionada, buscando identificar ‘pistas’ e provocar reflexões acerca das tensões existentes nas várias formulações. Além disso, reconheço que as disciplinas escolares devem ser compreendidas a partir da consideração de aspectos que constituem a cultura escolar. Forquin (1992) contribui para a compreensão de que a análise sociológica permite a definição de diferentes tipos de conhecimentos: os que devem ser transmitidos no contexto escolar, os que podem ser adquiridos em outros contextos e os que têm legitimidade acadêmica. Desta forma, entendo que o conhecimento escolar possui configuração própria, uma vez que é constituído por imperativos didáticos que, por sua vez, caracterizam a cultura escolar. Assim, compreendendo que o conhecimento escolar possui especificidades ligadas às suas finalidades didáticas, procuro identificar, no processo de reformulação dos programas da disciplina escolar Geografia no Colégio Pedro II, elementos nos quais as finalidades escolares estiveram evidentes na valorização – e/ou na reconfiguração – de certos conteúdos de ensino. Nesse movimento, as tensões que envolvem tanto a integração dos aspectos físicos e humanos quanto os enfoques regional e sistemático foram escolhidas como categorias 36

de análise do referido processo de reformulação curricular da instituição. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO A reformulação curricular em questão foi motivada por demandas advindas dos professores. Durante todo o ano de 2010, o grupo de professores que trabalham em regime de dedicação exclusiva reuniu-se com o objetivo de reformular o currículo da disciplina escolar. Na etapa analisada, o trabalho teve como foco as séries do segundo segmento do Ensino Fundamental, com a intenção de, em seqüência, estender o trabalho para as séries do Ensino Médio. Ressalto que, desde o início, a intenção foi a de uma revisão do programa vigente, ou seja, não se tinha a pretensão de criar algo ‘totalmente’ novo, mas sim de trabalhar sobre uma base existente. Destaco, também, que o grupo de professores que efetivamente trabalhou – o qual oscilou de seis a dez professores – é marcado pela heterogeneidade no que se refere à faixa etária, formação universitária e tempo de trabalho na instituição. Foram realizados dezoito encontros, totalizando aproximadamente 54 horas de trabalho. Como o início deste trabalho coincidiu com o processo de escolha do livro didático para o Ensino Fundamental na instituição, inicialmente foi feita uma consulta aos professores, por parte da chefia do Departamento, no sentido de orientar a escolha desses materiais. Estes foram, então, consultados sobre suas preferências a respeito da organização dos conteúdos dos livros didáticos, entre o critério ou enfoque regional e sistemático4. Conforme consta na ata da reunião na qual se definiu este ponto, do total de 45 professores consultados, 30 optaram pelo critério regional, enquanto 15 julgaram a organização sistemática a mais adequada. A partir daí, foram selecionados para análise apenas aqueles livros que trabalhavam com o enfoque regional. Uma das preocupações, então, da equipe que participou nas discussões da reformulação curricular foi a de levar em conta o material didático escolhido, embora estivesse claro que o programa não deveria ser pensado de G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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maneira subordinada ao livro. A própria escolha dos critérios de organização dos conteúdos, revelada pela consulta, de alguma forma já apontava para uma certa visão predominante entre os professores. No decorrer do processo, a clareza sobre este fato também foi relevante para as decisões relativas ao programa. REFERENCIAIS TEÓRICOS Pretendo, nesta seção, desenvolver o quadro teórico por meio do qual a reformulação curricular em questão foi sendo compreendida. Destaco, inicialmente, que este processo foi entendido em meio à dinâmica de constituição de uma disciplina escolar específica – a disciplina escolar Geografia –, cuja trajetória de afirmação na escola foi aqui compreendida como uma arena política, na qual o currículo está no centro das relações de poder, ideologia e formação da cultura. Dito de outra forma, aquilo que se ensina na escola não é uma mera seleção de conteúdos fundamentais, mas sim o resultado de disputas por status, recursos e território (GOODSON, 1995, 1997; FERREIRA, 2005, 2007), as quais resultam na produção de tradições curriculares que se tornam, muitas vezes, ‘naturalizadas’ e ‘inquestionáveis’. Nessa perspectiva, o currículo pode ser compreendido como o resultado dessas forças em disputa e, simultaneamente, como o constituidor de conhecimentos escolares. Com base em Lopes (1999), entendo que as disciplinas escolares não são ‘derivações simples’ das disciplinas científicas e/ou acadêmicas. Ao contrário, todas influenciam o contexto e a construção histórica de cada uma delas. Os embates no campo científico são postos em diálogo com a cultura escolar, promovendo configurações específicas na escola. Desta forma, o espaço escolar, conflituosamente, refrata, incorpora e ressignifica o movimento das disciplinas científicas e acadêmicas, assim como processo semelhante ocorre no sentido inverso. O trabalho de Selles & Ferreira (2005) oferece um bom exemplo para a reflexão sobre esta relação. A respeito do surgimento da disciplina G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

escolar Biologia, as autoras ressaltam que esta incorporou as idéias dos movimentos unificadores das Ciências Biológicas, quando veio a substituir outras disciplinas que antes eram dadas separadamente na escola. No campo acadêmico, este movimento unificador, porém, não ocorreu de modo consensual: Se a unificação das Ciências Biológicas não foi produzida de modo consensual nos meios acadêmicos, a escola parece ter incorporado em grande parte essa idéia ao constituir uma nova disciplina escolar – a disciplina escolar Biologia – em substituição às disciplinas escolares separadas que estavam presentes pelo menos até a metade do século XX no país (SELLES & FERREIRA, 2005, p.55) No caso apresentado, a disciplina escolar foi claramente afetada pelos movimentos dos pesquisadores, mas refletiu mudanças distintas àquelas do campo acadêmico. Por outro lado, Selles & Ferreira (2005) destacam que este movimento foi também responsável por fortalecer um discurso integrador da Biologia nas ciências de referência. Assim, no processo de constituição dos currículos escolares, ocorre a valorização de saberes específicos, os quais se manifestam na relação com as produções acadêmicas e com a afirmação das disciplinas científicas no âmbito universitário. Goodson (2001) ajuda a compreender a relação entre o que se produz na escola e na academia. Segundo este autor, as disciplinas surgem a partir de demandas utilitárias, mas a permanência destas nos currículos ocorre a partir do desenvolvimento de tradições acadêmicas. Ferreira (2007), ao investigar a trajetória da disciplina escolar Ciências no Colégio Pedro II nas décadas de 1960 e 1970, contribui para o entendimento das tradições em disputa no interior das disciplinas escolares. Neste trabalho, a autora revela que as tradições da instituição, que aparentemente funcionavam como resistências às inovações curriculares, foram também responsáveis por mudanças que conferiram 37


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prestígio institucional a esta disciplina escolar. Tal constatação, de certa forma, desconstrói esta idéia linear de configuração das disciplinas, tal como Goodson (2001) propõe, já que as tradições acadêmicas são também negociadas com as inovações e com a lógica das instituições escolares. Além disso, é preciso considerar as questões internas às comunidades disciplinares de forma articulada com questões externas, associadas à cultura de forma geral e às estruturas sociais mais amplas (GOODSON, 1997). Para este autor, há uma estabilidade presente nos currículos escolares, que é justamente gerada pela complexidade que caracteriza esses múltiplos conflitos. Sendo assim, para que ocorra uma mudança, é necessário que existam apoios externos; em outras palavras, isto depende de que certas estruturas criadas e mantidas pelos docentes encontrem apoio e significados culturais. Desta forma, mesmo que ocorram mudanças, estas acontecem dentro dos padrões de estabilidade estabelecidos nas disciplinas escolares. Retomo o artigo de Ferreira (2007) para refletir sobre as modificações na seleção de conteúdos e nos métodos de ensino. A autora esclarece que, no contexto da disciplina escolar Ciências, no período analisado: [...] tais transformações não foram suficientes para promover uma reforma curricular que atingisse a todos os docentes e que modificasse substancialmente todo o ensino de Ciências no Colégio. Tal constatação, no entanto, não constitui um problema para a realização deste estudo, uma vez que apoiando-me em Goodson (1995), não analiso a disciplina escolar Ciências como um bloco monolítico, mas procuro compreender a existência de uma cotidiano conflituoso, que envolvia disputas entre tradições disciplinares anteriores e todo um ideário do movimento de renovação que começava a se delinear no período (FERREIRA, 2007, p. 136) 38

Ainda com o objetivo de ‘ajustar’ o meu olhar

para a reformulação dos programas da disciplina escolar Geografia, defendo a necessidade de refletirmos de modo mais sistemático acerca da constituição do conhecimento produzido na escola. Sobre este aspecto, entendo que conhecimento escolar, em sua constituição, é marcado por suas finalidades escolares; significa dizer que o que se ensina na escola não é a simples reprodução do que se produz nos espaços científicos e acadêmicos. Nessa perspectiva, podemos afirmar que o professor produz conhecimentos (MONTEIRO, 2001) que são fortemente marcados pelo modo escolar: seus tempos e espaços, as técnicas de condensação de conteúdos, as sínteses e esquematizações, etc. (FORQUIN, 1992). A partir da diferenciação entre os conhecimentos científico, acadêmico e escolar, percebemos, por exemplo, que uma das características do processo didático é o de não focalizar erros e imprecisões dos processos, uma vez que lida com pesquisas ‘exitosas’. É possível, assim, compreender a especificidade da cultura escolar. Lopes (1999) aponta que os processos de seleção e de legitimação do conhecimento não são restritos ao campo epistemológico, mas ocorrem a partir de um conjunto de interesses que expressam relações de poder da sociedade com um todo, em um dado momento histórico. Segundo a autora: Atuam sobre o processo de seleção cultural da escola, em relações de poder desiguais, o conjunto de professores, aqueles que fazem parte do contexto de produção do conhecimento de uma área e a comunidade de especialistas em educação. Atuam igualmente inúmeras outras instâncias culturais, políticas e econômicas de uma sociedade, que atua direta ou indiretamente sobre a escola, sobre a formação e a atualização de professores e sobre a produção de conhecimentos na área específica educacional (LOPES, 1999, p. 3) Considerando, também, a relevância da cultura escolar, Viñao (2001) apresenta uma G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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reflexão importante a respeito das reformas educacionais. Para o autor, a cultura escolar seria constituída de um conjunto de idéias, princípios, normas, rituais e hábitos que configuram mentalidades e comportamentos sedimentados ao longo do tempo por aqueles que atuam nas escolas. A cultura escolar seria, em síntese, algo que perdura e que sobrevive às reformas; algo sedimentado ao longo do tempo (VIÑAO, 2001). O caráter histórico da cultura escolar e não histórico de algumas reformas podem nos ajudar a entender as razões pelas quais essas atingem apenas superficialmente a educação. Ainda que com a ressalva de que Viñao (2001) se refere mais às reformas políticas, coloco-me ao lado dele quando compreende que as reformas que não consideram o diálogo com a realidade da cultura escolar são, a priori, fracassadas. Além disso, é também importante que, ao se olhar para a cultura escolar, não se fixe apenas nas estabilidades, mas se associe a um enfoque atento às mudanças que ocorrem na própria cultura da escola. Sobre esta relação estabilidade-mudança, defendo o olhar, tal como propõe Ferreira (2007), no qual esses processos não são vistos de forma excludente, mas que ao contrário, “são exatamente as mudanças trazidas pela incorporação de certas inovações que colaboram para a estabilidade curricular das diferentes disciplinas escolares” (FERREIRA, 2007, p. 141). Em síntese, esclareço que o olhar aqui proposto para compreender a reformulação curricular da disciplina escolar Geografia no Colégio Pedro II considera o currículo como uma construção social, reconhecendo as disputas inerentes ao processo de constituição deste no âmbito de uma comunidade disciplinar heterogênea. Além disso, considero que o que se ensina na escola e, portanto, o objeto de discussão da referida reformulação, não é fruto de uma relação linear que se inicia nas produções acadêmicas da ciência geográfica e chega às escolas. Na verdade, associo-me a autores como Lopes (1999) e Viñao (2001) para argumentar em favor de estudos que busquem compreender os conhecimentos que são produzidos a partir da G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

lógica do ensino e que se encontram, portanto, impregnados de aspectos ligados à cultura escolar. Minhas reflexões acerca do processo de reformulação curricular são assim entendidas como algo inerente a esta cultura própria da escola, devendo ser pensado a partir das relações entre os elementos que a compõem. Por fim, um último detalhe importante consiste na explicitação da posição da qual eu me proponho a olhar para essa reformulação curricular. Faço parte da equipe de trabalho que esteve reunida em torno do processo, sendo, assim, observadora e participante. As análises e reflexões propostas neste trabalho são o resultado de minhas anotações sobre as percepções desenvolvidas durante o processo, do qual também fui parte integrante. Durante as reuniões, observei duas tensões predominantes, as quais permearam as decisões acerca do currículo da disciplina escolar Geografia no Ensino Fundamental. São elas: (i) as tentativas de integração entre os aspectos físicos e humanos, que se contrapõem às formas de organização destes conteúdos separadamente; e (ii) As oscilações entre os enfoques regionais e sistemáticos como eixos norteadores do arranjo dos conteúdos escolares. A partir desta percepção, proponho-me a olhar para esse processo de reformulação curricular tomando estas duas tensões como categorias de análise. REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO Aspectos físicos e humanos: integração? No seio da ciência geográfica, há uma espécie de ‘consenso’ historicamente produzido em torno da idéia de que a Geografia deve operar na integração entre os aspectos físicos e a atividade humana. Ao se discutir conteúdos relevantes e sua organização, a necessidade de integração vem sendo percebida quase como ‘obrigatória’ no sentido de se estabelecer uma identidade geográfica. No processo de revisão do programa do Colégio Pedro II, pude perceber que, ainda que existisse um suposto ‘consenso’ entre todos do grupo, essa integração ora ganhou um destaque 39


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quase que ‘inquestionável’, ora ‘disputou’ espaço com outras formas de organização curricular. Como exemplo deste processo, percebo que os conteúdos gerais, conceituais e introdutórios da Geografia, típicos do programa do sexto ano, favoreceram um discurso integrador. Excetuando-se alguns tópicos referentes ao instrumental técnico (como a representação cartográfica), a introdução à Geografia tem sido feita de maneira integrada, por meio da criação de tópicos como ‘a dinâmica atmosférica e as alterações pela sociedade’ e ‘a formação do relevo e suas transformações naturais e sociais’. À medida que se privilegia, de algum modo, um recorte espacial específico, como ocorreu com as demais séries do Ensino Fundamental, percebo que a integração vai perdendo espaço para outra forma de organização curricular. No sétimo ano, por exemplo, quando o programa inteiro é norteado pelo recorte denominado ‘Brasil’, o meio físico ficou restrito a um tópico denominado ‘dinâmicas naturais (relevo, hidrografia, clima e vegetação)’. Todos os outros itens do programa desta série são referentes a conteúdos ligados às dinâmicas sociais. Muitos outros exemplos ilustram esta possível análise. Nas demais séries, cujo critério regional se manteve, a presença do meio físico foi, muitas vezes, resolvida a partir de itens isolados, tal como descrito no caso do sétimo ano. Mas a definição de tópicos isolados como os descritos acima foi claramente entendida por alguns integrantes do grupo como uma solução ‘possível’, eficiente em alguma medida, mas não ideal em termos do que se deseja como uma leitura integrada do mundo. Tanto é que, em alguns casos, quando se considerou pertinente, ainda que dentro de um recorte espacial, houve um esforço em se pensar a dinâmica natural e social de maneira integrada, como foi o caso do programa do nono ano. Assim, ao se introduzir o quadro físico da Europa, houve uma preocupação de relacioná-lo com aspectos humanos por meio, por exemplo, da criação de itens como ‘o litoral recortado e a tradição marítima’ e ‘recursos naturais e as zonas industriais’. A dificuldade de se seguir este padrão 40

em relação à Ásia, no entanto, ficou clara, dada a extensão do continente, a sua heterogeneidade e as limitações didáticas relativas ao tamanho e à exeqüibilidade do programa no tempo escolar. Nas discussões que levaram a estas decisões curriculares, explicitou-se uma tensão entre integrar e/ou separar os conteúdos de ensino. Um ‘consenso’ foi obtido, ainda que provisório e com uma série de limitações. Pude evidenciar que, ainda que o esforço de integrar os conteúdos estivesse presente em todas as escolhas, a definição a priori de um recorte espacial funcionava como um dificultador do processo, na medida em que, privilegiando certa região, a abordagem integrada levaria a necessidade de se ‘abrir mão’ de temas e de formas muito características da geografia escolar. Usar a integração físico-humana como fio condutor seria, então, uma opção que colocaria ‘por terra’ certos modos escolares. Além disso, durante os debates, foi pensada a importância desta separação para a coerência lógica de aquisição do conhecimento do aluno, um raciocínio do tipo: “sabemos que os processos estão interligados, mas é preciso separá-los para que o aluno entenda”. Refletindo acerca de todo o processo, bem como de seus resultados, percebo que houve mudanças consistentes que se colocam dentro de certas tradições escolares. Depois de concluída a etapa de discussão do programa, tínhamos um resultado diferente, considerado pela equipe como ‘inovador’ em alguns pontos, sem deixar de ser fortemente marcado pelas tradições escolares. No diálogo com Goodson (1997) e Ferreira (2005), pude perceber que as mudanças ocorrem no interior de uma estrutura estável, em um movimento em que as mudanças contribuem para estabilizar os currículos e, simultaneamente, os currículos estabilizados ‘sustentam’ certas mudanças. Além disso, ainda que desejosos e intencionados no objetivo de criação de um programa integrado, chegamos a consensos de que, às vezes, seria importante separar tais conteúdos. Aí se encontram as finalidades didáticas e um ‘modo escolar’ – relacionado, entre outros aspectos, aos tempos e espaços G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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escolares, tal como nos explica Forquin (1992) – presentes nas decisões do grupo. Neste caso, mais uma vez um suposto ‘consenso’ acerca de uma identidade geográfica ligada à integração acabou sendo questionado e negociado com as finalidades escolares de tais conteúdos de ensino. Enfoque regional ou sistemático? Segundo Haesbaert (2010, p. 39), “a distinção entre uma Geografia Geral, sistemática ou tópica e entre uma Geografia Regional ou ‘especial’ nasce com a própria Geografia como um todo”. Os enfoques regional e sistemático são, também, formas recorrentes de dar sentido aos conteúdos de Geografia na escola, principalmente nos livros didáticos. Apesar de serem claros como eixos norteadores, suas lógicas aparecem mescladas no interior dos programas de curso e dos livros. Entendo que o enfoque regional é uma marca da Geografia tradicional, tanto acadêmica quanto escolar. Vejo o enfoque sistemático como uma inovação na lógica de organização dos conteúdos escolares, mais utilizada nas últimas décadas, a qual já apresenta certa estabilidade, que é garantida também por negociações com a lógica regional. As reflexões propostas a seguir podem ajudar a compreender esta realidade. Como dito anteriormente, o enfoque regional do programa em questão prevaleceu em relação ao enfoque sistemático, isso devido, em parte, ao resultado da consulta prévia realizada entre os professores. A decisão sobre a presença deste grande eixo norteador do programa – o enfoque regional – foi respeitada, mas houve tópicos em que o recorte espacial foi abordado de maneira sistemática. Para entender os sentidos destas mesclas, vale a pena um olhar mais minucioso para o processo. Os conteúdos do sexto ano não apresentaram o enfoque regional. O seu caráter introdutório favoreceu a apresentação da disciplina escolar Geografia por meio de grandes eixos conceituais e temáticos. O sétimo ano, por sua vez, é um bom exemplo para se pensar a tensão entre os enfoques regional e sistemático. Inicialmente, é preciso dizer que os conteúdos G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

do sétimo ano compõem uma Geografia regional do Brasil, uma vez que, tradicionalmente, este é o recorte espacial previamente definido para esta série. Por outro lado, também se pode dizer que boa parte dos conteúdos relacionados ao Brasil tem sido tratada, nos livros didáticos e nos programas de ensino, a partir de eixos temáticos, o que caracteriza um enfoque mais sistemático. Outra marca tradicional desta série é que parte do seu programa é dedicada ao estudo das regiões brasileiras, no âmbito da qual a linguagem descritiva, típica da abordagem regional, aparece com frequencia. Assim, no processo de reformulação do programa do Colégio Pedro II, percebo, sob certa estabilidade, a existência de esforços no sentido de mudanças. Nesse contexto, o programa ficou composto por seis unidades, das quais quatro não têm preocupação com o enfoque regional: ‘panorama do território brasileiro’, ‘formação territorial do Brasil’, ‘população brasileira’ e ‘relações campo-cidade no Brasil’. As demais unidades, que no programa anterior levavam o nome das próprias regiões brasileiras, na nova proposta apresentam uma mudança. Em vez de se trabalhar com os tópicos regionais, optou-se por incluir o item ‘uma releitura do Brasil através das regiões’. Tal arranjo suscita uma discussão interessante no sentido de pensar a tensão entre o enfoque regional e o enfoque sistemático. Durante as discussões, ficou claro certo descontentamento de alguns professores com a idéia de se trabalhar os conteúdos regionais da forma tradicional nos tópicos finais do programa. Pude perceber e registrar que os professores julgavam repetitivo, depois de terem sido vistos vários temas, voltar às regiões. Seria como iniciar novamente o conteúdo, porém a partir de um novo enfoque, desta vez a partir dos recortes espaciais e com uma linguagem diferente. Quando foi lançada a proposta que compôs o programa novo, a argumentação foi em favor de que os professores buscassem, então, valorizar temas e questões próprias de cada região, e não de propriamente descrever as características delas. Nesse movimento, entendo que houve uma tentativa 41


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de dar um enfoque mais sistemático às regiões brasileiras. Pude constatar que a solução dada, ainda que estivesse presente certo desconforto com a forma tradicional de abordagem das regiões brasileiras, foi a de não se abrir mão de tópicos regionais no programa, uma vez que o grupo reconheceu a importância destes. A estratégia de não enunciar este tópico de forma muito diretiva, deixando a interpretação a critério do professor (tal como foi dito na ocasião), pode ser entendida como uma ‘porta aberta’ para a inovação que, simultaneamente, manteve a tradição. Mais uma vez, no diálogo com Goodson (1997) e Ferreira (2005, 2007), é possível perceber padrões de estabilidade e de mudanças dentro de estruturas aparentemente estáveis. A discussão dos programas do oitavo ano e do nono ano também levantou questões interessantes para se pensar esta tensão. Inicialmente, ambos trazem conteúdos ligados à compreensão do mundo contemporâneo, tratando de temas econômicos e geopolíticos. Esses compuseram os itens introdutórios dos programas, a partir de enfoques temáticos. A divisão regional norteou os itens subseqüentes nos dois programas, a partir da divisão do mundo em continentes. Durante o processo, percebi que o material mais rico para se pensar a tensão entre os enfoques regional e sistemático esteve justamente nas discussões entre os membros do grupo. Estavam em debate, por um lado, a possibilidade de inserir grandes temas e questões contemporâneas para se pensar a realidade dos continentes e, por outro, a linguagem regional mais descritiva, que pormenoriza características dos países através do destaque de aspectos físicos e humanos. Algumas ‘certezas’ iniciais, como a necessidade de inovar a partir de uma linguagem mais dinâmica e temática, foram ‘abaladas’ a partir da colocação de idéias de membros do grupo. Percebi que a argumentação em favor de se manter certas tradições mais descritivas e regionais se deu principalmente através de dois pontos: a disputa por território e as finalidades pedagógicas. Assim, durante a exposição de idéias, ficou 42

clara a preocupação de se marcar um terreno próprio da Geografia escolar, argumentando-se que ‘abrir mão’ de certos conteúdos e linguagens em favor de grandes questões temáticas seria, ao mesmo tempo, ‘invadir o terreno’ de outros campos disciplinares, como a Sociologia e a História, e abandonar um território dominado pela Geografia, que trata de conhecimentos gerais sobre os aspectos geográficos (no senso comum da palavra) de diferentes países e partes do mundo. Além disso, esta defesa esteve ligada às necessidades de se garantir aos alunos do Ensino Fundamental um tipo de conhecimento geral, considerado importante para a formação de uma base de conteúdos necessária para abordagens mais integradoras e complexas em séries futuras. O programa proposto foi, obviamente, um reflexo dos debates e embates descritos acima, contendo assim, ‘contradições saudáveis’ entre os enfoques regional e sistemático. As unidades do programa foram, quase sempre, denominadas a partir do recorte espacial como, por exemplo, ‘América Anglo-Saxônica’, ‘América Latina’, ‘Oriente Médio’ e ‘Japão e Tigres Asiáticos’, mas os conteúdos dessas unidades trouxeram ora temas, questões atuais, relacionados ao contexto internacional, histórico e político, ora uma linguagem descritiva, através de itens como: ‘as grandes unidades do relevo’, ‘a diversidade étnico-territorial’ e ‘o relevo africano’. Este olhar para o processo de reformulação curricular do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II perece trazer elementos interessantes para se pensar a cultura escolar e a diferenciação entre os tipos de conhecimento. A Geografia Regional do tipo clássico, presente na escola, é considerada uma Geografia teoricamente superada por outras correntes da Geografia acadêmica. Sua lógica descritiva, de fato, não configura o método preciso, mas trata-se de um saber cientificamente ‘ultrapassado’, que perdura na escola. Entendo, no diálogo com Forquin (1992), que tais configurações do saber escolar não estão livres de conflitos como este, já que o saber científico se depara também com os constrangimentos do espaço escolar, os quais geram resistências G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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e refratam mudanças vindas das pesquisas científicas. Outra reflexão interessante diz respeito ao papel da cultura escolar. Viñao (2001), ao interpretar o fracasso das reformas como um descompasso de interesses entre reformadores e a escola, parece reforçar a idéia do poder desta cultura. Neste processo, percebi claramente intenções no sentido de enfoques curriculares ‘menos regionais’. Como discutido acima, ainda que alguns aspectos tenham sido claramente revistos no programa, a presença da abordagem regional pode ser vista como um ponto de estabilidade do currículo escolar. Esta Geografia sob o enfoque regional- é quase que a identidade da geografia escolar. ‘Abrir mão’ de tal enfoque seria como trocar o conhecido pelo incerto; seria abrir um espaço que poderia ser ocupado por outros campos disciplinares, outras disciplinas escolares. A cultura escolar, não se pode negar, também é marcada por disputas territoriais de poder.

entendidas como aquilo que constitui o currículo. NOTAS

Versão revista e atualizada do trabalho intitulado Reforma Curricular de Geografia no Colégio Pedro II: algumas reflexões, publicado nos Anais do XI Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia ENPEG (Goiânia, 2011) 1

Refiro-me ao projeto ‘Investigando a abordagem regional no currículo de Geografia: um estudo sócio-histórico’ (título provisório), desenvolvido junto ao Grupo de Estudos em História do Currículo do NEC/UFRJ, sob a orientação da Profa. Dra. Marcia Serra Ferreira. 2

A abordagem regional na escola é entendida aqui como uma forma de organização dos conteúdos baseada em um recorte espacial qualquer e caracterizada pela presença da linguagem descritiva. 3

Livros organizados pelo critério regional são aqueles que dividem o conteúdo a partir de recortes espaciais. O critério de organização sistemático é aquele que privilegia temas gerais como norteadores de suas subdivisões. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS Não pretendi com este trabalho prescrever ou julgar melhores ou piores concepções curriculares, mas sim compreender o processo de reformulação curricular da disciplina escolar Geografia no Colégio Pedro II, reconhecendo-o como resultado de embates no campo do conhecimento. Além disso, procurei compreendêlo como parte integrante da cultura escolar, a qual possui especificidades. Propus, assim, reflexões sobre algumas tensões marcantes no processo. Destaco que tanto as questões ligadas à integração de aspectos físicos e humanos dos conteúdos de ensino, quanto a tensão entre os enfoques regional e sistemático se mostraram categorias interessantes para se pensar a estabilidade e a mudança nos currículos escolares, levando-me a perceber aspectos sobre as disputas por território e as finalidades escolares do conhecimento. A partir dessas reflexões, foi possível perceber claramente que o resultado do processo analisado é fruto dos embates e de ‘contradições saudáveis’, que podem ser G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 3 5 - 4 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

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TRAJETÓRIAS DO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA QUE SE ENSINA A JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES

PARCOURS DU CURRICULUM DE LA GÉOGRAPHIE QU’ON ENSEIGNE À DES JEUNES ET ADULTES TRAVAILLEURS

E N I O S E R R A DOS SANTOS Universidade Federal do Rio de Janeiro en io.serra@i g.com.br

RESU M O: O T R A B A LH O T E M C O M O O B JE T I V O P R O C EDE R A UM A BRE VE ANÁLIS E DAS C ONC E P Ç ÕE S DE GE OGRAFIA ESCOL AR PRESE N T E S N O E N S IN O F U N D A M EN TA L PA R A JO V ENS E ADULT OS T RABALH ADORE S . PARA TANT O, T RAZ C OM O REF ERÊNCI A D IFER E N T E S A B OR D A G EN S C U R R I C U L A R ES Q U E V ÊM M ARC ANDO A T RAJE T ÓRIA H IS T ÓRIC A DA E DUC AÇ ÃO DE JOVENS E ADULT OS (E J A): O CU R R Í C U L O S U P L E T I V O , O C U R R ÍC ULO C RÍT IC O E O C URRÍC ULO P OR C OM P E T Ê NC IAS . AO E LUCI DAR AS CARA CT E R ÍS T IC A S D E S S A S A B O R D A G E N S , A E D U C A ÇÃO GE OGRÁFIC A É ANALIS ADA E M M AT E RIAIS DIDÁT IC OS E P R OPOSTAS CURR IC U LA R E S D E E J A, R EV E L A N D O E N TÃ O A S P O L ÍT IC AS DE C URRÍC ULO QUE T Ê M M ARC ADO O E NS INO/AP RE NDIZAGEM DE G EOG R A FIA N E S S A M O D A L I D A D E, U M A V EZ Q U E TA I S M AT E RIAIS E P ROP OS TAS VE IC ULAM DIS C URS OS VIGE NT E S NO PAÍ S E CRIAM V E R D A D E S A O O F I C I A L I Z A R S A B ER ES E L EG I TIM AR P OS T URAS . PARA E FE IT O DA ANÁLIS E , É UT ILIZADO O C ONCEI TO DE RECO N T E X T U A LIZ A Ç Ã O , D E S EN V O LV I D O P O R B A S I L B E RNS T E IN, C OM O C AT E GORIA QUE DÁ S UP ORT E ÀS RE FLE XÕES ACERCA D A P R OD U ÇÃ O D O C O N H EC I M E N T O G EO G R Á F I C O E S C OLAR. E M BORA T ODAS AS P ROP OS TAS E M AT E RIAIS E XA MI NADOS TEN HA M S ID O E LA B OR A D O S PA R A A L U N O S JO V E N S E ADULT OS , NOTA-S E P ROFUNDA DIFE RE NÇ A E NT RE E LE S NO Q UE TANGE ÀS TE N D Ê N CIA S T E Ó R I C O -M ET O D O L Ó G I C A S A D O TA DAS . E S S AS DIFE RE NT E S INT E RP RE TAÇ ÕE S S OBRE A GE OGRAFI A A SER EN SIN A D A R E D U N D A M EM U M A P L U R A L I D A D E D E C O NC E P Ç ÕE S E P RÁT IC AS , M UITAS VE ZE S ANTAGÔNIC AS E NT RE S I, QUE TÊM MARC A D O A T R A J E T Ó R I A D A G EO G R A F I A ES C O L A R N A E JA. PALAVRA S-C HAV E: GEOGRAF I A E SCOL AR; E DUCAÇÃO D E JO V E N S E A D U LT O S ; P R O P O S TA S C U R R I C U L A R E S ; M AT E R I A I S D IDÁTIC OS .

RESU M É E : CE T R AVA I L A L E B U T D E P R O C É D E R UNE BRÈ VE ANALY S E DE S C ONC E P T IONS DE LA GÉ OGRAP H IE SCOL AI RE PRÉSE N T E S À L’ É C OLE É L ÉM E N TA I R E D ES JE U N ES E T ADULT E S T RAVAILLE URS . P OUR C E LA, LE T E XT E AP P ORT E C OM M E RÉPÈRES D ES D IFFÉ R E N T E S A P P R O C H ES D U C U R R I C U L U M Q U I CARAC T É RIS E NT LE PARC OURS H IS T ORIQUE DE L’É DUC AT ION DES JEUNES ET ADU LT E S (E J A ) A U B R È S I L . E N E L U C I D A N T L ES ATRIBUT S DE C E S AP P ROC H E S , L’É DUC AT ION GÉ OGRAP H IQUE E S T EXAMI NÉE PAR L’ A N A LY S E D E S M ATÉ R I A U X D I D A C T I Q U E S ET P R OP OS IT IONS C URRIC ULAIRE S DE L’E JA E N AVÉ RANT LE S P OLITI QUES DE CURR IC U LU M QU I CA R A C T É R I S EN T L’ E N S EI G N EM E N T E T L’AP P RE NT IS S AGE DANS C E T T E M ODALIT É DU S Y S T È M E BRÉSI L I EN DE L’ ÉDU C AT ION , U N E FO I S Q U E T E L S M AT É R I A U X E T P ROP OS IT IONS DIS S E M INE NT DE S DIS C OURS E N VIGUE UR DANS LE PAYS ET CRÉENT V E R IT É S E N R E N D A N T O F F I C I E L S L E S S AV O I R S E T E N LÉ GIT IM ANT DE S P OS IT IONS . À E FFE C T D’ANALY S E , LE CONCEPT D E RÉ CON T E X T U A LIZ AT I O N , D E V E L O P P É PA R B A S I L B E RNS T E IN, E S T UT ILIS É C OM M E C AT É GORIE QUI S OUT IE NT LE S REF L EXI ONS À PROP OS D E LA P RO D U C TI O N D E L A C O N N A I S S A N C E GÉ OGRAP H IQUE S C OLAIRE . BIE N QUE T OUT E S LE S P ROP OSI TI ONS ET MATÉR IA U X E X A MIN ÉS S O I EN T E L A B O R E S À D ES ÉLÈ VE S JE UNE S E T ADULT E S , ON C ONS TAT E UNE P ROFONDE DIF F ÉRENCE EN TRE E U X C ON C E R NA N T L ES T E N D E N C ES T H ÉO R I Q UE S E T M É T H ODOLOGIQUE S . C E S DIFFÉ RE NT E S INT E RP RE TAT IONS SUR L A G ÉOG R A P HIE À Ê T R E E N S EI G N ÉE EN T R A Î N EN T U N E P LURALIT É DE S C ONC E P T IONS E T P RAT IQUE S , S OUVE NT ANT EGONI STES EN TRE E LLE S MÊ ME S , Q U I O N T C A R A C T E R I S É L E PA R COURS H IS T ORIQUE DE LA GÉ OGRAP H IE S C OLAIRE DANS LE C ONTEXTE DE L’ ÉDU C AT ION D E S J E U N ES ET A D U LT E S . MO TS-C LÉS: GÉOGRA PHI E SCOL AI RE ; É DUCAT I ON D E S JE U N E S E T A D U LT E S ; P R O P O S I T I O N S C U R R I C U L A I R E S ; MATÉRIA UX D ID ACTIQUES .

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INTRODUÇÃO: AS POLÍTICAS DE CURRÍCULO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Como ponto de partida, cabe ressaltar que quando me refiro à EJA como modalidade da educação básica tenho claro que o que a caracteriza e a diferencia da educação escolar de crianças e adolescentes é o conjunto de características específicas de seu público. Em geral, se reconhece que este é detentor de experiências significativas de vida e possuidor de maior inserção no mundo do trabalho. Contudo, junto a estes traços que são próprios da condição de não crianças, os educandos da EJA, principalmente os que frequentam o sistema público de ensino, trazem a marca da sociedade de classes. Jovens, adultos e idosos cursam esta modalidade de ensino porque, invariavelmente, a inclusão prematura no mundo do trabalho é, na maioria das vezes, um imperativo, uma exigência em função das condições socioeconômicas nas quais se encontravam na infância e na adolescência. No entanto, para além dos jovens e adultos trabalhadores, sabemos que, atualmente, outro grupo vem caracterizando os cursos de EJA: o considerável número de adolescentes recém-egressos do período diurno. Muitos, repetindo a sina dos jovens, adultos e idosos trabalhadores, recorrem à EJA em função do trabalho precoce. Outros, por serem evadidos, repetentes, renitentes, expulsos ou convidados a se transferirem dos cursos regulares, vão parar em cursos noturnos carregando a sensação de que, não havendo mais lugar para eles onde se encontravam antes, é essa a escola que lhes sobra. No entanto, em todos esses casos está a marca das desigualdades sociais, pois é a classe trabalhadora a mais vulnerável a essas situações. E são os cursos de EJA que a recebem e devem, em função de todas essas características, pensar e construir outra escola, a escola pública para adolescentes, jovens e adultos trabalhadores. Nesse sentido, a trajetória das políticas públicas da EJA revela a luta pelo reconhecimento do direito à escolarização dos trabalhadores 46

em uma perspectiva própria no que se refere à oferta, organização e referenciais curriculares e didáticos, uma vez que essa modalidade de ensino tem sido tratada historicamente de forma marginal e tomada como dimensão residual, algo temporário, da educação brasileira, com seu suposto fim anunciado em função da também suposta universalização da oferta da educação básica a todas as crianças e adolescentes. Recentemente, porém, uma nova perspectiva começou a se delinear oficialmente a partir da Lei nº 9.394/96 (LDBEN) e, com mais força ainda, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos (DCNEJA), instituídas em 2000. Com base no Parecer CEB/CNE 11/2000, elaborado pelo Professor Jamil Cury, as DCNEJA estabeleceram um novo conceito de EJA. A partir de então, os antigos cursos supletivos passaram a ser chamados de cursos de EJA, fazendo com que pela primeira vez as funções para essa modalidade se encontrem em um patamar mais próximo de uma visão não compensatória e prevendo projetos educativos que considerem os trabalhadores como sujeitos de experiência, cujas potencialidades cognitivas se dão justamente em função dessa condição. Neste trabalho, tais políticas de EJA são analisadas sob o enfoque das políticas curriculares, tomadas aqui como políticas de constituição do conhecimento escolar, um conhecimento construído para a escola, a partir de ações externas a ela. Sendo assim, a educação geográfica é analisada em materiais didáticos e propostas curriculares voltadas para o 2º segmento do ensino fundamental na modalidade EJA, uma vez que são as políticas de currículo que possibilitam o exame das concepções e intencionalidades que têm marcado o ensino/ aprendizagem de geografia na EJA. Para efeito da análise, é utilizado o modelo teórico desenvolvido por Basil Bernstein (1996), que pressupõe o processo de recontextualização pedagógica dos discursos produzidos em outros contextos que não os escolares (produção acadêmica, organismos internacionais, políticas G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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governamentais etc.). De acordo com esse referencial, qualquer disciplina escolar é recontextualizada ao ser deslocada de seu campo de produção, pois há uma seleção dos conteúdos, da seqüência e do ritmo em que estes serão trabalhados na escola. Tal processo, que não é derivado da lógica existente no campo da produção desses conhecimentos, pode auxiliar na compreensão do movimento de constituição do conhecimento geográfico escolar em programas e livros didáticos voltados para o público jovem e adulto trabalhador. Assim, a problemática que envolve aquilo que de geografia se ensina e se aprende na EJA é analisada sob a ótica da recontextualização dos saberes e discursos geográficos. Para tanto, tomo como base as três principais concepções de currículo que vêm permeando a elaboração de propostas curriculares para a EJA ao longo de sua história: 1) o currículo supletivo: concepção subliminar ao ensino supletivo e cuja seleção de conhecimentos é pautada na redução de conteúdos preestabelecidos para o ensino regular diurno (crianças e adolescentes); 2) o currículo crítico: conjunto de propostas e ações que têm como pressuposto básico a educação como ação social que contribui para a emancipação dos sujeitos, como possibilidade de transformação social e de construção de um projeto societário contra-hegemônico; 3) o currículo por competências: concepção que tem marcado as políticas curriculares nacionais recentes e é caracterizada pela forte relação com o processo de acumulação flexível do capital. Esses três modelos servem de base, portanto, para expor a forma com que o ensino de geografia vem sendo conduzido nas políticas de currículo da EJA. Para cada um deles, propostas curriculares de programas ou cursos de EJA, bem como materiais e livros didáticos voltados para essa modalidade são examinados tomando como princípio a observação da seleção e organização de conteúdos geográficos na tentativa de efetivar, da melhor maneira possível, um panorama histórico desse fazer pedagógico na educação brasileira. G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

O ENSINO SUPLETIVO DE GEOGRAFIA E O DESPREZO À CONDIÇÃO DE ALUNO TRABALHADOR Com o propósito de evidenciar as características do currículo supletivo na geografia que se ensina a jovens e adultos no segundo segmento do ensino fundamental, opto por seguir uma trajetória histórica, recorrendo à breve análise da concepção curricular que embasava a maior parte dos cursos supletivos desde sua implantação a partir da Lei 5.692/71. Dessa forma, ilustro tal perspectiva com manuais e livros didáticos produzidos e disponíveis no mercado editorial nos anos 1970 e 19801. Os cursos de ensino supletivo sempre foram oferecidos, majoritariamente, em escolas noturnas, possuindo, porém, diferenças em relação ao ensino regular noturno, geralmente circunscritas à duração total do curso e à carga horária diária das disciplinas escolares. As escolas supletivas seguiam a lógica da suplência e do suprimento, isto é, garantiam a escolarização regular aos jovens e adultos que a ela não tiveram acesso e àqueles que voltavam à escola para completar os estudos ou aperfeiçoá-los. Já o ensino regular noturno era oferecido a jovens trabalhadores acima de dezoito anos que não podiam mais frequentar o horário diurno em função de sua carga horária de trabalho. Apesar das diferenças, as duas realidades sempre se mostraram bastante mescladas, o que leva a crer que os currículos prescritos e praticados nesse contexto se pautavam, em sua maior parte, na mesma perspectiva da suplência. No caso dos cursos supletivos de segundo segmento do ensino fundamental era bastante comum a ausência de programas curriculares e materiais didáticos próprios, revelando a difícil situação enfrentada então por muitos professores dessa modalidade. Diante desse quadro, a maioria acabava por adotar como referência os livros didáticos elaborados para o público infantil e adolescente, sendo que alguns recorriam às escassas coleções didáticas disponíveis no mercado editorial voltadas para os cursos de ensino supletivo. Poucas e não muito presentes 47


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nas escolas, essas coleções expressavam a forma com que as disciplinas eram conduzidas. Nos volumes dedicados à geografia, conteúdos reduzidos, fragmentados, organizados em forma de resumo em tópicos e estímulo à memorização excessiva eram características comuns mesmo entre aqueles que, a partir da renovação crítica, reviram sua programação e introduziram temas relacionados à geografia renovada. A coleção Curso Integrado (s/d) é exemplo claro da perspectiva supletiva. Embora não contenha data de publicação, suponho se tratar de livros elaborados ainda nos anos 1970, dadas as suas características de impressão e em função de apresentar logo na primeira página a íntegra da Lei nº 5.765/71, que trata da reforma ortográfica realizada em 1971. Em sua apresentação, o autor (o professor, médico e advogado Dr. Souza Diniz) esclarece que a coleção foi idealizada para os estudantes do supletivo, sejam frequentadores ou não dos cursos propriamente ditos, ou seja, o público alvo seria composto prioritariamente por aqueles que estariam se preparando para os exames supletivos2. Para tanto, chama a atenção para o fato de trazer um “conteúdo selecionado, sintetizado e apresentado de forma corrente e agradável”, além de destacar a introdução de mais um “aprimoramento”: uma bateria de testes de fixação com o intuito de “familiarizar os alunos com os exames que deverão prestar”3. Ainda que aglutine em um só volume os conteúdos de história e de geografia, estes são desenvolvidos separadamente. Os temas relacionados à geografia, enumerados em pontos, seguem à lógica padrão das correntes tradicionais e são divididos em noções de cosmografia (Estrutura da Terra), partindo em seguida para assuntos de geografia humana (Os grupos humanos, A circulação, A agricultura e a criação, A indústria e o comércio) e fixando a maior parte do programa na apresentação dos continentes e na geografia do Brasil. Não é preciso dizer que o esquema natureza-homem-economia (N-H-E)4 acompanha todo o percurso dos capítulos ou pontos. Essas são características de uma visão 48

positivista do conhecimento escolar e da prática pedagógica, mas nos chama a atenção nesse caso a forte presença da nomenclatura pura e simples. Nem mesmo os compêndios mais expressivos da perspectiva regionalista, como os de Aroldo de Azevedo, se reduziam a um conjunto de nomes, datas e classificações sem nenhuma articulação entre si e estimuladores apenas de uma memorização vazia. Suponho que o afã em reduzir conteúdos tenha conduzido o autor a essa lamentável geografia, que espantaria até mesmo muitos geógrafos e professores das correntes tradicionais. E o que é lastimável, muitos jovens e adultos trabalhadores devem ter estudado com base nessa coleção e a partir dela provavelmente incorporaram a ideia não só de um saber escolar distante de suas realidades, mas também de que esse saber não lhes era mais possível apreender, pois não possuíam mais o frescor da memória já calejada pelo tempo e pelas agruras da vida. A segunda coleção didática analisada se caracteriza pelo maior alcance e divulgação entre os professores de escolas supletivas. A coleção de Zoraide Victorello Beltrame (1989) era bastante conhecida e adotada por muitos docentes em virtude justamente de seu poder de condensação dos temas e assuntos considerados preestabelecidos para as classes do então 1º grau. Na apresentação, a autora dirige o livro aos alunos do curso supletivo e assume a “maneira simples e sintética” com que desenvolve o conhecimento geográfico, a despeito dos objetivos de ampliação do universo de conhecimento e do desenvolvimento do espírito crítico dos alunos. Ora apresentando novos temas oriundos da geografia crítica ora mantendo preceitos da velha geografia regional, os livros de Beltrame caracterizam-se pela presença de textos descritivos e curtos, já que, supondo estar de acordo com seu pensamento, nessa modalidade não se podia perder tempo com textos explicativos e longos. Além disso, os clássicos questionários mnemônicos completam o final de cada capítulo, embora na apresentação a autora julgue “proporcionar ao aluno a oportunidade de aprender ativamente sem ser um mero receptor G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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de informações”5. O segundo volume da coleção, voltado para o estudo dos continentes, apresenta a tradicional divisão regional do mundo baseada em critérios físicos e desenvolve os assuntos referentes a cada continente a partir do esquema N-H-E, graças ao qual, aliás, são tratados os poucos conteúdos da geografia física. No início do livro, porém, a autora introduz uma temática bastante característica da geografia crítica: os aspectos políticos e econômicos do mundo atual, onde destaca os principais traços do capitalismo e do socialismo e a divisão dos países em desenvolvidos e subdesenvolvidos. Em relação a este último item, no entanto, suas explicações não passam de um conjunto de equívocos. Em primeiro lugar, naturaliza as desigualdades internacionais ao afirmar que “na história da humanidade sempre existiram nações pobres e nações ricas” (p. 8). Em seguida, caracteriza os dois grupos sem fazer menção ao processo histórico que constituiu, ao mesmo tempo, as duas situações econômicas e políticas, ressaltando apenas as particularidades internas. Por fim, afirma categoricamente que o subdesenvolvimento é uma situação transitória, pois, “dependendo dos acontecimentos, um país subdesenvolvido hoje poderá, no futuro, ser até mesmo uma potência” (p. 10) e justifica tal certeza se referindo ao retrocesso que antigas potências europeias, como Grécia, Portugal e Espanha, teriam sofrido em seu desenvolvimento. Equívocos interpretativos dessa natureza comprovam que a autora selecionou alguns temas caros à geografia crítica mantendo, no entanto, interpretações conservadoras sobre eles. Como se vê, os exemplos aqui apresentados revelam descuido para com a geografia ensinada aos alunos das escolas supletivas. Esses exemplos demonstram o predomínio de materiais de baixa qualidade, apressados e equivocados em suas explicações, ligeiros em suas conclusões. A geografia veiculada nessa perspectiva, ainda presente em muitas escolas do país, despreza a condição de trabalhador dos alunos noturnos, impedindo-os de refletir sobre sua relação com a natureza, sua cultura e sua condição de classe. G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

Desenvolve seu conteúdo de forma burocrática e não reflexiva. Como resultado, nega a construção do conhecimento geográfico, o raciocínio espacial e a possibilidade de intervenção na realidade a jovens, adultos e idosos, fazendo-os crer que são eles os únicos responsáveis por não conseguirem entender e aprender essa geografia artificial e nada humana. A PERSPECTIVA CRÍTICA E A GEOGRAFIA DO ALUNO TRABALHADOR Apesar do predomínio da concepção supletiva e das poucas propostas curriculares específicas para a escolarização de jovens e adultos, algumas redes públicas de ensino desenvolveram caminhos alternativos em seus programas supletivos. Em meio ao processo de redemocratização política do país e da consequente ascensão de partidos considerados de esquerda, esses programas tomaram como referência uma série de reivindicações e experiências de grupos que vinham estudando, pesquisando e praticando a Educação de Jovens e Adultos na perspectiva da educação popular e levaram essas formas de abordagem às salas de aula das escolas supletivas. Um desses programas foi o Serviço de Educação de Jovens e Adultos (SEJA), da rede municipal de ensino de Porto Alegre (RS). O SEJA teve início em 1989, inicialmente como proposta para viabilizar a alfabetização de jovens e adultos trabalhadores. Fazendo parte da reformulação geral implementada pela prefeitura6 no sistema de ensino municipal, o SEJA estabeleceu algumas importantes rupturas em relação à concepção supletiva de currículo. A principal delas foi a elaboração e implantação de escolas para trabalhadores, isto é, escolas que levassem em conta a condição de trabalhador de seus alunos em todos os aspectos, desde a organização administrativa à discussão sobre o que, como e por que ensinar. Apoiada na perspectiva do construtivismo interacionista e do legado da educação popular, a proposta do SEJA apresentava uma lógica diferente à supletiva no que concerne também à divisão do tempo 49


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escolar. A seriação dava lugar às totalidades de conhecimento com a intenção de se favorecer e estimular o trabalho interdisciplinar, uma vez que, nessa visão, nenhum fenômeno deve ser abordado de forma isolada. Assim, a organização curricular passou a ser composta por seis totalidades, que equivaliam às séries supletivas apenas para efeito de emissão de boletins e histórico escolar dos alunos. Segundo a proposta, as totalidades tentavam resgatar a unidade do conhecimento perdida com a fragmentação típica da educação bancária (PORTO ALEGRE, 1999). E embora a visão totalizante da prática pedagógica prevalecesse no documento curricular, a proposta mantinha a divisão por disciplinas na fase correspondente ao segundo segmento, entendendo que a contribuição de cada área do conhecimento é fundamental para a compreensão de determinadas problemáticas, desde que analisadas tanto em sua dimensão particular como em seus aspectos totalizantes. Mesmo não possuindo uma carga horária exclusivamente determinada para a geografia, as totalidades iniciais (1, 2 e 3), que correspondiam ao primeiro segmento do ensino fundamental, tinham como objetivo geral para essa área o desenvolvimento da noção de vida em sociedade e pressupunham o trabalho pedagógico a partir de conceitos retirados da vida cotidiana do aluno, como classe social, trabalho, cidadania, entre outros. Já nas totalidades finais (4, 5 e 6), que correspondiam ao segundo segmento do ensino fundamental, a disciplina geografia tinha na sociedade ainda o seu tema central, mas enfocando, desta feita, a luta de classes, o trabalho, o desenvolvimento econômico como acumulação de capital e a pluralidade de olhares dos diferentes grupos (étnicos, de gênero, religiosos etc.). De acordo com o texto da área de geografia (PORTO ALEGRE, 1997), a totalidade 1 previa o trabalho com as relações espaciais centradas no sujeito, isto é, a partir da avaliação das noções de espaço dos alunos, a ação pedagógica seguia para a descentralização espacial, a alfabetização da orientação geográfica e o desenvolvimento da 50

capacidade de localização no espaço cotidiano. Para a totalidade 2 o processo de alfabetização cartográfica era proposto como eixo central. Tomando como referência o espaço vivido, as noções cartográficas deveriam ajudar a compreender a divisão político-administrativa do espaço e sua relação com as diferentes escalas de ação política e níveis de governo. Além disso, o texto ainda sugere a análise do processo de produção do espaço e a relação deste com a condição de classe social e com as situações vividas no trabalho, na participação política, no consumo e nas situações de moradia. A totalidade 3 teria a incumbência de aprofundar o processo de alfabetização cartográfica partindo agora para a utilização de plantas, cartas e mapas com o intuito de avaliar e aplicar as noções obtidas nas totalidades anteriores, bem como proceder e aprofundar a representação espacial das diferentes escalas de ação política. A cidade, com enfoque nas desigualdades sociais, econômicas e culturais, e sua relação com o campo também fazem parte dos temas propostos para esta fase. A totalidade 4 retomava o instrumental cartográfico, dessa vez de forma aprofundada em função da maior especialização do professor. Elementos componentes de uma representação, como escala, redução, proporção e projeções cartográficas, deviam ser trabalhados em sua relação com as intencionalidades e objetivos da representação cartográfica em questão. A geografia urbana também era indicada, tendo como ênfase a análise das relações da cidade com o país e o mundo a partir dos seguintes tópicos: a cidade como elemento capitalista/ industrial e urbano; o conceito de metrópole e regiões metropolitanas; a hipertrofia do espaço urbano; os problemas urbanos (ibid.). O Estado e sua relação com o espaço e a configuração territorial era o foco da totalidade 5. Trazia como principal objetivo “a retomada e o aprofundamento da noção de Estado-nação enquanto instituição político-administrativa, com o intuito de comparar os diferentes níveis de qualidade de vida e dos problemas urbanos entre as regiões do Brasil e os diversos países” (ibid., p. 62). Além disso, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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o documento ainda destacava a compreensão do conceito de Estado frente às ideias de desenvolvimento e de subdesenvolvimento, bem como o seu papel diante da ação das grandes corporações transnacionais e sua atuação no território brasileiro. A totalidade 6 propunha o estudo do Rio Grande do Sul e sua interação com os contextos regional, nacional e internacional. Assim, previa a abordagem dos seguintes temas: a posição periférica do estado frente ao poder central e sua identidade forjada; o binômio cidadecampo e a organização do território gaúcho frente à estrutura agrária e a imigração europeia; a atividade agropecuária e o fenômeno do êxodo rural. Como se vê, a perspectiva crítica se encontrava bastante presente na proposta, tanto na seleção dos conteúdos geográficos como na intenção de desenvolvê-los a partir de uma abordagem interacionista e tendo em vista os preceitos da educação popular. Nesse sentido, o SEJA evidenciava uma possível relação da geografia escolar crítica com a perspectiva construtivista e problematizadora para a EJA. No entanto, ainda que sejam claras as inovações, alguns desafios se mantiveram no que se refere à educação geográfica. Cabe destacar, por exemplo, a ausência de indicações que propiciem o aprofundamento da reflexão sobre a relação entre sociedade e natureza. Reconheço que a proposta do SEJA não amarra o conhecimento a uma listagem pré-determinada, apenas sugere uma série de conteúdos que podem ser priorizados a partir dos temas geradores selecionados por cada unidade escolar, fato que pode desencadear a articulação entre conhecimentos da geografia física e da geografia humana. Identifico também a preocupação com a cartografia escolar não apenas como valor em si mesma, mas sobretudo como instrumental sujeito a manipulações técnicas que podem servir a intencionalidades políticas e ideológicas, além de necessário para interpretações e análises espaciais, inclusive para aquelas que congregam fatores físicos e sociais. Sem dúvida são avanços. Contudo, a falta de atenção para com a análise do G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

espaço geográfico como resultado da interação entre a dinâmica social e a dinâmica da natureza revela, em última análise, o não enfrentamento dessa questão fulcral para a geografia escolar. Apesar dessas ressalvas, porém, acredito que a proposta curricular do SEJA pode ter contribuído para uma prática escolar crítica na geografia que se ensina a jovens e adultos trabalhadores. Seus pressupostos, pelo menos, indicavam esse caminho e, embora saiba que os preceitos e prescrições de um documento curricular não são necessariamente colocados em prática nas escolas, o processo participativo de elaboração, avaliação e reconstrução de sua proposta, relatado em seu texto oficial (PORTO ALEGRE, 1997), pode ter sido o grande estímulo para a sua concretização. QUANDO A EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA CONTRIBUI PARA A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR “FLEXÍVEL” A partir da promulgação das DCNEJA, a EJA tem sido alvo de uma série de diferentes iniciativas. Extinto o ensino supletivo, pelo menos em termos oficiais, a escolarização de jovens e adultos trabalhadores tem se expandido sobremaneira, fato que tem propiciado diversas e diferentes experiências, que se dão tanto em programas implantados por instituições e organizações não governamentais quanto em redes municipais de ensino. No âmbito do governo federal, os últimos dez anos têm revelado uma quantidade bem maior de ações se compararmos com períodos anteriores. Tais ações vão desde a implementação de programas de alfabetização, de elevação de escolaridade e de qualificação profissional (Brasil Alfabetizado, ProJovem e Escola de Fábrica, por exemplo) até a implantação de mecanismos de avaliação da Educação de Jovens e Adultos desenvolvida no país. É no âmbito desta última iniciativa que se encontra o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), alvo de nossas atenções a partir desse momento. Tendo como meta a elevação de escolaridade da população jovem e adulta, o 51


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ENCCEJA evidencia, na verdade, as políticas educacionais dos últimos governos federais que se pautaram na implementação de medidas focais que, segundo Rummert (2007), atendem não somente à necessidade de alteração dos indicadores estatísticos de baixa escolaridade da população brasileira, como também aos interesses do capital em sua atual fase de acumulação flexível. Tais características se revelam, ainda de acordo com a autora, na medida em que o que está em pauta é apenas a ampliação de mecanismos de certificação “atendendo a pequenos contingentes populacionais, aos quais, dadas as suas fragilidades como atores políticos, são oferecidas possibilidades de elevação de escolaridade com caráter precário e aligeirado, porém anunciadas como portadoras potenciais de inclusão” (p. 62). Argumentando a favor de tal análise, Rummert lembra que de todos os exames nacionais existentes (ENEM, SINAES etc.), o ENCCEJA é o único que confere certificados de conclusão7, o que evidencia a maior preocupação dessa iniciativa com a emissão de diplomas em detrimento da garantia efetiva de acesso ao conhecimento. Buscando identificar conteúdos e construir referências para um exame que levasse em conta a especificidade da EJA, o documentoguia do ENCCEJA optou pela elaboração de um quadro de Matrizes de Competências e Habilidades. Tal quadro está relacionado, na verdade, a determinados valores cuja aquisição deve ser também avaliada pelas provas e cujo caráter vai ao encontro do projeto hegemônico de sociedade, que prevê a adaptação dos trabalhadores às novas condições sociais e profissionais introduzidas a partir da reestruturação produtiva de base flexível. E para esse fim, o enfoque nas competências como elementos de ordem mais psicológica que técnica, a partir das quais atitudes e características da personalidade são ressaltadas, se torna imprescindível. Na perspectiva da proposta curricular, a geografia é encarada, em conjunto com a história, como responsável pelo desenvolvimento de estudos interdisciplinares que propiciem a análise e a compreensão da vida em sociedade. Desse 52

modo, essas duas disciplinas possuem uma matriz de competências única e são aglutinadas na área denominada ciências humanas. Para compor a matriz foram elaboradas nove competências específicas para a área, que articuladas aos cinco eixos cognitivos básicos resultam nas habilidades a serem construídas pelos alunos. Dentre as nove competências, destaco aqui quatro8 que se relacionam mais intrinsecamente com os conhecimentos geográficos e é a partir delas que procedo a breve análise da geografia escolar veiculada pela proposta curricular do ENCCEJA. A primeira competência indica que o estudante da EJA deve compreender processos sociais utilizando conhecimentos históricos e geográficos. Nesse sentido, implica a apreensão da noção de processo social, o que requer a percepção de encadeamentos históricos relativos a determinados espaços que se constituem pela ação humana. Ao se articular ao quinto eixo cognitivo da matriz (recorrer aos conhecimentos desenvolvidos para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural), dá origem à habilidade que prevê que o aluno deve considerar o respeito aos valores humanos e à diversidade sociocultural, nas análises de fatos e processos históricos e geográficos. Sem definir o que entende por diversidade sociocultural, no entanto, o documento abre a possibilidade para inúmeras interpretações, dentre as quais para aquelas que levam à ideia de que desigualdades sociais fazem parte da diversidade sociocultural e que, portanto, a diferença entre ricos e pobres e a segregação socioespacial, por exemplo, devem ser também respeitadas e valorizadas na análise de processos histórico-geográficos. Compreender o papel das sociedades no processo de produção do espaço, do território, da paisagem e do lugar é a segunda competência das ciências humanas que traz consigo conceitos geográficos. Para a sua construção, espera-se que o aluno seja capaz de reconhecer o papel das sociedades na constituição do espaço geográfico ao longo da história e na consequente G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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transformação de territórios e paisagens. Identificar fenômenos e fatos histórico-geográficos e suas dimensões espaciais e temporais, utilizando mapas e gráficos é a habilidade que se presume ser construída pelo público da EJA ao relacionar tal competência ao eixo cognitivo que prevê, além do domínio da norma culta da Língua Portuguesa, o uso das linguagens matemática, artística e científica. Destaca-se aí o instrumental cartográfico e a leitura de gráficos na construção da habilidade, porém percebe-se a ausência das artes visuais como facilitadoras da análise dos processos de produção do espaço, ainda que a linguagem artística esteja prevista no próprio eixo cognitivo. A sexta competência deseja que o estudante possa ter condições de interpretar a formação e organização do espaço geográfico brasileiro, considerando diferentes escalas. A princípio, pretende possibilitar a interpretação transversal das escalas geográficas e temporais. No entanto, ao constituir a habilidade na qual se espera analisar interações entre sociedade e natureza na organização do espaço histórico e geográfico, envolvendo a cidade e o campo, deixa fugir, a nosso ver, tal possibilidade, pois não evidencia o jogo interpretativo das escalas na relação entre sociedade e natureza, bem como entre campo e cidade. Além disso, não se leva em conta a dimensão do conflito, isto é, os diferentes interesses que se dão em âmbito local, regional, nacional ou internacional quando nos voltamos para a análise dos fenômenos socioespaciais oriundos tanto da relação sociedade-natureza quanto da relação campo-cidade. A ausência do conflito parece mesmo marcar as proposições do documento. A sétima competência, cuja intenção é fazer com que o jovem e adulto trabalhador se perceba integrante, dependente e agente transformador do ambiente, também não pressupõe a existência de conflitos antagônicos entre agentes sociais e políticos no enfrentamento da problemática ambiental. Da forma com que as habilidades oriundas dessa competência são apresentadas, nos parece que a concepção que prevalece é a de que tal G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 4 5 - 5 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

enfrentamento exige apenas a união de todos em prol da conservação do ambiente, onde cada um faz a sua parte e, por si só, em um passe de mágica, florestas deixarão de ser devastadas e animais serão salvos. Ao pretender identificar a presença dos recursos naturais na organização do espaço geográfico, relacionando transformações naturais e intervenção humana, uma das habilidades previstas para essa competência, a matriz toca justamente em uma das questões mais delicadas no que concerne aos fenômenos geográficos de cunho ambiental: a exploração dos recursos naturais. Tem o mérito de propiciar a articulação entre fenômenos sociais e naturais. Mas, ao tratar da intervenção humana sem evidenciar o conflito e a contradição entre o modelo de desenvolvimento econômico levado a cabo pelo capital e projetos alternativos de sociedade, deixa escapar a construção do pensamento crítico e impede a ideia de que um outro mundo é possível. Nesse sentido, a educação geográfica aí exposta não permite pensar o espaço geográfico como uma totalidade que se faz notar nos lugares, pois não problematiza aspectos estruturais que condicionam a produção do espaço pela sociedade e pouco estimula a reflexão desses aspectos e suas implicações nos espaços e territórios de vida dos estudantes. Além disso, ao deixar de abordar conteúdos da geografia física, não supera a visão fragmentada da relação sociedade-natureza, o que pode acarretar sérias dificuldades, por parte do público da EJA, em construir uma visão de mundo integradora e de fato totalizante. O resultado é claro: sem a possibilidade de visão do wtodo, o estudante de EJA analisa a parte, a toma como o real a ser enfrentado de forma fragmentada e naturaliza as relações sociais constituídas historicamente. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA FINALIZAR Investigar a educação geográfica voltada para o público jovem e adulto trabalhador requer atenta análise do contexto político em que se inserem a elaboração e a implementação de diferentes propostas curriculares e materiais 53


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didáticos, bem como da sua influência no processo de seleção cultural e de recontextualização dos discursos geográficos e pedagógicos referentes à EJA. Como foi visto, a trajetória histórica do ensino de geografia na EJA não deixa dúvidas quanto às marcas e características de diferentes visões e concepções sobre o que é educação escolar, o que é geografia, o que é currículo, o que é Educação de Jovens e Adultos. Verdadeiros territórios do conhecimento são constituídos e sobrepostos nos documentos oficiais, nas práticas dos professores e na construção intelectual dos estudantes. Frutos de intencionalidades, conflitos e contradições, esses territórios, embora demarcados por fronteiras fluidas, são convertidos em ação política quando utilizados tanto em direção à manutenção das forças hegemônicas quanto em direção à práxis transformadora.

NOTAS As duas coleções didáticas analisadas foram selecionadas a partir de breve pesquisa em sebos virtuais. A escolha pautou-se em critérios cronológicos e nas características da obra referentes ao conteúdo geográfico.

Vale lembrar que os exames supletivos vigoram até hoje sob responsabilidade das redes estaduais de ensino. 2

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Este trecho não se encontra paginado.

Para Moreira (2006), este esquema se configura em “uma operação metodológico-discursiva simples na geografia: descreve-se primeiro a natureza, depois a população e por fim a economia. Sempre nesta ordem. E quando esta é alterada, apenas muda-se formalmente a sequência” (p. 10). 4

5

Este trecho não se encontra paginado.

Em 1989, assume a Prefeitura de Porto Alegre o então bancário Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores (PT). A presença deste partido no governo porto-alegrense perduraria por mais três gestões e as transformações implementadas no sistema municipal de ensino durante esse período se tornariam referência para muitos outros governos locais. 6

A adesão ao ENCCEJA é opcional e está disponível às secretarias estaduais e municipais de educação. Quanto à certificação “cabe às Secretarias de Educação, que aderirem ao Encceja, definirem como e para quê utilizarão seus resultados, bem como a responsabilidade pela emissão dos documentos necessários, quando for o caso, para a certificação de estudos no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, em cumprimento ao disposto no inciso VII, do Artigo 24, da Lei nº 9.394/96 (LDB)” (Disponível em: http://encceja.inep.gov.br/ Acesso em 13 abr. 2008). 7

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Pela ordem que aparecem na Matriz de Competências e Habilidades, analisamos a primeira, a segunda, a sexta e a sétima competências. 8

REFERÊNCIAS FERREIRA, M. S. A história da disciplina escolar Ciências no Colégio Pedro II (1960-1980). 212 f. Tese (Doutorado em Educação)– BELTRAME, Zoraide Victorello. Geografia: os continentes. Curso supletivo, vol. 2. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1989. BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. In: SOARES, Leôncio. Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. _______. Ministério da Educação. Exame Nacional de Certificação das Competências de Jovens e Adultos. Livro Introdutório: Documento básico: ensino fundamental e médio. Brasília: MEC: INEP, 2002a. BRASIL. Ministério da Educação. Exame Nacional de Certificação das Competências de Jovens e Adultos. História e geografia, ciências humanas e suas tecnologias: livro do professor: ensino fundamental e médio. Brasília: MEC/INEP, 2002b. _______. Ministério da Educação. Exame Nacional de Certificação das Competências de Jovens e Adultos. História e geografia: livro do estudante: ensino fundamental. Brasília: MEC: INEP, 2002c. DINIZ, Souza. História – Geografia (supletivo). São Paulo: Editora Washington, s/d. MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico?: por uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2006. PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal de Educação. Em busca da unidade perdida: totalidades de conhecimento: um currículo em educação popular. Cadernos Pedagógicos, nº 8, Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação, 1997. _______. A práxis na construção do currículo do SEJA. In: SILVA, Luiz Heron da (Org.). Escola cidadã: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 1999. RUMMERT, Sonia M. A educação de jovens e adultos trabalhadores brasileiros no século XXI. O “novo” que reitera antiga destituição de direitos. In: ___. Gramsci, trabalho e educação: jovens pouco escolarizados no Brasil actual. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2007. (Cadernos Sísifo: 4).

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A IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UM BREVE BALANÇO SOBRE SUA PRÁTICA NO ENSINO DE GEOGRAFIA

THE IDEOLOGY OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT: A BRIEF BALANCE ABOUT ITS PRACTICE IN GEOGRAPHY TEACHING

L E A ND R O DIA S DE OLI VEI RA 1

Licenciado (UERJ-FFP), Mestre (UERJ) e Doutor em Geografia (UNICAMP) Professor Adjunto do Curso de Geografia da UFRRJ (Campus Seropédica) Coordenador do LAGEPPE – Laboratório de Geografia Política e Práticas Educativas / UFRRJ leand rodi as @ufrrj .br

F E L IP E DE S O UZA RAM ÃO

Licenciado em Geografia (FERLAGOS), Especialista em Ensino de Geografia (UERJ/FFP) Especialista em Educação Ambiental (IFF – Cabo Frio) e Mestrando em Geografia (UERJ/FFP) Professor da Secretaria Estadual de Educação – RJ f elipes ouzas pa@gmai l .co m

MA R C O S V IN I CI US N. DE M ELO

Licenciado em Geografia (FERLAGOS) e Especialista em Educação Ambiental (IFF – Cabo Frio) Professor da Secretaria Estadual de Educação – RJ mv.geografi a@bol .com.br

RESU M O: E S T E A RT IG O , E S C R I T O N O Â M B I T O D O C U RS O DE GE OGRAFIA DA FE RLAGOS ( FAC ULDADE DA RE GIÃO DOS L AGOS), TEM C OMO E S COP O R E A L I Z A R U M B A L A N Ç O D E D E Z A NOS – E NT RE A P UBLIC AÇ ÃO DA M ONOGRAFIA INT IT ULADA “A IDEOL OGI A D O D E S E N V OLV IM E N T O S U S T E N TÁV EL N O EN S I N O D E GE OGRAFIA”, DE L. D. DE OLIVE IRA ( 2 0 0 1 ) E AS AT UAIS E XP ERI ÊNCI AS D OCEN T E S E D E P E S Q U I S A D E S EU S A U T O R ES – D A ADOÇ ÃO DO DE S E NVOLVIM E NT O S US T E NTÁVE L NO E NS INO DE GEOGRAF I A N OS N ÍV E IS FU N D A M EN TA L E M É D I O . PALAVRA S-C HAV E: DE SE NVOLVI M E NT O SUST E NTÁVE L ; I D E O L O G I A ; E N S I N O D E G E O G R A FI A .

ABST RAC T: T HIS A RTI C L E, W R I T T E N AT T H E S C O P E OF T H E GE OGRAP H Y C OURS E OF FE RLAGOS ( FAC ULDADE DA REGI ÃO D OS L A G OS ), HA S T H E O B JEC TI V E O F F U L F I L L I N G A T E N Y E ARS BALANC E – BE T W E E N T H E P UBLIC AT ION OF T H E M O NOGRAPH EN TIT LE D “A ID E OLOG I A D O D E S EN V O LV I M E N T O S U S TE NTÁVE L NO E NS INO DA GE OGRAFIA”, BY L. D. DE OLIVE IRA ( 2001) AND THE P R E S E N T A U T H OR ’ S T E A C H I N G A N D R ES EA R C H E XP E RIE NC E S – OF T H E ADOP T ION OF S US TAINABLE DE VE LOP M ENT I N THE G EOG R A P HY T E A C H ING . KEYWORDS : SUSTAINABL E DE VE L OPM E NT; I DE OL OGY; E D U C AT I O N O F G E O G R A P H Y.

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INTRODUÇÃO É possível afirmar que em um intermezzo de dez-quinze anos, a concepção de desenvolvimento sustentável deixou de representar uma solução muito bem-vinda para os problemas ecológicos mundiais e ser compreendido como um modelo redentor dos males da humanidade para ser objeto de desconfiança. Apesar de sua capacidade sedutora, sua ineficácia, em grande parte, mas particularmente pelo fato de sua implementação não significar profundas mudanças no estatuto da natureza para o capital, fez com que nosso alertas para sua capacidade ideológica (OLIVEIRA, 2001, 2005, 2006, 2007 e 2011; RAMÃO, 2008 E 2010; MELLO, 2010; OLIVEIRA, RAMÃO e MELO, 2011 e 2012) deixassem de causar indignação e confrontamento imediato para se tornar uma obviedade. Mas, ainda que a massa crítica tenha neste curto intervalo de tempo notado o quanto é limitada esta opção de desenvolvimento, no campo político-econômico este modelo se consolidou de tal maneira que se tornou lugar-comum. A crítica ao desenvolvimento sustentável, à revelia do que possa parecer, nunca foi tão urgente quanto nos dias atuais, pois se consolidou como ideologia – como o alerta desde 2001, o termo per se é um chamariz de críticas, mas seus desdobramentos práticos vão paulatinamente se capilarizando no espaço – e, de certo modo, assumiu sua postura mais agressiva, como se notou na Rio + 20 voltada para a construção de uma “economia verde” (OLIVEIRA, 2014). Este artigo que apresentamos é uma síntese dos nossos diálogos e resultado de um frutífero esforço que envolveu pesquisa, prática docente / discente e militância política. A primeira e segunda parte baseia-se na releitura da monografia de conclusão de graduação “A ideologia do desenvolvimento sustentável no ensino de geografia” (2001), de Leandro Dias de Oliveira, quando é apresentada uma reflexão sobre as origens do desenvolvimento sustentável e sua transmutação em uma matriz ideológica. A terceira parte, alicerçada na monografia de conclusão de graduação de Marcos Vinicius 56

N. de Melo, “A ideologia do desenvolvimento sustentável na prática do ensino de geografia no ensino médio” (2010), propõe uma perspectiva socioconstrutivista por parte da atuação do professor de geografia no diálogo sobre a problemática ambiental contemporânea e a adoção do desenvolvimento sustentável em sala de aula. Por fim, antes das considerações finais, há uma análise crítica dos livros didáticos de geografia, com base no trabalho monográfico de pós-graduação de autoria de Felipe de Souza Ramão, intitulado “A incorporação do discurso do desenvolvimento sustentável no ensino de geografia” (2010), onde é possível observar, através de uma leitura meticulosa, o quanto tal ideologia por vezes é adotada como pensamento comum. Marx e Engels (2001) afirmavam, de forma contundente, que “as ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante”. Este pensamento clarifica com singular propriedade nossa preocupação de analisarmos a concepção de desenvolvimento sustentável, que vem sendo apresentado como um receituário “inconteste” para a consecução de um equilíbrio socioecológico planetário. Investigar a concepção de desenvolvimento sustentável (compreendendo seu surgimento, evolução e desdobramentos práticos) é uma ambiciosa proposta de entendimento da multifacetada questão ambiental, que se potencializa como grande enigma teórico-prático do século que ainda se inicia. SOBRE O SURGIMENTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL As raízes do desenvolvimento sustentável estão vinculadas às ideias liberais conservacionistas – que remete ao uso racional da natureza, ou, segundo palavras de MartínezAlier (2007), ao “evangelho da ecoeficiência” – de Gifford Pinchot, no final do século XIX (DIEGUES, 1996). Os Estados Unidos foram precursores nas ideias ambientais, com o pioneirismo de Pinchot e John Muir, progenitores dos ideais de G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


LEAN D RO D IAS D E OLIV EIRA, FELIP E D E S OUZA RAMÃO E MARCOS V IN ICIUS N. DE M E L O

conservacionismo e preservacionismo (natureza intocada, segregada em parques), que eram figuras importantes no final do século XIX no contexto norte-americano. Apesar destas raízes, podemos apontar como marco simbólico do nascituro da problemática ambiental contemporânea o pósguerra, com o impacto dos artefatos nucleares que abalaram o subconsciente da humanidade e invadiu o imaginário mundial como prova de que o mundo poderia ser destruído. As bombas de Hiroshima e Nagasaki, além de um descomunal exercício de poder que abalroou a virtude humana, demonstrou com exemplar capacidade didática a debilidade da natureza perante a ignorância humana. Com este cenário, movimentos diversos, entre eles o ambientalista, trouxeram a natureza para a arena do debate (geo) político. O fim do mundo era uma profecia reabilitada. Entre movimentos populares pró-meio ambiente e conferências já vinculadas ao sistema ONU, patrocinados por diferentes entidades governamentais ou não, emergia, particularmente nos países centrais, uma defesa entusiástica dos recursos naturais em contraposição às questões de cunho social. O grande marco simbólico deste processo é a publicação da obra “Limites do Crescimento” (The Limits to Growth), no ano de 1972, um relatório realizado pelo MIT (Instituto Tecnológico de Massachussets), com a liderança de Dennis Meadows e sob encomenda do Clube de Roma, que reunia intelectuais, empresários e diversos nomes vinculados ao status quo mundial. O denominado Clube de Roma tinha como objetivo primordial trabalhar a problemática do aumento populacional e a pressão exercida por este crescimento na destruição dos ecossistemas e dos recursos não-renováveis (LEMOS, 1991, p.4). Tal estudo representa grande pioneirismo no que se refere à questão do “meio ambiente” versus “desenvolvimento econômico” no debate geopolítico contemporâneo e implicou na consolidação, no âmbito acadêmico-universitário, da questão ambiental, uma vez que se multiplicou o número de trabalhos envolvendo a temática G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

(OLIVEIRA, 2012). Ainda que a gênese do conceito de desenvolvimento sustentável já estivesse intrínseca à discussão proposta no documento, na busca por um “equilíbrio que fosse sustentável em um futuro longínquo” (MEADOWS, 1973, p. 162), o “Limites do Crescimento” não lograva o encontro dentre economia e ecologia, mas sim um enfrentamento que não interessava sobremaneira às necessidades de ajuste da máquina econômica mundial. Tal problema se repetiu na primeira grande conferência sobre meio ambiente, que aconteceu na cidade de Estocolmo. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Estocolmo – 1972) esteve marcada pelo dissenso entre países centrais e periféricos nas soluções para o veloz e destrutivo desenvolvimento capitalista mundial. Nesta conferência não foi promulgada uma ideia consensual que conclamasse os países centrais e periféricos a executarem estratagemas comuns, pois Estocolmo foi o palco do confronto entre os chamados “Zeristas” – aqueles que defendiam a contenção do desenvolvimento econômico como maneira de evitar o esgotamento dos recursos naturais (países desenvolvidos) – contra os “Desenvolvimentistas” – grupo marcadamente formado por países periféricos que reivindicavam o crescimento econômico, ainda que com o ônus da poluição (EVASO, 1992, p. 94; RODRIGUES, 1993, p. 120). Os recursos não-renováveis deveriam “ser utilizados de forma a evitar o perigo de seu esgotamento futuro e assegurar que toda a humanidade participe de tal uso” (JUNGSTEDT, 1999, p. 7). Esta discussão sobre o uso dos “recursos naturais” obedecia à lógica de manutenção da reprodução do capital, destacando-se o interesse de obstruir o crescimento dos países ditos “subdesenvolvidos” e estimulá-los a seguir a cartilha dos países mais poderosos. Entretanto, mal acabara a conferência onde se salientou a importância dos recursos naturais para a máquina capitalista, e ocorre um fato que era motivo de grandes preocupações para os Países Centrais: um enfrentamento com países periféricos, através do que conhecemos 57


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como Crise do Petróleo. O choque causado pelo aumento dos preços e embargo árabe às exportações do petróleo ao Ocidente gerou uma crise de proporções gigantescas, pois debilitou o consumo de energia e desestabilizou os mercados financeiros mundiais (HARVEY, 1992, p. 136). Ou seja, uma crise causada por países periféricos então detentores das riquezas naturais! Logo, a preocupação não poderia ser somente a obliteração da natureza enquanto recurso; também ficava claro que uma gestão protocolar dos recursos naturais dos países periféricos era vital, para que assim se impedisse choques decorrentes da falta de fornecimento dos recursos naturais pela periferia. A Crise do Petróleo serviu para “sufocar” ainda mais o regime fordista (HARVEY, 1992), o que ocasionou, nas décadas seguintes, um “boom” industrial obtido sem maiores preocupações ambientais. A técnica e a ciência continuaram por subjugar a natureza em prol de grandes lucros. Com a deficiência na profilaxia idealizada nas discussões da Conferência de Estocolmo, assistimos uma aceleração contínua de efeitos que retratam um processo incontestável de “destruição” ecológica: desertificação, efeito estufa, destruição da camada de ozônio, inversão térmica, desmatamento, poluição do ar, dos rios e mares, ameaças nucleares, lixo tóxico, enfim, a ascensão do discurso de Apocalipse Now, sob a denominação de “Crise Ambiental”. O temor de que a destruição da reprodução capitalista fosse causada pelo esgotamento dos recursos naturais tornou-se, definitivamente, assunto de repercussão em discussões econômicas mundiais. Objetivando uma “solução” urgente para a “problemática” ambiental, é aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1983, a criação de uma equipe para trabalhar esta questão, que recebe o nome de Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a presidência da primeiraministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. Esta comissão publica o resultado de suas observações em 1987, sob o nome de “Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland” (BRUNDTLAND, 1988). 58

O Relatório Brundtland [Nosso Futuro Comum] foi o documento das Nações Unidas que apontava a solução – definitiva, indelével, incontestável – para as catástrofes sócioambientais emergentes e a obliteração dos valiosos recursos da natureza: o desenvolvimento sustentável, definido como o modelo que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND: 1988, p. 46). Resultado dos quatro anos de esforços da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1983, e presidida pela primeira ministra norueguesa (e líder do partido trabalhista) Gro Harlem Brundtland, seu objetivo de apreciar possíveis “soluções” para os grandes problemas ambientais (e sociais), visando paulatinamente indicar a implementação de mudanças práticas e apontar os principais entraves para a execução das reformas propostas. O Relatório Brundltand elegeu a necessidade da consecução do desenvolvimento sustentável – ajustado aos pressupostos do neoliberalismo econômico (OLIVEIRA, 2007) – como base para uma utilização mais adequada da natureza para satisfação das necessidades humanas. Todavia, esta concepção é coroada e celebrada na Conferência do Rio de Janeiro, através da assinatura de um receituário denominado Agenda 21, onde a partir de então todos os países centrais ou periféricos deveriam adotar os seus pressupostos e implementar suas estratégias de consecução. A segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO – 92), programada durante convocação da ONU em 22 de dezembro de 1989 A Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a CNUMAD-92 (ECO-92), no Rio de Janeiro. A escolha recaiu sobre o Brasil, um país de industrialização tardia, aprazível pelo fato de haver um governo que seguia os pressupostos de uma economia liberal. Vale ressaltar que o Brasil possui em seu território um imenso G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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patrimônio natural: a Amazônia, indubitável fonte de riquezas, de pesquisa, de royalties e patentes, principalmente se imaginarmos a riqueza genética ainda não explorada. A ECO-92 caracterizou-se pela celebração do desenvolvimento sustentável através, principalmente, de um documento chamado Agenda 21 (1996). A Agenda 21 é um receituário para “acertos” de ordem ecológica, e em sua retórica aparecem em um mesmo patamar estratégias para os diversos países do mundo. Assim, a Agenda 21 é a grande bíblia para a consecução do desenvolvimento sustentável; oferece um verdadeiro plano de metas gerais para serem cumpridas religiosamente por todos os “interessados” em alcançá-lo. Influindo em diversas áreas e criando políticas diretivas bastante abrangentes, tudo passa a ser refletido segundo sua “sustentabilidade”: “agricultura sustentável”, “dinâmica demográfica sustentável”, “padrões de consumo sustentável”, “sustentabilidade do produto”, entre outros. A impregnação da “sustentabilidade” em toda a política econômica e social mostra o claro interesse em contaminar a todos com este ideal e sua carga de convicções. Entendemos, por fim, que a ECO-92 foi uma tentativa de ajuste dos mais diversos problemas ambientais visando a manutenção da relação centro-periferia (OLIVEIRA, 2009), e também a adaptação do capitalismo às possíveis dificuldades de regulação e extinção dos recursos naturais fundamentais à reprodução do capital. IDEOLOGIA: DE CONCEPÇÃO HEGEMÔNICA A IDEAL COMUM A necessidade maior da ideologia é ocultar a realidade das diferenças de classe, fazendo com que as ideias dominantes pareçam verdadeiras para todas as classes (CHAUÍ, 1982, p. 87). Isto porque, a classe hegemônica necessita não somente do controle das relações materiais, mas também da dominação da produção intelectual, instrumentalizando-o com seus mecanismos de propagação. A ideologia promove uma barreira às classes subalternas, por ocultar a luta de classes e ainda colocar em prática os ideais dominantes G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

com a ajuda da própria classe dominada. Então, apontamos que o desenvolvimento sustentável é o que podemos denominar como ideologia (OLIVEIRA, 2001, 2002, 2003, 2005, 2006 e 2007). E enxergamos ideologia como uma consciência falsa da realidade, que serve para mascarar as contradições da luta de classes, mantendo esta dominação, e fazendo com que a classe dominada não perceba que esta ideologia tem sua gênese na classe dominante. O desenvolvimento sustentável representa, principalmente, dois objetivos centrais: (1) a manutenção da reprodução do capitalismo e sua consolidação global no controle da natureza enquanto recurso e (2) a manutenção da pressão Centro/Periferia através da gestão dos recursos naturais dos “países dependentes”. Logo, não estamos diante de uma proposta alternativa, pois o desenvolvimento sustentável significa um ajuste da ordem vigente sem que se ataque os pilares da conjuntura hegemônica atual. O desenvolvimento sustentável atende aos anseios da classe dominante, pois mantém o sistema atual e as disposições em vigor. Mas esta ideologia do desenvolvimento sustentável fica disfarçada mediante um potente discurso de “Proteção à Natureza”, com a aparência de “bula para salvação do mundo”, que confere uma ilusão de um discurso menos agressor para com o domínio do homem para com a natureza. Ao absorver inclusive as classes dominadas, a ideologia do desenvolvimento sustentável configura-se como um mecanismo de dominação. Com esta plataforma bem alicerçada, hoje, dificilmente se permanece imune aos seus reflexos. A ideologia atinge o seu grande objetivo quando se torna, indubitavelmente, senso comum. Nosso trabalho então, impreterivelmente, preocupa-se com a prática da geografia em relação à ideologia do desenvolvimento sustentável. O professor de geografia é um artífice incansável na luta pela construção do saber crítico, que geralmente ambiciona fazer de suas aulas importantes palcos de acalorados debates. Independente da maneira de pensar ou forma de aplicação de conteúdo, ele é um sujeito 59


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fundamental na realização de uma práxis social transformadora. Sobre o papel do professor de geografia Os professores – não somente aqueles vinculados à geografia, evidentemente! – são peças fundamentais no processo de conscientização da sociedade, e desta maneira, pelo questionamento à ideologia do desenvolvimento sustentável. São sujeitos na construção, junto aos seus alunos, de reflexões acerca do “uso / consumo da natureza”, transformando-os em atores conscientes e comprometidos com a sociedade. Como alerta José W. Vesentini (2008, p. 15): Em outros termos, o conhecimento a ser alcançado no ensino, na perspectiva de uma geografia crítica, não se localiza no professor ou na ciência a ser “ensinada” ou vulgarizada, e sim no real, no meio em que aluno e professor estão situados e é fruto da práxis coletiva dos grupos sociais. Integrar o educando no meio significa deixá-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na história. O próprio estudo da natureza em si é condição sine qua non para o seu uso pela sociedade moderna. Tornou-se um dos grandes desafios do século XXI resolver os enormes problemas ambientais colocados por esse uso de forma intensiva. Para uma abordagem da problemática ambiental não podemos concordar com medidas paliativas: devemos destacadamente buscar soluções concretas e de alcance macro-escalar. No processo de implementação do desenvolvimento sustentável, a educação ambiental acaba por tornar-se um instrumento fundamental de alienação, em uma prática que não incorpora reflexões sobre o modelo de consumo dos bens naturais, consolidando-se como uma importante ferramenta para a absorção do desenvolvimento sustentável. O ensino da Geografia, aceitando acriticamente os propósitos de uma “educação ambiental” previamente formulada para o desenvolvimento sustentável, acaba por atender 60

aos indubitáveis interesses hegemônicos (OLIVEIRA, 2001; MELO, 2010). Uma das formas de levar à prática de ensino reflexivo as comunidades é pela ação direta do professor na sala de aula e em atividades extracurriculares. Através de atividades como leituras, análises de caso, pesquisas e debates, os alunos poderão entender e tecer problemáticas que afetam a comunidade onde vivem, e assim, serão levados a refletir e criticar as ações de sua vivência. Não é interesse aqui oferecer respostas prontas, mas indagações em relação a assuntos e problemas específicos, tendo o ensino de geografia como principal motivador das questões a serem abordadas. Reafirmamos que para a aprendizagem, no que se refere ao diálogo fundamental sobre a problemática ambiental contemporânea e a persuasão da ideologia do desenvolvimento sustentável, a prática socioespacial seria a melhor saída para o entendimento da concretude da questão supracitada. Com a dificuldade de demonstração e exemplificação do termo desenvolvimento sustentável em suas bases reais, torna-se necessário examinarmos métodos para a busca por um entendimento do desenvolvimento sustentável. Assim, a perspectiva socioconstrutivista, oriunda dos estudos de Vygotsky (1896-1934), entendida como uma denominação que “concebe o ensino como uma intervenção intencional nos processos intelectuais, sociais e afetivos do aluno, buscando sua relação consciente e ativa com os objetivos de conhecimento” (CAVALCANTI, 2002, p. 31), se apresenta como importante alternativa. Tendo em vista que a aprendizagem socioconstrutivista se inicia internamente com estímulos e influências externos, poderemos expor, inspirados na obra de Lana Cavalcanti (2002), uma nova abordagem para o termo desenvolvimento sustentável, identificando o papel de cada agente envolvido no processo educativo: Professores, Alunos e Escola. O professor tem um papel preponderante nessa perspectiva como mediador dos saberes. Partindo da premissa que os conhecimentos diversos e intrínsecos aos alunos, o professor G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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tem que buscar os questionamentos para sua aula com práticas não-diretivas. A busca do professor é uma incessante problematização das questões em sala de aula, o que não significa dizer que haja um rompimento definitivo com as formas convencionais de encaminhar o ensino, como as aulas expositivas, trabalhos de leitura e interpretação de textos, além de atividades extraclasses (CAVALCANTI, op. cit., p. 19). A problematização e os questionamentos fazem parte da prática socioconstrutivista, tendo como mola propulsora o questionamento dos discursos que são presentes na sociedade, nos conceitos e nas terminologias. Afinal, um conceito “não se forma ou se constrói na mente do indivíduo por transferência direta, ou por assimilação reprodutiva”, e ainda “as indicações para a formação de conceitos no ensino, na linha de uma didática histórico-crítica, recomendam o confronto de conceitos científicos e conceitos cotidianos” (CAVALCANTI, op. cit., p. 15). Além da problematização, o professor deve abordar os confrontos conceituais que impetram a sociedade e também o conhecimento geográfico, mediando os debates incentivados em sua pratica docente. O aluno, na perspectiva socioconstrutivista, se diferencia das demais práticas de ensino pela sua participação na elaboração de uma aula reflexiva e não-reprodutiva. Partindo de uma abordagem sociocrítica da aprendizagem, o aluno torna-se construtor de conhecimento e não mais ser passivo em relação ao conhecimento, ou seja, um sujeito ativo do processo (CAVALCANTI, op. cit., p. 30). Se antes o aluno era apático, indiferente e reprodutor do conhecimento, com essa prática o mesmo poderá se tornar um ativo em seus questionamentos e em sua rotina cidadã, tendo como objetivo central a igualdade social. O aluno como produtor de conhecimento vem eliminar a prática de memorização que há tanto tempo esta impregnada no ensino e que torna a geografia uma disciplina simplória e enfadonha. A escola será um agente basilar na implementação da aprendizagem socioconstrutivista, propondo um ensino crítico e de ação reflexiva em todo o seu entorno. E um dos maiores desafios da escola G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

atual é superar a aplicação de seus conteúdos através de práticas onde predominem apenas alguns resquícios socioconstrutivistas, de forma hibridizada. É fundamental que se supere esta experiência de “socioconstrutivismo seletivo”, onde se adota um modelo que ainda incentiva disfarçadamente a memorização e a reprodução dos conceitos. Afinal, pensar o desenvolvimento sustentável através do socioconstrutivismo é uma maneira importante de evitar oferecer ao público discente apenas a interpretação pronta de um modelo gestado pela intelligentsia dos países centrais. O LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA COMO UMA FERRAMENTA DE REPRODUÇÃO DA IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL O livro didático é uma ferramenta muito importante no processo ensino-aprendizagem, pois condensa vários conteúdos das disciplinas, podendo servir de apoio durante as aulas ou como base de estudos para o aluno. Concomitantemente, o livro didático pode servir como aprisionamento do professor, quando este tem o livro didático como única ferramenta e o encara como receptáculo de verdades absolutas, podendo se tornar um veículo para a expansão de discursos dominantes. A. C. Castrogiovanni e L. B. Goulart (2001, p. 129) analisam o livro didático de maneira específica, fugindo das generalizações e rotulações, lembrando que “temos nos deparado com muitas críticas quanto aos atuais livros didáticos de geografia”, e desta maneira, quando analisamos certos livros didáticos, para além de certos absurdos encontrados,“deparamo-nos mais recentemente com a publicação de obras que merecem considerações elogiosas, podendo contribuir de maneira significativa para o trabalho do professor”. Igor Moreira e Elizabeth Auricchio (2007, p. 09, Manual do Professor) complementam essa discussão, quando afirmam que: [...] sendo o conhecimento uma abstração 61


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incompleta e precária da realidade, qualquer livro é apenas uma forma de apreender a realidade, partindo-se da visão e do processo cognitivo de um autor (ou autores) em um determinado momento. É assim que alunos e professores devem considerar qualquer livro, sobretudo o didático, isto é, como uma referência, um recurso a ser usado no processo de ensino-aprendizagem. No livro didático de Geografia será possível encontrar ainda alguns atenuantes dessas ressalvas feitas: primeiramente, sua posição no contexto espaço-temporal, as condições políticas, econômicas, culturais e sociais desse momento, junto com os fatores já destacados, referentes ao autor do livro. Posteriormente, o seu caráter mercadológico, já que o livro é um produto a ser vendido e está em competição com outras opções de livros didáticos, dentro de um mercado competitivo de editoras e dos parâmetros do governo. Dessa forma, muitos livros já nascem comprometidos em obedecer ou serem guiados por perspectivas, temas, parâmetros e conteúdos, que além de serem importantes, estão em voga em um dado espaço-tempo. É quase impossível pensar em um livro de Geografia atual que não trate do tema meio ambiente, por exemplo. Todavia, se no atual momento esse conceito tem sido trabalhado ou apresentado de forma constante, pode-se dizer que esse esforço é recente. É possível afirmar, de forma preliminar, que no caso brasileiro, a incorporação dessa temática nos livros didáticos de Geografia se dá de forma tímida, restrita a alguns autores na década de 80 e consegue maior visibilidade apenas a partir da década de 90. Concentrando em exemplares de J.W. Vesentini e Igor Moreira (dois autores consagrados na produção de livros didáticos de Geografia), entre as décadas de 70 e 00, é possível construir um pequeno balanço da evolução dessa temática. Obviamente, que esse exame não se estende a todos os exemplares dos livros didáticos de Geografia, mas representa a visão de autores 62

consagrados, centrais e representantes das maiores editoras brasileiras, ou seja, de livros com circulação nacional, que irão influenciar inclusive outras obras de cunho didático. O tema conservação do ambiente, ou sua relação com o desenvolvimento, não era tão debatido com tanta veemência, percebe-se que para alguns autores, a questão ambiental era algo menor, pois o Brasil enfrentava a Ditadura Militar, com a sua lógica desenvolvimentista e a supressão das liberdades. A geografia brasileira, via de regra, vinha se mostrando refém deste tipo de predileção, com a supremacia da questão econômico-social sobre os discursos ambientalistas, encarados com ironia e visto até mesmo como uma afronta aos marxistas. Em artigo desse período, que elucida bem o que afirmamos, Ricardo Antônio da Paixão (1982, p. 285-286) aponta que: [...] Muitos ainda negam a existência da referida questão, pelo menos no que diz respeito aos países considerados subdesenvolvidos, entre os quais, aliás, se inclui a formação social. Argumenta-se que países como o nosso não se pode dar ao ‘luxo’ de ter preocupações ambientais devido à urgência de apresentarmos soluções para problemas sociais mais graves. [...] Daí sermos chamados a auxiliar a crítica, no que somos prontamente tachados de ‘pequenos burgueses’, ao mesmo tempo em que os indiferentes à causa ambiental se autorotulam de ‘revolucionários’ em favor de uma causa social mais ampla. O autor alcança o âmago da questão, expondo praticamente a única linha aceita de um geógrafo “crítico” dessa época, como se a relação sociedade-natureza não se implicasse na questão social. Assim, o autor afirma que a discussão da relação sociedade-natureza, partindo da compreensão do espaço geográfico, é a própria razão de ser e existir da geografia. A popularização do desenvolvimento sustentável, simbolizada no Brasil com a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente (a G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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ECO 92), transformou o debate sobre a relação do desenvolvimento com o meio ambiente. Na prática, os livros didáticos começam a adquirir mais páginas sobre o assunto, fazendo com que o mesmo se torne um capítulo ou mais, e até mesmo uma unidade², tratando de impactos ambientais, em escala global e nacional, nas mais diversas intensidades e formas; e das formas de conservação do ambiente, ou seja, de como frear os impactos ambientais, nesse novo momento tendo o desenvolvimento sustentável como solução. No caso dos autores citados, tanto Vesentini, que apresentava uma discussão concisa desde a década de 80 sobre o meio ambiente, identificando nos sistemas econômicos a matriz de degradação, quanto Moreira, que seguia o discurso desenvolvimentista da ditadura militar, tendo o crescimento econômico como justificativa para a degradação ambiental, convergem na atualidade no que se diz respeito ao debate do meio ambiente, agora ambos pautados na reprodução do discurso do desenvolvimento sustentável. O poder de um discurso é muito importante para modificar a visão de vários autores, que, atualmente, compartilham dos ideais de sustentabilidade. David Harvey (2008) afirma que nenhum modo de pensamento se torna dominante sem propor um aparato conceitual, esse corpo de ideias pode mobilizar as nossas sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos. Se bem-sucedido esse aparato conceitual se incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido por certo e livre de questionamento, ou seja, é o que se observa na prática com a concepção de desenvolvimento sustentável, que se alastrou pelos mais distintos segmentos da sociedade, tornando-se uma espécie de unanimidade, estando presente nos livros didáticos de geografia. Se a questão social escamoteava a questão ambiental por se tratar de um tema relevante nas décadas de 70 e 80, vemos uma inversão nessa lógica, quando a questão ambiental escamoteia a luta de classes, como G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 5 5 - 6 6 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

ressalta Rodrigues (2006), ou produz um enfoque ecocêntrico, como ressalta Souza (2005). Ou seja, danos sociais são relevados tendo como justificativa a questão ambiental e, muitas vezes sob a égide do desenvolvimento sustentável. É perceptível que toda essa atmosfera criada pelo desenvolvimento sustentável atinge estrategicamente o livro didático de geografia, pois manipular a sociedade com sucesso é também pensar na manipulação das “gerações futuras”. Logo, a escola é o lócus desse processo, e, deve ser compreendida como um espaço de luta contra os discursos hegemônicos. Aliás, a busca de uma sociedade do discurso verde se reforça pela institucionalização da temática meio ambiente como um tema transversal, ou seja, todas as disciplinas devem trabalhar com essa questão, assumidas como uma questão importante quando se declara tema pertencente as várias disciplinas do currículo. Cada vez que o debate se torna mais superficial, amplo, vago e celebrativo mais se colabora para a propagação do discurso, que alimenta o desenvolvimento, apenas colocando uma nova roupagem. Entretanto, algumas disciplinas estão mais ligadas a esse tema, ou historicamente se construiu a ideia de que algumas disciplinas deveriam trabalhar mais com essa questão, como é o caso da geografia, que historicamente é a ciência que discute a relação da sociedadenatureza. O que é possível perceber é a consolidação do desenvolvimento sustentável como abordagem geográfica da relação desenvolvimento e meio ambiente, e da inclusão constante desta concepção em projetos pedagógicos, textos didáticos, eventos escolares e, especificamente, nos livros didáticos. Novamente, retorna-se a reflexão do papel do livro didático, que quando utilizado como ferramenta e ponto de partida para a discussão do conteúdo, passível de ser interrogado, e, de ter ideias e conceitos passíveis de serem superados, torna-se importante na construção do conhecimento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS No intervalo de mais de dez anos, entre a monografia intitulada “A ideologia do desenvolvimento sustentável no ensino de geografia”, de L. D. de Oliveira (2001) e este artigo que agora apresentamos, é possível percebermos que: [1] o desenvolvimento sustentável se consolidou como ideologia, à revelia da ojeriza que alguns apresentam pelo termo e com todas as restrições em relação à sua inconcretude. Se sua aplicação merece maior questionamento na atualidade, é fácil perceber que propostas como o uso racional dos recursos e a separação de materiais recicláveis e reutilização de produtos descartados se tornaram paradigmas nas escolas;

É fundamental se perceber que para uma educação crítica e transformadora torna-se necessário caminhar para além dos propósitos dominantes do desenvolvimento sustentável. A relação sociedade-natureza é um desafio teórico para a geografia no século XXI, e devemos ser cuidadosos para não utilizar concepções presentes em uma espécie de relicário ideológico que insiste em se colocar como alternativa.

[2] o desenvolvimento sustentável permanece vigorosamente influenciando a prática docente, particularmente pelo fato do professor ainda não ter declarado independência do “conteudismo”; apontamos aqui, assim como em ocasiões anteriores (MELLO, 2010; OLIVEIRA, MELO, RAMÃO, 2011 e 2012) que o socioconstrutivismo, como proposta e método, possibilita o debate aberto sobre a contemporaneidade e permite que aluno não sofra com projetos de ideias políticoeconômicas prontas; [3] por fim, no que se refere ao livro didático de Geografia, a temática do desenvolvimento sustentável avançou de forma acelerada nos últimos dez anos. Se esta analogia for realizada em um período de tempo maior – comparando os tempos atuais com a década de 70, por exemplo, fica mais evidente ainda que o meio ambiente se consolidou como temática dominante de nossa época (RAMÃO, 2010). Atualmente, o livro didático aborda de maneira central a relação “desenvolvimento” versus “meio ambiente”, e ainda que signifique certo avanço no debate, o mesmo traz consigo grande influência das questões levantadas pelo Relatório Brundtland, Agenda 21 e documentos correlatos. 64

NOTAS Agradeço à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, que através do edital Nº 31/2012 – Programa Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas da Rede Pública sediadas no estado do Rio de Janeiro e desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado “Pensando o Espaço de Arraial do Cabo – RJ: Pesquisas e Práticas Educativas no Colégio Municipal Vera Felizardo”, liderado pelo Prof. Dr. Leandro Dias de Oliveira, permitiu a continuidade de nossas pesquisas no âmbito do Ensino de Geografia, suas experiências teórico-analíticas e práticas didáticas. 1

João Carlos Moreira e Eustáquio de Sene, na edição de Geografia Geral e do Brasil – Espaço Geográfico e globalização, de 1998, discutem em uma unidade exclusiva o desenvolvimento e a conservação do meio ambiente. 2

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A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA NO BRASIL E O USO DE GEOTECNOLOGIAS: DISCUTINDO O LUGAR DO LUGAR

THE CONTINUED FORMATION OF GEOGRAPHIES TEACHERS IN BRAZIL AND THE USE OF GEO TECHNOLOGIES – DEBATING THE PLACE OF THE PLACE

IS AA C G A B RI EL GAYER FI ALHO DA R O SA Formado em geografia pela UFRJ e mestre em Educação pela UFRJ Professor do Colégio Pedro II – Campus Realengo II isaacdaros a@y ahoo.com . b r

RESU M O: OB S E R VA - S E AT U A L M EN T E N O B R A S I L U M A DIS C US S ÃO AC E RC A DA NE C E S S IDADE DE S E M E LH ORAR A QUAL I DADE DA ED UC A ÇÃ O B Á S ICA B R A S I L EI R A . S E N D O A S S I M , S E D EFE NDE UM A VALORIZAÇ ÃO DE P OLÍT IC AS DE FORM AÇ ÃO C ONT I NUADA DE PRO FES S OR E S , P OIS S E A R G U M E N TA EM M U I T O S C A SOS , QUE E S S E S P ROFIS S IONAIS NÃO P OS S UE M A DE VIDA QUAL I F I CAÇÃO PARA A C ON S T R U ÇÃO D E P R ÁTI C A S E D U C ATI VA S E FIC IE NT E S E E FIC AZE S . NE S S E S E NT IDO INC E NT IVA-S E A UTI L I ZAÇÃO D E N OVA S T E C N OLOGI A S PA R A Q U E A S A U L A S S E T ORNE M M AIS DINÂM IC AS E AS S IM M AIS AT RAE NT E S PARA OS AL UNOS. N ESSA MA N E IR A , C R IT I C A M O S ES S E TI P O D E F O R M A ÇÃO PARA OS P ROFE S S ORE S DE GE OGRAFIA, JÁ QUE S E ARGUMENTA QUE ESSA S E M A N IFE S TA M A I S C O M O U M M A N U A L Q U E T E NTA T RAZE R RE S P OS TAS P RONTAS QUE DE VE M S E R S E GUIDAS PEL OS ED UC A D OR E S , D O QU E U M ES PA Ç O Q U E P ER M I T E U M A RE FLE XÃO E UM A VALORIZAÇ ÃO DE S ABE RE S P RÉ VIOS DE E S T UDANTES E PRO FES S OR E S . S E N D O A S S I M , C O M O U M A P O S S I B I L I DADE DE E NRIQUE C IM E NT O DE S S AS P OLÍT IC AS S E AP ONTA A NE CESSI DADE D A VA LOR IZ A ÇÃ O D O C O N C E I TO D E L U G A R , PA R A Q UE AS GE OT E C NOLOGIAS US ADAS NE S S E S P ROC E S S OS FORM AC I ONAI S SE EN QU A D R E M COM O M E C A N I S M O S Q U E P O S S I B I L I T E M UM A VALORIZAÇ ÃO DO E S PAÇ O-VIVIDO DOS AT ORE S E S C OLARES E NÃO COMO N E G A D OR A S D E S S A D I M E N S Ã O M A I S P R Ó X I M A DO E S PAÇ O GE OGRÁFIC O. PALAVRA S-C HAV E: FORM AÇÃO CONT I NUADA DE PROF E S S O R E S ; L U G A R ; G E O T E C N O L O G I A S ; P O L Í T I C A S P Ú B L I C A S D E EDUC A Ç Ã O; G EO G RA FIA ES COLA R.

ABST RAC T: IS OB S E R V E D T H I S D AYS , I N B R A Z I L , A DIS C US S ION ABOUT T H E NE C E S S IT Y OF IM P ROVE M E NT ON T H E BRAZI L I AN BASIL E D U C AT ION . LIK EW I S E TH E VA L O R I Z ATI O N O F C ONT INUE D FORM AT ION P OLIC IE S FOR T E AC H E RS IS DE FE NDE D, BECA USE IS SA ID IN M A N Y CAS ES , T H ES E P R O F E S S I O N A L S DO NOT H AVE T H E DE S E RVE D QUALIFIC AT ION T O T H E C ONS T R UCTI ON OF ED UC AT ION A L P R A C TI C E T O B U I L D E F F I C I EN T A N D E FFE C T IVE E DUC AT IONAL P RAC T IC E . T H E RE IS S E VE RAL C RIT IC S F OR THI S TYPE OF FOR M AT ION T O G EO G R A P H I ES TE A C H ER S S I NC E IS S AID T H AT T H IS T Y P E IS S UM M ONE D M ORE AS A M ANUAL THAT TRI ES TO BR IN G P R E - M A D E A N S W E R S TH AT S H O U L D B E F O L LOW E D BY T H E E DUC AT ORS , T H AN A S PAC E T H AT ALLOW A RE FLE CTI ON AND A VALOR IZ AT ION OF T H E S TU D EN T A N D P R O F ES S O R S P RE VIOUS K NOW LE DGE . T H US , W IT H T H E P OS S IBILIT Y OF E NRICHMENT OF THOSE P OLIC IE S , IT P O I N T S T H E N E C ES S I TY O F T H E VALORIZAT ION OF T H E C ONC E P T OF P LAC E , S O T H E GE OT E C NOLOGI ES USED IN TH E S E FOR M AT ION P R O C E S S E S F I T S L I K E M EC H A NIS M T H AT ALLOW S A VALORIZAT ION OF LIVE D-S PAC E OF T H E SCHOL ARS AND N OT A S D E N IE D O F TH I S C L O S E D D I M EN S I O N O F T H E GE OGRAP H IC S PAC E KEYWORDS : PROFESS ORS CONT I NUE D F ORM AT I ON; P L A C E ; G E O T E C N O L O G I E S ; P U B L I C P O L I T I C S O F E D U C AT I O N ; S C HOLA R G EO G RA PHIES .

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INTRODUÇÃO Atualmente a educação é fruto de uma série de discussões nos mais variados espaços, sejam esses o acadêmico, imprensa, conversas cotidianas, esferas governamentais, etc. Essa preocupação se justifica pelo apontamento de uma “crise educacional”. Já que se coloca que se a educação conseguiu avançar muito em termos de oferecimento do serviço para a população, ainda o oferece de maneira muito precária e de baixa qualidade para a maior parte dos estudantes brasileiros. Sendo assim, vários atores sociais apontam uma infinidade de caminhos para tentar enfrentar o problema da falta de “qualidade da educação”. Um discurso recorrente diz respeito a falta de preparo técnico dos professores brasileiros, pois se argumenta que o oferecimento de cursos de formação continuada poderiam auxiliar no aumento da qualidade do ensino nacional. Sendo que uma vertente importante desses cursos seria o preparo do docente para a introdução de novas tecnologias em suas práticas, já que em muitas ocasiões essas são entendidas como redentoras das mazelas presentes nos espaços educacionais. Dessa maneira o objetivo central desse artigo é refletir sobre as políticas atuais de formação continuada do professor de geografia e os usos potenciais das geotecnologias nesses espaços. Para tanto dividimos nosso escrito em duas partes básicas: a primeira enfoca uma discussão das políticas de formação continuada do docente de geografia e a influência das novas tecnologias; posteriormente se discute o conceito de lugar como um potencial enriquecedor dessas políticas. POLÍTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA E AS GEOTECNOLOGIAS As rápidas transformações que vêm ocorrendo no mundo atual e, sobretudo, o processo de globalização que envolve as esferas econômicas, 68

políticas e sociais têm provocado repercussões variadas em diversas nações do globo, bem como nos diferentes grupos sociais que integram os diferentes países. Se no plano econômico a globalização vem integrando mercados, o que traz como uma de suas conseqüências o aumento do poder de algumas nações, no plano social agravam-se problemas como o desemprego, distorções na distribuição de renda no interior dos países e entre diferentes países (APPLE, 2001). No presente estágio do capitalismo, têm sido implementadas políticas públicas que, articuladas à globalização econômica, reconfiguram as políticas sociais. Este processo faz parte do ajuste estrutural, em que a criação do Estado mínimo exige reformas que repassem para o setor privado encargos e compromissos até então assumidos pelo setor público. Neste cenário se delineia uma nova arquitetura para o setor educacional, edificada a partir de critérios de eficiência e eficácia em consonância com os interesses do mercado, que alicerçam mudanças de várias ordens nos sistemas de ensino. Segundo Whitty & Power (2003), observa-se que se intensifica a introdução de elementos de mercado na oferta de serviços educacionais. Diferentes autores (APPLE, 2001; WHITTY, 1996, BALL, 1994, 1996; TORRES, 1996; CORAGGIO, 1996), ligados a uma concepção mais crítica e a uma tradição mais progressista da educação, têm se oposto a essas políticas, denunciando a visão utilitarista da educação que as orienta, em que predomina a preocupação com a eficiência interna do sistema, em termos de custos, e com sua eficácia externa, em termos de sua adequabilidade ao mercado de trabalho. Tais autores mostram que essas políticas vão em sentido contrário aos ideais e aos compromissos com valores éticos daqueles que entendem que a educação se constitui em um processo de formação para o exercício pleno da cidadania. Considerada um fator estratégico, no processo de desenvolvimento do capitalismo, a educação tem sido objeto de discussões, de programas e de projetos levados a cabo por órgãos multilaterais de financiamento, como as G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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agências do Banco Mundial (BID e BIRD), e por órgãos voltados para a cooperação técnica como o UNICEF e a UNESCO (CURY, 2002). Esses organismos financiam e definem diretrizes que orientam políticas e projetos educacionais em diferentes partes do mundo. Dentro dessa lógica temos em muitos casos a implantação de programas de formação continuada de professores que se caracterizam por se desenvolverem com um saber que se coaduna com essa concepção utilitarista do campo educacional. Visto que ocorre com a idéia de um conhecimento pronto que deve simplesmente ser passado aos educadores, para que esses cumpram seu papel de “formar” o estudante. Dentro desse contexto observa-se ainda que essas políticas de formação se caracterizam pela hierarquização do saber, ou seja, não entendem os professores como sujeitos capazes de produzir conhecimento, mas sim como meros receptáculos de diretrizes previamente construídas, valorizando assim apenas o conhecimento difundido pelo curso, e não o saber prévio do educador (SANTOS, 2004). Um foco desses cursos de formação continuada tem sido preparar o educador para a utilização de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) – computadores, internet, web, etc - e tantos outros recursos que suportam o trânsito de imensos e contínuos fluxos de informação, redes de pessoas, produtos e serviços, criação e divulgação de produtos e manifestações culturais, já que tais se difundiram e se popularizam por grande parte da sociedade (HAETINGER et al., 2006). Nessa lógica de formação continuada de educadores se valoriza o uso das NTIC como potenciais instrumentos didáticos, existindo assim um crescente foco de debates e ações protagonizadas por governos, instituições de ensino, educadores e pesquisadores. As teorias e práticas associadas à informática na educação vêm repercutindo em escala mundial, justamente porque as ferramentas e mídias digitais oferecem à didática, objetos, espaços e instrumentos capazes de renovar as situações de interação, expressão, criação, comunicação, informação, cooperação G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

e colaboração, tornando-as muito diferentes daquelas tradicionalmente fundamentadas na escrita e nos meios impressos (HAETINGER et al., 2006). Dentro desse corolário de discussões acerca do uso de ferramentas de informática na educação observa-se que o ensino da geografia apresenta um papel importante. Pois essas novas tecnologias influenciam, sobretudo a questão do mapeamento e caracterização do espaço geográfico por meio de novas ferramentas de trabalho cartográfico (as geotecnologias). São exemplos desses artefatos os sítios de posicionamento, como o Google Earth, uso de imagens de satélites, sistemas de posicionamento global, ou ferramentas de geoprocessamento, como os softwares Spring, Terraview, Arc Gis, etc. Para demonstrar essa posição temos a demarcação nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que são documentos que apresentam diretrizes curriculares gerais do ensino fundamental e médio. Esse escrito aponta, como uma das tarefas do ensino fundamental, a utilização pelos alunos de “diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos” (VIEIRA, 2001). Em relação a geografia especificamente os PCN afirmam que: Geografia trabalha com imagens, recorre a diferentes linguagens na busca de informações e como forma de expressar suas interpretações, hipóteses e conceitos. Pede uma cartografia conceitual, apoiada em fusão de múltiplos tempos e em linguagem específica, que faça da localização e da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos. (BRASIL, 1999a, p. 113) No ensino de Geografia, a Cartografia, pode auxiliar o desenvolvimento de habilidades tais como leitura, análise e interpretação do espaço, pois, “[...] possibilita ao aluno entender a distribuição espacial das relações entre sociedade e natureza, ao mesmo tempo em que se apropria 69


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de uma técnica imprescindível para desenvolver habilidades de representar, compreender e interpretar o espaço geográfico.” (BRASIL,1999b, p. 213). Segundo Santos (1998) só uma sociedade informada, sobre as possibilidades do uso do conhecimento científico e tecnológico para a melhoria do seu cotidiano, pode cobrar efetivamente a sua aplicação, ampliando o exercício da cidadania. Dessa maneira, discutese que a utilização das geotecnologias no ensino de geografia pode auxiliar a obtenção de conhecimento por parte dos estudantes para engendrar uma transformação em seu local de atuação. Uma questão que se levanta na formação continuada do professor de geografia é se essa disciplina conseguirá se apetrechar para dar resposta, em tempo útil, às necessidades que surgem sobre a criação de novas metodologias e novos procedimentos para o cotidiano escolar, para tornar esse saber mais do que um amálgama de informações desconexas, mas sim instrumento para a luta por um espaço social mais justo. Dessa maneira, se a geografia escolar não buscar novos caminhos poderá ficar à margem da importância atribuída pela sociedade. Pois atualmente temos a massificação do uso do geoprocessamento e de outras tecnologias de manipulação de informação geográfica e uma crescente utilização de cartografia temática digital integrada em software. Portanto, a Geografia correrá sério risco de o cidadão comum, entre outros aspectos, não a considerar entre as ciências relevantes para a Sociedade de Informação, ficando assim, remetida para contributos marginais específicos, com todas as penalizações que isso implicaria quer para a Geografia quer, sobretudo, para a sociedade (JULIÃO, 1999). Portanto entende-se que os cursos de formação continuada de professores de geografia devem contemplar o uso de ferramentas digitais de cartografia como recursos didáticos, já que esses instrumentos participam cada vez mais do cotidiano dos educandos. Mas torna-se importante discutir como ocorre o procedimento desses 70

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cursos, pois podem auxiliar o educador a usar saberes de sua própria prática no planejamento da utilização desses recursos, ou serem entendidos como meros “pacotes” que são depositados sobre os professores sem que esses produzam saberes também. Outra questão que se coloca como importante diz respeito a uma reflexão da maneira pela qual as novas geotecnologias podem ser apropriadas pelos professores. Já que essas têm que ser utilizadas a partir de discussões teóricoconceituais acerca de suas potencialidades e limites. Visto que seria contraproducente entender essas tecnologias como possibilitadoras em si de soluções do campo educacional. Sendo muitas vezes, essa a concepção de algumas políticas de formação continuada que entendem a tecnologia como uma “máquina” geradora de qualidade educacional. O LUGAR DO LUGAR NA FORMAÇÃO CONTINUADA EM GEOGRAFIA Com o intuito de tentar problematizar as potencialidades das geotecnologias na educação básica torna-se importante ressaltar a necessidade de uma discussão sobre a própria ciência geográfica, para que os cursos de formação consigam produzir uma forte apropriação dessas ferramentas por parte dos educadores. Um caminho que tentaremos percorrer é apontar para a riqueza do conceito de lugar para o ensino de geografia centrado no espaço-vivido da escola, e como esse pode auxiliar na construção de representações cartográficas por parte de alunos e professores, e na própria edificação de uma prática mais inclusiva e transformadora. Sendo assim com o intuito de posicionar o leitor acerca da história social da apropriação do conceito de lugar para a geografia estabeleceremos uma breve periodização das fases de ensino e os conceitos geográficos valorizados. Uma fase do ensino que angariou grande difusão e durabilidade na escola, pois é desenvolvido até hoje em uma marcante quantidade (senão na maioria) de estabelecimentos de ensino, é o que G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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Straforini (2004) chamou de geografia tradicional, que é implantada em consonância perfeita com a educação tradicional. Tal corrente se caracteriza por uma valorização do conteudismo e do descritivismo de fatos e paisagens (tendo grande influência da escola de La Blache), e que entende o conhecimento como neutro e acabado, sendo assim, despreza por completo o espaço cotidiano do aluno e seus saberes já adquiridos, pois concebe o educando como uma mera “tábula rasa” a ser preenchida com dados e informações. Neste contexto a prática pedagógica é por completo “despolitizada” e não possui assim, condições de desencadear transformações sociais, já que os assuntos são apresentados aos alunos como fragmentos estanques e de forma afastada de seu raio de ação e, sobretudo, de compreensão. A prática acima sofreu um sem número de criticas, o que possibilitou o surgimento de novas fases no ensino da geografia. Um caminho tentado foi o da especialização em ramos. Essa escola valorizaria sub-áreas da ciência geográfica, tais como, climatologia, pedologia, geomorfologia, etc. e desenvolveria estudos aprofundados destas. Este tipo de educação foi alvo de várias recriminações, pois era muito difícil para o professor dominar tantas áreas com profundidade suficiente para ministrar as aulas, e, além disso, se caracterizava por um desencadeamento do fim da geografia, pois enumerava um grande número de informações sem nenhuma teoria norteadora, não contribuindo assim, para uma reestruturação do ensino da ciência geográfica nas escolas. Outro caminho tentado foi à geografia utilitária, que se apoiava na New Geography, que possuía grande influência do neopositivismo. Essa vertente se preocupava em trabalhar com os alunos temas ligados ao planejamento, utilizava largamente modelos quantitativos e com isso tentava estimular os alunos a pensarem em termos de custo-benefício locacional. Esta escola fazia uma grande utilização do espaço como conceito, mas segundo Eliseu Sposito (2004), o entendia como planície isotrópica ou como representação matricial. Nessas concepções tal conceito era interpretado como uma superfície homogênea G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

à priori, que com a ação das difusões iria se diferenciando de acordo com a distância (já que nesta vertente este quesito era assaz valorado) de centros que irradiariam novos processos. Tal escola também sofreu uma grande quantidade de críticas, pois era considerada uma geografia “servil ao poder”, já que não questionava a ordem vigente e em conseqüência, não alimentava os processos transformadores. Outra escola a surgir foi à geografia crítica, que se caracterizava por uma grande influência da teoria marxista, concebendo, portanto o espaço segundo Corrêa (1995), citando Lefebvre, como algo “essencialmente vinculado com a reprodução das relações sociais de produção”. Tal concepção engendrava uma proposta curricular apoiada no materialismo histórico utilizando largamente os conceitos de modo de produção, meio de produção, luta de classes, etc. Uma grande crítica feita a esta vertente, como enumera Milton Santos (1993), é que muitas vezes não ocorreu uma profunda discussão dos conceitos norteadores da geografia sob a luz desta contribuição teórica, ocorrendo apenas, uma incorporação de categorias advindas de outras ciências. Nas próprias palavras de Santos (1993) este pensamento torna-se mais claro: Eu creio que a geografia crítica criticou a forma como se trabalhava as categorias como paisagem e região, mas também jogou fora a necessidade de continuar elaborando estas categorias. Em vez de refazer os conceitos, preferimos dizer: Não é tão importante trabalhar a paisagem, não é tão importante trabalhar a região. (p. 27) Desta forma esta nova escola, que se caracterizou por uma grande difusão nos estabelecimentos de ensino do Brasil, sobretudo, a partir dos anos 80, também sofreu uma saraivada de críticas, pois postulava-se que esta não contribuiria para uma profunda modificação no processo ensino-aprendizagem, já que apenas substituiria conteúdos velhos por novos, e assim não conseguiria desencadear X

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uma maior aproximação da geografia ensinada com a geografia vivida pelos educandos, já que continuava desprezando o espaço cotidiano destes. Sendo assim, com a breve explanação acima das correntes presentes na geografia escolar averigua-se que nenhuma delas tem como característica valorizar o espaço cotidiano dos alunos, pois os conteúdos sempre são apresentados de uma forma abstrata e afastados do raio de ação destes. Neste contexto, um fato que contribuiu para o começo da modificação desta concepção foi a entrada nas escolas das idéias construtivistas de Piaget, que segundo Franco (1995) se caracteriza por uma percepção do conhecimento não apenas no sujeito e nem no objeto, mas na interação destes. Portanto como observa Castellar (2003) nesta concepção a aprendizagem consiste em confrontar ou negociar o conhecimento entre o que vem do exterior e o que há no interior do aluno. A partir desta visão de educação partese da premissa que a relação entre o sujeito e o mundo é de vital importância para a construção de conhecimento, o que acaba por valorizar na geografia ensinada, o espaço cotidiano do aluno. Um conceito que tem a condição de contribuir nesta lógica de valoração é o de lugar, que pode ser entendido de acordo com Santos em Straforini (2002) como um “objeto de uma razão global e ação local, convivendo dialeticamente”, sendo assim, “um ponto de encontro de interesses longínquos e próximos, locais e globais”. Com a definição acima se deseja marcar que valorizar o lugar na concepção do presente trabalho não é apenas ficar na realidade do aluno, no sentido de fazer uma mera descrição da paisagem cotidiana dos educandos, mas tentase ao contrário, demonstrar para estes que os fenômenos que eles vivenciam e presenciam em seu local de moradia e passagem diária possui íntima ligação com escalas (sendo esta entendida baseada em Castro [1995], como uma estratégia de aproximação do real) que ultrapassam seu lugar. Neste sentido tenta-se demonstrar que as escalas regionais, nacionais e globais que em 72

um primeiro momento de análise encontram-se afastadas de seu espaço-vivido influenciam e são influenciadas intimamente por este. Sendo assim, ganha-se sentido estudar o espaço global, pois esse é “dimensionado para sua concretude, que não está no mundo, mas no lugar” (STRAFORINI, 2002). Como se concorda com Alves (2002), quando este diz que só é possível aprender sobre o que se pode conversar, podemos dizer que com a mencionada prática pedagógica, os fenômenos que se desenrolam em escalas globais, nacionais e/ou regionais podem ser debatidos nas aulas, pois podem ser dimensionados como objetos das discussões cotidianas dos educandos, já que se encontram incrustados em suas vidas. No bojo da presente concepção desejase deixar claro que as escalas não seriam mais analisadas de forma hierárquica, no sentido que não se prega que ocorra uma primeira apresentação do quarteirão para os alunos, depois, do bairro, da cidade, do país e por fim do mundo. Postula-se justamente o contrário, pois advoga-se uma análise dos fenômenos de uma forma multi-escalar, com sua concretização no lugar. Sendo assim, o PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais - (1998) faz semelhante colocação: Não se deve mais trabalhar do nível local ao mundial hierarquicamente. [...] A compreensão de como a realidade local relaciona-se com o contexto global é um trabalho que deve ser desenvolvido durante toda a escolaridade de modo cada vez mais abrangente. (BRASIL, 1998, p. 51) Com tal atitude, portanto seria desenvolvida uma real valorização do conhecimento prévio do aluno, não o entendendo, portanto como uma “página em branco” a ser preenchida. Esta postulação é realizada baseada em Perrenoud (2000) que coloca que apenas listar ou utilizar elementos advindos da realidade do aluno para em seguida negá-los, o substituindo pelo conhecimento “verdadeiro” da matéria ensinada, não marca uma prática pedagógica nova, já que G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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a educação tradicional faz isto também. O grande diferencial então, seria entender esta sabedoria dos educandos como algo fundamental para o processo de ensino-aprendizagem, e não como algo a ser “combatido”. A presente concepção de geografia ensinada contribuiria na formação de uma hermenêutica instauradora que nos termos de Rego (2002) e de Suertegaray et al. (2001) pode ser entendido no sentido de propiciar um conjunto de conceitos que estabelecem relação entre si, que na medida em que são utilizados para a interpretação de um fenômeno permitem a observação de características deste que não seriam perceptíveis em uma leitura do imediatamente manifesto. Pressupõe-se então uma interpretação de um significado que estaria por trás de um manifesto primeiro. Além disso, postula-se que o “descortinamento” deste lado não tão claro dos fenômenos seria um ponto de partida para novos atos e processos. Com esta visão observa-se que ao contrário do que possa parecer a priori, de que a valorização do lugar geraria um desmerecimento do conhecimento acumulado da ciência geográfica, advoga-se que as categorias e os conceitos geográficos discutidos seriam deveras importantes para os educandos, pois lhes auxiliaria na interpretação de seu lugar (dimensionando este em várias escalas) e, por conseguinte de seu país e de seu mundo, o que lhes ajudaria a executar atitudes transformadoras em seu espaço de ação, sabendo que estas poderiam gerar rebatimentos que se desenrolariam em escalas mais amplas. Sendo assim, como se postulou acima, advoga-se uma grande importância para o conceito de lugar nas aulas, dessa maneira defende-se que as políticas de formação dos professores de geografia devem respeitar as múltiplas características presentes em cada comunidade escolar, e não oferecer um conjunto único de saberes para serem usados por todos os educadores de um país ou de uma rede específica. Portanto uma maneira de operacionalizar essa política seria possibilitar o uso de geotecnologias para a construção de G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 6 7 - 7 5 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

representações próprias do espaço geográfico pelos membros da comunidade escolar. Essa demanda mostra-se importante pela possibilidade de conformar professores e alunos como produtores de conhecimentos e não como meros receptores e reprodutores de saberes que são oriundos de atores longínquos e desterritorializados da realidade vivenciada pela escola específica. Além disso, essa prática tem a importância de suprir a falta de representações cartográficas para uso escolar em escalas de maior detalhe, já que em geral os atlas e livros didáticos utilizados enfocam estados e países, e dificilmente demonstram bairros e cidades com maior detalhamento. Cabe ainda mencionar que não acreditase ingenuamente que apenas uma valorização de geotecnologias nas políticas de formação continuada de professores seria capaz de direcionar essas para um viés mais voltado as características específicas de cada comunidade escolar. Mas pensa-se que as comunidades que desejam valorizar o lugar nas suas práticas docentes, teriam esse conjunto de ferramentas como importante aliado. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Educar é encharcar de sentido cada ato da vida cotidiana” (Paulo Freire) A meta do artigo aqui exposto foi problematizar as políticas de formação continuada do professor de geografia e os potencias usos das geotecnologias. Para tanto percebe-se que em muitas ocasiões essas políticas são estruturadas como um pacote de saberes implantado de cima para baixo, sem valorizar as características diferenciadas de cada comunidade escolar. Dessa maneira, se advoga em prol do uso de geotecnologias para essas políticas de formação, mas não como um ratificador das características descritas acima. Sendo, portanto, o seu uso um caminho que pode auxiliar na edificação de práticas que valorizem o lugar e entendam os educadores e educandos como 73


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atores e produtores de conhecimento, e não como mero reprodutores de políticas públicas, livros didáticos, atlas, etc. Esse argumento é defendido por ocorrer um compartilhamento do conceito de educação de Paulo Freire exposto acima, já que pensa-se que a prática educativa de geografia só faz sentido se conseguir explicar o mundo vivido pelo estudante. Portanto acredita-se que a geografia consegue adentrar efetivamente a vida do educando, quando esse também é entendido como sujeito e produtor das interpretações geográficas.

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IS AAC GABRIEL GAYER FIAL HO DA ROSA

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P RÁT I C A S PE D A GÓG ICAS CA RT OG R A FIAS

VISITA AO SERVIÇO GEOGRÁFICO DO EXÉRCITO: UMA LIÇÃO ACERCA DA HISTÓRIA DA CARTOGRAFIA E DO PROCESSO DE PRODUÇÃO CARTOGRÁFICA NO BRASIL VISITE AU SERVICE GEOGRAPHIQUE DE L`ARMÉE: UNE LEÇON SUR L’HISTOIRE DE LA CARTOGRAPHIE ET LE PROCESSUS DE PRODUCTION CARTOGRAPHIQUE AU BRÉSIL

MÁ R C IO F E R REI RA NERY CORR ÊA Professor de Geografia do Colégio Pedro II, Campus Tijuca II marcio fnc@bol .com.br

INTRODUÇÃO/ OBJETIVO Vale a pena começar este relato dimensionando a própria importância que a história da cartografia – e, no caso, a cartografia escolar – tem para a memória pedrosegundense. A experiência da utilização de mapas escolares na prática de ensino de geografia desenvolvida no Colégio Pedro II pode ser mais um elemento simbólico, dentre outros, a marcar a tradição dessa Instituição desde a proposta curricular de 18561. Já naquela época recomendava-se, não só para as lições de geographia, mas também para as lições de corographia, história do Brasil, entre outras, a utilização de um atlas escolar francês denominado Atlas Delamarche. Recomendação um tanto incongruente, se considerarmos o fato de não haver qualquer referência ao Império do Brasil e às suas partes, isto é, às suas províncias, além de, é claro, não se verificar qualquer registro linguístico de nossa língua pátria, a tão bonita língua portuguesa. Essa distorção, porém, foi corrigida no ano de 1877, quando outras reformas curriculares propuseram a adoção do G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 7 - 8 1 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

Atlas do Império do Brasil, elaborado por Cândido Mendes de Almeida. Essa última obra, apesar de ter recebido críticas inerentes a problemas de exatidão2, particularmente num momento crucial de demarcação de nossas fronteiras em meio ao processo de consolidação do território nacional, serviu para outros fins além daqueles de natureza escolar. Fora o próprio Barão do Rio Branco a utilizar tal atlas em meio ao seu exercício de fé, que consistia em assegurar as posses territoriais brasileiras junto às cortes de arbítrio internacional3. Croquis, mapas, cartas, atlas, enfim, o universo da arte de representar o espaço, como bem sabemos, perde-se na dimensão do tempo desde as pinturas rupestres dos chamados homens das cavernas. Representar o espaço, além de arte, é ato de vivência e sobrevivência, daí pensarmos não ser o estudo da cartografia no âmbito escolar apenas mero exercício de localização e nomeação de lugares como durante muito tempo se pensou ser4. Em sua história, percebe-se muito das intencionalidades com as quais os mapas ou as cartas eram produzidos. A questão da disputa e do poder estava quase 77


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sempre subjacente ao ato de cartografar. Quem comprova isso, a todo o momento, são os historiadores da cartografia, a revelar os “erros” de precisão intencionais, os “silêncios” induzíveis à desorientação dos adversários nas disputas territoriais5, a inculcação patriótica e as ideologias geográficas embutidas nos atlas geográficos escolares, entre outras táticas capazes de revelarem o lado nada explícito do ato de cartografar. Esse propósito de representar o espaço através dos mais diversos instrumentos tecnológicos disponíveis atualmente, ainda pode bem se encaixar, à semelhança dos exemplos dados pelos conquistadores nos períodos de conquistas coloniais ou imperiais, naquele ditado muito conhecido de todos nós: “as aparências enganam”. Exemplo recente disso refere-se, entre outras coisas, a antigas imagens de satélite sem muita nitidez da cidade de Jerusalém, dispostas nas primeiras edições do programa Google Earth, pois o propósito era explicitamente confundir, dado os motivos óbvios inerentes à própria geopolítica israelense para o Oriente Médio. Foi nesse intuito de mostrar um pouco de História da Cartografia, recheada de significados que transpõem a mera observação de elementos gráficos de um mapa ou de uma carta, e de conhecer um pouco mais sobre as antigas e novas técnicas e tecnologias aplicadas à engenharia cartográfica, que nós encontramos uma ótima oportunidade para visitarmos a 5ª Divisão de Levantamento da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército Brasileiro6, órgão destinado para esses e outros fins, conforme veremos mais adiante. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO DA ATIVIDADE A primeira experiência de visita à 5ª Divisão de Levantamento do Exército, planejada e colocada em prática no ano de 2008, contou com a organização e o apoio operacional dos orientadores da Seção de Supervisão e Orientação Pedagógica (SESOP) da então Unidade Tijuca II (hoje, Campus Tijuca II), do Colégio Pedro II7, aos quais dedicamos, na figura da Professora Marilda, este relato de experiência pedagógica. Tal apoio 78

constituiu-se em pedido formal da Direção da Unidade junto ao Comando Militar daquele órgão, através de documento oficial remetido via fax, em agendamento de transporte escolar junto a empresa especializada8, em organização da visita em dois turnos no mesmo dia, dada a limitação da capacidade de lotação de pessoas9 nas dependências do prédio10, bem como em participação efetiva de funcionários daquela seção no acompanhamento de alunos durante a visita. Tratou-se de uma experiência pedagógica planejada para turmas de 1º ano do ensino médio, pois a natureza dos conteúdos a serem trabalhados na ocasião, a saber, “história da cartografia” e “novas tecnologias aplicadas à cartografia”, delineava a visita. Todavia, salientamos que o local serve de inspiração a diferentes tipos de interesse pedagógico, inclusive de caráter interdisciplinar, dado o perfil do local vocacionado às mais diversas experiências culturais. Nada obstante ser localizado num sítio privilegiado do Centro Histórico do Rio de Janeiro, no Morro da Conceição, na Rua Major Daemon, número 81, o acesso à Fortaleza da Conceição, dentro do qual se encontra a 5ª Divisão de Levantamento da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército, é inviável para a subida de ônibus haja vista a estreiteza e a presença de curvas muito fechadas da via. Assim, na ocasião, achamos por bem fazer uma cuidadosa parada na Rua do Acre, que dá acesso direto à rua do referido prédio; da mesma forma, também não nos descuidamos de orientar todos os visitantes a subirem o mais próximo possível das laterais da via, em cima das estreitas calçadas, na medida em que, uma vez ou outra, desciam ou subiam alguns carros pela rua. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE Atualmente, o site oficial da 5ª Divisão de Levantamento da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército11 oferece informações importantes acerca dos propósitos daquela instituição, que é tanto de natureza técnica, quanto de natureza G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 7 - 8 1 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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histórico-cultural. A nossa visita transcorreu no sentido de aproveitar o máximo possível aquilo que o local tinha para oferecer. Assim, de início, fomos recepcionados por uma funcionária civil responsável pelo serviço de relações públicas da instituição, em seguida, recebemos um folder que informava em poucos itens aquilo que o site, não existente à época, informa com muito mais detalhe e exatidão nos dias de hoje. Num imenso salão que perfaz atualmente uma biblioteca e que originalmente fazia parte da antiga residência oficial dos bispos do Rio de Janeiro (antigo Palácio Episcopal), ouvimos detalhes preciosos acerca da história e do patrimônio arquitetônico do local (trata-se de dois sítios históricos, Palácio Episcopal e Fortaleza da Conceição, fundidos em um único ambiente), das repartições internas daquela divisão e da existência de um Museu Cartográfico, cujo acervo é de valor inestimável tanto para a História da Cartografia quanto para a própria História do Pensamento Geográfico12. Por iniciativa dos próprios anfitriões, dividiu-se o número de alunos e acompanhantes em dois grupos, cerca de 25 a 30 pessoas cada um. Um grupo dirigia-se à visita de perfil técnico, e o outro, à visita de caráter histórico-cultural. A “visita técnica” começou com a explanação dos projetos, serviços prestados por aquela divisão e convênios estabelecidos entre o Exército e outros âmbitos institucionais (IBGE e outros) na tarefa de cartografar o Brasil. Também consistiu, sobretudo, no acompanhamento das diversas fases de produção de cartas elaboradas pelo Exército Brasileiro. São técnicas procedimentais de levantamentos topográficos, georeferenciamento, cartografia digital, entre outras. Os alunos tiveram exemplos práticos do trabalho executado naquela divisão. Viram em um dos pátios da Fortaleza como se faz um levantamento topográfico de precisão; fizeram práticas de plotagem de área com a ajuda de um aparelho GPS de última geração; visitaram o moderno laboratório fotográfico onde foram observadas imagens aerofotografadas com óculos preparados para fornecer um efeito G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 7 7 - 8 1 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

de estereoscopia (imagem 3D). Também acompanharam alguns funcionários (civis e militares) no processamento de imagens ou de aerofotografias desde a fase do scaneamento, passando pelo tratamento dos mesmos em alguns softwares especializados, como SIG (Sistema de Informação Geográfica), até a fase da impressão. Eram todos equipamentos modernos de última geração. Alguns alunos se interessaram em saber a respeito da formação dos profissionais que ali trabalhavam. Os mesmos informaram que a formação se dava basicamente em dois níveis de conhecimento: nível superior, qual seja o curso de engenharia cartográfica, que conta com quadro de profissionais militares formados no Instituto Militar de Engenharia (IME) e quadro de profissionais civis formados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); e nível técnico, com profissionais militares formados principalmente na Escola de Sargentos de Três Corações, Minas Gerais, da qual saem com a especialidade de sargentos topógrafos. Na “visita histórico-cultural”, foi-nos dada a chance de contemplar a magnífica vista para a Baía de Guanabara a partir da Fortaleza da Conceição; além disso, tivemos a oportunidade de conhecer cada um de seus detalhes, com destaque para a Casa das Armas e, junto a ela, as celas que serviram de prisão para três importantes personagens participantes da Inconfidência Mineira: Thomaz Antonio Gonzaga, José Alves Maciel e Domingos Vidal. Dentro do Palácio Episcopal anexado à Fortaleza, conhecemos o Museu Cartográfico, no qual vários antigos equipamentos de levantamento cartográfico estão expostos. É possível visualizar o testemunho fotográfico, bem como a exposição histórica de algumas comissões formadas com o propósito de cartografar o Brasil, com destaque para a contribuição técnica da missão austríaca que aqui esteve no início do século XX, e a quem é atribuído, em boa dose, os avanços técnicos auferidos pelos serviços cartográficos do Exército Brasileiro naquela época. Ainda no museu, encontramos várias cartas de valor histórico e 79


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documental incalculável, muito em função de o local ser considerado o marco inicial da cartografia sistemática nacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS

façam parte da tradição da história desta disciplina, elas têm sido usadas “[...] apenas para desenvolver nos alunos a capacidade de nomear e localizar lugares”, como asseveram Boligian & Almeida (2011). 5

Cf. HARLEY, (2005).

A propósito do termo “Serviço Geográfico do Exército”, é importante especificar bem o que os militares encaram como “geográfico”. Em sua dissertação de mestrado denominada “Geografias: caminhos e lugares de produção do saber geográfico no Brasil 1838/1922”, o pesquisador Sérgio Nunes Pereira diz que “[...] é possível identificar quatro campos de reflexão e atuação prática que poderiam ser chamados de geografias militares: o saber cartográfico, tributário da geografia matemática, que se materializava nas comissões e serviços encarregados da elaboração de cartas geográficas; o saber topográfico, representado pelas atividades de reconhecimento e exploração do terreno executadas por oficiais inferiores e praças; a geografia militar, propriamente dita, estudada por oficiais superiores e de Estado-Maior; e o saber geopolítico de ‘defesa nacional’, que já tinha seu delineamento em torno de alguns temas básicos.” (PEREIRA, 1997, p. 89-90). 6

Não temos dúvida de que os propósitos da visita pedagógica não só foram alcançados, como ultrapassaram as nossas acanhadas expectativas. Chegamos a postar uma foto marcante da experiência no blog que tínhamos à época e que atualmente está desativado, foto essa na qual os alunos contemplam a vista deslumbrante da Baía da Guanabara a partir do Forte da Conceição (vide o anexo). É preciso salientar que a experiência foi repetida em 2013, com algumas pequenas mudanças de programação, com destaque para o projeto de novo levantamento cartográfico da Amazônia através do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), elaborado pelo Ministério da Defesa. Vale dizer, portanto, que a “5ª DL” está pronta e disposta a receber outras visitas como aquela, basta marcá-las com antecedência. O museu e o sítio histórico do Morro da Conceição, que compõem o complexo onde se encontra a 5ª Divisão de Levantamento do Exército, estão abertos à visitação pública de 2ª a 5ª feira entre 8h e 16h e às 6as feiras de 8h às 12h, basta contatálos para agendar a visita através do telefone (0xx21) 2263-9664/ 2223-2177, do fax (0xx21) 2263-9035 ou do endereço eletrônico rp@5d. eb.mil.br.

NOTAS 1

Cf. VECHIA & LORENZ (1998).

Falamos aqui, em particular, das críticas de Duarte da Ponte Ribeiro, famoso cartógrafo luso-brasileiro dos oitocentos. Cf. AGUIAR (2010). 2

3

Na estrutura administrativa e pedagógica do Colégio Pedro II, tal função, em tese, cabe à coordenação de série, mas por interesse da professora Marilda, chefe do SESOP, tal papel lhe coube; daí o nosso reconhecimento exposto no corpo do presente texto. 7

Na ocasião o Colégio Pedro II não contava com a atual pequena frota de ônibus escolares. 8

Quem nos informa tal capacidade de lotação de pessoas no local é o próprio comando do órgão no momento do pedido oficial formalizado pelo colégio. 9

Privilegia-se, nesse caso, a segurança e organização do evento, tendo em vista o ganho pedagógico da visita. 10

11

http://www.5dl.eb.mil.br/index.htm (Acesso em 26 ago. 2011).

Destaque para a foto de Everardo Backheuser encontrada no Museu Cartográfico do local. A professora Lia Osório Machado dá conta em apresentar um pouco desse personagem da história do pensamento geográfico: “Everardo Backheuser (1879-1951) foi engenheiro e professor catedrático de Mineralogia e Geologia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, e autor de vários artigos sobre o tema [...], foi empresário de êxito no setor de construção civil, e catedrático de geopolítica no curso de Direito Comparado da Universidade Católica do Rio (1948-1951). Foi o interesse pela geopolítica, e as possibilidades de sua aplicação à política de reforma do Estado, que levou Backheuser a valorizar os ‘estudos geográficos’ na década de 1920.” (MACHADO, 2005, p. 323). 12

Cf. VAINFAS (2002).

As “atividades com mapas” são identificadas como típico “exercíciotipo” ligado à prática pedagógica da Geografia Escolar; trata-se de traço característico dessa disciplina que define e delimita a sua linguagem específica quando comparada às linguagens específicas de outras disciplinas escolares. Embora tais “atividades com mapas” 4

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MÁRCIO FERREIRA N ERY CORRE A

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Re g i s t ro f o t o g rá f i c o d o m o m e n t o d a v i s i t a dos alunos d o Co l é g i o Pe d ro I I , Un i d a d e Ti j u c a I I , à F or talez a da Co n c e i ç ã o . Po s t a d a e m n o s s o b l o g , q u e se encontr a d e s a t i v a d o d e s d e o a n o de 2009.

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P RÁT I C A S PE D A GÓG ICAS CA RT OG R A FIAS

CARTOGRAFIA E DEFICIÊNCIA VISUAL EXPERIÊNCIAS NO COLÉGIO PEDRO II

R A FA E L ME DEI ROS DE ANDRAD E Mestre em Engenharia Ambiental - UERJ Professor do Colégio Pedro II, Campus São Cristóvão II med eiros .geo@gmai l .com

OBJETIVO O presente relato de experiência explica como se desenvolveu o projeto “Ensino de Geografia e Deficiência Visual no Colégio Pedro II”, realizado no período de 2008 até 2010 nas unidades de São Cristóvão II e III da referida escola, com um enfoque na cartografia tátil. O objetivo principal deste projeto foi de aprimorar o ensino e a aprendizagem dos alunos deficientes visuais do colégio na disciplina de Geografia, seja elaborando e adquirindo materiais táteis e de áudio, seja construindo novas oportunidades de aprendizagem além das aulas regulares, como, por exemplo, trabalhos de campo e aulas extras. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO Realizado a partir de uma iniciativa do departamento de Geografia do colégio – junto com o apoio da equipe de Educação Especial –, baseado em um trabalho feito em regime de dedicação exclusiva, este projeto teve a intenção principal de atender os alunos com deficiência 82

visual, majoritariamente situados no ensino médio. Os trabalhos realizados não foram focados em uma determinada faixa etária, tendo em vista que as idades destes alunos variavam de quinze a vinte e três anos. Fato que, na realidade, proporcionou uma rica troca de experiências entre os mesmos durante as práticas educativas. De uma maneira geral, essas práticas eram realizadas nas sextas-feiras no turno vespertino, pois todos os alunos deficientes visuais estudavam pela manhã, e, depois do almoço, eles tinham a oportunidade de ter aulas extras na sala de Educação Especial, localizada na Unidade de São Cristóvão III. Nessas aulas, que poderiam ser individuais ou coletivas (máximo de 4 pessoas), os alunos tinham um maior contato com materiais táteis (sobretudo mapas), textos gravados em mp3 e um momento de explicações mais individualizadas. MATERIAIS NECESSÁRIOS Desde o início das pesquisas sobre a cartografia tátil no Brasil – aproximadamente no G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 8 2 - 8 7 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


RAFAEL MED EIROS D E ANDRADE

final da década de 1980 – ainda não se chegou a uma padronização nacional e, além disso, existem muitas dificuldades na criação desta linguagem. Almeida (2007, p. 121) destaca a grande diferença entre a resolução da visão e do tato; a quantidade de informação cartográfica deve ser compatível com a sensibilidade da percepção tátil; e o tipo de signos gráficos e o design do mapa precisam ser apropriados e, na maioria das vezes, não podem ser semelhantes aos padrões dirigidos à visão. Dessa forma, buscando um maior embasamento teórico e prático, foram realizadas pesquisas no Instituto Benjamin Constant (IBC) e no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (LABTATE) quanto à confecção dos mapas táteis. Inspirado em tais instituições, a maioria dos mapas foi feita em papel cartão no tamanho 36 cm x 47,5 cm. Este tamanho de mapa mostrou-se ideal perante outros menores, que, por sua vez, apresentam certa dificuldade na percepção tátil, e em outros maiores, que dificultam a percepção do conjunto do mapa e também têm um manuseio difícil1. Para a confecção dos mapas utilizou-se, antes de tudo, o software Inkscape para reforçar as linhas dos mapas, que sofreram muita distorção de imagem ao serem ampliados. Para dar a informação dos mapas, seguidos de uma legenda, são utilizados materiais com diferentes texturas, podendo ser feitas com diversos materiais. Os mais comuns foram: o EVA, papel camurça, lixas diversas, papel “sanfonado” e papel triplex com laminação, além das fronteiras, paralelos, meridianos e as bordas dos mapas poderem ser completadas com codornê e diferentes tipos de barbante. Mas outros materiais também são muito úteis, como a cortiça, grãos de arroz, botões, etc. Apesar desses mapas demandarem de um longo tempo de confecção; de recursos onerosos e que muitas vezes não têm na escola (impressora plotter, os materiais específicos para deficientes visuais, pastas); e de terem um tempo de vida curto, eles são de extrema importância no ensino de Geografia, pois as diferentes texturas têm a capacidade de fornecer mais informações do que mapas simplórios feitos em impressoras G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 8 2 - 8 7 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

Braille que, por sua vez, apresentam apenas duas texturas: lisa ou pontilhada. Além disso, eles são a base para futuramente serem feitos mapas plásticos em Braillon nas máquinas de Thermoform (máquinas que aplicam calor em um material plástico específico, o Braillon, que reproduzem um mapa tátil a partir de uma matriz feita, geralmente, em papel cartão e colagem de texturas), que apresentam uma durabilidade bem maior que o papel. Já nos mapas em alumínio foram feitos pequenos relevos nas lâminas com pregos e martelo. Mesmo apresentando somente duas texturas (lisa ou pontilhada), têm a grande vantagem de ser um material bastante duradouro. Fato que abriu oportunidades de pesquisa na confecção de materiais mais resistentes a danos e novas práticas pedagógicas com os alunos. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE A primeira etapa que foi realizada no projeto foi o aprendizado do Braille pelo professor, mostrando-se de grande valia para a escola, tanto no sentido administrativo quanto pedagógico. Além da maior satisfação do aluno deficiente visual em saber que o seu professor conhece essa linguagem, suas provas – que são impressas em Braille – têm a capacidade de serem também escritas em Braille pelos estudantes. Normalmente as respostas são ditadas por eles e transcritas por funcionários da escola. Com a maior difusão do Braille cria-se a oportunidade dos alunos terem um maior domínio de sua língua, treinando também a sua redação de textos com maior autonomia. Como já havia destacado Reily (2004, p. 139-140), essa atenção por parte da escola deve ser redobrada com alunos cegos. É certo que as novas tecnologias de informática e telemática trouxeram amplas facilidades aos deficientes visuais, como a leitura e a escrita de textos para o usuário. Entretanto, o abuso dessas tecnologias pode inibir outras áreas de desenvolvimento cognitivo do aluno, como a própria escrita Braille, tida por alguns alunos como difícil e lenta frente as praticidades oferecida pelos programas de 83


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computador. A utilização de mapas táteis também foi muito útil nas explicações dos conteúdos de Geografia, melhorando a compreensão espacial dos alunos. Basicamente foram utilizados três tipos de mapas: os feitos Braillon, que foram doados pelo IBC antes de 2008 (Brasil: regiões geográficas; Órbita da Terra; Rosa-dos-ventos; Região Sul do Brasil: político; Zonas Climáticas da Terra; Paralelos; Meridianos; América AngloSaxônica; etc); os mapas táteis em papel, do Atlas Geográfico da Melhoramentos, doados para escola pela Fundação Dorina Nowil; e, por fim, os mapas de confecção própria, feitos com diversas texturas, sendo que sete mapas feitos em papel cartão (Brasil – Regiões Político-administrativas do IBGE; América do Sul Político; Fusos Horários do Brasil; África – Norte e Sul; África Político; Regionalização da Guerra Fria; e Múndi – Continentes); e dois mapas em alumínio (Múndi Político; e Brasil Político). Os mapas além de fornecerem maiores informações, possibilitaram o surgimento de novos questionamentos e curiosidades por parte dos alunos, estimulando o gosto pela disciplina e pelo estudo. Inclusive foi possível constatar que os próprios alunos cegos acabaram utilizando os mapas táteis para ensinar uns aos outros sem a interferência do professor. Apesar disso, alguns desses mapas ainda precisam sofrer um acabamento, pois ainda carecem de algumas informações que podem dificultar seu entendimento na ausência de um professor. Quanto ao resultado do entendimento dos mapas em relação aos alunos em geral, chegou-se a um resultado semelhante ao que Almeida (2007, p. 139) tinha antecipado em suas pesquisas: é difícil atingir um conjunto único de sugestões e regras, pois há uma grande diferença entre as preferências individuais e o nível de habilidade do usuário com relação à leitura do mapa e ao domínio da linguagem gráfica. Assim, alguns mapas que poderiam ser considerados difíceis e ruins para uns, são bons para outros. Da mesma forma ocorre quanto à abordagem dos conteúdos, pois um mapa que pode ser julgado complexo ou “poluído” (com 84

muitas texturas) para a abordagem de um tema, pode ser muito útil para o entendimento de outro conceito. Percebe-se, então, que devido à tanta diversidade, é importante haver um feedback dos alunos tanto na confecção quanto na utilização dos mapas, pois somente dessa maneira que pode haver um maior aprimoramento didático desse material dentro da escola. Mesmo a escola não possuindo uma máquina Thermoform para fazer mapas mais resistentes, os alunos preferem trabalhar na matriz em papel cartão, pois há uma diversidade maior de texturas, estimulando a sensibilidade tátil. Apesar disso, há um maior desgaste da matriz pelo fato do seu manuseio poder descolar algumas texturas, rasgar o papel cartão e amassar o mapa, entre outros problemas. Além dos mapas, para incrementar a percepção espacial dos alunos é interessante um maior estímulo aos trabalhos de campo. Em 2010, foi realizada uma visita ao Parque Nacional da Tijuca, onde os alunos puderam entrar em uma pequena trilha da Floresta (Trilha do Aloísio), vivenciando melhor o ambiente de floresta tropical. Nesta ocasião, quatro alunos deficientes visuais participaram do trabalho, saindo no período da tarde em um ônibus do colégio. Durante o trabalho foi possível uma maior explicação sobre o histórico da ocupação da área do parque e sobre as características gerais do solo, da vegetação, do clima e da hidrografia do ambiente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa foi uma breve apresentação das atividades desenvolvidas neste projeto de dedicação exclusiva do Colégio Pedro II, sendo um trabalho que teve bons resultados, principalmente no que diz respeito a maior compreensão dos alunos na disciplina de Geografia. Espera-se que esta iniciativa seja mais uma colaboração no que diz respeito às crescentes e necessárias pesquisas sobre o ensino de Geografia para deficientes visuais. Muitas experiências e alternativas ainda podem surgir neste campo de estudo, sobretudo no que diz respeito à confecção de mapas táteis, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 8 2 - 8 7 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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havendo mapas em alumínio mais fino e maleável, além dos mapas em tecido. Quanto ao Colégio, espera-se que estas e outras práticas sejam feitas por toda a comunidade escolar envolvida com educação. Novas pesquisas poderiam ser feitas quanto à utilização de mapas táteis durante as aulas de Geografia, a fim de avaliar sua relevância junto com a turma. Além disso, baseado nos estudos de

Simielli (2007), cabe aqui a sugestão da formação de uma oficina de cartografia tátil para habituar o aluno com este tipo de linguagem, a partir de uma padronização dos materiais da escola. NOTAS Almeida (2007, p. 137) afirma que o tamanho de cada mapa, maquete ou gráfico não deve ultrapassar 50 cm, pois o campo abrangido pelas mãos é bem menor que o campo da visão. 1

F i g u ra 1 | Pro p o s t a d e m a p a s t á t e i s e m p a p el car tão e t e x t u ra s d i v e rs a s : Re g i o n a l i za ç ã o Po l ít i c a d a G uer r a Fr ia (e s q u e rd a ) e M ú n d i : Co n t i n e n t e s ( dir eita) .

F i g u ra 2 | M a p a s t á t e i s e m c h a p a d e a l u mí nio: Múndi: Po l ít i c o (e s q u e rd a ) e Bra s i l : Po l ítico ( dir eita) .

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F i g u ra 3 | M a p a s t á t e i s f e i t o s e m Bra i l o n c e didos pelo I n s t i t u t o Be n j a m i n Co n s t a n t : Am é ri c a d o Sul: Polí tico (e s q u e rd a ) e Am é ri c a An g l o -Sa x ô n i c a ( dir eita) .

F i g u ra 4 | F o t o s n o t ra b a l h o d e c a m p o a o Pa rq u e Nacional d a Ti j u c a (2 0 1 0 ): a l u n o s a b ra ç a n d o á r v o re na Flor esta (e s q u e rd a ) e a t ra v e s s a n d o o p ri m e i ro c ó rre g o ( dir eita) .

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F i g u ra 5 | F o t o s n o t ra b a l h o d e c a m p o a o Pa rq u e Nacional d a Ti j u c a (2 0 1 0 ): a l u n o s t a t e a n d o a f l o ra (esquer da e c e n t ro ) e a t ra v e s s a n d o o s e g u n d o c ó rre g o ( dir eita) .

REFERÊNCIAS AGUIAR, J. S. Educação Inclusiva: jogos para o ensino de conceitos. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2004. ALMEIDA, L. C. e NOGUEIRA, R. E. Iniciação cartográfica de adultos invisuais. In: NOGUEIRA, R. (Org.) Motivações hodiernas para ensinar geografia. Florianópolis: [s.n.], 2009. ALMEIDA, R. A. A cartografia tátil no ensino de geografia: teoria e prática. In: ALMEIDA, R. D. Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 2007. MAZZOTTA, M.J.S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. REILY, L. Escola Inclusiva: linguagem e mediação. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2004. SALOMON, S.M. Deficiente visual: um novo sentido de vida: proposta psicopedagógica para ampliação da visão reduzida. São Paulo: LTr, 2000. SIMÃO, A. e SIMÃO, F. Inclusão: educação especial – educação essencial. 3ª ed. São Paulo: Livro Pronto, 2004. SIMIELLI, M. E. R. Cartografia no ensino fundamental e médio. In: CARLOS, A. F. A. (Org.). A geografia em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. SMITH, D. D. Introdução à educação especial: ensinar em tempos de inclusão. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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O CONCEITO DE ESCALA: REDUÇÃO E AMPLIAÇÃO

CA R O L IN A L I M A VI LELA

Mestre em Geografia (UFRJ) e doutora em Educação (UFRJ) Professora do Colégio Pedro II (Campus Humaitá II) e colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação (FE/UFRJ) vilelac@terra.com.br

OBJETIVO A atividade tem por objetivo trabalhar o conceito de escala através do uso de ilustrações. Pretende-se que o aluno entenda que em um mesmo espaço físico (o papel), pode-se representar espaços que na realidade tem tamanhos diferentes. Assim, o aluno poderá compreender que quanto maior foi o espaço do mundo real, mais ele terá que sofrer redução para estar representado naquele papel. Por outro lado, representações de espaços menores da realidade, portanto mais próximas do tamanho real, são ricas em detalhes, mas não favorecem a compreensão do contexto geral. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO Esta atividade tem sido aplicada em turmas de sexto ano do Ensino Fundamental, em turmas de aproximadamente 30 alunos. 88

MATERIAIS NECESSÁRIOS

Livro “Zoom”, de Istvan Banyai. As páginas deste livro são compostas por ilustrações (não há texto). A primeira página traz uma figura não reconhecível; na segunda página, ao “afastar” a visão do observador, é possível decifrar o objeto da página anterior, e assim sucessivamente, até que as páginas finais mostram o planeta Terra.

• Mapas em diferentes escalas (pelo menos 3). DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE Apresentar para a turma a primeira ilustração e provocar o questionamento: “o que esta figura representa?” Muitas hipóteses serão levantadas, pois não é possível garantir, só com aquelas informações, que se trata de um determinado objeto. Trata-se de um detalhe de alguma coisa. Em seguida, deve-se propor que G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 8 8 - 9 0 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


CAROLIN A LIM A VIL E L A

os alunos pensem sobre o que seria necessário, do ponto de vista do observador, para se afirmar com mais precisão o que aquela figura representa. Deve-se, então, chegar à conclusão de que é necessário “afastar” a visão para entender o contexto e, assim, compreender a figura. Na segunda página, o mistério poderá ser desvendado. O resultado é surpreendente. As páginas que seguem trazem visões cada vez mais afastadas da realidade, fazendo com que aquela primeira imagem se perca em meio a tantas outras informações que surgem. Além disso, a cada nova ilustração tem-se uma nova compreensão do contexto, fazendo com que sejam possíveis novas interpretações sobre aquilo que se viu na página anterior. Nas últimas páginas, tem-se a visão do planeta, mostrando-o cada vez mais afastado, até ser reduzido a um pontinho quase invisível no meio da página. Este é o ‘gancho’ para se voltar à primeira página, e propor reflexões como as que seguem:

• Durante toda a exposição de figuras, o papel,

ou seja, o espaço destinado à representação, era

rigorosamente do mesmo tamanho (o tamanho da página). Ali, foi possível representar algo ‘visto’ tão de perto que não se podia definir o que era (muitos detalhes – pouca redução) até o planeta inteiro ‘visto’ muito ‘de longe’ (muita redução e nenhum detalhe).

• O que seria, na realidade dos mapas, escalas grandes ou pequenas? Estabelecer a relação com o tamanho que o mundo real fica representado e a riqueza (ou ausência) de detalhes.

• Para que servem mapas com escalas maiores ou

menores? Provocar a reflexão sobre a adequação da escala ao problema. Construir com os alunos a noção de que mapas com escalas maiores ou menores não são melhores ou pioeres; são mais ou menos adequados aos objetivos de quem os utiliza.

Após esta conversa com os alunos, apresentar os mapas em diferentes escalas e provocar associações entre a sequencia de ilustrações e os mapas. Mostrar que mapas que apresentam mais detalhes sofreram menor

F i g u ra 4 | a e s q u e rd a p a ra a d i re i t a : c a p a d o l i v ro; pr imeir a p á g i n a d o l i v ro ; p e n ú l t i m a p á g i na do livr o.

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redução e por isso possuem escala maior em relação a outros que apresentam realidades maiores e mais reduzidas, como os mapas-mundi. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta é uma atividade lúdica, que envolve imagens e por isso ajuda na compreensão do conceito de escala. Não se espera, com esta proposta, que os alunos dominem as questões

comuns que envolvem o conteúdo de escala cartográfica, tais como a resolução de problemas matemáticos. O que se pretende é criar bases concretas para a construção do conceito de escala e praticar o tipo de raciocínio que deve ser mobilizado para operar com este conceito. Uma vez compreendida a relação mundo realredução-representação, o aluno poderá transpor tal aprendizagem para o exemplo dos mapas.

REFERÊNCIAS BANYAI, Istvan. Zoom. São Paulo: Brinque-Book,1997. 64p.

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LEITURA, INTERPRETAÇÃO E COMPARAÇÃO DE MAPAS BÁSICOS E TEMÁTICOS*

P E D R O PA U L O BI AZZO

Mestre em Geografia pela UERJ e Doutorando em Geografia pela UFF Professor do Colégio Pedro II - Campus Centro p p b izzo@i g.com.br

E o esplendor dos mapas, caminho abstrato para a imaginação concreta, Letras e riscos irregulares abrindo para a maravilha. O que de sonho jaz nas encadernações vetustas, Nas assinaturas complicadas (ou tão simples e esguias) dos velhos livros. Álvaro de Campos, 1944.

OBJETIVO O aprofundamento de estudos relacionados à cartografia no Ensino Médio pode se aproveitar de diversos conhecimentos construídos desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Contudo, ainda que desde o 6º ano sejam destacados elementos básicos, como coordenadas e escalas, até o 9º ano o ensino de G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 9 1 - 9 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

Geografia comumente se desenvolve com uso exclusivo de mapas temáticos, nos quais título e legenda são quase invariavelmente os principais elementos de leitura. Deste modo, cabe ao professor do Ensino Médio promover uma efetiva aprendizagem voltada à leitura de mapas que, se por um lado não mergulhará fundo na semiologia e nos aspectos técnicos da cartografia, por outro proporcionará ao aluno ultrapassar uma percepção mais superficial acerca da elaboração, do escopo e das possibilidades de uso de distintos documentos cartográficos. Em face destas preocupações, o objetivo da atividade especial que aqui se descreve é o de complementar explicações concernentes às semelhanças e diferenças entre mapas básicos e temáticos. Ao se colocar os alunos em contato direto com cartas topográficas e mapas de variados temas, torna-se possível conferir maior visibilidade a elementos de leitura como curvas de nível, escalas gráfica e numérica, coordenadas 91


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geográficas, projeções e combinações mais sutis entre cores e formas geométricas. Deste modo, a atividade consiste em uma análise comparativa e na produção de um texto e/ou relatório produzido por grupos de alunos. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO A atividade foi aplicada em turmas da 1ª série do Ensino Médio na Unidade Escolar Centro do Colégio Pedro II ao longo dos anos de 2008, 2009 e 2010. Foram, ao todo, 12 turmas com aproximadamente 35 alunos cada uma, divididas em grupos de 5. Como na Biblioteca da Unidade Centro há uma dúzia de grandes mesas para até 8 pessoas, reservou-se uma parcela de seu espaço para essas aulas especiais, de dois tempos cada uma – ao todo 90 minutos. As mesas são mais apropriadas devido à facilidade em abrir dois mapas de grande tamanho (uma carta topográfica e um mapa temático para cada grupo). A atividade também pode ser realizada em sala de aula, unindo as carteiras dos componentes de cada grupo de modo a compor superfície maior. Contudo, recomenda-se o uso de algum ambiente escolar dotado de mesas mais amplas. MATERIAIS NECESSÁRIOS Na medida em que as turmas foram divididas em 7 grupos, utilizou-se ao todo 14 mapas. São necessárias, portanto, sete cartas topográficas, que podem ser em escala 1:50.000, 1:100.000, ou até ao milionésimo, além de sete mapas temáticos, que podem ser escolhidos pelo professor visando duas situações: a primeira, com mapas que abranjam justamente a área coberta pela carta topográfica; a segunda, pelo contrário, com mapas preferencialmente bastante contrastantes quanto à área mapeada. Na primeira situação, se o professor utiliza, por exemplo, cartas relativas a áreas específicas circunscritas ao Estado do Rio de Janeiro, pode selecionar mapas temáticos microrregionais, mesorregionais, estaduais (bem mais fáceis de encontrar), ou da Região Sudeste, gerando a oportunidade para 92

que os alunos percebam que a área retratada no mapa 1 (carta) está contida na área retratada no mapa 2 (temático), em um jogo de representações diretamente relacionado às escalas cartográfica e de abrangência. Na segunda situação, se o professor utiliza cartas topográficas de qualquer parte do território brasileiro, pode selecionar mapas temáticos internacionais, de outros continentes / subcontinentes, de modo a realçar mais fortemente as distinções entre a utilidade de cada um dos dois mapas a serem analisados pelo grupo. Em tempo, cartas topográficas de diversas partes do território brasileiro podem ser adquiridas pela escola, ou diretamente pelo professor, a preços muito acessíveis no IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Se o professor não puder adquirí-los, mas contar com recursos de informática abre-se a possibilidade de trabalhar com trechos de cartas topográficas e mapas impressos a partir de arquivos digitalizados, cada vez mais facilmente encontrados na internet. DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE No início da aula são distribuídas a cada grupo uma carta topográfica, que não será assim identificada e será chamada de mapa 1; e um mapa temático, que também será chamado pelo professor, neste momento, exclusivamente de mapa 2. O professor deve pedir a todos os grupos que inicialmente observem os títulos de cada mapa, onde ficam as áreas representadas, as legendas, fazendo anotações sobre os mapas em uma folha de rascunho. Enquanto essa observação é feita, o professor distribui uma folha com aproximadamente 30 linhas e que contém orientações como as que se seguem: “Elabore uma dissertação, de aproximadamente 25 linhas, analisando os dois mapas distribuídos pelo professor. Considere: 1) Os títulos dos mapas; 2) As principais informações contidas nas G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 9 1 - 9 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


P ED RO PA U L O BIAZ Z O

legendas e nos próprios mapas; 3) As possíveis semelhanças e as principais diferenças entre os dois mapas, quanto a escalas, projeções, entre outros elementos; 4) As possibilidades de classificação (definição do tipo) de cada um deles; Recomendações: na introdução, apresentem os mapas para um leitor que não os viu, fazendo referência a seus títulos; no desenvolvimento, façam uma análise bem organizada, considerando os itens 2 e 3 acima; na conclusão, acrescentem alguma informação ou idéia decisiva para completar a linha de raciocínio, de preferência identificando o tipo e a utilidade de cada mapa.” Deste modo, os alunos têm a possibilidade de observar detalhes, debater e produzir um texto que consiste em uma análise comparativa de dois documentos cartográficos. Necessariamente esta atividade será realizada após ao menos duas ou três aulas regulares que abordem temas da cartografia, tais como seu surgimento e sua importância na história humana, as possíveis definições de mapa, a orientação, as coordenadas geográficas, as projeções, as escalas cartográficas numérica e gráfica, a escala de abrangência, as legendas e as curvas de nível. Caso o professor já os tenha apresentado de modo satisfatório, esta atividade pode constar como uma das avaliações do bimestre/ trimestre. Foi justamente o que ocorreu nas três oportunidades em que se colocou em prática essa proposta pedagógica: entre 2008 e 2010 as turmas de 1ª série do Ensino Médio da Unidade Escolar Centro produziram textos de qualidade e detalhamento surpreendentes. A atividade consistiu, de fato, em um estudo dirigido baseado em leitura, interpretação e elaboração de texto, com resultados bastante variáveis conforme os mapas analisados por cada grupo. Durante os três anos optou-se por combinar estratégias, G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 9 1 - 9 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

de modo que alguns grupos se depararam com a situação 1 descrita anteriormente no item “Materiais Necessários”, enquanto outros grupos tiveram mapas cuja relação entre si configurava a situação 2. Na prática, portanto, foram utilizadas 7 cartas topográficas em escala 1:50.000 relativas ao Norte Fluminense, intituladas Campos, Travessão, Morro do Côco, Macaé, São Fidélis, São João da Barra e Santo Antônio. Nelas os alunos puderam identificar na legenda a escala gráfica bem detalhada, a indicação quanto à equidistância das curvas de nível, os símbolos que indicam uso e cobertura do solo, o “encaixe” da carta com outras cartas vizinhas, além de elementos como as coordenadas geográficas, não somente na precisão de graus, mas também de minutos. Quanto aos mapas temáticos, variaram bastante a cada ano mas, a título de exemplo, por um lado foram utilizados sempre mapas cuja área de abrangência inclui o Norte Fluminense (configurando a situação 1, de relação complementar entre os dois mapas), como mapas políticos e físicos estaduais, mapa sobre a cobertura florestal do Estado do Rio de Janeiro, mapa turístico do Estado do Rio de Janeiro. Por outro lado, utilizou-se mapas que configuram a situação 2, de extrema diferenciação entre os mapas: conflitos no Oriente Médio, áreas do antigo Império Romano, mapa-múndi de migrações e refugiados, mapa da União Europeia, mapamúndi de biodiversidade. A maioria desses mapas consiste em suplementos da revista National Geographic, em edições desde 2005. CONSIDERAÇÕES FINAIS A comparação entre cartas topográficas e mapas temáticos gerou a oportunidade prática de leitura cartográfica e de interpretação das informações contidas nos mapas. Nesse sentido, os alunos tiveram oportunidade de contrastar mapas com finalidades bem distintas e que, portanto, apresentam configurações visuais díspares. A maioria dos grupos conseguiu constatar por conta própria, no texto produzido, 93


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que o mapa básico é voltado à localização precisa, à indicação de dados fundamentais e detalhados do terreno e que ele é assim denominado por servir de base à elaboração de outros mapas com temas específicos. Além disso, muitos foram os grupos que concluíram seu texto identificando que, se por um lado a escala cartográfica da carta é matematicamente maior, sua escala de abrangência é local / microrregional, enquanto o mapa temático possui escala cartográfica menor, com escala de abrangência bem maior, de mesorregional a continental. Foram muitas, também, as dúvidas suscitadas pelos alunos, advindas das análises como, por exemplo, a projeção utilizada em alguns mapas temáticos, frequentemente não indicada por escrito e difícil de ser identificada; o assombro perante a enorme quantidade de

informações que um mapa temático pode conter, a partir da combinação entre cores e símbolos desigualmente dispostos em uma certa área; a utilidade de distintos nortes na carta topográfica (geográfico, magnético e da quadrícula); a questão sobre a utilização de “minutos” e “segundos” como denominações temporais para a subdivisão das coordenadas geográficas, espaciais; e, por fim, a explicitação de percepções técnicas e estéticas com base nos desenhos marcantes das curvas de nível, muito sugestivos quanto às infinitas diversidades de formas naturais e possibilidades de grafias humanas na superfície terrestre.

NOTA * O autor agradece aos funcionários da Biblioteca do Campus Centro.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela Doin de. Cartografia Escolar. São Paulo: Contexto, 2007. 224p. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Folhas da Carta Topográfica do Brasil ao Cinquenta Milésimo. Rio de Janeiro: IBGE, 1960-1992 (diversas edições). KIMURA, Shoko. Geografia no Ensino Básico. São Paulo: Contexto, 2008. 217p. NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Mapas-Pôster Suplementares. São Paulo: Abril, 2005-2010 (diversas edições). NOGUEIRA, Ruth E. Cartografia – representação, comunicação e visualização de dados espaciais. Florianópolis: UFSC, 2006. 314p. PESSÔA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944 (reimpresso 1993)

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PROJETO LIXO URBANO1 UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA MULTI DISCIPLINAR COM USO DE GEOTECNOLOGIA URBAN GARBAGE PROJECT A MULTIDISCIPLINARY TEACHING EXPERIENCE WITH THE USE OF GEOTECHNOLOGY

IS AA C G A B RI EL GAYER FI ALHO DA R O SA Formado em geografia pela UFRJ e mestre em Educação pela UFRJ Professor do Colégio Pedro II – Campus Realengo II isaacdaros a@y ahoo.com . b r

S I M O N E DA C OSTA LI M A

Formada em Letras (Português / Inglês) e Mestre em Linguística Aplicada pela UFRJ Professora de Informática Educativa do Colégio Pedro II – Campus Realengo II sclmorgado@gmai l .com

INTRODUÇÃO O presente trabalho é o relato de uma experiência de natureza multidisciplinar ainda em curso realizada com seis turmas de 7º ano do Ensino Fundamental do campus Realengo II do Colégio Pedro II. O projeto envolve professores das disciplinas de Geografia, Língua Portuguesa e Artes Visuais, tendo a área de Informática Educativa como elemento integrador das atividades realizadas. O Projeto surgiu de uma demanda apresentada pela professora de Português Aline Fagundes em função da necessidade de conscientizar os alunos com relação ao lixo produzido pelos moradores das grandes cidades. Como pontapé inicial do projeto, todos os alunos do 7º ano assistiram ao filme Lixo Extraordinário2, dirigido por Lucy Walker. O projeto pretende incluir atividades G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 9 5 - 1 0 2 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .

realizadas durante as aulas de Língua Portuguesa, Artes Visuais, Geografia e Informática Educativa. Dentre as atividades em curso durante as aulas de Informática Educativa, temos:

Postagem de fotos do lixo urbano no site Panoramio3 com localização geográfica (latitude e longitude) das mesmas.

• Criação de cartazes de conscientização sobre

a problemática do lixo com a inserção de fotos dos trabalhos criados durante as aulas de artes e dos textos produzidos durante as aulas de Língua Portuguesa.

• Montagem de um site colaborativo

com todo o material do projeto: textos produzidos sobre o filme “Lixo extraordinário”, fotos do lixo urbano publicadas no site do Panoramio, fotos das obras 4

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de arte produzidas durante as aulas de arte e os cartazes de conscientização. Tendo em vista a amplitude do projeto e a temática da primeira edição da revista à qual este trabalho se destina, julgamos pertinente um recorte do projeto com enfoque apenas nas atividades já realizadas que incluíram conceitos de cartografia. OBJETIVOS Dentro do escopo pretendido, as atividades realizadas tiveram como objetivo conscientizar os alunos com relação ao despejo irregular de lixo urbano, mediante a publicação e posterior plotagem no site Panoramio de fotos tiradas pelos alunos. Esse expediente foi adotado partindo-se da premissa de que é necessário incentivar uma alfabetização espacial do olhar, ou seja, permitir que o educando consiga perceber a espacialidade dos fenômenos. Acredita-se que a compreensão do mundo por meio da percepção espacial não ocorre naturalmente, exigindo, assim, atividades educativas que auxiliem na formação dessa percepção. As tecnologias que espacializam os processos (geotecnologias) se configuram como um importante meio para auxiliar a edificação de justificativas que relacionem os locais de despejo de lixo em uma teia de localização. Essas teias, vistas em conjunto por meio do mapa produzido, permitem uma concepção que relacione as fotos e, consequentemente, os diferentes espaços da nossa cidade. Sendo assim, o estudante se sente produtor e autor do mapa, não sendo um mero observador de um produto cartográfico acabado. Portanto, tem maiores condições de se apropriar dos elementos da linguagem cartográfica para enriquecer a sua prática como cidadão crítico e produtor de ações transformadoras. Além disso, acredita-se na importância do mapeamento colaborativo, pois permite que os alunos consigam significar as ferramentas de interação da internet como espaços profícuos de produção de conhecimento. Dessa forma, o 96

aluno pode perceber a riqueza da construção de qualquer conhecimento de maneira colaborativa, com uso das ferramentas tecnológicas. Pretende-se ainda demonstrar a importância social da produção cartográfica, já que, com o conhecimento produzido, temos a demonstração de um arranjo espacial de localidades de despejo de lixo, podendo assim, apetrechar essa geotecnologia como um instrumento de luta por mecanismos de despejo correto dos resíduos no espaço urbano. Além disso, o projeto tem como meta trabalhar o conceito de representação como fundamental para a prática de produção de saberes. Nessa lógica, são trabalhadas as idiossincrasias da representação cartográfica para posteriormente enfocar as características da representação artística, estimulando uma visão que não compare e hierarquize as representações, mas sim gere uma interpretação complementar entre os modelos utilizados. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO E MATERIAIS NECESSÁRIOS As atividades de plotagem das fotos no ambiente do Panoramio foram realizadas durante as aulas de Informática Educativa que, no caso do 7º ano, acontecem exclusivamente aos sábados em um laboratório com 30 computadores com acesso à internet. Os alunos que participaram das atividades têm entre onze e treze anos de idade. Problemas de conexão e de uso de dispositivos móveis dificultaram muito a realização das atividades. Muitos alunos tiraram fotos com seus celulares e não tinham cabos para transferilas para o computador. Algumas fotos foram tiradas com alta resolução, sendo necessário redimensioná-las antes de serem publicadas. O acesso simultâneo de várias máquinas a um mesmo site sobrecarregou a conexão com a internet que, muitas vezes era interrompida. As faltas de alguns alunos aos sábados, assim como o longo período de greve que aconteceu durante a realização do projeto, também prejudicaram a realização das atividades. G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 9 5 - 1 0 2 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES Inicialmente os alunos acessaram o site do Panoramio e fizeram o cadastro de seu usuário. A ferramenta está vinculada ao sistema Google, portanto, quem já tinha uma conta no Gmail ou no You Tube, poderia utilizá-la. Os alunos foram, então, orientados a fotografar ao longo de uma semana áreas de despejo irregular de lixo nas proximidades de suas residências ou durante o percurso entre sua casa e o colégio.

Em um segundo momento, os alunos foram orientados a publicarem suas fotos no ambiente com a plotagem das mesmas. O que seria uma atividade de grande dificuldade para os alunos dessa faixa etária, tornou-se de fácil execução em função das ferramentas de localização disponibilizadas no ambiente. Após o upload de cada foto, o aluno digita o endereço onde a mesma foi tirada e um mapa é automaticamente carregado.

F i g u ra 1 | Áre a d e l o c a l i za ç ã o p o r e n d e re ç o . F o n t e : www. p a n o r amio.com

Nesse mapa, é exibido um ícone de uma máquina fotográfica que deve ser movido com o mouse para o ponto exato onde a foto foi tirada.

Fi gu ra 2 | Á re a de l o c a l i za ç ã o c o m o u s o d o íc o n e d a m á q u i n a f o t o g rá f i c a . F o n t e : www. p a n o r amio.com

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A foto é, então, localizada geograficamente com latitude e longitude.

Fi gura 3 | F o to já p lo t a d a . Font e : h ttp :/ / www.p an ora m i o . c om /ph o t o/7 2 6 5 8 4 3 4

Cumpre ressaltar que os alunos foram alertados sobre a possibilidade de suas fotos serem publicadas no Google Maps e no Google Earth, bastando, para tanto, seguirem algumas regras definidas pelo ambiente:

Fi gur a 4 | P o lí tica d e a c e i t a ç ã o de f o t os pa ra o G oo g l e E a rt h e Go o g l e M a p s . Fonte: http://www.panoramio.com/help/acceptance_policy

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De modo a favorecer a visualização das fotos por todos os alunos de uma mesma turma, foram criados grupos de discussão por turma. O uso de grupos de discussão possibilita também um mapeamento das fotos tiradas por todos os alunos de uma mesma turma.

F ig u r a 5 | Map a d o grupo da turm a 701 (com deta lh e a m plia d o ). Fontes: http://www.panoramio.com/map/?group=89105 e http://www. panoramio.com/map/?group=89105#lt=-22.953473&ln=-43.376787&z=-1&k=1&a=1&tab=6&pl=all

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Visando possibilitar a visualização das fotos pelo público externo à comunidade escolar, foram criados seis ambientes no Google Sites (um para cada turma). Cada aluno ficou responsável pela edição de uma das páginas do site colaborativo, devendo incluir um player interativo de exibição das fotos e o texto produzido durante as aulas de Língua Portuguesa após discussões sobre o Filme Lixo Extraordinário. Para a criação dos players, os alunos receberam um modelo de script:

F ig u r a 6 | O ri ent ações extraídas do rot ei ro d e tra b a lho . Fonte: https://sites.google.com/site/lixourbano701/roteiros-de-trabalho

Fi gu ra 7 | P l ayer de ex ib iç ã o d a s fo to s . Fonte: https://sites.google.com/site/lixourbano701/panoramio/33

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Pudemos perceber, a partir dos comentários postados pelos alunos em seus ambientes no Panoramio, um grande envolvimento da maioria do corpo discente. Muitos não se contiveram apenas em postar suas fotos, mas se posicionaram criticamente em relação ao que observaram nas ruas da cidade.

F ig u r a 8 | P os t a ge m f e i t a p e l o a l u n o i n d i g n a d o c o m o l i x o e n c o n t ra d o . Fonte: http://www.panoramio.com/photo/72785113

Alguns alunos também postaram fotos retratando as modificações sofridas pelo local fotografado anteriormente, demonstrando, dessa forma, sua observação acerca do espaço urbano.

F i gu ra 9 e 1 0 | F o t o s c o m p a ra n d o u m m e s m o l u g a r, a n t e s e d e p o i s da limpez a. Fontes: http://www.panoramio.com/photo/73823668 e http://www.panoramio.com/photo/75153081

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O fato de o projeto ainda estar em desenvolvimento nos impede de fazer uma avaliação adequada dos resultados obtidos. Apresentaremos, então, apenas algumas considerações preliminares. As disciplinas na instituição onde trabalhamos estão organizadas em dias pares e dias ímpares. Portanto, os professores de Língua Portuguesa, que trabalham às segundas, quartas e sextas, nunca encontram os professores de Geografia, que trabalham às terças, quintas e sábados, por exemplo. Observamos, então, que um trabalho de natureza multi disciplinar não é muito comum, nem muito fácil de ser realizado. Já que não conseguíamos nos encontrar presencialmente, tivemos que nos reunir de forma online, assíncrona, mediante a troca de e-mails. A tecnologia, portanto, esteve presente não apenas durante a realização das atividades, mas também durante o planejamento das mesmas. A impossibilidade de nos encontrarmos presencialmente e o longo período de greve que interrompeu o projeto em muito prejudicaram o desenvolvimento das atividades. Além disso, problemas técnicos referentes ao uso de máquinas fotográficas e celulares e à conexão à internet também representaram um grande entrave à realização do projeto. Por outro lado, à medida que os problemas técnicos foram sendo contornados, i.e., à medida que a tecnologia foi ficando mais “transparente”, os alunos se sentiram mais à

vontade para postar suas fotos e comentários5. A realização do projeto ratificou a importância de abordagens multi disciplinares de forma a romper com as barreiras impostas pela divisão dos conteúdos programáticos em disciplinas, possibilitando ao aluno perceber que o conhecimento não deve ser fragmentado, nem está pronto, acabado, mas deve ser construído por todos de forma colaborativa. Temos certeza também que as tecnologias de informação e comunicação em muito têm a contribuir nesse processo.

NOTAS Assinam esse relato apenas os professores que redigiram o texto, tendo em vista o recorte feito. Entretanto, o projeto contou também com a participação das professoras Eliane Moreira e Aline Fagundes de Língua Portuguesa, do professor Alex Rodrigues de Informática Educativa e dos professores Luciano Dantas Bugarin e Lenir Maria de Artes Visuais. 1

“Filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de 2009), Lixo Extraordinário acompanha o trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, na periferia da zona metropolitana do Rio de Janeiro” (fonte: http://www.lixoextraordinario.net/). 2

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Mais informações em: www.panoramio.com.

Para visualizar um dos sites produzidos de forma colaborativa pelos alunos do sétimo ano, acesse: https://sites.google.com/site/ lixourbano701/ 4

As etapas referentes à criação de obras de arte com lixo reciclável e de cartazes de conscientização ainda tinham sido realizadas quando da escritura deste relato. Atualmente todos os trabalhos estão disponíveis nos sites das turmas. 5

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela Doin de. Cartografia Escolar. São Paulo: Contexto, 2007. 224p. http://www.lixoextraordinario.net/ Acesso em: 28 fev. 2014 www.panoramio.com Acesso em: 28 fev. 2014 https://sites.google.com/site/lixourbano701/ Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/photo/72658434 Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/help/acceptance_policy Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/map/?group=89105 Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/map/?group=89105#lt=-22.953473&ln=-43.376787&z=-1&k=1&a=1&tab=6&pl=all Acesso em: 28 fev. 2014 https://sites.google.com/site/lixourbano701/roteiros-de-trabalho Acesso em: 28 fev. 2014 https://sites.google.com/site/lixourbano701/panoramio/33 Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/photo/72785113 Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/photo/73823668 Acesso em: 28 fev. 2014 http://www.panoramio.com/photo/75153081 Acesso em: 28 fev. 2014

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PROFESSOR SALOMON TURNOWSKI Com aproximadamente 50 anos de experiências profissionais variadas em Geografia, o Professor Salomon Turnowski se revela, até hoje, um apaixonado por nosso campo de conhecimento. Em entrevista realizada pela equipe da Revista Giramundo, em junho de 2009, na Unidade Escolar Humaitá II, a disposição de contar sua trajetória parece movida pelos comentários a respeito de nossa ciência, de suas transformações e de sua paixão pelos livros. Atuante no Colégio Pedro II, onde lecionou entre 1984 e 2009, no IBGE e na antiga FIDERJ (Fundação Instituto de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro), entre outros, seu depoimento se revela, portanto, uma oportunidade para conhecer um pouco mais sobre sujeitos e instituições voltados à construção da Geografia no Brasil e no Rio de Janeiro, assim como sobre os contrastes entre as vivências de geógrafo e de professor. Fica aqui um registro acerca da experiência valiosa e diversificada desse profissional, assim como uma singela homenagem.

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GIRAMUNDO: Fale um pouco sobre sua trajetória de vida: ano e local de nascimento, ascendência, inserção profissional de membros da família. PROF. TURNOWSKI: Eu nasci no Rio de Janeiro, em 1940. Meu pai era imigrante, ele vivia de dar aulas de hebraico, de modo que eu via como meu pai trabalhava e como ele tentava sustentar a família. Eu pude mais ou menos planejar a minha carreira de professor baseado na experiência que meu pai viveu. GIRAMUNDO: E sobre o início da sua trajetória profissional em geral: quais foram os motivos que o levaram à escolha da Geografia como área de atuação profissional? Alguma lembrança e/ou experiência de infância tiveram importância neste sentido? PROF. TURNOWSKI: Me considero, como professor, uma pessoa de alguma sorte. Acontece o seguinte: quando me defini para estudar Geografia estava no Ginásio, mas naquele tempo, 1954, História e Geografia eram misturadas. Eu tinha professores que eram de História e Geografia na mesma turma. Ainda existem alguns casos assim, mas naquele tempo era comum. Então, eu gostava de História e Geografia e pensava as duas em conjunto. Quando entrei no que àquele momento era chamado de Cientifico (hoje Ensino Médio), me disseram para escolher entre Geografia e História. Eu já estava pensando a História como algo fossilizado, e a Geografia como algo mais dinâmico, embora não seja verdade, mas talvez seja por isso que escolhi Geografia. Na universidade estava surgindo essa separação. Ainda quando eu estava no Ensino Médio, aconteceu aqui no Rio o XVIII Congresso Internacional de Geografia (1956). Eu me lembro que um colega falou: “vamos até lá ver o que é isso!” Aconteceu na Escola Naval, na Ilha das Cobras. Então eu fui lá, lembro que tinha uma pessoa dando aula em francês, não entendi nada, mas gostei. Mas aquele congresso marcou muito o rumo que a Geografia brasileira teve na segunda metade dos anos 50 e nos anos 60. Então, fiz vestibular para Geografia. Minha mãe olhou assim 104

pra mim e falou: “Vai ser professor? Tá vendo aí seus colegas fazendo Engenharia, Medicina. Que mania é essa de ser professor? Tá vendo aí seu pai?” Mesmo assim quis estudar Geografia. Então, fiz um plano de vida para poder ficar até a minha velhice sendo professor e, meu plano, foi o inverso do que meu pai seguiu. O meu pai viveu como professor. Desde que ele se adaptou um pouquinho ao Brasil até os seus 50 e muitos anos, para depois sair da sala de aula e trabalhar em escritório. Então inverti: fugi o máximo possível da sala de aula no início e depois, entrei nela e pude ficar até o final. Talvez por isso eu esteja chegando aos 70, perto da compulsória, e não estou desanimado com o magistério porque durante muito tempo eu o deixei em segundo plano e me tornei geógrafo. Mais ou menos até 1980, no máximo 1982, minha atividade principal era a pesquisa. Lecionava também como “bico”. Inclusive tinha essa convicção: de que iria me dedicar ao ensino, então não queria embromar. Onde esteve a minha sorte? Veja bem, quando me formei saiu o primeiro grande concurso para professor da rede estadual. E o professor de então ganhava bem. Eram 20hs por semana com cinco salários mínimos. E era possível acumular e ganhar o dobro. Com esse dinheiro eu casei. Cheguei pra minha namorada e falei: “quer casar comigo? tenho matrícula de professor!” Tinha vinte e poucos anos. Eu dei essa sorte. Infelizmente o magistério depois entrou em profunda decadência, especialmente salarial. Aí é que entra minha frustração. Olhando o passado só havia o ensino universal para o primário, até 10, 11 anos de idade. E todas as crianças faziam Exame de Admissão, todas! Mesmo quem quisesse entrar no colégio particular fazia Exame de Admissão. As escolas públicas eram muito seletivas, mesmo as escolas estaduais do então Ginásio, eram rigorosas e, por isso, tinham alunos de excelente qualidade. Perto da minha casa não tinha escola pública, meu pai não queria que eu pegasse condução, então fiquei em colégio particular. Lembro que eu não estava preparado para fazer um exame rigoroso: G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 0 3 - 1 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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se tentasse o Pedro II eu não passaria! GIRAMUNDO: Quais os professores importantes na sua formação e que mais o marcaram/ influenciaram, desde o Ensino Básico? Por que eles tiveram destacada importância para você? PROF. TURNOWSKI: Optei por Geografia não por causa de algum professor. Não tem nada a ver com professor. Eles ensinavam direitinho e eram do mesmo gabarito: Inglês, Matemática... Eu gostava de estudar fora da escola. Pegar um livro de História e de Geografia e ler um pouco mais sobre algum assunto. Nem precisava de acesso a atlas ou enciclopédias. Naquela época havia uma coleção de livros que praticamente todas as casas tinham, chamada “O Tesouro da Juventude”. Eram 18 volumes. Ficar folheando aqueles tesouros da juventude... Era formidável! Tinha mapas e conhecimentos gerais. Um tipo de enciclopédia em uma linguagem espetacular, jovem, até porque não tinha internet, nem outras mídias, como televisão. Tinha que me divertir com os livros. GIRAMUNDO: Qual é a sua opinião acerca da formação em Geografia na sua época e nos dias de hoje? PROF. TURNOWSKI: A Geografia daquele tempo era muito homogênea. O principal autor de livros do Ensino Básico era o Aroldo de Azevedo. Se você fosse capaz de pegar os três melhores livros de Ensino Básico, lesse e entendesse, você não precisaria de professor! Era a Geografia da época. Eu me sentia confiante. Tanto que só fiz exame para a Faculdade de Filosofia da UERJ. Naquele tempo ficava no Instituto Lafayette, onde hoje é o colégio da Fundação Bradesco, na Rua Haddock Lobo, na Tijuca. Ali funcionava a instituição que hoje é a UERJ. Tinham construído um prédio para a então denominada UDF - Universidade do Distrito Federal. Entrei em 1958. Em 1960 houve a mudança da capital. Então a universidade passou a se chamar Universidade do Estado da

Guanabara (UEG). Quando eu me formei em final de 61, inicio de 62, era UEG, hoje em dia é UERJ. E já naquele ano, no final de 1962, houve concurso para professor da rede estadual. Então, contrataram centenas de professores para iniciar a universalização também do ensino ginasial. No ano seguinte houve concurso para efetivo. Isso em 1962. Eu fiz e passei! Eu e mais 25 em Geografia. Nós passamos e fomos colocados com um bom salário. No ano seguinte teve outro concurso, eu fiz e acumulei. Bom, daí iniciei a minha carreira de professor. Só que antes estava pleiteando “fugir da escola”, era meu “plano de curso” profissional. Eu fugi durante 20 anos. Mas o que acontece: quando eu entrei na UERJ, então UEG, UDF, eu era bom aluno. Vou dar um exemplo: tive um professor de Geografia Física que me influenciou, chamado Miguel Alves de Lima, hoje falecido, que era uma pessoa influente no então Conselho Nacional de Geografia do IBGE, e era professor da UDF. Eu imagino que naquele tempo os professores trabalhavam como geógrafos e complementavam seu salário na universidade. Naquele tempo até na faculdade era fácil, porque você pegava os livros de Geografia Física de autoria do Emanuel De Martonne... “É esse o livro!”. Agora, como o livro do De Martonne foi traduzido em Portugal, era uma loucura, você não entendia: “o que ele quer dizer com isso? Costão?” Costão era aquele paredão de serra. Você pegando livros do Aroldo de Azevedo no Ensino Ginasial, via que resumiam o De Martonne, com adaptações. Então, eu me lembro que o professor Miguel começava a dar aula e ninguém entendia nada. Eu pensava: vou pegar lá e vou fazer apostila pros colegas. Outros faziam de outras matérias. Com isso eu comecei a aprender um pouco mais de Climatologia. Lembro que o Professor Miguel, um dia, colocou umas tabelas, com temperatura e precipitação de oito cidades, mas não disse onde ficavam as cidades. E disse: “olha, vocês vão ter que identificar esses locais, a partir das tabelas!” Então, eu fui deduzindo, deduzindo, deduzindo, e disse que uma das cidades ficava no Mar Mediterrâneo, provavelmente na Europa, entre

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a Itália e o Atlântico e era, se não me engano, Toledo ou outra mais ao sul da Espanha. Poxa, mais do que isso... (risos) Assim eu vi que ganhava confiança e só queria obter um estágio no IBGE. Então, no segundo ano da faculdade, o Professor Miguel já tinha me indicado para o IBGE. Assim comecei a minha carreira como geógrafo. Fiz um estágio magnífico! Como eu entrei pro IBGE no início do segundo ano, podia ter quebrado a cara, porque o diretor da Divisão de Geografia, o falecido professor Antonio Teixeira Guerra, me mandou trabalhar com biogeógrafos. Eu não entendia nada de Biogeografia! Ele me mandou fazer um trabalho e fracassei! Então, com um mês, ele disse: “aqui você não pode ficar!” Ele me transferiu para a seção regional norte. Ali eu tive três anos de estágio maravilhoso. Porque a chefe da seção era a Professora Catarina Virgolino Dias. No IBGE cada seção regional tinha três salões, um salão da chefe que possuía uma mesa de trabalho e livros - tinha livro de tudo quanto é jeito! – depois, o salão do outro geógrafo, e outro dos auxiliares. Eu era um estagiário auxiliar do outro geógrafo. E a Catarina chegou e falou assim: “Salomon, você pode entrar aqui e pegar o que você quiser! Pode usar o livro que quiser e felicidades!” Que maravilha, puxa! Então, eu tinha uma biblioteca na sala ao lado, no serviço! Enquanto eu estava no 3º ano da faculdade - fiz o segundo e o terceiro com ela me orientando. Lá de 1959 para 1960, ela me falou assim: “Salomon, vai ter concurso pro IBGE. Concurso para Auxiliar Técnico de Geografia”. Com os livros e com a experiência, eu estava na toca da raposa! (risos) Uma coisa que hoje a Geografia perdeu e que lamento muito: publicações de referência geral. Quando eu passei para a faculdade o diretor da escola que eu estudava tinha prometido dar um prêmio a quem passasse bem colocado. Aí eu cheguei e falei pro chamado Dr. Ribeiro: “passei em primeiro lugar na UERJ, qual é o prêmio?” Ele tinha prometido uma viagem, mas não deu nada! Mas ele era amigo da pessoa que gerenciava a loja de publicações do IBGE. Aí telefonou pra esse amigo, e disse: “tem um aluno meu aí, dá pra 106

ele uns livros!” Ele me deu a coleção da Revista Brasileira de Geografia (RBG). Então eu tinha tudo para estudar! Acho que ninguém deve ter tido. E tem mais: havia lá no IBGE o Boletim Geográfico, que podia te posicionar no mundo da Geografia: “olha, a ciência geográfica está assim! Publicando tais trabalhos, sobre tais temas”. Eles traduziam trabalhos... Pegando um volume daqueles, você sabia “a Geografia está nesse ponto. Na França estão fazendo isso, nos EUA aquilo, no Brasil estão fazendo...” e por aí ia. GIRAMUNDO: Você chegou a pegar um caderno feito pelo Delgado de Carvalho e pela Professora Terezinha de Castro, sobre relações internacionais, publicado pelo IBGE? PROF. TURNOWSKI: Sim! Saía como um encarte da RBG e de tempos em tempos reuniam o material e publicavam um Atlas. A revista era voltada mais para divulgar o trabalho de pesquisa de geógrafos, a maioria geógrafos do IBGE. Então, só pra te dar um exemplo do que eu fiz: fui para trabalhar com Catarina Dias na seção Região Norte, e naquele ano o IBGE começou a publicar um volume de cada região. Primeiro saiu a Região Norte, depois a Centro-Oeste. E o IBGE durante três vezes reeditou isso, até os anos 90. Então, aquela era a primeira edição. Meu trabalho era ler os originais e corrigir. Muita responsabilidade? Sim, mas não pensava tanto sobre isso. Pensava: “eu sou pioneiro no conhecimento deste livro!” E eu me lembro que naquele volume da Região Norte tinha um geógrafo, hoje falecido, Lucio de Castro Soares, que escreveu sobre hidrografia. Até hoje ninguém conseguiu avançar muito além do Professor Lucio. Inclusive quando o IBGE fez a terceira série destes livros regionais repetiu o artigo do Professor Lucio. Era um geógrafo mais acadêmico do que o perfil para o IBGE. Então, ele sempre atrasava. Um dos trabalhos de que ficou responsável aconteceu o seguinte: na Constituição de 1946, um artigo direcionava 3% do orçamento para a Amazônia. Pouco depois pediram para o IBGE delimitá-la. E o Lucio usou a técnica que mais valia na época: ele pegou as G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 0 3 - 1 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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fotografias aéreas, olhou, fez alguns trabalhos de campo e traçou o limite da Floresta Amazônica. Mas como ele sempre entregava amanhã e, não, ontem, a Câmara dos Deputados votou o limite da Amazônia antes do fim dos estudos. Então, até hoje o limite sul da Amazônia fica a 16º de latitude no Mato Grosso, 13º de longitude oeste no Tocantins (naquele tempo Goiás), e depois um meridiano que eu não lembro no Maranhão. E o Prof. Lucio mostrava que estes limites ficavam na transição entre o Cerrado e a Amazônia. GIRAMUNDO: Seria a base para o que hoje chamamos de Amazônia Legal? PROF. TURNOWSKI: Isso. A Amazônia Legal é maior do que o Lucio tinha delimitado. E tinha tomado muito cuidado pra não confundir o “cerradão”, com o Cerrado em si, e com a Amazônia. De modo que os ambientes amazônicos penetravam conforme os rios, enquanto nos interflúvios havia “cerradão”. Muitos mapas e fotografias que colocamos até hoje em provas, com áreas de vegetação derrubada não seriam amazônicas. Seriam de “cerradão”! Teria que colocar numa categoria diferente de Cerrado, entendeu? E depois, quando na Constituição de 88 criou-se o Estado de Tocantins e este virou parte da Amazônia, aí ficou claro que o negócio não era pra valer! Porque Tocantins tem um pedacinho pequeno de Amazônia! O resto era “cerradão”. E por quê? Porque tantos por cento do orçamento iam para a... Amazônia! Entenderam os motivos? O problema é o seguinte: se a Amazônia fosse aquela verdadeira, que o Lucio Soares de Castro demarcou, hoje não haveria tanta discussão. Você poderia com mais firmeza dizer: “aqui na Amazônia ninguém derruba!”, mas como ela ficou ampliada... Mas nós estávamos falando de 1962. Eu já era auxiliar de geógrafo e já não era mais estagiário. Então, mudou o governo JK para o governo Jânio Quadros. Mudaram os dirigentes dos órgãos. O professor Antonio Teixeira Guerra deixou de ser o Diretor de Geografia e em seu lugar assumiu o professor Nilo Bernardes.

Naquele momento, as pessoas que haviam passado no concurso de Auxiliar de Geógrafo podiam escolher o setor que queriam. Então, escolhi Geografia das Indústrias. E o orientador dessa equipe era o professor Pedro Geiger, com quem trabalhei durante muito tempo. Eu tenho a impressão de que eu dei alguns passos maiores do que eu devia. Mas, era o que me mandavam. Nós começamos a estudar os dados estatísticos sobre a indústria aqui na Região Sudeste e saíram artigos na RBG sobre o tema, que o Geiger levou para o congresso do IPEH em Buenos Aires. No final, ele falou: “Salomon, está aqui o livro do professor Chardonnet, ‘Grandes tipos de complexos industriais’. Então você analisa e vê se aqui na Região Sudeste do Brasil tem complexos industriais. Se tiver, nós vamos colocar no mapa síntese do Instituto.” Então, ele saiu de férias e eu tive que ler o livro do Chardonnet, entender o que era complexo industrial na época, porque hoje não é esse o mesmo conceito. Complexo industrial era considerada uma área de grande concentração industrial, que tinha peso econômico etc. Eu lembro que a demarquei e, quando voltamos, os colegas discutiram. A demarcação que adotei não foi a que venceu, mas não importa. Nós começamos a tentar qualificar espaços. Me lembro que identifiquei complexos industriais no Rio de Janeiro, no Vale do Paraíba, em São Paulo e na região centrada em Belo Horizonte. Os estudos eram bem fundamentados e lembro que um grupo foi estudar indústria na região de Jundiaí. Eu, por exemplo, parti para estudar Juiz de Fora, que também era um núcleo industrial que começava a ficar tradicional, que era diferente. Bom, aí saiu um grande concurso para professor do Estado da Guanabara e eu não podia acumular o cargo de Auxiliar de Geógrafo com o de Professor. Se eu fosse Geógrafo pleno, poderia. Por isso nós tivemos que sair do IBGE. Saímos daquele grupo: Ney Julião Barroso, que depois foi aqui do Colégio Pedro II, diretor da Unidade Tijuca, o José Grabois, a Haidine de Barros e a Maria Luisa, que queria se dedicar ao magistério... O que estranho é que daquele grupo de auxiliares de geógrafo do IBGE na época, alguns fizeram

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belas carreiras, como o Roberto Lobato Corrêa, o Jorge Xavier da Silva, o Gelson Rangel, mas uma jovem professora que eu admirava muito pelos seus conhecimentos geográficos ficou no ostracismo: Olindina Vianna Mesquita. Sabia Geografia que não acabava mais! GIRAMUNDO: Você se dedicou ao estudo da Geografia do Estado do Rio de Janeiro. Fale sobre sua longa experiência e sobre sua visão acerca da atual situação do território fluminense. PROF. TURNOWSKI: Em meados dos anos 60 criou-se a Divisão de Geografia da Secretaria de Planejamento do então Estado da Guanabara, cujo primeiro diretor havia sido fundamental no desenvolvimento do Conselho Nacional de Geografia do IBGE: Fabio de Macedo Soares Guimarães. Quando o Professor Fabio foi organizar a Divisão de Geografia do Estado da Guanabara, ele perguntou pelos professores que tiveram que abandonar o cargo de Auxiliar de Geografia do IBGE. Alguns de nós fomos trabalhar com ele. Ele não chamou o Grabois porque havia conflitos ideológicos com o Governo da Guanabara e ele era filho de um deputado do PCdoB, que até mesmo foi presidente de honra. Inclusive, o Estado fez com o Grabois uma injustiça, porque era crime ter outra opinião no Brasil. Ele já havia feito dois concursos para Professor de Geografia, mas quando veio a ditadura foi cassado. Fez dois novos concursos, passou em primeiro lugar e foi cassado de novo. Perdeu quatro matrículas de professor do Estado! Depois foi ser professor na Paraíba, fez outro caminho. Fiz, portanto, a carreira como Geógrafo do Estado da Guanabara e, depois da fusão, do Estado do Rio de Janeiro. Fizemos, por exemplo, uma pesquisa sobre a geografia industrial do antigo Estados da Guanabara e sentimos naquela época que não dava mais para a cidade do Rio ser o Estado que era. Tinha que haver a fusão! O segundo governador do antigo Estado da Guanabara entre 1965 e 70, Negrão de Lima, tinha medo da fusão. Então, ele não deixava a gente pegar o carro e ir pra Baixada. Tinha que 108

pedir autorização. Mas, então, ia com meu carro mesmo (risos). Estudamos a indústria nessa área, uma parte foi publicada, mas a divulgação foi muito frágil. Ainda mais, outra coisa da época: quando acabava de publicar já era fim de governo e o que entrava mandava jogar tudo no lixo. Era assim! Então os trabalhos não foram divulgados, mas tudo bem. Fizemos o trabalho. Passei a ser conhecido de um escritório chamado Assessores Técnicos Limitada – ASTEL. E sempre que havia qualquer trabalho sobre Guanabara, RJ, indústria e geografia, eles me chamavam para fazer parte de projetos. Naquela época eu trabalhava muito com planos de desenvolvimento, municipais ou regionais. Plano de Niterói, plano daqui, plano dali... E eles tinham que apresentar uma proposta para um planejamento desse lugar. E as propostas começavam com uma introdução geográfica, para o quê sempre me convidavam. Esse escritório ganhou muitos projetos, como os para estimular o turismo em Guarapari, Iriri, locais capixabas. E se a gente olhar pra trás, vai pensar: “poxa, o Espírito Santo hoje está bem na área de turismo”. Fizeram planos bem feitos. Inclusive a Estrada do Sol, que liga Guarapari a Vitoria, por iniciativa do governo do Espírito Santo é uma estrada bacana, uma ligação rápida e que ajuda a desenvolver as áreas praianas. Esse contrato o escritório conseguiu e fez boas propostas. Portanto, fui vivendo assim: vou ficar como geógrafo o máximo de tempo possível. Aí criaram em 1975 o novo Estado do Rio de Janeiro, fundindo a Guanabara e o antigo RJ. Foi criada a Fundação do Instituto de Desenvolvimento do Estado do RJ – FIDERJ. E eu fui trabalhar na FIDERJ, tive que abrir mão do cargo como professor efetivo para ser geógrafo CLT. Ganhava muito mais. E eu adorava! Sinceramente, eu adorava! E depois me mandaram continuar cuidando do Anuário Estatístico estadual. Eu me lembro de um episódio: naquele tempo o Brasil tinha umas megalomanias de querer construir grandes coisas. E o presidente da FIDERJ chegou e disse: “nós vamos construir um porto na saída do Vale do Paraíba, em Campos, para escoar açúcar.” Eu G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 0 3 - 1 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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respondi: “manda aviso pro governador que o Rio de Janeiro não exporta um grama de açúcar”. Ele respondeu: “Salomon, vem aqui e prova que o Rio não exporta açúcar.” Eu mostrei: a produção de açúcar vai toda para o próprio Rio de Janeiro, não exporta nada! Vai tudo pro mercado interno. Ele ficou agradecido a mim e disse: “puxa, que bom, porque se eu solto isso na rua...” Queimam ele! (risos) Acho que era assim que eu tinha que fazer! Mas aí é que eu vi a falta de disposição para que o Rio de Janeiro progredisse. Quando nós começamos a mover um estudo para organização de dados sobre o Estado do Rio de Janeiro, São Paulo estava renovando seu órgão de estatística. E dizíamos: “vamos ali ver o que eles estão fazendo”. Eles tinham um prédio à disposição enorme, maior que o Colégio Pedro II. Mas, bom, eles não faziam nada. Então eles aproveitaram aquela gente pra ser um bom órgão de estatística. E até hoje possuem um órgão de estatística vigoroso. Então, dissemos: “poxa, a gente pode fazer!”. Por exemplo, calcular a taxa de mortalidade. Os órgãos de estatística da Secretaria de Saúde recebiam todos os atestados de óbito. Ainda hoje recebem todos. Aí você pega aqueles atestados de óbito, tem a relação de idade, sexo, local que morreu e a causa mortis. Então, você tem a informação lá, espetacular. E esse órgão começou a publicar estatísticas de mortalidade trimestrais. Então, a gente pode fazer isso! O calculo de mortalidade era feito à mão aqui. Não existia computador manual, mas já existia aquele de contar cartões. E dava pra fazer, não só dava pra fazer, como seria uma escola de avanço da informática. O Rio de Janeiro não quis! Acabou o governo Faria Lima, entrou o governo Chagas Freitas, entrou o Brizola e eles continuaram sem fazer... Politiquice! E ai quebrei a cara. A historia foi a seguinte: em 1980 uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi marcada para o campus da UERJ, se me lembro bem. E um dos pleitos que os cientistas tinham era colocar no Rio um órgão equivalente à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Então, o que o governador pegou a FIDERJ e mais

um órgão que fazia apoio às aulas de ciências, que funcionava na Quinta da Boa Vista, juntou os dois e criou a FAPERJ. Ele criou a FAPERJ não para estimular a pesquisa, mas pra não ser criticado na reunião da SBPC! E o pior é que os meus colegas da FIDERJ fizeram um movimento mostrando que ela era autossustentável. Sabe como é economia?! A gente pode provar qualquer coisa! (risos) e provamos “por a mais b” que a FIDERJ dava lucro. Não era mentira! Evidente, não convenceu. (risos) E surgiu mais um fato contra nós: o governador tinha nomeado Israel Klabin prefeito do município do Rio de Janeiro. Naquela época se nomeava o prefeito da capital. Depois o governador anunciou que ia tirar o prefeito para nomeá-lo presidente do BANERJ. E alguém disse que o Secretário de Planejamento com quem eu trabalhava, Francisco de Melo Franco, que seria o prefeito. Ele não foi. Foi escolhido outro. O Melo Franco ficou constrangido e pediu exoneração. Quando ele pediu exoneração, entrou outro que mandou “limpar”. E entre os que ele mandou limpar lá estava eu! (risos) – “esse cara aí fez movimento contra a FAPERJ, manda embora!” (risos). Mas também eu não teria vida mais longa... Isso foi em 1981. O pior foi que no ano seguinte, Miro Teixeira foi candidato a governador e foi derrotado pelo Brizola. A nova FAPERJ ficou sob a direção do vice-governador, Darcy Ribeiro, que botou toda a equipe de Geografia pra fora! Só ficaram estagiários! Até a Lysia Bernardes, diretora do Departamento de Geografia foi mandada embora. E lembro depois disso um episódio que aconteceu em 1987 em Barra do Piraí... Havia uma reunião com o prefeito (já era o governo Moreira Franco), que a Light havia requisitado. A questão era a seguinte: há um trecho em que o curso do Rio Piraí foi invertido. A água era jogada para o alto da serra pra servir de reservatório e depois gerar energia, liberando áreas de várzea. E o trecho a jusante ficava seco. Mas a Light dizia que, quando caía chuva muito forte era uma desgraça, precisavam liberar água porque

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alagava tudo. E alagava mesmo! A empresa estava preocupada porque estavam invadindo a várzea com favelas, e não só com favelas, a fábrica de papel da Cia. de Cigarros Souza Cruz utilizava um pedaço. “Não tem problema, a gente vai pedir pro Departamento de Geografia pegar umas fotografias aéreas, delimitar o leito maior e o leito menor, aí pronto: define a lei.” Cadê que tinha Departamento de Geografia pra delimitar leito maior? (risos) GIRAMUNDO: Não tinha mais estrutura institucional para isso! PROF. TURNOWSKI: É! Porque foi destruída! Mas essas e outras razões explicam, ou pelo menos exemplificam, de porque o Estado do Rio de Janeiro decaiu entre os anos 80 e 90. Vou dar outro exemplo: nos anos 1970 começou o BNH a financiar habitação popular. Então nós mandávamos as pessoas irem lá nos institutos de financiamento, para mapear na cidade do Rio onde ficavam essas obras. E nós vimos que pelo plano ali, ia dobrar a população nas margens da Av. Brasil, onde hoje é a Ceasa em Irajá. Então, a gente quis chamar a atenção: “tem que construir outra avenida!” Mas a reação foi qual? “Deixa isso pra lá! Esquece isso!” Mas, retomando, em 1981 eu saí. Fui trabalhar um pouco na ASTEL, essa empresa de assessoria técnica. No caso fazendo um plano de desenvolvimento turístico para a Região Centro-Oeste. Nós tínhamos de pensar o turismo à base de viagens rodoviárias. A partir de São Paulo os turistas iam visitar o Centro-Oeste. Então levantávamos os polos de atração, e onde podiam acomodar-se. Lembro que o engenheiro rodoviário chegou, colocou o mapa do CentroOeste e, quando ele começou a descrever, parecia a Geografia dos anos 1940. Absolutamente descritivo. Eu olhei assim, poxa, engenharia de transportes é isso?! De tantos em tantos quilômetros tinham que ter um posto de gasolina, tinha que ter um restaurante... e não sei o quê para difundir esses polos. Aí fizemos o projeto, veio nova crise do petróleo, tiveram que transferir 110

um pouco a execução. Hoje não sei o que se usou daquele trabalho, mas é mais ou menos o que agente pensava para o avanço do turismo no Centro-Oeste. Só não pensávamos, naquela época, no avanço tão rápido do agronegócio. Já havia uma ideia bem clara. Por exemplo, Goiânia: se ficar uma semana em Goiânia, pode visitar tais e tais lugares, considerando a centralidade do lugar. Mas quando chegou em 1982, eu já tinha que arranjar algo mais estável para trabalhar. Até que um dia em 1984 minha mulher me telefona: “Salomon, estou lendo aqui no jornal que vai ter concurso pro Colégio Pedro II”. A prova naquele tempo consistia no seguinte: tinha dez temas e 24 horas antes divulgavam quais eram os dez. Só o titulo. Sobre cada ponto, você tinha que escrever tudo! Só caia uma questão, sorteada! E no meio daquela escrita que se estava fazendo para demonstrar conhecimento sobre o assunto, você tinha que separar ideias para fazer um plano de aula. Sobre aquele tema. Então, calhou: desenvolvimento da Região Centro-Oeste!!! (muitos risos). Tive que fazer um plano de aula, acho que para 7ª ou 8ª série. Eu me lembro que só cheguei à metade. Eu mal cheguei na parte humana! (risos) Escrevi, escrevi, escrevi... sem parar! Assunto não faltou, né?! (risos). Foi assim que entrei para o Pedro II. GIRAMUNDO: Havia ligação sua com o Colégio antes? PROF. TURNOWSKI: Nenhuma! GIRAMUNDO: Mas qual era seu imaginário em torno da instituição? PROF. TURNOWSKI: Eu tinha um imaginário do meu tempo do colegial: Pedro II era um colégio bom. Só isso! Eu tinha colegas que estudaram aqui e eram pessoas qualificadas. GIRAMUNDO: Mas o contato com o Nilo Bernardes, por exemplo, no IBGE, que também foi Chefe do G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 0 3 - 1 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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Departamento de Geografia no Colégio?

passou a ter uma ideia de Geografia diferente.

PROF. TURNOWSKI: Tive, ele foi Diretor lá e meu chefe aqui. Ouvi um comentário da esposa dele, que ela ficava muito preocupada com as provas dos concursos, que o que as pessoas escreviam não tinha “pé nem cabeça”. O critério de correção deve ter sido difícil. O pessoal não conseguia concatenar o pensamento. E eu me lembro que eu fiz a prova com 44 anos. Na minha sala acho que estava o Ivan (Prof. Ivan Paladino, da Unidade Humaitá II). Uma garotada! Pensei: todo mundo aí com mestrado e tal, não vou conseguir... mas não! Os outros nove assuntos eu também saberia colocar. Porque no meu tempo de estudante a gente aprendia Geografia pela escola francesa. Se pegasse um livro de ensino do Ginásio e Científico na França, você aprofundava. Você olhava os livros e via um conjunto. Hoje diante da Geografia não se vê bem conjunto! Não se tem ideia de até aonde vai. Relação você vê. Você não vê abrangência!

GIRAMUNDO: Fale, então, um pouco, sobre a sua experiência e sua trajetória no Colégio Pedro II.

GIRAMUNDO: Você vê alguma vantagem na Geografia atual? PROF. TURNOWSKI: Não sei, para a escola? Para a escola, claro! Porém, os tipos de discussão que a universidade faz, de questionar cada tema, estão muito longe da escola de nível médio. O aluno ainda nem sabe qual é o tema e já está questionando, já está posto pra debater! A Geografia na escola tinha que ser mais abrangente. GIRAMUNDO: Você estava falando da Geografia desde os anos 80, quando nossa ciência no Brasil passa por uma mudança forte, a partir do Congresso de 1978 em Fortaleza... PROF. TURNOWSKI: Me afastei da Geografia acadêmica. Eu não gostaria de comentar muito não! Sou contra a Geografia Crítica. Eu acho que a Geografia Critica é a antiga Geografia Política com sinal trocado. É apenas um instrumento de propaganda. Então não me envolvi. E acho que ela fez mal! Para a escola foi péssimo! Cada um

PROF. TURNOWSKI: Não posso falar sobre outras unidades, posso falar sobre Humaitá. Não sei como está, por exemplo, São Cristóvão. Eu acho os alunos de 2009 aqui no Humaitá superiores em qualidade, digamos, aos alunos de 2004 ou mais antigos. Quanto aos professores vai haver uma transformação. A geração de vocês sabe usar computador, Datashow. E a minha geração não. É uma transformação de qualidade. Diria que o único avanço técnico que a minha geração teve em relação à anterior, para lecionar, foi xerox! A anterior não tinha e isso realmente mudou os estilos de provas. Agora vocês estão com um equipamento novo muito melhor. Não sei se vai ter gente entendendo. Porque uma coisa é o aluno compreender a síntese ao final de um aprendizado, outra coisa é entender as preliminares. E nós ensinávamos também as preliminares, bases do conhecimento. Sinto falta disso, das preliminares. Agora, nesse período em que lecionei houve na escola brasileira uma catástrofe! Vamos ver desde quando eu entrei na escola e o fracasso que nós tivemos... Então, disse que quando entrei no Pedro II, em 1984, já tinham começado a universalizar o ensino do antigo Ginásio. Ou seja, acabou o exame de admissão e aí a qualidade dos alunos desabou. GIRAMUNDO: Já que você atuou como geógrafo durante muito tempo, o quanto isso contribuiu para sua atividade como docente? PROF. TURNOWSKI: Ah, sim! Contribuiu com a visão de conjunto. A pesquisa geográfica é um chão! Aprendi o que é chão! Quando eu leio um texto do Roberto Lobato eu sinto bem o peso que nele tiveram as antigas geografias Possibilista e Teorética. Agora, quando eu pego leitura de outros professores não vejo isso. Por exemplo, de São Paulo, a Professora Maria Adélia, eu não vejo isso. Agora no Lobato eu vejo estas

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influências. Por exemplo, aqueles três volumes que o Lobato publicou pela Editora Ática: “O espaço urbano”, “A rede urbana”, e “Região e organização espacial”. Você sente claramente ali a influência da Teorética. E acho que tem mais da Teorética do que da Crítica. Se é que cabem essas classificações. Agora ele abraçou a Critica porque eu tenho a impressão que ele tinha que “vender o peixe dele”. Não tinha jeito! Uma pessoa que tem até ideias de esquerda, como o Grabois, não abraçou a Geografia Critica. Continuou fazendo a Geografia Possibilista que se fazia antigamente. Faz aquelas análises regionais, tipicamente com modelo no Orlando Valverde. GIRAMUNDO: E para os professores em inicio de carreira, quais são seus conselhos? PROF. TURNOWSKI: (risos) Tentar passar para o Colégio Pedro II!!! Porque aqui ainda se dá aula de verdade. Um exemplo de professor que saiu daqui e hoje faz carreira lá fora é o Helion (Póvoa Neto), que passou no concurso de 1984. E naquele tempo não tinha isso de passar quatro mais quatro. Eram quatro vagas iniciais mais quantos tivessem passado que iam sendo chamados. Então, chamaram, acho, mais uns doze. Uns dez ou doze, só no concurso que fiz. E houve um caso que ficou famoso, de alguém que hoje é um grande geógrafo, que passou mas não levou. Foi o do Rogério Haesbaert. Pelo que me disseram, quando caiu aquela questão sobre o Centro-Oeste, o problema do Haesbaert foi que ele começou a discutir o que é região (risos). Parece que ele foi brilhante, mas nunca chegou ao Centro-Oeste! (risos) Mas não acaba aí: depois de passados alguns anos, foi se fazer uma Semana da Geografia, organizada pelo Nilo Bernardes, então Chefe do Departamento, que chamou o Haesbaert para dar não só uma palestra, chamou pra dar cinco aulas! Como ele deve ter orgulho próprio, ele deve ter pensado: “vou mostrar pra esses caras quem eu sou”! E ele deu um show! Deu cinco aulas que foram uma maravilha! No final do seminário o Vice-chefe do Departamento virou para o Professor Nilo e falou 112

assim: “olha aí quem você reprovou!” Aí o Nilo respondeu: “foi ótimo, pois olha que maravilha, o que ele aprendeu depois!” (muitos risos). E ele defende uma tese nos textos escritos dele, que está de acordo com a minha ideia, de não deixar morrer a região. O tempo todo ele vem dizendo que ela existe. E o congresso de 1978 matou a região! Porém, me afastei da Geografia Critica, pois as perguntas que a Geografia fazia, fundamentais na nossa ciência, deixaram de ser respondidas. E a Geografia Crítica não fez perguntas, só fez ponderações. Vou te dar um exemplo: a definição do Milton Santos sobre o espaço geográfico como um conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ações... ele repetiu duas vezes a palavra sistema. Quando ele voltou do exílio foi arrasando o conceito de sistema. Ele usava “fixo” e “fluxo” e, no final das contas, quando os definiu voltou a usar sistema. Mas o Milton Santos não condenava o conceito de região. Ele condenava o método... O problema todo de nossa geração é que nós tínhamos dificuldade quando alguém queria delimitar as regiões. Isso é querer ser positivista demais. Aí fizeram todas aquelas técnicas estatísticas e o que ficou? Ficaram definidas as regiões a partir das médias! Me desculpe, mas era um exercício! Não era um modelo pronto. Ele tinha que entender que aquilo era uma fase de exercício. Nós estávamos na fase de aprender o que era aquilo. Nós não estávamos como os norte-americanos: “geógrafos, estudem sistema!” Em um exercício você não tem que acertar de primeira. Podíamos ter avançado muito mais e hoje haveria empregos para os geógrafos medirem fenômenos. A gente não se apropriou das oportunidades do mercado. Quando a Geografia desistiu da tecnologia e optou pela Geografia Crítica esvaziaram a Geografia Física! Vejam bem, nós temos condições, melhor do que os outros, para saber que uma área foi degradada em diversos aspectos, pois entendemos as suas relações. Vou te dar um exemplo do início desse processo de Geografia Crítica: o Ruy Moreira escreveu um trabalho que disse que o Professor Pierre George era megalômano. Porque George G I R A M U N D O , R I O D E J A N E I R O , V . 1 , N . 1 , P. 1 0 3 - 1 1 4 , J A N . / J U N . 2 0 1 4 .


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sugeria que nessas discussões o geógrafo tivesse uma posição central. Ruy quis exagerar nas tintas, eu acredito que seja isso, mas isso é propaganda! E o Pierre George colocava aquilo porque suas ideias não venceram no país, porque quando a França ia ser administrada a partir das regiões houve um plebiscito para ver se eles aceitavam. E a França disse não. Perdeu a eleição não por causa da análise técnica, perdeu porque o povo queria derrubar o General De Gaulle. Mas a divisão da França em regiões de menor abrangência não foi implantada. E também não sei se seria bom! Mas isso aconteceu e Pierre George passou a pleitear um tipo de Geografia de visão abrangente. Na prática, o que criticava estava claro nas obras de um professor que escreveu livros didáticos muito bons, o Professor Murilo Alves, o “Murilão”. Ele dizia o seguinte: “eu sei relacionar agricultura com clima. Eu sei relacionar! Só que você pega o meu livro e nele há um capítulo sobre clima, outro sobre agricultura. E o professor pode relacionar como quiser! Eu não vou ensinar o “be-a-bá” para o professor.” Agora não, agora os autores de livros já entram relacionando sem deixar margem a outras opções. GIRAMUNDO: Mas isso todos concordam, que o livro não pode substituir o professor... PROF. TURNOWSKI: Isso foi o que o Murilo Alves nos ensinou aqui. GIRAMUNDO: Essa é a grande diferença da Geografia ensinada antigamente para a Geografia ensinada hoje? Essa falta de base em conduzir o aluno a sistematizar o conhecimento pra depois fazê-lo relacionar... PROF. TURNOWSKI: Sim, uma delas. Agora como é que isso influenciou na minha pessoa? Eu faço questão de dar a matéria toda. Mesmo que em cada ponto eu diminua o conteúdo, faço questão de terminar o programa no ano. O que é incomum. Comum é o professor começar com um tema e com ele tomar o ano todo. Ele não consegue avançar. Por que faço isso? Porque faço questão

de que o aluno tenha uma visão de conjunto. Mesmo que eu diminua o conteúdo aqui e ali. No entanto, hoje se vê as pessoas discutindo a Alemanha pra cá e pra lá, sem nem saber direito onde ela fica! O aluno não precisa decorar, mas ele precisa se habituar a consultar o mapa. GIRAMUNDO: Memorização talvez seja o termo errado, mas se habituar a ver o mapa e saber onde a Alemanha está no contexto da Europa. Isso o senhor já acha essencial para o aluno, ou o senhor acha que temos que ir um pouco mais além? PROF. TURNOWSKI: Aí você vai colocar: qual é a tua opção como professor do Colégio Pedro II, no meu caso, da Unidade Humaitá? Vou dar aula para quem? Para o aluno médio, para o aluno superior ou para o aluno com mais dificuldades? Essa escolha vocês vão ter que fazer! Essa não adianta. Eu tento chegar ao superior. Eu não consigo. Então eu tento dar uma aula um pouco mais avançada para eles. Na hora da cobrança é inferior. E com uma técnica, que não sei se está correta pelas indicações da Pedagogia: a primeira prova é mais difícil e depois vai diminuindo a dificuldade... até chegar na última que já é para “abrir a porteira”. (risos). Não sei se está certo. Quando eu terminei meu estágio a Catarina Dias, minha chefe de seção no IBGE, veio me cumprimentar, porque terminei a faculdade e tal. E ela se virou pra mim e falou assim: “Salomon, você vai viver como professor... vou te dizer uma coisa: se você não se dedicar, em dois anos você abandona o magistério! Se você não gostar de dar aula... você não vai aguentar! Em dois anos você abandona isso”. E é verdade! Então eu fui descobrir o que eu gosto no magistério. E eu disse com sinceridade: não é aluno, é Geografia! (risos) Eu admito: gosto de falar sobre Geografia. E quero que eles sejam plateia! (risos). GIRAMUNDO: Agora, planos para a aposentadoria... Você gostaria de continuar dando aula ou está de bom tamanho?

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PROF. TURNOWSKI: Sim, mas estou com uma dificuldade física muito grande. Não está de bom tamanho, não. Eu gostaria de continuar. Mas dando aula para adolescentes e pré-adolescentes, você tem que ter mais preparo físico. A voz tem quer ser outra. Eu consegui porque fui diminuindo a carga de aulas. Vou chegar aos 70 anos. A lei determina a aposentadoria. GIRAMUNDO: Bom, mais alguma coisa que o senhor queira acrescentar, professor? PROF. TURNOWSKI: No roteiro de perguntas tinha uma sobre o futuro do Colégio Pedro II, mas essa

é difícil de falar... Ainda assim, tenho uma ideia e vou dizer isso a vocês. Tive diversos diretores aqui no Humaitá. Todos os diretores trabalhavam no mínimo 12 horas por dia. Se nós vamos escolher dirigentes e os dirigentes ficarem apenas com ideias, não adianta. Tem que ser gente que trabalhe mesmo 12 horas por dia. E aí, como é dedicada, a pessoa tem até mesmo o direito de errar! Porque sabemos que ela se dedica e vai corrigir. Com menos de doze horas de trabalho diário, um dirigente do Colégio Pedro II não dá conta. Está na hora de pararmos com demagogia e escolhermos quem está disposto a trabalhar ainda mais.

REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA: EQUIPE GIRAMUNDO Carolina Vilela (Prof. do Colégio Pedro II – Campus Humaitá II) Demian Castro (Prof. do Colégio Pedro II – Campus Realengo II) Márcio Nery (Prof. do Colégio Pedro II – Campus Tijuca II) Pedro Paulo Biazzo (Prof. do Colégio Pedro II – Campus Centro) ELABORAÇÃO, TRANSCRIÇÃO E EDIÇÃO Daniel Souza Monteiro de Jesus (Estagiário de Prática de Ensino em Geografia da UFRJ) Pedro Paulo Biazzo (Prof. do Colégio Pedro II – Campus Centro) 114

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS ACESSE O SITE DA REV I S TA PARA M AI ORES I NFORM AÇ ÕE S : HT T P: //WWW.CP2.G 12. BR/OJS /I NDEX . P HP /GI RAM U NDO R EVISTA DE G EOGRAFIA DO COLÉGIO PEDRO II

A LGU M A S CO NS IDER A Ç ÕES S OB R E C OMO FEEDB A C K E ES TR U TU R A P ODEM AJUDAR CR I A NÇA S A A PRENDER GEOGR A FIA | O C OLEGIO P EDR O II E A INS TITU C ION AL IZAÇÃO DA GEOGR A FI A ES C OLA R NO B R A S IL IMP ÉR IO | FINA LIDA DES DIDÁTICAS E QU ESTÕES CU R RIC U LA R ES | A IDEOLOGIA DO DES ENV OLV IMENTO S U S TENTÁVEL | A FOR M A ÇÃ O CONTINU A DA DOS P R OFES S OR ES DE GEOGR A FIA NO B R A S IL E O USO DE GEO TECNOLOGI AS | C A R T O G R A F I A S : V IS ITA A O S ER V IÇ O GEOGR ÁF ICO DO EXÉR CI TO | CA RTOGR A FIA E DEFIC IÊNC IA V IS U A L | O C ONC EITO DE ES C A LA | L EITURA, I NTER PR ETA ÇÃ O E C OMPA R A Ç Ã O DE MA PA S B Á S IC OS E TEMÁTIC OS | P R OJ ETO L IXO U R B A NO | E N T R E V I S T A C O M O P R O F E S S O R S A L O M O N T U R N O W S K I

1- FINALIDADE 1.1- A finalidade da GIRAMUNDO: Revista de Geografia do Colégio Pedro II é divulgar artigos, resenhas, entrevistas e práticas pedagógicas relacionadas ao ensino de Geografia. 2- TIPOS DE TRABALHOS 2.1- Serão aceitos para publicação na GIRAMUNDO: Revista de Geografia do Colégio Pedro II os seguintes tipos de trabalhos: a) artigos relacionados à temática da Revista e apresentados sob a forma de revisão de literatura, ensaios ou resultados de pesquisa; b) relatos de experiências pedagógicas (seção com tema pré-definido a cada edição); c) resenhas: de livros, teses, dissertações, filmes e álbuns musicais diretamente relacionados ao Ensino de Geografia; 2.2- Serão aceitos trabalhos em português, espanhol ou inglês, desde que correspondam ao idioma original do(s) autor(es). 3- FORMATO DOS TRABALHOS 3.1- Os trabalhos a serem publicados na Revista GIRAMUNDO devem ter quantidade de página de acordo com a seguinte relação: a) artigos: entre 10 e 20 páginas, incluindo as referências; b) relatos de experiência: 3 a 6 páginas; c) notas e resenhas: entre 3 a 6 páginas. 3.2- Os trabalhos devem ser editados em MS Office 97-2003 (Word) ou equivalente. 3.2.1- A configuração da página deve ser A4 (210 x 297 mm) com margens de 3,0 cm (superior, inferior, direita e esquerda).


RE VIS TA DE G EOG RA FIA DO C OLÉGI O P EDRO I I NORM AS PA R A A P R E S E N TA ÇÃ O D E O R IG IN A IS

A paginação deve ser feita no alto, à direita. Não devem ser usados cabeçalho e notas de rodapé. 3.2.2- O espaço entre linhas é de 1,5, a fonte padrão é Times New Roman, no tamanho 12. 3.2.3- O título do trabalho (em português e um correspondente em língua estrangeira: inglês, francês ou espanhol) deve aparecer centralizado com fonte Times New Roman, tamanho 14, em negrito, letras maiúsculas e espaçamento 1,5. Se houver subtítulo, usar letras minúsculas. 3.2.4- Após o título (e subtítulo), recuado à direita, devem estar o nome dos autores (fonte tamanho 12, negrito e espaçamento simples), a titulação e a identificação da instituição a que pertencem, bem como o(s) correio(s) eletrônico(s) (fonte tamanho 10 e espaçamento simples). 3.2.5- A seção relatos de experiências pedagógicas é a única da Revista GIRAMUNDO que seguirá um tema previamente estabelecido. 3.2.5.1- O tema da segunda edição será: GEOGRAFIA URBANA. 3.2.5.2- Os trabalhos enviados para esta seção devem seguir a seguinte estrutura: Título: em português e o correspondente em língua estrangeira: inglês, francês ou espanhol Objetivo: (até 250 palavras) Condições de aplicação: Descrição das condições nas quais a atividade foi desenvolvida (Escola, série, faixa etária, etc.) Materiais Necessários: Descrição da atividade: até 1500 palavras (3 páginas) Considerações finais: (até 250 palavras) Anexos: materiais didáticos Referências: Filmes, livros, atlas, músicas, etc. 3.2.6- Os artigos científicos e os relatos de práticas pedagógicas devem conter um resumo em português e o resumo correspondente em língua estrangeira: inglês, francês ou espanhol com, no máximo, 15 linhas (até 250 palavras) em espaço simples e uma relação de cinco palavras-chave, descritoras do conteúdo do trabalho e apresentadas em português e em língua estrangeira (inglês, francês ou espanhol). Recomenda-se que seja feita revisão por profissional especializado. 3.2.6.1- A estrutura do texto deve ser dividida em partes não numeradas e com subtítulos (fonte tamanho 12, negrito e sem tabulação). É necessário conter, para os artigos, introdução e conclusão ou considerações finais. 3.2.6.2- Tabelas e ilustrações (ABNT NBR 14724/abril/2011) devem ser referidas no texto e numeradas de acordo com a sequência. 3.2.6.2.1- As tabelas devem ter título/legenda na parte superior (fonte tamanho 12 e espaçamento simples). 3.2.6.2.2- As ilustrações (gráficos, mapas, fotografias, desenhos, esquemas, fluxogramas, organogramas, plantas, quadros e outros) devem ser enviados em formato GIF ou JPG, já inseridos no corpo do texto com título/legenda na parte superior (fonte tamanho 12 e espaçamento simples) e a fonte consultada na parte inferior (fonte tamanho 12 e espaçamento simples) mesmo que seja o próprio autor (O autor, 2013). 3.2.6.3- As notas devem ser marcadas com números no alto à direita da palavra e colocadas no final do texto, antes da referência com fonte tamanho 10. 3.2.6.4- As citações diretas e indiretas devem ser organizadas de acordo com a NBR10520 da ABNT (agosto de 2002). As citações diretas, no texto, de até três linhas, devem estar contidas entre aspas duplas. As citações diretas, no texto, com mais de três linhas, devem ser destacadas com recuo de 4cm da margem esquerda, sem as aspas e com letra Time New Roman, corpo 10. 3.2.6.4.1- A apresentação de citações ao longo do texto deve seguir as seguintes orientações: sobrenome do autor, data, página em letras maiúsculas e minúsculas: Biazzo (2012, p. 93) e, quando estiverem entre parênteses, devem ser em letras maiúsculas: (BIAZZO, 2012, p. 93). 3.6.2.5- As referências devem ser organizadas de acordo com a NBR-6023 da ABNT


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(agosto de 2002) e devem seguir os modelos e exemplos abaixo: a) livros: AUTOR (ES). Título: subtítulo. Indicação de responsabilidade (organização,revisão crítica, tradução etc). Edição. Local de publicação (cidade): Editor, data (ano). Número de páginas ou volumes. RUA, João; WASZKIAVICUS, Fernando A.; TANURI, Maria R. Petrus; PÓVOA NETO, Hélion. Para ensinar Geografia: contribuição para o trabalho com 1o e 2o graus. Rio de Janeiro: Access, 1993. 311p. b) capítulos de livro AUTOR (ES) Título do capítulo. In: AUTOR (ES) DO LIVRO. Título do livro. Edição. Local de publicação (cidade): Editora, data (ano). Número de páginas. Páginas inicial e final do capítulo. QUIJANO, Aníbal. O que é essa tal de raça?. In: SANTOS, Renato Emerson dos. Diversidade, espaço e relações étnico-raciais: o negro na geografia do Brasil. Belo Horizonte: 2007, 208p. p. 43-5 c) monografias, dissertações e teses: AUTOR. Título: subtítulo. Número de folhas ou volumes. Tipo de trabalho (grau)-vinculação acadêmica, local e data de apresentação ou defesa, mencionada na folha de apresentação (se houver). VILELA, Carolina Lima. Currículo de Geografia: analisando o conhecimento escolar como discurso. 201 f. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. d) trabalhos apresentados em congressos: AUTOR (ES) DO TRABALHO. Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número do evento, data da realização, local de realização (cidade). Título... Local de publicação (cidade): Editora, data de publicação (ano). Páginas inicial e final do trabalho. CORRÊA, Márcio Ferreira Nery. Elementos de reflexão acerca da geografia ensinada no Imperial Collegio de Pedro II e de sua relação com a questão da formação territorial e do Estado nação brasileiros. In: XIII Encuentro de Geógrafos de América Latina. 13., 2011, San José. Anais... San José: Universidad de Costa Rica/Universidad Nacional, 2011. CD-ROM e) artigos de revistas AUTOR (ES) DO ARTIGO. Título do artigo. Título da revista, local de publicação (cidade), número do volume, número do fascículo, página inicial e final do artigo. Mês e ano do fascículo. ROCHA, Ana Angelita. QUAL A REFERÊNCIA DA MATRIZ?: notas para ensaiar uma reflexão sobre a disciplina escolar e a Geografia no ENEM. Revista Brasileira de Educação em Geografia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 01-23, jan./jun., 2012. f) informação obtida via CD-ROM AUTOR. Título. Local de publicação (cidade): editora, data (ano). Tipo de suporte. Notas. CIDE. Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nigraph, 1997. g) informação obtida pela WEB AUTOR (ES). Título. Disponível na Internet. Endereço. Data de acesso. CASTRO, Demian Garcia. Significados do conceito de paisagem: um debate através da epistemologia da geografia. Disponível em: http://www.pucsp.br/~diamantino/PAISAGEM.htm Acesso em: 28 fev. 2010.

4- ENVIO E AVALIAÇÃO DE TRABALHOS 4.1- Artigos, relatos de práticas pedagógicas ou resenhas, devem ser encaminhados para o Editor da Revista GIRAMUNDO, por meio eletrônico. O trabalho será submetido à avaliação de dois membros do Conselho Editorial. 4.2- A avaliação dos trabalhos será pautada a partir da observação dos seguintes critérios: a) originalidade, b) relevância científica, c) correção, clareza e qualidade gráfica das ilustrações.


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4.3- Os pareceres poderão ser de aceite para publicação, aceite para publicação com correçãoou não aceite para publicação. 5- DIREITOS AUTORAIS 5.1- O envio de qualquer trabalho caracterizará a concordância com as diretrizes editoriais da Revista GIRAMUNDO e as normas aqui estabelecidas. 5.2- O(s) autor(es) autoriza(m) a divulgação de seus trabalhos sem receber qualquer valor monetário pela divulgação. 5.3- O(s) autor(es) assume(m) a autoria de seu texto e a responsabilidade pelas ilustrações e tabelas. 6- SUBMISSÕES ONLINE 6.1- As submissões deverão ser feitas através do site: http://www.cp2.g12.br/ojs/index.php/GIRAMUNDO




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